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- SOCIOECONOMIA SOLIDÁRIA E A QUESTÃO DEMOCRÁTICA DESVENDANDO CAMINHOS E UTOPIAS o presente texto exa- mina a problemática da socioeconornia solidária, estabelecendo uma inter- locução com a questão democrática. Entretanto, procu-raremos ressignificar a teoria, situando uma experiência de economia - o Banco Palmas - numa tentativa de valoração da dimensão territorial, desen- cadeadora de novas socia- bilidades que vão além dos meros arranjos produtivos. A temática da socio- economia solidária vem sendo tratada por especia- listas de várias áreas do conhecimento, instituindo um diálogo multidimen- ional e tendo como pers- pectiva o desenho de um novo modelo de desen- v lvimento, alternativo ao processo de acumulação capitalista, ancorado no processo de globalização. Esse processo põe em che- que o paradigrna fordista, desencadeia uma série de mudanças no mundo do trabalho e propõe a neces- idade de flexibilizar as relações trabalhistas - o assalariamento perde a centralidade -, bem como instituir outras formas de inserção produtiva. A privatização do Estado é considerada uma necessidade frente ao esgo- tamento do modelo ínterven- cionista, construindo, assim, as condições necessárias para expandir, mediante diferentes estratégias no campo do capital financeiro e produtivo, um modelo neoliberal, cujos ditames preconizam a fragí- lização do Estado-nação diante dos países hegernô- nicos e do Fundo Monetário Interna-cional (FMI) -o mercado emerge como o regulador da economia e da política. Diante da constatação dessas dinâmicas, o governo brasileiro e os de outros países latino-americanos, com seus diferentes matizes, optaram - face às injunções políticas do bloco dominante - por uma inserção subordinada e passiva na dinâmica globalizantel J, gerando um crescente qua- dro de endividamento, de vulnerabilidade frente aos fatores desestabilizadores e de choque externos, além de desenvolver uma profunda exclusão social. No marco do governo Fernando Henrique Cardoso, o nível de vulnerabilidade foi aprofundado diante da abertura indiscriminada nas esferas comercial, tecnológica, financeira, monetária, cambial e na produção real (CORREIA LEITE, 2003). ELZA MARIA FRANCO BRAGA< RESUMO Diante das transformações nas relações de trabalho no contexto da sociedade contemporânea, estão emergindo novas formas de sociabilidade. Uma destas se concretiza através de experiências de socioeconomia solidária, as quais, por sua vez, vêm imprimindo uma nova dinâmica de territorialização, mediante a emergência de redes. As- sim, o exame da experiência do Banco Palmas, no Con- junto Palmeiras, em Fortaleza, estado do Ceará, possibilita apreender novos espaços, nos quais expressões de auto- nomia, autcrgestãoe empoderamentodesen-cadeiampráti- cas sociaisfecundase geradorasde vivênciasdemocráticas. Os movimentos e a organização impulsionadores dessas ações compartilhadasdesnudam a conformação de espa- ços públicos de produção, de consumo, de informação, de conhecimento, em que a questão do poder e da sustenlabilidade tem engendrado um instigante campo analítico nas ciências sociais. ABSTRACT The transformation of labor relations in the conlext of modern society is giving impetus to new forms of solidarity. One of those forms is emerging through the experiences of the socioeconomic solidarity, which, in turn, is establishing a new territorial dynamics through the rise of networks. Thus the research on BANCO PALMAS, in the Palmeira neighborhood, in Fortaleza, lhe state of Ceará, revealed the constitution of new spaces, which unleashed rich social practices new democratic experiences. The movements and organizations of these shared actions led to the structuring of public spaces based on produclion, consumplion, information, knowledge, where the issue of power and sustainability promoted a curious analytic camp in the social sciences. • Doutora em Sociologia, professora do Departamento de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia, na Universidade Federal do Ceará. Correio eletrônico: [email protected]. BRAGA, ELZA MARIA FRANCO. 57 SOCIOECO O SOUDÁRIA E A QUESTÃO DEMOCRÁTICA: DESENVOLVENDO CAMINHOS E UTOPIAS. P. 57 A 67.

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-SOCIOECONOMIA SOLIDÁRIAE A QUESTÃO DEMOCRÁTICA

DESVENDANDO CAMINHOS E UTOPIAS

o presente texto exa-mina a problemática dasocioeconornia solidária,estabelecendo uma inter-locução com a questãodemocrática. Entretanto,procu-raremos ressignificara teoria, situando umaexperiência de economia -o Banco Palmas - numatentativa de valoração dadimensão territorial, desen-cadeadora de novas socia-bilidades que vão além dosmeros arranjos produtivos.

A temática da socio-economia solidária vemsendo tratada por especia-listas de várias áreas doconhecimento, instituindoum diálogo multidimen-ional e tendo como pers-

pectiva o desenho de umnovo modelo de desen-v lvimento, alternativo aoprocesso de acumulaçãocapitalista, ancorado noprocesso de globalização.Esse processo põe em che-que o paradigrna fordista,desencadeia uma série demudanças no mundo dotrabalho e propõe a neces-idade de flexibilizar as relações trabalhistas -

o assalariamento perde a centralidade -, bem comoinstituir outras formas de inserção produtiva.A privatização do Estado é considerada uma

necessidade frente ao esgo-tamento do modelo ínterven-cionista, construindo, assim, ascondições necessárias paraexpandir, mediante diferentesestratégias no campo docapital financeiro e produtivo,um modelo neoliberal, cujosditames preconizam a fragí-lização do Estado-naçãodiante dos países hegernô-nicos e do Fundo MonetárioInterna-cional (FMI) - omercado emerge como oregulador da economia e dapolítica.

