Sistema Digestivo

49
Aspectos Gerais da Fisiologia e Estrutura do Sistema Digestivo dos Peixes Relacionados à Piscicultura ISSN 1517-1973 Dezembro, 2003 53

Transcript of Sistema Digestivo

  • Aspectos Gerais daFisiologia e Estrutura doSistema Digestivo dosPeixes Relacionados Piscicultura

    ISSN 1517-1973

    Dezembro, 2 0 0 3 53

  • Repblica Federativa do Brasil

    Luiz Incio Lula da SilvaPresidente

    Ministrio da Agricultura e do Abastecimento

    Roberto RodriguesMinistro

    Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria - Embrapa

    Conselho de Administrao

    Jos Amauri DimrzzioPresidente

    Clayton CampanholaVice-Presidente

    Alexandre Kalil PiresErnesto PaternianiHlio TolliniLuis Fernando Rigato VasconcellosMembros

    Diretoria-Executiva da Embrapa

    Clayton CampanholaDiretor-Presidente

    Gustavo Kauark ChiancaHerbert Cavalcante de LimaMariza Marilena T. Luz BarbosaDiretores-Executivos

    Embrapa Pantanal

    Emiko Kawakami de ResendeChefe-GeralJos Anbal Comastri FilhoChefe-Adjunto de AdministraoAiesca Oliveira PellegrinChefe-Adjunto de Pesquisa e DesenvolvimentoJos Robson Bezerra SerenoChefe-Adjunto da rea de Comunicao e Negcios

  • ISSN 1517-1973Dezembro, 2003

    Empresa Brasileira de Pesquisa AgropecuriaCentro de Pesquisa Agropecuria do PantanalMinistrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento

    Documentos 53

    Aspectos Gerais daFisiologia e Estrutura doSistema Digestivo dosPeixes Relacionados Piscicultura

    Marco Aurlio Rotta

    Corumb, MS2003

  • Exemplares desta publicao podem ser adquiridos na:

    Embrapa PantanalRua 21 de Setembro, n1880, Caixa Postal 109Corumb, MS, CEP 79.320-900Fone: (67) 233-2430Fax: (67) 233-1011Home page: www.cpap.embrapa.brEmail: [email protected]

    Comit de Publicaes da Unidade:

    Presidente: Aiesca Oliveira PellegrinSecretrio-Executivo: Marco Aurlio RottaMembros: Balbina Maria Arajo Soriano

    Evaldo Luis CardosoJos Robson Bezerra Sereno

    Secretria: Regina Clia Rachel dos SantosSupervisor editorial: Marco Aurlio RottaRevisora de texto: Mirane dos Santos da CostaNormalizao bibliogrfica: Romero de AmorimTratamento de ilustraes: Regina Clia Rachel dos SantosIlustrao(es) da capa: Luiz Cosme Reis da SilvaIlustrao(es) do texto: Luiz Cosme Reis da SilvaEditorao eletrnica: Regina Clia Rachel dos Santos

    Elcio Lopes Sarath

    1 edio1 impresso (2003): formato eletrnico

    Todos os direitos reservados.A reproduo no-autorizada desta publicao, no todo ou em parte,constitui violao dos direitos autorais (Lei n 9.610).

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)Embrapa PantanalRotta, Marco Aurlio Aspectos gerais da fisiologia e estrutura do sistema digestivo dospeixes relacionados piscicultura / Marco Aurlio Rotta. Corumb:Embrapa Pantanal, 2003.

    48 p. (Documentos / Embrapa Pantanal ISSN 1517-1973; 53).

    1.Peixe - Fisiologia - Sistema digestivo. 2.Fisiologia - Peixe - Piscicultura.3.Sistema digestivo - Estrutura - Peixe. 4. Piscicultura - Fisiologia - Sistemadigestivo. I. Ttulo. II. Srie.

    CDD: 639.8Embrapa 2003

  • Autor

    Marco Aurlio RottaEng.. Agrnomo, M.Sc. em Zootecnia,Pesquisador em Sistemas de Produo Aqcolas,Embrapa Pantanal,Rua 21 de Setembro, 1880, Caixa Postal 109CEP 79320-900, Corumb, MSTelefone (67) [email protected], [email protected]

  • Apresentao

    Embora a indstria da aquicultura no Brasil venha crescendo nos ltimos anos auma taxa superior a 15% a.a., o potencial para a expanso dessa atividade pouco aproveitado. Isso se deve, entre outras questes, falta de uma polticaefetiva para organizar e promover o desenvolvimento da aquicultura comoprodutora de alimentos. Muito embora no se tenha um diagnstico de cincia etecnologia sobre a atividade, possvel inferir que as pesquisas no tema, alm dedispersas territorialmente, caracterizam-se pela falta de integrao entre os setoresque compem os diversos elos de sua cadeia produtiva.

    Nas condies atuais, no h uma idia real das potencialidades para odesenvolvimento da aquicultura no Brasil, das prioridades de pesquisa e dasdemandas do setor produtivo. Essa situao tem resultado em diversos problemasque esto retardando o desenvolvimento da atividade. Visualiza-se, portanto, umpapel central da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria - Embrapa - emtermos de apoio aquicultura, visando otimizar o aproveitamento do potencialnatural, material e de recursos humanos existentes no Pas, atravs de umaatuao em nvel nacional.

    Diante deste quadro, a Embrapa Pantanal vem buscando suprir a falta deinformaes tcnicas para embasar o desenvolvimento da piscicultura, a exemploda presente publicao, que trata sobre a fisiologia da digesto nos peixes. Esteassunto de grande relevncia para a otimizao da produo, pois somente apartir do conhecimento das diferentes necessidades e comportamentos alimentaresdesses animais podero ser formuladas raes que supram suas necessidadesfisiolgicas e bioqumicas. A importncia desse conhecimento se torna ainda maisevidente quando levamos em conta a diversidade de espcies de peixes quepossumos, e que, s aqui no Pantanal, h cerca de 260, cada uma com suassingularidades quanto ao hbito alimentar e s exigncias nutricionais.

    Emiko Kawakami de ResendeChefe-Geral da Embrapa Pantanal

  • Sumrio

    Aspectos Gerais da Fisiologia e Estruturado Sistema Digestivo dos PeixesRelacionados Piscicultura.......................................9

    Introduo ....................................................................9Digesto .....................................................................10Anatomia do Aparelho Digestivo...............................11

    Cavidade bucal...........................................................13Esfago.....................................................................17Estmago ..................................................................17Intestino ....................................................................20Reto..........................................................................22Inervao do trato digestivo .........................................23rgos digestivos acessrios.......................................23

    Consumo e Tempo de Passagem do Alimento........24Consumo e tempo de enchimento gstrico ....................24Motilidade e estase do intestino ....................................25

    Secrees Digestivas ................................................26Secrees da boca e do esfago..................................26Secrees gstricas....................................................27Secrees do intestino ................................................28

  • Absoro ....................................................................31Aspectos Gerais da Digesto e daAlimentao das Larvas e Ps-larvas.....................35

    Agradecimentos .........................................................40Anexos........................................................................41Referncias Bibliogrficas.........................................44

  • Aspectos Gerais daFisiologia e Estrutura doSistema Digestivo dosPeixes Relacionados PisciculturaMarco Aurlio Rotta

    IntroduoUm dos principais requisitos para o bom desenvolvimento da piscicultura oconhecimento adequado da biologia da espcie utilizada no cultivo. Dentro destetema, torna-se fundamental o entendimento da fisiologia desses peixes, que consisteno estudo do funcionamento dos diferentes sistemas do organismo, como eles seinteragem e respondem s diversas alteraes ambientais e mtodos de criao,permitindo que se estabelea as melhores condies para o cultivo de umadeterminada espcie.

    Os peixes, de modo geral, necessitam dos mesmos nutrientes exigidos pelos animaisterrestres para o crescimento, reproduo e outras funes fisiolgicas normais. Essesnutrientes geralmente so obtidos dos alimentos naturais disponveis no ambiente oudas raes comerciais fornecidas no cultivo. Se os peixes so mantidos emconfinamento, onde o alimento natural se torna escasso, eles necessitam de umarao nutricionalmente completa e balanceada.

    Portanto, o erro na escolha ou na formulao da rao provocar uma perda dedesempenho do peixe, conduzindo a um maior gasto na alimentao e diminuindo,conseqentemente, o lucro da atividade. Por isso, para a elaborao de uma raoadequada preciso conhecer as variaes existentes na estrutura e na fisiologia dosistema digestivo dos diferentes peixes cultivados atualmente em nossas pisciculturas.

    O conhecimento da preferncia alimentar de uma determinada espcie til nodesenvolvimento de estudos nutricionais e alimentares, no preparo de raes, nomanejo da alimentao e no planejamento da utilizao de policultivos, que consistena criao de duas ou mais espcies de peixes com hbitos alimentares diferentes em

  • Aspectos Gerais da Fisiologia e Estrutura do Sistema Digestivo dos PeixesRelacionados Piscicultura

    10

    um mesmo viveiro, diminuindo, assim, a competio por alimento entre as elas eotimizando o aproveitamento dos recursos alimentares disponveis.

    Esse trabalho tem por objetivo reunir as informaes disponveis sobre a fisiologia eestrutura do aparelho digestivo dos peixes, que, muitas vezes, so escassas eesto disponveis de forma dispersa na literatura, e divulg-las aos acadmicos,estudiosos em nutrio de peixes e piscicultores de forma concisa, correspondendoa uma sntese dos principais conhecimentos sobre esse tema e sua relao com osmanejos adotados na piscicultura.

    DigestoA digesto a combinao dos processos mecnicos, qumicos e microbianos quesofre o alimento ingerido, promovendo sua quebra em componentes que soabsorvidos pelo organismo ou que permanecem na luz do intestino at seremexcretados. As atividades mecnicas so a mastigao e as contraes do tubodigestivo; a principal atividade qumica efetuada pelas enzimas secretadas peloanimal, nos diversos sucos digestivos; e a atividade microbiana dos alimentos tambm enzimtica, porm realizada por bactrias e protozorios presentes geralmente naporo final do tubo digestivo.

    Os processos gerais de digesto nos peixes tem sido pouco estudados quandocomparados com os animais homeotermos (animais de sangue quente e temperaturacorporal constante). Porm, as informaes disponveis sugerem que os peixes so,de uma maneira geral, semelhantes aos outros vertebrados quanto aos processosdigestivos.

    Os peixes apresentam mltiplas variaes da estrutura bsica do trato gastrointestinal(TGI) dos vertebrados, as quais esto geralmente correlacionadas ao tipo de alimentoconsumido e ao ambiente, e podem influenciar a presena, posio, formato etamanho de um rgo em particular. Algumas adaptaes nos peixes provavelmenteso inexistentes nos vertebrados terrestres, pois alguns alimentos disponveis para ospeixes so encontrados unicamente no ambiente aqutico.

    Entretanto, a maioria dos peixes pouco especializada nos seus hbitos alimentares,isto , so generalistas, uma condio necessria para ingerir, digerir e absorver osdiferentes tipos de alimentos, explorando uma grande diversidade de itens alimentaresdisponveis, naturais ou industrializados. Mesmo quando ingerem um nico tipo dealimento, os peixes podem substitu-lo por outro totalmente diferente quando oprimeiro se torna indisponvel, ou podem mudar de hbito alimentar ao longo da vida,sendo esta adaptao mais eficiente em peixes onvoros do que em carnvoros.Durante o desenvolvimento larval dos peixes, tanto nas espcies herbvoras como nascarnvoras, elas passam por uma mudana no hbito alimentar, que inicialmente planctnico, alimentando-se primeiramente de fitoplncton, depois de zooplncton e,posteriormente, se especializando na ingesto de organismos animais ou vegetais.

