SOBRE A FUNÇÃO DA ILÍADA NA GÊNESE DA RETÓRICA DE ARISTÓTELES

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357 Kalagatos Kalagatos Kalagatos Kalagatos Kalagatos - REVISTA DE FILOSOFIA. FORTALEZA, CE, V. 10 N. 20, VERÃO 2013 RAINER GUGGENBERGER * Recebido em jun. 2013 Aprovado em nov. 2013 SOBRE A FUNÇÃO DA ILÍADA NA GÊNESE DA RETÓRICA DE ARISTÓTELES RESUMO A tese proposta a ser demonstrada neste artigo, afirma que a Retórica nos termos como foi elaborada por Aristóteles, resultou também de uma leitura (ou seja de uma determinada forma de recepção) da Ilíada, obra que esteve sempre presente no processo de pensamento e na elaboração do seu trabalho. Deste modo, defende-se aqui que a Ilíada teve uma importância central na elaboração da Retórica. O presente artigo não afirma que Aristóteles não poderia ter escrito, ou não poderia conseguir escrever uma retórica sem a Ilíada, mas, indubitavelmente, sem a mesma a obra seria muito diferente da retórica que conhecemos. PALAVRAS-CHAVE Retórica. Aristóteles. Ilíada. Função das citações na Antiguidade. Ira. * Estudou filosofia (particularmente Filosofia antiga e Filosofia da linguagem), italiano, grego antigo e alemão (como língua estrangeira) na UNIVERSIDADE DE VIENA. Desde 2010 cursa o doutorado em grego antigo na mesma universidade. Estudou cinco meses na UFRJ (Brasil) e seis meses na UNIVERSITÀ DEGLI STUDI DI FIRENZE (Itália). Sua área de atuação enfoca a retórica e a Filosofia de Aristóteles, bem como a importância de Homero tanto para a retórica, como para a filosofia deste filósofo. Bolsista do governo austríaco e bolsista/pesquisador da UNIVERSIDADE DE VIENA. Está escrevendo uma tese de doutorado que trata sobre a importância e a função da Ilíada para a Retórica de Aristóteles.

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Autor: Rainer Guggenberger

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    RAINER GUGGENBERGER *

    Recebido em jun. 2013Aprovado em nov. 2013

    SOBRE A FUNO DA ILADA NA GNESE DA RETRICA DEARISTTELES

    RESUMOA tese proposta a ser demonstrada neste artigo, afirmaque a Retrica nos termos como foi elaborada porAristteles, resultou tambm de uma leitura (ou seja deuma determinada forma de recepo) da Ilada, obra queesteve sempre presente no processo de pensamento e naelaborao do seu trabalho. Deste modo, defende-se aquique a Ilada teve uma importncia central na elaboraoda Retrica. O presente artigo no afirma que Aristtelesno poderia ter escrito, ou no poderia conseguir escreveruma retrica sem a Ilada, mas, indubitavelmente, sem amesma a obra seria muito diferente da retrica queconhecemos.

    PALAVRAS-CHAVERetrica. Aristteles. Ilada. Funo das citaes naAntiguidade. Ira.

    * Estudou filosofia (particularmente Filosofia antiga e Filosofia dalinguagem), italiano, grego antigo e alemo (como lnguaestrangeira) na UNIVERSIDADE DE VIENA. Desde 2010 cursa o doutoradoem grego antigo na mesma universidade. Estudou cinco meses naUFRJ (Brasil) e seis meses na UNIVERSIT DEGLI STUDI DI FIRENZE (Itlia).Sua rea de atuao enfoca a retrica e a Filosofia de Aristteles,bem como a importncia de Homero tanto para a retrica, comopara a filosofia deste filsofo. Bolsista do governo austraco ebolsista/pesquisador da UNIVERSIDADE DE VIENA. Est escrevendo umatese de doutorado que trata sobre a importncia e a funo daIlada para a Retrica de Aristteles.

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    ABSTRACTThe thesis proposed and partly demonstrated in thispaper is that the Aristotelian Rhetoric also resulted fromthe reading respectively the mental representation ofthe Iliad which is omnipresent in the thinking andworking process of Aristotle. Thus the Iliad is ofeminent concern and interest if we investigate thedevelopment and elaboration of the Rhetoric. Thearticle does not say that Aristotle would not havewritten or would not have been able to write a rhetoric,but that such a rhetoric would differ essentially fromthe rhetoric we have.

    KEYWORDSRhetoric. Aristotle. Iliad. Function of quotations in theantiquity. Anger.

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    013INTRODUO1

    Quando os fillogos clssicos abordam o tema retrica, pensam imediatamente na Retrica deAristteles e, de vez em quando, levam emconsiderao tambm os sofistas, sobretudo quandotratam de Plato. Espanta-nos, porm, diante dessequadro ao menos dois fatos. Primeiramente, que quasenenhum filsofo depois de Ccero se dedicouprofundamente ao estudo da Retrica, motivoresponsvel por um segundo fato: nunca foi elaboradaa pergunta sobre a gnese desta obra fundamental,em especial no que concerne disciplina inteira, isto, a retrica. Afirmo que o segundo fato poderia serconectado ao primeiro uma vez que Aristteles definiucomo sendo a misso de um filsofo pesquisar a avrch,.Tambm, por esse motivo que podemos chamar Talesde Mileto como o primeiro filsofo e cientista ocidental.(cf. Met. 983b 20-21) Sem uma leitura atenta daRetrica, poderia-se pensar que foram os sofstas eoradores do quinto e do quarto sculo que de fatoinfluenciaram Aristteles. Esta opinio poderia serdefensvel se nos ativssemos apenas algumaspassagens da obra, mas na maioria das vezes isto nose aplica ao caso. Podemos, deste modo, afirmar queAristteles teria criado a Retrica do nada, quer dizersem nenhum modelo e sem nenhuma fonte na qualteria se inspirado? Nenhum pesquisador das obras deAristteles poderia afirmar isso. Algo tpico no modode trabalho aristotlico que Aristteles no inventa

    1 Agradeo muito a Pedro Proscurcin Junior e a Mirian SilviaLeite da Silva pela correo deste artigo.

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    arbitrariamente as suas teses, mas sim trata dosresultados obtidos atravs do mtodo empricocaracterstico do mesmo autor. Tomemos, por exemplo,o processo pelo qual Aristteles conseguiu elaborar suasteses sobre as constituies e as formas estatais domundo antigo: a fim de captar todas as informaesconcretas sobre a maioria das Cidades-Estado daAntiguidade, visitando as mesmas com seus estudantese baseando-se nessas informaes, Aristteles comeoua projetar as suas teorias e a escrever a VAqhnai,wnpolitei,a (ARISTTELES, 1993). Diante disso, possvelassumir uma forma semelhante de trabalhar tambmno que diz respeito s outras obras e projeitos deAristteles. Sendo assim, o que ou quem (alm domestre Plato e dos sofistas e oradores) poderia ser afonte da Retrica?