Diante da constataçãodessas dinâmicas, o governobrasileiro e os de outros paíseslatino-americanos, com seusdiferentes matizes, optaram -face às injunções políticas dobloco dominante - por umainserção subordinada e passivana dinâmica globalizantel J ,

gerando um crescente qua-dro de endividamento, devulnerabilidade frente aosfatores desestabilizadores e dechoque externos, além dedesenvolver uma profundaexclusão social. No marco dogoverno Fernando Henrique

Cardoso, o nível de vulnerabilidade foi aprofundadodiante da abertura indiscriminada nas esferas comercial,tecnológica, financeira, monetária, cambial e naprodução real (CORREIA LEITE, 2003).

ELZA MARIA FRANCO BRAGA<

RESUMODiante das transformações nas relações de trabalho nocontexto da sociedade contemporânea, estão emergindonovas formas de sociabilidade. Uma destas se concretizaatravés de experiências de socioeconomia solidária, asquais, por sua vez, vêm imprimindo uma nova dinâmicade territorialização, mediante a emergência de redes. As-sim, o exame da experiência do Banco Palmas, no Con-junto Palmeiras, em Fortaleza, estado do Ceará, possibilitaapreender novos espaços, nos quais expressões de auto-nomia,autcrgestãoe empoderamentodesen-cadeiampráti-cas sociaisfecundase geradorasdevivênciasdemocráticas.Os movimentos e a organização impulsionadores dessasações compartilhadasdesnudam a conformação de espa-ços públicos de produção, de consumo, de informação,de conhecimento, em que a questão do poder e dasustenlabilidade tem engendrado um instigante campoanalítico nas ciências sociais.

ABSTRACTThe transformation of labor relations in the conlext ofmodern society is giving impetus to new forms of solidarity.One of those forms is emerging through the experiencesof the socioeconomic solidarity, which, in turn, isestablishing a new territorial dynamics through the riseof networks. Thus the research on BANCO PALMAS, inthe Palmeira neighborhood, in Fortaleza, lhe state ofCeará, revealed the constitution of new spaces, whichunleashed rich social practices new democraticexperiences. The movements and organizations of theseshared actions led to the structuring of public spacesbased on produclion, consumplion, information,knowledge, where the issue of power and sustainabilitypromoted a curious analytic camp in the social sciences.

• Doutora em Sociologia, professora do Departamento deCiências Sociais e do Programa de Pós-Graduação emSociologia, na Universidade Federal do Ceará. Correioeletrônico: [email protected].

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-Hoje, distanciadas dos marcos dos anos 90,

as ilusões plantadas pelo ciclo da globalização estão"caindo por terra". A fragilidade? do neoliberalismose torna cada vez mais evidente. A sua expressãomais cruel se apresenta em relação à concentraçãode renda e ao aprofundamento da exclusão socialem amplos setores populacionais, em que asmanifestações da fome, da desnutrição e daviolência se disseminam no tecido social.

O atual governo ainda não foi capaz deapresentar sinais contundentes de ruptura emrelação à política econômica instaurada pelasforças do poder hegemônico, em sintonia com apolítica econômica mundial.

Dentre as inovações preconizadas, merecedestaque a criação do Ministério Extraordináriode Segurança Alimentar e de Combate à Fome(MESA), posteriormente transformado noMinistério de Desenvolvimento Social e deCombate à Fome que, por meio do ProgramaFome Zero e de outras ações' , vem introduzindoinovações e redesenhando um novo paradigmade políticas públicas, ainda que as açõesestruturantes nece item de uma temporalidadepolítica para lograr uma pacruação política. lessepacto, a ação da sociedade ci il organizada e daintelectualidade de esquerda tem um papelfundamental no que se refere à mobilização sociale à formação de opinião pública crítica, propositivae potencializadora da ação governamental.Diante desse complexo quadro, a esquerda nogoverno está submetida a inúmeros e crescentesaprendizados necessários para se lograr um novopatamar de relação com a sociedade, institui dorde uma nova cultura política. Tais mudanças estãomediadas por um tempo político" necessário,cujas conseqüências virão imprimir respostas comimpactos positivos ou negativos no quadro deexclusão social. Esse olhar crítico é fundamentalfrente ao "andar da carruagem", o que não significadizer que se corrobora com aqueles que abraçama tese fácil do continuísmo do atual modelo degestão em relação aos governos passados.

