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APRESENTAÇÃO Este módulo faz parte da coleção intitulada MATERIAL MODULAR, destinada às três séries do Ensino Médio e produzida para atender às necessidades das diferentes rea- lidades brasileiras. Por meio dessa coleção, o professor pode escolher a sequência que melhor se encaixa à organização curricular de sua escola. A metodologia de trabalho dos Modulares auxilia os alunos na construção de argumen- tações; possibilita o diálogo com outras áreas de conhecimento; desenvolve as capaci- dades de raciocínio, de resolução de problemas e de comunicação, bem como o espírito crítico e a criatividade. Trabalha, também, com diferentes gêneros textuais (poemas, histórias em quadrinhos, obras de arte, gráficos, tabelas, reportagens, etc.), a fim de dinamizar o processo educativo, assim como aborda temas contemporâneos com o ob- jetivo de subsidiar e ampliar a compreensão dos assuntos mais debatidos na atualidade. As atividades propostas priorizam a análise, a avaliação e o posicionamento perante situações sistematizadas, assim como aplicam conhecimentos relativos aos conteúdos privilegiados nas unidades de trabalho. Além disso, é apresentada uma diversidade de questões relacionadas ao ENEM e aos vestibulares das principais universidades de cada região brasileira. Desejamos a você, aluno, com a utilização deste material, a aquisição de autonomia intelectual e a você, professor, sucesso nas escolhas pedagógicas para possibilitar o aprofundamento do conhecimento de forma prazerosa e eficaz. Gerente Editorial Sociedade e Poder

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APRESENTAÇÃO

Este módulo faz parte da coleção intitulada MATERIAL MODULAR, destinada às três

séries do Ensino Médio e produzida para atender às necessidades das diferentes rea-

lidades brasileiras. Por meio dessa coleção, o professor pode escolher a sequência que

melhor se encaixa à organização curricular de sua escola.

A metodologia de trabalho dos Modulares auxilia os alunos na construção de argumen-

tações; possibilita o diálogo com outras áreas de conhecimento; desenvolve as capaci-

dades de raciocínio, de resolução de problemas e de comunicação, bem como o espírito

crítico e a criatividade. Trabalha, também, com diferentes gêneros textuais (poemas,

histórias em quadrinhos, obras de arte, gráficos, tabelas, reportagens, etc.), a fim de

dinamizar o processo educativo, assim como aborda temas contemporâneos com o ob-

jetivo de subsidiar e ampliar a compreensão dos assuntos mais debatidos na atualidade.

As atividades propostas priorizam a análise, a avaliação e o posicionamento perante

situações sistematizadas, assim como aplicam conhecimentos relativos aos conteúdos

privilegiados nas unidades de trabalho. Além disso, é apresentada uma diversidade de

questões relacionadas ao ENEM e aos vestibulares das principais universidades de cada

região brasileira.

Desejamos a você, aluno, com a utilização deste material, a aquisição de autonomia

intelectual e a você, professor, sucesso nas escolhas pedagógicas para possibilitar o

aprofundamento do conhecimento de forma prazerosa e eficaz.

Gerente Editorial

Sociedade e Poder

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Dados Internacionais para Catalogação na Publicação (CIP)(Maria Teresa A. Gonzati / CRB 9-1584 / Curitiba, PR, Brasil)

S586 Silva, Michele Czaikoski.Ensino médio : modular : filosofia : sociedade e poder / Michele Czaikoski Silva ;

ilustrações Eduardo Borges, José Aguiar. – Curitiba : Positivo, 2013. : il.

ISBN 978-85-385-7500-9 (livro do aluno)ISBN 978-85-385-7501-6 (livro do professor)

1. Filosofia. 2. Ensino médio – Currículos. I. Borges, Eduardo. II. Aguiar, José. III. Título.

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gerais da Patrística

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SUMÁRIO

Unidade 1: Pensamento político na Antiguidade

Pólis ideal 6

Animal político 11

Unidade 2: Pensamento político na Idade Média e no Renascimento

Direito divino de governar 17

Cidade de Deus 19

Os fins justificam os meios? 24

Unidade 3: Pensamento político: do Iluminismo à atualidade

Defensores do pacto social 30

Estado soberano 42

Lutas de classes 46

Unidade 4: Participação política

Ideologia 50

Democracia 52

Cidadania 52

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Sociedade e Poder4

A prova de que o Estado é uma criação da natureza e tem

prioridade sobre o indivíduo é que o indivíduo, quando isolado, não é

autossuficiente; no entanto, ele o é como parte relacionada com o

conjunto.

Aristóteles

ARISTÓTELES. Política. In: ______. Aristóteles. São Paulo: Nova Cultural, 2004. (Os pensadores), p. 147.

A humanização nunca pode dar-se na solidão; jamais resulta,

tampouco, de uma obra dada a público. Só a atinge aquele que expõe

sua vida e sua pessoa aos “riscos da vida pública.”

Hannah Arendt

ARENDT, Hannah A dignidade da política: ensaios e conferências. 3. ed. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002. p. 143.

Pensamento político na Antiguidade

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Ensino Médio | Modular 5

FILOSOFIA

Como se estabeleceram os direitos e deveres que a sociedade garante a você? Quais os objetivos do poder? Que critérios determinam quem pode ou não exercer a autoridade? Que razões o obrigam a respeitar as leis? Ou você se considera livre para transgredi-las?

Perguntas como essas levam a reflexões sobre a política. Utilizada em vários sentidos e contextos, essa palavra remete a ideias como poder e organização. Na Filosofia Política, é tratada como governo e como ação coletiva de grupos sociais organizados, que estabelecem leis e obedecem a elas. Essa abordagem surgiu das concepções de poder legítimo das antigas civilizações greco-romanas. Logo, pode-se dizer que a Filosofia e a política conhecidas atualmente nasceram no mesmo berço e na mesma época.

Na Grécia, a comunidade organizada dos cidadãos chamava-se ta politika. Em Roma, chamava-se res publica, expressão cuja tradução literal é “coisa pública”. A cidade antiga, conhecida como polis, na Grécia, e como civitas, em Roma, era entendida como o conjunto de instituições públicas e sua correlata administração pelos cidadãos – excluindo, das decisões políticas, as mulheres, os escravos e os estrangeiros.

Pode-se afirmar que os gregos “inventaram” uma forma organizada e legal, ou seja, baseada em leis, para o exercício do poder. Além disso, também criaram a democracia (demos: muitos/kracia: poder), regime em que os próprios cidadãos exerciam funções públicas e tomavam as decisões de interesse coletivo. O modelo grego (de Atenas) ficou conhecido como democracia direta. Já o modelo atual, aplicado no Brasil e em muitos outros países, é conhecido como democracia representativa. Nele, as decisões de interesse coletivo são tomadas por representantes eleitos, de acordo com as normas de uma Constituição. E esta última corresponde à Carta Magna, ou seja, ao mais importante conjunto de leis de uma nação.

Voltando à Grécia Antiga, vale ressaltar que o legislador Sólon é celebrado como criador da democracia na pólis ateniense. Dois anos após a sua morte, nasceu Platão, futuro discípulo de Sócrates que se tornaria um grande crítico dessa forma de governo. Afinal, ela abria espaço para a retórica, pois os cidadãos tentavam influenciar uns aos outros nas decisões tomadas em praça pública, utilizando-se de discursos para defender opiniões nem sempre justas ou verdadeiras. No uso da retórica, as aparências e a persuasão contavam mais que a verdade. Logo, opondo-se a ela, Platão preferia a dialética, um método discursivo que, em busca da verdade, confrontava conceitos opostos para estabelecer significados rigorosos e verdadeiros.

A Escola

de Atenas:

Pré-Socrática,

Clássica e

Helenista

@FIL421

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Para entender o significado de pólis, geralmente é utilizada a palavra “cidade”, não no sentido de município, tal como ela é empregada atualmente, mas como o conjunto dos cidadãos e a sua forma de organização. O modelo grego de cidade correspondia mais perfeitamente ao que é chamado de Estado na atualidade, ou seja, o governo, o conjunto dos poderes políticos de uma nação. Por isso, a pólis grega costuma ser definida como Cidade-Estado.

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Pólis ideal

Por sua origem aristocrática, o destino natural de Platão seria o exercício da política. Cedo, porém, ele se decepcionou com a democracia, julgando-a corrupta e injusta no episódio da execução de Sócrates. Assim, utilizou o método de investigação filosófica e as concepções éticas de seu mestre para fundar uma teoria política original, descrita no diálogo A República.

O modelo ideal de pólis, concebido por Platão, oferecia lugares fixos para os cidadãos, de acordo com a natureza de cada um. O filósofo acreditava que essa natureza seria revelada pelos indivíduos no decorrer de um processo educativo que se dividiria em três etapas. Cada uma delas oportunizaria aos cidadãos os seguintes estudos:

1. Ginástica e Música;2. Ciências – Matemática, Geometria, Astronomia;3. Filosofia.De acordo com esse modelo, quem não se destacasse na primeira fase formaria a classe produtora –

ou seja, a dos agricultores, comerciantes e artesãos –, que seria dirigida pelas classes superiores. Quem prosseguisse nos estudos, mas não se destacasse na fase seguinte, comporia a classe guerreira e aplicaria os seus méritos na defesa da cidade. Os demais, após a conclusão da terceira etapa, viriam a se tornar magistrados (ou auxiliares); e os melhores entre eles, governantes.

O governo defendido por Platão poderia ser monárquico (poder exercido por um rei) ou aristocrá-tico (poder exercido por uma elite), mas não poderia ser democrático, pois, segundo ele, só os

melhores possuíam aptidão para governar. Como critério para estabelecer a distinção entre os melhores e os demais, ele citava a Filosofia, pois acreditava que somente

o filósofo teria disciplinas moral e intelectual suficientes para vencer os próprios desejos, pelo bom uso da razão. Portanto, apenas ele conheceria a verdade, a

essência das coisas para além das aparências. Apenas ele teria acesso ao conhecimento de ideias como o bem e a justiça.

No decorrer do tempo, surgiram muitas análises, positivas e nega-tivas, desse modelo político. A igualdade de direitos e deveres entre os

sexos, por exemplo, foi vista como um avanço frente ao regime patriarcal ateniense. Mas também houve críticas à tolerância quanto à escravidão. Além disso, a ideia de uma classe física, intelectual e moralmente superior já

foi associada até mesmo aos princípios do nazismo, no século XX. Outra crítica decorre do fato de Platão sugerir que o rei filósofo poderia mentir aos cidadãos

pelo bem deles próprios, uma vez que ele representava o prisioneiro da Alegoria

Sociedade e Poder6

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(ou mito) da Caverna, que conheceu a verdade e deveria educar os demais prisioneiros. No entanto, os vícios e as ilusões de seus companheiros, certamente, dificultariam essa tarefa, assim como os desejos e a impetuosidade não dominados dificultam a busca da alma racional pela sabedoria. Portanto, a fim de ser justo e bom, esse governante singular deveria estar acima de qualquer lei escrita e fixa, agindo com discernimento e de acordo com as necessidades em cada caso.

Nessa tarefa, eleprecisava enfrentar

ignorância e às ix

O rei filósofo do O rei filósofo doEstado ideal platônico Estado ideal platônico

representava o representava oprisioneiro que saiu prisioneiro que saiu

da caverna e tinha o da caverna e tinha odever de educar os dever de educar os dever de educar os

que lá permaneceram. que lá permaneceram.Nessa tarefa, eleNessa tarefa, ele

precisava enfrentarprecisava enfrentar a resistência dosa resistência dos

demais, acostumados à demais, acostumados àiggnorância e às pap ixõeessiggnorância e às pap ixõess

ESCOLA FLAMENGA. Caverna de Platão. Século XVI. 1 óleo sobre painel, color. Musée de la Chartreuse, Douai.

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A seguir, você vai conhecer a narração do personagem Sócrates de um trecho do diálogo entre ele e Gláucon (ou Glauco), na obra A República. Trata-se da revelação de um mito, como recurso para garantir que, no Estado ideal platônico, os indivíduos ocupassem apenas os cargos adequados à sua suposta natureza.

– Então, no caso das mentiras necessárias de que falamos agora, que jeito teríamos de dizer uma mentira, única e genuína, com ela persuadindo principalmente os próprios chefes e, se não, o resto da cidade?

– Que mentira? disse.– Não se trata de nada de novo, disse eu, mas de uma história fenícia que, já em tempos passados, ocorreu

em muitos lugares, como nos dizem e fazem crer os poetas, mas não aconteceu em nossos dias nem nunca mais aconteceu nem sei se aconteceria... Mas persuadir-nos disso exigiria um longo processo de persuasão...

– Estás com jeito, disse, de quem hesita em falar!– Acharás, disse, quando eu falar, que é muito natural que hesite. – Fala, disse, e não tenhas medo!

Aspectos da

teoria política

Platão: a

doutrina da

tripartição da

alma

@FIL431

A concepção

de ética em

Platão, a partir

da análise

sobre o bem

comum, a

justiça e a

virtude

@FIL450

FILOSOFIA

7Ensino Médio | Modular

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– Falo sim... Embora não saiba que ousadia nem que palavras eu vou usar, falarei tentando, em primeiro lugar, convencer os próprios chefes e os soldados, em seguida, também o resto da cidade, de que aquilo com que os nutrimos e educamos, tudo isso, como se fossem sonhos, eles acreditavam que se dera com eles e a eles dizia respeito, mas, na verdade, tinham sido plasmados e nutridos sob a terra, eles próprios, as suas armas e o restante de seu equipamento; e, quando estavam completamente formados, mãe que era, a terra os trouxe à luz, e agora é preciso que deliberem sobre a terra que habitam e a defendam como se ela fosse sua mãe e nutriz, se alguém a atacar, e também que pensem nos outros cidadãos como irmãos seus, nascidos da terra.

– Não admira, disse, que há pouco tenhas relutado em dizer essa mentira!– É bem natural, disse eu. Mas, mesmo assim, ouve o resto do mito. Todos vós que estais na cidade sois irmãos,

como diremos ao fazer o relato, mas, ao plasmar-vos, o deus, no momento da geração, em todos os que eram capazes de comandar misturou ouro, e por isso são valiosos, e em todos os que eram auxiliares daqueles misturou prata, mas ferro e bronze nos agricultores e outros artesãos. Já que todos vós sois da mesma estirpe, no mais das vezes, geraríeis

e assim com todas as combinações de um metal com outro. Aos chefes, como exigência primeira e maior, ordenou o deus que de nada mais fossem tão bons guardiões quanto de sua prole, nem nada guardassem com tanto rigor, procu-

forma alguma se compadecesse dele, mas que o relegasse, atribuindo-lhe o valor adequado à natureza, ao grupo dos -

previa que a cidade pereceria quando um guardião de ferro ou bronze estivesse em função. [...]

PLATÃO. A República. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 128-129.

1. Leia estes versos da canção “Mulheres de Atenas”:

Mirem-se no exemploDaquelas mulheres de AtenasGeram pros seus maridos

Elas não têm gosto ou vontadeNem defeito nem qualidadeTêm medo apenasNão têm sonhos, só têm presságiosO seu homem, mares, naufrágiosLindas sirenas, morenas

BUARQUE, Chico. Mulheres de Atenas. Intérprete: Ney Matogrosso. In: MATOGROSSO, Ney. O melhor de Ney Matogrosso e Secos e Molhados. São Paulo: RCA, 1979. 1 disco sonoro (30 min), 331/3 rpm. Lado B, faixa 3.

Considerando a condição das mulheres na pólis ateniense e seus conhecimentos sobre o diálogo A República, de Platão, comente a iniciativa do filósofo de defender direitos iguais para os homens e as mulheres no que se refere à educação e à possibilidade de exercer o governo.

2. Posicione-se criticamente em relação ao modelo de Estado idealizado por Platão. Cite os aspectos que você considera positivos e negativos, justificando essas opiniões.

3. Para manter a harmonia na cidade, Platão sugeria que o governante recorresse a um mito. Atualmente, o Estado utiliza “mitos” para manter a ordem social? Justifique.

Sociedade e Poder8

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Autogoverno platônicoPlatão comparou o governo ideal da politeia (a sua cidade ideal) ao autogoverno, ou seja, àquele

que os indivíduos deveriam exercer sobre si mesmos. Assim, do ponto de vista platônico, as três classes sociais corresponderiam diretamente aos três aspectos essenciais da alma humana:

os produtores representavam a alma apetitiva ou concupiscível, cujos desejos promoviam a sobrevivência do corpo, mas deveriam ser atendidos com moderação;

os guerreiros representavam a alma irascível, responsável pela defesa do indivíduo, que deveria manter a coragem, mas também moderar a agressividade;

os magistrados e governantes representavam a alma racional, capaz de conhecer a verdade e alcançar as essências no mundo inteligível.

Platão também afirmava a necessidade do respeito à hierarquia natural entre essas partes da alma: a racional – sábia, corajosa e moderada – deveria conduzir a irascível, e ambas deveriam controlar a apetitiva. O filósofo desejava que essa hierarquia se refletisse na política ideal, cujos fundamentos seriam o bem comum e a justiça, e cuja meta seria alcançar o bem supremo. Por isso, afirmava que a pólis deveria evitar a propriedade individual de riquezas, a poesia imitativa e as artes que despertassem as paixões humanas. Além disso, deveria submeter os prazeres a rígidas normas, para que não corrompessem os indivíduos e as classes sociais, tornando-os indolentes e passionais. Da mesma forma, o indivíduo deveria manter sob controle os desejos ligados à vida sensível e os seus impulsos emotivos, subordinando-se inteiramente aos ditames da razão.

Papiro Oxyrhynchus, com fragmento do diálogo A República, no qual Platão apresentou um modelo ideal para o governo da pólis e o autogoverno da alma.

O Estado platônico, descrito em A República, possuía leis rígidas que suprimiam particulari-dades, tais como: a família nuclear (que se dis-solveria na comunidade política), a propriedade

pelos indivíduos. Por outro lado, é bastante aceita a leitura de A República, segundo a qual o seu principal tema seria, na verdade, o autogoverno.

leis deveriam fundamentar os pensamentos e as

de destaque dado à razão no pensamento platô-

a razão poderia levar ao autogoverno adequado dos indivíduos e ao governo político ideal. Isso porque ambos deveriam se dedicar à virtude e à busca do bem, que, na visão platônica, represen-tava a ideia suprema e a aspiração humana por excelência.

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FILOSOFIA

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O texto a seguir corresponde a um novo trecho do diálogo entre os personagens Sócrates e Gláucon (ou Glauco), em A República. Nele, Sócrates apresenta o conceito platônico de justiça, descrevendo o homem justo e a cidade justa.

– Ah! disse eu. Foi a custo que chegamos ao término de nosso percurso, mas já estamos razoavelmente de acordo neste ponto, isto é, que na cidade há as mesmas partes que há na alma de cada um e são iguais a elas em número.

– É isso.– E não será ainda necessário que, tal como a cidade é sábia por um certo motivo, também

o indivíduo seja sábio pelo mesmo motivo?– Sem dúvida.– E se, pelo mesmo motivo e da mesma forma que o indivíduo é corajoso, também a

cidade deve ser corajosa, e em tudo que é concernente à virtude, ambos não devem estar na mesma situação?

– Forçosamente.

qual a cidade é justa.– Não pode deixar de ser assim.– Mas não estamos esquecidos de que a cidade é justa pelo fato de que cada uma das três

ordens que a constituem cumpre sua função.– Parece-me, disse, que não estamos esquecidos disso.– Ah! Devemos, a respeito de cada um de nós, lembrar que, se cada uma das partes que há

em nós cumpre a tarefa que lhe é própria, seremos justos também por cumprir nossa tarefa.– É algo que devemos lembrar-nos e muito... disse ele.– Então comandar cabe à razão, porque ela é sábia e cuida de possuir a alma toda, e à

impetuosidade cabe ser submissa à razão e sua aliada? – Sim. [...]– E essas duas partes, tendo sido assim educadas, verdadeiramente ensinadas e formadas

para cumprir sua tarefa, governarão e a concupiscente que, em cada um, é a parte maior da alma e, por natureza, é insaciável de riquezas. Ficarão de vigia para que ela não se encha dos chamados prazeres do corpo e, ao tornar-se maior e mais forte, deixe de cumprir sua tarefa e, embora isso não lhe caiba por sua natureza, tente escravizar e governar as outras e subverta a vida de todas as pessoas.

– É bem assim, disse. [...]

que é a justiça no homem e na cidade, de forma alguma, creio, nos teriam como mentirosos. – Por Zeus! Não nos teriam...

– Que seja assim! disse eu. Depois disso deveremos, creio eu, examinar a injustiça. – Claro!– Não será ela um levante dessas três partes, um ativismo exagerado, uma intromissão

de uma parte nas funções das outras e insurreição de uma das partes contra o todo da alma a

a perturbação e a agitação dessas partes, são injustiça, intemperança, covardia, ignorância e, numa só palavra, todos os vícios.

– De fato, tudo isso é a mesma coisa, disse. – Então, disse eu, o que é cometer injustiça e ser injusto e, por outro lado, o que é praticar

atos justos, tudo isso está manifesto e claro, se está claro e manifesto o que é a injustiça e a justiça?

– Por quê?– É que, disse eu, em nada elas diferem das coisas sadias e doentias. O que aquelas são

no corpo, elas são na alma.

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– Por quê? disse.– As coisas sadias geram a saúde; as doentias, a doença. – Sim. – Então a prática de ações justas gera a justiça, mas a de ações injustas, a injustiça?– Necessariamente.– Gerar saúde é dispor os elementos do corpo de modo que, de acordo com a natureza, entre

eles haja uma relação de domínio e sujeição, mas gerar doença é, contrariando a natureza, um exercer comando sobre outro e por ele ser comandado.

– É.– Então, disse, gerar justiça também é dispor os elementos da alma de modo que, de acordo

com a natureza, entre eles haja uma relação de domínio e sujeição, mas gerar injustiça é ir contra a natureza tanto quando um governa o outro como também quando um é governado pelo outro?

– Certamente, disse. PLATÃO. A República. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 167-172.

Para responder às questões a seguir, baseie-se nos textos citados até o momento, na seção Leitura filosófica:

1. Considerando a teoria política de Platão, compare a justiça na cidade e a justiça em relação ao indivíduo.

2. Discuta a noção de justiça que aparece em A República e posicione-se criticamente em relação a ela, num texto em forma de diálogo.

Animal político

Aristóteles foi aluno de Platão na Academia, mas construiu um pensamento original e crítico em relação às teorias de seu mestre, apesar de existirem algumas semelhanças entre os dois. Ele manteve, por exemplo, a ideia de que o bem comum e a justiça constituíam os fundamentos da política, mas questionou alguns aspectos da teoria platônica, tais como: a falta de uma descrição mais clara sobre a forma de vida da classe produtora e a ausência de propriedade privada na República – ainda que ele também defendesse a moderação das riquezas.

