Síndromes talassêmicas: epidemiologia e...

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Sandra Regina Loggetto Mestre em Pediatria, área de Hematologia Pediátrica Síndromes talassêmicas: epidemiologia e diagnóstico

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Sandra Regina Loggetto

Mestre em Pediatria, área de Hematologia Pediátrica

Síndromes talassêmicas:

epidemiologia e diagnóstico

O que são talassemias?

Grego: Thalassa (mar) + Haema (sangue) = Talassemia

200 deleções ou pontos de mutação

que diminuem a produção das cadeias

de globina

Herança autossômica recessiva

Clínica: assintomático a óbito neonatal

Giardina P, Forget B. Thalassemia syndromes.

In: Hoffman. Hematology: Basic Principles and

Practice (5th ed). Philadelphia, PA: Churchill

Livingstone; 2008:535-563.

Fenótipos

Alfa-Talassemia Harteveld and Higgs Orphanet Journal of Rare Diseases 2010, 5:13

http://www.ojrd.com/content/5/1/13

Alfa-Talassemia

Fenótipo Genes alfa

deletados

% Hb Bart

no RN (γ4)

Quadro clínico

Portador silencioso 1 1-2 Assintomático

Traço alfa-talassemia 2 3-10

Anemia hipocrômica e microcítica

leve a moderada

Doença da Hb H 3 25

Anemia hemolítica moderada a

grave

Esplenomegalia

Hiperesplenismo

Icterícia

Retardo crescimento

Úlceras mmii

Litíase biliar

Sobrecarga de ferro

Hidropsia fetal 4 80-100

Anemia grave, edema, ICC

Óbito intra útero ou logo após o

nascimento

Steinberg MH. Hematol Oncol Clin North Am. 1991;5:453-73

Alfa-Talassemia

Fenótipo Genes alfa deletados

(genótipo)

Quadro clínico

Síndrome ATR16

(síndrome α-talassemia/

retardo mental)1,2

Deleções muito grandes do

cromossomo 16, envolvendo o gene

da alfa globina e genes a sua volta

Atraso mental

Síndrome ATR-X

(síndrome do retardo

mental ligada ao X

associada a

α-talassemia)1,3-6

Mutações no gene ATR do

cromossomo X

Atraso mental mais

grave

Síndrome ATMDS1,7 Mutação adquirida no gene ATRX Homens idosos com

SMD

RARAS

1. Higgs. Disorders of Hemoglobin. 2009.; 2. Wilkie. Am J Hum Genet 1990, 46:1112-1126.

3. Gibbons R. Orphanet J Rare Dis 2006, 1:15.; 4. Gibbons. Cell 1995, 80:837-845.

5. Wilkie. Am J Hum Genet 1990, 46:1127-1140.. 6. Wilkie. J Med Genet 1991, 28:738-741.

7. Gibbons. Nat Genet 2003, 34:446-449

Fenótipo Genótipo Quadro clínico sem

transfusão

Achados laboratoriais

Talassemia

minor

Mutação de 1 gene

beta

Assintomático Leve anemia hipocrômica e

microcítica

Hb A2 > 4%

HbA1 presente

Talassemia

intermédia

Mutação de 2

genes beta:

-Composto

heterozigoto β°/ β+

- Homozigoto β+/ β+

- Associada a alfa-

talassemia

Variável:

de minor a major

(> 2 anos)

Anemia hipocrômica e

microcítica leve a moderada

Hb F > 10-50% (até100)

Hb A2 > 4 %

Talassemia

major

Mutação de 2

genes beta - Homozigoto β°/ β°

- Composto

heterozigoto β°/ β+

Anemia grave

Palidez, icterícia

Letargia

Crescimento inadequado

Deformidades ósseas na

face

Fraturas patológicas

Hepatoesplenomegalia

Anemia hipocrômica e

microcítica grave

Hb F > 50%

Hb A2 < 4 %

Beta-talassemia

Galanello and Origa Orphanet Journal of Rare Diseases 2010, 5:11; http://www.ojrd.com/content/5/1/11

