Simone Sousa Silva O SER E O OUTRO: AGENCIAMENTOS ...

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO MESTRADO ARQUITETURA E URBANISMO Simone Sousa Silva O SER E O OUTRO: AGENCIAMENTOS PROGRAMÁTICOS EM TERRITÓRIOS QUE PROVOQUEM ARQUITETURAS DO ACONTECIMENTO Linha de pesquisa: Urbanismo Moderno e Contemporâneo: Representação e Intervenção. Junho 2013

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO

MESTRADO – ARQUITETURA E URBANISMO

Simone Sousa Silva

O SER E O OUTRO:

AGENCIAMENTOS PROGRAMÁTICOS EM TERRITÓRIOS QUE

PROVOQUEM ARQUITETURAS DO ACONTECIMENTO

Linha de pesquisa: Urbanismo

Moderno e Contemporâneo:

Representação e Intervenção.

Junho – 2013

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Simone Sousa Silva

O SER E O OUTRO:

AGENCIAMENTOS PROGRAMÁTICOS EM TERRITÓRIOS QUE

PROVOQUEM ARQUITETURAS DO ACONTECIMENTO

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-graduação em Arquitetura e

Urbanismo da UPM - Universidade

Presbiteriana Mackenzie como requisito

parcial à obtenção do título de mestre em

Arquitetura e Urbanismo.

Orientadora Profa. Dra. Eunice Helena Sguizzardi Abascal

Área de concentração: Projeto de Arquitetura e Urbanismo

Linha de pesquisa: Urbanismo Moderno e Contemporâneo: Representação e Intervenção

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S586a Silva, Simone Sousa.

Agenciamentos programáticos em territórios que provoquem arquiteturas do acontecimento. / Simone Sousa Silva – 2013.

113 f.: il.; 30 cm.

Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2013.

Bibliografia: f. 109-113.

1. Infraestrutura. 2. Urbanismo. 3. Agenciamentos programáticos.

I. Título.

CDD 711.4

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Dedicatória

Em memória de minha tia Maria José.

À minha mãe e ao João Paulo

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AGRADECIMENTOS

Agradeço especialmente a minha orientadora, Eunice Abascal, que foi uma grande amiga,

presente de forma decisiva neste período, será inesquecível em minha vida e formação, por

sua compreensão, apoio, ensinamentos.

Agradeço aos membros da banca, por suas contribuições. Ao prof. Nelson Brissac, por

despertar em mim o desejo de olhar para as cidades e por isso, escolher a arquitetura como

parte de minha vida. Ao prof. Igor Guatelli, por me fazer acreditar que é possível projetar

arquitetura conceitual e com ela novos mundos.

À CAPES pela bolsa concedida que muito contribuiu para que se realizasse a pesquisa.

Agradeço ao prof. Dorival Campos Rossi, que orientou meus primeiros passos em direção à

realização de um trabalho conceitual em arquitetura e mudou a rota.

Agradeço ao João Paulo, pela paciência em minhas horas de desespero, pelo apoio,

companheirismo e amor, por fazer parte de minha vida, mesmo quando me ausentei em

virtude dos estudos.

Agradeço também aos amigos e familiares que são importantes em minha vida, em especial as

minhas amadas tias e aos amigos que participaram deste processo, representados pelo

Dawerson, Carolina Nery, Bruno Dias, Renata, Gláucia, Silvana, aos meus alunos.

Ao Téo, pela alegria!

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...................................................................................................................................11

1. POSSÍVEIS ARTICULAÇÕES ENTRE FILOSOFIA E ARQUITETURA.................................................................................................................................20

1.1. As articulações entre a Filosofia e a Arquitetura: Traçando o Por vir...........................................................................................................................................................21

1.1.1. Valorização da Condição Espacial pela Desfuncionalização da Linguagem..............................25

1.1.2. Novas Tecnologias Promovendo Novas Possibilidades Plásticas..............................................27

1.2. Cartografias do Desejo.................................................................................................................37

1.2.1. A Aldeia Global e as Experimentações Projetuais na Segunda Metade do Século XX..............39

2. FORÇAS CONCEITUAIS E PROJETUAIS: MATERIALIZAÇÕES.............................................49

2.1. A Força do Trabalho Conceitual...................................................................................................50

2.1.1. Reflexões sobre as Inscrições Materiais.....................................................................................52

2.1.2. Viaduto Spittelau e a Inscrição Suplementar de Zaha Hadid: Criação de Novas Dinâmicas

Urbanas................................................................................................................................................54

2.3. Parque de La Villete, Les Folies: Sobreposições e Dissociações....................................................58

3. ARQUITETURA COMO SUPORTE INFRAESTRUTURAL........................................................62

3.1. O Processo Infraestrutural............................................................................................................63

3.1.1. Mobilidade e Desenvolvimento Urbano.....................................................................................68

3.2. Estações Metroviárias e as ações que podem provocar.................................................................71

4. Análise dos Casos.................................................................................................................77

4.1. O Caso da Estação Sé e a Reconfiguração da Praça.....................................................................78

4.2. Estações de Metrô: Instauração de Não- Lugares?.......................................................................88

4.2.1. O Caso da Estação Sumaré.......................................................................................................91

4.2.2. O Caso da Estação Tamanduateí...............................................................................................100

4.2.3. A Integração Física..................................................................................................................104

CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................................107

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...............................................................................................109

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RESUMO

Nesta pesquisa, busca-se estudar as mudanças sofridas nas últimas décadas pela cidade, pelos

espaços públicos, em permanente publicação, ao colocar-se aberto à alteridade e pela

arquitetura em consequência de fatores como a globalização, a terceira revolução urbana, o

desenvolvimento tecnológico; provocando a investigação por outras experiências projetuais

em um espaço urbano que conta com a justaposição de dissociados territórios e tensões entre

situações.

A caracterização da mobilidade urbana e as interações entre o usuário do metrô da cidade de

São Paulo com as obras de arte instaladas e os espaços das estações, o projeto arte cidade e

seus processos de mediação que partem da premissa da importância da promoção de

micropolíticas urbanas que se formam se desfazem pelo movimento de contágio e com a

própria arquitetura a partir de um colocar-se para, um suporte de incremento infraestrutural,

ser que se constrói e se fortalece com articulações, com um além de si próprio a ser

fortalecido pelo público, ou seja, a cidade e seus habitantes, observando sua dimensão urbana.

Este trabalho tem por objetivo dissertar sobre categorias de produção do espaço urbano

contemporâneo e seus resultados pragmáticos, centrando-se em evento, disjunção e

ressignificação. Como método optou-se pela seleção de algumas Estações do metroviário de

São Paulo, entre eles, as estações Sé, Tamanduateí e Sumaré, cujos espaços adquirem outras

significações a partir da multiplicidade da experiência espacial, o que se evidencia pela

articulação com outros suportes, tais como o Projeto Arte no Metrô. Procura-se entender essas

espacialidades como chave para uma compreensão das relações entre dimensões arquitetônica

e urbana, e as questões que se refletem por sua característica de articuladores urbanos.

Numa análise transdisciplinar sob a luz de experiências do enfrentamento urbano,

desenvolvidos por alguns autores, filósofos, urbanistas e sociólogos, considerando seus

conflitos, possibilidades, agenciamentos, conceito desenvolvido por Gilles Deleuze e Félix

Guatari (1997) o que corresponde a uma geografia das relações, dá consistência e une

elementos heterogêneos e suas relações, trabalhando em simbiose, mas sempre pressupondo

territórios.

A cidade sempre esteve ligada às formas de manifestação pública, de modo que o

desaparecimento do ambiente público faz desaparecer também a vida urbana. Para Flusser

(1983), São Paulo não é uma verdadeira cidade, pois falta-lhe, ao lado do espaço privado

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(oikos) e do político (agora), a dimensão cultural, pois na síntese dessas três determinações

consiste a vida urbana.

A arte urbana constitui uma forma de comunicação pública, catalisadora de participação ativa

e confronto discursivo, uma importante realização na produção deste ambiente; a arquitetura

deve colocar-se como prática crítica, como força produtiva de interação e favorecer o

desenvolvimento de novas formas de espaço público e vivências.

Palavras-chave: Infraestrutura, Urbanismo, Agenciamentos Programáticos.

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ABSTRACT

This research seeks to study the changes undergone in recent decades the city, the public

spaces in permanent publication, to put yourself open to otherness and architecture as a result

of factors such as globalization, the third urban revolution, technological development,

leading to investigation by other experiences projetuais in an urban space that relies on the

justaposition of dissociated territory and tensions between situations.

The characterization of urban mobility and interactions between users of the subway in São

Paulo with the artwork installed and the space station, the city and its art design processes of

mediation that have assumed the importance of promoting micro urban formed disintegrate

the movement of contagion and the architecture itself from one place to an increase

infrastructural support, be that builds and strengthens with joints, with a beyond himself to be

strengthened by the public , ie, the city and its inhabitants, noting its urban dimension.

This paper aims to elaborate on the production categories contemporary urban space and its

pragmatic results, focusing on event, disjunction and reframing. The method was chosen

selection of some of the subway stations of São Paulo, between them, the stations Cathedral

Tamanduateí and Sumaré, whose spaces acquire other meanings from the multitude of spatial

experience, as evidenced by the interaction with other media, such as the Underground Art

Project. It seeks to understand these spatialities as key to an understanding of the relationships

between architectural and urban dimensions, and issues that are reflected by its characteristic

urban articulators

In disciplinary analysis in the light of experience of confronting urban, developed by some

authors, philosophers, sociologists and planners considering its conflicts, possibilities,

assemblages, a concept developed by Gilles Deleuze and Félix Guatari (1999) which

corresponds to a geography of relations , gives consistency and unite heterogeneous elements

and their relationships, working symbiosis, but always assuming territories.

The city has always been linked to forms of public expression, so that the disappearance of

the public environment is also disappearing urban life. For Flusser (1983), São Paulo is not a

real city, it lacks, next to the private (oikos) and the politician (now), the cultural dimension,

as in the synthesis of these three determinations is urban life.

Urban art is a form of public communication, catalyst active and confrontational discourse, an

important achievement in producing this environment; the architecture should stand as critical

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practice, as a productive force of interaction and foster the development of new forms of

space public and experiences.

Keywords: Infrastructure, Urbanism, Programmatic joints.

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INTRODUÇÃO

As interlocuções entre filosofia e arquitetura manifestaram estas articulações através de obras

como “Aestheticcs” de Hegel, onde a arquitetura é pensada de forma estética, o conceito de

espaço e a plástica do século XX apresentado na conferência, “Construir, Habitar, Pensar”,

realizada por Heidegger em 1951.

Recentemente, Jacques Derrida e Deleuze, filósofos pós-estruturalistas, provocaram

deslocamentos dos sentidos estabelecidos para abrir caminho a novas possibilidades para o

exercício do pensamento crítico e das relações sociais, frutos de uma cultura que carece de

outras maneiras de percepção do mundo; Dessa maneira, a cidade, nossa matéria de estudo,

passa a ser interpretada como palimpsesto de experiências geradoras de múltiplos significados

singulares.

Tais deslocamentos nas estruturas estáveis do pensamento, no caso da arquitetura, por

exemplo, dos pressupostos teóricos que prescrevem um fazer arquitetônico, com sentidos e

significados cristalizados por paradigmas históricos então representados em alguns pares

ideais como programa-uso, espaço-função, forma-função, contexto- identidade.

Esse pensamento histórico tradicional acaba excluindo características do pensamento e da

cultura das cidades, como complexidade, mediação, diferença, privilegia efeitos imagéticos,

esvaziam qualquer enfrentamento das complexidades das cidades atuais.

A partir de um posicionamento transdisciplinar, adotado para relacionar conceitos advindos

da filosofia e da arquitetura, procura-se investigar a premência de uma arquitetura calcada na

força de estratégias espaciais que ao serem acionadas possibilitem combinações

programáticas com aparição de situações inusitadas, para isso, precisa-se ativar a potência do

lugar.

Trata-se de um processo de acolhimento do desejo de potência e produção do imprevisível

para que despertem a intensidade do lugar, ou seja, em intervenções urbanas que

potencializem tensões programáticas, produzindo movimentos de desterritorializações e

reterritorializações, em conexões extrínsecas, fora da sua natureza, por exemplo, em uma

arquitetura suporte, baseada em oposições e não em hierarquias opressivas que rechaçam o

imprevisível, Derrida (2001) fala em uma oni-potência-outra, ao contrário de um usuário

contemplativo, os acontecimentos seriam estimulados por esta absoluta potência de alteridade,

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em locais que dependeriam da atuação do público para que sejam momentaneamente

programados.

Intervenções, suportes que produzem o inteiramente outro no lugar em que são instaladas em

função do desejo de atuação e ocupação do usuário ativo, criador.

Estas intervenções devem estimular interrogações e são estruturas de hospitalidade

incondicional.

Os espaços vazios, os interstícios urbanos, têm se tornado peças estratégicas no processo de

acolhimento do outro, do desejo de potência e produção do inusual.

As estratégias de projetação crítica da tradição de um lugar, com as descodificações de

pressupostos teóricos, pode produzir uma transgressão dos sentidos do lugar, com uma força

diferencial conceitual e transformadora.

A questão irá examinar o espaço, lugar de imprevistas habitabilidades, e seus devires urbanos

e arquitetônicos, buscamos o lugar do acontecimento, do evento, do imprevisível.

Estas instabilidades e indefinições no espaço surgem como crítica ao espaço regido por

prescrições e determinações formal-compositivas tidas como harmônicas e ao desejo de

manterem-se invioláveis ao tempo.

A arquitetura funda o espaço da morada, e assim, contribui na estruturação de lógicas

territoriais, ao ativar este espaço, iremos desta maneira, inquirir a matéria como agenciadora

de situações que serão ativadas com uma ação neste espaço e não somente como objeto a ser

contemplado, já que de fato, dificilmente o é.

De fato, a arquitetura em sua inscrição material vincula-se às artes, pois se liga ao campo dos

afectos e abre a possibilidade da liberação de forças vitais e garante atuação criativa no

espaço, aproxima-se de um campo de experimentações, já que a pluralidade de lógicas

espaciais exige diversas formas de abordagem do assunto.

Gilles Deleuze e Félix Guattari, em suas interpretações sobre alguns conceitos de Bergson e

Espinosa, trabalham principalmente com o conceito de afeto, um movimento essencial entre

partículas que compõem um corpo. Segundo Spinoza, nós somos fabricados como autômatos

espirituais, desta forma, há o tempo todo ideias que se sucedem em nós, e de acordo com essa

sucessão de ideias, nossa potência de agir ou nossa força de existir é aumentada ou é

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diminuída de uma maneira contínua, sobre uma linha contínua, e é isso que nós chamamos

afeto (affectus) e de força de existir, potência de afetar e ser afetado. O afecto é inumano

porque não se identificaria à pulsão nem ao sentimento; é pensamento, uma potência plástica,

nós, temos a potência de inventar novos afectos.

“O affectus é, portanto a variação contínua da força de existir de alguém, na medida em que essa variação é determinada pelas ideias que ele tem. Porém,

ainda uma vez, "determinada" não quer dizer que a variação se reduza às

ideias que ele tem, uma vez que a ideia que eu tenho só dá conta de sua consequência, a saber, que ela aumente minha potência de agir ou ao

contrário a diminua em relação à ideia que eu tinha imediatamente antes, e

não se trata de uma comparação, trata-se de uma espécie de deslizamento, de

queda ou de elevação da potência de agir,” (DELEUZE, 1978).

Estes estudos concentrar-se-ão no processo de interação-tensão, sujeito-objeto, através do uso

dos suportes infraestruturais, para o exame destas relações, pois em sua condição flexível,

adaptam-se às imprevisibilidades refletindo em agenciamentos.

A arquitetura suporte, aberta a contaminações e deslocamentos, sem que origem e finalidade

estejam ligadas, possibilita as ações imprevistas e a suplementaridade espaço-funcional?

Para a análise utilizamos os conceitos de filósofos pós-estruturalistas, como “Khôra”,

proveniente do conceito de Platão, trabalhado em livro de mesmo nome por Derrida (1992), o

de Entre, de Derrida (1967), o de “Agenciamento” de Deleuze (1980), o de “Virtualização”

também de Deleuze (1998) e o de “Disjunção”, do arquiteto Bernard Tschumi (1994).

Estes conceitos vão de encontro a uma arquitetura preocupada em gerar emergências, revelar

potenciais latentes.

O conceito de agenciamento maquínico, trabalhado por Deleuze e Guattari (1997), em Mil

Platôs, diz respeito aos procedimentos de desterritorialização de elementos e de suas relações

de alteridade a ideia de arquitetura como em um estado de devir, contrariando a ideia de

estabilidade.

O conceito de Khôra, para Derrida (1992), seria um receptáculo, onde interpretações externas

deixariam marcas de suas interpretações e apesar disso, Khôra, jamais se deixaria atingir ou

esgotar-se por tais interpretações, seria capaz de adquirir as mais diversas formas e ao mesmo

tempo permanecer em sua condição original.

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Tais conceitos traduzem o modo com o qual buscamos analisar os espaços infraestruturais em

arquitetura, pois não há submissão do significado a verdades pré- estabelecidas.

O conceito do entre, incorporado à arquitetura abre a possibilidade de questionar a

transitividade ou intransitividade da arquitetura, até que ponto o desenho pode determinar

usos e funções dos espaços, provendo-os de significados e importância de um e outro através

de sua configuração formal.

Este conceito é um ponto de inflexão, uma estratégia arquitetural advinda da filosofia, com

potencial transformador.

A arquitetura do evento, assim denominada por Derrida e trabalhada pelos

desconstrucionistas, abre-se para pensarmos algo considerado como não compreensivo ou

mesmo, inclassificável, por não ser adequado aos padrões vigentes em arquitetura.

Esta arquitetura que buscou interlocuções com a filosofia pós-estruturalista, caracterizou-se

por problematizações do existente e passaram a considerar em suas práticas de projetação os

devires históricos, ou o que não é comumente aceito, escolhendo como instrumento de

efetivação para sua ação, o espaço e suas potencialidades.

Estes arquitetos adotam a postura na qual o vir a ser substitui o ser dogmático dos modernistas

racionalistas, garantindo uma arquitetura dos eventos no espaço.

Em oposição a uma realidade centrada, Deleuze e Guattari (1995) falam de uma realidade

rizomática, múltipla, não significante, heterogênea, constituída de coexistências e platôs em

constantes deslocamentos, jamais estáveis.

Com isso, busca-se uma desmontagem, desterritorialização de uma arquitetura que ao

contrário de preocupar-se em ser algo, esteja mais preocupada em vir a ser.

Este trabalho é uma discussão da produção do espaço urbano contemporâneo como

instauração de vivências provocadas pela articulação entre cidade e espaços infraestruturais,

livres de pré-configurações, como estes vêm adquirindo uma concepção de projetação cada

vez mais próxima de estratégias que fundam o acontecimento, o devir.

Em que medida o modo de projetar e processar em nosso caso, arquiteturas, espaços e

intervenções, implica em uma nova pragmática, novas formas de pensar e planejar a relação

com os sentidos e significados é o que nos motiva a investigação.

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Embasados nestes conceitos que perpassam de maneira transdiciplinar a filosofia e a

arquitetura, nos detemos em modelos binários sancionados pela arquitetura moderna, com

postulados universais, como o programa/uso, espaço/função, contexto/identidade, para traçar

construções mentais e projetuais que atravessam devires arquitetônicos e urbanos para a

atualização em lugares do “acontecimento” que marcam habitabilidades, inscrições

momentâneas, instáveis, que chegam sem ser anunciados.

A partir da segunda metade do século XX, as tecnologias da inteligência passaram a compor a

ferramenta projetual dos objetos de design e arquitetura; portanto, as alterações nos sistemas

de produção implicam em uma revisão nos sistemas de representação, derivando, como

discute Dorival Rossi (2003), em outra noção de projeto, processo e produto de objetos e

signos, que por terem adquirido a dimensão da interatividade com a tecnologia agora são

sensíveis e reagentes ao comando do usuário e às relações com estes novos ambientes.

Segundo Pierre Lévy (1996), vivemos em um movimento geral de virtualização, a essência de

todas as transformações em curso, que afeta desde os corpos, o funcionamento econômico, o

exercício da inteligência e não somente a informatização ou a comunicação. Atinge a

constituição do “nós”, ao contarmos com comunidades, empresas, democracias virtuais, trata-

se de uma mutação que ultrapassa qualquer processo de informatização, ela apresenta-se

como o movimento do devir- outro, heterogênese do humano.

As coisas só possuem limites bem definidos no real. A virtualização trata do deslocamento do

ser para a questão, é algo que “põe em causa a identidade clássica, o pensamento apoiado em

definições, determinações, exclusões, inclusões e terceiros excluídos. Por isso a virtualização

é sempre heterogênese, devir outro, processo de acolhimento da alteridade”. (LÉVY, 1996,

p.25)

A cultura digital inaugurou um novo campo de relações, o da dimensão virtual da linguagem,

como arquitetos convêm questionar até que ponto os objetos de arquitetura se tornaram

sensíveis, não por sua dimensão tecnológica apenas, mas principalmente pela inclusão de

novas lógicas, já que põem em jogo novos processos de criação, o processo de transformação

de um modo de ser em outro, movimento que buscamos investigar.

Quando pensamos acerca da criatividade, de juízos abductivos para estes produtos de design e

arquitetura, frutos de novos processos e projetos, não se pode determinar um percurso linear e

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discreto desse juízo: a função interativa da linguagem, adquirida no uso das novas tecnologias

em nosso cotidiano, produz mudanças de pensamento e comportamento.

O conceito de homogêneo foi superado pelo de hiperdiversidade, assim, o espaço óptico se

transmuta em háptico, tático, sensível a nossa interlocução, reagente. Neste sentido, a

experiência humana passa a interagir com a não humana, ou seja, a experiência humana deixa

de ser global porque passa a ser confrontada com forças que não seguem as mesmas leis do

corpo e do cérebro humanos; tem experimentado a interlocução com forças e objetos

inanimados que, por força de seu projeto de design, adquirem algumas das dimensões

humanas, especialmente a capacidade de comunicação e resposta, como diz Francastel em

Arte e Técnica nos séculos XIX e XX (1963).