Por outro lado, apresentou a justiça em dois sentidos: a distributiva, ligada à divisão dos bens econômicos; e a participativa, ligada às oportunidades de participação no poder político. A primeira consistiria em dar a cada um aquilo que lhe fosse devido, conforme as suas diferentes necessidades. A segunda consistiria no respeito à forma estabelecida para o governo, de modo que os cidadãos (os iguais) dele pudessem participar igualmente.

FILOSOFIA

11Ensino Médio | Modular

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racional, que o faz distinguir entre o bem e o mal,

pólis) como uma unidade política entre seres iguais

Segundo Aristóteles, o homem não é apenas um Segundo Aristóteles, o homem não é apenas umi l i b lh l banimal gregário, como as abelhas; ele é também animal gregário, como as abelhas; ele é também

um animal político. A causa está em sua natureza um animal político. A causa está em sua naturezaracional, que o faz distinguir entre o bem e o mal,racional, que o faz distinguir entre o bem e o mal,a justiça e a injustiça. Além disso, o homem é, por a justiça e a injustiça. Além disso, o homem é, por natureza, dotado de uma linguagem complexa e, pela natureza, dotado de uma linguagem complexa e, pelapalavra, pode compartilhar com os semelhantes as palavra, pode compartilhar com os semelhantes assuas concepções acerca do que é bom e justo. Essas suas concepções acerca do que é bom e justo. Essascaracterísticas permitem-lhe organizar o Estado (a características permitem-lhe organizar o Estado (apólis) como uma unidade política entre seres iguaispólis) como uma unidade política entre seres iguais

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A observação nos mostra que cada Estado é uma comunidade estabelecida com

acham bom. Mas, se todas as comunidades almejam o bem, o Estado ou comunidade política, que é a forma mais elevada de comunidade e engloba tudo o mais, objetiva o bem das maiores proporções e excelência possíveis. [...]

Por conseguinte, é evidente que o Estado é uma criação da natureza e que o homem é, por natureza, um animal político. E aquele que por natureza, e não por um mero acidente, não tem cidade, nem Estado, ou é muito mau ou muito bom, ou subumano ou super-humano – subumano como o guerreiro insano condenado, nas palavras de Homero, como “alguém sem família, sem lei, sem lar”; porque uma pessoa assim, por natureza amante da guerra, é um não colaborador, como uma peça isolada num jogo de damas. É evidente que o homem é um animal mais político do que as abelhas

nada em vão, e o homem é o único animal que tem o dom da palavra. E mesmo que a mera voz sirva para nada mais do que uma indicação de prazer ou de dor, e seja encontrada em outros animais (uma vez que a natureza deles inclui apenas a percep-ção de prazer e de dor, a relação entre elas e não mais que isso), o poder da palavra tende a expor o conveniente e o inconveniente, assim como o justo e o injusto. Essa é uma característica do ser humano, o único a ter noção do bem e do mal, da justiça e da injustiça. E é a associação de seres que têm uma opinião comum acerca desses assuntos que faz uma família ou uma cidade.

p

Nas obras aristotélicas, destaca-se ainda a noção de política natural, ou seja, como parte da essência humana, considerada, ao mesmo tempo, racional e sociável. Aristóteles chegou a definir o homem como um “animal político” (zoon politikon), naturalmente voltado à justiça, ao bem comum e à felicidade. Segundo ele, essas seriam as razões pelas quais a humanidade fundara o Estado. Do seu ponto de vista, a pólis correspondia a uma associação de homens livres, capaz de garantir-lhes a sobrevivência e a vida digna, ou seja, a vida ética e feliz. Tais concepções aparecem, de forma explícita, no texto apresentado na Leitura filosófica a seguir.

12 Sociedade e Poder

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O Estado tem, por natureza, mais importância do que a família e o indivíduo, uma vez que o conjunto é necessariamente mais importante do que as partes. Separem-se do corpo os pés e as mãos e eles não serão mais nem pés nem mãos (a não ser no-minalmente, o que seria o mesmo que falar em pés ou mãos esculpidos em pedra); destruídos, não terão mais o poder e as funções que os tornavam o que eram. Assim, embora usemos as mesmas palavras, não estamos falando das mesmas coisas. A prova de que o Estado é uma criação da natureza e tem prioridade sobre o indivíduo é que

relacionada com o conjunto. Mas aquele que for incapaz de viver em sociedade, ou

não uma parte do Estado. Um instinto social é implantado pela natureza em todos os homens, e aquele que primeiro fundou o Estado foi o maior dos benfeitores. Isso porque o homem, quando perfeito, é o melhor dos animais; porém, quando apartado da lei e da justiça, é o pior de todos; uma vez que a injustiça armada é a mais pe-rigosa, e ele é naturalmente equipado com braços, pode usá-los com inteligência e bondade, mas também para os piores objetivos. É por isso que, se o ser humano não for excelente, será o mais perverso e selvagem dos animais, o mais repleto de luxúria e de gula. Mas a justiça é o vínculo dos homens, nos Estados; porque a administração da justiça, que é a determinação daquilo que é justo, é o princípio da ordem numa sociedade política.

ARISTÓTELES. Política. In: ______. Aristóteles. São Paulo: Nova Cultural, 2004. (Os pensadores), p. 143, 146-147.

1. (UFMG) Leia este trecho:

[...] aquele que não faz parte de cidade alguma [ápolis], por natureza e não por acaso, é inferior ou superior a um homem. (ARISTÓTELES. Política. 1253a.)

Com base na leitura desse trecho e em outras informações presentes nessa obra de Aristóteles, redija um texto, justificando, do ponto de vista do autor, essa afirmação.

2. Crie uma charge baseando-se na definição aristotélica de homem: animal político.

Estado aristotélicoConforme foi visto, Platão comparava o Estado à alma do indivíduo. Já Aristóteles comparava-o

a uma família, na qual o chefe exercia o seu poder sobre as mulheres, as crianças e os escravos. Porém, deixava claro que a comparação era imprecisa, pois havia uma diferença de espécie entre a autoridade política e as demais.

No exercício da autoridade política, Aristóteles concedia um grande valor às leis escritas, propondo que o governante se submetesse a elas, por meio de uma constituição, ou seja, de uma organização prévia e hierárquica das autoridades reunidas na pólis. Assim, o Estado aristotélico deve ser compreendido como um conjunto formado pelos cidadãos e pelos atos de governo, sendo ambos regidos por uma constituição capaz de promover a virtude e o bem comum. No entanto, ele excluía as mulheres do governo e apresentava uma visão fortemente escravista, que justificava

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FILOSOFIA

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recorrendo à tese das diferenças naturais entre os homens. Por outro lado, aceitava o governo constitucional de muitos (poli ou demos). O motivo era que, em vez de esperar a virtude perfeita encarnada pelo rei filósofo, ele preferia contar com a soma das virtudes parciais dos cidadãos (os homens livres e iguais) para garantir o bem supremo da pólis. Segundo o pensamento aristotélico, esse bem comum deveria estar sempre acima do individual, uma vez que uma cidade poderia ser autossuficiente, mas os indivíduos isolados, não.

Aristóteles não acreditava em uma forma de Estado perfeita em si mesma. Ele analisou minu-ciosamente as constituições de sua época e a proposta platônica para um governo ideal. Assim, avaliando as vantagens e deficiências de cada uma, concluiu que poderia haver bons governos com o poder nas mãos de um só, de alguns ou de muitos. Afinal, o seu valor seria determinado pela constituição que utilizassem, que poderia e deveria se modificar no decorrer do tempo, caso isso se mostrasse necessário.

Constituição, no pensamento aristotélico, corresponde à forma de governo estabelecido, não à Carta Magna de uma nação, conceito que só viria com a modernidade. Nas palavras do próprio Aristóteles: “Por ‘consti-tuição’ entendo a organização das várias autoridades, e em particular da autoridade suprema, que está acima de todas as outras”.

ARISTÓTELES. Política. In: ______. Aristóteles. São Paulo: Nova Cultural, 2004. (Os pensadores), p. 221.

Degeneração dos governos segundo Platão

Regime político original(Em ordem decrescente de valor)

Alma correspondente(Em ordem decrescente de valor)

Monarquia ou aristocraciaGoverno de um ou de

alguns entre os melhoresEquilibrada

TimocraciaGoverno de um grupo que

preza as honrasAmbiciosa

OligarquiaGoverno de um grupo que

preza as riquezasAvarenta

Democracia Governo da maioria Excessivamente liberal

TiraniaGoverno de um só, por meio do uso da força

Violenta

Getty

Imag

es/T

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Busto de Platão. Escultura em mármore. Museu Capitolino, Roma.

Concepção da ética em

base na noção de bem comum

@FIL500Governos degeneradosApesar de certas diferenças de pensamento, Platão e Aristóteles abordaram temas comuns, entre

os quais a hierarquia das formas de governo e a sua degeneração em outros tipos, devido a mudanças morais e/ou econômicas. Segundo Platão, o melhor governo, a monarquia ou aristocracia pautada pela sabedoria do governante, poderia degenerar, sucessivamente, até chegar à tirania, governo em que os interesses pessoais e desejos do governante adquirem a força de leis. A causa estaria na predominância de certas características da alma. Aristóteles, ao contrário, mostrou que as três formas de governo (de um, de poucos ou de muitos) poderiam ser boas ou degeneradas, segundo os interesses que moviam os governantes. Esses dois pontos de vista encontram-se representados nos quadros a seguir.

Sociedade e Poder14

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Degeneração dos governos segundo Aristóteles

Bons regimes políticos Regimes políticos degenerados

MonarquiaGoverno de um só,

que considera o bem comum

TiraniaGoverno de um, que

só considera o bem do governante

AristocraciaGoverno de alguns,

que considera o bem comum

OligarquiaGoverno de alguns, que só considera o

bem dos ricos

PoliteiaGoverno de muitos,

que considera o bem comum

DemocraciaGoverno de muitos, que só considera o

bem dos pobres

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Busto de Aristóteles. Escultura em mármore. Palácio Altaemps, Roma.

1. O homem é um animal político.

2. O governante deve submeter-se a uma constituição.

3. Você concorda com a tese de que um bom governo pode degenerar em formas inferiores? Se a resposta for negativa, argumente para justificá-la. Se for afirmativa, cite alguns fatores que poderiam contribuir para essa degeneração.

[...] estabelecemos que, por natureza, o homem é um ani-mal político. Os homens têm um desejo natural pela vida em sociedade, até mesmo quando não sentem necessidade de procurar ajuda. Todavia, o interesse comum os mantém unidos, desde que o interesse de todos contribua para a vida virtuosa de cada um.

ARISTÓTELES. Política. In: ______. Aristóteles. São Paulo: Nova Cultural, 2004. (Os pensadores), p. 222.

[...] Claro está, então, que as constituições que objetivam o bem comum estão certas, de acordo com a justiça absoluta, enquanto as que objetivam somente o bem dos governantes estão erradas. São desvios, divergências do padrão correto. São como o governo do senhor sobre o escravo, quando o interesse do senhor é supremo. Mas o Estado é uma associação de homens livres.

ARISTÓTELES. Política. In: ______. Aristóteles. São Paulo: Nova Cultural, 2004. (Os pensadores), p. 223.

Considere as citações a seguir e seus conhecimentos sobre as teses políticas de Aristóteles, para justificar as afirmações 1 e 2:

As teorias políticas de Platão e

Aristóteles sobre os regimes e

espécies de governo

@FIL602

Discorre sobre as noções

de ética e moralidade,

relacionando-as com a prática

política e a corrupção

@FIL567

FILOSOFIA

15Ensino Médio | Modular

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Sociedade e Poder16

Pensamento político na Idade Média e no Renascimento

2

Os estudos que você realizou até agora mostraram que, nos pensamentos de Platão e Aristóteles, Ética e Política uniam-se pelos mesmos fins: a justiça e o bem comum. Isso também ocorria entre antigos pensadores romanos, como Cícero e Sêneca. Tomando o ideal do rei filósofo como base para o bom governo, em que a conduta do governante seria exemplo para a comunidade política, eles afirmavam que o bom governante, ou seja, o príncipe virtuoso, deveria agir sempre de forma racional, sem a violência do leão, nem a astúcia da raposa, a fim de conquistar o amor e o respeito dos súditos. Além disso, ele deveria manifestar:

virtudes cardeais para todo homem: sabedoria, justiça, coragem e temperança (moderação);

virtudes principescas: honradez (sempre manter seus princípios), magnanimidade (punir com justiça e clemência) e liberalidade (pôr suas riquezas a serviço do povo);

objetivos nobres: honra, glória e fama.

O cristianismo herdou de Roma a teoria do bom governo e alguns modelos de instituições políti-cas. Além disso, herdou a concepção hebraica de poder teocrático, ou seja, concedido e dirigido por Deus. Assim, na Idade Média, o vínculo entre as autoridades política e religiosa trouxe uma nova imagem de príncipe virtuoso, que deveria possuir, além das virtudes romanas, também as cristãs: fé, esperança e caridade.

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Ensino Médio | Modular 17

FILOSOFIA

Direito divino de governar

Considerado um representante de Deus, o príncipe medieval deveria zelar não só pelo bem-estar dos súditos na vida terrena, mas também por sua salvação espiritual e eterna. Acreditava-se que Deus lhe concedia o direito divino de governar, que seria transmitido hereditariamente. Sendo assim, o príncipe era considerado inviolável, e os tiranos ou déspotas, por sua vez, eram tidos como flagelo de Deus para punir os pecados humanos, devendo ser igualmente obedecidos. Porém, a partir dos séculos XIII e XIV, os teólogos Tomás de Aquino e Guilherme de Ockham reconheceram como natural e legíti-mo o direito de resistir a eles e de levá-los a abdicar do trono, por meios legais. Afinal, o governante despótico desrespeitava os direitos dos súditos e as leis que deveria seguir para o bem de todos.

Fora esse caso, que representava uma exceção, a hierarquia social deveria ser respeitada rigida-mente. As sociedades europeias medievais comparavam a comunidade política a um corpo (conhecido como o corpo místico-político do rei): a cabeça representava o direito divino de governar que pertencia ao rei; o peito representava as leis, guardadas por magistrados e conselheiros; os membros superio-res representavam a defesa, a cargo do exército dos nobres; os membros inferiores representavam o sustento, garantido pelos trabalhadores, camponeses e artesãos. Portanto, não havia mobilidade social, uma vez que essa hierarquia era considerada natural e estabelecida por Deus: assim como, na natureza, havia submissão dos seres inferiores aos superiores, os membros da comunidade deviam obediência às autoridades legítimas, de modo a garantir a salvação eterna. Além disso, o príncipe (rei) teria que responder perante Deus por ter promovido, ou não, com base em seu exemplo e em suas virtudes, a salvação de seus súditos.

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As imagens a seguir representam a visão medieval do bom e do mau governo.

O mau governo

LORENZETTI, Ambrogio. Alegoria do bom governo. 1337-1340. Afresco. Palácio Comunal, Siena. Detalhe.

LORENZETTI, Ambrogio. Alegoria do mau governo. 1337-1340. Afresco: Palácio Comunal, Siena. Detalhe.

No lado direito dessa obra, encontra-se o rei virtuoso, caracterizado com barbas brancas, portando um escudo (símbolo da fé cristã) e o cetro da justiça. Ele está cercado por mulheres que representam seis virtudes. As que estão sentadas à sua direita (no lado esquerdo da imagem) representam a paz, a fortaleza e a prudência. As que se encontram à sua esquerda (no lado direito da imagem) representam a magnanimidade, a temperança e a justiça. Elas apoiam o governante e são protegidas por cavaleiros com lanças. Os anjos acima da cabeça do rei simbolizam a fé, a esperança e a caridade. Aos seus pés, estão Rômulo e Remo, os gêmeos amamentados por uma loba, segundo o mito da fundação da cidade de Roma. No extremo direito da imagem (à esquerda do rei), os agitadores e inimigos do governo aparecem acorrentados e sob a vigilância de soldados armados. No extremo esquerdo da imagem (à direita do rei), encontra-se a justiça, com sua balança. Com a ajuda dos anjos, ela está julgando dois infratores. Sobre a sua cabeça, está a sabedoria e, aos seus pés, sentada, a concórdia. Próximo desta, vinte e quatro conselheiros seguram uma longa corda, que vem da balança da justiça, passa pelas mãos da concórdia e chega até eles, representando os laços de amizade. No afresco original, encontra-se ainda um poema, abaixo da imagem aqui analisada. Ele lembra a importância do bem comum. Além disso, mais duas imagens, que não aparecem nesse detalhe, fazem parte do afresco: uma do campo e outra da cidade, ambas representando a prosperidade e a harmonia como efeitos do bom governo.

No centro dessa obra, encontra-se o rei tirano, caracterizado como um ser diabólico, usando uma capa dourada (símbolo da falsidade). Ele está cerca-do por personagens que representam seis vícios, os quais apoiam o tirano. À sua direita (no lado esquer-do da imagem), estão a crueldade com uma serpente, a traição, que segura um cordeiro, e a maldade. À sua esquerda (no lado direito da imagem), estão o furor (o bode, representando a tendência ao roubo), que segura o punhal assassino, a divisão e a guerra. Os anjos maus acima da cabeça do rei simbolizam a avareza, a soberba e a vanglória. Deitado a seus pés, como animal de estimação, um bode negro simboliza o mal; e a mulher amarrada, a justiça.

O bom governo

Sociedade e Poder18

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1. Na Idade Média, a comunidade política era comparada a um corpo. Os diversos atores sociais representavam as partes desse corpo, que lhes eram atribuídas de acordo com uma hierarquia fixa. Você utilizaria a mesma imagem para representar a sua própria visão de comunidade política? Por quê?

2. Os afrescos da página anterior, de Ambrogio Lorenzetti, representam alegorias para o bom e o mau governo, tal como eram concebidos na Itália medieval. Que alegorias poderiam ser utilizadas para representar o bom e o mau governo, tal como eles são concebidos atualmente no Brasil?

Cidade de Deus

Agostinho de Hipona viveu entre os séculos IV e V e é considerado um dos maiores teólogos da Igreja Católica. Entre as suas contribuições à Filosofia, destacou-se uma nova concepção da política, que teria grande influência sobre o pensamento e as práticas sociais da Idade Média. Agostinho con-cebia a história da humanidade como o palco de uma luta acirrada entre o reino de Deus e o reino do mundo, marcado pelo mal. Essa longa batalha teria começado com a queda dos anjos maus, no início dos tempos; e duraria até o fim dos tempos, quando o juízo final destinaria os bons à vida eterna, em comunhão com Deus, cabendo aos maus o castigo eterno pelos seus atos.

No pensamento agostiniano, a virtude indivi-dual correspondia à correta ordenação do amor, ou seja, à medida adequada desse sentimento em relação a cada objeto digno dele. O grau ínfimo do amor destinava-se às coisas exteriores, neces-sárias à sobrevivência. Acima delas, estariam os semelhantes (seres humanos) e, acima de tudo, Deus, a quem o homem deveria consagrar-se in-teiramente, amando-o com todo o seu ser. Sendo assim, Agostinho manteve os antigos laços entre a Ética e a Política, uma vez que também concebeu o amor como fundamento da comunidade social perfeita, o Estado ou Cidade de Deus, em oposição à concupiscência da comunidade terrena, o Estado ou Cidade dos Homens.

Cidade de

Deus: a

moralidade

em Santo

Agostinho

@FIL425

caritasamor a Deus, o bem s remo e di no do amor mais leno

No século XV, essa iluminura ilustrou uma edição francesaNo século XV, essa iluminura ilustrou uma edição francesade de A Cidade de DeusA Cidade de Deus. Em tal obra, Agostinho descreveu. Em tal obra, Agostinho descreveua luta entre as cidades terrena e divina, que, segundo ele, a luta entre as cidades terrena e divina, que, segundo ele,desenrolava-se no decorrer da história da humanidade, desenrolava-se no decorrer da história da humanidade,até que o juízo final viesse estabelecer a plena e eterna até que o juízo final viesse estabelecer a plena e eternarealização da Cidade de Deus. Além disso, descreveurealização da Cidade de Deus. Além disso, descreveua paz terrena como falsa – paz do injusto – e a divina a paz terrena como falsa – paz do injusto – e a divinacomo verdadeira – paz do justo. Também afirmou que os como verdadeira – paz do justo. Também afirmou que oscidadãos do Estado divino seriam unidos pela cidadãos do Estado divino seriam unidos pela caritascaritas, o, oamor a Deus, o bem supremo e digno do amor mais plenoamor a Deus, o bem supremo e digno do amor mais pleno

ESCOLA Francesa. A Cidade de Deus. Século XV. 1 iluminura, color., 53 cm x 40 cm. Biblioteca Nacional da França, Paris.

Ensino Médio | Modular 19

FILOSOFIA

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Neste texto, Agostinho revela os caracteres do Estado terreno e do Estado divino. Ele foi extraído de uma de suas obras, A Cidade de Deus.

Mas a família dos homens que não vivem da fé busca a paz terrena nos bens e como-didades desta vida. Por sua vez, a família dos homens que vivem da fé espera nos bens futuros e eternos, segundo a promessa. Usam dos bens terrenos e temporais como viajantes.

suportem com mais facilidade e não aumentem o fardo do corpo corruptível, que oprime a alma. O uso dos bens necessários a esta vida mortal é, portanto, comum a ambas as classes

muito diverso do outro. Assim, a cidade terrena, que não vive da fé, apetece também a

haver, quanto aos interesses da vida mortal, certo concerto das vontades humanas. Mas a Cidade celeste, ou melhor, a parte que peregrina neste vale e vive da fé, usa dessa paz por necessidade, até passar a mortalidade, que precisa de tal paz. Por isso, enquanto está como viajante cativa na cidade terrena, onde recebeu a promessa de sua redenção e como penhor dela o dom espiritual, não duvida em obedecer às leis regulamentadoras das coisas necessárias e do mantenimento da vida mortal. Como a mortalidade lhes é comum, entre ambas as cidades há concórdia com relação a tais coisas. Acontece, porém, que a cidade terrena teve certos sábios condenados pela doutrina de Deus, sábios que, por conjeturas ou por artifícios dos demônios, disseram que deviam amistar muitos deuses com as coisas humanas. Encomendaram-lhes à tutela diversos seres, a este o corpo, àquele a alma e, no mesmo corpo, a um a cabeça, a outro a cerviz; quanto às demais partes, a cada um deles a sua. De igual modo na alma. A este encomendaram o espírito, àquele a ciência, a um a cólera, a outro a concupiscência e, quanto às coisas necessárias à vida, a um o gado, a outro o trigo, a outro o vinho, a outro o azeite, a outro as selvas, a outro o dinheiro, a outro a navegação, a outro as guerras e as vitórias, a outro os matrimônios, a outro os partos e a fecundidade, a outro os seres. A Cidade celeste, ao contrário, conhece um só Deus, único, a quem se deve o culto e a servidão, em grego chamada latreia, e pensa com

e a cidade terrena não possam ter em comum as leis religiosas. Por causa delas a Cidade celeste se vê na precisão de dissentir da cidade terrestre, ser carga para os que tinham

Amistar: conciliar,

congraçar, harmonizar.Dissentir: discordar,

divergir.

