Sistematização do exame ultrassonográfico das vias urinárias

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SISTEMATIZAÇÃO DO EXAME ULTRASSONOGRÁFICO DAS VIAS URINÁRIAS Wagner Iared – julho 2017 O exame de ultrassonografia das vias urinárias, também chamado de ultrassom de rins e vias urinárias ou ultrassonografia do aparelho urinário, deve incluir a avaliação de ambos os rins, do trajeto dos ureteres e da bexiga. Proponho aqui uma maneira de sistematizar o exame de maneira a lembrar de todos os aspectos que devem ser obrigatoriamente observados, minimizando o risco de deixar de visualizar alguma doença ou condição patológica passível de observação pelo ultrassom. O transdutor mais adequado é o convexo, com frequências próximas a 3 - 5 MHz. Iniciamos o exame com o paciente em decúbito dorsal horizontal, descobrindo a região dos flancos, hipocôndrios, porção inferolateral do tórax, mesogástrio e hipogástrio. O transdutor deve ser inicialmente posicionado no sentido longitudinal do paciente, com o marcador que indica o lado direito da imagem posicionado cranialmente. Os cortes transversais serão obtidos girando o transdutor no sentido anti-horário de modo que o marcador fique direcionado à direita do paciente nessa posição. Primeiro devemos obter uma imagem do rim direito no sentido longitudinal. Os cortes mais frequentemente utilizados são o corte sagital, obtido na altura da linha hemiclavicular ou axilar anterior. Nesse corte o lobo direito do fígado pode servir de janela acústica. Outro corte possível é o corte coronal, obtido com o transdutor posicionado longitudinalmente na altura da linha axilar média ou posterior. Pode ser útil solicitar ao paciente uma inspiração profunda e/ou para mudar o decúbito, levantando o lado direito de 30 a 90 graus. Fig.1 - Corte sagital do rim direito Com esse corte podemos aferir o diâmetro bipolar do rim, posicionando os cálipers nos polos superior e inferior. Ainda nesse corte temos a melhor imagem para aferir a espessura média do parênquima renal. Embora não haja consenso sobre o melhor local para realizar essa medida, recomenda-se evitar os polos e a porção central do rim, onde é comum haver colunas de Bertin mais proeminentes. Sugiro medir em um ponto intermediário entre o polo superior e o terço médio ou entre o polo inferior e o terço médio. O parênquima renal aparece hipoecogênico em indivíduos normais. O parênquima inclui o córtex renal, as pirâmides renais (que são a medular renal), ainda menos ecogênicas que o córtex, com a base voltada para a

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SISTEMATIZAÇÃO DO EXAME ULTRASSONOGRÁFICO DAS VIAS URINÁRIAS

Wagner Iared – julho 2017

O exame de ultrassonografia das vias urinárias, também chamado de ultrassom de rins e vias

urinárias ou ultrassonografia do aparelho urinário, deve incluir a avaliação de ambos os rins,

do trajeto dos ureteres e da bexiga. Proponho aqui uma maneira de sistematizar o exame de

maneira a lembrar de todos os aspectos que devem ser obrigatoriamente observados,

minimizando o risco de deixar de visualizar alguma doença ou condição patológica passível de

observação pelo ultrassom.

O transdutor mais adequado é o convexo, com frequências próximas a 3 - 5 MHz.

Iniciamos o exame com o paciente em decúbito dorsal horizontal, descobrindo a região dos

flancos, hipocôndrios, porção inferolateral do tórax, mesogástrio e hipogástrio. O transdutor

deve ser inicialmente posicionado no sentido longitudinal do paciente, com o marcador que

indica o lado direito da imagem posicionado cranialmente. Os cortes transversais serão

obtidos girando o transdutor no sentido anti-horário de modo que o marcador fique

direcionado à direita do paciente nessa posição.

