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SHIRLEY MESCHKE MENDES FRANKLIN DE OLIVEIRA A INTERNACIONALIZAÇÃO DA ECONOMIA E SEUS REFLEXOS NA RESPONSABILIDADE CIVIL DOS ADMINISTRADORES DAS SOCIEDADES ANÔNIMAS Dissertação de mestrado apresentada ao Departamento de Direito Comercial, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito Comercial. Orientador: Professor Doutor Fabio Ulhoa Coelho FACULDADE DE DIREITO DA PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – 2007

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SHIRLEY MESCHKE MENDES FRANKLIN DE OLIVEIRA

A INTERNACIONALIZAÇÃO DA ECONOMIA E SEUS REFLEXOS N A

RESPONSABILIDADE CIVIL DOS ADMINISTRADORES DAS

SOCIEDADES ANÔNIMAS

Dissertação de mestrado apresentada ao

Departamento de Direito Comercial, da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,

como requisito parcial para obtenção do título

de Mestre em Direito Comercial.

Orientador: Professor Doutor Fabio Ulhoa

Coelho

FACULDADE DE DIREITO DA PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE

SÃO PAULO – 2007

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BANCA EXAMINADORA

________________________

________________________

________________________

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Agradecimentos

Ao Professor Fabio Ulhoa Coelho pelo suporte

e orientação.

Aos meus pais, Silvino Lopes Mendes e Luzia

Meschke Mendes, por terem me dado a

oportunidade.

Ao meu marido, Marcio Rodrigues Franklin de

Oliveira, pela paciência, apoio e compreensão

pelo tempo que lhe roubei.

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RESUMO

Discutem-se neste trabalho os reflexos da globalização na responsabilidade civil

dos administradores das sociedades anônimas.

O enfoque parte da evolução do capitalismo até a criação da nova ordem

econômica mundial. Passa-se então a analisar um dos mais importantes efeitos

do desenvolvimento do Comércio Internacional: a competição entre as empresas

nacionais e internacionais.

Com isso, destaca-se a procura de novos mercados pelas empresas e a

preocupação com o custo de seus investimentos. Pondera-se a respeito da

abertura do capital social como forma de ganhar força na competição acirrada,

e, portanto, do crescimento do mercado de capitais. Diante disso, estuda-se a

evolução do mercado de capitais e das sociedades.

Buscamos demonstrar que os investidores e os terceiros com o tempo foram se

tornando mais conscientes e exigindo garantias, como segurança e

transparência na condução dos negócios. Surge então um movimento conhecido

como governança corporativa, que institui deveres, obrigações e acima de tudo

responsabilidades aos administradores.

Por fim, trataremos dos deveres dos administradores e da evolução da

responsabilidade civil, procurando sempre demonstrar que as alterações da

legislação foram reflexos da internacionalização das economias.

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ABSTRACT

This dissertation addresses the effects of globalization on the civil liability of

directors & officers of joint-stock companies.

Starting with the evolution of capitalization until the consolidation of a new world

economic order, this work elaborates on one of the most relevant effects of the

latest developments in international trade: the competition among domestic and

international companies.

Within this context, the pursuit of new markets by global companies and their

concern with investment costs have stood out. Going public as a means of

surviving fierce competition is analyzed, followed by an overview of the capital

market and its recent growth. To that end, the evolution of the capital market and

of companies is given due consideration.

It is thus shown that investors and stakeholders have become increasingly

knowledgeable and demanding in terms of greater business security and

transparency. This growing awareness has evolved into the so-called corporate

governance, which instituted duties, obligations and – above all – the liability of

directors & officers.

As this dissertation develops, it will also focus on the duties of directors & officers

and on the evolution of civil liability, always demonstrating that legal changes

have come in the sway of the globalization of economies.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................... 1

CAPÍTULO I – GLOBALIZAÇÃO DA ECONOMIA MUNDIAL

I.1. Definição e sua origem................................................................. 7

I.2. Nova Ordem Econômica Mundial................................................. 11

I.2.1. Características da Nova Ordem Mundial do Comércio..... 16

I.2.2. Negociações tarifárias – formação dos grandes blocos.... 17

I.2.2.1. União Européia................................................. 18

I.2.2.2. NAFTA............................................................... 21

I.2.2.3. Bloco Asiático.................................................... 21

I.2.2.4. Mercosul............................................................ 22

I.2.3. Os Impactos do desenvolvimento da economia mundial nas

economias e empresas nacionais.............................................. 23

CAPÍTULO II – AS SOCIEDADES ANÔNIMAS

II.1. O desenvolvimento das sociedades anônimas........................... 27

II.2. Estrutura organizacional das sociedades anônimas................... 35

II.2.1. Assembléia Geral ............................................................ 35

II.2.2. Administradores................................................................37

II.2.2.1. Conselho de Administração............................. 42

II.2.2.2. Diretoria........................................................... 52

II.2.3. Conselho fiscal ............................................................... 54

II.3. Teorias relativas à natureza jurídica da relação entre os

Administradores da sociedade........................................................... 58

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CAPÍTULO VI – RESPONSABILIDADE CIVIL DOS ADMINISTRA DORES

VI.1. Responsabilidade Civil – Evolução, conceito e elementos........ 140

VI.2. Sistemas de Responsabilidade Civil.......................................... 149

VI.2.1. Responsabilidade subjetiva do tipo clássico.................. 150

VI.2.2. Responsabilidade subjetiva com inversão do ônus da

prova (culpa presumida)............................................................ 150

VI.2.3. Responsabilidade objetiva............................................. 153

VI.2.4. Responsabilidade objetiva pura..................................... 154

VI.3. Fontes de Responsabilidade: atos culposos ou dolosos e

atos violadores da lei ou estatuto...................................................... 158

VI.3.1. Atos culposos ou dolosos.............................................. 158

VI.3.2. Atos violadores da lei e do estatuto............................... 162

VI.4. Limites da Responsabilidade Civil ........................................... 170

VI.4.1. Solidariedade................................................................. 170

VI.4.1.1. Solidariedade do terceiro............................... 173

VI.5. Excludentes da responsabilidade civil...................................... 175

VI.6. Medidas judiciais...................................................................... 179

VI.6.1. Impedimento do administrador...................................... 183

VI.6.2. A responsabilidade do administrador ante acionistas

e terceiros......................................................................................... 183

CAPÍTULO VII – CONCLUSÃO

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................... ........................ 194

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INTRODUÇÃO

Esta dissertação propõe-se a analisar os impactos relevantes da

globalização nas sociedades anônimas, especificamente na responsabilização

civil dos seus administradores.

Iniciaremos este estudo a partir da verificação do surgimento do

capitalismo e da nova ordem econômica e comercial mundial. Em seguida,

trataremos da evolução das sociedades anônimas, das formas de

administração e do mercado de capitais. Veremos que, quando da criação das

primeiras sociedades, os administradores eram os próprios acionistas, pois

havia uma preocupação enorme com a delegação de poderes. A

responsabilidade dos administradores não estava bem definida, gozando eles

de amplos poderes e privilégios pessoais. E em relação ao mercado de

capitais, não havia maiores requisitos para a abertura do capital e uma

fiscalização efetiva das operações realizadas em bolsa.

A globalização foi responsável pelo estreitamento das relações entre os

países, as pessoas e as sociedades. Com isso surgiu a necessidade de

internacionalização das sociedades, com o objetivo de se tornarem mais

competitivas. A adaptação a este novo cenário se deu através da constituição

de novas sociedades e sucursais em outros países e também da realização

de parcerias com sociedades estrangeiras. Os benefícios econômico-

comerciais eram grandes e atraíam as sociedades a optarem pela

internacionalização. Com isso, foi necessário delegar poderes a terceiros para

administrar o novo empreendimento, pois os acionistas das sociedades

interessadas na internacionalização não poderiam gerenciar de perto as

atividades de todas as sociedades afiliadas. Por esta razão, os acionistas

optavam por investir em países que possuíam normas reguladoras das

atividades dos administradores.

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Podemos concluir que a projeção econômica, a normatização de certas

condutas e a transparência das ações de cada um dos envolvidos em

negócios jurídicos, especialmente os administradores, passou a ser essencial

para o alcance do sucesso nas relações empresárias.

Os países que não tinham em seus ordenamentos regras claras a

respeito da responsabilidade dos administradores, para que pudessem atrair e

manter os investimentos estrangeiros, passaram por processos de alteração

legislativa e adaptação das normas já existentes ao novo contexto e

exigências internacionais. Além das alterações promovidas pelo direito, a

criação de programas internos nas próprias sociedades, também reflexo da

intensificação das relações empresariais, contribuiu para a ampliação e

definição criteriosa da responsabilidade dos administradores.

A adaptação ao novo cenário através da instituição de regras claras

relativas à responsabilidade dos administradores era uma exigência dos

acionistas das sociedades interessadas na internacionalização de seus

negócios, haja vista a delegação da administração de seus negócios a

terceiros. Ou seja, a atribuição de normas especiais de regulação das

atividades da administração com o estabelecimento de punições severas às

práticas ilegais ou causadoras de danos conferia certo conforto e segurança

aos acionistas.

A preocupação dos acionistas era legítima, considerando o poder de

decisão sobre o andamento dos negócios da sociedade detido pelo

administrador, poder este concedido pela sociedade e pela lei. Embora o

exercício do referido poder pelo administrador tivesse de respeitar os

interesses dos acionistas, da sociedade e a legislação aplicável, a capacidade

e possibilidade de punir qualquer conduta contrariam a tais interesses e a lei

era fundamental.

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Verificaremos em que momento surgiu a preocupação por parte das

autoridades e da própria sociedade em estabelecer regras de conduta com o

objetivo de punir práticas consideradas alheias aos interesses dos acionistas

e das sociedades por eles administradas e práticas que afetam de modo

negativo a ordem econômica do país, contribuindo negativamente com o

interesse do investidor de ingressar no mercado de capitais.

Recentemente tivemos a constatação da relevância do tema da

responsabilidade dos administradores e dos seus reflexos na economia de um

modo geral. Diversos escândalos com envolvimento direto de administradores

foram divulgados pelos meios de comunicação e afetaram de forma

significativa as economias mundiais, afinal vivemos a globalização, e os

reflexos de qualquer acontecimento podem ser identificados em todos os

países integrados (ex.: Enron, WorldCom). Veremos neste estudo que tais

acontecimentos também contribuíram para a adaptação das sociedades ao

novo cenário.

Temos de reconhecer que a globalização é um fenômeno irreversível, de

modo que as sociedades multinacionais e nacionais, sejam estas de pequeno

ou médio porte, trafegam necessariamente neste novo ambiente e precisam

se adaptar a ele.

Se analisarmos o fenômeno da globalização sob o ponto de vista das

empresas multinacionais, concluiremos que estas se encontram mais

preparadas para aproveitar as novas oportunidades. Todavia, para os

empresários e administradores das empresas nacionais e multinacionais, a

globalização altera de modo significativo as funções de gestão, devido à

velocidade das mudanças e ampliação dos mercados de atuação. O aumento

da competição pelos mercados resulta na necessidade de reavaliação pelas

empresas nacionais das práticas de seus administradores, objetivando

sobreviver no novo ambiente econômico.

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Veremos durante o desenrolar deste estudo as inovações e mudanças

nas regras relativas à responsabilidade dos empresários e administradores, as

quais afetaram diretamente a forma de gestão e a condução dos negócios, e

as principais medidas e estratégias adotadas pelas empresas multinacionais e

nacionais para lidar com a nova realidade. Ou seja, identificaremos a

intervenção do direito nas relações empresariais, especificamente na

responsabilidade da administração, permitindo a sustentação de tais relações,

a sobrevivência das próprias sociedades e a proteção das partes

interessadas, como credores, investidores, empregados, dentre outros.

Conforme expõe Eduardo Bassi1, qualquer sistema econômico baseia-se

num conjunto de premissas sobre o comportamento das principais variáveis:

relação capital/trabalho; tecnologia; concorrência; comportamento e

necessidades dos consumidores. E o gerenciamento das empresas é

realizado considerando que tais premissas continuem estáveis ao longo de

um período de tempo. Considerando as grandes mudanças provocadas pelo

fenômeno da globalização nas referidas variáveis, conclui-se que o sistema

econômico internacional foi drasticamente alterado.

O processo de globalização das sociedades em termos gerais provocou

impactos sociais, políticos, ambientais e legais como já mencionamos acima.

O que se pretende é demonstrar como este fenômeno alterou a forma de

administração das sociedades empresárias e como o legislador reagiu à

referida alteração, ou seja, quais foram os meios por ele utilizados para

preservar as relações empresárias e as próprias sociedades. A intensificação

das relações empresárias, a realização de acordos extraterritoriais, a

internacionalização das sociedades mediante constituição de outras

sociedades, sucursais, escritórios de representação no exterior, requer do

1 Empresas locais e globalização . Guia de oportunidades estratégicas para o dirigente nacional.1ª ed., São Paulo: Editora Cultura/Editores Associados, 2000. p. 38.

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legislador regulamentação e fiscalização. É o que se pretende demonstrar, a

reação do legislador e das sociedades à ação do fenômeno da globalização.

Em verdade, o processo de globalização outorga aos legisladores e às

sociedades um dever prioritário: o estabelecimento de regras que devem

reger as relações empresariais. À semelhança de todos os esforços, já

realizados por vários países, como veremos durante este estudo, visando à

obtenção de relações empresariais edificadas sobre os princípios da lealdade

e da boa-fé, os legisladores e as sociedades em geral devem assumir a

responsabilidade de zelar pelo futuro das relações empresariais, afinal é

fundamental a adequação dos mercados às novas demandas da economia

globalizada.

Arnold Wald comenta que

os efeitos da globalização se equiparam aos das correntes marítimas,dos vendavais e dos terremotos. Em certos casos, podemos discutir odeterminismo no setor econômico e tentar evitar os malefícios daglobalização, impedindo-os previamente, ou precavendo-nos contra osseus efeitos, do mesmo modo que construímos diques contra asinundações e exigimos maior solidez nos prédios situados em regiõesperigosas sujeitas a terremotos2.

Como bem afirma Calixto Salomão Filho,

Nada há o que se possa fazer contra a globalização. É necessárioadaptar-se. Talvez a criação mais genial de marketing de todos ostempos, essa palavra traveste velhas idéias com nova roupagem. Traduzfilosofias ultrapassadas e dogmaticamente equivocadas, reunidas sob aalcunha de neoliberalismo. Essas idéias passaram do campo econômicopara o das ciências sociais, chegando finalmente a influenciar o direito3.

2 Alguns aspectos jurídicos da globalização financeira. In: Aspectos atuais do direito do mercadofinanceiro e de capitais . Roberto Quiroga Mosquera (Coord.). São Paulo: Dialética, 1999. p. 11.3 Calixto Salomão Filho, O novo direito societário . 2ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2002. p.15.

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Espera-se que esta dissertação contribua, ainda que minimamente, para

um debate mais refletido sobre o tema e suas implicações para os

administradores de sociedades anônimas.

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CAPÍTULO I – GLOBALIZAÇÃO DA ECONOMIA MUNDIAL

A globalização alterou e continua alterando profundamente o ambiente

social, político, econômico, ambiental e cultural da humanidade. Alguns de

seus importantes impactos são o aumento no comércio e nos investimentos

internacionais, afetando os mercados e as empresas, bem como as crises

financeiras internacionais, em decorrência da criação de blocos econômicos,

da realização de fusões, aquisições, inovações tecnológicas, entre outras. A

conquista de novos mercados passou a ser um grande desafio para aumentar

as vendas e o lucro das empresas, haja vista a saturação e a concorrência no

mercado nacional, e para enfrentar este desafio as empresas passaram a

concentrar seus negócios (core business), realizar operações societárias e

desenvolver produtos mundiais.

Compreender a globalização, em especial a sua evolução, é fundamental

para identificar seus reflexos, e o que se pretende fazer a seguir.

I.1. Definição e sua Origem

O processo de globalização iniciou-se com o surgimento do capitalismo e

solidificou-se com a criação da nova ordem econômica e comercial mundial.

Por esta razão, requer algumas referências sobre a origem e a evolução do

capitalismo até a criação da nova ordem mundial.

O desenvolvimento do capitalismo se classifica numa série de estágios.

No entanto, definir o marco inicial de seu desenvolvimento depende do

conceito que se atribui ao capitalismo.

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Max Weber usa a expressão “espírito do capitalismo” para descrever a

atitude que busca o lucro, racional e sistematicamente4.

Werner Sombart, no mesmo sentido, buscou a essência do capitalismo

na totalidade dos aspectos representados no Gueist ou espírito que tem

inspirado a vida de toda uma época. Tal espírito seria uma síntese de

empreendimento ou aventura com o “espírito burguês”, de prudência e

racionalidade. Para Sombart, o capitalismo originou-se do desenvolvimento de

estados de espírito e de comportamentos humanos5.

Segundo a Escola Histórica Alemã (Bücher) o capitalismo se identifica

com a organização da produção para um mercado distante. Ou seja, o

capitalismo nasce a partir do instante em que os atos de produzir e vender a

varejo se separam no espaço e tempo através da intervenção de um

comerciante atacadista que adiantava dinheiro para a compra dos produtos

com o objetivo de vender posteriormente com lucro. Nesse sentido, Earl

Hamilton descreve capitalismo como o “sistema em que a riqueza outra que

não a terra é usada com o fito definido de conseguir uma venda”. Pirenne

também aplica o termo a qualquer uso aquisitivo do dinheiro e declara que as

fontes medievais situam a existência do capitalismo no século XII6.

