Sociedade do Descarte: estudo de caso do “Lixão” do município de … · 2020. 11. 11. ·...
Transcript of Sociedade do Descarte: estudo de caso do “Lixão” do município de … · 2020. 11. 11. ·...
Sociedade do Descarte: estudo de caso do “ Lixão” do município de Rio Pardo / RS
Ari Rocha da Silva 1
Charles Policena Luciano 2
Resumo
Este trabalho visa apresentar um balanço de certas problemáticas
ambientais e sociais que ocorrem no município de Rio Pardo / RS,
especificamente, num antigo depósito de resíduos sólidos e em sua
circunvizinhança, a Vila do Asseio, local periférico de residências populares
desta cidade. Em relação a esta área, denominada por nós de “área de
descarte”, buscouse levantar algumas informações e dados acerca da
dinâmica sócioeconômica e das condições ambientais do lugar a partir de
documentos e das legislações vigentes, reportagens de jornais, observações
diretas e por intermédio de uma série de entrevistas com pessoas residentes
neste espaço. Para isto, foram realizadas várias incursões ao local (Lixão e Vila
do Asseio) o que nos possibilitou, a partir destas fontes de pesquisas,
investigar as circunstâncias e problemáticas concretas do lugar.
Na primeira parte do estudo, abordase o caráter e algumas
circunstâncias de nossa sociedade, como aspectos do sistema capitalista de
produção, bem como os seus efeitos ao meio ambiente, oriundos da
sistemática descartabilidade de resíduos. Na segunda parte, contextualizase o
município de Rio Pardo a partir de algumas particularidades territoriais, sócio
econômicas e de sua legislação ambiental. Em terceira seção, analisamse as
falas dos sujeitos que moram próximos ao que chamam de “lixão da cidade”,
enfatizandose as problemáticas dos moradores, seus anseios, percepções dos
problemas ambientais, condições de trabalho e saúde. Entre estas pessoas,
1 Bacharel e Licenciado em Ciências Sociais (UFRGS), Especialista em Políticas Sociais e Mestrando do Programa de PósGraduação em Desenvolvimento Regional (UNISC). Bolsista CNPq. 2 Licenciado em Educação Física, Especialista em Políticas Sociais e Mestrando do Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento Regional (UNISC).
2
encontramse catadores de resíduos que dependem desta atividade como meio
de sobrevivência, além de um comerciante, de trabalhadores aposentados e
pescadores do rio Jacuí.
Abordagens de temas acerca do lugar em que se vive, seu ordenamento
territorial, confrontos entre os atores envolvidos, aspectos que dizem respeito
ao meio ambiente, ao trabalho, entre outros, são perspectivas de análise
cruciais na medida em que habilitam à reflexão, ao planejamento e ao
desenvolvimento do espaço social. Assim, os resultados obtidos permitem
constatar que o antigo Lixão do município de Rio Pardo foi estruturado em
condições inadequadas e que denota, atualmente, abandono físico, ambiental
e social por parte do poder público local. Em relação às condições e modos de
vida dos moradores que vivem juntos ou nas proximidades do depósito,
percebese a frágil articulação e aporte de capital social por parte de uma
população em estado de vulnerabilidade social, muitas vezes, extremo. Esta
perspectiva, desta forma, dificulta a possibilidade por parte da população
residente em colocar em pauta temas que digam respeito à sua melhoria de
qualidade de vida, capaz, inclusive, de exigir dos governos políticas de
desenvolvimento local de forma integral e articulada.
1. Introdução
Abordagens de temas acerca do lugar em que se vive, seu ordenamento
territorial, lutas e confrontos entre sujeitos relacionados, aspectos que dizem
respeito ao meio ambiente, entre outros, são perspectivas de análise
fundamentais na medida em que habilitam à reflexão e ao planejamento do
espaço social. Ainda mais quando percebemos que vivemos num tempo de
profundas mudanças e inovações que afetam o cotidiano das pessoas e
transformam permanentemente nosso modo de ser e de nosso ambiente. Estar
atento às condições que transformam o espaço social e dos componentes que
perfazem nossas vidas, são fatores imprescindíveis para que possamos
participar da organização daquilo que nos compõe e da forma na qual se vive.
Buscase aqui enfatizar, através de um estudo de caso, alguns aspectos
sócioambientais do município de Rio Pardo / RS, tendo como preocupação
3
entender como se configuram e se organizam certos espaços públicos deste
município. Especificamente, discutir certas dinâmicas sócioambientais frente à
organização de um local de depósito de resíduos sólidos desta cidade.
Rio Pardo, importante cidade do Rio Grande do Sul, capital Farroupilha
no século XIX, tem um importante patrimônio histórico e arquitetônico em sua
localidade. Cidade esta, banhada pela junção de importantes rios (Jacuí e
Pardo), detendo também, por sua vez, um importante manancial de recursos
hídricos e naturais. Em certos locais, inclusive, a população banhase e utiliza
se da pesca como fonte de suprimento alimentar, seja pelo autoconsumo do
pescador e de sua família ou para a comercialização do produto nas feiras
públicas da cidade.
Com população aproximada de 38 mil habitantes, o município
infelizmente também retrata problemas sociais graves e níveis de
vulnerabilidade social preocupantes, principalmente em lugares não priorizados
pelos governos públicos 11,24% das pessoas são analfabetas (IBGE, 2002),
28,6% da população é composta por pessoas abaixo da linha da pobreza
(PNUD, 2000), sendo que uma grande parcela da população encontrase na
periferia da cidade, vítima de graves problemas sociais, como o desemprego, a
infraestrutura deficiente, a falta de saneamento básico e moradia adequada,
bem como dificuldades para o acesso à saúde e a educação de qualidade.
É importante também destacar, sendo uma das ênfases deste trabalho,
os graves problemas ambientais que se verifica na localidade de Rio Pardo.