Essas duas “cidades” seriam inspiradas por direcionamentos morais opostos: a primeira poderia ser representada pela Igreja; e a segunda, pelos reinados terrenos. A caracterização de ambas, porém, não se dava sob esse aspecto material, mas, sim, pelo posicionamento espiritual, pela finalidade e pela forma de uso dos bens temporais em cada uma delas. A associação de pessoas voltada aos fins terrenos, tendo em vista o amor de si e desprezando a Deus, originava a Cidade dos Homens. Já a associação de pessoas voltada aos fins divinos, tendo em vista o amor e a glória de Deus, até o des-prezo de si, originava a Cidade de Deus.

Agostinho afirmava ainda que essas duas cidades, tão distintas espiritualmente, confundiam-se no plano material, dada a íntima convivência entre os seus membros. Portanto, as sociedades terrenas seriam formadas pelos cidadãos de ambas. Mas, ainda que eles se reunissem em torno dos mesmos bens terrenos, seus objetivos seriam opostos. Por exemplo, os membros da Cidade dos Homens dese-javam a paz terrena, para usufruírem dos bens desse mundo. Enquanto isso, os membros da Cidade de Deus desejavam a paz eterna, celestial. Por isso, utilizavam os bens terrenos com temperança, como peregrinos em direção ao melhor dos destinos.

Vida e obra de

Santo Agostinho,

sua dedicação à

nomeação como

Bispo de Hipona

@FIL683

Sociedade e Poder20

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opinião contrária e suportar-lhes a cólera, o ódio e as violentas perseguições, a menos que

o auxílio de Deus. Enquanto peregrina, a Cidade celeste vai chamando cidadãos por todas as nações e formando de todas as línguas, verdadeira cidade viajora. Não se preocupa com a diversidade de leis, de costumes nem de institutos, que destroem ou mantêm a paz terrena. Nada lhes suprime nem destrói, antes os conserva e aceita; esse conjunto, embora

impede que a Religião ensine deva ser adorado o Deus único, verdadeiro e sumo. Em sua viagem a Cidade celeste usa também da paz terrena e das coisas necessariamente relacio-nadas com a condição atual dos homens. Protege e deseja o acordo de vontades entre os homens, quanto possível, deixando a salvo a piedade e a religião, e supedita a paz terrena à paz celeste, verdadeira paz, única digna de ser e de dizer-se paz da criatura racional, a saber, a ordenadíssima e concordíssima união para gozar de Deus e, ao mesmo tempo, em Deus. Em chegando a essa meta, a vida já não será mortal, mas plenamente vital. E o corpo já não será animal, que, enquanto se corrompe, oprime a alma, mas espiritual, sem necessidade alguma, plenamente submetido à alma. Possui essa paz aqui pela fé, de que vive justamente, quando à consecução da verdadeira paz refere todas as boas obras que faz para com Deus e com o próximo, porque a vida da cidade é vida social.

AGOSTINHO, Santo. A Cidade de Deus. São Paulo: Edameris, 1964 (Biblioteca de Cultura Cristã), v. 3, Livro 19, cap. 17, p. 176-177.

1. Posicione-se criticamente em relação à tese de Agostinho, segundo a qual a história da humanidade seria o palco da luta entre os vícios e as virtudes, que o autor representou como os cidadãos terrenos e os celestes, respectivamente.

2. Leia estes versos da canção “Intuição”, que falam de um mundo melhor:

Canta uma canção bonita falando da vida em ré maior

Canta uma canção que aguente essa paulada e a gente bate o pé no chãoCanta uma canção daquelas, pula da janela e bate o pé no chão

MONTENEGRO, Oswaldo; MACHADO, Ulisses. Intuição. Intérprete: Oswaldo Montenegro. In: MONTE-NEGRO, Oswaldo. Oswaldo Montenegro. Rio de Janeiro: Transamérica, 1980. 1 disco sonoro (30 min), 331/3 rpm. Lado B, faixa 1.

a) Considerando o sonho humano de um mundo melhor e o pensamento de Agostinho, discuta com os colegas a seguinte questão:

É possível constituir um Estado terreno cujos fundamentos sejam o amor, a virtude e a busca de uma paz desinteressada? Por quê?

b) Registre as suas conclusões pessoais em forma de texto argumentativo.

Supeditar: fornecer,

ministrar, administrar.

FILOSOFIA

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Contribuição tomistaTomás de Aquino, que viveu no século XIII, também se destacou entre os teólogos da Igreja Católica.

Dos diversos temas filosóficos sobre os quais ele refletiu e escreveu, serão abordadas algumas das principais contribuições ao campo da política.

Sob a influência das obras de Aristóteles, Tomás defendia a participação dos cidadãos para o êxito do governo e previa a necessidade de que o próprio governo se conformasse à virtude. Ele entendia a virtude como inclinação e hábito de agir conforme a razão, ressaltando as virtudes cardeais (justiça, temperança, fortaleza e prudência). Afirmava que as virtudes regulavam a vida interna do homem, guiando suas intenções. Enquanto isso, as leis regulavam a vida externa do homem, guiando as suas ações. Contudo, uma “lei” que não se conformasse à razão não passaria de iniquidade.

Por outro lado, sendo conformes à razão, as verdadeiras leis conduziriam os seres humanos à sua finalidade comum: a beatitude. Mas não deveriam garanti-la apenas para o indivíduo e, sim, preocupar-se com o bem da coletividade. Além disso, Tomás identificava uma hierarquia entre elas: todas deveriam partir da lei eterna, que seria o próprio Deus, o governante da primeira e maior das comunidades – o mundo. Ela se manifestaria nos seres humanos sob a forma das leis naturais, ou seja, das inclinações comuns, regidas pelos princípios da moralidade: fazer o bem e evitar o mal. Em seguida, viriam as leis humanas, estabelecidas para ordenar os aspectos particulares de cada sociedade. Elas deveriam emanar da própria comunidade ou de seu representante legítimo.

No pensamento tomista, as sansões eram consideradas naturais, uma vez que o afastamento da ordem natural necessária (os instintos) acarretaria o mal e a destruição de qualquer criatura não racional. No caso do homem, como criatura livre para optar pela observância ou transgressão da reta ordem, haveria recompensas ou castigos. A tirania, considerada como degeneração do melhor regime (a monarquia de um governante justo), não deveria ser aceita incondicionalmente.

Caso fosse moderada, o melhor seria suportá-la, para proteger-se dos perigos de fazer-lhe oposição. Para evitá-la, Tomás indicava a observação das características do homem indicado para o trono e a ordenação do poder de modo a não abrir oportunidades para um governo despótico. Mas, uma vez que ele se instalasse, por usurpação ou degeneração do governo, e que o tirano exorbitasse do poder, caberia à autoridade pública que o designou levá-lo a abdicar. O povo só poderia fazê-lo diretamente, nos locais em que ele próprio elegesse o seu governante. Além disso, nos casos em que não houvesse solução humana, deveria recorrer a Deus, a fim de que ele pusesse termo a essa condição infeliz.

por quatro figuras femininas

a Astronomia, a Teologia e G O

heresias, estava presente em odas as á eas da cu u a ed e a

N i d l XVNessa imagem do século XV, Nessa imagem do século XV,Tomás de Aquino aparece cercado Tomás de Aquino aparece cercadoppor quatro figuras femininas por quatro figuras femininasque representam a Filosofia,que representam a Filosofia,que representam a Filosofia,a Astronomia, a Teologia e a Astronomia, a Teologia e a Astronomia, a Teologia eaa Gramática. O combate a a Gramática. O combate ainterpretações divergentes das interpretações divergentes das interpretações divergentes dasteses bíblicas, chamadas de teses bíblicas, chamadas de teses bíblicas, chamadas deheresias, estava presente em heresias, estava presente emttodas as áreas da cultura medieval todas as áreas da cultura medievaleuropeia, inclusive nas reflexões europeia, inclusive nas reflexõespolítica políticas políticas

LIPPI, Filippino. Triunfo de São Tomás de Aquino sobre os hereges. 1489-1491. 1 afresco, color. Santa Maria sopra Minerva, Roma. Detalhe.

São Tomás

de Aquino e

relação das

suas principais

obras

@FIL640

Aspectos da

teoria política

de São Tomás

de Aquino: as

leis naturais e

leis divinas

@FIL581

22 Sociedade e Poder

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A vontade divina é a regra primeira a que estão sujeitas todas as vontades racionais, da qual uma destas se aproxima mais que outra, segundo a ordem instituída por Deus. Por onde, a vontade de quem manda pode ser como que segunda regra à vontade de quem obedece. [...]

A fé do cristão é o princípio e a causa da justiça, segundo as palavras do Apóstolo: A justiça de Deus é in-fundida pela fé de Jesus CristoOra, a ordem da justiça exige que os inferiores obedeçam aos superiores, pois, do contrário, a sociedade humana não poderia subsistir. Por onde, a fé de Cristo não dispensa os Cristãos de obedecerem ao poder secular. [...]

Estamos obrigados a obedecer ao poder secular na medida em que a ordem da justiça o exige. Portanto, aos que o deteem injustamente ou usurpado, ou mandam o que é injusto, não estamos, como súditos, obrigados a lhes obedecer; a não ser talvez por acidente, para evitar escândalo ou perigo. [...]

Pecado mortal é o que contraria a caridade, fundamento da vida espiritual. Ora, a caridade é a que nos faz amar a Deus e ao próximo. Mas, a caridade para com Deus exige que lhe observemos os mandamentos, como dissemos. Logo, ser desobediente aos mandamentos divinos é pecado mortal, por ser contra o amor divino. Ora, nos preceitos divinos está incluído também o de obediência aos superiores. Por onde, também, a desobediência pela qual desobedecemos aos preceitos dos superiores é pecado mortal, por ser contrária ao amor divino, segundo aquilo do apóstolo: Aquele que resiste à potestade resiste à ordenação de Deus. E além disso, contraria o amor devido ao próximo, enquanto lhe denega a obediência a que tem direito, na qualidade de superior. [...]

Nem toda desobediência constitui igualmente pecado. Pois, uma pode ser mais grave que outra, de dois modos. – Primeiro, relativamente a quem manda. Pois, embora todos devamos cuidar de obedecer aos nossos superiores, contudo, devemos obedecer antes a uma autoridade superior que a uma inferior; e a prova está em que devemos desobedecer à ordem do inferior quando contrária à do superior. Por onde e consequentemente, quanto maior for a autoridade do superior que nos manda, tanto mais grave será desobedecer-lhe. E assim, é mais grave desobedecer a Deus que ao homem. – Segundo, relativamente ao que é mandado. Pois quem manda não quer

desobediência será tanto mais grave quanto mais estiver na intenção de quem manda a ordem preterida. E quanto aos preceitos de Deus, é claro que quanto mais importante for a matéria sobre que eles versam, tanto mais grave será a desobediência. Porque, a vontade de Deus, tendo essencialmente por objeto o bem, quanto melhor for um ato tanto mais Deus quer que ele seja praticado. Por onde, quem desobedecer ao mandamento de amar a Deus peca mais gravemente que quem desobedecer ao de amar ao próximo. Mas, a vontade do homem nem sempre busca de preferência o melhor. Por isso, quando estamos obrigados apenas por uma ordem humana, a maior gravidade do pecado não está em preterirmos um maior bem, mas, aquilo que está mais na intenção de quem manda.

AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. 2. ed. Porto Alegre: Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes, Livraria Sulina; Caxias do Sul: Universidade de Caxias do Sul, 1980. v. 11. p. 2.836, 2.845-48.

No texto que segue, Tomás de Aquino apresenta elementos de sua concepção das leis como ordenação natural:

1. Tomás de Aquino foi pioneiro entre os pensadores cristãos na defesa do direito de resistência ao poder tirânico. Tendo em vista essa inovação e seus conhecimentos sobre as concepções políticas desse pensador, reflita sobre se é ou não adequado enquadrá-lo entre os defensores do poder teocrático. Justifique e exemplifique sua opinião.

2. Pesquise quais são os mecanismos previstos na Constituição brasileira para afastar um mau governante de seu mandato.

3. Na sua opinião, em que ocasiões o direito à desobediência política deveria ser assegurado? Justifique.

Ensino Médio | Modular 23

FILOSOFIA

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Durante o Renascimento, o reencontro com o pensamento antigo, anterior ao estabelecimento do poder teocrático da Igreja Católica, despertou novas ideias políticas. Intelectuais europeus, em especial na Itália, assumiram o ideal republicano, ou seja, de uma vida política ativa, baseada em leis que promovessem o bem comum, em vez de uma vida contemplativa e da submissão defendidas pelos religiosos. No entanto, o cristianismo permanecia como cenário em que se desenvolviam as novas concepções. Logo, ainda que diversos pensadores políticos recusassem a concepção de governo como predestinação divina, a ideia de um governo justo, em acordo com as leis divinas ainda preponderava: o príncipe virtuoso e justo continuava representando um ideal a ser buscado. Os laços entre a Ética e a Política permaneciam sólidos entre os representantes da nova mentalidade, muitos dos quais escreveram obras para aconselhar os príncipes a respeito da melhor postura a adotar em relação aos súditos e ao poder.

Todavia, em 1513, a obra O príncipe, de Nicolau Maquiavel, abalou alguns desses pilares da tradição ocidental: a Política entrelaçada à Ética e o modelo do príncipe virtuoso, responsável pelo bom governo. Como outras publicações renascentistas, ela aconselhava o príncipe sobre a melhor conduta no governo, mas inovando muito nos conselhos. Com base nos estudos da história e de sua experiência como diplomata (em uma Itália dividida, sob disputas e invasões), Maquiavel propôs-se a falar da política real e não da ideal.

A roda da deusa Fortuna é uma representação clássica para as mudanças ocorridas na sorte humana. Maquiavel utilizou essa representação em O príncipe. Afirmou que a fortuna era a ocasião que se apresentava e mencionou também a virtù, ou seja, a capacidade de perceber a ocasião favorável, ou forçá-la, e agir para realizar os objetivos políticos: conquistar e manter o poder. Vale lembrar que esses objetivos não eram mais associados à virtude, porém mantinham-se vinculados ao ideal do bem comum. Ressalte-se, ainda, que O príncipe inaugurou o pensamento político moderno: separando irremediavelmente a virtude política das virtudes morais e religiosas; questionando a identidade clássica e medieval entre Ética e Política; explicitando o conflito social originário, o que afrontava o ideal medieval do corpo místico-político do rei, ligado ao direito divino de governar. Assim, em contraposição à tese de uma comuni-dade homogênea, presente nos modelos anteriores, Maquiavel estabeleceu o solo para o florescimento das teorias contratualistas dos séculos XVII e XVIII, que serão abordadas em outro momento.

A RODA da fortuna. Século XVI.

Vida e obra do

pensador político

Nicolau Maquiavel,

suas principais

contribuições e

polêmicas

@FIL666

Características

Renascimento,

como os preceitos

do humanismo e

antropocentrismo

@FIL687

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Sociedade e Poder24

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Maquiavel negava que a origem dos Estados efetivos estivesse na vontade divina ou em uma natureza humana voltada à justiça e ao bem comum. Dizia, ao contrário, que os Estados nasciam da oposição entre os grandes, que desejavam dominar, e o povo, que desejava não ser dominado. Afirmava ainda que eles poderiam estabelecer a unidade social por meio de um poder maior, que administrasse esse conflito sem, no entanto, eliminá-lo. Toda ação do príncipe, porém, tenderia a contrariar um dos lados dessa disputa, o que exigia o uso da força e um novo tipo de virtude, propriamente política, a virtù. Esta se caracterizava como a capacidade de bem aproveitar a fortuna (sorte), ou seja, de achar a ocasião favorável à realização dos verdadeiros fins políticos: a conquista e a manutenção do poder.

Além disso, fugindo à tradição greco-romano-cristã, Maquiavel não classificou os governos em originais e degenerados, nem os submeteu à hereditariedade que decorria do princípio do direito divino de governar. Ao contrário disso, ele considerava legítimo qualquer governo que estivesse a serviço do povo e tinha como ilegítimos os governos em que os grandes conseguissem esmagar o povo com um poder maior que o do governante. Assim, abria a possibilidade da formação de novos principados, por meio da conquista de quem soubesse fazer bom uso da virtù e da fortuna, as quais também seriam necessárias para saber mantê-los.

O texto a seguir revela o contraste entre as concepções políticas de Maquiavel e a tradição que o antecedeu. Os conselhos apresentados ao governante podem esclarecer o escândalo provocado pela obra O príncipe entre os contemporâneos de seu autor.

Resta analisar agora como um príncipe deve comportar-se com seus súditos e com seus amigos. Como muita gente já escreveu a respeito, duvido que não me considerem presunção tal exame, ainda mais porque, ao tratar desse tema, não me afastarei demasiado dos princípios que outros estabeleceram. Como, porém, minha intenção não é escrever sobre assuntos de que todos os interessados tirem proveito, julguei adequado procurar a verdade pelo resultado das coisas, mais do que por aquilo que delas se possa imaginar. E muitos imaginaram repúblicas e principados nunca vistos ou reconhecidos como reais. Tamanha diferença se encontra entre o modo como se vive e o modo como se deveria viver que aqueles que se ocuparem do que deveria ser feito, em vez do que na realidade se faz, aprendem antes a própria derrota do que sua preservação; e, quando um homem deseja professar a bondade, natural é que vá à ruína, entre tantos maus.

Assim, é preciso que, para se conservar, um príncipe aprenda a ser mau, e que se sirva ou não disso de acordo com a necessidade.

Assim, pondo de lado as coisas que se ignoram em relação aos príncipes, e falando sobre as que são reais, digo que todos os homens, em particular os príncipes, por se encontrarem mais no alto, ganham notabilidade pelas qualidades que lhes proporcionam reprovação ou louvor. Ou seja, alguns são tidos como liberais, outros como miseráveis [...]; alguns são tidos como pródigos, outros como rapaces, alguns como cruéis, outros piedosos; perjuros ou leais; efeminados e covardes ou truculentos e corajosos; humanitários ou arrogantes; lascivos ou castos; estúpidos ou astutos; enérgicos ou fracos; sérios ou levianos; religiosos ou incrédulos, e assim por diante. E sei que qualquer um reconhecerá ser digno de louvor o fato de um príncipe possuir, entre todas as qualidades mencionadas, as consideradas boas; mas a condição humana é tal que não permite a posse total de todas elas, nem mesmo a sua prática consistente; é mister que seja o príncipe prudente a ponto de evitar os defeitos que lhe poderiam tirar o governo e praticar as qualidades que lhe garantam a posse, se possível; se não puder, com menor preocupação, deixe que as coisas sigam seu curso natural. E não se importe ele sujeitar-se à fama de ter certos defeitos, sem os quais lhe seria difícil salvar o governo, porque, levando em conta tudo, encontrar-se-ão coisas que parecem virtudes e que, se praticadas, conduzi-lo-iam à ruína, e outras que podem se assemelhar a vícios e que, observadas, trazem bem-estar e segurança ao governante.

MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. In: ______. Maquiavel. São Paulo: Nova Cultural, 2004. (Os pensadores), cap. XV, p. 99-100.

A crítica

maquiaveliana

dos regimes

políticos e ao

conceito de

"bem-em-si"

@FIL515

Contextualização

histórica acerca

maquiaveliana

@FIL444

Ensino Médio | Modular 25

FILOSOFIA

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1. Com base no texto da Leitura filosófica da página anterior, explique a mudança realizada pela obra de Maquiavel no pensamento político ocidental.

2. Na sua opinião, as virtudes morais são compatíveis com o exercício da política? Justifique.

3. Considerando seus conhecimentos sobre as teses políticas de Maquiavel, diferencie virtù de virtude.

Simulação e dissimulaçãoNo pensamento de Maquiavel, o príncipe não precisava ser amado para manter o governo: precisava

ser temido, mas sempre evitando ser odiado. Afinal, ele governaria entre conflitos, exercendo poder sobre homens reais, cuja natureza não se mostrava boa e virtuosa como dizia a

tradição. Nesse contexto, as virtudes pessoais e cristãs poderiam enfraquecer o governante e, portanto, a ordem social. Por esse motivo, ele deveria aprender a não ser bom, quando isso fosse necessário, mas deveria aprender também a simular virtudes não políticas e a dissimular seus atos detestáveis, evitando assim o ódio popular. Somente dessa maneira, agindo como o leão e a raposa, ele realmente protegeria o poder de interesses dos grandes (os poderosos locais) e dos estrangeiros.

Ainda segundo Maquiavel, o governo representava a ordem social e o bem político do povo. Isso o convertia num fim supremo, justificando o uso dos

meios necessários para mantê-lo. Lido como “os fins justificam os meios”, esse princípio gerou o termo “maquiavélico” para descrever o que é dissimula-do e antiético. Porém, mesmo desatando antigos nós que se acreditava unirem Ética e Política, Maquiavel não as separou de vez: afinal, mostrou que a ação do príncipe seria avaliada pelo povo e que este, por sua vez, julgaria moralmente as aparências. Daí a importância de simular a virtude, pelo bem do governo e da ordem social, como destaca o texto da Leitura filosófica da página seguinte.

José

Agu

iar.

2010

. Dig

ital.

Em uma obra chamada Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio, Maquiavel defendeu o governo republicano. Por isso, muitos duvidaram que aquela obra e O príncipe pertencessem ao mesmo autor. Essa hipótese foi derrubada, sob a explicação de que Maquiavel era republicano, mas julgando esse ideal impossível de se realizar, devido à corrupção presente na Itália, refletiu sobre a necessidade de um principado forte. Assim, como os filó-sofos políticos dos séculos XVII e XVIII, ele entendia a República como um governo formado por representantes de todas as classes sociais. O modelo que tinha em mente era a República de Veneza, no século XVI. Mas essa é apenas uma das polêmicas geradas por O príncipe. Tal obra chegou a ser incluída no Índex (a lista de livros proibidos pela Igreja) e obteve inúmeras respostas de escritores indignados, que chegaram a comparar Maquiavel ao próprio diabo. Por outro lado, houve leitores que a entenderam como crítica aos atos imorais frequentemente realizados e dissimulados pelos governos. Entre eles, destacam-se dois filósofos: Jean-Jacques Rousseau, que, em O contrato social, elogiou Maquiavel como democrata e republicano; e Antonio Gramsci, que leu a obra como denúncia do que só pode ser feito quando não é dito, ou seja, quando não é tornado público.

