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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS ESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL Vanessa Ramos Andrade Sistema Prisional e Direitos Humanos: desafios para a garantia de uma política de proteção aos direitos dos presos. Rio de Janeiro 2008

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIROCENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

ESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL

Vanessa Ramos Andrade

Sistema Prisional e Direitos Humanos: desafios para a garantia de uma política de proteção aos direitos dos presos.

Rio de Janeiro2008

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANASESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL

Vanessa Ramos Andrade

Sistema Prisional e Direitos Humanos: desafios para a garantia de uma política de proteção aos direitos dos presos

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Escola de Serviço Social

- 2 -da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de bacharel em Serviço Social.

Orientadora: Suely Souza de Almeida Co-orientadora: Lilia Guimarães Pougy

Rio de Janeiro2008

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Agradecimentos

Gostaria de agradecer primeiramente a Deus por abençoar a minha vida.

Aos meus pais, que estão sempre presentes em vida e foram fundamentais para

a realização deste sonho.

Ao meu irmão querido que me incentivou bastante durante os momentos difícieis

da graduação.

À minha supervisora de estágio, Teresinha T. de Araújo, com quem compartilhei

um ano e meio da minha vida acadêmica, aprendendo e trocando idéias sobre a nossa

profissão.

A todos meus amigos, em especial, Alessandra, Bruna e Marta pelo apoio e

companheirismo durante esta jornada; que a nossa amizade possa perdurar por muito

tempo.

A todas às amigas do núcleo de pesquisa “O serviço social e a constituição do

campo dos direitos humanos no Brasil”.

À Victória por compartilhar um pouco de sua sabedoria e de sua história de vida

durante o período que convivemos na pesquisa.

À minha co-orientadora Lilia Pougy que teve um papel fundamental em minha

vida enquanto pessoa e estudante, por me orientar neste momento tão especial, que é

a união de todo o conhecimento que obtive durante a graduação.

E, em especial, a minha querida orientadora Suely Souza de Almeida, a quem

dedico este trabalho. Uma pessoa forte, inteligente e de extrema simplicidade com

quem tive o privilégio de conviver intensamente durante a minha vida acadêmica, ao

integrar seu grupo de pesquisadoras. Onde quer que ela esteja permanecerá em meu

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coração. Espero em minha trajetória profissional, dar continuidade aos seus projetos

para a construção de sociedade mais justa, na defesa e garantia dos direitos humanos.

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Resumo

Este trabalho examina o sistema prisional do Rio de Janeiro, uma vez que seu

cotidiano é marcado pela permanência de práticas violentas no interior dos presídios.

A análise da violência institucional perpretada pelo Estado, por meio de seus

agentes, demonstra o distanciamento existente entre a esfera legal e a efetivação dos

direitos.

Verificou-se a dificuldade no cumprimento das leis, em contraposição ao plano

formal, tendo em vista que o Brasil após a Constituição de 88 tornou-se signatário de

diferentes pactos e convenções, que visam à garantia e à proteção dos direitos de

todos os indivíduos.

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Sumário

Apresentação................................................................................................ 08

Introdução.....................................................................................................12

Capítulo I: Violência Institucional e Direitos Humanos: reflexões sobre o sistema

penitenciário do Rio de Janeiro. .........................................................................15

1.1) Sistema Penitenciário do estado do Rio de Janeiro...........................28

Capítulo II: A Execução Privativa da Pena e a banalização da violência no interior

das prisões..........................................................................................................43

2.1) Legislações de Proteção aos direitos dos presos e Sistema

Prisional..............................................................................................................50

2.2) Criminologia Crítica e “Ressocialização”............................................64

Capítulo III: Cotidiano do Sistema Prisional do Rio de Janeiro sob a perspectiva de

funcionários e apenados....................................................................................69

3.1) A Penitenciária Industrial Esmeraldino Bandeira...............................70

3.2) Qualificação dos Profissionais entrevistados durante a realização da

pesquisa..............................................................................................................72

3.2.1) Idade.................................................................................................72

3.2.2) Sexo..................................................................................................73

3.2.3) Formação..........................................................................................74

3.2.4) Tempo de serviço na Secretaria de Administração Penitenciária do Rio de

Janeiro.................................................................................................................75

3.3) Opinião em relação a política de encarceramento adotada pelo sistema

penitenciário brasileiro.........................................................................................75

3.3.1) Rebatimentos da política de encarceramento no cotidiano

profissional...........................................................................................................78

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3.3.2) Descrição do cotidiano profissional e das condições para realização das

intervenções......................................................................................................79

3.3.3) Limites e possibilidades para a implementação do trabalho...........80

3.3.4) Conhecimento sobre Direitos Humanos e viabilização destes em suas

intervenções........................................................................................................82

4) Qualificação dos apenados entrevistados.............................................85

4.1) Idade...................................................................................................85

4.2) Sexo....................................................................................................86

4.3) Escolaridade.......................................................................................86

4.4) Artigo/Condenação.............................................................................87

5) Análise qualitativa dos dados obtidos....................................................88

5.1) Opinião dos apenados em relação ao sistema penitenciário

brasileiro..............................................................................................................88

• Principais dificuldades enfrentadas durante a execução da

pena.................................................................................................90

5.2) Significado dos Direitos Humanos para os presos...............................92

Considerações Finais..................................................................................95

Referências Bibliográficas...........................................................................98

Anexos........................................................................................................103

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APRESENTAÇÃO

O Trabalho de Conclusão de Curso ora apresentado é produto de toda uma

bagagem teórica e prática propiciada pelo espaço acadêmico, a Escola de Serviço

Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

O interesse pela temática, Violação de Direitos Humanos e Sistema Prisional,

surgiu a partir de minha inserção na Pesquisa O Serviço Social e a Constituição do

campo dos Direitos Humanos no Brasil, coordenado pela Profª. Drª. Suely Souza de

Almeida, bem como da experiência de estágio na SEAP (Secretaria de Administração

Penitenciária – Rio de Janeiro).

Durante o curso de graduação, participei de atividades de ensino e pesquisa

voltados para o campo dos Direitos Humanos e da Criminalidade. Disciplinas como

Direitos Humanos, Questão Social no Brasil, Núcleo Temático sobre Criminalização da

Pobreza foram fundamentais para a compreensão da realidade social brasileira, e, por

conseguinte dos problemas referentes ao sistema prisional.

A iniciação científica foi fundamental para o desenvolvimento deste trabalho, obtive

contato com profissionais de diversas áreas que enriqueceram o meu conhecimento,

além de leituras, discussões e atividades voltadas para uma formação em Direitos

Humanos de qualidade. Essa gama de conhecimento propiciou a produção trabalhos

para Jornadas de Iniciação Científica, além da a Revisão do I Plano Nacional de

Educação em Direitos Humanos - PNEDH. Foi um trabalho de extrema importância

para a minha formação porque representou o compromisso da universidade com a

sociedade, através da avaliação de instrumentos formais de direito à educação. A

revisão deste plano contemplou os debates realizados em vários estados do país de

modo a envolver todas as contribuições dos encontros estaduais e municipais e dos

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documentos recebidos durante o processo de consultas estaduais realizadas em todos

os estados da federação. A revisão a cargo da UFRJ foi uma demanda da SEDH, em

parceria com a UNESCO.

Outra atividade de extrema importância, na minha trajetória acadêmica, foi a

análise de entrevistas realizadas com profissionais dos Programas de Proteção a

Vítimas e Testemunhas e nos Centros de Atendimento a Vítimas de Violência,

existentes em todo o território nacional, quando foi possível conhecer o trabalho

realizado por assistentes sociais, psicólogos e advogados e identificar elementos

relacionados às condições de trabalho, qualificação profissional, o papel destes

trabalhadores no Programa, dando ênfase ao papel do Assistente Social neste trabalho.

A experiência de estágio também foi um fator condicionante para realização

deste trabalho. O conhecimento adquirido nesta área, a apreensão do cotidiano

prisional e das correlações de força existente neste espaço suscitaram o meu interesse

por este tema, que é de extrema relevância para a sociedade.

Realizei alguns trabalhos sobre o sistema penitenciário como bolsista de iniciação

científica. Em 2006 apresentei um trabalho intitulado de Os Mitos da Reintegração

Social dos Presos, que consistiu em demonstrar como o trabalho configura-se ao

mesmo tempo em uma possibilidade de inclusão e exclusão social para os apenados,

além de examinar a relação entre a política educacional implementada pelo Governo do

estado do Rio de Janeiro e as dificuldades e possibilidades encontradas pelos

apenados com vistas à inserção no mercado de trabalho.

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Em 2007, apresentei o trabalho1 “Relações de Gênero e Sistema Prisional”, na

XXIX Jornada de Iniciação Científica da UFRJ, onde foram estudadas as disparidades

do número de visitantes em unidades prisionais masculinas e femininas. Partimos da

idéia de que as mulheres constituem a grande maioria de visitantes no Sistema

Penitenciário, tanto em unidades masculinas, quanto em unidades femininas.

Entretanto em unidades femininas o número de visitantes é muito menor.

Desta forma, minha trajetória acadêmica propiciou um arcabouço teórico e prático

que culminou na realização deste trabalho.

Este trabalho de conclusão de curso tem as marcas desse percurso, como vistas a

contribuir no debate acerca dos direitos humanos e do sistema prisional, tema este que

se constitui em um desafio para todos os segmentos da sociedade que militam pelos

direitos humanos.

Para a realização do trabalho, foi necessária a realização de um levantamento

bibliográfico sobre a temática: trabalhos, textos e artigos referentes ao Sistema

Penitenciário, Violência e Direitos Humanos.

A pesquisa não abordou a realidade de todo o Complexo Penitenciário do Rio de

Janeiro, o estudo foi restrito à Penitenciária Industrial Esmeraldino Bandeira, Unidade

onde realizei estágio curricular.

Foram realizadas entrevistas com os apenados e profissionais que trabalham

nesta Unidade Prisional totalizando um quantitativo de 12 entrevistados (6 profissionais

com competências diversificadas na instituição e 6 internos) – com o objetivo de

compreender as relações, as visões e o julgamento dos diferentes atores sobre a

1 O trabalho foi elaborado em co-autoria com Alessandra Nascimento dos Santos também integrante do núcleo de pesquisa “O Serviço Social e a constituição do campo dos direitos humanos no Brasil e orientado pela Profª. Dr. Suely Souza de Almeida e co-orientado pela Profª. Dr. Lília Guimarães Pougy.

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realidade em que se encontram inseridos - com o objetivo de verificar como a violência

institucional praticada pelo Estado e seus agentes interferem e influenciam o cotidiano

destes sujeitos, que vivenciam relações complexas de poder devido ao caráter

repressivo e punitivo da ideologia que atravessa as prisões.

A condição de estagiária desta unidade prisional foi muito importante para a

realização da pesquisa, pois o vínculo mantido com a instituição proporcionou a

colaboração de todos os entrevistados para a coleta dos dados. Assim, o resultado

obtido neste trabalho será devolvido à instituição de modo a contribuir com as

atividades daqueles que participaram diretamente e indiretamente da pesquisa.

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INTRODUÇÃO

O objeto de estudo deste trabalho consiste na análise da violência institucional

perpretada pelo Estado, com vistas à verificar a dificuldade no cumprimento das leis,

em contraposição ao plano formal, tendo em vista que o Brasil, após a Constituição de

88, tornou-se signatário de diferentes pactos e convenções, que visam à garantia e à

proteção dos direitos de todos os indivíduos.

Diante do cenário atual, de aprofundamento das desigualdades sociais e de

minimização das funções do Estado, torna-se fundamental trazer para o espaço

acadêmico a discussão sobre violação de direitos humanos no Sistema Prisional; tema

este bastante incipiente dentro da Universidade.

A violência institucional reproduzida pelo Estado ao longo dos anos é resultado de

uma cultura política que apresenta fortes traços de clientelismo, assistencialismo e

autoritarismo, o que acaba por dificultar a formação de uma consciência política da

população e, por conseguinte, a não ocupação direta desta em espaços que deveriam

ser utilizados para o controle e o gerenciamento das políticas sociais.

No sistema prisional, em especial, o aviltamento da cidadania dos presos é bem

mais explícito; visto que, no senso comum, os direitos humanos são entendidos como

direitos de bandidos e, portanto não devem ser respeitados.

Segundo Wacquant, “A penalidade neoliberal apresenta o seguinte paradoxo:

remediar com um ‘ mais Estado ’policial e penitenciário o “menos Estado” econômico e

social que é a própria causa da escalada generalizada da insegurança objetiva e

subjetiva em todos os países, tanto do Primeiro como do Segundo Mundo”. (2001:7)

Assim, na perspectiva neoliberal, o cidadão é visto como consumidor e as políticas

sociais acabam assumindo duas funções: social – passa a ter função redistributiva de

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renda na sociedade, funcionando como complemento ao salário do trabalhador;

econômica – constituindo-se num instrumento para baratear a força de trabalho e

permitindo que os trabalhadores se reproduzam de modo que a acumulação se dê a

partir de sua exploração (Pastorini,1997).

As desigualdades sociais oriundas das contradições existentes na sociedade

capitalista refletem-se no perfil da população carcerária brasileira. Esta representa um

determinado segmento que é criminalizado segundo sua condição de classe.

Desta maneira, a violência institucionalizada atinge os presos de formas variadas:

torturas, falta de assistência médica, jurídica, social, psicológica, dentre outros. A

população carcerária vive em condições desumanas; a precariedade das unidades

prisionais gera, em muitos casos, rebeliões, por meio das quais os apenados

reivindicam melhores condições de vida, pois estão sob a proteção do Estado e este

não cumpre com o seu dever de zelar pelas garantias fundamentais destes indivíduos.

Conforme Almeida, “sendo dirigida predominantemente contra frações das classes

e categorias subalternizadas, a violência é uma das expressões da questão social (...)

que podem ser igualmente qualificadas como formas brutais de violência que se

materializam nas condições de vida de enorme parcela da população brasileira – a

indigência, a convivência diária com a fome, a falta de acesso à habitação, o trabalho

precário e intermitente, o desemprego, as precárias condições de saúde”. (2004:53)

O Serviço Social é uma profissão que intervém nas expressões da questão social,

tendo como princípios fundamentais a defesa intransigente dos direitos humanos e a

ampliação e a consolidação da cidadania. Desta maneira, é importante trazer para a

academia o debate sobre o sistema penitenciário, pois o Assistente social tem um papel

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fundamental tanto na efetivação quanto na denúncia do não cumprimento dos direitos

daqueles que se encontram reclusos nas unidades prisionais.

Tendo em vista as desigualdades sociais e os processos de marginalização social,

cultural e econômica das classes subalternas, Torres afirma que “as saídas para a

categoria atuante no sistema penitenciário, bem como uma reflexão sobre a intervenção

da profissão nos presídios, estão nas mãos dos próprios profissionais, mas não de

maneira individual, e, sim de forma coletivamente, de maneira que leve a uma reflexão

crítica e ao estabelecimento de estratégias para o enfrentamento desta realidade”.

(2001: 91)

Assim, é necessário pensar em estratégias que venham reconfigurar o tratamento

dispensado aos presos, na tentativa de viabilizar a efetivação de direitos no sistema

prisional.

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Capítulo I: Violência Institucional e Direitos Humanos: reflexões sobre

o sistema penitenciário do Rio de Janeiro.

Trabalhar a questão penitenciária atualmente implica considerar a conjuntura

social, econômica, política e cultural do país. Estes elementos são fundamentais para o

entendimento da realidade das prisões, e como estas vêm se gestando na sociedade

capitalista.

O sistema carcerário do país constitui-se em um conjunto de instituições cuja

finalidade concentra-se na detenção de determinados segmentos sociais com vistas à

manutenção e reprodução da ordem estabelecida. Verifica-se, nesses espaços, que o

índice de violência é bastante acentuado; esta se expressa de várias formas, sejam

elas físicas ou psicológicas.

A realidade das prisões brasileiras representa o descaso do poder público com a

sociedade, e revela a face perversa das políticas formuladas para o enfrentamento da

pobreza no país. Desta forma, determinados segmentos da população são

criminalizados em decorrência de classe, etnia e gênero; portanto, são alvos de ações

paliativas que reforçam as desigualdades existentes na sociedade.

O aumento da criminalidade na sociedade brasileira tem como pano de fundo a

sua formação social, além de traços remanescentes do período vivenciado durante o

regime ditatorial. Pereira, utilizando Wacquant (2001a) traz a seguinte contribuição ao

cenário brasileiro: este acentua que algumas razões, ligadas à nossa história e à

posição subordinada do Brasil na estrutura das relações econômicas internacionais,

contribuem para o crescimento da criminalidade, em uma sociedade marcada pelas

disparidades sociais e pela pobreza em massa.

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Essa subordinação do Brasil em relação aos organismos internacionais acarreta

a ausência de políticas sociais universais que contemplem as demandas da população.

À medida que esta não possui meios para suprir a sua necessidade, realiza estratégias

para garantia de sua sobrevivência, seja a partir de atividades informais ou através de

práticas consideradas ilícitas, uma vez que o sistema de justiça criminal considera as

classes populares mais propensas à prática de delitos.

As políticas para área de segurança pública, que também se constituem em um

setor de intervenção estatal, ainda são bastante incipientes, mesmo com os avanços

ocorridos nos anos 902:

“criação da Secretaria Especial de Direitos Humanos; o lançamento do Programa Nacional de Direitos Humanos(2001) e o estabelecimento do Sistema Único de Segurança Pública (2003); com o objetivo de implementar as diretrizes do plano”.

No entanto, mesmo com avanços no aparato legal ainda há dificuldades para que

uma política de direitos humanos possa se estabelecer na sociedade brasileira.

A violência institucional reproduzida pelo Estado ao longo dos anos é resultado de

uma cultura política que apresenta fortes traços de clientelismo, assistencialismo e

autoritarismo; o que acaba por dificultar a formação de uma consciência política da

população e, por conseguinte, a não ocupação direta desta em espaços que deveriam

ser utilizados para o controle e o gerenciamento das políticas sociais.

“A violência e a criminalidade no Brasil só podem ser entendidas como produto de relações históricas, particularizadas por cinco séculos de colonialismo e por um passado escravocrata recente, por relações fortemente hierarquizadas (...) que minam fronteiras entre o público e o privado (...) o que nos lega como patrimônio coletivo a banalização da vida, a naturalização da morte e a cultura da impunidade” (ALMEIDA, 2004:49)

2 Segundo Neme (2005), essas iniciativas surgiram como novas políticas de segurança a partir do nível federal e entre outros objetivos, visaram tratar os problemas de segurança pública com racionalidade maior – a partir de diagnósticos, sistematização de dados e definição de prioridades. Também buscaram associar a eficiência policial ao respeito aos direitos humanos em uma tentativa de oferecer alternativas aos dilemas entre lei e ordem que fortemente domina o campo da segurança no Brasil.

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É importante salientar que a violência não é um fenômeno que se restringe ao

Estado, ela se encontra em outras instituições; por exemplo: na família, nas escolas,

nas atividades religiosas... no cotidiano dos indivíduos, nos espaços em que estes se

socializam; nos elementos necessários para a sua reprodução e também para

legitimação das ações estatais.

Assim, a violência praticada pelo Estado atravessa todas as esferas da vida social

contribuindo para não efetivação de direitos à medida que não garante à população o

exercício da cidadania.

As políticas realizadas pelo Estado incidem drasticamente na vida da população; a

violação de direitos humanos torna-se uma prática comum e a cidadania dos indivíduos

deixa de ser efetivada.

No sistema prisional, em especial, o aviltamento da cidadania dos presos é bem

mais explícito, visto que no senso comum os direitos humanos são entendidos como

direitos de bandidos e, portanto, não devem ser respeitados.

Para que a política de encarceramento utilizada pelo Estado seja compreendida

atualmente, torna-se necessário fazer um resgate histórico das relações sociais

estabelecidas na sociedade brasileira, buscando apreender suas particularidades,

tendo em vista sua formação social.

Baseada em um regime escravocrata que permanece fortemente enraizado em

nossa cultura, a formação da sociedade brasileira constitui um elemento fundamental

para análise dos problemas que atingem a população cotidianamente, uma vez que

reforça o caráter conservador das políticas implementadas e não democratiza as

estruturas de poder estabelecidas nas esferas governamentais.