Exemplo disto é uma área existente, com cerca de cinco hectares, perto de seu
principal rio, o Jacuí, onde até 2004 eram depositados ali os resíduos
domésticos, comerciais e industriais do município pela Prefeitura Municipal,
afetando o meio ambiente e prejudicando alguns moradores circunvizinhos a
esta área. A principal área residencial atingida é a Vila do Asseio, nome
sugestivo e contrastante com a vizinha área do depósito de resíduos, visto que
a coleta seletiva dos resíduos do município não é feita, ficando os resíduos, de
diversas naturezas e formas, dispostos a céu aberto. Embora exista na
Legislação Estadual a regulamentação de que a coleta seletiva seja posta em
4
prática, sob a responsabilidade dos governos municipais (Art. 1º da Lei N.º
9.921, de 27 de julho de 1993, dos Resíduos Sólidos do Estado do Rio Grande
do Sul).
Assim, a análise do destino que se dá aos resíduos neste município,
pelos altos níveis de descartabilidade de materiais que caracterizam nossa
sociedade com seu alto nível de consumo, é fator preponderante para o
encaminhamento de possíveis propostas de qualificação do espaço urbano e
do desenvolvimento de melhor gestão dos recursos disponíveis. Por isso, este
estudo de caso justificase, tendo em vista que por esta localidade transcorre
uma importante malha hídrica do Estado, a qual vem sofrendo inúmeras
degradações pela proximidade de um “lixão”, bem como pelos problemas e
controvérsias com que vêm se debatendo a própria comunidade local por estar
próxima dos resíduos descartados por toda a sociedade.
Portanto, visase aqui realizar, a partir de uma introdução que realce o
modo de produção vigente e os problemas ambientais a ele relacionadas, um
balanço de certas problemáticas que ocorrem no município de Rio Pardo,
denominada aqui de “área de descarte”. Buscouse levantar algumas
informações e dados acerca da dinâmica sócioeconômica desta localidade a
partir da observação direta, levantamento de publicações jornalísticas e por
intermédio de entrevistas junto a alguns moradores mais próximos do lixão em
destaque.
Conhecer o modo de vida dos moradores a partir de suas falas pode
possibilitar o conhecimento de como as pessoas percebem as circunstâncias e
particularidades em que vivem, ensejandonos a pensar em propostas que
possam ser encaminhadas para que este público tenha um ambiente renovado
e uma melhor qualidade de vida no local em que habitam. Para isso,
realizaramse várias incursões ao local (Lixão e Vila do Asseio) visando
observar de forma direta as circunstâncias e problemáticas do lugar, bem como
para consubstanciar uma análise a partir das falas dos sujeitos entrevistados.
Na primeira parte deste trabalho, abordase o caráter e algumas
circunstâncias de nossa sociedade, como aspectos do sistema capitalista de
5
produção e consumo, bem como os seus efeitos sobre meio ambiente. Por
outro lado não deixamos de nos remeter aos cuidados que se deve ter contra a
degradação ambiental, caso se queira ter um ambiente saudável e qualificado
de moradia. Na segunda parte, o trabalho centrase em analisar o município de
Rio Pardo a partir de algumas particularidades territoriais, ambientais, sócio
econômicas e de sua legislação ambiental vigente. Na terceira parte, dáse
destaque às falas dos sujeitos que moram próximos ao que chamam de “lixão
da cidade”, enfatizando as problemáticas dos moradores, seus anseios,
percepções dos problemas ambientais, condições de trabalho e saúde. Para
isso foram entrevistadas 12 pessoas, entre elas excatadores do Lixão, um
comerciante local, trabalhadores aposentados e pescadores do rio Jacuí, todos
eles residentes próximos ao depósito de resíduos.
Ao perfazer algumas trajetórias dos sujeitos ali envolvidos, buscase
delinear alguns pontos da realidade local, introduzindo a possibilidade de se
abrir um debate a respeito das problemáticas e controvertidas relações que se
estabelecem na comunidade a respeito das condições sócioambientais deste
lugar. Desta forma, buscase dar ênfase a uma necessária organização social,
construída a partir de um lastro de articulação e de confiança entre os sujeitos,
estruturando um capital social a ser disponibilizado pelos mesmos, sendo este
capital um dos possíveis pilares que podem embaçar uma reconfiguração do
espaço local, entrando como componente das lógicas estruturantes e das
dinâmicas que compõem as relações com outros segmentos da sociedade.
2. Globalização e os territórios de descarte
Observase atualmente um processo profundo e de intensas mudanças
de nosso cotidiano. Estas mudanças, muita vezes, desarticulam e deslocam o
jeito de ser e das formas de relações entre os sujeitos, mudando hábitos e
tradições até então praticados pelos indivíduos vivendo em sociedade. Pois, o
atual momento contorna um forte sentido de efemeridade, de certa noção de
que algo novo está por aparecer, visto terse a noção de que tudo pode ser
renovado em sua incompletude. Exemplo contundente são as renovações
6
tecnológicas e os avanços das comunicações a partir de seus meios. A
completude não é algo tangível, só o vazio que tentamos preencher com algo
que está sempre no porvir. Novos emblemas e signos de consumo prometem
algo sempre melhor, muitas vezes tão efêmero quanto a sua propaganda. A
lógica é retratada, desta forma, pela ação ao consumo e só nos sentimos
pertencentes à sociedade se assim agimos. Nunca tivemos uma sociedade tão
marcada pelos símbolos e representações do consumo, cuja disseminação
somente pode alcançar sua maior força através da tecnologia que leva os
sujeitos a este tipo de vida, entre o consumo e o descarte.
Este sentimento de efemeridade talvez seja o fenômeno mais
perceptível do atual momento de nossa história, independente de classes
sociais. Porém, este sentimento não pode ser deslocado às meras
elucubrações subjetivas e que perfazem os anseios individuais de
determinados sujeitos, outrossim, este sentimento deve ser reportado a um
impulso mais forte, a uma matriz dinamizadora do desenvolvimento da
produção e do consumo de mercadorias que se acham interligados. Entre
crises e avanços, o sistema capitalista de produção se reestrutura a partir de
seus agentes, buscando soluções para sanar as dificuldades de elevação de
seus patamares de lucro. Com a crise dos anos setenta, que teve como um dos
pilares a crise de oferta de mercadorias e do modelo fordista como projeto
propulsor rígido de confecção das mercadorias, o capitalismo reconfigurase
pela busca em suprir as demandas numa ótica de estrutura flexível e com forte
implementação de permanente renovação de sua produção. A nova ordem dos
empreendimentos empresariais é buscar a “aceleração do tempo de giro” das
mercadorias como solução para os graves problemas oriundos do sistema de
produção rígido caracterizado pelo sistema do fordismo precedente.