Outro significado é o conferido por Marx, que não buscava a essência do

capitalismo num espírito de empresa nem no uso da moeda para financiar

uma série de trocas com o objetivo de obter lucro, mas sim em determinado

modo de produção. Por modo de produção Marx entende a maneira pela qual

se definia a propriedade dos meios de produção e as relações sociais entre os

homens que resultaram de suas ligações com o processo de produção. Não

4 Maurice Hebert Dobb, A Evolução do Capitalismo . Tradução de Manuel do Rego Braga.Revisão de Antonio Monteiro Guimarães Filho, Sérgio Góes de Paula. Publicado sob licença deRoutledge & Kegan Paul Ltd., Inglaterra e Zahar Editores S.A. Rio de Janeiro. Tradução publicadasob licença de Zahar Editores S.A. Rio de Janeiro: Editor Victor Civita, 1983. p. 6.5 Maurice Hebert Dobb, op. cit., p. 5-6.6 Maurice Hebert Dobb, op. cit., p. 7.

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era apenas um sistema de produção para o mercado, mas um sistema sob o

qual a força de trabalho se tornara uma mercadoria, sendo comprada e

vendida no mercado como qualquer objeto de troca. Ou seja, os meios de

produção e a propriedade estavam concentrados em mãos de uma classe

composta de pequena parte da sociedade e outra classe que consistia em

todos destituídos de propriedade, para os quais a venda da sua força de

trabalho era a única forma de subsistência. A atividade produtiva, portanto,

era suprida pela última classe com base em contrato de trabalho.

Maurice Dobb, ao indicar falhas nas definições do capitalismo realizadas

por Sombart e pela Escola Alemã, demonstra afinidade com o pensamento de

Marx. Afirma ser insuficientemente restritiva a definição de Sombart para

confinar o termo a qualquer época da História, o que parece concluir que

todos os períodos da história foram capitalistas. Portanto, se o espírito

capitalista for ele próprio um produto histórico, o que causou seu

aparecimento e quando?7

Adotemos a concepção desenvolvida por Marx, pois se tivermos de

considerar o conceito do capitalismo como sendo um sistema comercial e

aquele que versa sobre o emprego lucrativo do dinheiro, teremos de concluir

que o capitalismo deve ter estado presente na maior parte da história escrita.

Isso porque a produção para um mercado era muito comum nos tempos

medievais. O uso lucrativo do dinheiro, da mesma forma, não é

exclusivamente moderno. A compra de escravos na antiguidade era um

7 Maurice Hebert Dobb, op. cit., p. 8-9:, “Tanto a concepção de Sombart do espírito capitalistaquanto uma concepção de capitalismo como sendo primariamente um sistema comercialcompartilham o defeito, em comum com as concepções que focalizam a atenção no fato de umainversão lucrativa de dinheiro, de serem insuficientemente restritivas para confinar o termo aqualquer época da história, e de parecerem levar inexoravelmente à conclusão de que quase todosos períodos da história têm sido capitalistas, pelo menos em certo grau.” “Outra dificuldade, que serelaciona com a concepção idealista de Sombart, Weber e sua escola, é a de que, se o capitalismocomo forma econômica é a criação do espírito capitalista, a gênese deste último terá de serexplicada antes de podermos explicar a origem do capitalismo. Se tal espírito capitalista for, elepróprio, um produto histórico, o que causou seu aparecimento no cenário histórico?”

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emprego lucrativo de dinheiro, tanto quanto o contrato de trabalhadores

assalariados hoje.

De acordo com Marx devemos situar a fase inicial do capitalismo na

Inglaterra, não no século XII como faz Pirenne (que pensa principalmente na

Holanda), nem mesmo no século XIV com seu comércio urbano e ligas

artesanais como fazem outros, mas na segunda metade do século XVI e início

do século XVII, quando o capital começou a penetrar na produção em

proporções consideráveis, na forma de uma relação bem amadurecida entre

capitalistas e assalariados e também na forma de subordinação dos artesãos

domésticos, que trabalhavam em seus próprios lares para um capitalista.

Não se pode negar que antes disso já podem ser encontrados exemplos

de uma situação transitória em que o artesão perdera grande parte de sua

independência, em face da dívida ou monopólio dos comerciantes

atacadistas, e apresentava relações de alguma dependência com um

mercado, dono de capital. Além disso, no século XIV já existiam camponeses

com um bom padrão de vida na aldeia, comerciantes locais e trabalhadores

proprietários nos artesanatos urbanos que já empregavam trabalho

assalariado. Todavia tais casos foram pouco numerosos, de modo que não

justifica situar a fase inicial do capitalismo8.

Qualquer que seja a forma de relação entre um modo capitalista de

produção e uma classe particular de capitalistas, estes, até as décadas finais

da era dos Tudor, não alcançaram importância decisiva como influência sobre

o desenvolvimento social e econômico. A partir desta década, dois momentos

são decisivos: (a) século XVII, com suas transformações políticas e sociais,

inclusive a luta dentro das corporações privilegiadas e a luta parlamentar

contra o monopólio; (b) final do século XVIII e primeira metade do século XIX,

com a Revolução Industrial, que representou a transição de um estágio inicial

8 Maurice Hebert Dobb, op. cit., p. 15.

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do capitalismo para um estágio em que o capitalismo atingira seu próprio

processo de produção baseado na unidade de produção em grande escala e

coletiva da fábrica, representando o fim da participação do produtor com os

meios de produção e estabelecendo uma relação simples e direta entre

capitalista e assalariados.9

Durante a Primeira Guerra Mundial, tendências do capitalismo de Estado

começaram a se manifestar em uma série de países europeus, inclusive na

Grã-Bretanha e na Itália, entre as guerras e especialmente na década de

1930. Uma conseqüência da crise econômica de 1929-31 foi o surgimento,

nos Estados Unidos, do New Deal (Plano Novo/ Nova Política)10, de Franklin

Delano Roosevelt, com suas medidas de intervenção naquilo que era

predominantemente uma “economia de mercado livre”. Com o fim da Segunda

Guerra Mundial verificou-se uma extensão marcante na América e na Europa

ocidental das atividades econômicas do Estado, o que resultou na ampliação

considerável das despesas do Estado.

A sede de mercados do capitalismo impulsionou a criação da nova

ordem econômica e comercial, acelerando todo o processo de integralização

das economias.

I.2. Nova Ordem Econômica Mundial

Uma nova ordem econômica mundial passa a ser estruturada depois da

crise de 1929 e da Segunda Guerra Mundial, diante de enormes dificuldades

econômicas que afetavam todo o sistema financeiro e comercial mundial. Com

o objetivo de evitar um colapso econômico e ampliar as relações comerciais

9 Maurice Hebert Dobb, op. cit., p. 15.10 Expressão que significa “Nova Política” e que designa o programa de bem-estar público adotadonos Estados Unidos, a partir de 1933, pelo então presidente Franklin D. Roosevelt. Teve o objetivode atenuar a crise econômica no país decorrente da grande depressão mundial. Definição extraídado livro de Joseph E. Stiglitz (Prêmio Nobel de Economia de 2001), A Globalização e seus

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entre os países, os chefes de governo decidiram se reunir e iniciar

negociações para a redução de tarifas.

Nesse sentido, em 1944 em Bretton Woods reuniram-se representantes

de quarenta e cinco Estados e Governos, com o objetivo de promover uma

nova ordem econômica mundial. Decidiu-se pela criação de um Banco

Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (Bird, ou Banco Mundial),

que teria como missão assuntos microeconômicos, ou seja, tratar de questões

estruturais ligadas ao mercado de trabalho, a políticas comerciais, gastos do

governo, às instituições financeiras do país, conceder empréstimos de capital

a longo prazo para os países urgentemente necessitados e por uma nova

instituição financeira, o Fundo Monetário Internacional (FMI), tendo como

objetivo promover a estabilidade econômica mundial, cuidando, portanto, de

questões macroeconômicas ao lidar com o país, por exemplo, o déficit do

orçamento do governo, sua política monetária, inflação, bem como a

concessão de créditos de curto prazo em condições que permitissem superar

dificuldades temporárias de balança de pagamentos e que ajudassem a

estabilizar as taxas de câmbio e o déficit comercial. Estava formado, portanto,

o novo sistema financeiro mundial que permitiu uma transição para uma

economia internacional mais aberta, liberal e multilateral11.

O Acordo de Bretton Woods exigia uma terceira organização econômica

internacional para controlar as relações comerciais internacionais, função

semelhante àquela que o FMI exercia no tocante às relações financeiras

internacionais12. Foi então firmado, em 1947, em Genebra, Suíça, o Acordo

Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio (GATT), com o intuito de

regulamentar as relações comerciais internacionais e contribuir para

malefícios – A promessa não-cumprida de benefícios globais. Trad. Bazán Tecnologia eLingüística. 3. ed., São Paulo: Editora Futura, 2002.11 Joseph E. Stiglitz, A Globalização e seus Malefícios – A promessa não-c umprida debenefícios globais, cit.12 Joseph E. Stiglitz, op. cit., p. 42.

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intensificação do comércio internacional, mediante redução das tarifas

aplicadas aos bens comercializados.

O GATT baseava-se em seis princípios: (a) Não-Discriminação: proíbe a

discriminação de países no comércio internacional; (b) Transparência: as

barreiras protecionistas impostas pelos países devem ser divulgadas e

compreensíveis; (c) Concorrência Leal: coíbe o dumping e a concessão de

subsídios que podem afetar o mercado internacional e acarretar a

concorrência desleal entre os países; (d) Base Estável para o Comércio:

busca criar uma base estável de comércio, garantindo maior segurança para

os países investidores; (e) Proibições de Restrições Quantitativas a

Importações: proíbe limitar a quantidade que ingressará no país de

determinado produto; (f) Tratamento Especial para Países em

Desenvolvimento: obriga os países desenvolvidos a dispensar tratamento

mais favorável e a prestar assistência aos países em desenvolvimento ou

menos desenvolvidos13.

Com a explosão da dívida federal norte-americana, o crescente déficit da

balança comercial, decorrente do intercâmbio com as economias japonesa e

alemã, e a obsolescência das normas regulatórias de intercâmbio econômico

e comercial levaram ao avanço da internacionalização financeira e abriram

caminho para uma ampla revisão estrutural e conceitual do FMI, do Banco

Mundial e do GATT.

Outros fatores também foram responsáveis por esta transformação,

como a crise do padrão monetário mundial, com o fim do “gold exchange

standard”, em 1971, com a insustentabilidade da paridade dólar-ouro e com a

subseqüente erosão do dólar como moeda-reserva internacional estável, que

13 Antonio Carlos Rodrigues do Amaral (Coord.), Direito do Comércio Internacional – AspectosFundamentais. Ordem dos Advogados do Brasil, Secção de São Paulo. Comissão de ComércioExterior e Relações Internacionais. São Paulo: Lex Editora S.A. – Legal e Regulatória. Aduaneiras

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14

levou à flutuação do câmbio e resultou na desorganização do sistema de

regulação criado pelo acordo de Bretton Woods e possibilitou a abertura dos

mercados internos das economias desenvolvidas aos produtos

industrializados oriundos do Terceiro Mundo. Outro fator foram os choques do

petróleo de 1973/1974 e 1978/1979, que resultaram no aumento do barril e

desnivelaram por conseqüente os preços relativos aos bens e serviços,

provocando uma crise generalizada de lucratividade, acentuando os

desequilíbrios comerciais, instabilidade das taxas de câmbio e de juros,

descontrole dos balanços de pagamentos, o que agravou o endividamento

externo dos países em desenvolvimento, gerou aumento de inflação nas

economias industrializadas, diminuição do ritmo de crescimento dos países

desenvolvidos e paralisação temporária dos mercados.

Diante da estagnação econômica, iniciou-se um processo de

desregulamentação dos mercados financeiros, de revogação dos monopólios

estatais e de abertura no comércio mundial de serviços e informação,

denominado Consenso de Washington. Austeridade fiscal, a privatização e a

liberalização de mercado foram os três pilares das recomendações do

Consenso de Washington durante as décadas de 1980 e 199014.

Em face do cenário acima apresentado, o GATT encontrava-se defasado

e não mais era capacitado para reger as relações comerciais da época, afinal

o comércio internacional tinha se tornado muito mais complexo e importante

do que era ao tempo do surgimento do GATT, além de os investimentos

internacionais e o mercado de serviços, não cobertos por ele, terem se

tornado interesse principal de diversos países e essenciais para o mercado

internacional. Além disso, o avanço tecnológico e a evolução econômica

acabaram por forçar a incorporação de setores, até então deixados de lado

– Informação sem Fronteiras, 2004. Capítulo 2 – Negociações Multilaterais de Comércio, oProcesso de Integração Econômica e a Formação de Blocos Regionais, p. 70-1.14 Joseph E. Stiglitz, op. cit., p. 85.

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15

por serem inexpressivos para o GATT, como comércio de serviços,

transferência de tecnologia, agricultura, têxteis, propriedade intelectual,

medidas de investimentos relacionadas ao comércio15.

Diante deste cenário, decidiram criar uma organização capaz de

regulamentar o comércio e que tivesse grande capacidade de adaptação.

Foi então que em 1995 surgiu a Organização Mundial do Comércio

(OMC) como sucessora do GATT e com o objetivo de levar os países a uma

nova era de cooperação econômica mundial, refletindo o grande desejo de

negociar em um sistema multilateral de comércio mais justo e amplo.

Outra resposta de fundamental importância à crise monetária

internacional e aos choques do petróleo foi a racionalização das estruturas

organizacionais dos procedimentos decisórios e das atividades produtivas,

através de processos de incorporação, cisão, fusão, aquisições, transferência

de ativos, formação de joint ventures, criação de holdings e constituição de

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16

intelectual, interceptação de informações, proteção do meio ambiente,

formação de cartéis.

I.2.1. Características da Nova Ordem Mundial do Com ércio

Como vimos no item anterior, a OMC representou o início de uma nova

era de cooperação econômica mundial. Em termos gerais, a OMC é o

principal órgão internacional do comércio e, por meio de negociações

multilaterais, almeja a evolução do comércio, tendo como objetivo a

liberalização do comércio mundial, feita em bases seguras, contribuindo para

o crescimento e o desenvolvimento econômico.

A OMC regula as relações comerciais através do cumprimento de seus

Acordos, os quais podem ser de duas formas: multilaterais e plurilaterais. Os

acordos multilaterais são aqueles diretamente vinculados à OMC, de modo

que, se um país pretende tornar-se membro da OMC, deve aceitar todos os

termos desses acordos. Já os acordos plurilaterais são facultativos. São

exemplos de acordos multilaterais: GATT; Acordo sobre Aspectos do Direito

de Propriedade Intelectual; Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços;

Acordo sobre Barreiras Técnicas ao Comércio; Acordo sobre Agricultura etc.;

e de plurilaterais: Acordo sobre Comércio de Aeronaves Civis; Acordo sobre

Compras Governamentais; Acordo Internacional sobre Laticínios; Acordo

Internacional sobre Carne Bovina.

Enfim, tais acordos permitiram o intercâmbio de reduções tarifárias entre

a maior parte dos países.

Podemos dizer que as diferenças de desenvolvimento tecnológico, ou

seja, a busca pelo valor agregado e capacidade de inovação de um país para

outro e de uma empresa para outra, surgem como fator essencial de

vantagem comparativa entre nações. Os investimentos diretos seguem,

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17

igualmente, este fluxo de vantagens entre concorrentes, conduzindo a uma

marginalização crescente das economias menos desenvolvidas.

As tendências de multilateralismo e vantagens comparativas resultam na

emergência de novos espaços geoeconômicos, ou seja, as nações passaram

a se associar para aumentar as suas vantagens comparativas em relação a

terceiros e aproveitar os benefícios alfandegários disponíveis, reduzindo

custos sociais e econômicos, bem como propiciar uma defesa eficaz contra a

especulação financeira e os fluxos de capitais. Tais espaços foram

denominados zonas econômicas preferenciais, seja de estrutura relativamente

simples, como as áreas de livre-comércio, seja sob formas mais elaboradas,

como os mercados comuns. Referida regionalização da economia foi o fator

precursor da formação dos grandes blocos, os quais serão comentados a

seguir.

I.2.2. Negociações tarifárias – formação dos grande s blocos

São cinco as fases de integração econômica entre os países, a saber: (a)

Zona de Livre Comércio; (b) União Aduaneira; (c) Mercado Comum; (d) União

Monetária; e (e) União Política.

Na Zona de Livre Comércio os países associados concordam em

eliminar, progressiva e reciprocamente, os gravames e obstáculos incidentes

sobre os produtos negociados entre si. Porém, cada país-membro possui

ampla liberdade no que se refere à política interna e à política comercial com

os países não associados. Contudo, não há de se falar em Tarifa Externa

Comum. Alguns exemplos são: EFTA (Inglaterra/Portugal/Países Nórdicos);

Nafta; ALCSA (Área de Livre Comércio de Sul América); AFTA (Asean Free

Trade Agreement); EEE (Espaço Econômico Europeu): Comunidade

Econômica Européia.