Primeiro devemos obter uma imagem do rim direito no sentido longitudinal. Os cortes mais

frequentemente utilizados são o corte sagital, obtido na altura da linha hemiclavicular ou axilar

anterior. Nesse corte o lobo direito do fígado pode servir de janela acústica. Outro corte

possível é o corte coronal, obtido com o transdutor posicionado longitudinalmente na altura

da linha axilar média ou posterior. Pode ser útil solicitar ao paciente uma inspiração profunda

e/ou para mudar o decúbito, levantando o lado direito de 30 a 90 graus.

Fig.1 - Corte sagital do rim direito

Com esse corte podemos aferir o diâmetro bipolar do rim, posicionando os cálipers nos polos

superior e inferior. Ainda nesse corte temos a melhor imagem para aferir a espessura média

do parênquima renal. Embora não haja consenso sobre o melhor local para realizar essa

medida, recomenda-se evitar os polos e a porção central do rim, onde é comum haver colunas

de Bertin mais proeminentes. Sugiro medir em um ponto intermediário entre o polo superior e

o terço médio ou entre o polo inferior e o terço médio. O parênquima renal aparece

hipoecogênico em indivíduos normais. O parênquima inclui o córtex renal, as pirâmides renais

(que são a medular renal), ainda menos ecogênicas que o córtex, com a base voltada para a

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periferia e o ápice voltado para o seio renal e as colunas de Bertin, que são as extensões do

córtex entre as pirâmides renais. Não é adequado se referir ao parênquima como sendo o

córtex.

A porção central do rim é o seio renal, composto por gordura, vasos, nervos e sistema coletor.

Ele aparece hiperecogênico, presumivelmente devido ao tecido gorduroso, mas também

devido às interfaces entre as estruturas que o compõem.

Os rins são órgãos retroperitoneais. Cada rim é envolto pela cápsula renal, fibrosa, feita de um

tecido conjuntivo firme que limita sua expansão. Devido a essa limitação, obstruções urinárias

aumentam muito a pressão no sistema coletor que se transmite para as papilas renais – que

ficam nos ápices das pirâmides – e retardam a excreção daquele rim. Se a obstrução persistir, a

hidronefrose pode evoluir até comprimir o parênquima contra a cápsula renal.

Externamente à cápsula renal, há um tecido hiperecogênico que é a gordura peri-renal,

limitada anteriormente e posteriormente pela fáscia renal (Gerota e Zuckerkandl

respectivamente). É nesse espaço que se situam as glândulas adrenais.

Não basta fazer as medidas e registrar a imagem do rim nessa posição. Deve-se bascular o

transdutor no sentido laterolateral (corte sagital) ou anteroposterior (corte coronal), de modo

a varrer todo o volume do rim. Nessa varredura temos que pesquisar lesões focais, como cistos

e nódulos e alterações no seio renal, como a presença de cálculos e dilatações do sistema

coletor.

Em seguida giramos no sentido anti-horário o transdutor, em 90 graus, para obter o corte

transverso. Alguns serviços ainda preconizam obter as medidas do eixo transverso e

anteroposterior do rim. O corte transversal sobre o terço médio do rim é a melhor maneira de

obter essas medidas.

Fig. 2 - Corte transversal do rim direito

Ainda com o transdutor nessa posição, devemos varrer todo o volume do rim no sentido

craniocaudal, também pesquisando lesões focais e alterações no seio renal.

Feito isso, podemos concluir a avaliação do rim direito e passar para o rim esquerdo.

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O rim esquerdo costuma ser mais acessível no plano coronal, com o transdutor posicionado na

linha axilar média ou posterior, com o transdutor no sentido longitudinal, o marcador voltado

cranialmente e o feixe de ultrassom direcionado anteromedialmente.

Fig.3 - Corte coronal do rim esquerdo

Em alguns indivíduos é possível usar a porção caudal do baço como janela acústica. Pode ser

útil solicitar ao paciente uma inspiração profunda e/ou para mudar o decúbito, levantando o

lado esquerdo de 45 a 90 graus.