Toda essa indústria se especializa na aceleração do tempo de giro por meio da produção e venda de imagens. Tratase de uma indústria em que reputações são feitas e perdidas da noite para o dia, onde o grande capital fala sem rodeios e onde há um fermento de criatividade intensa, muitas vezes individualizada, derramado no vasto recipiente da cultura de massa seriada e repetitiva. É ela que organiza as manias e modas, e, assim fazendo, produz a própria efemeridade que sempre foi fundamental para a experiência da modernidade. Ela se torna um meio social, de produção do sentido de
7
horizontes temporais em colapso de que ela mesma, por sua vez, se alimenta tão avidamente (HARVEY, 2001, p. 262).
Um dos fenômenos desta nova investida do sistema capitalista será o
processo de globalização e da intensificação da busca de novos mercados por
empresas que se tornam cada vez mais transnacionais. Não só a intenção é
restabelecer o derrame de ofertas de produtos, mas também desestruturar as
organizações sindicais, descentralizando as ações empresariais que se dirigem
a novos territórios no intuito de explorar seus recursos humanos e naturais.
O atual movimento de globalização decorre de uma reconfiguração do domínio dos capitais na ordem mundial contemporânea neste último quarto de século. Para além da atual revolução tecnológica, assistese a um movimento de concentração e internacionalização do capital, de regionalização do mundo em blocos econômicos, de mudanças na cadeia produtiva, de substituição de matériasprimas, de restruturação e racionalização empresarial, de produção de subjetividades, baseandose a economia, cada vez mais, na produção de conhecimento. (MANCE, 1998)
O movimento de globalização, desta forma, está vinculado a uma
estratégia empresarial instrumentalizada por novos meios técnicos
comunicacionais e pela intensificação da produção do conhecimento. Insere
se a isso, um novo panorama das relações de poder globalizado, onde
empreendimentos transnacionais dominam de forma hegemônica os
enquadramentos econômicos e influenciam de forma mais veemente as
esferas políticas e sociais.
A tendência de tratar a questão econômica como aspecto supra
predominante inseriuse em nosso meio. Destacase a isso, a possibilidade das
"modalidades audiovisuais e massivas de organização da cultura...” em serem
simulacros “... subordinados a critérios empresariais de lucro, assim como a um
ordenamento global que desterritorializa seus conteúdos e suas formas de
consumo" (CANCLINI, 1996: 5253). Para que isso aconteça, os negócios,
estimulados pelo acirramento da concorrência entre capitais mundializados,
acabam promovendo fortes tendências de direcionar e criar os desejos, as
demandas dos sujeitos, intensificando também sua intervenção nos gostos e se
apropriando de culturas e tradições, revertendoas a seus interesses. A
8
semiótica, magnetismo moderno de jogos de palavras e imagens que induzem
o público consumidor, incorporada às peças publicitárias, forma estas
tendências e serve como poderosa ferramenta na implementação do consumo
e na estratégia sempre renovada do maior giro e descarte de mercadorias
(MANCE, 1998).
O consumodescarteconsumo talvez seja o esquema que represente de
forma mais fidedigna o aspecto propulsor por excelência desta nova etapa do
capitalismo, que busca renovarse a partir de suas estafas com a divulgação de
seus signos visando o consumo individual ampliado, influenciando com isto as
relações sociais previamente estabelecidas.
No domínio da produção de mercadorias, o efeito primário foi a ênfase nos valores e virtudes da instantaneidade (alimentos e refeições instantâneos e rápidos e outras comodidades) e da descartabilidade (xícaras, pratos, talheres, embalagens, guardanapos, roupas, etc.). A dinâmica de uma sociedade “do descarte”, como a apelidaram escritores como Alvin Toffler (1970), começou a ficar evidente durante os anos 60. Ela significa mais do que jogar fora bens produzidos (criando um monumental problema sobre o que fazer com o lixo); significa também ser capaz de atirar fora valores, estilos de vida, relacionamentos estáveis, apego a coisas, edifícios, lugares, pessoas e modos adquiridos de agir e ser (HARVEY, 2001, p. 258).
A forma desenfreada que sustenta a ótica de produção de mercadorias e
mantém o sistema de giros das mercadorias perfaz um circuito de alto
consumo, relegando ao meio ambiente e aos locais de consumo o ônus dos
danos ambientais, seja na extração intensiva de matériaprima da natureza,
seja pelo destino inadequado dos materiais que não têm mais utilidade à
indústria e ao consumidor.
As sociedades encontram uma ordem de fatores que suscita extrema
preocupação com a sustentabilidade do planeta como um todo. Se os países
intermediários na escala do desenvolvimento econômico, como a Índia, país
bastante populoso, consumissem como alguns países ditos desenvolvidos,
como, por exemplo, os Estados Unidos da América, um profundo colapso
ambiental seria iminente diante da multiplicação de agentes poluentes e da
extinção de certos recursos naturais. Fenômenos sintomáticos disto, como o
9
“efeito estufa”, já são perceptíveis como formas concretas de desastres
ambientais globais.
Embora o aumento de trabalhos científicos e ações de organizações
sociais sejam numerosos, uma consciência ecológica mais ampla e efetiva que
demova os infortúnios da degradação ambiental está longe de ser atingida.
Esperase que se construa antes que a escassez e o acirramento do conflito
gerado por ela sejam os únicos a impulsionar a mudança desse “erro
epistemológico” a que estamos submetidos (FRANCO, 2001, p. 62). Esperase
que a ocorrência de um consumo não alienado possa se dar pela...
