Sobre o Fetiche na perspectiva de Walter Benjamin

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 Sobre o Fetiche na perspectiva de Walter Benjamin Por: Juliano Gustavo Ozga Graduando de Filosofia UFSM-UFOP Sobre o Fetichismo da Mercadoria O termo fetichismo está etimologicamente ligado à palavra português feitiço que provém do latim facticius, i.e., elaborado pelas mãos. Isso é derivado de um desejo de diferenciar os objetos de origem africana que eram produzidos por nativos e comercializados por marcadores portugueses na Europa, que ao entender dos portugueses eram objetos de feitiço. No entanto havia um grau pejorativo envolvendo essa denominação dos objetos de fetiche, que para os nativos possuíam uma propriedade mágica, como o exemplo dos chocalhos tribais e indígenas de possuem a função de espantar os espíritos. O objeto de fetiche era interpretado como sendo portador de uma força mágica que era atribuída pelo próprio produtor do objeto de fetiche (de feitiço), sendo que no caso de o objeto ser inútil ou ineficaz o indivíduo elaborava outro objeto. Em outra abordagem o sujeito-indivíduo é possuidor de uma determinada força mágica que é transferida para o objeto de fetiche (ou feitiço), onde essa força mágica está ligada à natureza e sua concepção simbólica. Nesse caso há a possibilidade de uma analogia entre o objeto de fetiche do homem arcaico em geral (em conexão com a natureza) com o objeto de mercadoria do homem moderno industrial (em conexão à natureza técnica pós era industrial). No entanto é útil a compreensão do modelo de fetiche moderno atribuído aos objetos industrializados como um fetichismo da mercadoria onde a necessidade é gerada pela segunda natureza do homem segundo Lukács, ou seja, a natureza técnica. Porém o fetichismo econômico não está totalmente ligado diretamente ao fetichismo arcaico. Na era moderna (perspectiva de Karl Marx) as mercadorias produzidas através da força de trabalho do trabalhador assalariado possuem mecanismos sociais abstratos de valoração do objeto mercadoria de fetiche se for possível a interpretação. O fetiche é algo que preenche uma ausência, ou seja, é uma presença que substitui uma sensação consciente, diferente do sentimento de recalque inconsciente. Desse modo o fetiche possui um caráter de ocultamento desejado (definido por Sigmund Freud) através da analogia de clivagem (separar de forma que não seja possível o estado original) e do sentimento de recalque (sentimento de recusa insciente).

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Sobre o Fetiche na perspectiva de Walter Benjamin

Por: Juliano Gustavo Ozga

Graduando de Filosofia UFSM-UFOP

Sobre o Fetichismo da Mercadoria

O termo fetichismo está etimologicamente ligado à palavra português feitiço que

provém do latim facticius, i.e., elaborado pelas mãos. Isso é derivado de um desejo de

diferenciar os objetos de origem africana que eram produzidos por nativos e

comercializados por marcadores portugueses na Europa, que ao entender dos

portugueses eram objetos de feitiço.

No entanto havia um grau pejorativo envolvendo essa denominação dos objetos

de fetiche, que para os nativos possuíam uma propriedade mágica, como o exemplo dos

chocalhos tribais e indígenas de possuem a função de espantar os espíritos.

O objeto de fetiche era interpretado como sendo portador de uma força mágica

que era atribuída pelo próprio produtor do objeto de fetiche (de feitiço), sendo que no

caso de o objeto ser inútil ou ineficaz o indivíduo elaborava outro objeto.

Em outra abordagem o sujeito-indivíduo é possuidor de uma determinada força

mágica que é transferida para o objeto de fetiche (ou feitiço), onde essa força mágicaestá ligada à natureza e sua concepção simbólica. Nesse caso há a possibilidade de uma

analogia entre o objeto de fetiche do homem arcaico em geral (em conexão com a

natureza) com o objeto de mercadoria do homem moderno industrial (em conexão à

natureza técnica pós era industrial).

No entanto é útil a compreensão do modelo de fetiche moderno atribuído aos

objetos industrializados como um fetichismo da mercadoria onde a necessidade é gerada

pela segunda natureza do homem segundo Lukács, ou seja, a natureza técnica. Porém o

fetichismo econômico não está totalmente ligado diretamente ao fetichismo arcaico.

Na era moderna (perspectiva de Karl Marx) as mercadorias produzidas através

da força de trabalho do trabalhador assalariado possuem mecanismos sociais abstratos

de valoração do objeto mercadoria de fetiche se for possível a interpretação.

O fetiche é algo que preenche uma ausência, ou seja, é uma presença que

substitui uma sensação consciente, diferente do sentimento de recalque inconsciente.

Desse modo o fetiche possui um caráter de ocultamento desejado (definido por

Sigmund Freud) através da analogia de clivagem (separar de forma que não seja

possível o estado original) e do sentimento de recalque (sentimento de recusa insciente).

