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Sumário

Prefácio,porJimCollins

Aconstruçãodeumimpério

Os“invasores”daAnheuser-Busch

UmsurfistaemHarvard

Embuscados“PSDs”–Poor,Smart,DeepDesiretoGetRichMissãodadaémissãocumprida

Quemnãoentregacaifora

Debanqueirosaempresários

Aformaçãodotriunvirato

AcosteladoGarantia

Paraqueplanodenegócios?

Umadosedepirotecnia

Asementedaautodestruição

Onetrickpony

Mateoconcorrentepelocaixa

“SãoPauloeCorinthiansnomesmotime”

Paris,NovaYork,Londres,SãoPauloe8.500e-mails

Arecompensade1bilhãodedólares

Ospróximoslances

Encartedefotos

Bibliografia

Agradecimentos

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M

Prefácio

“Nofinaldascontas,souumprofessor.Éassimquerealmentemevejo.”

–JorgePauloLemann

eu relacionamento com essa história notável começou no início dadécada de 90 numa sala de aula daGraduate School of Business daUniversidadeStanford.Euestavaconduzindoumadiscussãoemum

programa executivo sobre como uma grande empresa pode se perpetuar.Sentadonaprimeira fila estavaum sujeitodiscreto, vestindo calçasde algodãosimples e uma camisa esporte, sem chamar nenhuma atenção. Ele semostrouinteressado quando comecei a gesticular fortemente ao citar o Walmart eapontar o empresário SamWalton comoum exemplo.Descrevi comoWaltonforjouumaculturaedesenvolveuumaótimaorganização,equeaquiloexplicavamelhorosucessodaredevarejistadoqueaestratégiadonegócio.SustenteiqueSam Walton preferia “construir relógios” a “dizer a hora”, e que estavadesenvolvendo o Walmart para que o grupo não precisasse depender dagenialidadevisionáriaedapersonalidadecarismáticadoempresário.Oexecutivona fila da frente levantou a mão e me desafiou: “Olha, conheço o Sampessoalmenteediscordodevocê.AchoqueeleéfundamentalparaosucessodoWalmartequesuavisãoolevoubemlonge.”“Sim”,reconheci.Emseguidaretruquei:“Masvocênãoachaqueaverdadeiragrandezaocorreapenasquandoseconseguedesenvolverumaempresacapazdeprosperarbemalémdequalquerlíderindividual?”Continuamos nossa discussão no corredor e percebi que o executivo ficouimpressionadocomaideiadagrandezaduradoura,maisfortequeumasimplesgeraçãoou liderança individual.Elemeperguntouseeuestaria interessadoemviajar ao Brasil para compartilhar minhas ideias com seus dois sócios e suaempresa.Eunãosabiaquenaquelemomentofortuitonasceriaumadasamizades

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denegóciosmaisestimulantesdeminhavida.O nome do executivo era Jorge Paulo Lemann, seus sócios eram MarcelHerrmann Telles e Carlos Alberto Sicupira, e sua empresa era o banco deinvestimentosGarantia. Eunão conhecia nada sobre eles, por isso perguntei aumalunobrasileirodoMBA:“Ei, jáouviu falardesses sujeitos?”Elemeolhoucomoseeuestivessemaluco,comoseestivesse fazendoumaperguntado tipo:“Jáouviu falardeWarrenBuffettouBillGatesouSteveJobs?”AímemostrouumartigosobreobancodeinvestimentosecontouasagadecomoelesreuniramumaequipedejovensfanáticosetransformaramumaminúsculacorretoranumadaspotênciasdeinvestimentosdaAméricaLatina.Aí o estudante de MBA acrescentou: “Ah, e eles entraram no mercado decervejaagora.”“Mercadodecerveja?”,penseicomigo.“Quediabosumbancodeinvestimentosestáfazendonomercadodacerveja?”Sealguémtivessemecontadoqueaquelesbanqueiros sonhavam em construir a maior empresa de cerveja do mundo ecompraraAnheuser-Buschnoprocesso,eu teriadito:“Istonãoéumavisão,éumdelírio.”Masfoiexatamenteoquefizeram.Há quase duas décadas estou próximo dessa companhia, da sua cultura e deseus três sócios.Tiveoprivilégiodeobservarodesenvolvimentodessahistóriadesucesso.Acreditoqueoprincipalmotivoparanostornarmostãoamigosfoiofatodeelesrefletiremprofundamentesobreaperguntaquetemocupadominhaprópriacuriosidadeintelectualduranteessasduasdécadas:oqueéprecisoparaconstruirumagrandeempresaduradoura?QuandoJerryPorraseeupublicamosFeitas para durar em 1994, eles instintivamente gravitaram em torno dessasideias, em particular do sonho de criar uma ótima companhia que realmentedurasse.Gostariadecompartilharaquias10principaisliçõesqueaprendiaolongodosanoscomajornadadeles:

1) INVISTASEMPRE–EACIMADETUDO–NASPESSOAS.Essesempresárioscertamentetêmumagrandedosedegenialidadefinanceira,masessanãoéabasedeseusucesso.Desdeoprincípioelesinvestiramempessoas,especialmenteemlíderesjovensetalentosos.Suafilosofia:melhordarumachanceàspessoastalentosas(aindaquenovatas)esofreralgumasdecepçõesnocaminhodoquenãoacreditarnelas.O

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ingredientenúmeroumde seumolhosecretoéumaobsessãoemconseguiraspessoascertas,investirnelas,desafiá-las,construiraempresacomsuaajudaevê-lasexperimentaraalegriaderealizarumgrandesonho.Igualmenteimportanteéconservaros talentosporum longo tempo.É interessanteobservarqueos trêssóciostrabalhamjuntosháquatrodécadaseestãounidoscomonunca.Emuitosdos melhores jovens que eles recrutaram permaneceram intensamenteenvolvidospormuitosanos,comooatualCEOdaABInBev,CarlosBrito.Elesnão apenas colocaram as pessoas certas no ônibus,mas asmantiveram lá pormuitotempo.

2) SUSTENTE O IMPULSO COM UM GRANDE SONHO.Gente boaprecisa ter coisas grandespara fazer, senão leva sua energia criativa para outro lugar. Assim, os trêsconstruíramummecanismoquetemduaspremissasbásicas:primeirorecruteasmelhorespessoasedepoisdêaelascoisasgrandesparafazer.Emseguidaatraiamaisgenteboaeproponhaapróximacoisaimportanteafazer.Repitaoprocessoindefinidamente.Foi assimque elesmantiveramo ímpeto ao longodo tempo.Eles semprevibraramcoma ideiademetasgrandes, arriscadas e audaciosas, edesenvolveramumaculturaparaalcançá-las.Aoobservá-los,aprendique,paraconservaro ímpetoeportantopreservargenteboa,valeapenacorrerosriscosinerentesàbuscapelasgrandesmetas.Écomoumaótimaequipedealpinismo.Porumlado,existeoriscodesubirumamontanhaalta,depoisumamontanhaainda mais alta, e depois a seguinte. Por outro lado, se você não tiver novasmontanhasaltasparaescalar,deixarádesedesenvolverecrescer,eperderáseusmelhores alpinistas.Grandes alpinistas necessitamde grandesmontanhas paraescalar,sempreeindefinidamente.

3) CRIE UMA CULTURA MERITOCRÁTICA COM INCENTIVOS ALINHADOS. Eles desenvolveramuma cultura coerente que dá às pessoas a oportunidade de compartilhar asrecompensasdosonhogrande.Essaculturavalorizaodesempenho,nãoostatus;a realização, não a idade; a contribuição, não o cargo; o talento, não ascredenciais.Misturandoestestrêsingredientes–sonho,pessoasecultura–,elescriaram uma receita para o sucesso sustentado. Se você pudesse dar umacontribuição significativa e gerar resultados, dentro dos limites da cultura, sesairia bem. Se tivesse asmelhores credenciais domundo,masnão conseguisse

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mostrarumdesempenhoexcepcional,seriaeliminado.Ostrêssóciosacreditamque as melhores pessoas anseiam pela meritocracia, enquanto as pessoasmedíocrestêmmedodela.

4) VOCÊ PODE EXPORTAR UMA ÓTIMA CULTURA PARA SETORES E GEOGRAFIAS AMPLAMENTE

DIVERGENTES. É notável como esse modelo foi transferido de um banco deinvestimentosparaumacervejaria;doBrasilparaaAméricaLatina;depoisparaaEuropaeosEstadosUnidos,eagoraparatodoomundo.ParaLemann,TelleseSicupira,aculturanãoéumapoioàestratégia;aculturaéaestratégia.Os trêssóciossempreforamfiéisaosseusvalorescentraiseaumaculturainconfundível,enquanto continuaram crescendo em setores novos, expandindo-segeograficamenteeapontandoparametascadavezmaiores–umbeloexemplodadinâmica“preserveaessênciaeestimuleoprogresso”,encontradaemtodasasempresasduradouras.Nosprimórdios,ostrêsolharamdoBrasilparaosEstadosUnidos e viramoque já funcionava.Então, emvezde aguardaremque aquilochegasse ao Brasil, agiram agressivamente para importar as melhores práticasamericanasantesdosoutros.

5)CONCENTRE-SEEMCRIARALGOGRANDE,NÃOEM“ADMINISTRARDINHEIRO”.Elesatingiramamaturidade durante uma época economicamente turbulenta no Brasil, e certavezperguntei:“Oquevocêsaprenderamsobreadministrardinheironessaépocatão incerta e inflacionária?” A resposta: “Quando todos os outros estavamgastando seu tempo administrando o dinheiro, investimos nosso tempo naempresa. Desenvolvê-la seria a melhor forma de gerar riqueza a longo prazo.Administrar dinheiro, por si, nunca cria algo grande e duradouro, masdesenvolveralgograndepodelevararesultadossubstanciais.”Quando tomaram a decisão de comprar a cervejaria Brahma, muitosobservadoresesperavamqueelessimplesmenteausassemparaumrápidoganhofinanceiro. Agora, mais de duas décadas depois dessa compra, podemoscomprovarqueelesnuncaaviramcomoumatransaçãofinanceira,esimcomoumpassoparaocrescimento.

6) A SIMPLICIDADE TEM MAGIA E GENIALIDADE. Em quase todas as dimensões, os trêsbuscamsersimples.Elesusamtrajesbemcomuns–vocênãoosnotarianuma

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multidão. Sempremantiveram escritóriosmodestos, nunca se isolando de seupessoal.Sempreusaramariquezanãoparaaopulência,masparasimplificarsuasvidas,paraquepudessemseconcentraremcontinuardesenvolvendoaempresa.(Aprendicomelesqueomelhorsinaldaverdadeirariquezanãoémanterumaagenda lotada, mas ter tempo disponível para se concentrar no que é maisimportante.) A estratégia é muito simples: tenha gente boa, dê a esse pessoalcoisasgrandesparafazeresustenteumaculturameritocrática.Emessência,nãoémaiscomplicadodoque isso.Averdadeiragenialidadenãoé tornaruma ideiacomplexa,masocontrário:transformarummundocomplexoemumaideiabemsimples–eater-seaelaporumlongotempo.

7)ÉBOMSERFANÁTICO.Certavezperguntei:“Qualéaessênciadotipodepessoaquevocêsbuscam?”Aresposta:“Fanáticos.”Vivemosnumaépocaemqueaspessoasqueremuma solução rápida, um atalho para resultados excepcionais.Mas nãoexiste esse caminho fácil. Existe apenas um esforço intenso, de longo prazo,sustentado.Eoúnicomeiodeconstruiressetipodeempresaéserfanático.Aspessoas obcecadas não se tornam as mais populares, já que com frequênciaintimidamasoutras.Mas,quandoosfanáticossereúnemcomoutrosfanáticos,oefeitomultiplicadoréirrefreável.

8) DISCIPLINA E CALMA (NÃO VELOCIDADE) SÃO A CHAVE DO SUCESSO EM MOMENTOS DIFÍCEIS.

Quando a crise financeira de 2008 estourou, a cervejaria tinha acabado de seendividar em mais de 50 bilhões de dólares para a histórica aquisição daAnheuser-Busch.Nosanosanteriores,oconselhodeadministraçãohaviaviajadopara passar algum tempo comigo no meu laboratório em Boulder, Colorado.Essesencontrosnoaltodamontanhatornaram-seasocasiõesemqueoconselhoenfrentava as questões principais. Ao iniciarmos a reunião de Boulder dedezembrode2008,euesperavaqueelesdemonstrassemcertapreocupaçãocomaquelecenário.Emvezdisso,fiqueisurpresocomojeitocalmoeponderadocomque navegavam por um período de tremendo perigo. Em momento algumobserveipânico,apenasumespíritodeavaliaçãocuidadosadeopçõesseguidadedecisões calculadas. Em épocas de incerteza e caos, as pessoas muitas vezesquerem agir omais rápido possível, como se isso fizesse a crise ir embora. OconselhodaAB InBev seguiuuma filosofiadiferente: entendamquanto tempo

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vocês têm para tomar decisões, usem esse tempo para tomar as melhoresdecisões possíveis e mantenham a calma. “Claro que é da natureza humanaquerer fazercomquea incertezaváembora”,disseumdeles. “Masessedesejopodelevá-loaagirrápido,àsvezesrápidodemais.Deondeeuvenho,vocêlogopercebequeaincertezajamaisdesaparecerá,nãoimportaquaisdecisõesouaçõestomemos. Portanto, se temos tempo para a situação se desenrolar, dando-nosmais clareza antes de agirmos, aproveitamos esse tempo. Claro que, quandochegaahora,vocêprecisaestarpreparadoparaagircomfirmeza.”

9) UMCONSELHODEADMINISTRAÇÃO FORTE EDISCIPLINADO PODE SERUMATIVO ESTRATÉGICO

PODEROSO.Quandobrasileirosebelgasseuniramparaformaramaiorempresadecerveja do mundo, as pessoas se perguntaram como aquelas duas culturaspoderiam coexistir. No entanto, elas se tornaram um todo unificado. Issoaconteceuporque todososenvolvidos tinhamumaúnicameta: fazeromelhorparacriarumaempresavencedoraeduradoura.NosEstadosUnidos,amaioriadosconselhosdeadministraçãoteminfluênciamoderada, e o poder se concentra basicamente no principal executivo. OsconselhossótendemasetornarsignificativosquandochegaahoradesubstituirumCEOqueestáfalhando.NaABInBev,porém,oconselhoéoprincipalcentrodepoder.Éumexemplodecomoosconselhospodemdesempenharumpapelcentralemdefinirmetasaudaciosas,desenvolveraestratégia,sustentaracultura,agarrar oportunidades e liderar em períodos tumultuados. Sem esse conselhoforte e unificado, aAB InBev não teria enfrentado os desafios que surgiram apartir de 2008 com a força que demonstrou (e talvez nem sequer os tivessesuperado).Aindamaisimportanteéqueoconselhotomadecisõesealocacapitalvisandoovalordelongoprazoparaosacionistas,medidoemváriasdécadas,nãoem trimestres. Se mais conselhos agissem assim, teríamos empresas maislongevasecommelhordesempenho.

10) BUSQUE CONSELHOS E PROFESSORES, E CONECTE-OS ENTRE SI. Desde cedo em suacarreira, Jorge Paulo Lemann buscou ativamente pessoas com quem pudesseaprender. E fazia peregrinações para visitá-las: o grande industrial japonêsKonosuke Matsushita [fundador da Panasonic], o varejista visionário SamWalton,ograndegêniofinanceiroWarrenBuffett.Masnãoapenasisso:também

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achoumeiosde conectar essaspessoas extraordináriasumas àsoutras.Elenãoestava “fazendo conexões” da maneira tradicional, mas facilitando interaçõesentre gente excepcional, estimulando o potencial aprendizado de todos. Ointeressante foi que, ao adentrar sua quinta, sexta e sétimadécadade vida, elecontinuouessabuscaporaprendizado,muitasvezesprocurandoconselheiroseprofessores mais jovens do que ele. Os três continuam com o espírito deestudantes,aprendendocomosmelhoresedepoisensinandoàpróximageração.SuponhoqueJorgePauloLemann,CarlosAlbertoSicupiraeMarcelHerrmannTellesme viram como um professor.Mas a grande ironia é que tenho sido otempotodoumestudiosovorazdostrês.Tendo estudado o desenvolvimento de algumas das empresas maisextraordinárias de todos os tempos e os empresários e líderes que asconstruíram,possodizerdefinitivamentequeatrajetóriadostrêsdevedeixarosbrasileiros imensamente orgulhosos. Eles estão nomesmo nível de visionáriosdosnegócioscomoWaltDisney,HenryFord,SamWalton,AkioMoritaeSteveJobs.E éumahistóriaque líderesdomundo inteirodeveriamconhecer, comoumafontedeaprendizadoeinspiração.Omelhorde tudoéqueahistóriaaindanão terminou, jáqueesses fanáticosnuncaparamde seperguntar,pormaisque já tenhamalcançado:oquevemaseguir?

JimCollins

Boulder,Colorado,EUA

4dejaneirode2013

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AconstruçãodeumimpérioOsprincipaisfatosdatrajetóriadotrio

JorgePauloLemannnascenoRiodeJaneiro. 1939

1948Carlos Alberto Sicupira nasce no Rio deJaneiro.

Marcel Herrmann Telles nasce no Rio deJaneiro. 1950

1961JorgePauloconclui,emtrêsanos,ocursodeeconomiadaUniversidadeHarvard.

De volta ao Rio após um estágio no CreditSuisse,emGenebra, JorgePauloécontratadopela financeira Invesco. A firma, da qual setornasócio,quebratrêsanosdepois.

1963

1967Jorge Paulo começa a trabalhar na corretoraLibra, controlada pelo Banco Aliança. Delargada,recebeumafatiade13%dafirma.

Depois de tentar, sem sucesso, comprar ocontrole da Libra, Jorge Paulo deixa aempresa. 1970

1971Comumgrupodesócios,JorgePaulocompraotítulodacorretoraGarantia.

Marcel é contratado pela corretora. Suasprimeiras semanas de trabalho são comoliquidante,umaespéciedeofficeboyde luxodaépoca.

1972

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1973 Beto, que conhecera Jorge Paulo praticando

pesca submarina, começa a trabalhar nacorretora.

ObancoamericanoJPMorgantentacomprara corretora Garantia. Jorge Paulo desiste donegócioedecideentrarnoramodebancosdeinvestimentos,fundandooGarantia.

1976

1982OGarantiacompraaLojasAmericanas.Betodeixasuasfunçõesnobancoparacomandaravarejista.

Por60milhõesdedólares,oGarantiaadquireacervejariaBrahma.OescolhidoparatocaraempresaéMarcel,queseafastadodiaadiadobanco.

1989

1993

Jorge Paulo, Beto e Marcel fundam a GPInvestimentos, aprimeira empresadeprivateequitydoBrasil(umnegócioindependentedoGarantia).Beto saidaLojasAmericanasparasededicaràGP.

OGarantiatemomelhoranodesuahistória,comumlucrodequase1bilhãodedólares. 1994

1998Abalado pelos efeitos da crise asiática e doenfraquecimentode suacultura,oGarantiaévendidoparaoCreditSuissepor675milhõesdedólares.

ABrahmacompraarivalAntarcticaeformaaAmbev. 1999

2003

Jorge Paulo,Marcel e Beto vendem parte desuas ações na GP Investimentos para umanova geração de sócios, comandada porAntonio Bonchristiano e Fersen Lambranho.Noanoseguinte,otriovenderiaorestantedesua participação e deixaria o negóciocompletamente.

A belga Interbrew compra a Ambev,formando a InBev. Pelo acordo, Jorge Paulo,Marcel e Beto tornam-se acionistas da novacervejaria. Com o passar do tempo, eles 2004

O trio de empresários inicia as atividades do3G, fundo cujo objetivo é investir em

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aumentariam sua participação acionária naInBevatésetornaremseusmaioresacionistasindividuais.

empresas americanas. Alexandre Behring éescolhidoparacomandá-la.

A americanas.com, braço de comércioeletrônico da Lojas Americanas, compra oSubmarino, fundado pela GP Investimentosem1999.

2006

2008

A InBev compra a americana Anheuser-Busch,fabricantedaBudweiser,por52bilhõesde dólares. A nova empresa, batizada ABInBev, é a maior cervejaria do planeta. Ocarioca Carlos Brito se torna seu principalexecutivo.

Por 4 bilhões de dólares, o 3G compra ocontrole mundial da rede de fast-foodamericanaBurgerKing. 2010

2013O 3G anuncia a aquisição da fabricante dealimentosamericanaHeinzpor28bilhõesdedólares.OsóciodosbrasileirosnaempreitadaéomegainvestidorWarrenBuffett.

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O

Os“invasores”daAnheuser-Busch

empresáriocariocaJorgePauloLemannviajavapelodesertodeGobi,no final de maio de 2008, quando seu BlackBerry começou a tocarinsistentemente. Ele passava férias naÁsia, acompanhadoda esposa,

Susanna,edeumcasaldeamigos–oex-presidenteFernandoHenriqueCardosoesuamulher,Ruth.Ogrupoestavaansiosopordesbravarumdoscincomaioresdesertosdomundo,localizadononortedaChinaesuldaMongólia,porondeseestendem montanhas rochosas, planícies cobertas de cascalho e dunas emconstante movimento. Ali as temperaturas são extremas – os termômetroschegamamarcarmaisde40oCnoverãoe -40oCno inverno.Embora fizesseopossívelparanãoatrapalharaprogramaçãoturística,JorgePaulonãodeixavaotelefonede lado.A situação eraurgente.Haviameses que ele e seus sócios, ostambém cariocas Marcel Herrmann Telles e Carlos Alberto Sicupira,controladores e membros do conselho de administração da cervejaria belgo-brasileiraInBev(donadaAmbev),vinhamestruturandoumplanoparaadquirira americana Anheuser-Busch (AB), fabricante da cerveja mais vendida nomundo,aBudweiser.Bancos, advogadoseumreduzidogrupodeexecutivosda InBev trabalhavamemsigiloabsolutonoprojetoAmsterdam,comofoibatizadooplanodecompra.AaquisiçãotransformariaaempresaresultantedacombinaçãoentreInBeveABemumadasquatromaioresempresasdeconsumodomundo,atrásdoscolossosProcter&Gamble,Coca-ColaeNestlé.Acompradeumsímbolodocapitalismoamericanonão apenas seria omaiornegócio já fechadopelo trio formadoporJorge Paulo, Marcel e Beto (como eles são chamados dentro e fora de suasempresas), como os transformaria de forma incontestável nos empresáriosbrasileiroscommaioralcanceglobal.Tudo parecia estar sob controle até que o segredo foi exposto aomundo às

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A

14h29dodia23demaio,quandooblogAlphaville, do jornal inglêsFinancialTimes,publicounainterneta informaçãodequeaInBevpreparavaumaofertade46bilhõesdedólarespelacentenáriacompanhiaamericana.Anotíciatraziadetalhessobreomodelodefinanciamentodacompra,osnomesdosenvolvidosnaestruturaçãodonegócioequandoteriamocorridoasprimeirassondagensaAugustBuschIV,principalexecutivodaABemembrodafamíliaquebatizavaacervejaria.Ignorarovazamentodessamatéria,quepoderiacolocartodooplanoem risco, simplesmente não era uma opção para Jorge Paulo, ainda que eleestivesse“perdido”nomeiodomaiordesertodaÁsia.“Durante todaaviagempela China ele manteve a calma. Resolvia tudo pelo celular, com muitaobjetividade”, lembra Fernando Henrique Cardoso, que, segundo ele mesmo,tornou-se amigo de Jorge depois de deixar a presidência da República. Era aprimeiravezqueelesfaziamumaviagemdeturismojuntos.Entrepasseiosde camelo e aorquestraçãodonegóciomais ambiciosode suavida, Jorge Paulo só evitou responder o e-mail de uma pessoa: Busch IV, queficara estupefato ao ler na internet a notícia de que corria o risco de perder acompanhia fundada por sua família e lhe escrevera pedindo explicações. JorgePaulo precisava pensar qual seria a melhor forma de contar ao principalexecutivodaABqueaInBevdefatopretendiacolocarasmãosemsuaempresa–eessanãoseriaumaconversafácil.Eramelhoresperarumpoucoantesdedizerqualquercoisa.

investida do trio de brasileiros pode ter surpreendido aAnheuser-Busch,analistas, investidores e jornalistas de todo o mundo, mas era um

movimento com o qual Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupiravinham sonhando desde 1989, quando compraram o controle da cervejariaBrahma,sediadanoRiodeJaneiro.Naépoca,elesnãoentendiamnadasobreosetor cervejeiro. Suas fortunas foram construídas no banco de investimentosGarantia,umainstituiçãocriadaporJorgePauloem1971equefezhistórianoBrasilporterincorporadoconceitosentãoquasedesconhecidosporaqui,comomeritocracia (remunerar e promover funcionários com base apenas em seu

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desempenho, sem levar em conta fatores como tempo de casa) e partnership(ofereceraosmelhoresaoportunidadedesetornaremsóciosdafirma).MarceleBeto, oriundosda classemédiadoRiode Janeiro, eramapersonificaçãodessafilosofia – ambos foram contratados por Jorge Paulo nos primeiros anos doGarantia e ascenderam no banco até se tornarem os principais sócios dofundador.Noiníciodadécadade80,Betodeixouodiaadiadobancoparacomandaravarejista LojasAmericanas, recém-adquirida peloGarantia.Até entãonenhumbancodeinvestimentosbrasileirohaviacompradoumacompanhiaparaassumirsua gestão.Depois foi a vez deMarcelTelles abandonar omercado financeiroparasededicaràtransformaçãodacombalidacervejarianumaempresadenívelinternacional.ABrahmaqueMarcelencontroueraumamodestíssimafraçãodaAnheuser-Busch,naépocaamaior fabricantedecervejadomundo. “Eu falavanacompanhiaqueumdiaagenteiacompraraAnheuser-Buschedavarisada...Tinhasempreum‘hahaha’nofinalpranegonãoacharqueeueramaluco...Masjá era um sonho, um sonho que você vai tateando e aos poucos vê que temchancedeficarmaispróximo”,disseMarcelcertavez.Até chegar à oferta pela AB foi preciso trilhar um longo caminho que tevecomoprincipais passos a compra da paulistaAntarctica para formar aAmbev(em1999)eanegociaçãocomabelga Interbrew,quedeuorigemà InBev (em2004). Em 2008, quase duas décadas depois de comprarem a Brahma, JorgePaulo,MarceleBetofinalmentechegavampertodeengoliragiganteAnheuser-Busch–enãoseriaovazamentodanotíciaqueiriaimpedi-losdelevaroplanoadiante.O silêncio de seus possíveis algozes deixava August IV, conhecido como “oQuarto”, desconcertado. Ele e sua equipe se perguntavam se aquele bando debrasileirosteriamesmocoragemdeenfrentarumsímboloamericano.Averdadeéque,apesardatradiçãoedeseutamanho,aAnheuser-Buschjánãotinhamaisomesmobrilhodopassado.Fundadaporumgrupode imigrantesalemãesem1852, em St. Louis, cidade às margens do rio Mississippi, a cervejaria foiinicialmente chamada de Bavarian Brewery. Oito anos depois de abrir suasportas, foi comprada por Eberhard Anheuser, um empresário local que fizeradinheirocomumafábricadesabão.ComachegadadeAdolphusBusch,genrode Eberhard, a empresa começou a deslanchar. Adolphus lançou a marca

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Budweiserem1876,comprou50%daparticipaçãodosogroedeuàcompanhiaonome Anheuser-Busch. Desde então, a AB se manteve como uma empresafamiliar,emqueocomandoerapassadodegeraçãoemgeração.Ainiciaçãodecadamembrodafamíliaàvidanacervejariacomeçava,literalmente,noberço–atradição mandava que os herdeiros homens do clã fossem alimentados comcincogotasdeBudweiserhorasdepoisdenascer.Afórmulafuncionouduranteváriasdécadas.Nofinaldoséculopassado,aABchegouadominar60%domercadoamericanoe se tornouamaiordomundoemfaturamentonoseuramo.Comoacontececomtantasgrandescorporações,depoisdoaugeveioodeclínio.ConcentradanosEstadosUnidos,acompanhiadesperdiçou a oportunidade de se internacionalizar, enquanto concorrentescomo a InBev se expandiam por diversas partes domundo. Os resultados dacompanhia patinavam.Para piorar, seus herdeiros e executivos continuavamalevar a vida cheia demordomias a que estavam habituados, como a jornalistaamericana Julie Macintosh relata no livroDethroning the King – The HostileTakeover of Anheuser-Busch. Os Busch e os diretores da cervejaria tinham àdisposição uma frota de aeronaves – a “Air Bud”, com seis jatinhos e doishelicópteros, que empregava 20 pilotos. Quem não conseguia um lugar nosaviõesdacompanhiaestavaautorizadoaviajardeprimeiraclasse.Hospedagenseramsempreemhotéiscincoestrelas,comooPierre,emNovaYork,ejantaresdetrabalhotriviaisbatiamnacasadosmildólares.A Anheuser-Busch era como umamãe generosa, que permitia que os filhosmimados comprassem tudo o que lhes desse na telha, inclusive “brinquedos”inusitados, como os parques de diversões Busch Gardens e Sea World,localizadosnaFlórida.Oqueumacervejariatemavercommontanhas-russasegolfinhosamestradosédifícildeimaginar,masparaosexecutivosdaABissonãopareciaserumproblema.NaInBev,ondecustoaltosemprefoisinônimodepecado,nãohaviaamenorpossibilidade de existirem excentricidades desse tipo. Executivos viajavam naclasse econômica e se hospedavam em hotéis três estrelas (não raro doisprofissionaistinhamquedividiromesmoquarto).Asrefeiçõesemrestauranteserammodestaseregadas,nomáximo,acerveja.Erammundosopostosqueembrevesechocariam.Os executivos da InBev conheciammuito bem essas diferenças. No final de

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2006, as duas cervejarias fecharam um acordo para que a Anheuser-Busch setornasse a importadora oficial da belgo-brasileira nos EstadosUnidos. Para osamericanosonegóciorepresentavaacessoamarcasglobaisfamosas,comoStellaArtois e Beck’s, o que poderia ajudar a AB a sair da letargia em que seencontrava.ParaaInBev,omovimentoeraaindamelhor–ganhavaumparceirocomercial nos Estados Unidos e poderia ver de perto como a concorrenteoperava. Sem imaginar o perigoque corria,August IV, um ex-playboy recém-empossadonocargoequeraramentecompareciaàsededacompanhia,abriuasportasparaocariocaCarlosBrito,oCEOdaInBev.Nascidoem1960,BritocursouMBAemStanfordgraçasaumabolsaoferecidapor Jorge Paulo Lemann. Ele foi umdos quatro funcionários doGarantia quedesembarcaramnaBrahmaquandoobancocomprouacervejaria.Emdécadasde convívio com JorgePaulo e seus sócios, ele absorveu todosos conceitosdotrio e se tornou a quintessência da cultura que eles pregavam, um sujeitoabsolutamenteobcecadoporcortedecustosedevotodameritocracia.Avessoaentrevistasebadalações,levavaumavidadiscretaaoladodamulheredosquatrofilhos.Era, em tudo, a antítesedeAugust IV–e ,por issomesmo, aproveitoucadamilímetro da abertura dada pelo herdeiro depois de selaremo acordodedistribuição. Brito viu de perto o luxo, os excessos, os investimentos que nãofaziamsentido.Observouatentamentecomosedavamas relaçõesdepodernacervejaria.EmboraosBuschaindaemprestassemseunomeàcompanhia,oclãdetinhaapenas4%departicipaçãonaAB,umafatiainferior,porexemplo,àdomegainvestidorWarrenBuffett.TudoissoserviriacomoumamuniçãopoderosaparatraçaraestratégiadeconquistadafabricantedaBudweiser,umamarcatãoemblemática para os americanos que Brito certa vez a descreveu como a“Américaengarrafada”.

iante do silêncio de Jorge Paulo Lemann, August Busch IV decidiu semexer. Convocou o conselho de administração para uma reunião com

banqueirosdoGoldmanSachs,seusassessoresdelongadata,para29demaio–seisdiasdepoisdovazamentodobloginglês.Nesseencontroestavampresentestambém advogados do escritório Skaden, Arps, Slate, Meagher & Flom (o

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CitibankseriacontratadopelaABlogodepois).OQuartoqueriasaberseaInBevseria capaz de colocar de pé um financiamento de 46 bilhões de dólares nummomento em que o mercado financeiro global dava sinais de problemas – oBancoBearSterns,porexemplo,recentementetiveradeserresgatadoàspressaspeloJPMorgan.Alémdisso,ogrupoprecisavadiscutiroquefazerseapropostafosserealmenteapresentada.Aessaaltura,JorgePauloLemannjáhaviarespondidoaoe-maildoamericano.Lacônico, disse apenas que ficara inacessível por alguns dias, em viagem pelodesertodeGobi.Acrescentouqueseriaumaboaideiaseosdoisseencontrassem.Marcadapara2dejunho,emTampa,naFlórida,areuniãoentreelesfoicercadade cuidados. A pedido de Jorge Paulo, o CEO da AB deveria estardesacompanhado. Nada de assessores, advogados ou consultores. O brasileirotambém seguiria sozinho – ou quase, já que Marcel Telles estaria com ele.Colocardeumladodamesadoisempresárioseex-banqueirosexperientesedeoutro um herdeiro que mal conhecia a empresa que comandava parecia umatemeridade,masmesmo assim oQuarto topou o formato. Ele estava ansioso.Queria saber sehaveriade fatoumaofertaedequantoela seria. JorgePauloeMarceleramimpenetráveis.Estampavamnorostoapokerfacelapidadaduranteanos de trabalho no mercado financeiro. Não alteravam o tom de voz. Nãodemonstravampressa,aindaqueestivessemtramandoomaiornegóciodesuasvidas.Desconversaramoquantopuderam.Disseramapenasquea InBev tinhadefatointeresseemcompraraAB,masnãodeixaramescaparnenhumdetalhe.Decertamaneira,foiumasituaçãoinversaàqueocorreraumanoantes,quando,num encontro informal, Jorge Paulo insinuou para o Quarto que as duasempresaspoderiamsejuntar.Obrasileiroargumentouque,unidas,asoperaçõesseriam imbatíveis.OherdeirodaABnão entendeuo recado– ou fez quenãoentendeu–eficoutudoporissomesmo.Em 11 de junho, somente nove dias depois daquele encontro, a InBevformalizouaoferta.DeBruxelas,BritotelefonouparaAugustIVeoinformoudequeenviariaeminstantesumapropostadecompradaAB.AInBevoferecia65dólaresporação(umprêmiode18%emrelaçãoaorecordehistóricodacotaçãodopapel),propunhaquea sededanovaempresapermanecesseemSt.Louis eque a companhia fosse rebatizada como AB InBev, preservando o nomeamericano.Osexecutivosda InBev sabiamquepreçoeraalgo importantepara

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convencerosacionistasdaAB,masvalorizaratradiçãodacervejariacentenáriaseriafundamentalparaevitarresistênciasaonegócio–tantoporpartedaprópriaAB quanto da opinião pública. Abrir mão de símbolos de poder como alocalizaçãodoQGeasprimeirasletrasdonomedanovacompanhiaeraacoisamaissensataafazer.Umaguerradevaidadessóatrapalhariaanegociação.Britodesligouotelefone.Antesqueassinasseacarta,osdoisrepresentantesdobanco Lazard, principal assessor financeiro da InBev, pediram para ter umaconversadecincominutosa sóscomoexecutivobrasileiro.StevenGolub,umbanqueiro experiente, na época com 62 anos, alertou Brito para o períodoturbulentoqueestavaporvir.“Ajornadaquevamoscomeçarcomessacartaserámuitolonga.Haverádiasemqueagentevaiacharqueestáporcimaediasemque vamos nos sentir lá embaixo. O outro lado vai fazer coisas em que nãopensamoseemalgummomentoseremosobrigadosarevernossosplanos.Entãoseprepare”,avisouGolub.PormaisqueBritoestivessesegurodaempreitada,elejamais havia estado à frente de uma negociação desse tamanho. Ao ouvir arecomendaçãodobanqueiro,ficouemsilêncio.OoutrorepresentantedoLazard,onova-iorquinoAntonioWeiss,levantoumaisumponto.EledisseaBritoquejáhavia participadode diversos casos de fusões e aquisições e que, quando essasoperações dão errado, em geral o CEO é o primeiro a ir para a rua. BritodiscordoudeWeiss.“Seeufizerascoisascertascommeutimeemesmoassimooutro lado resolver não vender, não acho que o conselho vá botar a culpa emmim.Claroqueseeu fizerbesteiraahistóriaéoutra...Aquiaspessoas tomammais risco e sonham grande porque sabem que não vão ser crucificadas sealguma coisa der errado, desde que sigam o que foi planejado em conjunto”,disseeleaobanqueiro.Weissnãofaloumaisnada.Steven Golub estava certo quando alertou Brito sobre as dificuldades que seseguiriam.ApartirdomomentoemqueosCEOsdaABedaInBevencerraramaqueletelefonema,oqueseviufoiumadurabatalhapelocontroledacervejariaamericana.Adisputanãosedavaapenasentreacionistaseexecutivosdosdoislados. O negócio entre as cervejarias se tornou um assunto debatidonacionalmente.Sitescontraonegóciopipocaramnainternet.Nãodemorouparaque a possível aquisição se tornasse também uma questão política. O entãocandidatoàpresidênciaBarackObamachegouadizerqueacompradaABporumacompanhiaestrangeiraseriauma“vergonha”.

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Alguém precisava explicar os planos dos brasileiros aos americanos – e nãoseriamJorgePaulo,MarcelouBetoquefariamisso.Elessempreseesquivaramdesse tipo de situação. Sobrou para Brito, um sujeito pouco carismático, nadahabituado aos holofotes e não exatamente conhecido por sua diplomacia. Eleteve que superar seu estilo discreto e um tanto ríspido e se preparar para aartilharia.Aargumentaçãoprecisavaserconvincentee,dealgumamaneira,gerarumaespéciede“simpatia”peloplano.Suaprovadefogoaconteceunodia16dejunho, emWashington, durante uma reunião comClaireMcCaskill, senadorademocratapeloMissouri,eoutrosmembrosdoSenado.Britocontacomotudoaconteceu:“Ela (McCaskill) tinha convocado os jornalistas e eu não sabia. Eu tinha mepreparadopara falarcomos senadores,ederepenteelaabriuaportae saiu.Aíveioumapessoadanossaequipequeestavaláforaedissequeaimprensatodameesperava.Sóhaviaaquelaportaparasair,eeutinhaquepassarporali.Foiaquelenegócio tipo filme: você abre a porta e todo mundo avança com microfone,perguntandoseagenteiacomprarounão,seagenteiademitirounão,oqueseriafeito.Aícontamosanossahistória.Oobjetivoeracriarumaúnicaempresaquefosse melhor do que as duas separadas, queríamos levar a Budweiser para omundo inteiro, darmais oportunidades para as pessoas boas.A gente disse quetinha alguns compromissos – não fechar fábrica, manter o nome da empresa,mantera sededaAméricadoNorteemSt.Louis.Comoalguémpodesercontraessahistória?Ocaravaidizeroquê?Queasempresasdevemcontinuarseparadasparaserempioresdoqueseriamjuntas?”Enquanto a InBev se esforçava para ganhar a aprovação dos americanos, aAnheuser-Busch preparava sua estratégia de defesa. Os executivos da AB nãoestavamnemumpoucodispostos a entregar a companhia aos brasileiros.Elessabiam o que havia acontecido com a belga Interbrew, que também era umacompanhiasecularsobcontrolefamiliar.EmboraaInterbrewtivesssecompradoaAmbev,foramaculturaeoestilodegestãodosbrasileirosqueprevaleceram.OQuarto precisava convencer os investidores de que, apesar de o valor dasações da AB andar de lado nos últimos tempos, vender a empresa não era amelhor opção para recuperar o crescimento. Com a ajuda de executivos,

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assessoresepartedoconselho,AugustIVtratoudecolocarempéumplanodereduçãodecustos.Paralelamente,tentouarticularumaaliançacomamexicanaModelo – a ideia eramostrar que aAB poderia se expandir sem entregar seucontroleaumaconcorrente.AestratégiadoCEOdaABazedouaindamaisajáturbulentarelaçãocomseupai,AugustIII.EnquantooQuartoqueriaresistiràoferta de qualquer maneira, o Terceiro achava que era melhor vender para aInBev por um preço justo do que fazer bobagem. “Amaior preocupação dele[August III] eraque as açõesdespencassem se aoferta fosse rejeitada”, contouumapessoaqueacompanhouasnegociações.Oprimeirosinalevidentedequeanegociação entre as cervejarias estava deixando alguns investidores da ABpreocupados aconteceu quandoWarren Buffett, o segundomaior acionista daempresa, com quase 5% de participação, começou a vender seus papéis nomercadoporalgoemtornode60dólaresporação–cincodólaresmenosdoqueaInBevhaviaoferecidoparaosamericanos.“Houvepessoasnoconselhoque,naminhaopinião, tentaram fazer coisas bastante antieconômicas para bloquear oqueeleschamavamde‘osinvasores’”,dizBuffettsobreoepisódio.

arrenBuffettéumdoshomensmaisricosdomundo–segundoarevistaForbes,emmarçode2013eleocupavaaquartaposiçãoentreosmaiores

bilionáriosdoplaneta,comumafortunasuperiora53bilhõesdedólares.Buffettdáexpedienteno14oandardeumedifíciocinzaesemgraçaemOmaha,cidadede427milhabitanteslocalizadanoestadodeNebraska.Há50anoselefazquasediariamenteomesmotrajetodesuacasaatéotrabalho–apesardoseufabulosoenriquecimento,Buffettnãomudounenhumdosdoisendereços.Nasededesuacompanhia, a Berkshire Hathaway, trabalham apenas 24 pessoas, incluindo oprópriofundador.Quemavisitanãosedeparacomsegurançasoumesmocomuma recepcionista.Há apenas umapequena placa comonomeda companhiasobreaportadoescritório.Umacampainhaaoladodeveseracionadaparaquealguém venha abrir a porta. Decorada à moda antiga, com móveis escuros,persianasdemadeiraeestantesrepletasdelivros,asalado“OráculodeOmaha”medemodestos 25metrosquadrados.Namanhã ensolaradade19demaiode

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2012,umsábado,WarrenBuffettestáprontoparafalarsobreumamigodelongadata, o brasileiro Jorge Paulo Lemann, que conheceu em 1998, quando amboscomeçaram a dividir opiniões e experiências no conselho de administração daGillette. Buffett veste calça cáqui e camisa azul de manga comprida com asiniciais de sua companhia – BH – bordadas no peito. Dá um meio sorriso,oferece umaCoca-Cola, refestela-se numa poltrona de couro e conta como selembradosprimeirosencontroscomJorgePaulo:“Eu não sabia nada sobre ele. Zero. Nunca tinha ouvido falar. Nosencontrávamos a cada dois ou três meses, e demorou algum tempo até querealmente nos conhecêssemos. Mas você aprende muito sobre as pessoas numconselho.Oqueeunoteidesdeocomeçoéqueelediziacoisasquefaziamsentido.Não fingia sabercoisasquenãosabia,não falavasóparaescutaraprópriavoz.Tinhaumatremendavisãodenegócioseeraarticulado–algoquenãopodeserditodetodososconselheiros.”Emmuitos aspectos,WarrenBuffett e JorgePauloLemann têmumestilodevidaedetrabalhosemelhante–efoiemcimadessasbasesqueconstruíramumasólidaamizade.Detestamostentação, vestem-sede forma simples e sãodiretosnas conversas. Ambos construíram sociedades longevas, que atravessaramdécadas–BuffettcomCharlieMunger;JorgePaulocomMarceleBeto.Osdoistêmaambiçãodeerguernegóciosqueseperpetuem.BuffettgostadeencararaBerkshire como a sua grande “pintura”, uma obra de arte que jamais estaráperfeita e deve ficar mais bonita a cada ano. Jorge Paulo tem o sonho deconstruirummodelodegestãoquesetorneumareferênciaparaasempresasdoséculo XXI. Para eles, acumular dinheiro é mais uma consequência que umobjetivo. “Não se trata de pensar ‘se eu ganhar ummilhão de dólares ou umbilhãodedólaresojogoacabou’.Atéporque,apartirdecertoponto,odinheironãotemmaisutilidade”,dizoinvestidor.Apesardaproximidadeentreosdois,BuffettexplicaqueaofertafeitapelosbrasileirosàABopegoudesurpresa:“Eu imaginavaque ele [JorgePaulo]umdia fizesseaquilo,masnão sabiaqueseria naquele momento. Era um passo enorme numa época totalmente hostil.Honestamente,houveummomentoemqueeuacheiqueonegócionãoiriaparaa

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frente.Foiaúnicatransaçãodaquele tamanhonaqueleperíodo...Minhadecisãoeraavaliar senaquelecenárioopreçodasações iria subirounãoe seonegócioseria realmente fechado apesar da crise.Aí eu vendi umaparte das ações e issochateou algumas pessoas. Eu não conhecia a dinâmica do conselho da AB.Encontrei o Quarto uma única vez num jogo de beisebol, e tinha faladopessoalmente com o Terceiro uns 15 anos antes. Nunca conversei com eles pelotelefone, nunca tive uma relação. Às vezes acontece assim em algumas dasempresasemquecolocamosdinheiro.TínhamosuminvestimentograndenaAB,masnãotãograndecomonaCoca-Cola,porexemplo.Eugostavadonegócio,nósestávamosalihámuitosanos...Seriadifícilperderdinheiroali,assimcomoseriadifícil ter uma grande possibilidade de ganho. Era uma opção sólida, mas nãomuitoexcitante.”

ressionados,osrepresentantesdaAnheuser-Buschdecidiramcontra-atacar.Seacervejariaamericanaiaacabaremoutrasmãos,quefossepelomelhor

preçopossível.Nodia8dejulho,AugustIVtelefonouparaJorgePaulo.Aoladodo herdeiro da AB estavam dois membros do conselho de administração, EdWhitacre e Sandy Warner. Ambos eram velhos conhecidos da AB e tinhamrelações de amizade com a família. Whitacre fez carreira no setor detelecomunicações e chegouàpresidênciadaAT&T;Warner eraumbanqueiroaposentadoqueganhoufamadepoisdevenderoJPMorgan,bancoquepresidia,para oChaseManhattan, em2000.Amensagemque os três enviarama JorgePaulo foicristalina:paracompraraABseriaprecisoagir rápidoedesembolsarmais dinheiro que o previsto. Logo que desligou o telefone o empresáriobrasileiroacionouosprincipaisenvolvidosnanegociação.Umdosprimeirosaser informado do telefonema de August IV foi o carioca Roberto Thompson,conhecidopelaspessoaspróximas a JorgePauloLemann,MarcelTelles eBetoSicupiracomo“obanqueirodosex-banqueiros”.Thompson foi apresentado ao trio logo depois de voltar de um MBA emWharton, em1986, e foi trabalharnoGarantia. Em1993 seguiuBeto SicupiraquandooempresáriodeixouocomandodaLojasAmericanasparamontaraGP

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Investimentos, a primeira empresa de private equity do Brasil. Foi naGP queThompson aprendeu na prática como era o dia a dia de grandes companhias.Aos poucos foi ganhando a confiança dos três até se tornar uma espécie deconsigliere dos sócios. Cabe a ele estruturar as grandes aquisições feitas porempresascontroladaspelotrio,comoacompradapaulistaAntarcticaeavendadaAmbevparaabelgaInterbrew.QuemjáesteveaoseuladoemumareuniãodizqueThompsonéumsujeitoeducado,frioepragmático,queraramentesorriouelevaotomdevoz–umtrunfonotávelnasguerrasdenervosemqueessasgrandesnegociaçõesnormalmentesetransformam.“Eles [os representantes da AB] disseram que tínhamos 24 horas para fazernossamelhoroferta”,recordaThompsonreferindo-seaotelefonemadoQuartoparaLemann.“Convocamosrapidamenteumareuniãodeconselhoportelefone,porquecadamembroestavaemum lugardomundo.Tínhamosquerefazerascontas.Tudotinhaquesermuitobempensado.Osvaloreserammuitograndes,enãosetratavadetrocadeações,masdepagamentoemdinheiro.Nofinaldareuniãodecidimosquedavaparaaumentaraofertaemcincodólaresporação.”No dia 13 de julho, depois de diversas reuniões que contaram com oenvolvimentodiretoeindiretodequase500pessoasentreacionistas,advogadosebanqueiros,aAnheuser-Buschfinalmenteaceitouapropostade52bilhõesdedólaresfeitapelaInBev.Depoisdesemanasdeumaaguerridaquedadebraço,aABhaviacapitulado(aindafaltavaaaprovaçãodonegóciopelasassembleiasdeacionistasdasduascompanhiaseporórgãosreguladores).Convencer os americanos a entregar o controle da companhia foi duríssimo.Masparaosbrasileiros,queagorasetornavamoslíderesmundiaisdomercadodecerveja,opioraindaestavaporvir.Eelesnãotinhamamenorideiadoqueiriamenfrentar.Haviameses que a economiamundial dava sinais de desaceleração, porém oqueaconteceunodia14desetembrode2008,umdomingo, iaalémdoqueospessimistaspoderiamprever.Nessedia,oLehmanBrothers,quartomaiorbancodos Estados Unidos, anunciou que pediria concordata, depois de diversastentativasderesgate.Namesmadata,oMerrillLynchacertousuavendaparaoBankofAmericapor50bilhõesdedólares,umterçodeseuvalordemercado.OfimdoLehmanBrothers,umainstituiçãocom150anosdehistória,foioestopimdeumacrise financeiragravíssima,comparadaàde1929.Omedoseespalhou

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porempresasebancosevarreuomundo.Emumúnicodiaasempresaslistadasna Bolsa deValores deNova York perderammais de 1 trilhão de dólares emvalordemercado.ParaosbrasileirosdaInBev,queprecisariampagar52bilhõesde dólares aos acionistas da Anheuser-Busch assim que o negócio fossetotalmente aprovado, a situação se tornou preocupante, para dizer omínimo.Com o dinheiro secando em praticamente todas as fontes do planeta, como aempresapoderiahonraradívida?ParaBritofoiumafasedeenormetensão:“Durantedoismeses,entreaquebradoLehmaneaconclusãodonegócio,agenteficoubemansioso,porqueaquilonãoestavananossamão,ninguémsabiaparaonde o mundo ia... A gente anunciou a transação em um mundo e assinou acompra em outro... Alguns bancos que estavam no nosso consórcio quasesumiram...Eracomoseagentetivesseentradoemumtúneledealgumamaneirativessequesairdooutrolado–sóqueládooutroladoderepentetinhacomeçadoachover.Oquevocêfaz?ComeçaapensarnumplanoB,numplanoC,emoutraspossíveisformasdefinanciamento...Umacoisaimportanteéqueninguémperdeutempo acusando um ao outro, dizendo ‘eu falei que isso ia acontecer’... A gentetinha que lidar com uma situação inesperada e ninguém ia perder tempo combesteirasdessetipo...”O trio de empresários brasileiros acompanhava cada passo atentamente. Osangue-frioparalidarcommomentosdramáticoscomoessefoidesenvolvidoaomáximo não só durante sua trajetória como banqueiros e empresários, mastambém no esporte. Jorge Paulo Lemann é um exímio tenista e chegou acompetirprofissionalmentenopassado.Alémdisso,os três costumampraticarpesca submarina, uma modalidade radical que combina resistência física eprecisão absoluta no arremesso do arpão. Depois de décadas de prática, elesaprenderamaesperaromelhormomentoparaavançarsobresuaspresaseanãodesperdiçarqualqueroportunidade.Preparo,paciência,execuçãoperfeita–eisaíumareceitaaqueelesrecorremnãoapenasparapescariasnofundodomar.Em larga medida, a compra da AB só não desandou graças ao intrincadoacordoconcebidopeloCFOdaInBev,ocariocaFelipeDutra,comoconsórciodebancosquefinanciariaaoperação.AexemplodeBrito,DutratrabalhavacomotriodecontroladoresdaInBevhaviaváriosanos.Oeconomista ingressouna

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Brahmaem1990edesde2005ocupavaopostodeprincipalexecutivofinanceiroda cervejaria belgo-brasileira. Detalhista e cuidadoso, Dutra estabeleceu umcontrato de condições leoninas com os 10 bancos envolvidos no negócio –Santander,BankofTokyo-Mitsubishi,BarclaysCapital,BNPParibas,DeutscheBank, Fortis, INGBank, JPMorgan,MizuhoCorporateBank eRoyalBankofScotland. Sua principal vitória foi conseguir excluir uma cláusula conhecidacomo Material Adverse Change (MAC), que garante às instituições apossibilidadederenegociaçãodascondiçõesde financiamentoemcasodeumapiora repentina do mercado. Como os bancos não tinham essa cláusula noscontratos,eles foramobrigadosamantertodasascondiçõesacertadasantesdoestourodacriseeestavamlegalmenteimpedidosdeabandonarobarco.Alémdoacordo bem amarrado, os brasileiros tiveram uma generosa dose de sorte.Nenhumdosbancosenvolvidosnoconsórcioquebrou,comoaconteceucomoLehman Brothers. No caso do belga Fortis, por exemplo, que fazia parte dogrupode financiadorese foiumdosmaisafetadospela turbulênciamundial,ogovernodaBélgicainterveioantesquefossetardedemais.“SeemvezdoFortistivéssemoscolocadooLehman,tudoestariaferrado”,resumeThompson.Paralelamente, foi preciso passar o chapéu também entre os principaisacionistasdaInBev.JorgePaulo,MarceleBetocolocaram,juntos,1,5bilhãodeeurosdeseusprópriosbolsosparagarantirqueatransaçãofossehonrada.Comoamaiorpartedopatrimôniodostrêseraformadaporaçõesdascompanhiasemque investiam, eles tiveram que recorrer a empréstimos e reduzir despesaspessoais. Sobrou até para o escritório que mantinham em São Paulo, no 15o

andardeumprédionaZonaSuldacidade.Parabaixaroaluguel,oespaço foireduzidopelametade–epermaneceassim.Nodia18denovembrode2008,quaseseismesesdepoisqueoFinancialTimesrevelouosegredodaInBev,aoperaçãofoifinalmenteconcluída.Osempresáriosbrasileiros Jorge Paulo Lemann,Marcel Telles e Beto Sicupira se tornavam osprincipaisacionistasdeumnovogigante,comfaturamentoanualde37bilhõesdedólares,maisde200marcasemseuportfólioepresençamundial.Emmenosdeduasdécadas,elestransformaramumacervejariaregionalcomnomeforteeresultadosdecepcionantes,aBrahma,namaiorcompanhiaglobaldosetor.TudoissorepetindoàexaustãoospilaresdaculturainicialmenteprofessadaporJorgePauloedepoisespalhadaportodososnegóciosemqueinvestiram:meritocracia,

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controle de custos inclemente, trabalho duro e uma dose de pressão que nemtodos podem aguentar.Nada demordomias, nada de símbolos de status.Masparaosmelhores–gentecomoCarlosBrito,RobertoThompson,FelipeDutra–as oportunidades incluíram atémesmo sociedade nos negócios. Estima-se quedesde que o Banco Garantia foi fundado, em 1971, de 200 a 300 pessoas quetrabalharam nos diversos negócios do trio tenham embolsado mais de 10milhões de dólares cada uma. Segundo dados da revista Forbes, emmarço de2013JorgePauloeraconsideradoo33ohomemmaisricodomundo,comumafortunadequase18bilhõesdedólares(MarcelTelleseBetoSicupiraocupavama119aea150aposição,com9,1e7,9bilhõesdedólares,respectivamente).Ostrêsestão entre as 10pessoasmais ricasdoBrasil. Paraquemconhece JorgePauloLemanndeperto,nãohádúvidadequeoempresáriosósetornouumbilionáriode primeira grandeza porque enriqueceu dezenas de pessoas pelo caminho. AcompradaAnheuser-Busch,comoseveriadepois,transformariamaisumgrupode executivos da cervejaria controlada por Jorge Paulo, Marcel e Beto emmilionários.Eseriaapenasaprimeiradeumasériedeinvestidasdosbrasileirossobregrandescompanhiasamericanas.