    AS CITAES EM ARISTTELES

    Se observarmos as citaes constantes das obrasde Aristteles, em particular da Retrica e da Potica,fica claro, no que concerne quantidade, que asepopeias homricas, em especial a Ilada, so as obrasmais citadas de um nico autor. Isso pode, de fato,nos surpreender, uma vez que poderamos esperar quefilsofos, sobretudo Plato, fossem citados mais vezesdo que uma obra literria pica. Porm, os filsofossurgem mais implicitamente. Plato, por exemplo, citado quase sempre sem que Aristteles o nomeie.

    A FUNO DE HOMERO EM ATENAS NO QUARTO SCULO

    Diante do constatado, como se poderia explicarque Aristteles, o filsofo sistemtico, admita a Ilada

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    013como a obra mais digna de ser citada? Talvez seja

    possvel afirmar que em algumas partes de seu textotais citaes seriam mais apropriadas para ilustrar eelucidar as afirmaes do prprio Aristteles,particularmente quando se trata de afirmaes que noso claras ou em si mesmo compreensveis. Por outrolado, poderia significar que Aristteles, assim comoseu povo, se identificaria com os pensamentos, as aese os valores que se manifestam na Ilada, ou at mesmoque ele citaria Homero porque, sendo o mestre dosgregos 2, todos os seus ouvintes o conheceriam bem.Infelizmente, um trabalho nos limites que aquiapresentamos, no poderia investigar a funo de

    2 Cf. Homer und Hesiod wurden zu literarischen bervtern, zuden Lehrern der Griechen. Sie vermittelten die Traditionen unddas Wertesystem, sie vermittelten das Wissen ber Gtter undMenschen und forderten aufgrund der Geltung, die sie besaen,zum Widerspruch heraus (Xenophanes, Heraklit), der wiederumzu allegorisierenden Rettungsversuchen fhrte (Theagenes vonRhegion). Die homerischen Epen sind in jeder literarischen Formder archaischen und klassischen Zeit irgendwie prsent, sei es inder Lyrik oder dem Drama, sei es in der Historiographie oderPhilosophie. [Homero e Hesodo tornaram-se pais literrios,mestres dos gregos. Mediaram as tradies e o sistema dosvalores, mediaram o conhecimento sobre os deuses e homense provocaram, em razo da importncia social que possuam, aoposio (Xenfanes, Herclito), que levou, por outro lado, atentativas alegricas de salvamento (Tegenes de Rhegium).As epopeias homricas esto, seja de uma forma ou de outra,presentes em todos os gneros literrios do perodo arcaico eclssico, seja na lrica ou no drama, seja na historiografia ou nafilosofia.] (ZIMMERMANN, S. A., . Acesso em 30 maio 2013.).

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    Homero no que diz respeito educao, formaoe cultura do perodo arcaico e, sobretudo, clssico,ainda que tal investigao pudesse somente ser capazde resolver a pergunta relativa a explicar que ascitaes da Iliada sejam mais numerosas do que detodas as outras obras literrias citadas na Retrica deAristteles.

    AQUILES NA RETRICA

    Considerando todas as passagens da Retricanas quais Aristteles cita a Ilada, podemos perceberque Aquiles a personagem preferida no somentede Homero, segundo Aristteles (Ret. I 6,25; 1363a19), mas tambm do prprio Aristteles. Seconsideramos o nmero das citaes referentes Aquiles em suas obras, mais uma vez, veremos queesse dado contradiz a expectativa do leitor moderno,que esperaria que um filsofo como Aristtelesdeveria ter o astuto Ulisses, ou mesmo umconselheiro como Nestor como a personagempreferida. Ulisses, porm, em minhas observaes,no foi a personagem mais citada por nenhum dosfilsofos do perodo arcaico e clssico.

    Nesse contexto, o que faz Aquiles digno decitao e por que ele seria o exemplo preferido deAristteles? Podemos responder afirmando que ele foio guerreiro mais importante e impressionante na Iladae, talvez apenas por isso, tornou-se a personagemmodelo. Em todo o caso, serviu Aquiles como modeloimportante para mostrar o que significaria a honra edo que se resulta honorabilidade. Aquiles escolheu

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    013contra o seu prprio proveito morrer para vingar o seu

    companheiro Ptroclo. (cf. Ilada XVIII 94-126)Aristteles comenta em relao Aquiles: uma talmorte foi mais honrosa, continuar a viver, por outrolado, (seria) vantajoso. (Ret. I 3,6; 1359a 5-6).

    Quando Aristteles no incio do segundo livroda Retrica explica como se pode usar os afetos comomeios da persuaso, lista a ira, a compaixo e omedo.

    Aristteles informa que, em cada uma dasafeces, devem-se separar trs aspectos. Escolhe,como exemplo, e como demonstrao desta separao,a ira (ovrgh,). Deve-se separar aqueles que so iradosem confronto com aqueles que so acostumados aencolerizar-se, e a sua causa 3. Como iremos observar,

    3 pw/j te diakei,menoi ovrgi,loi eivsi,, kai. ti,sin eivw,qasin ovrgi,zesqai,kai. evpi. poi,oij (Ret. II 1,9; 1378a 24-25).

    So as afeces atravs dasquais os homens

    mudam e se diferem entresi, quanto s decises queseguem tanto a aflio

    como o prazer, por exemploira, compaixo, medo eoutros tais,

    e os contrrios desses.

    e;sti de. ta. pa,qh diV o[sa

    metaba,llontej diafe,rousipro.j ta.j kri,seij oi-j e[petailu,ph

    kai. hdonh,, oi-on ovrgh. e;leojfo,boj kai. o[sa a;lla toiau/ta,

    kai. ta. tou,toij evnanti,a.

    (Ret. II 1,8; 1378a 20-23)

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    no por acaso que Aristteles escolheu a ira comoexemplo. Isso se deve ao fato da mesma ser acaracterstica mais prpria de Aquiles. Todos osAtenienses cultos conheciam a ira como a afeco maisimportante na obra de arte que mais influenciou opensamento e a percepo dos valores na Atenasclssica: a Ilada.