Fenótipo Genótipo Quadro clínico

Beta-talassemia

com outras Hb

anômalas

HbC/Beta-talassemia

Assintomático ou

Anemia e esplenomegalia

HbE/Beta-talassemia Leve: 15% casos, assintomática

Moderadamente grave: >ria dos

casos, talassemia intermédia

Grave: talassemia major

HbS/Beta-talassemia Clínica de anemia falciforme

PHHF e beta-

talassemia

Normal a talassemia intermédia

Formas

autossômicas

dominantes

Heterozigoto para beta dominante Fenótipo de talassemia em

pacientes heterozigotos

Hb instaveis que se precipitam e

causam hematopoiese ineficaz

Beta-talassemia

com outras

manifestações

Beta-talassemia-tricotiodistrofia

Talassemia com trombocitopenia

ligada ao X

Beta-talassemia

Galanello and Origa Orphanet Journal of Rare Diseases 2010, 5:11

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Epidemiologia

A distribuição mundial das hemoglobinopatias se sobrepõe a distribuição geográfica da

malária. A prevalência aumentou em outras regiões devido ao fluxo migratório, escravos,

comércio e colonização

Harteveld and Higgs Orphanet Journal of Rare Diseases 2010, 5:13

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Epidemiologia da talassemia Hemoglobinopatias e Malária no Velho Mundo

Epidemiologia da talassemia Frequência de portadores do gene (%)

2 – 60 0 0 – 13 Pacífico Ocidental

10 – 50 0 0 – 12 África Sub-

saariana

3 – 40 1 – 30 0 – 11 Sudeste da Ásia

0 – 12 1 – 2 0 – 19 Europa

1 – 60 0 – 2 2 – 18 Mediterrâneo

Oriental

0 – 40 0 – 5 0 – 3 Américas

0-Talassemia -Talassemia Região

Weatherall D et al. Inherited Disorders of Hemoglobin’ 2006.

Disease Control Priorities in Developing Countries (2nd Edition).

http://www.dcp2.org/pubs/DCP

+-Talassemia

Local n

População estudada Talassemia alfa

heterozigótica

Campinas1 339 Adultos sem anemia,

com hipocromia e

microcitose

49,9%

Goiás2 404 Adultos alunos de

universidade

5,2%

Salvador3 451 Crianças com doença

falciforme

23%

Minas Gerais4 221 Crianças com doença

falciforme

29,3%

Epidemiologia da alfa-talassemia no Brasil Frequência de portadores do gene (%)

1.Borges. J Med Biol Res. 2001 Jun;34(6):759-62.

2. Melo-Reis. J Bras Patol Med Lab. 2006;42(6):425-430

3. Fonseca. 2009

4. Belisário. Hemoglobin. 2010;34(6):516-29.

Epidemiologia da beta-talassemia Prevalência do gene

Países do Mediterrâneo, Oriente Médio, Ásia

Central, Índia, Sul da China, Extremo Oriente,

Norte da África, América do Sul

Frequência do gene 1,5% da população do mundo

= 80-90 milhões de pessoas

Doentes 60.000 nascimentos/ano

Maioria nos países em desenvolvimento

Incidência anual de

doentes

1 / 100.000 pessoas no mundo

1 / 10.000 pessoas na Europa

TIF (Thalassemia

International Federation)

Apenas 200.000 pacientes com talassemia major

recebem tratamento regular

Flint J. Bailliere's Clinical Hematology 1998, 11:1-50

Vichinsky EP. Ann N Y Acad Sci 2005, 1054:18-24.

Thalassemia International Federation. 2008 [http://www.thalassemia.org.cy]

Local Frequência (%)

Rio Grande do Sul1 1,1

Minas Gerais2 0,13

São José do Rio Preto3 1,29

Ribeirão Preto4 0,8

Campinas e Região5 1,3

Salvador6 0,3

Recife7 0,68

Goiás8 0,7

Epidemiologia da beta-talassemia no Brasil Frequência de portadores do gene (%)

1– Freitas & Rocha, 1983; 2- Melo et al., 2000;

3-Viana-Baracioli et al., 2001; 4- Zago et al., 1983;

5- Ramalho et al., 1999; 6- Fonseca etal., 2005;