... compreensão de que nele a produção encontra sua finalidade ou seu acabamento e que ele tem impacto sobre todo o ecossistema, isto é, de que o consumo é a última etapa de um processo produtivo e que as escolhas de consumo podem influenciar tanto na geração ou manutenção de postos produtivos em uma sociedade em que se garante a autonomia pública, quanto na preservação de ecossistemas, na reciclagem de materiais, no combate à poluição ou na promoção do bemestar coletivo da população de sua comunidade, de seu país e do planeta. (MANCE, 1998)
Desta forma, em relação aos resíduos sólidos descartáveis, realce deste
trabalho, observase um grande despreparo das sociedades em compreender
que o destino de seus resíduos são parte do consumo e que deve ser pensado
como fonte alternativa do próprio consumo, condição, inclusive, revigoradora
do trabalho e da dignidade para muitas pessoas que sobrevivem da reciclagem
dos resíduos sólidos atualmente. Novas práticas de trabalho com os resíduos
sólidos podem ser pensadas buscando o seu aprimoramento e qualificação,
pois é...
...gravíssimo o quadro social que envolve a presença de crianças, adolescentes e adultos vivendo no e dos inúmeros lixões e muitas vezes em aterros sanitários controlados. Estas pessoas coletam alimentos e materiais recicláveis para daí extraírem sua sobrevivência. São pelo menos 35 mil crianças em lixões e uma estimativa de 200 mil a 800 mil catadores trabalhando em depósitos a céu aberto e nas ruas em todo o país. (GRIMBERG, 2005, p. 12)
Mediante as condições acima referidas, são poucas as ações dos
governos referentes aos investimentos na reciclagem de materiais, sendo a
10
tônica das políticas a geração de verdadeiros lixões a céu aberto em várias
cidades do mundo.
Hoje, no Brasil, segundo a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico PNSB, realizada em 2000 pelo IBGE, coletase diariamente, cerca de 125.281 mil toneladas de resíduos domiciliares, sendo que 47,1 % dos mesmos vão para aterros sanitários. O restante, 22,3%, segue para aterros ditos controlados e 30,5% para lixões. Uma parcela mínima (nem contabilizada na pesquisa) é coletada seletivamente e destinada para a reciclagem. Cabe salientar que os dados referentes à destinação para aterros sanitários são passíveis de revisão, inclusive pelo IBGE, conforme matéria publicada no jornal O Estado de São Paulo (28/03/2002): “os informantes (prefeituras) podem ter sido demasiadamente otimistas”. (GRIMBERG, 2005, p. 11).
Assim, ao se pensar em políticas públicas relativas à saúde e ao meio
ambiente, por exemplo, necessariamente deve ser apontada a matriz de
produção e consumo a que se está inserido como aspecto relevante a ser
trabalhado pelas políticas. Devese estar consciente que os recursos naturais
são esgotáveis e que as gerações futuras dependerão deles, bem como intuir
uma boa utilização dos espaços, revigorando os ambientes e reutilizando os
materiais recicláveis, sem a degradação das condições de trabalho de quem
executa a reciclagem.
Não bastam apenas saídas unilaterais ao destino dos resíduos sólidos,
mas se deve buscar medidas articuladas e complementares. As possibilidades
de materiais serem, de certa forma, reaproveitados são uma condição positiva
das políticas públicas. Mesmo porque, a partir do trabalho agregado de
inúmeros trabalhadores que vivem da reciclagem destes materiais, possase
adquirir com o tempo um maior valor e senso de responsabilidade por parte de
toda a sociedade, onde se descubra qual a melhor forma de reutilizar certos
materiais. O fator de preservação ambiental tornase aí uma questão de
consciência e prática social sem precedentes, atingindo a dimensão temporal e
espacial do hoje e do amanhã, assim como uma questão de justiça social e
melhores condições de vida a uma grande parcela da população.
Repensar as práticas a partir dos referenciais culturais das
comunidades, introjetando os problemas de ordem global, é imprescindível
11
para que se alcance outros patamares de organização e configuração de
políticas públicas e de ordenamento territorial. Para isso, os municípios,
invólucros territoriais onde se apresentam os problemas sociais e ambientais
em toda sua concretude, devem estar, a partir de seus cidadãos e do poder
público, disponíveis a discutir as formas de organização que se quer
estabelecer.
Um primeiro passo talvez seja conhecer a realidade para poder
diagnosticar possíveis formas de se trabalhar a questão ambiental em
sociedade. Para que isso aconteça, os próprios sujeitos que vivenciam e se
relacionam em seus espaços devem ser chamados para que esclareçam suas
condições de vida e seus desejos.
3. Rio Pardo como área de descarte
O município de Rio Pardo foi um dos quatro primeiros municípios criados
no estado do Rio Grande do Sul, quando da primeira divisão administrativa em
1809. Abrangia praticamente toda a porção oeste e norte do estado. Em 1822,
ocorreu o primeiro desmembramento que diminuiu significativamente o território
municipal. As modificações mais recentes do território do município de Rio
Pardo foram os desligamentos dos municípios de Pântano Grande em 1987 e
de Passo do Sobrado em 1992, bem como uma área anexada pelo município
de Santa Cruz do Sul em 1995. Atribuise à falta de infraestrutura, às longas
distâncias entre as localidades e a cidade de Rio Pardo, à indisponibilidade do
executivo municipal em atender às reivindicações destas localidades, as
influências diretas nestes desmembramentos. Esta perda de território também
está associada à identidade particular destes territórios desmembrados.
(RAUBER, 2004).
Atualmente, segundo dados da Fundação de Economia e Estatística
FEE e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE, o município de
Rio Pardo, possui uma área 2.050 km², com uma população de 37.783
habitantes, sendo que 26.041 residem na área urbana, divididos em onze
12
bairros, sendo que 11.742 habitantes residem na área rural, distribuídos em
sete distritos. A sede do município está localizada junto à confluência dos rios
Pardo e Jacuí, esses dois importantes rios cortam o município e formam
diversas e pequenas ilhas, lagoas e praias. Ambos os rios têm sérios
problemas de degradação ambiental. O rio Jacuí, por exemplo, sofre com os
efeitos de contaminação e poluição, fruto do depósito de lixo urbano de Rio
Pardo, disposto inadequadamente em área próxima a sua margem
aproximadamente 300 metros.
Os principais fatores que influenciam a produção de resíduos sólidos
urbanos são: o tamanho da população, a taxa de urbanização, a variação
econômica e, principalmente, o grau de consumo dessa população. Ao tratar
da gestão dos resíduos sólidos na região do Vale do Rio Pardo, onde se
encontra Rio Pardo, Silveira observa que...