  • Aspectos Gerais da Fisiologia e Estrutura do Sistema Digestivo dos PeixesRelacionados Piscicultura

    11

    Portanto, se tornar muito especializado quanto ao hbito alimentar pode ser umaestratgia arriscada sobrevivncia de determinada espcie.

    No ambiente natural os peixes conseguem balancear suas dietas escolhendo,entre diversos itens alimentares disponveis, os que melhor suprem suasexigncias nutricionais e preferncias alimentares (capacidade tambm conhecidacomo palatabilidade metablica), podendo recorrer a organismos animais evegetais. Raramente observam-se sintomas de deficincias nutricionais nessascondies.

    O conhecimento do hbito alimentar das espcies em condies naturais e de criaopermite a gerao de tecnologia para a intensificao da produo, sendo, portanto, osucesso da aquicultura associada ao conhecimento das caractersticasmorfofisiolgicas e comportamentais das espcies em criao, tanto nas fases adultasquanto nas fases jovens de desenvolvimento.

    Anatomia do Aparelho DigestivoO trato gastrointestinal ou digestivo o tubo que vai da boca ao nus e pelo qualpassam os alimentos. Pode ser subdividido em cavidade bucal ou bucofaringeana,intestino anterior (esfago e estmago), intestino mdio (intestino propriamente dito) eintestino posterior (reto). Os vrios tecidos e rgos relacionados a ele estoenvolvidos com a apreenso, mastigao e deglutio, seguidas da digesto eabsoro dos nutrientes, como tambm com a excreo.

    H uma estreita relao de interdependncia entre a nutrio, o habitat e aorganizao do aparelho digestivo, a qual se manifesta especialmente por adaptaese modificaes. Essas so variaes morfolgicas provocadas pela ao de fatores doambiente sobre o organismo, podendo ser de carter permanente, produzidas naevoluo filogentica, como no caso das adaptaes, ou de carter temporrio,produzidas no ciclo ontogentico do indivduo (desenvolvimento do indivduo desde afecundao at a maturidade reprodutiva), chamadas de modificaes. Portanto, adieta um dos principais fatores que confere aos rgos do aparelho digestivocaractersticas funcionais, anatmicas e morfomtricas prprias para cada regimealimentar.

    Apesar da grande diversidade das estruturas de alimentao e de digesto dospeixes, algumas generalizaes so possveis. Os peixes podem ser divididos,basicamente, em trs grandes categorias, de acordo com o tipo de alimentoconsumido:

    Os herbvoros ingerem itens de origem vegetal - a maioria se alimenta de poucasespcies de plantas e, freqentemente, possuem estruturas de mastigaoespecializadas, obtendo o mximo valor nutricional atravs da completa trituraodo alimento (p. ex.: piava, piau, piavuu, pacu-peva; os nomes cientficos dospeixes mencionados no texto esto listados no Anexo A);

  • Aspectos Gerais da Fisiologia e Estrutura do Sistema Digestivo dos PeixesRelacionados Piscicultura

    12

    Os onvoros se alimentam de itens de origem animal e vegetal - possuem umadieta mista e estruturas pouco especializadas. Freqentemente consomempequenos invertebrados, plantas e frutos (p. ex.: lambari, piraputanga, pacu,tambaqui, tambacu, tilpia, tuvira);

    Os carnvoros ingerem sobretudo itens de origem animal - se alimentam deinvertebrados de maior tamanho e outros peixes, podendo se especializar emalgum tipo em particular. Essas preferncias podem mudar com a disponibilidadesazonal dos alimentos (p. ex.: tucunar, dourado, pintado, salmo, cachorra,piranha, trara).

    Os peixes que se alimentam de plncton, lama ou detritos (uma mistura de sedimento,matria orgnica em decomposio e bactrias) no podem ser facilmenteclassificados como herbvoros ou carnvoros, devido a diversidade da origem dosorganismos, sendo classificados como planctfagos (p. ex.: tamboat), ilifagos oudetritvoros (p. ex.: curimbat, acari).

    Herbvoros, onvoros e carnvoros podem ser encontrados na mesma famlia. Logo,parece que as estruturas do aparelho digestivo so altamente adaptveis e facilmentemodificveis, pelo menos em termos evolutivos. Outro aspecto geral que ocomprimento do intestino est correlacionado com a dieta. Os herbvoros possuem ummaior comprimento relativo do intestino (CRI), que leva em considerao ocomprimento do intestino mdio e do reto, que os carnvoros (Tabela 1). De modogeral nos carnvoros o CRI varia de 0,2 a 2,5, nos onvoros entre 0,6 e 8,0 e nosherbvoros de 0,8 a 15,0.

    Tabela 1. Comprimento relativo do intestino - CRI (comprimento do intestino /comprimento corporal) de algumas espcies de peixes.

    Espcie Hbito Alimentar CRI

    Tuvira Carnvoro 0,4

    Pintado Carnvoro 0,5

    Trara Carnvoro 0,7

    Bagre-de-canal Onvoro 1,6

    Carpa comum Onvoro 2,1

    Tambaqui Onvoro 2,5

    Carpa capim Herbvoro 1,9

    Tilpia rendali Herbvoro 5,8

    Carpa cabea grande Fitoplanctfaga 15,0

    Cascudo Herbvoro 15,9 Os nomes cientficos dos peixes mencionados na tabela esto listados no Anexo A.

  • Aspectos Gerais da Fisiologia e Estrutura do Sistema Digestivo dos PeixesRelacionados Piscicultura

    13

    O tamanho do intestino parece estar mais relacionado com a quantidade de materialindigervel no alimento do que a sua origem animal ou vegetal. Os peixes que ingeremgrandes quantidades de lodo tambm possuem intestinos com tamanhos similaresaos dos herbvoros.

    Outros fatores, que no a dieta, podem tambm influenciar o comprimento dointestino. Os intestinos que possuem dobras ou outras estruturas que aumentem asuperfcie usualmente so menores que aqueles que no os possuem. Ocomprimento do intestino pode ser maior em peixes que se alimentam de um modomais esparso do que aqueles se alimentam com mais freqncia.

    Cavidade bucal

    A cavidade bucal compartilhada pelos aparelhos respiratrio e digestivo. Sua funodigestiva se limita a selecionar, apreender e conduzir o alimento at o esfago. Nospeixes, muitas vezes denominada como cavidade bucofaringeana por no se podersubdividir anatomicamente a cavidade bucal e faringe, visto que o limite entre os doisrgos pouco evidente, havendo continuidade anatmica entre eles. compostapelos lbios, boca, dentes, lngua e arcos branquiais e recoberta por um epitliomucoso estratificado sobre uma grossa membrana basal unida aos ossos ou aosmsculos por uma derme extremamente condensada.

    Exceto em algumas espcies herbvoras, os Telesteos, uma subdiviso da classedos Actinoptergios (subclasse dos Ostectes, a maior classe dos vertebrados e quecompreendem os peixes dotados de esqueleto sseo) que abrange cerca de 96% dasespcies de peixes atualmente existentes, no utilizam a cavidade bucal para amastigao e pr-digesto, como ocorre nos mamferos.

    Os lbios carnudos so comuns nos herbvoros, destinados ao pastejo e filtragem. Oslbios dos carnvoros so geralmente finos e com poucas modificaes. Os peixesbentfagos freqentemente possuem barbelas (p. ex.: carpa comum), apndicessensoriais que possuem grande quantidade de corpsculos gustativos cutneos ericamente enervados e que auxiliam na seleo do alimento quando esto comendoou pastando junto ao fundo dos corpos d'gua.

    Dois tipos extremos de boca so prontamente identificveis, com um grande nmerode variaes entre elas, dependendo do seu hbito alimentar. Um tipo de boca possuiuma grande abertura a qual se estende at os lados da cabea. Este tipo de boca caracterstica dos predadores carnvoros, permitindo a eles agarrar e ingerir grandespresas inteiras (p. ex.: cachorra, dourado). Outro tipo a boca pequena, tubular a qualmaximiza a habilidade de suco, geralmente presente nos peixes planctfagos,herbvoros e bentfagos (p. ex.: curimbat), como podemos ver na Fig. 1.

    A posio da boca varivel, dependendo do tipo de alimento normalmenteconsumido. Os peixes Telesteos geralmente possuem a boca na extremidadeanterior do corpo. Os que se alimentam no fundo possuem a boca na regio ventral (p.ex.: cascudo) e os que se alimentam na superfcie possuem a boca na regio dorsal

  • Aspectos Gerais da Fisiologia e Estrutura do Sistema Digestivo dos PeixesRelacionados Piscicultura

    14

    (p. ex.: tuvira). Os peixes com boca terminal so menos especializados quanto posio do alimento (p. ex.: pacu).

    Fig. 1. Dois tipos caractersticos de boca nos peixes ( esquerda o da cachorra, umpeixe carnvoro predador, e direita o do curimbat, um peixe bentfago sugador).

    Quanto lngua, os peixes possuem uma estrutura que pode ser consideradarudimentar, sendo usualmente rgida ou at mesmo ssea (p. ex.: pirarucu,pertencente a famlia dos Osteoglossdeos) e relativamente imvel na maioria dosTelesteos. No possui glndulas salivares, porm apresenta botes sensoriaisgustativos. O sistema gustativo dos Telesteos ativado por substncias solveis nagua, acreditando-se que a gustao est envolvida na deteco, seleo e ingestodos alimentos, assim como na proteo contra a ingesto de substncias nocivas pelopeixe. H uma estreita relao entre o padro de distribuio dos corpsculosgustativos e a forma pela qual o peixe localiza e seleciona o alimento, sendo, noscarnvoros, mais presentes na regio anterior da cavidade bucofaringeana e poucopresentes no esfago (p. ex.: pintado). Na tuvira h poucos botes gustativos na boca,faringe e esfago, pois a presena de tais estruturas no devem estar relacionadascom a necessidade de localizar o alimento no ambiente, pois este peixe possui umcampo eltrico para esta finalidade. Provavelmente estas estruturas estejam maisrelacionadas com a seleo do alimento. Nos Telesteos a ejeo do alimento jingerido e mesmo a everso do estmago comum quando se alimentam de algoestranho ou no palatvel.

    Os peixes possuem uma ampla variedade de dentes e estruturas associadas.Diferenas na dentio indicam diferenas na preferncia pelos alimentos, os quaisvariam de tamanho, dureza e textura, o que deve ser levado em conta quando daformulao de dietas artificiais. Acredita-se que os dentes dos peixes so originadosde escamas que recobriam os lbios. Na cavidade bucal, os dentes, quandoexistentes, so presos aos ossos do maxilar e da cabea. Eles so solidamentefixados (em alguns casos so articulados) e identificados de acordo com o osso aoqual esto ligados. Quanto maior os dentes maior ser a abertura da boca (p. ex.:cachorra). A maioria dos carnvoros possui dentes pequenos, pois servem parasegurar a presa. Esses peixes geralmente engolem as suas presas inteiras, comexceo das piranhas, que tem a habilidade de dilacerar o seu alimento antes deinger-lo.