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18

Na União Aduaneira, os Estados-membros, além da eliminação recíproca

de gravames (como na zona de livre comércio), passam a adotar uma política

comercial uniforme em relação aos países exteriores à união. Na união

aduaneira vigora uma pauta aduaneira comum, idêntica em todos os países

associados, para as importações provenientes de terceiros países. Além

disso, há a criação de um Órgão de Política Aduaneira e de um Órgão de

Política de Comércio Exterior. Os exemplos são a Comunidade Econômica

Européia e o Mercosul.

Além de o Mercado Comum possuir as características acima apontadas,

faz-se necessário um ajuste das legislações dos países membros, propiciando

entre outros, a livre circulação de pessoas, a criação de órgãos

supranacionais e o estabelecimento de políticas comuns.

A União Econômica é a fase em que é associada a supressão de

restrições sobre movimentos de mercadorias e fatores com certo grau de

harmonização das políticas econômicas nacionais, de forma que sejam

abolidas as discriminações resultantes de disparidades existentes entre essas

políticas, tornando-as o mais semelhantes possível.

E na Integração Econômica/União Monetária Total passa-se a adotar

uma política monetária, fiscal e social uniforme, bem como se delega a uma

autoridade supranacional poderes para elaborar e aplicar essas políticas,

sendo que as decisões dessa autoridade devem ser acatadas por todos os

Estados-membros.

I.2.2.1. União Européia

O processo de formação da Comunidade Econômica Européia (CEE)

começou logo após a Segunda Guerra Mundial e foi concluído em 1957

através do Tratado de Roma.

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19

Em 1948, foi criada a Organização Européia de Cooperação Econômica,

e em 1949, o Conselho da Europa. As duas instituições seguiam o modelo da

cooperação sem qualquer impacto sobre a soberania nacional16.

O Conselho foi inicialmente composto por Alemanha, França, Holanda,

Itália, Bélgica e Luxemburgo, obtendo em 1972 a adesão de Reino Unido,

Dinamarca e Irlanda. Em 1979 a Grécia aderiu e em 1985 Portugal e

Espanha. Em 1995 aderiram Áustria, Finlândia e Suécia. No dia 1º de maio de

2004, a União Européia sofreu outra histórica ampliação: dez países do centro

da Europa e do Mediterrâneo passaram a integrar esse grupo, a saber:

República Tcheca, Hungria, Polônia, Eslováquia, Eslovênia – países do Leste

Europeu que integravam o antigo bloco soviético; Estônia, Letônia e Lituânia –

que faziam parte da antiga União Soviética; Malta e Chipre. Com essa união,

o número de países-membros do bloco passou de quinze para vinte e cinco.

Antes da assinatura do Tratado de Roma, outros movimentos e acordos

já acenavam uma futura integração entre alguns países europeus. Em 1951

foi assinado o Tratado que instituiu a Comunidade Européia do Carvão e do

Aço (CECA), com a intenção de criar um mercado comum de carvão e aço e

possibilitar assim o desenvolvimento e a exploração comum destas matérias-

primas e seus respectivos produtos. Esta Comunidade foi muito significativa,

uma vez que os Estados iriam abdicando de parte de sua soberania para a

instituição comunitária e criando bases comuns de desenvolvimento para

diversos setores econômicos, além de contribuir com o aumento do emprego

e do nível de vida, com um mercado comum.

Em 1955, na Conferência de Ministros dos Negócios Estrangeiros da

CECA, firmou-se o tratado que instituiu a Comunidade Européia da Energia

Atômica (Euratom), com o objetivo de coordenar o desenvolvimento da

indústria nuclear, e a Comunidade Econômica Européia.

16 Antonio Carlos Rodrigues do Amaral (Coord.), op. cit., p. 89.

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20

Portanto, eram três organizações que compunham a Comunidade

Européia na sua gestação histórica, e que se fundiram em 1967, com a

assinatura do Tratado de Bruxelas, que instituiu um Conselho de Ministros e

uma Comissão Européia Única das Comunidades.

Em 1970 foi criado o Plano Werner, que especificava os passos para

associar à realização do mercado comum uma política econômica e monetária

comum, de forma que estabelecesse uma União Econômica e Monetária.

Entretanto, as disparidades entre as diversas políticas econômicas e de

integração européia, bem como a evolução da crise nos Estados-membros,

impediram que houvesse uma coordenação adequada das políticas

econômicas e monetárias e que se implantasse um sistema de taxas de

câmbio fixas. A luta contra a inflação resultou numa certa harmonização das

políticas econômica e monetária, contribuindo para a instalação do Sistema

Monetário Europeu, cujo objetivo principal consistia em manter as taxas de

câmbio de suas respectivas moedas dentro de margens limitadas de flutuação

em benefício das economias dos Estados-Membros e reduzir a inflação.

Um dos marcos mais importantes do processo de integração foi a

aprovação em 1986 do Ato Único Europeu, que visava a realização do

mercado interno comunitário, já prevista nos tratados constitutivos da

Comunidade. Referido ato complementou o Tratado de Roma com uma série

de objetivos precisos, os quais se traduziam nas quatro liberdades

fundamentais – livre circulação de pessoas, de bens, de capitais e de

serviços17.

O Tratado da União Européia, assinado em Maastricht, em 1992,

constituiu uma reforma global do Tratado de Roma, facilitando a conquista da

União Econômica e Monetária,e definiu elementos de regulação

17 Antonio Carlos Rodrigues do Amaral (Coord.), op. cit., p. 90.

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intergovernamental e a convergência das comunidades para uma estrutura

comum, a União Européia.

I.2.2.2. NAFTA

Preliminarmente, surgiu o FTA (“Free Trade Agreement”), que começou a

ser negociado em 1985 entre os EUA e o Canadá, sendo assinado somente

em 1988. A idéia era instituir uma Zona de Livre Comércio. Posteriormente, foi

ampliado com a associação do México, passando, em 1991, a ser

denominado “North American Free Trade Area”, visando eliminar barreiras do

comércio, aumentar oportunidades de investimentos, assegurar direitos de

propriedade intelectual e a cooperação entre as Nações. Esse acordo criou

uma área comum de livre comércio apenas com a circulação de bens e

serviços. Estabeleceu as condições e os critérios para a coordenação de

políticas comerciais conjuntas, para a liberalização nas áreas de

investimentos e propriedade intelectual e para a harmonização das

legislações nacionais em matéria de meio ambiente, direitos trabalhistas e

padrões sociais.

I.2.2.3. Bloco Asiático

Após décadas de competição intensa e muita desconfiança recíproca, foi

constituída uma área bastante dinâmica de cooperação econômica e

comercial no Sudeste Asiático e no Pacífico – a Asia Pacific Economic

Cooperation (Apec), com dezoito países (como China, Hong Kong, Japão,

Coréia do Sul, Taiwan, Austrália e Nova Zelândia), além dos países que

compõem o NAFTA e a Association of South East Asian Nations (Asean),

composta por sete países (Indonésia, Malásia, Filipinas, Cingapura, Tailândia,

Brunei e Vietnã). É importante observar que a integração regional asiática é

orientada por meio de decisões comuns dos agentes econômicos, em

questões de investimentos, tecnologia e exportações, diferente da União

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Européia e do Nafta, que são experiências condicionadas por uma vontade

política, deflagradas por decisões governamentais e implementadas por

políticas públicas.

I.2.2.4. Mercosul

Pouco depois do surgimento, na Europa, da Comunidade do Carvão e do

Aço e da Comunidade Econômica Européia (1957), os países da América

Latina já estudavam a possibilidade de uma integração regional. Assim, em

1960, foi assinado o Tratado de Montevidéu, que instituiu a Associação

Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC), prevendo a criação de uma

zona de livre comércio e a constituição de um mercado comum em um prazo

de doze anos, mediante negociações periódicas entre seus membros.

Em substituição à ALALC, em 1980 foi criada a Associação Latino-

Americana de Integração (ALADI), a qual adotou mecanismos diferentes,

visando também a integração entre os Estados-membros. Em vez de uma

zona livre de comércio, conforme previa o ALALC, foi estabelecida uma zona

de preferências econômicas, criando condições favoráveis a iniciativas

bilaterais. Neste sistema, Brasil e Argentina firmaram, em 1986, protocolos

comerciais, dando o primeiro passo concreto em direção a uma aproximação

que já havia sido iniciada com a Declaração de Iguaçu, em 1985. Como

complemento dos acordos anteriores, o Brasil e a Argentina assinaram, em

1988, o Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento, no qual já se

previa a criação de um mercado comum entre os dois países, no prazo de dez

anos, com a eliminação gradativa dos obstáculos tarifários. Referido acordo

estava aberto aos demais Estados da região. Com a adesão do Paraguai e do

Uruguai, assinou-se um novo tratado entre os quatro países, em 26 de março

de 1991, na cidade de Assunção, no Paraguai, criando-se entre eles um

mercado comum, denominado Mercado Comum do Sul, ou Mercosul.

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O Tratado de Assunção tem por objetivos (a) a inserção competitiva dos

quatro países num mundo caracterizado pela formação de blocos regionais de

comércio, onde a capacitação tecnológica é cada vez mais importante para o

progresso econômico e social; (b) a viabilização de economias de escala,

permitindo a cada um dos países membros ganhos de produtividade; (c) a

ampliação das correntes de investimentos com o resto do mundo, bem como

a promoção da abertura econômica regional.

O Mercosul, por sua vez, tem como finalidade (a) a livre circulação de

bens, serviços e fatores produtivos entre os quatro países membros, através,

entre outros, da eliminação dos direitos alfandegários e das restrições não

tarifárias à circulação de mercadorias, ou qualquer outra medida de efeito

equivalente; (b) o estabelecimento de uma tarifa externa comum (TEC) e a

adoção de uma política comercial comum, em relação a terceiros Estados ou

agrupamentos de Estados, e a coordenação de posições em foros econômico-

comerciais, regionais e internacionais; (c) a coordenação de políticas

macroeconômicas e setoriais entre os Estados Partes – de comércio exterior,

agrícola, industrial, fiscal, monetária, cambial e de capitais, de serviços,

alfandegária, de transportes e comunicações e outras que se acordem – a fim

de assegurar condições adequadas de concorrência entre os Estados Partes;

(d) o compromisso dos Estados Partes de harmonizarem suas legislações nas

áreas pertinentes, para lograr o fortalecimento do processo de integração.

I.2.3. Os impactos do desenvolvimento da economia m undial nas

economias e empresas nacionais

Como visto, a Globalização é um fenômeno complexo que envolve a

integração de economias, culturas, orientações de governo e movimentos

políticos em todo o mundo. Ao longo dos séculos os investimentos entre

países e o comércio tornaram as economias mundiais interdependentes. O

que agora tratamos de “globalização” é uma aceleração deste processo de

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integração. O fato é que foram inúmeras as conseqüências deste fenômeno

nas economias e empresas nacionais.

As conseqüências nas economias nacionais foram a descentralização e

fragmentação do poder ao integrar mercados e propiciar uma intensificação

da circulação de bens, tecnologias, capitais, serviços, informações e culturas;

a delimitação da capacidade de regulamentação dos governos, principalmente

em relação à tributação de certas operações; transformação de investimentos

em ciência, tecnologia e informação em fatores privilegiados de produtividade

e competitividade; multiplicação do fluxo de idéias, conhecimento, bens,

serviços e problemas sociais; geração de diversas situações sociais e

exigência de novos padrões de responsabilidade, controle e segurança.

Em relação às empresas nacionais, cujo resultado de seus negócios

interfere diretamente na economia nacional, tem-se o aumento considerável

das exportações e importações, de investimentos diretos e do nível

tecnológico, o ingresso no sistema de produção internacional, a aquisição de

novas vantagens competitivas em determinados setores, maior poder de

competição global em face dos programas de fomento do governo à

produtividade da empresa nacional.

As megaempresas passaram a organizar suas atividades produtivas em

escala mundial. Cada uma das etapas da cadeia produtiva, desde o

desenvolvimento, a pesquisa, até o processamento da matéria-prima, da

produção de peças e marketing do produto, é realizada no local

geograficamente mais vantajoso.

Como não poderia deixar de ser, os setores tecnologicamente avançados

pressionam o Estado a ampliar as condições de competitividade através da

eliminação dos entraves que impedem a abertura comercial, defendem a

regulamentação dos mercados e a desestatização. Por outro lado, os setores

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defasados tecnologicamente, sem condições competitivas em nível mundial,

lutam por um mercado local reservado, haja vista necessitarem de algum grau

de proteção por parte do Estado, através da criação e manutenção de

obstáculos jurídicos, administrativos, tarifários e alfandegários à entrada de

mercadorias e serviços estrangeiros.

Como já mencionado, a abertura do comércio internacional ajudou vários

países a crescer muito mais rapidamente do que teriam crescido se a referida

abertura não tivesse acontecido. O comércio internacional de fato ajuda no

desenvolvimento econômico à medida que as exportações de um país, por

exemplo, impulsionam o crescimento econômico. Entretanto, para muitos

países em desenvolvimento a globalização não trouxe os benefícios

econômicos prometidos, isso porque os países ricos do Ocidente mantiveram

as suas barreiras comerciais e forçaram as nações pobres a eliminá-las,

impedindo que tais países em desenvolvimento exportassem seus produtos

agrícolas, e, portanto, privando-os da renda obtida por meio de exportações18.

Os prejuízos causados pela globalização começaram a ficar claros com a

crise financeira da Ásia, que, em 1997, abalou as economias de vários países.

Seu lado desumano e injusto foi revelado quando da divulgação pela ONU em

1999 de relatório mostrando que, paralelamente à abertura do comércio

internacional e o aumento do fluxo de capitais, estava a ampliação do fosso

entre as nações ricas e pobres.

Por estas e outras razões é que as organizações internacionais

tornaram-se alvo de inúmeras críticas e protestos em todas as partes do

mundo.

18 Joseph E. Stiglitz, A Globalização e seus malefícios . A promessa não-cumprida de benefíciosglobais. 3. ed. Trad. Brazán Tecnoligia e Lingüística. São Paulo: Editora Futura, 2002. p. 33.

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O problema foi que a concessão de poder econômico a organismos

globais e instituições internacionais foi mais rápida que a criação de estruturas

políticas globais adequadas ao exercício desse poder.

Feitas tais considerações a respeito do fenômeno da Globalização,

estudaremos os seus reflexos na responsabilidade civil dos administradores

de sociedades anônimas. Obviamente tais reflexos decorrem das profundas

mudanças na economia que brevemente comentaremos. Trataremos

inicialmente da evolução das sociedades anônimas, em seguida, do mercado

de capitais, e por fim da responsabilidade civil.

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CAPÍTULO II – AS SOCIEDADES ANÔNIMAS

II.1. O Desenvolvimento das Sociedades Anônimas

Conforme observa João Eunápio Borges, não há consenso entre os

autores a respeito da origem e dos antecedentes históricos da moderna

sociedade por ações19. Alguns imaginam terem sido originadas quando da

criação de poderosas organizações em Roma. Essas organizações pagavam

tributos ao Estado, eram fornecedoras de produtos ao povo e ao exército e

responsáveis pela construção de obras públicas. Segundo Antonio Brunetti,

referenciado por João Eunápio Borges e por Waldirio Bulgarelli20, tais

sociedades eram dotadas de personalidade jurídica e os títulos de

participação eram transferíveis a terceiros, por isso sua importância, mas não

deviam ser confundidas com as sociedades anônimas.

Paul Rehme e Goldschmidt, também referenciados por João Eunápio

Borges, ensinam, no entanto, que o surgimento das sociedades por ações

ocorrera com a instituição do Banco ou Casa de San Giorgio (Casa de São

Jorge), em Gênova (1407). A República de Gênova cedia a seus credores

para garantia de seu reembolso o direito à percepção de determinados

tributos. Da reunião de tais credores do Estado surgiu a referida instituição21.

Aproximava-se também da estrutura de uma sociedade por ações a

corporação dos mineradores na Alemanha, em que a propriedade das minas

ou jazidas era dividida em partes, as quais eram negociáveis e divisíveis.

Não obstante as analogias entre as entidades acima indicadas e a

sociedade por ações, pode-se relacionar a moderna sociedade por ações

19 Curso de Direito Comercial Terrestre. 5.ed., 3. tir. Rio de Janeiro: Forense, 1976.20 Manual das Sociedades Anônimas. 9. ed., São Paulo: Atlas, 1997. p. 59.21 Curso de Direito Comercial Terrestre , cit., p. 469.

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diretamente às grandes companhias coloniais constituídas para a exploração

de seus domínios ultramarinos, nos séculos XVII e XVIII, na Holanda –

Companhia das Índias Orientais e Ocidentais (20.03.1602 e 03.06.1621), em

Portugal – Companhia de Comércio da Índia (1624); na Inglaterra – “East

Índia Company (1600), na França – Companhia da Índia Oriental//“Compagnie

du Nord” (1664) e no Brasil – Companhia Geral do Comércio do Brasil (1650).

As sociedades formadas no interesse do Estado eram constituídas por

força de um privilégio, ou seja, eram a princípio instituições de direito público.