No bojo das políticas sociais estrutu-rantes, a questão da geração de trabalho e renda,

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do microcrédito solidário e de experiência de auto-gestão está se apresentando como um dos caminhosinovadores que instigam, "por baixo", a necessidadede articulação de políticas e que, ao mesmo tempo,está se colocando como elemento promissor nabusca da eficácia e sustentabilidade em relação àdinâmica do processo de inclusão social. A esserespeito, é possível visualizar a preocupação emresgatar experiências exirosas no âmbito dosarranjos produtivos solidários. O relevo dado a essaquestão se expressa no âmbito da discussão e dosaprendizados e de ações concretas desencadeadaspor iniciativas populares, as quais vêm sendoconsideradas pelo atual governo quando, porexemplo, cria a Secretaria Nacional de EconomiaSolidária.'

Socioeconomia solidária:trilhas democráticas

No momento em que urge qualificar apolítica como uma trilha fecunda para restabeleceruma nova ordem social, é importante que opensamento sociológico contemporâneocon trua, de forma criativa, arcabouços teóricoscapazes de re gatar analiticamente, as invençõesda ociedade.

'e a direção o movimentos sociais nadécada de ° fecundaram, no âmbito das ciênciassociais, um redimensionamento teórico .nosentido de apreender a nova lógica impressapelos "novos atores sociais", atuando em espaçoscotidianos eivados de lutas em busca daafirmação de direitos. Es es novos protagonistasimpulsionarão os pesquisadores a construir novosarcabouços teórico-conceituais. Assim, asdinâmicas da realidade social em espaços microinstigaram os intelectuais a construírem novosarranjos teóricos capazes de explicar as lutassociais, em que as questões do direito ao trabalho,da identidade, da cidadania e da participaçãosocial adquiriam centralidade no cenário políticoda construção democrática.

Na década de 90, as experiências produtivassolidárias colocaram uma nova vertente para

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-ns ar o trabalho: as políticas públicas e ae tão democrática. A concentração de-e tirnentos nas màos das grandes corporações

utivas vem sendo contestada por váriosores sociais, em virtude da incapacidade desenvolver estratégias inclusivas para amplosores da classe trabalhadora, na condição deeitos sociais. A realidade cruel da apartaçãoial, instaurada na sociedade contemporânea,

_'pressa uma contradição inerente ao sistema_ pitalista e que, por força do processo de

c izacão, vem se expandindo e se aprofunclando,mentando o fosso entre pobres e ricos.

Paul Singer, que encarna o duplo papel detudioso e militante, elabora a definição de

ioeconomia solidária? como sendo o resgate. potencial revolucionário da práxis auto-

_ tionária e cooperativa-instituidora de relaçõesentre sociedade, economia e política - capaz denimar um projeto socialista a partir dexperiências anticapitalistas protagonizadas por

.rabalhadores e trabalhadoras (SI GER, 1998).A socioeconomia solidária, configurada

em diferentes experimentos de sociabilidade,oloca em xeque os pressupostos da democracia

- rmal capitalista, que não são capazes deegurar os direitos sociais para amplos setoresclasses populares. O conceito de democracia

complexo e apresenta uma função descritiva,aas também persuasiva e nonnativa. Muitas vezes,

_ democracia é reduzida à sua esfera política, nãoonternplando, portanto, suas dimensões

econômica e social. A democracia como umethos, como um princípio de igualdade nosremete à concepção de democracia econômica,pressupondo distribuição de renda e deoportunidades. Entretanto, a sua concretizaçãorequer a sedimentaçào de valores n ã o-capitalistas.

essa direção, a socioeconomia solidária- ao desenhar arranjos produtivos locais - explicita

ma estratégia de geração de trabalho e de renda,os grupos envolvidos resgatam o sentido da

cidadania, da realização humana e da capacidadede reproduzir-se enquanto força de trabalho,

.J ' \r-rser l-L r- "o!

2E I' !)lCOSproduzindo, assim, o sustento para si e paraa sua família. Entretanto, ela não se esgotanessa dimensão, pois constrói um espaço desociabilidade orientado pela solidariedade, pelapartilha e pela cooperação. Constitui, portanto,uma alternativa de articulação em redes de micro-democracias, apontando não omente para umaperspectiva macro e ideal, ma também para aconcretização de experimento locais e micro,fecundadores de novos valore ocietais. O cotejoentre essas duas dimensões é fundamental paranão se incorrer em duas po tura muitofreqüentes no plano da política: o reali moequivocado e fechado e o perfeccionismoinatingível.

Diferentes experiências de autoge tão vêmse multiplicando em distintos país s- comotambém no contexto brasileiro, calcada numadimensão territorial e espalhadas pelo campo epela cidade por meio de: cooperativas deprodução, trabalho e crédito; bancos populares eoutras formas que desnudam novas possibilidadesde socializar a riqueza e o poder. A perspectivaemanciparória orienta o discurso e as práticassociais de modo a construir um novo sujeitocoletivo em que a constituição de redes éfundamental para fazer brotar a sustentabilidadedessas iniciativas, que constroem um tecidosocioprodutivo nos marcos da adversidade docontexto capitalista. Assim, conforme sublinhaCoraggio."

Aspropostas de economia social, empre-sa social e socioeconomia solidá-ria, aspolíticas de renda cidadão, a democra-tização da gestão e a eficiência no in-vestimento social são propostas quepodem existir cooperativamente, comoaproximações orientadas por valores oumecanismos particulares, comparti-lhando a mesma estratégia de buscar umdesenvolvimento humano generalizado,

fundado no desenuoluiniento endôgenourbano de base popular (CORAGG10,1n: BOCAYUVA, p. 7).