Quando operamos a linguagem estabelecemos parâmetros lógicos de inteligência, portanto,

segundo o pensamento de filósofos pós-estruturalistas, como situações arquitetônicas e

urbanas são capazes de deslocar sentidos historicamente aceitos e compreendidos, para

abrirmos espaços aos questionamentos e às deslimitações do objeto arquitetônico favorecendo

os processos de mediação com a cidade e de potencialização de micropolíticas urbanas

produzidas a partir de rastros, a presença desativada, tecendo as relações de proxemia e

diastemia, baseadas em proximidade e fusão ou em contaminações por irradiação, ou seja,

pela superação daquilo que parece ser da natureza ou próprio do objeto, algo territorial, pela

hibridização ou hiperdiversidade, como tratamos acima.

Quando falamos em arquitetura e urbanismo não podemos deixar de falar nos corpos que

transitam e habitam as nossas cidades contemporâneas, que adquiriram novas velocidades e

conquistaram novos espaços, também superaram o que parece ser exclusivamente de sua

natureza. Lança-se ao exterior e reverte a exterioridade técnica ou a alteridade biológica em

subjetividade concreta.

Segundo Pierre Lévy, essa virtualização é analisável apenas como mudança de identidade,

passagem de uma solução particular a uma problemática geral, a virtualização do corpo é uma

heterogênese do humano. “Meu corpo pessoal é a atualização temporária de enorme

hipercorpo híbrido, social e tecnobiológico”.

Com as transformações em nossos paradigmas de pensamento, nossas ações no espaço,

também sofreram mudanças, gerando novos processos e novas percepções, que podemos

observar em conceitos como o de corpomídia, proposto por Greiner e Katz (2005), no que diz

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respeito aos processos comunicativos envolvidos na relação do corpo com o ambiente, nos

sugere que o processo evolutivo seleciona informações por contaminação para a constituição

do corpo.

Assim como a arquitetura, estabelecem uma articulação, um encontro, entre o que chega a

adição e o já existente, um ser com que se fortalece ao formar-se com presenças além dele

próprio.

Não é uma série estática de representações, neste sentido a comunicação não pode ser restrita

a significados, pois nem tudo o que comunica opera em sistemas de mensagens já codificadas.

Há comunicação de estados e vínculos de sentidos que modificam os corpos. Esses processos

têm lugar no tempo real de mudanças que ainda estão por vir no ambiente, quem dá início ao

processo é o sentido do movimento. É o movimento que faz do corpo um corpomídia.

“Porém, o que chega a partir da miríade quase infinita de situações espaciais

e soluções formais criada pela diafanidade da arquitetura é algo a ser discutido em nosso tempo; tempo em que as condições mínimas do homem

político composto pelo ser –com, o ser em comunicação, o estar

concomitante e o espaço compartilhado, associadas à acentuação das

incertezas, da imprevisibilidade dos acontecimentos e seus desdobramentos incontroláveis-o porvir do qual nos fala Jacques Derrida, fazem parte da

agenda do dia e se tornam desafios a serem enfrentados.” (GUATELLI,

2012)

Portanto, buscamos em algumas estações do metroviário de São Paulo e nas situações que

constroem na cidade, uma intersecção entre infraestruturas e composições estético/ artísticas,

potencializando relações agenciadoras de condições a serem ativadas por ações no espaço,

que interfiram nos modos de existência daí resultantes.

“Porém, talvez a arquitetura seja mais do que isso. A arquitetura é um

suporte que permite a expressão artística não apenas a quem a concebe, mas

também a quem recebe e a usa. Ela abre a possibilidade da liberação de forças vitais (élan) por quem vai usá-la onde quer que essas forças estejam

represadas, pois dá condições de uma atuação criativa no espaço; o exercício

deixa de ser apenas visual para transformar-se em fonte fecunda de experimentações. Podemos dizer que a experiência estética arquitetônica é

capaz de atravessar vários campos da atividade humana”. (GUATELLI,

2012)

A partir da segunda metade do séc. XX passamos a questionar a ideia de metanarrativa

(Lyotard, 2002). Tanto na arte quanto na arquitetura, buscamos formas de engajar o indivíduo

sob pontos de vista menos restritivos. A teoria da Arquitetura buscou apropriar-se de análises

narrativas de outras disciplinas, traduzindo-as em práticas espaciais que convidam o indivíduo

a completar o edifício com sua própria estória (JAMESON, 1998). Traduziam-se em espaços

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que propunham ao usuário a experimentação de diferentes percepções e ações. Ao apresentar

uma camada dinâmica, manipulada através de uma interface, apresenta uma nova relação

entre indivíduo e edifício, sujeito e espaço, corpo e ambiente, neste jogo, incomensurável da

arquitetura e das artes, o primeiro só é completo através da interação com o segundo.

Neste período vimos o surgimento de novas formas industrial, cultural e social que por serem

revolucionárias e flexíveis no espaço e no tempo, levaram a novas formas de pensar e

representar o mundo (HARVEY, 1989). Nossa percepção do espaço e do tempo se alterou,

assim como passamos a pensar e perceber o espaço construído de maneira diferente. Essas

novas formas trouxeram à arquitetura e ao urbanismo, a necessidade de constante mudança e

inovação, surge à dimensão da informação.

O conceito de duração, caro às novas configurações espaciais e ao novo encadeamento

histórico da dimensão da informação, trata de um movimento que é condição para se penetrar

numa realidade imanente e criadora; o de devir, movimento que é da ordem do imperceptível,

atua em dupla direção e que faz a constituição do espaço oscilar entre a linha, a partícula e o

imaterial.

"Devir é nunca imitar, nem fazer como, nem se conformar a um modelo, seja

de justiça ou de verdade. Não há um termo do qual se parta, nem um ao qual se chegue ou ao qual se deva chegar. Tampouco dois termos

intercambiantes. A pergunta 'o que você devém? ' é particularmente estúpida.

Pois à medida que alguém se transforma, aquilo em que ele se transforma

muda tanto quanto ele próprio. Os devires não são fenômenos de imitação, nem de assimilação, mas de dupla captura, de evolução não paralela, de

núpcias entre dois reinos." (DELEUZE, Conversações.)

Analisaremos arquiteturas que potencializem agenciamentos. Enfocando em intervenções

urbanísticas contemporâneas e modernas, que se caracterizam pelo surgimento de novas

matrizes teóricas. Determinam o debate sobre os processos de produção do espaço construído

e não construído, do espaço simbólico, do projeto em escala urbana, as relações entre arte e

cidade e seu papel nas intervenções atuais. Abordam ainda, temas ligados ao estudo e análise

crítica das transformações da cidade contemporânea.

Espaços públicos são em geral, lugares de transição, sobretudo espaços de publicação, de um

ser com e um ser em si mesmo em processo, da constituição incondicional da alteridade,

encontraria, na arquitetura edificada, um aliado na defesa dessa abertura ao outro, das

vibrações dos sentidos dados e da contestação ao estabelecido?

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19

Em oposição a uma realidade homogênea, Deleuze e Guattari (1995) falam de uma realidade

rizomática, heterogênea, não significante, a-conclusiva, constituída de coexixtências em

constantes deslocamentos em função das possibilidades de articulação. No pensamento

deleuziano, um rizoma é um campo de intensidades que não começa e nem conclui, está no

meio, entre as coisas, por isto analisamos nosso objeto de estudo sobre esta vertente,

buscando no ato de projetação ativar o pensamento crítico, rizomático, intermezzo.

Buscamos olhar para a arquitetura com o potencial de um vir a ser.

Portanto, em um primeiro momento a pesquisa corresponde ao projeto, às hipóteses do

trabalho em função do problema colocado, à base filosófica e metodológica do raciocínio,

definem-se os princípios rizomáticos da arquitetura e do urbanismo, da arte e da cidade. Em

um segundo momento, os instrumentos de prospecção e avaliação para verificar a validade

das hipóteses, tomando as Estações Sé, Tamanduateí e Sumaré do metroviário de São Paulo

como objeto deste estudo.

Page 20: Simone Sousa Silva O SER E O OUTRO: AGENCIAMENTOS ...

20

Capítulo1

POSSÍVEIS ARTICULAÇÕES ENTRE A FILOSOFIA E A ARQUITETURA

Page 21: Simone Sousa Silva O SER E O OUTRO: AGENCIAMENTOS ...

21

1.1. As articulações entre a Filosofia e a Arquitetura: Traçando o Por vir

Jacques Derrida, procura em seus escritos, especialmente os que tratam do logocentrismo, em

quais sentidos conceitos filosóficos podem ser incorporados em outras atividades; podemos

ver o discurso pós-estruturalista presente nas mais diversas áreas.

Em entrevista à Eva Meyer (1988), denominada “Escrever é um modo de morar”, citada por

Igor Guatelli em sua tese de doutoramento (2005), o filósofo busca uma maneira de relacionar

arquitetura, filosofia e escrita. Para Derrida, cada linguagem sugere uma disposição no espaço

e dele se aproxima, comparando-se à abertura de um caminho a ser criado.

Entretanto as linguagens não podem determinar os caminhos que partem do edifício, “que são

criados a partir de sua materialização/espacialização, que não sabemos onde nos levarão, mas

que sempre gravarão sua passagem na forma de escrever do arquiteto”, diz Derrida,

recorrendo a Heidegger, ainda, nos fala que, “seria interessante recordar que no início a

arquitetura não era uma arte de representação, enquanto a pintura, o desenho e a escultura

sempre puderam imitar algo cuja existência supõe. Na arquitetura existe a imitação de (riscos)

do gravado, da ação de riscar, na forma de planta, elevação, croqui e que podem ser

associados à escrita”. (GUATELLI, 2005, p. 31.).

Segundo seu pensamento, em arquitetura, os objetos/edifícios, são assim como para a

literatura, acontecimentos estéticos e de leitura, mas como nos lembra Guatelli (2005), não

trata-se de lê-los, no sentido de entendidos, mas sentidos, através das linguagens adotas e

traduzidas em formas.

Ao utilizar de linguagens, os autores não deveriam ter como premissa o estabelecimento de

verdades, mas a criação de um lugar onde o leitor/usuário pode abrigar-se, sentir, e, criar seus

próprios significados, advindos de suas interpretações.

Na tese de Igor Guatelli (2005), há uma menção em especial ao pensamento de Barthes que

considero interessante às analogias entre a arquitetura, o texto e a filosofia e que são similares

ao que Deleuze e Guattari desenvolvem sobre a linguagem em os Mil Platôs; em Le plaisir Du

texte, Barthes fala em perdas ocasionadas quando um texto possui um sistema fixo de

representação, como um sistema centrado, constituído por significados pré-determinados. O

autor comenta também sobre a necessidade de:

Page 22: Simone Sousa Silva O SER E O OUTRO: AGENCIAMENTOS ...

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“(...) textos em estado de significantes, da multiplicidade de significados,

intransitivos, um lugar de constantes deslocamentos e rupturas, das

diferenças, das contradições e ambiguidades, dos fragmentos, atópico(...) texto de gozo: é aquele que coloca em estado de perda, aquele que

desconforta (talvez até a um certo vazio), que faz vacilar as plataformas

históricas culturais e psicológicas do leitor, a consistência de seus gestos, de

seus valores e de suas crenças, coloca em crise sua relação com a

linguagem” (GUATELLI, 2005, p. 32)

Há esforços históricos no sentido de compreender a arquitetura e o desenho em arquitetura

aos textos, como manifestos de pensamentos, como no caso do movimento moderno, com

posições claramente dogmáticas, totalizadoras ou como pregador de questionamentos e

desestabilizador de sentidos.

Para Derrida (1967), um signo pode conter múltiplos significados, em arquitetura, nos

edifícios entendidos como signos linguísticos, quase sempre buscou-se associá-los a

significados, garantindo um único sentido entre forma e valor de uso.

Formas específicas em arquitetura passaram em um determinado momento a ser associadas a

uma função e a um significado. Ao pensar em diagramas para associá-los à arquitetura,

Eisenman, em Diagram Diaries (1999), afirmou que o substrato da forma, pudesse ser

deslocado dos pressupostos programáticos, para preservar assim, a singularidade dos objetos,

separando-os de verdades pré-estabelecidas, “significaria um processo que poderia deslocar a

forma de suas relações assumidas anteriormente com uma função, significado e estética, sem,

ao mesmo tempo, necessariamente negar a presença dessas condições”. (EISENMAN, 1999,

p.27 apud GUATELLI, 2005, p. 34).

Eisenman classifica o diagrama como algo original da escrita arquitetônica, entende a linha-

traço como forma de representação arquitetural, como uma escrita, a linha-traço expressa em

um espaço plástico e não discursivo capaz de revelar estruturas latentes, com desenhos não

pré-estabelecidos, contrário aos discursos em que resume-se a um instrumento de ilustração e

materialização de sentenças organizadas.

Para Eisenman (1999), há a história de uma arquitetura de traços, de linhas invisíveis,

diagramas que tornam-se visíveis através de significados. É traço de uma condição

intermediária (a linha-traço ou o texto-traço). O diagrama pode ser material e cultura histórica

não traduzida em discursos acabados, em significados previamente estabelecidos e estáveis,

mas é um material em estado de latência, capaz de ser manipulado para desta forma, adquirir

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os mais diversos sentidos e significados, são o que o arquiteto denomina por diagramas de

instabilidade.

Eisenman, Derrida, Deleuze, Barthes, entre outros, falam do poder figural, inserido em um

espaço textual, não se trata do texto legível, mas do escriptível, como nos diz Guatelli (2005)

a linha em sua forma linha-letra ou linha-traço, vista em seu estado significante, instável, em

que a divisão figura-fundo seria desfeita, possibilitando múltiplas leituras.

Os diagramas de instabilidade, considerados enquanto escritas de pura presença, que não

constroem-se a partir de referências contextuais e representações históricas, mas sim, como

um receptáculo aberto às mais diversas interpretações, distante de significações apriorísticas,

apresentam infinitas possibilidades de inscrever marcas.

“Eisenman, ainda em Diagram Diaries(1999, p.23) afirma que o diagrama

arquitetural deve ser concebido como uma série de superfícies ou camadas constantemente em regeneração e, ao mesmo tempo, capazes de reter

múltiplas séries de traços (...) entendido como um estrato de traços

superpostos, oferece a possibilidade de uma abertura do visível em direção

ao articulável, para o que está no interior do visível”. (GUATELLI, 2005,

p. 37)

O diagrama arquitetural é o espaço da escrita arquitetônica quer seja baseada em valores

estáveis, quer seja numa escrita instável, capaz de produzir desenhos para além de seu próprio

significado ou objetos que se constituem para além do que é visto, mas na possibilidade de

sua constante representação crítica.

O ato ordenador com regras e prescrições normativas do projeto arquitetônico presente no

exercício de projetação dos racionalistas modernos é incongruente com o pensamento crítico

ativado pelos questionamentos das estruturas estáveis do pensamento realizado pelos filósofos

pós-estruturalistas e que ecoou nas reflexões sobre a arquitetura e o urbanismo

contemporâneos, onde o projeto é capaz de significar e ressignificar repetidamente.

A possibilidade de um não condicionamento do uso do interior em função de um significado

proveniente da forma exterior, nos mostra o quanto é delicado o controle de destinações

espaciais, aqui os significados são significantes postos em relação com outros significantes,

como nos diz Bennington (1996), ou seja, em outras palavras, as manifestações geradas a

partir de diferentes apropriações, em condição de ser algo além do que é.

A relação interior e exterior deixa de ser amparada na ideia de totalidade e conduzida pela

lógica de composição que contempla um dentro e um fora e passa a representar um suporte de

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suposições ainda porvir para a montagem de situações e apropriações dinâmicas, em um

espaço aberto a questionamentos, não falamos em forma-matéria, mas encontramos a força de

projetual de nossas questões em arquitetura na matéria-forma.

A instabilidade nos textos dos filósofos pós-estruturalistas como Derrida e Deleuze, poderiam

ser alcançadas nas contaminações do discurso, também os espaços residuais presentes nas

cidades estariam abertos aos processos de apropriação, e aí podermos já traçar um paralelo

entre as questões apresentadas pela filosofia e a arquitetura que propomos e buscamos ao

analisar os espaços suportes.

Os textos Derridianos, são suportes de suposições e apresentam traço (Derridiano) que

expressa um significante em constante significar, aberto aos mais diversos registros,

possibilita a enunciação do outro, pois são menos assertivos e mais reflexivos ao mesmo

tempo em que buscam a desestabilização da linguagem. Tanto códigos linguísticos ou

estéticos-arquitetônicos, cedem espaço aos acontecimentos, para Derrida as presenças

ausentes, traduzem-se no que não mais está dentro e fora do texto, em arquitetura as

circunstâncias espaciais, programáticas, manipuladas podem sugerir a montagem de situações

espaciais e o surgimento de acontecimentos.

No processo de engendramento de um dentro e um fora em arquitetura, o espaço gerado

ganha força de outras significações, os interstícios, passam a ser entendidos como um entre

coisas o que reside no processo de desarticulação do que aparenta ter um grau de definição,

nestes espaços ao considerarmos que acompanham o “traço” como elemento de ligação no

momento em que articulam e montam situações espaciais a partir de um programa,

enfraquecem processos identitários e representações e valorizam a alteridade.

Escolhemos para nosso estudo, estações de metrô que em suas inscrições materiais enquanto

espaços infraestruturais possibilitam a emergência dos acontecimentos, mas a força destes

processos encontra-se no elemento articulador, o entre um ponto e outro, a linha de

deslocamento fortalece as duas pontas e cria lugares, o espaço gerado é mais importante que a

forma-matéria, pois são heterogêneos, múltiplos e não hierarquizados.

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25

1.1.1. Valorização da Condição Espacial pela Desfuncionalização da Linguagem

A arquitetura desconstrutivista ou desconstrucionista explora uma escrita instável,

responsável por romper com valores históricos, primeiro, em nível formal, mas com

consequências espaciais como a descontinuidade, instabilidade, desequilíbrio, planos

fraturados e linhas diagonais, com o intuito de questionar, desestabilizar os sentidos e

desenvolver um método de pensar através dos projetos e aí, nestas experimentações espaciais

e na averiguação crítica, encontramos voz semelhante às questões que buscamos trazer com a

arquitetura infraestrutural.

Os arquitetos Peter Eisenman e Bernard Tschumi, são para estudiosos como Jencks (1996), os

que mais se aproximam do discurso de Jacques Derrida, por exemplo, no projeto para o

parque La Villete, intitulado Choral Works, puderam aplicar conceitos desenvolvidos por

Derrida como os de lugar-não lugar, território; não trabalham com concepções pré-definidas,

mas com estratégias projetuais.

Procuram propostas que contaminem os códigos, disseminem os conceitos e desta maneira,

atinjam uma ausência absoluta que lhes garantirá uma fuga da representação.

Para Eisenman, não somente o desconstrucionismo, mas o procedimento que pode estar

presente nas estratégias de projetação, “refere-se a algo que diz respeito à natureza

indeterminada das coisas, como um processo de questionamento onde tudo está sob suspeita

(...) não mais havendo uma relação direta entre signo e significado (...) o objeto está em

completa flutuação”. (GUATELLI, 2005, p.76)

A questão que se levanta é o repúdio a qualquer tipo de representação que significações

apriorísticas vindas com pensamentos dominantes que se impuseram, no sentido de eliminar a

possibilidade de manifestação do outro.

Isto quer dizer, u ma tentativa de contraposição ao preceito que se impôs de que o exterior

necessariamente deve representar o interior, que a forma seguiria a função do edifício,

ocorrendo uma correspondência direta, exterior/ interior, forma/função, pares que

fundamentaram um processo de funcionalização da linguagem pelo Movimento Moderno.

Derrida considera a linguagem como um sistema de diferenças, onde um significante pode

manifestar diversos significados; em seu pensamento, o interior ou o espaço significante

(conceito de entre), existe independentemente do exterior, do significado dado, o exterior

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seria o acidental, não previsto, onde diversos significados poderiam acessar o interior, a

conjunção do espaço estaria justamente numa relação entre o objeto externo e a experiência

interna.

Essa defesa por uma linguagem capaz de significar e ressignificar, viria em contraposição ao

que separa interior e exterior e ao que eliminaria a possibilidade de potencialização de uma

condição espacial entre e de um não condicionamento e direcionamento de apropriação e uso

do interior em função de significados advindos da forma exterior, pois o que acontece é a

mistura de ambos, com a ocorrência de apropriações dinâmicas, tanto na escrita, quanto na

arquitetura.

A desfuncionalização da linguagem passa por uma contaminação da forma e esvaziamento de

seus signos, junto à valorização da condição espacial entre, através do entrelaçamento de

interior e exterior, ou seja, a neutralidade buscada estaria vinculada a intenção de

esvaziamento dos sentidos dados a priori e não à ausência de forma, à desmaterialização,

incentivando o surgimento de sentidos múltiplos e simultâneos, não há a necessidade do

significante vir acompanhado de um significado, ou do significar constante para o significado.

“(...) a valorização do entre, das ausências e não das presenças, ou dos

significantes, daquilo que poderia significar em detrimento dos significados apriorísticos ou de um significado último que fosse a verdade do objeto,

abrindo espaço para o acidente, o arbitrário, o imprevisto (...)”.

(GUATELLI, 2005, p. 83)

Tanto na escrita, quanto na arquitetura, pensa-se em um primeiro momento que tudo seja

tomado como traço num processo de desfuncionalização da linguagem, considerando-o como

aquele que propicia a enunciação do outro a partir do existente, capazes de significar, adquirir

um significado, voltar a ser traço e ressignificar.

O que buscamos em nossa investigação é uma condição que permaneça em estado

significante, considerando os significados que vierem, já que são as manifestações das

diversas apropriações dos espaços que estudaremos, sempre aberta alteridade, ao vir a ser e

aos registros externos.