Comenta Rubens Requião que através dessas sociedades poderosas o

príncipe exercia a dura política mercantilista, com interesses colonialistas,

diminuindo os obstáculos impostos pelo jogo diplomático nas cortes

européias22. As sociedades anônimas sugiram assim da conjunção de capitais

públicos e particulares.

Nas companhias coloniais a responsabilidade dos administradores não

estava bem definida, gozando estes de amplos poderes, além de vários

privilégios pessoais, o que se explica pela sua origem estatal, na época, o

poder real. A responsabilidade, portanto, não era propriamente voltada aos

acionistas, mas essencialmente ao soberano.

No Brasil, em 12.10.1808, foi constituído por iniciativa governamental, no

regime primitivo do privilégio, mediante Alvará do Príncipe Regente, o primeiro

Banco do Brasil na forma de sociedade anônima. Até 1848 outras sociedades

também foram criadas sob o regime do privilégio.

Com a Revolução Industrial e a conseqüente supremacia dos interesses

individualistas, o capitalismo se apropriou do sistema do privilégio com o

objetivo de concentrar capital e expandir-se. As sociedades então se

22 Rubens Requião, Aspectos Modernos de Direito Comercial (Estudos e pareceres). São Paulo:Saraiva, 1977. p. 86.

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desprendem da rígida tutela estatal, deixando de ser sociedades privilegiadas,

fruto de concessão dada pelo Estado através de lei especial e passando para

o sistema de autorização ou concessão.

Os reflexos destas mudanças foram percebidos no Brasil e, em 1849,

com o advento do Decreto nº 575, de 10 de janeiro de 1849, o governo

estabeleceu regras para a incorporação das sociedades anônimas,

introduzindo no ordenamento jurídico brasileiro o sistema previsto no Código

Francês de 1807, o da autorização ou concessão, devendo o governo

autorizar a constituição das sociedades aprovando os seus estatutos sociais,

o que, segundo José Xavier Carvalho de Mendonça, visava prevenir,

especialmente, os abusos das sociedades bancárias, que começavam a surgir

no Rio de Janeiro e nas capitais de algumas províncias23. No código

comercial brasileiro de 1850 o sistema da autorização ou concessão foi

mantido.

Posteriormente, com o advento das idéias do liberalismo jurídico o

sistema foi novamente alterado, passando a ser um sistema de

regulamentação positiva, ou seja, passou a ser livre a constituição de

sociedades por ações, devendo apenas ser observadas as normas

regulamentares da constituição. Além disso, passou a haver separação entre

a administração e os acionistas. O regime de plena liberdade iniciou-se na

Inglaterra, depois na França (1867), refletindo no Brasil em 1882, com a

edição da Lei 3.150 de 04.11.1882 (regulamentada pelo Decreto 8.821, de 30

de dezembro de 1882). Foi consagrado o princípio da liberdade de

constituição das sociedades por ações, exceto da constituição de sociedades

estrangeiras e nacionais destinadas à exploração de determinadas atividades.

Segundo conta José Xavier Carvalho de Mendonça, o membro do Parlamento

brasileiro Afonso Celso comentou a respeito da alteração durante a sessão do

23 José Xavier Carvalho de Mendonça, Tratado de Direito Comercial Brasileiro. 1. ed.Atualizado por Ricardo Negrão. Campinas: Editora Bookseller, 2000. V. I, Livro I. p. 91-92.

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Senado de 24 de abril de 1882: “Nessa trilogia, liberdade, publicidade e

responsabilidade, resume-se a missão da lei quanto às sociedades anônimas;

fora daí e além daí não há senão restrições injustificáveis ao direito

individual”24. Em 1940 foi promulgado o Decreto-lei n. 2.627, de 26 de

setembro25.

Arnoldo Wald comenta que foi após a crise econômica de 1930, e

especialmente após a Segunda Guerra Mundial, que a sociedade anônima

passou a sofrer uma completa renovação, em particular nos Estados Unidos,

passando a ser o grande instrumento do capitalismo. A Abertura do capital

das sociedades e a constituição dos grandes grupos permitiram a realização

do que Peter Drücker denominou “a revolução invisível”, que ocorreu à

medida que os fundos de pensão permitiram aos empregados o acesso à

propriedade das ações das companhias (sistema de stock option e a

participação acionária dos empregados)26.

24 José Xavier Carvalho de Mendonça, op. cit., p. 122.25 José Xavier Carvalho de Mendonça, op, cit., p. 197-198. Sociedades Anônimas: Decreto doGoverno Provisório n. 164, de 17 de janeiro de 1890, que no art. 43 declarou revogada a Lei 3.150,de 4 de novembro de 1882; Decreto n. 850, de 13 de outubro de 1890; Decreto n. 997, de 11 denovembro de 1890; Decreto n. 1.362, de 14 de fevereiro de 1891, que no art. 13 dispôs: “Em tudoquanto não esteja alterado por este decreto n. 8.821, de 30 do mesmo mês e ano, e o Decreto n.164, de 17 de janeiro de 1890”; Decreto n. 1.362, de 14 de fevereiro do mesmo ano. O Decreto n.434, de 4 de julho de 1891, consolidou as disposições legislativas e regulamentares sobre associedades anônimas. O Decreto n. 603, de 20 de outubro de 1891, aprovou e mandou executar oregulamento das companhias ou sociedades anônimas. Esse decreto instituiu uma comissão,nomeada pelo Governo e composta de três jurisconsultos, dos presidentes da Junta Comercial, daJunta dos Corretores e da Associação Comercial na Capital Federal e de três comerciantes, para,durante os dois primeiros anos de vigência do regulamento, receber as representações memoriais,relatórios, reclamações e quaisquer observações relativamente às lacunas ou defeitos do mesmoregulamento e à solução das dificuldades que se pudessem dar na sua execução. O Decreto n.698, de 22 de dezembro de 1891, revogou o Decreto n. 603, de 20 de outubro do mesmo ano, porexceder os limites da atribuição conferida ao Poder Executivo no art. 48, n. 1 da Constituição,consagrando disposições de caráter legislativo. Prevalece, e é hoje geralmente invocado, oDecreto n. 434, de 4 de julho de 1891, que condensou todas as disposições sobre sociedadesanônimas esparsas em tantos decretos. Nota. Ações Preferenciais – Decreto n. 21.535, de 15 dejunho de 1932. Decreto n. 23.324, de 6 de novembro de 1933 – substitui os arts. 137 e 138 doDecreto n. 434, de julho de 1891. Rege, hoje, as sociedades anônimas o Decreto-lei 2.627, desetembro de 1940.26 Reforma da Lei das Sociedades Anônimas. In: Jorge Lobo (Coord.). A Reforma da lei dasSociedades Anônimas: Os Direitos dos Minoritários n a Nova Lei das S.A . 2. ed., Rio deJaneiro: Forense, 2002, p. 220.

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31

As sociedades que predominavam até 1960 no Brasil eram quase

exclusivamente familiares e os seus conflitos se resolviam de maneira

doméstica. Somente com o início da industrialização após a Segunda Guerra

Mundial e as primeiras manifestações do capitalismo financeiro, o legislador

começou a se preocupar com a proteção do acionista minoritário e do

acionista preferencialista.

Com o advento da Lei n. 6.404/76, o legislador garantiu certo equilíbrio

entre os direitos e deveres do controlador. Segundo Arnoldo Wald,

“tecnicamente excelente e com uma visão prospectiva e didática, a Lei n.

6.404/76 constituiu um passo importante para a criação de um mercado

moderno de capitais no Brasil”27. O Estado acabou com a ampla liberdade

que tinham os acionistas de definirem a estrutura e o funcionamento das

sociedades, uma vez que regulou de forma quase que exaustiva as questões

inerentes a esse tipo de sociedade, ou seja, definiu a sua estrutura interna de

forma clara e precisa.

A abertura da economia brasileira, influenciada pela liberalização de

mercado (um dos pilares do Consenso de Washington), cria um novo contexto

para o direito societário a partir da década de 1990, em virtude (a) do ingresso

do capital estrangeiro no mercado de capitais, (b) do aumento da presença

em nosso país das multinacionais, não só norte-americanas como também

européias; (c) dos processos de reestruturação societária (fusões e

incorporações); (d) da transformação das antigas estatais e empresas

concessionárias; e (e) do fortalecimento dos fundos de pensão. O Brasil saiu,

portanto, de uma economia em grande parte dominada pelo capitalismo de

Estado para uma economia de mercado.

Nas palavras de João Luiz Coelho da Rocha,

27 Reforma da Lei das Sociedades Anônimas, op. cit., p. 223.

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Na medida em que a abertura econômica vai abrindo as portas deempreendimentos brasileiros a investidores externos a estruturacapitalista do país vai ganhando melhor peso específico, pois esse influxotraz consigo o componente cultural de sistemas mais evoluídos, onde seprestigia a abertura e a democratização de capitais28.

Nesse sentido, Joseph E. Stiglitz comenta que, de acordo com o

Consenso de Washington, o crescimento ocorre por meio da liberalização,

com a libertação dos mercados. Segundo ele, a privatização, a liberalização e

a macroestabilidade supostamente criam um clima que atrai investimentos,

incluindo os provenientes do exterior. Tais investimentos geram crescimento.

Além disso as empresas estrangeiras trazem consigo especialização técnica e

acesso a mercados estrangeiros, gerando novas oportunidades de emprego.29

Diante das privatizações, assim entendidas como a transformação das

indústrias e empresas estatais em indústrias e empresas privadas, o Estado

propôs modificações à Lei n. 6.404/76. Algumas alterações beneficiaram

exclusivamente os controladores, como, por exemplo, a eliminação da cisão

como causa do direito de recesso, a exclusão da incorporação, fusão e

participação em grupo de sociedade como causa do direito de recesso para os

titulares de ações. Tais operações passaram a ser realizadas sem a

necessidade de pagar o valor de reembolso aos minoritários dissidentes, ou

seja, os controladores podiam se apropriar integralmente de prêmio

decorrente da alienação de controle das companhias abertas, sem ter que

dividi-la com os minoritários.

Em contrapartida, algumas alterações beneficiaram os minoritários

preferencialistas, como a atribuição do direito ao recebimento de dividendos

sempre superiores aos pagos aos titulares de ações ordinárias, a atribuição

de maior consistência aos direitos políticos dos minoritários, a permissão aos

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minoritários do exercício de uma fiscalização mais eficaz sobre as contas da

sociedade e o fortalecimento da Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”)

como entidade responsável pela fiscalização das sociedades.

No início de ano 2000, o mercado de capitais no Brasil estava abalado,

principalmente por aspectos fiscais (com a criação da Contribuição Provisória

sobre Movimentações Financeiras – CPMF) e pela migração das ações para o

exterior (American Depositary Receipts – ADRs) e também pela necessidade

de uma reformulação na legislação societária. Diante deste cenário, a lei das

sociedades anônimas foi reformada pela Lei n. 10.303, de 31 de outubro de

2001, visando a proteção dos acionistas minoritários.

Em síntese sobre os reflexos da evolução das sociedades anônimas,

Rubens Requião acentua que as sociedades anônimas surgiram como

instrumento poderoso da economia capitalista privada. As três etapas –

privilégio, autorização e liberdade – não resultaram na extinção do sistema

anterior. No sistema atual persiste o regime de privilégio e autorização, pois

algumas sociedades ainda necessitam de carta de autorização (sociedades

estrangeiras, bancárias, de capitalização, de investimento) concedida pelo

poder público e outras são constituídas por lei, como as que exploram os

serviços públicos ou de comunicações e transportes e minas, em que se

fazem certas exigências de natureza nacionalista30.

Nas companhias coloniais não havia uma separação muito clara entre os

administradores e o grupo de acionistas. Informa Waldirio Bulgarelli que na

Companhia das Índias Ocidentais (holandesa) a assembléia de acionistas era

constituída por um número fixo de vinte administradores, e mais nove

nomeados pelos Estados Gerais. Somente com o advento do liberalismo,

quando as sociedades anônimas foram se tornando independentes do Estado,

30 Rubens Requião, Aspectos Modernos do Direito Comercial, cit., p. 87. Conforme disposto noartigo 300 da Lei n. 6.404/76, os artigos 59 a 73 do Decreto-Lei n. 2.627, de 1940, que tratam dascompanhias dependentes de autorização governamental, permanecem vigentes.

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especificamente com a lei francesa de 24 de julho de 1867, instituiu-se a

separação entre a administração e os acionistas, criando-se a Assembléia

Geral, com função deliberativa, a Administração, com função executiva e o

Conselho Fiscal, com função de fiscalização31.

Como vimos, o liberalismo resultou em mudanças profundas na

economia, e, como reflexo disso, as sociedades evoluíram e as normas

regulamentares foram sendo adaptadas. A expansão dos negócios em nível

internacional exigiu das sociedades interessadas na sua sobrevivência

mudanças na forma de administração, afinal os acionistas não teriam mais

condições de administrar seus negócios pessoalmente. Os acionistas

passaram então a conduzir seus negócios através da atribuição de funções

administrativas a terceiros (não sócios da sociedade), assumindo uma posição

de controle. Ou seja, a gerência deixou de ser exercida por quem detinha a

propriedade. A legislação, ao promover a separação da assembléia geral e

dos administradores e do conselho fiscal, permitiu a individualização das

funções, poderes e responsabilidades, facilitando o funcionamento interno e

externo das sociedades anônimas.

Apesar das alterações dos sistemas de constituição das sociedades

anônimas, em termos gerais, as sociedades anônimas modernas apresentam

as características que possuíam quando originadas, quais sejam: a)

personalidade jurídica, com patrimônio distinto em relação aos acionistas; b)

responsabilidade dos acionistas limitada à contribuição feita ao capital da

sociedade; c) capital dividido em ações e sua livre transferência. Durante sua

evolução outras características foram sendo introduzidas, entre elas

destacamos as de maior relevância diante do tema em estudo: a forma de

administração, a disciplina da responsabilidade dos administradores e as

normas visando a proteção dos acionistas minoritários.

31 Waldirio Bulgarelli, Manual das Sociedades Anônimas , cit., p.168.

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Veremos a seguir a estrutura organizacional das sociedades anônimas,

esclarecendo desde já que é através da atuação dos órgãos sociais que a

sociedade se manifesta.

II.2. Estrutura Organizacional das Sociedades Anôni mas

II.2.1. Assembléia Geral

A Assembléia Geral é o órgão de deliberação da sociedade que reúne

todos os acionistas, com ou sem direito a voto, revestido de poderes para

decidir amplamente todos os negócios relativos ao objeto da sociedade e para

tomar as decisões necessárias ao desenvolvimento de suas operações. Nas

palavras de João Eunápio Borges, “A assembléia são os acionistas...”32.

A competência de referido órgão foi consagrada pela Lei n. 6.404/76 (Lei

das Sociedades Anônimas/LSA), no artigo 121, que assim dispõe:

A assembléia geral, convocada e instalada de acordo com a lei e oestatuto, tem poderes para decidir todos os negócios relativos ao objetoda companhia e tomar as resoluções que julgar convenientes à suadefesa e desenvolvimento.

Diante do dispositivo legal acima, a assembléia geral somente adquire os

poderes indicados se convocada e instalada de acordo com a lei e o estatuto

social. Waldemar Ferreira a esse respeito comenta33:

É de suma importância a providência convocatória da assembléiageral. Não há como admitir esta sem aquela. Se os acionistas, ainda querepresentando a totalidade do capital, em dado momento, se juntam,ocasional ou intencionalmente; e, aproveitando-se do ensejo, deliberamsobre interesses sociais, isso não é assembléia geral. É ajuntamento. Etudo quanto se resolva é como se resolvido não fosse, mercê de suanulidade absoluta.

32 Curso de Direito Comercial Terrestre, cit., p. 469.

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Além dos poderes amplos mencionados, a assembléia geral também

possui poderes específicos, que conhecemos como “competência privativa”,

ou seja, somente este órgão pode deliberar sobre certas matérias, sendo

proibida a sua delegação. Tais matérias foram relacionadas de modo

exaustivo no artigo 122 da Lei n. 6.404/76.34

As assembléias ordinárias devem ser realizadas anualmente, nos quatro

primeiros meses após o término do exercício social para apreciar as seguintes

matérias: a) tomar as contas dos administradores, analisar, discutir e votar as

demonstrações financeiras; b) deliberar sobre a destinação do lucro líquido do

exercício e a distribuição de dividendos (artigo 132). As demais matérias não

previstas no referido artigo são objeto de assembléia geral extraordinária

(artigo 131).