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Os aspectos culturais desta sociedade demonstram que os valores construídos

socialmente revelam traços autoritários e preconceituosos, que contribuem para a

legitimação de ações estatais e para a manutenção das prisões como estratégias de

controle da violência e da criminalidade.

Segundo Adorno, mesmo com o fim do

“regime autoritário (1964-1985) não se logrou a efetiva instauração do Estado democrático de Direito. Persistiram graves violações de direitos humanos, produto de uma violência endêmica, radicada nas estruturas sociais, enraizada nos costumes, manifesta quer no comportamento de grupos de sociedade civil, quer no de agentes incumbidos de preservar a ordem pública. Mais do que isso, tudo indica que, no processo de transição democrática, recrudesceram as oportunidades de solução violenta dos conflitos sociais e de tensões nas relações intersubjetivas”. (1995:299)

Mesmo com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o Estado brasileiro,

atualmente, encontra dificuldades para concretização das garantias previstas quanto

aos direitos dos cidadãos. Algumas instituições, principalmente aquelas voltadas para a

área de segurança pública, permanecem legitimando ações autoritárias, remanescentes

do período militar. Estas se constituem em grandes entraves para tornar estes espaços

mais democráticos e conseqüentemente para promoção de uma cultura de direitos.

A luta pela democratização do país teve início no final dos anos 70, tornando-se

efetiva durante a década de 80, um período de grande efervescência no país. Com o

fim da ditadura houve um amplo movimento da sociedade civil – rearticulação do

movimento operário no ABC paulista, além da participação de novos sujeitos políticos

em busca da democratização da sociedade. Vários segmentos da sociedade uniram se

em torno de um interesse comum: um sistema de governo que permitisse a participação

da população nas suas decisões 3.

3 Segundo Adorno, (...) a reconstrução democrática e o novo regime político acenaram para substantivas

mudanças, entre as quais conviria destacar as seguintes: ampliação dos canais de participação e

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Para Coutinho (2000) este processo que pôs fim à ditadura, possui uma dinâmica

contraditória:

“Os regimes ditatoriais modernizadores e não fascistas – de que são exemplos clássicos, entre outros o Brasil pós-64 e Espanha franquista em seu segundo período – apresentam uma contradição fundamental: desencadeiam forças que, a médio prazo não podem mais controlar, ou, em palavras mais precisas, desenvolvem pressupostos de uma sociedade civil, que progressivamente, escapa à sua tutela. Quando a pura repressão se revela inviável , têm lugar os chamados projetos de abertura, encaminhados pelo alto e baseados essencialmente em duas iniciativas correlatas: a) na tentativa de adotar uma ação repressiva mais seletiva, voltada apenas contra os setores mais radicais da sociedade civil, b)no esforço de cooptar os segmentos mais moderados da oposição, incluindo-os subalternamente no bloco do poder.”(pág. 90)

Apesar da participação incisiva da população no período de democratização do

país, o mesmo autor assinala que ocorreu uma transição “fraca” de regimes4 as

aspirações da sociedade civil foram incorporadas “através de combinação de processos

pelo alto e de movimentos provenientes de baixo; e de decerto o predomínio de uns

sobre os outros” (pág.92), porém de modo que as estruturas de poder não fossem

modificadas.

Coutinho assinala que “uma transição desse tipo (...) implicava certamente uma

ruptura com a ditadura implantada em 1964, mas não com os traços autoritários e

excludentes que caracterizam aquele modo tradicional de se fazer política no Brasil.

(pág.93)

Com o fim da ditadura houve todo um reordenamento da sociedade, inclusive dos

espaços públicos, permitindo a participação da população nas decisões políticas que

incidiam em seu cotidiano. Neste período, o Estado, através de reivindicações

representação políticas; alargamento do elenco de direitos (civis, sociais e políticos); desbloqueio da

comunicação entre sociedade civil e Estado; reconhecimento das liberdades civis e públicas (...). (1995:

301)4 Não foi possível romper com traços de uma sociedade autoritária.

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populares, buscou contemplar as aspirações deste segmento, que se consolidou na

Constituição de 1988, proporcionando a população à ampliação de seus direitos e a

participação e o controle dos espaços públicos.

“O país reajustou boa parte de seu instrumental legal aos novos contornos da situação democrática e ao mesmo tempo, demonstrou disposição em se afinar aos principais instrumentos de regulação da ordem internacional, especialmente aqueles voltados para o respeito e a promoção aos direitos humanos”. (SALLA, 2003:419).

O mesmo autor afirma que embora tenham ocorrido mudanças significativas na

sociedade brasileira, algumas instituições não acompanharam este processo:

“(...) Os aparato policial e prisional, desde a década de 80, têm oposto forte

resistência à assimilação dos novos padrões da vida democrática que se

estabeleceram no país, em boa parte em razão das práticas de arbitrariedade

e violência apesar do esfacelamento das formas autoritárias de governo”.

(SALLA, 2003: 419).

A face punitiva e moralizadora da prisão encontra-se imbricada nessas

condições, uma vez que a disciplina e a ordem corroboram com a não realização de

direitos. Mesmo com um aparato legal de proteção aos direitos dos presos, estes não

são efetivados; dada a cultura prisional, bem como o corporativismo existente entre os

agentes de segurança – que reforçam práticas incompatíveis ou mesmo inexistentes

nas legislações específicas do sistema prisional.

Durante o período ditatorial, a violência engendrada pelo Estado voltou-se para os

indivíduos que se opunham às idéias disseminadas pela classe dominante em favor do

grande capital. Atualmente, a violência é dirigida às camadas mais baixa da sociedade;

aqueles que não conseguiram inserir-se no contexto das transformações societárias5,

5José P. Netto afirma que estas transformações afetam diretamente o conjunto da vida social, pois a

reestruturação do mundo do trabalho traz novas configuarações, demandas a vida da classe

trabalhadora.

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aos que não conseguiram acompanhar as modificações ocorridas no mundo do

trabalho: a mundialização da economia; sendo atingidos fortemente pela introdução de

novas tecnologias na esfera da produção.

“A violência ganha graus acentuados de institucionalização, seja porque envolve freqüentemente agentes públicos, seja porque está incrustada nas várias esferas do poder público, seja, ainda, por se apoiar na complacência e na omissão do Estado. É importante realçar a relação entre o Estado brasileiro e a crescente banalização e naturalização de processos institucionais de violência, cujos efeitos incidem desigualmente sobre o conjunto da sociedade brasileira”. (ALMEIDA, 2004:57).

As instituições policiais utilizam a força para a contenção da ordem pública,

empregam a violência física para reprimir a população. Adorno (1995) sinaliza que para

conter o crescimento da criminalidade violenta tem se recorrido a um controle

igualmente violento da ordem pública, cujos resultados se espelham no emprego não

raro desproporcional das forças policiais repressivas.

Afirma também que:

“Muitas vezes, sob pressões da opinião pública, as políticas públicas de segurança formulam diretrizes às agências policiais no sentido de conter a violência a qualquer custo, mesmo que para isso seja necessário comprometer vidas de indivíduos suspeitos de cometimentos de crimes”. (pág.318)

É importante frisar que a violência exercida por estas instituições não se restringe

aos delitos cometidos pelos indivíduos, atua também na contenção, no controle das

classes trabalhadoras. Exercem extrema repressão contra aqueles que expressam

opiniões contrárias ao ideário burguês hegemônico, que realizam manifestações pela

garantia e manutenção dos direitos conquistados historicamente através das lutas dos

trabalhadores.

Os movimentos sociais são exemplos de categorias da sociedade que são

amplamente reprimidos nos momentos em que expõem e defendem suas idéias.

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As instituições policiais do Rio de Janeiro apresentam altos índices de corrupção,

os meios de comunicação veiculam cotidianamente o envolvimento de policiais em

esquemas ilícitos como tráfico de drogas e as milícias6.

Como afirma Torres (2001: 77),

Há inúmeras ilegalidades e situações de violência a que está submetida a população carcerária, praticadas muitas vezes pelos próprios agentes do Estado (funcionários e policiais) como maus-tratos, humilhações, espancamentos, torturas, corrupção, tráfico de drogas e de privilégios; a problemática da impunidade desta realidade, que colabora na manutenção da ideologia do castigo e da vingança social por meio do controle e da perversidade do Estado e de seu aparato policial.

Para o sociólogo francês Loïc Wacquant (2001), o Estado Penal brasileiro apenas

agrava o problema que deveria resolver, a polícia é um instrumento da violência - tanto

a militar, conhecida pelo lema “atire primeiro, pergunte depois”, quanto a civil, que está

constantemente relacionada à tortura e à brutalidade. Para ele, o Brasil adotou uma

estratégia na qual os americanos foram pioneiros: usar práticas punitivas para controlar

os problemas sociais gerados pela sociedade, prometendo soluções a curto prazo. As

prisões não passam de grandes depósitos de gente, nos quais os membros alienados

da sociedade são amontoados.

Constata-se, desta forma, que a violência é utilizada como um instrumento de

coerção que incide de modo recorrente no espaço público e privado dos indivíduos. Ao

serem coagidos por estas ações, ocorre a desmobilização dos cidadãos; que deixam de

se organizarem politicamente com vistas à melhoria das condições de vida. Ao passo

que não se organizam, percebe-se a instalação do individualismo, a tendência atual é

desmobilizar a população para fragmentar suas lutas; estas perdem seu caráter coletivo

e cada segmento social passa a reivindicar interesses próprios.

6 Grupo de policiais que exigem de moradores de comunidades, uma quantia mensal em troca de uma suposta proteção.

22

Page 23: sistema prisional e direitos humanos - desafios para a garantia de politica de proteção aos direitos dos presos - Ssocial

As transformações na sociedade brasileira decorrentes das modificações nas

estruturas sociais e econômicas acentuaram os níveis de desigualdades sociais. O

individualismo exarcebado provocado pelas novas relações oriundas da sociedade de

consumo, na qual os indivíduos estão inseridos atualmente, gera o surgimento de uma

série de particularismos e nacionalismos (Rouanet,1993) as lutas sociais passaram do

âmbito coletivo para o particular. De acordo com este autor, a individualidade abriu

espaço para o hiperindividualismo (os indivíduos voltados para seus interesses

pessoais sem a perspectiva de vinculação ao gênero humano). A autonomia que

permitia aos sujeitos a liberdade de condução de suas vidas foi perpassada pela

ideologia das classes dominantes, desta forma, sob a ótica do pensamento burguês; o

homem constrói a sua liberdade, os seus valores sem pensar no bem estar da

coletividade.

À medida que o poder público opta pela contenção de parcelas da população, a

partir do contexto social e econômico em que estão inseridas, acaba atribuindo aos

indivíduos a responsabilidade sobre a sua condição, moralizando comportamentos e

criminalizando determinadas condutas; uma vez que as políticas implementadas

associam pobreza à violência. Os setores econômicos, sociais e políticos são tratados

separadamente e o resultado dessa dissociação é a formulação e a implementação de

políticas sociais fragmentadas que tendem a amenizar os problemas sociais ao invés

de eliminá-los. Assim, retira-se o caráter histórico das políticas sociais, das lutas para

sua implementação.

A vinculação entre pobreza e violência acarreta uma série de danos à população,

pois o enfrentamento dos problemas desse segmento aparece como um fenômeno

eventual e localizado.

23

Page 24: sistema prisional e direitos humanos - desafios para a garantia de politica de proteção aos direitos dos presos - Ssocial

“Tal associação ideológica tem repercussões profundas para as classes subalternas, pois, além de não terem acesso a políticas públicas básicas, têm em torno de si comportamentos de discriminação e repressão. Devem ser enfatizadas, ainda, as marcas danosas produzidas em seus processos de subjetivação, em especial a internalização dessa concepção mistificadora”. (ALMEIDA, 2004:56).

A realidade das prisões brasileiras é uma expressão da questão social, existe uma

série de fatores que contribui para que ela permaneça nessas condições, violadora de

direitos. O efetivo carcerário, geralmente, é formado por segmentos da população com

baixa escolaridade, muitas vezes sem nenhum tipo de profissionalização, provenientes

das classes populares e inseridos no mercado informal de trabalho quando em

liberdade. Assim, aqueles que se encontram encarcerados, em algum momento de

suas vidas não conseguiram usufruir a cidadania na sua plenitude, pois apesar a

universalização dos direitos, o acesso aos mesmos se dá de maneira desigual. O

resultado dessa desigualdade de acesso aos direitos é fragmentação e a seletividade

das políticas sociais brasileiras faz com que a população tenha acesso a frações de

cidadania, uma vez que os direitos não são universalizados e os serviços oferecidos

não se efetivam frente às demandas da população.

A punição passa a ser realizada através do aspecto individualizante e não leva em

consideração a realidade, a totalidade social; o problema está no indivíduo e não nas

relações que constroem os valores e a dinâmica social. Para Iamamoto,

“a questão social é indissociável do processo de acumulação e dos efeitos que produz sobre o conjunto das classes trabalhadoras, o que se encontra na base da exigência de políticas sociais públicas. Ela é tributária das formas assumidas pelo trabalho e pelo Estado na sociedade burguesa e não fenômeno recente, típico do trânsito do padrão de acumulação no esgotamento dos 30 anos gloriosos da expansão capitalista.” (2001:11)

Com o advento do neoliberalismo, há o agravamento da questão social. Os

princípios constitucionais, em virtude da política econômica e social adotada, deixam de

ser objetos de intervenção direta do Estado, principalmente no que se refere às

24

Page 25: sistema prisional e direitos humanos - desafios para a garantia de politica de proteção aos direitos dos presos - Ssocial

políticas de seguridade social. As políticas sociais implementadas para o

enfrentamento das mazelas sociais permanecem com traços clientelísticos e focalistas

contribuindo para a permanência da “cultura de favores”, que ainda perpassa o ideário

da população brasileira. Ao passo que o Estado opta pela manutenção dos interesses

capitalistas, deixa de cumprir com suas funções e contribui para a criminalização da

miséria.

O desenvolvimento do capitalismo e, conseqüentemente, as transformações

ocorridas no mundo do trabalho geraram mudanças de caráter econômico, social e

político na sociedade; afetando drasticamente a vida da classe trabalhadora no que diz

respeito a efetivação de direitos.

O contexto atual é marcado pelos ajustes neoliberais que visam à diminuição das

funções estatais em detrimento de um Estado penal e repressor. Nota-se que as

políticas implementadas pelos governantes enfatizam a esfera econômica, com a

finalidade de potencializar o padrão de acumulação capitalista e as condições para sua

reprodução. Logo, o cidadão é visto como consumidor e as políticas sociais acabam

assumindo duas funções: social – pode ter função redistributiva de renda na sociedade,

funcionando como complemento ao salário do trabalhador; econômica – constituindo-se

como instrumento para baratear a força de trabalho, permitindo que os trabalhadores se

reproduzam de modo que a acumulação se dê a partir da força da classe trabalhadora.

(Pastorini, 1997).

Antunes, ao discorrer sobre os modelos de produção, afirma que atualmente:

“vivem se formas transitórias de produção, cujos desdobramentos são também agudos, no que diz respeito aos direitos do trabalho. Estes são desregulamentados, são flexibilizados, de modo a dotar o capital do instrumental necessário para adequar-se a sua nova fase. Direitos e conquistas históricas dos trabalhadores são substituídos e eliminados do mundo da produção. (1999: 16)

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Page 26: sistema prisional e direitos humanos - desafios para a garantia de politica de proteção aos direitos dos presos - Ssocial

O resultado das desigualdades sociais, que penalizam as camadas populares

também, se expressa no perfil da população carcerária brasileira. O sistema carcerário

do país é um reflexo das contradições produzidas pela própria sociedade que fortalece

a lógica excludente de um modelo econômico que marginaliza e criminaliza imensas

parcelas da população.

É possível notar que as prisões tornaram-se locais de neutralização e

esquecimento dos detentos; portanto, sem qualquer perspectiva de oferecer a esses

indivíduos uma alternativa para retornarem à sociedade. Neste sentido, o discurso da

“ressocialização” revela-se uma falácia. A sociedade não é harmônica e seus

problemas fundamentam-se nas contradições da sociedade capitalista, que, em

detrimento da apropriação privada da riqueza produzida pelo trabalho coletivo,

aprofunda cada vez mais as desigualdades sociais entre as classes.

Para Wacquant, os efeitos do encarceramento sobre as populações e os

espaços mais diretamente colocados sob tutela penal são:

“estigmatização, interrupção de estratégias escolares, profissionais, matrimônios e desestabilização das famílias, amputação das redes sociais, enraizamento em bairros marginalizados, onde o encarceramento se banaliza como uma “cultura de resistência ou mesmo de desafio à autoridade, e todo o cortejo de patologias, sofrimento e violências (inter) pessoais comumente associados à passagem pela instituição carcerária”. (2003:12)

Neste sentido, é possível perceber a reprodução social da desigualdade pelo

sistema punitivo brasileiro; uma vez que os fenômenos sociais são enfrentados a partir

de um viés coercitivo, tendo como objetivo a eliminação e contenção dos pobres.

Com as mudanças ocorridas no mundo do trabalho, houve uma reestruturação de

formas de produção e reprodução das mercadorias e conseqüentemente da vida social.

Essa reorganização do capitalismo gerou uma situação de incerteza para os

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Page 27: sistema prisional e direitos humanos - desafios para a garantia de politica de proteção aos direitos dos presos - Ssocial

trabalhadores, que passaram a vivenciar as reduções de empregos e o aumento dos

trabalhos informais. O cenário atual é de prevalência do mercado em detrimento da

minimização das funções estatais; há um processo de migração da população para

outros setores da economia, principalmente o terciário (que encobre uma série de

trabalhos informais, originando-se o subemprego).

A massa carcerária constitui uma parte significativa da população que não teve

acesso ao emprego por meio de qualificação adequada para sua inserção no mercado

de trabalho.

Embora alguns autores afirmem que a o trabalho não é um fator importante para

análise das desigualdades sociais na contemporaneidade, ele se constitui em um

elemento fundamental para a garantia das condições de vida de todos os indivíduos.

O Sistema de Proteção Social Brasileiro, baseado na idéia do seguro, tem

implícito o conceito de cidadania regulada (Santos, 1984), ou seja, o acesso aos

direitos encontra-se atrelado ao vínculo empregatício do trabalhador. Assim, com o

aprofundamento da política neoliberal no país, reduzem-se cada vez mais os postos de

trabalho formais e precarizam-se as relações contratuais existentes; não há

investimentos em infra-estrutura para que o operariado tenha acesso às Políticas de

Educação, Saúde, Habitação, Assistência etc..., condições básicas para a garantia de

um mínimo de sobrevivência e uma inserção mais qualificada no mercado de trabalho.

“No Brasil, revela-se um quadro em que tanto o Estado Social como o Estado Legal são fracos, pois incapazes de universalizar, de fato, os direitos sociais e os direitos civis. A garantia desses direitos permanece restrita a uma minoria, de modo que as amplas parcelas da população restam um Estado precário e repressor. É para as camadas sociais mais pobres, desprovidas dos direitos sociais, que se apresentam tanto os maiores riscos da criminalidade como a face repressora ou mesmo ilegal do Estado”.(NEME, 2005:15)

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Page 28: sistema prisional e direitos humanos - desafios para a garantia de politica de proteção aos direitos dos presos - Ssocial

Desta maneira, tem-se progressivamente um aumento significativo de indivíduos

encarcerados, uma vez que estes não apresentam condições de proverem suas vidas e

não possuem apoio estatal para a garantia de um sistema de proteção social que possa

ampará-los diante das incertezas postas pelo mercado de trabalho. O encarceramento

em massa revela que as medidas adotadas pelo Estado possuem um público

direcionado, que quando privado de sua liberdade, tem seus laços sociais

enfraquecidos; dificultando assim a retomada das relações sociais, quando estiver em

liberdade.

1.1 - Sistema Penitenciário do Estado do Rio de Janeiro

O sistema penitenciário do Rio de Janeiro encontra-se regulamentado pelo

Decreto 8.897 (RPERJ), instituído em 31 de março de 1986. Este decreto objetiva

complementar a Lei de Execuções Penais (1984), especificando as competências e os

procedimentos a serem adotados pelos diversos profissionais que atuam no sistema

penitenciário do Rio de Janeiro.