...a gestão ou a inexistência de gestão dos resíduos sólidos não é diferente em relação às outras regiões do país. Quando do Censo do IBGE, em 1991, cerca de 60% dos resíduos sólidos urbanos eram coletados direta ou indiretamente, na sua maioria, e eram depositados a céu aberto. (....) cabe lembrar que esse índice reflete apenas o percentual de resíduos que são afastados de sua fonte de produção, ou, ainda os que são retirados da vista da população, através da coleta municipal de lixo. (SILVEIRA, 2001, p. 310)
Esta autora aponta que a simples retirada dos resíduos não elimina os
seus efeitos, dada a dinâmica do processo de urbanização, a cidade não tarda
em chegar nas proximidades dos depósitos de lixo gerando conflitos com as
pessoas que habitam ou convivem no local. Essa é uma constante em muitas
situações em que ocorre a disposição dos resíduos a céu aberto em áreas
próximas a periferia urbana. Em função dessa destinação inadequada dos
resíduos urbanos aos lixões, que não adotam procedimentos técnicos
adequados, estes se tornam focos de contaminação do meio ambiente,
principalmente, dos recursos hídricos. No caso do lixão de Rio Pardo, Silveira
ainda afirma:
O município de Rio Pardo se depara com impactos sociais e ambientais causados pelo lixão, localizado próximo à Vila do Asseio, às margem do rio Jacuí e que serve de subsistência a diversos
13
catadores, inclusive. Alternativas a esse respeito já estão sendo viabilizadas com o tratamento em uma unidade de triagem em nova área. (SILVEIRA, 2001, p.314)
A prefeitura municipal nesse sentido tem se manifestado apenas a partir
de pressão do Ministério Público, conforme reportagem do jornal Gazeta do Sul “Ações para recuperação do antigo lixão substituem multas” (de 16 e
17.07.2005), o qual noticiou que representantes da prefeitura e da Fundação
Estadual de Proteção Ambiental (FEPAM) tinham assinado um termo de
compromisso prevendo adoção de medidas e condicionantes técnicos em
relação à degradação da área do antigo depósito de resíduos. Na mesma
matéria jornalística, informase que o Secretário de Meio Ambiente do
município manifestou a intenção da prefeitura, afirmando que iria elaborar um
projeto com medidas visando à recuperação do antigo lixão da cidade.
Outra reportagem da Gazeta do Sul, “Acordo proíbe despejo de resíduos no lixão” (19.02.2005 Pág.18), fala do impedimento da prefeitura de Rio Pardo de continuar a colocar lixo no antigo depósito, como vinha acontecendo ao
longo do tempo, “há mais de quarenta anos”. A mesma reportagem trata de
uma reunião dos representantes da prefeitura com a promotoria pública e da
participação de moradores de bairro próximo do local. Diz a matéria: “a reunião teve a participação de moradores no Bairro Jardim Boa Vista, que entraram com uma ação por causa das queimadas no lixão e o descarregamento de material na área”.
O que se observa nessas reportagens é uma mobilização de uma parte
da sociedade na busca da solução para o problema e tendo em vista as
conseqüências do lixão, bem como, a participação do Ministério Público que
neste sentido vem se configurando como um agente importante na exigência
do cumprimento das legislações ambientais vigentes.
No entanto, essa não é uma questão recente e sua resolução talvez
ainda esteja longe de ser solucionada. Como já mencionado, o depósito de
resíduos é muito antigo e os embaraços da Prefeitura com a Justiça já
perfazem mais de uma década. A questão do antigo depósito de resíduos de
Rio Pardo se arrasta desde 1992, quando em 27 de maio daquele ano foi
14
instaurado um inquérito civil público para apurar o funcionamento irregular da
área. (GAZETA DO SUL, 16 e 17.07.2005)
A legislação ambiental do município de Rio Pardo, encontrada até o
momento, mostrouse de certa forma insuficiente para uma adequação legal
que subtraia os problemas descritos. Sobre o tema dos resíduos sólidos e
coleta seletiva não foi encontrado nada em específico. Em linhas gerais, na Lei
Orgânica do Município encontramse algumas referências esparsas sobre meio
ambiente (Arts. 78, 80, 93 e 94). A Lei Orgânica faz referências ao tema meio
ambiente amparandose fundamentalmente na Constituição Federal.
A Lei Municipal n.º 1.120 de maio de 2001, que criou a Secretaria de
Meio Ambiente, no Art. 2º, onde define as atribuições da Secretaria, chama
atenção quando se refere de forma particular ao uso de agrotóxicos nas
lavouras. Não menosprezando os impactos dos agrotóxicos, mas considerase
que a referência exclusiva a esta questão, todavia, tornase estranha e
limitada. Assim, o texto da Lei se refere a um problema ambiental específico e
deixam vagas outras questões importantes que compõem as preocupações
ambientais.
Diante disso, entendese que, independente das características sócio
econômicas e ambientais, o município deve buscar medidas que atendam
práticas adequadas que digam respeito ao meio ambiente e, por sua vez,
reconheça os problemas buscando alcançar um melhor padrão a esta questão.
Neste sentido, as soluções mais praticadas nem sempre são as mais
adequadas, como a abertura de novos lixões longe da cidade, o que
verdadeiramente posterga os problemas mais imediatos, degradando outras
áreas mais afastadas de sua população.
4. Área do Lixão e as Falas da Comunidade Envolvida
Esta seção visa contrastar as percepções dos moradores do município
de Rio Pardo, em especial, aqueles que estão próximos ao antigo Lixão do
Município que teve suas atividades encerradas há aproximadamente um ano
15
– quanto ao seu ambiente de moradia e aspectos concernentes a ele. Através
da análise das falas dos moradores do entorno podese compreender melhor o
contexto e as particularidades que constroem as diferentes percepções,
conhecimentos, modos de vida, dificuldades e perspectivas dos sujeitos locais.
Entrevistouse para isso, um grupo de doze (12) pessoas, sendo alguns antigos
trabalhadores do Lixão e outros que apenas vivem bem próximos da antiga
área destinada aos resíduos deste município, sendo todos indistintamente
moradores da Vila do Asseio.