Quanto à eleição dos administradores e os membros do Conselho Fiscal,

matérias relacionadas no artigo 132, não são típicas de sessão ordinária da

assembléia, porque também em assembléia extraordinária é possível

deliberar sobre ela. Fabio Ulhoa Coelho esclarece que certas matérias como a

substituição de um membro do conselho de administração que renuncia ou

33 O Estatuto do Comerciante e da Sociedade Mercantil. In: Instituições de Direito Comercial.Terceira edição comemorativa do centenário do Código Comercial do Império do Brasil. Rio deJaneiro: Livraria Freitas Bastos S.A., 1951. p. 365. v. I.34 “Art. 122. Compete privativamente à assembléia-geral:I - reformar o estatuto social;II - eleger ou destituir, a qualquer tempo, os administradores e fiscais da companhia, ressalvado odisposto no inciso II do art. 142;III - tomar, anualmente, as contas dos administradores e deliberar sobre as demonstraçõesfinanceiras por eles apresentadas;IV - autorizar a emissão de debêntures, ressalvado o disposto no § 1o do art. 59;V - suspender o exercício dos direitos do acionista (art. 120);VI - deliberar sobre a avaliação de bens com que o acionista concorrer para a formação do capitalsocial;VII - autorizar a emissão de partes beneficiárias;VIII - deliberar sobre transformação, fusão, incorporação e cisão da companhia, sua dissolução eliquidação, eleger e destituir liquidantes e julgar-lhes as contas; eIX - autorizar os administradores a confessar falência e pedir concordata.Parágrafo único. Em caso de urgência, a confissão de falência ou o pedido de concordata poderáser formulado pelos administradores, com a concordância do acionista controlador, se houver,convocando-se imediatamente a assembléia-geral, para manifestar-se sobre a matéria.”

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falece e a instalação do conselho fiscal a qualquer tempo podem ser de

apreciação de qualquer uma das espécies de assembléia.35

É possível a realização de uma assembléia geral, que seja ao mesmo

tempo ordinária e extraordinária. Uma vez preenchido o quórum exigido para

ambas, os acionistas podem deliberar sobre a matéria de competência da

assembléia ordinária e, em seguida, sobre a matéria constante da ordem do

dia da assembléia extraordinária. Na hipótese de não ser atingido quórum

para instalação de ambas, realiza-se apenas a assembléia que alcançou o

quórum para instalação e publica-se nova convocação para tratar das

matérias constantes da ordem do dia da assembléia que não pode ser

instalada.

A obrigatoriedade da realização da Assembléia Geral Ordinária após o

término do exercício social, para fins de aprovação das contas da

administração, também está prevista na legislação espanhola, portuguesa,

argentina, mexicana, equatoriana, francesa, italiana e alemã.

II.2.2. Administradores

Na esfera da administração das companhias, os sistemas adotados

universalmente são, basicamente, dois: (a) o unitário, tradicional,

correspondente a um estágio menos desenvolvido, que possui apenas um

órgão diretivo; (b) o bipartido, de certo modo recente, que distribui o exercício

da administração entre dois órgãos (conselho de administração e diretoria).

Fabio Ulhoa Coelho refere-se a Luís Brito Correia, que comenta ser a

tentação inicial tomar-se por monista o sistema em que a lei concentra a

administração da companhia num único órgão, e por dualista aquele em que

35 Curso de Direito Comercial. 8ª ed., São Paulo: Saraiva. 2005. v. 2, p. 197.

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os encargos administrativos são distribuídos entre dois. Neste sentido,

segundo o autor Fabio Ulhoa Coelho, o correto

é deslocar o foco do número de órgãos administrativos para o de órgãoscom competência para fiscalização e supervisão da administração: se éesta privativa da assembléia geral, o sistema é monista; se concorrentecom outro órgão, dualista36.

Paulo Fernando Campos Salles de Toledo ensina que o sistema dualista

puro, caracterizado pela divisão bem definida das funções de cada órgão,

encontra-se na Alemanha, introduzido em 1937 e aperfeiçoado em 1965. Na

França, desde 1940, o sistema previa a instituição de um conselho de

administração apenas e, em 1966, distinguiu as funções de supervisão e as

diretivas, apesar de não ter reduzido os poderes da assembléia geral como

aconteceu na Alemanha. A legislação italiana por sua vez adota o sistema

unitário no plano formal, permitindo, no entanto, que sejam criados

organismos distintos, um com função supervisional e outro com função

executiva. No modelo norte-americano, a estrutura da administração é

basicamente dualística, conforme explica o autor “... o board of directors,

embora potencialmente dotado de funções Executivas, não as exerce,

delegando-as aos officers, que, de fato e de direito, gerem a sociedade”37.

Em relação ao modelo norte-americano, observa-se que em pequenas e

grandes sociedades, a estrutura de organização da administração acima

referida não reflete a realidade. Nesse sentido, transcrevemos abaixo os

ensinamentos de Steven L. Emanuel38:

1. The statutory scheme. The statutory scheme may be

summarized as follows:

36 Curso de Direito Comercial. Direito de Empresa. 10ª ed., São Paulo: Saraiva. 2007. p. 236.37 Fernando Campos Salles de Toledo, O Conselho de Administração na Sociedade Anônima .2ª ed., São Paulo: Atlas, 1999, p. 15 a 18 e 22/23.38 Steven L. Emanuel, Corporations. 5ª ed., EUA: Editora Aspen, 2005. p. 54.

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a) Shareholders. The shareholders act principally through two

mechanisms (1) electing and removing directors, and (2) approving or

disapproving fundamental or non-ordinary changes (e.g., mergers)

b) Directors. The directors manage the corporations business.

That is, they formulate policy, and appoint officers to carry out that policy.

c) Officers The corporations. officers administer the day-to-

day affairs of the corporation, under the supervision of the board.

2. Inappropriate structure for very large or very small corporations

For very large or very small corporations, this statutory scheme does not

reflect reality. For instance, a small closely-held corporation generally

does not have its affairs managed by the board of directors – the

shareholders usually do not act as a body of directors, and the controlling

shareholders often disregard any non-shareholder directors). At the other

end of the spectrum, a very large publicly-held company is really run by its

officers, and the board of directors frequently serves as little more than a

rubber stamp to approve decisions made by officers.

Na Espanha, apenas a Assembléia Geral (“Junta General”) detém

poderes de fiscalização. A representação das sociedades, em juízo ou fora

dele, corresponde aos administradores, sendo que quando a administração é

concedida a mais de uma pessoa, constitui-se o Conselho de Administração

(artigos 95 e 128 da Lei n. 1.564/1989).

Em Portugal, a administração e a fiscalização da sociedade podem ser

estruturadas segundo uma das seguintes modalidades: (a) Conselho de

Administração e Conselho Fiscal; (b) Direção, Conselho Geral e Revisor

Oficial de Contas; e, em determinadas situações, (c) um administrador e um

fiscal único (o fiscal único tem sempre um suplente). O fiscal único e o

suplente ou, no caso de existência de conselho fiscal, um membro efetivo e

um dos suplentes, têm de ser revisores oficiais de contas ou sociedades de

revisores oficiais de contas e não podem ser acionistas. Os demais membros

do conselho fiscal podem igualmente não ser acionistas, mas devem ser

pessoas físicas com capacidade jurídica plena, exceto se forem sociedades

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de advogados ou sociedades de revisores oficiais de contas. A Assembléia

Geral também tem a competência de fiscalizar a administração da sociedade,

de modo que podemos concluir ter sido adotado pela legislação societária

portuguesa o sistema dualista (artigos 278, 390 e 413 do Decreto-Lei n.

262/86).

No Equador, a fiscalização da sociedade é atribuição dos acionistas e

também do chamado “comisario” (eleitos pela Assembléia Geral – “Junta

General”), ou ainda do órgão ou pessoa definida pelo estatuto social da

sociedade. Tais pessoas, que podem ser acionistas ou não, têm direito

ilimitado de inspeção e vigilância sobre todas as operações sociais, sem

qualquer dependência da administração, no interesse da sociedade. Os

administradores da sociedade são nomeados pela Assembléia Geral. Quando

a administração é conferida conjuntamente a várias pessoas, estas

constituirão o conselho de administração. Pode também o estatuto social

atribuir a gerentes e diretores (não membros do conselho de administração)

poderes de representação da sociedade. (artigos 251 a 274 da Lei de

Companhias – Registro Oficial N° 312 / 5 de novembr o de 1999).

Na Argentina o sistema também é dualista. A Assembléia Geral (de

Acionistas) é o órgão de governo da sociedade. O órgão da administração e

representação é o “directorio”. Referido órgão pode ser unipessoal ou plural.

No caso do directorio plural, se não indicada a obrigação de atuação conjunta,

entende-se que os seus membros podem atuar indistintamente. Neste caso,

podem-se estabelecer as funções de cada membro, o que é importante para a

delimitação da sua responsabilidade. Ainda assim, a atuação do directorio

pode ser colegiada, neste caso as decisões serão adotadas de forma

colegiada e por maioria. Em relação à fiscalização da sociedade, a legislação

faculta a criação de um órgão de fiscalização, denominado sindicatura ou

conselho de vigilância, integrado necessariamente por contadores ou

advogados diplomados em universidades argentinas. Sua existência é

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optativa, no entanto, caso se decida não constituí-lo, a Assembléia Geral

deverá nomear diretores suplentes (artigo 256 da Lei n. 19.550/84).

No México, a administração da sociedade anônima é exercida por um ou

vários mandatários, sendo que, quando forem nomeados mais de dois

administradores, será formado o Conselho de Administração. A assembléia

geral, o administrador ou o Conselho de Administração pode nomear um ou

vários Gerentes Gerais ou Especiais. A fiscalização da sociedade é exercida

por um ou vários comissários, os quais podem ser acionistas ou pessoas

estranhas à sociedade (artigos 142, 143, 145 e 164 da Lei Geral de

Sociedades Mercantis, publicada no Diário Oficial da Federação Mexicana em

04 de agosto de 1934).

No Brasil, na vigência da lei de 1940, a administração das sociedades

era exercida pela Diretoria (“sistema unitário”), sendo que cada membro era

responsável pessoal e solidariamente pelos atos de gestão praticados. O

conselho de administração foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro

com a edição da Lei n. 4.595, de 31 de dezembro de 1964, que instituiu o

Sistema Financeiro Nacional (Reforma bancária). Suas funções restringiam-se

à elaboração da política da companhia e à apresentação de relatório à

assembléia geral39.

Com a edição da Lei n. 6.404/76, acompanhando a tendência das

modernas legislações européias, instituiu-se a obrigatoriedade de constituição

de um conselho de administração, órgão societário independente e autônomo,

decisório e colegiado, situado entre a assembléia geral de acionistas e a

diretoria nas sociedades anônimas. Conforme observa Fabio Ulhoa Coelho,

39 “Art. 34. É vedado às instituições financeiras conceder empréstimos ou adiantamentos: I - A seus diretores e membros dos conselhos consultivos ou administrativo, fiscais esemelhantes, bem como aos respectivos cônjuges.”

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somente com o advento da Lei n. 6.404/76 é que o conselho de administração

ganha funções de fiscalização, supervisão e controle da diretoria40.

É importante observar que a duplicidade de órgãos é obrigatória apenas

nas sociedades de economia mista, nas companhias abertas e nas

companhias com capital autorizado, não sendo, portanto, obrigatória para as

companhias fechadas. Por esta razão, pode-se afirmar que convivem, entre

nós, os dois sistemas41.

Segundo Modesto Carvalhosa, a razão efetiva da adoção do sistema

dualista no Brasil pode ser encontrada no perfil empresarial e no projeto do

governo de acelerar a economia de escala na esfera privada de produção de

bens e serviços, mediante a criação de conglomerados globais liderados pelos

grandes bancos. Na formação de joint ventures entre grupos nacionais e

estrangeiros, o conselho era o órgão executor e fiscalizador do cumprimento

dos acordos de acionistas, ou seja, era o órgão de execução dos acordos de

acionistas42.

II.2.2.1. Conselho de Administração

O conselho de administração é um órgão de deliberação colegiada43 e

fiscalizador, todavia com certa conotação política, tanto que é eleito pelos

acionistas e só pode fazer parte dele quem seja acionista pessoa natural44. O

40 Curso de Direito Comercial. Direito de Empresa , cit., p. 238.41 Fabio Ulhoa Coelho, op. cit., p. 238.42 Modesto Carvalhosa e Nilton Latorraca, Comentários à Lei de Sociedades Anônimas . SãoPaulo: Saraiva, 1997. p. 7, v. 3.43 “Deliberação é modo de decidir, ou seja, processo em que a formação e manifestação davontade de um órgão necessariamente se dá mediante a reunião de seus membros regularmenteconvocados e com um quorum mínimo de instalação, decidindo o órgão por votação majoritáriados presentes, que livremente manifestam e trocam, para tanto, suas opiniões individuais”(Modesto Carvalhosa e Nilton Latorraca, op. cit., p. 10).44 João Luiz Coelho da Rocha lamenta a lei brasileira ter restringido os membros do conselho aacionistas pessoas físicas. “É pena que a lei brasileira – por emenda legislativa, pois que decertonão era essa a vocação originada dos renomados autores do anteprojeto – restringiu (art. 146) aacionistas e pessoas físicas os assentos no Conselho, seguindo a orientação estreita da lei alemã

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número de conselheiros deve ser fixado pelo estatuto, sendo no mínimo três.

Devem ser eleitos pela assembléia geral, com prazo de gestão máximo de

três anos.

Como vimos, sua existência é obrigatória apenas nas sociedades de

economia mista, nas companhias abertas e nas companhias com capital

autorizado. Todavia, o Código de Melhores Práticas de Governança

Corporativa, editado pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa,

recomenda que as sociedades de capital fechado tenham conselho de

administração45.

de 1965, ao contrário das tendências mais modernas albergadas no Direito norte-americano ondeas pessoas jurídicas, acionistas freqüentes, podem ir ao conselho por um “presentante” (apudPontes de Miranda) seu. Nos bons estudos do Direito italiano sobre a matéria (Ettore Gliozzi,“Societa di capitali”, Riv. Delle Societá, 1968, p. 93) e que refletem a vertente em proibir-sepresença de pessoas jurídicas no Conselho, fala-se nas dificuldades de se atribuir asresponsabilizações de ofício ao ente moral, imaterial.” Particularidades do Conselho deAdministração das Sociedades Anônimas, cit., p. 61.45 Código de Melhores Práticas de Governaça Corporativa. Disponível em htttp://www.cvm.gov.br.Item 2.01. “independente de sua forma societária e de ser aberta ou fechada, a empresa deve terconselho de administração”.O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa é uma entidade sem fins lucrativos fundada em1995. É o primeiro órgão criado no Brasil com foco específico em Governança Corporativa. No siteé possível conhecermos um pouco da sua história. A primeira denominação adotada foi InstitutoBrasileiro de Conselheiros de Administração – IBCA –, com foco no Conselho de Administração.No entanto, com a ampliação de suas preocupações, para abranger também a propriedade, aDiretoria, o Conselho Fiscal e a Auditoria Independente, no início de 1999 a entidade passou adenominar-se Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – IBGC. O primeiro princípio degovernança do Instituto é seguir o Código Brasileiro das Melhores Práticas de GovernançaCorporativa, mantendo a coerência com aquilo que prega. Desde sua fundação, o IBGC, atravésde seu corpo diretivo e de associados, acompanha de perto e de maneira independente diversasentidades estrangeiras afins, mantendo-se dessa forma atualizado e integrado com o que ocorrenos demais países. Algumas das entidades a que está ligado são:* Nos Estados Unidos, a National Association of Corporate Directors, a Harvard Business School, aWharton School, o Family Firm Institute e o Global Corporate Governance Research Center;*Na Inglaterra, o Institute of Directors e o International Corporate Governance Network;* Na Suécia, a StyrelseAkademien;* Na Espanha, o Instituto de Estudios Superiores de la Empresa;* Na Suíça, o Family Business Network.Resultado desse trabalho é o reconhecimento internacional do IBGC como entidade representativada Governança Corporativa no Brasil. O IBGC também mantém ligações com o Banco Mundial e aOrganização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, com os quais organizou aprimeira edição da "The Latin American Corporate Governance Roundtable", realizada em SãoPaulo, em Abril de 2.000. Seus objetivos são basicamente:

• Ser o Brasil um importante centro de debates sobre assuntos relativos à governançacorporativa;

• Formar profissionais qualificados para atuação em conselhos de administração, fiscal,consultivo e outros;

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44

É importante ressaltar a existência de situações em que há impedimento

legal quanto à companhia ter conselho de administração, como são os casos

de: (a) subsidiária integral, haja vista possuir apenas um acionista (caput do

artigo 251 da Lei societária), o que impede a constituição de um órgão

colegiado; (b) sociedades com apenas dois sócios, uma vez que no mínimo

três acionistas devem compor o conselho de administração; (c) sociedades

em comandita por ações (artigo 284)46.

Conforme já mencionado, o conselho de administração é um órgão

colegiado com competência decisória. Por ser um órgão colegiado, as

deliberações dos conselheiros somente são válidas se originadas de reunião

devidamente convocada e instalada, ou seja, todo ato individual de qualquer

dos membros do conselho de administração não tem validade e, portanto, é

ineficaz. Não obstante esta característica do conselho de administração, cada

um de seus membros está autorizado a questionar individualmente os atos de

gestão dos diretores, como objetivo de controle da legitimidade de tais atos,

• Estimular a capacitação profissional de acionistas, sócios quotistas, diretores,

administradores, auditores, membros de conselhos de administração, fiscal, consultivo eoutros, de forma que os mesmos aprimorem as práticas de governança corporativa desuas empresas;

• Treinar e orientar as atividades de conselhos de administração, fiscal, consultivo e outrosde empresas e instituições que pretendam implantar sistemas de excelência emgovernança corporativa;

• Divulgar e debater idéias e conceitos de governança corporativa, acompanhando eparticipando, com independência, de instituições que tenham propósitos afins, em âmbitonacional e internacional;

• Promover pesquisas sobre a governança corporativa;• Contribuir para que as empresas adotem transparência, prestação de contas

(accountability) e eqüidade como diretrizes fundamentais ao seu sucesso e continuidade.