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1.1.2. Novas Tecnologias Promovendo Novas Possibilidades Plásticas

As cidades são sobreposições de histórias, culturas, formas urbanas e arquitetônicas, que

organizam nossas referências culturais e críticas com o ambiente natural e condicionam nossa

fruição cotidiana.

A arquitetura é o meio responsável pelo qual o homem transmite as informações que lhe

permitem organizar o território em que vivem. Para se realizar como extrato cultural, segundo

Fábio Duarte (1999), a técnica, que sempre foi considerada intermediária entre as intenções e

o objeto construído adquire autonomia com a Revolução Industrial.

Ainda, segundo Duarte (1999), a técnica é uma operação mental, possibilita a interação entre

o homem e a obra, a evolução para a tecnologia produz o desenvolvimento da cultura humana,

pois os instrumentos tecnológicos trazem mesmo inativos, suas potencialidades.

Na transformação da técnica em tecnologia, a indústria e o comércio foram consequências do

progresso que gerou o aumento da população urbana e a mudança na configuração das

grandes cidades.

Detectamos neste processo as mudanças territoriais e também as mudanças temporais, onde

não mais caberiam equilíbrios estáveis, o ritmo das transformações passaria a ser cada vez

mais rápido e profundo.

“Giulio Carlo Argan identifica que foi com essa explosão das cidades ligada aos avanços tecnológicos que se originou um campo específico na

arquitetura, que englobava não só questões formais e técnicas, mas a

complexidade de relações entre os homens e a sociedade que ocorria nas cidades, que agora apresentavam a necessidade de ser planejadas. Esse

campo é o urbanismo, que serviu ao mesmo tempo como síntese de

inquietações e propulsor de propostas da arquitetura moderna”. (DUARTE,

1999)

Neste período, os primeiros projetos urbanos em cidades industriais surgem, o plano do barão

Haussmann para Paris, com abertura de bulevares e vias com fins de incrementação do fluxo

urbano, o Eixample de Idelfonso Cerdá para Barcelona, responsável pela ampliação da cidade

em blocos ordenados com largas vias de circulação, linhas de bonde e introdução de técnicas

higienistas nos planos.

As tecnologias possuem suas próprias lógicas que condicionam produtos e o meio onde se

inserem, com isso trazendo novas configurações para as cidades.

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O comércio em larga escala, propiciou o desenvolvimento das linhas férreas para o transporte

dos produtos. Ferrovias necessitavam de estações de parada e galpões, fazendo com que os

trens metropolitanos subterrâneos também favorecessem a criação de novos tipos de

edificações nas cidades.

Joseph Paxton construiu em 1851, o Palácio de Cristal, proporcionando novas potencialidades

estéticas a partir de possibilidades tecnológicas, como placas de vidros e segmentos metálicos

pré-fabricados que se inseriram nos espaços do cotidiano urbano. A partir de 1865, com

tecnologia e desenho semelhantes à Galeria Vittorio Emanuelle II, galerias/ruas espalharam-se

por Paris, Nápoles, Bruxelas.

Otto Wagner utilizou esta tecnologia de estruturas metálicas e placas de vidro cobrindo

grandes vãos na estação Karlplatz de metrô em Viena. “Desse mesmo período são algumas

estações de metrô construídas em Paris por Hector Guimard, estas com linhas claramente art

nouveau, sendo que Otto Wagner já prenunciava em seus projetos uma racionalização formal

que seria vigente na arquitetura moderna”. (DUARTE, 1999)

As possibilidades plásticas dadas pelas novas tecnologias propiciaram também uma

criatividade plástica dos novos meios.

Um novo pensamento para as cidades frente às novas tecnologias deu origem ao movimento

moderno, que buscou a transformação das cidades em seus aspectos sociais, estruturais,

ideológicos e estéticos, propunham-se construir globalmente as cidades, os arquitetos

modernos projetaram as interações máquina/cidade, como nos assegura Fábio Duarte (1999).

Também partimos para a construção de nossa investigação da cultura advinda com as

tecnologias digitais que produziu não apenas uma mudança espacial em nossas cidades, com a

“crise das matrizes espaciais”, mas como prevemos também ideológica, social e

especialmente lógica, novas lógicas de pensamento são promovidas e com isso, novas

experimentações projetuais emergiram na segunda metade do século XX.

Os filósofos pós-estruturalistas, neste período, passam a contestar as verdades históricas em

diversos campos do conhecimento, propondo deslocamentos dos sentidos preestabelecidos e

abrindo novas possibilidades, desta forma, nos parece deveras coerente à escolha por tal

referencial teórico para uma construção crítica do fazer arquitetural e da análise das dinâmicas

sociais contemporâneas.

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Os meios de comunicação de massa difundidos nos anos 60, falando em tecnologias da

informação, fizeram de Marshall Mcluhan o teórico que prognosticou um mundo retribalizado

por meios eletrônicos. Arquitetos atentos aos meios tele-tecnológicos propuseram novas

possibilidades espaciais. Buckminster Füller propôs geodésicas, com o fim de transformar as

características dos relacionamentos entre os homens e ambientes, o grupo Archigram projetou

as cidades instantâneas, que “aportariam e desapareceriam sem deixar rastros físicos, apenas

conexões informacionais”, como nos diz Fábio Duarte (1999).

Um período em que nos deparamos com novas formas de produção industrial, cultural e

social, que por serem revolucionárias e flexíveis no espaço e no tempo, levaram a novas

formas de representar e perceber o mundo (HARVEY, 1989).

Nossa percepção do espaço e do tempo foi alterada com o surgimento da dimensão da

informação e com isso passamos a pensar o espaço construído de maneira diferente, o que

trouxe à arquitetura e ao espaço urbano e a necessidade de mudança.

Segundo Duarte (1996), o universo das tecnologias eletrônicas e digitais se torna o novo

território de projetação e construção de propostas arquitetônicas.

Mas procuraremos outros territórios de projetação, tão cambiantes quanto os digitais, frutos

de uma mesma revolução dos meios de representação e das estruturas do pensamento, mas

que se inscrevem em situações em que “des-limitam”, que abrem espaço/forma, propondo

projetos não acabados em permanente reconstrução, como defende Igor Guatelli (2005), em

constantes processos de virtualização.

O deslocamento no estatuto do saber no qual a sociedade ocidental passou na segunda metade

do século XX refere-se ao seu ingresso na cultura pós- moderna e na era pós- industrial.

O período determinado como pós-moderno como o dissemos, caracteriza-se pelo

deslocamento em diversas áreas do conhecimento, para nós especialmente nos conceitos de

espaço/tempo.

O modo de produção capitalista tem como mote a constate mudança das práticas e processos

de produção, exigindo uma constante atualização de nosso aparato conceitual, influindo na

organização de nosso cotidiano, segundo Harvey (1996).

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Novos modos de produção, flexíveis espacialmente e temporalmente, em contraposição ao

modo fordista altera nossa percepção e representação a respeito destas dimensões, produzindo

o que Fábio Duarte denominou de “crise das matrizes espaciais”.

Este novo modo de produção trouxe consigo novas configurações urbanas, influenciadas pelo

pensamento pós-moderno, ao produzir impactos em nossa percepção e também no ambiente

construído, em uma população crescentemente urbana, precisamos considerar tais impactos

sobre as práticas sociais. “(...) o ambiente construído constitui em elemento complexo de

experiência urbana que há muito é um cadinho vital para se forjarem novas sensibilidades

culturais”. (HARVEY, 1996)

Práticas sociais não são diretamente determinadas pelo espaço construído, adaptamos usos

contemporâneos a formas antigas. A cidade possui um constante fluxo de usos e processos e

por essa condição que apresenta, já não há como lidar com situações pré-determinadas.

“Percebemos as noções de tempo e espaço na pós- modernidade como comprimidas”

(HARVEY, 1996). Esta condição é resultante de uma crise de representação que se iniciou

com a primeira crise de acumulação capitalista de 1846 e que a partir de então, ocasionou

mudanças culturais. O espaço deixou de ser visto como absoluto e as conexões com terras

distantes passaram a ser comumente percebidas. A ideia de uma rede global em que

acontecimentos em um local podem ter efeitos em outros passou a vigorar, influenciando a

experiência individual e trazendo mudanças para os sistemas de representação existentes

(HARVEY, 1996).

É preciso assegurar que falamos nas mudanças dos sistemas representacionais, porque essas

transformações abriram espaços para novas sensibilidades e novas possibilidades de

projetação.

O avanço técnico influenciou a crise de representação em 1846 com o uso em grande escala

de técnicas de representação mecânica, levando à disseminação de informações, arte e cultura

para parcelas cada vez maiores da população. (HARVEY, 1996). A rede global de

distribuição das informações foi chave para uma percebida diminuição das dimensões

temporais e espaciais; o acesso textual à informação progrediu e permitiu que artefatos cada

vez mais complexos pudessem ser distribuídos globalmente, transformando as residências em

nódulos terminais de uma série de serviços, produtos e artigos informacionais.

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As crises de representação parecem ser próprias ao modo funcional do capitalismo, sendo

sempre precedidas ou contemporâneas a uma crise de superacumulação (HARVEY, 1996). As

pressões por inovação, a constante procura por novos mercados e a flexibilidade do capital no

espaço e no tempo estão constantemente desafiando o nosso aparato perceptivo. As crises de

representação do espaço e do tempo nos levam a conceber novas maneiras de pensar e sentir.

(HARVEY, 1996)

“O estatuto atual do espaço e do tempo coloca em questão as próprias dimensões materiais,

desafiando as noções de próximo e distante” (VIRILIO, 1993). Esta crise das dimensões afeta

como representamos e percebemos o mundo, colocando em conflito o espaço material

percebido, o que nos traz uma questão importante, já que a arquitetura é um instrumento de

medida, como nos diz Paul Virilio (1993).

Bauman (2001) apresenta a fluidez como uma metáfora para a contemporaneidade. “Os

fluidos, por assim dizer, não fixam o espaço e nem prendem o tempo. Enquanto os sólidos

têm dimensões claras, mas neutralizam o impacto e, por tanto, diminuem a significação do

tempo”. Associada a “leveza” à mobilidade e a inconstância, no pensamento de Bauman é o

que leva à construção de “liquidez”, enquanto figura de linguagem à pós-modernidade, “(...)

sabemos pela prática que quanto mais leves viajamos, com maior facilidade e rapidez nos

movemos. Essas são razões para considerar “fluidez” ou “liquidez” como metáforas

adequadas quando queremos captar a natureza da presente fase, nova de muitas maneiras na

história da modernidade”.

Ao mesmo tempo questiona se a modernidade não foi fluida desde sua concepção, “(...) Se o

“espírito” era “moderno”, ele o era na medida em que estava determinado que a realidade

deveria ser emancipada da “mão morta” de sua própria história- e isso só poderia ser feito

derretendo os sólidos ( isto é, por definição, dissolvendo o que quer que persistisse no tempo e

fosse ifenso a sua passagem ou imune a seu fluxo)”. (BAUMAN, 2001)

Com esta citação de Bauman (2001), buscamos referendar a escritura, que nos assegura que as

mudanças nos novos meios de representação nos trouxeram, ou seja, modificaram nosso

estatuto conceitual e perceptivo, afetaram a busca do saber, condensaram as dimensões de

espaço/tempo e nos levaram a conceber novas maneiras de pensar e sentir, deslocamentos

próprios do desenvolvimento do capitalismo, mas que neste momento colocam em conflito o

espaço material percebido, o que nos traz a questão da arquitetura enquanto inscrição

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material, que ao contrário não perde sua força projetual, pois possui a potencialidade de

desajustar o sentido dado ao ressignificar o objeto.

E ao contrário do que defende Paul Virilio (1993), a virtualização, dinâmica própria da

filosofia deleuziana, não é uma desrealização, mas “criação de pensamento que procede por

virtualização” (ALLIEZ, 1996) e um dos vetores de criação de realidade. Os estudos

monográficos de Deleuze, sobre o pensamento de Hume, Bergson, Nietzsche, Kant, Espinosa,

Leibniz, propõem uma gênese de sua filosofia, que não tem outra questão que não a do

pensamento, uma filosofia do acontecimento. Portanto, como pretende Paul Virilio (1993), a

virtualização não se contenta em aniquilar o tempo ou o espaço, ela inventa qualitativamente

novas espacialidades.

Resta-nos buscar estratégias de reativação de um rastro urbano, um vazio, um interstício de

algo que construa dinâmicas capazes de provocar reações.

Portanto, o objetivo da pesquisa, que se deixe claro, não se atém à digitalização da

informação, à linguagem Virtual, mas à Virtualização da Linguagem tal quais os pressupostos

definidos em Deleuze.

“O Design Virtual (a arquitetura se insere neste conceito) instaura a Virtualização da

Linguagem- diferença e repetição, duração e precisão- e suas relações se estendem a

fronteiras de todas as linguagens, transpassando a própria semiosfera.” (ROSSI, 2003).

“A virtualização constitui justamente a essência, ou a ponta fina da mutação em curso. (...)

Ela se apresenta como o movimento mesmo do “devir-outro”. (LÉVY, 1996)

Trata-se de transformações de um modo de ser em outro, como já mencionamos neste

trabalho, assim como o processo de desterritorialização e outros fenômenos espaço-temporais

e seguindo os pressupostos teóricos de Gilles Deleuze, não se limita ao território das

tecnologias eletrônicas e digitais, mas constitui uma filosofia do acontecimento, “quanto à

prática e à realidade dessa filosofia que não tem de resto outra questão que não a do

pensamento e das imagens do pensamento que as animam”. (ALLIEZ, 1996)

“A palavra virtual vem do latim medieval virtualis, derivado por sua vez de virtus, força,

potência”. (LÉVY, 1996)

O virtual é um complexo problemático, um complexo de situações que acompanha um

acontecimento e exige uma resolução, reorganiza uma problemática que receberá diversas

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interpretações e será chamada de processo de atualização. “Por outro lado, o virtual constitui a

entidade: as virtualidades inerentes a um ser, sua problemática, o nó de tensões, de coerções e

de projetos que o animam , as questões que o movem, são uma parte essencial de sua

determinação”. (LÉVY, 1996)

Já a atualização é criação de uma forma a partir de uma configuração dinâmica de forças

como nos diz Pierre Lévy (1996), é uma produção de qualidades novas e transformação de

ideias, um devir que alimenta de volta o virtual. (LÉVY, 1996)

Em arquitetura, a atualização de um projeto em situação de utilização desencadeia conflitos,

desbloqueia situações, desqualifica certas competências, instaura uma nova dinâmica,

micropolíticas urbanas se formam e se desfazem e instauram uma condição frágil para o

surgimento da alteridade, como concebe Deleuze, configura o movimento do devir-outro,

enfim a atualização responde ao virtual, à problematização.

Sobre a filosofia Deleuziana, como diria Roberto Machado citado por Éric Alliez, “Mais do

que anunciar um novo pensamento, ela é uma suma de pensamentos que relaciona por

expressarem, em maior ou menor grau a diferença”.

A filosofia Deleuziana é por excelência concepção do Virtual, “que em nada se assemelha a

pura e simples ausência de existência”, como diz Pierre Lévy.

Porém em como as situações urbanas que proporcionamos com nossos projetos, que serão

aqui examinadas, a adição, o suplemento, deforma o existente e propicia que uma situação ou

objeto potencializado em seu ser, adquira a possibilidade de um vir a ser, fazendo com que

venha a fazer parte de uma nova condição espaço/ temporal. O além da obra, o além da

existência que se compõem com o que já pertencia ao território e posiciona-se com o outro,

trazendo a emergência da alteridade, hibridizada, fundida a algo além dela.

Foulcault diz que Deleuze opera seu pensamento ao dispor filosofias em devir, constitui um

Pensamento- Acontecimento, a criação de um pensamento que procede por virtualização, um

movimento de “problematização” da história da filosofia sob o nome de desterritorialização,

como indica Pierre Lévy,” se virtualizar consiste antes de tudo em transformar a atualidade

inicial em caso particular de uma problemática mais geral. (...) Isso fazendo, a virtualização

fluidifica as distinções instituídas, aumenta os graus de liberdade, cava um vazio motor”.

(LÉVY, 1996)

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34

Como se Deleuze levasse o pensamento à potência de “flutuantes nós de acontecimentos em

interface recíproca e reciprocamente envolvidos num único e mesmo plano de imanência. (...)

criação problematizante que coincide com a emergência do novo, que não tem por sujeito

senão o virtual, cujo ato não é senão um complemento ou um produto”. (ALLIEZ, 1996)

O plano de imanência funciona como um crivo no pensamento, um movimento infinito que

vem a nós como algo pensável, não sendo algo transcendental, pois é justamente o contrário,

pois não precede o que o preenche, mas se constitui como algo problematizável. Em nosso

caso, enquanto arquitetos e urbanistas o plano de imanência funcionaria como a situação com

a qual nos deparamos e de onde extraímos questões responsáveis por uma experiência

reflexiva e de elaboração conceitual além do senso comum para uma ação de projetação, por

exemplo.

Se realização é a ocorrência de um estado pré-definido, a atualização é a solução exigida por

um complexo problemático, em nosso caso, resposta à justaposição de dissociados territórios,

forças disjuntivas e permanentes tensões entre situações. Já a virtualização é a dinâmica do

movimento, o processo que constitui os movimentos de territorialização, desterritorialização e

reterritorialização presentes no plano de imanência.

“A virtualização pode ser definida como o movimento inverso da

atualização. Consiste em uma passagem do atual ao virtual, em uma

“elevação à potência” da entidade considerada. A virtualização não é uma desrealização (a transformação de uma realidade num conjunto de

possíveis), mas uma mutação de identidade, um deslocamento do centro de

gravidade ontológico do objeto considerado: em vez de se definir principalmente por sua atualidade (uma “solução”), a entidade passa a

encontrar sua consistência essencial num campo problemático. Virtualizar

uma entidade qualquer consiste em descobrir uma questão geral à qual ela se

relaciona, em fazer mutar a entidade em direção a essa interrogação e em redefinir a atualidade de partida como resposta a uma questão particular”.

(LÉVY, 1996)

Se tomarmos o projeto de Zaha Hadid em Viena, inicialmente destinado à habitação social,

sobre um viaduto de Otto Wagner de um ramal férreo desativado, transformado em ciclovia

que se prolonga ao longo de um canal do rio Danúbio que corta a cidade e a estação de metrô

spittelau, nos deparamos com o processo de virtualização, uma atualidade redefinida para

responder a uma questão particular, sobre uma quase-ausência, o viaduto, Hadid insere

inscrições que o ressignificam e o reforçam, entretanto, restituído em potência conectora

territorial, o ramal férreo re-significado transforma-se em ciclovia, as três linhas

infraestruturais urbanas, as três linhas de força, ou seja, viaduto por onde passa a ciclovia, o

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metrô e o rio, passam a fazer parte de uma nova condição espaço-temporal, como o disse

Lévy, mutação de identidade, não se trata mais do viaduto apenas ou do projeto de habitação,

mas da hibridização, superação do que parece ser próprio de algo, deslocamento do objeto que

ao se definir por sua atualidade(solução), encontra a sua consistência num campo

problemático, é sobre o território do deslocamento, da passagem e ligação,que anuncia-se um

território de articulação e permanência.

A virtualização é um dos principais vetores de criação de realidade, porém o virtual, com

muita frequência “não está presente”, segundo Pierre Lévy (1996).

Seus elementos são nômades, o viaduto que se torna ciclovia, contém o metrô, desloca, ao

mesmo tempo adiciona o lugar da permanência, o abrigar, habitar, mas também o local da

passagem possibilita a articulação entre situações, o fortalecimento da linha conectora que em

sua existência reduzida localmente gera urbanidade ao conectar as duas pontas, como nos diz

Guatelli, uma organização que se atualiza numa pluralidade de versões.

Uma condição incessante em direção à alteridade, rumo aos deslocamentos que se traduzem

em novas funções, em novas possibilidades espaciais, são apresentadas nestas experiências de

projetação no qual encontramos sua analogia em conceitos como o de hospitalidade de

Derrida.

Derrida nos diz: “A hospitalidade precede a propriedade” e escreve que em última instância o

que permanece no aparelho psíquico é a pulsão de propriedade, para além do princípio de

prazer ou do princípio de realidade, representando um ideal de busca de estabilidade,

“retenção de energia em um reservatório que estruturaria o sujeito, dando-lhe identidade e

preservando-o da recaída ou retorno ao estado inercial, característico do inorgânico, estado

equivalente à morte”. (CARVALHO, 2005)

Consciência e propriedade se equivalem na função de proteger o aparelho psíquico dos

estímulos vindos do exterior.

O suplemento desconstrutor para o movimento que lança o sujeito para a constituição de seu

domínio interno é o conceito de exapropriação, duplo movimento da subjetividade em direção

ao sentido na busca por apropriá-lo, mas ao mesmo tempo desejando que continue

estrangeiro, que permanece onde só há alteridade.

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“Se houvesse a possibilidade de reapropriação total do sentido,

exaustivamente e sem vestígio, não haveria sentido. Por isso há esse

movimento de apropriação finita, passageira e precária, definindo-se como

exapropriação”. (CARVALHO, 2005)

Derrida realiza a síntese do paradoxo, ao aproximar o prefixo “ex” da uma base que indica o

movimento de delimitação, algo se destitui no momento em que se instaura e ao mesmo

tempo constitui a formulação da convivência com a angústia, de onde surge a estranheza.

“A experiência com o outro é da ordem de uma ultrapassagem do conhecimento pelo logos.

Ou se está no logos ou se está na experiência: A experiência do outro (do infinito) é

irredutível, ela é, portanto a experiência por excelência. (...) Nada pode, portanto abalar tão

profundamente o logos- grego- a filosofia- quanto essa irrupção do totalmente outro”.