NICOLAU Maquiavel. Século XVI. Escultura em madeira. Galleria degli Uffizzi, Florença.

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Sociedade e Poder26

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1. Maquiavel foi “maquiavélico”? Por quê?

2. Compare e contraste os princípios indicados por Maquiavel para manter a imagem do príncipe (simulação e dissimulação) com o trabalho dos marqueteiros responsáveis pela imagem pública dos políticos atuais.

Deveis saber, assim, que dois modos há de combater: um pelas leis; outro, pela força. O primeiro é -

ciente, mister se faz recorrer a segundo. O príncipe, contudo, deve saber empregar adequadamente o animal e o homem. [...] Assim, uma vez que um príncipe se vê obrigado a bem valer-se da natureza da besta, deve tirar dela as qualidades da raposa e do leão, porque este não tem defesa nenhuma contra as armadilhas, e a raposa, contra os lobos. Precisa, portanto, ser raposa para conhecer as armadilhas, e leão para atemorizar os lobos. Os que se servirem exclusivamente dos leões não serão bem-sucedidos. Por esse motivo, um príncipe prudente não pode nem deve manter a palavra dada quando isso lhe é nocivo e quando aquilo que a determinou não mais exista. Fossem os homens todos bons, esse preceito

obrigado a cumpri-la para com eles. Nunca, aos príncipes, faltaram motivos para dissimular quebra da fé jurada. Poder-se-iam dar incontáveis exemplos atuais disso, apontando quantas convenções e

aquele que melhor soube servir-se das qualidades da raposa. É preciso, todavia, disfarçar muito bem tal qualidade, e ser bom simulador e dissimulador. E tão simples são os homens, e obedecem tanto às necessidades presentes, que aquele que engana sempre achará a quem enganar.

MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. In: ______. Maquiavel. São Paulo: Nova Cultural, 2004. (Os pensadores), cap. XVIII, p. 109-110.

Tradutor

Os textos utilizados para a análise dos grandes pensadores, como os examinados neste módulo, são, em sua maioria, ofertados em variadas traduções. Uma tradução eficiente é aquela na qual o tradutor se especializa no tema – por exemplo, em textos filosóficos ou teológicos da Idade Média – e domina o vocabulário, a linguagem e as expressões utilizadas. Lembrando que os textos examinados até aqui, na seção Leitura Filosófica, estão no original em grego ou latim.

Além do espaço de tradutor de livros, esse profissional pode atuar também em palestras, conferências e videoconferências. Nessas situações, além de precisar ter o domínio do idioma, necessita de uma boa dicção e do conhecimento de expressões e costumes do país do orador. Existem diversas áreas de atuação, como artes, informática, medicina, direito, entre outras.

A graduação pode ser feita no curso de Letras, com habilitação no idioma pretendido, ou no curso de Tradução e Interpretação, com habilitação em Letras. Nos dois casos, o período de duração é de quatro anos.

Ensino Médio | Modular 27

FILOSOFIA

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Sociedade e Poder28

Pensamento político: do Iluminismo à atualidade

3

Desde a Antiguidade, a Filosofia Política investiga questões ligadas à autoridade e ao governo. Cabe a essa área da Filosofia refletir sobre a origem e a legitimidade das formas de poder presentes nas sociedades humanas. Essa investigação gera questionamentos importantes sobre o poder político e sua relação com a vida das pessoas. Por exemplo: como ele surgiu? Deve ser respeitado incondicionalmente? Quem pode exercê-lo? De que forma participar das decisões políticas? Que direitos e deveres cabem aos governantes e aos governados no contexto político? A liberdade é possível nesse contexto? Interesses do Estado devem ter prioridade sobre interesses individuais? O poder sempre revela suas verdadeiras características?

O poder político e as

relações sociais em

@FIL993

Práticas

políticas e a

institucionalização

do poder ao longo

da história

@FIL991

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Ensino Médio | Modular 29

FILOSOFIA

O Iluminismo ou Século das Luzes

corresponde à mentalidade

teórica predominante

na Europa entre os séculos

XVII e XVIII. O pensamento

iluminista caracterizava-

-se por enfatizar os conceitos

de razão e liberdade e por afirmar o

indivíduo como sujeito do

conhecimento e da ação.

Esses conceitos aparecem,

inclusive, nas teorias políticas

desse período.

a distinção entre a virtude política e as virtudes morais ou cristãs;

o conflito, e não a harmonia, como origem do poder;

a república como a melhor forma de governo, por submeter-se a leis e garantir o direito de parti-cipação política a todas as classes sociais.

Serão abordadas, a seguir, algumas teorias políticas modernas que se baseiam em uma ou mais dessas ideias. A começar por aquelas que estabeleceram o pacto ou contrato social como hipótese explicativa para o surgimento do Estado.

TITO, Santi di. Retrato de Maquiavel. Século XVI. 1 óleo sobre tela, color., Palácio Velho, Florença.

A obra de Maquiavel é considerada um marco de passagem para o pensamento político

moderno. Nesse contexto, merece destaque a autonomia que o filósofo florentino conferiu

à política em relação à ética e à religião tradicionais

Na Modernidade, tais questões inauguraram novas e expressivas teorias filosóficas sobre o poder e a participação política. Considera-se o pensamento de Maquiavel como o marco de passagem para essa nova mentalidade. A causa está na evidente repercussão que tiveram as suas principais teses sobre teorias políticas posteriores ao Renascimento; em especial, durante o Iluminismo. Nesse contexto, merecem destaque as seguintes teses:

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Segundo o contratualismo, o estado de natureza correspondia à condição humana anterior à constituição da sociedade e do Estado. A origem do conceito remonta à Antiguidade, período em que já se encontravam referên-cias à condição pré-política da humanidade. Ela foi mencionada no platonismo, por exemplo, como um estado de desordem e precariedade. Sêneca, por sua vez, descreveu-a como “Idade de Ouro”, ou seja, um período em que os seres humanos eram felizes. Inocentes, simples, frugais e obedientes aos sábios, eles viviam sem precisar de governos e leis, os quais somente se fizeram necessários devido ao surgimento da avidez e da corrupção.

S

Enquanto as leis naturais formam o jusnaturalismo

ou direito natural, as leis civis,

estabelecidas por um poder

soberano, formam o direito

civil, também conhecido como direito positivo.

O pacto segundo Thomas HobbesNo século XVII, o filósofo inglês Thomas Hobbes contrariou o pensamento político clássico, definindo o

homem como “lobo do próprio homem”. Além disso, ele descreveu o estado de natureza como uma “guerra de todos contra todos”. Com essa expressão, Hobbes não se referia apenas às lutas reais, mas, principalmente, à disposição universal e permanente dos seres humanos para realizá-las. Do seu ponto de vista, o estado de natureza significava uma vida sem justiça, leis ou punições capazes de garantir a autopreservação e a proprie-dade aos indivíduos. Nessa situação de barbárie, os indivíduos permaneceriam dispersos, devido ao conflito de interesses particulares, vivendo sob a pressão da astúcia e da força bruta dos demais. Assim, o eterno risco de morte violenta levaria o homem à desconfiança, ao medo, ao isolamento e à autodefesa, com cercas e armas.

Portanto, Hobbes afirmava que, levados pela lei natural, os indivíduos renunciavam à sua liberdade em favor de um soberano, submetendo-se igualmente aos poderes a ele transferidos e que só ele poderia exercer. Tais poderes incluíam a criação e a aplicação de leis civis, bem como a coerção. Segundo o filósofo, esse pacto, caracterizado pela renúncia dos poderes e liberdades individuais de todos em favor de um governante, resultaria na instituição da soberania e do Estado Civil. Desse modo, o poder soberano, representado pelo governante e pelo Estado, defenderia o cumprimento do pacto, ainda que à força, mas sempre respeitando o direito natural. Somente assim ele poderia garantir aos indivíduos a preservação da vida, a justiça e a propriedade.

No século XVI, as grandes navegações europeias favoreceram o contato com povos até então desconhecidos, os indígenas americanos. Nos séculos seguintes, os costumes desses povos foram retratados em obras de arte e descritos em livros de História Natural. Assim, a diversidade social e cultural representada por eles despertou perplexidade e curiosidade nos círculos intelectuais da Europa. Considerando os indígenas seres selvagens, os europeus começaram a indagar-se sobre a condição humana anterior à civilização e à organização social; condição que ficou conhecida como estado de natureza. Segundo pensadores dos séculos XVII e XVIII, ela era marcada pelo direito natural (jus naturale) e pela lei natural (lex naturalis). Esses conceitos formaram a base do jusnaturalismo, concepção filosófica que entendia o direito natural como sendo a liberdade para preservar a própria vida, e a lei natural como sendo o dever de preservar-se.

Na tentativa de compreender como se dera a passagem do estado de natureza ao Estado Civil, os jusnaturalistas encontraram uma hipótese explicativa para a submissão das pessoas ao poder político: o pacto ou contrato social. Não se tratava de reconstruir uma situação historicamente comprovada, mas, sim, de elaborar uma hipótese coerente para explicar alguns dos mais significativos aspectos da vida social. Esse posicionamento teórico ficou conhecido como contratualismo e, tal como será visto, envolveu filósofos de diferentes nacionalidades.

Sociedade e Poder30

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Hobbes comparava o Estado ao Leviatã, um monstro bíblico, cheio de olhos para vigiar e de braços para agir. Afirmava que, em troca da própria segurança, os indivíduos deveriam conceder-lhe os direitos de punir, cobrar impostos, nomear magistrados, etc. Para esse filósofo, cujas ideias foram acusadas de justificar o absolutismo monárquico de sua época, a sociedade não era uma comunidade harmoniosa, de origem natural e divina. Ele a definia como uma associação humana, histórica e artificial, que contrariava o estado de natureza por meio do consentimento dos indivíduos à instituição do Estado Civil e de um poder soberano – representado por um rei, uma aristocracia ou uma assembleia, a quem todos deveriam reconhecer e respeitar.

PICASSO, Pablo. Guernica. 1937. 1 óleo sobre tela, color., 349 cm x 777 cm. Museu Nacional Centro de Arte Rainha Sofia, Madri.

Portanto tudo aquilo que é válido para um tempo de guerra, em que todo homem é inimigo de todo homem, o mesmo é válido também para o tempo durante o qual os homens vivem sem outra segurança senão a que lhes pode ser oferecida por sua própria força e por sua própria invenção. [...]

Desta guerra de todos os homens contra todos os homens também isto é consequência: que nada pode ser injusto. As noções de bem e de mal, de justiça e injustiça, não podem aí ter lugar. Onde não há poder comum não há lei, e onde não há lei não há injustiça. Na guerra, a força e a fraude são as duas virtudes cardeais. A justiça e a injustiça não fazem

Nos trechos a seguir, retirados da obra Leviatã, Hobbes apresenta alguns conceitos fundamentais ao jusna-turalismo e ao contratualismo. Descreve, por exemplo, o estado de natureza e a instituição do pacto social, além de definir os significados de direito e leis, tanto na natureza quanto no Estado Civil.

N h

Nesse quadro, Picasso procurou retratar a terrível face da guerra. Quase três séculos antes, Thomas Hobbes descrevera o estado de natureza do homem como uma condição anterior à justiça, representada pela guerra implacável de todos contra todos. Segundo ele, a paz só se tornaria possível com a renúncia dos poderes e liberdades individuais em favor de um soberano, submetendo-se todos, igualmente, ao seu governo e proteção. Esse acordo corresponderia ao pacto (ou contrato) social – mencionado não apenas por Hobbes, mas também por outros filósofos conhecidos como jusnaturalistas ou contratualistas. A partir desse acordo artificial, as leis naturais seriam substituídas pelas leis civis, garantindo-se a preservação da vida, a propriedade e a segurança, entre outros direitos civis

Retrato de Thomas Hobbes, defensor da teoria do pacto social e um dos maiores representantes do contratualismo inglês

WRIGHT, John Michael. Thomas Hobbes. Século XVII. 1 óleo sobre tela, color., 66 cm x 54,6 cm. Galeria Nacional do Retrato, Londres.

Ensino Médio | Modular 31

FILOSOFIA

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parte das faculdades do corpo ou do espírito. Se assim fosse, poderiam existir num homem que estivesse sozinho no mundo, do mesmo modo que seus sentidos e paixões. São qualidades que pertencem aos homens em sociedade, não na solidão. Outra consequência da mesma condição é que não há propriedade, nem domínio, nem distinção entre o meu e o teu; só pertence a cada homem aquilo que ele é capaz de conseguir, e apenas enquanto for capaz de conservá-lo. É pois esta a miserável condição em que o homem realmente se encontra, por obra simples da natureza. Embora com uma possibilidade de escapar a ela, que em parte reside nas paixões, e em parte em sua razão.

As paixões que fazem os homens tender para a paz são o medo da morte, o desejo daquelas coisas que são necessárias para uma vida confortável, e a esperança de consegui-las através do trabalho. E a razão sugere adequadas normas de paz, em torno das quais os homens podem chegar a acordo. Essas normas são aquelas a que por outro lado se chama leis de natureza, das quais falarei mais particularmente [...].

O direito de natureza, a que os autores geralmente chamam jus naturale, é a liberdade que cada homem possui de usar seu próprio poder, da maneira que quiser, para a preservação de sua própria natureza, ou seja, de sua vida; e con-sequentemente de fazer tudo aquilo que seu próprio julgamento e razão lhe indiquem como meios adequados a esse

Uma lei de natureza (lex naturalis) é um preceito ou regra geral, estabelecido pela razão, mediante o qual se proíbe a um homem fazer tudo o que possa destruir sua vida ou privá-lo dos meios necessários para preservá-la, ou omitir aquilo que se pense poder contribuir melhor para preservá-la. [...]

E dado que a condição do homem [...] é uma condição de guerra de todos contra todos, sendo neste caso cada um governado por sua própria razão, e não havendo nada, de que possa lançar mão, que não possa servir-lhe de ajuda para a preservação de sua vida contra seus inimigos, segue-se daqui que numa tal condição todo homem tem direito a todas as coisas, incluindo os corpos dos outros. Portanto, enquanto perdurar este direito de cada homem a todas as coisas, não poderá haver para nenhum homem (por mais forte e sábio que seja) a segurança de viver todo o tempo que geralmente a natureza permite aos homens viver. Consequentemente é um preceito ou regra geral da razão, que todo homem deve esforçar-se pela paz, à medida que tenha esperança de consegui-la, e caso não consiga pode procurar e usar todas as ajudas e vantagens da guerra. A primeira parte desta regra encerra a lei primeira e fundamental da natureza, isto é, procurar a paz, e segui-la. A segunda encerra a suma do direito de natureza, isto é, por todos os meios que pudermos, defendermo-nos a nós mesmos.

Desta lei fundamental de natureza, mediante a qual se ordena a todos os homens que procurem a paz, deriva esta segunda lei: que um homem concorde, quando outros também o façam, e à medida que tal considere necessário para a paz e para a defesa de si mesmo, em renunciar a seu direito a todas as coisas, contentando-se, em relação aos outros homens, com a mesma liberdade que aos outros homens permite em relação a si mesmo. Porque enquanto cada homem detiver seu direito de fazer tudo quanto queira todos os homens se encontrarão numa condição de guerra. [...]

Abandona-se um direito simplesmente renunciando a ele, ou transferindo-o para outrem. Simplesmente renunciando, quando não importa em favor de quem irá redundar o respectivo benefício. Transferindo-o, quando com isso pretende

A única maneira de instituir um tal poder comum, capaz de defendê-los das invasões dos estrangeiros e das injúrias

da terra, possam alimentar-se e viver satisfeitos, é conferir toda sua força e poder a um homem, ou a uma assembleia de homens, que possa reduzir suas diversas vontades, por pluralidade de votos, a uma só vontade. O que equivale a dizer: designar um homem ou uma assembleia de homens como representante de suas pessoas, considerando-se e reconhe-cendo-se cada um como autor de todos os atos que aquele que representa sua pessoa praticar ou levar a praticar, em tudo o que disser respeito à paz e segurança comuns; todos submetendo assim suas vontades à vontade do representante, e suas decisões a sua decisão. Isto é mais do que consentimento, ou concórdia, é uma verdadeira unidade de todos eles, numa só e mesma pessoa, realizada por um pacto de cada homem com todos os homens, de um modo que é como se cada homem dissesse a cada homem: esta assembleia de homens, com a condição de transferires a ele teu direito, autorizando de maneira semelhante todas as suas ações. Feito isso, a multidão assim unida numa só pessoa se chama Estado, em latim civitas. [...]

Aquele que é portador dessa pessoa se chama soberano, e dele se diz que possui o poder soberano. Todos os restantes são súditos.

HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil. Tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. São Paulo: Nova Cultural, 2004. (Os pensadores), p. 109-118, 143-144.

Sociedade e Poder32

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1. Considerando os trechos da Leitura filosófica, transcreva:

a) os significados de estado de natureza, direito natural, lei natural, pacto social e soberania;

b) as duas leis naturais citadas por Hobbes.

2. Justifique a afirmação de que o conceito hobbesiano de homem como lobo do homem contrariava o pen-

samento político clássico.

3. Reflita sobre esta questão: Você acredita que o homem é, por natureza, lobo do próprio homem?

Para aprofundar sua reflexão, considere a citação a seguir, na qual Hobbes argumenta em defesa dessa

tese. Depois, apresente sua própria opinião sobre a natureza humana e argumente a favor dela.

Poderá parecer estranho a alguém que não tenha considerado bem estas coisas que a natureza tenha as-sim dissociado os homens, tornando-os capazes de atacar-se e destruir-se uns aos outros. E poderá portanto talvez desejar, não confiando nesta inferência, feita a partir das paixões, que a mesma seja confirmada pela experiência. Que seja portanto ele a considerar-se a si mesmo, que quando empreende uma viagem se arma e procura ir bem acompanhado; que quando vai dormir fecha suas portas; que mesmo quando está em casa tranca seus cofres; e isto mesmo sabendo que existem leis e funcionários públicos armados, prontos a vingar qualquer injúria que lhe possa ser feita. Que opinião tem ele de seus compatriotas, ao viajar armado; de seus concidadãos, ao fechar suas portas: e de seus filhos e servidores, quando tranca seus cofres? Não significa isso acusar tanto a humanidade com seus atos como eu faço com minhas palavras?

HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil. Tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. São Paulo: Nova Cultural, 2004. (Os pensadores), p. 109-110.

O pacto segundo John LockeAinda no século XVII, outro pensador inglês teve grande influência na Filosofia Política. Trata-se

de John Locke, tido como inaugurador do pensamento liberal. Com semelhanças e diferenças em relação a Hobbes, ele também partiu do estado de natureza e do contrato social para construir suas teorias, mas apresentou uma visão mais moderada em relação ao primeiro desses conceitos.

Segundo Locke, o estado de natureza correspondia a uma situação de liberdade e igualdade, em que cada qual era juiz de sua própria causa e buscava o seu próprio bem. No entanto, sendo comum a todos, essa situação teria gerado conflitos de interesses, devido ao início da acumulação de riquezas. Tais conflitos seriam a causa do pacto social, cujo maior objetivo era a defesa do direito à propriedade privada. Afinal, enquanto Hobbes a entendia como fruto das leis do soberano e, portanto, do direito civil, Locke a considerava um direito natural. E para justificar essa visão, ele apresentava dois argumentos:

FONROUG. Retrato de John Locke. Século XVII. 1 litogravura, color. Biblioteca do Congresso, Londres.

Retrato de John Locke. Representante do contratua-lismo inglês, ele é também considerado o inaugurador do liberalismo, concepção política que defendia a autonomia das relações econômicas na sociedade em relação ao poder do Estado

FILOSOFIA

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o direito natural à vida dependia da posse dos bens necessários à sobrevivência, adquiridos pelo trabalho;

Deus entregara sua obra ao domínio do homem, sob uma condição: o “suor do próprio rosto”, instituindo assim a propriedade como fruto do trabalho e como direito natural.

Segundo Locke, os indivíduos estabeleciam o contrato social como defesa do direito natural e não como transferência de direitos individuais ao soberano. Por meio desse ato, eles se tornavam cidadãos, com direitos garantidos à vida, à liberdade e à propriedade. Além disso, Locke apontava um intermediário entre os indivíduos e o Estado: a sociedade civil, ou seja, a teia de relações econômicas e sociais livremente estabelecidas entre as classes.

Nesse modelo político, o Estado possuía um caráter republicano, dividindo-se em três poderes: o Executivo, para administrar negócios e serviços públicos; o Legislativo, para instituir leis civis; e o Judiciário, para aplicar essas leis. Além disso, contava com as forças armadas (o exército e a polícia) e com a burocracia (os funcionários públicos). Sendo assim constituído, ele poderia cumprir as funções de garantir o direito natural à propriedade, arbitrar nos conflitos da sociedade civil e legislar sobre a vida pública, mas sem interferir na vida econômica e respeitando a liberdade de pensamento – ou seja, o Estado poderia censurar apenas aquilo que o pusesse em risco.

A distinção entre sociedade e Estado, com autonomia da esfera econômica, constituiu a base do liberalismo, a concepção de poder político definida pelo famoso princípio: laissez faire, laissez passer, que pode ser traduzido como “deixai fazer, deixai passar”. De acordo com ele, os governos não deveriam intervir em iniciativas da sociedade civil para gerar riquezas, como a indústria e o comércio.

Entre os séculos XVII e XVIII, o liberalismo foi adotado pela burguesia – a classe urbana que enriquecia por meio das atividades comerciais intensificadas pela Revolução Industrial. Afinal, os burgueses se ressentiam pelas restrições impostas à sua participação política. Com a divulgação do pensamento liberal, essa classe adquiriu um status superior ao dos nobres e ao dos pobres, uma vez que, do seu ponto de vista, os primeiros acumulavam bens sem trabalho, e os últimos trabalhavam pouco ou não sabiam acumular riquezas.

Com base nessa ascensão, a burguesia pôde reivindicar a participação política que desejava. Para isso, buscou apoio nas classes menos favorecidas. Assim, algumas lutas políticas dos séculos XVIII e XIX ficaram conhecidas como Revoluções Burguesas. Elas se fundamentavam em dois pilares: de um lado, o ideal liberal burguês e, de outro, o desejo das camadas mais pobres por igualdade social. No entanto, após as vitórias, tais camadas foram novamente reprimidas, gestando um novo modelo de revolução que eclodiria no século XX.