Este regulamento trouxe medidas significativas para a vida dos presos, uma vez

que no âmbito da assistência objetiva “a preservação da condição de ser humano do

detento tanto quanto prevenir o crime, além de orientar o retorno do interno à

convivência em sociedade, buscando proporcionar aos presos, assistência material, à

saúde, à defesa legal, educacional, de serviço social e religiosa, estendendo-se a

referida assistência aos egressos e aos filhos das presas no estado”.

Em 2002, o sistema prisional do Rio de Janeiro esteve vinculado à Secretaria de

Justiça, até então extinta; transformando-se na Secretaria de Direitos Humanos e

28

Page 29: sistema prisional e direitos humanos - desafios para a garantia de politica de proteção aos direitos dos presos - Ssocial

Sistema Penitenciário, no governo de Antony Garotinho. Passado este período, durante

o mandato de Benedita da Silva, o sistema carcerário retornou ao comando da

Secretaria de Justiça. Em 2003, a então governadora Rosinha Garotinho, através do

Decreto 32.621 de 1º de janeiro do referido ano, instituiu a Secretaria de Administração

Penitenciária (SEAP/RJ)7, com o objetivo de dar um tratamento individualizado e

específico ao sistema penitenciário do Rio de Janeiro.

A SEAP encontra-se organizada através de três Subsecretarias Adjuntas:

Unidades Prisionais8, Infra-Estrutura e Tratamento Penitenciário, além de uma

Subsecretaria Geral de Administração Penitenciária. Tem ainda três Coordenações de

Unidades Prisionais: Gericinó, Frei Caneca e isoladas; Niterói e interior, com o objetivo

de dar assistência mais personalizada às direções dos presídios. São órgãos da SEAP:

Fundação Santa Cabrini (FSC), o Conselho Penitenciário (CONPE) e o Fundo Especial

Penitenciário (FUESP).

Apesar de toda uma estrutura voltada para a questão da individualização da pena

dos presos, bem como da tentativa das melhorias das condições de vida dos apenados

nas unidades prisionais, o sistema carcerário do estado do Rio de Janeiro apresenta

contradições quanto aos objetivos da política de encarceramento e os resultados

obtidos atualmente.

Existe uma separação entre o tratamento penal e a segurança penitenciária,

ambas orientam-se por perspectivas diferenciadas; predominando sobre o sistema

penal o pensamento dos agentes de segurança. A lógica da punição permanece sob a

ótica positivista, onde os indivíduos serão “reinseridos” na sociedade através da

7 www.seap.rj.gov.br 8

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perspectiva da “ressocialização”, onde os apenados, dentro das prisões, adquiririam

novos hábitos para tornarem-se “bons cidadãos”, ou seja, é a realização de uma

metodologia de trabalho que tem como referencial um modelo de sociedade em que

não há contradições, as relações sociais são harmônicas e, portanto os indivíduos

devem se adequar à mesma; pois os fatores que ocasionaram a perda da liberdade

estão estritamente vinculados à subjetividade dos apenados.

Desde o seu nascimento, início do século XIX, a penalidade estabelecida

constituiu-se na manutenção do controle dos indivíduos, “de maneira cada vez mais

insistente, tem em vista menos a defesa geral da sociedade que o controle e a reforma

psicológica e moral das atitudes e dos comportamentos dos indivíduos” (FOUCALT,

1977: 67).

Neste período, o controle dos indivíduos não se restringirá apenas ao poder do

judiciário; várias instituições lhe darão suporte para o acompanhamento da execução

da pena dos presos:

“uma gigantesca série de instituições que vão enquadrar os indivíduos ao longo de sua existência; instituições pedagógicas como a escola, psicológicas e psiquiátricas como o hospital, o asilo, a polícia, etc. Toda essa rede de um poder que não judiciário deve desempenhar uma das funções que a justiça se atribui neste momento: função não mais de punir as infrações dos indivíduos, mas de corrigir suas virtualidades” (idem, 1974:68).

O sistema penitenciário apresenta novos mecanismos para aplicação da punição.

Se antes, no nascimento das prisões o corpo era o alvo de práticas violentas e estas

eram demonstradas publicamente, na atualidade, os presos continuam sendo

submetidos à praticas de tortura, que englobam violência física e psicológica e estas

não são publicizadas regularmente, uma vez que não há interesse em divulgar a

realidade destas instituições. As condições degradantes a que são submetidos;

contribuem para o fomento de rebeliões, bem como para dificultar o retorno dos presos

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à vida em liberdade. Apesar dos avanços constitucionais e do surgimento de

alternativas para o cumprimento da pena e a prevenção do crime, as taxas de

encarceramento da população brasileira continua apresentando cada vez mais acirrada.

A situação dos apenados não se diferencia totalmente dos presos de regimes

passados, ao contrário: os modelos de prisões contemporâneos apresentam uma nova

“roupagem”, mas atuam de modo a assegurar que estes indivíduos permaneçam sob

vigilância a todo o momento; uma série de elementos coercitivos são implementados

para o controle da subjetividade de cada um dos internos. Durante o período de

encarceramento, estes perdem a sua individualidade uma vez que suas singularidades

são expostas a situações vexatórias cotidianamente.

Se antes existia o Panopticon9 “uma forma de arquitetura que permite um tipo de

poder do espírito sobre o espírito” (idem,1977:69); para o controle dos indivíduos, hoje,

a sociedade capitalista através dessas mesmas instituições exercem um poder sobre os

indivíduos que, através de determinados comportamentos e infrações a normas

estabelecidas socialmente, os levam a legitimação e reprodução da ordem. O controle

também se dá através da esfera privada dos cidadãos, o ideário dominante é propício à

perpetuação de uma ideologia que culpabiliza os indivíduos pela sua condição.

Com o advento da sociedade industrial as formas de punição deixam de ter como

foco central a função de disciplinar e reeducar os apenados; têm como finalidade

adequar os indivíduos às novas formas de produção da sociedade capitalista.

9 O Panopticon era um edifício em forma de anel, no meio do qual havia um pátio com uma torre no centro. O anel se dividia em pequenas celas que davam tanto para o interior quanto para o exterior. Em cada uma dessas pequenas celas havia segundo o objetivo da instituição, uma criança aprendendo a escrever, um operário trabalhando, um prisioneiro se corrigindo, um louco atualizando sua loucura. Na torre havia um vigilante. Como cada cela dava para o interior e exterior, o olhar do vigilante podia atravessar toda a cela; não havia nenhum ponto de sombra e, por conseguinte, tudo que fazia o indivíduo estava exposto ao olhar de um vigilante que observava através de venezianas, de postigos semi-cerrados de modo a poder ver tudo, sem que ninguém ao contrário pudesse vê-lo. (FOUCALT: 1974: 68,69)

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Foucault sustenta que a prisão vai muito além da simples detenção, ela pretende

disciplinar o indivíduo e torná-lo dócil. Pois, “é dócil um corpo que pode ser submetido,

que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado” (1977:126)

Os mecanismos de disciplinamento dos cárceres, as formas de regulação do

cotidiano prisional, servem para moldar o comportamento dos aprisionados numa

perspectiva preventiva e educativa, mas que são sobrepostas pela lógica da punição.

Melossi (2005) ao discutir a vinculação entre cárcere e trabalho descreve como a

casa de trabalho foi uma estratégia anterior ao cárcere, de subordinação das classes

subalternas ao desenvolvimento do sistema capitalista: a casa de trabalho – “um

protocárcere” que seria depois tomado como modelo da forma moderna do cárcere no

período iluminista, isto é quando ocorreu a verdadeira “invenção da penitenciária” não

parecia ser outra coisa senão uma instituição de adestramento forçado das massas ao

de modo de produção capitalista, afinal, para elas, esse modo de produção era uma

absoluta novidade ( e nesse sentido, a casa de trabalho era uma instituição subalterna

à fábrica).

“Neste sentido, torna-se indispensável considerar tanto a dimensão instrumental quanto a dimensão simbólica da instituição carcerária. A dimensão instrumental nos permite iluminar as origens da penitenciária e as funções econômicas imediatas que ela assumia, sendo a principal delas a produção de uma força de trabalho disciplinada e disponível à valorização capitalista. A dimensão simbólica, por sua vez permite-nos explicar o motivo do sucesso histórico aparente da instituição carcerária. O cárcere representa a materialização de um modelo ideal de sociedade capitalista industrial, um modelo que consolida através do processo de desconstrução e reconstrução contínua dos indivíduos no interior da instituição penitenciária”. (GIORGI, 2006:45).

Deste modo, tem-se na contemporaneidade a produção de formas de

estigmatização e criminalização dos indivíduos que não têm acesso ao trabalho, a

punição continua sendo focalizada aos segmentos populares da sociedade, naqueles

que vivem em situação de pobreza. A política de controle implementada pelo Estado

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contribui para o aumento das desigualdades sociais restando aos indivíduos que não

usufruem os direitos sociais a adoção de medidas alternativas para a garantia de sua

sobrevivência. “A força de trabalho excedente, desempregada, se vê obrigada a

garantir a sua existência através de artifícios e de estratégias de sobrevivência que vão

do biscate ao crime. É a utilização de meios legítimos de sobrevivência. (DORNELLES,

1992:57).

Garland apropriando-se do pensamento de Michel Wieviorka (1997), a partir da

década de 60, ocorre em nível mundial um novo paradigma da violência. Este novo

paradigma origina-se das transformações sociais, políticas e econômicas; emergindo

desde então novas formas de controle social e punição. O surgimento de novas formas

de controle produzem novas relações sociais,

“mais do que uma mudança circunscrita às práticas e percepções acerca do crime e da criminalidade, ou das formas de controle social e de punição, estaria ocorrendo na atualidade uma transformação mais geral da violência e de suas representações no mundo contemporâneo (pág. 08)”

Esse novo reordenamento alterou as formas de punição e o tratamento destinado

à criminalidade. Ocorreram modificações nas práticas penais e nas políticas de

segurança; pois as estratégias de manutenção da ordem atentam-se para o

crescimento da insegurança e do medo presente na sociedade. As políticas formuladas

pelo Estado tentam responder de maneira eficaz aos anseios da população diante dos

elevados índices de criminalidade transmitidos constantemente pelos meios de

comunicação.

O sistema carcerário brasileiro apresenta particularidades, quanto às práticas de

violência incorporadas ao cotidiano das prisões. Wacquant (2001) demonstra alguns

elementos importantes que contribuem para as formas de punição adotadas pelo Brasil.

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Chama atenção, conforme já foi mencionado, para posição subordinada do país na

estrutura das relações econômicas internacionais, acarretando disparidades sociais

vertiginosas e a pobreza de massa que, ao se combinarem, alimentam o crescimento

inexorável da violência criminal. Afirma também o uso rotineiro da violência letal pela

policia militar e o recurso habitual à tortura por parte da polícia civil, as execuções

sumárias e os desaparecimentos inexplicados geram um clima de terror entre as

classes populares, que são seu alvo, e banalizam a brutalidade no seio do Estado;

sinaliza que no Brasil existe um recorte de classe, sendo a discriminação baseada na

cor um elemento fundamental para aplicação da violência pelos aparelhos policial e

judiciário; e por fim, menciona o estado das prisões, utilizados para o controle dos

distúrbios urbanos; por meio de uma associação entre as prisões brasileiras e os

campos de concentração, como empresas públicas de depósito industrial dos dejetos

sociais.

Assim, as prisões são utilizadas para conter um público que não se enquadra ao

modelo de sociedade vigente, é um instrumento,

‘‘ (...) para limpar as escorias das transformações econômicas em curso e retirar do espaço público o refugo da sociedade de mercado – os pequenos delinqüentes ocasionais, os desempregados e os indigentes, os sem teto, os sem documentos, os toxicômanos, os deficientes e doentes mentais deixados de lado por incúria de proteção sanitária e social. (DAMER PEREIRA apud Wacquant, 2004:217)

As relações estabelecidas nestes espaços revelam a fragilidade de uma política

penitenciária que gera cada vez mais o distanciamento entre o plano formal e a

efetivação de direitos dos apenados. Diariamente, os presos convivem com uma série

de violações de direitos que incidem brutalmente em suas vidas, principalmente no

tocante aos seus projetos de liberdades. Os presos não têm a possibilidade de projetar

suas vidas extramuros, porque não se viabilizam condições para que possam obter

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Page 35: sistema prisional e direitos humanos - desafios para a garantia de politica de proteção aos direitos dos presos - Ssocial

meios para garantia de sua sobrevivência e de seus familiares. Muitos reincidem

porque encontram uma realidade bastante complexa quando saem em liberdade.

Mesmo com o apoio dos familiares são numerosos os efeitos produzidos pelas prisões,

que dificultam principalmente o acesso ao mercado formal de trabalho.

A violência no interior das instituições penais é resultado de vários aspectos que,

combinados, contribuem para a banalização das condições de vida da população

carcerária.

Salla (2001) afirma, que ao longo das décadas de 1980 e 1990, a violência nas

prisões brasileiras tem sido resultado de um conjunto bastante conhecido de aspectos:

a deterioração das condições físicas dos locais de encarceramento, a superlotação, a

falta de condições de higiene, a inexistência de serviços de assistência à saúde, a falta

de assistência judiciária, a corrupção e a incompetência administrativa, além da

constância na prática de tortura.

Geralmente, os elementos acima descritos são alvos de reivindicações dos presos

durante rebeliões. Estas, quando ocorrem, consistem em estratégias de resistência às

formas de convivência no interior das prisões.

Nas unidades prisionais do Rio de Janeiro, os apenados têm muitas dificuldades

quanto ao acesso aos serviços oferecidos pela instituição. A área técnica, composta por

profissões como, Serviço Social, Psicologia, Psiquiatria, Educação, dentre outras, é um

espaço, ainda que com um viés de manutenção e coesão, que propicia melhores

condições de vida a estes indivíduos, oferecendo orientações e realizando atividades

que garantam seus direitos, tais como: assistência social, psicológica, educacional,

visando à garantia de um apoio durante a execução da pena. Porém, verifica-se que há

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alguns obstáculos por parte dos agentes de segurança para que estes setores

desenvolvam seus respectivos trabalhos.

Muitos desses impedimentos estão estritamente ligados à questão da segurança;

a movimentação de presos parece causar uma certa fragilidade no interior dos

presídios, impossibilitando a realização de trabalhos que venham a contribuir com o

desenvolvimento das potencialidades dos apenados. Assim, as práticas que têm como

propósito a promoção da cidadania dos internos não têm tanta relevância em relação às

atividades desenvolvidas pela segurança, que objetivam apenas a manutenção da

ordem e da segurança penitenciária.

Dhamer Pereira (2006) assinala que o cotidiano da vida prisional assemelha-se ao

jogo de “cabo de guerra” numa ponta estão os inspetores penitenciários, com sua

atenção voltada para as ações de manutenção da ordem; na outra ponta do jogo os

profissionais da assistência. Os dois grupos se queixam mutuamente e cada um dos

lados acusa o outro de colocar empecilhos à realização de seus trabalhos.

Trata-se de perspectivas diferenciadas de trabalho, pois o processo de formação

desses profissionais abrangem questões que não se articulam no interior das Unidades

Prisionais. Ambas as partes estão sempre reivindicando em torno de condições

propícias para o desenvolvimento de suas atividades, pois:

“as contradições advindas dos objetivos divergentes perseguidos tanto por inspetores quanto por técnicos podem ser simplificadas como no jogo cabo de guerra mencionado. Todos os envolvidos na administração da custódia de presos convivem com este conflito, intrínseco à pena privativa de liberdade e às medidas de segurança; jamais haverá vencidos e vencedores. (pág. 185)

As formas punitivas existentes na sociedade brasileira fundamentam-se em uma

perspectiva de criminalização da pobreza, as classes subalternas – público alvo das

prisões são discriminadas pelas condições sócio-econômicas em que vivem.

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A face punitiva das ações realizadas no sistema penitenciário do Rio de Janeiro

“produz não só a relação de desigualdade, mas os próprios sujeitos passivos desta

relação” (Baratta, 2002:166).

“a função do cárcere na produção de indivíduos desiguais (...) recrutando-os principalmente das zonas mais depauperadas da sociedade, um setor de marginalizados sociais particularmente qualificado para intervenção estigmatizante do sistema punitivo do Estado e para a realização daqueles processos que, a nível da interação social e da opinião pública, são ativados pela pena e contribuem para realizar o seu efeito marginalizador e atomizante. (Idem, pág. 167).

Dados do Infopen10 revelam que, em 2007, o quantitativo da população carcerária

do estado do Rio de Janeiro, incluindo homens e mulheres, era de 22.851 reclusos.

Estes distribuídos de acordo com seus respectivos regimes e situações: Presos

Provisórios, Regime Fechado, Semi-Aberto, Regime Aberto, Medida de Segurança-

Internação, Medida de Segurança-Tratamento ambulatorial.

Em relação à quantidade de presos por Grau de Instrução tem-se: Analfabetos:

4.069, Alfabetizados: 511, Ensino Fundamental Incompleto: 13.849, Ensino

Fundamental Completo: 2.514, Ensino Médio Incompleto: 801, Ensino Médio Completo:

913, Ensino Superior Incompleto:118, Ensino Superior Completo: 74, Ensino acima de

Superior Completo:02.

Ilustração 1

10 Inteligência Penitenciária Nacional do Depen.

37

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GRAU DE INSTRUÇÃO - POPULAÇÃO CARCERÁRIA DO RIO DE JANEIRO

18%

2%

60%

11%

4%

4%

1%

0%

0%

Analfabetos

Alfabetizados

Ensino FundamentalIncompletoEnsino FundamentalCompletoEnsino MédioIncompletoEnsino Médio Completo

Ensino SuperiorIncompletoEnsino SuperiorCompletoEnsino acima deSuperior Completo

Da população carcerária 80% possui nível de escolaridade baixo, refletindo a

situação de pobreza que estes indivíduos vivenciam cotidianamente; em conseqüência

da precariedade das condições de vida e das relações de trabalho. Muitos apenados

nunca obtiveram vínculo empregatício durante a vida profissional; estiveram sempre

vinculados ao mercado informal de trabalho desenvolvendo atividades laborativas sem

nenhum tipo de proteção por parte do Estado.

A ausência de proteção social é resultado de uma política que aprofunda as

desigualdades sociais,

“a sociedade brasileira continua caracterizada pelas disparidades sociais vertiginosas e pela pobreza de massa que, ao se combinarem, alimentam o crescimento inexorável da violência criminal, transformada em principal flagelo das grandes cidades.” (WACQUANT, 2001:08)

O mesmo autor sinaliza dentre outros fatores que,

“o recorte de hierarquia de classes e de estratificação etnorracional e a discriminação baseada na cor, endêmica nas burocracias policial e judiciária (...) os indiciados de cor se beneficiam de uma vigilância particular por parte da polícia, têm mais dificuldades de acesso a ajuda jurídica e por um crime igual,

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Page 39: sistema prisional e direitos humanos - desafios para a garantia de politica de proteção aos direitos dos presos - Ssocial

são punidos com penas mais pesadas que seus comparsas brancos. E, uma vez atrás das grades, são ainda submetidos às condições de detenção mais duras e sofrem violências mais graves. Penalizar a miséria significa aqui tornar invisível o problema negro e assentar a dominação racial dando-lhe um aval de Estado” (idem, págs. 09 e10).

Ilustração 2

Quantidade de Presos por Cor de Pele/Etnia

31%

25%

43%

0%

1%

Branca

Negra

Parda

Amarela

Outros

No sistema penitenciário do Rio de Janeiro, o total de negros e pardos

corresponde a 15.572 do total de 22.851 internos (as). Este dado representa os

destinatários da política de encarceramento se localizam nas classes populares, pois

este segmento da sociedade é composto de indivíduos que apresentam maiores

dificuldades para terem seus direitos garantidos. Geralmente são aqueles que se

inserem precariamente no mercado formal de trabalho, possuem baixa escolaridade, a

base salarial gira em torno de um salário mínimo, sem contar com as pessoas inseridas

no mercado informal, que sobrevivem de uma renda que nem sempre é suficiente para

sobrevivência familiar e são completamente desprotegidos em relação aos direitos, uma

vez que a seguridade social organiza-se através do seguro social, dificultando o acesso

aos direitos, tendo um de seus princípios “seletividade e distributividade na prestação

dos benefícios e serviços”, ou seja, a situação de vínculo empregatício define quem terá

acesso aos benefícios e serviços previstos em lei.

