SOCIEDADE BRASILEIRA DE HEPATOLOGIA · 2020. 12. 18. · hepatopatia crônica, torna-se fundamental...
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FEDERAÇÃO BRASILEIRA DE
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EditorialA Sociedade Brasileira de Hepatologia tem
como um de seus objetivos primordiais a
promoção de Educação Médica Continuada
de elevada qualidade científica. Neste projeto
ela se propõe a fazê-lo através de discussão
de casos clínicos, entrevistas e revisões
de atualização sobre temas fundamentais
em Hepatologia, abordados por renomados
especialistas da área.
A Zambon participa desta iniciativa, levando
à classe médica a melhor mensagem técnico-
científica, com o apoio da Sociedade Brasileira
de Hepatologia.
Nesta edição o médico terá a oportunidade
de atualizar seus conhecimentos através da
informação mais precisa e atual sobre um
importante problema: ASCITE.
João Galizzi Filho Presidente
Atha Comunicação e Editora – e-mail: [email protected]
Criação e Coordenação editorial
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Angelo Alves de MattosProfessor Titular da Disciplina de Gastroenterologia da Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre (FFFCMPA); Professor do Curso de Pós-Graduação em Hepatologia da FFFCMPA; Doutor e Livre-Docente em Gastroenterologia.
ASCITE: fisiopatologia, diagnóstico e tratamento
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Aproximadamente 50% dos pacientes com cirrose com-pensada irão desenvolver ascite em um período de 10 anos de observação. Uma vez que a doença se desenvol-va, a mortalidade esperada em 2 anos é de 50%. Tendo em vista a incidência e o mau prognóstico que a ascite acarreta ao paciente, fica clara a necessidade de com-preender a sua patogenia e de ofertar um diagnóstico e um tratamento adequado para o seu controle. A patogê-nese, representada pela teoria da vasodilatação arterial, pode ser apreciada na figura 1.No diagnóstico diferencial das ascites, a despeito do va-lor do exame bioquímico, citológico, bacteriológico e cito-patológico, um destaque inicial deve ser dado à determi-nação dos níveis de proteína na ascite e do gradiente de albumina soro-ascite. Tendo em vista a correlação que observamos entre a presença de hipertensão portal e um gradiente elevado, poderíamos afirmar que níveis ≥1,1 g/dL associados a níveis de proteínas inferiores a 3,0 g/dL sugerem o diagnóstico de cirrose. Naqueles casos em que o gradiente fosse
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Figura 1 Teoria da Vasodilatação Arterial (modificado de Schrier et al.)
que a capacidade for excedida haverá mobilização de líquido a partir do compartimento plasmático, com con-seqüente hipovolemia, azotemia e alterações eletrolí-ticas. A presença de edema periférico concomitante evita essa evolução, em decorrência de sua mobiliza-ção preferencial e ilimitada. Pelo exposto, fica sugeri-do que o tratamento deve resultar em perda média de 1 kg/dia naqueles pacientes com ascite e edema peri-férico e de 300-500 g/dia naqueles só com ascite.No início do tratamento, são utilizados diuréticos poupa-dores de potássio, preferencialmente a espironolactona. Tal substância apresenta um excelente efeito nos cirró-ticos, em decorrência do hiperaldosteronismo existente. A dose inicial, de 100 mg, pode ser aumentada a cada 3-5 dias, até um máximo de 400 mg/dia. O intervalo de dias utilizados para a modificação da dose é baseado no
fato de que o pico de ação da droga é entre o terceiro e o quinto dia de uso. Como a espironolactona tem meia-vida longa, está justificada sua administração uma vez ao dia. Sendo o sítio de ação da droga ao nível do néfron dis-tal, a retenção proximal de sódio e de água explica a falha terapêutica em alguns pacientes. Nestes casos, associa-se um diurético de alça. A droga habitualmen-te utilizada é a furosemida, cuja dose varia de 40 a 120-160 mg/dia. No momento, há quem prefira que o início e os aumen-tos subseqüentes da terapia diurética façam-se com a utilização de ambos os diuréticos, pelo fato de isso pro-porcionar menor tempo de hospitalização e diminuição das complicações provenientes dos desequilíbrios dos níveis de potássio do soro dos pacientes.