BRAGA, ELZA MARIA FRANCO.

DÁR E A QUESTÃO DEMOCRÁTICA: DESENVOLVENDO CAMINHOS E UTOPIAS. P. 57 A 67.

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-A dimensão ética e a questão da radi-

calidade democrática se articulam em prol dainstauração de uma nova institucionalidadealicerçada em relações horizontais de baseterritorial em que o trabalho vivo articula e integrarelações de produção e de consumo solidários.A sustentabilidade da socioeconomia solidáriaestá intrinsecamente ligada à capacidade deconstruir formas de gestões democráticas em queos novos valores e as redes potencializam acria tivida de necessária, a fim de fazer brotar umanova lógica material e imaterial.

Situar o Banco Palmas como uma experiênciaem curso na cidade de Fortaleza, nos leva aapreendê-lo nos planos objetivo e subjetivo, comouma rede imbricada em relações internas e externas,demarcadas por distintas temporalidadespolíticas, em que uma população pobre éinstiga da a construir um novo cenário quepromova a inclusão social.

Banco Palmas:construindo novos caminhos

A experiência do Banco Palmas como umprojeto de socioeconomia solidária vem sendodifundida no estado do Ceará, no Brasil e em váriosoutros países. Uma sucessão de lutas, de conflitose de conquistas marcam a história dos moradores- que foram transferidos, na década de 70, devárias localidades próximas do centro da cidadepara esta área da periferia de Fortaleza,denominada de Conjunto Palmeiras. A expulsãodos pobres era, naquela época, uma exigênciado poder público municipal, na perspectiva dereutilizar tais espaços para desenvolver projetosurbanísticos e, assim, contribuir para galgar o statusde metrópole moderna, segregando a populaçãofavela da em áreas distantes do núcleo urbano.

Fortaleza, como também outras cidadesbrasileiras, foi cenário de numerosas mobilizaçõesda população no final da década de 70 e, nosanos 80, gestou diferentes formatos organizativos.É nesse contexto que surgem vários movimentosde bairros, dentre os quais merece destaque a

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Associação dos Moradores do Conjunto Palmeiras(ASMOCONP) por agIu tina r diferentes forçassociais, sedimentando aprendizados e saberes,que consolidaram, ao longo de três décadas,diferentes tempos políticos. Os moradoresdesencadearam várias lutas: por moradia digna,por infra-estrurura, por escola, por transporte, porsaúde, enfim, por uma vida digna. As pastoraissociais e as atividades no plano da culturareafirmaram a identidade coletiva e o sentimentode pertença, ainda que numa ambiência territorialtão' adversa no que concerne às condições devida. O jornal comunitário, os programas derádio, os grupos de teatro, as publicações queresgatavam as histórias de luta do bairro,os seminários e oficinas são algumas das váriasexpressões de um pulsar cotidiano, em que aparticipação popular fez brotar lideranças capazesde empoderar grupos de moradores e dedesenhar espaços interativos e em comunicaçãocom sistemas sociais externos ao bairro, até entãode difícil acesso para a grande maioria dapopulação.

Assim foi se constituindo um capital socialque seria um capital aglutinado nas mãos deindivíduos ou de grupos capazes de dotar os seumembros com créditos, podendo ser mantido oureforçado, à medida que os seus membroconstruíam e alimentavam as relações em rede .envolvendo instituições e pessoas. O capital socialpode ser analisado a partir de dois pontos devista: de um lado, como um elemento instituidorda estrutura social; do outro, no seu aspectoinibido r das incertezas impostas pela estruturasocial, de modo a potencializar os resultados eos produtos originados de relações em detrimentode ações individuais (BOURDIEU, 1994).

Nessa mesma direção, Putnam argumenque o capital social contempla dois

(. ..) aspectos das organizações sociatais como as redes, as normas econfiança, que facilitam a ação par.benefício mútuo (In: CONSTANZOs/d, p. 3).

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As reivindicações e as conquistas no campoda urbanização - que impulsionaram o processode luta no bairro, nos anos 70 e 80 - foram semostrando insuficientes. no marco dos anos 90,diante do quadro de desemprego e de subempregoexistente no bairro. Esse quadro inibia aperspectiva de futuro, ocasionando desesperançasnas famílias e, sobretudo, nos jovens e nasmulheres chefes de família. Adicionado a isso,se evidenciava uma crescente especulaçãoimobiliária. Muitos moradores pobres - ao veremsuas casas mais valorizadas face às melhorias nainfra-estrutura urbana, e diante da vulnerabilidadeimpressa pelo estado de pobreza - eram levadosa vendê-Ias para aqueles que tinham uma situaçãosocioeconômica mais estável (BRAGA, 1995),

Nas discussões realizadas por ocasião do Ie II seminários "Habitando o Inabitá el" foi econstatando que:

(. ..) não adianta urbanizar, melhoraras condições de moradia na favela, semque a isso venha se juntar uma alter-nativa de geração de renda (MELONETO & MAGALHÃES p. B-16).