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UmsurfistaemHarvard

ascidonoRiodeJaneiroem26deagostode1939,JorgePauloLemanntevedesdecriançaumavidafinanceiramenteconfortável.NoiníciodoséculoXX,seupai,Paulo,abandonouacidadesuíçadeLangnaupara

se estabelecer noBrasil.Namesma época, os tios de Jorge, irmãos de seu pai,também imigraram – um fixou residência na Argentina e outro nos EstadosUnidos. Os três deixaram para trás um negócio de fabricação de queijos elaticíniosquedurantedécadasfoioganha-pãodafamília(equeexisteatéhoje).PauloveioparaoBrasilcontratadopelafabricantedesapatossuíçaBally,donado CortumeCarioca, que operava na ZonaNorte do Rio de Janeiro. Durantealguns anos, o suíço viveu em meio aos couros e calçados, até que decidiuretomar a tradição da família e abriu uma fábrica de laticínios em Resende.Batizou a empresa de Leco (abreviatura de Lemann & Company). Anosmaistarde a companhia seria comprada porHélioMoreira Salles, irmão deWalterMoreiraSalles,fundadordoUnibanco.Depois de alguns anos no Brasil, Paulo conheceu sua esposa, Anna Yvette,brasileirafilhadeumcasaldesuíços(seupaitrabalhavanumatradingdecacauqueexpatrioudiversosexecutivosparaaregiãodeIlhéuseItabuna).“OssuíçosvinhamparaoBrasiltrabalhar,encantavam-secomolugareacabavamficandoporaqui”,dizAlexHaegler,primodeJorgePaulo(amãedeHaeglererairmãdeAnna Yvette). A família se estabeleceu em uma casa confortável, mas semextravagâncias,nobairrodoLeblon.AorigemdospaisdeJorge,amboscriadosde acordo com a ética protestante, baseada na frugalidade, na disciplina e notrabalho,seriaumdospilaresdaformaçãointelectualdoempresário.Ospaissemprefizeramquestãoqueogarototivesseumaboaeducação.JorgePaulo entrou na Escola Americana do Rio de Janeiro, uma das melhores dacidade,napré-escolaesósaiudaliaos17anos,depoisdeformadonoquehojeseria o ensinomédio.Aprender inglês na infância lhe garantiu uma tremendafluência no idioma, algo raro na época e que se mostraria extremamente útil

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quando ele ingressou no mercado financeiro. Aos 7 anos começou a praticartênis,esportequeoacompanhariaportodaavida,noCountryClubdoRio,umclube encravado em Ipanema e reduto da alta sociedade. Ultracompetitivodentrodasquadras,ganhoudiversoscampeonatosinfantisesetornoucampeãobrasileiro juvenil aos17 anos.Para isso, adotavauma rotinade atleta:nadadebaladas, nada de álcool, nada de comidas pesadas. (Durante vários anos eleaboliu completamente carne vermelha do cardápio, até hoje não toma bebidasalcoólicas e costuma carregar nos bolsos passas ou frutas desidratadas parabeliscarentreas refeições.)Seuúnicoponto fracoeramasgarotas. “Masele sónamoravaquemnãoimplicassecomseushábitosdedormireacordarcedo”,dizHaegler.Seudiacomeçavaantesdoamanhecer.Jorgelevantavapertodascincohorasdamanhã,corriaalgunsquilômetrospelaorladoLeblonedepoispulavaomuro do Country para bater uma bolinha antes que o clube abrisse as portasparaossócios.Nasquadrasaprendeuumadasliçõesquesegueatéhoje.Umdeseus professores de tênis lhe disse que ninguém ganha uma partida “jogandopara a torcida”. Em outras palavras, em vez de exibir suas habilidades para aplateia,JorgePaulosedariamelhorseapenasseconcentrassenojogo.Paraumgarotojánormalmentediscretoedisciplinado,arecomendaçãonãopoderiatersidomaisapropriada.Quandonãoeravistojogandotênis,JorgePaulopodiaserencontradopegandoondanaspraiasdaZonaSul–era,segundosuapoucomodestaavaliação,“umdosmelhoressurfistasdoRiodeJaneiro”.Emcimadeumapranchatomouumdosmaiores sustosde sua vida.Umdia, depoisdeuma tempestade torrencial,decidiuencararomaragitadonapraiadeCopacabanaaoladodeumgrupodeamigos.Confianteemsuahabilidade,nãoseintimidoufrenteaondasgigantes,três vezesmaioresdoque as que ele estavahabituado. JorgePaulo falou sobreesse episódio em 2011, durante um evento da Fundação Estudar (organizaçãocriadaporeleháquase20anosparafinanciarestudosdebrasileirosnopaísenoexterior):“Eramondascolossais...Nadarporbaixodelaseraquase impossível...Eusentiameusanguecorrendoparaospés...Pegueiaondaeconsegui sairdelaantesque‘encaixotasse’...Meusamigos falarampara irmosdenovo,masparamimestavabom,minhaadrenalinaestavanomáximo...Gosteidaquilo,masnãoqueriasentir

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denovo...Navidavocêtemquetomarriscoeaúnicamaneiraépraticando...Eupraticavanasondas,notênise,maistarde,nosnegócios...Aolongodaminhavidavárias vezes eu me lembrei mais da onda de Copacabana que daquilo que euaprendinafaculdade.”Aos 14 anos, Jorge Paulo teve de lidar com a perda inesperada do pai, quemorreu atropelado por um bonde em Botafogo. De uma hora para outra, ocaçuladafamíliasetornouohomemdacasa–suairmãLya,10anosmaisvelhaqueele(ejáfalecida),migrouparaosEstadosUnidosdepoisdesecasarcomumexecutivo da indústria farmacêutica. Nessa época, o adolescente se aproximouaindamaisdoprimoAlexHaegler.SeisanosmaisvelhoqueJorgePaulo,Haeglerfoi estudar em Harvard, onde se tornou capitão da equipe de tênis dauniversidade.JorgePaulo,eleitopeloscolegasdeformaturadaEscolaAmericanacomo o aluno “most likely to succeed” (em português, algo como “o que temmais chances de alcançar o sucesso”), resolveu seguir o mesmo caminho doprimo e se inscreveu no curso de economia de Harvard – uma decisão quemudariaparasempreomodocomoeleenxergariaomundo.

oucas coisas são capazes de durar vários séculos. Ainda mais raras sãoaquelas que atravessam centenas de anos e continuam a prosperar. A

Universidade Harvard é uma delas. Localizada em Cambridge, cidade compouco mais de 100 mil habitantes no estado americano de Massachusetts,Harvardsomamaisde350anosdehistória.OitopresidentesdosEstadosUnidos–JohnAdams,JohnQuincyAdams,RutherfordB.Hayes,TheodoreRoosevelt,Franklin D. Roosevelt, John F. Kennedy, GeorgeW. Bush e Barack Obama –estudaramlá,assimcomomaisde40vencedoresdoPrêmioNobel.Aoladodeoutras sete instituições de ensino, como Yale e Princeton, Harvard compõe achamada Ivy League, uma espécie de pelotão de elite do sistema universitárioamericano.Peloseucampusdequasecincoquilômetrosquadradoscirculamatualmente21mil alunos de várias partes do mundo, que nos poucos momentos de folga

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podemserencontradosnosquase100bares,caféserestaurantesquefuncionamnos arredores da universidade. Vizinho a Harvard está o também prestigiadoMIT (Massachusetts Institute of Technology) e basta atravessar o rio Charlespara chegar a Boston, cidade que foi o berço da independência dos EstadosUnidos.Parateracessoaesseolimpodaeducaçãoéprecisovencerduasetapas.A primeira delas é ser aceito pela universidade – aproximadamente 93% dosinteressadosnãoconseguempassarporesse filtro.Aoutra, terumabela contabancária (ou conseguir uma bolsa), já que o custo anual de um estudante degraduação girava, em 2012, em torno de 80 mil dólares, incluindo aulas,alimentaçãoemoradia.JorgePauloLemannnãodeumuitabolaparatodaessaexclusividadeetradiçãoquando desembarcou emCambridge, em setembro de 1957, em busca de umdiploma.Naquelaépocaapresençadebrasileirosnauniversidadeeracoisarara–emmédia,umcandidatoporano(hojeháquaseumacentenadeinteressadosacada12meses).SuaestreiaemHarvardfoiumhorror.EmsuaprimeiraviagemaosEstadosUnidos,o“garotodepraia”morriadefrioesentiafaltadasondas.Suas notas invariavelmente ficavam abaixo da média. Para piorar, ele decidiubancaroadolescenterebelde.Nofinaldoprimeiroano,prestesasairdeférias,fezumabrincadeiraquequaselhecustouavaganauniversidade:emplenapraçacentraldeHarvard soltouumpunhadode fogosde artifício.Amolecagem fezsucesso entre os alunos, mas Jorge Paulo foi pego em flagrante pelaadministração do campus. Quando chegou ao Rio de Janeiro, dias depois doincidente, havia uma carta de Harvard recomendando que se ausentasse dainstituição por um ano – período em que, esperava-se, ele iria amadurecer. Acorrespondência quase fez efeito. Jorge Paulo, que via em Harvard umaaporrinhação sem fim, ficou inicialmente tentado a aproveitar a chance eabandonaraescola.Logo,porém,mudoude ideia.VoltariaparaCambridge (acarta apenas “recomendava” sua ausência, não o obrigava a se afastar) eterminariaocursoemmaisdoisanos,emvezdostrêstradicionais.Seaquiloeraumachatice,queaomenosacabasselogo.JorgePauloprecisoucriarumsistemaengenhosoparaalcançarsuameta.Antesde escolher as disciplinas que iria cursar, ele conversava com ex-alunos eprofessores.Perguntavacomoeramasaulas,quetipodetrabalhoserampedidos,qualadedicaçãoquecadamatériaexigia.Numadessasconversas,descobriuque

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todas as provas antigas ficavam arquivadas na biblioteca.Não demoroumuitoparaqueelenotasseque,deumanoparaoutro,osprofessoresalteravampoucacoisanasavaliações.Aí ficou fácil tirarboasnotas–era só seprepararparaosexamesestudandoasprovasdosanosanteriores.Empoucotempo,JorgePaulopassoudealunoproblemaaqueridinhodoreitor.Aos20anos,dentrodoprazoqueelemesmohaviaestabelecido,completouocurso.Recentemente, Jorge Paulo Lemann comentou durante um evento comoHarvardmudousuamaneiradeencararomundo:“Eu eraum surfista, um tenista quenunca tinha saídodoRio de Janeiro e derepentefuiparaaquelenegóciolá,cheiodeideiasgrandes.Tivequefazerumcursodefilosofianoprimeiroano.Comeceia lerPlatão,Sócrates,coisasqueeununcatinha pensado em passar os olhos. Então a minha visão do mundo setransformou... E osmeus sonhos, que eram ganhar um campeonato de tênis oupegarondasmaiores,passaramasermuitomaiores.Aspessoasquemeconhecem,que conhecem os meus negócios, sabem que eu sempre digo que ‘ter um sonhograndedáomesmo trabalhoque terumsonhopequeno’...AoutracoisaqueeuaprendiemHarvard,que fazpartedasminhascaracterísticas, foia importânciadaescolhadegente.Láeuestavanomeiodasmelhorespessoasdomundo.Tinhaexcelênciaportudoquantoélado...Eissoteveumagrandeinfluênciaemcomoeupassei a escolher gente, que foi uma das principais características da minhacarreira...Harvard também me deu um foco e um método de obter resultado. Paraterminar no prazo que eu quis, fui obrigado a desenvolver um sistema de focarmuito...Eusempretentoreduzirtudoaoqueéessenciale issonosajudoumuitotambémna formaçãodosnossosnegócios.Amaioriadasnossascompanhias–edaspessoas–temcincometas...Osimplesésempremelhordoqueocomplicado.”

omo qualquer recém-formado, Jorge Paulo Lemann saiu à procura detrabalho. Ele queria uma oportunidade nomercado financeiro brasileiro,

ondeachavaquepoderiaganharmuitodinheiro.ConseguiuumavaganaDeltec,empresa criada no Rio de Janeiro, em 1946, para vender ações no mercado

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latino-americano.OdonodaempresaeraoamericanoClarenceDauphinotJr.,também sócio do Country Club do Rio, que decidiu contratar o jovem cominglêsfluentecomotrainee.OprimeirochefedeJorgePauloLemannfoiRobertoTeixeira daCosta, um profissional já conhecido na área e que, em 1976, seriaescolhidooprimeiropresidentedaComissãodeValoresMobiliários,aCVM.Chamar o que existia por aqui naquela época de “mercado de capitais” seriaquaseum exagero.Os clientes eram raros e as empresas dispostas a abrir seusnúmerospodiamsercontadasnosdedos.Até1966nãohaviasequerbancosdeinvestimentos emoperaçãonoBrasil.ABolsa deValores deBuenosAires eramais relevante que a doRio (a de SãoPaulo tinha aindamenos importância).Era,enfim,ummercadoaserformado.ParavenderpapéisdeempresascomoaListas Telefônicas ou a subsidiária brasileira da montadora americana WillysOverland, a Deltec tinha uma equipe que chegou a somar 300 vendedores.Batendodeportaemporta,essesagentesseembrenhavampelopaísembuscadenovos clientes. “No final dos anos 50 e início da década seguinte, não existiapessoal interno especializado para se relacionar com investidores e transmitirinformações... Relatórios anuais eram extremamente concisos em termos deinformar algo realmente relevante para os acionistas e limitavam-se àsinformações mínimas legais de balanço e demonstrativos financeiros, nãoauditados e pouco esclarecedores dos critérios utilizados”, afirma Teixeira daCostaemseulivroMercadodecapitais–umatrajetóriade50anos.Quando viu de perto o estágio ainda embrionário do mercado de capitaisbrasileiro,JorgePaulodesanimou.Seriadifícilprosperarnaquelascondições.Eledecidiu então ganhar experiência fora do país. SeHarvard lhe abrira os olhosparaomundo, talvezumempregonoexterior tambémajudasse.Seuplanoeraviajar,aprendercomosmelhoresedepoisretornaraoBrasil.Graçasaopai,JorgePaulo tinha dupla cidadania e decidiu tentar a sorte na Suíça. Conseguiu umestágio no Banco Credit Suisse, em Genebra. O que era para ser umaoportunidadeúnicasetransformounumpequenopesadelo.Pelaprimeiravezojovem trabalhava emuma instituiçãode grandeporte, comhierarquia rígida eprocessosrigorosos–eelenãogostounadadaquilo.Achoutudolentodemais,engessadodemais,previsíveldemais.Deixouobancoemapenassetemeses.Em compensação, sua dedicação ao tênis eramaior do que nunca.DisputoualgunstorneiosnaSuíçaatéquefoiconvidadoadefenderaequipelocalnaCopa

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Davis. Sua estreia, emmaiode 1962,não foinada animadora.Perdeupor trêssets a zero. “Nunca gostei de grama”, justificou auma revista especializadanoesporte.Duranteumanoemeioviveupraticamentecomotenistaprofissionalechegou a disputar dois dos quatro torneios do chamado Grand Slam –Wimbledon,naInglaterra,eRolandGarros,naFrança.Sóhaviaumproblema:JorgePauloerabom,masnãoosuficiente.“Pelo tantoque jogava,percebiquedificilmenteestariaentreos10melhoresdomundo.Resolviparar,jáqueeunãoseria um astro”, afirmou. Ganhar a vida numa atividade em que ele não sedestacassecomoumdosmelhoresdomundonuncaestevenosseusplanos.Em1963,devoltaaoRiode Janeiro, JorgePauloLemann foicontratadopelaInvesco, uma pequena empresa que atuava sobretudo no setor de crédito,concorrendocomosbancoscomerciais.Eleestruturoualiumaáreademercadode capitais que, em pouco tempo, começou a incomodar as tradicionaisoperadoras da bolsa de valores. Àquela época, os títulos de corretoras nãopodiamsercomprados–eramvitalíciosefuncionavamseguindoummecanismoparecido com o de concessão de cartórios. Nem Jorge Paulo nem a Invescohaviamherdadocoisaalguma,maselenãoestavadispostoaficarforadojogodecompraevendadeaçõesporcausadisso.Asaídaencontradapelojovemfoicriaruma espécie de “bolsa paralela”, em que os papéis eram comercializados portelefoneforadopregãooficial.Paraele,anovidadesetransformounumótimonegócio–abolsaparaleladaInvescochegouamovimentaroequivalentea5%dovolumedaBolsadeValoresdoRiode Janeiro.Eleestavaadorando,masasgrandes corretoras, como é de se imaginar, não viam tanta graça nesseatrevimento. “Os corretores tinham ódio demim porque achavam que eu erauma ameaça”, disse Jorge Paulo certa vez sobre o assunto. O clima ficou tãotensoque,duranteumavisitaàBVRJ,JorgePaulofoiexpulsodoprédiopordoissegurançasapedidodeumgrupodecorretores–umasituaçãoembaraçosa,masnãoobastanteparafazercomquedesistissedemanterseuprópriomercado.Graçasàboaformaçãoeàfamaqueganhavanomercado,JorgePaulocomeçouaescreverumacolunasobreinvestimentosaosdomingosnoJornaldoBrasil.Acarreira de jornalista foi breve. Poucosmeses após sua estreia nas páginas dodiário,AlbertoDines,diretordoJB,foiinformadodequeocolunistatrabalhavanumacorretora–eviunasituaçãoumóbvioconflitodeinteresses.ParaDinesnãohaviaescolhaexcetolimaroarticulista.

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AoladodeJorgePaulonaáreademercadodecapitaisdaInvescoatuavaJoséCarlos Ramos da Silva, um jovem bom de papo, formado em economia pelaUniversidade do Brasil (atual UFRJ) e que ficou conhecido no mercadofinanceiropeloapelidodeJaguatirica.RamosdaSilvavinhadeummundomuitodiferente do de Jorge Paulo. Seu pai, um imigrante português, passou amaiorpartedavidatrabalhandoemlojasdetecidos.Amãe,formadaemcontabilidade,jamais exerceu a profissão – obediente ao marido, dedicou-se totalmente àfamília.OprincipaldestinodefériasdosRamosdaSilvaeraCambuquira,umapacata estância hidromineral em Minas Gerais. Na vontade de fazer fortuna,porém, Jorge Paulo e José Carlos eram muito parecidos – e essa semelhançafalavamaisaltoqueasdiferençasdeclassesocial.Na superfície, as coisas corriam às mil maravilhas. A empresa crescia,emprestavacadavezmaisdinheiro,abolsaparalelacriadaporeleavançava.Oproblema,comoJorgePaulodescobriutardedemais,équehaviamaisdinheirosaindo do que entrando. Em 1966, sem controles rígidos para concessão decréditoecomumaadministraçãomambembe,aInvescoquebrou.Aos27anos,Jorge Paulo afundou junto. Sua parte na empresa – cerca de 2%do capital dacompanhia–viroupó(nofinalaInvescofoiabsorvidapeloBancoIpiranga,dafamíliaLutterbach,quearrematououtrasquatrofinanceirasparacriarumbancodeinvestimentos).A morte súbita da Invesco ensinou a Jorge Paulo duas grandes lições. Aprimeiradelaséqueétãoimportantecuidardasreceitasquantodasdespesas–umamáximaquenasdécadasseguinteseleeseusfuturossóciostransformariamem obsessão. A segunda é que é preciso ter gente boa e bem remunerada emtodas as áreas de um negócio, inclusive em departamentos que não sejam tãocharmosos ou lucrativos. “Goleiro também tem que ganhar bem”, diz oempresário.Em vez de lamentar a derrota, Jorge Paulo Lemann tratou de pensar nopróximoempreendimento.

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“Sociedade” sempre foi uma palavra recorrente no vocabulário de JorgePauloLemann.Aolongodesuatrajetórianãohouveumaúnicavezem

queeleselançasseaumnovoprojetosozinho.ApósseufracassonaInvesconãofoidiferente.O jovemqueria continuarnomercado financeiro,masnão tinhacapital nem intençãode se bancarpor contaprópria.Para Jorge sóhaviaumasolução:encontrargenteboadispostaatrabalharemumnovonegócioesócioscapitalistasqueajudassemafinanciá-lo.Aprimeirapartedoplanoerafácil.RamosdaSilva,oJaguatirica,eraosujeitocomespíritoempreendedorqueJorgePauloqueriaaseulado.Jáodinheiroparabancaraempreitadaveiodeoutrafonte,dafamílianordestinaRibeiroCoutinho,quehaviafeitofortunainicialmentecomengenhosdeaçúcaremPernambucoena Paraíba. Os negócios do clã se multiplicaram ao longo dos anos. NaquelaépocaumadesuasmaioresapostaseraoBancoAliança,sediadonumimponenteprédioprojetadopeloarquitetoLucioCosta,nocentrodoRiodeJaneiro,aoladodaigrejadaCandelária.JoãoÚrsulo,chefedafamília,queriaampliarosnegóciosda corretora Libra, controlada pelo Aliança e então concentrada na venda deletrasdecâmbio.JorgePauloLemannprecisavadedinheiroeÚrsulodealguémqueentendessedaquelenovonegócio.Acombinaçãopareciaperfeita.Em1967,JorgePauloeRamosdaSilvacomeçaramatrabalharnaLibra.Paraatrair a dupla, João Úrsulo ofereceu uma participação de 26% na corretora,divididos entre os dois em partes iguais. O objetivo era começar a atuarprincipalmente nas áreas de bolsa e no novíssimo open market, mercado decompraevendadetítulospúblicoseprivados(aatividadeeratãorecentequeoBancoCentralsóviriaacriarumamesaparanegociaçãodessestítulosem1968).Adupla logofezacorretoradeslanchar–empoucotempoocupavatodoo11o

andardoedifíciodobanco.UmdosprofissionaiscontratadosporJorgePauloeRamosdaSilvanaépocafoiumjovemtalentosoquehaviaajudadooEscritórioLevy a se transformar em um dos maiores negociadores de títulos do BancoCentral.O rapaz vinhadeuma família de classemédia baixade SantaRitadoPassa Quatro, no interior paulista. Começara a trabalhar como office boy doBradescoaos14 anos,depoisdebrigar comopai e fugirde casa.Nos estudos

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tinha se mostrado uma negação – nem sequer havia completado o antigoprimeirograu,parandonasextasérieginasial.Notrabalho,porém,eracriativoeobstinado. Seu nome: Luiz Cezar Fernandes. “O Jorge estava perdidinho lá,fazendo um pouco de bolsa, um pouco de mercado... Estava atolado”, dizFernandes.“Elemechamoueeufui.”Paradoxalmente, quantomais a corretora crescia, mais Jorge Paulo se sentiainsatisfeito. Sua participação acionária, a despeito dos excelentes resultados daLibra, permanecia amesma. Para piorar, segundo as regras estabelecidas peloscontroladores da corretora, ele não podia oferecer participação no negócio amaisninguém–eJorgePauloacreditavaqueessa“cenoura”eraamelhorformadeconquistarjovenstalentosos.Ele então chegou a um impasse.Desde os anosde estudo emHarvard, JorgePaulo Lemann pensava em tocar uma empresa com uma cultura baseada emmeritocracia e no sistema de partnership. A ideia de dividir para crescerencantavagentecomoJoséCarlosRamosdaSilvaeLuizCezarFernandes,masosRibeiroCoutinhonãoqueriamsaberdeentrarnessejogo.Depoisdetrêsanossemperspectivadeaumentarsuafatianacorretora,JorgePaulodecidiuqueerahoradotudoounada.Avisouaoschefesquenãoestavacontentecomasituaçãoe que queria comprar a participação deles – crente que os Ribeiro Coutinho,donos de diversos outros negócios, concordariam com a proposta. Para suasurpresa,afamíliafezumaincômodacontraoferta:obrigouJorgePauloLemanneRamosdaSilvaavendersuaparticipaçãoedeixaracorretora.Aos31anos,Lemannestavanovamentesememprego.Masdessaveztinha200mildólaresnobolso,umaboladaparaaépoca.Donodopróprionariz,poderiacolocar em prática omodelo de gestão com que sonhava – no qual a riquezageradadeveriaserdivididacomosmelhoresfuncionários.Nãoqueofinancistafosseexatamenteumsujeito“bonzinho”.NomelhorestiloJorgePauloLemann,essafilosofiademultiplicarparadepoisdividirépuropragmatismo.Elerepetiriacom frequênciano futuro, sempre emvozalta e “esticando”asvogais, comoéseuhábito:“Gentebooooa,trabalhandojuuuunto,fazafirmagraaaaande.”

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M

Embuscados“PSDs”–Poor,Smart,DeepDesire

toGetRich

anter uma boa rede de relacionamentos,muito antes que a palavranetworkingentrassenamoda,semprefoiumapreocupaçãodeJorgePauloLemann.Umtantointrospectivoecaladão–écomumescutar

relatos de reuniões em que ele não apenas fica em silêncio, como também,tomadoporumtédioabissal,dábrevescochilos–,eledesdecedopercebeuquese cercar das pessoas certas representava uma tremenda vantagem. Após suasaída forçada da Libra, era chegadomais uma vez omomento de aplicar esseraciocínio.JorgePaulotinhaumaboaideianacabeça(abrirsuaprópriacorretora)eumaequipeafinadaparacomeçaraseulado(JoséCarlosRamosdaSilvaeLuizCezarFernandes).Faltavaalgoimportante:capital.OdinheiroqueeleeRamosdaSilvareceberiam pela venda da participação na Libra seria pago a prazo, mas paracomprarumtítulodecorretoraeraprecisodinheirovivo.Comonaquelaépoca–1971–abolsadevaloresviviaumperíododeeuforia,opreçodostítulosestavaaltíssimo.Sem dinheiro para a corretora, Jorge Paulo e Ramos da Silva quase secontentaram em ter um negócio menor, uma distribuidora de valores.NegociavamacompradeumapequenaempresachamadaVésper,quepertenciaà construtora cariocaMetropolitana, quando de repente foram interrompidos.“UmdiachegouumclientedoJorge,praticamenteumamigo,queperguntouoqueagenteestavafazendo”, lembraLuizCezarFernandes.“Eledissequesabiaque estávamos comprando uma porcaria de uma distribuidora e que era umabsurdotermossaídodeumacorretoraparafazeraquilo.Falouummonte.”OclienteemquestãoeraocearenseAdolfoGentil,ex-deputadofederaledonodo BancoOperador, sediado no Rio de Janeiro. Rico, entusiasta de tênis e 20

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anosmais velho que JorgePaulo, ofereceu-se para financiar a compra de umacorretora.Paraajudá-lo,chamouoamigoGuilhermeArinosBarrosoFranco,umamazonensedescendentedeíndiostapajóseitacoatiarasquecomeçouacarreiracomocontínuodoBancodoBrasil.Formadoemdireito,aos26anosArinos jáhaviasetornadoassessorpessoaldoex-presidenteGetúlioVargas.Fanáticoporfutebol–oBotafogoerasuapaixão–,elechegouaterquase40cadeirascativasnoMaracanã.Maistarde,tambémficariaconhecidocomoopaidoex-presidentedo Banco Central Gustavo Franco. Estava fechado o time de financiadores dacompradacorretora.Para encontrar um alvo de aquisição, a solução não poderia ter sido maisprosaica. Gentil colocou um anúncio no jornal: “Compra-se corretora”. Emagostodaqueleano, a aquisiçãoestavaconcluída.Por800mildólares,ogrupobancadoporGentilcomproudeespeculadoresumacorretorachamadaGarantia.“Eraonomemaisridículodomundo,pareciacoisadepilantra”,brincaocariocaRogério Castro Maia, que, em 1981, trocou a gerência da ONG AçãoComunitáriadoBrasilporumavaganaáreacomercialdainstituiçãofinanceiracriadaporJorgePaulo.EscoladoscomoepisódiodaLibra,JorgePauloeRamosdaSilvanegociaramcomGentilatéconseguirem51%departicipação(divididosentre os dois em partes iguais). Gentil ficou com 39% e Arinos, com os 10%restantes. Logo depois de formado esse quarteto inicial, Gentil venderia umapequenafatiadesuaparticipaçãoaLuizCezarFernandeseaHerciasLutterbach,que fazia parte do grupo de antigos donos da corretora e quis permanecer nonegócio.Alémdonomepouco inspirador,acorretoraGarantianão tinhamuitacoisa.Seu patrimônio era quase zero. O escritório, modestíssimo, localizava-se noEdifícioAvenidaCentral,umprédiode34andaresnaavenidaRioBranco,156,junto ao Largo daCarioca, no centro doRio de Janeiro.A corretoraGarantiaocupava três salas semar-condicionadonasobrelojadoedifício–umaparaosoperadores,outraparaaadministraçãoeaterceiraparaacustódiadostítuloseações em seu cofre. “A estrutura se limitava a três telefones, e não tínhamosdinheiro nem para pagar secretária”, diz Fernandes. Para os jovens sócios, aprecariedadedoescritóriopouco importava.ElesestavamdeolhonopotencialdaBolsadeValoresdoRio,queatraíacadavezmais investidores–emgrandemedida estimulados pelo recém-criado Fundo 157, que permitia aos

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contribuintesdoimpostoderendaaplicaremaçõesaté12%doquedeveriaserpagoemtributos.Entrejaneiroemarçode1971,oíndicedaBolsacresceuquase48% e o volume de dinheiro movimentado mais que dobrou. Parecia bomdemaisparaserverdade–eera.Aaltaformidáveleraresultadomuitomaisdeespeculaçãoquedecrescimentoreal.Comotodabolha,essa tambémestourou.DoismesesdepoisdacompradotítulodaGarantia,abolsacomeçouacairenãoparoumais. Em 18meses, o índice despencou 61%. Jorge Paulo e seus sóciosviamoprincipalnegóciodacorretoraminguaracadadia.Dequebra,passaramaserconhecidoscomoosinvestidoresquepagarammaiscaronumacartapatente–umtítuloqueeles,semnenhumorgulho,carregaramporquaseduasdécadas.Nãoeraexatamenteumcomeçopromissor.

omacrisedabolsaeaurgênciaembuscarumnovocaminho–asoluçãofoi concentrar as atividades no open market –, Jorge Paulo Lemann

precisava, mais do que nunca, de uma equipe afiada. Agora que era um dosprincipais acionistas da empresa, podia colocar em prática os princípios demeritocracia emque sempreacreditou.Para ele,oque importava era talento esuor. Relações de amizade ou de parentesco tinham pouco valor e às vezespodiamatéjogarcontra.Filhoseesposasdesócios,porexemplo,eramproibidosde trabalhar na corretora. Relações amorosas no ambiente de trabalho eramproibidas.(Essatalveztenhasidoaregramenosrespeitada,jáquehouvevárioscasamentos entre pessoas que trabalhavam ali – atémesmo sócios como LuizCezarFernandeseEricHimesecasaramcomfuncionáriasdainstituição.Nessescasos,umdosmembrosdocasaleraobrigadoadeixaroGarantia.)Havia um tipo específico de profissional que Jorge Paulo estava semprefarejandoequeelebatizoucomasiglaPSD:Poor,Smart,DeepDesiretoGetRich(pobre,esperto,comgrandedesejodeenriquecer).Noinício,terumaeducaçãoem escolas de primeira linha ou experiência internacional não fazia parte dasprincipaiscaracterísticasqueofinancistabuscava.Arazãoerasimples.Naquelaépocaopaíscresciasobretudograçasàintervençãodogoverno,comacriaçãodeestatais,incentivoàsexportaçõeseprojetosfinanciadospordívidaexterna.Nesse

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ambiente rudimentar, tanto a corretora Garantia quanto outras instituiçõesfinanceiras prosperaram negociando, principalmente, títulos da dívida dogoverno.Assim, valiamais apena ter gente com jogode cintura, bom farodevendedor e até uma certa malandragem do que jovens brilhantes mas semtraquejo.“Todomundoali tinhaumpoucoda ‘escoladavida’,de frequentarapraia. Eram outros tempos. Os garotos agora são criados em frente aocomputador”, diz Clóvis EduardoMacedo, que chegou ao Garantia em 1976,tornou-se sócio e só saiu duas décadas depois. Ele foi um dos PSDs que oGarantia tornoumilionários – e rezapelamesma cartilhado antigobanco emsuaadministradoraderecursos,aNobel,localizadanobairrodoLeblon,naZonaSuldoRiodeJaneiro.Pensenummundoseminternet.Aliás,pensenummundosemqualquer tipodecomputadoreatémesmosemcalculadorafinanceira.Numaépocaemqueotelexeraumgrandeavançotecnológico(osaparelhosdefaxsócomeçaramaserproduzidos em larga escala no exterior a partir da década de 1970), todas astransações financeiras eram “físicas” – ou seja, a venda de uma ação, porexemplo, exigia que o vendedor de fato entregasse o papel ao comprador. Ostítulos e ações eram sempre “aoportador”.Emoutraspalavras,ninguém sabiaquemrealmenteestavacomprandoouvendendonada,oqueabriabrechasparavários tipos de manipulação. Se um título fosse roubado ou perdido, porexemplo, erapreciso entrarna justiçapara cancelar aquelepapel e conseguir aemissãodeumnovoqueo substituísse.ACVMeoBancoCentral, criadoem1964,aindaeramnovatosemváriasatividades.Essecenárioderegulamentaçãoum tanto frouxa deixavamargem para uma imensa zona cinzenta. O segredoparasedarbemnomercadofinanceirobrasileirodosanos70eraoperarsempreno limite – e os PSDs recrutados por Jorge Paulo Lemann faziam isso comopoucos.Nesse ambiente de comunicação aindaprecária era essencial que pelomenosdentrodacorretoranãohouvessebarreiras.Manterprofissionaisenclausuradosem seus próprios cubículos, isolados uns dos outros, era algo que não faziasentido para Jorge Paulo. Por isso, logo de cara ele adotou ummodelo aindanovonoBrasil.Emvezdatradicionalsucessãodesalasfechadas,oescritóriodacorretoraGarantiaeraumgrandesalãoaberto,semdivisóriasentrefuncionáriosesócios.Seporumladoafaltadeparedesacabavacomaprivacidade,poroutro

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agilizavaotrabalhodogrupoeminimizavaasdiferençashierárquicas.OpróprioJorge Paulo ficava a maior parte do tempo em uma mesa no grande salão.Qualquerumpodia se aproximarpara falar comochefe semgrandes rapapés.Emgeral,eleeosoutrossóciosprincipais–RamosdaSilva,ArinoseGentil–sóse fechavamemsuassalasparticularesquandotinhamassuntosconfidenciaisatratar. Para completar o clima de informalidade, enquanto na maioria dasinstituições financeirasouniformeoficialdos funcionários consistia em ternossisudosesapatossociais,nacorretoraGarantiaopessoalvestiacalçasesportivas(com o tempo o cáqui se tornou praticamente a cor oficial) e camisas commangasarregaçadas–umfigurinoquelembravamaisoambientedeumcampusuniversitárioqueodeumacorretoradevalores.

adainfluencioutantoaculturaconstruídanoGarantiaquantooexemplodo americano Goldman Sachs. Fundado em Nova York, em 1869, pelo

judeualemãoMarcusGoldman(seugenro,SamuelSachs,entrarianafirmatrêsanosdepois),obancodeinvestimentossetornouomaisinfluenteepoderosodomundo. Charles D. Ellis, autor do livro The Partnership – The Making ofGoldmanSachs,revelaalgumasdasprincipaiscaracterísticasdainstituição:“O Goldman Sachs era uma total meritocracia. O senhor Weinberg [SidneyWeinberg, que durante décadas foi o principal sócio do banco e o maiorresponsávelporsalvá-lodoquasecolapsonosanos30]nãotoleravaapolíticaeasdisputasinternasquetantoprejudicaramoutrasfirmas...Eleusavaseupoderparamanter baixos os salários, forçando os talentos sempre a investir na compra deuma participação no banco. Era bom para a empresa porque mantinha todomundofocadosemprenoqueeramelhorparaainstituiçãocomoumtodo.Eerabomparaossóciosporqueosmantinhanumacondiçãofinanceiramodesta.Umsócionãopodiasedaraoluxodeterhábitoscarosporquenãotinhadinheiroparagastar...A verdadeira cultura do Goldman Sachs era uma combinação única de umatremendavontadedeganhardinheirocomascaracterísticasdeuma‘família’,no

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sentido que chineses, árabes e europeus entendem muito bem... Fidelidadeabsoluta à firma e à sociedade era esperada. Apesar dos fortes sentimentos –incluindorivalidadespessoaiserompantesderaiva–seremconhecidosdentrodasociedade, uma impenetrável parede de silêncio mantinha as tensões internasinvisíveis para quem estava de fora.Nenhuma outra firma chegou perto disso...Discriçãopessoalerapraticamenteumvalorcentraldobanco.Algumascoisasqueconcorrentes podiam celebrar ou ressaltar eram deliberadamente diminuídas.Oprédio do Morgan Stanley, por exemplo, tinha um enorme letreiro em neon,mostrandocotaçõesdeaçõesquepodiamservistasaváriasquadrasdedistância.EmNovaYork, Londres ou Tóquio não há nenhuma indicação da presença doGoldman Sachs – exceto os jovens homens emulheres bem-vestidos que entramcedonoedifícioousaemtardedanoite.”Um século separa a fundação doGoldman Sachs do início das atividades doGarantia, mas as semelhanças entre as duas instituições são notáveis. Osprimeiros contatos de Jorge Paulo Lemann com o banco americano se deramgraçasaumempurrãodeseutio,LouisTruebner,grandenegociadordecacau.TruebnermoravanosEstadosUnidosetinhaconhecidosnoGSqueabriramasportas da instituição para seu sobrinho. Assim como oGoldman Sachs, JorgePaulo e seus sócios professavam a meritocracia como um valor central.Detestavam aparições públicas. Entrevistas a jornalistas, por exemplo, erampoucas e ao longo dos anos foram escasseando até que praticamentedesapareceram. Incentivavam a frugalidade e colocavam o sucesso do bancoacimadosdesejosouvontadespessoais.Estimulavamacompetiçãointerna.Erauma lógica secular no banco estrangeiro, mas nova no Brasil. Para que essemodelofuncionasse,eraprecisoinstilarnatropaumfervorquasemessiânico.Sóque,noGarantia,o“Messias”quemoviaopessoaltinhaoutronome:bônus.Osmelhores empregos no Brasil dos anos 70 estavam emmultinacionais. Osonhodamaioriadosjovensrecém-formadosedosexecutivoseratrabalharemcompanhias como Shell, IBM ou Volkswagen. Nessas empresas não apenas osalário era alto, como o pacote de benefícios era completíssimo – carros commotorista,escolaparaosfilhoseatétítulosdeclubeentravamnojogo.Grandesgrupos empresariais brasileiros de porte ainda eram raros e constituíam-se decompanhias familiares, em que “forasteiros” raramente chegavam ao topo.

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Nessas empresas havia uma clara distinção entre os “donos” e os “outros”.Remuneração variável, tanto em companhias brasileiras quanto nasmultinacionais,eraalgosecundário.OmodelocopiadodoGoldmanSachsporJorgePaulosubvertiaessaordem.OGarantia pagava salários abaixo damédia domercado,mas os bônus podiamchegaraquatrooucincosaláriosextras,umaexorbitânciaparaaépoca–desdequeosfuncionáriosbatessemsuasmetas.Eraumaregraclaraesimples,quevaliaatémesmo para os office boys: trabalhe bem e você será recompensado. ParaJorge Paulo era fundamental que todos, desde a base, se sentissem “donos”daquelenegócio.Sóassimdariamomelhordesie fariama instituiçãocrescer.Paraincentivaraindamaisopessoal,osbônuserampagosduasvezesaoano.NapirâmidedoGarantia,aocontráriodamaioriadasempresas,nãohaviaumamultiplicaçãodeníveishierárquicos.Opessoaleradivididobasicamenteemtrêsfaixas.Opelotãodeentrada–integralmenteelegívelabônus–erachamadodePL(participaçãonoslucros)ou,comosefalavapeloscorredores,de“pelados”.Afaixa imediatamente acima era composta pelos “comissionados”. Em vez dereceber um múltiplo do seu salário, como um “pelado”, cada comissionadoembolsavaumapequenaporcentagemsobreolucrototaldafirma.Emgeralissosignificavaumadistribuiçãoentre0,1%e0,3%doresultadofinalparacadaum.Todos os “pelados” ascendiam para o grupo superior? Não. Havia um tempomínimoparaqueum“pelado”setransformasseem“comissionado”?Não.Tudodependiadodesempenho.Essamigração–debonificávelparacomissionado–eraoprimeirograndesaltoproposto pela talmeritocracia pregada por Jorge Paulo.Nem quem conseguiadaressepulopodiaficartranquilo.Comotodoseramavaliadossemestralmentepeloschefes,paresesubordinados,qualquerumpodiatersuacomissãoreduzidaseodesempenhonaqueleperíodoficasseabaixodoesperado.E,paraquealguémaumentasse sua comissão (ouumnovo comissionado fosse escolhido), alguémtinhaqueperder.“Quandoossóciossaíamdasaladereuniãoefalavamparaopessoaloque tinha sidodecidido,quemhaviaganhadoequemhaviaperdido,não tinha mais conversa. Esporadicamente alguém podia ir chorar lá com oJorge,masissonãoerabem-visto”,explicaDinizFerreiraBaptista,umdosmaislongevos sócios do Garantia. (Diniz entrou em 1977 e saiu em 1995, quandotinhaquase5%departicipação,parafundaroBancoModalcomoutrosdoisex-

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Garantia, Clóvis Macedo e José Antonio Mourão. Tempos depois, outro ex-Garantia,RamiroOliveira,ocupariaolugardeMacedonoModal.)Quem era bom subia. Quem não era invariavelmente se tornava tema dachamada “reunião da fumacinha”, como era conhecido o encontro anual dossócios para determinar aqueles que seriam demitidos – a praxe era dispensaranualmente cerca de 10% do quadro. Por mais de uma década o Garantiatrabalhoucomumaequipedepoucomaisde200pessoas–umaregracriadaporJorgePauloparaevitarqueafirmainchassedemais.Assim,mandaremboraospioreseraaúnicaformadeabrirespaçoparanovosjovenstalentosos.Nosdiasem que acontecia a “reunião da fumacinha”, a tensão se instalava no banco.Quem era chamado pelo chefe logo depois de os sócios deixarem a sala dereunião já sabia seu destino: rua. Zona de conforto era uma expressão quedefinitivamentenãoexistianovocabuláriodoGarantia.Osegundosalto–aindamaisdifícil–erasetornarsócio.Osprivilegiadosquecompunham essa faixa embolsavam, além da comissão, dividendos. Ao longodosquase30anosdehistóriadoGarantia,cercade40funcionáriosalcançaramotopo.Curiosamente,nuncahouveumamulhernopelotãodeelite.Aúnicaregraparachegaraesseolimpoeratrazerresultadosespetacularesparaainstituiçãoeser aceito, por unanimidade, pelos demais sócios, que definiam também dequantoseriaaparticipaçãodonovato.Ospotenciaiscandidatosnuncasabiamseequandosetornariamsóciosnemqualotamanhodasuafatia(paraalgunsex-Garantia,issosignificavaumafaltadetransparêncianoprocesso).“Dolucrodobanco, 25% eram distribuídos como participação nos resultados, 15% comodividendose60%eramcapitalizados”,explicaBaptista.“Eraumdogmaemquenãosepodiamexer.”O sistema de remuneração variável do Garantia era agressivo não apenas secomparadoàsempresasbrasileirasdaépocaeàssubsidiáriasdasmultinacionais,mastambémaoutrasinstituiçõesdomercadofinanceiro.Tome-seoexemplodoMultiplic, comandado pelo mineiro Antonio José Carneiro, conhecido como“Bode” (umapelidoqueganhouaindana infânciaporcausadosobrenome),eporRonaldoCezarCoelho.OMultiplicfoifundadonoRiodeJaneirocomoumacorretoraqueanosmaistardesetransformariaembanco–umarotaidênticaàque seria traçada pelo Garantia. Ao longo da década de 70, cresceuexponencialmente até se transformarnomaior rival dobanco comandadopor

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JorgePauloLemanneseussócios.DeacordocomolivroPassaporteparaoano2000,escritopeloexecutivoLuizKaufmann,diretor-geraldoMultiplicde1985a1990,nofinalde1989ogrupotinhaumpatrimôniolíquidode160milhõesdedólares e administravaquase 2 bilhõesdedólares emativos.Mas, aindaqueocaminhopercorrido tenha sido parecido, os estilos doMultiplic e doGarantiaeramumbocadodiferentes.Numa manhã de fevereiro de 2012, em seu escritório, localizado no últimoandar de um prédio de três pavimentos em uma rua tranquila do Leblon edecoradocomduasbelíssimas telasdopintorgaúchoIberêCamargo,Carneirorelembra o passado. “Nós éramos os donosdomercado”, diz ele, aos 70 anos,semesconderumsorriso.AprincipalrazãoparaasdiferençasentreoGarantiaeo Multiplic é que, desde 1978, a instituição comandada por Antonio JoséCarneiroeRonaldoCezarCoelho tinhaumsócioestrangeiro,o inglêsBankofLondon, com 50% de participação (o Bank of London seria comprado peloLloyd’s Bank anos depois). Nesse caso, distribuir ações entre os funcionáriossignificaria desequilibrar a balança – algo que nenhumdos lados queria. “Nóspagávamossaláriosmaisaltos,distribuíamosbônusnofinaldoano,masoferecersociedadenãodava”,dizCarneiro,quecomeçousuacarreiracomocaixadeumaagência do Banco Mercantil de Minas Gerais, no Rio de Janeiro. Depois devenderaparticipaçãodosbrasileirosparaoLlyod’sem1997por600milhõesdedólares, Carneiro passou a investir em diferentes negócios, de agências depublicidade a construtoras. Em 2012 boa parte de sua fortuna provinha daparticipaçãoemempresasdeenergiaelétrica.NoGarantia,aocontráriodoqueacontecianoMultiplic,erapossívelsetornardono.Chegaraotopo,porém,custavacaro.Obanconãocediaumaparticipaçãoacionária aumnovo sócio.Ele avendia.Umestudode caso sobreoGarantia,preparadoanosatráspelosex-alunosdoInsperFernandoMuramoto,FredericoPascowitch e Roberto Pasqualoni, detalha como os novos sócios pagavam suaparticipação.“Emmédia,70%dosganhosdonovosócioeramalocadosparaopagamento dessas ações durante dois ou três anos”, explica o estudo.“Quantitativamente, 1% em ações poderia significar uma dívida inicial de 600mil dólares para o novo sócio, que seria abatida com participação nos lucros,comissões e dividendos a juros anuais de 6% em dólares.” Apenas 30% daremuneraçãovariáveldossócioseraembolsadanahora.

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DocumentodoGarantiamostraosprincípiosquenortearamobanco–edepoisosoutrosnegócioscomandadosporJorgePauloLemann,MarcelTelleseBetoSicupira:genteboa,treinamento,remuneraçãoadequada,

controledecustosesimplicidade.

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Esse mecanismo cumpria ao mesmo tempo dois propósitos. O primeiro erareterostalentos–deixarobancoantesdereceberintegralmentesuaparticipaçãoacionária parecia um péssimo negócio. Além disso, evitava que os sóciostivessemdinheirodemaisnobolsoeperdessemofoconotrabalho.“Nocomeçoera duro porque o que você ganhava mal dava para pagar as ações”, lembraDiniz. “Mas, como todos achavam que aquele negócio ia vingar, quem tinhachancesemprequeriacomprar.”De quebra, a regra ajudava amanter o clima de austeridade que Jorge Paulo

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pregava.Dentroeforadobanco,elesemprefoiumhomemdemodossimples.Não tinha secretária particular (um pequeno grupo de funcionárias atendia atodos os sócios), não usava relógios de grife, não dirigia carrões importados.QuandorecebiagenteparaalmoçosnoGarantia,dispensavagarçonseajudavaaservir os convidados. Ao despedir-se de qualquer visitante, fazia questão deacompanhá-lo até o elevador (um hábito que aindamantém).A simplicidade,aliás,osalvoudeumapertoem1991.EledirigiapelaestradaRio-Santoseparouemumpostodecombustívelparaabastecer.Enquantoenchiaotanque,olocalfoiassaltado.Seucarro,umPassatcommaisde10anosdeuso,nãodespertouqualquer interesse dos marginais – e Jorge Paulo pôde seguir viagemtranquilamente.

cariocaJoséAntonioMourãopersonificacomopoucosaascensãoqueerapossíveldentrodoGarantia.NascidoemVistaAlegre,nosubúrbiodoRio

deJaneiro,Mourãochegouatrabalharcomopainumaçouguedebairroantesde ingressar na corretora, em 1972, aos 16 anos, como office boy. Entre suasatribuiçõesestavacomprarlanchesparaopessoaldoescritórioecorreratéacasade Lemann para buscar uma raquete quando surgia algum jogo de tênisinesperado para o chefe. Trabalhava durante o dia e à noite cursava o antigo“científico”, equivalente hoje ao ensino médio. Apesar da origem humilde,Mourão sempre achou que se trabalhasse muito ganharia dinheiro. Era umlegítimoPSD.Chegavaàssetedamanhãeficavaatéahoradeirparaaescola.Não tinha a menor ideia do que significava meritocracia quando entrou noGarantia,masrapidamentesentiuosefeitosdaqueleconceito.“Depoisdepoucosmesesdecasaeuganheiumdinheiroextraquenãoesperava”,dizMourão.“Aíeuviquealihaviaalgorealmentediferente.”Mourão não estava disposto a deixar aquela chance passar. Decidiu estudareconomianaUniversidadeGamaFilhoeseenfronharomáximopossívelnodiaa dia do banco. Perdeu a conta de quantas noites passou em claro na firma.Trabalhouemváriasáreasatéqueem1985,12anosdepoisdeentrarnoGarantiaecommenosde30anos,tornou-sesócio.Suaprimeiramissãofoisemudarpara

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SãoPaulo,paraajudaracuidardeumaoperaçãomenorqueadasede,mascomgrande potencial. A sociedade o obrigou a abandonar um antigo hábito, o dechamarofundadordobancode“seu”JorgePaulo.“Umdiaelemedissequejáéramos sócios e que não faziamais sentido chamá-lo daquelamaneira.”NadamauparaumgarotoquehaviacomeçadoacarreiranoGarantiacarregandoasraquetesdodono.

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T

Missãodadaémissãocumprida

rabalharnomercado financeironunca foimoleza–nemnoBrasilnemforadopaís.Tomardecisõesquemovimentamtantodinheiroemcurtosperíodosdetemposignificaestarsobpressãoconstante.Quemnãotem

sangue-frio sucumbe no meio do caminho. A vida em Wall Street, o centrofinanceiro dos Estados Unidos, por exemplo, sempre foi duríssima.“Workaholics são normais”, escreve Charles D. Ellis em seu livro sobre oGoldmanSachs.Arotinadobancodeinvestimentosmaispoderosodomundo,de acordo com seu relato, prevêqueos funcionáriosdediquem sua vidaquaseintegralmenteaotrabalho.Recém-contratadosnormalmentetrabalhamdasoitodamanhãàsseisdatarde,paramparafazerumlancherápidoedepoisretomama jornada aténoveoudezdanoite.Muita gente ainda avança até quasemeia-noite.NoantigoSalomonBrothers,fundadoem1910evendidoaoTravelersGroupem1998,odiaadiaera igualmente tenso.Oex-funcionáriodobancoMichaelLewiscontanolivroLiar’sPoker,deformaumtantodramática,comoeraavidadeumanalistacomoelenosanos80:“Os chefesdavambipesaos seusanalistas favoritosparaque eles pudessem serencontrados a qualquer momento. Alguns dos melhores analistas perderam avontade de viver vidas normais. Eles se entregaram completamente aosempregadores e trabalhavam sem parar. Raramente dormiam e com frequênciapareciamdoentes:quantomaiselesmelhoravamnotrabalho,maispareciamestarpertodamorte.”NoGarantia, apressão e abusca inclementepor resultados foram levadas aoparoxismo.Chegarcedo,sairtarde,vararnoitesemclaronãoeramexceção.As

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jornadasdetrabalhoduravamde12a14horasdiárias,muitasvezesavançandopelos finsde semana.Obviamente, vidapessoal e família eram frequentementesacrificadas.“Eutrabalhavamuito,nãovimeusfilhoscrescerem”,admiteoex-sócioDinizFerreiraBaptista.Noescritóriodeambientesabertos, emque todomundo fiscalizava todo mundo, costumava-se bater palmas para quem selevantavamaiscedoqueohabitualparairparacasa.Umaironia,claro,emgeralacompanhadadaincômodapergunta:“Estáfazendomeioperíodohoje?”Otompodia ser de brincadeira,mas não escondia a acidez. Como é de se imaginar,tratava-se de um esquema que não servia para qualquer pessoa. Tornou-selendáriaahistóriadeumadvogadocontratadopeloGarantiaqueabandonouotrabalhonoprimeirodia– saiuparao almoço enuncamais voltou, assustadocomoqueviraempoucashorasdeexpediente.Nesseesquemadededicaçãototal,quemtrabalhassenoGarantiadeveriaestardisponível para mudar de departamento ou até de cidade. O bordão “missãodada émissão cumprida” sempre fez sentido na história da firma.O ex-sócioClóvisMacedo,por exemplo, foi “convidado” a se transferirdoRiode JaneiroparaSãoPaulonoiníciodosanos80paraprospectarclientes.Aindaquejamaistivessesonhadocomessamudança,eleaaceitou.Recusarumaofertadessetiponãoeraumaopção–pelomenosparaquemqueriacrescerdentrodainstituição.MarceloBarbará,umcariocadefamíliatradicionalquecomeçousuacarreiranoGarantiaoperando telex,passouporumaexperiência semelhanteem1993.Eletrabalhavanamesadeoperações quando JorgePauloLemannpediuque fossecuidar do departamento administrativo do banco, responsável por atividadescomocustódia,sistemasecontroladoria.DesdeofracassodaInvesco,nosanos60,JorgePaulonuncamaisdescuidoudessaáreaemseusinvestimentos.Sóqueo charme, a adrenalina e o dinheiro passavam pela mesa de operações, ondeBarbaráestava,enãopelaburocraciadaadministração.Eracomotrocaropalcopelacoxia,masojovemnemdiscutiu.“EueramuitolealaoJorgeenãopassavapelaminha cabeça recusar umamissão, até porque isso seriamuitomalvisto”,afirma Barbará. “Além disso, o Jorge deixou nas entrelinhas que ali era ocaminhomais rápidoparaeuvirar sóciodoGarantia.”Barbará fez suaparte–acatou a mudança e cuidou da parte administrativa do banco. Jorge Paulotambém fez a dele. Dezoito meses depois da transferência, Barbará tornou-sesóciodobanco.