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Em recente reunião de consenso do International As-cites Club (IAC) foi somente preconizada a adição de diuréticos de alça (20-40 mg/dia de furosemida) quan-do o paciente falhar em responder a uma dose de até 200 mg/dia de espironolactona, após as primeiras duas a três semanas. Em aproximadamente 5% a 10% dos pacientes com fun-ção hepatocelular estável, há falta de resposta à tera-pêutica médica utilizada. Eles seriam considerados por-tadores de ascite refratária, definida como aquela que não pode ser mobilizada ou cuja recorrência precoce não pode ser evitada com a terapia médica. Várias situações devem ser observadas antes de rotular-mos uma ascite de refratária. A causa que mais freqüen-temente nos induz a considerar um derrame peritoneal como refratário é a ingestão excessiva de sódio. No en-tanto, tem sido dada especial atenção à PBE, ao uso dos antiinflamatórios não-hormonais, à trombose porta ou à associação com um carcinoma hepatocelular, já que po-dem induzir a uma falsa refratariedade da ascite.Uma vez definida a refratariedade da ascite, o clínico deve lançar mão de procedimentos alternativos, já que esta situação empobrece de forma particular o prog-nóstico dos pacientes (a sobrevida em um ano varia de 20-50%). A terapêutica através da paracentese, que consiste na retirada de 4 a 6 litros de ascite por dia com infusão intravenosa de 40 g de albumina, mostrou-se mais efe-tiva, acarretando menos complicações e diminuindo o tempo de internação dos pacientes, em comparação com o tratamento à base de diuréticos. Na dependên-cia do caso, a retirada do líquido de ascite pode ser realizada através de parecentese única, com infusão intravenosa de albumina. Tendo em vista o custo da reposição com albumina, foi realizado estudo multicêntrico randomizado comparan-do albumina, dextrana 70 e Haemaccel® na prevenção da hipovolemia. Concluiu-se pela maior eficácia da al-bumina, refletida por menor número de readmissões e maior sobrevida dos pacientes. Ficaria, no entanto, permitido o uso desses expansores plasmáticos nas
paracenteses em que o volume drenado de ascite fosse inferior a 5 litros.Outra modalidade terapêutica que poderia ser utilizada nos casos de ascite refratária é a colocação de shunt transjugular intra-hepático portossistêmico (TIPS). O sucesso terapêutico alcançado é ao redor de 60% em um ano. A maior complicação desse método é o de-senvolvimento de encefalopatia portossistêmica (EPS), que ocorre em até 30% dos pacientes, embora seja, geralmente, de fácil manejo. Estenose de shunt ocorre em até 70% dos casos, quan-do eles são seguidos por um ano, embora estudos recen-tes sugiram que o TIPS com politetrafluoretileno diminua a possibilidade de oclusão. Quando o papel do TIPS e da paracentese terapêuti-ca foi avaliado, observou-se que o mesmo controla de maneira mais eficaz a ascite, a despeito da maior inci-dência de EPS, não havendo alteração significativa de sobrevida. Em regra, tem sido aceita a colocação de TIPS naqueles pacientes que não respondem à terapêutica com a para-centese (mais de três tratamentos ao mês). Por outro lado, ela tem sido contra-indicada em pacientes com EPS, naqueles com idade superior a 70 anos, naqueles com dis-função cardíaca (fração de ejeção inferior a 55%) e nos que apresentam escore de Child superior a 12. É importante enfatizar que o transplante hepático é a for-ma de terapia definitiva a ser ofertada aos pacientes com ascite refratária. Seriam, então, as alternativas anterior-mente consideradas procedimentos terapêuticos que pro-porcionariam uma vida mais digna a essa população de pacientes até a sua realização. Grosso modo, um escore Child-Pugh maior do que 10, em um paciente com ascite, poderia ser encarado como sinalizador para o transplan-te, já que a sobrevida de um ano que este proporciona varia de 75% a 85%. Parece ser de fundamental impor-tância a utilização de um índice prognóstico para indicar o transplante de forma mais precoce, antes que o paciente desenvolva ascite refratária, uma vez que deve ser pesa-do, na decisão do momento da indicação, o tamanho da fila de transplante.
Bibliografia 1. Angeli P & Gatta A. Medical treatment of ascitis in cirrhosis. In:
Ginès P, Arroyo V, Rodés J, Schrier RW eds. Ascites and Renal dysfunction in liver disease. Pathogenesis, diagnosis and treatment. Massachusetts:Blackwell Science 2005;227-41.
2. Arroyo V, Ginés P, Gerbes AL et al. Definition and diagnostic criteria of refractory ascites and hepatorenal syndrome in cirrhosis. Hepatology 1996; 23:164-176.
3. DAmico G, Luca A, Morabito A, Miraglia R, DAmico M. Uncovered transjugular intrahepatic portosystemic shunt for refractory ascites: a meta-analysis. Gastroenterology 2005; 129:1282-93.