7- Almeida et al., 2005; 8- Melo-Reis. 2006

UF TI TM TOTAL

AC 0 0 0

AL 0 03 03

AP 0 0 0

AM 01 01 02

BA 02 01 03

CE 14 01 15

DF 02 02 04

ES 01 06 07

GO 03 12 15

MA 02 05 07

MG 12 21 33

MS 03 02 05

MT 01 03 04

PA 13 02 15

UF TI TM TOTAL

PB 04 01 05

PE 56 19 75

PI 0 0 0

PR 11 26 37

RJ 10 18 28

RN 05 03 08

RO 05 10 14

RR 01 0 01

RS 05 05 10

SE 00 00 00

SC 03 09 12

SP 89 159 248

TO 0 01 01

Total 243 310 553

Fonte: ABRASTA 2010

Distribuição da beta-talassemia major e intermédia

no Brasil

Fisiopatologia da

talassemia

Alfa-talassemias

Diminuição da produção de cadeias de globina alfa

Excesso de cadeias de globina gama nos RN

Excesso de cadeias de globina beta nos adultos

Weatherall DJ & Clegg JB. Bull World Health Organ 2001;79:704–712

Excesso de cadeias alfa

Precipitados de cadeias alfa

Dano membrana celular

Medula óssea Glóbulos vermelhos

Eritropoiese ineficaz Hemólise

ANEMIA Transfusões

eritropoiese aumenta absorção de ferro

medula óssea, baço, fígado SOBRECARGA DE FERRO

Deformidades ósseas Danos órgãos

Beta-talassemia major

Olivieri N. N Engl J Med 1999;341:99–109

Beta-talassemia intermédia

Menos transfusões de hemácias,

mas também sobrecarga de ferro

Cossu P, Eur J Pediatr 1981;137:267-271.

Fiorelli G, Haematologica 1990;75(Suppl 5):89-95.

Borgna-Pignatti C. British J Hematol 2007:138,291-304.

Eritropoiese ineficaz

Hipertrofia importante da medula óssea e deformidades ósseas

Anemia crônica

absorção intestinal de ferro

Sobrecarga de ferro

Diagnóstico alfa-talassemia

Alfa-talassemia

Geralmente suspeita ocorre em HEMOGRAMA de rotina

Harteveld and Higgs Orphanet Journal of Rare Diseases 2010, 5:13

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Anemia, microcitose ( VCM) e hipocromia ( HCM) – relacionam-se

com o número de genes alfa deletados

Bonini-Domingos C.R. RBHH, 2000, 22(3): 388-394

HbH: Fração de movimento rápido Hb Bart desaparece rápido após o

nascimento

Alfa-talassemia EFHb por HPLC (High-performance liquid chromatography)

Harteveld and Higgs Orphanet Journal of Rare Diseases 2010, 5:13

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HbA2 normal ou pouco

Adulto --/-α RN --/αα

Coloração de sangue periférico com azul cresil brilhante 1%

Corpúsculos de inclusão nos glóbulos vermelhos

= precipitação dos tetrâmeros β4 na membrana celular, os quais lesam a

membrana e induzem hemólise

Como HbH é instável, deve ser investigada em amostra de sangue recente

Traço α0-thalassaemia tem bem menos inclusões do que doença HbH

Harteveld and Higgs Orphanet Journal of Rare Diseases 2010, 5:13

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Análise molecular (genótipo)

Chong SS. Blood 2000, 95:360-362.

Liu YT. Br J Haematol 2000, 108:295-299.

Tan ASC. Blood 2001, 98:250-251.

Alfa-talassemia

Análise molecular α+-talassemia α0-talassemia

Gap-PCR -α3.7

α-4.2

-(α)20.5

--SEA

-- Med I

-- Thai

- - Fil

Southern blotting para rearranjos desconhecidos

MLPA

Brasil: mais comum deleção α3.7 MLPA… Multiplex Ligation-dependent Probe Amplification

Diagnóstico beta-talassemia

http://www.mt.mahidol.ac.th/e-learning/AutomateReport/rThalassemia.html

Beta-talassemia

Talassemia minor Talassemia major

Hemáceas em alvo

Hemograma

Anemia hipocrômica microcítica

Ponteado Basófilo

EFHb: Utiliza corrente elétrica para separar os diferentes tipos de Hb

Também diagnostica as associações: HbC, HbE, HbS, etc

Beta-talassemia

HbA HbF HbA2

beta0-talassemia

--- 92-95% ---

beta+-talassemia homozigotos

beta+/beta0-talassemia

10-30% 70-90% variável

beta-talassemia minor < 96% > 4%

Eletroforese de Hb

Mutação Frequência Brasil (%)

CD39 (C→T) 3,5–54,3

IVS I–110 (G→A) 8,2–18,6

IVS I–1 (G→A) 12,9–15,1

IVS I–6 (T→C) 9,5–62,8

IVS II–1 (G→A) Não encontrado

IVS II–745 C→G) Não encontrado

CD6 (-A) Não encontrado

IVS I–1 (G→T) 0–4,3

CD41/42 (-CTTT) Não encontrado

Cromosomos (n) 283

Beta-talassemia

Análise molecular (genótipo)

• Maioria: pontos de mutações no gene da beta globina

• Importante para diagnóstico da forma dominante em heterozigotos

Giardine B. Hum Mutat 2007, 28:206.; Fonseca SF. Hemoglobin 22(3), 197–207 (1998).