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Page 40: sistema prisional e direitos humanos - desafios para a garantia de politica de proteção aos direitos dos presos - Ssocial

No sistema carcerário do Rio de Janeiro, bem como do restante do país há a

ausência de uma padronização da política penitenciária orienta e organiza as ações

neste campo de intervenção, que não se constitui como área privilegiada para o Estado.

Não existe investimento porque “o sistema prisional apresenta-se como funcional à

economia capitalista, tal como a criminalidade, já que contribuem decisivamente para o

mercado da segurança pública” (DHAMER PEREIRA, 2006:342). As modificações

neste poder instituído implicariam mudanças nas relações sociais presentes no

cotidiano e conseqüentemente no entendimento de que o modelo de encarceramento

não é a única via para os problemas sociais.

A compreensão de que o aumento da violência e dos índices de criminalidade

estão vinculados à decisões de cunho econômico e político, que incidem nas condições

de vida dos indivíduos, é de fundamental importância para que se pense em políticas

sociais universais, de caráter preventivo de modo a auxiliar a população no provimento

de suas necessidades básicas.

As políticas sociais aplicadas pelo poder público são pontuais, não se efetivam

concretamente em relação às demandas sociais apresentadas pela população. Desta

forma acabam por fragilizar a vida daqueles que necessitam dos serviços oferecidos,

uma vez que não são idealizadas sob o princípio de universalidade de atendimento,

existe um público específico que acessa as ações realizadas pelo poder público. À

medida que estes serviços (saúde, educação, assistência,...) são débeis e fragilizados

não respondem às expectativas dos indivíduos deixando-os em condição de

vulnerabilidade social.

As políticas sociais existentes no cárcere, também são bastante ineficientes; pois

não há uma articulação entre as mesmas. A ausência de uma política específica para o

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Page 41: sistema prisional e direitos humanos - desafios para a garantia de politica de proteção aos direitos dos presos - Ssocial

sistema penal colabora para a inexistência de uma interlocução entre as demais

políticas: saúde, assistência, educação, entre as diversas áreas que se ocupam do

“tratamento” e também das questões pertinentes à segurança e ao cumprimento da

pena.

Todos os problemas apontados contribuem para permanência de práticas

violentas que se traduzem no descontentamento dos apenados, bem como dos agentes

de segurança que exercem suas funções em condições precárias e insalubres.

As rebeliões, comumente associadas à reivindicações dos presos por melhorias

nas unidades prisionais, são apropriadas pela mídia de forma sensacionalista,

transmitindo à sociedade que a violência existente nestes espaços origina-se da

insubordinação dos presos às medidas adotadas pela administração dos presídios em

relação às regras de condutas emanadas para segurança e o funcionamento destas

instituições. São escassos os noticiários que fazem observações sobre a realidade dos

espaços prisionais e do público que neles encontram-se privados de sua liberdade.

Garland (1997), que faz uma associação entre as falhas do sistema penal e a

questão da violência, afirma que:

“há uma tensão inerente às sociedades ocidentais, uma vez que estas lidam com a punição de forma racional e por meio de um desejo coletivo moral e apaixonado de punir aqueles que violam as regras sociais. A tentativa de prevenir o crime por meio de leis e de um sistema carcerário convive com o desejo de vingança. O sistema jurídico-penal, portanto, é capaz de oferecer melhores oportunidades de escolha para uma vida sem crimes, mas também opera no sentido de satisfazer vontades coletivas’.

Neste sentido, a lógica da punição relaciona-se muito mais ao desejo de punir

aqueles que violaram as regras impostas por um modo de pensar dominante, do que

oferecer um sistema que busque respeitar os direitos destas pessoas e que

conseqüentemente garanta o mínimo necessário para que os apenados tenham

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condições de cumprirem sua pena e obterem acesso a políticas que lhe dêem suporte

quando estiverem em liberdade.

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Page 43: sistema prisional e direitos humanos - desafios para a garantia de politica de proteção aos direitos dos presos - Ssocial

Capítulo II: A Execução Privativa da Pena e a banalização da violência

no interior das prisões.

Existe um grande distanciamento entre a esfera legal e as práticas realizadas nas

prisões. Com base em alguns instrumentos legais referentes ao sistema penitenciário

buscou-se identificar a banalização da violência por parte do Estado; uma vez que este

viola cotidianamente os direitos da população carcerária, apesar da existência de

mecanismos legais que dispõem sobre o tratamento penal destinados aos presos.

A vida da população brasileira tem sido marcada por numerosas situações de

violência. Atualmente, os meios de comunicação têm veiculado uma série de notícias

relacionadas ao aumento da criminalidade e da insegurança nas grandes cidades e é

possível verificar que há uma necessidade de convencimento da população em relação

ao endurecimento das penas, como se o encarceramento daqueles que cometem

delitos fosse a solução para a redução dos elevados índices de violência na sociedade.

A realidade das prisões brasileiras revela de forma concreta as condições de vida

dos apenados (celas superlotadas, instalações degradadas, doenças, ociosidade,

injustiça). Estes fatores são condicionantes para o surgimento de motins e rebeliões.

Sobre as condições degradantes dos presídios, Rolim (2007) cita um trecho do

Relatório Anual (2002) do Centro Internacional para Estudos Penitenciários:

“O conceito tradicional de prisão, pelo menos nos países ocidentais, é de um lugar onde o ofensor é enviado como castigo, e não para ser castigado. O que implica que o castigo consiste na privação de liberdade e não se estende à forma na qual as pessoas aí são tratadas (...). Cada vez mais, aumenta o número de instâncias nas quais as condições em que os presos são mantidos dá a impressão que eles foram enviados para a prisão para serem castigados. Isto provavelmente depende dos recursos da administração da prisão para mantê-las em boas condições de detenção (...). Em muitos casos as condições repressivas são impostas nos presídios de modo intencional, como uma forma

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de administração executiva e conveniente para lidar com os presos que apresentam risco de fuga ou rebelião. Também porque acreditam que determinado grupo de presos merece tal tratamento devido às ofensas pelas quais foram presos ou condenados”. (pág. 83).

O mesmo autor, em linhas gerais, apresenta as principais avaliações críticas

produzidas no Brasil sobre o sistema penitenciário, estas demonstram o

posicionamento do Estado quanto às estratégias adotadas para a contenção da

criminalidade.

1. “O sistema de Justiça Criminal no Brasil tem privilegiado as condenações às penas privativas de liberdade. Ao longo dos últimos anos, tais condições têm sido empregadas com muito maior freqüência pelo Poder Judiciário cuja tendência mais representativa parece apontar – na maior parte dos estados, pelos menos – para um endurecimento da execução penal e para a prolatação de sentenças mais longas”.

Nota-se que há um aparato judicial e policial que privilegia o encarceramento dos

indivíduos, ao invés da aplicação de penas alternativas em relação ao delito cometido.

O Estado utiliza a força e a militarização “para conter a insegurança física cujo vetor é a

criminalidade de rua e a insegurança social gerada em toda parte pela dessocialização

do trabalho assalariado, o recuo das proteções coletivas e a mercantilização das

relações humanas”. (Wacquant, 2001:13).

2. “Independentemente do fenômeno objetivo de avanço da criminalidade e do aumento da violência produziu-se no Brasil uma avassaladora sensação de insegurança que parece moldar cada vez mais o comportamento e as expectativas disseminadas socialmente. Concorre para esse fenômeno, o destaque desproporcional e muita das vezes sensacionalista oferecido pela mídia aos temas da violência e da criminalidade, o que contribui, também, para que toda a discussão pública a respeito da segurança seja constrangida por uma forte dose de emocionalismo e preconceitos”.

A mídia tem um papel fundamental quanto à formação da opinião pública em

relação aos problemas sociais, econômicos e políticos da sociedade. Quando faz

referência ao aumento da violência e da criminalidade, constrói no imaginário social a

idéia de medidas repressivas como única alternativa contra autores de delitos,

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Page 45: sistema prisional e direitos humanos - desafios para a garantia de politica de proteção aos direitos dos presos - Ssocial

desconsiderando a historicidade de vida destes indivíduos e as contradições existentes

na sociedade.

3. ”Do ponto de vista político, este mesmo clima passa a alimentar iniciativas de cunho demagógico – seja no âmbito administrativo, seja no âmbito legislativo - e reforça um discurso retrógrado do tipo “lei e ordem” e/ou “tolerância zero” não raras vezes proponentes da violência hostil a qualquer princípio humanista”.

O discurso demagógico da punição surge como uma alternativa única frente a

violência que assola o país, para o Estado a militarização da vida social é a solução

para os problemas sociais.

Nestas circunstâncias, verifica-se que a organização do sistema de justiça criminal

no Brasil, “revela a função coercitiva do Estado e demonstra que a justiça se torna mais

rígida e passa a punir associada a um aparelho policial mais vigilante” (DAHMER

PEREIRA, 2006:67), não oferece estrutura para o cumprimento das penas, e sua

finalidade concentra-se apenas no aspecto punitivo e no controle dos indivíduos nas

prisões.

Zaffaroni afirma que:

“O poder punitivo é seletivo por natureza; não existe no mundo um sistema penal que não seja seletivo. É um dado estrutural, não acidental. Por causa disso, o que pode e deve fazer um sistema penal (e o direito penal como contra – poder de contenção) é procurar diminuir o grau da seletividade. Para isso não é solução reprimir ainda mais algumas camadas sociais, ou seja, impor maior repressão, mas diminuir o peso da repressão geral. (...) Não temos um modelo ideal no mundo. Pensar no melhor sistema penal é perguntar pela melhor guerra. Temos sistemas penais mais ou menos violentos, mais ou menos corruptos, mais ou menos seletivos, mas ideais, nenhum. (2007:135)

Rolim (2007) sinaliza alguns dos principais problemas das instituições penais

brasileiras, que contribuem para a banalização da violência e o desrespeito aos direitos

dos presos durante o cumprimento das penas privativas de liberdade:

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Page 46: sistema prisional e direitos humanos - desafios para a garantia de politica de proteção aos direitos dos presos - Ssocial

1. Inexistência de um processo de individualização das penas, condicionada, em larga medida, pela circunstância objetiva da superlotação das casas prisionais.

2. Ausência de procedimentos padronizados de administração prisional, tratamento dos presos e o gerenciamento de crises.

3. Inexistência de garantias mínimas e exposição sistemática dos condenados às mais variadas possibilidades de violência por parte dos demais presos e por parte de funcionários do sistema.

4. Regimes disciplinares rigorosos e ineficientes que agravam arbitrariamente a execução penal e promovem tensionamentos desnecessários nas instituições.

5. Tratamento inadequado e normalmente ilegal e abusivo na revista de familiares de apenados quando das visitas às instituições.

O conhecimento sobre o cotidiano dos apenados ocorre em momentos extremos,

não se discute os problemas referentes ao sistema penitenciário e não há um

entendimento de que as contradições existentes dentro destes espaços originam-se

das desigualdades existentes na sociedade.

A persistência de violações de direitos nas prisões é resultado do estigma sofrido

por este segmento pelos próprios agentes do Estado e também pela população que

reage de forma bastante incisiva quanto às medidas a serem adotadas durante o

período privação de liberdade destes indivíduos. É comum a associação dos direitos

humanos a direitos de bandidos, essa simples relação retira o caráter histórico das

conquistas democráticas, resultado de lutas sociais da humanidade e exclui também o

caráter universal desses direitos; uma vez que no senso comum estes são restringidos

à população carcerária.

A falta de conhecimento da vida intramuros por parte da população e a ausência

de vontade política dos governantes para tornar efetivas as prescrições das leis, gera

esse distanciamento entre a esfera legal e as garantias previstas aos apenados, pois

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Page 47: sistema prisional e direitos humanos - desafios para a garantia de politica de proteção aos direitos dos presos - Ssocial

em nome da ordem e da segurança legitimam-se práticas que não condizem com os

instrumentos legais que visam o bem estar de todos os indivíduos.

As prisões destinam-se aos que ficaram à margem do desenvolvimento econômico

produzido na sociedade capitalista. O acúmulo de riquezas concentrado nas mãos de

uma minoria da população expressa as disparidades sociais existentes entre a classe

trabalhadora e a classe dominante.

As desigualdades sociais são inerentes a este modelo de sociedade, portanto, o

acesso aos direitos se constitui em uma dificuldade para determinados segmentos da

população.

Nesta perspectiva, Coutinho (1997:159) assinala que “a divisão da sociedade em

classes constitui um limite intransponível à afirmação conseqüente da democracia” (...).

Ao discutir o conceito de cidadania, afirma que no modelo de produção capitalista

a mesma não se realiza. Para Coutinho, em uma democracia efetiva, todos os

indivíduos se apropriam da riqueza socialmente produzida.

Apesar da existência de um Estado de Direito no país, a democracia brasileira,

ainda é bastante deficitária, a universalidade dos direitos não atinge a totalidade da

população. Constata-se que a classe trabalhadora tem sido submetida a situações

extremas de exploração, ficando assim a vulnerável a condição de pobreza e miséria.

Os direitos sociais são paulatinamente desmontados e as políticas sociais,

implementadas através de lutas sociais não ampliam os direitos deste segmento,

constituindo-se em instrumentos focais e assistencialistas; que não abrangem os

problemas sociais na sua totalidade.

Mészáros (1993) chama atenção para o que Marx afirma ser uma “ilusão jurídica”,

que trata a esfera dos direitos como independente ou auto regulada (pág. 204); ou seja,

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Page 48: sistema prisional e direitos humanos - desafios para a garantia de politica de proteção aos direitos dos presos - Ssocial

a realização dos direitos ocorre sem levar em consideração as escolhas dos indivíduos,

ela existe independentemente da vontade humana.

“A objeção principal de Marx diz respeito à contradição fundamental entre os

direitos do homem e a realidade da sociedade capitalista, onde se crê que estes direitos

estejam implementados”. (1993:204)

Nesta sociedade, torna-se insuficiente a garantia de direitos apenas no plano

formal, estes estão voltados apenas para uma minoria ao invés de serem

universalizados para todos os cidadãos.

“Os direitos humanos de liberdade, fraternidade e igualdade são, portanto, problemáticos, de acordo com Marx, não por si próprios, mas em função do contexto em que se originam, enquanto postulados ideais abstratos e irrealizáveis, contrapostos à realidade desconcertante da sociedade de indivíduos egoístas. Ou seja, uma sociedade regida pelas forças desumanas da competição antagônica e do ganho implacável, aliados à concentração de riquezas em número cada vez menor de mãos (1993:207)

Ao trabalhar a questão da propriedade privada sinaliza que “a aplicação da

pretendida igualdade direitos a posse culminou em uma contradição radical, visto que

implicou necessariamente a exclusão de todos os outros da posse efetiva, restrita a um

só indivíduo”.

“Marx rejeita enfaticamente a concepção de que o direito à propriedade privada

(posse exclusiva) constitui a base de todos os direitos humanos” (1993:208). Retira-se

o caráter universal dos direitos humanos, eles passam a serem atribuídos apenas para

aqueles que possuem os meios de produção; tornando-se justificativa para as

desigualdades sociais.

Quanto ao sistema penitenciário, nota-se que o conjunto de instituições que o

organizam transformaram-se em espaços privilegiados para o desrespeito aos direitos

humanos. Os apenados são submetidos a condições de vida lastimáveis devido ao

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constante descumprimento das leis. Não há nenhuma garantia de que os presos

tenham a possibilidade de cumprirem suas penas em conformidade com o delito

cometido e não há suporte para que o preso possa, gradualmente, dar continuidade a

sua vida quando estiver em liberdade.

Aqueles que se encontram encarcerados buscam através dos familiares e de

algumas instituições – principalmente as religiosas11; o apoio necessário para

conviverem com esta dura realidade, imposta cotidianamente.

Neste sentido, torna-se necessário enfrentamento desta problemática no país, pois

é necessário afirmar os princípios democráticos do Estado de direito, num momento em

que a violação de direitos abrange toda a população brasileira.

Bobbio (1992:25) afirma que “o problema grave do nosso tempo, com relação aos

direitos do homem, não é mais o de fundamentá-los, e sim o de protegê-los”.

“(...) o problema que temos diante de nós não é filosófico, mas jurídico e, num sentido mais amplo, político. Não se trata de saber quais são e quantos são esses direitos, qual é a sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados”.

DHAMER PEREIRA (2006:133) sinaliza que reafirmar os direitos humanos, no

caso os direitos dos presos e de suas famílias – não é uma dificuldade de ordem

conceitual. São direitos reconhecidos, pelo menos, por parte da humanidade e constam

nas normas internacionais”. Além disso, expressam o interesse maior da humanidade, o

qual deve predominar sobre o interesse particular (MESZÁROS, 1993:214).

A dificuldade em realizá-los está relacionada à falta de compreensão da população

em relação aos direitos dos presos e também decorre da ausência de uma política

11 Geralmente, os presos que não recebem visitas dos familiares buscam o apoio material e emocional junto a entidades religiosas.

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Page 50: sistema prisional e direitos humanos - desafios para a garantia de politica de proteção aos direitos dos presos - Ssocial

institucional definida e estruturada em níveis nacionais, que possibilite a configuração

de diretrizes e objetivos para o sistema penitenciário brasileiro.

Meszáros (2006) alerta, contudo para o risco dos direitos humanos se tornarem

um mero discurso ideológico enquanto os interesses de classe prevalecerem e

paralisarem a realização do interesse de todos. E chama atenção ainda para o

significado da expressão do interesse de todos, que numa sociedade como a nossa

pode ser interpretada como os interesses de todos os setores dominantes.

Desta forma, os direitos humanos devem ser entendidos como direitos universais,

portanto viabilizados a todos os indivíduos. Para que sejam efetivados torna-se

necessária modificações na estrutura social visando a garantia de uma sociedade mais

justa e igualitária.

Tendo em vista os aparatos legais de proteção aos direitos humanos, o próximo

item deste trabalho destina-se a análise da implementação desses mecanismos dentro

das prisões.

2.1. Legislações de Proteção aos direitos dos presos e Sistema Prisional

Nesta etapa do trabalho considerou-se importante fazer uma análise de alguns

instrumentos nacionais e internacionais de proteção e respeito aos direitos dos presos.

Para tanto, examinou-se os seguintes dispositivos: A Constituição Federal de 1988, a

Lei de Execuções Penais e as Regras Mínimas da ONU para o Tratamento de

Reclusos.

Esses mecanismos legais expressam com clareza as prerrogativas dos apenados,

mas cotidianamente vêm sendo afrontados pelo Estado dentro das prisões. Portanto,

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Page 51: sistema prisional e direitos humanos - desafios para a garantia de politica de proteção aos direitos dos presos - Ssocial

trazê-los para o debate contemporâneo sobre o sistema prisional é de extrema

relevância para sociedade.

A Constituição Federal de 1988 prevê no artigo 5º que “Todos são iguais perante a

lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos

estrangeiros residentes no país, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à

igualdade, à segurança e a propriedade”.

Estabelece que: ”III) ninguém será submetido a tortura nem a tratamento

desumano e degradante”(...); “XLVI) a lei regulará a individualização da pena; (...),

“XLVIII) a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a

natureza do delito, a idade e o sexo do apenado; XLIX) é assegurado aos presos o

respeito à integridade física e moral.

A rotina prisional é perpassada por numerosas violações das garantias

constitucionais. Nota-se que a população carcerária possui tratamento desigual em

relação aos demais segmentos da sociedade. O fato de estes indivíduos terem

cometido algum delito, faz com estes sofram processos criminalizantes por condutas

que estão fora dos padrões determinados socialmente.

DHAMER PEREIRA (2006:139) observa que “na legislação, encontramos a

cidadania formal, tal como imaginamos que ”deve ser”. Na verdade, entretanto, um

amplo contingente dos brasileiros, entre eles os presos, é visto como não merecedor de

direitos”.

Não há um entendimento de que os apenados estão apenas cerceados do direito

de ir e vir, do direito ao voto, direitos civis e políticos. Logo, a idéia de que os presos

não são cidadãos é fomentada entre os agentes do Estado – poucos são aqueles que

possuem idéias contrárias a este pensamento, assim, os presos são obrigados a

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Page 52: sistema prisional e direitos humanos - desafios para a garantia de politica de proteção aos direitos dos presos - Ssocial

conviverem com uma série de humilhações em decorrência da manutenção de uma

ideologia de castigo.