46 Lei n. 6.404/76. “Art. 251. A companhia pode ser constituída, mediante escritura pública, tendocomo único acionista sociedade brasileira.”; “Art. 284. Não se aplica à sociedade em comandita porações o disposto nesta Lei sobre conselho de administração, autorização estatutária de aumentode capital e emissão de bônus de subscrição.”

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45

bem como a eficácia da administração e sua consonância com as diretrizes,

normas e resoluções tomadas pelo Conselho47.

Note que se aplica ao conselho de administração a mesma regra de

competência que a lei prevê para os membros do conselho fiscal, como

veremos a seguir. Os membros do conselho de administração são, portanto,

competentes para diligenciar, junto aos diretores, as informações que

entenderem necessárias ao conhecimento do conselho.

A Lei societária atribui algumas competências originalmente conferidas à

assembléia geral, visando tornar mais rápido o processo de tomada de

decisão e, por conseqüência, o funcionamento da sociedade. Na forma do

artigo 142 da Lei das Sociedades Anônimas, sem prejuízo de outras funções

que lhe sejam atribuídas pelo estatuto social, o conselho tem a seguinte

competência:

(a) fixar a orientação geral dos negócios da companhia;

(b) eleger e destituir os diretores, estabelecendo-lhes as atribuições;

(c) supervisionar e fiscalizar os atos de gestão da Diretoria;

(d) examinar e aprovar as contas e o relatório da administração, bem

como os contratos de maior relevância;

(e) deliberar sobre a emissão de ações ou de bônus de subscrição,

quando autorizado pelo estatuto;

(f) autorizar a alienação de bens do ativo permanente, a constituição de

ônus reais e a prestação de garantias a obrigações de terceiros (a não ser

que o estatuto atribua esta competência à assembléia geral);

(g) escolher e destituir os auditores independentes.

47 Modesto Carvalhosa, e Nilton Latorraca, Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, cit., p.46.

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46

O conselho de administração pode deliberar sobre outras matérias do

interesse da companhia, exceto aquelas de competência privativa da

assembléia geral.

O Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa assim dispõe

a respeito da missão do conselho de administração.

2.02. Missão do conselho de administração. A missão do conselhode administração é proteger o patrimônio e maximizar o retorno doinvestimento dos proprietários, agregando valor ao empreendimento. Oconselho de administração deve zelar pela manutenção dos valores daempresa, crenças e propósitos dos proprietários, discutidos, aprovados erevistos em reunião do conselho de administração.

Cabe ao estatuto social estabelecer as regras referentes ao

funcionamento do conselho de administração, prevendo o número de

conselheiros, o método de escolha e substituição do presidente do órgão, a

forma de substituição dos conselheiros, o prazo de gestão observando-se o

limite máximo de três anos e as normas a respeito da convocação, instalação

e funcionamento do conselho (artigo 140 da Lei das Sociedades Anônimas). O

estatuto social pode ainda prever a elaboração de um regimento interno, com

o objetivo de estabelecer claramente as responsabilidades e atribuições deste

órgão, evitando situações de conflitos com a diretoria executiva, notadamente

como o Executivo Principal (CEO)48.

O Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa ainda prevê

que o conselho de administração deve estimular a criação formal de um

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47

A eleição dos conselheiros pode ocorrer por votação majoritária (por

chapa ou por candidatura isolada) ou mediante votação proporcional,

conforme previsto no estatuto social. Diante da omissão, cabe à mesa diretora

da assembléia escolher a modalidade de votação.

A legislação societária ainda prevê o voto múltiplo e a eleição em

separado. Na modalidade de voto múltiplo, cada ação dispõe de tantos votos

quantos sejam os cargos a preencher, permitindo aos acionistas a distribuição

dos votos entre os candidatos existentes ou a concentração em um único

candidato. A eleição em separado de um membro do conselho é facultada

aos acionistas minoritários de companhias abertas, titulares de ações com

direito de voto e de acionistas preferenciais sem direito de voto ou com voto

restrito49. O estatuto social pode ainda prever a participação de

representantes de empregados, escolhidos por voto destes (artigo 140,

parágrafo único, da Lei das Sociedades Anônimas).

A legislação societária determina que a escolha e a destituição do auditor

independente ficam sujeitas a veto, devidamente fundamentado, dos

conselheiros eleitos pelos minoritários, assegurando com isso maior

participação aos minoritários no conselho (art. 142, parágrafo segundo).

48 INSTITUTO BRASILEIRO DE GOVERNANÇA CORPORATIVA. Código das Melhores Práticasde Governança Corporativa. Rio de Janeiro, abr. 2001. Disponível em http://www.ibgc.org.br.Acesso em 26 de dezembro de 2006.49 Art. 141 da Lei n. 6.404/76. “Na eleição dos conselheiros, é facultado aos acionistas querepresentem, no mínimo, 0,1 (um décimo) do capital social com direito a voto, esteja ou nãoprevisto no estatuto, requerer a adoção do processo de voto múltiplo, atribuindo-se a cada açãotantos votos quantos sejam os membros do conselho, e reconhecido ao acionista o direito decumular os votos num só candidato ou distribuí-los entre vários.

§ 4o Terão direito de eleger e destituir um membro e seu suplente do conselho deadministração, em votação em separado na assembléia-geral, excluído o acionista controlador, amaioria dos titulares, respectivamente:

I - de ações de emissão de companhia aberta com direito a voto, que representem, pelomenos, 15% (quinze por cento) do total das ações com direito a voto; e

II - de ações preferenciais sem direito a voto ou com voto restrito de emissão de companhiaaberta, que representem, no mínimo, 10% (dez por cento) do capital social, que não houveremexercido o direito previsto no estatuto, em conformidade com o art. 18.”

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Por exercerem cargo de confiança da assembléia geral, os conselheiros

podem ser destituídos a qualquer tempo pela maioria dos votos dos acionistas

nela presentes. O mandato pode ser interrompido sem motivação50.

De acordo com a legislação societária, somente podem ser membros do

conselho de administração pessoas naturais residentes no País e acionistas

da sociedade, conforme já mencionado acima. São inelegíveis para o cargo

de administrador (artigo 147 da Lei das Sociedades Anônimas): (a) as

pessoas impedidas por lei especial, ou condenadas por crime falimentar, de

prevaricação, peita ou suborno, concussão, peculato, contra a economia

popular, a fé pública ou a propriedade, ou a pena c

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ocupem cargos (de administrador, fiscal, membro de órgão consultivo ou

qualquer outro, mesmo sob o regime trabalhista) em sociedades concorrentes

e tenham interesse conflitante com os da companhia, caso a Assembléia não

se oponha. Os impedimentos e incompatibilidades legais prevalecem tanto

para a eleição como para a destituição dos administradores52.

Ainda em relação à qualificação dos membros do conselho de

administração, o Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa

editado pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa assim dispõe 53:

2.10. Qualificação do conselheiro:

O conselheiro deve ter:• integridade pessoal• capacidade de ler e entender relatórios financeiros• ausência de conflitos de interesse• disponibilidade de tempo• motivação• alinhamento com os valores da empresa• conhecimento das melhores práticas de governança

corporativa.

Na composição do conselho devem estar presentes entre osmembros as seguintes experiências ou conhecimentos:

• experiência de participação em bons conselhos deadministração, ou seja, os reconhecidos por sua excelência

• experiências como Executivo Principal• experiências em administrar crises• conhecimentos de finanças• conhecimentos contábeis• conhecimentos do ramo da empresa• conhecimentos do mercado internacional• visão estratégica• contatos de interesse da empresa

A maioria do conselho deve ser formada por conselheirosindependentes.

I- diretores e sócios-gerentes em exercício; II- ex-administradores que tenham exercido cargos de diretor ou sócio-gerente eminstituições do Sistema Financeiro Nacional por mais de cinco anos, exceto em cooperativas decrédito; III - pretendentes a cargos em cooperativas de crédito e em sociedades de crédito aomicroempreendedor.”52 Modesto Carvalhosa e Nilton Latorraca, op. cit., p. 147.53 Lançado no dia 06.05.1999.

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O conselho, como um todo, deve reunir diversidade deconhecimentos e experiências.

A Cartilha de melhores práticas de Governança Corporativa, editada pela

CVM assim comenta a respeito das atribuições e dos objetivos do conselho de

administração.

II.1. O conselho de administração deve atuar de forma a proteger opatrimônio da companhia, perseguir a consecução de seu objeto social eorientar a diretoria a fim de maximizar o retorno do investimento,agregando valor ao empreendimento. O conselho de administração deveter de cinco a nove membros tecnicamente qualificados, com pelo menosdois membros com experiência em finanças e responsabilidade deacompanhar mais detalhadamente as práticas contábeis adotadas. Oconselho deve ter o maior número possível de membros independentesda administração da companhia. Para companhias com controlecompartilhado, pode se justificar um número superior a nove membros. Omandato de todos os conselheiros deve ser unificado, com prazo degestão de um ano, permitida a reeleição.” 54

Portanto, de acordo com o artigo 154 da Lei das Sociedades Anônimas,

os administradores devem exercer suas funções para alcançar os fins e no

interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função

social da empresa. Os administradores têm inclusive responsabilidades

sociais com os empregados e para com a comunidade em que a companhia

por eles administrada atua. Conforme comenta Norma Parente “os

administradores recebem da lei incumbências que ultrapassam a simples

54 Consta do código das melhores práticas de governança corporativa a seguinte definição deindependência: “2.12. O conselheiro independente se caracteriza por:- Não ter qualquer vínculo com a sociedade, exceto eventual participação de capital;- Não ser acionista controlador, membro do grupo de controle, cônjuge ou parente até segundograu destes, ou ser vinculado a organizações relacionadas ao acionista controlador;- Não ter sido empregado ou diretor da sociedade ou de alguma de suas subsidiárias;- Não estar fornecendo ou comprando, direta ou indiretamente, serviços e/ou produtos àsociedade;- Não ser funcionário ou diretor de entidade que esteja oferecendo serviços e/ou produtos àsociedade;- Não ser cônjuge ou parente até segundo grau de algum diretor ou gerente da sociedade; e- Não receber outra remuneração da sociedade além dos honorários de conselheiro (dividendosoriundos de eventual participação no capital estão excluídos desta restrição).”

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gestão da empresa para atuarem como coadjuvantes do Estado no seu

processo de satisfazer o bem público55.

Nas companhias abertas, a obrigatoriedade do Conselho de

Administração fundamenta-se formalmente na necessidade de conciliar os

interesses dos acionistas controladores e da comunidade minoritária de

investidores de mercado.

Outro motivo seria a necessidade de especialização e profissionalização

da Diretoria, donde cabe melhor aos controladores atuação no Conselho de

Administração, deixando aos profissionais de administração empresarial as

funções executivas na condução da companhia.

Questiona-se, contudo, a real serventia do Conselho de Administração

nos últimos anos, uma vez que no Brasil ele acaba por ser considerado um

órgão meramente homologatório, havendo determinados profissionais que

cumulam a presença em numerosos conselhos, sem o preparo técnico

adequado ao exercício das funções de administrador.

Alguns argumentam que seria devido ao fato de o Conselho de

Administração ser órgão de execução de acordos de acionistas, o qual

posiciona, em termos de privilégios, determinados grupos influentes de

acionistas minoritários nas joint ventures e nos conglomerados.

Na atualidade, entende-se que o poder efetivo de administração está nas

mãos dos diretores, constituindo o Conselho um órgão meramente

homologatório dos atos praticados por aqueles.

55 Reforma da Lei das Sociedades Anônimas, Jorge Lobo (Coord.), Principais InovaçõesIntroduzidas pela Lei n. 10.303, de 31 de outubro de 2001, à Lei de Sociedades por Ações, cit., p.31.

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Não obstante, e diferentemente de outros países, o Conselho de

Administração representa apenas o fator capital na sociedade anônima, na

medida em que somente os acionistas podem fazer parte do órgão.

Nos Estados Unidos cada vez mais se separam as funções da

presidência do conselho e do presidente da companhia. De acordo com a

legislação, ao conselho de administração competem duas atividades básicas:

a definição de políticas para a empresa e a fiscalização dos diretores. A

diretoria é o órgão de execução das atividades, sendo conflitante, em tese, a

presença de uma mesma pessoa nos dois órgãos de decisão, principalmente

na presidência de ambos56.

A existência do Conselho de Administração não altera em nada as

funções, encargos e responsabilidade dos diretores, a não ser pelo fato de

que serão, nessa hipótese, eleitos por aquele colegiado e não pela

Assembléia Geral, conforme veremos a seguir.

II.2.2.2. Diretoria

Os diretores integram um órgão não colegiado, diferentemente do

conselho de administração, exceto se previsto no Estatuto a tomada de

decisão de forma colegiada. É um órgão obrigatório em todas as companhias,

sendo que as funções estatutárias devem ser individualmente cumpridas, com

total responsabilidade pessoal pelos atos praticados no exercício das funções,

como veremos no capítulo que trata das responsabilidades dos

administradores.

56 Arnoldo Wald, Luiza Rangel de Moraes, Alguns Aspectos do Controle e da Gestão deCompanhias no Projeto de Reforma da Lei das Sociedades por Ações – Considerações Gerais.Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem. São Paulo, v. 8, ano 3,p. 23-24, abr.-jun. de 2000. Editora Revista dos Tribunais.

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Cada diretor, nos limites de suas funções, manifesta unilateralmente a

vontade social. Tem essa vontade individual efeitos jurídicos externos, já que

cabe a cada diretor, por lei e na forma do estatuto, a representação orgânica

da sociedade.

Embora não seja um órgão colegiado, a legislação societária não impede

que o estatuto estabeleça que determinadas decisões sejam tomadas em

reunião (artigo 143). Tais deliberações não desnaturam a responsabilidade

individual dos diretores57.

A representação legal da companhia cabe exclusivamente aos diretores

(artigo 138), não podendo ser atribuída a qualquer outro órgão da sociedade.

O estatuto social pode estabelecer regras específicas de representação,

determinando quando será ela exercida em conjunto ou isoladamente, em

decorrência de negócios jurídicos envolvidos e de sua alçada. Todavia, se o

estatuto for omisso e inexistindo deliberação a este respeito do conselho de

administração, competirá a qualquer diretor a representação da companhia

(artigo 144).

A diretoria deve ser composta de duas ou mais pessoas físicas

residentes no País, acionistas ou não (artigo 146), sendo que apenas 1/3 dos

membros do conselho de administração podem ser eleitos para cargos de

diretoria.

Cabe ao estatuto social dispor a respeito do número de diretores (mínimo

e máximo), do modo de substituição, do prazo de gestão, o qual não poderá

ser superior a três anos, sendo permitida a reeleição, e das atribuições e

poderes de cada diretor. São inelegíveis as pessoas mencionadas no item

II.2.2.1 acima. Podem ser destituídos pelo conselho de administração (no

57 Modesto Carvalhosa, Comentários , cit., p. 11.

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54

caso de administração bipartida) ou pela assembléia geral (no caso de

administração unitária).

Em relação às atribuições e poderes dos diretores, o estatuto deve defini-

los de forma clara, haja vista que a responsabilidade do administrador será

julgada sempre nos limites de suas atribuições.

Os poderes e as atribuições dos diretores são indelegáveis, não podendo

transferi-los a outro órgão (art. 139), todavia não estão eles impedidos de

constituir mandatários da companhia para a prática de atos específicos de

administração. Observe que não há delegação de poderes, na realidade a

própria companhia é que outorga o mandato e não os diretores (art. 144,

parágrafo único).

II.2.3. Conselho fiscal

Diante da impossibilidade de os acionistas fiscalizarem de modo

permanente e eficaz o desenrolar das atividades das sociedades, a legislação

instituiu o Conselho Fiscal. No Brasil, o Decreto-Lei n. 2.627 de 1940 instituiu

este órgão incumbindo-lhe a função de “examinar, em qualquer tempo, pelo

menos de três em três meses, os livros e papéis da sociedade, o estado de

caixa e da carteira, devendo os diretores ou liquidantes fornecer-lhes as

informações solicitadas”.

A Lei n. 6.404/76 reforçou os poderes do órgão fiscalizador estendendo

suas funções e conseqüentemente suas responsabilidades, passando a ter as

seguintes atribuições: fiscalizar os administradores da companhia, opinar

sobre propostas e sobre o relatório anual da administração, bem como

denunciar aos órgãos de administração e à assembléia geral (quando a

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55

administração não tomar providências) os erros, fraudes ou crimes

descobertos.

Podemos dizer que de certo modo o conselho fiscal substitui e

representa os acionistas na sua função de controle junto à administração da

sociedade. Fabio Ulhoa Coelho define o conselho fiscal como “órgão de

assessoramento da assembléia geral na votação das matérias atinentes à

regularidade dos atos de administração da companhia”58.

João Eunápio Borges entende que as atribuições do conselho fiscal

podem ser equiparadas, em importância e responsabilidade, às da diretoria,

haja vista ser o conselho fiscal responsável pela fiscalização da diretoria, a

qual foi eleita pelos próprios acionistas. Assim comenta:

Se se pudesse falar, legal e teoricamente, em predominânciahierárquica de um órgão sobre o outro, seria a diretoria o órgão de menorimportância, porque subordinado, de certo modo, ao conselho fiscal, querepresenta e substitui, perante os diretores, a assembléia geral de quedependem e da qual recebem os poderes que exercem59.