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Detectar de cara quem aguentaria o tranco era fundamental. Os testes deresiliência começavam logo que o candidato a uma vaga fazia a entrevista deemprego – outro aspecto em que o Garantia se assemelhava a grandesinstituiçõesamericanas.NoSalomonBrothers,umadastécnicasutilizadaspeloentrevistadorerapedirqueocandidatoabrisseajaneladasalaondeaconteciamasavaliações,localizadano43oandardoedifício-sededobanco,emWallStreet.Otruqueéqueajanelaeraselada.Oentrevistadorqueriaapenasverqualseriaareaçãodocandidato.Rezaalendaqueumdosjovenschegouaarremessarumacadeira para quebrar o vidro, de tão desesperado que estava para conseguir oemprego.OutraestratégiadosentrevistadoresdoSalomonBrotherseraficaremsilêncio. O candidato entrava na sala e o entrevistador não falava nada. Ocandidato o cumprimentava, ele não falava nada. O candidato discorria sobresuas experiências ou contava umapiada – e nada.Nemum sorriso, nemumapalavra. O entrevistador apenas olhava fixamente nos olhos do coitado à suafrente.Quanto tempo alguém resiste a uma situação dessas?Como reage? Eraissoqueoentrevistadorqueriasaber.NoGoldmanSachs,nofinaldosanos70,um recrutador chegou às raias do absurdo ao perguntar a uma estudante daStanfordBusinessSchoolseela fariaumabortocasoestivessenomeiodeumanegociação importante para a firma e ficasse grávida (dentro do banco houvequemconsiderasseaquestãoapenasumleveexagero).NoGarantia cada candidato erageralmente submetidoaumabateriadepelomenos uma dezena de avaliações para que fosse aprovado. Entre osentrevistadores havia sempre alguns dos principais sócios da firma, inclusiveJorgePauloLemann.Maisqueperguntarsobreaformaçãoouaexperiênciadosujeito,algoquepoderiaserlidonocurrículo,oentrevistadorqueriasaberseocandidatoerafeitodomaterialnecessárioparaainstituição.Ter“facanodente”e “brilho no olho” sempre foram características esperadas dos candidatos, eninguém,nemmesmovelhosamigosdeJorgePaulo,eradispensadodasabatina.DickThompson e JorgePaulo Lemann se conheceramnaEscolaAmericana,ondeambosestudavam–Thompson,trêsanosmaisvelhoqueJorgePaulo,eraamigo de Alex Haegler. Nos anos 60 se reencontraram quando ambostrabalharam na Invesco. No final de 1972, depois de vender sua pequenacorretora,ThompsonsecandidatouaumavaganaáreacomercialdoGarantia.Mesmo conhecendo o dono da instituição há décadas, ele foi submetido ao

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mesmoritualpeloqualpassavaqualquercandidato. “Haviaumasoitoounovepessoas para me entrevistar. Todos juntos na mesma sala, inclusive o JorgePaulo. Vinha pergunta de todo lado. Você precisava ter uma confiançamuitogrande em si mesmo para não sair de lá completamente abalado”, lembraThompson.Elefoiaceito,tornou-sesócioesódeixouainstituiçãoduasdécadasdepoisparasededicaraumaatividadecompletamentediferente:aproduçãodealimentosorgânicosemumabelapropriedadede50hectares,oSítiodoMoinho,emItaipava,naserrafluminense.Dentre os algozes dos candidatos, o mais desconcertante era Luiz CezarFernandes. Em tempos pré-politicamente corretos, ele tinha um repertório dequestõesqueescandalizariaqualquerprofissionalderecursoshumanosnosdiasdehoje.Perguntar,porexemplo,seosujeitoerahomossexualouquantasvezestransava por semana era comum. “A resposta em si pouco importava. Eu sóqueria saber como a pessoa reagiria, se aguentaria o tranco. Foi por isso quecriamosumprocessomuitoagressivodeentrevista”,lembraFernandes.“Depoisissodegenerouumpouco...”Alexandre Abeid se recorda das perguntas nada ortodoxas formuladas porFernandesemsuaentrevista.Comseu1,95mdealtura,Abeid levavaumavidaumtantodiferentedosoutrosprofissionaisdoGarantia:trabalhavanomercadofinanceiroe,paralelamente,jogavanaseleçãobrasileiradevoleibol.ElechegouadisputarosJogosOlímpicosdeMunique,em1972,eosdeMontreal,em1976.Em1975,quando terminavaseuMBAnoCoppead, foi convidadoa fazerumaentrevista no Garantia. A primeira conversa foi justamente com Luiz CezarFernandes:–Eaí,vocêgostadeumfuminho,deumamaconha?–Não,Cezar,eunãosoudisso.Levovidadeatleta...Apesardas idiossincrasias–ou talvezpor causadelas–, Fernandes tinhaumfaro notável para recrutar gente boa. Nenhuma de suas contratações, porém,teria tanto impacto sobre a história do Garantia quanto a do jovem MarcelHerrmannTelles.

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O cariocaMarcelHerrmannTelles foi trabalharnomercado financeiroporumaúnicarazão:queriaganhardinheiro,muitodinheiro.

Marcelnasceuem23defevereirode1950,filhodeumpilotodeaviãoedeumaex-secretária da embaixada americana que depois do casamento passou a sededicarexclusivamenteàfamília.Duranteainfância,estudounoColégioSantoInácio, tradicional instituição de ensino do Rio de Janeiro. “Naquela época, ocolégioestavamuitopróximodasideiasoriginaisdeSantoInácio,umoficialdoexército espanhol do séculoXVI”, explica o advogado PauloAragão, sócio doescritório Barbosa,Mussnich, Aragão e contemporâneo deMarcel no colégio.“Nossa formação tinha um forte apelo militar, com muito foco e disciplina.”Marcel,umgaroto introspectivoeCDF, levavaparacasaumboletimrecheadodeboasnotas.Notempolivre,gostavadeescreverpoesiaepintar(oesportesóentrariaemsuavidadepoisdos20anos,emparteporinfluênciadosseusfuturossóciosnoGarantia).Do Santo Inácio, Telles seguiu direto para o curso de economia daUniversidadeFederaldoRiodeJaneiro.Nofinaldagraduaçãocomeçouanotarque alguns conhecidos chegavam para as aulas dirigindo motos bacanas evestindoternosbemcortados.Quissaberdeondevinhaaquiloeouviudizerqueaquelepessoaltrabalhavanomercadofinanceiro.Elenãotinhaamenorideiadecomo funcionavao setornemconheciaqualquer figurão.Porcontadisso, tevequeentrarpelaportadosfundos.Conseguiuumempregoem1970nacorretoraMarcelo Leite Barbosa, então uma dasmaiores do país, conferindo boletos dabolsa de valores da meia-noite às seis da manhã. Pouco tempo depois foitrabalharnaáreade informática.Umdia soubequeodonodacorretora tinhaditonoelevadorque,sepudesse,selivrariadetodasasatividadesdaempresaeficaria só como 8o andar, onde funcionavao openmarket.Marcel, que a essaaltura já tinha feitoumcursodeoperadordepregão,decidiuqueoopen,áreaaindapoucoconhecidanaépoca,seriaseudestino.TentouprimeiroumavaganaprópriaMarceloLeiteBarbosa.Comonãoconseguiunada,ojeitofoicaçarumaoportunidadefora.AchancesurgiunoGarantia.Jorge Paulo Lemann estava viajando e sua entrevista seria com Luiz CezarFernandes.Marcelchegoucedo,comocombinado,mastomouuminesquecívelchá de cadeira. Fernandes apareceu na recepção só no fim do dia. Em vez de

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chamarojovemparaaentrevista,eleapenasocumprimentouefoiembora,semdarexplicações.Aos22anos,teimosoeambicioso,Marcelnãoseabalou.VoltounodiaseguinteedessavezFernandesoatendeu.Alémdeformularashabituaisperguntas capciosas, o banqueiro avisou ao candidatoque, apesarde formado,precisariacomeçardebaixo.EranormanoGarantiaqueaprimeiraatividadedosrecém-recrutadosseriasemprealiquidação,ou,comosefalavadentrodafirma,o “balé do asfalto”. Apesar do nome poético, a função não tinha nada deglamurosa.O liquidante nadamais era que um office boy de luxo, que levavaparacimaeparabaixotodosospapéisnegociadospelobanco.Marcelnãoviuomenor problema em pagar o pedágio. Ele faria qualquer coisa para chegar aoperadordotalopenmarket.O balé do asfalto durou poucas semanas. Em seguidaMarcel foi transferidoparaaáreatécnicadobanco.Eletinhapressa.Paraseaproximardeseuobjetivo,pediu a um dos principais operadores da mesa para cuidar de uma operaçãosimples, conhecida como “cheque BB”, quemovimentava papéis do Banco doBrasilapenasentreoitoenovedamanhã–horárioqueemnadacomprometiaseu trabalho.Como argumento extra para convencer o tal operador a deixá-lochegar perto damesa,Marcel prometeu lhe dar carona todos os dias, em seuFusca azul-marinho ano 72. Talvez por confiar emMarcel, talvez por precisardesesperadamente do transporte, o sujeito topou a oferta. Não demorou paraMarcelmostrarque eraum talentonatural comooperador.Tinha sangue-frio,tomavadecisõesrapidamente,estavasemprebeminformado.Graçasasuasconexõesnoexterior,JorgePauloLemannconseguiuumestágioparaLuizCezarFernandesnasmatrizesdoJPMorganedoGoldmanSachs,nosEstadosUnidos.Disléxico,Fernandesnuncaconseguiuaprenderoutrosidiomaseprecisariade alguémqueo acompanhasse como tradutor.O intérpretedeviaser alguém que falasse inglês, entendesse do mercado financeiro e parecesseconfiável.OescolhidofoiMarcelTelles.Fernandesdescreveaviagemdadupla:“O estágio foi umabeleza.OMarcel, um cara superinteligente, foi exposto aosmelhoresbancoseentendeuaquilotudorapidamente...NoGoldmanouvimospelaprimeiravezapalavraovernight.Queporraeraaqueladeaplicaçõesquepodiamserresgatadasnodiaseguinte?Aquiagentesósabiatomardinheiropor30dias,180 dias... Aprendemos como era e trouxemos a tecnologia do overnight para o

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Brasil...DepoisagentefoiparaumaempresachamadaDiscount,queeraamaiordealerdoFed (o banco central americano)na época.Aí vimos como eles lidavam comtítulosdoTesouro,comolidavamcomleilãoetambémtrouxemosparadiscussãonoBancoCentral.”O bom desempenho de Marcel na mesa de operações e sua capacidade decolocar em prática coisas novas chamaram a atenção de Jorge Paulo. Numaconversa com Marcel, o financista elogiou seu desempenho e avisou que elepoderiachegarasócio.Parao jovemdeclassemédiaque jamaisvislumbraraapossibilidadedemigrardacondiçãodeempregadoparadono,a“cenoura”queochefeofereciaeratentadora.Ganhardinheiroeaindaporcimafazerascoisasdoseujeitopareciabomdemais.Menosdedoisanosdepoisdeentrarnacorretora,MarcelTellesganhouodireitodecomprarumaparticipaçãode0,5%.Nãoeramuito,maseraumcomeço.

raticar pesca submarina exige paciência e controle. O atleta desliza paraáguas profundas sem saber ao certo o que encontrará lá embaixo. Precisa

calcularcomexatidãootempoqueficarásubmersoeaqueprofundidadedesceráparanãocorreroriscodeficarsemoxigênio.Suaspossíveispresasseafastam,seescondematrásdepedras,dentrodecavernaseatédebarcosafundados.Sobaságuastudosilencia.Opescadorprecisapassardespercebidoparaseaproximardeseus alvos. Seus movimentos têm que ser lentos e calculados. Atento, nuncatenso, ele deve manter a respiração tranquila. Seus batimentos cardíacosdesaceleram.Quandonotaumpeixedesavisado, lança seu arpão.Aindaqueotiro seja perfeito, não há garantia de vitória. Peixes maiores ou ariscos só seentregam depois de muita luta. Para voltar à superfície com seu troféu, opescadorprecisarádesangue-frio,precisãoeritmoatéofinal.O carioca Carlos Alberto da Veiga Sicupira, conhecido como Beto desdecriança,éumespecialistaempescasubmarina.Seunomeestáestampadocomorecordistamundial em seis categoriasdesse esporte radical.Amaior conquista

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foiummarlim-azulde301,2quilos,fisgadoemCaboFrio,nolitoralfluminense,em2006.Nascidoem1odemaiode1948, ele seapaixonoupelomaraindanainfância – o garoto dizia que seu futuro seria na Marinha. Filho de umfuncionáriopúblicoquefezcarreiranoBancodoBrasilenoBancoCentraledeuma dona de casa, ele só começou a levar a sério a ideia de empreender naadolescência, quando um amigo ofereceu capital para que eles entrassem nocomérciodecarrosusados.Fisgadopeloempreendedorismo,abandonouaideiadesetornaralmirante.Apartirdaquelemomentoomarsetornariaumhobbyeo jovem procuraria uma atividade em que não houvesse um teto para seucrescimento.Difícilnocomeçofoiencontraroquefuncionasse.Alémdonegóciocomcarrosusados,Betovendeucalçasjeans(queelemesmobuscavanosEstadosUnidos)e,aos17anos,emancipou-separacomprarumacartapatentedeumadistribuidorade valores. Um ano depois, já no curso de administração de empresas daUniversidadeFederaldoRiodeJaneiro(UFRJ),vendeuadistribuidoraepassoupoucomaisdeumanoemempregospúblicos–noDepartamentoNacionaldeEstradas de Ferro, no Porto do Rio de Janeiro e no Serviço Federal deProcessamento de Dados. Tudo burocrático e lento demais para alguém queprocurava algo que não tivesse limites. Ele achou que era hora de tentarnovamenteomercadofinanceiro.Em 1968, dois anos depois de comprar sua primeira carta patente, Beto sejuntou a um grupo de amigos para arrematar uma pequena distribuidora devalores que, pouco tempo depois, se fundiu com a Cabral de Menezes. Porquatroanos,eletrabalharianacorretora.Nesseperíodo,numvoodeNovaYorkparaWashington, conheceuLuizCezarFernandes.Osdois se sentaram ladoalado no avião. “Beto eramuito falante e doido para conhecer o Jorge Paulo”,lembraFernandes.Graçasàpescasubmarina,esportequeambospraticavam,aos21anosBetofoiapresentadoaJorgePaulo(noveanosmaisvelho).Rapidamenteos dois se tornaram amigos. Eles pescavam, conversavam sobre negócios,ganhavamaconfiançaumdooutro.Mesmoassim,quandodeixouaCabraldeMenezes,BetodecidiuaceitarumaofertadoMarineMidlandBank,emLondres,emvezdeirparaacorretoraGarantia.Foisóem1973,quandovoltouaoBrasil,que finalmente aceitou a proposta do companheiro de pescaria. Ele não sabiaquantoiriaganharnemqualseriaseucargo,masachavaquealihaviaumfuturo

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promissor. “Todas as pessoas que eu já vi que se preocupavam com centavosnuncafizeramnadagrande”,dissecertavez.

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Quemnãoentregacaifora

emcrescimento,meritocracianãopassadeumdiscursobonito.Comocriaroportunidadesdeascensãoparaosmelhoresnumacompanhiaqueandade lado?Comoremunerarmelhor seus talentos seo resultadoda

firma não aumenta? Jorge Paulo Lemann sempre soube que, para que suafilosofia fizesse sentido, era preciso manter a engrenagem em constanteaceleração. Por isso, quando em 1976 o americano JPMorgan, então omaiorbanco do mundo em valor de mercado, bateu à sua porta para oferecersociedade,JorgePauloquasecedeuàtentação.OJPMorganqueriacomeçaraoperarnoBrasileacorretoraGarantiapareciaseroparceiroperfeito.Começaramasnegociações.Paraacorretora,associar-seao banco americano representaria não apenas uma injeção de capital, mastambémumaespéciedeselodequalidadeinternacional.Acimadetudo,seriaachance de dar um salto de crescimento. Para a instituição americana, que nãofaziaideiadecomooperarnoBrasil,contarcomopessoalarrojadoearrogantedacorretoracariocaseriaamelhor formadeabrirportasporaqui. Juntos,elesseriammaiseficientesqueseparados.Emtese, tudofaziasentido.Oproblemacomasteses,comosesabe,équenapráticaascoisascostumamserdiferentes.JorgePaulosemprefoiumsujeitocomosolhosvoltadosparaofuturo.Quandoofinancistacomeçouapensarnoefeitodaquelenegócioalongoprazo,seuentusiasmoevaporou.AassociaçãocomoJPMorgan aceleraria o crescimento da corretora naquelemomento,mas poderiarepresentaroseufimemalgunsanos.Ocariocaacabariaperdendoocontroledafirma–eaculturaquecriarainexoravelmenteseriaengolidapeladacorporaçãogigantesca.A experiência do estágio no burocráticoCredit Suisse ainda estavafrescanamemória, e elenãoqueria viver situação semelhante.Entre embolsarumdinheiroaltoarriscandoofuturoetentarganharespaçosozinho,mantendoos valores que pregava, ficou com a segunda opção. “Foi umadecisão épica, amaisdifícilqueeujátomei”,dissecertavez.

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Faltava comunicar ao JP Morgan que a transação não iria acontecer. Oproblemaéqueobrasileiroqueriarecuarsemseindisporcomomaiorbancodomundo. A saída encontrada por Jorge Paulo foi criar “dificuldades” paraconcretizaronegócio.InicialmenteficaraacordadoqueoMorganteria30%danova instituição (omáximo permitido na época), a corretora Garantia, poucomaisde40%eorestanteseriadistribuídoentreinvestidoresbrasileirosaseremdefinidos.Lemann,então,acionoucontatosnoBancoCentralpedindoqueoBCsódesseumacartapatenteànova instituição formadapelaassociaçãoentre JPMorgan e Garantia se 51% do capital ficassem nas mãos do fundador dacorretora.Ele imaginavaque,quandoo JPMorganpercebessequenunca seriacontroladordanovainstituição,desistiriadaassociação.Acertouaprevisão.Aosaber da nova determinação do BC, o Morgan capitulou. A negociação foiabortadaecadaumseguiuparaoseulado.O banqueiro se livrou do JP Morgan, mas a ideia de ter um banco deinvestimentos já estava semeada. Poucos meses depois do encerramento dasnegociações com os americanos a corretora Garantia conseguiu uma cartapatente para entrar nesse ramo sozinha. “Vamos ser maiores que o Bozano”,Jorge Paulo costumava dizer aos sócios, em uma referência ao banco deinvestimentos fundado por Julio Bozano e Mario Henrique Simonsen, quenaquelaépocadominavaomercado.Parachegarlá,eledeveriacontinuaratraindogenteboaedistribuindoaçõesdobancoentreosmelhores.Mas,paraqueumnovato talentosoganhasse espaço,alguémnecessariamentedeveriaseresvaziado.EosprimeirosasentiresseefeitodameritocraciapropostaporJorgePauloforamossóciosqueoacompanharamnafundaçãodacorretoraGarantia.Embora todos tivessem suas salasnobanco, encontrá-los por ali trabalhandohavia se tornado raridade. José Carlos Ramos da Silva, por exemplo, queacompanharaJorgePaulodesdeostemposdaLibra,estavaempolgadíssimocoma fortunaquehavia amealhadoenãoqueriamais saberde ficarpenduradonotelefonenegociandopapéis.Seutempopassouaserdedicadoàsnamoradaseaoautomobilismo–RamosdaSilvacomeçouapilotarcomohobby,maschegouaparticipardecampeonatosbrasileirosdeprovaslongasportrêsanos.Apartirde1975,JorgePaulocomeçouentãoacomprarfatiasdaparticipaçãodo amigo, até que, três anos depois, Ramos da Silva deixou completamente a

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sociedade.AdolfoGentil,oresponsávelporfinanciaramaiorpartedacompradacorretoraGarantia,desdeoinícioavisaraqueentrariasócomodinheiroequenãopretendiatrabalhar.Oarranjofuncionouporalgunsanos,maslogoaturmaquevinhadebaixocomeçouaquestionaraparticipaçãodosócioquenãotraziareceita para a firma e passava seus dias numa casa nababesca, com direito apiscina olímpica, jardins tropicais e quadra de tênis, na ainda quase selvagemBarradaTijuca.Pressionadopor JorgePaulo–ou trabalhavaousaía–,Gentilvendeusuafatia,masarelaçãoentreosdoisazedou.Aosamigos,Gentilnuncaescondeuqueachouamanobrauma tremenda ingratidãocomquemoajudouno início. (NahistóriadoGarantia, a regradeque todosos sóciosprecisavamtrabalhar na instituição foi quebrada apenas uma vez: AlexHaegler, primo deLemann,jamaisdeuexpedienteemesmoassimtinhaumapequenaparticipação,inferiora1%.)GuilhermeArinosfoioúnicodossóciosfundadoresqueJorgePauloLemannnão conseguiu afastar.Damesma forma que jamais se desfez de seu título doCountryClubdoRio,apesardeterlevadobolapretadosdemaissócios(oquenaprática o impossibilitavadeusufruir do clube aindaque fosse donodo título),ArinosserecusavaterminantementeavendersuafatianoGarantia.Permaneceuaté1998,quandoobancofoipararnasmãosdoCreditSuisse(Arinosfaleceuemoutubrode2011,aos96anos).AoconseguircomprarasparticipaçõesdeRamosdaSilvaeGentil,JorgePauloLemann pôde acelerar a distribuição das ações entre o pessoalmais jovem. AparticipaçãoinicialdeJorgePaulonoGarantia,queerade25%,chegouamaisde50%em1978.Depoisfoipaulatinamentediminuindoàmedidaquevendiaaçõesda instituição para os novos sócios. Essa administração da sociedade era umatarefa delicada, que exigia dedicação constante. O carioca Marcelo Medeiros,sóciodoGarantianosanos90,lembracomoobanqueirolidavacomaquestão:“Elepensavaotempotodoemcomoasociedadetinhaqueevoluir...Nasreuniõesparadecidiraentradadenovossóciosele tiravaumpapelzinhodobolsoediziaquem tinha que vender participação, quem tinha que comprar e quanto...Distribuíaasaçõeseajustavaasociedade.Adiscussãosobreaentradadenovossócios eramuito conduzidapor ele.Mesmoquandoo JorgePaulo estavaquieto,todomundosabiaqueprecisavaapresentarargumentosqueeleaceitasse...”

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QuandooGarantiapassouparaasmãosdoCreditSuisseem1998,JorgePauloLemann já havia transferido quasemetade de sua participação – sua fatia era,então,inferiora30%docapital.

o final dos anos 70, o Garantia contava com quase 200 funcionários, amaioria formadapor homensna faixa dos 20 e poucos anos e como tal

perfil“PSD”.Todossonhavamcomotopoprometidoefaziamquasetudoparachegar lá. Constranger um colega na frente de outras pessoas durante asavaliações semestrais era comum.Como a hierarquia tinha pouca importânciaali, passar por cimado chefe e falar diretamente como superior dele tambémfaziapartedaspráticascorriqueiras.Devezemquandoosânimosseexaltavamdetalmaneiraquediscussõesse transformavam, literalmente,empancadaria–numa ocasião, um operador virou um balde cheio de água na cabeça de umdesafeto,emplenamesadetrabalho.Tiveramdeserseparadospeloscolegas.Quase uma dezena de pessoas entrevistadas para este livro utilizaram aexpressão “paneladepressão”paradescreverodia adianobanco.Oex-sócioAlexAbeidfazumaanalogiaformidável:“Eracomosevocêjogassenumajaulacinco gorilas e deixasse uma fêmea do lado de fora. Alguém vai morrer ali,concorda?”Emborapossaparecerumambientecruelparamuitagente,sujeitoscomoAbeid encaravamaquilo apenas comoumadisputa emque osmelhoressobrevivem. “Quando você sabe a regra do jogo é fácil jogar. Se um caraconseguirmetirar,ele foimaiscapaz,eleganhouo jogoeeupartoparaoutra.Essaeraumaregraquetodomundosabia.”Nummundopré-assédiomoral,atémesmoasbrincadeirasentreopessoalquetrabalhavanomercado financeirocomoumtodo,enoGarantiaemparticular,tinhamumquêdeagressividade.Ofatodepraticamentenãohavermulheresnobancotambémajudavaadeixaroambientecomumjeitãodecolégiointerno,emquetrotesepegadinhaseramconsideradosaceitáveis.Umdosalvos frequentesdasbrincadeiraseraFredPackard,uminglêsrecrutadoporJorgePauloLemannem 1974. Entre as principais funções de Packard estava abrir caminho para o

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Garantianomercado internacional,num tempoemqueapalavraglobalizaçãoaindanãofaziapartedorepertóriocorporativo.Formal,comoseesperadeuminglês,Packarderaaúnicapessoadobancoqueusavaterno.Umdeseushábitosera tirar os sapatos quando estava sentado em suamesa. Vira emexe alguémsurrupiavaumdoscalçadoseoescondia(valedizerquePackardnãofoioúnicoali a ir para casa descalço depois de ter os sapatos escondidos). Como viajavamuito,oscolegascostumavampedirqueeleentregasseuma“encomenda”noseudestino – pacotes pesados e inúteis que normalmente não passavam de listastelefônicasoutijolos.Nenhum episódio foi tão embaraçoso como quando Packard experimentavaumternonumasaladereuniãodobancoetevesuascalçasroubadasporcolegas.Elenempôdereagir.Assimquearoupasumiu,umdeseusprincipaisclientes,odonode uma engarrafadora daCoca-Cola do interior paulista, entrouna sala.Catatônico, Packard afundou-se numa cadeira na ponta da mesa, vestindoapenas camisa, paletó e cuecas. O cliente achou estranho que o inglês,normalmente tão educado, não se levantasse para cumprimentá-lo, mas nãodissenada.Packardmantevea fleumaeconduziuareuniãoatéo final,mesmonaquela situação bizarra. O cliente foi embora sem desconfiar que seuinterlocutor estava seminu enquanto discutiam negócios importantes. “Aquelaporraeraumcirco”,dizoantigosócioquerelatouessahistória,semeconomizarpalavrões.OGarantianuncafoiumlugarparaouvidossensíveis.Não por acaso, as maiores barbaridades eram arquitetadas na mesa deoperações,o lugarmaistensodobanco.MarcelTelles,ochefedamesa,nãosóestimulavacomoparticipavaativamentedostrotes.Eleprópriofoivítimadessas“molecagens”logoquechegou.(Noqueserefereàsbrincadeiras,omáximoqueJorgePauloLemanntopavaeraumacorridapelasescadasdoprédiodoGarantia,do 22o andar até o térreo. Beto Sicupira sempre se manteve afastado dasgozações.) Marcel falava um dia em dois telefones ao mesmo tempo – numalinhacomoBancoCentralenaoutracomumcliente.Oscolegasviramquesuacamisatinhaumfuronocotoveloenãotiveramdúvida:começaramarasgá-la.Marcel,quenãopodiapararanegociaçãonomeio,tevedeaguentarotrotesemreclamar.Ao final,dacamisa sobraramocolarinhoeospunhos,masnenhumdosinterlocutoresdooperadorjamaissoubeoqueaconteciaenquantoeleestavaaotelefone.

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Casamentoseramumpratocheioparaasbrincadeiras–muitasdelasdegostoduvidoso.PergunteaqualquerumquetenhatrabalhadonoGarantianosanos70e 80 como era o clima no banco, e a chance de ouvir falar no “casamento doJacaré”éenorme.“Jacaré”eraoapelidodeLeopoldoCaetano,operadordamesaeumtiradordesarronashorasvagas.AcerimôniaseriarealizadanaCapeladaReitoriadaUFRJ,nobairrodaUrca,eospreparativosdopessoaldoGarantiasónão foram maiores que os da noiva. Eles encomendaram na TV Globo setecabeçasiguaisàsdafantasiaqueapersonagemCuca,umabruxavelhacomcarade jacaré, usava no programa infantil Sítio do Picapau Amarelo. O próprioMarcel Telles, que era um dos padrinhos do noivo, fez questão de bancar asfantasias. No meio do casório sete pessoas vestindo as cabeças de jacaré egritando“Papai,papai”invadiramaigreja.Ogrupoeraformadotantoporgentedobanco,comoAlexAbeid,quantoporgarotosdesconhecidos“recrutados”emfrenteàcapela.Anoivaestavaperplexa.Opadre,furioso,ameaçoususpenderocasamento.“Depoisdemuitaconfusãoacerimôniaterminou,masnahoradoscumprimentos algemamos os noivos e levamos os dois para o Bar Lagoa,enquantoafestarolavanoIateClube”,diverte-seRogérioCastroMaia.“Eraumacoisahorrorosa,todocasamentoeraisso...”CastroMaiatemumrepertórioquaseinesgotáveldeanedotassobreodiaadiado banco. Parte delas ele viu de perto. Outras, escutou durante algum dosalmoços de confraternização que organiza periodicamente com ex-sócios doGarantia. Os encontros, sempre realizados no Rio de Janeiro, reúnemnormalmentepoucomaisde20ex-sóciosdediferentesgerações.MarcelTellesnãoperdenenhumdeles,BetoSicupirasófoiumavezeJorgePauloLemannépresençabissexta.Oúltimoencontrodeex-sóciosdoGarantiaaqueJorgePaulocompareceu foi em2010.Por sua sugestão, o almoço foimarcadonoCountryClubdoRio.“Comoo aluguel do espaço custaria 4mil reais, perguntei para oJorgeseeleiapagar.Elerespondeuquenão,queeraparatodomundorachar”,dizCastroMaia,aosrisos.Quandoacabouoevento, JorgePaulodeumaisumpitaco. Recomendou a Castro Maia que na edição seguinte um dos antigoseconomistas do banco fosse convidado a dar umapalestra para o pessoal. “Eusabia que o Jorge ia querer transformar isso em trabalho...”, disse um doshabituésdosencontrosquandosoubedaideia.AsugestãodeJorgePauloLemannfoidevidamentedescartada.

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Debanqueirosaempresários

urante muito tempo, Jorge Paulo Lemann analisou à distância apossibilidade de investir em empresas que estivessem subavaliadas epudessemtrazergrandesretornos financeirosdepoisdepassarempor

um choque de gestão. Ele adorava o universo financeiro, com sua adrenalinadiáriaeaspossibilidadesdeganhosextraordinários,mastinhaasensaçãodequeera preciso colocar algumas fichas também na chamada economia real.Vagarosamente,oGarantiacomeçouatatearessenovouniverso.Umadasprimeirasiniciativasfoiacompradeumafatiade25%daSãoPauloAlpargatas, dona da marca Havaianas, na década de 70. Na mesma época,adquiriu uma pequena participação da varejista Lojas Brasileiras (que anosdepois seria vendida ao empresário Bernardo Goldfarb, fundador da LojasMarisa).Emambososcasos,comominoritários,ossóciosdoGarantiativerampoucamargem para influenciar a administração das companhias. No entanto,puderam ver como uma empresa realmente funcionava por dentro – dasineficiências às oportunidades, da necessidade de investimentos à governançacorporativa(ouàfaltadegovernança,comoeracomumnasempresasbrasileirasde então), da relação com investidores ao sistema de remuneração dosexecutivos.Esseaprendizadoeraótimo,masopessoaldoGarantia achavaquehaviachegadoahoradecolocaramãonamassa.Paraissoeraprecisoserdonodopróprionegócio.Umaempresa emparticular atraía a atençãode JorgePaulo: a rededevarejoLojasAmericanas.FundadaemNiteróipelosamericanosJohnLee,GlenMatson,JamesMarshall e BatsonBorge, em 1929, a varejista foi umadas pioneiras domercadodecapitaisbrasileiro,aoestrearnaBolsadeValoresdoRiodeJaneiroem1940.Quatrodécadasdepoisdesuaaberturadecapital,aLojasAmericanashaviaperdidoobrilho.Osfundadoresjáestavamforaeosnúmerospioravamacadaano.Seuvalordemercadonaépocanãochegavaa30milhõesdedólares–

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umamodestafraçãodosquase100milhõesdedólaresqueaempresatinhaemimóveis. Jorge Paulo fez uma conta simples.A empresa estava tão barata que,mesmo se tudo desse errado com a operação, ainda seria possível ganhardinheirocomavendadosimóveis.Obanco ia bem, ganhavamuitodinheiro. JorgePaulo achavaque emvezdedistribuir dividendos e bônus espetaculares era melhor usar o lucro dainstituiçãoparainvestiremnovasfrentes.“Pô,vamosfazeressenegócio,vamosver no que dá”, disse ele aos sócios. O banqueiro e Fred Packard começaramentão a negociar a compra de papéis da varejista na bolsa e com grandesacionistas, como o investidor Mario Serpa, que detinha quase 10% dacompanhia.BetoSicupiralogonotouquealihaviaumagrandeoportunidade–nãosóparao banco como para ele próprio – e também abraçou o projeto. Em 1981, oGarantiajádetinhaparticipaçãorelevanteosuficienteparaassegurarumassentonoconselhodeadministração.Beto foio escolhido.Elepassoua frequentar asreuniões carregandoembaixodobraçoumcadernodecapavermelha,noqualanotavatodasasinformaçõesqueouviaelia.Cruzavaosdadosdasreuniõescomoutrosdisponíveis.Conversavacomfuncionários.ComparavaodesempenhodaAmericanascomodosconcorrentes.Estudavaosmovimentosdovarejoláfora.Empouco temponinguémsabiacomtantosdetalhescomo funcionavaaLojasAmericanasquantoBetoSicupira.Para fazer caixa e ter condições de assumir o controle da Americanas, oGarantia vendeu sua participação na São Paulo Alpargatas para a CamargoCorrea.“FiqueidoisanosenchendoosacodoSebastiãoCamargo(fundadordogrupo)paraconvencê-loacompraraquilo”,afirmaLuizCezarFernandes.Comodinheironamão,JorgePaulofoiatéasededoBancoItaú,emSãoPaulo,parater uma conversa com o engenheiro Olavo Setúbal, dono da instituição e ex-prefeitodeSãoPaulo.LáeleexplicouqueprecisavadoblocoqueoItaúdetinhana Lojas Americanas para assumir o controle da varejista e recolocá-la noprumo.Setúbal,convencidopelodiscursoentusiasmado,topouaoferta.NãoeraapenasoiníciodatransformaçãodobanqueiroJorgePauloLemannnoempresário Jorge Paulo Lemann. Todos os sócios do banco na época,independentementedeestaremenvolvidoscomonegócio, tiveramachancedeentrarnatransaçãoesetornardonosdaLojasAmericanas(quemvirousóciodo

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banco depois da aquisição não ganhou participação na varejista). Jorge Pauloestavamudando o rumo de sua carreira – e levava gente comoBeto Sicupira,MarcelTelleseLuizCezarFernandescomele.

elicadezanoambientede trabalhonunca foio fortedeBetoSicupira.NoGarantiasetornaramlendáriasascenasdedestemperoprotagonizadaspor

ele. “Trator” e “donodaverdade” são algumasdas expressõesmaisusadasporantigoscolegasdobancoparadescreverseutemperamentomercurial.Nodiaadia, elenunca economizougritos,palavrões emurrosnamesapara fazervalersuaopinião.“Émaisfácilsegurarumloucodoqueempurrarumburro”éumadesuasfrasesfavoritas.Com a aquisição da combalida Lojas Americanas pelo Garantia, em 1982,ninguémmelhordoqueumsujeitocomsanguenoolhopara fazer comqueaempresa entrasse nos eixos. Beto chegou à modestíssima sede da LojasAmericanas,naruaSacaduraCabral,nocentrodoRiodeJaneiro,munidodeumplano minucioso e de uma tremenda vontade de virar aquele negócio.Inicialmente sua remuneração seria muito menor do que a que recebia noGarantia–algoemtornode10%dosaláriopagopelobanco.Eledeixouparatrásodinheiroeosantigoscolegas.ChegouàLojasAmericanaspraticamentesozinho.Deimediato,levouumauditordaantigaArthurAnderseneojovemCarlosAndrédeLaurentis(queanosdepoissetornariapresidentedosite Shoptime). Sua ideia era primeiro conhecer de perto quem estava nacompanhia, selecionar os que tinham talento e dispensar os demais – umaestratégiarepetidadepoisempraticamentetodasasaquisiçõesdeempresasfeitaspelotrio.Apesar dos resultados cambaleantes, a antiga administração tinha planosmegalomaníacos.Oexemplomaisemblemáticoeraodeerguerumaespéciedesubsede na Barra da Tijuca, com direito a uma quadra de tênis nos fundos.Cancelar a construção nababesca foi uma das primeirasmedidas tomadas porBeto Sicupira. A outra foi chamar à sua sala, um a um, os 50 principaisexecutivos da companhia. Sua impressão não foi das melhores. Muitos nem

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sequerconseguiamexplicarcomclarezaseusobjetivosnavarejista.Empoucosmeses, 6.500 pessoas, o equivalente a 40%do quadro de funcionários da rede,foram demitidas. “Estávamos grandes demais, inchados, e foi necessário fazerumgrandeajustamento”,disseeleàépoca.Um dos ajustes mais impopulares de Beto Sicupira foi no sistema deremuneraçãovariáveldosexecutivos.Asmetasestabelecidaseramtãofáceisque,mesmo com a piora do desempenho da empresa nos últimos anos, os bônuscontinuavam a ser distribuídos. Como? Um dos mecanismos mais “criativos”utilizadosnosbalançosfoifazerocálculodacorreçãomonetáriaapenasnoladodoativo,enquantoovalordopassivonãoerasubmetidoaessesreajustes–umadistorçãocapazdecolocarqualqueracionistasériodecabeloempé.Beto acabou com os truques e implementou um sistema de remuneraçãovariável mais duro e agressivo, inspirado no Garantia. O pessoal chiou. Seismesesdepoisdachegadadonovocontrolador,umgrupode35executivospediuuma reunião com Beto para pleitear que o sistema antigo de remuneraçãovoltasse. O empresário, sem esconder a irritação, disse que avaliaria o caso.Quandooencontroterminou,trêspessoasdessegrupoforamconversarcomonovochefeparadizerquenãoconcordavamcomopleitodosdemais.Osoutros32 saíram para almoçar, confiantes de que haviam obtido uma vitória. Beto,furioso com o comportamento dos executivos que fizeram a reclamação,determinouàáreaderecursoshumanosquetodosdeveriamserimediatamentedemitidos–ogruponãopôdenementrarnoprédioquandoretornoudoalmoço(indignados com o tratamento, alguns deles entraram com ações trabalhistascontraavarejista).Beto Sicupira chamava a atenção pelo estilo implacável e também pelainformalidade.Seuuniformehabitual eracalça jeans, camiseta, tênis emochilanascostas.Dividiaumasalacomoutrosdiretoresemvezdeficarisoladoemseuprópriofeudo.Circulavaportodaaempresaevisitavalojasregularmente.Comosempre evitouaparecerna imprensa e se vestia comoum funcionário comum,muitas vezes não era reconhecido pelos empregados. Tornou-se lendária aocasiãoemqueumfuncionárioquedescarregavaumcaminhãocheiodepacotesde fraldaspediuajudaaumcolegaquepassavaperto, semsaberquemeleera.Beto Sicupira, o “colega” em questão, não pensou duas vezes: arregaçou asmangaseajudoualevaramercadoriaparadentrodaloja.

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O jeitão informal e um tanto truculento de Beto Sicupira trouxe resultadosrapidamente. O Garantia havia desembolsado 24 milhões de dólares paraadquirir 70% da varejista. Seis meses depois da compra, com a melhora daoperação,conseguiuatrairinvestidoresdispostosagastar20milhõesdedólaresporumafatiadeapenas20%daempresa.

ouco antes de assumir o comando da Lojas Americanas, quando estavaaindanoconselhodeadministração,Sicupiraenviou10cartasparaalguns

dosmaioresvarejistasdomundo.Amensagemeraamesma:eleseapresentavaepedia para conhecer de perto a operação de cada empresa. Seu objetivo eraaprender com os líderes e depois adotar as melhores ideias. Por que perdertemporeinventandoarodaseerapossívelcopiaroquehaviademaisavançadonomundo?Doisdestinatários jamais responderam.Outrosdoiseducadamenteinformaramquenãopoderiamrecebê-lo.Cincocompanhias,entreelasKmarteBloomingdale’s,mandaramcartasconvidandoobrasileiroaconhecersuassedes.O presidente de uma das companhias procuradas por Beto Sicupira foi além.Telefonoudiretamenteparaoremetente.Dissequeoreceberiacomprazerequelhe mostraria em detalhes o funcionamento da empresa, uma rede que eleprópriofundaranoestadoamericanodoArkansas,em1962.SeunomeeraSamWaltoneaempresaqueelecomandavasechamavaWalmart.O Walmart desempenhou para a Lojas Americanas o mesmo papel que oGoldmanSachsteveparaoGarantia–eraomodeloasercopiado,amaiorfontedeinspiração.SamWaltontinha44anoseumbocadodeexperiênciaemvarejoquando abriu a primeira lojaWalmart em Rogers, uma cidadezinha noMeioOeste americanoà época commenosde6milhabitantes.Desdeo começo eledecidiuquepreçobaixo seriaomotorde suaempresa.Numsetordemargensespremidas como o varejo, isso implicava um controle quase doentio sobre oscustos.Emsuaautobiografia,MadeinAmerica,Waltonescreveuqueasprimeiraslojas–espaçosamploseextremamentesimples,comprodutosempilhadosportodosos lados – eram tão precárias que numa delas as roupas à venda eram

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penduradas em canos de conduíte em vez de expostas nas araras tradicionais.Espremer os fornecedores para conseguir osmenores preços era tambémumaprática recorrente. O fundador fazia de tudo nas lojas: controlava estoques,orientava funcionários, conversava com clientes, buscava pessoalmente novosfornecedores e sempre visitava pontos de venda de concorrentes. Jamais fez oestilodosujeitoencasteladoemseuescritório.Boapartedeseutempoeragastaprocurandogente capazde ajudá-lo a tocar a empresa.Como crescimentodoWalmart,começouadistribuirplanosdeaçõesentreseusmelhoresfuncionários.QuandoBetoSicupirae JorgePauloLemanndesembarcaramemBentonville,sededoWalmart,em1982,encontraramumaempresainfinitamentemaiorquealojinhamambembeinauguradaporSamWaltonemRogers.Osanos70foramgloriosos para oWalmart. No início daquela década a rede somava 32 lojas ereceitas de 31 milhões de dólares. Em 1980, o número havia nonuplicado –totalizava 276 pontos de venda – e o faturamento cresceu quase 40 vezes,alcançando 1,2 bilhão de dólares.O dono doWalmart já era um dos homensmais ricos dos Estados Unidos (em 1985, viria a alcançar o topo da listapublicada pela revista Forbes). “Como em quase todos os casos de sucessoinstantâneo, levouuns20anosparaacontecer”,afirmouoempreendedor,combomhumor,emsuaautobiografia.Assimqueosbrasileirosdesceramdoaviãoturboélicenopequenoaeroportolocaleperceberamqueohomemcombonénacabeça, sentadonumavelhapicapecomcachorrose riflesdecaçanacaçamba,era o próprio SamWalton, ficaram agradavelmente surpresos. Uma empresapoderosa e um estilo de vida simples eram justamente o que eles tambémgostariamdeter.Com tanto em comum, não é de estranhar que Jorge Paulo, Beto eWaltontenham se tornado amigos.Comoprimeiro, o fundadordoWalmart formavaumaduplaimbatívelparaarrasaradversáriosnasquadrasdetênis.Beto,porsuavez, era a companhia perfeita para conhecer o mercado e visitar lojas daconcorrência.Osbrasileirosnãopoderiamterencontradoumprofessormelhorpara ensiná-los a operar no mundo do varejo. A convivência tornou-se tãopróximaqueemduasocasiõesofundadordoWalmartveioatéoBrasil.Numadelas,enquantovisitavaumalojadoCarrefournoRiodeJaneirocomBeto,foipreso por “espionagem industrial” – os seguranças da loja acharam muitoestranho aquele gringo que tirava fotografias, media o tamanho das gôndolas

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com uma trena e anotava o sortimento de produtos. Jorge Paulo teve quetelefonar para o presidente do Carrefour no Brasil (a empresa era cliente dobanco)parapedirqueadupladeinfratoresfosseliberada.Assim como seus amigos brasileiros, Walton era um workaholic – e quemtrabalhavacomeledeveriaseguiromesmoritmo.Nasmanhãsdesábadoelesereuniacomosgerentesdaredeparaavaliaroresultadodasemanaeplanejaroque seria feito dali para a frente. SamWalton nãomedia as palavras quandoachava que era preciso enquadrar alguém (na autobiografia do empreendedor,umdosseussubordinadosrevelouquenumaocasiãoochefelhedissenafrentedetodoogrupoqueeramelhorelepensarantesdeabriraboca).Emmeadosdadécada de 80, numa dessas reuniões, Walton propôs um desafio aos seusexecutivos:seamargemdelucrodacompanhiaantesdosimpostosfossemaiorque 8% (amédiado setor erametadedesse índice), ele dançariahula-hula emWallStreet.Acompanhiabateuametaeoempresárioseviuobrigadoapagaraaposta.OcircofoiarmadoemfrenteàsededoMerrillLynch,nodia15demarçode1984.Aos 65 anos, devidamente fantasiado– saiade ráfia, colarde flores earranjo na cabeça –, Walton requebrou desajeitadamente ao som de músicahavaianaacompanhadopor trêsdançarinas.Longede serumexibicionista, eleteve de vencer a timidez para levar adiante sua estratégia de motivação dopessoal. Walton não dançou para aparecer em fotos de jornais e revistas –embora, involuntariamente, isso tenha acontecido.Ele dançouparaprovar aosseus “associados”, como os funcionários doWalmart são chamados, que fariatudoparaveracompanhiacrescer.“Euaprendimuitotempoatrásqueexercitarseu ego em público não é a melhor maneira de construir uma organizaçãoeficiente”,afirmouWalton.Alguns anos depois, Beto Sicupira copiou a tática do mentor na LojasAmericanas.PrometeudançarvestidodeodaliscaseacompanhiaatingisseumamargemEBITDA(lucroantesdeimpostos,juros,amortizaçãoedepreciação)de6%.AssimcomonocasodeWalton,aprovocaçãodeBetodeucerto.No finaldaqueleano,quandoviuosresultadosdacompanhia,elepercebeuqueteriadecumprirapromessa.Numdiaensolaradodedezembro,aPraçaMauá,nocentrodo Rio de Janeiro, foi tomada pela bateria da escola de samba Beija-Flor. Emfrente aos percussionistas e acompanhado por algumas passistas, um sujeitoesguio e desengonçado, vestido de odalisca, tentava sem muito sucesso

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acompanharoritmo.Beto Sicupira na Praça Mauá e SamWalton emWall Street demonstrarampublicamenteque,comodançarinos,eramótimosempresários.

aLojasAmericanas,BetoSicupira sempre foiparanoico comcontrolededespesas. Costumava dizer que “custo é como unha, tem que cortar

sempre”.Suaoutraobsessãoeraidentificarnovasoportunidadesdeganhosquepoderiam surgir no negócio – de preferência, que exigissem baixosinvestimentos. Foi assim, por exemplo, que nasceu a São CarlosEmpreendimentos Imobiliários, em 1989. A Lojas Americanas tinha então 50pontos de venda próprios. Beto enxergou ali duas coisas. A primeira, que asações da varejista não eram mais bem avaliadas por causa dos imóveis. Asegunda, que as lojas mascaravam a real rentabilidade da empresa, porque adispensavamdopagamentodealuguel.Foientãoquesugeriuumnovoformato.Aempresadeviafazerumacisãodasduasatividades–avarejistaeaimobiliária.Para ele, essas áreas teriam mais sucesso se fossem independentes do queatuandojuntas.Naquela época, administração imobiliária era um mercado pequeno etipicamente familiar. A São Carlos cresceu sob o radar, enfrentando poucaconcorrência.Foisócomorecenteboomimobiliáriobrasileiroqueacompanhiaganhoupopularidade.Em2013tinhaumportfóliode3,5bilhõesdereais–dosquaismenosde10%sãopontosdevendadaLojasAmericanas–evaliaembolsaalgoemtornode2,8bilhõesdereais.Umretornoetantoparaumnegócioquenasceusemexigirumtostãodeinvestimento.

urante anos, o braço direito de Beto Sicupira na Lojas Americanas foi opaulista José Paulo Amaral. Os dois haviam sido apresentados em um

almoço no início dos anos 80 por André De Botton, um carioca demaneiras

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aristocráticascujafamíliacontrolavaaMesbla,entãoumapoderosarededelojasdedepartamentos.AmaraleranaépocaodiretorsuperintendentedaMesbla,eDe Botton vinha preparando o executivo para eventualmente substituí-lo nocomandodacompanhia.Depoisdaqueleprimeiroencontro,AmaraleBetologocomeçaram a praticar esportes juntos. Corriam, andavam de bicicleta,mergulhavam.Tornaram-seamigos.NumaconversaentreosdoisnacasadepraiadeBetoemCaboFrio,nolitoralfluminense,AmaralcomentouqueadoravatrabalharnaMesbla,mashaviaumdetalhequeo incomodava.Aempresa, fundadaem1924,mantinhao controlefamiliar,enenhumfuncionário,pormelhorquefosseseudesempenho,tinhaachancedeganharumaparticipaçãoacionária.Betoentendeuorecadoegostoudoqueouviu.Haviasóumcuidadoatomar:ocomandantedaLojasAmericanasnãoqueriase indisporcomAndrédeBotton.AmaralsugeriuentãoestabelecerumaespéciedequarentenavoluntáriaentresuasaídadaMesblaeoingressonavarejistadoGarantia.Pediudemissãoesededicouacolocarempéumapequenaoperaçãodeoutlets,chamadaMaisporMenos.“Oinvestimentoinicialfoide1milhão de dólares, e metade disso foi financiada pelo Garantia”, diz o ex-executivo,quedivideseutempoentreoRiodeJaneiro,ondemora,eoestadodeMatoGrossodoSul,ondetemumafazenda.Menosdeumanodepoisdeabertaaprimeiraloja,localizadanaavenidaSantoAmaro,emSãoPaulo,aMaisporMenosfoicompradapelaempresacomandadaporBetoSicupira. “Eu recebi açõesdaLojasAmericanase aLojasAmericanasficoudonadaMaisporMenos”, lembraoexecutivo.Pelaprimeiraveznavida,José Paulo Amaral era acionista da empresa onde iria trabalhar – e ele estavaadorandoaquelaideia.Amaral começou a dar expediente como diretor-superintendente na LojasAmericanasemdezembrode1985.LogonotouqueserianecessáriodeixarparatrásovisualsisudoadotadoquandotrabalhavanaMesbla.“Elechegoudeternoinglês, cabelo gomalizado, sapato de cromo alemão”, diz um ex-executivo daLojasAmericanas.“Nodiaseguintejáestavadecalçajeansetênis.”Precisouseacostumartambémanãoterumasala,secretáriaparticular,carrofornecidopelaempresa–mordomiasdisponíveisnoantigoemprego,masqueestavamforadecogitação na cultura da escola Garantia. Ele não se importou. Sua únicapreocupaçãoerafazeraLojasAmericanascrescer(afinal,eraumdosacionistas).

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Amaralserecordadoinício:“QuandooGarantiacomprouaAmericanas,aempresa iademalapior.Betovia que existia a possibilidade de virar aquilo,mas era preciso agir duramente.Quemoconhecesabequeoradicalismomoraali.Ele,naépocamaisjovem,maisdurão, estava levando uma disciplina enorme para dentro da companhia,cortando despesas... Quando eu cheguei lá ele ainda estava em plena ebulição,mandando gente embora, contratando outros e armando uma revolução...Aprendimuitocomele.”Por alguns anos a convivência entre os dois foi ótima. Ao longo da semanatrabalhavam como loucos para fazer da Lojas Americanas uma máquina deganhardinheiro.Aos sábados e domingos era comumquepescassem juntos –emCaboFrioouAngradosReis,ondeBetoeAmaraltinhamcasadeveraneio.AamizadeseestreitouapontodeBetoconvidarAmaralparaserpadrinhodesuasegundafilha,Helena.OnzeanosdepoisdesuachegadaàAmericanas,Amaraldeixaria a empresa num episódio conturbado, que colocaria um ponto finaltambémemseurelacionamentopessoalcomSicupira.

omoPlanoReal,em1994,eoconsequentefimdainflação,umasériedecompanhiasbrasileirasfoiexpostaaumanovarealidade.Pormuitotempo,

ter um departamento financeiro afinado, capaz de movimentar o dinheiro dacompanhia demodo a ganhar com a exorbitante escalada de preços, era umatremenda vantagem competitiva. A estabilização da economia acabou com apossibilidade desses ganhos financeiros. Agora as empresas precisariam sereficientesemseupróprioramodeatividade–enãomaisatuarcomofinanceirasdisfarçadas.Nosetordevarejo,habituadoaanosderemarcaçõesàsvezesdiárias,obaquefoiimediato.ParaaLojasAmericanas,quecarregavaemseuDNAaorigemdebanco,otombofoimaissevero.Noprimeirotrimestrede1996,depoisdequatroanosde lucrosconsecutivos,aredecontroladapeloGarantiaregistrouprejuízo

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(osinalamarelo já foraacesonoanoanterior,quandoo lucroficaraabaixodoesperado pela administração). Parte dos problemas estava concentrada emdeficiênciasdetecnologiaelogística.Outrapartesedeviaaumaassociaçãofeitacom o Walmart, em 1994, para trazer ao país a varejista fundada por SamWalton.AparceriacomarededoArkansasfoiumadaquelasideiasqueparecemfazertodo o sentido no papel,mas que fracassam quando colocadas em prática.Asduas empresas eram velhas conhecidas, tinham culturas parecidas ecompartilhavamamesmaambiçãodecrescer.Seuscomandanteseramamigos.A Lojas Americanas era então a líder do varejo brasileiro. Nada melhor quetrazerparaoBrasilamaiorrededomundoeaceleraraindamaissuaexpansão.OacordoentreasduaspartespreviaqueoWalmartteria60%danovaempresacriada noBrasil e que àAmericanas caberia o restante.Quando o negócio foianunciado,aconcorrênciatremeu.Contra todas as expectativas, deu tudo errado. Como oWalmart nada sabiasobre os hábitos de consumo dos brasileiros, simplesmente reproduziu aqui oque fazia nos EstadosUnidos – o que significava, por exemplo, vender bolsaspara tacos de golfe, tilápias vivas e coletes salva-vidas em suas lojas. A LojasAmericanas,minoritária, pouco conseguia apitar sobre o destino da operação.“OpessoaldoWalmartfalavaqueareceitadelesfuncionavanosEstadosUnidosequefuncionariaaquitambém”,lembraJoséPauloAmaral.“NainauguraçãodoSupercenterdeOsasco(naGrandeSãoPaulo),avisamosqueeraprecisocolocaretiquetaeletrônicaparaevitarfurtos,maselesnãoouviram.Foiumafestaparaosbandidos.Roubarambarbeador,roupa,camisa,tudo.”O papel dos brasileiros no negócio ficou praticamente reduzido a ajudar afinanciarsuaexpansão.Oproblemaéqueabrincadeirasaíacaro–pelomenosparaobolsodaAmericanas,muitomenorqueodoWalmart.Entrecontinuarainjetar dinheiro numa companhia onde não podia ditar as regras e sair donegócio, a Americanas ficou com a segunda opção. Três anos depois daassinaturadoacordo,avarejistabrasileiravendeusuaparticipaçãoaoWalmart.BetoSicupiraeseussóciosforamforçadosaabrirmãodosonhodeseassociaràmaiorvarejistadomundoparapreservarocaixadaAmericanas–umadecisãodaqual jamais se arrependeram. Semos sócios locais, a operaçãobrasileiradoWalmartlevouquaseumadécadaparafinalmenteentrarnoseixos.