Nas prisões, os apenados são submetidos a torturas e tratamento desumano, que

se expressam em práticas violentas que incidem profundamente na esfera pública e

privada dessas pessoas. Esse controle social fomentado pelo ideário da cultura

prisional invade a vida dos presos afetando suas relações sociais, e a conseqüência

destes atos é torná-los propensos à reincidência criminal uma vez que não encontram

nesses estabelecimentos oportunidades para a suposta “regeneração”.

Perguntado sobre o sistema penitenciário do Rio de Janeiro, um apenado

verbalizou:

“Falta muito, tem muita coisa faltando para o preso. Porque as condições são muito ruins, falta o essencial: educação, saúde, atenção. Falta muita coisa pra você ressocializar o preso. Só nesta unidade se encontra coisas de estudos, industrial, mas se vai para outra cadeia, vai encontrar só o espaço que tem pra ficar, não tem trabalho, não tem nada”. (Presidiário, 33 anos, recluso há cinco anos e nove meses. Já teve passagem em três unidades prisionais – Bangu VIII, Água Santa e atualmente Penitenciária Industrial Esmeraldino Bandeira).

A fala deste interno resume a realidade das prisões brasileiras, não possuem

estrutura adequada para o “tratamento dos presos” apresentando limites para

viabilização de direitos.

O sistema prisional brasileiro está regulamentado pela Lei de Execuções Penais

(Lei 7.210 de 11/07/1984). Esta lei tem como objetivo “efetivar as disposições da

sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração

social do condenado e do internado”. Organiza as práticas existentes no sistema

prisional e estabelece normas a serem cumpridas acerca dos direitos e deveres dos

presos bem como dos funcionários destas instituições.

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Page 53: sistema prisional e direitos humanos - desafios para a garantia de politica de proteção aos direitos dos presos - Ssocial

A LEP tem como meta a reintegração dos indivíduos, porém a proposta de

reinserí-los na sociedade de forma harmônica não condiz com a realidade, porque esta

é perpassada de contradições e o seu movimento é dialético.

Formulada sob o ponto de vista da perspectiva etiológica, atribui aos indivíduos a

responsabilidade de adequação as normas sociais estabelecidas, desconsiderando os

problemas sociais, que são fatores condicionantes na vida dos indivíduos aprisionados.

Segundo Torres,

“A LEP determina como deve ser executada e cumprida a pena privativa de liberdade e restrições de direitos. Contempla os conceitos tradicionais da justa reparação, satisfação pelo crime que foi cometido, o caráter social preventivo da pena e a idéia de reabilitação. Dotando os agentes públicos de instrumentos de individualização da execução da pena, aponta deveres, garante direitos, dispõe sobre o trabalho dos reclusos, disciplina e sanções; determina a organização e competência jurisdicional das autoridades; regula a progressão de regimes e as restrições de direito”. (2001:79)

A LEP buscou contemplar os preceitos das Regras Mínimas para o Tratamento

dos Presos (1955), instrumento do Sistema Internacional de Proteção aos Direitos,

normas estas que o Brasil é signatário e prevêem que a execução penal trabalhe em

conformidade e respeito aos direitos humanos. Ao adotar o paradigma do tratamento

incorpora também os direitos e garantias da Constituição Federal de 1988.

Apesar de se constituir em um instrumento de extrema importância para as

práticas existentes no sistema prisional, é comum o descumprimento de suas

prerrogativas.

Iniciamos a análise da – LEP – artigo 5º “Os condenados serão classificados,

segundo os seus antecedentes e personalidade, para orientar a individualização da

pena”.

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Verifica-se que o processo de individualizador da pena não tem se concretizado no

sistema prisional. Uma parte dos condenados cumpre pena irregularmente, em locais

não apropriados de acordo com as sentenças que lhes foram proferidas. Existem

muitos presos condenados cumprindo penas em delegacias policiais ou em unidades

prisionais destinadas a presos provisórios. Alguns sem condenação definida

permanecem um longo período de suas vidas nas instituições penais em decorrência

de questões burocráticas relativas ao sistema judiciário.

A divisão de presos por facções é uma particularidade que impõe limites ao

sistema penitenciário brasileiro. Pois, a falta de vagas em estabelecimentos prisionais

específicos dificulta o acesso dos presos a progressões de regimes e

conseqüentemente a outros benefícios que venham colaborar gradualmente com o seu

retorno à liberdade.

O artigo 10º da LEP define que “a assistência ao preso e ao internado é dever do

Estado, objetivando prevenir e orientar o retorno à convivência em sociedade” O artigo

11º especifica a assistência a ser prestada aos presos: I) material; II) à saúde; III)

jurídica; IV) educacional; V) social; VI) religiosa.

Nestes artigos está previsto o trabalho do atendimento técnico (Assistência

Social, Psicológica, Educacional, Jurídica e Saúde), que no geral apesar dos embates

com os setores de segurança, apresentam intervenções em certa medida são

significativas, e apresentam efetividade no atendimento dos presos.

A LEP prevê que a assistência à saúde, será proporcionada ao preso e ao

internado e terá caráter “preventivo e curativo, compreenderá atendimento médico,

farmacêutico e odontológico” (artigo 14). Nas unidades prisionais, este atendimento é

bastante precarizado; não há medicamentos adequados para os presos enfermos.

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Page 55: sistema prisional e direitos humanos - desafios para a garantia de politica de proteção aos direitos dos presos - Ssocial

Alguns convivem com doenças como HIV e Tuberculose, que são agravadas pelas

condições insalubres dos locais em que se encontram alojados. A falta de profissionais

na área da saúde também contribui para a fragilização dos atendimentos nesta área.

De modo geral, estes atendimentos são realizados pelos serviços de saúde pública, e

são muitos precários para a grande maioria da população. Acrescenta-se a este fato as

dificuldades ligadas à segurança prisional que impõe limitações para o deslocamento

dos presos (transferências para hospitais penais ou movimentação interna); tendo-se

assim, nesta área uma grande dificuldade para cumprir os aspectos legais.

“(...) a assistência social, assistência judiciária e assistência à saúde do preso são igualmente problemas crônicos nas prisões brasileiras. A assistência à saúde, no entanto, é a que apresenta maior precariedade. Os serviços internos à prisão são constantemente alvos de críticas dos presos pela ausência de médicos e outros profissionais de saúde, e pela falta de equipamentos essenciais e medicamentos. Presos com necessidades especiais – deficientes físicos, doentes mentais, doentes com problemas crônicos ou graves – não encontram qualquer tipo de atendimento especializado na maior parte das prisões brasileiras”. (SALLA, 2003:427)

Quanto à assistência educacional está previsto no artigo 17 que esta

compreenderá a “instrução escolar e a formação profissional do preso e do internado”.

São poucos os estabelecimentos prisionais que oferecem qualificação profissional aos

internos, o ensino oferecido pelas escolas não abrange a totalidade da população

carcerária que busca dar continuidade aos estudos. Não há recursos materiais e

humanos suficientes para que o trabalho seja desenvolvido com qualidade. Além disso,

as iniciativas de profissionalização dos presos são muito incipientes; poucos

estabelecimentos prisionais possuem convênio com a Fundação Santa Cabrine –

instituição responsável em organizar atividades culturais, educacionais e artísticas,

incentivando a ocupação criativa de detentos.

55

Page 56: sistema prisional e direitos humanos - desafios para a garantia de politica de proteção aos direitos dos presos - Ssocial

O trabalho prisional disposto no artigo 28 da LEP preceitua como “dever social e

condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva”; o artigo 31

dispõe sobre a obrigatoriedade na medida das aptidões e capacidades de cada preso.

Outro fator importante relacionado ao trabalho prisional e mencionado nesta legislação

é a remição de pena, (artigos 126 a 130) quando é regulamentada a possibilidade do

tempo de prisão ser reduzido na proporção de três dias trabalhados para um de pena,

ressaltando-se que a ocorrência de falta grave é fator de perda dos dias anteriormente

remidos.

O trabalho nas prisões é realizado através de atividades de manutenção interna

dos presídios (limpeza, cozinha, obras), artesanato e atividades informais. Algumas

destas atividades possuem remuneração, mas não são protegidas pelas leis

trabalhistas.

A maior parte do efetivo carcerário é formada por uma população com baixa

escolaridade, a grande maioria sem nenhum tipo de profissionalização; muitos

provenientes das classes populares e inseridos no mercado informal de trabalho

quando em liberdade. As atividades desempenhadas pelos apenados, em muitos

casos, não lhes fornecem o aprendizado e a experiência necessária para posterior

vinculação ao mercado de trabalho.

Segundo Foucault, o trabalho foi apropriado pelo Sistema Prisional como

mecanismo de disciplinamento dos cárceres com vistas à manutenção das normas para

a regulação do cotidiano na direção da constituição de corpos dóceis. Assim, o

trabalho prisional exerce várias funções: controle, oferta de mão -de - obra barata para

o capital, além de isentar o Estado de suas atribuições; visto que muitas das atividades

realizadas deveriam estar sob a responsabilidade de funcionários admitidos através de

56

Page 57: sistema prisional e direitos humanos - desafios para a garantia de politica de proteção aos direitos dos presos - Ssocial

concursos públicos, com todas as garantias trabalhistas previstas em lei. Os apenados

realizam estas atividades e na maioria dos casos não recebem nenhum tipo de

remuneração. Para eles, o trabalho se constitui como um elemento fundamental para

reorganização de suas vidas e uma oportunidade para não reincidirem criminalmente.

O Estado não propicia o acesso à Educação (em muitas instituições, as escolas

encontram-se fechadas ou o ensino oferecido não condiz com o perfil da população

usuária. Os cursos de qualificação profissional não são compatíveis com as exigências

do mercado de trabalho e apesar do governo possuir uma instituição (Fundação Santa

Cabrini) com o objetivo de contribuir para a criação dos meios necessários para que os

internos e egressos do sistema penitenciário do Rio de Janeiro tenham condições de

acesso ao exercício da cidadania, através da profissionalização, da educação e da

experiência no exercício profissional, são as famílias que assumem, em geral, o papel

de apoiá-los de acordo com suas condições e garantir uma carta de emprego com

“pessoas conhecidas” ou em firmas onde os apenados já trabalharam anteriormente.

Desta maneira, a falta de investimento no setor educacional e laborativo é um

fator condicionante que influencia nos projetos de liberdade dos presos; pois está ligada

diretamente à questão da sobrevivência e manutenção destes indivíduos.

“A oferta de programas de escolarização, de formação profissional e de postos de trabalho para os presos fica muito aquém das necessidades na maior parte dos presídios brasileiros. Faltam estudos consistentes sobre as taxas de reincidência criminal no Brasil, mas todos os levantamentos parciais feitos pela polícia, pelo poder judiciário ou pelo sistema penitenciário apontam que elas estão sempre acima de 50%, revelando que uma das principais atribuições legais do sistema, que é a reinserção do indivíduo na sociedade, não está sendo cumprida”. (SALLA; 2003:427)

Outra área abordada pela LEP é a assistência jurídica que deve ser destinada aos

presos e internados sem recursos financeiros para constituírem advogados.

57

Page 58: sistema prisional e direitos humanos - desafios para a garantia de politica de proteção aos direitos dos presos - Ssocial

Os atrasos no andamento dos processos judiciais se dá também pela falta de

recursos materiais e humanos. Os atendimentos realizados nas unidades prisionais não

são contínuos; uma vez que os Defensores são alocados em vários estabelecimentos

penais ao mesmo tempo, e não conseguem dar conta dos inúmeros processos que

acompanham. Tem-se desta forma uma das causas da superlotação do sistema

penitenciário brasileiro.

A assistência social (artigo 22) “tem por finalidade amparar o preso e o internado,

e prepará-los para o retorno à liberdade; entre suas atribuições está a orientação ao

preso, a sua família e à vítima (artigo 23)”.

A assistência social também apresenta limitações no desenvolvimento de seu

trabalho, por questões relativas à segurança e por todos os motivos que já foram

expostos e que abrangem as demais áreas que atuam no “tratamento” dos presos.

A Lei de Execução Penal, apesar de conter aspectos importantes no que tange às

normas de cumprimento das penas privativas, não tem sido levada em consideração na

prática pelos custodiadores, principalmente quanto ao tratamento penitenciário. Os

direitos ao atendimento social, médico, psicológico e profissionalizante previstos, não

são colocados em prática pela execução penal: existem algumas exceções, mas estas

não conseguem superar essa conjuntura marcada por uma ausência de atendimento e

preparo psicossocial e profissionalizante do preso. Da mesma forma, as atividades

educacionais, jurídicas, profissionalizantes, produtivas, bem como o atendimento a

familiares e às condições físicas dos prédios não têm expressado o real cumprimento

da lei.

Outro mecanismo legal que orienta a administração da vida dos presos são as

Regras Mínimas para o Tratamento de Reclusos. Essas regras foram adotadas pelo

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Page 59: sistema prisional e direitos humanos - desafios para a garantia de politica de proteção aos direitos dos presos - Ssocial

primeiro Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime e o Tratamento de

Delinqüentes, realizado em Genebra (1955).

Divide-se em duas partes: a primeira consiste “em matérias relativas à

administração geral dos estabelecimentos penitenciários e é aplicável a toda categoria

de reclusos, dos foros criminal ou civil, em regime de prisão preventiva ou já

condenados, incluindo os que estejam detidos por aplicação de medidas de segurança

ou que já sejam objeto de medidas de reeducação ordenadas por um juiz. A segunda

parte contém regras que são especificamente aplicáveis às categorias de reclusos de

cada secção”.

Desta forma são, portanto, referência para todos os profissionais que trabalham no

sistema penitenciário, uma vez que instituem um conjunto de procedimentos a serem

implementados nos estabelecimentos prisionais dos países que compartilham com as

idéias adotadas por esta resolução.

Destacou-se na primeira parte, no tocante as Regras de aplicação geral, alguns

itens relacionados às instituições penais, que também estão contemplados na Lei de

Execuções Penais; tais como: Separação por Categorias, Locais de Reclusão, Higiene

Pessoal, Vestuário e Roupa de Cama, Alimentação, Serviços Médicos.

• Separação por Categorias

A Regra nº 8 “estabelece que as diferentes categorias de reclusos devem ser

mantidas em estabelecimentos penitenciários separados ou em zonas de um mesmo

estabelecimento penitenciário, tendo em consideração o respectivo sexo, idade,

antecedentes penais, razões da detenção e medidas necessárias”.

59

Page 60: sistema prisional e direitos humanos - desafios para a garantia de politica de proteção aos direitos dos presos - Ssocial

b) “Presos preventivos devem ser mantidos separados dos condenados”;

A realidade das prisões brasileiras não corresponde ao estabelecido por esta

regra, em decorrência das rivalidades existentes entres as facções do crime organizado

e da morosidade do aparelho judiciário, os presos são alocados nas unidades prisionais

aleatoriamente, desde que sejam de uma facção comum ao presídio a que são

destinados.

No item 9º “As celas ou locais destinados ao descanso noturno não devem ser

ocupados por mais de um recluso. Se, por razões especiais, tais como excesso

temporário de população prisional, for necessário que a administração penitenciária

central adote exceções a esta regra, deve evitar-se que dois reclusos sejam alojados

numa cela ou local.

No item 10º “As acomodações destinadas aos reclusos, especialmente

dormitórios, devem satisfazer todas as exigências de higiene e saúde, tomando-se

devidamente em consideração as condições climatéricas e especialmente a cubicagem

de ar disponível, o espaço mínimo, a iluminação, o aquecimento e a ventilação”.

No item 11º “em todos os locais destinados aos reclusos, para viverem ou

trabalharem”:

a) “as janelas devem ser suficientemente amplas de modo a que os reclusos

possam ler ou trabalhar com luz natural e devem ser construídas de forma a

permitir a entrada de ar fresco, haja ou não ventilação artificial”;

A superlotação, a insalubridade, a falta de infra-estrutura são problemas

recorrentes no sistema penitenciário, que em muitos casos são reivindicações dos

apenados quando estes organizam motins e rebeliões por melhores condições de vida

para sobreviverem nestes espaços.

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Page 61: sistema prisional e direitos humanos - desafios para a garantia de politica de proteção aos direitos dos presos - Ssocial

• Higiene Pessoal

Regra nº 12 “As instalações sanitárias devem ser adequadas, de modo a que os

reclusos possam efetuar as suas necessidades quando precisarem, de modo limpo e

decente”.

Regra nº 14 “Todas as zonas de um estabelecimento penitenciário usadas

regularmente pelos reclusos devem ser mantidas e conservadas sempre

escrupulosamente limpas”.

Os locais destinados à higiene pessoal são totalmente degradados, sem

privacidade, sem as condições necessárias para que o ser humano realize suas

fisiológicas, é um espaço inadmissível para a permanência de um indivíduo.

• Vestuário e Roupa de Cama

Regra Nº 17 “Deve ser garantido vestuário adaptado às condições climatéricas e

de saúde a todos os reclusos que não estejam autorizados a usar o seu próprio

vestuário. Este vestuário não deve de forma alguma ser degradante ou humilhante”.

Regra Nº 19. “A todos os reclusos, de acordo com padrões locais ou nacionais,

deve ser fornecido um leito próprio e roupa de cama suficiente e própria, que estará

limpa quando lhes for entregue, mantida em bom estado de conservação e mudada

com a freqüência suficiente para garantir a sua limpeza”.

• Alimentação

Regra 20 - 1) “A administração deve fornecer a cada recluso, a horas determinadas,

alimentação de valor nutritivo adequado à saúde e à robustez física, de qualidade e

bem preparada e servida”.

61

Page 62: sistema prisional e direitos humanos - desafios para a garantia de politica de proteção aos direitos dos presos - Ssocial

Vestuários, Roupa de Cama e Alimentação, em muitos casos, ficam sob a

responsabilidade dos familiares, pois esses serviços são oferecidos eventualmente e no

caso da alimentação, é possível afirmar que a mesma é de péssima qualidade.

• Serviços Médicos

Regra 22

1) “Cada estabelecimento penitenciário deve dispor dos serviços de pelo menos

um médico qualificado, que deverá ter alguns conhecimentos de psiquiatria. Os

serviços médicos devem ser organizados em estreita ligação com a administração geral

de saúde da comunidade ou da nação. Devem incluir um serviço de psiquiatria para o

diagnóstico, e em casos específicos, o tratamento de estados de perturbação mental”.

2) “Os reclusos doentes que necessitem de cuidados especializados devem ser

transferidos para estabelecimentos especializados ou para hospitais civis. Quando o

tratamento hospitalar é organizado no estabelecimento este deve dispor de instalações,

material e produtos farmacêuticos que permitam prestar aos reclusos doentes os

cuidados e o tratamento adequados e o pessoal deve ter uma formação profissional

suficiente”.

3) “Todos os reclusos devem poder beneficiar dos serviços de um dentista

qualificado”.

Regra 24.

“O médico deve examinar cada recluso o mais depressa possível após a sua

admissão no estabelecimento penitenciário e em seguida sempre que, necessário, com

o objetivo de detectar doenças físicas ou mentais e de tomar todas as medidas

62

Page 63: sistema prisional e direitos humanos - desafios para a garantia de politica de proteção aos direitos dos presos - Ssocial

necessárias para o respectivo tratamento de separar reclusos suspeitos de serem

portadores de doenças infecciosas ou contagiosas de detectar as deficiências físicas ou

mentais que possam constituir obstáculos à reinserção dos reclusos e de determinar a

capacidade física de trabalho de cada recluso”.

Regra 25.

“Ao médico compete vigiar a saúde física e mental dos reclusos. Deve visitar

diariamente todos os reclusos doentes, os que se queixem de doença e todos aqueles

para os quais a sua atenção é especialmente chamada”.

O serviço médico também é bastante fragilizado, os presos ficam sujeitos expostos

a diversas doenças contagiosas e não possuem tratamento curativo e preventivo

adequado para a eliminação das mesmas. Em muitas unidades prisionais não há oferta

contínua das atividades médicas, assim a população carcerária também tem seus

direitos transgredidos na área da saúde.

As violações de direitos humanos dos apenados são notórias, todas as normas

acima destacadas expressam a evidente ilegalidade que ocorre no sistema de

aprisionamento no Brasil. O Estado não assiste aos presos em suas necessidades

básicas; apesar dos avanços legais em relação ao tratamento da questão penitenciária.