João Eunápio Borges, no entanto, enfatiza que na prática é a diretoria,

diante do controle que exerce sobre a assembléia, que escolhe os seus

fiscais, de modo que o conselho fiscal transformou-se em órgão decorativo.

Essa prática pode ser verificada em outros países como Portugal,

Equador, México e Argentina, onde muitas vezes os conselheiros fiscais

atuam em parceria com os administradores, informando-os sobre os aspectos

relevantes apontados, evitando assim que os acionistas conheçam os erros

praticados pelos administradores, o que distorce a real função e finalidade dos

fiscais. Isso ocorre, obviamente, quando nenhum dos fiscais é acionista.

58 Curso de Direito Comercial. Direito de Empresa , cit., p. 230.59 Curso de Direito Terrestre cit., p. 499.

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Enfim, os conselheiros fiscais devem não somente atender aos

interesses daqueles que os elegeram, mas também aos interesses públicos,

afinal a lei deu-lhes por incumbência denunciar os erros, fraudes ou crimes60.

Suas atribuições e poderes, conferidos pela lei, não podem ser outorgados a

outro órgão da sociedade (art. 163, parágrafo 7).

É importante observar que a Lei n. 6.404/76 confere ao conselho de

administração poderes de fiscalização (art. 142, inciso III), todavia as

fiscalizações exercidas pelos conselhos fiscal e de administração são

distintas, conforme dispõe Fabio Ulhoa Coelho.

(...) o conselho de administração, ao fiscalizar os diretores, exercecompetência não limitada à legalidade ou adequabilidade contábil dosatos praticados, mas também abrangente da sua economicidade,conveniência, oportunidade e quaisquer outros aspectos que tomar porrelevantes. Ao conselho fiscal não cabe entrar no mérito da decisãoadotada pelos diretores na condução dos negócios sociais, porque elenão os pode substituir na administração da empresa. Já o conselho deadministração, ao fiscalizar a diretoria, tem poderes para questionarqualquer ato praticado, na forma ou no conteúdo, bem como determinaras correções possíveis, se entender pertinente, ou sustar providênciasem andamento. Convém recordar, a propósito, que, no Brasil, o conselhode administração, embora detenha poderes para tanto, não costumaingerir-se nos assuntos da diretoria61.

O Conselho Fiscal é um órgão colegiado da companhia, ou seja, os atos

por ele praticados derivam de deliberação majoritária tomada em reunião

apesar de a Lei n. 6.404/76 prever o poder individual de diligência a cada um

de seus membros, nos seus incisos I e IV do artigo 163 e no parágrafo único

do artigo 164, nos quais foi acrescentada, à redação original, a expressão “(...)

por qualquer um dos seus membros”62.

60 Waldemar Martins Ferreira. cit., p. 377.61 Curso de Direito Comercial , cit., p. 235.62 Lei n. 6.404/76. ”Art. 163. Compete ao conselho fiscal: I. – fiscalizar, por qualquer de seusmembros, os atos dos administradores e verificar o cumprimento dos seus deveres legais eestatutários; (...) IV – denunciar, por qualquer de seus membros, aos órgãos de administração e, seestes não tomarem as providências necessárias para a proteção dos interesses da companhia, àassembléia-geral, os erros, fraudes ou crimes que descobrirem, e sugerir providências úteis àcompanhia.” “Art. 164. (...) parágrafo único. Os pareceres e representações do conselho fiscal, oude qualquer um de seus membros, poderão ser apresentados e lidos na assembléia-geral,independentemente de publicação e ainda que a matéria não conste da ordem do dia.”

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57

Embora a legislação tenha previsto a possibilidade de atuação individual

dos conselheiros apenas no exercício das atividades previstas nos incisos

acima citados, Cunha Peixoto, referenciado por Modesto Carvalhosa e Nelson

Eizirik, entende que sempre que possível deve ser deliberado conjuntamente,

mas, havendo qualquer divergência entre os membros deste órgão, estes

passam a atuar individualmente em todas as atribuições legais concedidas ao

Conselho63.

O Conselho Fiscal é composto por, no mínimo, três e, no máximo, cinco

membros titulares e suplentes em igual número, acionistas ou não (art. 161,

parágrafo primeiro), sendo que somente podem ser eleitos pessoas naturais,

residentes no Brasil, com curso de nível universitário ou experiência mínima

de três anos no cargo de administrador de empresa ou de conselheiro fiscal.

Sua constituição deve observar o disposto no artigo 164, parágrafo 4, abaixo

transcrito:

Art. 164. parágrafo 4. Na constituição do conselho fiscal serãoobservadas as seguintes normas:

a) os titulares de ações preferenciais sem direito a voto, oucom voto restrito, terão direito de eleger, em votação em separado, 1(um) membro e respectivo suplente; igual direito terão os acionistasminoritários, desde que representem, em conjunto, 10% (dez por cento)ou mais das ações com direito a voto;

b) ressalvado o disposto na alínea anterior, os demaisacionistas com direito a voto poderão eleger os membros efetivos esuplentes que, em qualquer caso, serão em número igual ao dos eleitosnos termos da alínea a, mais um.

Sua existência é obrigatória, mas o seu funcionamento é facultativo.

Quando o funcionamento do conselho fiscal não for permanente, será

instalado pela assembléia geral, ordinária ou extraordinária, a pedido de

acionistas que representem no mínimo um décimo das ações com direito a

63 Modesto Carvalhosa e Nelson Eizirik, A Nova Lei das S.A. São Paulo: Saraiva, 2000. p.389.

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voto ou cinco por cento das ações sem direito a voto (art. 161, parágrafo

segundo).

II.3. Teorias Relativas à Natureza Jurídica da Rela ção entre os

Administradores e a Sociedade

Inúmeras teorias procuram explicar a natureza jurídica dos poderes de

administração nas sociedades anônimas, a saber: (a) teoria contratualista; (b)

teoria institucionalista; (c) teoria organicista; e (d) teoria do “trust”.

II.3.1. Teoria contratualista

No início da evolução histórica das sociedades por ações admitia-se a

possibilidade de a administração da sociedade ser reservada aos

incorporadores ou a alguns acionistas, posteriormente, a sociedade por ações

passou a democratizar-se, frisando o princípio de serem os diretores

“mandatários” da sociedade (teoria contratualista)64.

A concepção contratualista prevaleceu por muito tempo no direito

continental, como pode se verificar no artigo 121 do ab-rogado Código

Comercial italiano de 1882, o qual dispunha que a sociedade anônima seria

administrada por um ou mais mandatários, temporários, demissíveis,

acionistas ou não, e no artigo 32 do Código de Comércio napoleônico de

1867, que dispunha que os diretores e administradores não seriam

responsáveis senão pela execução de seu mandato. O administrador,

64 Ecio Perin Junior, A Lei 10.303/2001 e a Proteção do Acionista Minorit ário. São Paulo:Saraiva, 2004. p. 11.

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portanto, era qualificado como mandatário e responsável em caso de violação

do mandato65.

De acordo com a teoria contratualista, a relação entre a administração e

a sociedade é de natureza nitidamente convencional, expressa por mandato

ou locação de serviços, sendo que os poderes de gestão e de representação

da sociedade efetivavam-se pelo mandato, ou seja, eram delegados e não

próprios.

Como mandatários, os administradores eram nomeados pelos acionistas

e por eles demissíveis ad nutum. E, por não possuírem poderes próprios,

agiam sempre em nome e por conta dos acionistas66.

No Brasil, os artigos 97 e 98 do Decreto n. 434/1891 definiam os

diretores como mandatários. Na vigência de referido decreto, Carvalho de

Mendonça assim ensinava67:

Não obstante os textos legais falarem do mandato dosadministradores, estes não são mandatários por força da convenção ouda lei; não exercem simples mandato. Os administradores agem, naqualidade de órgãos da manifestação externa da sociedade, personificamesta. Eles, ao mesmo tempo que põem a sociedade em contacto com osterceiros, tutelam os interesses da mesma sociedade, dos acionistas e deterceiros; fiscalizam a observância da lei e dos estatutos; obram, como sevê, motu próprio. Ora, não se daria isso se fossem simples mandatários.O mandato é livremente conferido pelo mandante, o qual tambémlivremente fixa a extensão dos poderes. Aqui não existe esta duplaliberdade. A sociedade é obrigada a nomear os seus administradores ehá um mínimo de poderes dos quais estes não podem ser privados.Muitos princípios e normas legais sobre o mandato mercantil são,entretanto, aplicáveis aos administradores, pela grande analogia queexiste entre o mandato e a administração.

65 José Alexandre Tavares Guerreiro, Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico ,Financeiro. v. 20. n. 42. p. 71. Modesto Carvalhosa, Comentários à Lei das SociedadesAnônimas , p. 17.66 Modesto Carvalhosa, Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, p. 17.67 Wilson de Souza Campos Batalha, Sociedades Anônimas e Mercado de Capitais . Rio deJaneiro: Forense, 1973. p. 635, v. II.

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A principal crítica à referida teoria é que não se pode falar em mandato,

em se tratando de uma função sem a qual a própria sociedade não poderia

existir. Nesse sentido, Carlos Fulgêncio da Cunha Peixoto afirma que a

administração é “elemento essencial na existência da própria sociedade”68.

Não se pode falar em mandato quando há imperatividade da existência de

administradores.

Outra crítica seria o fato de não ter a assembléia poderes de gestão e de

representação, próprios dos administradores, o que impede falar-se em

mandato, pois não pode haver mandatários com mais poderes que o

mandante69.

Ademais, o mandato exige dois sujeitos, o que tecnicamente não se

verifica na pessoa jurídica, conforme ressalta Trajano de Miranda Valverde70:

Temos, pois, que, se a idéia de administração envolve,necessariamente, a existência de um patrimônio, ou, pelo menos, decertos bens, em regra pertencentes a terceiro, já que a administração dospróprios bens é uma conseqüência normal da capacidade reconhecida àspessoas, ela, todavia, não compreende, necessariamente, a idéia ou aexistência de mandato ou de representação, quer legal, quer voluntária.Em ambas essas figuras, há sempre dois sujeitos: o mandante e omandatário, o representante e o representado. É o que, tecnicamente,não se verifica na organização das pessoas jurídicas. Estas nascem comos órgãos indispensáveis à sua vida de relação. São partes integrantesdelas. O funcionamento desses órgãos é que depende de pessoasnaturais. Elas são designadas para fazer funcionar os órgãos de direçãoe de fiscalização, segundo a finalidade deles, e tanto atuam externacomo internamente.

Além disso, a função administrativa é indelegável, diferente do contrato

de mandato que admite a delegação de poderes71.

68 Carlos Fulgêncio da Cunha Peixoto, Sociedades por Ações. São Paulo: Saraiva, 1973. p. 3, v.4.69 Modesto Carvalhosa, Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, cit., p. 18.70 Trajano de Miranda Valverde, Sociedades por Ações. 3. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1959. p.285-286, v. 2.

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De acordo com esta teoria, não há relação entre os órgãos e, portanto,

entre a administração e a própria sociedade. A crítica está no fato de que não

se pode negar que existe uma relação entre a companhia e as pessoas que

ocupam os cargos nos órgãos de administração74.

II.3.3. Teoria organicista

Foi a lei acionária alemã de 1937 que dissociou a administração

societária das concepções tradicionais, através da introdução da figura do

gestor de sociedade anônima como titular de uma posição orgânica75.

A teoria organicista foi adotada por diversas legislações. O Códice Civile

Italiano, de 1942, por exemplo, abandonou a concepção do administrador

como mandatário da sociedade previsto no Código de Comércio anterior,

reconhecendo as críticas doutrinárias. Giancarlo Frè afirma ser o órgão

administrativo um elemento fundamental da sociedade, haja vista que sua

constituição é imposta pela lei e sua existência indispensável para o

desenvolvimento das atividades da sociedade, considerando que representa a

sociedade.

Neste sentido, Jean Pierre Berdah esclarece que “la représentation est

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o foro, cujo regime no sistema da culpa aquiliana pode ser diverso daquele

contratual (CPC, art. 100, V, a)80.

Diante do exposto, conclui-se que as conseqüências da recepção da

Teoria Organicista foram: (a) a cessação dos vínculos contratuais (de

mandato) com a sociedade; (b) a representação deixou de ser contratual para

ser orgânica; (c) a responsabilidade do administrador deixa de ser contratual e

passa a ser aquiliana (plano dos ilícitos civis); e (d) abandono do parâmetro

do mandatário (bonus pater familias), substituindo-o por parâmetro ligado ao

exercício da atividade – capacidade profissional (peritia artis). Trataremos

desta última conseqüência mencionada no capítulo relativo aos deveres dos

administradores.

II.3.4. A teoria do “trust”

Na legislação norte-americana a função do administrador de sociedades

era identificada como a função de um “trustee”, pessoa que assume uma

obrigação (“trust”) de administrar o patrimônio de terceiro, que lhe é

transferido fiduciariamente. Conforme ressalta Modesto Carvalhosa, esta

figura foi idealizada por Berle e Means na tentativa de explicar a natureza das

funções dos administradores. Esta explicação passou a ser rejeitada pelos

tribunais por dois aspectos: primeiro, de que a propriedade social não é

transferida aos administradores, como ocorre no caso do trust; segundo,

porque terceiros têm conhecimento de que os administradores agem em

nome da sociedade, da qual são meros representantes81.

80 Responsabilidade Civil. Coordenador Yussef Said Cahali. Editora Saraiva. 1984. São Paulo.“Responsabilidade dos Administradores”. Pág. 439.Código de Processo Civil, Art. 100, inciso V: “Art. 100. É competente o foro: V - do lugar do ato oufato: a) para a ação de reparação do dano; b) para a ação em que for réu o administrador ou gestorde negócios alheios.”81 Modesto Carvalhosa, Comentários , p. 21.

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corrente se aproxima da concepção organicista, uma vez que os poderes do

conselho não são conferidos pela companhia, mas pela lei83.

II.3.5. A teoria adotada pelo Direito brasileiro

Desde a edição do Decreto-lei n. 2.627/1940, adotou-se a teoria

organicista da administração, prevalecendo o entendimento doutrinário de que

o vínculo existente entre o administrador e a sociedade é baseado na

representação orgânica e da competência privativa da assembléia para alguns

assuntos.

Cunha Peixoto entendia que a representação não se adequava ao

relacionamento entre o administrador e a sociedade, ressaltando que “os

administradores não agem em nome da sociedade, mas apenas por

intermédio seu é que ela manifesta sua vontade”84.

Trajano de Miranda Valverde repelia qualquer relação contratual,

fortemente influenciado pelo direito público. A seguir reproduzimos as suas

afirmações85:

O exercício das funções de diretor ou administrador de umasociedade anônima não estabelece relações contratuais, ou de mandato,ou de locação de serviços, entre o administrador ou diretor e asociedade. Certamente que, na ausência de regras especiais sobre osdireitos e as obrigações de ambos, há de se recorrer aos princípios quedisciplinam o mandato ou a locação de serviços, conforme a hipótese,mas isso por analogia. O administrador ou diretor eleito pela assembléiageral, ou indicado por quem tenha autoridade para tanto, como nassociedades anônimas de economia mista, não contrata com a sociedadeo exercício das funções. Se o nomeado aceita o cargo, deverá exercê-lona conformidade das prescrições legais e estatutárias que presidem aofuncionamento da pessoa jurídica. Adquire uma qualidade, uma situaçãojurídica dentro do grupo ou corporação, a qual lhe impõe deveres e exigeo desenvolvimento de certa atividade a bem dos interesses coletivos. Oadministrador ou diretor presta, inquestionavelmente, serviços.

83 Modesto Carvalhosa, Comentários, cit., p. 22.84 Sociedades por ações, cit., p. 75.85 Waldirio Bulgarelli, Responsabilidade Civil, Yussef Said Cahali (coord.), cit., p. 435-436.

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A afirmação contrária reduziria a quase-totalidade das relações a essasfiguras jurídicas. Nela viriam, na verdade, fundir-se, não somente ocontrato de mandato, o de comissão, o de depósito, senão ainda todasaquelas relações de trabalho que surgem em virtude do cargo ou ofício,que alguém exercita dentro de uma organização, aparelhamento, quadroou sistema, público ou particular. E, para tanto, teríamos que começarpor afirmar, no campo do direito público, que o chefe do Estado, odeputado, o juiz são contratados para prestar serviços remunerados ànação.

Egberto Lacerda Teixeira e Tavares Guerreiro afirmam que “os

administradores são órgãos da sociedade, ou seja, qualificam-se como

elementos integrantes da própria estrutura da sociedade, necessários a que

esta possa manifestar sua vontade perante terceiros”.

Nesse sentido, Pontes de Miranda esclarece que os órgãos de

administração não representam a pessoa jurídica, mas presentam:

Quando o órgão da pessoa jurídica pratica o ato, que há de entrarno mundo jurídico como ato da pessoa jurídica, não há representação,mas presentação. O ato do órgão não entra no mundo jurídico, como atoda pessoa, que é órgão, ou das pessoas que compõem o órgão. Entra nomundo jurídico como ato da pessoa jurídica, porque o ato do órgão é atoseu.