4.1 O depósito de resíduos na área continua
Na relação triangulada entre cidade, consumo e descarte, capitaneada
pela busca da diminuição do tempo de giro das mercadorias dentro do sistema
capitalista de produção, desenvolveuse entre nós, grosso modo, um sentido de autonomia para nos desfazer de forma inadequada daquilo que
consideramos sem nenhum valor. Os poderes públicos também se tornam
omissos e não executam ações respaldadas por certas legislações
ambientalistas em vigor (Art.1º da Lei N.º. 9.921, de 27 de julho de 1993, dos
Resíduos Sólidos do Estado do Rio Grande do Sul), como a implantação da
coleta seletiva, por exemplo, muito menos realizam campanhas eficientes que
busquem conscientizar a população da necessidade de práticas adequadas de
gestão de seus resíduos.
A lógica do consumo renovado e do giro das mercadorias é refletida nos
depósitos de resíduos. Um exemplo disso é a forma como se relaciona a
sociedade riopardense com o depósito de resíduos sólidos que foi desativado
formalmente, mas que, segundo alguns moradores, ainda recebe muitos
resíduos deixados de forma clandestina por empresas e pessoas que mantêm
a prática de depositar resíduos no tradicional local de descarte da cidade.
Permanece assim, o local com seu fator característico de zona de descarte de
resíduos da população em geral. Segundo relato de um morador do local:
“Ainda colocam lixo no Lixão, vem caminhão particular que vem, de loja, de empresa de arroz. Ninguém controla”. (Pescador Aposentado, 73 anos).
16
Podese constatar, em visita ao local, que, realmente, ainda recebe
muitos resíduos, muitos dos quais de origem comercial, como invólucros de
materiais fotográficos, cascas de arroz etc. Além do depósito de resíduos, não
podemos deixar de destacar o corte de árvores da mata ciliar entre o rio Jacuí
e a área do lixão. O corte de árvores atende o consumo de lenha a ser
queimada, o que frisa ainda mais a degradação ambiental daquele local e a
falta de preocupação de quem depreda este ambiente, bem como o descaso
do poder público em fiscalizar uma área que para a maioria das pessoas tem
pouco valor.
A situação de quem vive ali e trabalhava no lixão ficou ainda mais crítica,
pois além de o local ainda estar em péssimas condições, com o lixo
inaproveitável espalhado em sua área, gerando mau cheiro e atraindo insetos,
a forma regular do depósito de resíduos foi terminada, o que deixou as pessoas
sem atividades que lhes gerassem renda no local. Muitos se encontram com
dificuldades de manutenção de suas famílias, e percebese a indignação e o
desamparo destas pessoas.
4.2 Contradição entre os moradores a respeito da saída do Lixão.
O senso de individualidade e a falta de preocupação pelo meio ambiente
corroboram com que a sociedade não estabeleça também um diálogo de
responsabilidade sobre os problemas ambientais e de geração de trabalho
àqueles que não encontram alternativas e que viviam da cata de materiais no
lixão. Neste caso, acabam sendo importantes apenas as necessidades
imediatas dos indivíduos, embora vivendo em comunidade. Nos dizeres de um
morador, a saída do lixão naquele local “para uns foi bom, para outros foi ruim. Para nós foi ruim, uns não gostavam do cheiro do Lixão” (estudante, 14 anos que estava caçando pequenos animais para comer nas proximidades do lixão
com seu primo de 12 anos).
Desta forma, há pessoas que necessitam prover suas subsistências
através da coleta dos materiais descartados no lixão e até mesmo da caça de
pequenos animais encontrados entre os resíduos. De outro lado, há pessoas
17
que moram nas bordas do Lixão e que possuem outras formas de renda,
desconsiderando a necessidade daqueles que dependem da reciclagem dos
resíduos para viver, preocupandose apenas em solucionar seus problemas
imediatos advindos do mau cheiro dos resíduos acumulados no local. Podese
identificar esta atitude da população quando alguns referem que “a maioria das pessoas não gostavam do lixão, pelas moscas e pelo cheiro... foi bom tirar o lixão dali...”. (Comerciante, 46 anos).
Embora a ação dos moradores para o fechamento do lixão tenha sido
através de ofício abaixoassinado, isso não caracteriza a existência de um
debate dos moradores baseado em princípios de cooperação entre os
mesmos. A ação apontada para o fechamento do lixão foi impulsionada pela
necessidade imediata em resolver os problemas dos moradores que se
consideravam prejudicados pela existência dos resíduos no local. Por
conseguinte, não houve um debate aprofundado entre os envolvidos para
solucionar os problemas de fundo, tais como o desemprego e a degradação do
meio ambiente local, limitandose a apontar os problemas ocasionados pelo
odor, pela fumaça e pelas moscas que invadem as casas. A simples alternativa
de fechar o lixão oficialmente e transferilo para outro local demonstra a falta de
preocupação social com o desemprego de alguns e de preocupações
ecológicas, mesmo porque os impactos dos resíduos que permanecem no local
ainda são grandes.
Acho que o lixão saiu dali por um abaixoassinado, não sei. A maioria das pessoas não gostava do lixão, pelas moscas e pelo cheiro. Foi bom tirar o lixão dali. Ainda continuam os restos lá. Faz tempo que eu não vou pra lá. (Comerciante, 46 anos).
O lixão estava naquela área há 40 anos e um grande número de
pessoas realizava ali, informalmente, a cata e triagem de materiais recicláveis e
sua posterior venda a uma pessoa que revende os objetos às indústrias que
reutilizam os materiais coletados. Com o “fechamento” do lixão e a perda da
freqüência regular de resíduos ali depositados, algumas pessoas que
dependiam daquele meio para auferir alguma renda, sofreram graves
conseqüências, dentre elas a falta de perspectiva de uma atividade geradora
18
de renda e a sua subseqüente dificuldade de manutenção de suas condições
de vida. A forma abrupta com que se parou de depositar os resíduos na área,
para algumas pessoas foi um verdadeiro “fracasso”, pois dependiam daquilo
para viver, nos dizeres de alguns. Segundo um dos moradores, um de seus
vizinhos foi embora, inclusive, porque ali não tinha mais condições de viver
sem o depósito de resíduos, configurando assim uma migração influenciada
pela dinâmica do trabalho e de condições de sustentabilidade dos indivíduos.