É possível notar que as prisões tornaram-se locais de neutralização e

esquecimento dos detentos; portanto, sem qualquer perspectiva de oferecer a esses

indivíduos uma alternativa para retornarem à sociedade. Neste sentido, o discurso da

“ressocialização” revela-se uma falácia. A sociedade não é harmônica e seus

problemas fundamentam-se na contradição capital x trabalho, que, em detrimento da

apropriação privada da riqueza produzida pelo trabalho coletivo, aprofunda cada vez

mais as desigualdades sociais entre as classes. Os mecanismos de regulação da

63

Page 64: sistema prisional e direitos humanos - desafios para a garantia de politica de proteção aos direitos dos presos - Ssocial

prisão reproduzem a violação de direitos humanos e não cumprem os objetivos de

reintegração social, as prisões se transformaram em locais de propagação do crime,

pois a tendência é a eliminação de todas as medidas e políticas que visem mudanças

nesta realidade.

2.2. Criminologia Crítica e “Ressocialização”

A criminologia crítica contribui de forma significativa para a análise dos

processos criminalizantes. Esse marco teórico é referenciado por um horizonte

macrossociológico, que analisa a sociedade a partir de questões estruturais da

sociedade, ou seja, as contradições vigentes na estrutura econômica e social da

sociedade capitalista.

Neste sentido, a perspectiva crítica de análise do sistema penal tem como

referencial a teoria marxiana, onde o movimento da realidade social é visto de uma

forma dinâmica considerando os conflitos de classe existentes na sociedade.

Para Baratta (2002), a desigualdade da sociedade capitalista reflete no processo

de criminalização. Há uma distribuição desigual da penalização de acordo com a classe

social, pois os indivíduos são selecionados em decorrência de sua situação econômica.

Para o autor, segundo a criminologia crítica, não há uma igualdade no direito

penal, pois as funções do direito penal da sociedade capitalista compactuam com o

controle social sobre os comportamentos desviantes.

Há situações socialmente negativas no processo de criminalização, que legitimam

uma discriminação seletiva cujo alvo são as camadas subalternas. Assim, o sistema

penal atinge prioritariamente os pobres, legitimando a discriminação seletiva e

imunizando as camadas dominantes da sociedade.

64

Page 65: sistema prisional e direitos humanos - desafios para a garantia de politica de proteção aos direitos dos presos - Ssocial

Sobre esse aspecto, ressalta Baratta (2002) que há uma contradição entre a

igualdade formal do direito penal burguês e a desigualdade real da sociedade de

classes.

Este autor propõe as seguintes críticas quanto ao direito penal burguês:

1. O direito penal não defende a todos, mas somente os bens essenciais; e, quando pune as ofensas aos bens essenciais, o faz com intensidade desigual e de modo fragmentário;

2. A lei penal não é igual para todos, pois o status de criminoso é distribuído de modo desigual entre os indivíduos;

3. O grau efetivo de tutela e a distribuição de status de criminoso é independente do dano social das ações e da gravidade das infrações à lei, no sentido de que estas não constituem a variável principal da reação criminalizante. (BARATTA, 2002:162)

Neste estudo, Baratta discute a contradição entre a igualdade formal e a

desigualdade que os sujeitos vivenciam na realidade social. A exemplo, tem-se o

descumprimento das garantias da Carta Constitucional de 1988, que embora esteja

normatizado formalmente não é efetivado na realidade social brasileira.

Um exemplo recente de que o direito penal não é igual para todos, é o caso do

banqueiro Daniel Dantas, “acusado gestão fraudulenta, lavagem de dinheiro, evasão de

divisas, formação de quadrilha e tráfico de influência” comprovando o poder de sua

influência sobre as autoridades judiciárias brasileiras, na tentativa de tornar impunes os

crime que cometeu. Em contrapartida, tem-se o caso de Marcos Mariano da Silva12, que

“foi preso injustamente no lugar de um assassino com o mesmo nome dele. O mais

absurdo: duas vezes. Primeiro, em 1976, ele ficou detido seis anos. Esclarecido o

engano, Marcos ganhou só um pedido de desculpas. Três anos depois, a polícia o

12 Notícia veiculada no Fantástico no dia 03/08/08.

65

Page 66: sistema prisional e direitos humanos - desafios para a garantia de politica de proteção aos direitos dos presos - Ssocial

levou de volta para o presídio pelo mesmo crime que ele não havia provado que não

tinha cometido. Ficou lá mais 13 anos”.

O Brasil possui um dos piores índices de distribuição de renda do mundo, a

desigualdade social atinge assim, patamares inaceitáveis. Há uma parcela da

sociedade que sobrevive em condições de indigência enquanto que uma pequena parte

usufrui a riqueza socialmente produzida. Esta disparidade reflete no modo desigual de

operação do direito penal analisado por Baratta, que leva a práticas punitivas e a uma

política de aprisionamento para controlar os problemas sociais gerados pela

desigualdade.

A criminologia crítica identifica nos efeitos marginalizadores do cárcere a

impossibilidade da “ressocialização”, para esta perspectiva o discurso da

“ressocialização” contribui para legitimar a repressão às classes subalternas.

Ressalta Baratta:

Antes de falar de educação e de reinserção é necessário, portanto, fazer um exame do sistema de valores e dos modelos de comportamento presentes na sociedade em que se quer reinserir o preso. Um tal exame não pode senão levar à conclusão, pensamos, de que a verdadeira reeducação deveria começar pela sociedade, antes que pelo condenado: antes de querer modificar os excluídos, é preciso modificar a sociedade excludente, atingindo, assim, a raiz do mecanismo de exclusão( BARATTA, 2002: 186)

O termo ressocialização nos traz uma visão conservadora e moralizante que está

presente em grande parte da sociedade. Nesta ótica a sociedade é vista como um

modelo ideal e a prisão assume o papel de reformar a pessoa que delinqüiu.

A prisão é constituída de elementos negativos da sociedade capitalista. Através de

práticas violentas e ilegais, acaba por transformar os apenados em indivíduos

submissos às relações de poder existentes nesta instituição, sem a perspectiva de

oferecer a estes indivíduos condições propícias para o retorno à liberdade.

66

Page 67: sistema prisional e direitos humanos - desafios para a garantia de politica de proteção aos direitos dos presos - Ssocial

O cárcere tende a reproduzir os valores construídos pela sociedade, desta forma,

marginaliza aqueles que estão privados de direitos. Uma vez encarcerado, o apenado

sofre um processo de estigmatização, que influencia na sua interação com a sociedade:

prejudica o acesso ao trabalho, a retomada de vínculos afetivos com familiares e

amigos; levando este a tecer novas redes sociais e culturais com o objetivo de

fortalecer a sua identidade e a sua autonomia.

Torna-se necessária uma mudança na base estrutural da sociedade para se evitar

os efeitos danosos provocados pelo acirramento das desigualdades sociais provocadas

pelo modelo de produção capitalista.

SegundoTorres (2007:197),

“A realidade dos presídios em todo país é o retrato fiel de uma sociedade desigual e da ausência de uma política setorial séria e estruturada que enfrente a ineficiência do sistema carcerário penitenciário. O quadro caótico em que se encontra hoje o sistema carcerário brasileiro, revela uma “desassistência” generalizada nos presídios, reflexo da ausência de uma política que venha, minimamente, romper com o estado de degradação em que se encontram milhares de homens e mulheres presos”.

No sistema penitenciário do Rio de Janeiro, bem como nos demais sistemas

prisionais do país, não há uma política efetiva de acompanhamento dos presos, uma

política que contribua de fato para que os apenados tenham acesso a direitos sociais

de modo que não reincidam em práticas delituosas.

Neste sentido, o modelo de encarceramento adotado pelo país, de criminalização

da miséria com um cunho extremamente repressivo e disciplinador necessita ser

modificado, pois atinge diretamente a vida dos presos e daqueles que os acompanham

durante a execução da pena, uma vez que estes têm seus direitos constantemente

violados.

67

Page 68: sistema prisional e direitos humanos - desafios para a garantia de politica de proteção aos direitos dos presos - Ssocial

A seguir, tentaremos demonstrar a realidade de uma das unidades prisionais do

sistema penitenciário do Rio de Janeiro, com base nas experiências dos profissionais

que atuam neste estabelecimento e dos presos que nele se encontram reclusos,

buscando identificar as dificuldades para o cumprimento das leis e os reflexos dessa

prática no cotidiano desses atores dentro do sistema prisional.

68

Page 69: sistema prisional e direitos humanos - desafios para a garantia de politica de proteção aos direitos dos presos - Ssocial

Capítulo III: Cotidiano do Sistema Prisional do Rio de Janeiro sob

a perspectiva de funcionários e apenados.

Neste capítulo, buscou-se avaliar alguns aspectos da vida intramuros de uma

unidade prisional, com o objetivo de identificar elementos relativos à rotina deste

estabelecimento, que influenciam no trabalho dos profissionais que realizam

intervenções com muitas limitações em decorrência da precarização das condições de

trabalho e dos apenados que cumprem suas penas e têm seus direitos constantemente

violados.

Foram realizadas entrevistas com alguns profissionais desta instituição,

assistente social, psicóloga, educadora, inspetor de segurança, sub-diretor da unidade

prisional, totalizando a quantidade de seis entrevistados. O instrumento de coleta de

dados foi concebido para permitir que cada um desses sujeitos pudesse expor

elementos do seu cotidiano profissional, face ao modelo de aprisionamento voltado

para punição e repressão adotado pelo Estado.

Aplicou-se o mesmo questionário para todos os profissionais, tanto para os que

compõem a equipe técnica, quanto para os que fazem parte da área de segurança.

Os apenados também participaram da pesquisa, pois se considerou de extrema

importância a opinião dos mesmos sobre os reflexos do sistema penitenciário em suas

vidas, as dificuldades enfrentadas para terem seus direitos garantidos durante o

cumprimento da pena.

Para os internos, foram elaborados questionários com uma perspectiva

diferenciada daqueles aplicados aos profissionais, uma vez que ambos os entrevistados

69

Page 70: sistema prisional e direitos humanos - desafios para a garantia de politica de proteção aos direitos dos presos - Ssocial

possuem papéis distintos e desiguais dentro das correlações de poder existente dentro

das unidades prisionais. Seis internos participaram da pesquisa.

Os dados coletados foram obtidos através de um questionário elaborado com

perguntas abertas e outras previamente formuladas, ou seja, obteve-se este material

através de entrevistas semi-estruturadas; onde os participantes da pesquisa puderam

discutir abertamente o assunto em questão.

Para análise dos dados considerou-se as seguintes categorias para os

profissionais: idade, sexo, formação (ano, instituição e titulação), vínculo empregatício

com a SEAP (Secretaria de Administração Penitenciária) e tempo de serviço. Para os

presos: idade, sexo, escolaridade, artigo / condenação, período de reclusão e

passagem em outras unidades prisionais.

Para a análise qualitativa do material coletado estabeleceram-se as seguintes

categorias para os profissionais: política de encarceramento, cotidiano profissional,

limites e possibilidades para a realização do trabalho e direitos humanos. Para os

presos: opinião em relação ao sistema carcerário brasileiro, principais dificuldades

enfrentadas durante a execução da pena, conhecimento sobre seus direitos e direitos

humanos.

3.1) A Penitenciária Industrial Esmeraldino Bandeira

Todos os entrevistados fazem parte do universo desta unidade prisional, portanto,

considerou-se importante fazer uma contextualização deste estabelecimento, que se

constitui em uma parte do conjunto de unidades prisionais que compõem o sistema

carcerário do Rio de Janeiro.

70

Page 71: sistema prisional e direitos humanos - desafios para a garantia de politica de proteção aos direitos dos presos - Ssocial

A Penitenciária Industrial Esmeraldino Bandeira foi criada em 16/09/1957, como

anexo da Penitenciária Lemos de Brito, funcionando como complexo agroindustrial para

aplicação do regime semi-aberto. Em 21/11/1963, pelo decreto nº 1.524/63,

desvinculou-se da Penitenciária Lemos de Brito, tornando-se Instituto de Trabalho,

Reeducação e Ensino Profissionalizante. Em 28/07/1966, através do decreto nº 646,

passou a ser Penitenciária Industrial Esmeraldino Bandeira, para cumprimento de pena

em regime fechado, com capacidade para abrigar, aproximadamente, 992 homens,

disponibilizando as seguintes atividades para seus internados: 1. Serviço Social; 2.

Psicologia; 3. Psiquiatria; 4. Atendimento Médico; 5. Atendimento Odontológico; 6.

Atendimento Jurídico; 7. Defensoria Pública; 8. Escola de Ensino Fundamental; 9.

Biblioteca; 10. Padaria; 11. Atividades Religiosas. Atualmente os apenados contam com

projetos para realização de Artesanato, Capoeira, Curso Supletivo para conclusão do

Ensino Médio e Pré-Vestibular.

O desenvolvimento dessas frentes de trabalho ocorre numa perspectiva

multidisciplinar, apesar de existirem iniciativas para que o trabalho seja realizado sobre

o ponto de vista interdisciplinar. Alguns profissionais buscam essa interação porque a

consideram de extrema relevância para o fortalecimento de suas intervenções, pois os

diferentes saberes ampliam os horizontes dos técnicos no tocante as diversas situações

que aparecem no cotidiano da prisão. Assim, estes profissionais caminham em busca

da construção de uma metodologia de trabalho entre as equipes, para formular projetos

e intervenções que visem contribuir de forma significativa para amenizar o processo de

aprisionamento e execução da pena, assim como atividades que objetivem fornecer

elementos para que se pense nos projetos de liberdade dos apenados.

71

Page 72: sistema prisional e direitos humanos - desafios para a garantia de politica de proteção aos direitos dos presos - Ssocial

A Penitenciária Industrial Esmeraldino Bandeira tem como característica principal,

dentro do Sistema Penitenciário do Estado do Rio de Janeiro, a geração de trabalho e

renda para aqueles que nela se encontram reclusos. Desta forma é considerada uma

unidade prisional modelo, pois se comparada com as demais, até mesmo quanto a

infra-estrutura, oferece aos apenados muitos serviços relacionados à educação, cultura

e trabalho, o que não é a realidade de todo o sistema prisional.

É importante salientar que estes esses serviços não atendem a totalidade de

internos e que os profissionais responsáveis pelo planejamento e gerenciamento

dessas atividades enfrentam diversas dificuldades para realizá-las, tendo em vista a

falta de investimento nesta área e os problemas relacionados à segurança que também

interferem no desenvolvimento do trabalho.

O predomínio da ideologia do controle também se faz presente neste

estabelecimento e concorre para o processo de vulnerabilização dos presos, mas

apesar desta contraditoriedade e da ausência de políticas públicas, existem algumas

iniciativas de fomento a cidadania e garantia de direitos.

3.2) Qualificação dos Profissionais entrevistados durante a realização da

pesquisa.

3.2.1) Idade

A pesquisa demonstra que não há muitas disparidades em relação a faixa etária

destes trabalhadores. Dentro desta amostra, verificou-se que o maior índice está entre

os profissionais com idade entre 34 e 38 anos; ambos situados no setor de segurança

da unidade prisional e todos do sexo masculino; os demais, do sexo feminino fazem

parte da área técnica.

72

Page 73: sistema prisional e direitos humanos - desafios para a garantia de politica de proteção aos direitos dos presos - Ssocial

A ilustração abaixo corresponde aos profissionais entrevistados.

0

0,5

1

1,5

2

2,5

3

3,5

4

4,5

Faixa etária de 30 a 40 anos Faixa etária de 40 a 55 anos

3.2.2) Sexo

Neste item obteve-se o mesmo quantitativo de indivíduos do sexo masculino e

feminino. Porém, percebeu-se que o sexo masculino predominou na área de segurança

enquanto que o sexo feminino prevaleceu nas áreas consideradas de tratamento aos

presos.

Na unidade prisional Esmeraldino Bandeira, as mulheres não exercem nenhum

cargo de chefia no setor de segurança; as funcionárias localizadas neste campo atuam

como agentes penitenciárias. As demais conseguem exercer estas funções, mas nas

áreas que se destinam ao “cuidado” com o preso. Como já foi descrito acima, nas

funções que garantem os serviços de assistência aos apenados.

A desigualdade de gênero é processada nos espaços de reprodução social - em

instituições como a família, a escola, a igreja, os meios de comunicação e, também, a

prisão objeto de nosso estudo. Essa desigualdade é fortemente materializada, nas

relações de trabalho, no campo político, sindical por meio da divisão sexual do trabalho.

73

Page 74: sistema prisional e direitos humanos - desafios para a garantia de politica de proteção aos direitos dos presos - Ssocial

Kergoat (1996) ao construir o conceito de relações sociais de sexo nos dá uma

visão sexuada dos fundamentos da organização da sociedade, que é materializada na

divisão sexual do trabalho.

Para a autora a relação social específica entre os homens e as mulheres implica

práticas sociais diferentes segundo o sexo. Homens e mulheres sofrem e/ou exercem a

dominação segundo sua posição nas diversas práticas sociais que são determinadas

dentro de uma rede de relações sociais, como o trabalho, a família, a escola.

É importante frisar que esta é uma discussão densa e que deve ser explorada em

outros trabalhos, porém é uma questão importante que não pode deixar de ser

analisada.

3.2.3) Formação

Os profissionais que apresentam ensino superior completo localizam-se na área

técnica: Educação (formada em 1979 pela Universidade Castelo Branco), Serviço

Social e Psicologia (ambas estão formadas em 1990 pela Universidade Federal

Fluminense e com especialização em Educação e Saúde Pública pela ENSP FIO

CRUZ).

Aqueles que possuem ensino superior incompleto estão cursando Direito nas

faculdades UNIVERCIDADE e Universidade Castelo Branco e por fim um dos

entrevistados apresenta Ensino Médio Completo.

A maioria dos entrevistados possui nível superior ainda que alguns esteja

cursando. Este se constitui em um dado positivo, pois os profissionais estão buscando

qualificação para conduzir e aperfeiçoar suas intervenções.

74

Page 75: sistema prisional e direitos humanos - desafios para a garantia de politica de proteção aos direitos dos presos - Ssocial

3.2.4) Tempo de serviço na Secretaria de Administração Penitenciária do Rio de

Janeiro

Todos os profissionais entrevistados são estatutários e constatou-se que a maioria

exerce atividades laborativas há mais de 10 anos na SEAP.

1 1

3

1

0

0,5

1

1,5

2

2,5

3

3,5

9 anos 10 anos 14 anos 22 anos

9 anos

10 anos

14 anos

22 anos

3.3) Opinião em relação a política de encarceramento adotada pelo sistema

penitenciário brasileiro.

Observou-se opiniões diferenciadas quanto a política de encarceramento adotada

pelo sistema carcerário brasileiro, em especial, o Rio de Janeiro, objeto de estudo deste

trabalho.

Alguns profissionais opinaram positivamente sobre a estrutura organizacional da

Secretaria de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro (SEAP), relatando que as

medidas adotadas para a contenção dos presos estão com um cunho mais educativo,

tendo como objetivo a recuperação dos apenados.

Para os profissionais da área de segurança o trabalho está mais organizado, tendo

estes a possibilidade de desenvolver e planejar suas atividades em condições

75

Page 76: sistema prisional e direitos humanos - desafios para a garantia de politica de proteção aos direitos dos presos - Ssocial

propícias, de modo a garantirem um espaço harmônico dentro da unidade prisional,

evitando conflitos entre os presos e os agentes penitenciários.

“Ah! Melhorou bastante, porque antes era difícil conscientizar o preso. Hoje muitos presos estão conscientes até dos seus direitos, até dos próprios guardas, corpo técnico. Eu trabalho, bato papo com os internos de direitos. Eu acho também que a parte judiciária quando foi operada a Lei do Um Sexto melhorou muito, agora o interno para ele adquirir benefícios de progressão de regime, de condicional é muito menos tempo da pena, isso ajudou no comportamento do interno. Então eu acho que foi uma política geral do governo de tentar colocar pessoas dirigindo a Secretaria coma idéia de ressocialização, das direções, do nível intelectual dos guardas, isso tudo desencadeou um lado bom, um lado mais de conscientização dos internos pelos guardas e pelos técnicos” (Agente de Segurança, com experiência de 14 anos na SEAP).

Neste depoimento, reitera-se o discurso da ressocialização presente no espaço

prisional. A prisão é considerada um espaço privilegiado para integração dos apenados

na sociedade, porém o tratamento penal a eles destinados não leva em consideração o

movimento da realidade social, os problemas sociais oriundos desta dinâmica,

culpabilizando-os pela sua condição.