  • Aspectos Gerais da Fisiologia e Estrutura do Sistema Digestivo dos PeixesRelacionados Piscicultura

    15

    Existem basicamente quatro tipos de dentes presentes nos peixes, possuindo umaforte correlao entre a dentio, o hbito alimentar e o alimento ingerido. A dentiodos Telesteos normalmente composta por dentes maxilares, localizados nasbordas da boca e do palato, mais desenvolvidos em peixes carnvoros e ausentes oumuito pouco desenvolvidos nos herbvoros. Os herbvoros possuem os dentesfarngeos bem desenvolvidos (p. ex.: carpa capim) associados com os arcosbranquiais (p. ex.: carpa prateada), localizados na parte posterior da cavidadeopercular. Alguns peixes herbvoros possuem dentes mandibulares incisivos, que soutilizados para cortar as plantas macrfitas, entretanto a carpa capim no os possui. Otambaqui, considerado um peixe onvoro com tendncia a frugivoria, possui dentesmolariformes com as margens afiadas usados para triturar frutos e castanhas, mesmoas de casca muito dura. Uma ampla fenda bucal com uma dentio oral funcional ecom um pequeno desenvolvimento do aparelho dentrio faringiano e dos rastrosbranquiais so caractersticas de peixes que se alimentam, preferencialmente, deorganismos animais, sendo geralmente carnvoros.

    Os peixes herbvoros/fitoplanctfagos geralmente apresentam dentes faringianos bemdesenvolvidos (dispostos em placas ou ossos faringianos), que so utilizados paraesmagar e moer vegetais ou outros materiais rgidos, facilitando a ao das enzimasdigestivas devido ao aumento da rea superficial do alimento (Fig. 2).

    Fig. 2. Trs exemplos de ossos faringianos mostrando a variao da forma dos dentesfarngeos conforme o hbito alimentar dos peixes ( direita de um peixe fitoplanctfago,ao centro de um peixe que se alimenta de moluscos e esquerda de um peixepiscvoro).

    Freqentemente, os peixes que possuem esses dentes, como as carpas e as tilpias,apresentam um par superior e outro inferior, sendo esses pressionados entre sidurante o processo de triturao do alimento (Fig. 3). Os dentes faringianos, por causada sua orientao, podem ser tambm atuantes na deglutio do alimento. Os peixesapresentam modificaes nos arcos branquiais, os chamados rastros branquiais (Fig.4), que geralmente esto mais desenvolvidos nas espcies planctfagas (mais longase numerosas), pois permite a essas formar uma estrutura tipo "rede" para filtrar econcentrar o plncton presente na gua bombeada atravs das brnquias. Peixesplanctfagos geralmente possuem rastros branquiais numerosos e bastante prximos

  • Aspectos Gerais da Fisiologia e Estrutura do Sistema Digestivo dos PeixesRelacionados Piscicultura

    16

    entre si, permitindo uma eficiente filtragem de partculas pequenas de alimento, comofitoplncton (p. ex.: carpa prateada), zooplncton (p. ex.: carpa cabea grande),crustceos e, em alguns casos, at mesmo diatomceas (p. ex.: tilpia), que possuemum dimetro muito pequeno. Nesses peixes a secreo de muco nos rastrosbranquiais e na faringe auxilia na aglutinao dessas pequenas partculas para a suaingesto.

    Fig. 3. Desenho esquemtico mostrando o funcionamento dos dentes farngeos. Aplaca ssea superior desloca no sentido vertical e a placa ssea inferior no sentidohorizontal (seta tracejada indica o sentido de passagem do alimento).

    A maioria das tilpias so excelentes filtradoras de plncton, porm nem todaspossuem rastros branquiais prximos, necessitando de forma mais intensa a produode muco pelos rastros branquiais. Os rastros branquiais tambm protegem asbrnquias contra partculas ingeridas que possam, acidentalmente, machuc-las.

    Fig. 4. Trs exemplos de rastros branquiais mostrando a variao da forma das suasestruturas conforme o hbito alimentar dos peixes: (A) de um peixe filtrador, como atilpia niltica e o acar; (B) de outro peixe filtrador, como as carpas prateada ecabea grande; (C) de um peixe piscvoro, como o pintado e o dourado (AR - arcobranquial; FI - filamentos branquiais; RA1 - rastros branquiais curtos em forma detubrculo; RA2 - rastros branquiais longos e numerosos; RA3 - rastros branquiaiscurtos em forma de seta).

    Esfago

    CavidadeBucal

    A B C

    AR

    FI

    RA2

    AR

    FI

    RA1

    AR

    FI

    RA3

  • Aspectos Gerais da Fisiologia e Estrutura do Sistema Digestivo dos PeixesRelacionados Piscicultura

    17

    Peixes carnvoros geralmente possuem rastros branquiais em menor nmero e maisafastados entre si, auxiliando no aprisionamento de pequenos peixes dentro dacavidade bucal. A secreo de muco nos rastros branquiais dos peixes carnvorosajuda a lubrificar presas maiores, aumentando a eficincia de captura e facilitando aingesto do alimento.

    Esfago

    O esfago quase sempre um tubo curto, largo, reto e muito musculoso, e sua funo de degustar o alimento (possui botes gustativos) e transport-lo at o estmagocom o auxlio das ondas peristlticas (contraes musculares cuja funo transportaros alimentos pelo TGI, mistur-los com os sucos digestivos e pr os nutrientesdigeridos em contato com a mucosa intestinal, para sua subseqente absoro). Almde conduzir os alimentos da boca para o estmago ou intestino, o esfago comunica-se com a vescula gasosa e pode desempenhar diferentes funes, como a deosmorregulao em peixes eurialinos (animais aquticos que podem viver em guascom diferentes salinidades, como o salmo) ou auxiliar na respirao.

    O esfago de difcil identificao na maioria dos Telesteos, pois muitas vezes nopossui o esfncter crdico que o separa do estmago. Geralmente inicia na boca etermina na regio crdica do estmago, porm, em peixes sem estmago (agstricos),o esfago se conecta diretamente ao intestino (p. ex.: carpa comum). revestido poruma camada epitelial provida de clulas mucosas que, junto as grandes pregaslongitudinais que a estriam, facilitam a ingesto das grandes partculas dos alimentos,sendo mais distendvel em espcies ictifagas e menos em espcies detritvoras eherbvoras. A musculatura do esfago tende a ser mais desenvolvida em peixes degua doce do que em peixes de gua salgada, pois exerce a funo de minimizar aentrada de gua (hipo-homeosttica) durante a ingesto do alimento. Em algumasespcies tropicais existem divertculos cegos (sacos esofgicos) presentes. Tambmpode auxiliar no armazenamento do alimento enquanto o estmago se encontra emrepleo, como ocorre nas tuviras.

    Estmago

    O estmago pode ser dividido em trs regies, que so a crdica (entrada), fndica(saco) e pilrica (sada). A crdia e o piloro possuem esfncteres que controlam apassagem dos alimentos pelo estmago, porm, em alguns peixes, o esfncter crdicopode estar ausente (Fig. 5). A superfcie interna (mucosa) contm uma variedade declulas glandulares endcrinas e secretoras excrinas. Estas ltimas produzem omuco e o suco gstrico. As caractersticas das glndulas gstricas variam conforme ohbito alimentar do peixe, sendo mais ramificadas e desenvolvidas nos peixescarnvoros.

    O estmago armazena temporariamente o alimento e desempenha funesmecnicas que auxiliam na triturao e incio da digesto dos alimentos. O tamanhodo estmago pode ser usualmente relacionado com o intervalo entre as refeies e otamanho das partculas do alimento ingerido. Os peixes que consomem grandespresas em intervalos esparsos possuem grandes estmagos e aqueles que se

  • Aspectos Gerais da Fisiologia e Estrutura do Sistema Digestivo dos PeixesRelacionados Piscicultura

    18

    alimentam de pequenas partculas (i.e. micrfagos) possuem freqentementepequenos estmagos ou no os possuem (p. ex.: carpa comum).

    Fig. 5. Diferentes formatos e disposies dos estmagos nos peixes e as suas regiesgstricas.

    Acredita-se que o desaparecimento do estmago foi uma modificao necessria parapermitir a destruio de grandes quantidades de alimentos indigerveis, que devempassar rapidamente atravs do tubo digestivo. Peixes micrfagos (p. ex.: acar) edetritvoros/ilifagos (p. ex.: tainha, curimbat), apresentam estmago com baixacapacidade de armazenamento, mas bem musculoso e com fortes contraes parafragmentar o alimento, auxiliado pela areia ou outro material sedimentar, como ocorreno ventrculo (moela) das aves, quebrando, assim, a parede celular de bactrias, algase diatomceas. Em outros micrfagos, detritvoros, ilifagos e herbvoros estaestrutura tipo "moela" pode estar ausente no estmago, sendo, ento, feita a trituraopelos dentes farngeos. O esfncter pilrico mantm o alimento no estmago at ele

    A) Carpa comum;B) Peixe pulmonado africano;C) Lcio;D) Cacho;E) Enguia europia;F) Arraia;G) Peixe escorpio;H) Tainha.

    Esfago

    Regio crdica do estmago

    Regio pilrica do estmago

    Regio fndica do estmago

    Intestino e ducto biliar

    Esfncteres e msculos

    A

    F

    B C D

    G H

    E

  • Aspectos Gerais da Fisiologia e Estrutura do Sistema Digestivo dos PeixesRelacionados Piscicultura

    19

    estar suficientemente fludo para passar para o intestino e impede o refluxo do boloalimentar para o estmago.

    O estmago possui uma forma de saco distendvel, sigmide, recoberto pornumerosas pregas com paredes musculares muito desenvolvidas. A crdia assinala amudana do msculo estriado do esfago para o msculo liso do estmago (Fig. 6). Aparede do estmago composta por camadas de tecido similares s dos outrosvertebrados. Possuem tambm uma srie de camadas musculares e vrios estratosde tecido conjuntivo adjacente.

    O revestimento mais interno um epitlio colunar que contm clulas secretoras demuco e clulas que secretam tanto o pepsinognio quanto o cido clordrico (HCl),chamadas clulas oxintoppticas. H uma tendncia para a ocorrncia das clulassecretoras na parte anterior do estmago. Em alguns peixes o epitlio prximo aopiloro parece no ser secretor, possui um abundante suprimento de sangue e pode terfuno de absoro. No pintado, por exemplo, as regies crdica e fndica soglandulares, isto , produzem suco gstrico, e a regio pilrica aglandular. O epitliodo estmago forma criptas ao longo da mucosa gstrica. As criptas gstricas querecortam a mucosa tm incio na poro cranial da regio crdica, onde elas sopouco profundas. Depois elas vo se tornando progressivamente mais profundas aoslongo do estmago, atingindo o mximo de desenvolvimento na regio pilrica. Asglndulas gstricas que esto presentes nas regies crdica e fndica desembocamna base das criptas. Na regio pilrica no ocorre a presena de glndulas gstricas,aparecendo somente criptas profundas. Na maioria dos peixes o pH do estmago extremamente cido (entre 2,4 e 4,2). Em peixes sem estmago, todo o contedo dotrato digestivo alcalino, mesmo quando h cecos intestinais.

    Fig. 6. Desenho esquemtico do estmago de um peixe carnvoro mostrando suaspregas e musculatura e a disposio lateral do esfncter pilrico (Et - estmago;In - intestino).

    Piloro

    Crdia

    Et

    In

  • Aspectos Gerais da Fisiologia e Estrutura do Sistema Digestivo dos PeixesRelacionados Piscicultura

    20

    Os peixes carnvoros geralmente se alimentam com menor freqncia, porm,consomem uma refeio maior, necessitando de um estmago de maior volume ecom musculatura bastante elstica para acomodar as presas ingeridas. Peixesonvoros e herbvoros realizam muitas refeies dirias, porm, consomem poucoalimento por refeio e, por isso, geralmente apresentam estmago de menor volume.