(CARVALHO, 2005)

Tudo se constrói com a constatação de que há uma separação infinita como condição inicial

para a hospitalidade. O sujeito encontra-se diante da escolha que o precedeu, implicando nela

a capacidade de acolhimento. Ter aceitado o sim do outro, é a condição para a experiência do

a-dieu, jogo de expressão que Derrida estabelece com o adeus.

“O a-dieu implica a experiência da invocação ao infinito e a busca do que não está mais outrora, não está mais aqui, mas ali, mais adiante, de uma

extensão da subjetividade na direção de uma aproximação com esse rosto

que se anuncia como chegante, mesmo que seja disjunto de toda simetria do contato e de toda reciprocidade que existe (...). A experiência da

aproximação implica a interrupção da simetria e da comensuralidade”.

(CARVALHO, 2005)

Derrida disse que um mínimo de idealidade é necessário para preservar uma identidade, mas

para prosseguir desestabilizando, essa é uma condição. Paragens do eu, que se dirigem ao que

advém e que pode chegar pela fronteira. O acolhedor é acolhido pela visitação do outro. Sua

propriedade se despossui porque se torna hóspede de uma visitação. Experiência de passagem

para a experiência do sujeito.

Alguns autores como Michel Serres levantam questões com relação à filosofia heideggeriana

do “ser-aí”, do alemão filosófico clássico, Dasein, que significa existência, no que diz respeito

à presença na era da informatização e das redes digitais, embora etimologicamente a palavra

“existir vem precisamente do latim sistere, estar colocado e do prefixo ex, fora de. Existir é

estar presente ou abandonar uma presença? Dasein ou existência? Tudo se passa como se o

alemão sublinhasse a atualização (a solução) e o latim a virtualização”. (LÉVY, 1996)

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37

A virtualização faz com que um objeto ou situação se torne “não presente”, se

desterritorializam, momentaneamente separam-se do espaço físico ou geográfico para o

campo de problematizações, porém não são totalmente independentes do espaço/ tempo de

referência, uma vez que devem se inserir em suportes físicos e se atualizar aqui ou alhures, ela

inventa velocidades qualitativamente novas, espaço/ tempo mutantes.

O viaduto de Otto Wagner, momentaneamente se desterritorializa ao abandonar o espaço

geográfico para ocupar o espaço das problematizações e atualiza-se ao abrigar o conjunto

habitacional, desabilita sua função de linha conectora e de deslocamento, diríamos que

assume um estado de não presença para inscrever o território de permanência, onde se

reterritorializa primeiramente com uma nova qualidade e novamente se reterritorializa na

ciclovia e no metrô como linha de deslocamento.

Além da desterritorialização, outro caráter da virtualização, a passagem do interior ao

exterior, e vice-versa, o efeito Moebius, declina-se em vários registros que produzem reações

na arquitetura, das relações entre público e privado, subjetivo e objetivo, mapa e território.

A subjetividade e a significação abrem novos meios de interação e possibilitam uma enorme

quantidade de tipos de espacialidade e duração.

Por exemplo, um novo tipo de transporte modifica o sistema de proximidades, ou seja, o

espaço pertinente para as comunidades humanas. Quando se constrói uma rede ferroviária

aproximam-se algumas cidades conectadas pelos trilhos, outras não conectadas são afastadas,

criam-se vários sistemas de proximidade e espaços práticos coexistem.

O aumento da comunicação e generalização dos transportes rápidos participa do mesmo

movimento de virtualização da sociedade, da “mesma tensão em sair da presença”. (LÉVY,

1996). A revolução dos transportes metamorfoseou o espaço. Cada novo agenciamento,

acrescenta um espaço/tempo, uma cartografia especial em que as durações se interferem e se

respondem.

A virtualização, passagem à problemática, deslocamento do ser para a questão, é algo que

interroga a identidade clássica. Por isso é sempre heterogênea, devir outro, processo de

acolhimento da alteridade.

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38

1.2. Cartografias do Desejo

Procuramos considerar novas práticas semióticas advindas da escrita e do projeto

arquitetônico, forjadas na abertura, em relações de proxemia, proximidade e fusão e

diastemia, relações baseadas em contaminações, produzindo hibridizações.

O conhecimento da etimologia da palavra design, projeto, portanto arquitetura é importante

para deslocarmos os sentidos preestabelecidos e abrirmos potencialidades novas.

A etimologia nos informa acerca do simbolismo e evolução de uma palavra, nos dando o

referencial sobre o discurso ao qual se vincula como diz Michel Foucault, compreendendo

assim, mais um paradigma aos já existentes.

“A primeira coisa que nos vem à mente quando pensamos na palavra Design, seria projeto,

como uma forma de estabelecer alguma diferença entre Arte e Design, questão amplamente

discutida ao longo do século XX.” (ROSSI, 2003).

Quando nos referimos a uma palavra diversos conceitos encontram-se conectados.

“Encontramos como noção de drawing o ato ou o instante do desenho, o processo de decidibilidade por alguma coisa dentre muitas escolhas. A arte

ou técnica de representação de um objeto ou linhas (outilining) de uma

figura, plano, ou esboço, enquanto draft, do inglês medievo, draght, do Inglês antigo, Dragan, o ato de desenhar a trama e, além disso, a quantidade

“de fios” do desenho, esboços preliminares, esquemas, e o “drawing out”.

Design, do Francês medievo designer, do Latim medieval designare ( de+ signare) significa diagrama, criação, invenção, constructo, forma, “frame”,

intenção, significação, invenção, propósito, indício, sinal, achar meios para,

projeto. Por sua vez, a palavra projeto (Project) partícula modificada do

francês medieval projeter, do inglês antigo porjeter (do latim porro, do Grego pro, que significa para frente, adiante+ jeter, atirar, lançar, arremessar,

do latim projectus. Enfim, a correlação da palavra design ao étimo projeto é

muito mais próxima e concernente da palavra design, deriva-se a palavra desígnio (do Português, intenção, projeto) e desire (do Francês medievo

desirer, do latim desiderare, de + sider- , sidus (heavenly body), desejo.”

(ROSSI, 2003)

Portanto, a ideia de projeto encontra-se no que a mente produz e lança, falamos aqui sobre o

por vir, procurando desta forma, não comprometer com nossas operações em favor de uma

linearidade do processo, ao buscarmos erroneamente similares como base para o lançamento

de um projeto recaindo sobre o mesmo paradigma com a falsa impressão que criamos

linguagem, quando o caminho ainda é o mesmo, já que a qualidade destas intervenções não é

de âmbito estrutural, operamos com os mesmos paradigmas, gerando, falsamente, novos

sintagmas.

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39

A noção de projeto como projectil lança o desafio de pensá-los numa sociedade em que

caminham rumo aos vários passados firmados. Macluhan diz que, “o passado foi embora

naquela direção. Quando confrontados com uma situação inteiramente nova, tendemos a ligar-

nos aos objetos ao sabor do passado mais recente. Olhamos o presente através de um espelho

retrovisor. Caminhamos de costas em direção ao futuro.” (apud ROSSI, 2003).

1.2.1 A Aldeia Global e as Experimentações Projetuais na Segunda Metade do Século

XX

A concepção de mundo que temos para MacLuhan está ligada ao uso e aprimoramento da

tecnologia sobre nossas formas de conhecimento, transformam nossas percepções, tendo em

um primeiro momento uma ordenação lógica linear, da ordenação de fatos e eventos, com isso

teríamos perdido a capacidade de conexões criativas de modo a abrangermos aspectos além da

predominância de nosso campo visual. Nossa compreensão do mundo se daria pela divisão e

compartimentalização de eventos e percepções, entretanto, cada evento poderia nos provocar

diferentemente de acordo com os estímulos que dariam aos nossos órgãos sensoriais.

Ainda nos diz que a palavra impressa além de privilegiar um de nossos sentidos, a visão, foi

responsável pelo fortalecimento das identidades nacionais, logo acentuado pela criação da

máquina a vapor e das malhas ferroviárias, a palavra escrita ganha um meio de transporte

territorial para suportar sua difusão. MacLuhan cita que os investimentos dos jornais foram

responsáveis em grande parte pela construção da malha ferroviária inglesa. O binômio escrita,

estrada de ferro, foi responsável pelo fortalecimento dos Estados no século XVIII.

Com o surgimento da tecnologia radiofônica, as cidades ganhavam a possibilidade de que

suas características ímpares, a diferenciação local de grupos fosse reacendida ao contrário das

homogeneizações nacionalizantes, adquiriam dimensões intercontinentais e recebiam

influências, inaugurando a dimensão elétrica das cidades e proporcionando uma

multiplicidade informacional.

Para Fábio Duarte, o revolucionário meio de informação que transformaria definitivamente as

concepções espaciais, políticas e temporais no mundo, seria a primeira transmissão televisiva.

A tão citada frase o “meio é a mensagem”, sintetiza o pensamento de MacLuhan, para quem o

meio é um conjunto complexo de eventos que influencia e age sobre populações inteiras. O

caráter tecnológico dos meios possui maior força do que as informações veiculadas por eles.

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40

Para ele a “aldeia global” seria a ligação informacional do mundo através de redes de circuitos

elétricos, constituída por meios de informação à distância, um mundo fragmentado que daria

lugar a um universo orgânico onde todos os eventos se relacionariam tecnologicamente.

A dinâmica lógica dos novos meios de comunicação redireciona as novas propostas

arquitetônicas.

O universo informacional descolado do territorial interferia diretamente nas cidades,

referências culturais diversas homogeneizavam estruturas urbanas aptas às novas transmissões

de informação que ordenam o mundo.

Apontamos algumas propostas e projetos de intervenções arquitetônicas e urbanísticas a partir

de uma mudança de paradigmas proveniente do uso de novas tecnologias em meados do

século XX e que modificaram nossas formas de conhecimento, para chegarmos até as ideias

de Gilles Deleuze, Félix Guattari e Jacques Derrida e as interlocuções que construíram entre

seu pensamento e os recursos que abriram para um ato de projetação crítica, através do

deslocamento dos sentidos preestabelecidos, das verdades históricas, junto às alterações dos

sistemas de produção, que implicaram em revisões das noções de projeto, processo e produto

de objetos e signos.

Algumas destas reflexões e propostas estão ligadas a amplificação dos territórios da

arquitetura que irão desde a força do objeto arquitetônico inscrita nas estratégias espaciais

esboçadas, até a criação de ambientes que dependem cada vez menos de suportes físicos e se

insere topologicamente no mundo todo entre os nós e redes digitais que o englobam e não se

encontra em lugar nenhum, talvez aqui ou ali, mediada por uma máquina.

A arquitetura na era digital é a extração de formas apresentadas pelas hipóteses criadas nas

interfaces homem/ máquina/ espaço.

Mas ambas têm correspondências com as questões de Jacques Derrida e de Gilles Deleuze.

Fábio Duarte cita que a partir dos anos 60, o arquiteto Kisho Kurokawa, propõe no Japão o

movimento metabolista, baseando o planejamento das cidades em crescimentos orgânicos,

espaciais e temporais. De acordo com atividades e expansões das estruturas urbanas, adquiria

outro papel numa superestutura urbana, metáfora arquitetônica para a interligação global dos

meios de comunicação. Um entrelaçamento de sistemas informacionais que configura o

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41

universo onde se inseria a arquitetura, os módulos trocando informações, comporiam as novas

paisagens das cidades.

Projetos arquitetônicos e urbanos não se definiam em áreas métricas, mas em processo, os

ciclos temporais e espaciais em constante evolução urbana global, eram informacionalmente

interpenetrados estruturando-se via meios globais de informação, com módulos espaciais

ligados e definidos pelo tempo.

Por exemplo, uma casa teria um módulo de um ano e os espaços sociais, módulos de 25 a 625

anos, entretanto aos metabolistas escapou que os avanços tecnológicos , quando consideramos

hoje, por exemplo, as redes digitais de informação, onde as interações se dão em tempo real,

sem consideração aos espaços geográficos e métricos, ao pensarmos em módulos metabolistas

teríamos várias cósmopoles, definida em 100.000 km em relação ao seu desenvolvimento

espacial.

Kurokawa considerava as cápsulas como a revolta individual à massificação urbana.

Estas ideias arquitetônicas são regidas pelas teletecnologias, onde fatos locais reconfiguram

aspectos globais, como nos diz Fábio Duarte e prossegue com a pesquisa de outras

experiências.

Para o arquiteto americano Richard Buckminster Füller, o que era fundamental em suas

considerações eram os aspectos organizacionais sinergéticos dos elementos físicos e

energéticos do universo.

O primeiro ponto de mudança em relação á produção artística é o deslocamento do objeto

para o processo, que entendem o universo como elementos em operação, considerando a

inclusão ao invés da exclusão.

“É nesse sentido que se baseia a ideia- chave de Füller, a sinergia. Em um

lugar da compartimentalização por ele denunciada deveríamos estar atentos

às passagens do sistema global do universo, que seriam circularmente interligadas e ordenadas topologicamente numa estrutura geodésica-

referente à forma da Terra, mas estruturada no elemento mínimo da

ordenação da natureza, o tetraedro. A topologia como a definição de padrões

de “interligação estrutural das constelações de eventos”. (Füller, 1985,

apud Duarte, 1999)

Füller propõe que pensássemos também na poluição informacional, armazenada em nossos

cérebros ou incorporada ao ambiente a fim de minimizá-las para maximizar as

potencialidades dos meios, pensamentos e territórios.

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42

“Considera que a palavra sinergia é a única que dá o sentido do

“comportamento dos sistemas totais não previstos pelos comportamentos

separadamente observados de quaisquer das partes isoladas do sistema ou de

quaisquer subconjuntos das partes dos sistemas.” (FÜLLER, 1985, apud,

DUARTE, 1999)

Essa concepção de entendimento e ação no mundo que Füller trabalha em seus projetos

arquitetônicos.

Os estudos de Füller para a construção de sua geodésica partiram de trabalhos com formas

triangulares e tetraédricas, que combinadas formavam esferas, com esses projetos encontrou a

forma sintética de suas concepções sinergéticas de compreensão e ação no mundo.

O projeto mais significativo da equipe de Füller foi a geodésica construída para o Pavilhão

Americano na Expo 67 em Montreal, assim que inaugurada a feira, caractrizou-se como a

transformação arquitetônica contemporânea.

Seu pensamento sinergético discorria sobre a totalidade que só seria compreendida se

levássemos em consideração a relação entre elementos e como o conjunto pode transformar a

interação com o ambiente. Füller pretendia mudar o ambiente, o que possibilitaria o

surgimento de um novo homem integrado com seu ambiente, global.

O desenvolvimento de tecnologias de informação deu aos arquitetos uma visão global de seu

território de ação e produziu uma estética própria.

À princípio o grupo Archigram com suas ideias buscava criar uma “modesta moléstia”

(DUARTE, 1999), sua constituição se deu ao se aproximarem para discutir arquitetura

contemporânea,descrito assim pelo próprio Peter Cook.

“Resolveram criar uma revista, nos anos 60. O nome veio da ideia da

urgência das informações: mais simples e rápido que um jornal, como um

“aerograma” ou “telegrama”: ARCHI (tecture) GRAM.” (DUARTE,

1999).

Souberam traduzir seus projetos em linguagem gráfica contemporânea, com bricolagens

retroalimentando o meio, a linguagem usada e as mensagens, buscavam discutir a arquitetura

naquele momento.

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43

“O arquiteto Hans Hollein, em texto sobre o impacto do Archigram para a

arquitetura na época, escreve que o estilo internacional moldado pelos

modernistas estava estagnado, que seus dogmas tinham sido formulados havia muito tempo e não se adequavam à multiplicidade e variabilidade das

transformações que ocorriam no mundo- e claro, nas cidades. Era hora de

discutir ideias em vez de objetos, “Konzeptie” ao invés de “Rezeptie”.

(HOLLEN, 1989, apud DUARTE, 1999)

O pensamento sobre as cidades deveria se dar com o rompimento de barreiras rígidas e

imóveis, utilizaram a linguagem dos HQs com o intuito de contruir um novo olhar e novas

concepções sobre o meio urbano, já apontavam para diferenças nas necessidades e objetivos

que deveriam ser vistos globalmente de maneira quase individual, pois os homens que

moviam as cidades o fariam por ideais próprios aos seu microcosmo, buscou-se a ruptura com

a estandardização, um dos paradigmas do modernismo.

A ruptura com a ideia de standard na sociedade de massas identificava o Archigram com

discussões de Le Corbusier e Jean Prouvé, como com Füller e os metabolistas japoneses.

Living City foi o primeiro projeto que reuniu todo o grupo em uma exposição onde

tridimensionalizaram pela primeira vez suas reflexões, de forma imagética e espacial sobre a

multiplicidade, maleabilidade e efemeridade dos ambientes urbanos, desintegrando-se após o

evento e produzindo uma corrente de informações que contagiavam os próprios trabalhos do

grupo e de outros arquitetos, coerente com as discussões e postura que apresentavam.

O Plug- in- City, trabalho de Peter Cook, ligado ao Plug-in-Capsule de Chalk e com a ideia

dos edifícios expandíveis. Investigava o que aconteceria todo o ambiente urbano pudesse ser

programado e estruturado para que estivesse em constantes mutações arquitetônicas.

No projeto Instant City o grupo trabalhou com a escala urbana, uma metrópole dinâmica,

conectada e criando uma rede de informações que cobririam uma malha de cidades que se

conectariam no momento em que o evento ocorresse.

Havia uma preocupação do grupo em utilizar os conhecimentos tecnológicos existentes e

aplicá-los às situações reais neste projeto, mapearam as atividades e utilidades urbanas

existentes nesses lugares de forma que pudessem ser integrados ao sistema informacional

urbano a ser criado, com o intuito de ser um sistema complementar, articulador e dinamizador

de um processo urbano.

Fábio Duarte o aponta como uma metametrópole: a metalinguagem da metrópole

contemporânea.

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44

Ao final, com o Instant City, o Archigram chegou quase à imaterialidade, transformavam-se

no design de suas ideias, de estruturas de informação.

Os meios tecnológicos, cada vez mais presentes em nossas cidades, não podem, ser

desconsiderados por nós, arquitetos e construtores em nosso ambiente urbano, já que apontam

novas possibilidades.

A cidade de Groningen, na Holanda, vem sendo local de experimentações de projetos urbanos

e arquitetônicos.

Daniel Libeskind reuniu profissionais de diversas áreas que trabalham ideias de acessos e

limites nas cidades contemporâneas e o projeto das Video Folies, que se constituiu na

construção de pavilhões onde as pessoas usufruíssem da exibição de vídeos e que os edifícios

fossem objeto de reflexões sobre a lógica própria das imagens assistidas.

Em 1990, como parte da exposição deconstrutivista realizada por Philiph Johnson no MoMa

em Nova York, Peter Einsenman, Rem Koolhaas, Zaha Hadid, Coop Himmelblau e Bernard

Tschumi, se depararam com a proposta de discutir a imaterialidade das imagens eletrônicas

concretizando-se na materialidade arquitetônica, tendo em vista novas concepções estéticas

das imagens, os organizadores queriam discutir o contexto dessa arte em espaços públicos,

questionaram se os vídeos trariam uma reconcepção do espaço urbano.

Do século XIX para o século XX, os meios de produção e representação tiveram papel

transformador na arquitetura. Os sistemas de transportes trouxeram a ideia de movimento e a

intenção de que a obra fosse apreendida pelo deslocamento. Assim, era necessária a

determinação de percursos, imagens em movimento.

Bernard Tschumi descreve seu projeto “Les Folies”, para o Parque de La Villette dizendo:

“Em suas disrupção e disjunção, em suas características de fragmentação e

dissociação, as circunstâncias culturais de hoje sugerem a necessidade de

descartar categorias estabelecidas de significado e contextualismo histórico (...) o projeto rejeita o contexto, encorajando a intertextualidade”.

(TSCHUMI, 1994 apud GUATELLI, 2012).

O percurso entre os prédios existentes passa a ser mais importante que os edifícios, os

intervalos preenchidos pela movimentação de pessoas em direção à cidade da Música, Ciência

e Tecnologia, do Zenith e do Grande Halle, como diz Gatelli (2012).

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45

Sua estratégia de sobreposição de linhas e pontos, ou seja, percursos e folies, são distribuídos

em uma matriz cartesiana.

Com a intenção de desestabilizar, os pares conceituais utilizados na arquitetura, forma/função,

programa/contexto, programa/significado, síntese/harmonia, como defende Guatelli (2012),

usa estratégias como sobreposição e fragmentação, “(o que implica que em nenhum momento

uma parte pode tornar-se uma síntese do todo ou uma totalidade autossuficiente),

intencionando a rejeição da ideia de síntese em favor da ideia de dissociação e análise

disjuntiva do edificado, sobretudo quanto aos binômios forma-uso, forma-função, signo-

significado.” (GUATELLI, 2012).

Seu objeto é pulverizado pelo parque, as Folies podem abrigar e significar os mais diversos

usos, para que reproduzam a dinâmica urbana.

“Tschumi desloca, assim, a questão da arquitetura, naquele momento: no

lugar de ambientes grandiosos e que têm a presença formal como principal questão, propõe uma arquitetura de espaçamentos programáticos de

programas intercambiáveis no espaço e no tempo, onde as ações imprevistas

que ali ocorrem e ocorreriam incessantemente seriam camadas de significações por vir de um território esvaziado quanto aos seus significados

e sentidos apriorísticos”. (GUATELLI, 2012)

Esses pontos de intensidade que são as Folies, representam articulações entre os espaços e as

edificações, são responsáveis pelos acontecimentos não previstos.

Para a dispersão da multidão pelo parque que se concentrava nos edifícios, a estratégia seria a

interação dessa multidão dispersa, com o intuito de desestratificar o espaço e o povoar mais

uniformemente, ocorre o desmantelamento de qualquer sentido hierárquico ou de qualquer

tentativa de construção de um discurso totalizador.