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Quando a separação do Walmart foi formalizada, Beto Sicupira já estavaafastadododiaadiadaLojasAmericanas.Em1993elehaviadeixadoopostodeprincipal executivo da companhia para se dedicar à formação da GPInvestimentos, o primeiro fundo de private equity do Brasil (o empresáriopermaneceucomopresidentedoconselhodavarejista).Desdeentão,ocomandoda Lojas Americanas passou para as mãos de José Paulo Amaral. Para Beto,depois de uma gestão que já completava quase cinco anos, era omomento defazerumanovasucessãonacompanhia–eassimdaroportunidadeparaqueosmais jovens ascendessem. Sua ideia era fazer de Amaral sócio da GPInvestimentos,ondeaexperiênciadopaulistacomoexecutivopoderia serbemaproveitada.AlógicaseriaperfeitaseAmaralestivessedeacordocomoplano–oquenãoera o caso. Para o executivo, sair da administração direta de uma grandecompanhia e se enfiar num fundo de investimentos representava o primeiropassoparaaaposentadoria.Elequeriacontinuarmergulhadoemumaoperaçãoemvezdeacompanharàdistânciaodesempenhodeumpunhadodeempresas.OimpasseemrelaçãoaofuturodeAmaralfoioprimeiroelementoaminararelação entre os dois amigos.O outro foi definir quem substituiriaAmaral nofuturo. O candidato de Beto Sicupira era Fersen Lambranho, um cariocaformado em engenharia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e commestrado em administração no Coppead. Ele havia ingressado na LojasAmericanas aos 24 anos, no mesmo mês em que Amaral começou a darexpediente.Amaraltinhaoutrapreferência,otambémengenheiroLuizMeisler,responsável pela área de tecnologia da varejista (que se tornou vice-presidenteexecutivoparaaAméricaLatinadaOracle).ApersonalidadedeFersen,comoéconhecido,lembravaemmuitosaspectosade Beto Sicupira: “mão na massa”, incansável, truculento, ambicioso. Comoresponsável pela área financeira da Americanas, ele teve chance de fazer umaespéciedeestágionoGarantia,oquelherendeuumaimersãovaliosanaculturado banco (por causa dessa proximidade, Fersen é a única pessoa que nãotrabalhounoGarantiaaserconvidadaparaosalmoçosdeconfraternizaçãoentreosex-sóciospromovidosporRogérioCastroMaia).“OBetofoi100%decisivonaminhaformação”,dizFersen.Amaral e o pupilo de Beto tinham visões muito diferentes de como a

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companhia devia ser administrada. Nenhum deles escondia o conflito. Numaocasião,aproveitandoqueAmaralestavaemviagem,FersenprocurouBetoparafalar sobre a necessidade de investir na área de logística, demodo a tornar aempresa mais eficiente. O chefe lhe deu carta branca e o jovem contratou aconsultoria McKinsey por 1 milhão de dólares para redesenhar a operação.Quando soube da contratação, feita à sua revelia, Amaral esbravejou. “Elemechamounocantoe falouque iapagarpeloprojeto,masqueerabomeu saberque aquilo não ia andar”, diz Fersen. “Por atrasos como esse, a companhiaperdeumuitotempoatéconseguirseadaptaraofimdainflação.”A situação ficou insustentável. Durante uma reunião do conselho da LojasAmericanas com Beto, Marcel Telles e Jorge Paulo Lemann, Amaral deu umultimato. “Eu disse que havíamos chegado a um impasse, porque eu nãoconseguiaconvenceroBetodequenãoqueriairparaaGPnemqueoFerseneraa pessoa errada para assumir aAmericanas”, lembra o executivo. A reação deJorgePaulo foi típicade alguémque evita a todo custo entrar emconflito.EleolhouparaBetoeAmaral e falou: “Vocês sãocompadres,vocêsdecidem.”Poralgunssegundosasalaficouemsilêncio.Depoisdepensarumpouco,Betodisseque Amaral iria para a GP. “Não. Eu vou embora”, encerrou o executivo. Oanúncio, aparentemente intempestivo, pegou o trio de surpresa. O que osempresáriosnãosabiaméqueAmaraljátinhaumnovotrabalhoengatilhado.

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E

Aformaçãodotriunvirato

m1980oGarantiasomava17sócios.Seisdeles–JorgePauloLemann,Hercias Lutterbach,Marcel Telles, Beto Sicupira, Fred Packard e LuizCezar Fernandes – faziam parte do comitê executivo, uma espécie de

núcleo duro que definia as principais diretrizes da instituição. Ao longo dosanos,Marcel e Beto, os mais jovens do grupo, construíram uma relação comJorge Paulo que ia além da afinidade profissional. Marcel aprendeu pescasubmarinae,assimcomoBeto,começouapraticaroesportecomLemannnosfins de semana (comentava-semaldosamente no banco que para ascender erapreciso pescar com o “chefe”). Jorge Paulo apreciava a dupla não apenas pelacompanhia nas pescarias, mas pelos resultados que trazia para o Garantia.Naquele início de década eram eles que cuidavam dos principais negócios dogrupo. Beto Sicupira era o rolo compressor à frente da virada na LojasAmericanas.Marcel Telles, o homemque comandava amesa de operações dobanco,ocoraçãoeagrandefontedereceitasdainstituição.QuemtrabalhoucomMarceldizqueeleeraumsujeitoduroe justo.Nuncafoidadoagritarias,masnãodeixavaderepreenderumfuncionáriosejulgassenecessário.ClóvisMacedolembradeumaocasiãoemquelevouuma“chamada”dochefe:“Eu estava inseguro em tomar uma decisão de investimento e achei melhoresperar. Marcel, quando percebeu a situação, me disse que até relógio paradoacertaahoraduasvezespordia.Ouseja,eledeixouclaroquecontinuar imóvelnãoeraumaestratégiaaceitável...Parabomentendedor,meiapalavradoMarcel,umolharbastava...Numdiatípicoelesentavaàmesa,botavaosdoispésemcimaeabriaojornal.Agentebrincavaqueojornalestavadecabeçaparabaixo,queelenãoliacoisanenhuma.Quandoalguémfalavaalgumabarbaridade,elebaixavaojornal,olhavaparaofulanoquetinhaditobesteiraevoltavaalerdenovo.Aquiloeraumpavorparaagente,eraummedoqueelebotavaemtodomundo.”

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Cada qual com seu estilo, Marcel e Beto cresciam como ninguém mais nogrupo.Apesardisso,umsócioantigoaindadetinhaumaparticipaçãoacionáriamaiorqueadeles.LuizCezarFernandes,ovelhoconhecidodeJorgePaulodostemposda corretoraLibra, havia se transformado emumobstáculo ao avançodos jovens.“HouveumtempoemqueBetoeMarcelchegaramase ‘estranhar’nobanco”,dizumantigosócio,sobcondiçãodeanonimato.“OCezarfoiumaespéciedeinimigocomumqueacabouunindoosdois.”Fernandes não tinha uma educação formal de primeira linha como Beto eMarcel. Ao contrário dos dois jovens que adoravam praticar esportes, era umsedentárioconvicto.Elebemquetentouaprenderpescasubmarina,masnãoseadaptou.NumaocasiãoJorgePaulooconvidouparapescaremnasCagarras,umconjunto de sete ilhotas a cinco quilômetros da praia de Ipanema. Fernandesenjoounomarenuncamaisrepetiuadose.DepoisdetantotemponoGarantia,ele havia acumulado um patrimônio considerável e começava a desacelerar oritmode trabalho.Nessa disputa por espaço, pouco a poucoFernandes perdiaterreno – e não gostava nem um pouco daquela situação.Durante uma longaentrevistaconcedidanumatardequentedefevereirode2012,noRiodeJaneiro,elefalousobreoassuntoenquantofumavaseuinseparávelcachimbo:“Dava para perceber que os três (Jorge Paulo, Marcel e Beto) estavam muitounidoseissomeincomodouumpouco.Nãoseiseporciúmeouseiláoquê.Talvez‘complexodevira-lata’,comodiziaoNelsonRodrigues.Nãoestavabompramim,nãoestavaconfortável,emboraeufosseosegundomaioracionistadobanco,com10% de participação... Eu tinha uma divergência principalmente com o Beto.Achavaqueagentetinhaquemudarumpoucoaatuação,entrarnaáreadeassetmanagement(gestãoderecursosdeterceiros)eelediscordava...”Com tanto em jogo, não foi fácil tomar a decisão de sair do Garantia. Emsetembro de 1982, Fernandes tirou uma licença de três meses. Antes, alertouJorgePaulodeque talveznãovoltasse.Ele aproveitoua folgapara realizarumsonhoantigo: ir auma reuniãodoFundoMonetário Internacional. “Eununcatinha conseguidoporqueo Jorge era radicalmente contra, achavaque ali tinhaumbandodebabacas”,dizele.NareuniãodoFMIencontroudoisconhecidosdomercado: o economista Paulo Guedes e Renato Bronfman. Começaram ali

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M

mesmoaconversar sobreumpossívelnovonegócio.Logoumquartonomesejuntouaogrupo,odo tambémeconomistaAndré Jakurski.Em janeirodoanoseguinte, Fernandes avisou a Lemann que iria montar uma distribuidora detítulosevaloresmobiliários.Em1983,comumcapitalde200mildólares,nasciaoBancoPactual–onomereúneasiniciaisdostrêsmaioressócios,Paulo,AndréeCezar (comoFernandesé conhecidonomercado).OGarantia recomprouasações de Fernandes para que elas fossem distribuídas entre os sócios –principalmente os jovens. A partir daquele momento, Beto Sicupira e MarcelTellesformaramcomLemannumtriunviratoquenuncamaisseriaameaçado.

arcelTelleseBetoSicupirachegaramaoantigoGarantianadécadade70.Praticamente todo esse tempo a dupla viveu em sociedade com Jorge

Paulo Lemann – primeiro com participações muito pequenas e aos poucosganhandocadavezmaisespaço.Manterumaparceriatãoduradouraéumadasgrandeschavesdosucessodessesempresários.Comoelesconseguiramisso?Desdeo inícioospapéis ficaramclaramenteestabelecidos.NoGarantia, JorgePaulosempre foioestrategista;Marcel,ochefedamesa,eBeto,ohomemdosnovos negócios. Embora boa parte dos funcionários se referisse a Jorge Paulocomoo “patrão”, pois ele sempre foi omaior acionista,Marcel e Beto tinhamautonomia.Umnão interferia no trabalho do outro, ainda que eles trocassemideiaseopiniões.EmtodasasiniciativasquevieramdepoisdoGarantia–LojasAmericanas,Brahma,BurgerKingetc.–essamesmareceitafoimantida.Queméo “dono” de um negócio toma as decisões e assume os riscos. “Elesprovavelmente já engolirammuito sapo uns dos outros, mas nunca deixaramque isso abalasse a sociedade”, diz uma pessoa próxima ao trio. Para oempresárioJorgeGerdauJohannpeter,presidentedoconselhodagaúchaGerdauequeos conhecedesde adécadade 80, os três logoperceberamque trabalharjuntosseriaumafórmuladesucesso.“Cadaumtemumperfildiferente,maselesreconhecemque essa é uma das forças do triunvirato. Eles se complementam.Separadosprovavelmentenãoteriamchegadoaondechegaram”,opinaGerdau.Essaafinidadetemcomobaseumasériedevalorescomuns.UmaconversacomJorgePaulo,BetoouMarcelsempreserápontuadapelasmesmasreferências.Os

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três acreditamque, para ser vencedora, uma empresa deve recrutar gente boa,preservarameritocraciaedividirosucessocomosmelhores.Todosvalorizamasimplicidade enãodão amenorbolaparahierarquia.Estãomaispreocupadosemconstruirempresasduradourasdoqueemapareceremlistasdosempresáriosmais ricos domundo. Eles podem ter estilos diferentes – um antigo sócio doGarantiaquemantémcontatocomotriodizque,notratopessoal,Betoédurão,Marcel é “soft” e Jorge Paulo é “soft, soft, soft” – , mas, no conteúdo, seusdiscursos são praticamente os mesmos. Anos atrásMarcel resumiu o segredodessa convivência: “A gente sempre teve um sonho em comum... E semprerespeitouquemestátocandoumnegócio...Deixamosocarairemfrente.Éclaroqueestáimplícitoque,seobarcoafundar,eleafundajunto...”ParaomegainvestidorWarrenBuffett,elepróprioprotagonistadeumalongevasociedadecomoadvogadoCharlieMungernaBerkshireHathaway,hámaisumfatorimportantenaperpetuaçãodaparceriaentreosbrasileiros.Otrio,segundoele, conseguiu escapar das batalhas de egos, armadilhas comuns em que caemmuitoshomensdenegócios.“Vocênãopodecompetircomseusócio,nãopodeseimportarcomquemlevaráocrédito por um negócio. A ideia de que um tem que ganhar não funciona emnenhum relacionamento – sociedade ou casamento. Ninguém desse grupo debrasileiros busca o crédito para si. Ao contrário. O sucesso da AB InBev, porexemplo,JorgePaulodizqueéméritodo[Carlos]Britoedesuaequipe.Issonãoécomumporaí.Algumtempoatrásoex-executivoMichaelEisnerescreveuumlivrosobre sociedades bem-sucedidas [Working Together –Why Great PartnershipsSucceed] e teve dificuldade em encontrar 10 casos que realmente funcionaram[um dos exemplos do livro é justamente o relacionamento entre Buffett eMunger]...Paramuitagenteagraçaestáemaparecereteroreconhecimento.Sãopessoas que pensam: qual a vantagem de estar no topo se não há ninguémembaixo?JorgePauloeseussóciossãooopostodisso.”Aconfiançaentreelesétamanhaqueotriosóredigiuumacordodeacionistasnoiníciodosanos2000–emgrandemedidaparapreservarasrelaçõesfuturasentre seusherdeiros.Estabelecer as regrasque vão reger apróximageraçãodesócios,aliás, temsidoumapreocupação.Somados,os trêsempresários tiveram

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11filhos.Jorge Paulo Lemann casou-se duas vezes. A primeira delas, em 1966, comMaria de San Tiago Dantas Quental, conhecida como Tote, uma psicanalistabonita e elegante da alta sociedade carioca. Com ela teve três filhos: AnnaVictoria,Paulo e JorgeFelipe.Em1986osdois se separaram (Tote faleceuem2005,vítimadecâncer).ComopelasregrascriadasporJorgePaulonenhumdosseusfilhospodetrabalharemempresascontroladaspelopai,PauloeJorgeFelipe(conhecido como Pipo) decidiram trilhar o mercado financeiro por contaprópria.PauloédonodagestoraderecursosPollux;Pipovendeusuacorretora,aFlow,paraobancoPluralem2012(elepermaneceucomosóciodoPlural).AnnaVictoria nunca se animou com o mundo das finanças e preferiu estudarpsicologia.Cincoanosdepoisdesuaseparação,JorgePaulosecasoucomSusanna.Naturalde Zurique, ela fora contratada pela Escola Suíço-Brasileira do Rio de Janeiroparatrabalharcomoprofessora.Semconhecerquaseninguémnopaís,logoquechegouaoBrasilamoçaprocurouJorgePaulo–umprimodelequemoravanamesma cidade de Susanna lhe dera o telefone do banqueiro. Jorge Paulo seencantoucomela.Assimcomoele,asuíçalevavavidadeatleta:corria,andavadebicicleta,acordavaedormiacedo.Elagostavadeviagensalugaresremotose,depreferência,ondepudessepraticaralgumesporte(anosdepoisSusannaabririaaagênciadeturismoMatueté).Ocasamentogeroutrêsfilhos:Marc,LaraeKim.Em2013JorgePaulojátinhaoitonetos.MarcelTelles,porsuavez,épaidedoismeninos–ChristianeMax–,frutodeseu segundo casamento, comBianka, terminado em2009.No final de 2012, oempresáriosecasoucomFabrizziaGouveia,suaamigahámaisdetrêsdécadas.Seus filhos sabem que jamais poderão trabalhar nas empresas do pai. Dar anotíciaparaos garotosnão foi fácil.Anos atrás, quando ia fazerumcurso emHarvard, Marcel decidiu levar Christian para acompanhá-lo na viagem. Omenino, então com 11 anos, ficou encantado com o que viu na universidadeamericana e com o que ouviu sobre a Ambev. Disse que seria muito legaltrabalhar na cervejaria no futuro. Foi então queMarcel contou ao garoto que,pelasregrasdasociedade,issojamaisaconteceria.Omáximoqueacartilhadelespermiteéqueosfilhospassemumanocomotraineesedepoisdeixemaempresa.Decepcionado,omeninoescutouopaieficoucalado.“Quantos(Carlos)Britose

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João Castro Neves (diretor-geral da Ambev) existiriam na companhia sepudessementrar familiares?Agenteolhapor ano70mil candidatos a trainee.Seráqueaminhagenéticaétãofortequeeuvoucriarumfilhoqueéumem70mil?Nãosónãoacreditonessesmilagresdagenética,comoeuachoqueanossaculturadesapareceria”,disseMarcelcertavezsobreessapolítica.OúnicodotrioquesecasouapenasumavezfoiBetoSicupira.Desde1979suaesposaéCecíliadePaulaMachado,membrodatradicionalíssimafamíliaGuinlede Paula Machado. Os negócios do clã de Cecília eram muitos e de ramosvariados – da construção e exploração do Porto de Santos à criação daCompanhiaSiderúrgicaNacional edohotelCopacabanaPalace.Comopassardos anos, os Guinle de Paula Machado tiveram que vender todos os seusempreendimentos–oúltimofoioBancoBoavista,em1997.Comaesposa,Betotevetrêsfilhas:Cecília,HelenaeHeloísa.Embora não participem do dia a dia das empresas de seus pais, os filhos deJorge Paulo, Marcel e Beto estão sendo preparados para assumir o papel deherdeiros.Otreinamentocomeçoucedoeincluiumasériedeatividades.Todasas mulheres já assistiram a aulas de contabilidade. Os filhos mais jovensaprendemliçõesdecomolidarcomdinheiroedepoislevamateoriaparaavidareal – com a ajuda do economista Dany Rappaport eles gerem um pequenofundodeinvestimentos.Umavezaoano,todososmembrosdastrêsfamíliassereúnemduranteumfimdesemana.Osencontros,claro,nãosãoapenasparaqueosherdeirosseconheçammelhor.RobertoSetúbal,presidentedoItaúUnibanco,e JorgeGerdau,porexemplo, já foramconvidadosaparticipardessas reuniõesparafalardesuavivênciaemempresasfamiliares.Opessoalmaisjovemtambéméencorajadoacontaroqueandafazendo.Naediçãode2011,HeloísaSicupirarelatou como foi a experiência de ser trainee da Ambev naquele ano – comoqualqueroutroparticipantedoprograma,elanãofoipoupadanemdecarregarcaixas de cerveja. A única diferença no tratamento é que os familiares sãodispensadosdepassarpelofunildaseleção.Os herdeiros começam também a tomar espaço nos conselhos deadministração.PauloAlbertoLemann,porexemplo,ingressounosconselhosdaAmbevedaLojasAmericanas.Em2014elevaiparaaABInBev,substituindoopai (Jorge Paulo tem ainda direito a um segundo lugar no conselho, hojeocupadoporRobertoThompson).JorgeFelipeestánoconselhodaSãoCarlose

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daB2W, a empresa de comércio eletrônico controlada pela LojasAmericanas.CecíliaSicupiraGiustiéconselheiradaLojasAmericanaseumadassuplentesdaSãoCarlos.Comtodaessapreparação,osempresáriosesperamqueosherdeirosperpetuemos negócios erguidos pelos pais. O patrimônio do trio é dividido entre osacionistasemproporçõesquevariamemcadaumadasempresasinvestidas.NaABInBev,porexemplo,elespossuemjuntos18,62%.Lemanndetém10,31%docapital total (suas ações são repartidas igualmente entre suas duas famílias),enquantoMarcel tem4,6%eBeto,3,71%.NavarejistaLojasAmericanas, JorgePaulodetém19,89%dasações,Betotem14,67%eMarcel,9,43%,numtotalde43,99%. É apenas na SãoCarlos queMarcel e Beto têm participações iguais –cadaumcom16,86%.JorgePauloédonode20,13%.Somadas,asparticipaçõesdostrêsalcançam53,85%docapitaldaempresa.“Nossoinvestimentovalemaiscomoblocodoquepicotado”,disseJorgePaulotempos atrás. “Todo esse treinamento é uma maneira de eles (os herdeiros)ficaremjuntos,teremorgulhodaquiloedefenderemopatrimônio.”

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S

AcosteladoGarantia

eparaMarcelTelleseBetoSicupiraasaídadeLuizCezarFernandesdoGarantia representava a formação definitiva do triunvirato com JorgePauloLemann,paraFernandesamudançasignificavaaoportunidadede

criar,dozero,umainstituiçãocomoelesemprequis.Aoladodosnovossóciosele poderia aproveitar sua experiência para desenvolver o seu próprio “sonhogrande”. Ele tinha à sua frente umamiríade de possibilidades. Sua escolha foicopiaraculturadoGarantia.ComocontroladordoPactual,Fernandeslevouparaonovobancotudooqueaprendera com Jorge Paulo Lemann. Meritocracia, partnership, ambientecompetitivo, avaliações semestrais, bônus agressivos, tudo isso foi adotado nanovainstituição–ummodeloqueseriaperpetuadonoPactualatéasuavenda,em2006,paraosuíçoUBS.GilbertoSayãoconheceuessemecanismopordentro.EntrounoPactualem1991,comoestagiário,recém-formadoemengenhariapelaPUCdoRiodeJaneiro.Trêsanosdepoisjáeraumdossóciosdainstituição.Em2012,aos41anoseà frentedagestorade recursosVinciPartners,Sayão falousobreassemelhançasentreoGarantiaeobancoondetrabalhouporquaseduasdécadas:“OsconceitosdepartnershipemeritocraciaeramaespinhadorsaldoGarantiaeeramtambémaespinhadorsaldoPactual.NãoexistianoBrasilessenegóciodevocê oferecer sociedade, bônus agressivo, fixo baixo e variável muito alto. Nãoexistia issodevocêpegarumcara jovem,quenãotinhaexperiência,comoeraomeu caso no banco, e dar oportunidade. Assim como no Garantia, no Pactualdesde o primeiromomento você já era elegível a bônus.Semeperguntar omeusalárionaépoca,nãoseinemresponder.Agrandereferênciaeraobônus.Depoisvocêpodiavirarassociadoe, finalmente,sócio–compravaações financiadopelatesourariadobancoepagavacomosseusbônusfuturos.UmmodeloigualaodoGarantia. E não tinhamordomia nenhuma.Carro?Título de clube? Esquece. É

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Q

dinheiro,entendeu?Ecomoseudinheirocadaumfazoquequiser.”ParabancoscomooGarantiaeonovatoPactual,ainstabilidadeeconômicadopaísnosanos80representavaumatremendaoportunidade.Ébemverdadequeera preciso lidar com uma série de planos econômicos (Cruzado em 1986,Bresser em 1987,Verão em 1989 eCollor em 1990),mudanças demoeda (decruzeiropara cruzado;de cruzadopara cruzadonovo, ede cruzadonovoparacruzeiro)eumahiperinflaçãoqueatingiuespantosos1.973%em1989.Enquantoarendamédiadobrasileiropraticamenteficouestagnadanoperíodo,osbancosganharamdinheiroarodo–emgrandepartefinanciandoadívidadogoverno.Nesse cenário, o Pactual decolou. Nos 10 primeiros anos seu crescimentomédioanualfoide33%eopatrimôniopessoaldeLuizCezarFernandesbeiravaos600milhõesdedólares.TudoindicavaquesuadecisãodesairdoGarantiaefundar o Pactual tinha sido a mais acertada. Na nova instituição, Fernandesprovouaomercadoseutalentocomobanqueirocriativoeousado.TevetambémachancededarotrocoaBetoSicupira,comquemsedesentenderanasaídadoGarantia.

uando José Paulo Amaral, na época principal executivo da LojasAmericanas, avisoua JorgePauloLemann,MarcelTelles eBetoSicupira

quenão trabalharianaGPInvestimentos, elenãodisseque tinhaumempregoemvista.LuizCezarFernandesoconvidaraparareestruturaraMesbla,quehaviapedidoconcordatadeixando1.600credoresnamão,entreelesoPactual.Amaral,quesabiadorachaentreFernandeseBetoSicupira,achoumelhornãocomentarcom o amigo qual era seu novo destino profissional. Combinou com oscontroladores da Lojas Americanas que deixaria a companhia e que faria atransiçãodocargoparaoescolhidodeBeto,FersenLambranho.EnquantoAmaral preparava sua saída, a notícia de que o executivo estava acaminho da Mesbla foi publicada nos jornais. Beto Sicupira ficou furioso eencarouaatitudedeAmaral, seucompadreecompanheirodepescarias,comoumabrutaltraição.“Betoficouchateado,foradecontrole,achouquenãodevia

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teracontecidonadadaquilo”,dizAmaral.Oestragoestavafeito.AodeixaraAmericanas,Amaraldetinhaumaparticipaçãoacionáriadequase25milhõesdedólaresnavarejista.Alémdodinheiro,levouliçõesdegestãoqueusaatéhoje.NaFazendaNovoRumo,propriedadequemantémnoMatoGrossodo Sul, todos os funcionários são elegíveis a bônusdepois de umanode casa.JoséPauloAmaral sónão conseguiu refazer a amizade comBeto.Nuncamaisreviusuaafilhada.“Navidaagentesempretemperdas”,dizele.“Felizmenteeutenhomaisganhosdoqueperdas,masseháumaperdaqueeulamentoéessa.”Seu sucessor na Lojas Americanas, Fersen encontrou uma empresa comdificuldades. A companhia havia se tornado pesada, ineficiente, precisava deinvestimentospara semodernizareaprenderaoperarnumaeconomiaestável,sem inflação. Boa parte dos esforços do executivo se voltou para o setor delogística,comacriaçãodeumaáreadedistribuiçãoprópriaeacentralizaçãodosestoques e de tecnologia. Tudo isso para evitar um problema recorrente nasprateleiras das lojas: falta de produtos. Paralelamente, Fersen investiu em umprogramadetraineesquechegouarecrutar150jovens.Formar genteboa epreparar a empresaparaum salto logístico e tecnológicoeram medidas necessárias, mas que só trariam resultado a longo prazo. Oproblemaéque, comumprejuízode37milhõesde reaisnaquele ano, aLojasAmericanasprecisavadeumajusteurgente.Em1998,poucomaisde12mesesdepoisdeassumirocargo,Fersendeixouoposto para trabalhar na GP Investimentos (mas permaneceu no conselho deadministraçãodavarejista).NorelatórioanualdaLojasAmericanasreferentea1997,eleexplicousuasaídaeaescolhadeseusucessor.“Acreditoqueoprocesso,daqui para a frente, deve ser comandado por um novo executivo, com umhistóricodesucessosemgestãodemudanças,equenãoestejaenvolvidocomopassado da Companhia”, escreveu Fersen. O nome indicado foi o de CláudioGaleazzi, consultorqueganhou famaaopromoverdrásticoschoquesdegestãoem empresas passando por dificuldades, como a fabricante de revestimentoscerâmicoscatarinenseCecrisaeaempresatêxtilArtex.Nos anos seguintes a LojasAmericanas teria umdesempenho oscilante, comperíodos de crise e crescimento. E nunca conseguiu fazer sombra ao outrogrande investimentodoGarantia–aBrahma– , aindaqueapresenteumbomretornofinanceiroparaseusacionistas.

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LuizCezar Fernandesmontou um banco vencedor. Também “roubou” umexecutivo-chaveparaoscontroladoresdoGarantia.Emmeadosdadécada

de 90, à distância, o banqueiroparecia imbatível.DentrodoPactual, porém, ahistóriaeraumpoucodiferente.OssóciosdoPactualcomeçarama sedesentenderpordiscordardos rumosatomar. O principal ponto de divergência era em relação à transformação dainstituição em um banco de varejo. Durante 15 anos, o Pactual construírareputação e fortuna como um aguerrido banco de investimentos. Fernandestentava agora convencer seus sócios de que havia um caminho também ematividades como a venda de títulos de capitalização, seguros e previdênciaprivada.SuaintençãoeracompraroBCN,dobanqueiroPedroConde.Nenhumdossóciosqueriaouviraqueletipodeideia.Diversificardemaisasatividadeseraarriscado–eopróprioLuizCezarFernandesjádeveriateraprendidoessalição.Em1993Fernandes investiu1,5milhãodedólaresdoprópriobolso emumaatividade sobre a qual pouco (ou nada) conhecia e arrematou a operação daitalianaBenettonnoBrasil. “Nobanco e namoda você está sempre vendendouma ideia”, disse Fernandes em 1994, na tentativa de identificar umainidentificávelsemelhançaentreosdoissetores.Depoisdedoisanosdeprejuízo,revendeuaempresaaositalianos.OutrainvestidapessoalemquesedeumalfoiacompradaindústriatêxtilTeba,queem1996e1997acumulouprejuízosde43milhõesdereais.NoPactual,assimcomonoGarantia,discriçãonavidapessoaleraumvaloraser perseguido. O fato de Fernandes ter se transformado em um festeiro deprimeira grandeza não ajudou no relacionamento com os sócios. Em 1993 eleorganizoudoiseventosqueficarammarcadosnamemóriadasociedadecarioca.Oprimeirofoiumafestançaparacomemoraros10anosdoPactual.Elequeriamostraraos5.000convidados–eespecialmenteaJorgePauloLemann–comoprosperaradepoisdoGarantia.Lemann,que atéhoje reconhece a importânciaqueFernandes teveno começodahistóriadobanco, saiuda reclusãohabitualparaprestigiaroevento.Aoutrafestançaaconteceunoréveillondaquelemesmoano,quandoFernandesabriuasportasdaFazendaMarambaia,umamagnífica

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propriedade localizadanosarredoresdePetrópolis, com jardinsprojetadosporBurleMarx,paraquase600convidados.Erachampanheparatodolado.Osprimeirosacair foradosplanosgrandiloquentesde transformaroPactualemumbancodevarejoforamPauloGuedeseAndréJakurski,quedeixaramobanconoiníciode1998(RenatoBronfmanhaviasedesligadocercadedoisanosantes).Asaídadelesabriuespaçoparaqueumgrupodesóciosjovens–AndréEsteves, Gilberto Sayão, Marcelo Serfaty e Eduardo Plass – aumentasse suaparticipação.O problema, para Fernandes, é que o quarteto semostrou aindamais refratário a seus planos que os parceiros antigos. Emais: aproveitou suafragilidade financeira, resultado das investidas nos negócios particulares quenaufragaram,paraforçá-loavenderpartedesuasaçõesnobanco.Luiz Cezar Fernandes fez o que pôde para resistir quando os quatro lheofereceramdinheiroparaqueelequitassesuasdívidas–emtrocaeles ficariamcomo controle do banco (o fundador ainda detinha 51%das ações). SegundoumareportagempublicadapelarevistaVejaemagostode1998,depoisdeouvirapropostadosjovenssóciosduranteumareunião,Fernandespediulicençaparairaobanheiroesumiu.Sófoidarascarasnoescritórionovamentetrêsdiasdepois.Estavaencurraladoesozinho.Nãobastassemasagrurasfinanceiras,elesesentiatraídoporumgrupo aoqual dera todas as oportunidades de crescimento. Erauma questão de tempo até que perdesse todos os anéis. Sua participação foiprogressivamente reduzida, até que se viu obrigado a ceder a presidência aEduardoPlass.Emmeadosde1999LuizCezarFernandesvendeusuasúltimasações aos “garotos”, como ele chamava o quarteto antes da queda de braço.Levou 55 milhões de reais pelos 9% de participação, mas saiu moralmentederrotado.Os jovens sócios que o destronaram mantiveram a cultura de meritocraciaemuladadoGarantia.AssimcomonobancocriadoporJorgePauloLemann,oPactualsetransformounumtrampolimparaquejovenstalentososeambiciosos–bem-nascidosounão–fizessemfortuna.Doisdelesficarambilionárioscomavenda da instituição para o suíço UBS por 2,6 bilhões de dólares em 2006:GilbertoSayãoeAndréEsteves.ComasaídadeFernandes,elessetornaramosprincipais nomesdobanco e detinham, cadaum, 30%da instituição.A vendagarantiu a Esteves, um carioca nascido no bairro de classemédia da Tijuca eformado emmatemática, uma projeção global. O ex-operador semudou para

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LondrescomafamíliaparachefiarodepartamentoderendafixadoUBS.Umavezexpostoaomercadofinanceiromundial,Estevescomeçouaarquitetarseupróximopasso.Acrisede2008afetouprofundamenteoUBS–eobrasileiroenxergou uma oportunidade para tentar comprar o controle global do bancosuíço. Uma das fontes de financiamento que Esteves buscou para levar aempreitada adiante foi Jorge Paulo Lemann. Depois de alguma análise, JorgePaulo recuou. A malsucedida tentativa de adquirir quem o havia compradocolocouEsteves numa saia justa comos suíços. Em 2008 ele teve de voltar aoBrasil. Fundou então o BTG, sigla que oficialmente significa Banking andTradingGroup,masquenomercadofinanceiroganhouumainterpretaçãomaissimbólica:BacktotheGame(emportuguês,devoltaaojogo).UmanodepoisdefundaroBTG,EstevesrecomprouoPactualporumvalormuitoabaixodoquehaviavendidoaossuíços.No BTG, André Esteves replicou a cultura baseada em meritocracia esociedade.Trabalhadorcompulsivo,polêmico,arrojadoecomtrânsitoinvejáveljuntoaogoverno,emmenosdequatroanosEstevesfezdoBTGPactualomaiorbancode investimentosdoBrasil, atuando emmercados tãodiferentes quantoprivate equity, administração de fortunas e varejo (essa última atividade,resultadodacompradoPanamericano,umainstituiçãoatoladaemdívidas).Paramuitosqueacompanhamdepertoaascensãometeóricadobanco,talvezEstevesestejaacelerandorápidodemais.OestilodeGilbertoSayãoéumbocadodiferente.Semnenhuma intençãodesair doRio de Janeiro, onde sempremorou, ele continuou à frente daPactualCapitalPartners (PCP),o fundodeprivateequityqueadministravaodinheirodos sócios do banco. Quando as amarras do acordo de venda para os suíçosacabaram,SayãofundouaVinciPartners,umaadministradoraderecursosquehoje tem mais de 15 bilhões de reais sob gestão. Boa parte desse dinheiro éinvestida em empresas dediferentes setores, damoda ao agronegócio.TernasmãosumbanconovamenteéalgoqueSayãodiznãofazerpartedosseusplanos.

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E

Paraqueplanodenegócios?

m1989,depoisdequasetrêsdécadassempromovereleiçõesdiretasparaaPresidênciadaRepública,oBrasilsepreparavaparaescolherseunovomandatário.Dois candidatosdespontavamcomo favoritos.Oprimeiro

eraFernandoCollordeMello,umjovempolíticoquefizerafamaecarreiracomoo “caçador de marajás” em Alagoas, estado que governava até disputar apresidência. O outro era o pernambucano Luiz Inácio Lula da Silva, um ex-sindicalista que representava o Partido dos Trabalhadores. Os dois eram umaincógnita para o eleitorado, mas Lula provocava calafrios na maioria dosempresários brasileiros. Eles temiam medidas como congelamento de preços,sobretaxa aos lucros, aumento da burocracia e até uma reforma agrária queprejudicasseoagronegócio.OentãopresidentedaFederaçãodas IndústriasdoEstadodeSãoPaulo(Fiesp),MarioAmato,chegouadizerempúblicoqueumavitória do representante doPT levaria 800mil homensdenegócios a deixar opaís.Jorge Paulo Lemann não era próximo de nenhum dos dois candidatos –circular por Brasília nunca foi seu forte, ainda que ele conhecesse figurasimportantes do governo. Até aquele momento, tinha ficado a sós com Collorapenas uma vez, por obra do acaso, conforme relatado pela revista Interview,numa reportagem publicada em 1994.Num dia chuvoso no centro do Rio deJaneiro,ColloracenouparaomesmotáxiqueJorgePaulochamava.Depoisdedebateremsobrequemficariacomocarro,decidiram“rachar”acorrida,jáqueseguiriam na mesma direção. Collor não reconheceu o banqueiro, mas JorgePaulosabiaquemeraojovempolíticonordestinoquecomeçavaaganharnomeemtodoopaís.O político e a mulher que o acompanhava se sentaram no banco de trás ecomeçaramaconversareminglês.JorgePauloLemannfoinafrente,aoladodo

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motorista. Collor se queixava à interlocutora do comportamento de algunsempresários. Citou especificamente o nome de Jorge Paulo Lemann. Obanqueiro escutou o quanto aguentou até que, sem se identificar, avisou aos“caronas”quefalavainglês.Collorcontinuouafazercríticas–agoraemfrancês.Quando chegou ao seu destino, antes de sair do automóvel Jorge Paulo olhouparaopolíticoelhedisseapenasqueseufrancêseratãoruimquantooinglês.Às vésperas de uma eleição que poderiamudar as regras do jogo, o caixa doGarantiaestavatransbordando–eJorgePauloLemannsesentiaprofundamenteincomodado com a situação. O banqueiro jamais gostou de ficar com muitodinheiroparadonemdedistribuirdividendos tãogordosquepudessemdeixaros sócios acomodados. Comprar o controle de outra empresa, como já haviaacontecidocomaLojasAmericanas,pareciaasoluçãoideal.Definirqualseriaoalvo de outra aquisição era um dos exercícios prediletos do empresário. Afabricante de papel e celulose Aracruz, por exemplo, foi uma das companhiasqueJorgePaulotentouarrematar–asnegociações,porém,emperraramnofinal.Haviaoutraempresaemquehátemposeleestavadeolho,acervejariaBrahma.Apesardamarca forte, a companhiavinhaperdendo terrenoporuma sériedeproblemasinternos.JorgePaulonãoeraoúnicoanotarodeclínio.“Tinhagenteno nosso grupo que observava esse processo da Brahma e dizia que era umaempresafantástica,masqueestavapedindoumanovaliderançaempresarial”,dizJorge Gerdau. “Como somos totalmente focados em siderurgia, não era umnegóciopara a gente,masdavaparaperceberque aBrahmaprecisavadeumamudança.”Poucomaisdeduassemanasantesdoprimeiroturnodaseleiçõespresidenciais,Jorge Paulo recebeu uma ligação de Hubert Gregg, presidente da cervejaria emembrodeumadasduasfamíliasalemãscontroladoras(aoutraeraaKünning).Fazia tempo que Jorge Paulo conquistara a confiança de Gregg. Tudo haviacomeçadooitoanosantes,quandouminvestidorchamadoMarioSlercapassouacompraraçõesdacervejarianomercado.Comonaquelaépocaospapéisaindaeram ao portador, os controladores da Brahma levaram algum tempo atéidentificarquemeraomisteriosointeressado.AoperceberemqueSlercaestavapróximo de fazer um takeover, os alemães foram pedir ajuda ao fundador doBradesco, Amador Aguiar, com quem tinham bom relacionamento. Aguiarprometeu encontrar uma solução. A saída sugerida pelo comandante do

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Bradesco foi convencer a seguradora SulAmérica a comprar a participaçãodeSlerca.Aguiar,quemantiveraportrêsanosumaassociaçãocomaSulAméricaem uma seguradora de previdência privada, ainda tinha muita influência nacompanhiacarioca.Tudopareciaresolvido,atéqueaSulAméricacomeçouaaumentardemaissuafatia na Brahma. Em outras palavras, o mecanismo que Aguiar usou paraprotegeraBrahmaestavasevoltandocontraacervejaria.GreggsesentiutraídoenovamenterecorreuaAguiar.OdonodoBradesconãogostounadadamanobradaSulAméricaemandouaempresasedesfazerdospapéisimediatamente.Jorge Paulo Lemann estava nos bastidores desse imbróglio desde o início,contratadopelasfamíliasalemãs.CosturouoacordocomoBradesco,pressionouaSulAméricaavenderasaçõesdaBrahmae,finalmente,fezpartedoblocoquefinanciou os donos da cervejaria para recomprarem os papéis em mãos daseguradora.Comocontrolegarantidonovamente,Greggpôdecolocarpartedospapéisàvendadeformamaispulverizada,paranãocorreroriscodesofrerumnovo ataque – e coube ao Garantia levar essas ações ao mercado. Com essenegócio, JorgePaulonão apenas se aproximouaindamaisdoBradesco, bancopelo qual tinha enorme admiração (até hoje o empresário ressalta a força dacultura forjada por Amador Aguiar e sua capacidade de perpetuação), comoconquistouaconfiançadopresidentedaBrahma.“Euganheipontoali...Desdeentãocomeceiafalarparaelesque,seumdiaquisessemvenderacompanhia,eugostariadecomprar”,disseJorgePaulocertavez.No final dos anos 80, a Brahma vivia uma situação típica de empresasfamiliares.Depoisdedécadasdecrescimento,passouaandardelado,sufocadapor questões mais relacionadas aos controladores do que ao negócio em si.Diversos membros das famílias acionistas trabalhavam na cervejaria, muitosdeles em cargos de diretoria – e a chegada de novas gerações só complicava asituação.Emboraacervejariadetivessequase30%departicipaçãodemercado,seu resultado financeiro era pior que o da concorrente paulista, a Antarctica.Estagnadosesemperspectivasdevirarojogo,osdonosdaBrahmachegaramàconclusãodequeeraprecisopassaronegócioparaafrente.Foramquasequatromeses de negociação – pelo Garantia, apenas Jorge Paulo participou dasconversascomosacionistasdaBrahma–atéqueobanqueirorecebesseaqueletelefonema de Gregg, no final de outubro de 1989. Jorge Paulo estava

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preparadíssimo para atender a ligação. Nos últimos dois meses o Garantia jávinha comprando nomercado todas as ações da Brahma que encontrava pelafrente.Agorasófaltavaarrematarocontrole(ummecanismosemelhanteaoqueele e seus sócios haviam empregado na compra da Lojas Americanas). Aodesligar o telefone, o banqueiro correu para a sede da cervejaria, no Rio deJaneiro.Quandoretornouaobancohorasdepois,anunciou:“Pessoal,compreiaBrahma.”Anovidadecustouaoscofresdobanco60milhõesdedólares.“Aindabem que eu não fiz business school, senão jamais fecharia um negócio dessesnumatarde”,costumadizeroempresário.A reação dos sócios doGarantia ao anúncio não foi unânime.MarcelTelles,por exemplo, ficou animadíssimo e comemorou a novidade. Outros fizeramcontas–eacharamqueonegócioeraumaloucura.Umdosquemaisficaramnadefensiva foi o economista ClaudioHaddad. “Você estámaluco! Como é quevamos pagar?”, indagou. Sua maior preocupação era que Lula fosse eleitopresidenteeissogerasseinstabilidadeeconômica.Eraumquestionamento sensatoepragmático, comumembasamento teóricoinquestionável – justamenteoque JorgePauloLemann foi buscar emHaddadem1979,quandooconvidouparase tornareconomista-chefedobanco.Ph.D.pelaUniversidadedeChicago,HaddadfoioprimeiroacadêmicoentreosPSDsque Lemann costumava recrutar. Era o intelectual em meio aos leões. Anecessidadedecontarcomumteórico foipercebidapor JorgePaulodepoisdeumsustoprovocadopeloentãoministrodaFazendaMárioHenriqueSimonsen.Numa tentativa de controlar a inflação, Simonsen cortou quatro pontospercentuaisdacorreçãomonetária–umbaquegigantescoparaoGarantia,quedetinha grandes posições emORTNs.Danoite para o dia, o banco perdeu 20milhõesdedólares–umvalorconsideráveldeseupatrimônio.ParaJorgePaulo,profissionaiscomaformaçãodeClaudioHaddadpoderiamantecipar futuros movimentos macroeconômicos que colocassem o banconovamenteemrisco.Oeconomistacalculava tudo,pesavaprósecontrasantesde tomar qualquer decisão. Ele era tão cauteloso que por anos duvidou queconseguiria umdia pagar as opções de ações que recebia doGarantia.Não sóHaddad quitou sua dívida como em 1993 se tornou o principal executivo dobanco.Argumentos cautelosos como os de ClaudioHaddad eram tudo o que Jorge

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Paulo Lemann não queria ouvir quando anunciou a compra da Brahma. Oempresário tinha certeza de que a aquisição era umnegócio importante.Umadaquelasoportunidadesquepassampoucasvezesemfrenteaumempreendedor.Algo com potencial para impactar drasticamente o destino do grupo. Suaconfiançaabsolutanãotinhanadaavercomum“sextosentido”oucoisaqueovalha. Jorge Paulo se considera um homem com intuição zero.Na tomada dedecisões ele conta sobretudo com bom senso, visão de futuro e um raciocíniosimples.EisseuargumentoparaconvencerClaudioHaddaddequeatransaçãofaziatodoosentido:“Paístropical,climaquente,marcaboa,populaçãojovememá administração... Pô, tem tudo pra gente transformar numa coisa grande”,disse ao sócio. Para completar, o banqueiro havia feito uma “pesquisa demercado” informal, que revelou informações animadoras. “Eu olhava naAmérica Latina e quem era o caramais rico da Venezuela? Um cervejeiro (afamíliaMendoza, da Polar).O caramais rico da Colômbia?Um cervejeiro (ogrupo Santo Domingo, dono da Bavaria). O mais rico da Argentina? Umcervejeiro(osBemberg,daQuilmes).Essescarasnãopodiamsertodosgênios...Onegócioéquedeviaserbom.”Emborarelutante,Haddadaquiesceu.Semterideiadeque aquela se transformarianamaior cervejariadoplaneta, se tornoutambém sócio da Brahma. Estima-se que a participação que ele comprou acontragostovaliaem2012oequivalenteaquase1bilhãodereaisempapéisdaABInBev.Comobanqueirosquenãoconheciamnadasobreodiaadiadeumaoperaçãocervejeira poderiam controlar a centenária Brahma? “Só estamos entrando nonegóciocomodinheiro”,disseBetoSicupiraàépoca, talveznumatentativadeacalmaros céticos.Nadamaisdistanteda realidade.DamesmamaneiraqueopróprioSicupirahaviadeixadoobanco anos antesparamudar radicalmente agestãodaLojasAmericanas,outrosócioseriaagoraescaladoparafazeromesmonacervejaria.OescolhidofoiMarcelTelles.Àquelaaltura,Marcel já somavaquase18anosnobanco.Faziapouco tempoque ele concluíra um curso em Harvard chamado OPM (Owner/PresidentManagementProgram),voltadoparaempreendedoresqueprecisavamaprendermaissobreadministração(BetoSicupiraconcluíraessecursoanosantes).FoiemHarvard que o banqueiro, que até então se concentrava apenas nas transaçõesdiáriasdainstituiçãofinanceira,começouasetransformarnumempresáriocom

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visãodelongoprazo.TocaraBrahmaexigiriamaisqueteoriasdeadministração.Tellesestavaprestesa entrar em contato com um universo que desconhecia totalmente: fábricas,centros de distribuição, marketing de produtos de consumo, sindicatos deoperários.NoGarantiaeleestavaàfrentedeumaequipedepoucasdezenasdepessoas;naBrahmaseriamquase20milfuncionários.Paraenfrentaressemundonovo, ele precisaria da ajuda de gente de primeira linha. Quando chegou àBrahmaelenãoestavasozinho–levavaumpequenotimeformadoporMagimRodrigues, Carlos Brito e Luiz CláudioNascimento, conhecido como Pantera.Cadaumhaviasidocuidadosamenterecrutadoparaamissão.Panteratrabalhavano Garantia e seria o responsável pelo caixa da Brahma. Brito, um jovemengenheiro carioca que havia terminado recentemente umMBA em Stanford,criaria um modelo de controles gerenciais para a companhia. Magim, ex-presidentedaLactaeentãocom47anos,seriaobraçodireitodeMarcel.Contratar um “forasteiro” para ocupar um posto-chave em suas empresas éexceçãonosnegóciosdeJorgePaulo,MarceleBeto.Aprioridadesemprefoidaroportunidade a quem já estava dentro e tinha talento. Mas Magim não eraexatamente um desconhecido. Ele havia conhecido Beto Sicupira anos antes,quandofoiatéaLojasAmericanasquestionarporquearedevendiapoucosovosde Páscoa da Lacta. Pelas contas do executivo, a varejista tinha condições dequintuplicarasvendasdochocolatequeelefabricava.Betoargumentouquenãohavia espaço nas prateleiras para expor tamanho volume de ovos. Magim foiembora,inconformadocomodesfechodaconversa.Horasmaistarde,ligouparaoempresário:–Beto,acheiolugar.–Ah,é?Entãovemaqui.Vamosconversarealguémnessacompanhiavailevarumesporroporterdeixadoespaçoociosodentrodaloja.A saída proposta porMagim seria adotadanão só pelaAmericanas,mas portodosos grandes varejistas brasileiros: osovosdeveriam serpenduradosnumaestrutura erguida em cima dos corredores, em vez de ocupar lugar nasprateleiras.Betoadorouaideiaedecidiucolocá-laemprática.Deucerto.ALactavendeuparaaAmericanascincovezesmaischocolatesdoquenoanoanterior.No sábado de Aleluia, véspera da Páscoa, o estoque da varejista estavapraticamenteesgotado.