    A forma do estmago tambm difere bastante. Nos peixes carnvoros o estmago muito elstico, pois possui pregas bem desenvolvidas, o que permite sua distenso,podendo aumentar de trs a quatro vezes o seu tamanho. Outro fator que auxilia adistenso a ligao entre o estmago e o intestino, que geralmente ocorre na lateraldo estmago, o que no permite que a presa force sua passagem pela sua vlvulapilrica, diferentemente do que ocorre nos peixes com outros hbitos alimentares (Fig.6). Dessa forma, as grandes presas ingeridas pelos peixes carnvoros podem seacomodar no estmago sem que este rompa a sustentao mesentrica do tratointestinal.

    Intestino

    O intestino um tubo relativamente simples, iniciando na vlvula pilrica e terminandono reto, no sendo separado em delgado e grosso, como nos mamferos. Possuiglndulas digestivas e um suprimento abundante de vasos de sangue e de linfa, ondese completa a digesto iniciada no estmago. No intestino onde ocorre a maior parteda absoro dos nutrientes, ons e gua oriundos da dieta, sendo os produtos dadigesto mantidos em soluo, o que facilita a absoro. Nos peixes, alm da funode digesto e absoro, o intestino pode desempenhar outras funes, como auxiliarna osmorregulao ou na respirao.

    H uma ampla variedade de estruturas especializadas encontradas no intestino dediferentes espcies de peixes. Uma das mais importantes so os cecos pilricos,presentes em algumas espcies de peixes, como nos salmondeos e noscurimatdeos. Os cecos pilricos so divertculos cegos de formato digitiforme que seencontram na regio pilrica e na poro anterior do intestino mdio, estando livresentre si ou ocasionalmente fundidos parede do estmago (Fig. 7). Suascaractersticas histolgicas e histoqumica (composio qumica) so semelhantes sdo intestino adjacente, sugerindo que os cecos pilricos sirvam para aumentar asuperfcie intestinal sem aumentar o comprimento ou espessura do intestino. So maisdesenvolvidos em peixes carnvoros e reduzidos, ou mesmo ausentes, nosherbvoros, possuindo uma funo diferente dos cecos dos mamferos e das aves, nosquais ocorre a fermentao do alimento. Entretanto, no est bem definido se hrelao entre a presena de cecos pilricos e a dieta do peixe, pois eles ocorrem nospeixes carnvoros, onvoros e herbvoros. Nas espcies com poucos ou nenhum cecoocorre maior desenvolvimento da mucosa e/ou maior comprimento do intestino mdiopara compensar a escassez ou ausncia dessas estruturas. Servem tambm comoreservatrio de alimento.

    O nmero e formato dos cecos pilricos variam de espcie para espcie e mesmoentre exemplares do mesmo tamanho e da mesma espcie, podendo alcanar onmero de 70 ou mais. So responsveis por grande parte da digesto dos lipdios e

  • Aspectos Gerais da Fisiologia e Estrutura do Sistema Digestivo dos PeixesRelacionados Piscicultura

    21

    das protenas e recebem as secrees pancretica e biliar, participando tambm daabsoro de aminocidos, carboidratos, lipdios, gua e ons.

    Uma caracterstica bsica do intestino dos Telesteos a presena de pelo menosdois segmentos intestinais, mesmo sem a separao entre intestino delgado e grosso.Na primeira poro ocorre a absoro de nutrientes em suas formas menores(monossacardeos, aminocidos e cidos graxos), enquanto a segunda parte responsvel pela entrada de macromolculas por pinocitose (mecanismo depenetrao de fluidos na clula atravs da invaginao da membrana celular, com aformao de vesculas internas). As pores intestinais que apresentam mucosa maiscomplexa esto envolvidas, de modo geral, com processos absortivos. No pintado, osdois primeiros teros do intestino possuem esta caracterstica.

    Fig. 7. Trs exemplos de intestinos nos peixes com diferentes disposies e nmerode cecos pilricos. (Et - estmago; CP - cecos pilricos; Cl - coldoco; In - intestino).

    Outras estruturas que auxiliam na digesto so as dobras e cristas do epitlio mucosono intestino mdio que aparecem em grande quantidade e variedade e que servempara aumentar a superfcie de secreo e absoro. Nos peixes em jejum, essasestruturas diminuem muito, como tambm o dimetro e o comprimento do intestino.Intestinos mais curtos apresentam maior nmero de dobras, melhorando a eficinciade absoro dos nutrientes ingeridos, como no caso das espcies carnvoras.

    O comprimento do intestino varia conforme o hbito alimentar e as caractersticas dosalimentos naturalmente ingeridos pelos peixes. Os carnvoros possuem, basicamente,um intestino curto, reto e espesso, os onvoros um intestino em forma de N e osherbvoros possuem um intestino longo, enovelado e fino (Fig. 8). O comprimento dointestino parece estar mais correlacionado com a quantidade de materiais indigerveisdo que com a natureza do alimento (vegetal ou animal). Peixes herbvoros efitoplanctfagos consomem alimentos de menor digestibilidade e apresentam,geralmente, intestinos mais longos se comparados aos peixes carnvoros. Portanto,existem duas adaptaes gerais conforme o hbito alimentar: os herbvoros, queapresentam uma grande ingesto e rpido trnsito de alimento no intestino, distribuema superfcie absortiva em um longo intestino com mucosa pouco pregueada,

    CP

    EtIn

    CPIn

    CP

    InEtCl Et

  • Aspectos Gerais da Fisiologia e Estrutura do Sistema Digestivo dos PeixesRelacionados Piscicultura

    22

    permitindo que o alimento permanea mais tempo em contato com as enzimas, demodo a aumentar a eficcia da digesto, compensando o baixo valor nutritivo doalimento ingerido; e os carnvoros, que apresentam um intestino curto, mas como aquantidade de alimento ingerido menor e a qualidade superior, o trnsito maislento, sendo este aspecto importante para favorecer a difuso dos nutrientes paradentro das numerosas e profundas pregas que existem na mucosa intestinal antes deserem absorvidos. As pregas da mucosa intestinal mais complexamente estruturadasesto relacionadas com o hbito alimentar carnvoro, estando envolvidas nosprocessos absortivos dado ao aumento da rea superficial dessa estrutura. No casodos peixes carnvoros com secos pilricos, o trnsito alimentar ainda mais lento, poiso alimento que entra nesses sacos de fundo cego deve retornar novamente a luz dointestino para ento ser excretado.

    As pregas da mucosa intestinal tambm esto relacionadas com o transporte domaterial em processamento: pregas longitudinais auxiliam o transporte desse material,acelerando-o, ao passo que pregas transversais retardam o seu trnsito, uma vez queatuam como obstculos sua passagem.

    Fig. 8. Dois tipos caractersticos de intestinos nos peixes ( esquerda o do tambaqui,um peixe frugvoro, e direita o do dourado, um peixe carnvoro).

    Deve-se destacar que peixes onvoros e herbvoros apresentam a capacidade dealterar a estrutura e as propriedades absortivas do seu sistema digestivo em respostaa mudanas na dieta, sendo portanto substrato dependentes. O aumento naquantidade de glicdios na alimentao pode provocar aumento no comprimento dointestino e na absoro de glicose por alguns Telesteos, no ocorrendo este fato noscarnvoros, como o pintado e a truta arco-ris. Essas diferenas devem-se,provavelmente, adaptao das espcies, pois peixes onvoros e herbvoros estosujeitos a grandes variaes na composio bromatolgica da dieta, diferentementedo que ocorre na dieta dos carnvoros.

    Reto

    O reto possui uma parede muscular muito mais grossa que a do intestino e com umagrande capacidade de distenso. O reto pode ser diferenciado do intestino mdio pelodecrscimo da vascularizao e do nmero de clulas secretoras e pelo aumento donmero de clulas produtoras de muco, as quais podem ser vistas histologicamente.Tambm h a possibilidade de ocorrncia dos cecos retais, cuja funo principal a

  • Aspectos Gerais da Fisiologia e Estrutura do Sistema Digestivo dos PeixesRelacionados Piscicultura

    23

    absoro de gua. Em alguns peixes pode haver uma pequena constrio entre ointestino e o reto, onde se localizam um esfncter e a vlvula ileoretal, delimitando asduas regies intestinais, como o caso da tuvira.

    A abertura anal ou fenda tambm o local de terminao dos ductos urinrios ereprodutivos. Mesmo com os trs ductos desembocando na mesma regio, esta nose caracteriza como cloaca, pois eles se abrem para o ambiente externo e no parauma cmara interna comum, como ocorre nas aves.

    Inervao do trato digestivo

    A boca e a regio perioral so ricas em terminaes nervosas sensitivas, variandoconforme a implantao dos dentes, sua morfologia e nmero. J a enervao dosrgos digestivos no bem compreendida, embora se acredite que h umaenervao simptica vinda dos gnglios laterais medula espinhal. Este um sistemaadrenrgico (libera adrenalina ou epinefrina) que possui um efeito inibitrio. Aenervao do estmago, intestino e reto realizada por nervos simpticos.

    A enervao parassimptica provm de trs nervos craniais, que so os nervos vago(X), glossofarngeo (IX) e facial (III). que se espalham para vrias partes do tratodigestivo. Os nervos glossofarngeo e facial enervam todas as vsceras. Esses nervoscraniais so colinrgicos (liberam acetilcolina) e possuem um efeito estimulatrio.

    Alm dos nervos extrnsecos, existem tambm nervos intrnsecos dentro dos tecidosdo sistema digestivo. Esses nervos no so originados do crebro nem da espinha ese acredita que eles sejam a base anatmica para o verdadeiro reflexo peristltico.Testes fisiolgicos sugerem que o peristaltismo (contraes da musculatura da parededo TGI que promovem o deslocamento do contedo alimentar) dos peixes seassemelha ao dos vertebrados superiores. Quanto ao estmulo e liberao dassecrees pancreticas e intestinais, essas parecem estar sobre controle tantohormonal quanto nervoso.

    rgos digestivos acessrios

    Embora o pncreas dos tubares e das arraias (Classe Elasmobrnquia) seja grandee distinto, o pncreas da maioria dos peixes Telesteos difuso e no pode serfacilmente observado durante uma dissecao total. O pncreas difuso consiste empequenos glbulos de tecido pancretico espalhado pelo mesentrio do peixe(principalmente entre as clulas adiposas dos cecos pilricos, no revestimentosubcapsular do bao e na capa externa que rodeia a veia porta heptica), cada umprovido por uma artria, veia, nervo e ducto pancretico. Nas espcies em que ofgado e o pncreas esto combinados, este tecido se estende ao redor do ramoprincipal da veia porta, formando uma espcie de glndula externa. O tecidopancretico, em algumas espcies, encontra-se difuso no fgado, sendo chamado depncreas intra-heptico ou hepatopncreas. Geralmente, os ductos se unem e sejuntam com o ducto da bile para formar um ducto biliar comum antes de entrar naparte superior do intestino, embora algumas espcies possuam ductos independentes.A estrutura do pncreas dos peixes bastante semelhante dos mamferos. O

  • Aspectos Gerais da Fisiologia e Estrutura do Sistema Digestivo dos PeixesRelacionados Piscicultura

    24

    pncreas dos peixes secreta insulina e glucagon em resposta absoro denutrientes, como tambm secreta enzimas digestivas e bicarbonato para o intestino,semelhante aos vertebrados superiores.

    A vescula biliar um saco contrctil com parede delgada com a funo dearmazenamento temporrio da bile, a qual coletada pelos ductos biliares vindos dofgado. A vescula biliar se liga e, algumas vezes, est incrustada em um dos lbulosdo fgado. Acredita-se que o controle da vescula biliar seja bastante semelhante aodos outros vertebrados.