Revoluções Burguesas:

também conhe-cidas como Revoluções

Liberais, ocorre-ram entre os sé-culos XVII e XIX. Destacaram-se

a Revolução Gloriosa, na Inglaterra, e a Revolução

Francesa. Além disso, a Inde-

pendência dos Estados Unidos,

também ocorrida no século XVIII, é considerada

uma revolução de inspiração

liberal.

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Leia atentamente os trechos a seguir. Eles fazem parte da obra Dois tratados sobre o governo, na qual Locke apresentou sua concepção contratualista e liberal acerca da natureza do poder político.

Para entender o poder político corretamente, e derivá-lo de sua origem, devemos considerar o estado em que todos os homens naturalmente estão, o qual é um estado de perfeita liberdade para regular suas ações e dispor de suas posses e pessoas do modo como julgarem acertado, dentro dos limites da lei da natureza, sem pedir licença ou depender da vontade de qualquer outro homem. [...]

Mas, embora seja esse um estado de liberdade, não é um estado de licenciosidade; embora o homem nesse estado tenha uma liberdade incontrolável para dispor de sua pessoa ou posses, não tem liberdade para destruir-se ou a qualquer criatura em sua posse, a menos que um uso mais nobre que a mera conservação desta o exija. O estado de natureza tem para governá-lo uma lei da natureza, que a todos obriga; e a razão, em que essa lei consiste, ensina a todos aqueles que a consultem que, sendo todos iguais e independentes, ninguém deveria prejudicar a outrem em sua vida, saúde, liberdade ou posses. Pois sendo todos os homens artefato de

enquanto a Ele aprouver, e não a outrem. E tendo todos as mesmas faculdades, compartilhando todos uma mesma comunidade de natureza, não se pode presumir subordinação alguma entre nós que possa autorizar a destruir-nos uns aos outros, como se fôssemos feitos para o uso uns dos outros, assim como as classes infe-riores de criaturas são para o nosso uso. Cada um está obrigado a preservar-se, e não abandonar sua posição por vontade própria; logo, pela mesma razão, quando sua própria preservação não estiver em jogo, cada um deve, tanto quanto puder, preservar o resto da humanidade, e não pode, a não ser que seja para fazer justiça a um infrator, tirar ou prejudicar a vida ou o que favorece a preservação da vida, liberdade, saúde, integridade ou bens de outrem. [...]

A esta estranha doutrina, isto é, a de que no estado de natureza todos têm o poder executivo da lei de natureza, não duvido que se objetará que não é razoável que os homens sejam juízes em causa própria, que o amor-próprio os fará agir com parcialidade em favor de si mesmos e de seus amigos. E, por outro lado, a natureza vil, a paixão e a vingança os levarão longe demais na punição dos demais, da qual nada resultará além de confusão e desordem e, portanto, Deus certamente designou o governo para conter a parcialidade e a violência dos homens. Admito sem hesitar que o governo civil é o remédio adequado para as inconveniências do estado de natureza, que certamente devem ser grandes quando aos homens é facultado serem juízes em suas próprias causas, pois é fácil imaginar que aquele que foi injusto a ponto de causar injúria a um irmão

tal objeção que os monarcas absolutos são apenas homens, e, se o governo há de ser o remédio aos males que necessariamente se seguem de serem os homens juízes em suas próprias causas, razão pela qual o estado de natureza não pode ser suportado, gostaria de saber que tipo de governo é esse e em que é ele melhor do que o estado de natureza, no qual um homem, no comando de uma multidão, tem a liberdade de ser juiz em causa própria e pode fazer a todos os seus súditos o que bem lhe aprouver, sem que qualquer um tenha a mínima liberdade de questionar ou controlar aqueles que executam o seu prazer. Em que todos devem submeter-se a ele no que quer que faça, sejam os seus atos ditados pela razão, pelo erro ou pela paixão? Muito melhor é o estado de natureza, no qual os homens não são obrigados a se submeterem à vontade injusta de outrem e no qual aquele que julgar erroneamente em causa própria ou na de qualquer outro terá de responder por isso ao resto da humanidade.

LOCKE, John. Dois tratados sobre o governo. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 381-392.

FILOSOFIA

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1. Considere o seguinte trecho da Leitura filosófica:“Muito melhor é o estado de natureza, no qual os homens não são obrigados a se submeterem à vontade

injusta de outrem e no qual aquele que julgue erroneamente em causa própria ou na de qualquer outro terá de responder por isso ao resto da humanidade.”

De acordo com esse trecho e seus conhecimentos sobre o pensamento liberal de John Locke, responda se é

correto concluir que, segundo esse filósofo, o homem deveria permanecer no estado de natureza.

2. (UFU – MG) Locke foi um dos principais representantes do liberalismo político. Sobre a passagem do estado de natureza para a sociedade civil, o autor, a respeito desse tema, fez a seguinte afirmação:

Assim os homens, apesar de todos os privilégios do estado de natureza, mantendo-se em más condições enquanto nele permanecerem, são rapidamente levados à sociedade.

LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Os pensadores), p. 83.

Responda: O que leva os homens a escolher a vida em sociedade civil?

3. Analise a visão de Locke e a de Hobbes sobre a propriedade. Ela é um direito natural do homem ou um direito

convencionado pelas sociedades?

4. Para aprofundar seus conhecimentos, pesquise os significados de liberalismo e absolutismo no contexto

político. Com base nas novas informações obtidas, diferencie essas duas formas de exercício do poder.

O pacto segundo MontesquieuCharles-Louis de Secondat, o Barão de Monstesquieu, foi um dos representantes franceses do

contratualismo, no século XVIII. Assim como Locke, ele é considerado um defensor do pensamento liberal. Numa obra chamada O espírito das leis, Montesquieu refletiu sobre a relação entre as leis e as diferentes formas de governo. Além disso, defendeu a existência de três poderes autônomos no Estado Civil. Como foi visto, Locke já abordara essa divisão, mas o pensador francês é celebrado por enfatizá-la e, principalmente, por defender a independência mútua entre os três poderes.

Montesquieu discordava do conceito hobbesiano de estado de natureza. Segundo ele, a condição humana original não se caracterizava pela guerra, mas pela fraqueza e pelo medo. Esses fatores levariam os homens à aproximação mútua, uma vez que apenas em sociedade eles teriam força suficiente para disputar interesses entre si e com outros grupos. Portanto, a guerra, as armas e as dominações não viriam da natureza, mas da sociedade. Afinal, Montesquieu afirmava que a natureza era regida por leis harmônicas, de origem divina. Infelizmente, porém, os homens nem sempre res-peitavam as leis naturais e tampouco as leis racionais instituídas por eles próprios no Estado Civil.

De acordo com esse filósofo, as leis civis variavam (e deveriam fazê-lo) segundo o contexto de cada povo e a forma de governo adotada por ele. Em O espírito das leis, ele apresentou a seguinte classificação dos governos, e da finalidade das leis presentes em cada um deles:

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Natureza do governoResponsáveis

pelo poderPrincípio do governo(paixão que o move)

Finalidade das leis e da educação

República(Democracia ou

Aristocracia)

Representantesdo povo

Virtude política (o amor à pátria e não às

virtudes morais ou cristãs)Virtude política

MonarquiaUm só governante, que

segue as leis estabelecidas

Honra(o status social, a nobreza)

Distinção social

DespotismoUm só governante, que

segue a sua própria vontade

Medo, terrorServidão

(as leis são raras)

Montesquieu reconheceu a igualdade e o sufrágio (voto, votação) como qualidades da democracia. Também apontou o dinamismo como qualidade da monarquia. No entanto, alertou para o risco de que ambas se tornassem despotismos, ou seja, governos marcados por abusos do poder. Por isso, ele de-fendia a existência dos três poderes, ressaltando a necessidade de se garantir a distinção entre seus membros, a independência de cada um deles e a possibilidade de resistirem um ao outro. Segundo ele, o governante deveria executar os atos de governo (Poder Executivo), submetendo-se às leis civis (Poder Legislativo), e não poderia atuar como juiz (Poder Judiciário). Afinal, o governante não poderia julgar com total imparcialidade. Além disso, no caso da monarquia, esse acúmulo de funções impediria o príncipe de conceder clemência após os julgamentos, uma vez que ele próprio os teria realizado. Por outro lado,

no caso da república, Montesquieu assegurava a capacidade do povo para julgar o governo, mas não para exercê-lo diretamente. Afirmava que esse regime era ideal para pequenos territórios, a monarquia para os médios, e que grandes impérios tenderiam com maior frequência ao despotismo. Chamava a república e a monarquia de governos moderados e aceitava a transição entre eles em situa ções de mudança na configuração dos territórios, mas lamentava a degeneração de qualquer um deles em formas de despotismo. Aproximando-se do liberalismo, seu pensamento era contrário ao absolutismo que Hobbes foi acusado de justificar e que seria abalado pelas Revoluções Burguesas dos séculos XVIII e XIX.

Retrato de Montesquieu, representante francês do contratualismo e do liberalismo, que considerava o estado de natureza uma condição de fraqueza e medo, além de defender a existência de três poderes independentes entre si na formação do Estado

DASSIER, Jean-Antoine. Barão de Montesquieu, filósofo. [ca. 1728]. 1 óleo sobre tela, color., 63 cm x 52 cm. Museu Nacional do Palácio de Versalhes e do Trianon.

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FILOSOFIA

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Antes de todas essas leis, existem as da natureza, assim chamadas porque decorrem unicamente da constituição de nosso ser. Para conhecê-las bem, é preciso considerar o homem antes do estabelecimento das sociedades. As leis da natureza seriam as que ele receberia em tal caso.

Essa lei, que, inculcando-nos a ideia de um criador, leva-nos a ele, é, por sua importância, mas não pela ordem das leis, a primeira das leis naturais. O homem em estado natural teria de preferência a faculdade de conhecer a ter conhe-cimentos. É evidente que suas primeiras ideias não seriam especulativas, procuraria conservar seu ser antes de procurar sua origem. Tal homem sentiria, antes de tudo; sua fraqueza e seu medo seria grande; e, se tivéssemos necessidade da

e a paz seria a primeira lei natural.Não é razoável o desejo que Hobbes atribui aos homens de subjugarem-se mutuamente. A ideia de supremacia e de

dominação é tão complexa e dependente de tantas outras que não seria ela a primeira ideia que o homem teria.Hobbes indaga: “Por que os homens, mesmo quando não estão naturalmente em guerra, estão sempre armados? E

por que utilizam chaves para cerrar suas casas?” Mas não percebe que atribuímos aos homens, antes do estabelecimen-to de sociedades, o que só poderia acontecer-lhes após esse estabelecimento, fato que os leva a descobrir motivos para atacar e defender-se mutuamente.

Ao sentimento de sua fraqueza, o homem acrescentaria o sentimento de suas necessidades. Assim, outra lei natural seria a que o incitaria a procurar alimentos.

Disse que o medo levaria os homens a afastarem-se uns dos outros, mas a comprovação de um medo recíproco levá--los-ia logo a se aproximarem. Aliás, eles seriam levados pelo prazer que sente um animal à aproximação de outro da mesma espécie. Demais, este encanto que os dois sexos, pela sua diferença, inspiram-se mutuamente aumentaria esse prazer, e o pedido natural que sempre fazem um ao outro seria uma terceira lei. Além do sentimento que os homens inicialmente possuem, conseguem eles também ter conhecimentos; assim, possuem um segundo liame que os outros animais não têm. Existe, portanto, um novo motivo para se unirem, e o desejo de viver em sociedade constitui a quarta lei natural.

Logo que os homens estão em sociedade, perdem o sentimento de suas fraquezas; a igualdade que existia entre eles desaparece, e o estado de guerra começa.

Cada sociedade particular passa a sentir sua força; isso gera um estado de guerra de nação para nação. Os indivíduos, em cada sociedade, começam a sentir sua força: procuram reverter em seu favor as principais vantagens da sociedade; isso cria, entre eles, um estado de guerra. Essas duas espécies de estado de guerra acarretam o estabelecimento de leis entre os homens. [...]

A força geral pode ser colocada nas mãos de apenas um ou nas mãos de muitos. Alguns pensaram que, tendo a Na-tureza estabelecido o poder paterno, o governo de um só estaria mais de acordo com a Natureza. Porém, o exemplo do poder paterno nada prova, pois, se o poder do pai está relacionado com o governo de um só, depois da morte do pai, o poder dos irmãos ou, depois da morte dos irmãos, o dos primos coirmãos está relacionado com o governo de muitos. O poder político implica, necessariamente, a união de muitas famílias. É melhor dizer que o governo mais de acordo com a Natureza é aquele cuja disposição particular melhor se relaciona com as disposições do povo para o qual foi estabelecido. [...]

A lei, em geral, é a razão humana, na medida em que governa todos os povos da terra, e as leis políticas e civis de cada nação devem ser apenas os casos particulares em que se aplica essa razão humana.

Devem ser elas tão adequadas ao povo para o qual foram feitas que, somente por um grande acaso, as leis de uma nação podem convir a outra. [...]

Devem as leis ser relativas ao físico do país, ao clima frio, quente ou temperado; à qualidade do solo, à sua situação, ao seu tamanho; ao gênero de vida dos povos, agricultores, caçadores ou pastores; devem relacionar-se com o grau de liberdade que a constituição pode permitir; com a religião dos habitantes, suas inclinações, riquezas, número, comér-

a ordem das coisas sobre as quais são elas estabelecidas. É preciso considerá-las em todos esses aspectos.

MONTESQUIEU. Do espírito das leis. São Paulo: Nova Cultural, 2005. p. 39-42.

Neste texto, que faz parte da obra Do espírito das leis, Montesquieu apresenta sua concepção sobre o estado de natureza e a passagem das leis de natureza para as leis civis.

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1. Identifique e cite as quatro leis naturais citadas por Montesquieu no texto da Leitura filosófica.

2. Posicione-se criticamente em relação à tese de Montesquieu, segundo a qual as leis civis devem variar, adequando-se às características dos diferentes povos. Apresente justificativas para concordar ou discordar dessa tese.

3. Pesquise as estruturas e as funções dos Três Poderes no Estado brasileiro. Com base nas informações obtidas, verifique se eles atendem ao princípio de autonomia proposto por Montesquieu, segundo o qual cada um deles poderia opor resistência ao outro.

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Na Praça dos Três Poderes,

em Brasília, encontram-se

o Palácio do Planalto, o Con-gresso Nacional

e o Supremo Tribunal Federal.

Tais edifícios representam,

respectivamen-te, os poderes

Executivo, Legislativo e

Judiciário. Proje-tados por Oscar Niemeyer, eles

foram dispostos de modo que um não seja

encoberto pelo outro

O pacto segundo RousseauAinda na França do século XVIII, o filósofo de origem suíça Jean-Jacques Rousseau também abordou

temas contratualistas em suas obras. Ele apresentava o estado de natureza como uma condição de liberdade e inocência, em que haveria somente diferenças físicas entre os indivíduos, uma vez que eles viveriam sem propriedades ou autoridades. Para representar o estado de natureza, Rousseau utilizava uma descrição do homem anterior à civilização, que ficou conhecida como “mito do bom selvagem”, pois o filósofo apontava a vida social como causa da corrupção dos seres humanos.

GAUGUIN, Paul. De onde viemos? O que somos? Para onde vamos? 1897-1898. 1 óleo sobre tela, color., 171,5 cm x 406,4 cm. MFA, Boston.

Ensino Médio | Modular 39

FILOSOFIA

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Nascido em Genebra, na Suíça, Rousseau viveu e produziu sua obra na França. Ficou conhecido pela defesa da liberdade, pela valorização do senti-mento e da interioridade sobre o intelectualismo e a civilização. Suas ideias foram utilizadas por articuladores da Revolução Francesa, a qual culminou na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, documento que defende o direito à liberdade, em suas diversas formas

LA TOUR, Maurice Quentin de. Jean-Jacques Rousseau. 1753. 1 pastel sobre papel, color., 45 cm x 35,5 cm. Museu de Arte e de História, Genebra.

Rousseau relacionava a política à moralidade. Criticava a corrupção dos costumes e pregava a interioridade como remédio para os males da civilização. Acreditava numa natureza humana inocente e, portanto, boa, anterior à corrupção dos homens, no interior das sociedades. Defendia uma educação preocupada em evitar essa corrupção, mas sem ser repressiva, uma vez que a natureza humana não era má. Ele foi acusado de desejar o retorno do homem ao estado de natureza, o que não é verdadeiro, pois não condenava a civilização, mas, sim, os abusos cometidos em seu nome. Ele valorizava o Estado Civil como meio para o desenvolvimento da razão e da moral, mas condenava qualquer abuso contra o bem maior, a liberdade. Afinal, julgava a perda da liberdade uma condição pior que a do estado de natureza.

Segundo ele, a condição original de liberdade e inocência desaparecera, devido a uma fraude, quando o primeiro homem cercou um terreno e convenceu outros de que era seu proprietário, criando assim as diferenças sociais. Rousseau entendia essa mentira como a causa e, ao mesmo tempo, o início das disputas por riquezas e pelo poder, características do estado de sociedade. Este, ao contrário do estado de natureza, seria marcado pela insegurança e pela violência. Portanto, levaria os homens à renúncia do poder pessoal ilimitado e à realização do contrato social.

Tal renúncia não se daria em favor de um homem, mas em favor da vontade geral, correspondente ao interesse comum dos homens, colocado acima dos diversos interesses particulares. Portanto, o contrato não representava a transferência de poderes e liberdades a alguém, mas a associação dos cidadãos para exercê-los em prol do corpo político.

Essa associação teria gerado o Estado Civil, cuja realização ideal era a soberania do povo. Nele, os indivíduos deveriam ser compreendidos como cidadãos, pessoas morais, livres e obedientes às leis que estabeleceram pelo bem comum. Portanto, segundo Rousseau, o soberano era o povo, um corpo coletivo e ético, que deveria estar acima do Poder Executivo, exercido por um governante. Além disso, o governante deveria ser um funcionário e não o senhor do povo, que poderia destituí-lo caso ele não se submetesse à vontade geral. Por outro lado, ao contrário de Montesquieu, Rousseau não defendia a independência entre os poderes no Estado Civil.

No seu modelo político, as leis deveriam garantir a liberdade e a igualdade, bens supremos para Rousseau, que negava a escravidão e louvava o Estado republicano – aquele que, sob qualquer forma de governo, era regido por leis voltadas ao interesse público e não à vontade particular do governante. Para esse filósofo, o governo poderia variar segundo a extensão e as características do Estado, mas apenas seria legítimo se agisse de acordo com a vontade geral. Ele apresentava a democracia como forma ideal de governo para os Estados pequenos, que julgava serem os melhores; a aristocracia para os médios; e a monarquia para os grandes. No entanto, alertava para a tendência negativa das monarquias ao absolutismo.

Por outro lado, Rousseau negava a autoridade das vontades particulares e o direito de uma nação ao domínio sobre outra, mas, em caso de guerra e crimes, aceitava a execução dos que rompessem o contrato social, tornando-se inimigos. Ele também criticava o individualismo e a corrupção de sociedades que valorizavam mais o luxo e as aparências do que a razão, os sentimentos, a liberdade e a dignidade. Em seus textos sobre política e sobre educação, Rousseau defendeu veementemente a liberdade, definindo-a como a própria essência da condição humana.

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A leitura desta citação da obra Do contrato social, de Rousseau, revelará as suas concepções quanto ao início do estado de sociedade, a instituição do pacto (ou contrato) e a relação deste último com o conceito de vontade geral. Além disso, abordará o ponto de vista desse filósofo sobre a passagem da liberdade natural no estado de natureza para a liberdade convencional no Estado Civil.

Suponhamos os homens chegando àquele ponto em que os obstáculos prejudiciais à sua conservação no estado de natureza sobrepujam, pela sua resistência, as forças de que cada indivíduo dispõe para manter-se nesse estado. Então, esse estado primitivo já não pode subsistir, e o gênero humano, se não mudasse de modo de vida, pereceria.

Ora, como os homens não podem engendrar novas forças, mas somente unir e orientar as já existentes, não têm eles outro meio de conservar-se senão formando, por agregação, um conjunto de forças, que possa sobrepujar a resistência, impelindo-as para um só móvel, levando-as a operar em concerto.

Essa soma de forças só pode nascer do concurso de muitos: sendo, porém, a força e a liberdade de cada indivíduo os instrumentos primordiais de sua conservação, como poderia ele empenhá-los sem prejudicar e sem negligenciar os

“Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja a pessoa e os bens de cada associado com toda força comum, e pela qual cada um, unindo-se a todos, só obedece contudo a si mesmo, permanecendo assim tão livre quanto antes.” Esse, o problema fundamental cuja solução o contrato social oferece.

vãs e de nenhum efeito, de modo que, embora talvez jamais enunciadas de maneira formal, são as mesmas em toda a parte, e tacitamente mantidas e reconhecidas em todos os lugares, até quando, violando-se o pacto social, cada um volta a seus primeiros direitos e retoma sua liberdade natural, perdendo a liberdade convencional pela qual renunciara àquela.

Essas cláusulas, quando bem compreendidas, reduzem-se todas a uma só: a alienação total de cada associado, com todos os seus direitos, à comunidade toda, porque, em primeiro lugar, cada um dando-se completamente, a condição é igual para todos, e, sendo a condição igual para todos, ninguém se interessa por torná-la onerosa para os demais.

Ademais, fazendo-se a alienação sem reservas, a união é tão perfeita quanto possa ser e a nenhum associado restará algo mais a reclamar, pois, se restassem direitos aos particulares, como não haveria nesse caso um superior comum que pudesse decidir entre eles e o público, cada qual, sendo de certo modo seu próprio juiz, logo pretenderia sê-lo de todos; o estado de natureza subsistiria, e a associação se tornaria necessariamente tirânica ou vã.

mesmo direito que se lhe cede sobre si mesmo, ganha-se o equivalente de tudo que se perde, e maior força para con-servar o que se tem.

Se separar-se, pois, do pacto social aquilo que não pertence à sua essência, ver-se-á que ele se reduz aos seguintes termos: “Cada um de nós põe em comum sua pessoa e todo o seu poder sob a direção suprema da vontade geral, e recebemos, enquanto corpo, cada membro como parte indivisível do todo”.

Imediatamente, esse ato de associação produz, em lugar da pessoa particular de cada contratante, um corpo moral e coletivo, composto de tantos membros quantos são os votos da assembleia, e que, por esse mesmo ato, ganha sua unidade, seu eu comum, sua vida e sua vontade. [...]