    A IRA NA ILADA COMO MODELO PARA A RETRICA

    No segundo captulo do segundo livro daRetrica, Aristteles trata da ira. importante aqui nosdedicarmos s citaes explcitas e estabelecermos asaluses apropriadas Ilada, a fim de podermoscompreender a forma de trabalho de Aristteles.

    ento, a ira um exigirpara uma retaliao(evidente) por causa deuma aflio

    devido a um menosprezoevidente em confronto coma prpria pessoa ou emconfronto com alguma dasprprias coisas,

    (isso) por algum a quemno compete menosprezar.

    e;stw dh. ovrgh. o;rexij meta.lu,phj timwri,aj

    [fainome,nhj] dia. fainome,nhnovligwri,an eivj auvto.n h; tw/n auvtou/,

    tou/ ovligwrei/n mh. prosh,kontoj.(Ret. II 2,1; 1378a 31-33)

    Trata-se aqui de uma anlise fenomenolgica do motivoprincipal da recusa da participao na batalha por partede Aquiles: a mh/nij. Esta a primeira palavra da Ilada,

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    013como ovrgh, a primeira afeco investigada por

    Aristteles. Deste modo, o primeiro canto da Ilada temum tema principal: a ira. interessante observar quea ira de Aquiles, que inaugura o promio da Ilada,cronologicamente no est no incio. Temos primeiroa ira de Crises 4, depois a de Apolo 5, depois a deAgammnom (cf. Ilada I 24, 32 e 103-104 e osdiscursos diretos que seguem) e, finalmente, em quartolugar, encontramos a ira de Aquiles (cf. Ilada I 188sqq. e os discursos diretos que seguem). Mesmo que apalavra mh/nij aparea 12 vezes na Ilada mais do queem qualquer outra obra literria (na Odisseia esta surgeapenas 4 vezes) , isso relativamente pouco, secomparado com a palavra co,loj, que aparece 41 vezesna Ilada, ou seja, novamente mais do que em qualqueroutra obra literria. De fato, na Odisseia s acontece 6vezes. Alm disso, temos tambm o particpio cw,omenoj,que ocorre 26 vezes na Ilada, e apenas 5 vezes naOdisseia. Essas constataes mostram claramente aimportncia da ira na Ilada. J em seu primeiro canto

    4 Cf. implcito: ti,seian Danaoi. evma. da,krua soi/si be,lessin. (IladaI 42) [os Dnaos expiem as minhas lgrimas pelos seusprojcteis.] Explcito: cwo,menoj dV o` ge,rwn pa,lin w;|ceto (IladaI 380) [e o velho, encolerizado, por sua vez, foi embora].

    5 Cf. o] ga.r basilh/i colwqei.j [...] | ou[neka to.n Cru,shn hvti,masenavrhth/ra | VAtrei,dhj. (Ilada I 9-12) [esse foi encolerizado [sali-entado por R.G.] pelo rei [...] por causa do fato de que o filhode Atreu desonrou [salientado por R.G.] o sacerdote Crises.]cwo,menoj kh/r (Ilada I 44) [encolerizado no nimo] cwome,noio(Ilada I 46) [do encolerizado]. Quase uma reprise do promio,mas com Apolo no papel de encolerizado, no lugar de Aquiles(mh/nin VApo,llwnoj (Ilada I 75) [a ira de Apolo]).

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    as trs palavras investigadas aparecem mais vezes doque em toda a Odisseia. Ainda que observemostambm na Odisseia, tais palavras aparecem maisvezes do que na maioria das outras obras literrias. de impressionar que essas palavras no ocorram naobra total de Aristteles com exceo da palavra mh/nij, que aparece uma vez: na Retrica quandoAristteles cita como exemplo de um promio umaparte do primeiro verso da Ilada. (cf. Ret. III 14,6;1415a 15-16) Existe, porm, a palavra ovrgh, queaparece 40 vezes na Retrica; at mais do que na ticaNicomaquia, enquanto esta palavra ausente emHomero. Em Aristteles, deste modo, as palavrashomricas mh/nij e co,loj so substitudas em seu tratopelo termo ovrgh,.

    claro que a valorizao de algo ou algum(tanto na Antiguidade como no tempo moderno)nasce em parte da opinio que os outros tm; emparte, porm, isso um ato subjetivo. Observamosuma coisa ou pessoa sempre atravs de nossos olhos,mesmo que j usemos desde sempre culossocioculturais. (cf. WITTGENSTEIN, 1984, 103) Aira de Aquiles resulta de um tal processo scio-subjetivo. Agammnom inicia, afetado por sua prpriaira, um mecanismo dentro do qumo,j de Aquiles.Quando Agammnom ameaa tomar o ge,raj, Aquilesperde o autocontrole. As suas palavras nos mostramexatamente quilo que disse Aristteles a respeito dagnese da ira: percebe-se no seu qumo,j um menosprezopor algum a quem no compete menosprezar. (Ret.II 2,1; 1378a 33) Este algum Agammnom, isto ,

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    013o grande antagonista de Aquiles at o momento em

    que Heitor o substitui, provocando o qumo,j de Aquilesatravs da morte de Ptroclo. Aquiles apresenta clarosindcios que provam que Agammnom o ofendeu, umavez que Aquiles um homem a ele equiparado 6, ouat melhor do que o mesmo se considerarmos aavreth, e no o seu poder poltico. Por isso, orientadospela Retrica, segue-se que seja natural que Aquiles,caracterizado pelos outros e por ele mesmo como omelhor dos aqueus (cf. Ilada I 244), encolerize-se.Algumas provas podem ser aqui citadas:Aquiles profetiza a Agammnom:

    6 Aquiles diz a Ptroclo: avlla. to,dV aivno.n a;coj kradi,hn kai. qumo.ni`ka,nei, | o`ppo,te dh. to.n o`moi/on avnh.r evqe,lh|sin avme,rsai | kai. ge,raj a;yavfele,sqai, o[te kra,tei? probebh,kh|. (Ilada XVI 52-54) [Mas issoentra no corao e no qumo,j como aflio tremenda: quandoum homem quer roubar e tirar o dote de algum a eleequiparado, porque excede em poderio.].

    Realmente, um dia chegaro anseio por Aquiles aosfilhos dos aqueus,

    a todos juntos: e ento, demodo algum poders ajudar,estando aflito,

    enquanto muitos por causade Heitor, o assassino dehomens,

    h= potV VAcillh/oj poqh. i[xetaiui-aj VAcaiw/n

    su,mpantaj\ to,te dV ou; tidunh,seai avcnu,meno,j per

    craismei/n, eu=tV a;n polloi. ufV{Ektoroj avndrofo,noio

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    carem morrendo. E tuarranhars o qumo ,j pordentro,

    encolerizado que de modoalgum honraste o melhordos aqueus.7

    qnh,skontej pi,ptwsi\ su. dV

    e;ndoqi qumo.n avmu,xeij

    cwo,menoj o[tV a;riston VAcaiw/n ouvde.n e;tisaj. (Ilada I240-244)

    Vai surgindo no comportamento de Aquiles o queAristteles chama de

    h ` donh, tij [] dio,ti [oia;ndrej; R.G.]

    diatri,bousin evn tw/| timwrei/sqai th/| dianoi,a|: h ou=n to,te

    ginome,nh fantasi,a h`donh.ne vmpoiei / , w[sper h tw /nevnupni,wn. (Ret. II 2,2;1378b 7-9)

    um certo prazer [...] porque[os homens]

    esto com a mente naretaliao.