Uma série de questionamentos passou aedimentar uma consciência coletiva: "por que

nós, que temos um ofício e somos trabalhadores,não conseguimos um trabalho e uma renda? Por quenós, que consumimos produtos e serviços, muitasvezes o fazemos fora do bairro? Por que algunspequenos comerciantes que vendem alimentosestão tendo que fechar seus negócios devido aofraco movimento, quando na realidade todosemos que comer, mesmo que minimamente?"

Essas e outras perguntas foram apropriadaspor lideranças do bairro. Muitas dessas lideranças,no decorrer de suas trajetórias de vida, crescerampoliticamente nas lutas cotidianas, mas também- mediante cursos realizados - tiveram aoportunidade de incorporar novos saberes,ornando-se "pesquisadores? populares",

potencializando-se, assim, enquanto capitalia!.

O aprendizado e, as redes de relaçõesinstituídas possibilitaram a criação de um bancopopular, o Banco Palmas, no dia 20 de janeiro de1998, o qual constitui uma espécie de guarda-chuva,capaz de estimular e abrigar as condiçõesnecessárias para o desenvolvimento de atividadesprodutivas solidárias no bairro. Uma das liçõestiradas pela população era de que "não havia comosuperar a pobreza sem correr riscos e sem ousadia":

Nosso 'atrevimento' em batizar o projetode Banco Palmas, afirmando-o comobanco dos excluídos, se contrapondo àsregras do sistema financeiro nacional.fezcom que posteriormente algumas portasse abrissem. Se por um lado isso causariaa impressão de que se tratava de umagrande instituição financeira - aumen-tando as expeaatit 'aS dos moradores e dasinstituições em relação ao nosso trabalho-, por outro, ganhamo a cisibilidade dequ.e 110SS0 projeto de geração de rendaprecisava (MELO NETO c GALHÃES2003 p. G-16 e H-16).

A logomarca do Banco e dos demais"produtos solidários" - a palmeira - expressa umadupla simbologia: uma relacionada com adenominação do Conjunto e, outra, resgata osignificado da planta que, bem cuidada e cuidadapor todos, cresce e produz frutos a seremapropriados coletivamente. Os frutos surgiramcom o viço da palmeira, materializado por meiode vários projetos solidários (o banco, a moeda,a feira dos produtores locais, o Palmafashion edemais projetos constantes em quadro anexo).

O cartão de crédito instituído - o PalmaCard- simboliza a possibilidade de reconstruir umoutro patamar de identidade local, à medida quearticula o produtor e o consumidor solidários,numa cadeia. O capital inicial de R$ 2.000,00(dois mil reais) demarca um novo tempo, umapostura ousada e a abertura de novos camposde sociabilidade: a criação de um cartão decrédito num bairro por intermédio de meios de

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-comunicação locais, e, depois, através de outrosde circulação nacional.

A gestão solidária do cartão era umaqualidade que o diferenciaria dos demais cartões.Assim, seu espaço de circulação seria o bairro,porque buscava aquecer a economia local e,portanto, o desafio consistia em aproximar -mediante uma teia de relações - o consumidor e oprodutor (encarnado inicialmente no comerciante,depois nos produtores locais). A incorporação dosinteressados no circuito do cartão se realizava pormeio de um aval dos vizinhos - que atribuíam umacredibilidade às pessoas para integrarem e seremprotagonistas dessa rede. Portanto, era uma lógicaconcertada, diferentemente do aval do SPC, doCADIN e de outras instâncias formais de consulta.

A convivência cotidiana e a incorporaçãode uma postura de crença diante do cartão comoum projeto coletivo, cujo sucesso exigiria acontribuição crescente da população, não foi umatarefa fácil, conforme destaca o enunciado a seguir:

As primeiras semanas foram difíceis.Embora anteriormente tivéssemosgerenciado a maioria das obras de ur-banização do bairro, nunca tínhamosimplantado U1n projeto econômico cla-ramente voltado para superar a situa-ção de pobreza. Nos tornamos referêncianessa área para os moradores e come-çamos a ser cobrados por respostas efi-cazes para geração de trabalho e renda(. ..). Os comerciantes do Palmeira de-moraram a aceitar o cartão, tinhammedo de perder seu capital de giro.Foipreciso conquistar um por um, semdesanimar. Aquele primeiro anofoi bastante difícil/ (MELO NETO &MAGALHÃES, 2003, p. I -16 e ]-16).

Entretanto, vale salientar que o BancoPalmas foi o grande marco instituidor de um novotempo e demarcador de vivência de valores,sedimentado pela lógica das relações solidáriasem contra posição à lógica capitalista: individu-

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alismo e cornpetrçao uersus cooperação esolidariedade; desconfiança no pobre uersuscredibilidade solidária; lucro apropriadoindividualmente versus apropriação coletiva doexcedente para fortalecer a rede.

Novas ousadias e novo produto

À medida que a proposta de socioeconomiasolidária se enraizava no imaginário popular,adquirindo credibilidade junto à população,o Banco Palmas foi diversificando suas atividades,criando novos projetos e complexificando as suasações. Os projetos de produção - PALMAFASHION(confecção de roupas), PALMALlMP (fabricaçãode produtos de limpeza), Agricultura Orgânica(produção de hortaliça e de galinha caipira) -concretizam essa tendência e, como examina-remos mais adiante, a criatividade e a ousadianão se esgotam aí. Tal expansão foi tambémpossível devido à ampliação do crédito inicial eà abertura de novos financiamentos logrados emoutras instituições (governamentais e não-governamentais), cujo caráter positivo e deexemplaridade a experiência foi mostrando, como passar do tempo.