A passagem do estado de natureza para o estado civil determina no homem uma mudança muito notável, substi-tuindo na sua conduta o instinto pela justiça e dando às suas ações a moralidade que antes lhes faltava. É só então que, tomando a voz do dever o lugar do impulso físico, e o direito o lugar do apetite, o homem, até aí levando em considera-ção apenas sua pessoa, vê-se forçado a agir baseando-se em outros princípios e a consultar a razão antes de ouvir suas inclinações. Embora nesse estado se prive de muitas vantagens que frui da natureza, ganha outras de igual monta: suas faculdades se exercem e se desenvolvem, suas ideias se alargam, seus sentimentos se enobrecem, toda a sua alma se eleva a tal ponto, que, se os abusos dessa nova condição não o degradassem frequentemente a uma condição inferior àquela donde saiu, deveria sem cessar bendizer o instante feliz que dela o arrancou para sempre e fez, de um animal estúpido e limitado, um ser inteligente e um homem.

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FILOSOFIA

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Estado soberano

1. Sobre as condições no estado de natureza, analise as visões de Hobbes (disputa, violência), Locke (liberdade para defender seus interesses), Montesquieu (medo, insegurança) e Rousseau (inocência, sociabilidade). Qual dessas concepções lhe parece mais coerente? Por quê?

2. O “mito do bom selvagem” relaciona-se à crença de Rousseau de que a natureza humana não é má e que a maldade resulta da corrupção dos costumes no estado de sociedade. Na sua opinião, o ser humano deve ser considerado naturalmente bom ou mau? Por quê?

3. Posicione-se criticamente em relação à tese de Rousseau, segundo a qual o estado de sociedade tem sua origem na fraude, na mentira do primeiro a se afirmar dono, proprietário da terra, até então considerada um bem comum.

[...] distinguir entre a liberdade natural, que só conhece limites nas forças do indivíduo, e a liberdade civil, que se li-mita pela vontade geral, e, mais, distinguir a posse, que não é senão o efeito da força ou o direito do primeiro ocupante, da propriedade, que só pode fundar-se num título positivo.

o homem verdadeiramente senhor de si mesmo, porque o impulso do puro apetite é escravidão, e a obediência à lei que se estatuiu a si mesma é liberdade. [...]

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social: ensaio sobre a origem das línguas. São Paulo: Nova Cultural, 2005. (Os pensa-dores), p. 69-71, 77-78.

Ao analisar as teorias políticas da modernidade, encontra-se a repercussão do jusnaturalismo e do contratualismo também no pensamento alemão. No século XVIII, por exemplo, Immanuel Kant adotou o contrato social como uma hipótese racional para explicar a origem e os objetivos do poder político. Leitor da obra de Rousseau, ele também valorizava profundamente a ideia de liberdade. Po-rém, não era partidário das revoluções, considerando que elas recolocavam os indivíduos na condição de juízes da sua própria causa. Segundo Kant, o Estado Civil nascera com o objetivo de garantir as liberdades individuais, organizando-as de acordo com as leis civis, de modo que a liberdade de um não ameaçasse a dos outros. Essa concepção aproximava o contratualismo kantiano do pensamento liberal iniciado por Locke, desenvolvido por Montesquieu e outros filósofos.

Já no século XIX, George Wilhelm Friedrich Hegel criticou o contratualismo e o liberalismo, defen-dendo a soberania do Estado e não a do governante ou a do povo.

Idealismo hegelianoHegel discordava do pensamento liberal, pois julgava que ele favorecia o individualismo,

contrapondo interesses particulares aos interesses coletivos. Esse filósofo enxergava o homem como um ser cuja liberdade individual se expressava pela propriedade privada, na família e na sociedade civil, sendo esta última entendida como o mundo do trabalho. Mas, segundo ele, somente no Estado o homem atingia a sua verdadeira liberdade, pois nele ultrapassava os seus interesses particulares, entendendo-se como parte de um organismo político e ético.

Sociedade e Poder42

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Segundo Hegel, na família, a autoconsciência do homem ainda estaria encoberta pelas paixões e, na sociedade civil, ela estaria encoberta pela falta de percepção do trabalho como algo univer-sal. Todavia, no Estado, os indivíduos poderiam ultrapassar as particularidades e, assim, realizar a liberdade. Afinal, Hegel acreditava que a liberdade não estava ligada aos desejos arbitrários, mas à ética e à razão. Na família e na sociedade civil, o homem iniciaria a superação do egoísmo primitivo e, no Estado, ele se tornaria ético, sendo absorvido num todo orgânico, apto a garantir a ordem, a paz, a moralidade, a liberdade e a perfeição do espírito humano.

O pensamento hegeliano discordava também da hipótese de um Estado estabelecido por contrato. Entendia o Estado como a mais alta expressão do espírito, ou seja, da razão humana que se manifestava na História. Além disso, não encarava a História como a mera sucessão de fatos no tempo, mas como o “progresso da consciência da liberdade”, construído num movimento dialético. Nesse movimento, as contradições sociais geravam sínteses, que iniciavam novas contradições e engendravam novas sínteses. Ao observá-lo, Hegel acreditava que seria possível perceber o progresso do espírito de um povo, de uma época, da humanidade. Considerando a dialética, ele afirmava, por exemplo, que a con-tradição entre os interesses particulares e as normas universais seria superada no Estado, pois nele as relações seriam regidas pelo Direito. A síntese ocorreria no fato de o Estado garantir os direitos individuais e os indivíduos se entenderem como partes de uma totalidade racional.

VINCI, Leonardo da. Proporções do corpo humano. Século XV. Desenho a bico de pena sobre papel. Academia de Veneza, Veneza.

A imagem do corpo social associada ao organismo humano é utilizada desde a Antiguidade. Em Hegel, ela tem fundamental importância para a compreensão do conceito de Estado como um todo orgânico, ou seja, marcado pela unidade e pela ética

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FILOSOFIA

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O Estado hegeliano correspondia, portanto, à maior realização da História. Afinal, somente nele o espírito absorvia a natureza, afirmando-se como cultura (espírito objetivo), manifestando-se em instituições (sociais, artísticas, religiosas, filosóficas, políticas) e tomando consciência de si mesmo, por meio delas. Como organismo indivisível, no qual a individualidade se transformava em eticidade, o Estado era entendido por Hegel como o verdadeiro soberano. Ele se manifestaria na figura do mo-narca e na Constituição que regesse o poder, expressando os ideais de um povo e a sua organização em busca da unidade.

Hegel defendia a monarquia constitucional e negava a soberania popular tal como fora defendida no século XVIII. Para ele, o verdadeiro povo não era simplesmente o conjunto de pessoas que viviam na mesma nação, cuidando apenas de interesses particulares que conflitavam com os interesses, também particulares, dos demais. Hegel acreditava que o povo só existiria como um corpo orgânico e ético, que superasse o individualismo, realizando o progresso do espírito, ou seja, da razão.

Sua defesa do Estado como ideia perfeita (idealismo), mesmo que realizado de forma imper-feita, segundo as limitações de cada povo e época, rendeu-lhe a acusação de inspirar regimes autoritários. Por outro lado, ainda no século XIX, Karl Marx, um de seus principais leitores e críticos, reelaborou alguns conceitos utilizados por ele – Dialética e História, por exemplo – a fim de aplicá-los ao revolucionário pensamento socialista, que será tratado a seguir.

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O conceito hegeliano de dialética teve grande repercussão e fundamental importância para a produção filosófica posterior, principalmente no que se refere ao pensamento marxista. Além disso, a concepção hegeliana de Estado orgânico relaciona-se a uma questão problematizada por Maquiavel e sempre atual: a determinação do papel da ética no interior do Estado e das relações políticas

SCHLESINGER, Jakob. Retrato do filósofo George Wilhelm Friedrich Hegel. 1831. Galeria Nacional, Berlim.

Sociedade e Poder44

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Nesta passagem da obra Princípios da Filosofia do Direito, Hegel expõe diferenças entre a sociedade civil e o Estado, revelando características necessárias para fazer deste um todo orgânico e ético, tais como: a unidade, a eticidade e a universalidade.

MAGRITTE, René. As férias de Hegel. 1958. 1 óleo sobre tela, color., 61 cm x 50 cm. Coleção particular.

Para Hegel, a dialética é uma forma de pensamento con-creto, na medida em que é capaz de perceber que a realidade não é simples nem homogênea, mas marcada por diferenças

-ciasse o quadro As férias de Hegel [...], em que Magritte faz uma homenagem à dialética. O artista francês imaginou que o

como um copo, que contém água, e um guarda-chuva, que a repele. Observe que, dispostos um sobre o outro, suas funções se invertem: o copo sobre o guarda-chuva passa também a re-pelir a água; por sua vez, o guarda-chuva, ao sustentar o copo, torna-se capaz também de contê-la.FEITOSA, Charles. . São Paulo: Ediouro, 2004. p. 34.

1. Inspirando-se nessa obra de Magritte, busque um modo criativo de expressar o movimento da dialética

hegeliana, dividido em momentos contrários, tese e antítese, dos quais resulta a síntese.

2. Em forma de texto, analise o Estado em que você vive. Refletindo sobre a história dele, você percebe

o movimento de progresso contínuo do Espírito (razão humana) apontado por Hegel?

Quando se confunde o Estado com a sociedade civil, destinando-o à segurança e proteção da propriedade e da

facultativo ser membro de um Estado. Ora, é muito diferente a sua relação com o indivíduo. Se o Estado é o espírito objetivo, então só como membro é que o indivíduo tem objetivi-dade, verdade e moralidade. A associação como tal é o verdadeiro conteúdo e o verdadeiro

satisfações, atividades e modalidades de comportamento têm o seu ponto de partida e o seu resultado neste ato substancial e universal. Considerada abstratamente, a racionalidade con-siste essencialmente na íntima unidade do universal e do indivíduo e, quanto ao conteúdo no caso concreto de que aqui se trata, na unidade entre a liberdade objetiva, isto é, entre a

vontade substancial e a liberdade objetiva como consciência individual, e a vontade que procura realizar os seus

leis e os princípios pensados, isto é, universais. Esta ideia é o ser universal e necessário em si e para si do espírito.

HEGEL, George Wilhelm Friedrich. . Tradução de Orlando Vitorino. São Paulo: Martins Fontes, 1997. (Clássicos), p. 217-218.

Espírito objetivo: a

razão como cul-tura, manifesta

nas instituições, na moral e no

Direito.

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FILOSOFIA

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A Revolução Industrial do século XVIII trouxe à Modernidade um novo cenário político e econômico: maior domínio tecnológico sobre a natureza, produção de bens e contratação de mão de obra (livre, mas com poucos direitos garantidos), enriquecimento da burguesia, que utilizava o pensamento liberal para avançar no poder político. O capitalismo predominava nos recém-formados Estados Nacionais, gerando riquezas para alguns, além de conflitos e reivindicações de muitos por igualdade social, política e econômica.

Sob os efeitos dessa mudança histórica, os alemães Karl Marx e Friedrich Engels inauguraram, no século XIX, uma revolucionária teoria política, um verdadeiro “divisor de águas” na reflexão sobre o poder: o socialismo científico, que tinha como centro a reflexão sobre a luta de classes e acabou se tornando a referência teórica das revoluções socialistas do século XX. Aliás, atualmente, ele orienta os princípios de partidos políticos em diversos países.

MarxismoO pensamento marxista definiu o homem como um ser

histórico, que produzia as próprias condições de existência pelo trabalho (força produtiva). Mas também demonstrou que a propriedade, estabelecida artificialmente, sobre os instrumentos necessários à produção de bens (os meios de produção) e a divisão social do trabalho, em material e intelectual, geraram a desigualdade econômica e o conflito de interesses inconciliáveis entre os proprietários (que con-tratavam e exploravam) e os não proprietários (que vendiam aos primeiros a sua força de trabalho).

Esse conjunto de relações produtivas e sociais, em que os trabalhadores constroem a si mesmos ao produzir os bens sociais, recebeu o nome de práxis material. Nesse contexto, a História passou a ser entendida como a história da produção das condições materiais de existência e da contradição entre os interesses das classes detentoras dos meios de produção e da força produtiva. Essa tese fez com que o marxismo ficasse conhecido também como materialismo histórico e dialético.

No caso de Hegel, a dialética supunha a contradição, no espírito, entre os interesses individuais e as normas universais (éticas), cujas sínteses ocorreriam progressivamente na família, na sociedade civil e, finalmente, no Estado. Contudo, para Marx, a dialética supunha a contradição de interesses que se revelava na luta de classes (cenário das relações e instituições sociais, políticas e culturais) e se ocultava nas teorias filosóficas. Afinal, ele denunciava que essas teorias reproduziam as ideias da classe dominante, cujo poder vinha da propriedade e da exploração do trabalho da classe dominada. Nas sociedades capitalistas, elas correspondiam, respectivamente, à burguesia e ao proletariado ou classe operária.

Por meio de seu trabalho, a classe operária produzia a mercadoria, que correspondia aos bens con-sumidos na sociedade. Então, eram atribuídos à mercadoria o valor de uso e o valor de troca, sendo este calculado com base nos custos de produção, o que envolvia o cálculo das horas trabalhadas para produzi-la. Mas o trabalhador só recebia por uma parte do tempo que empregava nessa produção.

Lutas de classes

O marxismo partia da análise

científica da sociedade para

entender as leis do capital. Antes

dele, movimen-tos como o so-

cialismo utópico e o anarquismo pregavam o fim da propriedade

privada, a orga-nização dos tra-balhadores em cooperativas e

federações, o fim do poder estatal,

a liberdade e a responsabilida-de. Assim como o liberalismo, o socialismo utó-

pico foi criticado pelo socialismo

científico.

Título dado à con-cepção marxista,

segundo a qual os acontecimentos

históricos e as relações sociais

eram determina-dos pelas condi-

ções materiais de existência,

que incluíam o trabalho e a luta

de classes.

Esculturas de Marx e Engels, mentores do marxismo, que influen-ciou a instauração de Estados socialistas nas primeiras décadas do

século XX. Além disso, vale destacar o fato de que, atualmente, ainda existem partidos socialistas em diversos países, inclusive no

Brasil, formados sob a inspiração do marxismo

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Socialismo

anarquismo

e socialismo

utópico

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Sociedade e Poder46

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A parcela restante, denominada mais-valia, formava o lucro dos proprietários dos meios de produção, multiplicando o seu capital. Nesse processo, ocorria a alienação, ou seja, o traba-lhador deixava de ser dono de seu trabalho, já que produzia algo que não poderia consumir, pois o preço da mercadoria não seria compatível com a sua condição econômica. Assim, ele não se reconhecia como autor da mercadoria, que passava a ser vista como ”coisa” e não como o que era: trabalho social acumulado.

Segundo o marxismo, o esquecimento de que o valor de troca (preço) era atribuído à mercadoria pelos proprie-tários dos meios de produção levava ao que se chamou de fetichismo da mercadoria: a falsa impressão de que o valor de troca era algo independente das relações sociais concretas e pertencente à mercadoria em si mesma. Outro conceito importante para a teoria política marxista era o de

reificação, que consistia na transformação do próprio trabalhador de sujeito em objeto das relações sociais e de produção.

No entanto, vale ressaltar a denúncia marxista de que esse processo de exploração, alienação e reificação do trabalhador permanecia velado, sob a ação das ideias morais, científicas, religiosas, po-líticas e filosóficas vigentes na cultura, as quais encobriam a realidade da luta de classes, construindo aparências. Por outro lado, o marxismo afirmava que o avanço do capitalismo levaria essa realidade a se explicitar, de modo que o proletariado se conscientizasse da sua condição de classe explorada, realizando a revolução comunista, que desmontaria o poder jurídico, burocrático, policial e militar do Estado, passando, num primeiro estágio, pela “ditadura do proletariado”. Somente depois dessa etapa, seria possível a construção de uma sociedade comunista, justa e igualitária.

De acordo com o pensamento marxista, o conceito de comunismo referia-se à constituição de uma socie-dade livre do Estado, da propriedade privada e da distinção de classes. Para alcançá-la, Marx e Engels previam a revolução proletária, seguida de um período de transição, a ditadura do proletariado.

No caso da Revolução Russa de 1917, o conceito passou a significar a ditadura do Partido Comunista. Afi-nal, Lenin já defendera o destaque do partido no processo revolucionário, e Stalin ampliou ao máximo o seu papel, promovendo a “partidarização” das atividades intelectuais, tais como: Arte, Ciência e Filosofia, ou seja, subordinando-as ao Partido Comunista.

A seguir, você vai conhecer um trecho da obra Manifesto comunista, de Marx e Engels. Nos parágrafos selecionados, eles descrevem a História como palco da luta de classes e explicitam aspectos da afirmação da burguesia como classe dominante e da constituição do proletariado como classe dominada, mas com potencial revolucionário.

AMARAL, Tarsila do. Operários. 1933. 1 óleo sobre tela, color., 150 cm x 205 cm. Coleção do Governo do Estado de São Paulo.

No início do sé-culo XX, lançando um olhar sensível à realidade social brasileira, Tarsila do Amaral retra-tou a condição da classe operária no país

Conceito de mais-valia com

base nos pressupostos

marxistas

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FILOSOFIA

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A história de todas as sociedades existentes até hoje é a história das lutas de classes.Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, mestre de corporação e companheiro, numa

palavra, opressores e oprimidos, têm permanecido em constante oposição uns aos outros, envolvidos numa guerra ininterrupta, ora disfarçada, ora aberta, que terminou sempre, ou por uma transformação revolucionária de toda a sociedade, ou pela destruição das duas classes em luta.

Nas épocas históricas mais remotas, encontramos, em quase toda parte, uma complexa divisão da socie-dade em classes diferentes, uma múltipla gradação de posições sociais. Na Roma Antiga, temos patrícios, guerreiros, plebeus, escravos; na Idade Média, senhores, vassalos, mestres, companheiros, aprendizes, servos; e, em cada uma destas classes, gradações particulares.

A sociedade burguesa moderna, surgida das ruínas da sociedade feudal, não aboliu os antagonismos de classe. Apenas estabeleceu novas classes, novas condições de opressão, novas formas de luta em lugar das velhas.

antagonismos de classe. A sociedade global divide-se cada vez mais em dois campos hostis, em duas grandes classes diretamente opostas entre si: a burguesia e o proletariado.

Dos servos da Idade Média originaram-se os moradores dos burgos, das primeiras cidades. Desta popu-lação surgiram os primeiros elementos da burguesia.

A descoberta da América e a circum-navegação da África abriram um novo campo de ação para a burguesia nascente. Os mercados da Índia Oriental e da China, a colonização da América, o comércio colonial, o aumento dos meios de troca e, em geral, das mercadorias, deram ao comércio, à navegação e à indústria um impulso jamais conhecido antes e, em consequência, desenvolveram rapidamente o elemen-to revolucionário da sociedade feudal em decomposição.

A antiga organização feudal da indústria, na qual a produção industrial era monopolizada pelas guildas fechadas, agora não mais atendia às crescentes necessidades dos novos mercados. A manufatura tomou o seu lugar. Os mestres das guildas foram postos de lado pela classe média industrial; a divisão do trabalho

Enquanto isso, os mercados continuavam sempre a ampliar-se; a procura sempre a aumentar. A própria -

dustrial. O lugar da manufatura foi ocupado pela grande indústria moderna; a classe média industrial cedeu lugar aos milionários industriais, aos líderes de verdadeiros exércitos industriais, aos burgueses modernos.

A grande indústria estabeleceu o mercado mundial, para o qual a descoberta da América preparou terreno. Este mercado deu um imenso desenvolvimento ao comércio, à navegação e à comunicação por terra. Este desenvolvimento, por sua vez, reagiu sobre a extensão da indústria; e, na proporção em que a indústria, o comércio, a navegação e as estradas de ferro se estendiam, na mesma proporção a burguesia se desenvolvia, aumentava seu capital, e punha em plano secundário as classes legadas pela Idade Média.

Vemos, portanto, como a própria burguesia moderna é o produto de um longo processo de desenvolvi-mento, de uma série de revoluções no modo de produção e de troca.

Cada etapa do desenvolvimento da burguesia foi acompanhada de um progresso político corresponden-te. Classe oprimida pelo despotismo feudal, associação armada administrando-se a si própria na comuna; aqui, república urbana independente (como na Itália e na Alemanha), ali, terceiro estado, tributário da monarquia (como na França); depois, no período manufatureiro, servindo à monarquia semifeudal ou absoluta como contrapeso da nobreza e, de fato, como pedra angular das grandes monarquias em geral,

soberania política exclusiva no Estado representativo moderno. O governo do Estado moderno é apenas um comitê para gerir os negócios comuns de toda a burguesia. [...]

As armas com que a burguesia abateu o feudalismo voltam-se agora contra ela mesma.A burguesia, porém, não forjou apenas as armas que lhe trarão a morte; produziu também os homens

que manejarão essas armas – os operários modernos, os proletários.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. . São Paulo: Moraes, 1977. p. 102-109.

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1. (UFU – MG) Considere o fragmento abaixo:

O modo de produção da vida material condiciona o processo em geral de vida social, político e espiritual.

MARX, K. . São Paulo: Abril Cultural, 1978. (Os pensadores).

Explique como é determinada a consciência, segundo Karl Marx (1818-1883).

2. Com base no texto da Leitura filosófica, debata a seguinte afirmação de Marx e Engels:

“A história de todas as sociedades existentes até hoje é a história das lutas de classes.”

Sustente as suas opiniões por meio de exemplos e argumentos.

3. Leia com atenção este trecho do poema “Operário em construção”, do poeta e compositor brasileiro Vinicius de Moraes. Em seguida, responda às questões:

Era ele que erguia casasOnde antes só havia chão.Como um pássaro sem asasEle subia com as casasQue lhe brotavam da mão.Mas tudo desconheciaDe sua grande missão:Não sabia, por exemploQue a casa de um homem é um temploUm templo sem religiãoComo tampouco sabiaQue a casa que ele faziaSendo a sua liberdadeEra a sua escravidão.

De fato, como podiaUm operário em construçãoCompreender por que um tijoloValia mais do que um pão?Tijolos ele empilhavaCom pá, cimento e esquadriaQuanto ao pão, ele o comia...Mas fosse comer tijolo!E assim o operário iaCom suor e com cimento

Erguendo uma casa aquiAdiante um apartamentoAlém uma igreja, à frenteUm quartel e uma prisão:Prisão de que sofreriaNão fosse, eventualmenteUm operário em construção.