    A fantasia que surge l,realmente cria prazer, comoaquela dos sonhos.

    7 Carlos Alberto Nunes traduz: [...] h de chegar o momentoem que todos os nobres Aquivos ho de gritar por Aquiles, semvires, ento, nenhum modo de proteg-los, no tempo em queas mos desse Heitor homicida uns sobre os outros carem. Pordentro hs de, ento, remoer-te de desespero, por teres o Aqueumais ilustre injuriado..

    Como no sonho, Aquiles se observa como se estivessefora de si mesmo, afirmando que chegar o anseiopor Aquiles. Um pouco mais tarde, Aquiles revela uma

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    013viso mais avanada de sua vingana com a qual o

    poeta da Ilada antecipa dois teros da ao destepoema pico , pedindo assim, que a sua me Ttisimplore a Zeus:

    Uma demonstrao impressionante da erupoda ira de Aquiles pode ser vista nesta passagem:

    Posto que, ele talvez queiraauxiliar aos Troianos,

    para que possam empurraros Aqueus para as popas eem volta do mar,

    e assim sendo mortos, a fimde que todos sofram danospor causa do rei,

    e que tambm o Atrida, oamplo poderoso Agammnom,perceba

    a sua cegueira, ao desonraro melhor dos aqueus.

    ai; ke,n pwj evqe,lh|sin evpi.

    Trw,essin avrh/xai,

    tou.j de. kata. pru,mnaj te kai.avmfV a[la e;lsai VAcaiou.j

    kteinome,nouj, i[na pa,ntejevpau,rwntai basilh/oj,

    gnw/| de. kai. VAtrei,dhj euvru.krei,wn VAgame,mnwn

    h]n a;thn, o[tV a;riston VAcaiw/n ouvde.n e;tisen. (Ilada I 408-412)

    E o Pelida, com palavrasruinosas,

    falou mais uma vez aoAtrida, no destitudo da ira:

    Phlei , dhj d V e v xau / tijavtarthroi/j evpe,essin

    VAtrei,dhn prose,eipe, kai. ou;

    pw lh/ge co,loio\

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    Bbado, que tem os olhosde um co 8 e o corao deum cervo,

    nunca arriscaste no teuqumo,j por armar-te juntocom o povo

    nem ir para a cilada com osmelhores dos aqueus:

    e isso a ti parece serpernicioso.

    Certamente muito maislucrativo tomar as prendas

    ao largo do acampamentodos aqueus daquele que falacontra ti.

    vido rei, uma vez quereges indignos.

    oivnobare,j, kuno.j o;mmatVe;cwn, kradi,hn dV evla,foio,

    ou;te potV evj po,lemon a[ma law/

    | qwrhcqh/nai

    ou;te lo,condV i ve ,nai su.navristh,essin VAcaiw/n

    te,tlhkaj qumw/|\ to. de, toi kh.rei;detai ei=nai.

    h= polu. lw,io,n evsti kata.strato.n euvru.n VAcaiw/n

    dw/rV avpoairei/sqai, o[j tijse,qen avnti,on ei;ph|.

    dhmobo,roj basileu,j, evpei.ou vtidanoi /sin avna ,sseij(Ilada I 223-231).

    8 O co visto por Aquiles como um animal que no tem aousadia de enfrentar uma pessoa, talvez porque a tenhaenganado, fingindo ser leal (cf. Ilada IX 372-373).

    A CAUSA DA IRA: O SEQUESTRO DO ge,rajge,rajge,rajge,rajge,raj

    Como vimos, a ira tem um papel fundamentalno caminhar das aes na Ilada, sobretudo em seuprimeiro canto. Isso se torna ainda mais claro quandorefletimos sobre a remota hiptese de se, porventura,apenas um dos quatro personagens, que, neste canto,so tomados pela ira, no tivessem, de fato, se

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    013encolerizado, ou em situaes como: se Crises no

    tivesse se afligido pela intransigncia de Agammnom,ou se Apolo no tivesse atendido orao de Crises,ou se Agammnom no perdesse o seu ge,raj, ou Aquilesno tivesse sofrido o sequestro de seu ge,raj. Se umdesses casos tivesse ocorrido, a narrativa da Ilada teriase desenvolvido de uma maneira muito diferente, postoque faltaria a ela o momento central da trama: a ira deAquiles e as suas consequncias. Com relao sconsequncias, quero dizer aqui a razo que motivouesta ira, seja com referncia Agammnom, seja noque diz respeito Aquiles. Vemos, assim, que, por umlado, a ira aquilo que encaminha s aes da Ilada,enquanto que, por outro lado, o ge,raj, a sua perdaou o seu sequestro. Sem a praxe social de se receberge,rea, e do valor material ou simblico a eles associado,a ningum se poderia atribuir o estado de clera ouira. No entender de Aristteles, os prmios ou bens,no somente aqueles relativos ao hspede, mas tambmos ge,rea na Ilada, precisam ter um certo valor emostram o quanto algum digno de honra (Ret. I5,9; 1361a 27-38), porque os prmios (presentes) soddiva da propriedade e sinal de honra 9, e isso umafuno universal deles 10.

    Concernente sua ligao emocional, agorapodemos julgar o que significou para Aquiles (para

    9 ga.r to. dw/ro,n evsti kth,matoj do,sij kai. timh/j shmei/on (Ret. I 5,9;1361a 37-38).

    10 dw/ra ta. parV e`ka,stoij [tw/n barba,rwn kai. tw/n ~Ellh,nwn; R.G.]ti,mia. (Ret. I 5,9; 1361a 37) [prmios que so honrados/prezados/valorados por/para cada um [dos brbaros e dosHelnicos]].

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    quem a honra e a fama so as coisas mais importantes),que Agamemnon tirou o seu ge ,raj principal.11

    Agammnom, ao contrrio, parece enfatizar mais ovalor material do seu ge,raj em detrimento do valorsimblico ou emocional, quando confronta Aquiles coma importncia de se perder Criseida e a pretenso deuma recompensa digna para si prprio:

    11 Cf. Ilada I 161-162, I 348-349, I 429-430, IX 335-344; contra sI 298.

    Mas, no entanto, se osmagnnimos aqueus mederem um prmio (em trocadaquele j perdido),

    e elevassem o qumo,j, a fim deque seja do mesmo valor

    e se no me derem, eumesmo o tomarei.