Da mesma forma que fizemos com o rim direito, devemos aferir o diâmetro bipolar do rim,

posicionando os cálipers nos polos superior e inferior; e, ainda nesse corte, aferir a espessura

média do parênquima renal, também evitando os polos e a porção central do rim.

Devemos bascular o transdutor no sentido anteroposterior (lembrando que estamos com um

corte coronal), de modo a varrer todo o volume do rim. Novamente temos que pesquisar

lesões focais, como cistos e nódulos e alterações no seio renal, como a presença de cálculos e

dilatações do sistema coletor.

Em seguida giramos no sentido anti-horário o transdutor, em 90 graus, de modo que o

marcador fique posicionado anteriormente em relação ao paciente, para obter o corte

transverso. Se precisar obter medidas do eixo transverso e anteroposterior do rim, o corte

transversal sobre o terço médio do rim é a melhor maneira de obter essas medidas.

Fig. 4 - Corte transversal do rim esquerdo

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E também devemos varrer todo o volume do rim no sentido craniocaudal para a pesquisa de

lesões focais e alterações no seio renal.

Concluída a avaliação do rim esquerdo, se não houver sinais de dilatação do ureter, podemos

passar para a avaliação da bexiga.

A bexiga deve estar repleta, com ao menos cerca de 200 a 250 ml para uma avaliação

adequada.

Iniciamos a avaliação com o paciente em decúbito dorsal horizontal e o transdutor posicionado

transversalmente em relação ao seu corpo, com o marcador voltado para a direita do paciente.

Podemos observar se a bexiga está repleta, quando as paredes se tornam lisas e sem dobras.

Nessa posição vamos fazer varreduras no sentido cranial e caudal, pesquisando lesões

vegetantes, conteúdos anômalos, como cálculos, sedimento urinário,

divertículos/pseudodivertículos e espessamento difuso da parede ou áreas de espessamento

focal. Uma área de particular interesse é o trígono vesical, porção do assoalho da bexiga

compreendida entre os meatos ureterais e a uretra. Aqui, é comum encontrarmos cálculos

ureterais impactados e ureteroceles.

Para sensibilizar a pesquisa de litíase no ureter distal, recomendo usar o Doppler colorido.

Mais importante do que avaliar os jatos ureterais, o Doppler pode flagrar um cálculo de difícil

visualização ao US modo B quando o cálculo gera o artefato de cintilação, o twinkle ou

twinkling.

A avaliação da bexiga e do ureter distal não estará completa até realizarmos cortes

longitudinais e a varredura no sentido laterolateral.

O CBR recomenda que sejam documentadas ao menos 6 imagens para o US de Vias Urinárias,

sendo duas fotos de cada rim, uma no seu maior eixo (longitudinal) com as medidas do eixo

bipolar e da espessura do parênquima; e uma em plano perpendicular à primeira imagem, no

terço médio; além de duas fotos da bexiga, também em cortes longitudinal e transverso,

incluindo o plano dos meatos ureterais. Caso haja achados patológicos, ao menos duas

imagens adicionais de cada achado, preferencialmente em planos ortogonais, devem ser

documentadas.

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Fig. 5 - Cortes transversal e longitudinal da bexiga

Fig. 6 - Exemplo de documentação fotográfica de exame sem alterações

REFERÊNCIAS

1. Tratado de Ultrassonografia Diagnóstica - 4ª Ed. 2012. Charboneau JW,Wilson SR,

Rumack CM, Levine D.

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2. Ultrassonografia - Abdominal - 2ª Ed. Série Ultrassonografia. 2009. CerriGG, Chammas

MC

3. PADI - Programa de Acreditação em Diagnósticos por Imagem – Colégio Brasileiro de

Radiologia. Diretrizes técnicas – Ultrassonografia. http://padi.org.br/wp-

content/uploads/2017/02/DIR_PADI_US_001_v01_Diretrizes-USG_v2.pdf