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Adentrando agora na perspectiva do fetiche na concepção de Walter Benjamin,

esse mesmo proveniente da escola de Frankfurt (Alemanha), teorizadora da designada

teoria crítica, caracterizada por fazer a junção entre o pensamento de K. Marx e S. Freud

(economia histórica e o subconsciente respectivamente), donde provém a teoria crítica

frankfurtiana que interpreta os conceitos econômico-históricos de K. Marx juntamente

com os conceitos de S. Freud, resultando assim o fetichismo (Freud) da mercadoria

(Marx), ou seja, objetos de feitiço que substituem algum sentimento abstrato do

indivíduo, porém de forma inconsciente.

A questão não é sobre substituir algo ou um sentimento perdido e sim a questão

da substituição de um sentimento de impossibilidade de possuir algo (Marx), ou

impossibilidade de desejar algo abstrato como se o fetiche fosse uma máscara (lat.

persona) que substitui algo impossível de ser ou de desejar (Freud).

Sobre o sentimento de recusa (que é anterior ao sentimento de clivagem) na

perspectiva de S. Freud é possível elaborar a concepção de algo que causa, motiva a

clivagem. Freud designa a razão para uma concepção fundamentada na realidade e

fantasia para uma concepção fundamentada no desejo.

Nesse caso o desejo e a imaginação podem criar uma fantasia e essa mesma

fantasia subjetiva ao ser auxiliada pela razão com base na realidade pode influenciar

uma ação na realidade que no início era apenas um núcleo de desejo e imaginação, que

no caso de não ser efetivado é considerado uma fantasia, sendo fantasia uma

impossibilidade racional não efetivada.

Outro exemplo pode ser expresso pela imaginação de imagens mentais

auxiliadas pela razão baseada na realidade podem ser possíveis de realização, como o

exemplo de criações científicas que somente são possíveis de efetivação com o auxílio

da tecnologia baseada na ciência (razão real), no caso a imaginação de ser possível o

homem voar e posteriormente ser possível a criação de máquinas a partir de imagens

mentais possuidoras de elementos doxais (de doxa) que auxiliam o homem a voar

efetivamente.

Ao passo que podemos definir o recalque como uma intensidade do desejo

contrariado e clivagem do Eu como percepção indesejada ou agregada.

No entanto para K. Marx o problema pode estar na concepção de valor, sendo

depositário de um desejo oculto abstrato, ou seja, mecanismos sociais abstratos

projetados como valor de uma mercadoria ou objeto. Marx cita que Aristóteles foi um

dos primeiros pensadores a tratar a questão do valor na obra  Ética à Nicômaco com o

exemplo do valor de uma música elaborada por um músico e comprada por um

apreciador. Aqui a questão do valor é baseada em um exemplo imaterial, no caso o

valor de uma obra abstrata (uma música, ou seja, elemento criativo que depende da

imaginação auxiliada ao conhecimento teórico musical e de instrumentos físicos para

sua execução, sendo assim considerado um objeto [físico] musical [abstrato]).

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Assim sendo é possível a citação de W. Benjamin (ou Marx): “os civilizados

encontram-se submetidos a representações simbólicas, imaginárias e denominadas por

 produtos de suas mãos, assim como os selvagens a seus fetiches”. 

Outro aspecto importante é a concepção de Marx sobre o produto do trabalho

antes como uso se torna agora mercadoria, ou seja, antes o produto de trabalho era para

o uso limitado e muitas vezes encomendados (produtos com valor de uso) e

posteriormente o produto do trabalho é elaborado para ser uma mercadoria, i.e., antes

era produzido para o Mecenas e posteriormente passou a ser produzido para o

Mercador.

A partir desse fato a força de trabalho e o tempo de trabalho gastos para a

produção do objeto como mercadoria é o princípio do valor. O princípio de mais valia

elaborado por K Marx representa o valor do produto além do seu valor bruto ou real, ou

seja, o produto é vendido com o acréscimo de lucro isento das despesas que a sua

produção necessita, em ouras palavras, a mais valia é o lucro.

Porém Walter Benjamin elabora a questão da troca de mercadorias e produtos

como uma ilusão de igualdade e liberdade entre os indivíduos iguais na relação de troca

da sua força de trabalho, ou seja, seu tempo de vida biológica por trabalho para a

produção de objetos de mercadoria de fetiche.

Isso permite a interpretação de que a igualdade e liberdade são possíveis se

aceitarmos essa ilusão de uma troca justa (medida-calculada) de força de trabalho por

um salário justo, como se a democracia (onde a minoria aceita exerce poder sobre a

maioria, ou seja, a maioria pobre é dependente e influenciada pelo capital detido pela

minoria rica) oferecesse alternativa justa além da venda ou não da força de trabalho do

(ser ou não ser um trabalhador), ou investir a força de trabalho para o estudo ocioso e

formador de conhecimento crítico (podendo esse conhecimento ser uma forma de

elaboração epistemológica e científica) ou não.

A igualdade e liberdade não podem ser direitas apenas de uma fraternidade de

iguais e sim devem ser necessariamente o direito de uma humanidade de iguais

(diferença entre os trilemas Liberdade, Igualdade e Fraternidade e Igualdade, Liberdade

e Humanidade), porém esse desejo de igualdade e liberdade para uma humanidade deiguais pode ser considerado uma utopia ou sem possibilidade de realização efetiva

devido a uma diferença de semelhantes na humanidade.