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Depoisdesseepisódio,MagimeBetomantiveramcontatofrequenteatéqueoexecutivodeixouocomandodaLacta,chamuscadopordesentendimentosentreosacionistas.Paraesfriaracabeça,eledecidiumorarcoma famílianumacasaemfrenteàpraiadeStellaMaris,nonortedeSalvador.Duranteumanosurfou,jogoutênis,tomoubanhosdesol.Ricograçasàantigavidadeexecutivo,Magimestava decidido a não mais trabalhar. Catorze meses depois do exílioautoimposto recebeuuma ligaçãodeBeto, convidando-oparauma reuniãonoRiodeJaneiro.Magimrelataoencontro:“Betofalouqueelesestavamentrandonumnovonegócioeque,entreossócios,oMarceltomariaconta.Elesqueriamqueeuembarcassejuntonoprojeto,masnãodiziamoqueera,porqueaindaestavamemnegociação.QuandopergunteiqualeraoramoeoBetofalouquenãopoderiacontar,aviseiqueentãonãodava,queaquelaconversanãotinhasentido.Comoeuiatoparsemsabernada?Aíelesoltouque era no ramo de bebidas. Pensei que devia ser uma franquia daCoca-Cola.Nemmepassoupela cabeçaBrahmaouAntarctica, que eramduas companhiaspesadas,velhas,tradicionais...Euachavaqueissonãotinhanadaavercomeles...Mesmo semmuita informação, topei. Eu não conhecia bem oMarcel e o JorgePaulo,masgostavadoBeto.Eletinhaumestiloagressivo,dinâmico,trabalhador,semfrescura,quetinhatudoavercomigo.”Duranteosmesesqueantecederamofechamentodacompra,Magim,PanteraeBrito ocuparam uma sala de reuniões noGarantia para preparar a tomada daBrahma. Boa parte do tempo de Magim foi preenchida por viagensinternacionais.EleprecisavaentendercomofuncionavaomercadocervejeironaArgentina,noChile,naAlemanha,nosEstadosUnidosenoJapão.EraavelhamáximadoGarantiamaisumavezpostaemprática:paraquecomeçardozeroseerapossívelaprendercomosmelhoresdomundo?TinhafuncionadocomoGarantia,quecopiouasmelhorespráticasdoGoldmanSachs.Tinhafuncionadocom a Lojas Americanas, profundamente influenciada pelo Walmart.Funcionaria também com a Brahma. Poucas semanas antes do anúncio dacompra,LemannconvenceuGreggaautorizara“contratação”deMagimeBritopelacompanhia.OprimeirofoiparaafábricadacervejariaemMinasGerais;osegundo,paraaunidadedeAgudos,nointeriorpaulista.Quandoodiadecisivo

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chegasse,elesestariampreparados–oupelomenoseraoquepensavam.Do mesmo modo que Beto Sicupira viu sua remuneração encolher quandoassumiuo comandodaLojasAmericanas,MarcelTelles abriumãodos bônuscomo sócio do Garantia para se tornar o principal executivo da Brahma (elecontinuou recebendoosdividendosdistribuídospelobanco).Para ele issonãoera um problema. Marcel via na Brahma a oportunidade de construir acompanhiadosseussonhos,umaespéciedeGarantiapassadoalimpo.Nodia6denovembrode1989elepisounacervejariapelaprimeiravez.Umproblemainesperadojáoaguardava.NaânsiadefecharoacordocomaBrahma,o Garantia dispensou a tradicional due diligence, análise detalhada que ocompradorrealizanascontasdaempresaaseradquiridaantesqueonegóciosejaconcretizado.Quandofinalmenteteveacessoatodososnúmeros,Marceltomouum susto. O fundo de previdência da cervejaria tinha um patrimônio de 30milhõesdedólareseumanecessidadedereservasparacumprirsuasobrigaçõesque somava 250milhões de dólares – quatro vezes o valor que o banco haviapagoparacompraraBrahma.Hoje,quandocomentamoassunto,Marcel,JorgePauloeBetodizemque foiótimonão ter feitoa liçãodecasa.Sesoubessemotamanhodaencrenca,provavelmentenãoteriamlevadoonegócioadiante.Obaqueexigiumedidas rápidasedrásticas.Osangue-friodoex-operadordemercadoentrouemcena.Marcelnunca foio tipodepessoaquepostergaumadecisão.Pormaisqueosreflexosdeseusatossejamimpopulares,eleagerápido.Analisou a situação e chegou à conclusão de que os próprios executivos daBrahma haviam criado uma distorção no sistema de previdência privada dacompanhia (em 2009, situação semelhante foi um dos principais fatores quelevouamontadoraamericanaGeneralMotorsapedirconcordata).ParaMarcel,a distorção precisava ser corrigida – caso contrário colocaria em risco toda acompanhia.Eledeterminouqueovalordaaposentadoriaaquediretoresteriamdireitoseriareduzidoàmetade.Nocasodegerentes,adiminuiçãooscilouentre30%e40%.Apenasparaosfuncionáriosdabaseosvaloresforammantidos.Foiprecisoconversar individualmentecomquase400pessoasparachegaraonovoformato do plano previdenciário.A decisão provocou uma convulsão entre osexecutivos.Aos 39 anos, recém-separado da primeira mulher e sem filhos, Marcelmergulhou no novo trabalho com fôlego redobrado. Com roupas informais,

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barba espessa e cabelo farto, que lhe conferiam mais a aparência de umsindicalista que a de um banqueiro, tratou de conhecer de perto fábricas erevendas da Brahma espalhadas pelo Brasil. Visitou cervejarias no exterior(inclusive a Anheuser-Busch), conversou pessoalmente com cada um dosprincipais executivos.Durante quase todooprimeiro ano à frentedaBrahma,seus sábados foram dedicados a reuniões com Magim, Brito e Pantera. Elastinhamhorárioparacomeçar–novehorasdamanhã–,masnãoparaterminar.Àsvezes aconteciamnopróprio apart-hotel ondeMarcelmoravana época,naZonaSuldoRiodeJaneiro,ouemsuacasaemBúzios.Nessesencontros,osquatrorelatavamtudooquehaviaacontecidonosúltimosdias e traçavam a rota para a semana seguinte.O ajuste fino era fundamentalpara que não perdessem o controle daquele bicho novo que mal conheciam.Marcel também escrevia cartas periódicas aos seus sócios do Garantia comrelatosdoqueacontecianacervejaria.Eraumaformadeorganizarsuasideiase,emalgumamedida,mostrarquesuaausênciadobancovaleriaapenaparatodomundo. De novembro de 1989 a janeiro de 1991, mandou para os sócios 13relatórios.Assuntoparaas reuniõesde sábadoeparaas cartas aos sóciosnão faltava.ABrahmaeraumceleirodeburocracia, desperdício e ineficiência. Suasdespesasadministrativassaltaramde12%para17%dareceitaoperacionallíquidade1988para 1989, num caso raro de custos supostamente fixos que se mostraramvariáveis.As fábricas da companhia estavam envelhecidas, commáquinas cujaidade média era de 40 anos. Os antigos administradores pareciam não seimportarcomaobsolescência.Preferiaminvestirnumareluzentefrotadecarros– havia mil automóveis nos estacionamentos da empresa e outros 40 OpalaComodoro estavam encomendados. Os diretores tinham direito a 45 dias defériasporano.Ossalárioseramemmédia30%maisaltosqueosdomercado–com distribuição de 14o e até de 15o salário (para cargos acima da gerência).Apesar de ter um acordo com a Pepsico para distribuir os refrigerantes daempresanoBrasil,aBrahmajamaishaviaaproveitadoaoportunidadeparafazerbenchmarking com os americanos. Executivos gastavam amaior parte de seutempo preparando relatórios longuíssimos e participando de reuniões queraramente decidiam alguma coisa. A situação acabou inspirando uma piadainterna,contadaaMarcelpoucodepoisdesuachegada.Diziamqueumgrupode

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arqueólogos descobriria as ruínas da Brahma no futuro e encontraria umaquantidadeabissaldepastas,relatórios,formulárioseafins.Depoisdeanalisaromaterial, os cientistas chegariam a uma conclusão irrefutável: ali haviafuncionado uma fábrica de papel com tantos funcionários beberrões que adiretoriaconstruíraumadestilariaaolado.Aúnicacoisaboaemdardecaracomumaempresarecheadadeproblemastãoevidentes é que qualquer ajuste produzia resultados rápidos.No final de 1989,Marcel avisou a todas as áreas da companhia que era preciso diminuir custos.“Eleestabeleceuqueoscustostinhamquecair10%easreceitassubir10%todoano.Acheiqueeramaluco”,lembraMagimRodrigues.Bastouapressãoparaquedeumasó tacadadepartamentoscomomarketing,RH, suprimentose finançasreduzissemasdespesasem50milhõesdedólares.Partedessareduçãoveiocomadiminuição dos quadros. Três meses depois da chegada de Marcel 2.500funcionárioshaviamsidodesligados(entregentequefoidemitida,seaposentououpediuparasair).Eraumgrupoqueequivaliaa10%dototaldeempregados,mas a 18% da folha de pagamentos. “Eles (Jorge Paulo,Marcel e Beto) foramforçados a absorver uma cultura industrial, que levamuito em conta o longoprazo,masnãoperderama inteligência financeira. Isso fez todaadiferençanaBrahma”,avaliaJorgeGerdau.Paraacelerarasmudanças,Marceleseushomensadotavamemlargamedidaamesmacartilha jáutilizadanoGarantiaenaLojasAmericanas.Asparedesdassalas dos diretores da companhia foram ao chão e deram lugar a um mesãocompartilhado. O número de secretárias encolheu e os executivos tiveram deaprenderacompartilharasremanescentescomseuscolegas.Vagasdemarcadaspara a diretoria no estacionamento foram extintas – quem chegasse primeiropara trabalharpegariaosmelhores lugares,umaregraquevaliaparaopróprioMarcel.Osrestaurantesexecutivosforamfechados.Acaboutambémadistinçãoentreosbanheirosdosexecutivoseos“dosoutros”.“Marcelpegouomelhordafilosofia doGarantia,materializou na Brahma e deixou a empresa com a caradele”,dizBrunoLicht,ex-sóciodobanco.Asmudançaschocariammuitasempresasaindahoje–nãoéraroencontrarempleno século XXI companhias brasileiras que oferecem aos seus executivosrestaurantesprivativos,ondeosalmoçossãoservidosporgarçonsenluvados.NaBrahmadofinaldosanos80asmedidastomadasporMarcelTellesprovocavam

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enorme espanto– e paramuitosdos executivosuma indisfarçável sensaçãodedesconforto. Pouquíssimos se adaptaram aos novos tempos. Um deles foi ocariocaDaniloPalmer,diretor financeirodacervejaria,que já tinha20anosdecasaquandoaturmadoGarantiachegou(elesódeixouasfunçõesexecutivasem1999,mas permaneceu no conselho de administração da Brahma, e depois daAmbev, por vários anos).O outro foi o diretor demarketingAdilsonMiguel,contratado pela Brahma em 1962. “Eu tinha uma sala de uns 40 metrosquadrados, três telefones, secretáriaexclusiva,umstatusextraordinário.Sóqueeunãomandavanadaenãoganhavaporradedinheironenhum”,lembraele.Oveterano não só se identificou com a nova gestão como virou homem deconfiança de Marcel. Hoje, aos 71 anos e oficialmente aposentado, ele aindatrabalha na cervejaria como consultor – é responsável pelo relacionamento dacompanhia, patrocinadora da seleção brasileira de futebol, comaCBF.MiguelcontaoimpactodachegadadeMarcelTellesàBrahma:“Elesurgiunacompanhiacomoumafiguracompletamentediferentede tudooqueagentepodiaimaginar.Chegouládecalçajeans,dedocksidesemmeia,comrelógio de mergulhador no pulso e carregando uma mochila. Na Brahma todomundotrabalhavade terno,gravata,hiperalinhado,penteado,barbeado.Marcelera a antítese. Eu realmente estranhei aquela figura... Um dia ele apareceu naminha sala, contou o que planejava fazer e perguntou a minha opinião. Eurespondiqueeledeviamesmopromoverumamudançanacompanhiaequeeueraprovavelmente a pessoamais prejudicada pela situação que a empresa vivia atéentão.EueradiretordemarketingeaBrahmanuncapretendeufazernadacommarketing. Eu me submetia a um comitê de pessoas que não entendiamabsolutamente nada de marketing nem de mercado. Era frustrante. Eu eracriticadoporqueviajavamuitoparaconheceromercado.Aspessoasironicamentediziam que eu devia trabalhar numa área chamada “Brahmatur”.Mas como équevocêvaimontaraestratégiademarketingdeumacompanhiasenãosabeoque acontece nomercado, o que acontece com o cliente, coma distribuição? EufaleiparaoMarcelqueeraprecisomudar tudonomarketing, inclusive talvezoprópriodiretor.”ParaTelles,aavaliaçãodeAdilsonMiguelsobreosproblemasdaBrahmasoou

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comomúsica.

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T

Umadosedepirotecnia

omarcervejanoBrasilnadécadade80eracoisaparagenteprevenida.Àmedida que a temperatura subia, não apenas os preços aumentavam,como a bebida simplesmente sumia das prateleiras. As fábricas não

produziamemquantidadesuficienteeas revendas falhavamnadistribuição.Onível de ineficiência era tamanho que consumidores mais cautelosos faziamestoque em casa antes da chegada do verão – os que não se programavamenfrentavam filas em supermercados e até racionamento. Uma reportagempublicada no jornal Folha da Tarde em dezembro de 1987 retratava o queaconteciacomosclientesquebuscavamcervejanaredePaesMendonça,entãoumadasmaioresvarejistasdopaís:“Desdecedoconsumidoresformamfilasparaentregar vasilhamesvazios eobter senhasqueos autorizama levar12garrafaspor vez.” Sob qualquer ângulo que se observasse, aquela era uma situaçãopatética,emquetodososenvolvidossaíamperdendo.ParaaturmadoGarantia,nãohaviaomenorsentidoemdeixardevenderporabsoluta incapacidadedecolocaroprodutonasgôndolas.Eraprecisoazeitaroprocesso de produção e, principalmente, tornar as revendas mais eficientes.MarcelTelleshaviapassadováriassemanasconhecendocervejariasamericanaseviudepertocomoagiganteAnheuser-Buschlidavacomsuadistribuição–umsistemasuperajustadocapazdeentregarseuprincipalproduto,aBudweiser,empraticamentetodososbares,restaurantesesupermercadosdosEstadosUnidos.Na comparação com a Brahma, a Anheuser-Busch ganhava de lavada. O queMarcel fez?Usou a velha fórmula da “culturaGarantia”: copiou o que viu demelhorláfora.AdilsonMiguel,oexecutivodaBrahmaqueprovavelmentemelhorconheciaomercadocervejeiro–nãopormeiodeplanilhaserelatórios,masporquevisitavapessoalmente clientes e revendas –, foi o escolhido para conduzir amudança.“Nossadistribuição estavanasmãosdeummontede empresasdespreparadas,normalmente escolhidas só porque eram de um amigo ou parente de algum

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diretor da Brahma”, diz Miguel. “Passavam de pai pra filho, num esquemaparecido com o de cartórios, mesmo que o desempenho não fosse lá essascoisas.”Paradificultaraindamais,aBrahmatrabalhavacomquasemilrevendasdiferentes, o que trazia uma enorme complexidade à operação. Era tudo tãopulverizado que poucas delas conseguiam de fato ganhar dinheiro.Desestimuladasecomocaixaàmíngua,elasquasenãoinvestiamemmelhorias–edessemodoocírculoperversodaineficiênciaseautoalimentava.MarcelTellesacreditavaqueoidealeratermenosrevendas,capazesdeganhardinheiro como aumentoda escala, e deu início a umconturbadoprocessodeenxugamentodarede,quedesagradouamaioriadosrevendedoresexcluídos.Opassoseguintefoipadronizarosprocessosdasrevendasquepassarampelofunil,já que até então cadaumadelas trabalhavada formaquebementendesse.Empouco tempo todas as revendas remanescentes tinham metas a cumprir epassaram a ter seus resultados medidos com regularidade. As melhores erampremiadasduranteumeventoanualqueacervejariapromovia.“ChegamosaumpontoemqueanossadistribuiçãoeramelhorqueadaCoca-Cola”,dizMiguel.A presença maciça em todo o país daria à cervejaria outra vantagem – essaaprendidacomopessoaldoWalmart.Quemtemescalatempoderdefogoparabarganharmelhores preços e condições de pagamento.Como crescimento daBrahma, os fornecedores e os varejistas que comercializavam suas bebidastiveram de se adaptar a novas regras impostas pela fabricante. Todos eles, aolongodosanos,foramobrigadosadiminuiramargemdelucroe“flexibilizar”ascondiçõesdepagamentodacervejaria (no futuroa empresacomeçariaapagarseusfornecedoresapenas120diasapósacompradoserviçoouproduto).

s engrenagens da Brahma se tornaram poderosas não apenas no que serefere a processos e resultados,mas principalmente à formação de gente.

AssimcomoacontecianoGarantia,MarcelTellescaçavaparaacervejariajovensambiciosos, com brilho no olho, faca no dente, vontade de trabalharmuito edispostosasacrificaravidapessoal.Amaiordiferençaentreorecrutamentonobancoena cervejaria erao tamanhoda encrenca, afinal aBrahma tinhaquase

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100 vezes mais funcionários que o banco. Uma das iniciativas colocadas emprática logode largada foipromoverpalestras emuniversidadesdepontaparatentarfisgarosjovensantesmesmoqueelesestivessemformados–MarcelTellese Magim Rodrigues se revezavam nessa função de “garotos-propaganda” dacervejaria. Um ano depois da aquisição pelo Garantia, a Brahma ganhou seuprimeiroprogramadetrainees.“Essacontrataçãode40,50jovenstodoanoéquefezadiferença.Quandovocêpegaumgarotode25anosefazdelegerente,issodá uma fervida na molecada toda”, conta Magim. Nessa primeira turma detrainees foi recrutado,porexemplo,ocariocaLuizFernandoEdmond,queem2005se tornariaoprincipalexecutivodacervejaria (hojeEdmondépresidentedaABInBevparaaAméricadoNorte).Comopassardosanos,oprogramadetraineesda cervejaria se transformou emumdosmaisdisputadosdopaís (em2012foram74milcandidatoseapenas24aprovados).A invasão do pessoal jovem no comando da Brahma aconteceu de formaacelerada e alcançou todas as áreas da companhia. Uma das medidas maisousadasdeMarcelnessesentidofoitrocar10dos17gerentesdefábricaem1990,substituindo antigos funcionários por gente mais nova, que jamais haviatrabalhado na produção.Marcel sabia que aquelamudança tão grande em tãopoucotemposeriaumrisco,masdecidiupagarparaver.Sefuncionasse,seriaachancedeespanarmaisrapidamenteopóquedurantedécadasseacumulounacervejaria.Deucerto.“OMarceldiziaquetodoanoeraprecisodispensar10%dacompanhia,porqueessepessoaleracomo‘galhomorto’queprecisavaserpodado”,recordaMagim.Nãodáparadizerquefosseexatamenteumateseoriginal.AfilosofiadeMarcelse assemelhava à que Jack Welch, o lendário presidente da GE, pregava nacentenária companhia fundada por Thomas Edison. A semelhança não eragratuita.MarceleseussóciosnuncafizeramimersõesnaGE,comoaconteceunoGoldmanSachsenoWalmart,masosrelatóriosanuaisdacompanhiaamericanafuncionavamcomoumabíbliaparaosbrasileiros(eeles,novamente,copiaramoqueviramdebom).Welch,consideradooCEOdoséculoXX,esteveàfrentedaGEde1981a2001,eduranteesseperíodoacompanhiaseguiuumaregraqueficouconhecidacomo20-70-10. A fórmula do executivo americano preconizava que num ambiente

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meritocrático era preciso dividir os funcionários em três faixas: os 20% commelhor desempenho deveriam ser premiados, os 70%medianos poderiam sermantidose,paraos10%compiorperformance,oúnicocaminhoeraarua.AoadaptararegradaGEàsuaprópriarealidade,aBrahmaprovocouumanotávelrenovaçãonoseuquadrodefuncionários.“Quandoentreinacompanhiaaidademédia do pessoal girava em torno de 48 anos”, dizMagim. “Quando saí [em2003]amédiatinhacaídopara32.”Osresultadosdamudançanoperfildosfuncionáriosrapidamenteapareceram.Em1991,menosdedoisanosdepoisdaaquisiçãopeloGarantia,aBrahma foieleitaa“EmpresadoAno”pelarevistaExame.Seufaturamentocresceu7,5%emum ano. O lucro praticamente triplicou – e 35% de seus funcionários (osmelhores, claro) receberam um bônus entre três e nove salários extras, umadinheirama equivalente a 10% do resultado da companhia em 1990. Era oembriãodaformidávelmáquinadeformaçãodegentequepermitiriaàBrahma(e depois àAmbev, à InBev e àAB InBev) crescer sempre sob o comando deexecutivos lapidados dentro de casa. Até hoje, mesmo fora do dia a dia daadministração,MarcelTellesparticipadaseleçãofinaldoprogramadetraineesda companhia – e diz aos selecionados que eles podem lhe enviarmensagensdiretamente quando julgarem necessário. “Na Brahma eu dava uma ficha detelefone para todo trainee, mas dizia que era uma só... Agora estou maismoderno e todo mundo pode me mandar e-mail quando quiser”, afirmouMarcel.Para disseminar essa nova cultura na centenária cervejaria, Marcel Tellesprecisou gastar sola de sapato. Era quase uma pregação para converter novosfiéis.“Nóstemosquefazerpirotecnia.Devezemquandovamosterquedarumademaluco para esses caras saberem que é pra valer”, disseMarcel certa vez aMagim.Paraumexecutivodetemperamentoexplosivo,gestoslargosevozgravecomoMagim, “fazer pirotecnia” eramoleza. Durante uma viagem da dupla aumafábricadaBrahmaemBauru,nointeriorpaulista,Magimprotagonizouumepisódio emblemático.Depois deuma longa reunião comquase 20pessoasdaunidade,MarceleMagimestavamprontosparairdescansarnohotel.Comojáanoitecia,odiretorda fábricaofereceuaoschefesumacarona.QuandoMagimviuoautomóvel–umsofisticadosedãdaGeneralMotorssemnenhumlogotipoda cervejaria –, teveum rompante. Primeiroperguntou se aquele carro erado

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sujeitooudacompanhia.Oexecutivorespondeuqueeradafrota.Magimficoutranstornado. Começou a chutar a porta do carro e berrar que todos osautomóveis da Brahma deveriam estar logotipados (meses antes a cervejariahaviabaixadoumanormanessesentido).“Vocêtemvergonhadasuaempresa?”,vociferava,enquantodesferiamaisalgunschutes. “Nessaporraeunãovou!”Odiretordafábrica,com30anosdecasa,ficouatônito.Marcelobservoutudoemsilêncio. Só abriu a boca quando eles finalmente chegaram ao hotel: “Porra,Magim,nãoeraparaexagerar...”AtéhojeMagimsediverteaocontarahistória.

acruzadaporcortarcustos,recrutargenteboa, traçarmetaspara todoseoferecer uma remuneração extraordinária aos melhores, Marcel Telles

contoucomaprovidencialajudadeumprofessordeengenharia.Eraoiníciodosanos90easempresasbrasileirasviviamsobavigilânciadochamadoConselhoInterministerial de Preços (CIP), órgão do governo federal que controlava osreajustes de 21 categorias de produtos, inclusive cervejas.A fiscalização era aomesmotempoumatrabalheirainsana–aCIPmantinhaumaestruturademaisde300funcionáriosparaanalisar1.200pedidosdeaumentosdepreçostodososmeses – e um desestímulo à eficiência das empresas, já que os reajustes eramautorizados de acordo com as planilhas de custos dos produtos (quantomaisaltos, maiores as chances de conseguir autorização para os reajustes). MarcelTellesjátinhapassadoumapertodanadoporcontadessecontrole.Numa ocasião ele fora surpreendido por um grupo da Polícia Federal queapareceunasededaBrahmadispostoaprenderoresponsávelporumaumentodepreço.AsituaçãoeratãotensaqueoadvogadodacervejariasugeriuaMarcelqueseescondessenobanheiro–umconselhoqueelenãoseguiu.Nãofoi fácilparaosexecutivosdaBrahmaconvencerospoliciaisqueacompanhianãotinhavioladoocongelamento,masapenasrepassadooaumentodoIPI.Escaldado com esse episódio, quando quis aumentar o preço da cervejanovamente,Marceldecidiuseguiroprotocolo:agendouumareuniãoemBrasíliacomaSecretáriaNacionaldeEconomia,DorotheaWerneck.Duranteoencontro

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elaperguntouaoempresárioporque,emvezdeapenassubirpreços,aBrahmanão investia emprodutividade– e sugeriuqueMarcelmarcasseuma conversacom um professor da Fundação Christiano Ottoni, de Minas Gerais, que setornaraumdos raros especialistasbrasileiros emmétodosgerenciaisdepoisdefazeruma série de visitas a empresas japonesasnadécada anterior.Até aquelemomento, Marcel nunca havia escutado o nome de Vicente Falconi, umengenheirometalúrgico formado pelaUniversidade Federal deMinasGerais ePh.D.pelaColoradoSchoolofMines,nosEstadosUnidos.Apesardisso,achouqueeramelhorseguirarecomendaçãodeDorothea–desagradarasecretáriaeficarsemaautorizaçãoparaaumentarospreçosestavaforadequestão.“OBrasildaquelaépocaeracomooVelhoOesteemtermosdegestão”,dizFalconi.AbasedametodologiapropostapeloProfessor,comoFalconiéchamado,podeserresumidanasiglaPDCA,doinglêsplan-do-check-act(planejar-fazer-checar-agir). Levar adiante esse conceito aparentemente simples nas desorganizadascompanhias brasileiras da época tinha um quê de quixotesco. Até mesmo naBrahma,quejáhaviapassadoporumchoquedegestãocomachegadadaturmadoGarantia,asdificuldadeseramenormes.Falconicontacomoeraacervejariaquandoentroulápelaprimeiravez,vinteanosatrás:“ABrahmaeraumamaluquice,comoeramtodasasempresasnoBrasil...Nãotinha padronização nenhuma. Cada fábrica era uma fábrica, cada dia era umdia... A cerveja variava e não tinha distinção entre uma marca e outra... Nocomeço eu não entendia daquele negócio e era até difícil fazer um diagnóstico.Terra de cego, sabe? Trazíamos japoneses para ajudar. Todos os diretores egerentesdaBrahmaembarcaramemmissõesparao Japãoparaaprenderoqueeraqualidade...OMarcelestavamuitoincomodadocomoprocessodefabricaçãode cerveja eme convidou para visitar uma fábrica.Nós chegamos lá às sete damanhã e o mestre cervejeiro saiu conosco para dar uma volta na fábrica. Elechegava num tanque, botava um pouquinho no copo, cheirava e mandavaaumentaratemperatura.Iaaoutrotanque,colocavamaisumpouquinhonocopoemandavabaixaropH.Tudoaolho,semmediçãonenhuma...”Para alguém como Falconi, obcecado por métrica, aquele descontrole erainadmissível. Ele precisava provar que os mestres cervejeiros não tinham a

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menor ideia do que estavam fazendo.O consultor entãomandou buscar umagarrafadecervejaemcadafábricadaBrahma–todasproduzidasnomesmodiaenamesmahora.Paraefeitodecomparaçãotambémforamseparadasgarrafasdaconcorrência, compradas nas mesmas cidades em que a Brahma mantinhafábricas. O resultado foi alarmante: cada planta apresentava um produto finaldiferente. O golpe final foi o teste realizado naquela que era considerada aunidademais eficienteda companhia.Duranteumdia inteiro,umagarrafa foitiradada linhade produção a cadahora.A análise domaterialmostrou aindaque, em umamesma fábrica, ao longo de umúnico dia, a bebida engarrafadamudava consideravelmente suas características. Quando soube das pesquisas,Marcel ficou perplexo. “O que eu vou fazer com essa porra?”, perguntou aFalconi.Oconsultordissequeasaídaeraestabelecerpadrõesparacadaumadasatividades da fábrica emedir tudo. Só iriam para omercado produtos que seadequassemaessasnormas.Marcel logo percebeu que muita gente seria contra essas mudanças. ParaconvencerosexecutivosaabraçarosmandamentosdeFalconi,eledecidiuentãoatrelaros índicesdequalidadeaobolsodopessoal. “Marcelcolocouumametapara todo mundo que trabalhava em fábrica, de operários a diretores: se noprimeiro ano a unidade não alcançasse 50%dasmetas de qualidade, ninguémganharia bônus nenhum”, explica Falconi. “No segundo ano ele aumentou ametapara75%e,noterceiro,para95%.Bastouissoparaacabararesistênciaaonosso trabalho.” Aos poucos a metodologia proposta pelo Professor avançoupara os demais setores da companhia. Vendas, administração, logística, nadaficoudefora(atualmenteos116milfuncionáriosdaABInBevemtodoomundotêm metas individuais, desdobradas de acordo com as grandes diretrizes dacompanhia). O professor de engenharia se tornou homem de confiança deMarcel e foi o primeiro forasteiro a ocupar uma cadeira no conselho deadministraçãodacompanhia,em1997.Com o tempo, a presença de Falconi se espraiou por outras empresascontroladaspelo trio.NaLojasAmericanas,porexemplo, começoua trabalharem1992.“Nodiadoimpeachmentdo[Fernando]ColloreuboteiumternoefuiparaBeloHorizonte.OFalconiiaparticipardeumeventoláeoauditórioestavalotado.Aítocaohinonacionaleapareceaquelehomemcomcomportamentodejaponês, todocertinho.Quandoviaquela formalidade toda,pensei ‘ondeéque

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euvimparar?’”,lembraFersenLambranho,queapedidodeBetoSicupiratinhaviajadoatéMinasGeraisafimdecontrataroconsultorparaaredevarejista.Nosanos que se seguiram, praticamente todas as empresas em que a GPInvestimentos colocou dinheiro também passaram pelas mãos de Falconi eequipe.Aos72anos,Falconicontinuaenvolvidocomosprojetosquesuaconsultoriadesenvolve em empresas do trio de empresários brasileiros – sobretudo naAmbev, onde ocupa um assento também como conselheiro. Com seu jeitomineiro e cabelos brancos, Falconi pode à primeira vista parecer um senhortranquilo,pacato.Masaindacontroladados,númeroseresultadoscommãodeferroenãoficasatisfeitoenquantonãoatingeasmetasqueelepróprioajudaaestabelecer.Emmeadosde2011formouumgrupodetrabalhocomosprincipaisexecutivosdaAmbevpara reduzira rotatividadedos funcionáriosnas fábricas.Em2010,oíndicebateunacasados20%–ametadeFalconiébaixarpara6%em cinco anos. “Estamos criando novos processos para que os operários sesintam mais reconhecidos, só a remuneração variável não estava sendosuficiente”,dizele.“Agoratudoécomemorado.Seocaracompletou10anosdecasa, tem que ter uma ‘faixinha’, uma ‘estrelinha’. Aprendemos que é precisocelebrar.”

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O

Asementedaautodestruição

economistaEduardoGiannettidaFonseca,autordediversos livroseprofessor do Insper, de São Paulo, trabalhou por uma semana noGarantia.Eisorelatodesuaexperiência:

“Em 1994 fui convidado por Claudio Haddad para dar uma palestra noGarantia.EutinhaacabadodelançarolivroVíciosprivados,benefíciospúblicose de voltar de uma temporada de sete anos emCambridge, na Inglaterra.Diasdepois da palestra, oClaudiome convidou para um almoço no banco.Quandocheguei lá, estavam na sala também o Jorge Paulo Lemann e o Affonso CelsoPastore,elogoelesfizeramumconviteparaqueeufossetrabalharnobancocomoeconomista. Fiquei tentado.Eu tinha30 e poucos anosde idade e semprehavialevado uma vida acadêmica. Tinha curiosidade em conhecer na prática comofuncionava umbanco de investimentos.Alémdisso, financeiramente a propostaeramuitoatraente.Topeifazerumaexperiência,maslogopercebiqueaqueleeraumuniversomuitodiferente domeu – eu estava acostumado à torre demarfim da academia e noGarantia o ritmo era frenético. Ninguém tinha muito tempo para me explicarcomo funcionava cada área. Isso me angustiava porque eu não tinha umconhecimento detalhado do funcionamento do mercado financeiro. O grau dededicaçãodopessoalao trabalhoeraquaseobsessivo.Oexpediente começavaàssete damanhã, comuma reunião para definir as estratégias do banco.Quandodavaumascincohoraseujáestavadoidoprairpracasa,ficarcomafamília,masninguém ia embora– e eunão seria o primeiro.Era só lá pelas sete, oito que obanco começava a esvaziar. Eu me lembro de ir para a avenida Paulista mesentindoexaurido,fisicamentemoído,comoseeutivessesidoatropeladoporumajamanta. Mas para todo mundo que estava lá o ritmo se justificava pelaadrenalina e pelas oportunidades de ganhar muito dinheiro. Lembro de um

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operador que na hora do almoço aproveitava para fazer aulas de pilotagem dehelicóptero.Imaginequeessaeraamaneiraqueeleencontravaprarelaxar!Aúnicareferênciaqueeutinhadocotidianodeumainstituiçãofinanceiravinhadomeu pai, que trabalhou como diretor num bancomuito tradicional em SãoPaulo.Eletinhaumasalinha,secretária,umgarçomcomluvasserviacafé.NadamaisdiferentedoGarantiadoqueisso.Umdiaeuouseiabrirumlivroemplenohoráriodeexpediente,osmercadosatoda,paraestudarumpouco.Aspessoasemvoltameolharamespantadas,comoseeufosseumET.Tivevontadedesumirdali.Naquele exatomomento percebi que o banco não era paramim. Não aguenteiuma semana. Quando avisei que eu não ficaria, a reação do Jorge foi bem-humorada.‘Acheiquevocêiadarumvernizdeculturaparaessaturma’,eledisse.O grupo reunido em torno de Jorge Paulo Lemann é provavelmente o maisimportante da história empresarial brasileira na segundametade do séculoXX.Mas,definitivamente,aquelavidanãoeraparamim.”SetivesseseadaptadoaoambientedoGarantia,Giannettipoderiaterganhadoumagranapreta.Obancoviviaumasequênciadeanoscomótimodesempenho,mas1994 foiexcepcional,omelhordesuahistória.Todososgrandesnegóciospassavam pelo Garantia. O banco era a principal escolha de investidoresestrangeiros quedesejavamcolocar seudinheironoBrasil (emparte graças aotrabalho de formiguinha que o sócio Fred Packard fez durante anos, abrindoportasnoexterior).Suacorretoraeraamaispoderosadopaís, responsávelpor7%detodaamovimentaçãodaBovespanaqueleano–issosemlevaremcontaoqueogrupomovimentoupormeiode corretorasde terceiros.O lucro líquidoalcançouquase1bilhãodedólarese90%dessevolumefoidistribuídoentreos322funcionários.Comoprega ameritocracia de Jorge Paulo Lemann, uns ganharammais queoutros.NenhumfoitãofelizquantoocariocaEricHime,umbrilhanteoperadorcom menos de 30 anos. Segundo a imprensa da época e ex-funcionários doGarantia ouvidos durante a apuração deste livro, a bolada do jovem foi de 20milhõesdedólares.Seovaloréumafortunanosdiasdehoje,imagineháquaseduasdécadas.AturmadoGarantiaseconsideravainvencíveleaconcorrênciaseroía de inveja. Nada como um retumbante sucesso para esconder o fracassoiminente.

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Para quem observava o Garantia de fora, o banco parecia uma máquinaimbatível. Um olhar mais atento, porém, revelaria aqui e ali sinais de que aformidável engrenagem criada por Jorge Paulo Lemann,Marcel Telles e BetoSicupiradavasinaisdedesgaste.Afrugalidadeeasimplicidade,valorescentraisdaculturadotrio,estavamameaçadas.Comtodoaqueledinheiroengordandoosbolsos dos sócios, o espírito quase franciscano que antes tomava conta dainstituiçãoescooupeloralo.Osoperadoresagoratinhamaulasdepilotagemdehelicópteroparaaprenderaguiarseusprópriosbrinquedinhos.CasasnababescaseramcompradasnaspraiasmaisexclusivasdolitoraldoRiodeJaneiroedeSãoPaulo. Carros de luxo importados começaram a preencher as vagas doestacionamentodobanco.Oquehaviadeerradoemaproveitarumpoucotodoaqueledinheiro?Afinalnãoeraparaficarricoquetodomundoalidavaumdurodanado?Nadamaisjustoquedesfrutarumpoucodascoisasboasdavidadepoisdetantotrabalhoárduo–eraoquepensavamváriosdosnovosmilionáriosdoGarantia.O raciocínio aparentemente lógico escondia uma armadilha. Marcel Telleshavia alertado o pessoal para esse risco, em uma carta enviada a todos oscomissionados do banconodia 19 de agosto de 1988. Este é o trecho emqueTellestocanoproblema:“Tudobemqueaspessoascompremcarrosnovos,compremseuapartamentooualuguemcasa fora.Masdentrodo trabalhonossos cérebrospertencemà firmaetodonossotempoeesforçodevemserdedicadosaela.Agestãodaprópriagranaeaperdadetempocomisto,pormaisproveitosaquepossa parecer, é pensar pequeno. Muito mais importante do que operar umareservaouumdepósito em caderneta é estar comprometendonossa inteligência,tempoeesforçonafirma.Nóscomocomissionadossomossóciosdeseusucessoedeseulucro.Atéhoje,todosqueabaixaramacabeçaemeterambronca,sópensandonafirma,foramextraordinariamenterecompensadosaolongodotempo.”

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CartadeMarcelTellesaoscomissionadosesóciosdobanco:osprimeirossinaisdequepartedopessoalestavamaispreocupadaemgeriropróprio

dinheirodoqueemfazeroGarantiacrescer.SeisanosdepoisdacartaescritaporMarcel,asituaçãoqueeleapontavacomouma ameaça já havia engolido o banco. Em 1994 nenhum dos três grandesguardiõesdaculturadainstituiçãoparticipavadoseudiaadia.FaziacincoanosqueMarceldavaexpedientenaBrahma.BetoSicupiraestava foradocotidianohaviamaisdeumadécada–primeironaLojasAmericanasedepoisàfrentedaGP Investimentos. Jorge Paulo Lemann, então com 54 anos, passou o ano de1994noestaleirodepoisdesofrerumenfarteenquantofaziaumtestedeesforço

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físiconaClínicaSãoVicente,noRiodeJaneiro.Emboraelemantivesseamesmadisciplinarígidaemrelaçãoàsaúde–nãofumava,nãobebia,praticavaexercíciosquase diariamente –, asmais de duas décadas de agito nomercado financeiroafetaram seu coração. Seus médicos recomendaram que ele se afastasse umpouco dos negócios para cuidar da saúde. Depois do susto, Jorge PauloembarcouparaCleveland,nosEstadosUnidos,parafazerumasériedeexames.Tevequecomeçarapegarlevetambémnostreinosdetênis–mesmoàfrentedoGarantia,eleaindaarrumavatempoparacompetiçõesinternacionaisechegouaganhartrêsmundiaisdeveteranos(oprimeirodelesem1986,com47anos).Obanqueiro ficou física e espiritualmente abalado com a doença. Recolheu-se e,durantecercade12meses,quasenuncaapareceunafirma.Com Jorge Paulo ausente, o velho princípio de nunca deixar o pessoal commuitodinheironamãofoisimplesmenteesquecido.Nasrarasocasiõesemquefalou sobre o assunto, Jorge Paulo afirmou que jamais teria distribuído todoaquele lucrodeuma sóvez entreos sócios e comissionados.Damesma formaquenopassadohaviausadoocaixadobancoparacompraraLojasAmericanaseaBrahma,eleteriaprocuradooutraoportunidadeparainvestirodinheiroganhopelainstituição.Otriodeempresárioscontinuavapensandoemnegóciosde longoprazo,masmuitos de seus sócios no banco já não acreditavam tanto nessa filosofia. “Odinheiro começou a ir para o bolso, o sonho de construir deixou de existir, opapa estava afastado por doença e os bispos radicais estavam longe”, resumiuMarcelcertavez.Atémesmoalgunsdossóciosdanovageraçãodobanco,comoMarceloBarbará,hojereconhecemqueodinheirofartoteveumefeitocolateral:“Eufuioúltimoacomprarumcarroimportado...TinhaumaParativinho,semar-condicionado,etodomundomesacaneava...AíentrouaqueledinheirotodoenomesmodiaeucompreiumVolvoeumAudi.Depoiscompreiacoberturaemqueeumoroatéhoje.Foiumageraçãoderiquezaextraordinária...Maseuachoqueoacúmuloderecursosnamãodaspessoasatrapalhouobanco,tirouofocodacompanhia...”Asementedaautodestruiçãoestavaplantada.

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Em1993, um ano antes do lucro recorde do banco, o economistaClaudioHaddad foi escolhido por Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto

SicupiracomosuperintendentedoGarantia.Emtese,abaixodotrioeraelequemdava as cartas na instituição.Àquela altura,Haddad acumulava 15 anos comofuncionário do banco – primeiro como economista-chefe, depois como sócioresponsávelpelaáreadecorporatefinanceefinalmentecomoprincipalexecutivo(de1980a1982HaddadseafastoutemporariamentedoGarantiaparaocuparopostodeprimeirodiretordedívidapúblicadoBancoCentral).Um dos talentos de Haddad era contratar outros economistas de primeiralinha,comoAndréLaraResende.FilhodoescritormineiroOttoLaraResende,André é formado pela PUC do Rio de Janeiro e tem o título de Ph.D. emeconomia pelo Massachusetts Institute of Technology, o MIT. Trabalhou noGarantiade1980a1988e,assimcomoHaddad,teveumhiatonobanco,quandosededicouàatuaçãonogoverno–ele foiumdoscriadoresdoPlanoCruzado,em 1986, e, na década seguinte, faria parte da equipe que criou o Plano Real.DurantesuapassagempeloGarantia,Andrérecrutouumjovemeconomistaquemostrava tremendo potencial, Armínio Fraga. Doutor pela UniversidadePrinceton,Fragaficounobancoporpoucomaisdetrêsanos.“Umaspectoquemechamavaaatençãoéqueostrês[JorgePaulo,MarceleBeto]faziamtudodeumjeitomuitosimples”,dizele,queocupouapresidênciadoBancoCentraldoBrasilde1999a2002.“Nomercadofinanceirobrasileiro,nãohádúvidadequeaculturavencedorafoiessaqueelescriaram.”NocampodateoriaeconômicanãohaviarivaisàalturadodreamteamdoGarantia.Jorge Paulo Lemann valorizava o refinamento e a consistência teórica queHaddadeosoutroseconomistasestrelados traziamaumbancoantespovoadopor PSDs. O mundo começava a se globalizar, as operações financeiras sesofisticavameeraprecisotergentequeseadaptasseaosnovostempos–algoquenem todos os antigos funcionários conseguiram. “Quando saí, em 1991, euvendia produtos quenementendia o que eram”, dizRogérioCastroMaia, ex-gerente comercial do banco. Era em grande medida graças à nova leva deprofissionais bem formados que o banco conseguia entrar em áreas antes

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inexploradas.UmagrandereportagempublicadanojornalGazetaMercantilnoiníciodosanos90analisouessatransformação:“Mesmo mais recentemente, quando os ganhos com os títulos públicosencolheram, o mercado notou como o Garantia mostrava habilidade em criarnegócios no setor privado com operações chamadas de engenharia financeira.Exemplos: debêntures, conversões de dívida externa, fundos estrangeiros. OGarantia foi o primeiro banco brasileiro a demonstrar agilidadenesse complexoterrenodaengenhariafinanceira.Umpioneiro–hojeseguidonessaespecialidadeporalgunsoutrosbancos...”EmboraClaudioHaddadparecesseseronomecertoparalideraratropanessemundonovoqueseapresentava,suaescolhacomosuperintendentenãosedeusemqueanteshouvesseumainflamadadisputapelopoder.OprincipalrivaldoeconomistanabrigapelocargoeraopaulistaAntonioFreitasValle,conhecidocomoTom,tambémeleumveteranonoGarantia.Aos 19 anos, enquanto cursava a faculdade de direito, Valle conseguiu umempregonoBancoMercantildeSãoPaulopor indicaçãode seupai, amigodeGastãoEduardodeBuenoVidigal,donodainstituição.Bastaramtrêsmesesparaque o jovem percebesse que não tinha nada a ver com aquele lugar. Como aimensa maioria das empresas e dos bancos brasileiros da época, o Mercantilmantinhaumahierarquiarígidaeaspromoçõeseramoferecidasnormalmenteaquem tinhamais tempode casa. “Para piorar, eu era obrigado a usar paletó otempotodo”,dizValle.Foiquandooentãonamoradodesuairmã,corretordoGarantia,perguntouseelenãoconhecianinguémqueestivesseafimderalareganhardinheiro.Ogarotosevoluntariounahora,paradesgostodopai,quevianorobustoMercantilaperspectivadeumacarreiramaissólidaparaofilho.Valle começou a trabalhar no banco como liquidante, conforme mandava aregradoGarantia.OficialmenteseulocaldetrabalhoeranopequenoescritórionaruaSãoBento,nocentrodeSãoPaulo,masnapráticaojovempassavaquaseo dia todo fora dali. “Eu era o único liquidante de carro. Rodava a cidadedirigindoo fuscadobancoe fazia todo tipodeserviçoquememandavam,atécomprarpapelhigiêniconoCarrefour”,lembraele.OqueHaddadtinhadecautelaValletinhadearrojo.Quandoelesecasou,aos

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23anos,programoua luademelnoTaiti antesmesmode terodinheiroparapagaraviagem:“Casei em novembro e ia receber a comissão doGarantia em dezembro. Parabancaraviagemfizum‘papagaio’no[Banco]Nacional,contandocomodinheiroque entrarianomês seguinte...No fimdeu tudo certo...Vocênão tem ideiadascoisas quea gente conseguena vida sem fazer conta.Aliás, se fizermuita contavocênãosainemdacasadospais...”Paraumsujeitocomesseímpeto,ocaminhonaturaleraamesadeoperações,de longe a área do banco commais adrenalina. Ao contrário deHaddad, umacadêmico com rigorosa formação internacional, Valle nunca esteve muitointeressado nos estudos. Abandonou o curso de direito logo que entrou noGarantia para estudar economia na Fundação Armando Álvares Penteado.PoucotempoantesdeseformarnaFAAP,foitransferidoparaoRiodeJaneiroenãopensouduasvezesantesdeabandonarafaculdade.Foisóem1987,depoisdemuita insistênciadeMarcelTelles, que ele sematriculounumcurso rápidoemHarvard.Oque lhefaltavaemdiplomasobravaeminstintoparaoperarnomercado.Em1989,comaidadeMarcelparaaBrahma,Vallesetornouogranderesponsável pela mesa. Se Claudio Haddad era o homem das ideias, AntonioFreitasValleeraohomemdaação.A disputa entre os dois se tornou mais aberta em 1990, quando a sede doGarantia foi transferida do Rio para São Paulo e todas as áreas do bancocomeçaram a funcionar sob o mesmo teto – até então a mesa de operações,controlada por Valle, ficava no Rio de Janeiro, e a área de corporate finance,comandada por Haddad, em São Paulo. Dois anos depois da mudança deendereço,umamanobradacorretoradoGarantianaBovespafezcomqueValleperdesse terreno. No dia 12 de fevereiro de 1992 a corretora tentou baixarartificialmenteovalordasaçõesdoIbovespa,sobretudodaTelebrás.Presaaumcontratodevendafuturadoíndice,elaganhariaseoIbovespacaísseeperderiaseoíndicesubisse.Oproblemaeraqueabolsaestavaemaltae,quandoacorretorafosse quitar a operação, perderia dinheiro. Entre 12h30 e 13h daquele dia, ascorretorasGarantia eTalarico começaram a comprar e vender papéis entre si,com valor abaixo domercado (no jargão financeiro, uma operação conhecida

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como“ZécomZé”).ABovespapercebeuamovimentaçãoestranha,interrompeuo pregão e imediatamente cobrou explicações dos envolvidos. Na sequência,abriudoisprocessosadministrativoscontraasduasempresas(números001/92e002/92).Oestragoestavafeito.Ocasodemanipulaçãodopregãoganhouaspáginasdaimprensa.JorgePauloLemann, segundo a descrição de um ex-sócio do banco, ficou “lívido” com oepisódio.Tersuacredibilidadearranhadaésempreumenormeriscoparaumainstituição financeira.Naqueles tempos a situação era aindamais delicada – ocaso do especuladorNaji Nahas, acusado de ser o responsável pela quebra dabolsadoRioem1989,aindaestavafresconamemóriadomercado.Aplicarumcorretivo no Garantia, um banco arrogante e supostamente invencível, era,portanto,umpratocheioparaaBovespaeserviriacomoexemploparatodososagentesdosetorfinanceiro.Para se defender o banco contava com pareceres técnicos dos economistasAffonso Celso Pastore e Mário Henrique Simonsen, e também da KPMG.EmboraTomFreitasVallenãotenhasidoooperadordiretamenteenvolvidonamanobra–essepapelcoubeaquemestavanopregão–,comochefedamesaeletambém foi responsabilizado. A artilharia contra Tom não vinha apenas daBovespaedaCVM.AlgunssóciosdoGarantiaseaproveitaramdasituaçãoparabotarmais lenha naquela fogueira. Uma declaração feita à época por ClaudioHaddaddavabemotomdoclimaquese instaurounobanco:“Operador,paranós, é todomundo – do pessoal de pregão e demesa até o diretor.”O jovemsócioFernandoPrado,conhecidodentrodobancotantopelainteligênciaquantopelo temperamento explosivo, era um dos mais dedicados a minar acredibilidadedeValle,seuchefedireto.“OFernando[Prado]queriaolugardoTom [Freitas Valle] e insuflou o quanto pôde para prejudicá-lo”, diz um ex-Garantiadealtoescalão.Paraacalmarosânimosdentroeforadobanco,asoluçãofoidespacharValle,entãocom35anos,paraumaespéciedeexílioemHarvard(aBolsadeValoresdeSão Paulo concluiu que houve manipulação de mercado e uma das puniçõesimpostasàcorretoraGarantiafoiasuspensãodosenvolvidosnoepisódio).ValleficounosEstadosUnidosporseismeses.Quandoretornou,seucargohaviasidoesvaziado–asatividadesque ficavamsobsuasupervisão foramdivididasentreFernandoPrado,EricHimeeLuizAlbertoRodrigues, conhecidocomoCareca

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(Rodrigues faleceu num acidente demoto, no deserto doAtacama, em 2010).NãohaviamaisclimaparaqueVallecontinuassenobancoemuitomenosparaquesemantivessenadisputapelaposiçãodesuperintendente.Tomvendeusuasaçõesefoicuidardavida.Segundopessoaspróximas,ofinancistasaiucomcercade15milhõesdedólaresnobolso–eledesconversaquandoperguntadosobreacifra.“Eunãotenhomágoas,aquiloalifoiumacoisaprofissional...Maseuvireiadultodepoisdaqueleacontecimento”,afirma.AodeixaroGarantia,Valleeraumhomemrico.Tantoquechegouapensaremseaposentar.Doismesesdepois,porém, jáestavaenvolvidoemoutronegócio.Ao ladodeAndréLaraResende eLuizCarlosMendonçadeBarros, fundouoBanco Matrix, onde incorporou os princípios que aprendera no Garantia. OMatrix ganhou as páginas dos jornais e revistas da década de 90 não só pelosresultadosespetaculares–começoucomumpatrimôniode8milhõesdedólaresedoisanosdepoisjáultrapassava100milhões–,maspelaspolêmicasemqueseenvolveu. Como dois de seus principais sócios –Mendonça de Barros e LaraResende–tiveramexperiênciasanterioresnogoverno,haviaasuspeitadequeasapostas certeiras do banco em câmbio, juros e títulos da dívida pública erammais obra de informações privilegiadas que de talento da equipe. Nada nessesentidojamaisfoiprovadoe,mesmodepoisdasaídadeMendonçadeBarros,em1995, e deLaraResende, em1997, oMatrix continuouumamáquinade fazerdinheiro.Em 1999 Tom Freitas Valle novamente se encontraria no epicentro de umainvestigação. Naquele ano o então deputado petista Aloizio MercadanteencabeçouumaCPIpara investigarumasériedebancosbrasileirosque teriamsidobeneficiadospor informaçõesprivilegiadasnamaxidesvalorizaçãodoReal,entre eles o Matrix. “Todo dia tinha gente do Banco Central em cima, afiscalizaçãoeradiária.Foiumdesgasteenorme”,dizValle.NocasodoMatrixainvestigaçãodeuemnada.Masopentefinonasoperaçõesdeváriasinstituiçõesfinanceiraslevouparaacadeiaumdosgrandesbanqueirosdosanos90,omilanêsSalvatoreCacciola,donodoMarka.Seubanco teveumrombogigantescodepoisdadesvalorizaçãodoreal,noiníciode1999.Parataparoburaco,CacciolarecorreuaoBancoCentral,quelhevendeudólaresavaloresabaixo domercado – uma ajuda que custou aos cofres públicos 1,5 bilhão dereais.NaCPI foi lama para todo lado. Sobrou para vários diretores do Banco

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A

Central,inclusiveFranciscoLopes,presidentedoórgão.Inicialmentecondenadoa 13 anos de prisão por peculato e gestão fraudulenta, Cacciola passou váriosanos foragidona Itália atéque foipresonoBrasil em2008.Ficouquatro anosencarcerado na Penitenciária Pedrolino Werling de Oliveira, mais conhecidacomoBangu8,eem2011ganhouliberdadecondicional.Com o desgaste na CPI, as sucessivas crises financeiras internacionais e oacirramentodaconcorrênciadebancosdeinvestimentosestrangeirosnoBrasil,Valledecidiuencerraracarreiradebanqueiroem2001.Duranteosoitoanosemqueobancooperou,eleganhoumuitodinheiro.Segundopessoaspróximas,suafortunapessoalem2012giravaemtornode500milhõesdedólares.“DossóciosdoGarantia quedeixaramobanco,Tom foi quem sedeumelhor”, diz umdeseusantigoscolegasnainstituição.Hojeelesededicaaadministrarumfundodeinvestimentos,compostoemboamedidapeloseuprópriopatrimônio.

témeadosdosanos90oBancoGarantiafoioexemplomaisbemacabadode um banco de investimentos brasileiro. Ele tinha os melhores

economistas, os melhores operadores, osmelhores executivos. Seus resultadoseram sempre formidáveis, muito acima da média do mercado. Sua influênciapodia ser percebida não apenas no Brasil, como no exterior. Seu prestígio eratamanho que, em 1994, o banco trouxe para o país a ex-primeira-ministrabritânicaMargaret Thatcher, para um encontro com empresários locais. UmareportagemdojornalFolhadeS.Paulodaépocadescreveobancodestaforma:“Veloz nas decisões, impiedoso com os adversários, joga para matar. Umverdadeiro‘serialkiller’.”Não se faz muitos amigos quando se é um “serial killer”, mas isso nuncaincomodouossóciosdoGarantia.Amaiorpreocupaçãodosnovosmilionáriosforjadosnobancoera ficaraindamaismilionários.Paraalcançaressameta, asoperaçõesfinanceirassetornarammaisarriscadas–comoaturmaalisejulgavainvencível, aumentar as apostas parecia algo banal. “Eles [o Garantia] erammuitograndes,iamatéolimite,eaturmanãogostavadaquelepessoal,não”,dizumex-executivodeumantigobancoconcorrente.

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Foi principalmente depois da saída de veteranos comoAntonio FreitasValleque os sócios Fernando Prado e Eric Hime se transformaram em líderesinformaisdanovageraçãodobanco.Osdoiseramaliadosdentrodainstituiçãoeamigos fora dela. Com eles, o natural apetite doGarantia pelo risco alcançoupatamares até entãodesconhecidos.Prado estava à frenteda áreade corporatefinance; Hime era o gênio na mesa de operações (ele foi o profissional maisjovemasetornarsóciodobanco,aos24anos).Segundováriosex-Garantia,nasegundametadedadécadade90aduplaeraresponsávelporsupervisionarcercade80%dasreceitasdobanco.Um traço da cultura doGarantia quePrado eHime sempre cultivaram foi aaversão à hierarquia rígida. Ambos faziam questão de agir por conta própria,semdarmuitassatisfaçõesaClaudioHaddad,osuperintendentedoGarantia.“OClaudionuncatrabalhouna‘cozinha’dobanco(amesadeoperações),entãoeradifícilpraelecontrolaroqueagarotadaestavafazendo.E,enquantoodinheiroentravaarodo,nenhumdossóciosprincipaisseincomodoucomasituação”,dizumex-Garantia.

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Em1996,JorgePauloLemannfezumaanálisesobreasrazõesparaosucessodoGarantia.Elesóerrounaprevisãosobreodestinodainstituição.“TenhocertezaqueoGarantiaseráumaorganização

excepcionalemtermosmundiaisnospróximos25anos”,escreveu.ObancoseriavendidoaoCreditSuissedoisanosdepoisdessaprevisão.