    O fgado dos Telesteos possui um considervel volume em relao ao corpo. marrom-avermelhado nas espcies carnvoras e marrom-claro nas herbvoras. Nospeixes cultivados, que se alimentam de rao, sua cor habitualmente mais clara doque a dos peixes, da mesma espcie, que se encontram na natureza. Em algumasespcies um rgo compacto que se combina com o pncreas formando ohepatopncreas, sendo que em outras se encontram totalmente separados. Ahistologia do fgado dos peixes difere da dos mamferos, pois os hepatcitos possuemmenor tendncia a se dispor em cordes ou em lbulos. O sistema biliar difere dosmamferos pois os canalculos biliares intracelulares se juntam aleatoriamente paraformar os condutos biliares. Esses condutos fusionam-se e do, eventualmente, lugara uma vescula biliar que armazena uma blis amarela-esverdeada que contm saisbiliares e lcalis. Aps ser conduzida ao lmen do intestino pelo coldoco, a bile efetuaa emulsificao das gorduras e a neutralizao da acidez do quimo (pasta alimentarsemifluida a que se reduzem os alimentos que sofreram digesto estomacal); essesprocessos auxiliam na digesto e na absoro dos lipdios e das vitaminaslipossolveis que entram no intestino.

    Consumo e Motilidade Intestinal

    Consumo e tempo de enchimento gstricoEmbora os estmulos fisiolgicos estejam entre os fatores mais importantes quegovernam o consumo de alimento pelos vertebrados superiores, esses no tmrecebido a devida ateno com relao aos peixes. Os aspectos neurais docontrole do consumo nos peixes so semelhantes aos dos vertebrados superiores.Muitos hormnios tambm afetam o consumo alimentar nos peixes. H evidnciasque os hormnios tireoidianos aumentam a taxa de absoro de alguns nutrientesatravs do intestino, aumentando, portanto, a converso alimentar e o crescimento.Hormnios esterides (tanto andrgenos como estrgenos) podem aumentar comodiminuir o apetite nos peixes, pois alteram simultaneamente os nveis dosnutrientes no plasma. O enchimento do estmago e fatores sistmicos, comonutrientes circulantes e taxa respiratria, se mostraram altamente relacionados aoconsumo de alimento. Quando um alimento com pouco contedo energtico porunidade de peso administrado ao peixe, a compensao que segue com oaumento do consumo dirio um aumento na taxa de alimentao com umaevidente diminuio no tempo de enchimento gstrico. Mesmo que seja razovel

  • Aspectos Gerais da Fisiologia e Estrutura do Sistema Digestivo dos PeixesRelacionados Piscicultura

    25

    se pensar que a atividade de consumo cesse quando o estmago esteja cheio, temsido observado, em alguns peixes, que o alimento total consumido limitado pelopeso especfico deste alimento, pois pode influenciar na flutuabilidade do peixe eprejudicar sua movimentao vertical na coluna dgua.

    Um dos estimadores mais comuns da taxa de processamento do alimento pelo tratodigestivo o tempo necessrio para o estmago se tornar vazio aps uma refeio.Algumas generalizaes so amplamente aceitas quando se deseja medir este tempo,que so: a taxa de esvaziamento e digesto do estmago exponencial em relao quantidade de alimento ingerido; grandes refeies so digeridas mais rapidamente,em proporo ao seu tamanho, do que pequenas refeies (uma refeio trs vezesmaior ir demorar o dobro de tempo para digerir); a temperatura controla fortemente ataxa de esvaziamento gstrico. Dietas que contenham grandes quantidades degordura tambm aumentam o tempo de reteno do alimento no estmago.

    Motilidade e estase do intestino

    De modo geral, o controle nervoso da motilidade gstrica dos peixes Telesteos semelhante ao dos outros vertebrados superiores, sendo o peristaltismo estimuladopela acetilcolina e inibido pela adrenalina. A peristalsia tambm estimulada peloestiramento do intestino, sendo o tamanho da contrao proporcional ao grau deestiramento. A peristalsia nos peixes Telesteos um reflexo verdadeiro que resultada atividade de um nervo intrnseco localizado na parede do intestino. Esta atividadeperistltica se apresenta tipicamente como a dos vertebrados superiores.

    A colecistocinina, hormnio produzido pela mucosa do intestino e dos cecos pilricos, liberada quando gorduras, aminocidos ou mesmo o quimo cido entram nointestino ou nos cecos pilricos. Esse hormnio reduz a motilidade gstrica e estimulaa contrao do esfncter pilrico, levando a uma diminuio do esvaziamento gstrico.Alm disso, a colecistocinina tambm estimula a contrao da vescula biliar, fazendo-a liberar a bile no lmen intestinal.

    Alguns estudos mostram a existncia de clios nos intestinos de vrios Telesteos,principalmente nos peixes menores e nas ps-larvas. Os clios devem possuir umimportante papel no transporte de alimentos particulados, principalmente quando amotilidade intestinal est fraca. Com o tempo, medida que o peixe se torna adulto,h um desaparecimento gradual desses clios. Tanto clios quanto microvilos soencontrados nas clulas da parede do intestino nos Telesteos.

    importante conhecer o tempo de esvaziamento do trato digestivo nos peixes, poisele determinar quando o peixe ir se alimentar novamente. Peixes que esvaziammais rapidamente o intestino apresentam maior apetite, ou seja, precisam seralimentados com maior freqncia. O esvaziamento do trato digestivo depende dadigestibilidade do alimento, como podemos ver nos peixes que se alimentam demoluscos ou de outros peixes, que possuem uma rpida digesto e esvaziamentogstrico (de 6 a 11 horas), enquanto os que se alimentam de vegetais ou crustceospodem demorar mais que o dobro deste tempo.

  • Aspectos Gerais da Fisiologia e Estrutura do Sistema Digestivo dos PeixesRelacionados Piscicultura

    26

    Na maioria dos Telesteos, quanto maior o tamanho ou a quantidade de alimentoingerido maior ser o tempo para o esvaziamento. Portanto, peixes que ingerempresas grandes demoram mais para esvaziar o trato digestivo, enquanto que peixesdetritvoros tm um esvaziamento muito mais rpido. Contudo, em algumas espcies,a presena de grande quantidade de alimento no estmago acelera a peristalse,facilitando o esvaziamento. O tamanho do peixe tambm influencia o esvaziamento dotrato digestivo. Em ps-larvas isto pode ocorrer dentro de 2 a 9 horas, o que indicaque o fornecimento de alimento deve ser mais freqente que para os adultos.

    A parada da peristalsia chamada estase, tendo como conseqncia a permannciado alimento no trato digestivo. Este um acontecimento comum em mamferosdurante perodos de estresse, tendo tambm sido verificado nos peixes. Baixastemperaturas tambm podem acarretar este estado nos peixes. A estase estrelacionada com o desenvolvimento de patgenos no TGI, pois com a parada do boloalimentar esses patgenos podem penetrar pela parede do intestino com a ajuda dasprprias enzimas digestivas. Essa situao pode ocorrer no transporte dos peixes,sendo, tambm por este motivo, indicado o jejum de 24 a 48 horas antes do manejo.

    A passagem de alimento pelo intestino dos peixes se acelera com o aumento datemperatura, devido a maior velocidade dos processos fisiolgicos e bioqumicos(metabolismo) decorrentes desta elevao, podendo dobrar a taxa de passagem doalimento com um aumento de 10C. Para a carpa capim, o alimento passa atravs dointestino em aproximadamente oito horas, a uma temperatura de 30C.

    Secrees Digestivas

    Secrees da boca e do esfago

    Somente alguns peixes secretam produtos digestivos dentro da cavidade bucal,incluindo a faringe. A maioria dos peixes secreta muco para proteger o epitlio quereveste a boca e que possui vrios receptores gustativos. Este muco tambm podeservir como fonte de alimento s larvas dos herbvoros Cicldeos (p. ex. tilpias) queincubam seus ovos na boca como tambm conter co-fatores que auxiliam na digesto.

    Os peixes, diferentemente dos mamferos, no possuem atividade da amilase naboca, sendo a produo desta enzima restrita ao pncreas e intestino, principalmenteem animais onvoros e herbvoros.

    A parede do esfago freqentemente pregueada e enrugada, algumas vezes emarranjos bem elaborados, produzem muco em grandes quantidades e possuemtambm botes gustativos. Os sacos esofgicos, quando presentes, podem produzirmuco e armazenar ou moer o alimento. Na perca preta tambm foi detectada atividadeproteoltica na sua mucosa esofgica.

  • Aspectos Gerais da Fisiologia e Estrutura do Sistema Digestivo dos PeixesRelacionados Piscicultura

    27

    Secrees gstricas

    As secrees do estmago (suco gstrico) so produzidas na regio fndica etipicamente incluem gua, sais inorgnicos, muco (mucina), enzima proteolticapepsinognio, lipase gstrica e cido clordrico a 0,1 N. Histologicamente o epitlio doestmago possui dois tipos de clulas secretoras: as mucides, que produzem muco;e as clulas oxintoppticas, secretoras de cido clordrico e pepsinognio.

    Vrios fatores esto relacionados com o estmulo da secreo do muco e do sucogstrico, entre eles, a presena de alimentos na luz do estmago, hormnios eestmulos neurais do nervo vago. O muco, alcalino, protege a mucosa estomacal daao do cido clordrico e tambm da irritao mecnica dos alimentos, sendosecretado continuamente pelas clulas superficiais da mucosa gstrica (clulasmucides), que secretam tambm ons bicarbonato. A estrutura do muco tal queimpede a difuso de ons H+. Isto, em conjunto com a neutralizao efetuada pelo onbicarbonato, permite que o pH da clula epitelial seja prximo de 7 e da luz gstricaseja ao redor de 2 (Tabela 2).

    A produo de cido clordrico estimulada pela acetilcolina (nervo vago), gastrina ehistamina, e ocorre nas clulas oxintoppticas. O cido clordrico ativa o pepsinogniopela remoo de um peptdeo de baixo peso molecular, transformando-o na enzimapepsina, a qual continua o processo de transformao por auto-catlise. Ataca fibrasconjuntivas do tecido animal e a cobertura celulsica dos vegetais, complementando amastigao. Atua tambm na desnaturao das protenas, tornando-as maissuscetveis a subsequente hidrlise efetuada pelas proteases. Auxilia na abertura efechamento do piloro (anel muscular que controla a passagem de alimento entre oestmago e o intestino) e favorece a absoro de substncias como vitamina C eferro, alm de ionizar a maioria dos sais inorgnicos contidos nos minerais e nostecidos mineralizados ingeridos com a alimentao, tornando-os disponveis absoro pelo organismo. Possui poder bactericida notvel, a ponto da poro inicialdo duodeno ser praticamente estril. Por ltimo, estimula a liberao do hormniosecretina, responsvel pela descarga do suco pancretico rico em ons bicarbonatoque iro auxiliar na neutralizao da acidez do quimo no duodeno.

    Quanto ao pepsinognio, esse ativado para pepsina pelo HCl e pela prpria pepsina,porm, no ocorre a digesto das protenas dentro das clulas secretoras, pois estassubstncias so produzidas por diferentes organelas, no havendo contato entre elase a conseqente ativao do pepsinognio dentro das clulas oxintoppticas. Apepsina tem uma tima atividade com o pH ao redor de 2, e, em alguns peixes, podeter um segundo pH timo ao redor de 4. Esta endopeptidase (atua somente nasligaes internas da cadeia) importante para as espcies carnvoras (p. ex.: trara,pintado, dourado), pois inicia a digesto das protenas por atacarem as suas ligaespeptdicas, liberando peptdios e alguns aminocidos livres. Nos peixes herbvoros quepossuem um pH estomacal bastante cido (entre 1 e 2), como o caso das tilpias(Tabela 2), tm a capacidade de decompor a clorofila e de quebrar as parecescelulares das algas verde-azuladas, possibilitando, assim, uma subseqente digestointestinal por permitir que as enzimas entrem em contato com o contedo das clulasvegetais.