    Iria buscar e tomaria o seuprmio ou o de jax ou ode Ulisses:

    e que se encolerize aquelea quem eu alcance.

    avllV eiv me.n dw,sousi ge,rajmega,qumoi VAcaioi

    .a;rantej kata. qumo,n, o[pwjavnta,xion e;stai\

    eiv de, ke mh. dw,wsin, evgw. de,ken auvto.j e[lwmai

    h; teo.n h; Ai;antoj ivw.n ge,raj,h; VOdush/oj

    a ; xw e lw ,n \ o ] de , kenkecolw,setai o[n ken i[kwmai.(Ilada I 135-139)

    Vemos que Agammnom tem um carter diferente, se ocompararmos com o de Aquiles, uma vez que ele maisracional ao reagir e disso resulta uma atitude frente sua ira, a qual o permite se satisfazer tambm com algumaoutra coisa, em troco daquela j perdida. EnquantoAquiles no deixa a opo inicial e quer, exclusivamente,

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    013o ge,raj roubado (Briseis), Agammnom aceitaria como

    recompensa tambm outros prmios ou bens (cf. Ilada I118-120). O nico problema que, neste momento, noexistem outros prmios a serem dados a Agammnom,como Aquiles manifesta numa de suas respostas:

    12 Coloco pou em vez do pw, posto que preferido por van Thiel.

    Mais glorioso Atrida, maisvido de todos,em qual modo, a saber, osmagnnimos aqueus te daroum ge,raj?

    No sabemos que aindaexistem bens comuns, algo emalgum lugar:

    mas sim, o que saqueamos dascidades, (j) est dividido,E no justo que os povosjuntem os bens recolhidos.Mas tu, agora, entregue essa(Criseida) ao deus, que depoisns aqueuste retribuiremos em triplo eem qudruplo, se um dia Zeusconceda a destruir a cidade deTroia, de muros fortes.

    VAtrei,dh ku,diste,

    filokteanw,tate pa,ntwn,

    pw/j ga,r toi dw,sousi ge,rajmega,qumoi VAcaioi,*

    ouvde, ti, pou 12 i;dmen xunh,iakei,mena polla,\

    a v lla . ta . me .n poli ,wnevxepra,qomen, ta. de,dastai,

    laou . j d V ou vk e vpe , oikepali,lloga tau/tV evpagei,rein.

    avlla. su. me.n nu/n th,nde qew/|pro,ej\ auvta.r VAcaioi.

    triplh / | tetraplh / | t Vavpoti,somen, ai; ke, poqi Zeu.j

    dw/|si po,lin Troi,hn euvtei,ceonevxalapa,xai. (Ilada I 122-129)

    Porm Agammnom em sua ira, no quer esperarat receber por muitos mais prmios ou bens,especialmente depois do arruinamento da cidade deTria.

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    Nessa mesma disputa com Agammnom, Aquilesinforma sobre a praxe da distribuio de um ge,raj. Mostra-se ali o nascimento e a razo da ira de Aquiles. De fato,ele est fazendo de tudo para recompensar a honra deMenelau, e, ademais, para enaltecer a honra deAgammnom. So esses os motivos para a participaode Aquiles na guerra13, como muito provavelmentetambm para a atuao dos demais chefes de cada umdos povos aqueus 14. Ainda que Aquiles no ganhe tantosge,rea, quantos os a serem obtidos por Agammnom, este,mesmo assim, tem ainda o atrevimento de ameaar tiraro ge,raj preferido de Aquiles.

    13 A causa da guerra se deve ao fato de Agammnom ter lideradoos aqueus contra os troianos por causa de Helena (cf. Ilada IX338-339).

    14 No verso 158, penso que a primeira pessoa do plural no serefere (apenas) aos mirmides, mas sim a todos os Aqueus.

    [...] soi,, w= me,gV avnaide,j, a[mVespo,meqV o;fra su. cai,rh|j,

    timh.n avrnu,menoi Menela,w|soi, te, kunw/pa,

    pro.j Trw,wn. tw/n ou; timetatre,ph| ouvdV avlegi,zeij\

    kai . dh, moi ge ,raj auvto .javfairh,sesqai avpeilei/j,

    w-| e;pi po,llV evmo,ghsa, do,san

    de, moi ui-ej VAcaiw/n.

    [...] a ti, grande atrevido,seguimos (juntos), a fim deque tu fiques satisfeito,para adquirir honra a Menelau ea ti (com os teus olhos de um co)

    contra os troianos. Porm,no te cuidas dessas coisas eno as consideras.

    E, realmente, ameaas-memesmo de retirar o ge,raj,

    pelo qual me esforcei muitoe que me foi concedido pelosfilhos dos aqueus.

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    ouv me.n soi, pote i=son e;cw

    ge,raj, oppo,tV VAcaioi.

    Trw ,wn e vkpe ,rswsV eu =

    naio,menon ptoli,eqron\

    a vlla . to . me .n plei / on

    polua,ikoj pole,moio

    cei/rej evmai. die,pousV, avta.r h;npote dasmo.j i[khtai,

    soi. to. ge,raj polu. mei/zon, evgw.dV ovli,gon te fi,lon te

    e;rcomV e;cwn evpi. nh/aj, evph.nkeka,mw polemi,zwn.

    nu/n dV ei=mi Fqi,hndV, evpei. h=polu. fe,rtero,n evstin

    oi ;kadV i ;men su .n nhusi .korwni,sin, ouvde, sV ovi,w

    evnqa,dV a;timoj evw.n a;fenoj kai.

    plou/ton avfu,xein. (Ilada I 158-171)

    Nunca obtenho um ge,raj igualao teu, toda vez que os aqueus

    saqueiam uma cidade dostroianos com muitosmoradores.

    Porm, a maior parte daguerra trabalhosaresolve-se pelas minhasmos; mas quando, depois,chega a distribuio,

    o ge,raj muito maior o seu,no entanto, eu com ummenor, mas (mesmo assimcom um) desejado

    volto para os barcos,quando (j) estou cansadodevido ao combate.

    Mas agora vou para Ftia,porque realmente muitomelhorir para casa nos navioscurvados. E,

    sendo aqui desonrado, nopenso em aglomerar possese riquezas para ti.

    Por outro lado, Agammnom, ao enfrentarAquiles, no quer reconhecer que aquele tenha amesma, ou at mesmo uma superior avreth,, e se defendecontra as repreenses. Aquiles, na sua ira, conseguiuexatamente aquilo que no queria: Agammnom est

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    com tanta raiva, e quer estabelecer um exemploretirando Briseis:

    [...] e levo Briseis, debelas faces,

    o teu ge,raj, eu mesmo vou tenda, a fim de quesaibas bem,

    o quanto eu sou melhordo que tu, e, tambm,para que os outrostenham medo de

    se reputarem igual a mime de se equipararemdiante de mim.