4. Moore KP, Wong F, Gines P et al. The management of ascites in cirrhosis: Report on the Consensus Conference of the International
ascites Club. Hepatology 2003; 38:258-66.5. Runyon BA. Management of adult patients with ascites caused by
cirrhosis. Hepatology 1998; 27:264-72.6. Schrier RW, Arroyo V, Bernardi M, Epstein M, Hentiksen JH &
Rodés J. Peripheral arterial vasodilatation hypothesis: a proposal for the initiation of renal sodium and water retention in cirrhosis. Hepatology 1988; 8:1151-1157.
7. Wongcharatrawee S & Garcia-Tsao G. Clinical management of ascites and its complications. Clin Liver Dis 2001; 5:833-50.
8. Wong F, Blendis L. The pathophysiologic basis for the treatment of cirrhotic ascites. Clin Liver Dis 2001; 5:819-32.
9. Yu AS, Hu K-Q. Management of ascites. Clin Liver Dis 2001; 5:541-68.
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Colestase Intra-hepática da GravidezZapata, R et al. Liver International 2005 Jun; 25(3):548-54.
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Estudo comentado
A colestase intra-hepática da gravidez (CIP) é uma
condição clínica pouco comum, resultante de alte-
rações no metabolismo dos sais biliares não eluci-
dadas completamente. Dessas alterações resultam
dois problemas principais: a) prurido, a partir do
segundo trimestre da gestação, por vezes intenso
e incapacitante, e b) maior freqüência de prematuri-
dade e de mortalidade fetal, de causa também pouco
esclarecida. Do ponto de vista fisiopatológico, trata-
se de um distúrbio primário na gênese da força os-
mótica de propulsão biliar em nível canalicular. Esse
distúrbio é induzido pelos elevados níveis de estróge-
nos, aparentemente por interferência na formação
de micelas pelo complexo sais biliares/colesterol/
fosfolipídeos.
Alterações qualitativas e quantitativas nos sais bilia-
res têm sido relatadas, como o aumento da relação
ácido cólico-ácido quenodesoxicólico e da relação
glicina-taurina entre os sais biliares conjugados. Do
ponto de vista histopatológico, trata-se de um exem-
plo de colestase pura, ou seja, uma estrutura hepáti-
ca normal com plugs biliares visíveis em canalículos
biliares, grânulos de bilirrubina em hepatócitos e cé-
lulas de Kupfer e ductos biliares normais. O trata-
mento dessa condição tem se baseado no alívio do
prurido com a resina colestiramina, no intuito de es-
tender a gestação o máximo possível para diminuir
os problemas com o feto. A doença regride total e
imediatamente com a interrupção da gravidez.
O ácido ursodesoxicólico (UDCA), um isômero espa-
cial do ácido quenodesoxicólico (QDCA), componente
principal da bile do urso, tem concentração margi-
nal na bile humana. Em comparação com o QDCA,
principal componente da bile humana, é muito mais
hidrófilo e não gera o ácido litocólico, metabólito na-
tural do QDCA e hepatotóxico.
A administração contínua de UDCA leva a uma mo-
dificação do perfil dos sais biliares, com aumento da
concentração deste ácido e redução do QDCA, melho-
rando as características físico-químicas da bile. Essa
propriedade levou à introdução da molécula UDCA
como um agente para dissolver cálculos biliares.
Logo verificou-se que essa estratégia não apresenta-
va vantagem em relação à clássica colecistectomia
e a idéia foi abandonada. Tornou-se então clara a sua
utilidade no tratamento das doenças colestáticas e
de algumas outras condições crônicas do fígado de
patogenia pouco compreendida, como a esteatoe-
patite não-alcoólica. Entretanto, foi na cirrose biliar
primária que o UDCA encontrou sua aplicação mais
importante, sendo hoje o medicamento de primeira
escolha para o tratamento dessa condição.
Um estudo publicado na edição de setembro de 2005
da Gastroenterology apresenta dados contundentes
que dão suporte à segunda grande indicação desse
fármaco, a colestase intra-hepática da gravidez. Até
então, a droga mais eficaz para a doença, a colestira-
mina, na melhor hipótese controlava o prurido, porém
nada fazia pelo feto. O UDCA é a primeira droga que
consegue, além de controlar o prurido (com vantagem
em relação à colestiramina), reduzir significativamen-
te a prematuridade e a mortalidade fetal e neonatal.
Humberto Reyes, um dos grandes estudiosos do as-
sunto, apresentou dados semelhantes em recente
congresso brasileiro (Hepatologia do Milênio, Salva-
dor-BA, julho de 2006), com base em sua experiên-
cia de 12 anos em Santiago do Chile, cuja leitura re-
comendamos aos interessados no assunto.
Victorino Spinelli Toscano BarretoMédico hepatologista por YALE UniversityVice-presidente do Instituto do Fígado de Pernambuco - Universidade de Pernambuco
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