  • Aspectos Gerais da Fisiologia e Estrutura do Sistema Digestivo dos PeixesRelacionados Piscicultura

    28

    Tabela 2. Relao entre o hbito alimentar e o pH estomacal dos peixes.

    Espcie Hbito Alimentar pH Estomacal

    Tilpia mossmbica Planctfago/onvoro 1,3 a 1,5

    Tilpia niltica Planctfago/onvoro 1,4 a 1,6

    Bagre-de-canal Onvoro/carnvoro 2,0 a 4,0

    Robalo Carnvoro 2,0 a 6,0

    Carpa comum Bentfago/onvoro 6,1 a 7,0

    A quantidade de pepsinognio produzida fortemente influenciada pela temperatura,sendo proporcional a esta e diminuindo a medida em que a temperatura cai. Aproduo de HCl tambm proporcional ao tamanho da refeio. A distenso doestmago parece ser o estmulo para o incio da secreo gstrica. Peixes agstricos(p. ex.: carpa comum) no produzem HCl ou pepsinognio, portanto, toda a suadigesto ocorre em meio alcalino, no apresentando, dessa forma, reao cida noTGI. Outros tipos de enzimas tambm foram encontradas no estmago dos peixes,como amilases, esterases e lipases.

    A lipase gstrica, se comparada pancretica, tem pouca atuao no processodigestivo das gorduras e, em geral, hidrolisa apenas as gorduras de baixo ponto defuso e j emulsificadas. A ao sobre as gorduras da dieta mais completa e maiseficaz pela lipase pancretica.

    Secrees do intestino

    A maior parte da digesto dos alimentos ocorre no intestino e nos secos pilricos dospeixes, quando presentes. As secrees intestinais contm um grande nmero deenzimas, incluindo as trs maiores classes, que so as proteases, as lipases e ascarboxilases, as quais hidrolisam as trs classes respectivas de nutrientes, e que sosubstrato dependentes.

    As clulas secretoras do intestino parecem seguir o clssico padro dos vertebrados.Os peixes possuem dobras profundas nas suas paredes intestinais e as clulassecretoras que se formam no fundo dessas dobras migram para as suas cristas edescarregam suas secrees. Os entercitos (clulas que revestem as paredes dointestino) possuem pequenas pregas em sua membrana apical, as microvilosidades,formando a chamada "borda em escova" que mantm contato com o lmen intestinale tm por finalidade aumentar a rea de absoro dos nutrientes. O comprimentodessas microvilosidades tambm pode ser alterado conforme o estado nutricional dopeixe, diminuindo nas situaes de jejum prolongado.

    O suco entrico produzido na superfcie luminal do intestino o resultado dassecrees oriundas das glndulas de Brnner e de Lieberkhn. O muco secretadopelas glndulas de Brnner, que age como lubrificante, alm de proteger a mucosaintestinal contra o cido clordrico proveniente do estmago, pois tambm contm

  • Aspectos Gerais da Fisiologia e Estrutura do Sistema Digestivo dos PeixesRelacionados Piscicultura

    29

    HCO3- (on bicarbonato), como nos mamferos. Essas glndulas tambm secretam aenzima enteroquinase e uma amilase.

    As glndulas de Lieberkhn secretam as enzimas intracelulares sacarase, maltase,oligo-1,6-glicosidases, aminopeptidases, dipeptidases, lecitinases, fosfolipases,ribonucleases, nucleosidases e fosfatases. Secretam tambm mucina, lipdios ecolesterol, alm de bicarbonatos, cloretos e fosfatos. Estas enzimas produzidas soinativas para as protenas, atuando apenas sobre os polipeptdios. As peptidasesencontradas so de dois tipos: aminopeptidases, uma exopeptidase (atua somentenas ligaes terminais da cadeia) que livra repetidamente o resduo N-terminal dosoligopeptdeos para produzir aminocidos livres e peptdios menores, e asdipeptidases e tripeptidases, que atuam nas ligaes peptdicas dos di e tripeptdios,liberando os seus aminocidos componentes. Tambm possuem enzimas que atuamsobre os cidos nuclicos, as nucleotidases, liberadas pelo suco pancretico. Asproteases de origem pancretica e intestinal apresentam maior atividade emcondies alcalinas. Essas enzimas so liberadas pelo pncreas no incio do intestinoe nos cecos pilricos.

    O baixo pH do duodeno (pela entrada do quimo) estimula a produo de secretina, umhormnio da mucosa intestinal. A secretina estimula o pncreas a produzir umasecreo rica em ons bicarbonato (para neutralizar o HCl gstrico) e muito pobre emenzimas, o chamado suco pancretico. Peptdios e nutrientes ingeridos, presentes naluz duodenal, estimulam a secreo da pancreozimina, hormnio tambm produzidona mucosa intestinal. A pancreozimina estimula o pncreas a secretar pr-enzimas ouzimognios (precursores enzimticos da tripsina, quimotripsina, carboxipeptidases,amilase pancretica, lipase pancretica, quitinase, lecitinase, ribonuclease), sendoativadas no intestino pela enteroquinase, produzida no epitlio intestinal pelosentercitos e presente na superfcie luminal do bordo em escova, que converte ozimognio pancretico tripsinognio em tripsina pela remoo de um hexapeptdio N-terminal, como ocorre nos vertebrados superiores. A tripsina subseqentementeconverte outras molculas de tripsinognio em tripsina. Assim a enteroquinasedesencadeia uma cascata de atividade proteoltica, pois a tripsina o ativador comumde todos os zimognios pancreticos. A tripsina (uma endopeptidase) a enzimaproteoltica predominante no intestino e ativada em um pH entre 7 e 11. Nos peixesque se alimentam de insetos ou crustceos o suco pancretico contm grandeconcentrao de quitinases para quebrar a quitina existente no exoesqueleto dessesanimais.

    Existem, provavelmente, outras proteases presentes no intestino dos peixes, incluindoexopeptidases, dipeptidases e a catepsina. Em peixes carnvoros a atividade dasenzimas proteolticas parece ser maior quando comparados com os peixes herbvorose onvoros. Em peixes sem estmago, o incio da hidrlise das protenas feito pelatripsina pancretica.

    A atividade lipoltica, que a quebra da gordura em cido graxo e glicerol, ocorre emvrios extratos do pncreas, fgado, intestino e dos cecos pilricos dos peixes, domesmo modo que ocorre nos mamferos. As lipases de origem pancretica secretadaspara o lmen intestinal so as de maior importncia na digesto das gorduras. Peixes

  • Aspectos Gerais da Fisiologia e Estrutura do Sistema Digestivo dos PeixesRelacionados Piscicultura

    30

    carnvoros apresentam maior atividade de lipases do que peixes onvoros eherbvoros.

    H uma abundncia de carboxilases nas espcies herbvoras, ocorrendo o contrriocom os carnvoros, presumivelmente devido aos altos nveis de ingesto decarboidratos pelos herbvoros. Pode ocorrer distrbios metablicos quando soincludos altos nveis desse nutriente nas dietas para peixes carnvoros. As enzimasnecessrias para a degradao da maioria dos carboidratos da dieta so asdissacaridases, endoglicosidases e oligossacaridases.

    No intestino da carpa comum foi encontrada atividade de maltases, sacarases,lactases, melibiases, celobiases e glicosidases. Uma considerao muito importantena nutrio de carpas a atividade de bactrias intestinais as quais auxiliam adigesto e podem fornecer uma suplementao de alguns nutrientes ao alimentoingerido.

    A atividade da celulase (enzima que hidrolisa a celulose), quando presente, estassociada microflora intestinal (bactrias que habitam o intestino) ou ao contedoestomacal e intestinal de algumas presas ingeridas. As celulases foram encontradasno trato digestivo de diversos peixes, mas aparentemente toda a sua produo originria de bactrias simbiticas. Os peixes micrfagos e os zooplanctfagospossuem a enzima laminarinase que auxilia na digesto das algas. Na maioria dospeixes, boa parte das enzimas liberadas nos processos digestivos so reabsorvidasna regio posterior do intestino mdio.

    Peixes carnvoros e peixes de guas frias apresentam limitada secreo e atividadede amilase no trato intestinal, o que suficiente apenas para digerir uma limitadaquantidade de carboidratos. Outro aspecto que dificulta a digesto desses nutrientesnos peixes carnvoros que seu TGI bastante curto, impossibilitando a adequadadigesto e absoro dos carboidratos mais complexos. A amilase pode ser inativadaquando combinada ao amido cru, a dextrina e albumina presente em alguns cereais.O pr-cozimento ou extruso dos gros e cereais promove a gelatinizao do amido edestri a albumina, melhorando a digestibilidade do amido, principalmente paraespcies carnvoras. Espcies onvoras, como a carpa comum, podem compensaresta inativao da amilase pelo amido cru ou pela dextrina aumentando a suasecreo para cerca de 3 a 4 vezes mais que os nveis normais. Uma dieta rica emamido tambm estimula uma produo maior de amilase em peixes onvoros,sugerindo estes possuem uma maior plasticidade quando produo do seucomplexo enzimtico. J os peixes carnvoros parecem no ter esta habilidade bemdesenvolvida.

    A digesto dos carboidratos nos peixes rpida. Os processos digestivos finais doscarboidratos ocorrem no epitlio mucoso anterior do intestino, diminuindo medidaque avanam no trajeto ao reto, e incluem a ao de vrias dissacaridases eoligossacaridases. Estas enzimas so secretadas atravs dos entercitos epermanecem associadas borda em escova da mucosa intestinal.

  • Aspectos Gerais da Fisiologia e Estrutura do Sistema Digestivo dos PeixesRelacionados Piscicultura

    31

    A bile secretada pelos hepatcitos (clulas do fgado) e pode entrar diretamente naparte proximal do intestino ou ser estocada na vescula biliar quando no necessriaimediatamente, tendo como funo principal facilitar a digesto e absoro dos lipdiose substncias lipoflicas, como as vitaminas lipossolveis (A, D, E e K). A bile no uma enzima mas sim uma mistura aquosa alcalina (pH 8) de compostos orgnicos(sais biliares de sdio e de potssio) e inorgnicos produzidos pelo fgado oriundos docatabolismo da hemoglobina e do colesterol, possuindo uma colorao amarelo-esverdeada. Os sais biliares (cidos tauroclico e glicoclico) so anfipticos, isto ,possuem uma face polar e uma apolar em sua molcula, e podem agir como agentesemulsificantes no intestino, auxiliando na preparao dos triacilgliceris e outroslipdios complexos da dieta para a degradao pelas enzimas digestivas pancreticas,formando as micelas (pequenas gotculas de gordura), que estabilizam as partculas medida em que se tornam menores e impedem-as de coalescerem. A emulsificaodas gorduras e a neutralizao da acidez do quimo facilita a atividade das lipasesgstrica e pancretica devido maior superfcie de contato das gorduras e pelaativao dessas enzimas pela elevao do pH. A bile contm, alm dos sais biliares,bilirrubina, colesterol, cidos graxos e lecitina. A bilirrubina, que um pigmentoproduto da degradao da hemoglobina, como os outros pigmentos excretados nabile, no tem funo digestiva e o principal responsvel pela colorao das fezesdos animais monogstricos, como o caso dos peixes.