    [...] evgw. de, kV a;gw Brishi,dakallipa,rhon

    auvto.j ivw.n klisi,hnde, to. so.n

    ge,raj, o;frV eu= eivdh/|j,

    o[sson fe,rtero,j eivmi se,qen,stuge,h| de. kai. a;lloj

    i =son e vmoi . fa ,sqai kai .o moiwqh ,menai a ;nthn .(Ilada I 184-187)

    Assim, com a afirmao (insuspeita) de seudesinteresse por Aquiles e pela ira dele15, Agammnomencaminha as aes ulteriores que ocorrero na Ilada;fatais para os aqueus at o regresso de Aquiles nabatalha. Vemos aqui, mais uma vez, que Aquiles sesente menosprezado por Agammnom, por algum aquem no compete menosprezar (Ret. II 2,1; 1378a33) segundo a lgica thymotica de Aquiles. Aquiles,no nono canto, ainda irado, no decorrer de suamensagem, enfatiza a relativa inrcia combativa e afalta de avreth, de Agammnom e alude, para tanto, sua convico thymotica, que supera a de

    15 se,qen dV evgw. ouvk avlegi,zw, | ouvdV o;qomai kote,ontoj. (Ilada I 180-181) [No me interesso por ti e no respeito quem estencolerizado.].

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    013Agammnom.16 Aquiles confirma ainda estar

    encolerizado, no apenas devido ao comportamentode Agammnom, mas tambm pelo agir passivo dosoutros Aqueus. (cf. Ilada I 231-232, I 240-241 e IX316-317).

    A IRA NA RETRICA

    fascinante ver como Aristteles postula que atodas as iras segue algum prazer, que resulta daesperana de vingar-se 17, justamente porque esse ocaso concernente aos desejos de vingana de Aquiles,apresentados na Ilada homrica. No entanto, tais desejosno so uma caracterstica geral da ira, posto que muitasvezes estamos encolerizados sem termos nenhum prazerou desejo de vingana. Diante dessa constatao, aquipoderia ser afirmado que, na concepo de Aristteles,as imagens homricas das qualidades da ira de Aquilesestariam predominando no momento em que eleformula essas passagens da Retrica. A primeira citaodo segundo livro, que ao mesmo tempo a primeira docaptulo sobre a ira, vem precisamente da Ilada:

    16 Cf. Ilada IX 325-333 e IX 344, onde este afirma inclusive queAgammnom o teria iludido, porque lhe teria tiradoviolentamente o ge,raj, o qual teria sido conferido antes aAquiles, devido aos prprios mritos deste (cf. Ilada IX 367-371).

    17 pa,sh| ovrgh/ | e[pesqai, tina h`donh,n, th.n avpo. th/j evlpi,doj tou/timwrh,sasqai (Ret. II 2,2; 1378b 1-2).

    kalw/j ei;rhtai peri. qumou/:o[j te polu.

    Diz-se justo sobre o qumo,j:que, muito

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    gluki,wn me,litoj

    kataleibome,noio avndrw/n evn

    sth,qessin

    ave ,xetai (Ret. II 2,2;1378b 5-7).

    mais doce do que meldeslizante,

    se expande nos peitos doshomens.

    No parece impossvel dizer, em nosso entender,que as afirmaes, a respeito das quais o leitor ingnuotem a sensao de que Aristteles apresente resultadosde uma investigao, isso mais expressamente napassagem II 2,2 da Retrica sejam, acima de tudo, umainterpretao destes mesmos versos homricos18. interessante que Aristteles introduz a citao dizendoque se trata de uma caracterizao do qumo,j, enquantoa nossa Ilada homrica fala de co,loj. Ao que parece,para Aristteles, o qumo,j tambm pode significar a ira,e, alm disso, pode ser que ele igualmente tenhaescolhido qumo,j como traduo da palavra co,loj, palavraesta que j no era mais comum em Atenas do sculoquarto a.C. 19. De resto, Aquiles que usa da alegoriapotica, citada no dilogo com a sua me, quandocaracteriza a sua ira contra Agammnom. De fato,usando a primeira pessoa do plural, ele continua a falar,como se Agammnom estivesse presente e como se eleconcordasse (com Agammnom ou com si mesmo) emapaziguar a ira, neste caso, a disputa que ocorre entreele e Agammnom. Vejamos:

    18 Cf. que correspondem palavra por palavra Ilada XVIII 109-110.19 Demstenes faz uso da palavra uma vez, quando cita Slon

    (ver orao 19,255).

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    Por termos aqui a palavra qumo,j poucos versos antes,i.e., no verso XVIII 108 onde fica a palavra co,loj,podemos supor que na verso da Ilada, usada porAristteles, no denominado verso XVIII 108 seencontraria a palavra qumo,j. Quanto ao conceito e mtrica, neste caso, nada se alteraria.

    Aristteles informa que so trs as formas demenosprezo: desdm, rancor e atrevimento 20. Aoexplicar o atrevimento, revela qual o tipo demenosprezo que pertenceu a Agammnom ao agirfrente a Aquiles:

    20 tri,a evsti.n ei;dh ovligwri,aj, katafro,nhsi,j te kai. evphreasmo.j kai.u[brij (Ret. II 2,3; 1378b 13-15).

    E desonra pertence aoatrevimento, e quem

    desonra despreza, visto queaquilo que para ningum valioso no tem nenhuma

    honra, nem para um homembom nem para um mal. Porisso, diz o encolerizado

    u[brewj de. avtimi,a, o

    dV avtima,zwn ovligwrei/: to. ga.r

    mhdeno.j a;xion ouvdemi,an e;cei

    timh,n, ou;te avgaqou/ ou;te kakou/:

    dio. le,gei ovrgizo,menoj o

    Mas deixemos (de lado) osacontecimentos, no obstanteestamos irados,

    e dominemos, por sernecessrio, o prprio qumo,jdentro do peito.

    avlla. ta. me.n protetu,cqai

    eva,somen avcnu,menoi, per,

    qumo.n evni. sth,qessi fi,lon

    dama,santej avna,gkh| (Ilada

    XVIII 112-113).

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    Aquiles: Desonrou-me,visto que ele mesmo tomoue tem o meu ge,raj

    e como se eu fosse qualquerdesterrado sem honra.