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Um episódio em particular deixou nítido que Prado e Hime não tinham omenor pudor em constranger o chefe. Uma vez ao ano o banco promovia ochamado Fim de Semana BIG (Banco de Investimentos Garantia), em que sediscutiao futuroda instituição.Osencontrosaconteciamemhotéis e todososfuncionárioseramconvidadosaparticipar.Duranteodiaotrabalhoeraintenso,masànoiteopessoalrelaxava.Noeventode1993aalgazarra foi tamanhaquehouveatéqueimadefogosnanoitedesábado.Incomodadocomobarulho,na

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N

manhãseguinteHaddadreclamoucomopessoal.Aqueixaserviuapenascomocombustívelparaalimentarabagunçanofuturo.Noencontrodoanoseguinte,realizadonohotelVillaRossa, emSãoRoque,no interiorpaulista,não apenashouveumareediçãodaqueimadefogoscomoofoguetóriosedeuembaixodajanela do quarto em que Haddad dormia. “Era um constrangimento, porqueafinaloClaudio eraoprincipal executivodobanco...Mas ficava tudopor issomesmo. O Jorge [Lemann] via e não falava nada”, diz um ex-funcionário dainstituição.A“tradição”deatrapalharosonodeHaddadacaboudepoisdoFimde Semana BIG de 1996, quando a queima de fogos foi de talmagnitude quecontouatécomoacompanhamentodoCorpodeBombeiroslocal.

enhumacompanhiaacabadanoiteparaodia–ecomoGarantianãofoidiferente.Foramnecessáriosanosdedesgastedosprincípiosdesuacultura

paraqueainstituiçãofinalmentesemostrassevulnerável.Essemomentochegouem1997,quandoumacrise inesperadaatingiuaÁsia–eoGarantia sentiudamaneiramaisdolorosapossívelosefeitoscolateraisdaglobalização.Acostumadoavencer,vencerevencer,obancoexagerounasapostase foipegodesurpresacomaviradadomercado.Controlederisco?Precaução?Pensamentode longoprazo?Nada disso fazia parte do vocabulário damesa de operações do banconaquele momento. Era como se a arrogância, o dinheiro farto e a certeza dainvencibilidadetivessemdesligadoossensoresdeperigo.Depois de acionado o gatilho da crise na Tailândia, em julho daquele ano, aeconomiadoSudesteAsiáticoafundourapidamente.OcolossocriadoporJorgePaulo Lemann foi a reboque. Ao longo de muito tempo o Garantia ganhoudinheiro com carteiras de C-bonds (títulos da dívida externa brasileira),financiadas a curto prazo, por meio de uma operação conhecida no setorfinanceiro como “repo” (repurchase agreement). O mecanismo funcionava daseguintemaneira:ovendedor(nocasooGarantia)ofereciaaosdonosdostítuloso direito de vendê-los no futuro por um valor preestabelecido. Como o valorfuturoera ligeiramente inferioraovalorpresente,aoperaçãoserviacomoumaespéciedeseguroparaodonodopapel–sehouvesseumagrandedesvalorização

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súbita,bastavaqueeleexercesseodireitodevendapelovalorcombinadocomobanco,minimizandosuaperda.Enquantoomercadofinanceiroiabemeospapéisganhavamvalor,oGarantianão tinha com o que se preocupar e se alavancou exageradamente com essaoperação. O problema foi que, com a virada internacional, os preçosdespencaram.Obancoteveentãoquepagaraosinvestidoresadiferençaentreoqueestavacombinadoemcontratoeoqueomercadodefatopagavaporaquelespapéis. Quanto mais o Garantia vendia os C-Bonds para honrar oscompromissos, mais o preço do papel caía. Essa espiral só acabou quando obancozeroutotalmentesuaposição.Oestragoestavafeito.Asperdasadmitidaspela instituiçãoem1997chegarama110milhõesdedólares (asestimativasdomercado eramdequeo valor total alcançou algo em tornode 500milhõesdedólares).Parataparpartedoburacoemostraraosinvestidoresquecontinuavamfirmes,os sócios injetaram do próprio bolso 50 milhões de dólares na instituição. Ocaixa até podia ser refeito, mas a perda de credibilidade foi devastadora. Pelaprimeira vez o Garantia deixava claro que, como qualquer outro agentefinanceiro, não era inabalável. Assustados, muitos investidores sacaram suaseconomias do banco (ou, em alguns casos, o que sobrou delas). No segundosemestredaqueleano,opatrimôniodosfundosadministradospeloGarantiacaiupela metade – de 4,5 bilhões de reais em junho para 2,2 bilhões de reais emdezembro.Olucrotambémdespencou:foide11milhõesdedólares,umdécimodoresultadodoanoanterior.Oclimanobancoeraopiorpossível.EricHime,o responsávelpelamesadeoperaçõesementordamanobraquefezágua,ficoutãoabaladoquepassoudiassemdarascaras.JorgePauloLemann,normalmenteconhecidopelosangue-frio,explodiu:“Commeunomeemeudinheirovocêsnãovãobrincar”,gritoucomossócios.Averdadeéque,distantesdodiaadiadainstituiçãohaviaalgunsanos,JorgePaulo,MarceleBetoforampegosdesurpresa–algoque,comoprincipaisacionistas da instituição, eles jamais deveriam ter deixado acontecer. Nosprimeirosdiasdepoisdoestourodacrise,otriochegouavoltarparaamesadeoperaçõesparatentarcontornaroestrago,masjáeratardedemais.PelomenosumadezenadepessoasquetrabalharamnoGarantiaouconheceramobancodepertoacreditamqueocolapsojamaisteriaacontecidoseMarcelTelles,ohomem

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queduranteanoshaviacomandadoamesacommaestria,aindadesseexpedientena instituição. Talvez por isso, até hoje Marcel evite falar sobre esse assunto.“Aindasoumuitopassionalsobreisso”,justificaele.Jorge Paulo Lemann, até então o banqueiromodelo domercado, parecia terperdido seu “toque de Midas”, como se disse à época. O homem admirado,respeitadoeatétemidoagoratinhaquedarexplicaçõeseencontrarsaídasparaacrise. Uma das pessoas que ele procurou para pedir ajuda foi o antigo rivalAntonioJoséCarneiro,oBode,queacabaradevenderoMultiplicparaoLloyd’s(apesardeconcorrentes,ambossempresederambemeatéhojesãovizinhosemAngradosReis,ondetêmcasasdeveraneio):“OJorgemeligouedissequeobanconãotinhaumproblema,queerasóumaquestãodeliquidez...Masomercadonãoquerianemsaber...Numahoradessas,seretraitodo.Nós,comavendadoMultiplic,tínhamos600milhõesdedólaresemcaixa.AplicamostudonoGarantia.Nãoemoperaçõesderisco,masnoCDI,paradar liquidezaos títulosque eles tinham.Agente tinha confiançaneles edecidiucorrero riscodepôrodinheiroali.Paraeles foi importante...O Jorge reconheceissoatéhoje...”Osinvestidoresqueperderamdinheiroficaraminconformados.Algunsmesesdepoisdocomeçodacrise,JorgePaulotevedelidarcomumclienteantigo–einsatisfeito – durante uma partida de tênis do torneio de Roland Garros, emParis. Lemann estava no camarote de Antonio Carlos de Almeida Braga, oBraguinha, fundador do Banco Icatu e um fervoroso admirador de tênis.Durante um intervalo, os dois conversavam com o especulador Naji Nahasquando um casal de conhecidos de Braguinha se aproximou. Ao reconhecerJorgePaulo,amulherochamoudeladrãoeperguntouquandoteriaseudinheirode volta. O banqueiro nada respondeu. Cabisbaixo, saiu do camarote e foiemborasemterminardeassistiraojogo.Constrangimentos ainda maiores estariam por vir. Um dos clientes que fezquestãodedemonstrarpublicamenteseudescontentamentocomodesempenhodoGarantiafoioex-pilotodeFórmulaIndyRaulBoesel,naépocapatrocinadopelaBrahma.Nodia 26de setembrode 1997Boesel telefonoupara o banco edescobriuquemetadedos3milhõesdedólaresqueaplicaraali–quase todoo

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seu patrimônio – tinha virado pó. Desesperado, ele tentou aproveitar as boasrelaçõesquetinhanaBrahmapararesolveroproblema.ProcurouMarcelTellesnasededacervejaria,emSãoPaulo,embuscadeajuda.Marcelorecebeu,dissequeanalisariaocasoepediuquevoltassedoisdiasdepois.Nadatacombinada,Boesel retornou ao escritório do empresário, mas a resposta que o principalexecutivodaBrahmaesóciodoGarantialhedeufoidesanimadora:nadapoderiafazerparaajudá-lo.Boesel ficoufurioso.ComomoravaemMiami,entroucomuma ação contra o Garantia nos Estados Unidos. Receoso de novos tombos,resgatouorestododinheiroqueaindaestavaaplicadonobanco.AdisputaentreopilotoeoGarantiavazouparaaimprensa,oqueazedoudeveza relaçãodeBoeselnãosócomobanco,mascomaBrahma–acervejariarompeuocontratodepatrocíniopoucosmesesdepoisdocomeçodaquedadebraço.Aprincipal acusaçãodeBoesel eradequeoGarantianuncaavisouqueseudinheiroseriacolocadoemfundosdealtorisco.“Hojecolocomeudinheiroem bancos confiáveis, em investimentos seguros. Ganho menos, mas durmomaistranquilo”,dizele,queem2008abandonouaspistasdecorridaesetornouDJ.Segundopessoaspróximas,graçasaumacordofirmadoentreaspartesanosdepois,Boeselrecebeudobancooequivalentea10%doqueperdeu.Obancoinvencívelhaviasetornadovidraçaeaimprensaserefesteloucomasmásnotícias.JorgePauloeseussócios,quesemprefizeramquestãodemanterosjornalistasàdistância,tiveramqueengolirovelhohábito.Umartigopublicadopela revista Exame em 1998 fez uma análise mordaz dessa mudança decomportamento: “Foi patético ver o outrora altivo e inacessível grupo correratrás, nos últimos tempos, de uma assessoria de imprensa. Só a mais duranecessidade, sóuma jornada formidavelmentepenosapoderia explicar a buscadeumaassessoria.”Com a imagem do banco inexoravelmente arranhada, Jorge Paulo tentoucolocarempráticaumplanoqueacalentavadesdeque ficaradoente, em1994:transferir o controle da instituição para a geraçãomais jovem antes que fossetarde demais. Sua ideia era que a garotada pudesse reconstruir o nome dainstituição,enquantoele,MarceleBetopassariamasededicarapenasaosseusnegócios na economia real. Era um plano que trazia embutida também apreocupação em proteger os investimentos do trio na Brahma e na LojasAmericanas. De acordo com a legislação brasileira, no caso de quebra de um

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banco,todoopatrimôniopessoaldeseusdonospodeserutilizadoparacobrirorombo.Emoutraspalavras,seoGarantiaquebrasse,otriopoderiaperdermuitomaisdoqueobanco.O problema da proposta de Jorge Paulo é que ela não interessava aos sóciosmais jovens.“OJorgequeriaque fossepagonãoapenasovalordasações,mastambémumprêmiopelocontrole.Aínãohouveacordo”,dizumafontepróximaàs negociações. Chega a ser quase uma ironia que alguém como ele, tãopreocupadoem formargente e forjarumacultura forte,não tenhaconseguidoperpetuara instituiçãoquecriou.Numaentrevistaem2001,obanqueiro falousobreesseepisódio:“Opessoal [mais jovem] realmentequeria terum ‘pai’, alguémquebancasse onegócio...Elesqueriamembolsarodinheiro, o capitalque já tinham, earrumaroutra empresa grande ou alguém com muito capital, com quem eles poderiamcontinuar fazendo o que vinham fazendo, mas sem colocar em risco o própriocapitaldeles.Francamente,paramimissofoiumadecepção...”Otrionãoqueriamaispermanecer,ossóciosmaisnovosnãoqueriamassumiro banco. O impasse estava instalado. O conceito de partnership, que durantedécadas havia funcionado tão bem, se esgarçou rapidamente, a ponto de nãofazermaisqualquersentido.Comoumbancocomaimagemdesgastadapoderiaenfrentar o acirramento da concorrência no novo mercado global que seimpunha? Ao Garantia só restava procurar um novo dono, assim comoacontecera com o americano Salomon Brothers, que depois de um escândaloenvolvendooperaçõesirregularescomtítulosdoTesouroamericanofoivendidoaoTravelersGroup.OcandidatomaisóbvioàcompradoGarantiaeraoGoldmanSachs.ObancoamericanofoiagrandeinspiraçãodeJorgePauloparacriaroGarantiaeasduasinstituiçõeserammuitopróximas–oex-sóciodoGarantiaBrunoRocha,donodaadministradoraderecursosDynamo,chegouaterumasalanasededobancoamericano,emNovaYork,durante18mesesnoiníciodadécadade90,quandoosdoisbancosensaiaramumajointventure.Apesardassemelhançasdeestiloedaproximidadedasduas instituições, asnegociaçõesnãoprosperaram.Comaperspectiva de uma onda de privatizações no país, outros bancos estrangeiros,

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comootambémamericanoMorganStanley,chegaramaanalisaracompra.MasfoiosuíçoCreditSuisseFirstBostonque finalmentearrematouoGarantia,nodia 9 de junho de 1998, por 675 milhões de dólares. Jorge Paulo jamais seesqueceu dessa data. “Foimuito triste. Aquilo era uma paixão. Foi construídocomomaiorcarinhoefoisuadopraburro”,disseeleanosdepois.Pelo acordo, os sócios mais antigos – Jorge Paulo, Marcel, Beto e ClaudioHaddad – deixariam o banco imediatamente. O trio passaria a se dedicarintegralmenteàBrahma,àLojasAmericanaseàGPInvestimentos.Haddadseafastoudomercadofinanceiroparasededicaràeducaçãoesetornoupresidentedo Insper, instituição educacional voltada para cursos de graduação e pós-graduaçãoerguidacomdoaçõesdevários ex-Garantia (aprincipal saladeaulado Insper foi batizada de Jorge Paulo Lemann). Embora tenham ganhado umbocadodedinheirocomavenda–estima-sequesóJorgePaulotenhaembolsado200milhõesdedólares–,passaroGarantiaparaafrentetrouxeaotrioumaatéentãodesconhecidasensaçãodefracasso.Osoutros15sóciosremanescentesdeveriamficarnoCSFBporatétrêsanos–e,pelomenosfinanceiramente,tambémnãotiveramdoquereclamar.Obancosuíçosecomprometeucomessegrupoapagar300milhõesdedólaresdesdequedeterminadasmetas fossematingidas.“OGoldmanSachspretendiadispersaroqueagentetinhanoGarantia,eraummodelodeintegraçãoimediataetotalcomobancocomprador”,dizMarceloMedeiros,umdosex-Garantiaquemigrarampara o banco suíço. “Mas o Credit Suisse percebeu que havia mais valor emmanter o banco como era e nos deu total autonomia durante três anos.” Asmetas estabelecidaspeloCredit Suisseparaosbrasileiros foramalcançadasumanoantesdoprazo.Quatrodosbeneficiados–EricHime,FernandoPrado,LuizAlberto Rodrigues e José Ricardo de Paula (conhecido no mercado como“Ricardinho”)–decidiramcomemorar a conquista emgrande estilo.Cadaumdeles sedeudepresenteumaFerrari360Modena, “brinquedinho”vendidonaépocapor330mildólares.Poucotempodepois,jálivresdasamarrascontratuaisecomobolsocheio,amaioriadosex-GarantiadeixouoCreditSuisse.Apenasquatro sócios decidiram permanecer por mais dois anos: Marcelo Medeiros,MarceloBarbará,AndrewShores eCarlosCastanho.Aindaquequase15 anosdepois da aquisição não exista mais nenhum ex-sócio do Garantia no CreditSuisse, aoperaçãobrasileiradobanco suíçoaindaconta comprofissionaisque

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P

fizeramcarreirana instituiçãocriadapor JorgePauloLemann.EntreelesestãoJoséOlympioPereira,umex-comissionadodoGarantiaquehojeocupaopostode presidente do Credit Suisse, e Marcelo Kayath, ex-analista atualmenteresponsávelpelasáreasderendafixaevariáveldobancoparaaAméricaLatina.MuitasdasreportagenspublicadasemjornaiserevistasnaocasiãodavendadoGarantiaconcluíamqueofimdobancoeraoresultadodamudançapelaqualoBrasilpassava–deumaeconomia fechadaparaummundoglobalizadoemaiscompetitivo,emquecorporaçõeslocaisnãotinhamfôlegoparadisputarespaçocomgigantesmundiais.UmanovaerasurgiaeobancodeJorgePauloLemannnãoconseguiuseadaptaraela.Essaanálisepodefazersentidoàprimeiravista,mas ela apenas arranha a verdade. O Garantia não morreu por causa daglobalização nem por conta do acirramento da concorrência. O Garantiadesapareceu porque se deslumbrou com o próprio sucesso. Porque seusprincipais sócios se afastaram do negócio e deixaram o barco correr solto.Porque boa parte da nova geração estava mais interessada em engordar seupatrimôniopessoaldoqueemperpetuarainstituição.Váriospilaresdaculturaque fez do Garantia o maior banco de investimentos da época ruíram –simplicidade, foco, dedicação total à firma, valorização da sociedade acima dequalquer coisa.Os princípios que nortearam o surgimento e o crescimento seesfacelaramcomopassardosanos.QuemmatouoGarantiafoiopróprioGarantia.

ouco depois do fimdoGarantia, JorgePaulo Lemann teve que lidar comoutrasituaçãodramática–dessaveznocampopessoal.Nodia9demarço

de1999,nocaminhodecasaparaocolégio,seustrêsfilhosmaisjovens–Marc,LaraeKim,entãocom7,6e3anos–sofreramumatentativadesequestro.NotrajetodoJardimEuropa,ondemoravam,atéaEscolaGraduada,noMorumbi,umTemprapreto fechouoPassatpratablindado emque as crianças seguiam.Dois homens desceram do automóvel e gritaram para que o motorista dascrianças, José Aureliano dos Santos, saísse do carro. Aureliano dos Santosdesobedeceueosbandidoscomeçaramaatirar.Segundojornaisdaépoca,foram

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disparados15tiros,combalasde.40e9milímetros.Acuado,omotoristatentoudarré–eentãonotouqueoutroveículoobloqueavaatrás.Foramsegundosdepânico. As crianças choravam no banco de trás do carro. Apesar da situaçãodramática,omotorista,quehaviafeitoumcursodedireçãodefensiva,conseguiuescapar.Os filhosde JorgePaulo saíram ilesos,mas omotorista foi feridoporduasbalasqueatravessaramovidrodocarro.Aosaberdoacontecido,JorgePaulo,apesardepreocupado,manteveacalma.Depoisdesecertificardequeosfilhosestavambem,foicomomotoristaatéo15oDistritoPolicialdeSãoPaulo.Emseguidaascriançasforamparaaescolaeele,parao trabalho.Adespeitododrama familiar,manteve suaagendadodiapraticamente inalterada. “Eu tinha uma reunião marcada com ele e, quandocheguei, a secretária disse que o Jorge Paulo atrasaria um pouco”, lembra oexecutivo Luiz Kaufmann, que à época acertava seu ingresso na GPInvestimentos.“Elechegouumahoradepoiseconduziuareuniãonormalmente,semcomentarnadadoquehaviaacontecido.”Apesar da aparente frieza, Jorge Paulo temia pelo futuro da família. No diaseguinteàtentativadesequestro,tomouumaviãocomaesposaeastrêscriançasrumoaosEstadosUnidos.Desdeentão, elesnuncamais fixaramresidêncianoBrasil. (Os três filhos mais velhos de Lemann, de seu primeiro casamento,ficaramnopaís.AnnaVictoriaePaulomoramnoRiodeJaneiro;JorgeFelipe,emSãoPaulo.)EmboraJorgePauloeSusannamantenhamatéhojeacasadeSãoPaulo,suaresidênciaoficialficaemRapperswilJona,nosarredoresdeZurique,na Suíça. Lá, levamumavidamais simples (paraospadrõesdeumbilionário,claro) e sem tantapreocupaçãocomsegurança. “Os filhosdelevãoà escoladebicicleta.QuandooJorgePauloprecisairaZurique,pegaumtrem”,contaoex-presidenteFernandoHenriqueCardoso.

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C

Onetrickpony

om a venda do Garantia, em 1998, Jorge Paulo Lemann teve deestabelecer uma nova rotina de trabalho. Depois de 27 anos dandoexpediente no banco que fundara, ele agora precisava redefinir seu

papelnosinvestimentosquemantinhacomossócios.Envolver-senodiaadiadaadministraçãodeumaempresacomoaBrahmaouaLojasAmericanasnãofaziasentido.ElepreferiuseinstalarnoescritóriodaGPInvestimentos,aempresadeprivateequitydotriodeex-banqueirosfundadaem1993(onome“GP”vemdeGarantia Partners). Ironicamente, Jorge Paulo continuaria fisicamente muitopróximodobancoqueacabaradevender.AssedesdoGarantiaedaGPestavamambas localizadasnonúmero 3.064da avenidaBrigadeiroFaria Lima, emSãoPaulo–obancono13oandareafirmadeprivateequitynopisoabaixo.ApesardapresençadeJorgePaulonoescritório,quemcomandavaodiaadiadaGPeraBetoSicupira.FoiBetoque,cincoanosantes,colocouanovaempresaempé.Quandoagestoraderecursosabriuasportas,omercadodeprivateequitysimplesmente não existia no Brasil. Beto precisou explicar a investidores eempresários no que, afinal, consistia a atividade – comprar empresas emdificuldades,melhorar seus resultados e revendê-las anos depois por um valormaisalto(aoutros investidoresoupormeiodeaberturadecapitalnabolsadevalores).Paramontaroprimeirofundo,BetotevedepassarochapéunoBrasilenoexterior.Emumanorealizou40viagensaosEstadosUnidos,todasemaviõescomerciais, uma vez que jatinhos particulares ainda não faziam parte do seuuniverso.Aofinaldaperegrinaçãotinhalevantado500milhõesdedólares–100milhões vieram dos bolsos de sócios do Garantia, principalmente do trio debanqueiros.Para atrair os investidores, Beto se valia da experiência que ele e seus sócioshaviamacumuladonocomandodeempresascomoBrahmaeLojasAmericanas.Enquantoamaioriadosfundosestrangeirosdeprivateequityseenvolveapenascom os aspectos financeiros das empresas que adquirem, no caso da GP a

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A

proposta era interferir diretamente na gestão.Meritocracia, controle de custosimplacável, ambientes administrativos abertos, tudo isso seria replicado nascompanhiasemqueaGPaportasserecursos.Nocomeço,aequipedeBetonãosomavamaisquemeiadúziadepessoas,entregentequehaviafeitocarreiranoGarantia,comoRobertoThompson,enovatoscomo Antonio Bonchristiano. Aos 25 anos, bacharel em filosofia, política eeconomia pela Universidade de Oxford, Bonchristiano tinha passagens pelosescritórios de Nova York e Londres do banco de investimentos SalomonBrothers. O financista com jeitão de intelectual e gestos contidos haviaconhecido o pessoal doGarantia em 1990.Na época recebeu um convite paratrabalharnobanco,maspreferiucontinuarmorandonaEuropa.Mesmodepoisda recusa, Fernando Prado, um dos sócios do Garantia que o entrevistou naépoca,mantevecontatocomojovem.Emmeadosde1992,quandopensouemretornaraoBrasil,BonchristianotelefonouparaPrado.Avisouquequeriavoltar,masbuscavaalgodiferentedeumbancodeinvestimentos.“FalacomoBeto.Eleestámontandoumaempresadeprivateequity”,dissePrado.Eraexatamenteoque Bonchristano estava procurando. Em outubro daquele ano ele conheceuBeto e Thompson num jantar em Londres, na casa de Fred Packard, tambémsócio doGarantia.No dia 2 de janeiro de 1993, o jovem começou a trabalharcomoanalistanaGP.

estratégiaengendradaporBetoSicupiramostravaseusmelhoresresultadosquando a GP assumia o controle das empresas em que investia e

despachava algumde seus sóciospara tocar a operação. Foi exatamente esse oroteiro seguido em 1997, quando a GP adquiriu a concessão damalha sul daRede Ferroviária Federal, que deu origem à ALL (América Latina Logística).Maisgravequeoprejuízodacompanhianaépocaeraaletargiaqueadominava.Era preciso mudar seus números, mas antes era necessário transformar suacultura. O escolhido para levar a missão a cabo foi o engenheiro AlexandreBehring, um carioca de 1,92m, 30 anos, praticante de caça submarina e poloaquático.Oesportistajovemecompetitivovinhasemostrandoumtalentopara

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osnegóciosdesdeque fora recrutadopelaGP, em1994, enquanto cursavaumMBAemHarvard. Fisgadopelo discurso deBeto Sicupira eMarcelTelles – oimutável papo sobre meritocracia e partnership –, Behring dispensou umaoportunidade no Goldman Sachs para trabalhar na gestora de private equitybrasileira:“Entre o primeiro e o segundo ano do MBA trabalhei durante o verão noGoldmanSachs.Quandoestavaacabandooestágio,umdiretorveiofalarcomigo,explicarumpoucocomopoderiaserminhacarreiraalidentro.Eledetalhouoqueaconteceriaanoaano,quandoeupoderiaserpromovido,comoseriaaevoluçãodomeusalário.Eueratãoansioso,tinha27anos,acheitudomuitodevagar...Seajanela estivesse aberta eu teriame atirado por ela, de tanta ansiedade [risos]...Planodecarreira?MeuDeusdocéu,eunãoquerianadadisso.Aípenseique,seeunão poderia trabalhar no Goldman Sachs, porque achava aquilo muitoestruturado, eu não poderia trabalhar em nenhuma empresa grande. Naquelaépoca,não tinhanadamelhor do que oGoldmannomundo. Foi então que fuiapresentadoaoBetoeaoMarcel.Eles estavam fazendoumcursoemHarvardeaproveitaramparaconhecerosalunosbrasileirosdoMBA.ConversamoseelesmechamaramparatrabalharnaGPparaganharumsalárioqueeraumamerreca.OBetodepois se convenceuapagarumcontêinerparaeu trazerasminhas coisas,mas foi só.Topeiporqueacheioscarasmuito legais,acheique iaaprenderumabarbaridade. Antes do MBA eu tinha sido dono de um pequeno negócio deinformáticaequeriaserdonodealgumacoisadenovo.AntesmesmodeacabarocursoeujáestavatrabalhandonaGP.”QuandofoidestacadoparaassumirapresidênciadaALL,sediadaemCuritiba,Behring argumentou com os controladores da GP que não entendia nada dosetor ferroviário.ParaBeto issonãoeraumproblema.“Aquininguémentendede ferrovia, então você está igual a todo mundo. Além do mais, a ideia decomprar a companhia foi sua. Vai lá e resolve”, disse o empresário. Behringentãoperguntouoquedeveriafazerquandochegasseàempresa.Betorepetiuasugestão que havia dado a Marcel Telles quando o sócio assumiu a Brahma:“Durante o primeiro ano você e seu time não façam absolutamente nada quetenhaavercomonegócio.Façamcoisasqueexijamapenasbomsensoenquanto

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aprendem como funciona a empresa. Se vocês fizerem coisasmuito ligadas aonegóciopropriamentedito,hágrandeschancesdesairbobagem.”Alexandre Behring seguiu à risca a recomendação. Enquanto aprendia emcampoosdetalhesdonegócio–mensalmenteeleembarcavanuma locomotivadaALLparaverdepertocomoacompanhiafuncionava–,tratoudecolocarempráticaosprincipaismandamentosdacartilhadegestãoda“culturaGarantia”.QuandochegaramàLojasAmericanaseàBrahma,BetoSicupiraeMarcelTellesfizeram questão de conhecer não apenas os diretores das companhias, mastambém o pessoal do segundo escalão (e até alguns do terceiro nívelhierárquico).Behringcopiouatática.“Eraumgrupodequase100pessoaseeupediquecadaumescrevessenumafolhadepapeloqueviadebomnonegócio,oque podia mudar e quais as oportunidades. Depois conversei com cada umseparadamente,nemquefossepor20minutos.Éimpressionantecomoumtroçosimples desses faz com que você aprenda sobre quem está na sua frente”, dizBehring. Esse exercício deixou claro para o executivo quem tinha visão denegócioequemestavacomvontadedefazeracompanhiaentrarnoseixos–osquenãoeramnadadissoforamdevidamentesubstituídos.Empouco tempo,osprincipaisobjetivosdacompanhiaeramconhecidosportodos. Palavras como “metas” e “controles”, antes distantes do repertório daestatal, foram rapidamente incorporadas ao vocabulário dos funcionários daALL.Pelasparedesdos escritóriospipocavamcartazes comodesempenhodos300 funcionários mais graduados (o próprio Behring fazia parte da lista deprofissionais avaliados publicamente).O senso de urgência e a necessidade decontrolarcustoseramreforçadosaopessoalpela“CartadoFront”,umboletimmensalescritopelopresidentedacompanhia.Asparedesdassalasdosdiretoresforamderrubadaseosexecutivospassaramadividirumúnicoespaço.Behringliderava,comoaprenderacomBetoeseussócios,peloexemplo–e,novamente,avelhafórmulafuncionou.Emquatroanosageraçãodecaixafoimultiplicadapor18. A empresa voltou ao lucro. Graças à meritocracia professada, parte desseresultado ia direto para o bolso dosmelhores funcionários. Apenas dois anosdepois de Behring assumir o comando da ALL, 5 milhões de reais foramdistribuídosemformadebônusaosprofissionaisquebateramsuasmetas.Antesdedeixarocomandodacompanhia,emdezembrode2004,Behringcumpriusuaúltima tarefa: escolher e preparar seu sucessor, o economista fluminense

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Bernardo Hees, que ingressara na ferrovia em 1998. “Marcel gosta de usar aexpressão ‘one trick pony’ para explicar o que fazemos”, dizBehring. “A gentetem só um ‘truque’, que é colocar gente boa e nosso sistema de gestão paramudaroresultadodeumaempresa.”Alimitaçãodoestiloonetrickponyéqueelesófuncionaquandoprofissionaisde primeira linha como Behring podem se dedicar aos projetos por longosperíodos. Jorge Paulo Lemann percebeu essa restrição tão logo chegou aoescritório da GP. “Ele (Jorge Paulo) dizia que nosso ativo mais valioso era otempo e que estávamos usando esse ativomuitomal, fazendo vários negóciossimultaneamente”, lembraAntonioBonchristiano,o ex-analistaque chegouaocargo de copresidente da GP Investimentos. Em outras palavras, Jorge Pauloachava que ali faltava foco – e foco sempre foi algo que perseguiuobstinadamente (como quando desistiu da carreira de tenista profissional aonotar que nunca estaria entre os 10melhores atletas domundo). “O ciclo donegóciodeprivateequityédiferenteda filosofiadele.Nãodáparavocêchegarpara o investidor que está colocandodinheiro emum fundo e falar que talvezvocêfaçaapenasumoudoisinvestimentos.Nemquetalvezvocêqueiraficar20anosemumaempresa.Nãoéassimqueessesetorfunciona.Oramodeprivateequityéótimo,sóqueelenãobatecomosvaloresdeJorgePauloeseussócios”,dizumapessoapróximaaotrio.Foi sobretudonosprimeiros anosdaGPque essadiversificação exagerada semanifestou. Nos anos 90, a gestora comprou aceleradamente empresas detamanhos, origens, ramos e perfismuito diferentes – de startups de comércioeletrônicoaoperadorasdetelefonia.VejaocasodositeSubmarino,quesurgiuem 1999, no auge do frenesi da internet. Em maio daquele ano AntonioBonchristianoprocurouoempresárioJackLondon,fundadordalivrariavirtualBooknet,paracomprarosite.Naépoca,aBooknetnãopassavadeumaempresarecém-nascida,compoucomaisdeumadezenadefuncionários.Trintaequatrodiaseestimados5milhõesdedólaresdepois,Bonchristianoconcluiuaaquisição.Namesmaépocaecomamesmavelocidade,aGPfezoutrostrêsinvestimentosem novatas da internet – no site de leilões virtuais Lokau, no portalautomobilístico Webmotors e no site de agendamento de lembretes Elefante.Porém era na Booknet, uma varejista inspirada na Amazon, que a gestora derecursosapostavaamaioriadesuasfichas.Bonchristianodeixouodiaadiada

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GP,daqual jáerasócio,parasetornarpresidentedanovaempresa,rebatizadaSubmarino.Ficoulápordoisanos.Ergueucentrosdedistribuição,levou-aparaoutrospaísesdaAméricaLatinae transformouoSubmarinoemumadasmaiseficientescompanhiasdevendaspelainternetdoBrasil.Emnovembrode2006,o Submarino e a americanas.com (controlada pela Lojas Americanas e criadacomoumbraço independente de varejo eletrônico em1999) anunciaramumafusãoparaformaraB2W,amaiorvarejistaon-linedopaís.Comatransação,aGPsaiucompletamentedonegócio.Feitasascontas,oretornosobreoinvestimentonoSubmarinofoiumsucesso–odinheiro colocadona antigaBooknet foimultiplicadopor 10.No entanto, oenvolvimentoexigidodaGPparatransformaraaspiranteavarejistavirtualemuma empresa sólida foi considerado pela gestora de recursos alto demais. Aexperiência com o Submarino acabou por criar uma regra dentro da GP:investimentosemstartupsnuncamais.Oesforçoparaparticipardoleilãodeprivatizaçãodasoperadorasdetelefoniano Brasil, em 1998, também se mostrou desmedido. A GP participou doconsórcioquearrematouaTelenorteLeste(depoisTelemareOi)por3,4bilhõesdereais.Desdeoinícioonegóciofoimarcadopelapolêmica.EntreossóciosdaGP–asconstrutorasAndradeGutierrezeInepar,ogrupoLaFonte(dafamíliaJereissati), aMacal (do empresário AntonioDias Leite) e a Previ – não havianinguémcomexperiêncianosetordetelecomunicações.Omercadotinhareceiodequeoconsórcio semostrasse inaptoa tocara companhia.Com interesses eculturasmuitodiferentes, o clima entreos sóciosdaTelemar era, paradizeromínimo, belicoso. Não raro, as reuniões do conselho de administração setransformavam em verdadeiras batalhas. Entre os mais de 20 membros doconselho,doiseramdaGP–BetoSicupiraeFersenLambranho,queaessaalturajáhaviadeixadoo comandodaLojasAmericanaspara trabalharnagestoradeprivateequity.Emagostode2000,Fersenassumiuapresidênciadoconselhodeadministração da Telemar. Era a chance da GP imprimir na operadora detelefoniaseuestilodegestão–commetas,meritocria,cobrançaporresultados.Aprática,porém,mostrouque,comumaparticipaçãoacionária inferiora10%,aGP não conseguia vencer a resistência dos outros acionistas. Graçasprincipalmenteàgovernançaconturbada,aTelemarjamaisteveojeitãodeumaempresadaGP.Em2008,umadécadadepoisdaprivatização,aGPvendeusua

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fatianaoperadora.Onegócionãodeixounenhumasaudade.Seagestorativesseaplicado os 350milhões de reais investidos inicialmente no consórcio em umfundo de renda fixa, o retorno teria sidomaior que o registrado na Telemar.Ficouasegundalição:nadadetomarpartedenegóciosemqueaGPnãotivesseautonomiaparaestabelecersuacultura.Nos primeiros tempos da GP nenhum negócio deu tão errado quanto aaquisição da fabricante de produtos de cama, mesa e banho Artex, em 1993.Sediada em Blumenau, interior de Santa Catarina, a Artex era uma empresafamiliar sucateada, que vinha de quatro anos consecutivos de prejuízos. Paraarrumar a casa, a GP destacou o executivo Ivens Freitag, ex-Brasmotor. Trêsanosdepoisdatransação,comosresultadosdaArtexaindaandandodelado,aGPdecidiufirmarumaassociaçãocomaCoteminas,maiorempresadosetor.OnegócioexigiuaformaçãodeumaholdingbatizadaToaliaepreviaqueagestãodaArtex passasse para asmãos daCoteminas.A expectativa daGP era trocarseus50%departicipaçãonaholdingporaçõesdaCoteminasatéofinalde2001.ÀmedidaqueoprazoparaavendadafatiadaGPnaToaliaparaaCoteminasse aproximava, a relação entre as empresas azedava. O motivo dodesentendimento, claro, era dinheiro. A firma de private equity, que previaganhar80milhõesde reais emaçõesdaCoteminas coma transação,percebeuque não receberia coisa alguma. Segundo a GP, a Coteminas teriadeliberadamentegeridoaToaliademaneiradesastrosaparadiminuirosíndicesusados no cálculo do valor da companhia. Josué Christiano Gomes da Silva,presidentedaCoteminas,rebatiaquea fórmulaparaessecálculo,queconstavanoacordodeacionistas,haviasidocriadapelaGP.Emúltimaanálise,segundoele,aprópriagestorasecolocounaquelasituação.Ocasofoipararnajustiçae,em 2001, assumiu tal proporção que pela primeira vez em sua história a GPdecidiutornarpúblicaadisputacomumsócio.O imbróglio só terminou no ano seguinte, quando a GP desistiu da briga eassumiuaperda.OfatodeocontroladordaCoteminas,JoséAlencarGomesdaSilva(paideJosué),tersidoeleitovice-presidentedaRepúblicacertamentepesounadecisãodagestoradeabrirmãodoinvestimento.

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ComacompradaAntarcticapelaBrahma,em1999, JorgePaulo,MarceleBeto perceberam que era preciso reavaliar seu envolvimento nos demais

negóciosemqueinvestiam.Ficavacadavezmaisclaroparaotrioqueamelhoroportunidade de crescimento estava na cervejaria. Gastar tempo e energia emempreendimentos menos promissores era puro desperdício. Paralelamente,haviaumanovageraçãonaGP Investimentosque começava apressionarparaaumentar sua participação na companhia. Parecia a combinação perfeita. Nafilosofia de JorgePaulo e seus sócios, quem está em cimanãopode impedir ocrescimento de quem está embaixo – caso contrário, toda a pregação dameritocraciacaiporterra.Aregravale,inclusive,paraoprópriotrio.“Elestêmessa capacidade rara de abrir mão das coisas quando é preciso”, diz FersenLambranho.Em 2001 foi dada a largada na transição do comando da primeira para asegunda geração. Os sócios antigos mais afetados pela mudança foram BetoSicupira e Roberto Thompson, envolvidos diretamente na administração dagestoraderecursosdesdesuacriação.“Haviaumareuniãoàssegundas-feirasemque se falava sobre todos os negócios e dela o Jorge Paulo e o Marcelparticipavam.Tudo omais era comoBeto”, dizCarlosMedeiros, ex-sócio daGP. Medeiros deixou a gestora em janeiro de 2012 para se dedicarexclusivamenteàpresidênciadaBRMalls,empresaquesetransformounamaioradministradora de shopping centers do país durante o período em que foicontroladapelaGP,de2006a2010.AindacomocontroledocapitaldaGP,os fundadoresdecidiramqueodiaadiapassariaasertocadoporAntonioBonchristianoeFersenLambranho,numregimedecogestão.Dividiropoderemgeralnãoéumatarefadasmaissimples.No caso de Bonchristano e Fersen, dois sujeitos com temperamentos bastantediferentes,houvequemduvidassequeafórmulacriadapelosfundadoresdaGPfuncionaria.Bonchristiano é conhecido pelosmodos diplomáticos e pelo bom trânsito nacomunidade financeira internacional. Anos atrás foi escolhido pelo FórumEconômicoMundialcomoumdos100líderesdofuturo.Frio,raramenteelevaotom de voz ou se exaspera numa discussão. Émaratonista e há pouco tempoconstruiuumacasadeveraneioemCapri,suldaItália,paraondecostumaviajar

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com a mulher e os filhos. Fersen é um carioca que costuma intimidar seusinterlocutores.Faladuroe suavozgravepode serouvidaàdistância.Gostadeconhecer em detalhes as operações das empresas em que investe e nãoeconomiza sola de sapato para caçar boas oportunidades. Casado com suanamoradadostemposdafaculdadeepaidedois filhos,eleapurouogostoporartesplásticasesetornoucolecionadordepinturasdomodernismobrasileiro.Apesar das diferenças de temperamento, Fersen e Bonchristiano comungamdosmesmosprincípiosdeBetoSicupiraeseussócios–eagestãocompartilhadacomeçouatrazerresultados.DoisanosdepoisdeassumirocomandodaGP,adupla procurou os fundadores para pleitear uma nova reavaliação daparticipaçãoacionária.“Propusemosquenósdoiseosdemaisfuncionáriosqueestavam 100% do tempo dedicados ao negócio iríamos comprar metade daempresa, pagando em um prazo máximo de quatro anos”, diz Bonchristiano.JorgePauloLemann,MarcelTelles,BetoSicupiraeRobertoThompsontoparam.Ocálculodomontanteaserpagosebaseounovalorpatrimonialdacompanhia.Em cerca de um ano a dívida estava quitada e os sóciosmais jovens puderamcomprar o resto da participação dos fundadores. Roberto Thompsonpermaneceualgumtemponoconselhodeadministração,maslogotodososlaçosformaisdeingerênciaforamcortados.Sob o comando de Bonchristiano e Fersen, a GP atingiu seus melhoresmomentoseseconsolidoucomoamaiorempresadeprivateequitydaAméricaLatina.InvestimentoscomoofeitonaCemar,empresadeenergiadoestadodoMaranhão, tiveramumespantoso retornode35vezesocapital inicial alocado.AssimcomooGarantiaeraomaisinvejadobancodeinvestimentosdasdécadasde80e90,aGPsetornouamaiscelebradagestoraderecursosdeterceirosdopaísnamaiorpartedosanos2000.Aolongodesuahistória,investiumaisde5bilhões de dólares na aquisição de 51 empresas – e em boa parte delas atuoucomo uma espécie de difusora em larga escala dos princípios empresariaisestabelecidos por Jorge Paulo, Marcel e Beto ainda nos tempos do Garantia.“Essanovageraçãoestáindoalémdosfundadoresemtermosdeagressividadeecultura”,disseMarcelTellesduranteumapalestraemSãoPaulo,em2008.Afasedecrescimentoacelerado,emqueaGPbrilhavapraticamentesozinhanosetor de private equity brasileiro, ficou para trás. Em primeiro lugar porque aconcorrênciaaumentou–fundosinternacionaiscomoCarlyle,AdventeGeneral

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Atlantic,enacionaiscomoVinci(deGilbertoSayão),Gávea(deArmínioFraga)eBTGPactual (deAndréEsteves)passaramaatuarcomforçanoBrasil.Alémdisso,agestoracometeuumasériedeequívocosemseusinvestimentos.Naânsiade aproveitar o dinheiro que tinha nos fundos, fechou muitos negóciossimultaneamente–enemsempretinhasóciosquepudessemassumirocomandodasempresascompradas.Algumasdessastacadassemostraramtãodesastradasque arranharam a reputação da firma. Foi o que aconteceu com a empresa deimplantes dentários Imbra, adquirida em 2008. Nemmesmo a injeção de 140milhõesdedólares feitapelaGPna companhia foi capazde tornar aoperaçãoviável. Dois anos após a aquisição, a gestora desistiu do negócio e assumiu oprejuízo.VendeuaImbrapelovalorsimbólicode1dólarparaoobscurogrupoArbeit.Trêsmesesdepois,oArbeitpediuafalênciadaempresaqueacabaradecomprar.EssedesfechofoiumdurogolpenaimagemdaGP–paramuitagentenomercado,amanobradagestorapara se livrardoproblema foi,nomínimo,questionável.“TodoosucessoqueaGPteveapartirde2004deixouopessoaldeláarrogante”,dizumexecutivodosetor.“Elescomeçaramaagircomosefosseminvencíveis e não tivessem competidores, mas descobriram da pior formapossívelquetambémpodiamerrar.”O tropeçoacendeua luzamarelanagestora. “Foiumbomalerta”, reconheceBonchristiano.“Estamosaquidenovo,fazendonegócios,mascommuitorigor,disciplina,cuidado,focoecalma,paraevitarerros.”Umnovosustoaindaestariaporvir.Emfevereirode2013,aLBR,empresadosetorlácteocontroladapelaGP,entroucomumpedidoderecuperaçãojudicial.Criadaem2011comafusãodaLeitBomedaBomGosto–ecommaciçoapoiofinanceirodoBNDES–,aLBRtinha,inicialmente,apretensãodesera“campeãnacional”doleite.Nãodeucerto.

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N

Mateoconcorrentepelocaixa

ahistóriadocapitalismobrasileiropoucasdisputasforamtãoferrenhasquanto a travada porBrahma eAntarctica na década de 90.As duasmaiores empresas do mercado cervejeiro do país se engalfinhavam

públicaeferozmentepelaliderança.Maisqueumaguerraentreprodutos,oquediferenciavaascompanhiaseraseuestilodegestão.ABrahma,comandadapelaturma do Garantia, seguia uma cartilha que pregava a informalidade noambientedetrabalho,ameritocraciaeabuscacontínuapormelhoresresultados.A Antarctica, controlada pela Fundação Zerrenner, era o oposto, com suadiretoria formada por homens mais velhos e engravatados, que só tomavamdecisõesporconsenso.Emmeadosdosanos90,cadaumadetinhacercade30%departicipaçãodemercado.Umarepresentavaomaiorobstáculoaocrescimentoda outra. “As duas empresas competiam dia e noite, sematavam para ganharmercado”,disseMarcelTellestemposatrássobreessafase.Deixararivalganharterreno era algo impensável para o pessoal da Brahma. Como se falava peloscorredoresdacervejaria,“lugardepinguiménageladeira”,numairônicaalusãoàavequeilustraorótulodaAntarctica.A artilharia para derrubar a concorrente era pesada. A batalha começousilenciosa, com a busca da Brahma por tornar seu processo de fabricação edistribuição mais eficiente, e ganhou voz com a contratação, em 1990, deEduardoFischer,presidentedaagênciaFischer,Justus(hojeFischer&Friends).Aos30epoucosanos,opublicitáriodeuinícioaoqueficariaconhecidocomoa“guerra das cervejas”. Ele encomendou uma pesquisa para saber como osbrasileiros costumavam pedir cerveja nos bares do país. As respostas dosconsumidoresforamgravadasemvídeoeFischersedebruçousobreasimagens.Percebeu que boa parte dos entrevistados levantava o dedo indicador paramostraraosgarçonsquequeriamaisuma“gelada”.Eraumgestosimples,direto,

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reconhecidonacionalmente.Nasciaaliomoteparaseunovocliente:aBrahmaagoraeraa“número1”.Apoiadonoslogan,Fischerfezodiabo.Em1991criouocamarotedaBrahma,um espaço superbadalado para que beldades, artistas, políticos e empresáriospudessem assistir com toda a mordomia aos desfiles das escolas de sambacariocasnoSambódromo.Agrandesacadafoi tornarousodacamisetacomologotipodaBrahmaobrigatórioparatodososconvidados.Qualquercelebridadefotografadaparajornaiserevistasouqueconcedesseentrevistasparaemissorasde TV acabava por fazer propaganda da cervejaria – ainda queinvoluntariamente e de graça.O camarote daBrahmavirou “o” lugar para serfrequentadonoCarnaval.Seusconvitessetornaramobjetodedesejo.Quemnãose encaixasse no perfil exigido para frequentar o espaço era sumariamentevetado, aindaque fosse próximodosdonosda cervejaria. Foi o que aconteceucerta vez com Robert Cooper, sobrinho de Jorge Paulo e seu frequentecompanheironasquadrasdetênis.Cooperperguntouaotiosepoderiaconhecero camarote. A resposta do empresário, ainda que bem-humorada, foidesconcertante: “Aquilo é umnegócio.Os convites são para quemme ajuda aganhardinheiro,gentefamosaemulheresbonitas.Emqualcategoriavocêestá?”Coopertevequeassistiraodesfiledasescolasdesambapelatelevisão.NaCopadoMundode1994acampanhapublicitáriadeFischeralcançouumdeseusmomentosmaisgeniais.ABrahmanãopatrocinavaaseleçãobrasileiranem havia comprado cotas de patrocínio da Globo e da Bandeirantes, asemissoras que transmitiam os jogos (as redes de TV estavam acertadas com aKaiser e a Antarctica, respectivamente). Mesmo assim foi a marca que maischamou a atenção dos torcedores ao usar táticas do chamado marketing deemboscada jános jogosamistososqueantecederamacompetição–aprincipaldelas foi distribuir material publicitário para o público nos estádios com asimagens da “número 1”. Uma reportagem da revistaVeja revelou o resultadodessaestratégiadeguerrilhanapartidaqueaseleçãobrasileiradisputoucontraoParisSaint-Germanemabril,napreparaçãoparaaCopa:aBrahmaapareceu34minutose46segundosao longoda transmissão,enquantoaKaiser foiexpostapor1minutoe41segundos.“Odedoresumeumadasmaisagressivas,outalveza mais agressiva, campanhas publicitárias que o Brasil já conheceu, a maisambiciosa,maisabrangentenosespaçosqueocupaemaispolêmica”,afirmoua

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publicação.AAntarcticaseesforçavaparabarraroavançodaconcorrente,masa lutaeradesigual.A cervejaria paulista eramais lenta e cautelosa.O publicitárioNizanGuanaes,àépocanaDM9,agênciaresponsávelpelacontadaAntarctica,contacomofoiessafase:“A minha primeira experiência com eles (Marcel Telles e seus sócios) foiproctológica. Foi por trás, entendeu?Eu senti o bafo... Competir contra eles foicomplicadíssimo.Eraumrolocompressor.Esabeporquê?Porqueoscarastinhamtecnologia,ciência,disciplina...Comoelesjátinhamdesenvolvidoessacapacidadedeatrairedesenvolveraspessoas,podiamcontarcomosmelhorescérebros...EoMarcel estava ali o tempo todo segurando as rédeas... Eles conseguiam tomardecisõesmuitorápido,emumavelocidadediferentedaAntarctica.”

Organizar camarotes badalados no Carnaval carioca era importante. Fazer atorcida“levantarodedo”nosestádioseraimportante.Patrocinarmegashowsdeestrelas da MPB (como a Brahma fez com João Gilberto, em 1991) eraimportante.MasnemtodasessasiniciativassomadasseriamcapazesdevergaraAntarctica.“JorgePaulodiziaqueaúnicaformadesematarumconcorrenteépelocaixa”, lembraMagimRodrigues,ex-diretor-geraldaBrahma.“Aempresaprecisa ter omelhormarketing, omelhor produto, asmelhores pessoas. Tudoissoémaravilhoso.Mas sevocêquiser liquidaro seuconcorrenteprecisa iraocaixadele.Quandoelenãotivermaisdinheiroparanada,estarámorto.”Ojogoprecisavaficarmaispesado.Nasegundametadedosanos90aBrahmacomeçouaestruturarumsistemadevendascapazdeanalisarosdadosdetodososseusclientes–nãoporestadooucidade,masporcadaumdosseusmilharesdepontosdevenda.Assimconseguiasaber exatamentequanto cadabarou supermercado comercializava e comquemargemdelucro.Magimexplicaoimpactodainiciativa:“Deixamos de jogar bombas atômicas gastando uma baba de dinheiro paratentar crescer em algunsmercados e passamos a atirar no branco do olho, commuitomaisprecisão.Osvendedorescomeçaramasaber tudosobrecadaumdosseus clientes–quanto vendiam,quanto tinhamde estoque.Eraum sistemaque

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inicialmente custava mais, porque exigia um número 20%, 30% maior devendedores,mas que trazia um resultado absurdo.Até então o vendedor estavaacostumadoaencostarnobalcãodobareperguntar:‘SeuManoel,quantascaixasvai querer hoje?’ Isso acabou. Ele agora chegava sabendo exatamente o que ocliente precisava comprar e quanto ele precisava deixar de margem decontribuição para a companhia. Como tinha autonomia para negociarbonificaçõesecondiçõesdepagamento,ocaraseviravaparabaterameta.”Foi Carlos Brito, então diretor de vendas da Brahma, quem colocou essesistemade pé. Brito era uma estrela em ascensãona companhia. Seu primeirocontatocomaculturadeJorgePauloLemanneseussóciossederamuitotempoantes.Nascidoemumafamíliadeclassemédiaalta,eleestudounoColégioSantoInácioefezengenharianaUniversidadeFederaldoRiodeJaneiro.SeuprimeiroempregodepoisdeformadofoinaMercedes-Benz.Logochamouaatençãodoschefesefoitransferidoparaamatriz,ondepôdeexercitarasliçõesdealemãoqueaprendeunaadolescência(suamãeachavaquesóafluênciaeminglêsnãoseriasuficienteparaturbinaracarreiradofilho).Emseguida,deixouaMercedesefoicontratado pela área de robótica da subsidiária brasileira da Shell. Na novaempresafoiincentivadopordoisamigosacursarumMBAnoexterior.TentouemStanfordeWharton,duasdasmaisprestigiadasinstituiçõesamericanas.Foiaprovadoemambas,masescolheuaprimeira,consideradanaépocaamelhordomundo.Eleseriaoúnicobrasileirodaquelaturma.Sóhaviaumproblema:Britonãotinhadinheiroparabancarocursoeprecisavaencontrarumpatrocinador.Seu primeiro impulso foi tentar um financiamento na própria Shell. Nãoconseguiu. A empresa argumentou que no passado tinha feito esse tipo deempréstimo a funcionários, mas que depois de terminar o curso eles nãovoltaramaotrabalho–eporissoapolíticaforasuspensa.Britoprecisavabuscarumaalternativae se lembroudonomede JorgePauloLemann.Emboranãooconhecesse, sabia que o banqueiro, um entusiasta da educação, ajudava afinanciar os estudos do pessoal do Garantia no exterior. Será que bancariaalguémquenão fossedobanco?Britoachouquevaliaapenaarriscar.Pediuocontato de Jorge Paulo a um conhecido que trabalhava em uma corretoracarioca.Obanqueirotopourecebê-loporumahora.Brito chegou para a entrevista todo embecado: terno, gravata, sapato

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engraxado. Nada menos “Garantia” que o visual arrumadinho. Levou umcurrículo para entregar ao banqueiro, mas Jorge Paulo disse que não eranecessário. Ele preferia conversar com o jovem (e depois confirmar comconhecidos da Shell se Brito era realmente talentoso). Jorge Paulo perguntousobreosestudos,o trabalhoeoqueplanejavaparao futuro.Quandoo tempoacabou,osdoissedespediramsemqueBritotivessecertezadequefalariacomoempresário novamente. Dias depois, recebeu um telefonema enquanto davaexpedientenaShell.DooutroladodalinhaestavaJorgePaulo:–Brito, falei comopessoalque eu conheçonaShell ede fatovocê está indobem.Passaaquiqueeuvoutedarabolsaevoutepagaroprimeiroanointegral.–Jorge,mascomoeuvoutepagarissodevolta?Eunãotenhoessedinheiro[22mildólares,naépoca].–Depoisagentediscuteisso.Eusóqueroquevocêmeprometatrêscoisas.Aprimeiraéquevocêvaimemanterinformado.Euquerosabercomoestáindoocurso.Sevocê lerumartigo interessantesobre finanças,memanda.Asegundacoisa éque, se vocêpuder,deve ajudar alguémno futuro,domesmo jeitoqueestou te ajudando agora. E a terceira: quando você acabar o curso, antes deaceitarqualquertrabalho,venhafalarcomagente.NodiaseguinteBritofoiatéoGarantiaacertarosdetalhesdabolsa.JorgePaulochamouumfuncionáriododepartamentojurídicoepediuqueeletrouxesseumcontratoreferenteaoempréstimo.“Opapelsódiziaqueeutinhaqueestudare,se desistisse do curso, precisaria devolver o dinheiro”, lembra Brito. Antes deembarcarparaStanford,ojovempediudemissãodaShellepassouduassemanasno Garantia. Era um mundo muito diferente do que ele conhecia até então.Habituado ao universo das grandes corporações – lento e hierarquizado,sobretudo para quem trabalha em subsidiárias –, ele se deparou com umambientemeritocráticoeinformal,ondeasdecisõeseramtomadasrapidamente.ConheceuMarceleBeto.Adoroutudoaquilo.Brito cumpriu as três promessas feitas ao banqueiro.Mensalmente enviava aJorge Paulo uma carta relatando o que estava fazendo e qual tinha sido seudesempenho em trabalhos e provas. Em geral, anexava cópias de artigosacadêmicosoumatériasquepudesseminteressá-lo.“Elenuncameescreveu,massempremeligavadepoisquerecebiaascartas”,afirmaBrito.QuandoterminouoMBA,tinhaumaofertadaconsultoriaMcKinsey,ondefizeraumestágiodurante

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overão.Seupacotederemuneraçãonoprimeiroanochegariaa90mildólares.Antes de aceitar, telefonou para Jorge Paulo, como combinado. O banqueirodissequegostariade contratá-lopara trabalharnoGarantiaouemumgrandenegócioqueestavasendofechado,masqueeleaindanãopodiarevelar.Osalárioque o carioca oferecia era de 20mil dólares. Commuito custo, Jorge Paulo eFernando Prado (o outro sócio com quem Brito negociava sua contratação)concordaram em pagar mais 5 mil dólares para bancar a mudança. Emborafinanceiramente parecesse um desatino – a oferta da McKinsey, uma dasempregadorasmaisdisputadasdomundo,eraquasequatrovezesmaior–Britopreferiu retornar ao Brasil. Ficou no Garantia alguns meses até que o bancocomprouaBrahma.AoladodeMarcelTelles,MagimRodrigueseLuizClaudioNascimento,Britofezpartedoquartetoqueassumiuocomandodacervejarialogoapósaaquisição.Passou por diversas áreas na companhia, muitas vezes sem estar pronto paraassumi-las. Nos anos 90, por exemplo, foi promovido a gerente da fábrica deAgudos, no estado de São Paulo. Argumentou com Marcel Telles que nãoentendianadadoprocessodefabricaçãodecerveja.“Esqueceisso...Vocênuncavaisermestrecervejeiro.Eutambémnãoentendonadadisso.Vailáesecercadegente boa que vai dar certo”, respondeu Marcel. Brito seguiu a orientação e,resignado,semudouparaointeriorpaulista.Elesabiaquenãopodiarecusaro“convite”. Na Brahma, assim como acontecia antes no Garantia, as missõesdeveriamsersemprecumpridas.O patrocínio aos estudos de Brito foi o embrião da Fundação Estudar,organizaçãonãogovernamentalcriadaporJorgePauloem1991parafinanciarosestudosde jovensem instituiçõesdeprimeira linha.Foipormeioda fundaçãoque Brito cumpriu a última parte de sua promessa ao banqueiro – ajudarfinanceiramente jovens talentosos a cursar instituiçõesde ensinodequalidade.Nosmaisde20anosdehistóriadaEstudar,CarlosBritosetornouumdeseusmaiorescontribuidores.