Uma antiga moradora do local faz uma avaliação textual do
“fechamento” do lixão:
“O lixão quando eu cheguei aqui já tava há muitos anos ali. Mais do que eu tô aqui. Minhas guria trabalharam muito tempo lá juntando pet, latinha, papelão pra poder viver, porque é difícil viver em Rio Pardo. Tem muita gente desempregada aqui. Foi ruim tirar o lixão para quem trabalhava lá”. (Moradora, 64 anos)
O município de Rio Pardo, na tentativa de solucionar os problemas
oriundos do lixão, alguns já mencionados pelos próprios moradores, e por
pressão da FEPAM e Ministério Público, começou a transferir os materiais
descartados para o município de Minas do Leão, onde se encontram
desativadas algumas jazidas de carvão que agora servem como depósitos de
resíduos provenientes de vários municípios. A Prefeitura de Rio Pardo, além de
desconsiderar os custos com o recolhimento e o transporte do material, acaba
com esta decisão não permitindo que a atividade de reciclagem possa ser uma
alternativa de renda para aqueles trabalhadores que se encontram excluídos
do mercado formal de trabalho.
Para alguns a criação de uma Cooperativa de Catadores no Município, a
COTRALI, não produziu o sucesso esperado visto render pouco aos seus
associados, muito menos de quando se catava diretamente no próprio Lixão.
Com poucos incentivos e muitos catadores no município, o rateio da produção
da COTRALI fica abaixo do esperado pelos catadores, fazendoos saírem da
Cooperativa, como confirma uma excatadora: “Lá na COTRALI dá muito pouco, uns 20 por semana. Lá embaixo, não (no Lixão). Num mês tirava 300, 350, 400, até mais. A gente catava papelão, pet, latinha e o ferro (excatadora
19
do Lixão, hoje faz faxina em residências, 39 anos).
A política municipal em relação aos resíduos sólidos do município se
torna desta forma ineficiente, pois além de levar os resíduos para um aterro
sanitário distante, sem a possibilidade de serem reutilizados muitos dos
materiais jogados no lixo, deixa um grande número de pessoas sem a atividade
que lhes serviu como meio de renda.
As dificuldades com a falta de trabalho no Município fizeram um morador
sugerir para o Prefeito de Rio Pardo que falasse com o Prefeito do município
vizinho, Santa Cruz do Sul, cidade pólo da região, para que este consiga
empregos às pessoas que faziam a triagem dos resíduos do antigo lixão junto
às grandes empresas do setor fumageiro da região.
O problema é as dificuldades, já que não tem serviço. Eu mesmo tive com o prefeito Joni pedindo pra ele, que ele tivesse a santa misericórdia com este pessoal aqui tudo. Que ele fosse falar com o Prefeito de Santa Cruz, que ele arrumasse pra esta gente. Para uns eles arrumaram, começaram a chamar nas fábricas de fumo. Então uns pegam outros não pegam. Então nesta casinha ai, tem dois rapaz, mas eles não podem trabalhar, não tem, não tem. E a mãe deles é deficiente. (Aposentado, 70 anos)
As dificuldades desta população de baixa renda acabam ficando
indiscutivelmente mais delicadas com a saída do lixão em termos de recursos
econômicos. Evidenciavase que a manutenção do lixão, da forma como
estava instalado no local era totalmente inadequada, como ainda permanece,
pois os resíduos ainda continuam a céu aberto e sem previsão de
reestruturação da área, mas para alguns era a única condição de trabalho que
dispunham.
4.3 Saúde e meioambiente
A influência da noção do consumo e descartabilidade de materiais
consubstancia a prática dos depósitos de resíduos, como acima frisado, sendo
estes espaços de descartabilidade cancros reprodutores de degradação
ambiental causando impactos de toda ordem. O espaço de descarte da
sociedade riopardense reproduz a noção destes problemas, independente da
20
legislação que regula certas ações. Na prática, as legislações ambientais se
tornam inócuas e sem poder de reação num estado desaparelhado, com pouco
aporte executivo e nenhum projeto político para tal fim.
De certa forma, as pessoas notam o impacto ambiental que é refletido
através do lixão. Salientam o mau cheiro, o grande número de moscas e
mosquitos e a fumaça proveniente do lixão como fatores importantes e que
prejudicam seu ambiente. Embora alguns não se importem com isso, estando
suas preocupações mais voltadas ao diaadia, na luta pela sobrevivência e
outras dificuldades, sem problematizar as questões de sustentabilidade
ambiental do lugar no médio e longo prazo.
O problema das enchentes é um agravante, porque impacta de forma
muito concreta a vida dos indivíduos. O lixão, situado numa área de várzea,
recebe as águas que transbordam do rio e levam os resíduos até bem perto
das casas e ao retornarem ao rio trazem uma grande quantidade de volta ao
leito do rio, poluindo o local de moradia e os recursos hídricos, atraindo ratos e
cobras para bem perto das moradias e “estragando”, inclusive, “a pescaria do pessoal” (Pescador, 25 anos).
Quanto aos males e doenças que o lixo pode trazer a saúde das
pessoas as opiniões são bem opostas. Uns salientam alguns males sofridos
por outras pessoas, nunca a si próprios; outros dizem que nunca aconteceu
nada, que “... sujeira não mata ninguém. Se sujeira matasse muita gente teria morrido”. (Aposentado, 73 anos). Talvez esta última referência seja até mesmo uma forma de superação das dificuldades de quem vive próximo ao depósito e
que tenta dirimir seus males através de uma autosugestão positiva dos
problemas encontrados.
Pelo desconhecimento dos reais efeitos dos resíduos sobre a saúde
pública, a necessidade de ser forte neste ambiente ou de se fazer forte é
condição viável àqueles que ainda se dispõem a conseguir certos
estratagemas que enfrentem o ambiente inóspito em vivem, seja pelas
condições naturais que ali são aportadas ou, principalmente, pela falta de
integração entre os que ali vivem e se encontram em estágios de
21
vulnerabilidade social bastante avançados.