    VAcilleu.j hvti,mhsen: e`lw.n

    ga .r e ;cei ge ,raj au vto .j

    (Ilada I 356)

    kai. w`j ei; tinV avti,mhton

    metana,sthn (Ilada IX 648e XVI 59). (Ret. II 2,6;1378b 29-33)

    Quem provocou a desonra foi Agammnom e odesonrado aqui foi Aquiles. Detalhes que Aristtelesno precisaria ter indicado, pois todo o seu pblico jsabia. Como podemos ver, Aristteles cita todo o versoI 356 da Ilada, mas acaba antes da ltima palavra,que seria avpou,raj, e que terminaria o discurso deAquiles, sem criar dificuldades ao relacionarmos opronome pessoal auvto,j. Supondo que a Retricaconsistiria em apontamentos recolhidos por um ou maisalunos, poderamos aqui imaginar que Aristteles, emsua preleo, teria feito neste momento um gesto demo, a fim de que a citao continuasse, mas a mesmano precisaria ser seguida, pois todos os alunos jconheciam o seu prosseguimento.

    Imediatamente aps a citao, Aristtelesexplica dois versos da Ilada, que talvez tenham setornado provrbios entre os Helnicos desta poca:versos que no seriam facilmente compreensveis, se opblico no os conhecesse bem atravs a Ilada.Aristteles esclarece esses versos homricos, ao explicarneste momento as prprias exposies concernentesao termo dentro da Retrica, que, de todo modo, pareceser inseparvel Ilada: a ira. No entender de

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    013Aristteles, os versos qumo.j de. me,gaj evsti. diotrefe,wn

    basilh,wn (Ilada II 196 [e grande o qumo.j dos reiscriados por Zeus]) e avlla, te kai. meto,pisqen e;cei ko,ton[mas abriga animosidade at mais tarde] (Ret. II 2,7;1379a 4-5) ilustrariam a situao em que o regente seencoleriza pelo subordinado, que no o obedeceu oumesmo agiu contra ele, porque aquele cr ser digno degrande estima, fato pelo qual o mesmo no admitenenhuma m reflexo contra ele. Alm disso, a segundacitao nos mostra que o regente estaria encolerizadoat o momento no qual penaliza o seu subordinadopela desonra, ou mais propriamente por suadesobedincia. Tudo isso se deve ao motivofundamental de que os regentes ficam indignados porcausa da superioridade 21 que possuem, isso no casoespecfico de Agammnom contra os hesitantes aqueus,contra Calcas e tambm contra os homens virtuosos,particularmente contra Aquiles.

    A IDADE DOS HERIS

    Neste artigo foi analisado somente umapequena, porm significativa, parte da Retrica, masj no h mais espao para continuarmos com a anlise,ainda que de minha leitura da Retrica resultassemoutras numerosas passagens onde Aristteles usa aIlada e, particularmente, Aquiles para exemplificar ouapoiar as suas (hip)teses e teorias. Antes de partirpara a concluso deste texto, gostaria ainda de fazeralguns comentrios sobre a idade dos heris da Iladana percepo de filsofos como Aristteles e Plato.

    21 avganaktou/si ga.r dia. th.n u`peroch,n (Ret. II 2,7; 1378b 6).

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    Nos captulos 12 at 14 do segundo livro daRetrica, Aristteles trata sobre as idades caractersticasa certos comportamentos. Se seguirmos as exposies aliencontradas, podemos observar que Plato, no Simpsio,tinha razo quando deduziu que Aquiles era jovem, aindamais jovem do que Ptroclo. Temos, ainda, a fala de Fenix que no foi um simples pedagogo, mas tambm ensinouretrica a Aquiles , isso no novo canto, que prova queAquiles ainda era um rapaz quando Agammnom, porsua vez, muito mais velho do que Aquiles, recrutou osaqueus para viajarem at Troia (cf. Ilada 438-443).Ademais, temos tambm outras importantes indicaes:Enquanto Agammnom, como supramencionado, pensamais em recompensas materiais, o equilbrio emocionalde Aquiles pode ser restabelecido somente atravs dadevoluo do objeto por ele fixado, em seu caso Briseis,reao comportamental semelhante a de crianas, s que,no caso de Aquiles, tudo isso no uma mera teimosiainfantil, posto que est diretamente ligada sua ideia dehonra. 22

    Quando Aristteles discursa sobre as idades queso, juventude, florescncia e velhice 23, justamenteAquiles parece ser o modelo ideal dos jovens.

    22 Quanto honra, a mesma era essencial na sociedade arcaica, elase mostra at no comportamento dos deuses, que tambm somotivados pela mesma e que sabem bem que ela de fundamentalimportncia para os homens (cf. Ilada I 503-510 e 516). O desejode honra to compreensvel para os deuses, que Aquilespermaneceria constantemente prezado pelos mesmos, isso apesardo seu comportamento incorreto no canto IX e mesmo depois.

    23 h`liki,ai de, eivsi neo,thj kai. avkmh. kai. gh/raj. (Ret. II 12,2; 1388b36-1389a 1).

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    013

    So impulsivos, arrebatados e

    levam-se a obedecer ira.E so mais fracos do que oqumo,j. Pois, por causa

    do amor pela honra nosuportam ser desonrados,mas indignam-se quando

    acham que so tratados deforma injusta. | E adoram ahonra, por um lado, mas

    adoram ainda mais o triunfo(porque a juventude aspira superioridade, e o triunforepresenta

    uma certa superioridade), eamam esses dois mais doque as posses.

    kai. qumikoi. kai. ovxu,qumoi kai.

    oi-oi

    avkolouqei/n th/| ovrgh/|. kai.

    h[ttouj eivsi. tou/ qumou/: dia.

    ga.r

    filotimi,an ouvk avne,contaio vligwrou ,menoi , a vll Vavganaktou/sin a;n

    oi;wntai avdikei/sqai. | kai.filo,timoi me,n eivsin, ma/llonde.

    filo,nikoi (uperoch/j ga.revpiqumei/ h neo,thj, h de. ni,kh

    uperoch, tij), kai. a;mfw tau/ta ma/llon h; filocrh,matoi(Ret. II 12,5-6; 1389a 9-14).

    Do mesmo modo, na Ilada, Diomedes apontapara o modo de ser de Aquiles e salienta exatamente oque disse Aristteles (ou, de fato, a fim de melhor seexpressar, foi Aristteles que acolheu o que disseDiomedes) sobre os jovens: que o qumo.j que os dominae no so eles que decidem, por meio da razo(fro,nhsij), a obedecer ao qumo.j, ou no.

    Mais glorioso Atrida, soberanodos homens Agammnom!