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V ender mais graças ao sistema inteligente criado por Brito era ótimo. Oproblema era que, apesar daquele incentivo, os resultados da Brahma

estavam patinando. Logo no início de 1998, Magim Rodrigues percebeu quedificilmenteasmetas seriambatidas.Obônusdopessoal estavaemrisco.Seoproblema da companhia não estava nas receitas, só podia estar nas despesas.Magimpassouumpente-finonascontaseteveumchoqueaoperceberquantoacompanhiagastava com itens como transporte, viagens e alimentação.Aquelesnúmerosprecisavamserurgentementereduzidos.Magim e Marcel chamaram ao escritório da Brahma o professor VicenteFalconi e o argentino Gustavo Pierini, um ex-consultor da McKinsey e ex-associado daGP Investimentos. Pierini havia aberto recentemente sua própriaconsultoria, aGradus. “Havia uma dúvida na época se omelhor era criar umprogramainternodereduçãodecustosouchamaroCláudioGaleazzi[executivoque comandara uma reestruturação na Lojas Americanas anos antes]”, dizFalconi. Depois de muita conversa, Marcel e Magim optaram pela soluçãocaseira. Pierini e Falconi buscaram inspiração em programas de redução decustos jáconhecidosnoexteriorecriaramumaversãoadaptadaà realidadedacervejaria.SurgiaoOrçamentoBaseZero,conhecidosimplesmentecomoOBZ,umprogramaradicaldecontroledecustosqueprevêarevisãoanualintegraldetodas asdespesasda companhia– enão sódos aumentosqueocorremdeumano para outro. A partir daquele momento, qualquer custo – de insumos aviagens, de uso de celulares à compra de material de informática – teria deobedeceràsnovasregras.Olançamentodoprograma,paraoqualforamconvocadostodososexecutivosdacervejaria,aconteceunaAcademiaMilitardasAgulhasNegras,emResende,interiordoRiodeJaneiro.Aescolhanãofoicasual.“Eraparadarotomdecomoseria o jogo dali pra frente. Não haveria moleza”, lembra Falconi. Magimexplicou para o pessoal como seria o programa: as regras, o calendário dereuniões para apresentação dos resultados, a importância de todos ali seenvolveremdiretamentecomocontroledegastos.OOBZ,avisouMagim,seriacolocado em prática a partir de 1o de janeiro de 1999. Apesar de toda a

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preparação,oiníciodoprograma,comorecordaFalconi,foicomplicado:“NareuniãodefevereiroMagimavisouqueestavacomumproblema.OdiretorregionaldoRiodeJaneironãohaviaexecutadoumadasrecomendações–reduziro número de carros alugados de 17 para cinco. Era pura indisciplina. Nasempresasaspessoasdesenvolvemumcertocinismoao longodosanos,porque seacostumamaofatodequeasmetasnãoserãocobradas...Alémdessecasocomodiretor,Magim contou que cinco gerentes não estavambatendo suasmetas e serecusavama fazerosrelatórios.Perguntouoquedevia fazercomoscaras.Bom,eles tinham sido avisados verbalmente e por escrito das regras e não queriamcumpri-las.Sóhaviaumacoisaafazer:mandaressepessoalembora.Sevocêquermudarumaculturaeencontraresistência,sintomuito...Oscincogerentesforamdemitidosnaquelemesmodia.Odiretor regional escapouporque se aposentariano mês seguinte. Foi uma atitude importante. Mostrou para a empresa que ascoisas tinham realmente mudado. Domês de março em diante todas as metasforambatidas.Criou-seumaculturadeexecuçãoque foi transformadoraparaahistóriadacompanhia.”Magimestavacerto.Oanode1998foioprimeirosemdistribuiçãodebônusnaBrahmadesdequeopessoaldoGarantia assumiuagestão.Emboraa empresatenharegistradolucro,asmetasnãoforambatidas.Emmarçodoanoseguinte,mês em que a companhia distribuiria a remuneração variável, nenhumfuncionáriorecebeucoisaalguma.NemmesmoMagim.NemmesmoMarcel.Asregrasdameritocraciaeramimplacáveis–equemestavaacostumadoaganharaté 18 salários extras pelo bomdesempenho teve que se conformar em ficar àmíngua no período de resultados medianos. Perder os bônus foi mais umestímuloparaqueopessoalencampasseoOBZesededicasseareduziroscustosdaempresa.

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A

“SãoPauloeCorinthiansnomesmotime”

máquinaazeitadadaBrahmacomeçavaa fazerestragosnaAntarctica.O lucro da cervejaria paulista, que alcançara 161milhões de reais em1995, caíra para quase um terço – 64milhões de reais – em 1998. A

participação demercadode sua principalmarca, a própriaAntarctica, somava22%,enquantoBrahmaeSkol juntas totalizavam49%.Noduelodemarketing,vendas e distribuição entre as duas maiores fabricantes de cerveja do país, aBrahma estava ganhando com folga. Era hora de Marcel Telles e seu timeliquidaremafatura.Aarquiteturadonegócioquemudariaacaradomercadocervejeirobrasileiroecriariaumadasmaiorescompanhiasdopaíscomeçouaseresboçadanumanoitede sexta-feira, no início de maio de 1999. Marcel e Magim Rodrigues aindadavam expediente na sede da Brahma. Eles conversavam sobre o futuro dacompanhiaquandoopapochegouaoseguinteponto:–Marcel,vamoscompraraAntarctica?–Tálouco,Magim?–Elesnãotêmmaisgás.Estãoferrados...–Comoéquevocêsabe?–Nãovoutedizercomo,maseusei.– Será? Bom, não custa conversar com eles... Vou ligar para o Victório [DeMarchi,diretor-geraldaAntarctica]amanhã.VictórioDeMarchi havia se tornado o principal executivo daAntarctica em1998, depois de um período bizarro em que o comando da cervejaria eraalternadosemanalmenteentreosmembrosdoconselhodeadministração.Aindaque estivessem à frente de companhias rivais, ele e Marcel costumavam seencontrardetemposemtemposparaconversarsobreomercado.DeMarchinãose surpreendeu, portanto, quando Marcel telefonou no final de semana paraconvidá-lo para um almoço na segunda-feira seguinte. Escolheram um local

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público, o restaurante Gero, situado nos Jardins, em São Paulo. Durante arefeição,Marcel lançou a ideia: “Victório, não é hora de a gente se juntar?Omundo está se globalizando. Os caras estão entrando aqui.” Os “caras” a queMarcel se referia eram, principalmente, as americanas Anheuser-Busch, quechegou a deter uma participação de 5% da Antarctica, eMiller, com quem aBrahmahaviafeitoumaassociaçãoparadistribuiçãodeseusprodutosnoBrasil.Outras gigantes como a sul-africana SAB e a holandesa Heineken tambémestavamdeolhonosconsumidoresbrasileiros.NãoeraexatamenteaprimeiravezqueaBrahmasugeriaalgodessetipoparaaAntarctica.Nofinalde1998MagimchegouaabordarDeMarchi,masodiretordacervejariapaulistadesconversou.Dessavez,comoagravamentodasituaçãodaAntarctica,suareaçãofoidiferente.DeMarchidissequedebateriaapropostacomo conselhoda cervejaria.Nodia seguinte, telefonouparaMarcel e avisouqueosconselheirosestavamdispostosadiscutiraproposta.MesesantesdeabordaraAntarctica,aBrahmahaviachegadomuitopertodecomprar a colombiana Bavaria. O negócio empacou porque as partes nãochegaram a um consenso em relação ao preço.Depois demuita negociação, aBrahma ofereceu aos colombianos 1,8 bilhão de dólares pela cervejaria – 500milhões no ato e o restante no futuro, com a ajuda da geração de caixa dacompanhia.OpessoaldaBavariapediamais:2,2bilhõesdedólareseumprazomais curto para o pagamento. Marcel Telles queria muito concluir aquelatransação. Pensou. Consultou os sócios. Discutiu o assunto com MagimRodrigues.Concluiuqueopreçoestavaaltodemaiseascondiçõesdepagamentopoderiam estrangular o caixa da Brahma. Acabou por abortar a operação.Embora frustrante nomomento, a decisão semostrou providencial. Se tivessearrematadoaBavaria,aBrahmanãoteriacomopartirparacimadaAntarctica–pelomenosnãonaquelemomento.Comosinalverdedoconselhodeadministraçãodacervejariapaulista,Marcelprocurou o advogado PauloAragão, sócio do escritório BMA, para ajudá-lo aestruturar uma proposta. Aragão é um sujeito de fala pausada, raciocíniocristalinoetomligeiramenteprofessoral.HaviaanosquesetornarapróximodeMarcel e seus sócios.Nosanos80, elehaviaajudadoBetoSicupiraamontaroprogramaderemuneraçãovariáveldaLojasAmericanas.Nadécadaseguinte,foisóciodaGPInvestimentos.Fazia tempoqueAragãoestavaapardasambições

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do trio de transformar a Brahma em uma cervejaria com alcance global. Em1994,numaviagemaosEstadosUnidoscomBetoSicupiraeRobertoThompson,elemarcouumaconversacomadvogadosdaSkadden,Arps,Sleate,Meagher&Flom,umadasmaisprestigiadasbancasdomundo.Logonoiníciodareunião,Beto perguntou aos americanos como ele poderia comprar aAnheuser-Busch.OsadvogadosdaSkadden,comoédeseimaginar,ficaramperplexos.“EracomoseagenteestivessedizendoquequeriacompraraBasílicadeSãoPedro”,lembraAragão,aosrisos.Educadamente,empoucossegundososamericanosmudaramdeassunto.Cinco anos depois daquele episódio, o aparente delírio de Beto começava atomar forma. O Projeto Sonho, como foi batizado o plano de compra daAntarctica, seria o primeiro passo para fazer daBrahma amaior cervejaria domundo.Parachegarláoscontroladoresdaempresadeveriamsuperarumasériede obstáculos. O primeiro, convencer os acionistas da Antarctica a vender acompanhia.Alémdechegaraumvalorqueacomodasseos interessesdasduaspartes, a Brahma teria de se mostrar hábil o suficiente para não ferirsuscetibilidades – o negócio deveria ser anunciado como uma “fusão”, e nãocomoumaaquisição,oquedefatoera(naAmbevninguémserefereàoperaçãocomoumacompra).Depoisserianecessárioprovaraosórgãosreguladoresqueacriação da supercervejaria não implicaria monopólio. Finalmente, osfuncionáriosdasduascervejariasprecisariamentenderqueaguerraacabavaali–havia tanta rivalidade que os empregados da Brahma eram proibidos deconsumirprodutosdaAntarcticaatémesmodentrodecasa.“EracomojuntaroSãoPauloeoCorinthiansparafazerumtimesó”,dizAragão.Oprocessodenegociaçãofoirápidoerestritoapoucaspessoas.QuasetodasasreuniõesaconteceramnoescritóriodaGPInvestimentos.Pelo ladodaBrahmahavia quatro interlocutores-chave: Roberto Thompson, o negociador; PauloAragão,responsávelporestabelecerasbasesjurídicasdoacordo;AdilsonMiguel,diretor de revendas da Brahma, e JoãoCastroNeves, um talentoso gerente deplanejamentodacervejaria.OsdoisúltimosforamescaladosparamergulharnosdetalhesdaoperaçãodaAntarcticaeavaliarassinergiascomaBrahma.MagimRodrigues, o diretor-geral da Brahma, não se envolveu no processo. Marcelpreferiuquecontinuassetocandoodiaadiadacervejaria,paraqueelanãosaíssedostrilhosduranteanegociação.

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CastroNeves,naépocacom32anos,eraomaisnovodaturma.AprimeiravezqueouviuonomedeJorgePauloLemannfoiaindanaadolescência.Cariocaepraticante de tênis (chegou a ganhar alguns campeonatos no Rio de Janeiro),Castro Neves soube, aos 13 anos, que Jorge Paulo patrocinava um torneiojuvenil.OvencedorganhariaaoportunidadedeparticipardoOrangeBowl,nosEstadosUnidos.“Eunãosabiadireitoquemeleera,masachavabacanaumcaraque apoiava um campeonato desses”, lembra o executivo. Anos depois, jáformadoemengenhariapelaPUCdoRiode Janeiro,eleprocurouJorgePauloLemann para pedir outro tipo de patrocínio. Castro Neves fora aprovado noMBAdaUniversidadede Illinois, emChicago,masnão tinha comobancarosestudos. Jorge Paulo gostou do garoto, que se tornou um dos primeirosbeneficiadosdaFundaçãoEstudar,comumabolsade20mildólares.Em1996,recebeuumapropostaparatrabalharnaBrahma.Naúltimaentrevistaantesdeser contratado, Castro Neves perguntou aMarcel Telles se havia chance de acervejariaservendidaparaaMiller.Depoisdaassociaçãodasduas,em1994,osrumoresdeumaeventualvendadaempresabrasileirasemultiplicaram.“Temoszero interesse em vender. A gente acabou de comprar esse negócio e vê issocomoalgodesuperlongoprazo”,disseMarcel.Eacrescentou:“EuachoqueumCEO tem um prazo na função. Já estou aqui há seis anos, devo termais unsquatro.Depoiseutenhoquedarespaçoparaoutrapessoa,paranovasideias...Anãoser, sei lá,queagentecompreaBudweiser [principalmarcadaAnheuser-Busch].” Castro Neves achou a declaração um tantomaluca, mas avaliou queteria oportunidade de crescer na companhia. Decidiu aceitar o convite. Foi oinício de uma trajetória que o tornaria o principal executivo da cervejaria em2008.Em 1o de julho de 1999, 45 dias depois de dar o pontapé inicial no ProjetoSonho, Brahma e Antarctica anunciaram a criação da American BeverageCompany,aAmbev.Adivulgação,previstainicialmentepara7dejulho,tevedeser antecipada porque os papéis da Brahma começaram a subir de formaanormal na bolsa de valores – no dia 28 de junho, uma jornalista chegou atelefonarparaaAntarcticaparachecarseosrumoresdavendadacervejariaparaarivalBrahmaprocediam(pormeiodesuaassessoriadeimprensa,aAntarcticanegou o “boato”). Por pouco uma trapalhada de Carlos Brito não colocou oanúncio em risco. Setenta e duas horas antes de comunicar a operação ao

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mercado,acompanhiadeveriainformaroCade,oConselhoAdministrativodeDefesaEconômica.Britoeraoresponsávelporenviarodocumento,porfax.Pordescuido,mandou omaterial para o número errado.Quando se deu conta dabobagem, tratou de consertar o estrago antes que o destinatário divulgasse ainformação,aindaconfidencial.Naretafinal,advogados,banqueiros,osprincipaisinterlocutoresdaBrahmaeopublicitárioMauroSalles,contratadoparaestruturaradivulgaçãodonegócio,quasenãodeixaramawarroom(saladeguerra)montadanasededaGP.MarceleBetocoordenavamaequipedeperto. JorgePauloLemannacompanhavaportelefone,dosEstadosUnidos.Oarranjofinalpreviaumatrocadeaçõesentreasempresas– JorgePaulo,Marcel eBeto ficaramcom18,77%docapital totaldanovaempresa(e46,08%docapitalvotante)eaFundaçãoZerrennercom10,44%dototal(e22,67%dasaçõescomdireitoavoto).Cadaumadaspartesindicariametadedosmembrosdoconselhodeadministraçãodanovacervejaria.Oacordoentre as duas companhias foi assinado na sala daGP, com a presença de nãomais que uma dúzia de pessoas e sem muita festa. “A gente é ruim decomemorar”,dizRobertoThompson.“Sóteveumbrindeeforamtodosdormir.”Estava concluído aquele que, até então, era omaior negócio já realizado entreduasempresasbrasileiras.Faltavadivulgaratransação.UmacoletivadeimprensafoiconvocadanasededaAntarctica.Doisporta-vozes,MarcelTelleseVictórioDeMarchi,atenderiamosjornalistas(navésperaosdoishaviamviajadoaBrasíliaa fimdeinformaropresidenteFernandoHenriqueCardosodonegócio).Diplomaticamente,Marcelfazia o possível para aparecermenos queDeMarchi na entrevista – buscar osholofotes nunca fez parte de sua personalidade. A partir daquele momento,MarceleDeMarchiseriamcopresidentesdoconselhodeadministraçãodanovacompanhia.ComaAmbev,oBrasilentravanojogodasgrandesconsolidações,ummovimentoqueganhavaterrenorapidamentenoexterior.Anovaempresa,aquinta maior fabricante de cerveja do planeta, nascia com númerosimpressionantes:10bilhõesdereaisdefaturamentoanual,17milfuncionários,73%departicipaçãonomercadodecervejase19%noderefrigerantes.Apesardoclimade luademel, tãocomumemanúnciosdesse tipo,aAmbevrepresentavaasomaimprováveldeduasempresasquesedigladiaramporanos,com estilos de gestão completamente díspares. Na coletiva de imprensa essas

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diferenças ficaram evidentes até mesmo no guarda-roupa dos porta-vozes.Marcel Telles, chamado pelos jornalistas pelo primeiro nome, vestia calça ecamisajeans,paletóesapatosesportivos.DeMarchi,maisconhecidocomo“Dr.Victório”, usava seu uniforme habitual: terno, camisa social e gravata. Para osfuncionários da Brahma e da Antarctica, na integração que vinha pela frente,unificarovisualseriaomenordosproblemas.Asuposta“fusão”trariaareboquetodos os traumas inerentes a esse tipo de movimento – choque de culturas,demissões, pressão por resultados. Não era difícil imaginar que lado levaria amelhor.

primeirabatalha–fecharoacordocomaAntarctica–estavaganha.Agoraeraprecisoaprovaronegócio juntoaosórgãosdedefesadaconcorrência.

MostraraoCadequedetermaisde70%domercadonãoimplicavamonopólionemtrariaprejuízoaosconsumidoreseraumatarefaparticularmenteárdua.Oprincipal interlocutor da Ambev no governo era Victório De Marchi, umeconomistadegestoscontrolados, tommonocórdioehabituadoa transitaremBrasília. Durante nove meses, período entre o anúncio da transação e suaaprovaçãopelogoverno,DeMarchipraticamentemorounacapital federal.Elese mantinha ocupado em reuniões com parlamentares e técnicos do governoparaexplicarosdetalhesdonegócio.“Ograudeconcentraçãoqueafusãogerouexigiu um enorme esforço para demonstrar às autoridades, e em especial aoCade,asvantagensqueonegócioacarretaria”,comentaDeMarchi.Parareunirargumentosconvincentes,DeMarchicontavacomumaequipedequase 30 pessoas, entre elas advogados renomados como Sérgio Bermudes,AriosvaldoMattosFilhoePauloAragão. JoãoCastroNeves,queatéoanúncioestiveraenvolvidocomaanálisedassinergiasentreascervejarias,agoraviajavapara Londres, Bélgica e Estados Unidos a fim de conversar com renomadosespecialistas em fusões e aquisições. “Um dos nossos advogados falou que oprocessoseriacabeludo,entãopramimficouclaroqueeraprecisofalarcomosmaioresentendidosemlegislaçãoantitrustedomundo”,lembraCastroNeves.AvidadosexecutivosdaAmbevse tornouespecialmenteárduagraçasàação

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da Kaiser. Na época controlada por engarrafadores da Coca-Cola, a terceiramaior cervejaria do Brasil se opôs publicamente ao negócio. O executivoHumbertoPandolpho,presidentedaKaiser,nãopoupavatempoedinheiroparatentar solapar os planos da nova concorrente. Sob sua orientação, a Kaiserproduziuumdossiêquepreviaumcataclismoparaosetorcervejeiro.Segundooestudo encomendado, a formação da Ambev resultaria na demissão de 8 milfuncionários, na redução da arrecadação de impostos e no aumento de preçospara o consumidor. O material foi fartamente distribuído a parlamentares eformadores de opinião.Numaoutra frente, dessa vez jurídica, aKaiser entroucommaisde30ações contestandoonegócio emdiferentes cidadesbrasileiras.Enquanto a cervejaria fazia barulho, a Ambev apanhava em silêncio –supostamenteportersidoalertadapelogovernodequenãodeviatransformarotemaemassuntodemesadebar.Comooqueéruimsemprepodepiorar,emsetembrode1999,doismesesapósoanúnciodonegócioenoaugedaquedadebraçocomaKaiser,MarcelTellesficoudoenteefoiobrigadoaseafastardotrabalhoporquaseummês.Nãoeraaprimeira vez que isso acontecia. Em 1985, quando ainda dava expediente noGarantia,Marcelfoioperadoàspressas,diagnosticadocomumacrisedecolite.Catorze anos depois, ele voltou a apresentar os mesmos sintomas. Ele haviatirado uns dias de folga para descansar da tensão que envolveu a compra daAntarctica e pagar uma aposta que fizera comAdilsonMiguel – se o negóciofossemesmo fechado, os dois passariam alguns dias pescandonoPanamá.Dequebra,Marcelplanejavaaproveitaracurta temporadapara fazerumadieta, jáqueoprocessodeformaçãodaAmbevlhehaviarendidoalgunsquilosextras.Marcel e seu companheiro de pescaria navegavam pela América Central abordodoiateSensationquandooempresáriocomeçouasentirumincômodonaregiãodoabdômen.Logoadorsetornouinsuportável,obrigando-oaprocurarummédiconosEstadosUnidos.Ele ficouduas semanas internadoatéqueumespecialista americano descobrisse o que provocava tanta dor. Marcel tinhaporfíria,umadoençararaededifícildiagnósticoqueconsisteemumaespéciedeenvenenamentoprogressivodo sangue (a crisedecolitequeo levouàspressasparauma salade cirurgia foi turbinadapelaporfíria semqueo empresárioouseusmédicos soubessem). Durante a viagem de barco, a combinação de dietadrásticaequedadeglicemialevouofígadoatrabalhardeformadescontrolada,

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contaminandoo sangue.Umavez identificadooproblema, bastouqueMarceltomasseummedicamentoparaserecuperarrapidamente.DuranteasquasequatrosemanasemqueoprincipalartíficedaAmbevestevefora da companhia, a Kaiser não economizou munição. O contra-ataquecomeçoulogodepoisdoretornodoempresário.Anovacervejariaintensificouocorpoacorpoeascampanhaspublicitáriasparaconvenceraopiniãopúblicadosbenefícios da formação da Ambev. Também passou a atacar diretamente aKaiser.Na“saladeguerra”daAmbev,ocolombianonaturalizadobrasileiroJuanVergara,entãodiretordemarketingdacompanhia,mantinhaumaplanilhacomosnomesdetodasaspessoasquedeveriamserabordadasporrepresentantesdaempresa. A lista, que elencava jornalistas, autoridades e outros formadores deopinião, era atualizada diariamente.Vergara queria saber quem era a favor donegócio e como mudar a opinião daqueles que se mostravam contrários à“fusão”.Adisputaficoumaispesadaapartirdenovembrode1999,quandoaSecretariadeDireitoEconômico,vinculadaaoMinistériodaJustiça,recomendouavendadetodososativosdaSkol,incluindomarca,fábricaseprocessosdedistribuição.SobopontodevistadaAmbev, sea recomendaçãodaSDE fosse seguidapeloCade, a operaçãoperderia todoo sentido.Qual a vantagemem juntar as duascompanhiasseo“pedágio”fosseperderumadasprincipaismarcas?Marcel e sua equipe partiram para o tudo ou nada. Uma das medidas maisagressivasfoilevaràimprensaamericanaacusaçõescontraaCoca-Cola,donadeumafatiade10%daKaiser(emboraosengarrafadoresbrasileiroscontrolassemacervejaria, amatriz da Coca-Cola, emAtlanta, detinha também uma pequenaparticipação).FoiopróprioMarcelquemjogoulenhanafogueira.“AKaiserestátentandosemostrarcomoDaviquandonaverdadeéGolias”,disseeleaojornalThe New York Times, em uma reportagem publicada no início de 2000. Oempresário argumentavaque, comoadistribuiçãoda cervejaKaiser estavanasmãos dos engarrafadores do sistema Coca-Cola, as duas empresas eramindissociáveis. “Sem a Coca-Cola a Kaiser morreria”, declarou. Para a maiorfabricantederefrigerantesdomundo,quejamaisquisverseunomeassociadoaocomérciodebebidasalcoólicas,foiumgolpedoloroso.E,pelomenosporalgunsdias,aKaiserrecuounosataques.Depoisdemesesdediscussão,finalmenteoCademarcouodiadojulgamento

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daformaçãodaAmbev:29demarçode2000.Àquelaalturaeraimpossívelsaberseonegócioseriaaprovadoe,emcasodeaprovação,quaisseriamasrestrições.Nodiamarcadoparaojulgamento,aKaiserdivulgouquea1aVaradoTribunalRegional Federal da 3a Região, em São José dos Campos, no interior de SãoPaulo,haviaconcedidoumaliminarsuspendendoojulgamento.ParaseracatadopeloCade, o documentodeveria ser enviadodiretamente do tribunal para umdos faxes da autarquia. O problema é que os aparelhos de fax do Cade nãoestavamfuncionando–oupelomenoseraoqueHumbertoPandolphodizia.Opresidente da Kaiser vociferou que as máquinas haviam sido propositalmentedesligadasparabeneficiaraAmbev.Parasedefender,oCadechegouatirarfotosdosfaxesemfuncionamentoeasmostrouaosjornalistasqueacompanhavamocaso.Policiaisfederaisforamchamadosparafazerumaespéciede“escolta”dosaparelhosegarantirquenada interrompesseseufuncionamento.Segundoumapessoaqueacompanhouasituaçãodeperto,asmáquinasestavamfuncionandoperfeitamente.Oqueaconteceufoiquedurantehoraselassóreceberampáginasescuras–eramfolhasdepapelcarbonoenviadasdiretamentedoQGdaBrahmaparaocuparaslinhastelefônicasdoCadeeevitarachegadadeliminares.Aofinaldaqueledia,depoisdequasenovemesesdeanálise,ogovernoaprovouacriaçãodaAmbevcomalgumasrestrições.AprincipaldelasfoiadeterminaçãodavendadamarcaBavária (quepertencia àAntarctica) ede cinco fábricasdacervejaria para um único comprador.Nada que abalasse os ânimos deMarcelTelles, Jorge Paulo Lemann e Beto Sicupira, os controladores da novasupercervejariabrasileira.

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C

Paris,NovaYork,Londres,SãoPauloe8.500e-mails

omprar a Antarctica era uma coisa. Outra, completamente diferente,era fazercomqueaBrahmaeaantiga rival formassem,de fato,umaúnica companhia. Cada cervejaria tinha seus próprios processos de

fabricação, vendas, marketing, recursos humanos – era preciso que todos elesfossem unificados. Marcel Telles escolheu Adilson Miguel para comandar aoperação. Ao lado de sua equipe, Miguel analisou todos os detalhes dofuncionamentodaAntarcticaeconheceudepertoseusprincipaisprofissionais.Oqueencontroulhepareceufamiliar:“A Antarctica era exatamente igual à Brahma antiga. A mesma cultura, osmesmos profissionais com bastante idade, o mesmo tradicionalismo... Ninguémmandavanada,ninguémganhavadinheiro...FaleiparaoMarcelqueadosealideveria ser a mesma, que deveríamos replicar tudo o que tinha sido feito nacompra da Brahma.Depois da fusão ficoumuita gente daAntarctica,mas elesforamsaindodevagarzinho,nãoseadaptaramaoritmo.ApessoaquenãoestáacostumadacomoestilodaAmbevestranha.Quemchegaemumaempresacomoessaepensanocurtoprazo,emterqualidadedevida,vaiterdificuldade.Vocêprovavelmentevaitermenostempoparasuafamíliadoquemuitas pessoas estão habituadas, mas em compensação terá um outro tipo debenefício.Vocênãoestarátãopresentehoje,masvaiestarcuidandodofuturo.Vaiganharmuitodinheiro e sua vida vaimudar. Foi isso queaconteceu comquempegou o estilo da companhia. Todomundo ganhou dinheiro pra caramba nessenegócio.”DigamosqueosexecutivosoriundosdaAntarcticanãoconseguiramenriquecerna Ambev. Com o passar do tempo, no topo da nova supercervejaria sobroupouquíssima gente egressa da empresa paulista. Como se previa, a cultura da

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Brahmaprevaleceu.A nova companhia tinha mais musculatura, oferecia novas oportunidades ecomeçavaa traduzira ideiado“sonhogrande”queMarcelTellese seus sóciosrepetiam à exaustão.Ameritocracia pregada na antiga Brahma adquiria outraescala–etodosqueriamaproveitarasoportunidadesquesemultiplicavam.Nãoé de admirar que a competitividade no ambiente de trabalho ganhasse fôlegonovo.Estavam todosdeolhonosbônus agressivos,naspromoçõesque viriamcom a expansão e, sobretudo, na possibilidade de se tornarem sócios de umacompanhiaqueparecianãoenxergarlimitesaocrescimento.Umareportagemda revistaExamepublicadaemdezembrode2000 refletiaoestadodeespíritodaquelaturmacom“facanodente”e“sanguenoolho”.Muitosfuncionáriostrabalhavammaisde10horaspordia,davamexpedientenofimdesemana,mudavamdecidade(eatédepaís)paraatingirsuasmetas.Pelasregrasdosistemadebonificaçãodaépoca,apenasmetadedosfuncionárioselegíveisabônus seria recompensada, o que deixava claro que, para alguns ganharem,outrostinhamdeperder.Naqueleambiente,atéasbrincadeiraseramumtantohostis(assimcomoacontecianoGarantia).NocursodeMBAinternooferecidopelacervejariaa50deseusmelhores talentos,umadaspráticasrecorrenteseraatirartomatesfeitosdefeltroemcolegasquedissessembobagens.Oinfelizqueprotagonizasse asmaiores besteiras ganhava o título de “patonovo”. “Naquelemomento a companhia precisava de vigor, de trabalho, de gente nova. Eramassacrante? Reconheço que era, mas a forma de compensação também eramaravilhosa”,explicaMagimRodrigues.AolongodosanosaAmbevfoipunidamuitas vezes pela justiça por casos de assédio moral contra funcionários. Noinício de 2012, por exemplo, o Tribunal Superior do Trabalho condenou acervejariaapagaruma indenizaçãode100milreaisaumex-vendedorqueeraobrigadoepassarporum“corredorpolonês”quandonãobatiasuasmetas.De todo modo, os ganhos para aqueles que alcançavam suas metas eramexcepcionais. A cervejaria sempre pagou salários ligeiramente abaixo domercado,masaremuneraçãovariável,quepodiachegara18saláriosextrasporano, compensava com folga. Ao longo dos anos, o sistema sofreu diversosajustes,masosprincípiosbásicossemantiveram.Osbônusdistribuídossãoemgeralutilizadospelosfuncionáriosparaadquiriraçõesdacompanhiaehásemprealguma“trava”paraoresgatedospapéisnocurtoprazo.Atualmentequemusa

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todo o seu bônus para comprar papéis da cervejaria ganha 10%mais do queadquiriu.Otruqueéqueesseprêmiosópodeserresgatadodepoisdecincoanos–aquelesquevãoemboraantesdoprazotêmdeabrirmãodasaçõesextrasquereceberam. “Não está escrito em lugar nenhum que é obrigação usar o bônuspara comprar ações, mas todo mundo sabe que esse é o comportamentoesperado”, explica um sócio. “Adquiri-las é uma demonstração de que ofuncionárioacreditanofuturodacompanhia.”Ano após ano, o lucro aumentava (mesmo em 1998, quando não houvepagamento de bônus, o resultado foi positivo). A empresa detinha 70% domercado nacional e precisava buscar novas oportunidades fora do Brasil.Intensificar a expansãopelaAméricaLatinaparecia o caminhoóbvio a seguir.Desde1994,quandoaBrahma iniciouumapequenaoperaçãonaVenezuela, acervejariaperseguiasuainternacionalização.Haviachegadoahoradeaceleraroprocesso.Em2001aAmbevcomprouaCerveceríaNacional,doParaguai,eem2002deuumpassomaislargo,comaaquisiçãode36%daargentinaQuilmes.Acompra da concorrente argentina foi cercada de polêmica.Na época, uma dasacionistasdaQuilmeseraaholandesaHeineken,com15%departicipação.ParaaHeineken, concentradanomaduromercadoeuropeu, expandir-seporoutrasregiões era crucial – e entregar a Quilmes de bandeja não fazia parte de seusplanos. Os holandeses chegaram a entrar com um pedido de arbitragem naCâmara Internacional de Comércio, em Paris, para tentar barrar a compra dacervejariaargentinapelaAmbev.Nãoconseguiram.AAmbevlevouaQuilmese,mesesdepois,aindaarrematouos15%dosholandeses.

ercada por montanhas, a cidade de Boulder, no estado americano doColorado, abriga pouco mais de 100 mil habitantes. Há mais de uma

década,osexecutivoseoscontroladoresdaAmbevviajamparaesselugarpacatoparaparticipardeumworkshopcomJimCollins,autorde livrosconsideradosclássicosdomundodosnegócios,comoFeitasparadurareEmpresasfeitasparavencer.CollinséumvelhoconhecidodeJorgePauloLemann.NasreuniõesqueconduzemBouldercomJorgePauloesuaequipe,Collinsse

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valedométodosocrático:fazperguntaseajudaosinterlocutoresachegaremàssuasprópriasconclusões.Duranteoworkshoprealizadoemdezembrode2002,uma das questões levantadas por Collins deixou Marcel Telles especialmenteperturbado.OguruperguntouaogrupoqualeraograndeproblemadaAmbev.Marcel pensou por alguns instantes e deu a seguinte resposta: “O grandeproblemaéquetemosgenteboapracaralhoeumadiretorianovíssima.Eeunãoquero perder esses caras maravilhosos que a gente está formando.” Marcelpercebeu que os jovens ambiciosos que se dedicou a formar não aguardariamoportunidades de ascensão na carreira por muito tempo. A conclusão erainevitável: ou a companhia crescia num salto e dava chance para mais gentesubir,ouperderiaalgunsdeseusmelhoresprofissionais.AAmbevprecisavadeummovimentomaior emais rápido do que as aquisições naAmérica Latina.MarcelTellesachouqueeraomomentodemarcarumencontrocomumantigoconhecido, Alexandre van Damme, membro de uma das três famíliascontroladorasdacervejariabelgaInterbrew,fabricantedasmarcasStellaArtoiseBeck’s.Osdoishaviamseconhecidoem1995,noescritóriodobancoLazardemNovaYork. À época, tanto a Brahma quanto a cervejaria europeia “namoravam” àdistância aAnheuser-Busch.Nenhuma reunia condições de comprar a giganteamericananaquelemomento,masosbanqueirosdoLazardpensaramquenãohavia mal algum em colocar os controladores da Brahma e da Interbrew namesmasala.Aquelas conversas deram em nada, mas Marcel e Van Damme passaram amantercontato.MarcelaproveitouaproximidadeparaconvidarobelgaparaumcafédamanhãnumhoteldeNovaYork,noiníciode2002.Assimquechegouaolocal combinado, Van Damme encontrou o brasileiro acompanhado por doissujeitosquedesconhecia–JorgePauloLemanneBetoSicupira.Apossibilidadede um negócio envolvendo as duas empresas não foi levantada emmomentoalgum.A partir do encontro em Nova York, coube a Jorge Paulo estreitar orelacionamentocomVanDamme.Oempresárioconvidouobelgaparaassistiraos desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro, no camarote da Brahma.Tempos depois, com as respectivas famílias, passaram dias ensolarados nosHamptons, balneário de luxopróximo aNovaYork. Emmeados daquele ano,

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reencontraram-senosAlpessuíços.VanDamme,elepróprioumsujeitopoucoafeitoàexposiçãonaimprensa,gostavadojeitãodiscretoepénochãodotriodecontroladoresdaAmbev.Umvínculopreciososeformava.A Interbrew vivia um ponto de inflexão. Era a terceira maior cervejaria domundoemvolume,masnãoagiacomoumacompanhiaúnica–depoisdeumasérie de aquisições no Leste Europeu, na Ásia e no Canadá, parecia uma“federaçãodecompanhias”,semumaculturaúnica.Aopiniãodeinvestidoreseanalistaseraqueacervejariapagavaumpreçomuitoaltopelascomprasaoredordomundoedepoisnãoconseguiaintegrarasoperações.Em grande medida, o movimento se devia à interferência das três famíliascontroladorasnagestão.ComorigensqueremontamaoséculoXIV,aInterbrewera dominada pelas dinastias Van Damme, Mevius e Spoelberch. Juntas, elassomavam quase 500 membros, muitos deles com títulos de nobreza. Comonormalmente acontece com clãs aristocráticos, em que barões, condes eviscondessedivertememmeioacaçadasdefaisões,oshábitosdasfamíliaseramcaros – e, pior, bancados pela empresa. Na cervejaria a regra era a opulência.Reuniões executivas e do conselho aconteciam em hotéis de luxo e, não raro,contavamcomoserviçodechampanhe.Haviatantosinteressesaconciliarqueoposto de principal executivo se tornara uma espécie de cadeira elétrica: emmenosdeduasdécadashouvecincosubstituições.Ocenárioeraperfeitoparaumainvestida.EmumencontrocomVanDamme,emmaiode2003,JorgePaulosugeriuapossibilidadedeumauniãoentreasduascompanhias, ainda sem entrar em detalhes sobre o formato do negócio, acomposiçãoacionáriaouagovernança.Obelga,aessaalturapraticamenteumaliado,gostoudaideia.Cadaladodestacouumapessoadesuaconfiançaparainiciarasnegociações.OtriodebrasileirosescolheuRobertoThompson.Orepresentantedosbelgasfoioholandês Remmert Laan, sócio do banco Lazard e membro do conselho deadministração da cervejaria. Poucas semanas depois da conversa entre JorgePauloeVanDamme,ThompsoneLaanseencontraramemParis,numasaladereuniões do hotel Le Bristol, tradicional cinco estrelas situado na rue duFaubourg Saint-Honoré. A localização era prática – menos de 500 metros dedistânciaseparamohoteldoescritóriodoLazard–ediscreta.Emcercadeummêselessereuniramquatrovezesnohotelparisiense.Falaramaotelefoneoutras

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tantasvezes.Foiquandoanegociaçãoempacou.Onegóciopropostosebaseavaem troca de ações e não em dinheiro, portanto uma questão fundamental eraavaliar quanto os donos daAmbev teriamda nova empresa.Nesse quesito, asexpectativasdeThompsonedeLaaneramumbocadodiferentes.“Tivemosumaprimeirabateriadeconversasenãochegamosaumacordo”,lembraThompson.Passaram-sedoismesessemqueosdoisinterlocutoressefalassem,atéque,emsetembro de 2003, Laan telefonou para o brasileiro e sugeriu que voltassem aconversar.ThompsonretornouaohotelLeBristol:“Tínhamosduas folhasdepapel.Umaeraparaaquestão financeira,emqueoprincipalpontoaserabordadoeraquantovaleriaanossapartenanovaempresa.A outra folha era sobre governança, como seria composto o conselho dacompanhia, que atribuições ele teria e como funcionaria a holding queformaríamos com os belgas. Estabelecemos que algumas coisas só poderiam serdefinidasporunanimidade, como,por exemplo, vendera companhia.Toda essaquestãodegovernançaeramuitoimportanteporquenãoadiantavanadaterumaporcentagemXdeumnegócioquenãofuncionasse.Escrevemosessasduasfolhas,levamos para os acionistas e dissemos que eles tinham que se conhecermelhor.Jorge,Marcel eBeto conheciamoVanDamme,masnãoas outras famílias.Nofinal de setembro os três tiveram uma reunião com o próprio Van Damme,Philippe Spoelberch eArnoud de Pret deCalesberg (representante dosMelvius).Depoisdisso,asnegociaçõesaceleraram.”Naprimeirasemanadeoutubrode2003,numareuniãonacasadeSpoelberchem Bruxelas, os três líderes de cada uma das cervejarias, acompanhados deThompsoneLaan,definiramasbasesdocontrato.Foisóentãoquebanqueiroseadvogados entraram em cena. Do lado dos belgas, os assessores financeirosforamLazardFrèreseGoldmanSachs.OsbrasileiroscontrataramoCitibankdeNovaYork (onde estavao ex-Garantia JoséOlympioPereira) eLuisRinaldini,um argentino criado nos Estados Unidos que ganhou fama no Lazard, ondetrabalhou por mais de duas décadas. Rinaldini havia deixado recentemente oLazardparaabrirsuaprópriaempresa.Nodia15deoutubro,umareuniãoentreos banqueiros e os negociadores das duas cervejarias, realizada na sede doescritório de advocacia Cravath, Swaine & Moore, em Nova York, marcou o

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início oficial da negociação. Havia na sala cerca de 30 pessoas. Jorge PauloLemannrepresentouotriodecontroladoresdaAmbev.Tãocomplexosquantoaestruturaçãofinanceiraeramosaspectosjurídicosqueenvolviamonegócio.AAmbevtinhaaçõeslistadasnasbolsasdevaloresdeSãoPaulo e de Nova York. A Interbrew, na de Bruxelas. Ambas mantinhamoperações emdiversospaísesdomundo.Enfim,umenrosco.AloysioMirandaFilho,sóciodoescritórioUlhôaCanto,foioresponsávelporassessoraraBraco,holding que reunia a participação de Jorge Paulo,Marcel e Beto naAmbev (aholding que cumpre esse papel hoje se chama BR Global). A partir de então,MirandaFilho,umex-alunodoColégioSantoInácio,onde foicontemporâneode garotos que viriam a se tornar sócios do Banco Garantia, como FernandoPrado e Marcelo Barbará, não se dedicou a outra coisa a não ser pensar natransação. Quase 50 pessoas do seu escritório foram também envolvidas noprocesso.OassessorjurídicodaAmbeveraoadvogadoPauloAragão.“Agentetinhareuniãonosmaisdiversoscantosdoplaneta:emParis,emNovaYork,emLondres, em São Paulo. No final havia na mesa advogados de 16 paísesdiferentes...Foram8.500e-mailstrocadosduranteosseismesesdenegociação”,lembra Aragão. Internacionalmente, o Cravath coordenava o trabalho. Haviaainda um último advogado que devia aprovar todos os documentos: o suíçoPeterNobel.FormadopelaUniversidadedeSt.Gallen,Nobelfoimembropor12anos da comissão federal que regula o setor financeiro na Suíça. É um velhoconhecidodeJorgePauloLemannedesfrutasuatotalconfiança.Uma das preocupações dos controladores da Ambev se referia à reação dogoverno brasileiro ao fechamento do negócio. Eles acharam prudente checarantesparaevitarproblemas futuros–odesgastedemesesparaaaprovaçãodacompra da Antarctica pela Brahma ainda ecoava na memória. Em janeiro de2004Beto Sicupira viajou atéBrasília para conversar como entãoministrodaCasaCivilJoséDirceu.Desde2000,quandocriouaFundaçãoBrava,ONGqueapoia projetos de gestão no setor público, Beto se aproximou de diversosrepresentantesdogoverno.EleexplicouaDirceuaslinhasgeraisdatransaçãoesondouqual seria a posiçãodoPlanalto casoonegócio fosse adiante.RecebeusinalverdedobraçodireitodopresidenteLula.Erao“sim”quefaltava.Mesmo com tudo conspirando a favor, concluir uma transação daquelamagnitude e com tantas pessoas envolvidas – ao final havia quase 500

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profissionaisparticipandodonegócio,entreadvogados,banqueiros,executivos,auditores,marqueteiroserelações-públicas–foiumatarefacomplicadíssima.AredaçãodoacordodeacionistasentreaBracoeasfamíliasbelgas,queprecisavaconciliar os interesses de dezenas de membros, causou dor de cabeça. Osassessores da Braco chegaram a propor que o acordo fosse assinado apenasdepois do anúncio oficial do negócio entre as cervejarias. Peter Nobel, oadvogado suíço que aconselhava Jorge Paulo Lemann, vetou a ideia. Nobelconsideravaarriscadoseguiremfrenteantesque todosos interessesestivessemalinhados. Miranda Filho embarcou para a Bélgica para conversar comrepresentantes de cada família, em busca de um consenso. “Várias vezes atransaçãoesteveapontodenãoacontecer.Aténavésperahouveumaconfusão.Às duas horas da manhã, um cara de um dos bancos disse que não poderiacumprir um ponto que havia sido combinado. Começou a maior gritaria...”,lembraThompson.Depois de incontáveis idas e vindas, namadrugadade 2 demarçode 2004 atransação foi concluída. Jorge Paulo,Marcel e Beto não estavam presentes nomomento em que tudo ficou decidido. Miranda Filho telefonou paraMarcel,avisandoqueagorasófaltavamasassinaturas–peloladodosbelgasmaisde100membros precisariam rubricar o acordo. Exausto, Marcel disse o seguinte:“Aloysio,vocêéadvogado...Fazumdiscursoaí, fazumbrinde,porqueeuvoudormir.”Assim que amanheceu, Marcel, Beto e Jorge Paulo se dividiram para avisaralgumaspessoas-chave antesqueonegócio fosseoficialmente anunciado.BetotelefonouparaosacionistasdamexicanaModelo.DeZurique,JorgePauloligouparaamigoscomoomegainvestidorWarrenBuffett.CoubeaMarcel informarAugustBuschIV,oCEOdaAnheuser-Busch.NaquelamesmanoiteBuschIVeMarcel jantaram em um restaurante em Londres, e o empresário brasileirocontouaoamericanocomofoiformadaanovagiganteglobal.

m1999,quandoaBrahmacomprouaAntarcticaparaformaraAmbev,osacionistas e executivos da companhia foram submetidos ao escrutínio

público. Órgãos reguladores, políticos, investidores, associações de defesa do

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consumidor – todos se manifestaram sobre o negócio (em geral, contra). Foiprecisoempreenderumenormecorpoacorpocomformadoresdeopiniãoparareverteroquadro.OanúnciodaassociaçãoentreAmbeveInterbrewteveefeitoaindamais dramático – dessa vez, em escala global. Em 3 demarço de 2004,quandoascompanhiascomunicaramoficialmentesua“fusão”,areaçãogeralfoideperplexidade.Emboraanotíciasobreumaiminentetrocadeaçõestivessesidopublicadadiasantes,osdetalhesdonegócioaindaeramdesconhecidos–eeramjustamenteesses“detalhes”queotornavamtãopolêmico.Pormeiodeumatrocadeações,InterbreweAmbev,respectivamenteterceiraequinta maiores cervejarias do mundo em volume, formaram uma novacompanhiaquenasciacomoalíderdosetorcervejeiro(emvolume,umavezqueemfaturamentoaAnheuser-Buschaindapermanecianadianteira).InicialmentechamadaInterbrewAmbev–onomeInBevfoiadotadodiasdepoisdoanúncio–,aempresasomavareceitasanuaisdequase12bilhõesdedólares,atuavaem140países e detinha 14% do mercado global de cervejas. A companhia era umcolosso com números superlativos para onde quer que se olhasse. Mas umaquestão martelava a cabeça de investidores, analistas e jornalistas: quemmandavaali?A transação entre Ambev e Interbrew, a maior da história envolvendo umacompanhiabrasileira,apresentavaumaarquiteturaquepareciaestarnumazonacinzenta. A Braco, holding de Jorge Paulo, Marcel e Beto que controlava aAmbev,vendeusuaparticipaçãode52%nacervejariabrasileiraparaosbelgas.Emtroca,comprou25%dospapéisdaInterbrew.OnegóciopreviaaindaqueaLabatt, operação canadense que pertencia aos belgas, fosse incorporada pelaAmbev (a cervejaria brasileira assumiria a dívida de cerca de 1,5 bilhão dedólaresdaLabatt).AAmbevcontinuariaaoperarcomoumaempresaseparada,listadaembolsaecomseuprópriocorpodeexecutivos.Analisadosfriamente,osnúmeros demonstravam que a Interbrew agora era a dona da cervejariabrasileira, ainda que o trio de brasileiros tivesse conquistadoumaparticipaçãorelevantenanovacompanhia.Aquestão éque as regrasde governançada InBevnãodeixavamclaroquemseriaomanda-chuva–oacordodeacionistasválidopor20anosestabeleciaqueo controle seria compartilhado. O conselho de administração teria quatromembros representando a Braco, quatro representando os belgas e seis

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independentes. O CEO da nova empresa seria o americano John Brock, quehavia quase dois anos comandava a Interbrew. O recém-criado comitê deconvergência,montadoparaunificaraculturadasduasempresasepadronizarasoperações, estaria sob a supervisão deMarcel Telles. A sede da nova empresaseriaemLeuven,ondeestavabaseadaaInterbrew.Adistribuiçãodocapital,aescolhadoCEOeadefiniçãodasededavamsinaisclarosdequeaAmbevhaviasidocomprada.Senãobastassemasaparências,aequipede relaçõespúblicas contratadapela Interbrew, aBrunswick,deorigeminglesa, tratou de divulgar o negócio na Europa logo pela manhã como umaaquisição.Porcontadadiferençadefusohorário,aversãobelgajátinhaganhadoomundoquandoos jornalistasdoBrasil se reuniramnohotelHilton, emSãoPaulo,paraouviroqueosexecutivosdaAmbevtinhamadizer.Aconfusãoeratotal. Em poucas horas a Máquina da Notícia, agência de comunicaçãocontratada pela Ambev no Brasil, foi obrigada a aumentar de 12 para 48 onúmero de profissionais envolvidos na operação (internacionalmente adivulgaçãoestavanasmãosdaamericanaEdelman).Osdoisporta-vozesda coletiva eramVictórioDeMarchi eCarlosBrito, queum ano atrás havia assumido o posto de principal executivo da Ambev,sucedendo Magim Rodrigues. Ao lado do palco armado para acomodar DeMarchi eBrito estavamobanqueiro JoséOlympioPereira eoadvogadoPauloAragão. Quem presenciou a entrevista ainda se lembra de que aquilo pareciaconversademaluco.OpessoaldaAmbevtentavaatodocustoargumentarqueaempresanãohavia sidocomprada.Os jornalistaspressionavam.Como issoerapossívelseaInterbrewseriaamaioracionistadacervejariabrasileira?Emais:seaAmbevhaviasidocriadaanosantessupostamenteparaseprotegerdainvestidadeconcorrentesestrangeiroseformaruma“multinacionalverde-amarela”,comojustificaronegóciocomosbelgas?OdiscursodaAmbev,dequeaquilosetratavadeumafusão,simplesmentenãocolava.Namanhã daquela quarta-feira, os funcionários que trabalhavam na sede daAmbev também foram surpreendidos pela notícia. Um telão transmitiu acoletivade imprensaemBruxelas,capitaneadaporJohnBrockeMarcelTelles.LogodepoisfoiexibidoumvídeoqueMarceldeixougravado.Maistarde,aáreade convivência na sede da cervejaria – um espaço repleto de mesas de bar echopeirascombebidaàvontade–foitomadaporumanimadohappyhour,em

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quenãofaltarambrindescomasmarcasBrahmaeStellaArtois.Ànoite,emredenacional,umapropagandaestreladapeloatorAntonioFagundestentavaexplicarpara o público os benefícios do negócio. O responsável pela campanha foi opublicitárioDudaMendonça,frequenteinterlocutordoentãopresidenteLula.OclimadefestanoQGdaAmbevnãodurouatéodiaseguinte.Reportagensem jornais de todoomundoquestionavamo formatodonegócio e os valoresenvolvidos. A fatia da Braco na Ambev foi avaliada em cerca de 2 bilhões dedólares, mas o trio de empresários recebeu 4 bilhões de dólares em ações daInBev(adiferençaéresultadodochamado“prêmiodecontrole”).Paralelamente,algunsanalistasconsideraramexageradoovalorqueaAmbevdesembolsoupelacanadenseLabatt – o cálculo foi de 11 vezes sua geraçãode caixa, enquantoomúltiplohabitualdosetornãopassavadeoito.Oresultadodetantadesconfiançase refletiunopreçodas açõesdas cervejarias, quedesabou.Comospapéis emqueda,aeuforiaevaporou.Osfuncionários,queusavamboapartedeseusbônusparacompraraçõesdacervejaria,deumahoraparaoutraviramseupatrimôniocairpelametade.Começaramosboatos.SeráqueaeradeJorgePauloLemann,MarcelTelleseBetoSicupira tinharealmenteacabadocomavendadaAmbevparaaInterbrew?Foiprecisocolocaremaçãoumplanodecontingênciaparaacalmarosânimosdentro e fora da companhia. A mensagem de Marcel Telles, transmitida naAmbevporCarlosBrito,eramaisumpedidodeconfiançaqueumaexplicaçãoracional. O empresário simplesmente pedia aos funcionários que acreditassemnele. “Usei ali toda a minha credibilidade. Ainda bem que eu tinha estoque”,disseMarcel certavez.Embora já soubessequeagestãoda InBevacabarianasmãos dos brasileiros, o empresário não podia dizer empúblico que esse era oplano,sobriscodecriarumconflitodesnecessáriocomonovosócio.VictórioDeMarchiengatouumamaratonadevisitasaosdiretoresdosmaioresjornaisbrasileirosparaexplicaraoperação.CarlosBrito,habitualmenteavessoajornalistas, concedeu entrevistas exclusivas para alguns grandes veículos decomunicação. Jorge Paulo Lemann foi pessoalmente relatar os detalhes donegócio a barões da mídia como Roberto Civita, dono da editora Abril. Aimprensa estava em polvorosa. Na war room organizada para atender osjornalistas foram recebidas 482 solicitações de informações e entrevistas nasprimeiras48horasapósoanúncio.