Araújo AS. Hemoglobin 27(4), 211–217 (2003); Reichert VC. Ann. Hematol. 87(5), 381–384 (2008).

HbA2 HbF EFHb

Alfa-

talassemia

Normal

ou

pouco (HbH)

normal Padrão AA

Beta-

talassemia

> 4% normal ou Padrão AA

Diagnóstico diferencial entre os traços

talassêmicos

HPLC ou Acetato de Celulose

Alfa: ideal análise molecular das deleções do gene da globina alfa

OU: hemograma dos pais

Talassemia major Talassemia intermédia

Clínica < 2 anos > 2 anos

Hb (g/dL) 6-7 8-10

VCM (fL) 50-70 50-80

HCM (pg) 12-20 16-24

Hepatoesplenomegalia Grave Moderada a grave

Hb Fetal (%) > 50 10-50%, pode chegar a 100%

Hb A2 (%) <4% >4%

Pais são portadores Ambos tem o gene,

com HbA2

1 ou ambos portadores

atípicos:

Fetal ou A2 borderline

Mutação

Co-herança com α-tala.

PHHF

PH δ β-talassemia

Polimorfismo Gy XMN1

Grave

Não

Não

Não

Não

Leve / silenciosa

Sim

Sim

Sim

Sim

Diferenças entre Talassemia Major e Intermédia

Guideline TIF 2008 Cappellini C, et al., eds. Thalassaemia International Federation, 2000.

Ferro Ferritina TIBC Sat. RDW Diagnóstico

Talassemia

minor

Normal Normal Normal Normal Normal EFHb com

HbA2 > 4%

Traço

alfa-

talassemia

Normal Normal Normal Normal Normal EFHb normal

Ideal: análise

molecular das

deleções do gene

da globina alfa

Anemia

ferropriva

Identificar causa da

perda de ferro

Anemia da

inflamação

Normal

ou

Normal Normal Identificar a causa

Anemia

sideroblástica

Normal Normal Medula óssea com

sideroblastos em

anel

Investigação laboratorial

anemia hipocrômica microcítica

Aconselhamento Genético e Diagnóstico

Prénatal da beta-talassemia

• Identificação do estado de portador dos pais

• Casal portador: 25% chance de ter filho com talassemia

major por cada gestação

• Diagnóstico Prénatal:

análise de DNA das células fetais por amniocentese (15-

18 semanas gestação)

ou

biópsia de vilo coriônico (11 semanas de gestação)

Galanello and Origa Orphanet Journal of Rare Diseases 2010, 5:11

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Resultado Interpretação Quadro clínico

FA Normal Assintomático

FAS Traço falciforme Assintomático

FS Anemia falciforme (HbSS) ou

SBeta0-talassemia ou

S PHHF

Anemia hemolítica

FSA ou FS2 SBeta+-talassemia Anemia hemolítica

FSC Hemoglobinopatia SC Anemia hemolitica

FSD Hemoglobinopatia SD Anemia hemolitica

FSA + Bart S alfa-talassemia Anemia hemolitica

FAC Traço C Assintomático

FC Hemoglobinopatia C ou

Hemoglobinopatia C-beta0talassemia

Anemia hemolitica

FCA Hemoglobinopatia C-beta+talassemia Anemia hemolitica

FAD Traço D Assintomático

FD Hemoglobinopatia D Anemia hemolitica

FDA Hemoglobinopatia D-beta+talassemia Anemia hemolitica

FA+ Bart (1-5%) Portador silencioso da alfa-talassemia Assintomático

FA + Bart (5-10%) Traço alfa-talassemia Anemia leve

FA +Bart (25-50%) Doença HbH Anemia hemolitica

F 0-talassemia (talassemia major) - HPLC Anemia hemolitica

Resultados triagem neonatal (HPLC ou FIE)

Conclusões

Conclusões

• As síndromes talassêmicas estão presentes no mundo

todo.

• Tem grande heterogenicidade genética e fenotípica.

• É importante o diagnóstico diferencial entre os diferentes

tipos de talassemias e entre as anemias hipocrômicas

microcíticas para que o adequado tratamento possa ser

oferecido.

Bibliografia recomendada

• Harteveld and Higgs, Alfa-thalassaemia. Orphanet

Journal of Rare Diseases 2010, 5:13

• Galanello and Origa, Beta-thalassemia. Orphanet

Journal of Rare Diseases 2010, 5:11

• Weatherall D et al. Inherited Disorders of Hemoglobin’

2006. Disease Control Priorities in Developing Countries

(2nd Edition). http://www.dcp2.org/pubs/DCP