    VAtrei,dh ku,diste, a;naxavndrw/n VAga,memnon\

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    No deverias suplicar aoinsigne filho de Peleu,

    oferecendo prmios semconta. Se aquele j impertinente em setratando de outros casos,

    agora, mais uma vez, oimpeliste ainda mais para oatrevimento.

    mh . o ;felej li ,ssesqai

    avmu,mona Phlei,wna,

    muri,a dw/ra didou,j\ o] dV

    avgh,nwr evsti. kai. a;llwj,

    nu/n au= min polu. ma/llona vghnori ,h | sin e v nh /kaj .(Ilada IX 697-700)

    No nono canto se evidencia que Aquiles projetousua ira at mesmo quando Agammnom teria padecidodos seus erros (cf. Ilada IX 385-387): isso pelaignomnia que causa dor no qumo.j. 24 Neste ponto daepopeia (cf. Ilada IX 335-345 e 367-379) Aquilesreclama somente pelo fato e pela maneira com a qualAgammnom teria lhe tirado o seu ge,raj e j no seinteressa muito mais em Briseis, a qual Agammnom joferecera em restituio juntamente com outrospresentes (cf. Ilada IX 131-133). Vemos agora que setrata apenas do desapontamento e da raiva de Aquiles,por causa da violao da honra feita por Agammnom eno mais do ge,raj propriamente dito. No pensamento deAquiles, o ge,raj aqui apenas um smbolo para a honra,que lhe foi privada ou molestada irrevogavelmente, semque houvesse uma compensao 25, seja atravs da

    24 qumalge,a lw,bhn. (Ilada IX 387).25 Aquiles: ouvdV ei; moi to,sa doi,h o[sa ya,maqo,j te ko,nij te, | ouvde, ken w]j e;tiqumo.n evmo.n pei,sei VAgame,mnwn (Ilida IX 385-386) [nem se medesse tantos presentes como areia e p, Agammnom conseguiriaconvencer o meu qumo,j].

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    013restituio do ge,raj retirado, seja atravs de outros

    presentes concedidos por quem o desonrou. Na suadeclarao final, diante de jax, Aquiles explica o seuestado de nimo e o seu procedimento subsequente:

    [...] a mim a ira insurge ocorao sempre quando

    me lembro dessas coisas,como me fez um indignoentre os argivos

    o Atrida, como se fossequalquer desterrado semhonra.

    Mas vs vades embora eanunciai o recado:

    A saber, que no voltareipara a guerra sanguinolenta

    antes que o filho do combativoPramo, o divino Heitor,

    chegue s barracas e aosbarcos dos mirmides,

    assassinando os argivos, equeime com fogo as barcas.

    Mas perto de minha barracae da nave preta, porm,

    Heitor, mesmo ansioso,desistir do combate, creioeu.

    [...] moi oivda,netai kradi,hco,lw| oppo,tV evkei,nwn

    mnh,somai, w[j mV avsu,fhlonevn VArgei,oisin e;rexen

    VAtei,dhj, wj ei; tinV avti,mhtonmetana,sthn.

    avllV umei/j e;rcesqe kai.avggeli,hn avpo,fasqe\

    ou v ga .r pri .n pole ,moiomedh,somai aimato,entoj,

    pri,n gV uio .n Pria,moiodai

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    Em contraposio a Aquiles, vemos, no mesmocanto, Agammnom emocionalmente purificado. Esteao ser confrontado com uma anlise apropriada deNestor (cf. Ilada IX 106-111), reconhece a retidodesta observao e confessa o seu erro:

    velho, de modo algumfalsamente enunciaste aminha loucura:

    Fui induzido em erro, eumesmo no o nego.

    w= ge,ron, ou; ti yeu/doj evma.ja;taj kate,lexaj\

    avasa,mhn, ouvdV auvto.j avnai,nomai.(Ilada IX 115-116)

    Enfim, Agammnom mostra-se poltico, ao modo de umhomem em sua florescncia. Sabe ser moderado (cf.Ret. II 14,3; 1390b 2-4) e sabe parar de insistir noserros, algo que Aquiles, em sua juventude, no capaz.Mais alm, interessante notar, que jax e Ulisses, quetambm foram ameaados por Agammnom de perdero seu ge,raj (cf. Ilada I 138-139), no se enfadaram, domodo como fez Aquiles. Observando a teoria deAristteles, fica claro, que tambm essas duaspersonagens devem estar na meia idade 26, a qual secaracteriza por possuir, como um dos traos principais,a swfrosu,nh (cf. Ret. II 14,3; 1390b 4-5).

    CONCLUSO

    Considerando as citaes formuladas na Retricaque dizem respeito s personagens heroicas da Iladae, sobretudo, as numerosas citaes referentes a Aquiles

    26 Cf. Ilada XXIII 790, a qual confirma que Ulisses, j na Ilada, mais velho do que os outros heris.

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    013fica, contudo, aberta a questo sobre o fato de Aquiles

    ser apenas um mero exemplo ilustrativo, ou, de formamais complexa, ser ento um modelo teoretizado(objeto de teoria) ou at teoretificado (que serve defundamento para teorias): neste ltimo caso, Aquilesteria um mpeto metaterico e seria objeto para aformao de teorias. Em virtude das passagensencontradas na Retrica com influncia homrica entreas quais algumas poucas puderam neste artigo sermencionadas e tambm da maneira com que as citaesexplcitas e implcitas foram utilizadas naquele texto,podemos concluir que a Retrica surgiu, em grandemedida, em razo de uma abordagem refletida sobrea Ilada e atravs de uma discusso intelectual sobre amesma. Se essas observaes estiverem corretas, aIlada exerceu influncia na histria da retrica. Oescritor da Ilada no foi um filsofo. Todavia osfilsofos modernos devem descobrir e estudar a Ilada,a fim de compreender os filsofos antigos de maneiraadequada. Isso, porque estes construram as suasteorias, muitas vezes, inspirados atravs da poesia e,sobretudo, atravs das epopeias homricas. Nodevemos esquecer que a separao moderna entrepoesia e prosa no existia no tempo dos grandesfilsofos clssicos, como Plato e Aristteles.

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    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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    ______ . Der Staat der Athener. Martin Dreher (trad.).Stuttgart: Reclam, 1993.

    ______ . Metaphysik: Erster Halbband (Bcher I-VI).Griechisch/Deutsch. Hermann Bonitz (trad.).Hamburg: Meiner, 1989. [cit. Met.].

    VAN THIEL, Helmut (ed.). Homeri Ilias. Segundaedio. Hildesheim, Zrich, New York: Olms, 2010.[cit. Ilada].

    WITTGENSTEIN, Ludwig. PhilosophischeUntersuchungen em: Werkausgabe Band 1. stw 501.Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1984.

    ZIMMERMANN, Bernhard (ed.). Handbuch dergriechischen Literatur der Antike: Erster Band: DieLiteratur der archaischen und klassischen Zeit.Mnchen: Beck, s.a.