Vale destacar que essa arnbiência solidáriase deve, em grande parte, às investidas realizadasno campo da educação popular. O PALMATECH-a Escola Comunitária de SocioeconomiaSolidária- socializa, troca e constrói novos saberesa partir de uma realidade situada e datada,ou seja, de uma vivência comunitária. Assim,o processo educativo vem se realizando a partirde uma perspectiva holística. Ou seja, ao setrabalhar com a construção da cidadania,a questão do "sujeito" adquire centra lidade,demarcando um diferencial no processoformativo calcado não somente na meracapacitação para o trabalho. As questões doempoderamento e da autonomia perpassam,transversalmente, os conteúdos desenvolvidosnos vários projetos de capacitação, com vistas ainstituir uma nova cultura política, marcada porvalores de base hurnanista, solidários e éticos.

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-o processo de educação continuada busca,

sempre, articular informações, transformando-asem conhecimento, de modo a metamorfosear asidéias em projetos concretos e viáveis, do pontode vista social e econômico. Constantemente asquestões do trabalho e do mercado sãoexaminadas, não somente numa perspectivareativa, de contraposíção ao capitalismo, mastambém numa perspectiva propositiva, de trataro presente como uma antecipação de um futuro,em que um outro mundo é possível.

As categorias de trabalho e mercado sãocentrais. O trabalho não é reduzido à vertente daacumulação e do capital monetário; ele é vistocomo a célula da socioeconomia solidária queagrega valor e que, portanto, se expressa como~ma instância fundamental da reprodução da vidae da realização humana. Nessa direção, institui-seuma nova lógica e um outro patamar de controlesocial em que a questão do poder abre um lequede possibilidades inclusivas, buscando satisfazercoletiva e solidariamente as necessidades dosgrupos e das pessoas envolvidas.

O mercado é um espaço fundamental comoinstância de troca para comercializar produtos eerviços. O trabalho agregado encarna um valor

de uso, ou seja, a fim de viabilizar o consumode outros bens e serviços que outros produzam,priorizando aqueles originários de arranjosolidários.

Atualmente o Banco Palmas introduziu amoeda solidária 11 - Pai mares - como mais umcomponente do sistema financeiro solidário.Associada ao crédito solidário que constitui umaalavanca de desenvolvimento econômico e deresgate da cidadania 12, a moeda - comoequivalente geral" e com circulação restrita no

bairro - vem alargar as possibilidades definanciamento e de compras, unindo mais aindaprodutores e consumidores solidários.

Um elemento que merece destaque dizrespeito ao marketíngamplamente desenvolvido,interna e externamente, dando visibilidade aosimpactos realizados, no que concerne aos avançosnos planos objetivo e subjetivo: a população passa

a se orgulhar de morar numa localidade na quala socioeconomia solidária vem gerando processosinclusivos, dos pontos de vista social, econômicoe político.

Tecendo algumas conclusões

Como o presente trabalho traz resultadospreliminares de uma pesquisa em curso, ele estápermeado de lacunas que serão minimizadas notranscorrer do processo investigativo. A ternáticaé instigante por levantar questões inovadoras noque se refere à lógica dominante, imposta pelasrelações capitalistas. As experiências desenvol-vidas e os valores incorporados a partir das micro-intervenções solidárias desenvolvem uma sinergiaque contagia não somente os seus protagonistas,mas também aqueles que se acercam dasvivências na condição de assessores e / ouestudiosos da- matéria.

A ação sistêmica do Banco Palmas, commúltiplas iniciativas, vem permitindo um patamarde sustentabilidade capaz de cairo-ia como umembrião alternativo às relações capitalistas. Com isso,não se pretende ignorar as inúmeras adversidadesenfrentadas pela experiência - desde as denatureza financeira, passando pelos conflitosgerados pelos novos paradigmas do micro-créditoface aos valores constantemente propagados pelalógica capitalista. Daí o grande investimentorealizado ao longo do processo, estimulandocoletivamente a capacidade sinérgica, incorporandode forma permanente novas informações econhecimentos capazes de facilitar a cooperaçãono interior das cadeias produtivas e entre as redes,no sentido de trabalhar os conflitos e inibir os valores,os interesses individualistas e alienantes do mercadodominante, "controlado pelos poderes monopolistase submetido a uma concorrência selvagem.(CORAGGIO, 2000, p.122).

Outro aspecto relevante a ser destacadodiz respeito à transversalidade atribuída àproposta educativa, incorporando o componenteinter-geracíonal e de gênero, de modo a difundire comprometer os diferentes segmentos sociais

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-com o desenvolvimento da socioeconomiasolidária. A difusão capilar dessa economia atuade forma a fazer com que os vários atores sociaisinterajam, compartilhando ações com vistas aempreender intervenções concretas, geradorasde rupturas no cotidiano popular, construindouma força endógena, irradiando constantementenovas práticas e novas possibilidades históricas.