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NenhumacríticaaonegóciofoimaissentidaporJorgePauloLemanndoqueareportagem publicada pela revista britânica The Economist poucas semanasdepois.Paraarevista,omercadodecapitaisbrasileiro,quepermitiaaexistênciade duas classes de ações – ordinárias (as chamadasON, comdireito a voto) epreferenciais(PN,semdireitoavoto)–,prejudicavaosminoritários.OcasodaAmbev,segundoapublicação,eraemblemáticodessaanomalia.ComomandaaLeidas S/A,que regulamenta as empresas listadasnaBovespa, a Interbrew fezumaoferta pública para comprar as ações ordinárias (comdireito a voto) quenão estavam nasmãos do trio de empresários. Ofereceu por elas 80% do quepagouaoscontroladoresdacervejaria.Oproblemaéque, tambémpelaLeidasS/A, a cervejaria não era obrigada a estender esse direito, conhecido como tagalong,aosdonosdeaçõespreferenciais(semdireitoavoto).Assim,quemtinhanas mãos papéis PN se sentiu prejudicado – nas palavras da revista, essesacionistassentiamqueacabaramcom“lixo”nasmãos.Nosdiasqueseseguiram,apercepção sópiorou: as ações ordinárias tinhamdisparado e as preferenciaisestavam em queda livre. “Poucas vezes vi o Jorge tão bravo com umareportagem”, revelaumapessoapróximaaoempresário.Paraele, aqueixadosminoritários não fazia qualquer sentido – ao escolher as preferenciais, osacionistassabiamdaslimitaçõesdessespapéis.“ÉcomocomprarumFiateacharque temdireitoaumaFerrarinagaragem”,costumadizer JorgePaulosobreoassunto.AmatériadaEconomistamplificavamundialmenteasqueixasdeminoritárioscomoaPrevi,opoderosofundodepensãodoBancodoBrasil,quedetinhacercade8,8%docapitaltotaldaAmbev(quasetodoovolumeemPNs).Desdequeonegócioforaanunciado,aPrevihaviademonstradopublicamenteseudesagrado.Paraofundo,atransaçãobeneficiavaapenasotriocontrolador.Omaiortemorde Jorge Paulo, Marcel e Beto é que a gritaria fosse levada à justiça, setransformassenumaguerradeliminaresecolocasseemriscoacontinuidadedatransação.Elesqueriamevitaratodocustoumembatecomooqueaconteceunaépoca da compra da Antarctica pela Brahma, quando a Kaiser se armou deargumentosjurídicosparaatrasaraaprovaçãodonegóciopelosórgãosdedefesada concorrência. Por sugestão de Marcel, o advogado Sergio Bermudes foicontratadopelaAmbevparafazerasvezesdeumminoritárioeesmiuçartodososdetalhesdonegócioafimdeencontrareventuaisbrechas(dequebra,atática

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de Marcel impedia que Bermudes, um dos advogados mais famosos do país,atuasse em favor da Previ). Não havia nada que obrigasse a Interbrew a dartratamentoespecial aosdonosdasaçõespreferenciais.Osminoritários tiveramdeseconformare,comotempo,asaçõesvoltaramasubir.Desdeentãoelassevalorizaramquase700%,contra150%doIbovespa.Otriodeempresáriostevedelidaraindacomoutroimbróglio.AComissãodeValoresMobiliários,CVM,abriuprocessosadministrativosparainvestigarousode informações privilegiadas pelos três e outras supostas irregularidades queteriam acontecido durante a negociação com a Interbrew, beneficiando oscontroladoresdaAmbev.Nofinalde2009,JorgePaulo,MarceleBetofirmaramum acordo com a autarquia para extinguir os processos – em troca, pagarammais de 18milhões de reais àCVM.Paramuita gente, o desfecho soou comoadmissão de culpa. O advogado Paulo Aragão, que os defendeu no caso, temoutra explicação. “A premissa formal dos termos de compromisso da CVM éexatamentequenãoháadmissãodeculpanemreconhecimentode inocência”,dizele.“Nossoobjetivofoisimplesmentecolocarumapedranoassunto.”

o longo de décadas Jorge Paulo Lemann e seus sócios se habituaram acomprarempresaseimporsuaculturabaseadaemmeritocracia.Quandoo

Garantia arrematou a Lojas Americanas, Beto Sicupira teve carta branca paraimprimir seu estilo à varejista. Em pouco tempo ele trocou os principaisexecutivos,mudouosistemaderemuneraçãovariável,estabeleceumetasparaosfuncionários. Um roteiro semelhante foi percorrido por Marcel Telles anosdepois,quandoobancoadquiriuocontroledaBrahma.Nosdoiscasos,BetoeMarceleram,defatoededireito,osnovosdonosdaquelascompanhiasepodiamfazeroquejulgassemnecessárioparamelhorarseusresultados.Elesnãotinhamque compor com outros acionistas nem se preocupar em ser populares. Osfuncionáriosquenãogostassemdasnovasregrasquefossemembora.OnegóciocomaInterbrew,porém,exigiuoutraabordagem.Dessavezelesnãoeram os conquistadores. A Ambev havia sido comprada e os empresáriosbrasileiros não podiam simplesmente chegar na sede da InBev impondo sua

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filosofia. Sutileza, diplomacia e uma certa dose de paciência seriamfundamentais. O jogo teria regras diferentes daquelas com as quais estavamhabituados.Eraprecisoseadaptaraosnovostermos.Logo após a conclusão do negócio, representantes das três famílias belgasacompanharamJorgePaulo,MarceleBetoemumaviagematéoColoradoparaparticipardeumdos tradicionaisworkshopscomJimCollins. “Jorgediziaqueera preciso criar uma cultura única na empresa e que o conselho deadministração seria o melhor ponto de partida para isso”, afirma Collins.Ninguémmelhorqueele,umdosmentoresdeJorgePaulo,paraajudaraunificaressafilosofia.Pelas regras estabelecidas na negociação, o americano John Brock, CEO daInterbrew, comandaria a InBev. Em contrapartida, o principal executivofinanceirodacervejaria seriaFelipeDutra,daAmbev.Ocomitêde integração,chefiado por Marcel, imediatamente entrou em operação para identificar osmelhoresprocessosepessoasdecadaempresa.“Desdeocomeçoficouclaroparaos principais executivos oriundos da Interbrew que, embora as principaisdecisõesfossemtomadasemconjuntoportodososacionistas,oestilodegestãoqueacabariaprevalecendo seriaodaAmbev”, afirmaumapessoapróximadasfamíliasbelgas.NemtodososremanescentesdaInterbrewaprovavamainterferênciabrasileira.ÀmedidaqueapresençadeMarcel,DutraeoutrosbrasileirosnasededaInBevse tornava mais nítida, a resistência se espraiava por todos os níveis dacompanhia. Da base ao topo, os funcionários da antiga Interbrew ficavamchocados com práticas que consideravam agressivas e avarentas demais. Paraeles,acostumadosaestabilidadenoemprego,equilíbrioentrevidaprofissionalepessoal eumgoverno rico capazde garantir saúde, educação e segurançaparatodososcidadãos,abuscadesenfreadadosbrasileirospordinheirofaziapoucoou nenhum sentido. Ali, as “cenouras” tradicionais – os bônus gordos e apossibilidadedesetornarsóciodacompanhia–nãotinhamapelo.UmoperáriodafábricadeLeuvenresumiu,àépoca,osentimentoquetomavacontadeparteconsideráveldosfuncionários:“Queremdiminuirnossosaláriofixoeaumentara remuneração variável, mas não estamos interessados em ganhar bônus. Sequiseremnosmandaremboraporcausadissonãoháproblemaalgum,porqueoEstadovaifornecertudooqueprecisamos.”

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Nonívelexecutivooambiente tambémeradeconflito.OpessoaloriundodaInterbrewnãogostounadadofimdeumasériedemordomias,comoosvoosemclasseexecutiva(agoraautorizadosapenasparaviagenscommaisdeseishorasde duração), da quebradeira que acabou com as salas individuais e integrou adiretoria, das mudanças no sistema de remuneração variável (entre outrasalterações,osbônus,antespagosemdinheiro,passaramaserpagosemações).Durante um evento da companhia em São Paulo,meses depois da criação daInBev,umexecutivobelgasequeixoupublicamenteporterdedividiroquartocomumcolegadetrabalho.Metademaiseluxodemenos–ascoisasrealmenteestavammudando por ali. “Algumas pessoas gostam e amaioria detesta,masnossaculturaéimutável”,disseMarcelanosatrás.Nessafase,emboranãotivessefunçãoexecutiva,Marceldavaexpedientequasediário na cervejaria. Foi conhecer diversas operações espalhadas pelo mundo.Conversavacomfuncionários.Queriaverdepertocomofuncionavacadaárea.EracomoseestivessenovamentediantedaintegraçãoentreBrahmaeAntarctica– sóquenumaescalaglobal.Todososmesesocomitêde integração se reuniapara falar sobre os avanços e discutir as próximas etapas (o grupo só foidissolvido quase três anos após a formação da InBev). Logo os primeirosresultados da interferência dos brasileiros começaram a aparecer.No primeirosemestre de 2005, o lucro da cervejaria aumentou 11% em relação aomesmoperíodo de 2004, quando a transação foi anunciada. No mesmo período, asvendascresceram5,5%.Alémdefazerumesforçoparaqueosbelgasencampassemsuasideias,Marceleseus sócios atuavam em outra frente: aumentavam progressivamente suaparticipaçãoacionárianaInBev.Poucotempodepoisdoanúnciodaformaçãodanovacervejaria,elescomeçaramacompraraçõesdacompanhianomercado.EmmenosdeumanotinhamsetornadoosmaioresacionistasindividuaisdaInBev.Àmedidaqueotrioavançava–pormeiodoaumentodeparticipaçãoacionáriae de sua influência na gestão –, os executivos resistentes ao novo modelo seafastavam. Como Marcel e seus sócios imaginavam que aconteceria, osdescontentesforampoucoapoucodeixandoacompanhia.Agoratodosaquelestalentos “represados” naAmbev poderiam finalmente ocupar espaçosmaiores.NomescomoMiguelPatricio,ClaudioGarciaeJuanVergara–todosveteranosdeAmbev–assumiramcargosglobaisnacúpuladaInBev.

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AascensãomaissimbólicadanovaerafoiadeCarlosBritoaocargodeCEO,anunciadaemdezembrode2005.NaBélgica,a repercussão foiapiorpossível.“Investidoresejornalistasdiziamqueosbrasileiros,inicialmentecompradospelaInterbrew,tinhamsemostradomaisespertoseassumidoocomando”,comentaumapessoapróximaàsfamíliascontroladorasdaInterbrew.“Masosacionistasbelgas achavam que os melhores é que deveriam estar no comando,independentedacordopassaporte.”FaziatempoqueBritovinhasendopreparadoparaoposto.Elehaviaassumidoo comando da Ambev em 2003. No ano seguinte, logo depois da compra daAmbevpelaInterbrew,oexecutivofoichamadoparaumaconversaporMarcelTelles,quefezumdaquelesseus“convites”irrecusáveis:–Brito, vocêhoje éonúmeroumaquinoBrasil. Sóque agora a companhiamudouevocêprecisa seprovar foradoBrasil também.Então,vocêvaiparaoCanadácuidardaLabatt.–Marcel, mas o Canadá? O Canadá émuito pequeno se comparado com oBrasil!–SevocêqueralgumdiaserCEOglobaldaempresa,vaiterqueseprovarforadoBrasiltambém.Britoacreditounochefe.EmbarcoucomamulhereosfilhosparaaAméricadoNorte.Poucomaisdeumanodepois,setornouoprincipalexecutivodaInBevnomundo.A pergunta “quem vai mandar na empresa?”, repetida incontáveis vezes poranalistas, jornalistas e investidores logo depois do anúncio da transação entreInterbreweAmbev,começavaaserrespondida.

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Arecompensade1bilhãodedólares

oucosmeses depois da compra daAmbev pela Interbrew, Jorge PauloLemann,MarcelTelleseBetoSicupiradecidiramabrirumaempresadeinvestimentos nos Estados Unidos. O objetivo do negócio era alocar

parte do patrimônio do trio diretamente em companhias americanas – e nãoapenas pormeio de fundos, como ocorria até então.Gente para tocar o novoempreendimento não era problema. Alexandre Behring, o homem que haviatransformado a sucateada ferrovia ALL em uma das companhias maisvalorizadas do mercado de capitais brasileiro, tinha acabado de passar apresidênciaparaBernardoHeeseestavaprontoparacomeçaralgonovo.Comsuaexperiênciaanterior comosóciodaGP Investimentos,Behring sabia comoidentificar empresas em dificuldades que pudessem melhorar seus resultadoscomumchoquedegestão.AsugestãodeBehringfoitransformaroSinergy,criadoemNovaYorkem1997porPauloLemann,filhodeJorgePaulo,emumfundodeprivateequity(aessaalturaPaulo jáhavia sedesligadoda firmaamericanapara fundaragestoraderecursos Pollux). Havia um cuidado a tomar. O trio não queria repetir nosEstadosUnidosaexperiênciaquetevenaGP,comsuamiríadedeinvestimentos.Ofundoamericanodeveriaseconcentrarempouquíssimastacadas.Nasciao3GCapital–onomeéumareferênciadiretaaostrêsex-donosdoGarantia.Assimcomonosnegóciosanteriores,omodelotambémseriaodepartnership.Roberto Thompson e Alexandre Behring foram os primeiros sócios de JorgePaulo, Beto e Marcel na nova empreitada. O início do 3G foi uma fase deexperimentaçãoeaprendizado.Deumescritóriolocalizadono31oandardeumprédio na Terceira Avenida, no coração de Manhattan, a firma tocada porBehring arrematava pequenas participações em empresas americanas como aCoca-Cola.Eramcomprastímidas,queaindanãopermitiamao3Ginterferirna

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administração,masqueaproximavamosbrasileirosdascorporaçõesamericanas.Paraajudá-lonosnegócios,Behringmontouumaequipeenxuta,commenosde40pessoas. (Ao longode suahistórianenhumfuncionáriodo3Gatraiu tantosholofotesquantoMarcMezvinsky,queviriaasecasarcomChelseaClinton,filhado ex-presidente americano Bill Clinton, em 2010. Meses depois, Mezvinskydeixou a empresa.) Desde o começo, Jorge Paulo, Marcel, Beto e Thompsonestabeleceramumarotinaparaacompanharonovo investimento:umavezporsemana, em geral às terças-feiras, eles participam de uma teleconferência comBehringemquediscutemtodasasiniciativasdofundo.Oprimeiromovimentomais visível do 3G aconteceu emdezembro de 2007,comacomprade4,2%docapitaldaCSX,terceiramaiorcompanhiaferroviáriadosEstadosUnidos.Comfaturamentosuperiora10bilhõesdedólares,aCSXeraumacompanhiaenvelhecida.ParaBehring,elarepresentavaumaespéciedeversãoamericanadabrasileiraALL–eesse filmeeleconheciabem.AquestãoerasaberseseriapossívelrepetirahistóriacomaCSX.Behring precisaria de mais do que a fatia de 4,2% do 3G para mandar nacompanhia. Por isso, desde o início ele arquitetou o negócio contando com apresença de outro sócio, oChildren’s Investment Fund, conhecido comoTCI.Trata-sedeumfundoativistabaseadoemLondresquejádetinha4,1%docapitalda CSX e havia tempos procurava participar de sua gestão. Juntos, 3G e TCIimaginavamquepoderiamcontrolaracompanhiaferroviária,cujocapitalestavapulverizado entre inúmeros investidores. Só que nem o conselho deadministraçãonemosexecutivosdaCSXestavamdispostosasedobraraosdoisacionistas.Umlongoembatejudicialentreaspartesteveinício.Enquantoabrigacorrianajustiça,omáximoque3GeTCIconseguiramforamquatroassentosnoconselho,oequivalenteaumterçodoslugares.Emminoria,elespodiamsugerirajustes, sobretudo no que se referia a programas de redução de custos daempresa,masnãoimporintegralmentesuavisão.Estavadifícilvirarojogo.Dois anos depois, o TCI desistiu e vendeu sua participação na ferrovia. Em2011foiavezdeo3Gsairdonegócio.Duranteosmenosdequatroanosemqueo3GinvestiunaCSX,ospapéisdaempresasevalorizaramemtornode80%.Emtermosfinanceiros,umbomretornoparaosbrasileiros.Masnãopoderditarosrumos na empresa foi um tanto frustrante. Era mais ou menos o que haviaacontecido30anosantes,quandooGarantiaadquiriupequenasparticipaçõesna

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SãoPauloAlpargatasenavarejistaLojasBrasileiras.Comonãotinhacacifeparainterferirnocomandodasempresas,optouporsairdeambas.Behringprecisavacaçaroutrobomnegócio.Dessavez,umemqueconseguissemandardeverdade.

o outro lado do Atlântico, três anos após sua formação, a InBev haviaabsorvido os principais mandamentos da cultura da Ambev. Todos os

funcionáriosestavamcientesdesuasmetas–umtrabalhofeitoapartirdotopoatéochãodefábrica,comaajudadaconsultoriadoprofessorVicenteFalconi–eparticipavamdonovoprogramaderemuneraçãovariável.AantigaresistênciadepartedosempregadosemrelaçãoaomodelomeritocráticodaAmbevestavacontrolada, em parte porque muitos dos que reclamavam do novo estilodeixaramacompanhia.Asinergiaentreasduascervejariashavia resultadoemumaeconomiadecercade150milhõesdedólares.De2005para2007,o lucroaumentouquase150%–de0,9bilhãodeeurospara2,2bilhõesdeeuros.Para o trio de empresários brasileiros havia chegado a hora de avançar. Elessempre tiveram a ambição de se tornar donos damaior cervejaria domundo.Finalmentetinhamamusculaturanecessáriaparadaropassofinal:arremataraamericanaAnheuser-Busch,fabricantedaBudweiser,acervejamaisvendidanomundo.Em11dejunhode2008,CarlosBritoenviouaAugustBuschIV,CEOdaAB,uma carta em que formalizava a intenção de comprar a companhia. Emnovembro,por52bilhõesdedólares,JorgePauloLemann,MarcelTelleseCarlosAlberto Sicupira se tornaram os controladores da cervejaria americana,formandoaABInBev.Atomadafoirápida.Seismesesdepoisdeconcluídaacompra,umareportagempublicadapelojornalTheWallStreetJournalenumeravaumalistadasmudançasconduzidas porCarlos Brito e sua turma de brasileiros na sede daAB, em St.Louis, no estado do Missouri. As paredes das salas dos executivos foramderrubadasparadar lugar aumamplo salão,ondeosprofissionaispassaramacompartilharamesmamesa.OnúmerodeBlackBerriesnasmãosdosexecutivos

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caiude1.200para720.Afrotadeaeronavesdacervejariafoicolocadaàvendaeos executivos passaram a viajar em aviões de carreira – na classe econômica,claro.A distribuição gratuita de cerveja acabou, assim como os ingressos parajogosdoSt.LouisCardinals,timelocaldebeisebol.Cercade1.400funcionários–muitosdelescomdécadasdecasa–foramdemitidosnasprimeirassemanasdanovagestão.Feitasascontas,emmenosdeumanoBritoeseu time jáhaviamcortado 1 bilhão de dólares em custos e se desfeito de ativos que somavam 9bilhõesdedólares.“Osempregadostêmenfrentadodificuldadesparaengolirasmudanças.Algunsestãolutandocomacargadetrabalhomaispesada,ansiososcom a segurança no emprego e frustrados com a ênfase no corte de custos”,afirmava o jornal americano. Nada muito diferente do que acontecera naBrahma,naformaçãodaAmbevenaInBevanteriormente.Onetrickpony.A crise financeira mundial, que explodira em setembro de 2008, tornava asmedidasadotadasporBritoaindamaisurgentes.AaquisiçãodaABexigiuqueaInBev se endividasse demais, justamente num momento em que o dinheiroescasseavaemtodooplaneta.Porisso,oapertodoscintosnãosedeuapenasnarecém-comprada cervejaria americana. A orientação geral era de que todas asoperações precisavam, mais do que nunca, reduzir seus gastos. No Brasil osplanospara2009tiveramdeserrevistosàspressas.JoãoCastroNeves,diretor-geraldaAmbev,contacomofoi:“Normalmenteoorçamentoquedefinimosparaoanoseguintecomeçaaserfeitoem julho, agosto. Então, quando a crise estourou, ele já estava praticamentepronto e teve que ser refeito em duas, três semanas. Precisamos agir rápido emudarasmetas.Emgeral, temosquatrograndesmetasporano:participaçãodemercado, despesa, EBITDA e caixa. Percebemos que 2009 seria um ano desobrevivência e decidimos focar em apenas duas:EBITDA e caixa. Aí é fazer odeverdecasa.Comoéqueeuconsigoestenderalgumprazodepagamento?Comoéqueeuconsigoadiaralgumaampliaçãodefábrica?Comofazerolançamentodeumprodutonão com30milhões de reais,mas com20milhões?Você começa afazerescolhas...Nessashoras,oquenãoéessencialtemqueesperar.”Britoeoutros39executivosdotopodaadministraçãodaABInBevtiveramumincentivoextraparareduzirrapidamenteasdespesaseintegraraABàcervejaria

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belgo-brasileira. Logo após a conclusão da compra, a AB InBev ofereceu aogrupoumpacotede28milhõesdeopçõesdeações,oequivalentenaépocaa1bilhão de dólares. Os executivos só receberiam os papéis se conseguissemdiminuiradívidadaempresapelametadeaté2013.Eratudoounada.NãosóBritoe sua tropabateramameta, comoo fizeramdoisanosantesdoprazo.AssimcomohaviaacontecidotantasvezesaolongodatrajetóriadeJorgePaulo,MarceleBeto,umanovasafrademilionáriosestavaformada.Levando-seemconsideraçãoopreçodasaçõesdaABInBevnoiníciode2013–valorizaçãode270%desdeaaquisiçãodaAB–,afatiaprometidaaBrito,CEOdaempresa,chega a 500 milhões de reais. Trata-se, como observou uma reportagem darevistaÉpocaNegócios, domaior valor já pago em remuneração variável a umbrasileiro. Como convém à cultura de Jorge Paulo e seus sócios, Brito nãoreceberáoprêmiodeumasótacada.Elevaiganharmetadedasaçõesem2014eorestanteem2019(portanto,ovalortotalaserrecebidopodesubiroudescer,dependendodopreçodospapéisnaépocadopagamento).OsdadospúblicosdacervejariamostramqueBritodetém0,18%dasações,oequivalenteaquase600milhões de reais (esse valor não inclui o pacote de ações que ele receberá nofuturo).Desde o início, o implacável programa de corte de custos comandado peloexecutivoapósacompradaAnheuser-Buschdespertoureaçõesinflamadas.Britose tornou ao mesmo tempo um executivo incensado em Wall Street (pelosresultadosfinanceirosextraordináriosqueapresentatrimestreapóstrimestre)eabominado por parte da opinião pública (pelos efeitos colaterais de toda essaeficiência, comodemissõesde funcionários).Recentementeascríticaspartiramde consumidores, que acusam a cervejaria de alterar o sabor das bebidas. Emoutubro de 2012, uma reportagem de capa da revista americana BloombergBusinessWeekescancarouoproblemaaorevelarcomoabuscapelareduçãodasdespesas vem afetando a fabricação dos produtos da AB InBev. Segundo arevista, a cerveja Beck’s vendida nos Estados Unidos, antes importada daAlemanha, agora sai da fábrica de St. Louis. A publicação afirma ainda que acompanhia substituiu diversos fornecedores tradicionais, como os de lúpulo,ingredientefundamentalparaafabricaçãodacerveja–comissoteriaaomesmotempopioradoosabordacervejaearruinadoosnegóciosdediversospequenosfornecedores dispensados do dia para a noite. “Ele [Brito] está arriscando a

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devoçãodosamericanosqueamamcervejaaoalterarareceitadaBudweiseremnomedocortedecustos”,resumeapublicação.

orgePauloLemannnãocomehambúrgueres.Suadieta,super-regrada,estámaisparacombinaçõesdotipo“peixecomsalada”doquepara“sanduíche

combatatasfritas”.Ironicamente,foinosetordefast-foodqueeleeseussóciosencontrarama segundaoportunidadepara investirnosEstadosUnidos.Desdequeo3GiniciousuasoperaçõesemNovaYork,o fundocapitaneadoporAlexBehringsededicavaaumaespéciededegustaçãonomercadodefast-food.Pormeiodepequenosaportes,colocoudinheironasredesWendy’s,JackintheBoxeMcDonald’s. Behring aproveitou para aprender mais sobre esse universo echegouàconclusãodequehaviachancededarumagrandetacada.OalvoeraoBurgerKing, uma dasmaiores cadeias de alimentação rápida domundo, compresençaemcercade70países.Em50anosdeatividade,oBurgerKingteveseisgrupos de controladores diferentes, e havia pelo menos uma década seusresultadosminguavam.Enfim,umpratocheioparao3G.Nofinalde2009,BehringprocurouummembrodoconselhodeadministraçãodoBurgerKingsobopretextodequegostariadeconhecermelhoracompanhia.Enquantovasculhavatudooquepodia,Behringsepreparavaparaumaoferta.ObancoLazardfoicontratado.Nodia29demarçode2010,oCEOepresidentedoconselhodeadministraçãodoBurgerKing,JohnW.Chidsey,recebeuumacartaassinada por Behring. Nela, o brasileiro manifestava, agora oficialmente, seuinteresseemcomprararede.Foramcincomesesdenegociaçõesintensasatéoanúnciodonegócio,em2desetembrode2010,por4bilhõesdedólares.OdinheironãoveiotododosbolsosdeJorgePaulo,MarceleBeto.Otrioaportou1,2bilhãodedólares.Orestantefoilevantado com um grupo de investidores do qual faziam parte os bancos JPMorgan e Barclays Capital e empresários como Eike Batista e Alexandre vanDamme,sóciodotrionaABInBev.ParacomandaroBurgerKing,oescolhidofoi Bernardo Hees, que havia meses preparava o executivo Paulo Basílio parasucedê-lonapresidênciadaALL.(NoBrasil,o3Gdetémapenas30%docapital

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do Burger King. A operação é controlada localmente pela Vinci, de GilbertoSayão.)Num evento organizado pela Endeavor, organização não governamental deapoioaoempreendedorismo,em2011,BetoSicupiracomentouaaquisição:“Nãosei sevouaprenderacomerhambúrguer,masvouaprendera fazer...Eucheguei à conclusão de que amarca [BurgerKing] émuitomais forte do que agenteachava.OBurgerKingnãoéumacompanhiagrande.Éumnegócioque,emtodosossentidos,émenosdametadedaLojasAmericanas...Sónãoéemnúmerodelojas,masemEBITDAémenosdametadeeovalorqueagentepagouémenosdametadedoquevaleaLojasAmericanasnomercado...Mas,arepercussãoqueteve!Eutenhoamigosemvárioslugaresdomundoeanotíciasaiuemtodosessespaíses.Ora,sevocêtemumconhecimentomuitogrande[damarca]evocêtemumfaturamento que não é do tamanho desse conhecimento, significa que você temumaoportunidademuitograndeaí...”Jorge Paulo, Beto e Marcel acompanharam as negociações conduzidas porBehring à distância, mas, fechado o negócio, quiseram ver de perto o novoinvestimento. Contrariando seus hábitos alimentares, Beto e Jorge PaulochegaramatéafazerdegustaçãodossanduíchesdoBurgerKingparasaberoquerealmenteiriamvenderpelomundo(aopiniãodeJorgePaulosobreoresultadodessainusitadaexperiênciagastronômicafoiqueoslanchessãograndesdemais).Beto eMarcel ingressaram no conselho de administração, ao lado de Behring(que ocupa a presidência), Hees, Van Damme e outros três membrosindependentes. “Nos últimos 10 anos seguimos a estratégia certa, saímos decoisas que para nós eram periféricas para nos concentrar nas principais”, dizRobertoThompson,quehojeparticipadosconselhosdaABInBev,daAmbevedaLojasAmericanas.“Onossotempoétotalmentededicadoaessascoisasquesãoimportantes,comoagoraéoBurgerKing...Nahoraquevocêfazumchequegrande,vocêquercuidardochequegrande.”Ninguémtemtantaresponsabilidadeporzelarpelo“chequegrande”doBurgerKing quanto BernardoHees. Aos 42 anos, ele, a esposa e os dois filhos agoramoramemMiami,ondeficaasededacompanhia.Heesconheceuafilosofiadotrio há mais de duas décadas, quando estudava economia na PUC do Rio e

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pleiteavaumabolsanaFundaçãoEstudar:“Minha última entrevista para conseguir a bolsa era com o Beto, na LojasAmericanas. Naquela época, ele estava à frente da companhia. Eu lembro queachei legal esse negócio de umpresidente de empresa como ele, que usava calçajeans.OBetosentou,botouopénamesaeperguntouporqueeuqueriaodinheirodele.Eutinha20anos.Conteiqueprecisavapagarosmeusestudos.Meupaitinhase aposentado, não estava em um momento legal. Graças a Deus ele tinhaconseguidome levar até ali,mas agora era comigo, eu tinha que fazer aminhavida. Aí o Beto fez a segunda pergunta: ‘Você vai gastar meu dinheiro comnamoradas?’ Respondi que eu queria a grana para pagar a PUC, mas que, sesobrassealgumacoisa,iagastarcomnamorada,sim.Eleriudabrincadeira.Achoqueelegostoudasminhasrespostaseeugosteidaquelafranqueza,daqueleestilodireto.”Hees completou a graduação na PUC e fez um MBA na Universidade deWarwick, na Inglaterra. Em 1998 começou a trabalhar naALL como analista.Sete anos depois, chegou à posição de CEO. Em julho de 2010, ainda comoprincipalexecutivodaALL,tornou-sesóciodo3G.Eraumsinalinequívocodequeuma transiçãonocomandoda empresa ferroviária estava emcurso– edequeHeessepreparavaparaassumiroutraposição.DesdequechegouaoBurgerKing,Heesvemaplicandotodososprincípiosdafilosofiadotrio.Quadroscomregistrodemetasedesempenhoforamespalhadospela sede da companhia. Centenas de funcionários foram demitidos. Osexecutivos foram estimulados a sair dos seus escritórios para visitar lojas e atéaprenderaprepararsanduíches.Noiníciode2013ovalordemercadodoBurgerKingalcançava6,2bilhõesdedólares,maisqueodobrodaépocaemqueo3Garrematouacompanhia(apósaaquisição,ocapitaldaempresafoifechadoeasações voltaram a ser negociadas em junho de 2012). É uma ascensãoconsiderável,masqueaindadeixaacompanhiamuitodistantedalíderdosetor,oMcDonald’s,quevalequase92bilhõesdedólaresembolsa.À medida que a operação do Burger King começou a entrar nos trilhos,Alexandre Behring pôde diminuir um pouco sua dedicação à presidência doconselhodaempresaparaprospectarnovosnegócios.Eletinhaàsuadisposição

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um fundo de 4 bilhões de dólares para investir em uma nova tacada – umdinheiro que vinha não apenas dos fundadores do 3G, mas também deinvestidorescomoastrêsfamíliasbelgassóciasdeJorgePaulo,MarceleBetonaABInBev,porexemplo.AssimcomoaconteceunoBurgerKing,oalvodeveriaserumacompanhiademarca forteealcanceglobalquepudessemelhorarseusresultadoscomumchoquedegestão.Emabrilde2012,quandoa fabricantedecosméticosCotyprotagonizouumamalsucedidaofertahostilpelaAvon,especulou-sequeo3Gestivesseportrásdonegócio. Razões para essa desconfiança não faltavam. O alemão Peter Harf,presidentedoconselhodaCotyeprincipal articuladordaofertadecompradaAvon, ocupou a presidência do conselho de administração daAB InBev até oiníciode2012.OCFOdaCoty,obrasileiroSérgioPedreiro,foiduranteanosoprincipal executivo financeiroda empresade logísticaALL.Parte dos recursospara a possível compra da Avon viria da Berkshire Hathaway, a empresa deinvestimentos de Warren Buffett, velho amigo de Jorge Paulo Lemann (nosúltimos tempos eles estreitaram tanto os laços que Buffett acompanhou JorgePauloemtrêsworkshopscomJimCollins,noColorado).Asimpressõesdigitaisdotrioestavam,enfim,portodaparte.AlexBehringsóconseguiriaencontraraempresaidealparainvestirosbilhõesquetinhaemcaixaoitomesesdepois.

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S

Ospróximoslances

usannaLemanntomouumsustologonasprimeirashorasdodia30denovembrode2012,umasexta-feira.Elaestavanacozinhadesuacasa,naSuíça,eligouorádioparaouvirasnotíciaslocaisenquantotomavaseu

café da manhã. Foi quando o locutor citou o nome de seu marido. Ela estáhabituada a ler referências a Jorge Paulo Lemann em jornais e revistas, masescutarseunomepelorádioeradiferente.Issojamaishaviaacontecido.ArazãoparaqueJorgePauloentrassenonoticiáriopopulareraarecém-divulgada listada revista Bilan com as maiores fortunas da Suíça. Com dupla cidadania –brasileira e suíça –, ele há anos era incluído no ranking, semmuito destaque.Dessa vez, ocupava a segunda colocação, atrás do sueco Ingvar Kamprad,fundadordaredevarejistaIkea.Horasmaistarde,naquelemesmodia,orankingdebilionáriosglobaisatualizadodiariamentepelaagênciadenotíciasBloombergmostrariaqueosuíço-brasileirohaviaultrapassadoEikeBatista,controladordogrupoEBX,esetornadoohomemmaisricodoBrasil,comumafortunaentãoestimadaem18,9bilhõesdedólares.SegundopessoaspróximasaJorgePaulo,aosaber das duas novidades, o empresário não se abalou. “Quando SamWaltonaparecianaslistasdaspessoasmaisricasdomundo,agenteperguntavaoqueeleachavaeelerespondiaqueaslistasnãomudavamnada,porqueeratudopapel.Ele falava que as coisas realmente importantes eramoutras. Eu acho amesmacoisa”,disseoempresário.Coisasimportantesparaelesãopensarnaperpetuaçãodesuasempresaseemsuas iniciativas de filantropia. À medida que se afastou do cotidiano dascompanhiasquecontrola,JorgePaulopassouasededicaraprojetosnaáreadeeducação.Atualmente,cercadeumterçodeseutempoéocupadoporatividadesligadasàsfundaçõesEstudareLemann.Emambasépossívelencontraraculturade austeridade e de buscapor resultados quepermeia suas empresas.Alémdeestruturasenxutas–juntas,asduasfundaçõesnãosomam25pessoas–,todosos

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funcionários têm metas a cumprir. A Estudar, fundada em 1991 pelos trêsempresários, já distribuiu 529 bolsas de graduação e pós-graduação a alunosbrasileirosaquienoexterior.Cadaumdosaprovadosfoisubmetidoaocrivodotrio. Passaram por esse funil gente como o gaúcho Mateus Bandeira, ex-presidentedoBanrisulehojenocomandodaempresadeconsultoriacriadaporVicente Falconi, e vários estudantes que depois vieram a ocupar cargos dedestaqueemcompanhiascontroladaspelostrêsempresários,comoJoãoCastroNeveseBernardoHees.Jorge Paulo atua também como uma espécie de embaixador da Estudar noexterior. É em grande medida graças a seus contatos em universidadesestrangeiras que a Estudar traz ao Brasil regularmente representantes deinstituiçõesdeprimeiralinhaparadarpalestrasajovensbrasileiros.Noiníciode2011,porexemplo,apresidentedeHarvard,DrewFaust,estevenopaísaconvitedafundaçãopara falarsobreaexperiênciadeestudarnaprestigiada instituiçãoamericana. Jorge Paulo, ex-aluno e grande doador de recursos para auniversidade, foi seu anfitrião e a acompanhou inclusive em uma visita àpresidentedaRepública,DilmaRousseff.AagendadomaioracionistadaABInBevéocupada tambémcomatividadesda Fundação Lemann, criada em 2002 para ajudar amelhorar a qualidade daeducação pública no Brasil. Os primeiros passos da instituição foram oferecertreinamentoparaprofessoresegestoresdeescolaspúblicas.Nosúltimosanos,aFundaçãoLemannganhouatuaçãointernacional.Em2012,fechouumaparceriacom a Universidade Stanford para criar um centro de estudos deempreendedorismoe inovaçãoparaaeducaçãobrasileira.Alémdisso,mantémoutrasduasparcerias internacionaiscomasuniversidadesHarvardedeIllinoisparaconcederbolsasaalunosdessasinstituiçõesquetenhamoBrasilcomofocodeseusestudos.Emjaneirode2013,oamericanoSalmanKhan,conhecidocomoo“professordeBillGates”,veioaoBrasilparafalarsobreseumétododeensinoquevemrevolucionandoaeducaçãoemtodoomundo,comaulasexibidasnoYouTube (em 2012 a Fundação Lemann fechou um acordo com a KhanAcademyparatraduzirsuasaulasparaoportuguês).MarcelTelles eBeto Sicupira, alémdo envolvimento comaEstudar, criaramoutras fundações. No caso de Marcel, a iniciativa é a Ismart, uma ONG queoferecebolsasdeestudosemcolégiosparticularesdeprimeiralinhaparaalunos

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de baixa renda. Além de compor o conselho de administração da fundação,Marcel participa da seleção final dos bolsistas – até hoje pouco mais de milestudantes já forambeneficiados.Beto,porsuavez,divide-seentreoutrasduasfundações. A primeira é a Endeavor, uma organização americana de apoio aoempreendedorismo que iniciou suas atividades no Brasil em 2000 graças aoempresário. Com o passar dos anos, a operação local da Endeavor setransformou numa poderosamáquina demultiplicação de novos negócios nopaís.Alémdeapoiardiretamente56empresários–tantofinanceiramentequantopor meio de treinamento, formação de networking e coaching –, a Endeavorreplicaliçõesdeempreendedorismoaqualquerinteressadonoassunto,pormeiodecursospresenciaisepelainternetedeeventosrealizadosemdiversoslocaisdopaís. Segundo cálculos da própria fundação, a Endeavor teve até hoje impactodiretonageraçãodemaisde20milempregosnopaís.Em2012,BetopassouapresidênciadoconselhodeadministraçãodaEndeavor,posiçãoqueocupavadesdeoiníciodasatividadesdaONGnopaís,paraLaércioCosentino,donodaTotvs(elesemantevecomoumdosmembrosdoconselho).Ouseja,mesmonasfundações,segue-seapremissadeque“afilatemqueandar”edeque éprecisoperpetuá-lasmesmoque seus idealizadoresnão estejamporpertonofuturo.“UmavezBetomedissequetudoquetufizeresdeimportanteeconstruíresnavidaprecisaserinstitucionalizado.Senãoécomosetunãotivessesfeitonada”,lembraJorgeGerdau.“Eununcaesqueciessafrase.”BetoSicupiraeJorgeGerdauseconhecemdesdeostemposdoBancoGarantia,masfoinaúltimadécadaqueaproximidadeaumentou.AsegundainiciativadeBetonoterceirosetoréaFundaçãoBrava,voltadaparaoapoioamelhoriasnagestão pública. Gerdau iniciou, em 2000, uma cruzada pelo país para ajudarestados e municípios a ganhar eficiência. Os caminhos dos dois empresáriosseguiamparalelosatéquesecruzaramem2007,depoisdeumempurrãozinhodeVicenteFalconi–braçodireitodeGerdaunochoquedegestãonosetorpúblico.A busca dos dois por melhorias na gestão pública já chegou a estados comoMinasGerais, RioGrande do Sul, Pernambuco e Rio de Janeiro. Emmaio de2011,oprocessoganhouaesfera federalcomacriaçãodaCâmaradeGestãoePlanejamentodogovernofederal,daqualGerdauécoordenador.Fielaoseuestilomãonamassa,Betonãosecontentaapenasemparticipardereuniões com governadores e representantes do governo. “Ele já foi a uma

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O

reuniãocomoficiaisdaPolíciaMilitardoRiomeiocamuflado”,dizumapessoapróximaaoempresário.“Ficounofundodasala,combonénacabeçaparanãoserreconhecido,porquequeriaacompanhardepertoaevoluçãodeumprojetonaáreadesegurança.”ORiodeJaneiroéoestadoondeBetogastaamaiorpartedeseutemponesseesforçopelamelhoriadagestão.Eisaopiniãodogovernadordoestado,SérgioCabral,sobreainterferênciadoempresário:“O Beto é um conselheiro que tenho o privilégio de ter ao meu ladopermanentemente... Sei que circula entre as secretarias e discute com os meusauxiliares... Ele chega com aquela calça jeans surrada, com aquelamochila nascostas,osujeitomaissimplesdomundomesmocomtodaaquelaexperiência,esecomportando como se fosse um auxiliar meu... Eu diria que o maior estímulo[dado por Beto ao meu governo] foi em relação à criação da política demeritocracia.Foiumgrandedesafioporque tem todauma legislação falsamenteigualitáriaconstruídanoBrasilaolongodedécadasnarelaçãocomosservidores.Nós tivemosque construirmaneirasde encontrarapolíticademeritocracia semfugirdaslegislaçõesvigentes...”

crescente envolvimento de Jorge Paulo, Beto e Marcel com iniciativasfilantrópicas não significa que deixaram os negócios em segundo plano.

Elesnãoestãosatisfeitosemteramaiorcervejariadoplaneta,umadasmaioresvarejistas do Brasil e uma rede de fast-food com presença em todo omundo.Queremmais.NãoimportaqueaAmbevtenhaencerradooanode2012comoacompanhia mais valiosa da América Latina. Não importa que as principaisempresascontroladasporeles–ABInBev(donadaAmbev),LojasAmericanas(donadaB2W),BurgerKingeSãoCarlos–valham,juntas,maisde160bilhõesdedólares.NãoimportaqueAmbev,LojasAmericanaseSãoCarlostenhamumarentabilidade histórica média de 25% ao ano desde que começaram a seradministradas por eles. Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupiracontinuamàcaçadeoportunidadesparaavançar,sempreseapoiandonosseuspilaresoriginais:meritocracia,cortedecustos,melhoriacontínua.

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É com a receita testada por décadas que querem transformar outras duascompanhias recém-compradas.AprimeiraéamexicanaModelo, fabricantedacerveja Corona, arrematada em junho de 2012 por 20 bilhões de dólares. Aaquisição,queno iníciode2013aindadependiadoavaldeórgãos reguladoresamericanos, deixará aAB InBevmais distante da segundamaior fabricante decervejadomundo,aSABMiller.A segunda aquisição foi a da secular fabricante de condimentos americanaHeinz, anunciada em fevereiro de 2013, por 28 bilhões de dólares – a maiortransaçãodahistórianosetordealimentos.AcompradaHeinzsurpreendeuomundonão apenaspelo valor,mas tambémporque transformouosbrasileirosemdonosdetrêsicônicasmarcasamericanas–Budweiser,BurgerKingeHeinz.Dequebra,ostornousóciosdomegainvestidorWarrenBuffett.FaziatempoqueAlexandreBehringeoutrosexecutivosdo3Gacompanhavamos resultadosdamais conhecida fabricantede catchupdoplaneta.AtémesmoMarc Lemann, o quarto filho de Jorge Paulo, foi envolvido nessa observação.Duranteumrápidoestágiono3Gnoverãode2009,MarcrecebeudeBehringatarefa de analisar o desempenho da Heinz. Na época, Marc tinha 17 anos ecursava o ensino médio na Suíça (hoje estuda economia na UniversidadeColumbia,emNovaYork).O jovemficouempolgadocomoqueviu.Fezumapequena apresentação ao pessoal do 3G e recomendou a compra de ações dacompanhia,naépocacotadasamenosde40dólares.Porém,emvezdeseguiraopinião do garoto, os sócios do 3G preferiram comprar papéis de outrasempresasdasáreasdebebidasealimentos.Maisdetrêsanossepassaramatéqueo3GfinalmenteavançassesobreaHeinz.Na primeira semana de dezembro de 2012, durante uma conversa com JorgePaulo Lemann, Behring sugeriu que a firma de investimentos comprasse ocontrole da empresa americana, um colosso com faturamento anual de 11,6bilhões de dólares. Argumentou que a companhia tinha umamarca poderosa,presente emmais de 200 países, e crescia, emmédia, um dígito por ano (noBrasil é dona da fabricante Quero, sediada emGoiás). Em sua opinião, haviapotencial para expandir muito mais rápido. Jorge Paulo se animouimediatamente.EleestariacomBuffettnoColoradodentrodealgunsdias,paraparticipardeumworkshopcomJimCollins, eapresentariaa ideiaaodonodaBerkshireHathaway.

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Em 9 de dezembro, durante um voo de Boulder para Omaha, o brasileirocontou o plano para Buffett. Decidiram ali mesmo que o negócio deveria serlevado adiante. Em pouco tempo Jorge Paulo e Behringmarcaram um jantarcomWilliamJohnson,presidentedoconselhoeCEOdaHeinz.Oencontro,queaconteceu na segunda quinzena daquele mês, em um restaurante da Flórida,marcouoiníciodasnegociações.ApartirdaquelemomentoJorgePaulosaiudocircuitoecoubeaBehringconduzirasconversascomaHeinz.Logoapósasfestasdefinaldeano,BehringembarcouparaPittsburgh,ondehámaisdeumséculoaHeinzmantémsuasede.Lá,asconversasforamaceleradas.Seisbancosequatroescritóriosdeadvocaciaforamcontratadospelosdoisladospara estruturar a operação – na fase final, cerca de 300 pessoas estavamenvolvidas.Buffettacompanhouamovimentaçãoàdistância.Foiapenasnasegunda-feira,11defevereirode2013,queeleseenvolveudiretamente.Comonegócioprestesaserconcluído,recebeuBehringeJohnsonparaumalmoçoemumrestaurantesimplesdeOmaha.Eraoquefaltavaparaqueomartelofossebatido.Trêsdiasdepois,BerkshireHathawaye3GCapital anunciavamacompradacompanhiapor72,50dólaresporação–umprêmiode20%sobreacotaçãododiaanterior.Cadaumadasfirmasinvestiu4,5bilhõesdedólaresparaassumirocontroledaHeinz (a Berkshire desembolsou outros 8 bilhões de dólares em açõespreferenciais).Enquantoatransaçãoésubmetidaàsaprovaçõeslegais–umprocessoquedevese estender até o terceiro trimestre de 2013 –, Behring e sua equipe poderãoconhecer de perto os detalhes da Heinz e desenvolver um plano com asmudançasaseremcolocadasempráticacasoacomprasejaautorizada.“AHeinzestámuito distante de ser umaAB InBev da comida (ocupa a 13a posição dosetorglobalmente).MascomosbrasileirosnolemeeMr.Buffettnaretaguardaelaprovavelmentevaisubir”,opinouarevistaTheEconomist.OavançodeJorgePaulo,MarceleBetonoexteriornãodevepararporaí.Deacordo compessoas próximas ao trio, outras grandes companhias estrangeirasestão no radar dos brasileiros. Já faz alguns anos que os rumores sobre umaeventualcompradaPepsicooudaCoca-ColapelaABInBevsurgemaquieali.Comaprimeira, aAB InBev está familiarizadahádécadas, desdeque a antigaBrahma tornou-se a responsávelpeladistribuiçãodos refrigerantes americanos

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no Brasil. No caso da Coca-Cola, a aproximação poderia se dar por outrocaminho:WarrenBuffett,omaiorinvestidorindividualdaempresa,com9%departicipação.SeráqueBuffettestariaarticulandocomoamigo–eagorasócio–JorgePauloLemann a compra do controle do maior ícone americano, uma companhiaavaliadaemquase169bilhõesdedólares(maisqueodobrodarivalPepsico)?Quando ouve a pergunta, omegainvestidor americano inclina a cabeça paratrás,soltaumagargalhadaediz:“Aquivocênãovaiconseguirnada.”

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JorgePauloLemannnajuventude.AlunodocursodeeconomiaemHarvard,concluiuosestudosemapenastrêsanos.Foinauniversidadeamericanaqueelepercebeuaimportânciadesecercardegenteboaeterplanosambiciososde

crescimento.

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LucianaLeal/AgênciaOGlobo

LuizCezarFernandes,umdosprimeirosemaisimportantessóciosdoBancoGarantia.

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GazetaPress

JorgePaulo,quecomeçouajogartênisaos7anosequasesetornouprofissional.

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PauloJaresAbrilComunicaçõesSA

BetoSicupira,queentrounoGarantiaem1973efoioresponsávelporcomandaraLojasAmericanasquandoainstituiçãofinanceiracomprouavarejista.

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ApescasubmarinaaproximouossóciosBetoSicupira,MarcelTelleseJorgePauloLemannnosprimeirosanosdoGarantia(noalto).Atéhojeelespraticamoesporte

juntos.

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MarcoAntônioTeixeira/AgênciaOGlobo

OjogadordefutebolRaíeajogadoradebasqueteHortênciasedivertemnocamarotedaBrahma,noCarnavaldoRiodeJaneiro.

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EuricoDantas/AgênciaOGlobo

Detalhedadecoraçãodeumadasprimeirasediçõesdoeventoinspiradanoslogan“anúmero1”.

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MárciaFoletto/AgênciaOGlobo

CelebridadescomoopilotodeFórmula1AyrtonSennafaziamdocamaroteoespaçomaisbadaladodaMarquêsdeSapucaí.

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Reprodução/ExameAbrilComunicaçõesSA

CapadarevistaExame,em1999,apósacompradaAntarcticapelaBrahmaeacriaçãodaAmbev.Aaquisiçãofoiomaiornegóciorealizadoatéentãoentreempresas

brasileiras.

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ClaudioRossiAbrilComunicaçõesSA

MarcelTelleseVictórioDeMarchi(ex-Antarctica)assumemacopresidênciadoconselhodeadministraçãodaAmbev.

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GermanoLudersAbrilComunicaçõesSA

OconsultorVicenteFalconichegouàBrahmanosanos90edesdeentãotemdesempenhadoumpapelimportanteparaocrescimentodacompanhia.

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RaulJuniorAbrilComunicaçõesSA

Emmarçode2004abelgaInterbrewcomprouaAmbev.CarlosBritoeVictórioDeMarchicomemoramonegócioemSãoPaulo.

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HerwigVergultEpaEFE/Folhapress

MarcelTelleseJohnBrock,entãoCEOdacervejariaeuropeia,anunciamatransaçãonaEuropa.

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JorgePauloeaesposa,Susanna,acompanhadosdeFernandoHenriqueeRuthCardoso,viajampelaChinaem2008.

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EnquantoelespasseavampelodesertodeGobi...

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...anotíciadequeaInBevpreparavaumaofertaparacompraraAnheuser-Buschvazounainternet.

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APPhoto/LaurenVictoriaBurke

CarlosBrito,àépocaCEOdaInBev,vaiaWashingtonexplicaraoscongressistasamericanososdetalhesdapropostadecompradaAnheuser-Busch.Nasaídaécercadoporjornalistasque

opressionamparasaberodestinodacervejariaamericana.

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ClaudioGattiAbrilComunicaçõesSA

OexecutivobrasileirocomeçouatrabalharnoGarantianofinaldosanos90efoiumdosprimeirosairparaaBrahmaquandoobancocomproua

cervejaria.

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PauloFridman

OpessoaldoGarantiaemdoistempos,em1996,daesquerdaparaadireita:RogerWright,CláudioHaddad,JoséOlympioPereira,JorgePauloLemann,FernandoPradoeAndrew

Shores.

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Almoçodeconfraternizaçãoentreex-funcionáriosdobanco,em2010.NafotoaparecemArmínioFraga,RogérioCastroMaia,JorgePauloLemann,JoséCarlosRamosdaSilvae

AndréLaraResende.

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Nomesmoalmoçodeconfraternizaçãoentreex-funcionáriosdobanco,em2010.DinizFerreiraBaptista,EricHimeeBrunoRocha.

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WarrenBuffetteMarcLemann,filhodeJorgePaulo.Em2009MarcfezumaanálisedaHeinzduranteumestágiono3G.Suarecomendaçãonaépocafoiacompradeaçõesdacompanhia.Em2013,o3Gseassociouaoinvestidoramericanopara

adquirirafabricantedealimentospor28bilhõesdedólares.

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PedroRubensAbrilComunicaçõesSA

EmboraháanosnãoocupenenhumcargoexecutivonaAmbev,Marcelcontinuaparticipandodagestãodacompanhia...

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FernandoCavalcanti

Fazquestão,porexemplo,deseenvolvernaseleçãofinaldoprogramadetrainees(acima,eleaparecenocantodireito,sentadonochão).

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GermanoLudersAbrilComunicaçõesSA

BetoSicupiraemfotode2010comopessoaldaEndeavor,ONGdeapoioaoempreendedorismoqueeletrouxeparaoBrasilhápoucomaisdeumadécada.

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MastrangeloReino/Folhapress

Nosúltimostempos,aoladodeempresárioscomoJorgeGerdau,Betotambémtemsededicadoaprojetosdemelhoriadagestãopública.

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LuizFernandes/AndujarPress

JorgePauloLemannaindajogatênisdiariamente.Emsetembrode2012,venceuumcampeonatoemSãoPaulonacategoriasênior.

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OempresáriotambémacompanhaosprincipaistorneiosdocircuitomundialesetornoupróximodejogadorescomoRogerFederer.

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Comfamadebancoagressivoeeficiente,oGarantiaganhouespaçotambémnoexterior.Em1994,aconvitedeJorgePauloLemann,aex-primeira-ministrabritânicaMargaretThatcher

veioaoBrasilparaumencontrocomumgrupodeempresários.

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StephanieMitchell/UniversidadeHarvard

Cadavezmaisenvolvidocominiciativasligadasàeducação,JorgePauloLemannrecebeuapresidentedeHarvard,DrewFaust,em2011.UmareuniãocomapresidenteDilmaRousseff

fezpartedaprogramaçãodaamericana.

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SérgioLima/Folhapress

Aos73anos,oex-surfistaJorgePauloLemannsetornouohomemmaisricodoBrasil.Oestilodegestãoqueelecomeçouaforjarhámaisde

quatrodécadasagoraseespalhapelomundopormeiodascompanhiasqueadquiriunosEstadosUnidos–ABInBev,BurgerKingeHeinz.

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Campus,1995.

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C

Agradecimentos

onheciJorgePauloLemannpessoalmenteemjaneirode2007,quandoreveleiminhaintençãodeescreverumlivrosobreatrajetóriadeleeade seus sócios, Marcel Telles e Beto Sicupira. No melhor estilo low

profile,JorgePauloeducadamenteseesquivou.“AgentesócopiouumpoucodoGoldmanSachseumpoucodoWalmart.Nãotemmuitomaisqueisso.Alémdomais, achoquenãoé ahora certade terum livro.”Nosquatroanos seguintesinsisti no assunto comos três empresários.Nada. Finalmentemedei contadeque, para eles, a “hora certa” jamais chegaria – Jorge Paulo, Marcel e Betosimplesmentenãodesejavamessetipodeexposição.Decidi,então,correroriscoporcontaprópria.Paraescreverumlivronessascondições,conteicomosdepoimentosdequase100 pessoas (várias delas sob condição de anonimato). Warren Buffett écertamente o nome mais conhecido dessa lista. Durante a hora em queconversamosemseuescritório,oquartohomemmaisricodomundosemostrouumsujeitosimplesecurioso(fezváriasperguntassobreoBrasil).Suavisãosobreatrajetóriadostrêsempresáriosfoifundamentalparaestaobra.ConteicomaajudadeumasériedepessoaspróximasaJorgePaulo,MarceleBeto.Algunsdessesentrevistadosforamgenerosososuficienteparamerecebermais de uma vez e responder a um sem-número de e-mails. AgradeçoparticularmenteaFersenLambranho,AlexBehring,RobertoThompson,PauloAragão, JoséCarlos Ramos da Silva,Marcelo Barbará, JoséOlympio Pereira eRogério Castro Maia. Milton Seligman e Alexandre Loures, responsáveis pelaárea de comunicação da Ambev, tornaram muito mais fácil meu trabalho demergulharnasinformaçõesdacompanhiaeentrevistarseusexecutivos.JimCollins,quetiveoprazerdeentrevistardiversasvezesduranteosquase12anos em que trabalhei na revista Exame, aceitou o convite para escrever oprefácio (talvez ele tenha achado mais fácil concordar do que aturar meusinsistentespedidos).Empoucaspáginas,Collinsresumiudeformaprimorosaa

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filosofiaquenorteiaosempresáriosbrasileiros.Tomaradecisãodeescrevereste livro teriasidomaisdifícil semasconversasque antes tive com algumas pessoas, em especial com Pedro Mello, AlfredoOgawaeocasalCarmeneLaurentinoGomes.Cadaumàsuamaneira,elesmeorientaramparaqueeufizesseomenornúmerodebobagensduranteoprocesso.NãopossodeixardemencionarEduardoOinegue,quepraticamentemeforçouatomar coragem e encarar o projeto. Sem o empurrão dele, talvez eu estivesseesperandoa“horacerta”atéhoje.Sougratatambémaosamigosqueleramaprimeiraversãodotexto(emparteou na íntegra), corrigiram erros, sugerirammudanças e apontaram caminhosparadeixaraleituramaisagradável.SãoelesPatríciaHargreaves,DimitriAbudiemeuseditoresHélioSussekindeMarcosdaVeigaPereira.AenormededicaçãodeHélioeMarcosaoprojetofoifundamentalparaqueeumesentisseseguraemlevá-loadiante.Eujamaisteriacompletadoestelivro(ouqualqueroutracoisaemminhavida)semoapoioeainfluênciademeuspais,EdinéziaeDomingos.Finalmente,agradeçoameumarido,EduardoVieira,queaolongodemaisdeumanotevedeconvivercomumamulherobcecadapelahistóriadetrêsoutroshomens. Edume estimulou e foi omeumais rigoroso editor. Seu amor e suaatençãodurantetodoesseperíodoforamtãoimportantesquantoas“canetadas”finais.

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