Considerações finais
Implementar políticas públicas referentes ao meio ambiente é se dispor a
enfrentar grandes desafios de nosso tempo. Estes desafios carregam uma
transversalidade e complexidade de temas importantes que dizem respeito à
cultura das comunidades, às relações sociais, às formas de trabalho, à
sustentabilidade do planeta e de gerações futuras. Enfim, dizem respeito ao
modo de ser e vir a ser dos indivíduos vivendo em sociedade, com toda a
bagagem de suas construções históricas, relações de poder e do avanço
proeminente da ciência e de novas tecnologias.
O panorama de Rio Pardo que buscamos retratar aqui nos introduz
numa problemática local da complexidade dos eventos e dos atores sociais
inseridos em uma determinada localidade. Os fenômenos de ordem global e do
sistema capitalista de produção por suas amplitudes, como não poderia ser
diferente, intercedem na realidade local e referendam alguns efeitos. Por outro
lado, a dinâmica local estabelece dentro do jogo de relações suas próprias
dinâmicas.
A área de descarte de Rio Pardo, como a de outras cidades brasileiras,
representa uma lógica inconseqüente e alienante por parte da cadeia de
produção e consumo da sociedade, oriunda de uma plataforma de consumo
sem a devida preocupação com o que, com o como, com o porquê de se
consumir; mais ainda, com o que fazer com aquilo que resta do que foi
consumido. A lógica do mercado induz e rege esta falta de iniciativa da
sociedade. Podese, a partir desta condição, afirmar que o desenvolvimento
futuro do planeta está em risco caso mantenhase as formas atuais de
produção/consumo, bem como o descarte e o não aproveitamento de materiais
já utilizados.
Vigora, então, a necessidade das sociedades se repensarem e
buscarem estabelecer em suas práticas a noção de responsabilidade com
lastro de poder consubstanciado no capital social e político acumulado. Que
22
esta responsabilidade se dirija a todos com um fundamento particular de
participação preocupada com os aspectos humanos, sociais e ambientais. A
construção de canais de debates e diálogo dentro das comunidades, a
interação ampla, o levantamento de assuntos relevantes e que dizem respeito
ao cotidiano das pessoas, devem ser lançados ao uso comum dos sujeitos que
se encontram afastados. Não basta apenas conhecimento técnico para isso,
mas vontade e capacidade política que agregue os indivíduos ao diálogo para
que o capital social seja construído na base das relações. Devese para isso,
discutir temas que digam respeito a todos e a cada segmento, estabelecendo
uma agenda de ações referentes, também, àqueles determinados grupos de
maior vulnerabilidade social.
Uma sociedade informada, educada e sensibilizada pelas causas sociais
e ambientais é uma sociedade cidadã, com possibilidades de criação de
aportes de reciprocidade e confiança, de uma homogeneidade cívica dentre os
diferentes, cultural e socialmente. Só assim poderemos combater a cultura do
desperdício e reduzir nossas áreas de descarte. Preconizamos que é só a
partir disto que chegaremos a projetar um desenvolvimento social e ambiental
sustentável, o qual venha a pressionar as esferas restritivas do mercado a
arrefecerem suas estratégias e, também, a conduzir as esferas do poder
público a programarem políticas condizentes aos anseios sócioambientais das
comunidades.
Referências bibliográficas
CANCLINI, Nestor. Consumidores e Cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. 4º Edição. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ. 1999. 292p.
FRANCO, Maria. Planejamento Ambiental para a Cidade Sustentável. 2º Edição. São Paulo: Annablume, 2001. 296p.
FEE ANUÁRIO ESTATÍSTICO DO RIO GRANDE DO SUL Fundação de Economia e Estatísticas. CDROM. Windows, 2001.
GAZETA DO SUL. Santa Cruz do Sul, Ed. Gazeta do Sul, 2005.
23
GOVERNO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Lei N.º. 9.921, de 27 de julho de 1993. Lei dos Resíduos Sólidos do Estado do Rio Grande do Sul.
GRIMBERG, Elizabeth. A Política Nacional de Resíduos Sólidos: a responsabilidade das empresas e da inclusão social. In: Gestão de resíduos: valorização e participação. CAMPOS, Jayme; BRAGA, Roberto. Rio Claro: LPM/IGCE/UNESP, 2005. 117 p.
HARVEY, David. Condição PósModerna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. Tradução Adail Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves. 10º Edição. São Paulo: Loyola, 2001. 349p
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Perfil dos Municípios Brasileiros – Meio Ambiente 2002. Disponível em: www.ibge.gov.br Acesso em: 20.12.2005
MANCE, Euclides. Globalitarismo e Subjetividade: algumas considerações sobre ética e liberdade. Conferência no Instituto de Formación Docente, Salto, Uruguai, 17.05.1998. Acesso em: 15.12.2005. www.milenio.com.br/mance/global.htm
PREFEITURA MUNICIPAL DE RIO PARDO. Lei Orgânica Municipal. Emenda n.002 a Lei Orgânica Municipal, em 08 de dezembro de 2003.
___________. Lei N.º 1.120 de 23 de maio de 2001.Cria a secretaria municipal de meio ambiente, altera a denominação da secretaria de saúde e meio ambiente e dá outras providências.
___________. Lei N.º 78 de 30 de setembro de 1953. Código de Postura do Município de Rio Pardo.
PNUD ATLAS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO NO BRASIL (2000). Banco de Dados organizado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Disponível em: <http://www.pnud.org.br>. Acesso em: 12 Dez. 2003.
RAUBER, Alexandre L. Ordenamento Territorial: a cultura do arroz irrigado no município de Rio Pardo, RS, Brasil. Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento Regional Mestrado e Doutorado. Universidade de Santa Cruz do Sul UNISC. Santa Cruz do Sul, 2004.
SILVEIRA, Rosí. Produção e gestão de resíduos sólidos domésticos na região do Vale do Rio Pardo. In: Vale do Rio Pardo: (re)conhecendo a região. VOGT, Olgário; SILVEIRA, Rogério (Orgs.). Santa Cruz do Sul: UDUNISC, 2001. p.301322.