“Esse aparente paradoxo, a dissociação tomando lugar em um espaço de

reagrupamento, faz parte da estratégia para a desestabilização desses pares de conceito. Para Tschumi, o projeto atacou diretamente a relação de causa e

efeito, forma e função, forma e programa, substituindo essas oposições por

novos conceitos de contiguidade e sobreposições. A proximidade das sempre

programadas e reprogramadas Folies dos grandes equipamentos promovedores de multidão seria a possibilidade de geração de tensões,

fundamental para o advento do inesperado”. (GUATELLI, 2012)

Derrida desenvolve a superposição de textos que se interpenetram e se articulam pela

argumentação, com isso objetiva a desconstrução, a abertura para os questionamentos e o

pensamento, criando condições do porvir.

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46

As Folies, concebidas como infraestruturas, “construções abertas e sem usos predefinidos”

(GUATELLI, 2012) são potencializadoras de acontecimentos por sua própria condição, a

relação entre os edifícios do parque seria delicado sem as Folies, “o deslocamento é

tensionado passa a ser constantemente interrompido por “acasos”, sobretudo em um nível tátil

sensorial, por esses objetos de condição indefinida, imprevisível, que se oferecem as mais

diversas apropriações e conjecturas”. (GUATELLI, 2012)

Peter Einsenman projetou para Groningen a Video Folie, “The Pattern of Electron Beam, e

mesmo antes da exposição deconstrutivista para o MoMa em 1988, já possuía fortes contatos

com a filosofia de Jacques Derrida, e sua relação com as discussões entre arquitetura e as

tecnologias contemporâneas da imagem foram motivo de exposição em 1985, intitulada Les

Immatériaux, duas propostas se destacam, “Visitas Simuladas”, um ônibus onde as janelas

eram monitores de vídeo e “Profundidade Simulada”, conjunto de três hologramas,

demonstram um questionamento do arquiteto frente às imagens contemporâneas de

representação.

O projeto que desenvolveu para o concurso para o Parque La Villette, denominado Choral,

assumidamente é uma referência aos conceitos desenvolvidos pela filosofia de Derrida em seu

livro Khôra (1995), onde discute as noções de Timeu de Platão sobre o receptáculo de

qualidades cambiantes, que recebe inesgotáveis interpretações, toma-lhes as formas e as

esvanece sem vestígios, khôra não é isso nem aquilo, mas ao mesmo tempo ambos.

“Não promete nem ameaça ninguém. Permanece estrangeiro à pessoa,

nomeando somente a iminência, e ainda uma iminência estrangeira ao mito,

ao tempo e à história de toda promessa e de todas as ameaças possíveis”.

(DERRIDA, 1995)

Com o conceito de dobras de Deleuze, Einsenman construiu novas relações entre opostos

clássicos, como horizontal/vertical, fundo/figura, interior/exterior.

De forma sintética, para Deleuze as dobras são construções labirínticas múltiplas. Não são

constituições de volumes e planos tendo como paradigmas os eixos x, y e z, podem existir

pontos x, y, z, dispersos em um corpo elástico dividido em fragmentos menores, redivididos,

compondo um espaço topológico, sem referências ontológicas e eixos geométricos, não

formam uma geometria estática, mas um fluxo espacial, temporal e material.

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No projeto de Einsenmam para o Centro de Artes da Emory University, foram aplicados

princípios harmônicos da música para redesenhar condições topológicas, criando

deformações/ transformações no edifício.

Sua VideoFolie está inserida em seu trabalho que partilha do conceito das “dobras”, elétrons

atravessam a tela da esquerda para a direita, compondo a imagem.

“O projeto é baseado no zigue-zague entre os movimentos horizontais e

verticais, e o visitante do pavilhão segue esses percursos como que assumindo o papel dos elétrons, nunca com um ponto estático de orientação,

mas aludindo aos movimentos da eletricidade para formar imagens de

vídeo”. (DUARTE, 1999)

“Khôra nos chega, e como o nome. E quando um nome vem, rapidamente diz mais que o

nome, o outro nome e o outro, simplesmente, do qual anuncia justamente a irrupção”

(DERRIDA, 1995). Khôra não é isso ou aquilo, mas pode anunciar ou apresentar isso e

aquilo.

Lugar, localização ou território, Khôra não propõe um fechamento de significados, mas sua

mutabilidade, apta a todas as possibilidades sem se tornar nenhuma delas, rompe com os

significados incontestes, deixando livre outras construções sígnicas.

Derrida rompe com significações apriorísticas de objetos ou palavras, para a efetividade de

signo-possibilidades. Em “A escritura e a diferença”, descola o signo do eixo

significante/significado que o aprisiona e o abre como elemento sem significações prévias,

onde não há significado intrínseco, primeiro, mas permite a geração de outros significantes e

significados com aproximação e/ou atrito entre eles.

Já Peirce rompe com a relação dicotômica signo/objeto, propõe que tal relação se dê por um

processo interpretante, que pode acontecer diversas vezes, garantindo que capturemos várias

facetas de um mesmo objeto e seus signos, dinamizando suas potencialidades de diversidades

de estímulos.

Nos projetos de arquitetura, as intervenções estudadas, os objetos e signos, em um momento

estão substituindo um objeto, ora sendo ele próprio objeto de substituição de outro signo.

Para Peirce, o signo é uma construção mental entre significantes e significações, de forma que

todo significante, para se valer de uma intelecção, passa por operações de significação.

Rompe com uma relação unívoca de um objeto ou significante com um significado, deste

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modo, a força da atividade interpretante de seu pensamento não busca a exclusão de

significados, mas elevá-los, gerando novas e infinitas cadeias.

Em Arquitetura essas elevações de significados dos signos são possibilitadas por

deslocamentos, desdobramentos de discursos formais e significadores, como o ato

organizador do projeto arquitetônico com suas regras e normas em desdobramentos entre as

naturezas das linguagens espaciais, filosóficas, científicas e artísticas que constroem a

arquitetura e o urbanismo, potencializando o porvir.

Einsenman, na interlocução de sua arquitetura com conceitos oriundos da filosofia, trabalha

com a ideia de Dobras em Deleuze.

Deleuze explica sobre o barroco em Leibniz que as dobras são um corpo flexível, com partes

coerentes que formam uma dobra, que são divididas ao infinito que sempre conservam certa

coesão, são oscilações que apontem para singularidades que emergem de um mesmo corpo. É

um momento específico no espaço e no tempo, pontos de um mapeamento de relações

diferenciais nômades e sem distâncias geométricas definidas, um deslocamento dos espaços

que leva ao conceito de Khôra, receptáculo que possibilita inúmeras situações. Inúmeras

possibilidades em um labirinto de dobras sobre/entre dobras que apontam ao “espírito da

matéria”; e como diz Deleuze, a matéria-dobra é a matéria- tempo.

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Capítulo 2

FORÇAS CONCEITUAIS E PROJETUAIS: MATERIALIZAÇÕES

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2.1. A Força do Trabalho Conceitual

Como argumentamos no primeiro capítulo, sobre a relação transdisciplinar que estabelecemos

entre filosofia, texto e arquitetura, para a construção de nossa investigação, essas matérias em

um primeiro momento, aparentemente distintas, mas que concatenadas fazem desse processo

surgir um espaço onde não há mais um discurso hierárquico, não existe a autoridade de um

texto sobre outros; os centros, localizados numa única área, deslocam-se para zonas

intermediárias, para um espaço entre os textos e a relação que instituem.

Com os conceitos de entre e rizoma, oriundos do pensamento dos filósofos Derrida, Deleuze e

Guattari, respectivamente, não temos a prevalência da hierarquia, do discurso dominante,

abrem espaço ao objeto híbrido, a uma estrutura não centrada, aberta à ambivalência dos

sentidos.

Sobressai o intersticial, o entre, compondo um lugar aberto às experimentações, ao evento, à

criação, permanecendo sempre em processo, sempre por vir, são deslocamentos constantes e

pluralidade de significados e sentidos, possibilitados pela interceptação de textos ou objetos

diferentes no gênero e nos objetivos, estimulando o desenvolvimento do saber, pelas

transgressões dos sentidos que opera, pelos devires que surgem dos cruzamentos das

linguagens, isto se refere tanto ao espaço imaterial, relativo ao cruzamento dos textos, quanto

ao material, no tocante às situações proporcionadas pela arquitetura.

A forma, linguagem utilizada pela arquitetura, representação de uma ideia, adquire sentido e

significado, ao contrário do que muitos arquitetos querem crer, a partir das mais diversas

apropriações que motiva, constituindo com este posicionamento uma arquitetura do espaço,

composta por espaços entres, não determinados, residuais, intersticiais; neste sentido, o

significante não precisa manter uma relação causal, não necessita estar representado por um

significado.

Buscamos aqui, a desregulamentação, a disjunção e o deslocamento entre significante e

significado, entre forma e função, para possibilitar o advento do entre espaços, que está em

constante processo, transgredindo valores históricos arquitetônicos para, desta forma, surgir

outras possibilidades de projetação e de ocupação dos lugares.

O programa sempre fez parte do processo arquitetural, que se vinculava aos valores de uma

determinada época, mas não se traduzia em formas ideais, era flexível o suficiente para

dissociar-se do conteúdo, verdadeiro evento, pois serve aos diversos usos e manifestações e

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apenas com o advento do funcionalismo e a busca por uma correspondência entre forma-

função, resultante de um novo ideário e com ele uma nova linguagem, a flexibilidade, as

possibilidades de manipulação e intervenção foram reduzidas; produto deste ideário manifesto

pelo movimento moderno, o desejo do arquiteto por controle e definição, junto às concepções

que correspondem forma ao conteúdo, ou imposições entre significantes propostos e

significados surgidos, procura impedir o surgimento de eventos, acontecimentos, mas ao

contrário, o rompimento com o originalmente proposto, constantemente eclode, pois

apropriações não conseguem ser pré-determinadas.

A força do fazer arquitetônico atual está atrelada às questões relativas ao espaço, enquanto

meio interativo, composto por eventos, acontecimentos imprevistos, produzindo rotinas e

lógicas diversas, suporte de suposições.

A imagem do lugar baseada na relação espaço-uso é substituída pela relação espaço-tempo, as

imagens dos lugares vão se alterando em virtude de ações que ocorrem nesses lugares, sempre

em processo.

Espaço segundo o qual, como pontuou Igor Guatelli, se “daria a possibilidade de ocorrência

do virtual, ou seja, a realidade da qual ainda não possuímos o conceito”, para Deleuze ou

ainda, “onde se criaria a possibilidade de chegada de algo que não nos deixaria os mesmos,

segundo Derrida. Ou seja, nos espaços não pré-configurados, nos entres, que teríamos

condição para o devir, para a constituição do acontecimento, resultante também de uma

desregulamentação da arquitetura baseada na ligação causal entre forma e função, abrindo

espaço ao não desenho (não intencional), capaz de absorver os registros deixados sem eleger

um único como adequado e em seguida voltar a condição de significante, à espera de novas

intervenções.

Relação clara com o conceito de Khôra, estabelecido por Derrida, região ou receptáculo que

ganharia forma a partir de interpretações externas, deixando impressões e mesmo assim, não

se deixaria atingir ou esgotar, mas seria capaz de adquirir diversas formas e permanecer em

sua condição original, assim seria também a condição entre na arquitetura, em que os espaços

assimilariam às diferentes solicitações, sem se exaurir e retomar a condição inicial.

O espaço intermediário, infra-arquitetural está aberto às significações entre os espaços

definidos, que são catalisadores das ações dos usuários, dos acontecimentos inesperados que

rompem, mas transitórios, permanecem sempre em processo, em que o programa, mutável é

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sempre solicitado e conformado por diversas manifestações; como khôra, em estado de

significante, à espera de eventos para a prática do conflito, em que nos distanciaríamos do que

somos para abrir espaço ao outro.

Ao possibilitar o entre, o arquiteto estaria contribuindo para a instalação de uma atitude

questionadora, estimulando outras formulações, além do habitual; um fazer arquitetural

relacionado ao pensar, ao refletir crítico, momento necessário nesse processo de rompimento

com a realidade que nos é apresentada, abrindo a possibilidade da diferença, do processo de

diferenciação, através da experiência do espaço e, da possibilidade do contato com o outro,

entendendo-o como aquilo em que estamos nos tornando, mas ainda não consciente; a

condição entre, não sugere nem presença ou ausência absolutos, mas produção de diferenças e

alteridade.

O conceito de entre, rompe com a cultura funcionalista do movimento moderno, entretanto

não é desprovido de função, pois abriga o outro ao anteriormente imaginado, apenas não está

atrelado a permanências e não há uma forma adequada para contê-lo.

2.1.1 Reflexões sobre as inscrições materiais

As cidades convivem em movimentos de conflito e ruptura e por isso exigem novas

experimentações projetuais dada a sua complexidade, há forças territoriais em permanente

tensão entre situações.

Por isso, buscamos a arquitetura em sua relação para com, ser que se fortalece e se constitui

em articulações, partindo da importância da constituição de micropolíticas urbanas,

produzindo-se por misturas em relações de contágio e proximidade, superando o que parece

ser da natureza de algo além dela própria para posicionar-se quase fundir-se com o outro.

As inscrições territoriais, condição material da própria arquitetura, reforçariam ou re-

significariam um quase ausente, alterando sua dinâmica e estabelecendo relações com a

adição, o que chega e o existente, produzindo o encontro ou o acontecimento, resultando em

novas combinações entre infraestruturas e supraestruturas e criando condições

complementares e suplementares, por exemplo, através da arte pública ou da própria

urbanidade da arquitetura.

Pensaremos o programa em arquitetura como uma estratégia capaz de gerar uma condição

suplementar e não de fixar sentidos e significados para essa arquitetura, construções de

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dinâmicas que provoquem reações; segundo Edward Soja (1989) o espaço deve ser entendido

em sua materialidade e em suas formas de organização e produção social.

Buscamos com esta investigação, que um objeto seja potencializado em seu ser, adquirindo

novas possibilidades de um vir a ser, no momento em que uma inscrição suplementar no

território deforma esse ser existente e abre espaço para um suporte em interação permanente

com as pessoas, intensificando sua importância urbana; inserido em um movimento constante

de desterritorializações e reterritorializações, sempre ressignificado.

“Retomando a ideia de matrizes espaciais parte da inter-relação dos

conceitos de espaço, território e lugar, tem-se que a desterritorialização pode

ser sintetizada como o processo que ocorre na organização de uma porção do

espaço, pela inserção ou transformação de técnicas, ideias ou objetos, alterando o regime de influências de fixos e fluxos. Esse processo é um dos

responsáveis pelas crises e redefinições das matrizes espaciais, podendo

afetar diretamente os objetos e as ações do espaço, bem como a hierarquia de valores que determinam a identidade de um lugar ou o regime de influências

de um território”. (DUARTE, 2002)

Dentro das intersecções que fizemos com conceitos advindos da filosofia, para que o objeto

seja potencializado, buscamos o entre, o intervalo, o lugar dos eventos constituídos por uma

arquitetura que produz através destes, espaços autônomos, onde há um mínimo de

intervenção, com um máximo de acontecimentos espontâneos.

Em intervenções que podem ser programáticos funcionais ou formais, traremos dois exemplos

que utilizam estratégias de projetação destes intervalos no espaço arquitetônico com distintas

características.

Intenta-se que arquitetura seja materialização de conceitos, que se encontram nas estratégias

de projetação potencializados nos programas, edifícios, implantações e na importância do

suplementar, daquilo que vem a mais, fazendo com que o projeto seja um meio para a

ocorrência de eventos imprevistos; certezas estáveis são trocadas pela noção de desagregação

da estabilidade dessas arquiteturas.

Os dois projetos escolhidos como referências aos estudos que serão realizados com os objetos

escolhidos, são: O Parque de La Villette, do arquiteto Bernard Tschumi e o Viaduto Spittelau,

da arquiteta Zaha Hadid.

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2.2. Viaduto Spittelau e a Inscrição Suplementar de Zaha Hadid: Criação de Novas

Dinâmicas Urbanas

Como nos diz Igor Guatelli (2005), o espaço público é o espaço da permanente publicação, de

um colocar-se infinito, em processo.

Faz parte da arquitetura sua ação de colocar-se em presença do público, e desta forma se

compor com algo além de si mesma.

Os sistemas urbanos atuais exigem novas experiências de projetação, pois são complexos e

compostos de rupturas e indefinições, justaposição de dissociados territórios que constituem

permanentes tensões entre situações diferenciadas.

O projeto que será apresentado, da arquiteta Zaha Hadid, de 1994, localizado na cidade de

Viena, produz o que Guatelli (2005) chama de deslimitação do objeto arquitetônico e analisa

os possíveis processos de mediação e amálgama com a cidade que este projeto de arquitetura,

objeto deslimitado, pode produzir.

Vista do conjunto projetado por Zaha Hadid sobre o viaduto Spitellau, desenhado por Otto Wagner. Foto: Igor Guatelli

Uma das estratégias de projetação entende que o espaço urbano constitui-se de micropolíticas

que se formam e desfazem-se e é capaz de produzir diferenças pela mistura, por isso o objeto

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arquitetônico para ativar estes lugares e para gerar urbanidade efetiva um colocar-se para, ao

constituir um suporte de incremento infraestrutural que se constrói a partir de articulações,

com algo além de si a ser fortalecido pela ação do público.

A arquitetura entendida como um querer ser algo além dela, conectando-se com o outro em

um processo de encadeamentos espaciais, partindo da noção de alteridade, ao posicionar-se

com o outro, possibilitaria a emergência de novos sentidos, ao permitir que marcas e

inscrições a contaminem.

Localizado ao Norte de Viena, sobre a estação de metrô Spittelau e o viaduto, projeto do

arquiteto Otto Wagner de um ramal férreo desativado, o edifício de Zaha Hadid, previsto para

ser habitação social, passou a habitação de estudantes, por estar ao lado de uma Universidade.

Sob os arcos do viaduto há a previsão de se instalarem restaurantes, lojas, bicicletário.

Hadid insere inscrições que ressignificam o lugar, a presença quase ausente do viaduto

desativado, como observa Guatelli em Arquitetura do Entre Lugares (2010), trata-se de um

desenvolvimento mútuo, entre o edifício, a adição, aquilo que chega e o viaduto desativado,

constitui um ser com, fortalecido por esta relação com o outro.

Vista do conjunto projetado por Zaha Hadid sobre o viaduto Spitellau, desenhado por Otto Wagner. Foto: Igor Guatelli

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O antigo ramal férreo possui sua característica de linha conectora fortalecida ao ser

ressignificada quando adquire a função de ciclovia que se prolonga pelo rio Danúbio liga a

cidade e é articulado tanto com o edifício que se coloca para com ela, a linha conectora, e a

estação de metrô, através de seu projeto, adição suplementar, Hadid desajusta o sentido

anteriormente firmado, altera a dinâmica daquele território.

O viaduto adquire a condição de um vir a ser no momento em que uma inscrição suplementar,

chega e deforma o ser existente.

O projeto de Hadid possui três blocos de apartamentos em estruturas independentes da

estrutura do viaduto, conecta-se com o canal do rio Danúbio através de deques em dois níveis,

junto aos arcos do viaduto e outro na cota do metrô, um suporte de pura potência territorial

urbana, onde há uma permanente situação de interação entre pessoas.

Deck inferior de acesso ao metrô. Foto: Igor Guatelli

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O programa adicional traz outras possibilidades de existência para as linhas infraestruturais

urbanas, sobre o território do deslocamento, a adição, a inscrição material, insere no território

a articulação e a permanência, contamina-se com o viaduto Spittelau, e contribui para sua

formação suplementar, de superação, o projeto cria um novo sistema ao compor-se com o

viaduto, o metrô e o rio.

Vista desde o canal mostrando os três blocos com os decks inferior e superior. Foto: Igor Guatelli

O viaduto passa a ser um suporte fundamental aos blocos habitacionais, deixa de ser apenas

uma infraestrutura, ao mesmo tempo os edifícios passam a ser uma demarcação na passagem

pelo viaduto e não apenas pontos no território.

Simultaneamente concentração e dispersão, ponto e linha, “a potência ainda por vir desse

projeto está em sua capacidade de proporcionar mobilização e mobilidade”. (GUATELLI,

2010, p.73)

O projeto de Zaha Hadid se liga a uma linha urbana, potencializando sua importância e

constituindo um sistema, onde tornam-se aptos a provocar o indeterminado, o acontecimento,

através de seu programa adicional inscrito que produz urbanidade onde anteriormente em

nível local, a linha conectora tinha sua urbanidade reduzida, embora cumpra seu papel

articulador na macroescala.

O programa aqui é pensado como um agenciamento de elementos potencializadores de tensão,

situações montadas para transformarem-se em liberadores de acontecimento.

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2.3. Parque de La Villete, Les Folies: Sobreposições e Dissociações.

Bernard Tschumi (1998), diz ser seu projeto, Les Folies para o parque La Villete, o maior

edifício descontínuo e o primeiro a trabalhar com conceitos de sobreposição e dissociação.

O destaque se dá para as relações entre os edifícios, para os percursos, ocupados pelas pessoas

que ali circulam em direção aos edifícios presentes no parque.

Tschumi projeta sobre o parque, por meio de uma sobreposição de linhas, que

corresponderiam à circulação, pontos, os edifícios e superfícies, topografia, pisos e

pavimentos. Pelo parque percebem-se estruturas vermelhas que chamou de Les Folies.

Com a intenção de desestabilizar os pares teóricos, forma- função, programa-contexto,

estrutura-significado, utiliza-se de sistemas de sobreposição e fragmentação, na prática, uma

parte não pode ser a síntese do todo, rejeitando a ideia de síntese em favor da disjunção, como

vemos na oposição dos pares, forma-uso, forma-função, signo-significado, assim o próprio

objeto de Tschumi é explodido em unidades menores e fragmentado pelo parque.

As Folies são módulos vermelhos de dez metros, projetados sem função pré-determinada,

podem abrigar e significar diversos usos, mutáveis, de modo a reproduzir as dinâmicas das

cidades.