Essa força interior tem se espraiado emoutros contextos, seja no seio dos setorespopulares, seja nos setores governamentais eacadêmicos. As lições do Banco Palmas vêmse somando a outras experiências em que omicrocrédito não se resume a emprestar bemo dinheiro e assegurar o retorno - ele buscagerar impactos mais amplos e profundos, daía ênfase nos aspectos sócio-educativos, noprocesso de atribuição do crédito, visando, combase no desenvolvimento local, impulsionar oassociativismo.

As formas criativas de distribuição docrédito e do desenvolvimento da produção ecirculação de mercadorias e de serviços na áreade atuação do Banco têm proporcionado aampliação de oportunidades de trabalho e renda,através de instrumentos de apropriação coletiva,mediante práticas autogestionárias.

O projeto de socioeconomia solidária emcurso no conjunto Palmeiras vem apresentandoindicadores de sustentação político-social emface, sobretudo, das novas relações econômicase sociais instituídas e protagonizadas por atoreslocais desde sua gênese. A participação deentidades governamentais e não-governamentaistem sido importante no sentido de apoiar sem,contudo, tolher a autonomia nem interferir, deforma autoritária, na concepção, desenho edinâmica do projeto. Isso não significa ainexistência de contradições e conflitos, ao longodos processos de negociação instauradores deuma nova institucionalidade frente às políticaspúblicas e às redes de sociabilidade dacomunidade. Tais embates têm contribuído paraampliar a capacidade de superação dos mesmos,bem como para a demarcação da identidade dos

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atores locais, contraditoriamente engendrada apartir da convivência com interesses diferenciados.

O caráter agregador da socioeconomiasolidária vem sendo pedagogicamente trabalhadoem várias dimensões, gerando empoderamento,resgatando a auto-estima individual e coletiva einstigando a capacidade criativa e empre-endedora. Isso tem fortalecido a valoração internae externa dos seus produtos e serviços, sobretudodas novas relações sócio-produtivas instituídas.A exemplaridade da experiência do BancoPalmas vem se expandindo e se somando aoutros projetos de socioeconomia solidária emcurso, dentro e fora do país.

A multiplicação de experiências de práticassolidárias no âmbito da economia - ressignificandoas relações de poder e redimensionando a lógicadas políticas públicas, através de uma atuaçãoem redes - tem levado a academia a refletir e acompreender, a partir de inúmeras janelasanalíticas, o atual tecido social na perspectivade constituição de uma nova disputa hegemônica.

Assim, a concepção do Banco Palmas - edos outros elos da rede de socioeconomia solidária- se insere no governo Lula e no contexto das políticaspúblicas, instaurando uma nova Institucionalidadeem decorrência da luta e da mobilização dasociedade civil organizada. Trata-se, segundo ogoverno federal, de uma política estratégicapautada no potencial coletivo, em que aresistência e a ação concreta se somam, fazendobrotar novos arranjos produtivos e um novomercado baseado na solidariedade, na cooperaçãoe em princípios democráticos.

Exemplo disso é a recente criação daSecretaria Executiva de Economia Solidária,vinculada ao Ministério do Trabalho e doEmprego, sob a direção do professor Paul Singer.Com isso, a socioeconomia solidária passa aocupar um espaço institucional, um locusgovernamental, no sentido de estimular e apoiartais experiências e, ao mesmo tempo, potencializarmetamorfoses no âmbito do Estado. Assim, já épossível visualizar novos arranjos políticos eposturas administrativas que apóiem e disseminem

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-práticas democráticas e participativas, bem comocomprometam o corpo técnico com essasalternativas de geração de emprego e renda einstigando a configuração de uma nova ordemsocial.

Experiências desse porte são capazes dedisseminar e espalhar mudanças não somenteconjunturais,. desenhando novas instituciona-idades, fecundando reformas e novos pactossocíaís frente à lógica neoliberal, aprofundando,

sim, a luta pela democracia no espaço dolado e da sociedade civil.

otas

1 Cabe salientar que, mesmo no quadro derção subordinada no contexto latino-americano,

~_. tem especificidades em relação às posturaslíticas adota das pelos governos nacionais.

2 Fragilidade em relação ao "desenvol-'imento" preconizado e à sua incapacidade de

e praiar os seus frutos para amplos setoressociais. A submissão ao modelo neoliberal vemsubtraindo a capacidade de respostas econômicase sociais necessárias, face ao crescenteendividamento interno e externo.

3 Merece destacar a iniciativa do MESA aoprever, no Plano de Metas do Governo Federal

003) a instalação de quarenta Consórcios de- gurança Alimentar e Desenvolvimento LocalCONSAD), cujo foco é articular as diferentes

forças políticas dos municípios componentes darnicrorregião definida para objeto de intervenção.Para tanto, é fundamental a construção de

arcerias entre instituições governamentais comO. Gs e com outros setores da sociedade civilorganizada. O CONSAD objetiva construir eoperacionalizar ações pactuadas por intermédio deempreendimentos socioeconômicos, socialmente

tos e sustentáveis, a partir do desenvolvimentode cadeias produtivas locais baseadas emprocedimentos cooperativos.

4 De um lado, há resistências na própriamáquina estatal; de outro lado, exige-se um

tempo político de aprendizado e de internalizaçãode um novo paradigma de política pública emque é decisivo o papel da sociedade civil.