    As enzimas hidrolticas que degradam no intestino os lipdios da dieta so secretadaspelo pncreas, sendo sua secreo (suco pancretico) controlada por hormnios. Asclulas na mucosa da parte inicial do intestino produzem um pequeno hormniopeptdico, a colecistoquinina (CCK), em resposta presena de lipdios e protenasparcialmente digeridas que entram nestas regies do intestino. Este hormnio atuasobre a vescula biliar, fazendo com que ela se contraia e libere a bile, e sobre asclulas excrinas do pncreas, fazendo com que elas liberem as pr-enzimasdigestivas (zimognios). Ele tambm diminui a motilidade gstrica, resultando em umapassagem mais lenta do contedo gstrico para o intestino. Outras clulas intestinaisproduzem outro pequeno hormnio peptdico, a secretina, em resposta aos baixo pHdo quimo presente no incio do intestino. A secretina faz o pncreas liberar um soluoaquosa rica em bicarbonato, a qual auxilia a neutralizao do pH do contedointestinal, trazendo-o a um valor adequado para uma melhor atividade das enzimaspancreticas e intestinais.

    AbsoroA absoro um processo pelo qual os vrios nutrientes presentes no alimento,protenas, carboidratos, lipdios, vitaminas e minerais, so transferidos da luz dointestino para o sangue ou linfa. A gua e os ons, que tambm so nutrientes, estorelacionados aos processos de osmorregulao, sendo sua absoro e excreodependentes desses processos. Os mecanismos de absoro no so bemconhecidos nos peixes. J nos mamferos existem duas rotas de absoro. Oscarboidratos e as protenas passam atravs do epitlio do intestino e vo para a

  • Aspectos Gerais da Fisiologia e Estrutura do Sistema Digestivo dos PeixesRelacionados Piscicultura

    32

    corrente sangnea. Os lipdios, se hidrolisados at glicerol e cidos graxos,comportam-se semelhantemente, porm lipdios que no sofreram digesto soreduzidos a pequenos glbulos ou quilomcrons e passam para os ductos linfticosnas dobras intestinais, como uma rota indireta at a corrente sangnea. Nos peixesexiste um sistema linftico, porm a sua presena no intestino reduzida, e, emalgumas espcies, at mesmo inexistente.

    Nos peixes, as protenas so absorvidas principalmente como aminocidos. Aabsoro dos aminocidos livres, que ocorre na membrana apical do entercito, realizada atravs de transportadores especficos dependentes de Na+, detransportadores no-dependentes de Na+ e por difuso. A absoro do aminocido edo sdio no gasta energia diretamente, mas dependente de um gradiente formadopor um sistema de transporte ativo, usualmente a bomba de Na+/K+. Esta bomba criaum gradiente de sdio favorvel sua entrada no entercito. Desse modo, o Na+

    tende a entrar e, como o transportador s funciona se houver um aminocidoconectado, acaba por carregar ambos para dentro da clula, levando, assim, a umaabsoro de Na+ pela clula. Do interior do entercito o aminocido passa por difusopara os capilares sangneos existentes nas dobras intestinais. Quando doisaminocidos so absorvidos pelo mesmo transportador, a presena de grandesquantidades de um dos aminocidos inibe a absoro do outro. Por esse e por outrosmotivos necessrio a correta formulao das dietas para peixes quanto ao teor eproporo dos aminocidos contidos na dieta. Pode ocorrer tambm a absoro dealguns aminocidos atravs de mais de um tipo de transportador, de modo que nemtodas as interaes entre os aminocidos resultem em competio. Vrios estudosindicam que as taxas de transporte de aminocidos no intestino de peixes herbvorosou onvoros so menores do que nos peixes carnvoros.

    As protenas tambm podem ser absorvidas inteiras, atravs da pinocitose, ou naforma de di e tripeptdeos. A absoro ocorre na poro posterior do intestinomdio, independentemente do tipo de dieta e da idade do animal, sendoposteriormente hidrolisadas a aminocidos no citosol dos entercitos antes deentrarem na corrente sangnea. Os transportadores para esses pequenospeptdios so diferentes dos transportadores de aminocidos, parecendo serdependente de um transporte de H+ e no de Na+. Neste caso, o cotransporte deNa+/H+ forma um gradiente favorvel entrada do hidrognio no entercito, o qual,aparentemente, favorece a absoro dos peptdios. Acredita-se que a absorodos peptdios seja mais rpida que a absoro dos seus respectivos aminocidosna forma livre. Logo, uma suplementao com aminocidos livres no a melhormaneira de aumentar a absoro de protenas ou complementar uma rao quepossui deficincia de algum determinado aminocido. Esta caracterstica podeexplicar o fato dos peixes, quando alimentados com dietas base de aminocidoslivres, apresentarem um menor crescimento quando comparados com os peixesalimentados com protenas. Entretanto, o fato dos aminocidos livres no seremprontamente absorvidos no necessariamente implica na ausncia de suaabsoro antes de ser excretado.

    A poro inicial do intestino absorve a maior parte dos carboidratos da dieta e ainsulina no requerida para a captao da glicose pelas clulas intestinais.

  • Aspectos Gerais da Fisiologia e Estrutura do Sistema Digestivo dos PeixesRelacionados Piscicultura

    33

    Os carboidratos so absorvidos pelos peixes na forma de monossacardeos,atravs do mesmo processo descrito para os aminocidos, ou seja, por umtransportador especfico dependente do gradiente de Na+. Este cotransporte mediado por um transportador, no qual o movimento da glicose acoplado aogradiente de concentrao do Na+, que transportado clula ao mesmo tempo.Mesmo que o processo de absoro dos monossacardeos seja semelhante ao dosaminocidos, aparentemente no h interferncia entre os mesmos, levando-se acrer que os transportadores so diferentes e que no h competio entre osmesmos. Inversamente ao que ocorre com os aminocidos, as taxas de transportedos carboidratos so menores nos peixes carnvoros do que nos herbvoros eonvoros, podendo refletir uma adaptao dos peixes carnvoros baixaconcentrao de carboidratos presente na sua dieta.

    A absoro dos lipdios pelos peixes ocorre do mesmo modo que para os outrosvertebrados. Os lipdios, aps sofrerem a ao detergente dos sais biliaresproduzidos no fgado, so fragmentados em pequenas micelas. A formao dasmicelas permite a emulsificao ou solubilizao dos lipdios no bolo alimentarpresente no intestino, facilitando a atuao das enzimas lipolticas e formando oquilo (lquido esbranquiado resultado da absoro dos quilomcrons pelo sistemalinftico na ltima fase da digesto no intestino e que se juntar posteriormente aosistema sangneo). Os lipdios so absorvidos principalmente na forma de cidosgraxos e monoglicerdios. Os cidos graxos de cadeia curta so relativamentehidrossolveis e so absorvidos por difuso pelos entercitos, passando pelamembrana apical atravs da bicamada lipdica e sendo lanados posteriormentenos capilares sangneos.

    As micelas tornam possvel o contato dos cidos graxos de cadeia longa emonoglicerdios presentes no bolo alimentar com o stio primrio de absorolipdica, o bordo em escova das clulas mucosas intestinais. A partir da, essassubstncias entram nas clulas por difuso, onde o componente lipdico atravessaa camada externa de gua da micela e absorvido. Os cidos graxos de cadeiacurta e mdia no requerem a assistncia de uma micela para a absoro pelamucosa intestinal. Dentro do entercito, mais precisamente no retculoendoplasmtico, ocorre a ressntese dos triglicerdios a partir do cido graxo decadeia longa e dos monoglicerdios. Esses so, ento, incorporados alipoprotenas, juntamente com colesterol, fosfolipdios e vitaminas lipossolveis,formando os chamados quilomcrons, que se difundem para o sangue ou linfa eso responsveis pelo transporte das gorduras no organismo. Em algumasespcies parte das gorduras podem ir para o sistema linftico antes de entrar nosistema circulatrio. Os sais biliares permanecem no intestino e so posteriormentereabsorvidos na sua poro final para formarem novamente a bile.

    Informaes sobre a absoro das vitaminas pelos peixes so escassas. Asvitaminas lipossolveis seguem a mesma sorte dos lipdios de cadeia curta. J paraa vitamina C, que hidrossolvel, ocorre atravs do mesmo processo de absoroj descrito para os aminocidos e monossacardeos, utilizando um transportadordependente de Na+. No bagre-de-canal outras vitaminas, como a nicotinamida,biotina e cido flico, tambm so absorvidas por difuso no intestino.

  • Aspectos Gerais da Fisiologia e Estrutura do Sistema Digestivo dos PeixesRelacionados Piscicultura

    34

    Fig. 9. Trato gastrointestinal dos Telesteos e seu esquema bsico de funcionamento,distinguindo suas etapas principais. Na rea tracejada ocorre a digesto cida e narea pontilhada a digesto alcalina (Ef - esfago; Et - estmago; CP - cecos pilricos;Fi - fgado; VB - vescula biliar; In - intestino; Rt - reto).

    Ingesto

    Absoro dosnutrientes

    Armazenamentodo bolo fecal

    Digesto dosalimentos

    Excreo

    Armazenamento oumoagem dos alimentos

    (em algumas sp.)Ef

    Et

    Fi

    VB

    CP

    Rt

    In

  • Aspectos Gerais da Fisiologia e Estrutura do Sistema Digestivo dos PeixesRelacionados Piscicultura

    35

    Aspectos Gerais da Digesto e daAlimentao das Larvas e Ps-larvas

    As larvas de peixes, de algum modo, so como embries de vida livre, poisnecessitam em sua ontognese de substanciais modificaes anatmicas,morfomtricas e fisiolgicas para interagirem adequadamente com o meioambiente em que vivem, com conseqentes mudanas nas suas exignciasnutricionais. Com isso, na transformao para ps-larva, ocorrem altas taxas demortalidade, freqentemente relacionadas a prticas alimentares que nosatisfazem as suas necessidades nutricionais.

    Dependendo do tamanho da larva e da especializao do seu trato digestivo noincio da alimentao exgena, o alimento vivo permanece como uma necessidadeessencial para muitas espcies de peixes. Logo, um dos principais problemas queprejudicam o desenvolvimento da produo de alevinos em escala industrial aalimentao das larvas nos primeiros dias de vida. Alm disso, as necessidadesnutricionais das larvas so fortemente influenciadas pela composio nutricional dosaco vitelnico e pela composio bioqumica do seu organismo no incio daalimentao exgena (muito variveis e dependentes da composio do viteloformado durante a vitelognese). Este um fator bem conhecido e que pode sermodificado pela alterao do estado nutricional dos reprodutores.

    Para efeitos prticos, pode-se classificar as larvas, quanto ao desenvolvimento dotrato digestivo e das enzimas secretadas no intestino, em dois grupos. Um com otrato digestivo completo e o outro com o trato digestivo rudimentar. As espciesque no momento da primeira alimentao possuem tratos digestivos completos(estruturalmente e funcionalmente diferenciados) possuem menor ou nenhumproblema com a alimentao inicial. Aqueles que possuem sistemas digestivosrudimentares (imaturos ou pouco desenvolvidos na primeira fase de vida) so maisdifceis de se alimentar e freqentemente necessitam de alimentos vivos comoparte das suas dietas.

    As larvas com o trato digestivo completo aceitam e conseguem utilizaradequadamente raes fareladas de boa palatabilidade e com adequadobalanceamento nutricional, pois apresentam estmago funcional antes da mudanado alimento endgeno para o exgeno, se alimentando pela via oral antes mesmoda completa absoro do vitelo. Neste grupo esto as larvas de tilpias, bagre-de-canal, truta arco-ris, salmondeos, carpa comum, entre outras.