As Folies. Foto: coisasdaarquitetura.wordpress.com

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Tschumi propõe uma arquitetura de espaçamentos programáticos, de programas que

permutam-se e em que as ações que ali ocorreriam seriam possibilidades de significações por

vir, pontos de pura intensidade, pois tratam-se de articulações entre espaço e edificações as

atividades e seu uso por parte do público, produziriam os eventos.

Para o arquiteto, na movimentação das pessoas pelo espaço, entre as Folies, estruturas que

promoveriam o evento, por seus usos diversos, potencializariam também os edifícios

existentes e seriam responsáveis por manifestações imprevistas, instaurariam o evento e

desestratificariam o espaço para uma ocupação uniforme do parque.

As unidades dissociadas no espaço estariam articuladas por um plano cartesiano imaginário,

essa estratégia procura desestabilizar pares de conceitos.

A proximidade das Folies dos edifícios onde se dariam grandes eventos, criariam tensões que

possibilitariam o inesperado.

O projeto de Tschumi, tomando como referência o conceito de entre de Derrida, cria um

espaço sem significados apriorísticos, mas aberto a significações e ressignificações, capaz de

registrar impressões externas e logo voltar à situação original.

As Folies, pensadas como infraestruturas, utilizam-se de polos catalisadores de pessoas, são

quatro dispersos nas extremidades do parque, as cidades da música, da ciência e tecnologia, o

grande Halle, local multimídia, e o Zenith, sala de espetáculos.

Fonte: japaraomoleskine.com

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Locais de aglomeração, mas estagnados, estes edifícios, articulam-se com as Folies, já que

estas estruturas garantem a conexão entre eles e são potencializadoras de acontecimentos

entre os prédios.

Na filosofia Derrida se utiliza da superposição dos textos, interpretando um texto dentro de

outro, articulados pela argumentação, possibilitando a abertura aos questionamentos,

condições que elege como necessárias ao porvir e cria assim, um lugar, um entre que sugere

diversas maneiras de compreensão pelo leitor que passa a ser criador também, cria suas

marcas interpretativas.

Ao projetar um espaço por camadas justapostas, cada uma representando um sistema, porém

articulados pelo plano cartesiano imaginário, Tschumi, promove em arquitetura, uma região

entre, com diversas possibilidades de interpretação, aí chamamos atenção às referências e

correspondências entre filosofia e arquitetura.

O arquiteto Bernard Tschumi, desenvolve como já o mencionamos, conceito de violência da

arquitetura, onde todo ato, promovido pelos espaços arquitetônicos, produzem um encontro de

corpos, ora o corpo viola o espaço, ora o espaço viola o corpo, é um encontro entre potências

de afeto.

“Entrar num edifício pode ser um ato delicado, mas ele viola o equilíbrio de

uma geometria precisamente ordenada. Os corpos esculpem todos os tipos de espaços novos e inesperados através de movimentos fluidos ou errantes. A

arquitetura, então, é apenas um organismo engajado em constante troca com

os usuários cujos corpos avançam contra regras cuidadosamente estabelecidas pelo pensamento arquitetural. (...) Cada porta implica um

movimento de atravessar a sua estrutura. Cada espaço arquitetural implica e

deseja a presença intrusiva que o habitará.” (TSCHUMI, 1999).

Para Tschumi, quando um corpo atravessa um espaço, articula uma duração e constitui um

híbrido de matéria e memória, despertando nossa percepção diante do surgimento de um

desequilíbrio.

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Parque de La Villete. Vista das camadas justapostas. Fonte: coisasdaarquitetura.wordpress.com

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Capítulo 3

ARQUITETURA COMO SUPORTE INFRAESTRUTURAL

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3.1. O Processo Infraestrutural

Acerca do suporte Derrida diz que, assim como Khôra, é lugar e receptáculo, diferença,

intervalo e interstício, ainda fala que deve manter-se heterogêneo a tudo o que recebe, amorfo,

para tomar sobre si todas as formas.

Para Derrida, khôra, seria o receptáculo do que chega sem ser anunciado, por isso constitui

uma ameaça ao estabelecido.

Comparando o subjétil na definição derridiana e os suportes infraestruturais, são espaços

flexíveis e ao mesmo tempo, indispensáveis na construção, organização, funcionamento tanto

na arquitetura quanto no urbanismo; são apropriados de diferentes formas, favorecendo o

surgimento de eventos inesperados, capazes de absorver e registrar, assim como khôra,

manifestações e usos e logo, voltar à condição infraestrutural, de suporte.

Há estruturas capazes de absorver significados diversos e diferentes do projetado pelo autor,

como infraestruturas que são ocultadas por edifícios ou lugares urbanos, já que são

consideradas, em sua maioria como elementos articuladores entre pontos distantes.

As infraestruturas vêm sendo encaradas como elementos potencializadores de eventos, sem

que sejam direcionados a maneiras pré-determinadas de usos, exatamente por não se tratarem

de espaços dominantes ou possuírem uma forma determinada, ajustam-se às diversas

apropriações e manifestações.

A possibilidade de combinações entre os espaços dominantes, motivadores de ocupação e os

infraestruturais, intensificadores de usos, justifica a existência e garante a vitalidade dos dois

espaços, embora as infraestruturas arquitetônicas ao contrário de edifícios ou lugares, não

possuam uma percepção e apropriação imediatas, esta característica garante a criação por

parte dos usuários.

O processo infraestrutural passa pela valorização dos intervalos, dos interstícios, trabalha a

relação entre um mundo materializado, estável e o campo das impermanências, possibilita o

surgimento de eventos e converte-se numa estratégia projetual, intencional.

A arquitetura lida com questões culturais, sociais e técnicas, mas não deve ignorar àquelas

relacionadas ao significado, neste sentido o conceito de entre para os espaços infraestruturais,

seria o elemento articulador de situações, absorvendo enquanto suporte diversos significados.

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O entre como um espaço infraestrutural é articulador. Assim temos uma condição dinâmica de

diferenciação, tomando diversas configurações, espaços são articulados por contaminações,

onde o interior revela sua força projetual no exterior, por exemplo; dentro e fora da estrutura

ao mesmo tempo, coloca-se entre ser um complemento e um suplemento à arquitetura, como

já foi citado é o que faz Zaha Hadid em seu projeto em Viena, o conjunto de blocos de

apartamentos sobre uma estação de metrô spittelau e um viaduto (projeto do arquiteto Otto

Wagner) e de um ramal férreo desativado, hoje transformado em uma ciclovia (que se

prolonga ao longo de um canal do rio Danúbio, atravessando a cidade), segundo Guatelli, o

programa adicional inscrito, que será o conjunto de apartamentos, fortalece uma situação ao

trazer outras possibilidades de existência para as três linhas infraestruturais urbanas: o

viaduto, o metrô e o rio. Essas linhas de força infraestruturais passam a fazer parte de uma

nova condição espaço temporais, o programa é uma estratégia de reativação de um elemento

urbano que até então não era usado, poderíamos dizer que não era visto, percebido, em nível

local tem sua existência reduzida, incapaz de gerar urbanidade, mas em sua dimensão global,

com a articulação criada, infra e supraestruturas, favorecem a invenção de outra situação, um

por vir urbano.

O exterior é o que vem de fora, constituindo uma condição suplementar, não chegaria para

completar algo, mas para desestabilizar os sentidos tidos como adequados ao suporte.

Com essa arquitetura, resultante de um deslocamento das verdades históricas, tomada como

descontrucionista e seguidora de preceitos advindos da filosofia pós-estruturalista, pensada

com conceitos, desviou-se o interesse para os intervalos, os vazios, isto significa que o espaço

não é mais secundário à forma; o espaço entre as formas constitui o lugar para as ações não

previstas, geradora de conflitos que resultam em novas relações, onde função e forma são

enriquecidas, como condições para o porvir, as possibilidades de atividades, são

possibilidades programáticas, originárias das intervenções e do movimento dos usuários no

espaço, por isso nunca completamente terminado, mas aberto às diversas manipulações do

público.

Procuramos questionar como o programa, nessas arquiteturas pode se constituir, já esteve

quase sempre vinculado às definições idealizadoras e totalizantes, que determinavam usos

adequados.

O programa passa a ser compreendido como programação de situações geradoras de

acontecimentos, ativando o suporte e o lugar urbano enquanto a articulação garante a força

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projetual desses elementos, utilizando-se muitas vezes de um mínimo efeito programático

para obter um máximo efeito urbano.

O mínimo programático é uma estratégia para um processo de ativação e ocupação de espaços

urbanos, ocorrem em suportes urbanos que serão atingidos por um movimento de

desterritorialização para logo se reterritorializarem.

François Ascher (2011) em seu livro, Os novos princípios do urbanismo, publicado em 2001,

elabora o conceito de “neourbanismo”, advindo do processo detectado e denominado por ele

na obra, como a “terceira revolução urbana moderna”, uma nova etapa de modernização das

sociedades ocidentais, fruto do impacto causado pelas chamadas, tecnologias da inteligência,

que produziram efeitos como o da conexão planetária e geram novas formas de pensar e agir,

assim questiona e atualiza categorias que estavam contidas nas concepções das cidades.

Investiga neste processo, o da concepção de seu pensamento, como criar cidades justas, que

funcionem e sejam atrativas para a sociedade hipertextual, participante do capitalismo

cognitivo.

O urbanismo moderno determinava planos de longo prazo para as cidades aplicando diretrizes

de organização espaciais definidas através dos planos diretores.

Como na sociedade e nas cidades contemporâneas não há como controlar o futuro, o conceito

de “neourbanismo” é definido justamente por não corroborar deste princípio, mas por elaborar

múltiplos projetos de natureza variada, dispõe de uma gestão estratégica para sua

implementação conjunta, leva em consideração desdobramentos e mudanças. “Articula de

forma inovadora as oscilações, o curto e o longo prazo, a pequena e a grande escala, os

interesses gerais e particulares. É, ao mesmo tempo, estratégico, pragmático e com senso de

oportunidade.” (ASCHER, 2011).

Nesta nova concepção de urbanismo o projeto não é “somente um desígnio acompanhado de

um desenho” (ASCHER, 20011), mas é responsável por revelar potencialidades e limitações.

Ele (o neourbanismo) substitui essa linearidade, diagnóstico, a identificação das necessidades

e a elaboração eventual dos cenários, a definição de programa, o projeto, a realização e a

gestão, por um processo heurístico, interativo, incremental e recorrente: “através de ações que

servem simultaneamente para elaborar e provar hipóteses, com realizações parciais que

reinformam o projeto e permitem procedimentos mais cautelosos e duráveis, pelas avaliações

Page 66: Simone Sousa Silva O SER E O OUTRO: AGENCIAMENTOS ...

66

que integram o feedback e que traduzem na redefinição dos elementos estratégicos.”

(ASCHER, 2001).

O neourbanismo, segundo Ascher (2001) não busca simplificar realidades complicadas e se

esforça, antes de tudo, em dar conta de territórios e situações complexas. Seu desempenho é

obtido pela variedade, flexibilidade e capacidade de reação.

O neourbanismo deve combinar possibilidades de conceber espaços múltiplos de n dimensões

sociais e funcionais, hiperespaços que articulem o real e o virtual, repelindo estratégias

conservadoras e advogando em favor de ações experimentais.

Ascher (2001) afirma que, a sociedade hipertexto, composta de multipertinências, de

mobilidades e de territórios sociais de geometria variável, confronta o neourbanismo com uma

diversidade de interesses e com uma complexidade de desafios que dificilmente podem se

materializar em interesses coletivos estáveis e aceitos por todos.

O urbanismo moderno com sua ideologia funcionalista esforçou-se por generalizar suas

concepções globais para as cidades.

“O neourbanismo, por outro lado, admite a complexidade e deve propor uma

variedade de formas e ambientes arquitetônicos e urbanos a uma sociedade

cada vez mais diferenciada na sua composição, nas suas práticas e gostos. Confrontando com uma cidade cada vez mais móvel, nas quais os atores

ampliam a sua capacidade de escolha de localização, o neourbanismo deve

seduzir. Esforça-se em propor um tipo de urbanismo à la carte, que oferece combinações variadas de qualidades urbanas.”(ASCHER, 2001)

O neourbanismo enfrenta grupos sociais diversificados, territórios social e espacialmente

heterogêneos. Necessita de novas formas de concepção e realização das decisões públicas.

O neourbanismo que se esboça, trata-se menos de fazer planos do que de aplicar dispositivos

que os elaborem, é um urbanismo reflexivo, onde o conhecimento e a ação são produzidos

antes, durante e depois da ação, torna-se, plenamente, um instrumento de conhecimento e

negociação; é um urbanismo multissensorial, que enriquece a urbanidade do lugar.

Há pouco espaço para o inesperado em arquitetura, para a imaginação social, mas nesta

arquitetura que privilegia os espaços entre, os interstícios, busca-se o seu enriquecimento e do

sujeito que a usa, introduzindo-o em um processo de questionamentos de crenças e valores,

em favor da aceitação do outro.

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67

Também o sujeito é levado a refletir e à desestabilização, pois seu sistema de crenças é

questionado, assim pode transgredir, estaria porvir, assim como os espaços infraestruturais,

esses espaços livres de pré-configurações, instáveis, não constituídos, estabelecendo

articulações com os espaços estáveis, dominantes; esse homem, da mesma forma que a

arquitetura, está sempre em processo, abandona suas posições iniciais, deslocando-se a outros

pontos, resultado das diversas apropriações do espaço que constituem a passagem de um

sujeito passivo para um ativo, devido ao exercício da reflexão e da capacidade de exercer sua

liberdade.

O entre espaço em arquitetura, estabelece um campo rico à construção da subjetividade do

usuário e apesar de ser um gesto intencional de projetação, não determina uma finalidade,

nem intenta previsibilidades quanto a sua efetivação.

Como diz Bernard Tschumi (1999), na arquitetura, o que se deve interessar é sua capacidade

de servir e agir como recipiente.

Esse momento de instabilidade e desequilíbrio da chamada “Era da cultura”, da terceira

revolução urbana, foi explorado por Fábio Duarte no que ele chamou de “crise das matrizes

espaciais”. Duarte classifica o espaço em três categorias: o espaço conforme postulado

enquanto grandeza absoluta; o território desenhado pela geografia e delimitando as fronteiras;

e o lugar, marcado pela cultura enquanto espaço do cotidiano; e nos coloca o problema de que

hoje vivenciamos a crise dessas matrizes, a dissolução dos limites precisos dessas categorias

do espaço, e, por consequência, uma transformação nas formas de percepção do indivíduo.

Fábio Duarte revela ainda que a crise dessas matrizes começa com a emergência da tecnologia

e com a constituição de um espaço global que tende à desterritorialização. “Os veículos

tecnológicos atingiram o limite do tempo extensivo, reduzindo as distâncias no tempo que

permitiam a apreensão da procura, ao contrário, reconhecer nesse próprio desequilíbrio

emergente uma nova possibilidade para o processo de criação na arquitetura” (Duarte, 2002).

Criamos categorias espaciais especialmente em relação ao tempo em arquitetura, mas que

hoje, derivados de novos processos culturais, estão fragilizadas. Investigaremos relações

envolvidas entre agenciamentos, fruto da mistura, do contágio entre elementos heterogêneos,

que ao interagirem levam a um movimento contínuo de territorializações, desterritorializações

e reterritorializações, ou seja, todo estado territorializado, estável, pode ser reterritorializado

por situações que o desestabilizam e o impelem a ser outro em um movimento escorregadio e

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68

efetivo, afetivo, de devires, constituição de máquinas desejantes entre arquitetura e

urbanismo, arte e cidade.

“O sentido do espaço só existe a partir da experiência do ‘eu’; portanto, o

sentido do espaço da arquitetura não está no interior da abstração do espaço, no interior da arquitetura, na relação utilitária entre o cheio e o vazio, e

tampouco nas entranhas das paredes. Qualquer sentido que se possa atribuir

está fora dele, muito além de sua superfície. Está no interior de quem o vivencia, está nas pessoas que nele se deslocam constantemente.

Curiosamente transportamos o sentido do espaço para qualquer lugar aonde

formos. O espaço não é como crê a maioria dos arquitetos, uma realidade

rígida e válida para todos. Ele em si é tão plástico e imaterial como o próprio tempo, variando com os indivíduos, com os povos, com as épocas, e,

principalmente, com os pontos de vistas. Não existe um espaço objetivo e

autônomo do ser humano. Existem diferentes maneiras de perceber e compreender esse espaço ‘bruto’, lá fora, sem significação, à espera de

minha chegada.” (FUÃO, 2004).

3.1.1. Mobilidade e Desenvolvimento Urbano

A globalização e o processo de metapolização das cidades se sustentam das tecnologias de

transporte e de comunicação e alimentam seu crescimento, em nada essas tecnologias

enfraquecem a concentração metropolitana ou substituem as cidades reais por virtuais.

Os meios de transporte presenciais e os contatos diretos continuam sendo os meios de

comunicação privilegiados; a acessibilidade e a possibilidade do encontro são mais do que

nunca, riquezas urbanas, como assegura Ascher (2010).

No entanto, as telecomunicações contribuem para uma modificação dos sistemas de

mobilidade urbana, de bens e de pessoas e cria novas estruturas espaciais, por exemplo, o

comércio digital substitui parte da mobilidade física pelo transporte de informações, porém

não encerra o comércio tradicional o recompõe.

O uso de meios de transporte rápido, como o metroviário ou as ferrovias, junto as tecnologias

de informação e comunicação, afetam o centro geométrico das cidades, que deixa de ser o

lugar mais acessível em favor de multicentralidades.

A terceira revolução urbana não gera uma cidade imóvel, digital, mas uma cidade que se

move e se comunica, exigindo decisões de deslocamentos, animada por eventos e na qual a

qualidade dos lugares mobilizará sentidos e atuações.

Page 69: Simone Sousa Silva O SER E O OUTRO: AGENCIAMENTOS ...

69

O desenvolvimento de meios de transporte e telecomunicações abre para os indivíduos

vínculos entre espaço e tempo: “a distâncias físicas não se traduzem mais em tempos fixos de

deslocamentos, mas mudam conforme os modos de transporte e comunicação e segundo as

horas”. (ASCHER, 2010, p. 68)

Segundo Ascher (2010) os cidadãos podem arbitrar em um ritmo crescente entre uma

mudança de local (deslocamento) e uma mudança temporal (dessincronização). As

ferramentas que permitem modificar o tempo e o lugar das atividades humanas constituem

uma das principais características da nova revolução urbana.

Técnicas de dessincronização e ressincronização, de deslocamento e substituição são cada vez

mais solicitadas no cotidiano dos cidadãos das cidades contemporâneas.

Com isso, vemos que necessidades de comunicação, deslocamentos de bens e pessoas, enfim,

infraestruturas junto ao desenvolvimento urbano e socioeconômico sempre estiveram

enlaçadas e esta relação aumenta e se revigora é o que observamos nas cidades e em especial

na cidade de São Paulo, onde os objetos de pesquisa deste estudo concentram-se.

A economia da cidade de São Paulo, ou seja, todo o seu parque industrial, desde o princípio

beneficiou-se do sistema urbanístico e de infraestrutura para se desenvolver, atendiam a uma

lógica incipiente que era a do café, em um primeiro momento. A rede ferroviária oferecia

vantagens de infraestrutura, a São Paulo Railway (1867), ao interligar a capital do Estado, ao

litoral e interior.

A situação geográfica da cidade foi estratégica para que se tornasse polo industrial, além do

recurso hídrico disponível do rio Tietê que assegurava a operacionalização de máquinas e a

geração de energia.

As fábricas concentraram-se nos terrenos baratos e de topografia suave das várzeas do

Tamanduateí e do Tietê acompanhando o traçado da linha férrea, conformou também a

ocupação pelas moradias operárias dos bairros da Lapa, Água Branca, Barra Funda, Bom

Retiro, Brás, Pari, Belenzinho, Tatuapé, Mooca e Ipiranga, assim, condicionaram o

povoamento para novas direções.

Na década de 40, o sistema rodoviário passou a suprir a obsolescência do sistema ferroviário e

desta forma, Anchieta, Dutra e Anhanguera, recebem as novas indústrias, entretanto, não

excluem por completo a localização fabril junto às várzeas com a construção das marginais

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70

junto aos rios, nesta logística, passaram a compor eixos de articulação das rodovias com

bairros e distritos industriais.

A dimensão metropolitana foi assumida nas intervenções que buscavam sanar problemas

oriundos de um crescimento espraiado e periférico. Surgiram propostas de planejamento

urbano anterior à oficialização da rede básica de metrô da cidade de São Paulo em 1968.

O Programa de Melhoramentos Públicos (1950) de Robert Moses previa a circulação com

maior atenção para o aumento do transporte público.

Os planos posteriores contemplavam desde uma reorganização do espaço físico até a

racionalização e eficiência da rede de transportes coletivos. O raciocínio é pela busca de um

urbanismo que ampare o desenvolvimento com o tema recorrente da urbanização.

O Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (1971), com caráter regulamentador do

espaço em vigor por quase duas décadas, verteu grande parte dos investimentos às obras

viárias de incentivos á indústria automobilística. A Lei Geral de Zoneamento (1972) obteve

na Zona de Usos Especiais (Z8) base legal para planos de reurbanização das áreas entorno das

estações de metrô na década de 70.

Ao longo dos anos 60 e 70, a cidade passou a dispersar-se em suas atividades produtivas,

juntamente uniformizaram-se os problemas de escassez de infraestrutura e ganhou

notoriedade os problemas referentes à aglomeração urbana, como acessibilidade, áreas de

expansão e do transporte público.

Durante a década de 70, o sistema metroviário pouco influenciou a formação de núcleos

urbanos, já que inicialmente foi implementado na consolidada malha urbana, desta forma

perseguiu o crescimento urbano, atravessando o território para atender à demanda de um

transporte rápido e de alta capacidade. O primeiro metropolitano de São Paulo teve o primeiro

trecho da Linha Norte/ Sul em operação a partir de 1975.