5 A nova Secretaria acional de EconomiaSolidária, criada em junho de 2003, se propõe aapoiar e estimular o fortalecimento e a criação dasiniciativas de socioeconomia solidária no âmbitode entidades, instituições e empreendimentos deautogestão. A criação da nova secretaria naestrutura de governo federal é uma medidainédita e tem como missão estimular iniciativasde trabalho e renda - como as cooperativa deserviço, a agroindústria familiar e as cooperativade mão-de-obra, como alternativas de combateao desemprego, à exclusão social e à fome."A nova Secretaria Nacional de EconomiaSolidária abre espaço para que a sociedadebatalhe suas próprias formas de superar aexclusão social", disse o ministro do Trabalho eEmprego, ]acques Wagner, ao empossar o novo-secretário Paul Singer, economista e professoraposentado da Universidade de São Paulo·(USP).

6 A socioeconomia solidária é tambémconceituada como economia solidária eeconomia dos setores populares. Na suaessência, busca caracterizar-se como unidadeprodutiva autogestionária, desenvolvendo açõescoletivas de produzir, distribuir, poupar, investire segurar.

7 A experiência de Mondragón, na Espanha,na Argentina e nos países escandinavos, taiscomo Finlândia, Dinamarca e Suécia, constituiexemplo de empreendimento solidário.

S Existe uma discordância de Paul Singerem relação a Coraggio, na utilização do conceitode setores populares, por este englobar umconjunto diversificado de segmentos sociais,sendo, parte deles, integrantes da economiacapitalista.

9 Ao longo dos últimos dez anos, váriaslideranças do Conjunto Palmeiras realizaram oCurso de Planejamento Urbano e PesquisaPopular junto à ONG Cearah Periferia, e algunsalunos que se destacaram colaboraram nacondição de monitores.

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-10 O índice de inadimplência registrado é

considerado relativamente baixo. Em comparaçãocom os cartões usuais, não ultrapassa 3,5%.

11 A moeda, criada recentemente, deveráser objeto de estudo a partir de uma análise maisampla e aprofundada, verificando sua relaçãocom o cartão, em investigações futuras.

12 O volume de crédito se diferencia deacordo com as características do projeto e comas características do demandante. A renovaçãode um crédito pode ser ampliada, sempre queseja solicitada, desde que o cliente tenhacumprido plenamente o contrato anterior.

Anexo"Banco Palmas": projetos desenvolvidosno período de 1998-2003

Banco PalmasSistema integrado de microcrédito que

objetiva organizar os moradores, a fim deproduzirem e consumirem no bairro (articulaçãode cadeias produtivas). Sensibiliza a populaçãopara desenvolver projetos de baixo custo de formasustentável para proporcionar o desenvolvimentolocal e solidário.

Palma CardÉ o cartão de crédito do Banco Palmas,

válido para compras somente no bairro. O cartãotem crédito inicial de R$ 20,00 (vinte reais),podendo chegar até o valor máximo de R$ 100,00(cem reais).

Moeda Solidária - Palmares (p$)Moeda social local com valor equivalente

ao real. Foram colocados em circulação,inicialmente, R$ 51.000,00 (cinqüenta e um milreais) que vêm sendo disponibilizados paraconcessão de microcréditos.

PalmartGrupo de artesanato, formado por 7 (sete)

mulheres da comunidade que utilizam técnicasde fuxico e estamparia.

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Incubadora FemininaÉ uma linha de crédito específico para as

mulheres que, durante o período de incubaçãoelaboram um plano de negócio para estru-turarem um empreendimento pessoal ou coletivo

PalmaCasaLinha de crédito para pequenas reforma

de moradia. As famílias fazem um orçamento ei .um depósito de construção do bairro e pagam nperíodo de seis meses com juros de 1,5% ao mês

Loja SolidáriaComercialização de produtos fabricados n

bairro. O espaço é organizado na sede dASMOCONP. Os produtores direcionam 1% davendas para a manutenção da loja.

Escola Comunitária de Economia(Palmatech)Objetiva capacitar pessoas, através de

cursos, oficinas e outros treinamentos peda-gógicos, para o processo de gestão, tendo emvista desenvolver aprendizados relacionados coma cultura da solidariedade, dando suporte aovários projetos desenvolvidos na comunidade.Conta com recursos do FAT e OXFAl\1.

Feira dos Produtores LocaisÉ uma feira realizada semanalmente para

comercializar os produtos feitos no bairro.quando também são apresentados artistapopulares locais. Das vendas realizadas, 2% sãodestinadas para cobrir as despesas da feira.

PalmafashionGrupo que confecciona roupas, formado

por 12 (doze) mulheres da comunidade.

Clube de TrocasÉ uma articulação entre produtores,

prestadores de serviços e consumidores do bairro.que se reúnem semanalmente para trocarem seubens e serviços, utilizando a moeda social criadapelo Banco Palmas - Palmares.

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-Agricultura UrbanaLinha de crédito para projetos de Agricultura

Urbana desenvolvidos nos quintais elas residências.

paimalimpeMicroempresa de materiais de limpeza,

ormada por 5 (cinco) jovens da comunidade.

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