Mas ele desconheciaEsse fato extraordinário:Que o operário faz a coisaE a coisa faz o operário.De forma que, certo diaÀ mesa, ao cortar o pãoO operário foi tomadoDe uma súbita emoçãoAo constatar assombradoQue tudo naquela mesa– Garrafa, prato, facão –Era ele quem os faziaEle, um humilde operário,Um operário em construção.Olhou em torno: gamelaBanco, enxerga, caldeirãoVidro, parede, janela

Casa, cidade, nação!Tudo, tudo o que existiaEra ele quem o faziaEle, um humilde operárioUm operário que sabia

Ah, homens de pensamentoNão sabereis nunca o quantoAquele humilde operárioSoube naquele momento!Naquela casa vaziaQue ele mesmo levantaraUm mundo novo nasciaDe que sequer suspeitava.O operário emocionadoOlhou sua própria mãoSua rude mão de operárioDe operário em construção E olhando bem para elaTeve um segundo a impressãoDe que não havia no mundo Coisa que fosse mais bela.

MORAES, Vinicius de. Operário em construção. Intérprete: Odete Lara. In: LARA, Odete. Vinicius de Moraes por Odete Lara. Rio de Janeiro: Universal Music, 1998. 1 CD (48 min), estéreo. Faixa 9.

a) De acordo com os seus conhecimentos sobre o marxismo, interprete o título desse poema.

b) Cite e explique os conceitos marxistas implícitos nos versos citados.

c) O trecho selecionado apresenta o início da superação de um desses conceitos, por parte do operário.

Identifique-o e justifique a afirmação de que o operário começa a superá-lo.

4. Com a Revolução Industrial, o capitalismo fortaleceu a exploração do trabalho. Atualmente, o desemprego

cresce, pela substituição da mão de obra humana por máquinas, terceirização de serviços e outros fatores.

Pesquise dados sobre esse tema e as condições de trabalho atuais.

Ensino Médio | Modular 49

FILOSOFIA

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Sociedade e Poder50

Até aqui, foram analisadas concepções filosóficas sobre a legitimidade do poder político dos governantes. Resta ainda examinar a participação política dos governados em relação a esse poder. Ela reflete a cidadania, para a qual os regimes de-mocráticos oferecem as melhores possibilidades de realização. No entanto, isso requer a compreensão dos cidadãos sobre a verdadeira natureza das relações políticas e sobre o papel da sua própria ação nesse contexto. Em busca de ampliar essa compreensão, serão apresentados os conceitos de ideologia, segundo o marxismo, e de ação, de acordo com Hannah Arendt, filósofa política do século XX.

Ideologia

A palavra ideologia surgiu em 1801, em um livro deno-minado Elementos de ideologia, de autoria de Destutt de Tracy. Nessa obra, ela designava uma teoria sobre as faculda-des responsáveis pela formação das ideias – vontade, razão, percepção, memória. Os ideólogos franceses eram antimonar-quistas e pertenciam ao partido liberal. Em 1812, o imperador Napoleão Bonaparte acusou-os, por suas críticas, de inver-terem a realidade, colocando as ideias à frente da História. Com isso, a palavra “ideologia” tornou-se pejorativa. Anos mais tarde, o positivismo de Auguste Comte acrescentou- -lhe um sentido neutro, definindo-a como o conjunto de ideias de uma época – ou seja, das opiniões em geral e das teorias dos intelectuais. Porém, quando tomada por Marx e Engels, ela pas-sou a designar uma visão distorcida da realidade social, que se caracterizava por estratégias ligadas à alienação e à reificação.

GROSZ, Georg. Os pilares da sociedade. 1926. 1 óleo sobre tela, color., Museu de Arte Moderna de Berlim.

Formas de

ideologia e os seus

precursores

@FIL790

Participação política4

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FILOSOFIA

Veja algumas dessas estratégias:

Separação – tomar as ideias como independentes, fazendo com que expliquem os fatos, quando elas é que deveriam ser explicadas por eles.

Inversão – tomar efeitos como causas e vice-versa.

Lacunas – silenciar, ocultar a origem, os conflitos e outros fatos da vida social.

Naturalização – tomar como naturais as relações socialmente construídas.

Universalização – descrever a condição da classe dominante como se ela pertencesse igualmente a toda a humanidade.

Racionalização – construir justificativas para legitimar a exploração social realizada pela classe dominante.

Para o marxismo, a verdadeira realidade social é a luta de classes, encoberta pela ideologia, que mascara o conflito e divulga ideias dominantes. Para Marx e Engels, a ideologia nasceu da divisão social do trabalho, em atividades intelectuais e ligadas à produção material. Eles afirmavam que, distantes da realidade produtiva, os teóricos apresentavam as ideias como se elas constituíssem forças autônomas, dirigindo a História sem depender das condições materiais. Assim, faziam as contradições entre relações produtivas e sociais parecerem simples contradições entre as ideias e o mundo. Além disso, os teóricos difundiam e “legitimavam” ideias dominantes até entre os dominados, que as aceitavam como universais e, desse modo, passavam a compre-ender a sua realidade atual como algo natural e inevitável. Nesse sentido, Marx considerava ideológicos o liberalismo e também o idealismo hegeliano, que identificava o real com o espírito, quando, na verdade, ele correspondia às condições materiais. Além disso, enquanto Hegel via no Estado a expressão do interesse geral, para Marx, ele era a expressão ideológica dos interesses da classe dominante, os quais precisavam ser superados.

No século XX, porém, o pensamento marxista foi reinterpretado por grupos políticos que criaram Estados fortes e centralizadores (totalitários), baseando-se nas revoluções socialistas, que iniciaram na Rússia, com Lenin, Trotski e Stalin. Propaganda de massas, burocracia partidária, culto aos líderes revolucionários, censura e imperialismo estiveram na base desse processo, que gerou novas formas de dominação ideológica, descaracterizando algumas das teses centrais do marxismo. Esse modelo político sobreviveu a duas guerras mundiais, sendo questionado por representantes do capitalismo e também do nazifascismo, ideologia que, por sua vez, estabeleceu um novo modelo de Estado totalitário e um imaginário de hierarquias nacionais, com base na eugenia, ou seja, na superioridade biológica de alguns seres.

Durante décadas, o mundo dividiu-se em dois blocos rivais, estabelecendo a Guerra Fria. Essa disputa resultou numa corrida armamentista entre potências capitalistas e socialistas. Além disso, alimentou as ideologias totalitárias, interferindo política e economicamente em diversos países. Um dos exemplos foi o apoio do bloco capitalista, encabeçado pelos EUA, a ditaduras (regimes de exceção), especialmente na América Latina e inclusive no Brasil, sob o pretexto de conter a expansão do socialismo. No final do século XX, com a abertura de regimes revolucionários ao capital, cresceu outra ideologia, o neoliberalismo, que se caracterizava pelos seguintes elementos:

defesa do ideal de livre-mercado; privatização de bens estatais para atingir o “Estado mínimo”; desenvolvimento tecnológico, promovendo uma nova divisão social do trabalho e também a comunicação de massas; estímulo à competição intelectual, profissional e política.

Essa ideologia, marcadamente capitalista, resultou, nas últimas décadas, numa explosão de consumo, contando para isso com o desenvolvimento constante de novas tecnologias e o grande alcance da propaganda veiculada pelos meios de comunicação.

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Democracia

A vida dos seres humanos possui duas dimensões, de interesses nem sempre conciliáveis: a esfera privada – em que são pessoas, indivíduos com interesses e necessidades particulares e até conflitantes – e a pública – em que são profissionais, membros de instituições, eleitores e cidadãos, com interesses comuns a um grupo ou um povo, além de direitos universais.

Os regimes democráticos são os que mais garantem direitos e também os que mais exigem a participação política dos cidadãos. A palavra democracia vem do grego (demos = muitos, kratos = poder). Trata-se de um regime político nascido na Grécia Antiga e que se desenvolveu até predominar no Ocidente. As demo-cracias atuais não são diretas, como a grega, mas representativas. Elas instituem autoridades por meio de eleições, com o voto dos membros de uma nação (a partir de certa idade), que também podem se candidatar a cargos públicos. Elas preveem ainda o pluripartidarismo, a divisão em três poderes, a regulamentação dos direitos civis, a liberdade de expressão e o debate de ideias, a realização da vontade da maioria e o respeito às minorias, bem como a liberdade de lutar pela igualdade de direitos. Essa é, pelo menos, a essência da definição das democracias instituídas após a Revolução Francesa e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Porém, realizar esses aspectos, para além do campo ideológico, não tem sido algo fácil, nem independente das lutas de grupos oprimidos por uma vida melhor. Luta que se dá pelo voto e também pela associação de cidadãos em organizações não governamentais (ONGs) e movimentos sociais, passando pela reflexão sobre o papel da imprensa e dos meios de comunicação para fomentar o senso crítico e a participação política ou a ideologia da passividade diante da História. Além disso, as atitudes dos indivíduos em relação aos bens públicos refletem sua adesão ou renúncia à cidadania garantida no Estado.

Cidadania

Ao refletir sobre a política, é preciso lembrar que, sem os governados, não haveria governo. Nas teorias, eles podem aparecer de forma abstrata, idealizada ou parcial, mas são homens e mulheres concretos, que recebem o título de cidadãos. Considerando as teses dos filósofos apresentadas na unidade anterior, é possível perceber que os cidadãos podem ser vistos como pessoas que se associam para defender o direito à vida, à liberdade e à propriedade (contratualistas); membros racionais e éticos de um Estado orgânico (Hegel); representantes de um dos polos da luta de classes (Marx).

Princípios e condi-

ções sob as quais

a democracia é

@FIL770

1. Na década de 1970, os escritores latino-americanos Ariel Dorfman e Armand Mattelart publicaram um livro denominado Para ler o Pato Donald. Nessa obra, denunciaram a presença e a difusão da ideologia por meio de personagens ligados ao entretenimento. Refletindo sobre essa possibilidade, escolha um desenho animado ou história em quadrinhos cujos personagens representem um grupo social e aponte possíveis aspectos ideológicos em seus roteiros.

2. Pesquise notícias atuais na imprensa escrita que possam exemplificar a difusão de ideologias, aponte quais são elas e discuta suas consequências.

3. Nos anos 1980, o cantor e compositor brasileiro Cazuza lançou a música “Ideologia”. No refrão, afirmava: “Ideologia, eu quero uma pra viver”. Refletindo sobre esse verso e utilizando seus conhecimentos sobre ideo-logia, responda: é possível viver sem a presença de qualquer ideologia? Por quê?

4. Pesquise definições de neoliberalismo e exemplos de Estados neoliberais da atualidade.

Sociedade e Poder52

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As definições aqui sintetizadas diferem das encontradas no pensamento grego da Antiguidade: segundo Platão, os cida-dãos eram homens e mulheres que desenvolviam suas virtudes, submetendo-se ao poder da razão na relação consigo e com os outros; segundo Aristóteles, eram os homens livres e iguais que participavam da autoridade oficialmente determinada.

No século XX, em meio à onda de regimes totalitários que atingiu diferentes nações, uma voz feminina ressoou no campo filosófico, trazendo profundas reflexões a respeito da condição humana e das origens do totalitarismo. Judeo--alemã, Hannah Arendt sofreu a perseguição nazista, per-dendo a cidadania alemã e exilando-se nos Estados Unidos.

Passaram-se anos até receber a cidadania estadunidense e, durante esse período, ela pôde perceber a necessidade do título de cidadão para que um ser humano pudesse reivindicar seus direitos civis.

Ação política segundo Hannah ArendtAo refletir sobre a essência e as origens do totalitarismo, Hannah Arendt realizou uma leitura crítica

não apenas do nazifascismo, mas também dos recém-formados Estados socialistas. Para ela, o sentido da política estava na liberdade, impossibilitada no interior dos regimes totalitários. Além disso, ela denunciou um processo de despolitização nas sociedades contemporâneas e buscou as origens desse fato. Assim, abordou a condição humana identificando três formas principais de atividade humana no mundo, ligadas às questões existenciais do nascimento e da morte, às quais denominou: labor, trabalho ou fabricação e ação.

Caracterizou-as do seguinte modo:

No labor, relacionado ao processo biológico do corpo, o homem, como animal laborans, busca atender às necessidades de sobrevivência do indivíduo e da espécie.

No trabalho ou fabricação, que aponta para o artificialismo da existência humana, o ho-mem, como homo faber, dedica-se à produção de bens duráveis. Assim, ultrapassando o ciclo vital, busca melhores condições para a manutenção da sua existência.

Na ação, marcada pela pluralidade e única atividade exercida diretamente entre os homens, sem a mediação das coisas, o homem, como zoon politikon, atua politicamente, fundando e mantendo as instituições que recebem os recém-chegados ao mundo.

Segundo Arendt, a Antiguidade grega ressaltava a importância da ação, destinando-a ao espaço público, onde se dava a participação política dos cidadãos, ou seja, onde ocorriam as relações entre os iguais. Relações que não se caracterizavam pela violência, mas pela persuasão dos discursos. En-quanto isso, o labor e a fabricação destinavam-se ao espaço privado, dos interesses domésticos, em que a hierarquia e a violência estavam presentes. Durante a Idade Média, a vida ativa foi subordinada à vida contemplativa e, portanto, aquelas três atividades permaneceram secundárias, pois o olhar do homem voltava-se para um outro mundo, que habitaria mediante a salvação de sua alma. E, enfim, a Modernidade retomou a vida ativa. Porém, invertendo o ideal grego, trouxe o labor e a fabricação para o espaço público. Numa primeira etapa, privilegiou a fabricação, com o desenvolvimento da técnica e o ideal de produção da verdade pelo homem no campo das ciências. Em seguida, voltou-se para o labor, por meio da reprodução científica dos processos biológicos da vida. Assim, a ação política deixou de ocupar seu antigo papel no espaço público, comprometendo a liberdade humana. A vida humana passou a se desenvolver apenas em busca da sobrevivência, em uma cultura de consumo e desperdício.

Atualmente, a reflexão sobre esse processo é fundamental para que a cidadania não seja entendida como um mero instrumento de legitimação dos governos por meio do voto, sem instituir na vida política a pluralidade humana, formada pela singularidade dos indivíduos que dela participam.

Devido a condições históricas e culturais, poucas mulheres são citadas como filósofas, embora a reflexão filosófica seja uma possibilidade humana independente das diferenças de gênero. Entre as vozes femininas de maior destaque nesse contexto, ressoa a de Hannah Arendt, cuja obra é vista como uma das mais lúcidas análises do mundo contemporâneo, em suas relações políticas e sociais. Arendt é considerada uma grande filósofa, ainda que recusasse esse título, classificando a própria obra como teoria política

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FILOSOFIA

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Ao contrário da fabricação, a ação jamais é possível no isolamento. Estar isolado é estar privado da capaci-dade de agir. A ação e o discurso necessitam tanto da circunvizinhança de outros quanto a fabricação necessita da circunvizinhança da natureza, da qual obtém matéria-prima, e do mundo, onde coloca o produto acabado. A fabricação é circundada pelo mundo e está em permanente contato com ele; a ação e o discurso são circundados pela teia de atos e palavras de outros homens, e estão em permanente contato com ela. O mito popular de um «homem forte», que, isolado dos outros, deve sua força ao fato de estar só, é mera superstição baseada na ilusão de que podemos «fazer» algo na esfera dos negócios humanos – «fazer» instituições ou leis, por exemplo, como fazemos mesas e cadeiras, ou fazer o homem «melhor» ou «pior» – ou é, então, a desesperança consciente de toda ação, política ou não, aliada à esperança utópica de que seja possível lidar com os homens como se lida com qualquer «material». A força de que o indivíduo necessita para qualquer processo de produção, seja intelectual ou puramente física, torna-se inteiramente inútil quando se trata de agir. A história está repleta de exemplos da impotência do homem forte e superior que é incapaz de angariar o auxílio ou a cooperação de seus semelhantes – fracasso que é frequentemente atribuído à fatal inferioridade da multidão e ao ressentimento que os homens eminentes inspiram aos medíocres. Mas, por verdadeiras que sejam estas observações, não descem ao fundo da questão.

Como exemplo do que está em jogo neste particular, podemos lembrar que o grego e o latim, ao contrário das línguas modernas, possuem duas palavras totalmente diferentes, mas correlatas, para designar o verbo «agir». Aos dois verbos gregos archein pratein («atravessar», «realizar» e «acabar») correspondem os dois verbos latinos agere («pôr em movimento», «guiar») e gerere (cujo

uma só pessoa, e a realização, à qual muitos aderem para «conduzir», «acabar», levar a cabo o empreendimento. Não só as palavras se correlacionam de modo análogo, como a história do seu emprego é também semelhante. Em ambos os casos, as palavras que originalmente designavam apenas a segunda parte da ação, ou seja, sua rea-lização – pratein e gerere – passaram a ser os termos aceitos para designar a ação em geral, enquanto as palavras

Archein agere

Desse modo, o papel do iniciador e líder, que era um primus inter pares [...], passou a ser o papel do governante; a interdependência original da ação – a dependência do iniciador e líder em relação aos outros no tocante a auxílio, e a dependência de seus seguidores em relação a ele no tocante a uma oportunidade de agir – dividiu-se em duas funções completamente diferentes: a função de ordenar, que passou a ser a prerrogativa do governante, e a função de executar, que passou a ser o dever dos súditos. O governante está só, isolado contra os outros por sua força tal como o iniciador estava, a princípio isolado por sua própria iniciativa, até encontrar a adesão dos outros. Contudo, a força do iniciador e líder reside apenas em sua iniciativa e nos riscos que assume, não na realização em si. No caso do governante bem-sucedido,

ele não pode reivindicar para si aquilo que, na verdade, é a realização de muitos [...]. Através dessa reivindica-ção, o governante monopoliza, por assim dizer, a força daqueles sem cujo auxílio ele jamais teria realizado coisa alguma. E assim surge a ilusão de força extraordinária e, com ela, a falácia do homem forte que é poderoso por estar só.

ARENDT, Hannah. A condição humana. Tradução de Roberto Raposo. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997. p. 201-203.

No texto a seguir, que faz parte de A condição humana, Hannah Arendt fala sobre a ação política e a importância da participação dos cidadãos nos processos políticos, garantindo-lhes a pluralidade.

Primus inter pares: é uma

expressão lati-na e pode ser

traduzida como “o primeiro

entre iguais”.

54 Sociedade e Poder

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1. As sociedades atuais são marcadas por contradições. A seguir, são citadas algumas. Diante delas, qual deve ser a postura dos cidadãos? Justifique.

a) As pessoas se responsabilizam pelos bens privados, mas agem como se os bens públicos pertencessem a

ninguém e não a todos.

b) Acredita-se na liberdade de lutar por direitos iguais desconsiderando que a maioria não tem acesso aos bens

materiais e intelectuais necessários para sobreviver e desenvolver a consciência crítica sobre as desigualdades.

c) Prega-se a igualdade, enquanto persistem o racismo, o sexismo e demais preconceitos.

d) A maioria permanece passiva diante da corrupção e da incompetência dos representantes que elege.

e) A formação de opinião fica a cargo da mídia que, muitas vezes, submissa aos interesses dominantes, promove

informações tendenciosas e o consumo.

f) O consumismo e os modismos crescem enquanto a miséria avança.

2. Relacione a tira a seguir à tese de Hannah Arendt sobre o papel do governante e o dos cidadãos na ação política, expressa na Leitura filosófica.

SOUSA, Mauricio de. Tira 305. Disponível em: <www.turmadamonica.com.br>. Acesso em: 10 dez. 2009.

1. (UEL – PR)

[...] os traços pelos quais a democracia é consi-derada forma boa de governo são essencialmen-te os seguintes: é um governo não a favor dos poucos mas dos muitos; a lei é igual para todos, tanto para os ricos quanto para os pobres e por-tanto é um governo de leis, escritas ou não es-critas, e não de homens; a liberdade é respeitada seja na vida privada seja na vida pública, onde vale não o fato de se pertencer a este ou àquele partido mas o mérito.

BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade: para uma teoria geral da política. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. 4. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. p. 141.

Com base no texto, considere as seguintes afir-mativas sobre os direitos fundamentais da de-mocracia grega:

I. Todos os cidadãos submetem-se a uma elite, formada pelos ricos, que governa privilegian-do seus interesses particulares.

II. Todos os cidadãos possuem os mesmos direi-tos e devem ser tratados da mesma maneira, perante as leis e os costumes da pólis.

III. Todo cidadão tem a liberdade de expor, na assembleia, seus interesses e suas opiniões, discutindo-os com os outros.

IV. Todo cidadão deve pertencer a um partido para que suas opiniões sejam respeitadas.

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FILOSOFIA

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Assinale a alternativa correta:

a) Apenas as afirmativas I e II são corretas. b) Apenas as afirmativas I e IV são corretas. c) Apenas as afirmativas II e III são corretas. d) Apenas as afirmativas II e IV são corretas. e) Apenas as afirmativas III e IV são corretas.

2. (UEL – PR)

Leia o texto, que se refere à ideia de cidade jus-ta de Platão:

Como a temperança, também a justiça é uma virtude comum a toda a cidade. Quando cada uma das classes exerce a sua função própria, “aquela para a qual a sua natureza é a mais ade-quada”, a cidade é justa. Esta distribuição de tarefas e competências resulta do fato de que cada um de nós não nasceu igual ao outro e, assim, cada um contribui com a sua parte para a satisfação das necessidades da vida individual e coletiva. [...] Justiça é, portanto, no indivíduo, a harmonia das partes da alma sob o domínio superior da razão; no Estado, é a harmonia e a concórdia das classes da cidade.

PIRES, Celestino. Convivência política e noção tradicional de justiça. In: BRITO, Adriano N. de; HECK, José N. (Org.). Ética e política. Goiânia: UFG, 1997. p. 23.

Sobre a cidade justa na concepção de Platão, é correto afirmar:

a) Nela todos satisfazem suas necessidades mí-nimas, e inexistem funções como as de go-vernantes, legisladores e juízes.

b) É governada pelos filósofos, protegida pelos guerreiros e mantida pelos produtores eco-nômicos, todos cumprindo sua função pró-pria.

c) Seus habitantes desejam a posse ilimitada de riquezas, como terras e metais preciosos.

d) Ela tem como principal objetivo fazer a guer-ra com seus vizinhos para ampliar suas pos-ses através da conquista.

e) Ela ambiciona o luxo desmedido e está cheia de objetos supérfluos, tais como: perfumes, incensos, iguarias, guloseimas, ouro, marfim, etc.

3. (UFPR) No livro VII de A República, Platão apre-senta a passagem conhecida por Alegoria da ca-verna. Platão usa essa alegoria para representar o processo correto de educação do ser humano.