A primeira versão de transporte subterrâneo em Londres já havia surgido em 1863, na época

um aglomerado de habitantes de mais de cinco milhões de habitantes, entretanto, a primeira

metade do século XX foi marcada pela expansão dos transportes individuais em decorrência

da produção automobilística.

Page 71: Simone Sousa Silva O SER E O OUTRO: AGENCIAMENTOS ...

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Diante dos inúmeros problemas urbanos causados pela intensa produção automobilística,

associado ao espraiamento da ocupação, intensificou-se a demanda por transporte coletivo

público.

A implantação do metrô então passou a ser uma solução para o transporte urbano, a despeito

de análises negativas, constatações sobre o impacto positivo do metrô nas cidades, trouxeram

não apenas um satisfatório desempenho no transporte público, também ressaltou sua melhor

capacidade de preservar centros urbanos, servindo como elemento de requalificação.

Diríamos que melhor do que requalificar, compõe favoravelmente, ou possui a capacidade

para colocar-se com a cidade e gerar a reativação de sistemas urbanos que em nível local

possam ter suas capacidades reduzidas.

3.2. Estações Metroviárias e as Ações que podem Provocar

A estação é o principal componente de uma infraestrutura de transporte, pois é dela que se dá

o acesso aos usuários, além de seu poder de provocar reações e interferências por intermédio

das articulações que cria.

Spit & Bertolini (1998) definem estas estruturas, segundo Natália de Carvalho como:

“(...) É um nó: um ponto de acesso a trens e, cada vez mais, a outros sistemas

de transporte; e, ao mesmo tempo, é um lugar: uma específica seção da cidade com concentração de infraestruturas, mas também com uma

diversificada coleção de edifícios e espaços abertos”. (SPIT &

BERTOLINI, 1998, p.09, Apud, Macedo, p. 62).

A percepção das estações vinculadas aos conceitos de nó e lugar colocavam as estruturas em

uma posição ativa, reagente com o espaço urbano é também estruturante de toda uma rede ou

sistema socioeconômico, já que conecta espaços urbanos, atividades e pessoas.

As estações quando implantadas, incorporam e atuam em parte da cidade, tornando-se um

lugar de onde expandem sua área de influência.

Compreendidas com a linha que conjugam, é neste percurso que geram seus efeitos, inclusive

negativos, como é o caso da especulação imobiliária, da expectativa de alteração de uso e

ocupação do solo.

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A evolução das metrópoles contemporâneas tem demandado novas tecnologias que acabam

por facilitar a mobilidade nas cidades, procurando ajustar-se ao espaço público, disponível

para todos, como local reconhecidamente de criação e comunicação social.

A segunda Linha do metroviário de São Paulo, o trecho Leste/Oeste, entra em operação em

1979, servindo uma região de alta densidade populacional, e não consegue suprir à demanda,

neste momento a instituição recorre a vários tipos de campanhas como estratégia de

aproximação com o público, tendo por objetivo amenizar estes problemas.

Entre estas campanhas, a Ação Cultural, iniciada em 1970, se caracterizou por eventos

transitórios de cunho artístico-cultural, como por exemplo, eventos musicais, exposições

itinerantes e foi oficializada em 1986 na época da implantação do projeto Arte no Metrô.

Atualmente o projeto Arte no Metrô possui mais de cem obras de arte implantadas nesses

espaços, entre painéis, murais, esculturas e outras obras permanentes, uma trajetória de trinta

e nove anos (1974-2013) em que este projeto vem sofrendo transformações conceituais

concomitantemente às mudanças ocorridas nos projetos dos espaços arquitetônicos das

estações. Na primeira linha, Norte/Sul, os espaços arquitetônicos não tinham sido projetados

para comportar obras de arte, o foco estava nas questões técnico-operacionais que visavam a

total eficiência no funcionamento do sistema.

A arte, enquanto suplemento, programa adicional a ser inscrito ao metrô, adota a lógica das

transformações ocorridas projetualmente nos espaços infraestruturais, advindas das mudanças

conceituais de projetação e da própria arte, supra-estrutura, implantada neste contexto e em

permanente metamorfose.

Na relação entre arte e espaço público, permeiam o terreno no qual a arte urbana se instaura

com maior ou menor força e significação. Participando assim, do processo de produção

simbólica do espaço urbano, a arte urbana, compreendida no plano das relações sociais e

agenciamentos, não pode ser estetizada, mostra os conflitos, contradições e relações de poder

que constituem o espaço.

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“Nesse contexto, processos de estetização, tratados como recursos de

estratégias econômicas, têm sido desenvolvidos em vários planos da

realidade material, urbana e social. Do ponto de vista urbano, têm sido associados às disputas pelas diferentes formas de capital cultural estimuladas

pela competição entre as cidades. Tal competição- espelhando aquela que

ocorre entre as empresas à busca de localidades sempre mais vantajosas –põe

em relevo a dotação estética e infraestrutural dos lugares, atentando ao potencial das suas particularidades históricas, artísticas e culturais”.

(HARVEY, 1993)

Associa-se a questões de identidade social e urbana, de gênero e expressões culturais que

possam vir a ocorrer, às condições de democracia.

A arte urbana como prática crítica, pode potencializar a ideia de tornar a cidade disponível

para todos os grupos sociais e com relação aos propósitos estéticos, o desafio a códigos de

representação dominantes, a introdução de novas linguagens e a redefinição de novos valores

e outras possibilidades de apropriação e usufruto dos espaços urbanos físicos e simbólicos.

Percorre vias de interrogação sobre a cidade e sobre como tem sido socialmente construída,

representada e experienciada.

Em um primeiro momento a concepção do partido arquitetônico, onde a obra de arte se faz

ausente, visto que os projetos arquitetônicos, imbuídos de características da modernidade,

visavam tão somente à eficiência do conforto e da funcionalidade para a rápida passagem dos

usuários por estes espaços. Neste momento foi observado, ainda, que o artista plástico era

chamado para com sua obra dissimular, uma necessidade técnica da arquitetura tendo muitas

vezes que fazer propostas em situações críticas quanto à liberdade de escolha ou problemas

com inusitados suportes, como foram os exemplos emblemáticos vivenciados pelas artistas

plásticas Renina Katz, na estação Sé e posteriormente Maria Bonomi na estação Luz.

Num segundo momento, a obra de arte comparece somente após a conclusão da arquitetura e

mostra que em alguns casos a sua presença é inadequada ou até invisível; num terceiro

momento, em que há mudanças na postura do arquiteto do projeto, entre estes, Roberto

Macfadden, ao pensar e prever, desde o início, espaços para posterior inclusão de obras de

arte; ainda neste terceiro momento, um caso mais exemplar, surge com uma feliz conjunção

de posturas do arquiteto João Batista Martinez Correia e da artista plástica Amélia Toledo

para a produção simultânea de arquitetura e da obra de arte ocorrida recentemente na

experiência com a estação Arcoverde no Rio de Janeiro. Também podemos citar o caso da

Estação Sumaré em São Paulo, projeto do arquiteto Roberto Loeb com as obras de Alex

Fleming.

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74

O projeto Arte no Metrô, como tentativa de aproximação da empresa com o público,

propiciou um novo enfoque para esta questão envolvendo novas relações de interação entre a

criação de espaços públicos e sua dinâmica de uso pelo habitante da cidade.

Neste contexto, a interação entre Arte/Usuário permite reflexões sobre os possíveis caminhos

para que sua ocorrência, mesmo que não seja de maneira ideal, ofereça estímulos que

minimizem os obstáculos que impedem a comunicação com a obra de arte através de suas

linguagens e possibilidades de se manifestar como arte pública.

A transformação do uso do espaço urbano gerada pela modernidade modifica o

comportamento dos usuários da cidade, cujo objetivo é chegar ao final do trajeto, que é o seu

destino, pois “o durante” é passageiro e não importa, por ser opaco e desfocado. A paisagem

passa rapidamente através da janela do seu carro, do trem do metrô ou de outros meios de

transporte, modificando a percepção das relações tempo-espaço, causando uma espécie de

vertigem das linhas de fuga, como Virílio denomina a sensação de duplicação das linhas de

fuga no ajuste do olhar, quando se está em grande velocidade. (VIRÍLIO. 2005, p.111)

A cidade passa a ter a dinâmica de uma máquina, criando solicitações que não são mais

características do comportamento humano, nem de sua escala e sim, características de uma

sociedade que entra num processo que Augé chama de supermodernidade, organizada pela

superabundância de fatos, por superabundância espacial e pela individualização das

referências.

A dimensão do mundo da supermodernidade não é exatamente a dimensão que conhecemos,

pois o espaço construído não é apenas o espaço físico, mas também os efeitos que afetam a

consciência do tempo e do espaço, assim como a percepção do meio.

A conformação inicial dos espaços arquitetônicos foram complementados com a posterior

colocação de obras de arte que fazem parte do projeto Arte no Metrô. Este projeto surgiu em

decorrência de necessidades de solução de conflitos gerados por usuários da linha

Leste/Oeste.

Uma primeira apreensão das obras, quando foram instaladas com um caráter mais funcional,

faz com que os usuários apresentem uma postura de assimilação utilitária ou de não

reconhecimento de sua existência.

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75

Neste espaço funcional das estações de metrô cuja modernidade se impõe através do projeto

arquitetônico e onde os usuários atravessam tais espaços sem o contemplarem, os artistas se

defrontam com um desafio de fazerem visíveis as suas obras. Há mais de cem obras,

distribuídas em várias estações do metropolitano de São Paulo.

A Estação Sé, pioneira na implantação de arte, interna e externamente aos seus espaços é um

importante ponto nodal, cruzamento das principais linhas: azul, Norte/Sul e vermelha,

Leste/Oeste comporta um enfoque mais demorado pelas suas características.

Como se dá a apropriação dos espaços e serviços do metrô pela população, há um impacto

coletivo, sociopolítico.

Hoje o metrô faz parte do que Augé (2005) chama de supermodernidade, definida e

caracterizada por três itens que fazem parte do tempo contemporâneo advindo das intensas

transformações ocorridas durante o século XX, que são o excesso de tempo, o excesso de

espaço e o excesso de referências individuais.

O excesso de tempo é gerado pela diminuição do distanciamento necessário para assimilar os

acontecimentos históricos, levando-nos a uma percepção acelerada através dos meios de

comunicação de massa e digital.

O excesso de espaço muda a escala, pois o transporte ultrarrápido nos transporta em pouco

tempo a qualquer parte do mundo, e a comunicação em rede nos mantém conectados aos

lugares mais remotos da face da terra e do espaço. (AUGÉ. 2005, p 34)

Os parâmetros da modernidade e da supermodernidade podem auxiliar no entendimento do

período em que se implantou o metropolitano na cidade de São Paulo, a arquitetura e o

ambiente que condicionaram a conduta dos usuários e a sua percepção do entorno.

O metropolitano de São Paulo iniciou comercialmente a operação em 1974, introduzindo os

usuários da cidade a uma nova era de tecnologia da velocidade. Esse processo transforma a

paisagem urbana, criando vazios à espera de valorização estimulados pela especulação

imobiliária e a expulsão da população de baixa renda para periferias mais distantes, ao mesmo

tempo em que reformula os espaços urbanos em torno das estações de metrô, como praças,

comércio, serviços e outros equipamentos públicos, inclusive de integração com outros meios

de transporte como trens, ônibus e automóveis.

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Um breve histórico das decisões que nortearam a implantação da rede metroviária para a

cidade de São Paulo permite compreender e situar diferentes perfis e demandas de usuários

em função das regiões que se organizam por classes sociais sinalizando reflexos na definição

e escolha de critérios.

A linha Norte/Sul se contrapôs à linha Leste/Oeste caracterizada, segundo estudos, pela

necessidade de atender a um maior contingente populacional de trabalhadores. Entretanto, a

implantação da Leste/ Oeste exigia acordos institucionais com as ferrovias estaduais e

federais, o que requeria negociações mais complexas e mais demoradas.

Essas premissas apontaram como primeira opção a linha Norte/Sul (1975), chamada de linha

azul, e a segunda, linha Leste/Oeste (1978), vermelha, tendo a Estação Sé, como ponto de

conexão das duas linhas.

A linha verde (1991), primeira linha não radial liga Vila Madalena à Vila Prudente, unindo os

espigões das avenidas Paulista e Dr. Arnaldo, eixo econômico e financeiro e polo de cultura

com os bairros da região sudeste e próximos à Via Anchieta, atingindo a região de

Sapopemba. Este traçado comporta o maior complexo hospitalar da cidade de São Paulo, que

pela importância e excelência abrange extensão estadual e nacional. A linha verde ainda se

conecta com as estações Paraíso e Ana Rosa da linha azul; e a linha lilás (2002) que liga

Capão Redondo à estação Santa Cruz da linha azul, ainda não concluída totalmente.

A linha 4 - amarela (em execução) conectará a região do Morumbi à Estação da Luz.

Articulará a futura linha 7 - celeste à linha 2 - verde, à linha 3 - vermelha e aos ônibus urbanos

provenientes de Taboão da Serra e eixo Francisco Morato e aos bairros V. Sonia, Butantã e

Pinheiros.

A construção da Linha Leste /Oeste, que entra em operação a partir de 1979, produziu

renovação urbana, acarretando desapropriações, consistiu na demolição de áreas deterioradas,

canalização de córregos, construção de viadutos entre outras operações. Passa a entrar em

operação com a linha Sé-Brás, seu fluxo se dá em direção contrária à Linha Norte/Sul.

O Terminal Tietê é inaugurado em 1982 e intensifica a demanda da infraestrutura

metropolitana.

O metrô de São Paulo busca uma aproximação com o usuário através da implantação do

programa Arte no Metrô como suporte.

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Capítulo 4

ANÁLISE DOS CASOS

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4.1. O CASO DA ESTAÇÃO SÉ E A RECONFIGURAÇÃO DA PRAÇA.

A Praça da Sé, espaço público por excelência, local de significativas manifestações, passou

durante os anos 70 por um processo de reconfiguração e intervenção visual.

Contrariando o projeto, o local passou a ser cada vez mais degradado, e com a implantação do

metrô em seu subterrâneo, pensou-se que a situação poderia ser revertida.

O que pesquisadores verificaram, como a museóloga, Radha Abramo, foi que a Estação da Sé,

desencadeou o processo de agravamento da situação. A praça imensa e os respiradouros do

metrô causaram a poluição visual do local.

Para o projeto de reestruturação, foi proposto o museu das esculturas, foram instaladas 15

esculturas na praça e uma no interior da estação, em 78 foram instalados dois murais na

estação: Colcha de Retalhos de Cláudio Tozzi e Sem Título de Renina Katz.

Os espelhos d’água e as cascatas, construídos em escala reduzida, não se integram ao

conjunto. Platôs, escadas impedem o cruzamento de maneira mais acessível. Como diz

Lucrecia Ferrara, “o espaço foi projetado para a escala do monumento e não do uso”.

Os elementos, as obras artísticas e mesmo os componentes da praça, não proporcionaram um

uso adequado aos usuários que contribuísse social e culturalmente para a diversidade do

público.

O projeto não condiz com o uso para lazer, manifestações cívicas, circulação ou informação

para a população.

A ilegibilidade do espaço, a poluição visual e por fim, o usuário como elemento catalisador,

passa a ser questionado neste contexto do projeto, pois o deixa de ser, na medida em que

ignora seus elementos, que encontra dificuldade em seu uso.

Seguindo o que já acontecia em estações do mundo inteiro, amplos espaços de mezaninos,

jardins internos e externos, corredores de acesso às plataformas e plataformas de embarque e

desembarque, ou seja, esses elementos infraestruturais, sem prefigurações, que aceitam

qualquer uso, passaram a serem entendidas como espaços propícios às intervenções, ao

surgimento dos eventos, registram tais solicitações, mas a qualquer momento voltam a sua

condição infraestrutural.

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79

A inserção da arte aconteceu com a introdução de apresentações de música e de algumas

obras plásticas, os usuários responderem positivamente o que resultou no projeto Arte no

Metrô, idealizado pela historiadora e museóloga, Radhá Abramo, tomou forma com a

inauguração da estação Sé em 1978, mas só tomou força em 1988.

Portanto, apesar do Projeto Arte no Metrô não ser nosso objeto de estudo, mas no caso das

estações, arte, arquitetura e infraestrutura estão conceitualmente imbricadas na fundação do

metrô em São Paulo.

O significado da arte urbana e sua concretização no domínio público se dão em meio a

espaços permeados por conflitos. Marcio Glycério Freitas, um dos coordenadores do projeto

Arte no Metrô, afirma que entre as primeiras iniciativas para amenizar a descontinuidade

criada entre a Praça da Sé e a estação subterrânea que se descobriu “a monumentalidade das

estações e a adequação da arquitetura para conter obras de arte”. Em seu texto reforça a ideia

de estreitar relações com os usuários através da arte, A arte aliada à técnica poderia valorizar a

arquitetura e levar aos espaços áridos do metrô maior qualidade de vida.

A escala monumental da Praça produz o que observamos como microterritorialidades e

micropolíticas, criou-se grupos que se encontram em localidades estratégicas, são aqueles

destinados à venda de drogas, moradores de rua que unem-se para dormirem com mais

segurança em outros pontos. Ao mesmo tempo, há espaço para as pessoas que desejam apenas

sentar-se e permanecer na praça, realizar atividades esportivas, enfim, dinâmicas peculiares

acontecem também pela descontinuidade entre o espaço e a estação, diríamos que

movimentos de instauração de lugares e não lugares são continuamente produzidos, aqui e

alhures.

A estação Sé, assim como a praça, possui uma escala monumental, a arte enquanto suporte

segundo o depoimento de um dos coordenadores do Projeto Arte no Metrô, procurou

amenizar esta descontinuidade, que constatamos ao vermos no interior do metropolitano em

muitos pontos, espaços subutilizados.

Entretanto, há uma tentativa de gerar urbanidade quando ocorre a inserção da claraboia e a

integração do ambiente subterrâneo com o entorno que se dá nestas aberturas para a

penetração da luz natural.

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Estação Sé, sombra em movimento da queda d’água.

Foto: Wellington Nagano

Fonte: Foto da Autora

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Fonte: Foto da Autora

Fonte: Foto da Autora

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Fonte: Foto da Autora

Estação Marechal Deodoro. Fonte: skyscrapercity.com

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Estação Marechal Deodoro. Fonte: Metrô

Na estação Marechal Deodoro, acontece algo semelhante, grandes vãos são abertos para a

entrada de Luz natural, onde encontra-se um projeto paisagístico e obras de arte, mas não há

articulação alguma com a cidade, já que este espaço é inacessível e toda a estação encontra-se

cercada por grades.

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Estação Sé. Fonte: Metrô

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Estação Sé. Fonte: Metrô

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Estação Sé. Fonte: Metrô

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Fotos: Praça da Sé. Fonte: Ewely Branco Sandrin

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4.2. Estações de Metrô: Instauração de Não Lugares?

O conceito de lugar ocupa uma posição fundamental nas reflexões sobre a arquitetura,

recentemente devido aos avanços tecnológicas, reflexões estas, mais afeitas à ideia de aldeia

global desenvolvida por MacLuhan que precipitam o homem para uma cultura do lugar sem

lugar.

“O lugar é o espaço habitado e a garantia de coerência e ligação entre as

coisas e o mundo. É através do lugar que a realidade é alcançada e é por

meio da realidade que o lugar é mantido. O ser do lugar está na qualidade de

ser causa, isto é, de não ser inerte ou passivo, o lugar é causa de, e não

causado por”. (SIMÃO, 2011)

A identidade humana e a liberdade estão ligadas ao pertencer a um lugar e a arquitetura seria a

concretização do seu habitar.

A hospitalidade em sentido Derridiano é infinita, incondicional, experiência do acolhimento

ao estrangeiro, movimento do pensamento aberto e voltado ao impossível ou ao outro, à

iminência do que vem e acontece.

No pensamento derridiano a hospitalidade é sempre uma coisa desconhecida, não é do

domínio do saber tornado programa de ação, mas do domínio da invenção, do pensar e este já

é paradoxalmente o agir, responder em ato, “para quem hospitalidade e responsabilidade

incondicionais são o verso e o reverso de uma mesma atitude”. (BERNARDO, 2005)

Já Marc Augé (1994), defende que os lugares são identitários, históricos, um espaço que não

se configura como relacional, identitário ou histórico, constituirá um não lugar.

Lugares e não lugares seriam polaridades fugidias, o primeiro nunca é totalmente apagado e o

segundo não se realiza totalmente. “Os não lugares, contudo, são a medida da época; (...), as

vias férreas, ferroviárias, rodoviárias e os domicílios móveis considerados “meios de

transporte”, os aeroportos (...), enfim redes a cabo ou sem fio, que mobilizam o espaço

extraterrestre para uma comunicação tão estranha que muitas vezes só põe o indivíduo em

contato com uma outra imagem de si mesmo”. (AUGÉ, 1994)

Augé segue com a definição de Michel de Certeau,

“Ele não opõe, por sua vez, os “lugares” aos “espaços”, como os lugares aos não lugares. O

espaço para ele é um lugar praticado, “um cruzamento de forças motrizes”: são os passantes

que transformam em espaço a rua geometricamente definida pelo urbanismo como lugar”.

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Para Michel de Certeau, praticar o espaço é a experiência de no lugar, ser outro e passar ao

outro, experiência da diferenciação e do reconhecimento de si.

Porém como diz Augé (1994), se espaço for a consideração da prática dos lugares, existem

espaços onde o indivíduo é a penas espectador, sem que a natureza deste o importe de fato.

Do ponto de vista dos artistas e do Projeto Arte no Metrô, Regina Silveira, por exemplo,

define os espaços das estações como “secos e limpos”, passagens “despersonalizadas para

trânsito rápido”, “olhares indiferentes”, características interpretadas como um “desafio para os

artistas” (SILVEIRA, 2012). Para Amélia Toledo, “são um campo de percurso de pedestres e

ao mesmo tempo estágios desse percurso. Locais de pedestres que convivem com o piso, com

as paredes, com o teto” (TOLEDO, 2012). Carlos Fajardo, em referência ao livro de Michel

de Certeau, “Invenção do Cotidiano”, entende que lugares como metrô, estações de trem, “são

o que a gente pode dizer que é o espaço é um lugar praticado”, assim a rua geometricamente

definida por um urbanismo, é transformada em espaço pelos pedestres” (FAJARDO, 2012).