Os demais profissionais apontam para ausência de uma política penitenciária, uma

vez que não há uma política que oriente e normatize as ações do sistema prisional em

âmbito nacional, cada estado possui uma forma de gerenciar seus respectivos sistemas

prisionais.

“Sobre a política penitenciária aqui no Brasil, eu acho que não há nenhuma política voltada para essa área aqui, criminal, de encarceragem. O que há é muita das vezes especulação política, há uma necessidade de colocar o pessoal preso, da criminalidade, só que não tem uma política que realmente... para que o pessoal não venha e o pessoal que já está como é que vai sair? Falta tanta coisa! Falta essa política, a parte social; até mesmo para com os funcionários. A gente vê que não tem uma política séria, ta faltando vontade política”. (Agente de Segurança, com 9 anos de experiência na SEAP)

Foi possível apreender o desconhecimento e/ou falta de aprofundamento por parte

de alguns profissionais em relação a realidade em que se encontram inseridos. Alguns

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Page 77: sistema prisional e direitos humanos - desafios para a garantia de politica de proteção aos direitos dos presos - Ssocial

limitam suas atividades a demandas instituídas e não buscam relacionar os limites de

sua atuação numa perspectiva de totalidade, limitando-se exclusivamente ao

desenvolvimento de práticas burocráticas, tendo em vista que o Estado não oferece

condições dignas para o desenvolvimento do trabalho.

“A gente pouco conhece sobre a política de encarceramento, a Psicologia, a gente participa do cotidiano institucional, políticas de saúde eu estou mais a par. Eu já participei do grupo DST/AIDS, um programa de adulto né, políticas públicas na área de saúde dentro no caso do sistema penal eu to mais a par, mais assim né com a minha formação”.(Equipe Técnica, com 14 anos de experiência na SEAP).

Tomando como base o ponto de vista crítico da criminologia em relação ao

sistema prisional, verificou-se o não conhecimento da realidade em que esta instituição

se encontra inscrita, bem como os seus objetivos. Grande parte dos profissionais

detiveram-se apenas na realidade e no espaço em que atuam, particularizando

questões que são pertinentes a todo o sistema penitenciário.

Percebeu-se também, uma forte presença da perspectiva da etiológica (1996) - na

fala dos profissionais para justificar as ações implementadas pelo Estado no tocante ao

“tratamento dos presos”.

Esta perspectiva busca a explicação dos comportamentos criminalizados tendo

como pressuposto que a criminalidade é intrínseca ao indivíduo que comete o delito,

tornando-se assim justificativa para programas de tratamento para que estas pessoas

sejam transformadas em sujeitos de boa índole, sem a permanência de um

comportamento desviante das normas estabelecidas na sociedade.

Ao opinarem sobre o cunho educativo do sistema penitenciário reforçam a visão

do tratamento sem levar em consideração as condições objetivas e estruturais que

levaram a origem do delito e por conseqüência não relacionam com os objetivos da

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Page 78: sistema prisional e direitos humanos - desafios para a garantia de politica de proteção aos direitos dos presos - Ssocial

prisão, que agrega um número considerável de indivíduos em virtude de sua condição

de classe e etnia, culpabilizando-os pela sua condição.

3.3.1) Rebatimentos da política de encarceramento no cotidiano profissional.

A maior parte dos entrevistados opinaram em relação a precarização das

condições de trabalho, atentando para a dificuldade de cumprir os objetivos da Lei de

Execuções Penais, “que prevê através das penas e das medidas de segurança a

proteção dos bens jurídicos e a reincorporação do autor do delito à comunidade”, uma

vez que há carência de recursos materiais e humanos, o que impossibilita a realização

de um trabalho eficaz para os presos e que este incida concretamente em suas vidas.

Há uma contraditoriedade em relação a alguns depoimentos obtidos na questão

anterior, pois, se o modelo de encarceramento adotado pelo sistema penitenciário

brasileiro traz como proposta o tratamento e a reintegração dos apenados sob um viés

educativo e moralizante, as condições para o desenvolvimento de tais atividades

deveriam ser concomitantes ao que está exposto na lei, e esta não é a realidade das

unidades prisionais do Rio de Janeiro de acordo com os entrevistados, que apresentam

muitas dificuldades para tornarem efetivas suas intervenções.

“Quem legisla no Brasil muita das vezes não conhece o assunto, não vive, não tem aquela experiência, aquela vivência de lei, que realmente vai se aproveitar, vai ter proveito em uma unidade prisional. Eles fazem a lei, mas não sabe das suas conseqüências e muitas das vezes também a lei só vem para atrapalhar (...) Muitas das vezes, a gente vê também que o sistema cai no mesmo erro também de 10, 20 anos atrás, com um mínimo de funcionários, com uma massa carcerária na cadeia maior”. (Agente de Segurança, com 9 anos de experiência na SEAP)

Desta maneira, é possível apreender que a política penitenciária tem inviabilizado

atividades que contribuem para minimizar os efeitos deteriorantes da prisão, uma vez

que esta não dispõe de infra-estrutura para realização das mesmas.

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Page 79: sistema prisional e direitos humanos - desafios para a garantia de politica de proteção aos direitos dos presos - Ssocial

Segundo Wolff (2005),

“Trata-se, portanto, de negar direitos legalmente estabelecidos em nome da necessidade da segurança e disciplina prisionais. Trata-se de desconsiderar a possibilidade de um tratamento humano para reforçar a vulnerabilidade ou deterioração e o esteriótipo de delinqüente irrecuperável, nocivo à sociedade” (pág.205).

3.3.2) Descrição do cotidiano profissional e das condições para realização

das intervenções.

As condições inadequadas para o desenvolvimento das atividades, em

decorrência da falta recursos materiais e humanos, não é impeditiva para a realização

de suas intervenções.

“Já tenho 8 anos só nesta unidade prisional, então na nossa unidade que é industrial, eu acho que ela tem muitas atividades, então a educação em relação as dificuldades que nós temos de material, de recursos de tudo, eu acho até que funciona bem. Nós temos pré-vestibular, nós temos capoeira, alfabetização, nós vamos começar agora com a aula de música, temos artesanato, teatro. Então fora as provas de vestibular, que tem internos que fazem as provas de vestibular do PCERJ, da UERJ e do fundão, então eu acho que perante as outras nós temos bastante atividades aqui dentro. A condição não é muito favorável não porque, por exemplo, eu tenho uma máquina olivete de bater, eu até hoje não tenho um computador (...) para que o andamento do trabalho possa fluir teria que ter um computador, a minha sala não tem piso, é muita dificuldade aqui que a gente trabalha. Às vezes o interno que está fazendo curso de pré-vestibular não tem caderno, não tem lápis, entendeu, a gente faz o que pode, os recursos são bem escassos “. (Equipe Técnica, com 22 anos de experiência na SEAP).

Desta maneira, os serviços prestados aos apenados atingem certa efetividade na

medida em que colaboram para a manutenção e coerção destes indivíduos. A

fragilidade desses serviços faz parte de um processo de adaptação às normas

prisionais.

“Eu acho que no nosso cotidiano, o ambiente não é muito valorizado, o ambiente profissional não é muito valorizado. Tudo é bem precário, como são precárias as condições de todo o sistema. Eu acho que não tem uma ênfase em melhorar um pouco”. (Equipe Técnica, com 10 anos de experiência na SEAP).

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Page 80: sistema prisional e direitos humanos - desafios para a garantia de politica de proteção aos direitos dos presos - Ssocial

Um dos motivos apontados para a precarização dos serviços oferecidos aos

apenados é a falta desarticulação com as demais políticas setoriais buscando ampliar

os atendimentos realizados, numa perspectiva de garantia e viabilização dos direitos

dos presos.

“Por se tratar de uma instituição que às vezes traz esse perfil mesmo de estar isolada, excluídas de outras políticas, temos dificuldades de lidar com o que a gente chama de homem aprisionado; porque ele continua com a cidadania cerceada, alguns aspectos de sua cidadania, mas ele não deixa de ser cidadão”. (Equipe Técnica, com 14 anos de experiência na SEAP).

Assim, de acordo com este relato seria de fundamental relevância a ampliação de

serviços com as demais ações de outras políticas públicas, considerando que estes

atores possam contribuir significativamente para o processo de execução penal. A

política de trabalho e renda, realizada atualmente com os apenados, é um exemplo de

política que deveria ser ampliada para todo o efetivo carcerário e para os seus

familiares, pois colabora diretamente para a retomada dos vínculos familiares e

contribui para que os apenados tenham recursos financeiros para proverem suas

necessidades básicas e de suas famílias.

3.3.3) Limites e possibilidades para a implementação do trabalho.

Alguns profissionais identificaram como limite o que é imposto pelas leis, ou seja,

trabalham de acordo com as normatizações estabelecidas no que tange ao sistema

penitenciário.

Outro elemento apontado como restrição ao trabalho dos técnicos é o predomínio

da ideologia da segurança, da custódia voltada para punição, pois interfere diretamente

no cotidiano das prisões, impossibilitando em alguns momentos a realização de

atendimentos ou atividades relativas aos presos.

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Page 81: sistema prisional e direitos humanos - desafios para a garantia de politica de proteção aos direitos dos presos - Ssocial

DHAMMER (2006:135) afirma que “ainda que a esfera legal seja repudiada,

desconsiderada pelos sujeitos, por exemplo, da área de segurança, ela ainda é, a

nosso ver, o instrumento pelo qual, institucionalmente, pode-se buscar suporte para o

embate, bem como encontrar estratégias para, junto ao escalão superior de chefias,

discutir estas e outras proibições” (...)

Assim, caberia às autoridades que atuam na gestão penitenciária, conforme citado

por um profissional, um interesse maior para que todos os trabalhadores que atuam nas

unidades prisionais possam realizar, com efeito, suas ações.

“Eu acho que poderia ter mais empenho, mais empenho das pessoas, não só das autoridades, mas também da nossa Secretaria, de quem está acima, mais empenho. Porque acredito muito na educação, através dela você pode conseguir muita coisa, você tem resultados positivos”. (Equipe Técnica, com experiência de 22 anos na SEAP).

Outro depoimento importante é a fala de um Agente de Segurança, que aponta

como limite a questão do preconceito em seu cotidiano profissional:

“O que existe é preconceito dos funcionários antigos, isso é uma barreira. Acham que preso tem ficar preso, o direito do preso tem que ser o mínimo possível, eles ainda não conseguiram ter a conscientização que é melhor para o preso, para o nosso trabalho que o preso se conscientize do seu local, que o preso está aqui para se ressocializar. E isso, o preso se conscientizando melhora o trabalho de todo mundo. Então o único problema que eu tenho é esse, o ranço dos funcionários antigos que acham que o preso tem que entrar na linha, na base da agressão, isso é um limite. Mas, fora isso, de direção para cima todos são muito bem conscientizados em relação a ressocialização”. (Agente de Segurança, com 14 anos de experiência na SEAP).

A idéia expressa neste relato pressupõe que os internos não foram socializados no

período que antecedeu ao cárcere, portanto cabe a prisão o papel de ressocialízá-los

tendo em vista que o contexto sócio-familiar em que se encontravam inscritos, não foi

capaz de cumprir esta tarefa dentro dos limites aceitos pela sociedade.

Como possibilidade para melhoria das condições de trabalho foi citada a

construção de uma política penitenciária de âmbito nacional, que vise a uniformização

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Page 82: sistema prisional e direitos humanos - desafios para a garantia de politica de proteção aos direitos dos presos - Ssocial

das medidas adotadas no sistema prisional, que contemple a capacitação contínua de

todos os profissionais sensibilizando-os para temáticas relacionadas à cidadania e aos

direitos humanos.

“Tem que ter uma política voltada para o sistema penitenciário, que pense melhor a capacitação de seus profissionais, do Assistente Social também, não é fácil lidar com esse tipo de população, ele também está vulnerável ao bombardeio da mídia, que continua cada vez mais a estigmatizar esse segmento. É necessário um trabalho com todos que trabalham no sistema penitenciário, uma capacitação contínua de todos os profissionais para que saibam lidar com isso, uma capacitação em direitos humanos e cidadania”. (Equipe Técnica, 14 anos de experiência na SEAP).

Os profissionais apontam também para a construção de uma política penitenciária

de âmbito nacional, que vise à uniformização das medidas adotadas no sistema

prisional, de modo a evitar margens para arbitrariedades frente às intervenções destes

trabalhadores, dos internos, bem como seus familiares.

3.3.4) Conhecimento sobre Direitos Humanos e viabilização destes em suas

intervenções.

Neste item foi possível verificar que há percepções equivocadas sobre os direitos

humanos:

“É o básico para o desenvolvimento da integridade do ser humano”. (Agente de Segurança, com experiência de 14 anos na SEAP).

Essa concepção é muito genérica. Para que os indivíduos se desenvolvam

enquanto sujeitos sociais, precisam ter acesso a uma gama de direitos que não se

restringem apenas à garantia da integridade humana. Faz-se necessário um conjunto

de direitos que garanta o seu bem estar proporcionando o alcance aos bens produzidos

socialmente.

“Fundamento de todos os direitos, que uma vez sendo homem, os direitos humanos é o direito a vida num conceito mais amplo, de qualidade, com respeito, com o reconhecimento da identidade. É você ser uma pessoa que

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Page 83: sistema prisional e direitos humanos - desafios para a garantia de politica de proteção aos direitos dos presos - Ssocial

tenha uma expressão, tenha um reconhecimento, os direitos humanos é a base de tudo isso”. (Equipe Técnica, com experiência de 14 anos na SEAP).

Esta fala compreende os direitos humanos como direito à vida, não leva em

consideração o processo histórico de sua conquista. Ao fazer esta vinculação,

pressupõe que os direitos humanos são inerentes aos indivíduos, descaracterizando as

lutas sociais para a realização da cidadania.

“Direitos humanos no Brasil, infelizmente, é um cabide de emprego, porque nas nações como China, EUA, Japão e a própria Indonésia, na França, não ouvimos falar de direitos humanos. No Estado lá, as leis são muito mais rígidas, em alguns casos, na China o Estado mata, nos EUA o Estado mata o ser humano e no Brasil vemos os direitos humanos só voltados para os direitos dos presos e não pro lado de quem também trabalha. Na realidade, nem do preso porque eles não vêm aqui, não sabem o que acontece no dia a dia, da necessidade do preso quando o Estado falta com alguma coisa, isso é direitos humanos?”. (Agente de Segurança, com 9 anos de experiência na SEAP).

Neste depoimento há uma dificuldade de discernimento entre os direitos humanos

e a execução penal, estes são entendidos como direitos de bandidos e contrários a

qualquer forma de tortura e arbitrariedade.

Portanto, dentro do sistema prisional os direitos humanos não são compatíveis

com a ideologia de punição, pois este estabelecimento visa à eliminação de todas as

formas de concretização de direitos daqueles que estão privados de liberdade.

A luta pela garantia dos direitos humanos no Brasil foi adensada durante o regime

ditatorial no Brasil, onde uma série de entidades e movimentos da sociedade civil

começaram a denunciar as atrocidades cometidas pelo Estado contra aqueles que

possuíam opiniões políticas contrárias à ideologia dominante.

Na sociedade brasileira, os direitos humanos são constantemente violados e

identificados como direitos de bandidos, como privilégio de poucos. Ainda está obscuro

no imaginário social que os direitos humanos contemplam os direitos de 1ª geração

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(civis e políticos) e 2ª geração (econômicos, sociais e culturais); portanto referem-se ao

bem estar de todos os indivíduos sem nenhuma distinção.

Atualmente, há um constante desrespeito por parte do Estado em relação a estes

direitos. A Constituição de 88, instrumento conquistado através de lutas sociais, vem

sendo paulatinamente desmontada, demonstrando que “o legal, para incidir no real,

exige um complexo sistema de instituições expressivas e concretizadoras dos valores

que informam os princípios legais. Essa assincronia é flagrante no país. O fato dos

direitos humanos estarem inscritos na agenda nacional e a inexistência de formas

legais que os protegem e promovem não significam, absolutamente, que tenham

vigência na sociedade brasileira”. (2001:44)

Colabora para a permanência da violação de direitos, traços antidemocráticos e

antipopulares, da cultura socio-política dominante da nossa sociedade.

Assim, todo este ideário faz com que os direitos humanos sejam restritos a

poucos, pois uma imensa parcela da população não tem acesso à cidadania.

Perguntados sobre legislações de proteção aos direitos dos presos, alguns

entrevistados informaram não ter conhecimento e os que responderam citaram a Lei de

Execuções Penais e o RPERJ – Regulamento do Sistema Penal do estado do Rio de

Janeiro. Esta informação se constitui em um dado importante, pois à medida que não

conhecem os instrumentos que garantem direitos, as possibilidades de concretizá-los

tornam-se insuficientes ou nulas.

“(...) Dentro do sistema eu conheço muito pouco em relação a isso, eu conheço o RPERJ nosso, o direito dos presos e tal, o que pode ser feito para ele, o que gente pode ajudar e o que não pode também”. (Equipe Técnica, com 22 anos de experiência na SEAP).

“Na LEP tem escrito o que é direito e o que é dever”. (Equipe Técnica, 14 anos de experiência na SEAP).

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“Assim, agora de cabeça assim de cabeça eu não lembro não. Eu nunca lembro de número de lei ou até de artigo, é uma coisa que eu não lembro”. (Agente de Segurança, com 14 anos de experiência na SEAP).

“Aqui eu não tive acesso, mas eu lembro perfeitamente que na faculdade mesmo eu assisti palestra, sociologia jurídica que deu muito isso. Agora legislação específica que cuida disso falta mesmo. Falta disponibilizar tanto para os funcionários quanto para os internos”. (Agente de Segurança, com 14 anos de experiência na SEAP).

Embora tenham citado estas legislações, apenas um profissional relatou utilizar a

LEP em suas intervenções, na viabilização dos direitos dos internos. Logo, ainda há um

longo caminho a ser percorrido para que de fato haja a tentativa de humanização do

tratamento penitenciário e esse movimento deve ser realizado em conjunto com a

sociedade, caso contrário o sistema penitenciário continuará sendo um local de

transgressões aos direitos humanos.

A LEP é uma das legislações do país que protege os direitos dos presos, mas

existe uma série de instrumentos internacionais referentes às prerrogativas dos

apenados dos quais o Brasil é signatário, desconhecidos desses profissionais. Por

exemplo, é possível citar A Declaração Universal dos Direitos Humanos, As Regras

Mínimas para o Tratamento de Reclusos da ONU e o Pacto Internacional dos Direitos

Econômicos, Sociais e Culturais.

5) Qualificação dos apenados entrevistados

O objetivo desta pesquisa é fazer um levantamento sobre dados importantes que

possam fornecer elementos significativos da vida dos presos, relativos ao delito e ao

processo de cumprimento da pena de prisão. Para tanto, foram realizadas entrevistas

com seis apenados.

4.1) Idade

85

Page 86: sistema prisional e direitos humanos - desafios para a garantia de politica de proteção aos direitos dos presos - Ssocial

Nesta amostra, ocorreu o predomínio de presos com idade entre 30 e 35 anos

idade. Não há registros sobre o perfil da população carcerária nesta unidade prisional,

mas através de dados empíricos obtidos nos atendimentos e relatórios no período de

estágio, foi possível afirmar que esta faixa etária é a que mais se sobressai nesta

instituição.

É importante salientar que também existe um público significativo compreendido

entre 21 e 30 anos. Portanto, com a união dos percentuais descritos na figura abaixo

com este grupo de indivíduos não contemplados na pesquisa, é possível perceber que

os apenados encontram-se em uma fase produtiva e que certamente estão sujeitos às

modificações da sociedade, aos impactos oriundos das transformações sociais

econômicas que futuramente dificultarão o acesso à educação e ao trabalho,

impossibilitando assim, a construção de uma vida melhor para si e para seus familiares.

A inexistência de serviços de abrangência de todo os apenados acaba por

restringir as possibilidades destes indivíduos, que não recebem nenhum incentivo do

Estado, com políticas de qualidade, ficando expostos à reincidência criminal quando

estiverem em liberdade.

4.2) Sexo

Por se tratar de unidade prisional masculina, todos os entrevistados compreendem

este sexo.

4.3) Escolaridade

O grau de instrução dos entrevistados é bastante heterogêneo, e foi possível

constatar que a maioria possui Ensino Médio Completo.