Leia o seguinte trecho de A República no qual o personagem Sócrates fala àqueles que foram educados corretamente:

Mas a vós, nós formamo-vos, para vosso bem e do resto da cidade, para serdes como os chefes e os reis nos enxames de abelhas, depois de vos termos dado uma educação melhor e mais com-pleta do que a deles, e de vos tornarmos mais capazes de tomar parte em ambas as atividades. Deve, portanto, cada um por sua vez descer à habitação comum dos outros e habituar-se a ob-servar as trevas. Com efeito, uma vez habitua-dos, sereis mil vezes melhores do que os que lá estão e reconhecereis cada imagem, o que ela é e o que representa, devido a terdes contemplado a verdade relativa ao belo, ao justo e ao bom. E assim teremos uma cidade para nós e para vós, que é uma realidade, e não um sonho, como atualmente sucede na maioria delas, onde com-batem por sombras uns com os outros e dispu-tam o poder, como se ele fosse um grande bem. Mas a verdade é esta: na cidade em que os que têm de governar são os menos empenhados em ter o comando, essa mesma é forçoso que seja a melhor e mais pacificamente administrada, e naquela em que os que detêm o poder fazem o inverso, sucederá o contrário.

PLATÃO. A República. Livro VII, 520 b-d.

a) Por que, de acordo com o personagem Sócrates, aqueles que receberam a educação proposta em A República devem governar?

b) De acordo com o personagem Sócrates, como se davam efetivamente as disputas políticas nas cidades?

4. (UFPR) Segundo Platão no Livro VII de A Repúbli-ca, quem contempla o bem prefere não retornar aos afazeres humanos cotidianos. Mesmo assim, Platão afirma que, na cidade por ele concebida, aqueles que realizaram a ascensão para fora da caverna e contemplaram o bem devem ser obrigados a retornar ao convívio daqueles que não o contemplaram e a dedicar-se à adminis-tração da cidade. Após o personagem Sócrates apresentar essa tese, o personagem Glaucon adota uma posição que lhe é contrária. Glaucon afirma que a obrigação de fazer com que os que contemplaram o bem se dediquem ao governo da cidade é uma injustiça contra eles. Contra a opinião de Glaucon, Sócrates responde:

Sociedade e Poder56

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Esqueceste-te, novamente, meu amigo, que à lei não importa que uma classe qualquer da cidade passe excepcionalmente bem, mas pro-cura que isso aconteça à totalidade dos cida-dãos, harmonizando-os pela persuasão ou pela coação, e fazendo com que partilhem uns com os outros do auxílio que cada um deles possa prestar à comunidade; ao criar homens destes na cidade, a lei não o faz para deixar que cada um se volte para a atividade que lhe aprouver, mas para tirar partido dele para a união da ci-dade.

PLATÃO. A República. Livro VII, 519-520a.

Em outras palavras, qual foi a resposta de Sócrates?

5. (UEL – PR) Observe a charge e leia o texto a se-guir:

LAERTE. Classificados. São Paulo: Devir, 2001. p. 25.

É evidente, pois, que a cidade faz parte das coi-sas da natureza, que o homem é naturalmente um animal político, destinado a viver em so-ciedade, e que aquele que, por instinto, e não porque qualquer circunstância o inibe, deixa de fazer parte de uma cidade, é um ser vil ou supe-rior ao homem [...].

ARISTÓTELES. A política. Tradução de Nestor Silveira Chaves. Rio de Janeiro: Ediouro, 1997. p. 13.

Com base no texto de Aristóteles e na charge, é correto afirmar:

a) O texto de Aristóteles confirma a ideia expos-ta pela charge de que a condição humana de ser político é artificial e um obstáculo à liber-dade individual.

b) A charge apresenta uma interpretação corre-ta do texto de Aristóteles segundo a qual a política é uma atividade nociva à coletivida-de, devendo seus representantes serem afas-tados do convívio social.

c) A charge aborda o ponto de vista aristotélico de que a dimensão política do homem inde-

pende da convivência com seus semelhantes, uma vez que o homem se basta a si próprio.

d) A charge, fazendo alusão à afirmação aristo-télica de que o homem é um animal político por natureza, sugere uma crítica a um tipo de político que ignora a coletividade privile-giando interesses particulares e que, por isso, deve ser evitado.

e) Tanto a charge quanto o texto de Aristóteles apresentam a ideia de que a vida em socieda-de degenera o homem, tornando-o um ani-mal.

6. (UFPA)

[...] Aristóteles subordina o bem do indivíduo ao Bem Supremo da pólis. Esse vínculo interno entre ética e política significava que as qualida-des das leis e do poder dependiam das qualida-des morais dos cidadãos e vice-versa, isto é, das qualidades da cidade dependiam as virtudes dos cidadãos.

CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2003. p. 360.

Com auxílio do texto, é correto afirmar sobre ética e política em Aristóteles que:

a) existe uma conexão íntima entre ética e polí-tica, que torna possível definir o governo po-lítico em termos exclusivamente éticos.

b) há uma relação próxima entre ética e política, à medida que a ética se preocupa com o bem comum, e a política, com o bem individual.

c) devido ao vínculo interno entre ética e po-lítica, o homem virtuoso só obedece às leis justas que ele impõe a si mesmo.

d) independente das condições de vida do indi-víduo, uma boa legislação nos faz pensá-lo sempre como cidadão virtuoso.

e) toda comunidade política é, ao mesmo tem-po, uma comunidade ética, mesmo que os indivíduos que a compõem visem a seus pró-prios interesses.

7. (UEL – PR)

Toda cidade [pólis], portanto, existe natural-mente, da mesma forma que as primeiras co-munidades; aquela é o estágio final destas, pois a natureza de uma coisa é seu estágio final. [...] Estas considerações deixam claro que a cidade é

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FILOSOFIA

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uma criação natural, e que o homem é por na-tureza um animal social, e um homem que por natureza, e não por mero acidente, não fizesse parte de cidade alguma, seria desprezível ou es-taria acima da humanidade.

ARISTÓTELES. Política. 3. ed. Tradução de Mário da Gama Kuri. Brasília: Universidade de Brasília, 1997. p. 15.

De acordo com o texto de Aristóteles, é correto afirmar que a pólis:

a) é instituída por uma convenção entre os ho-mens.

b) existe por natureza e é da natureza humana buscar a vida em sociedade.

c) passa a existir por um ato de vontade dos deuses, alheia à vontade humana.

d) é estabelecida pela vontade arbitrária de um déspota.

e) é fundada na razão, que estabelece as leis que a ordenam.

8. (UEL – PR)

E justiça é aquilo em virtude do qual se diz que o homem justo pratica, por escolha própria, o que é justo, e que distribui, seja entre si mes-mo e um outro, seja entre dois outros, não de maneira a dar mais do que convém a si mesmo e menos ao seu próximo (e inversamente no re-lativo ao que não convém), mas de maneira a dar o que é igual de acordo com a proporção; e da mesma forma quando se trata de distribuir entre duas outras pessoas.

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versão inglesa de W. D. Ross. São Paulo: Nova Cultural, 1987. p. 89.

De acordo com o texto e os conhecimentos so-bre a justiça em Aristóteles, é correto afirmar:

a) É possível que um homem aja injustamente sem ser injusto.

b) A justiça é uma virtude que não pode ser con-siderada um meio-termo.

c) A justiça corretiva deve ser feita de acordo com o mérito.

d) Os partidários da democracia identificam o mérito com a excelência moral.

e) Os partidários da aristocracia identificam o mérito com a riqueza.

9. (UFU – MG) Muito citado e pouco conhecido, Nicolau Maquiavel é um dos maiores expoentes do Renascimento e sua contribuição determi-nou novos horizontes para a Filosofia Política. A respeito do conceito de virtù, analise as asserti-vas abaixo:

I. A virtù é a qualidade dos oportunistas, que agem guiados pelo instinto natural e irracio-nal do egoísmo e almejam, exclusivamente, sua vantagem pessoal.

II. O homem de virtù é antes de tudo um sábio, é aquele que conhece as circunstâncias do momento oferecido pela fortuna e age se-guro do seu êxito.

III. Mais do que todos os homens, o príncipe tem de ser um homem de virtù, capaz de conhecer as circunstâncias e utilizá-las a seu favor.

IV. Partidário da teoria do direito divino, Maquiavel vê o príncipe como um predesti-nado, e a virtù como algo que não depende dos fatores históricos.

Assinale a única alternativa que contém as as-sertivas verdadeiras:

a) I, II, e III.

b) II e III.

c) II e IV.

d) II, III e IV.

10. (UEL – PR)

A escolha dos ministros por parte de um prín-cipe não é coisa de pouca importância: os mi-nistros serão bons ou maus, de acordo com a prudência que o príncipe demonstrar. A primei-ra impressão que se tem de um governante e da sua inteligência é dada pelos homens que o cercam. Quando estes são eficientes e fiéis, po-de-se sempre considerar o príncipe sábio, pois foi capaz de reconhecer a capacidade e manter fidelidade. Mas, quando a situação é oposta, pode-se sempre dele fazer mau juízo, porque seu primeiro erro terá sido cometido ao esco-lher os assessores.

MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. Tradução de Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2004. p. 136.

Com base no texto e nos conhecimentos sobre Maquiavel, é correto afirmar:

Sociedade e Poder58

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a) As atitudes do príncipe são livres da influên-cia dos ministros que ele escolhe para gover-nar.

b) Basta que o príncipe seja bom e virtuoso para que seu governo obtenha pleno êxito e seja reconhecido pelo povo.

c) O povo distingue e julga, separadamente, as atitudes do príncipe daquelas de seus minis-tros.

d) A escolha dos ministros é irrelevante para ga-rantir um bom governo, desde que o príncipe tenha um projeto político perfeito.

e) Um príncipe e seu governo são avaliados também pela escolha dos ministros.

11. (UEL – PR)

O maquiavelismo é uma interpretação de O príncipe de Maquiavel, em particular a interpre-tação segundo a qual a ação política, ou seja, a ação voltada para a conquista e conservação do Estado, é uma ação que não possui um fim próprio de utilidade e não deve ser julgada por meio de critérios diferentes dos de conveniência e oportunidade.

BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no pensamento de Emanuel Kant. Tradução de Alfredo Fait. 3. ed. Brasília: UnB, 1984. p. 14.

Com base no texto e nos conhecimentos sobre o tema, para Maquiavel o poder político é:

a) independente da moral e da religião, deven-do ser conduzido por critérios restritos ao âmbito político.

b) independente da conveniência e oportunida-de, pois estas dizem respeito à esfera privada da vida em sociedade.

c) dependente da religião, devendo ser condu-zido por parâmetros ditados pela Igreja.

d) dependente da ética, devendo ser orientado por princípios morais válidos universal e ne-cessariamente.

e) independente das pretensões dos governan-tes de realizar os interesses do Estado.

12. (UEL – PR)

Deveis saber, portanto, que existem duas for-mas de se combater: uma, pelas leis, outra, pela força. A primeira é própria do homem; a segunda, dos animais. [...] Ao príncipe torna-se necessário, porém, saber empregar convenien-

temente o animal e o homem. [...] Sendo, por-tanto, um príncipe obrigado a bem servir-se da natureza da besta, deve dela tirar as qualidades da raposa e do leão, pois este não tem defesa alguma contra os laços, e a raposa, contra os lobos. Precisa, pois, ser raposa para conhecer os laços e leão para aterrorizar os lobos. Os que se fizerem unicamente de leões não serão bem--sucedidos. Por isso, um príncipe prudente não pode nem deve guardar a palavra dada quando isso se lhe torne prejudicial e quando as causas que o determinaram cessem de existir.

MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. Tradução de Lívio Xavier. São Paulo: Nova Cultural, 1993. p.101-102. cap. XVIII.

Com base no texto e nos conhecimentos sobre O príncipe de Maquiavel, assinale a alternativa correta:

a) Os homens não devem recorrer ao combate pela força porque é suficiente combater re-correndo-se à lei.

b) Um príncipe que interage com os homens, servindo-se exclusivamente de qualidades morais, certamente terá êxito em manter-se no poder.

c) O príncipe prudente deve procurar vencer e conservar o Estado, o que implica o desprezo aos valores morais.

d) Para conservar o Estado, o príncipe deve sem-pre partir e se servir do bem.

e) Para a conservação do poder, é necessário admitir a insuficiência da força representada pelo leão e a importância da habilidade da raposa.

13. (PUCPR) O filósofo italiano Nicolau Maquiavel observou que havia uma distância entre o ideal de política e a realidade política de sua época. Na sua obra O príncipe, nos diz:

Não pode e não deve um príncipe prudente man-ter a palavra empenhada quando tal observância se volte contra ele e hajam desaparecido as raí-zes que a motivaram. [...] Nas ações de todos os homens, especialmente os príncipes, [...] os fins é que contam. Faça, pois, o príncipe tudo para alcançar e manter o poder; os meios de que se valer devem ser sempre julgados honrosos e lou-vados por todos, porque o vulgo atenta sempre para aquilo que parece ser e para os resultados.

MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. p. 112-113.

Ensino Médio | Modular 59

FILOSOFIA

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Segundo o texto, é correto afirmar que:

I. Para Maquiavel a política, fundamentada na moral cristã, tem como objetivo a manuten-ção do poder do Estado.

II. O governante deve fazer aquilo que, a cada momento, se mostrar interessante para conservar seu poder. Não está ligado a uma questão moral, mas a uma decisão que atente contra a lógica do poder.

III. Moral e política caminham juntas, por isso os fins justificam os meios.

IV. Maquiavel define a vida social como um campo de forças que, por sua vez, devem se manter equilibradas para prosperar.

Estão corretas:

a) I, II, III.

b) Somente II e IV.

c) Somente I e III.

d) II, III, IV.

e) Somente II e III.

14. (UFPR) Leia o seguinte trecho:

Resta agora ver quais devem ser os modos e os atos de governo de um príncipe para com os súditos ou para com os amigos. E porque sei que muitos escreveram sobre isso, temo, escre-vendo eu também, ser considerado presunço-so, sobretudo porque, ao debater esta matéria, afasto-me do modo de raciocinar dos outros. Mas, sendo a minha intenção escrever coisa útil a quem escute, pareceu-me mais convincente ir direto à verdade efetiva da coisa do que à ima-ginação dessa. E muitos imaginaram repúblicas e principados que nunca foram vistos, nem co-nhecidos de verdade. Porque há tanta diferença entre como se vive e como se deveria viver, que quem deixa aquele e segue o que se deveria fa-zer aprende mais rapidamente a sua ruína que sua preservação: porque um homem que dese-ja ser bom em todas as situações, é inevitável que se destrua entre tantos que não são bons. Assim, é necessário a um príncipe que deseja conservar-se no poder aprender a não ser bom, e sê-lo e não sê-lo conforme a necessidade.

MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. São Paulo: Hedra, 2007. cap. XV.

a) De acordo com o trecho acima, qual é, se-gundo Maquiavel, a diferença entre sua obra e outros textos políticos?

b) Para Maquiavel, qual é a vantagem de sua abordagem?

15. (UFPR) Considere o trecho a seguir:

Portanto, que estes nossos príncipes que esta-vam há muitos anos nos seus principados, por tê-los perdidos depois, não acusem a fortuna, mas a sua indolência: porque, não tendo nunca, nos tempos de paz, pensado que poderiam mu-dar – o que é um defeito comum dos homens, não levar em conta, na bonança, a tempestade –, quando depois vieram os tempos adversos, pen-saram em fugir e não em se defender; e esperam que o povo, insatisfeito com a insolência dos vencedores, os chamassem de volta. Esta deci-são, quando não há outras, é boa; mas é muito ruim ter deixado os outros remédios por este: porque nunca se deve desejar cair, por acreditar que encontrarás quem te acolha. O que ou não acontece, ou, se acontece, não é seguro para ti, por ser esta defesa vil e não depender de ti. E somente as defesas que dependem de ti e de tua própria virtù são boas, certas e duráveis.

MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. São Paulo: Hedra, 2007. cap. XXIV.

Com base nesse trecho, responda: como fortu-na e virtù se relacionam para a manutenção do poder do Estado?

16. (UEL – PR)

Para Hobbes:

[...] o poder soberano, quer resida num ho-mem, como numa monarquia, quer numa as-sembleia, como nos Estados populares e aris-tocráticos, é o maior que é possível imaginar que os homens possam criar. E, embora seja possível imaginar muitas más consequências de um poder tão ilimitado, apesar disso as consequências da falta dele, isto é, a guerra perpétua de todos os homens com os seus vizi-nhos, são muito piores.

HOBBES, T. Leviatã. Tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. São Paulo: Nova Cultural, 1988. Capítulo XX, p. 127.

Com base na citação e nos conhecimentos sobre a Filosofia Política de Hobbes, assinale a alterna-tiva correta:

Sociedade e Poder60

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Estão corretas apenas as afirmativas:

a) I e II.

b) I e III.

c) II e IV.

d) I, III e IV.

e) II, III e IV.

18. (UEL – PR)

O verdadeiro fundador da sociedade civil foi o primeiro que, tendo cercado um terreno, lem-brou-se de dizer isto é meu e encontrou pessoas suficientemente simples para acreditá-lo. Quan-tos crimes, guerras, assassínios, misérias e horro-res não pouparia ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou enchendo o fosso, ti-vesse gritado a seus semelhantes: “Defendei-vos de ouvir esse impostor; estareis perdidos se es-quecerdes que os frutos são de todos e que a terra não pertence a ninguém!”

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. Tradu-ção de Lourdes Santos Machado. São Paulo: Nova Cultural, 1997. p. 87.

Com base no texto e nos conhecimentos sobre o pensamento político de Rousseau, é correto afirmar:

a) A desigualdade é um fato natural, autorizada pela lei natural, independentemente das con-dições sociais decorrentes da evolução históri-ca da humanidade.

b) A finalidade da instituição da sociedade e do governo é a preservação da individualidade e das diferenças sociais.

c) A sociabilidade tira o homem do estado de na-tureza onde vive em guerra constante com os outros homens.

d) Rousseau faz uma crítica ao processo de socia-lização, por ter corrompido o homem, tornan-do-o egoísta e mesquinho para com os seus semelhantes.

e) Rousseau valoriza a fundação da sociedade ci-vil, que tem como objetivo principal a garantia da posse privada da terra.

19. (UFU – MG)

Marx, no Prefácio de 1859 de Para a crítica da economia política, afirma que:

a) Os Estados populares se equiparam ao estado natural, pois neles reinam as confusões das as-sembleias.

b) Nos Estados aristocráticos, o poder é limitado devido à ausência de um monarca.

c) O poder soberano traz más consequências, justificando-se assim a resistência dos súditos.

d) As vantagens do Estado Civil são expressiva-mente superiores às imagináveis vantagens de um estado de natureza.

e) As consequências do poder soberano são in-desejáveis, pois é possível a sociabilidade sem Estado.

17. (UEL – PR)

Se todos os homens são, como se tem dito, livres, iguais e independentes por natureza, ninguém pode ser retirado deste estado e se sujeitar ao poder político de outro sem o seu próprio consentimento. A única maneira pela qual alguém se despoja de sua liberdade na-tural e se coloca dentro das limitações da so-ciedade civil é através do acordo com outros homens para se associarem e se unirem em uma comunidade para uma vida confortável, segura e pacífica uns com os outros, desfru-tando com segurança de suas propriedades e melhor protegidos contra aqueles que não são daquela comunidade.

LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo civil. Tra-dução de Magda Lopes e Marisa Lobo da Costa. Petrópolis: Vozes, 1994. p. 139.

Com base no texto e nos conhecimentos sobre o contrato social em Locke, considere as afirmati-vas a seguir:

I. O direito à liberdade e à propriedade são de-pendentes da instituição do poder político.

II. O poder político tem limites, sendo legítima a resistência aos atos do governo se estes vio-larem as condições do pacto político.

III. Todos os homens nascem sob um governo e, por isso, devem a ele submeter-se ilimitada-mente.

IV. Se o homem é naturalmente livre, a sua su-bordinação a qualquer poder dependerá sempre de seu consentimento.

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FILOSOFIA

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“[...] na produção social da própria vida, os homens contraem relações determinadas, ne-cessárias e independentes de sua vontade, re-lações de produção estas que correspondem a uma etapa de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais.”

Nesse sentido, desenvolve também o seu concei-to de consciência, que define como sendo deter-minada:

a) pela Filosofia. Assim, é o pensamento que for-ma as consciências dos homens;

b) pela produção espiritual dos homens. Assim, é a consciência que determina a produção social da vida e não a produção social da vida que determina a consciência;

c) pela religião. Assim, é toda a ética religiosa que determina a consciência humana;

d) pelo ser social dos homens. Assim, é a produ-ção social da vida que determina a consciência e não a consciência que determina a produção social da vida.

20. (UEL – PR)

Leia o texto a seguir:

Estado violência

Sinto no meu corpo/A dor que angustia/A lei ao meu redor/A lei que eu não queria/Estado violên-cia/Estado hipocrisia/A lei que não é minha/A lei que eu não queria [...]

TITÃS. Estado violência. In: Cabeça dinossauro. [S.L.] WEA, 1986, 1 CD (ca. 35 min 97 s). Faixa 5 (3 min 7 s).

A letra da música “Estado violência”, dos Titãs, revela a percepção dos autores sobre a relação entre o indivíduo e o poder do Estado. Sobre a canção, é correto afirmar:

a) Mostra um indivíduo satisfeito com a sua situa-ção e que apoia o regime político instituído.

b) Representa um regime democrático em que o indivíduo participa livremente da elaboração das leis.

c) Descreve uma situação em que inexistem con-flitos entre o Estado e o indivíduo.

d) Relata os sentimentos de um indivíduo aliena-do e indiferente à forma como o Estado elabo-ra suas leis.

e) Apresenta um indivíduo para quem o Estado, autoritário e violento, é indiferente a sua von-tade.

21. (UFSM – RS)

Existem várias formas de participação política, entre as quais pode-se destacar o ato de votar, a participação num partido político, a participa-ção em manifestações, a participação em asso-ciações e agremiações políticas, a discussão so-bre os acontecimentos políticos, a participação em reuniões de bairros, o apoio a determinados candidatos no decorrer da campanha eleitoral, a cobrança exercida sobre os dirigentes políticos, a divulgação de informações políticas para ou-tras pessoas, etc. O cartum nos sugere que, ao exercer a participação política no ato de votar, algumas pessoas gostariam de:

I. ter seus candidatos eleitos;

II. ser convidadas a participar dos gabinetes dos políticos eleitos;

III. ter o direito de tirar do cargo aqueles polí-ticos que não representam adequadamente seus eleitores;

IV. ter a oportunidade de manifestar publica-mente seu desagrado com os políticos esco-lhidos.

Está(ão) correta(s):

a) apenas I e II;

b) apenas II;

c) apenas III;

d) apenas IV;

e) apenas I, III e IV.

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