    As larvas que possuem o trato digestivo rudimentar geralmente apresentam emcomum um pequeno tamanho e pouca habilidade natatria. Neste grupo esto aslarvas de pacu, tambaqui, surubins, curimbat, carpas chinesas, entre outras. Naecloso, o trato digestivo da larva tem a forma de um simples tubo, mas, aps um atrs dias do incio da alimentao, inicia-se a transformao com a diferenciaodas clulas intestinais para ento obter as caractersticas do trato digestivo daforma adulta. Algumas larvas no ingerem alimento aps a ecloso, pois sua boca

  • Aspectos Gerais da Fisiologia e Estrutura do Sistema Digestivo dos PeixesRelacionados Piscicultura

    36

    ainda muito pequena ou est total ou parcialmente fechada. As larvas das carpaschinesas possuem um pequeno perodo em que no se alimentam, durante o qualo saco vitelnico se encontra quase, mas no totalmente, absorvido. Este perodopode variar de um a cinco dias, dependendo da temperatura da gua e da espcie.

    As larvas podem viver somente do seu vitelo por um curto perodo de tempo,seguido de um curto perodo de alimentao mista (endgena e exgena), que vaisendo substituda completamente pelo consumo de alimento externo. Durante operodo de absoro do saco vitelnico as larvas alternam perodos de atividade einatividade e seus movimentos natatrios so verticais. Neste momento a boca e osistema digestivo das larvas esto se desenvolvendo, mas ainda no estototalmente formados. Deve-se dar s larvas alimentos exgenos apropriados antesda total absoro do vitelo. Para se testar a aceitao ou no dessa dieta pelaslarvas, retiram-se amostras das larvas a partir do segundo ou terceiro dia deincubao, colocando-as em um bequer de 500 mL ou numa placa de Petriprofunda juntamente com o alimento a ser ofertado e observa-se o seucomportamento. Se estiverem aceitando ou indo ao encontro do alimento inicia-sea alimentao exgena.

    Quando a boca das larvas se abre, ar ingerido para encher a vescula gasosa(bexiga natatria), iniciando-se uma grande atividade alimentar, mesmo com osaco vitelnico ainda no completamente absorvido e, portanto, ainda suprindo alarva com energia. H uma mudana do movimento natatrio vertical para ohorizontal quando a maior parte do saco vitelnico estiver absorvido. To logo istoocorra, deve ser dado s larvas alimentos vivos ou rao artificial. Neste estdio aslarvas nadam livremente por toda a incubadora. No pintado isto ocorre a partir dosegundo dia aps a ecloso. Neste momento, quando as larvas esto em nataolivre e se alimentando exogenamente, diz-se que passaram para o estdio de ps-larva (Anexo B). As ps-larvas de pacu, tambaqui, piracanjuba e matrinx tmdemonstrado a necessidade do uso de alimentos vivos nessa fase inicial, havendopreferncia por pequenos cladceros e nuplius de coppodos.

    Quando as ps-larvas consomem todo o vitelo e passam a utilizar alimentoexgeno, o intestino curto e as clulas da mucosa intestinal so poucodiferenciadas, de modo que a digesto muito rudimentar. A absoro denutrientes ocorre por pinocitose de macromolculas e essas so posteriormentedigeridas no interior dos entercitos. Como o intestino pequeno, o alimento retido no trato digestivo apenas por um curto perodo de tempo, de modo que medida que a ps-larva cresce, a mucosa intestinal se desenvolve e uma maiorquantidade de enzimas digestivas so produzidas, facilitando a digestoextracelular. Sabe-se que a habilidade de um organismo para digerir partculas dealimento depende da presena e da quantidade apropriada de enzimas digestivas.Como as ps-larvas iniciam a ingesto de alimento antes da total absoro dovitelo e do seu total desenvolvimento gstrico, muito pouco se aproveita doalimento inicialmente ingerido. Logo, no so capazes de aproveitar bem asprimeiras dietas artificiais. Isto se deve ausncia de algumas enzimas digestivasque podem prejudicar a utilizao de raes preparadas para ps-larvas.

  • Aspectos Gerais da Fisiologia e Estrutura do Sistema Digestivo dos PeixesRelacionados Piscicultura

    37

    Em ps-larvas de pacu a alimentao exgena se inicia no quinto dia de vida,quando o saco vitelnico j est bastante reduzido, a boca encontra-se aberta,porm o nus ainda est fechado (Fig. 10), aceitando to bem as dietas artificiaisquanto o alimento natural.

    Fig. 10. Larva de pacu com comprimento total entre 6 e 6,6 mm e idade deaproximadamente 5 dias apresentando boca terminal com mandbula articulada.

    O zooplncton, como os protozorios, rotferos, nuplios e adultos de cladceros ecoppodos, entre outros organismos, so o primeiro alimento externo para as ps-larvas da maioria dos peixes e possui enzimas necessrias para o seu crescimentoe sobrevivncia, pois as enzimas proteolticas do prprio zooplncton so liberadaspela ao fsica dos processos de captura e ingesto pelas ps-larvas. Essasenzimas exgenas desencadeiam a hidrlise das protenas do prprio zooplnctoningerido, estimulando a secreo de enzimas endgenas pelo trato digestivo dasps-larvas, que so substrato dependentes. A utilizao de nuplios vivos deartmia (Artemia salina) na alimentao de ps-larvas leva vantagem por contervrias enzimas proteolticas, as quais apresentam um importante papel nodesenvolvimento do trato digestivo das ps-larvas (Fig. 11).

    Fig. 11. Ps-larva de pintado com comprimento total entre 7,7 e 8,1 mm e idade de6 a 7 dias sem saco vitelnico aparente e com boca e nus funcional no quarto diade alimentao exgena, alimentando-se de nuplios de artmia.

    Um dos primeiros aspectos a serem levados em considerao na alimentao deps-larvas o tamanho da boca. Se o criador no souber as dimenses da bocapode fornecer o alimento em partculas muito grandes, quando se tratar de raoartificial, ou presas grandes demais para a larva ingerir, quando dado alimentonatural, podendo as larvas morrerem de subnutrio. Quando as partculas dealimento so muito menores do que a boca, os peixes gastam mais energia paraingerir a quantidade de alimento adequada para suprir suas necessidades

  • Aspectos Gerais da Fisiologia e Estrutura do Sistema Digestivo dos PeixesRelacionados Piscicultura

    38

    nutricionais. Partculas muito pequenas tendem a poluir mais rapidamente a guade cultivo, como tambm a perderem rapidamente suas caractersticas nutricionaisatravs da lixiviao dos nutrientes para o meio. O tamanho das partculas dasdietas utilizadas na alimentao de ps-larvas, necessrias para a mximaresposta ao ataque e para o melhor crescimento, so diretamente proporcionais aotamanho do peixe. Uma relao entre o tamanho da boca e o tamanho ideal doalimento preferido pelos peixes fica geralmente entre 40% e 60% da largura daboca. Para as carpas, as raes iniciais possuem partculas com intervalo detamanho entre 50 e 100 mm. De maneira geral, as microalgas possuem umtamanho entre 2 e 20 mm, os rotferos de 50 a 200 mm e a artmia de400 a 8.000 mm.

    A pequena mobilidade das ps-larvas diminui sua eficincia de captura, exigindouma certa concentrao de presas por volume de gua para poder obter o alimentonecessrio. Cada espcie de peixe pode apresentar preferncia por umdeterminado tipo de alimento, estando os seus rgos sensoriais adaptados a ele.A maioria das ps-larvas, no momento da primeira alimentao, dependente daviso para detectar o alimento. As ps-larvas de peixes sempre devem seralimentadas com altas densidades de presas durante a larvicultura. Densidades depresas elevadas proporcionam maior taxa de encontro entre predador e presa e,conseqentemente, maior consumo de alimento. Maior alimentao geralmenteresulta em rpido crescimento e desenvolvimento, melhores condies gerais dasps-larvas e altas taxas de sobrevivncia.

    A movimentao natural dos organismos planctnicos oferecidos como alimentonatural estimula o comportamento predatrio das ps-larvas. Alm disso, oalimento vivo em quantidade adequada no compromete a qualidade da gua. Asps-larvas de peixes, ao procurarem alimento, buscam preferencialmentepartculas vivas que se movimentam na coluna d'gua. O fornecimento precoce doalimento seco, juntamente com a dieta natural, estimula as ps-larvas areconhecerem e aceitarem a partcula seca mais rapidamente. Em ps-larvas depacu alimentadas com rao artificial e mantidas em viveiros adubados verificou-seque a rao s foi encontrada no trato digestivo a partir do 12 dia de criao. J asps-larvas de carpa comum so extremamente eficientes em capturar tanto osalimentos vivos quanto os inertes nos primeiros dias de alimentao exgena.

    Portanto, na troca das dietas, da natural para a artificial, deve-se considerar, almdo estdio de desenvolvimento do peixe, uma srie de caractersticas do alimentoa ser ofertado, como o tamanho da partcula, o comportamento fsico na gua, aatratividade, a digestibilidade e a composio nutricional, como tambm sereconomicamente vivel.

    Independentemente do hbito alimentar do peixe na forma adulta, via de regra,aps a absoro do saco vitelnico, o incio da alimentao exgena da ps-larvaser constituda de organismos planctnicos, os quais so formados pororganismos vegetais (fitoplncton), como as algas unicelulares, e por organismosanimais (zooplncton), como os protozorios, rotferos, microcrustceos,coppodos e cladceros, antes de definirem suas preferncias por outros tipos de

  • Aspectos Gerais da Fisiologia e Estrutura do Sistema Digestivo dos PeixesRelacionados Piscicultura

    39

    alimentos. Esta mudana nos itens alimentares pode ser vista nas carpas da Chinae da ndia, pois todas necessitam inicialmente de uma dieta rica em zooplncton,se alimentando progressivamente de itens maiores conforme seu crescimento,realizando uma transio gradual para o hbito apropriado de um peixe adulto. Acarpa capim um exemplo clssico, mudando gradualmente do microzooplnctonpara um zooplncton de maior tamanho e, posteriormente, para uma dietadiversificada de itens bentnicos e planctnicos, finalizando com a mudana para ohbito herbvoro no momento em que se finaliza o desenvolvimento dos dentesfarngeos.

    As ps-larvas de peixes, por apresentarem rpido crescimento, so bastanteexigentes em nutrientes. O zooplncton natural constitui-se de organismos vivos degrande importncia para as fases iniciais de vida das ps-larvas, pois, geralmente,os alimentos naturais apresentam altos nveis de protena de excelente qualidade,sendo tambm importantes fontes de energia, vitaminas e minerais, e devido aoseu contedo de cidos graxos essenciais, uma excelente opo para a nutriodesses animais, contrabalanando uma eventual deficincia nutricional nas raesartificiais. Por exemplo, o fitoplncton uma rica fonte de cido ascrbico para ospeixes fitoplantfagos, entretanto, para os carnvoros que se alimentam dessespeixes, essa vitamina sofre depleo devido a sua transferncia na cadeiaalimentar. Este problema tambm ocorre na alimentao de ps-larvas.

    As ps-larvas possuem um pequeno tempo de permanncia do bolo alimentar noaparelho digestivo devido ao seu tamanho ser muito curto. O esvaziamento podeocorrer dentro de 2 a 9 horas, o que indica que o fornecimento de alimento deve sermais freqente que para os adultos. As ps-larvas ingerem mais alimento por unidadede peso que os peixes ad