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Page 87: sistema prisional e direitos humanos - desafios para a garantia de politica de proteção aos direitos dos presos - Ssocial

Através de pesquisa empírica e dados coletados a partir de relatórios e entrevistas

durante o período de estágio, a maioria dos presos reclusos nesta unidade prisional

possuem uma baixa escolaridade, pois apresentam ensino fundamental incompleto. Em

muitos casos, a pouca escolaridade se dá em razão da entrada precoce no mercado

formal e informal de trabalho com vistas a auxiliar financeiramente a família por questão

de sobrevivência, em outros casos segundo alguns relatos, não se sentiam motivados

ou incentivados para freqüentar a escola, iniciando atividades laborativas

prematuramente para conquista da liberdade e de bens materiais, que pelo trabalho

seria a forma mais rápida para o acesso. Porém, esta escolha significa que este

indivíduo não terá uma qualificação profissional, o que implica oportunidades de

trabalho precárias, e o mais importante que é a falta de conhecimento para o exercício

da cidadania e informações acerca do cumprimento de seus direitos.

4.4) Artigo/Condenação

Os apenados entrevistados cumprem pena por infringir os seguintes artigos: 12

14 e 18 (Tráfico Internacional), 33 (Tráfico de Drogas) e 157 (Roubo). O tempo de

condenação varia entre 3 e 39 anos de reclusão.

Crime Artigo Quantidade de Presos Pena

Roubo 157 1 35 anosTráfico de Drogas 33 1 6 anos

Tráfico

Internacional

12,14 e 18 3 12 anos / 39 anos

Associação e

Tráfico

12 e 14 1 15 anos

As ilustrações abaixo demonstram respectivamente o tempo que estes internos

estão cumprindo pena no sistema carcerário do Rio de Janeiro e também expressam a

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Page 88: sistema prisional e direitos humanos - desafios para a garantia de politica de proteção aos direitos dos presos - Ssocial

quantidade de apenados que já tiveram passagem em outras unidades prisionais. O

envolvimento com o tráfico de drogas foi o delito que teve mais repercussão entre os

entrevistados. Segundo Teixeira (2007),

“O sistema penitenciário do Rio de Janeiro apresenta uma peculiaridade em relação a todos os demais sistemas das unidades da federação: enquanto em todos eles a grande maioria dos presos são condenados por roubo, no estado do Rio de Janeiro, a maior incidência de condenações é por tráfico de entorpecentes.Essa tendência encontra sua explicação na ação de grupos organizados em torno do comércio varejista de drogas. Este comércio se fundamenta em facções que são rivais entre si e disputam o controle dos espaços, sendo essa divisão em facções, um critério fundamental de distribuição de internos no sistema prisional” (2007:78).

A rotatividade dos presos entre as unidades prisionais do sistema penitenciário do

Rio de Janeiro também pode ser atribuída à rivalidade entre facções criminosas e ao

controle do tráfico dentro e fora dos muros da prisão.

5) Análise qualitativa dos dados obtidos

5.1) Opinião dos apenados em relação ao sistema penitenciário brasileiro.

Todos os entrevistados fizeram uma avaliação negativa do sistema penitenciário

brasileiro, apontando a inexistência de investimento por parte do Estado como um dos

88

Período de Reclusão

67%

33%

Entre 1 e 6 anosEntre 9 e 10 anos

Passagem em outras Unidades Prisionais

83%

17%

SimNão

Page 89: sistema prisional e direitos humanos - desafios para a garantia de politica de proteção aos direitos dos presos - Ssocial

principais fatores pela falta de infra-estrutura para a manutenção dos presos nas

prisões, uma vez que a ideologia do controle suscita uma série de fatores que

contribuem para tornar o cumprimento da pena muito mais doloroso, tendo em vista a

tortura cometida pelos agentes de segurança culminando na repressão e neutralização

dos presos.

Esta é uma prática corriqueira no sistema penitenciário, segundo Wolff (2005) “a

punição de um crime cometido efetiva-se para além da sentença prolatada pelo

processo judicial. Isto porque, se não temos, nos tempos atuais a exposição pública do

suplício, sabe-se que de forma extralegal, ele é levado a cabo nas delegacias, presídios

e penitenciárias brasileiras (...)”.

Sobre o sistema penitenciário, um entrevistado declara:

“Ele é totalmente falido, falido no modo de estrutura, ele é totalmente falido. A alimentação é ruim, a falta de estrutura física, tudo engloba desde o funcionário mal remunerado, e isso repercute no dia a dia de trabalho dele, ele vem esculachar um interno. Então isso tudo é uma bola de neve, de um sistema falido”. (Interno com 45 anos, nunca teve passagem em outras unidades prisionais, já cumpriu 2 anos e 4 meses de pena).

Existe uma relação de poder entre desiguais dentro das prisões, ao mesmo tempo

em que o interno relata sua opinião sobre a ineficácia do sistema prisional, tenta

justificar os atos dos agentes de segurança com o mesmo argumento utilizado para

demonstrar a ineficiência das prisões. Ou seja, violação de direitos perpassa o cotidiano

dos apenados e dos agentes que cuidam da custódia dos presos.

“Eu acho que o sistema carece de oportunidades para ocupar o tempo. Tem falta de atividades, até assim de alojamento, a comida poderia ser melhor também. É que tem várias deficiências, certamente que não existe nenhum sistema que é bom, porém sempre deve ser tentado melhorar o sistema porque também faz parte da sociedade da qual a meta é ressocializar para ter o convívio com o resto das pessoas da sociedade”. (Interno com 57 anos, já teve passagem em outras unidades prisionais, já cumpriu 9 anos e 2 meses de pena).

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Este interno também reproduz o discurso da ressocialização. Para o público

carcerário esta é a única via para o retorno à sociedade, para eles, as prisões não são

produtos do contexto social em que estão inseridos, portanto torna-se necessária uma

suposta transformação do indivíduo para que ele se “reintegre” socialmente.

Logo, o período de reclusão traz conseqüências que influenciam significativamente

em suas vidas (...) “as marcas são físicas e somáticas, como as limitações de funções

orgânicas, lesões e dores permanentes. São também emocionais, pois produzem

diferentes traumas e perturbações e, são ainda, sociais, no momento em que

incapacitam para o trabalho, com repercussões na família e no meio social.

• Principais dificuldades enfrentadas durante a execução da pena

As principais dificuldades apontadas pelos apenados consiste nas precárias

condições da prisão (alimentação, higiene,...), acesso a informação, convivência com

os demais internos e funcionários, carência em relação aos familiares.

Os apenados relataram que enfrentam vários empecilhos para receberem os

familiares, pois o Estado e seus agentes ainda trabalham com o conceito de família

estruturada – composta por pai, mãe e filhos; uma vez que os presos são oriundos de

famílias que não seguem este modelo e ficam privados das visitas porque não é

permitida a confecção de carteiras de visitantes para parentes não co-sanguíneos (tios

(as), primos (as), cunhados (as), limitando-os em suas relações sociais e afetivas).

Em muitos casos, os presos não têm a possibilidade de receber a visita dos pais,

dos irmãos, tendo em vista que muitas famílias residem em locais distante do complexo

penitenciário e não possuem recursos financeiros para as despesas como o

90

Page 91: sistema prisional e direitos humanos - desafios para a garantia de politica de proteção aos direitos dos presos - Ssocial

deslocamento e alimentação. Assim, os demais familiares e amigos, que no período

anterior a prisão, faziam parte das redes sociais dos internos, ficam impossibilitados de

realizar visita aos entes encarcerados e os presos ficam destituídos do direito de

conviverem com pessoas que podem contribuir para a vida durante e após a prisão.

Os familiares cumprem pena junto com seus entes privados de liberdade, portanto

também sofrem com os preconceitos e com a precarização dos serviços nas unidades

prisionais.

É importante salientar o quanto às normas estabelecidas pelo sistema

penitenciário se torna rentável durante os dias de visita dos familiares.

“O comércio tem a funcionalidade de servir aos critérios para ingresso. Como exemplo, podemos citar: o quiosque que aluga roupas para os visitantes que vieram vestidos de forma que foge à regra do presídio; supermercados que vendem os alimentos, principalmente os perecíveis, que não podem ser levados de casa; o mercado, que vende até o saco plástico transparente, onde devem ser acondicionados os alimentos para passar pela revista; os bares, onde as mulheres aguardam; o banheiro, que é pago. Enfim, são construídos diversos meios de atender as regras do sistema e de favorecimento financeiro através da exploração dos familiares. (SANTOS, 2007:17).

As condições insalubres dos presídios também fazem parte do conjunto de

situações relatadas pelos presos como dificuldades enfrentadas no interior dos

presídios. Estes são obrigados a conviverem amontoados em locais sem higiene,

alimentação adequada, assistência médica insuficiente, assistência judiciária, dentre

outros.

Os presos ficam propensos a várias enfermidades, seus familiares sofrem com as

humilhações das revistas para entrada nas unidades prisionais e com os abusos de

autoridade cometidos pelos agentes penitenciários. Não conseguem realizar o

acompanhamento de suas penas devido a toda burocracia imposta pelo aparato judicial

na garantia dos benefícios de Progressão de Regime e Livramento Condicional.

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Todas essas questões rebatem no tratamento dispensado aos presos pelo Estado,

um completo desrespeito aos direitos destes indivíduos que estão sob sua tutela e

possuem a garantia destas prerrogativas em legislações de proteção aos direitos

humanos.

“Eles tratam mal, eles não tratam como gente, tratam como bicho, a gente é tratado como se fosse animal. Ninguém é nada, ninguém tem direito a nada”. (Interno com 32 anos, já teve em passagem em outras unidades prisionais, já cumpriu 1 ano e 6 dias de sua pena).

Assim, a vida dentro do cárcere é formada por um conjunto de práticas que se

resumem na falta perspectivas para os apenados. As prisões visam muito além do

cumprimento da pena, embora objetivem o tratamento dos reclusos, acabam por

reproduzir ou eliminar os mesmos.

5.2) Significado dos Direitos Humanos para os presos

Os apenados também não apresentam muita clareza sobre os direitos humanos.

Constatou-se nos dados obtidos que alguns fizeram relação com direitos que possuem

enquanto presos, dando ênfase à integridade física e outros vincularam os direitos

humanos a grupos de indivíduos, que visitam as unidades prisionais para investigar as

condições das prisões.

“A gente entende, por exemplo, que o lugar que a gente dorme poderia ser mais organizado, tipo roupa de cama, colchão... Muita gente não tem cama pra dormir, dorme em um colchão que dura três, quatro dias e já não presta mais (...). Alguns têm condições de trazer, a família manda, outros já não têm”. (Interno com 32 anos, já teve em passagem em outras unidades prisionais, já cumpriu 1 ano e 6 dias de sua pena).

“São todos os direitos que todos os seres humanos têm, de, por exemplo, pra ter uma situação digna. Na teoria os presos devem ter seis metros quadrados de espaço, tem que ter uma alimentação adequada tem que ter as coisas básicas, ou seja, as coisas básicas para os seres humanos sobreviverem sem sofrimento. Não pode sofrer maus tratos, tanto físico quanto psicológico. Então acho que tudo isso faz parte do que são os direitos humanos”. (Interno com 57

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anos, já teve passagem em outras unidades prisionais, já cumpriu 9 anos e 2 meses de pena).

Nestes depoimentos, os apenados identificam os direitos humanos como direito à

integridade física, em decorrência das situações de maus-tratos por eles vivenciadas.

É possível apreender também que o Estado não tem cumprido o seu papel de

garantir os direitos destes indivíduos, na medida em que é o responsável pela custódia

dos apenados. Estes acabam por receber apoio material e emocional através de seus

familiares e aqueles que não possuem familiares ficam sujeitos a precariedade das

prisões.

“Eu escrevi uma para eles, mas que tipo de direitos humanos na cadeia? Se você é delinqüente não tem direito nenhum na lei. Aqui você só tem direito ao seu cantinho, sua comida e mais nada. Dentro daqui da cadeia não tem direitos humanos, lá fora pode ter, mas aqui dentro preso não tem direito não. Direito humano é preso abaixar a cabeça (...)”. (Interno com 33 anos, já teve em passagem em outras unidades prisionais, já cumpriu 5 anos e 9 meses de sua pena).

“Raramente a gente vê falar alguma coisa. Desde que estou aqui, raramente apareceram, (...) se vieram aqui deram uma voltinha na cadeia e foram embora”. (Interno com 45 anos, nunca teve passagem em outras unidades prisionais, já cumpriu 2 anos e 4 meses de sua pena).

Nos relatos acima, os entrevistados relacionam os direitos humanos a comissões

de investigação sobre questões relacionadas à tortura, arbitrariedades, maus-tratos, no

interior das prisões. Há uma afirmação sobre a inexistência dos direitos humanos

dentro do sistema penitenciário, tendo em vista que os presos não são considerados

cidadãos perante agentes penitenciários e determinados segmentos da população.

Portanto, é possível apreender que o debate sobre direitos humanos ainda é

bastante restrito neste espaço, considerando também os depoimentos de alguns

profissionais que trabalham nestas instituições.

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Os presos, assim como uma grande parcela da população têm seus direitos

violados pela falta de conhecimento dos mesmos ou das formas de acesso para obtê-

los e garanti-los.

O espaço prisional se sustenta na idéia de uma suposta segurança à sociedade,

na qual indivíduos perigosos são excluídos deste meio considerado harmônico. Desta

maneira, o apoio da sociedade “à violação de direitos dos presos vem sendo

alimentada pela imagem de que o sistema penitenciário não é punitivo. Ou pela imagem

de que o infrator da lei não tem condições e oportunidade de ser regenerado, sendo,

portanto, um privilegiado, que grande parte da população não tem acesso aos mínimos

sociais” (Guindani, 2001:49).

Estas se constituem justificativas recorrentes para o desrespeito aos direitos

humanos dos presos, retira-se do Estado a atribuição de prover o bem estar de todos

os indivíduos e culpabiliza-se os apenados pelas suas condições, desconsiderando a

realidade social em que estão inseridos.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A violência na sociedade brasileira tem sido agravada pelo aumento da

criminalidade, face aos problemas oriundos do modo de produção vigente na

sociedade. Há intrínseco neste processo a vinculação entre pobreza e criminalização, o

que possibilita ainda mais o descumprimento das leis e outras ilegalidades contra os

pobres, segmento populacional de maior expressão na sociedade brasileira.

Neste trabalho buscou-se a realização de uma análise sobre a violação de direitos

dos presos no sistema penitenciário do Rio de Janeiro, uma instituição que ao longo de

sua trajetória tem um histórico de infringir os direitos humanos.

A população sofre com a precarização dos serviços oferecidos pelo Estado e com

o descumprimento dos previstos na Constituição Federal de 1988.

O Brasil apresenta índices inaceitáveis de desigualdades sociais e o sistema

penitenciário reflete a realidade social do país, onde as taxas de encarceramento

representam a falta de investimento sociais no combate à pobreza. A ausência de

políticas voltadas para áreas como Educação, Saúde, Habitação e Trabalho fragilizam

as condições de vida da população brasileira.

As mazelas da questão social são reproduzidas através de políticas sociais

assistencialistas e focalizadas que não respondem aos problemas sociais, e às

demandas essenciais da população, tornando-se alvo de ações pontuais, sem o

enfrentamento dos problemas estruturais da sociedade.

Cabe ao conjunto da sociedade, a mobilização para ampliação e universalização

das políticas sociais, para que uma parcela significativa da população não vivam

situações desumanas e de indigência.

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A permanência de violações de direito no sistema prisional é um desafio para

todos os profissionais que nele exercem suas atividades. O Serviço Social, em especial,

tem como princípios norteadores de sua profissão, a liberdade, a democracia e a

cidadania, com vistas à construção de uma sociedade mais justa e igualitária para

todos; desta maneira, na perspectiva de consolidar e garantir os direitos humanos, deve

zelar pelo respeito e cumprimento desses direitos no sistema penitenciário brasileiro.

No entanto, para que os direitos sejam efetivados, Almeida sinaliza que:

“No plano institucional, é fundamental uma profunda reforma do sistema judicial. Enquanto a justiça for cara e morosa, carregada com indisfarçados traços de classe e de uma visão elitista, a defesa dos direitos humanos encontrará obstáculos quase intransponíveis. Igualmente indispensável é a transformação medular do aparelho policial: enquanto corroído pela corrupção, notabilizado pela ineficácia e impermeabilizado pelo corporativismo, haverá de movimentar-se sempre na contracorrente dos direitos humanos (independentemente de quaisquer manifestações retóricas). Corolário dessa dupla e estrutural alteração será a metamorfose do sistema penitenciário, verdadeira chaga da nossa sociedade” (2001:44,45)

A luta pela consolidação dos direitos humanos no Brasil é fundamental para a

construção de uma sociedade democrática, sem dominação de classe, etnia e gênero.

Logo, a afirmação de direitos no sistema penitenciário deve ser alvo de debates

incessantes para que os apenados tenham condições de continuarem a suas vidas

após a prisão.

Cabe ressaltar que o discurso ressocializador presente entre os profissionais do

sistema penal, não se efetiva nas prisões dado os elementos apontados na pesquisa e

todas as informações que são veiculadas cotidianamente. O sistema carcerário não se

constitui em um instrumento de contenção da criminalidade, esta instituição acaba por

produzir indivíduos estigmatizados, desestabilizando suas relações, familiares e

profissionais tendo em modo em que é administrada a execução penal no Brasil.

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Verifica-se que o cumprimento da pena dá margem para outras punições, os

direitos dos apenados não são efetivados e estes sofrem uma série de injustiças,

ficando vulneráveis no processo de aprisionamento.

A fragilidade na efetivação dos direitos sociais se traduzem na formulação das

políticas sociais segmentadas para o enfrentamento da questão social. Estas possuem

um papel fundamental nos processos de seleção das pessoas sujeitas a criminalização,

pois aqueles que não têm acesso às condições dignas de vida ficam mais propensos a

cometerem delitos. Logo, cabe ao Estado zelar pelas garantias deste segmento

populacional e fornecer a todos os indivíduos os elementos necessários para uma vida

digna. Caso isto não ocorra, os índices de criminalidade permanecerão elevados

favorecendo a propagação da violência na sociedade brasileira e as desigualdades

sociais continuarão acirrando as mazelas da questão social no país.

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Page 98: sistema prisional e direitos humanos - desafios para a garantia de politica de proteção aos direitos dos presos - Ssocial

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ANEXOS

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Universidade Federal do Rio de Janeiro. Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Escola de Serviço Social Disciplina: Trabalho de Conclusão de Curso Profª: Suely Souza de Almeida Aluna: Vanessa Ramos Andrade

Título: Sistema Prisional e Direitos Humanos: desafios para consolidação de uma política de garantia e proteção aos direitos dos presos.

Roteiro (Entrevistas)

PROFISSIONAIS

1) Idade:

2) Sexo:

3) Formação:

4) Ano:

5) Instituição de Ensino:

6) Titulação:

7) Vínculo empregatício com a SEAP:

8) Há quanto tempo encontra-se trabalhando no sistema penitenciário?

9) Qual a sua opinião em relação a política de encarceramento adotada pelo sistema

penitenciário brasileiro?

10) Quais os rebatimentos desta política no seu cotidiano profissional?

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11) Descreva o seu cotidiano profissional e explique de que forma desenvolve a sua

intervenção e sobre que condições ela se realiza.

12) Quais os limites e as possibilidades para implementação do trabalho?

13)Quais os desafios ético-políticos do seu trabalho dentro desta instituição?

14) O que você entende por direitos humanos? Consegue viabilizá-los na sua intervenção

profissional?

15) Possui conhecimento de legislações referentes à proteção dos direitos dos presos,

nas quais o Brasil é signatário? Quais? Em algum momento de sua intervenção,

conseguiu respaldar-se nas mesmas frente a situações de violação de direitos?

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INTERNOS

1.Idade:

2.Sexo:

3.Escolaridade:

4.Artigo/Condenação:

5.Período que se encontra recluso:

6.Possui passagem em outras Unidades Prisionais?

7.Qual a sua opinião sobre o sistema carcerário brasileiro?

8.Quais as principais dificuldades por você enfrentadas durante a execução de sua

pena?

9.O que você pensa sobre o tratamento destinado aos presos nas Unidades Prisionais?

10.Tem conhecimento sobre seus direitos? De que maneira você acha que eles devem

ser garantidos?

11.O que você entende sobre direitos humanos? Consegue ter acesso a esses direitos?

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