Para Waldemar Zaidler, em entrevista, não se tratam de espaços de passagem e nem de não

lugares.

“A questão do espaço não é uma questão inerente ao espaço. É uma troca e

que envolve o ser vivente naquele espaço. A ontologia do espaço é dividida

com o ser que nele vive. O espaço de passagem está muito mais ligado a

uma questão da ambiência, que é revelada neste espaço, e a ambiência depende de quem tá ali. Então qualquer espaço é espaço de passagem e

nenhum espaço é espaço de passagem”. (ZAIDLER, 2012)

Os artistas, Regina Silveira, Amélia Toledo, Carlos Fajardo e Waldemar Zaidler, concederam

estes depoimentos à pesquisadora, Ewely Branco Sandrin em 2012.

No espaço que configura a Praça da Sé, por sua monumentalidade, assim como, na estação,

inscrição material do metroviário na cidade, observa-se que de fato, como afirma Lucrécia

Ferrara, “o espaço foi projetado para a escala do monumento e não do uso”, não há uma

prática efetiva do espaço, nem ao menos o reconhecimento de si, pela própria ilegibilidade do

lugar.

Portanto, também não há geração de urbanidade; pois o indivíduo é apenas espectador e o que

buscamos é a prática do espaço, a sua tomada pelo usuário para as mais diversas

manifestações.

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90

De fato, o metrô é uma linha de deslocamento, mas sua força projetual pode ativar lugares,

tanto nos pontos que liga em escala urbana, quanto em escala local, devido às possibilidades

de apropriação que pode gerar; é o caso da estação Sumaré, aonde a estação e a linha de

deslocamento do metrô que chega e compõe-se com o viaduto, promovem diferenciados usos,

inclusive permanências, prática de esportes na estrutura, o viaduto, e não apenas translado.

São estas arquiteturas infraestruturais que provocam o acontecimento que buscamos como

referências de projetos que deslocam, desestabilizam para gerar conflito e criação.

Page 91: Simone Sousa Silva O SER E O OUTRO: AGENCIAMENTOS ...

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4.2.1. O caso da Estação Sumaré

A maior parte dos espaços em arquitetura encontra-se pré-configurada em programas que

refletem culturas e valores rereferentes a uma época. Ao contrário, os espaços infraestruturais,

como já o dissemos, funcionam momentaneamente dissociados de forma e conteúdo.

A Estação Sumaré suporte adicional, o programa inscrito no já existente, passa por um

processo de mutação de suas funções, pontas de desterritorializações e reterritorializações, ou

seja, o viaduto da Av. Doutor Arnaldo que compõe com a estrutura metroviária, e desta

maneira, potencializa usos diversos para si, como a prática de esportes, como o rope jump, por

exemplo.

Capazes de superar aquilo que parece ser da natureza do objeto ou território para que a partir

desta condição frágil se estabeleça um movimento de contaminação suplementar, uma

condição hibridizada, assim discutem-se possibilidades de “des-limitação” do objeto

arquitetônico e de mediação com a cidade.

A infraestrutura, sempre ocultada, passa a desempenhar um importante papel formal,

funcional e simbólico da própria arquitetura e da cidade, flexíveis quanto às possibilidades de

ocupação, esses suportes vazios estruturam e organizam o funcionamento dos espaços

principais.

O espaço metropolitano é constituído por uma justaposição de territórios em permanentes

tensões e articulações, agenciamentos que garantem a condição de um poderoso suplemento,

constituindo uma ameaça ao estabelecido.

O programa adicional inscrito em uma condição arquitetônica ou urbana produz uma nova

racionalidade que se permite contaminar por outra intuição de espaço, um meio interativo,

constituído por eventos.

Daí justifica-se a abordagem da averiguação em consoante com o pensamento filosófico pós-

estruturalista, responsável pelos deslocamentos de verdades históricas, tecendo portando, uma

crítica aos sentidos e significados aceitos como princípios arquitetônicos incontestes.

A arquitetura enquanto inscrição material possui a potencialidade de desajustar o sentido dado

ao ressignificar um lugar. Resta-nos buscar estratégias de reativação urbana, de algo que

construa dinâmicas capazes de provocar reações.

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A virtualização é um dos vetores de criação de realidade, uma filosofia do acontecimento. A

virtualização não se contenta em aniquilar o tempo ou o espaço, ela inventa qualitativamente

novas espacialidades, produz contaminações constitutivas.

O virtual é um complexo problemático, um complexo de situações que acompanha um

acontecimento e exige uma resolução, reorganiza uma problemática que receberá diversas

interpretações e será chamada de processo de atualização. “Por outro lado, o virtual constitui a

entidade: as virtualidades inerentes a um ser, sua problemática, o nó de tensões, de coerções e

de projetos que o animam , as questões que o movem, são uma parte essencial de sua

determinação”. (LÉVY, 1996, p. 16)

Em arquitetura, a atualização de um projeto em situação de utilização desencadeia conflitos,

desbloqueia situações, desqualifica certas competências, instaura uma nova dinâmica,

micropolíticas urbanas se formam e se desfazem e instauram uma condição frágil para o

surgimento da alteridade, configura o movimento do devir-outro, enfim a atualização

responde ao virtual, à problematização, mais do que anunciar um novo pensamento, ela é uma

suma de pensamentos que relaciona por expressarem, em maior ou menor grau a diferença.

Proporcionamos situações urbanas, que denominamos agenciamentos programáticos ao

articular elementos heterogêneos que ao interagirem, produzem pontas de desterritorializações

e reterritorializações em territorialidades aparentemente estáveis, é o caso do estudo que

fazemos, com a adição das estações de metrô, interferências e reações são provocadas, com

isso, capacidades urbanas antes reduzidas, por intermédio dessa articulação, formam um

microecossistema em permanente influência com a cidade, geramos outras situações, um

porvir urbano, essas localidades se fortalecem.

Ao deformar o existente propiciamos que uma situação ou objeto potencializado em seu ser

(um local na cidade, um viaduto, como o Doutor Arnaldo, que citamos) adquira a

possibilidade de um “vir a ser”, fazendo com que venha a fazer parte de uma nova condição

espaço-temporal. Algo como um para além da obra, além da existência, que se compõem com

o que já pertencia ao território, à pré-existência, e posiciona-se com o outro, trazendo a

emergência da alteridade, hibridizada, fundida a algo para além dela.

Se tomarmos o projeto da estação de metrô Sumaré em São Paulo, sob o viaduto da Avenida

Doutor Arnaldo que atravessa Avenida Sumaré, compondo com o viaduto, sua estrutura é

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93

independente, adição, poderoso suplemento que fortaleceu tanto a avenida quanto o próprio

viaduto, que também é uma linha de deslocamento na cidade.

Fortalecimento dos dois eixos, tanto o transversal, no qual o viaduto e a própria linha do

metrô encontram-se, rotação do eixo da linha verde e da composição do metroviário,

tradicionalmente implantado longitudinalmente na cidade, fortalecimento também do eixo

longitudinal composto pela avenida, pela própria arquitetura da estação com sua visibilidade,

volta-se para a cidade e vice-versa, em seus vidros temperados e contemplados com outra

adição, as obras de Alex Fleming, O corpo e a identidade, obras que integram a instalação da

Estação Sumaré do Metrô de São Paulo que remetem a fotos de documentos burocráticos

culturalmente revivificadas por textos literários de escritores brasileiros.

Fonte: Foto da autora

Seus elementos geram uma percepção mutante: o viaduto compõe-se com o metrô, deslocam

os sentidos dados, ao mesmo tempo em que adicionam o lugar da permanência, o abrigar,

habitar, com o uso da estrutura (o viaduto), o uso da localidade facilitado pela linha

metroviária, à contemplação da Avenida Sumaré possibilitada pela visibilidade da Estação em

seus espaços constituídos por vidros temperados e da obra de Alex Fleming que leva a

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construção de um olhar sobre a nossa própria identidade, constitui também o local da

passagem e da articulação entre situações, o fortalecimento da linha conectora que em sua

existência reduzida localmente gera urbanidade ao conectar as duas pontas (as extremidades

da Linha Verde do metrô), uma organização que se atualiza numa pluralidade de versões.

O viaduto, momentaneamente se “desterritorializa”, ao abandonar o espaço geográfico para

ocupar o espaço das problematizações e atualizar-se, ao abrigar a Estação Metroviária,

desabilita sua função de linha conectora e de deslocamento, diríamos que assume um estado

de não presença para inscrever o território de permanência, onde se re-territorializa

primeiramente com uma nova qualidade e novamente se verifica o mesmo processo no metrô

enquanto linha de deslocamento.

Fonte: Felipe Golfeto

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95

Fonte: blogspot.

Viaduto da Avenida Doutor Arnaldo visto da Avenida Sumaré

Fonte: http://blagus.blogspot.com.br/2009/07/vida-de-ponte.html

No parapeito do viaduto Doutor Arnaldo para saltar, os esportistas denominam esta prática de “rope jump”

A expansão da comunicação e generalização dos transportes rápidos participa do mesmo

movimento de virtualização da sociedade, da “mesma tensão em sair da presença” (LÉVY,

1996, p. 23). A revolução dos transportes metamorfoseou o espaço e cada novo agenciamento,

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96

acrescenta um espaço-tempo, uma cartografia especial, em que as durações se interferem e se

respondem.

A força dos projetos encontra-se, em um sentido deleuziano, nas situações que pode gerar

pelos agenciamentos programáticos, ou seja, estratégias de montagem dos suportes que

podem proporcionar articulações de maneira não programada e situações instáveis com

relação aos usos.

Uma situação definida por um “entre ser uma coisa e outra”, produzido na “articulação do

definido em direção ao indefinido” (GUATELLI, 2012, p. 23). Ou seja, permite que a partir

de algo existente, emane o outro, o novo, nesse processo, provocado pela troca construída

entre os projetos, um ser- com, que se fortalece ao constituir-se com algo além dele próprio,

corroboram para que reforcem e re-signifiquem os objetos, o espaço.

A força destas intervenções, como o dissemos, encontra-se além delas, está no que produzem,

em um primeiro momento, no deslocamento dos significados associados aos projetos

considerados, que propicia manifestações geradas com as diversas apropriações. Segundo

Guatelli “a dimensão infraestrutural da arquitetura representa a possibilidade do

desprendimento de pontas da cadeia previamente montada em direção a encadeamentos

outros” (GUATELLI, 2012, p. 106).

A função infraestrutural nas cidades sempre foi o de articular dois pontos distantes, sem

participar das dinâmicas sociais locais, entretanto observamos que um processo de mudança

vem se estruturando, as infraestruturas passam a ser compreendidas como projetos

intencionais potencializadores de acontecimentos, ou seja, ao facilitar o aparecimento de

manifestações imprevistas, que seriam os eventos, a prática infraestrutural toma a condição de

estratégia técnica, é articuladora e sem condicionar formas ajustadas a uma única função, mas

abertas as diferentes possibilidades de apropriação, transformam-se em arranjos que

asseguram o vigor das cidades.

Espaços dominantes motivariam a ocupação desses espaços infraestruturais, estes, forças de

significação, por sua flexibilidade de apropriação, seriam intensificadores de usos também dos

espaços dominantes, os objetos, a arquitetura edificada ou os lugares que muitas vezes são

ativados enquanto tal, por essas infraestruturas.

A estação Jardim São Paulo, localizada na zona Norte da cidade, por exemplo, possui um

acesso em diferentes níveis ao jardim, propiciando lugares ventilados e luminosos, pois a

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estação está localizada em um fundo de vale, e suas plataformas de embarque alcançam a cota

de dez metros abaixo da terra.

As águas pluviais foram canalizadas através de um tubo de concreto armado protendido que

como um canal elevado cruza transversalmente a estação. Alguns pontos organizam a cidade

em torno dele e essas decisões técnicas acabam por responder a uma instalação humana

A lógica das estações projeta uma ideia na horizontal e vertical e como mencionam os

arquitetos Abílio Guerra e Cristina Jorge Camacho, “pode chegar a ser útil e fascinante

porque começar a descrever algumas estações é praticamente narrar algumas partes da cidade;

ambas as histórias são inseparáveis” (2000, e PP. 2).

Na Linha 1- Azul, os arquitetos tiraram partido das interações entre o terreno e a construção

subterrânea, relação que pode ser observada nos elementos estruturais das estações.

Com a inserção da claraboia no centro da Estação Sé, o paradigma de isolamento subterrâneo

das estações é superado.

Estação Marechal Deodoro, obra G.Guanaes

Estação Sé.Foto: Cristiano Mascaro

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Aberturas maiores voltadas à superfície, platôs, insuflam à ocupação desses espaços, para que

sejam usados das mais diferentes maneiras.

Estação São Bento

Segundo o arquiteto Ivan Piccoli (SANTOS, 2000, p. 60-63) a arquitetura foi o elemento que

provocou a busca por novos conceitos e novas tecnologias de construção das estações no

trecho sob a Av. Paulista, a forma curva resultante do método NATM, túnel mineiro adotado

como sistema construtivo resultante de novas técnicas de escavação do solo, foi determinante

para execução das plataformas.

A redução dos impactos no ambiente pode ser conferida nas coberturas dos acessos às

Estações, através do uso de materiais translúcidos, a presença do metrô é marcada com o

mínimo de interferência na paisagem.

O arquiteto Abílio Guerra cita um exemplo bastante interessante e emblemático do quanto a

lógica das infraestruturas estão imbricadas com a das cidades. No bairro do Chiado, numa

posição estratégica, uma estação de metrô levava a alguns armazéns e através de um túnel se

ligava com outra via importante.

A Estação, ‘Baixa-Chiado”, revestida de azulejos brancos e dourados, aproveitam sistemas de

iluminação indireta para disseminar a luz, obra de Ângelo de Sousa, que proporciona um

deslocamento subterrâneo que emerge abaixo dos sótãos de um velho edifício. “Siza, neste

projeto viu que não havia nada que pudesse substituir o trabalho do tempo: o que o tempo

cria, nós não podemos projetar. Agora o tempo pertence ao metrô” (GUERRA; CAMACHO,

2000.).

O que observamos nestes projetos, em especial o caso da Estação Sumaré que compõe com o

viaduto Doutor Arnaldo e das demais Estações do Metroviário de São Paulo mencionadas,

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Estação Sé, Marechal Deodoro, São Bento e Jardim São Paulo, é o quanto a lógica das

Infraestruturas, espaços livres de pré-configurações, estão entrelaçadas com a cidade, sua

força de projetação encontra-se nas dinâmicas e situações montadas.

São situações que contemplam questões relativas ao espaço, que ao reativar sistemas urbanos

que em nível local possuem sua existência reduzida, geram urbanidade, ao promover

interações e acontecimentos imprevistos, que produzem outras rotinas e lógicas.

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4.2.2. O Caso da Estação Tamanduateí

A estação Tamanduateí integra as vias da CPTM com as vias do metrô, a estação está situada

entre a Rua Guaramiranga e a Avenida Presidente Wilson. Em seu entorno está o Central

Plaza Shopping a Leste, galpões industriais a Oeste e ao Sul e o viaduto Grande São Paulo ao

Norte.

A estação Possui um mezanino compartilhado, entre as plataformas elevadas do metrô e as

plataformas da CPTM, na superfície.

Organiza-se da seguinte maneira:

Térreo- Acesso à passarela de transposição pela Guaramiranga de um lado e a Presidente

Wilson de outro.

Segundo nível- intermediário: salas operacionais do metrô e da CPTM.

Terceiro nível- mezanino: Hall de distribuição do metrô e da CPTM.

Quarto nível- Plataformas do metrô.

Corte Longitudinal da Estação Tamanduateí. Fonte: Metrô

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Imagem aérea da Tamanduateí.

Fonte: Metrô

Os ambientes foram construídos sob as vias do metrô, com exceção da passarela de

transposição que se destaca em paralelo ao mezanino, ligada a ele por duas passarelas

secundárias transversais à primeira, passarelas, escadas rolantes, são protegidas por pórticos

de concreto armado.

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Vista aérea da estação Tamanduateí.Fonte: coisasdaarquitetura.wordpress.com

Vista aérea da estação Tamanduateí. Fonte: coisasdaarquitetura.wordpress.com

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Fotos Estação Tamanduateí. Fonte: Metrô.

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Exceto pela passarela de transposição, a estação está dividida em duas partes, de um lado, as

áreas do metrô e do outro, as áreas da CPTM, o mezanino é o único espaço compartilhado.

O acesso às plataformas da CPTM é feito a partir de dois conjuntos de escadas fixas e

rolantes, um de cada lado do mezanino. A plataforma Nordeste da CPTM servirá à futura

linha do expresso ABC, prevista no plano de expansão da rede.

As plataformas do metrô são acessadas por dois conjuntos de escadas fixas e rolantes que

sobem ao nível superior em uma estrutura de concreto que sobressai. As plataformas laterais

servem às duas vias.

O fechamento é feito em vidro e fixado aos pórticos metálicos.

Corte Transversal da Estação Tamanduateí. Fonte: Metrô

4.2.3 A integração Física

O mezanino compartilhado da Estação Tamanduateí está situado sob as vias do metrô.

Atravessa transversalmente as vias da CPTM.

A transferência gratuita dos passageiros é feita longitudinalmente no mezanino.

O Projeto

O cruzamento da linha do metrô se dá sobre a ferrovia na superfície em uma região onde há

predominância de galpões industriais, onde a estrutura é compartilhada. O mezanino único

sob as vias do metrô e transversal às linhas da ferrovia na superfície. As circulações

prevalecem em sentido longitudinal e transversal.

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A passarela de transposição livre da ferrovia, separada do mezanino, conduz os passageiros

por passarelas secundárias.

Proporcionando melhor organização espacial do fluxo e facilidade de orientação, o

dimensionamento do mezanino e das passarelas não apresenta áreas ociosas.

A transferência gratuita é facilitada pelo mezanino integrado, isto facilita o fluxo dos

passageiros.

Implantação do mezanino integrado na estação Tamanduateí.

Fonte:

A separação institucional do metrô e da CPTM aparece nos elementos construtivos, tipos

diferentes de coberturas nas plataformas, elementos de vedação vermelhos para a CPTM e

brancos para o metrô e estruturas de concreto aparente com formas diferentes no fechamento

das escadas que levam às plataformas.

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106

Podemos dizer que apenas destes pontos de vista, construtivos desde o posicionamento das

estruturas de circulação até o uso de cores para uma maior legibilidade do espaço, já nos

trazem novos elementos para análise das estações de metrô.

Enquanto a Sé principia uma articulação com a cidade e com os usuários, mas ainda cria estes

espaços vazios, devido às escalas monumentais e pela falta de legilibilidade, que a fizeram

gerar a necessidade de um suporte programático adicional, como é o caso do Projeto Arte no

Metrô, para uma aproximação e melhor uso infraestrutural do espaço por parte dos usuários, a

estação Sumaré garante a primazia da arquitetura quando propõe uma estrutura que tece

conexões variadas com a cidade, pela potencialização de infraestruturas distintas, pela geração

de urbanidade e inventividade nos usos criados e pelo vínculo com a obra que exerce um

impacto inusual, de igualdade identitária, com os usuários do metroviário e com os habitantes

da cidade que trafegam pela Avenida Sumaré, somos todos nós, estamos nos enxergando em

nossas estruturas urbanas.

A estação Tamanduateí, com este caráter de conexão com a cidade e visibilidade, articula

territórios, onde há uma presente tensão entre situações.

A favela da Vila Prudente à Heliópolis, conectadas, posiciona-se com outros elementos da

região, trazem outras possibilidades de existência, linha conectora que desloca e liga, reativa

um sistema urbano, há a invenção de um porvir urbano.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

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Ao contrário de uma arquitetura que induz a determinados usos pelas relações entre forma e

função, advindos dos idealismos modernos, a arquitetura infraestrutural, aberta ao

acontecimento e à apropriação inesperada, inusual que só os usuários e as dinâmicas que a

cidade gera podem provocar, favorecem o livre pensar e as ações emancipadoras, as ações

sociais são fortalecidas devido a fragilização de sentidos.

Segundo Deleuze (1987), os corpos são definidos por sua capacidade de interagir com outros

corpos, assim como a arquitetura em sua inscrição material se insere no mundo, interatuando.

Os agenciamentos programáticos, articulando diversas situações em constante tensão,

juntando elementos heterogêneos, que nesta relação produzem cadeias de desterritorializações

e reterritorializações em territorialidades aparentemente estáveis, conduzindo a imaginação

um campo fértil, a possibilidade da escolha, à produção de novas ideias e ao porvir.

Possibilitando o surgimento de um campo de possibilidades pelo enfraquecimento das

verdades absolutas, teríamos assim, uma arquitetura de perfil difuso, em que os espaços

vazios, expectantes, nos incentivariam a uma experiência inconclusa, heterogênea.

Constituiremos espaços de hospitalidade incondicional, de uma arquitetura que não institui

um domínio, mas abre-se a novas humanidades possíveis.

Projetar com o pensamento voltado para programações espaciais é pensar em práticas sociais

com potencial para eclodir nesses suportes arquitetônicos, despertando a intensidade do lugar.

Esses espaços Infraestruturais que entendemos aqui como espaços suportes, seriam capazes de

registrar os eventos que os marcariam sem, no entanto, adquirir sentidos adequados

permanecendo continuamente em processo, onde o programa será continuamente solicitado e

moldado por ações.

Pensamos, nestas relações entre arquitetura, cidade e homens, o fazer coletivo, em como são

apreendidas as qualidades do espaço e dos objetos não condicionados aos pragmatismos, mas

sob a perspectiva de quem vivencia os espaços, privilegiando em nossa investigação outras

estratégias de construção da cidade.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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