Diante do exposto, os administradores são representantes orgânicos da

sociedade, sendo que esta condição deriva de ato jurídico unilateral de

nomeação. Observa Orlando Gomes que, embora a eficácia da nomeação

esteja condicionada à aceitação do cargo por parte do administrador

nomeado, a relação deste com a sociedade não pode ser contratual, a

aceitação do cargo é mera condição de eficácia do ato jurídico de

nomeação86.

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II.4. O Governo da Empresa e o Poder dos Administra dores 87

Até 1930, nos EUA os acionistas majoritários comandavam a sociedade

como se fosse sua propriedade privada. Nesta época, a doutrina norte-

americana distinguiu adequadamente a propriedade de ações do exercício do

poder nas sociedades anônimas, separando a gestão da titularidade das

ações, reconhecendo então a sociedade anônima como entidade autônoma,

que se distingue das pessoas dos acionistas.

Naquela época vigorava a teoria contratualista, segundo a qual o

interesse da sociedade confundia-se com o interesse do grupo de acionistas,

de modo que os administradores de tais sociedades deviam atuar sempre

visando os interesses dos acionistas, sem observar os interesses dos

empregados, da comunidade local ou da nação.

Em oposição à teoria contratualista teve origem após a Primeira Guerra

Mundial a teoria institucionalista, através de Walter Rathenau, economista

alemão que em período de crise econômica concebeu a grande sociedade

como um instrumento para o renascimento econômico do país. Para

Rathenau, as sociedades existem e se desenvolvem não para atender aos

acionistas, mas sim para servir ao interesse público. Diante disso, a

assembléia geral de acionistas é desvalorizada em favor do órgão de

administração, que deve considerar os interesses externos dos acionistas88.

86 Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro , cit., p. 11-12.87 Governo da empresa na definição dada por Arnold Wald significa “o estabelecimento do Estadode Direito na sociedade anônima, ou seja, refere-se à organização e à dinâmica dos poderes, aoestabelecimento da adequada definição dos órgãos sociais e das respectivas competências, assimcomo dos direitos e deveres dos vários acionistas. No fundo, significa a institucionalização daempresa, mediante a regulamentação de sua estrutura administrativa”. O Governo das Empresas.Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem, Ano 5. jan.-mar. de2002. Arnoldo Wald (Coord.). Editora Revista dos Tribunais. p. 55.88 Eduardo Secchi Munhoz, Poder de controle e grupos de Sociedades. Empresa Contemporâneae Direito Societário. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002. p. 38.

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Após a Segunda Guerra Mundial, as dimensões das companhias

aumentaram muito, em decorrência do processo intenso de globalização das

economias. Em decorrência da pulverização das ações, da complexidade do

mundo empresarial, das exigências de especialização e da demanda de

sofisticados métodos para a gestão de uma companhia, os administradores

passaram a ter maior autonomia, adquirindo com isso mais poder. Esse poder

amplo concedido aos administradores fez que substituíssem o capitalista

empreendedor que os precedeu.

Há, em conseqüência, a ruptura do binômio poder-risco, considerado

como um dos principais fundamentos do capitalismo. Isso porque o gestor do

capital não é mais o seu proprietário, mas, sim, os administradores da

companhia, geralmente profissionais sem vínculo acionário. Adolf A. Berle e

Gardiner C. Means reconheceram o poder dos administradores, classificando-

o como o quinto poder de controle da sociedade89.

Como conseqüência deste fenômeno, a vontade dos administradores

passa a ser autarquicamente exercida, não cabendo aos acionistas outro

papel senão o de homologar formalmente os atos daqueles.

Diante de tanto poder, alguns administradores cometeram abusos, haja

vista conflito entre os interesses dos administradores e da própria sociedade e

do país. Os administradores preocupavam-se com seus salários,

gratificações, opções de compra de ações (stock options), ou seja, tinham

planos a curto prazo, enquanto a sociedade tinha planos de médio e longo

prazos.

89 Berle e Means classificaram o poder de controle em cinco espécies: (i) controle fundado naposse da quase-totalidade das ações; (ii) controle fundado na posse da maioria das ações; (iii)controle obtido mediante expedientes legais; (iv) controle com menos da metade das ações; (v)controle administrativo ou gerencial. A Moderna Sociedade Anônima e a Propriedade Privada .Trad. Dinah de Abreu Azevedo. Editora Victor Civita, 1984. p. 85-98. Fabio Konder Comparato,tomando como ponto de partida a classificação proposta pelos autores norte-americanos, reduz aquatro as modalidades de controle interno, quais sejam: controle totalitário, majoritário, minoritário

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Os acionistas minoritários que eram pessoas físicas passaram a ser

Fundos de Ações, com força de atuação e dimensões muito maiores, os quais

passaram a exigir maior atenção dos administradores e controladores das

empresas. Esta fase foi chamada por Peter Drucker the “revolução invisível”.

Os fundos se organizaram, passando a monitorar as empresas, exigindo

informações amplas e claras e acompanhando a gestão dos negócios de

perto, foi assim que os acionistas minoritários começaram a intervir nas

empresas, liderando movimentos que visavam a modificação da política e da

gestão empresarial. Portanto, o minoritário deixou de ter uma função passiva.

Os fundos passaram a integrar o Conselho de Administração e os comitês

indicavam representantes independentes para integrá-los. Diante disso, os

administradores têm sua competência e atuação ampliadas. Na composição

do conselho de administração que no passado era de pessoas ligadas aos

controladores, passaram a encontrar conselheiros independentes,

representantes dos minoritários e da própria sociedade90.

Segundo estudo de Arnoldo Wald, na Inglaterra, a questão sobre o

governo da empresa passou a ser discutida a partir de 1981 por sugestão do

Banco da Inglaterra, que defendia a presença de membros independentes nos

Conselhos de Administração. Em 1992 foi elaborado um código das melhores

práticas (Code of Best Practice), que estabelecia mecanismos de controle da

atuação da diretoria pelo Conselho de Administração. Atualmente, a

legislação determina que a empresa deve atender aos objetivos comunitários

e incentiva os fundos de pensão a aplicar seus recursos em sociedades cuja

atuação respeite os critérios sociais, ambientais e éticos, além dos fins

econômicos. Na Alemanha, os bancos figuravam como controladores de

muitas companhias, situação esta que foi alterada em decorrência da edição

e gerencial. O Poder de Controle na Sociedade Anônima. 3. ed., Rio de Janeiro: EditoraForense, 1993. p. 38.90 Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem . Ano 5. jan.-mar. de2002. Arnoldo Wald (Coord.), cit., p. 63.

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de normas limitadoras da atuação dos bancos como principais acionistas. A

idéia de maior transparência na gestão societária foi adotada aos poucos. Na

França, durante muitos anos o Estado administrou as empresas. Muitos anos

após as privatizações, desenvolveu-se o capitalismo francês mediante

presença relevante do capital estrangeiro na Bolsa de Paris. Apesar de várias

privatizações, somente com a privatização do BNP Paribas é que se

reconheceu terem as empresas francesas saído do jugo do Estado. A

jurisprudência francesa obrigou os administradores a uma maior transparência

nas suas decisões, fortalecendo os Conselhos de Administração, os quais

passaram a ter mais independência91.

A administração das sociedades por ações era, portanto, o órgão de

maior importância, haja vista o poder e as conseqüentes responsabilidades

atribuídas pelos acionistas. Neste sentido, João Eunápio Borges92:

Os acionistas abdicaram em seu favor dos poderes que têm, emface da lei, transferindo-lhe direitos mas aumentando-lhe aresponsabilidade.

E a diretoria assumiu resolutamente essa responsabilidade epassou a exercer ditatorialmente aqueles direitos. Em geral, com grandeproveito para a empresa que somente pode desenvolver-se e progredirno regime fortemente majoritário que caracteriza o anonimato. Que seriadas grandes sociedades anônimas se a atuação dos diretores sesubordinasse às injunções e entraves de sistemas oriundos darepresentação proporcional? Elas seriam tão ingovernáveis como certopaís que bem conhecemos, onde o Poder Executivo não tem nem aomenos o poder de escolher livremente os seus auxiliares direitos. Fica-lhesomente a responsabilidade da má escolha feita por outros, com grandesdanos para a coletividade.

É certo, pois, que as sociedades anônimas valem o que vale a suadiretoria. E o fator confiança, aquele intuitu personae que seria ocaracterístico das sociedades de pessoas, continua a existir nassociedades anônimas, deslocando-se apenas das relações entre ossócios, para as relações entre os acionistas e a diretoria.

Tanto na fase de constituição da sociedade como durante a suaexistência, quem subscreve ações ou posteriormente as adquire tem, emgeral, os olhos fixos nos fundadores ou diretores.

Isso explica, aliás, por um fenômeno puramente psicológico, adiversidade na cotação de ações de certas sociedades: com o mesmoobjeto, o mesmo capital, a mesma situação econômica, pagandodividendos iguais, no entanto, as ações de umas valem mais, na bolsa,

91 Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem , ano 5, cit., p. 64-65.92 João Eunápio Borges, Curso de Direito Comercial Terrestre, p. 489-490.

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do que as de outras. Simples questão de maior ou menor confiança nosdiretores.

Nenhum mal existe, pois, no ditatorialismo dos diretores.Indispensável é que a sua autoridade forte tenha como correspectivouma grande e efetiva responsabilidade. É aliás o que se preconiza paracaracterísticos de uma sã e autêntica democracia: liberdade, autoridade,responsabilidade.

Waldirio Bulgarelli, ao tratar dos deveres e responsabilidades dos

administradores informa que “Poder sem responsabilidade converte-se

obviamente em arbítrio. Por esta razão é que a legislação atribui em

contrapartida às funções e aos poderes conferidos aos administradores

deveres e responsabilidades”93.

Alfredo Lamy Filho, ao tratar do poder da empresa e sua correlata

responsabilidade, reconhece que os administradores detêm um poder da mais

relevante expressão, haja vista tomarem decisões tão abrangentes, de que

dependem a vida e a realização de tantas pessoas e o desenvolvimento

econômico em geral. Diante disso, dispõe ainda que “A existência desse

poder empresarial, de tão extraordinário relevo na sociedade moderna,

importa – tem de importar – necessariamente em responsabilidade social”94.

O Autor no seu estudo refere-se ao debate realizado entre os professores

Adolf Berle e Merich Dodd Jr., através da Harvard Law Review, anos de

1931/1932. Berle sustentava que os poderes e responsabilidades dos

administradores são necessariamente e em todas as hipóteses “exercisable

only for the ratable benefit of all the stockholders as their interest appears”,

enquanto Dodd afirmava que o uso da propriedade privada envolvia

fundamentalmente o interesse público “deeply affected with a public interest”,

que terminou com a concordância de Berle.

Eduardo Secchi Munhoz, ao fazer referência a este debate, também cita

que Berle apesar de ter concordado com Dodd deixou claro que a ênfase na

93 Manual das Sociedades Anônimas , cit., p. 181.94 Novos Estudos de Direito Comercial em Homenagem a Ce lso Barbi Filho . Rio de Janeiro: Forense.Theophilo de Azeredo Santos (Coord.), 2003. p.15.

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visão da empresa como unidade produtora de lucros não poderia ser

abandonada até que o reconhecimento de interesses externos viesse

acompanhado de um sistema eficaz que, de um lado, atribuísse legitimidade

aos titulares desses interesses para sua defesa e, de outro, estabelecesse os

correspondentes deveres e responsabilidades aos administradores95.

O autor Alfredo Lamy Filho cita o estudo realizado por Eugene Rostow96

em que é transcrita manifestação do ministro Douglas da Corte Suprema, que

na época era o presidente do SEC.

Hoje é geralmente reconhecido que todas as companhias possuemum elemento de interesse público. O Diretor de uma sociedade devepensar não somente em função dos acionistas mas também dotrabalhador, do fornecedor, do vendedor, e do consumidor último de seusprodutos. Nossa economia é como uma corrente que não será mais forteque qualquer de seus elos. (manifestação do Ministro Douglas, da CorteSuprema, chairman da SEC em 2003)

No Brasil, a lei vigente reconhece que o controlador e os administradores

da sociedade devem tomar em conta os interesses externos da sociedade,

conforme pode ser observado nos artigos abaixo transcritos:

Art. 116, parágrafo único. O acionista controlador deve usar opoder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objetivo a cumprirsua função social, e tem deveres e responsabilidades para com osdemais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com acomunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmenterespeitar e atender. (grifos do autor)97

95 Eduardo Secchi Munhoz, Empresa Contemporânea e Direito Societário. Poder d e Controle eGrupos de Sociedades. 1. ed., São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002.96 Novos Estudos de Direito Comercial em Homenagem a C elso Barbi Filho. A Empresa-Formação e Evolução – Responsabilidade Social . Rio de Janeiro: Forense. Theophilo de AzeredoSantos (Coord.), 2003. Pág. 16.97 A exposição de motivos da Lei 6.404/76 comenta os fundamentos desta inovação. “O Art. 116 dá‘status’ próprio, no Direito Brasileiro, à figura do “acionista controlador”. Esta inovação em que anorma jurídica visa a encontrar-se com a realidade econômica subjacente. Com efeito, é de todossabido que as pessoas jurídicas têm o comportamento e a idoneidade de quem as controla, masnem sempre o exercício desse poder é responsável, ou atingível pela lei, porque se oculta atrás dovéu dos procuradores ou dos terceiros eleitos para administrar a sociedade. Ocorre que aempresa, sobretudo na escala que lhe impõe a economia moderna, tem poder e importância socialde tal maneira relevantes na comunidade que os que a dirigem devem assumir a primeira cena navida econômica, seja para fruir do justo reconhecimento pelos benefícios que geram, seja pararesponder pelos agravos a que dão causa. O tema cresce em importância quando se considera

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Art. 117. O acionista controlador responde pelos danos causadospor atos praticados com abuso de poder.

§ 1º São modalidades de exercício abusivo de poder:a) orientar a companhia para fim estranho ao objeto social ou lesivo

ao interesse nacional, ou levá-la a favorecer outra sociedade, brasileiraou estrangeira, em prejuízo da participação dos acionistas minoritáriosnos lucros ou no acervo da companhia, ou da economia nacional. (grifosdo autor)

Art. 154. O administrador deve exercer as atribuições que a lei e oestatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia,satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa.(grifos do autor)

É importante observar a ponderação feita por Berle, quando do debate

com Dodd, de que o atendimento dos interesses externos (dos trabalhadores/

da comunidade/ da nação) somente seria possível após a elaboração de um

sistema razoável e eficaz de atribuição de legitimidade aos titulares desses

interesses para sua defesa e de deveres e responsabilidades aos condutores

da atividade empresarial.

No Brasil inexiste um sistema dessa natureza, visto que a ação de

responsabilidade por abuso de poder de controle é restrita aos acionistas, de

modo que não há um agente legitimado para agir em prol do bem público. A

ausência de um sistema de proteção retoma a discussão sobre quais

interesses devem ser perseguidos pela sociedade.

Fabio Konder Comparato reconhece que atender aos interesses externos

não significa transformar as sociedades em órgãos públicos. O escopo

lucrativo fica subordinado, porém, aos interesses comunitários e nacionais,

que prevalecem em caso de conflito98.

que o controlador, muitas vezes, é sociedade ou grupo estrangeiro, que fica, por força de suaorigem, excluído até mesmo das sanções morais da comunidade.”

98 O Poder de Controle na Sociedade Anônima, cit., p. 301.

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75

A simples atribuição ao controlador e aos administradores de deveres e

responsabilidades para com acionistas, trabalhadores, comunidade local e

nação, desacompanhada de uma definição de critérios objetivos para

solucionar os conflitos de interesses, consubstancia fórmula genérica,

deixando margem de manobra por parte dos condutores dos negócios sociais,

o que contribui para a ineficácia do sistema de atribuição de responsabilidade.

Afinal, quando o poder não é bem definido, torna-se difícil identificar os casos

de desvio, o que é fundamental para a definição da responsabilidade do

controlador e do administrador.

A sociedade anônima, portanto, deixou de ser propriedade individual e

exclusiva do acionista controlador para dar origem a uma parceria, exigindo

um novo padrão de conduta por parte dos administradores e dos maiores

acionistas.

Arnold Wald resumiu de forma muito precisa as características do

governo da empresa e as principais qualidades que se exigem no governo da

empresa, conforme abaixo:

São características do governo de empresa:

a) separação e o equilíbrio dos poderes entre os órgãos sociais

(Diretoria, Conselho de Administração e Assembléia Geral);

b) presença de administradores independentes no Conselho de

Administração, ainda que todos não o sejam;

c) a convergência dos interesses dos acionistas controladores, dos

administradores e dos demais integrantes da empresa;

d) a ampliação dos deveres do controlador e do administrador e a

exigência da sua conduta conforme o princípio da boa-fé e o interesse social,

o que significa o fim do nepotismo e da idéia de sociedade como propriedade

do controlador;

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e) existência de um amplo sistema de informações aos acionistas e ao

mercado, as quais devem ser divulgadas para todos os interessados em

igualdade de condições;

f) conhecimento, por todos os acionistas, das remunerações,

vantagens e eventuais conflitos de interesses do controlador, dos demais

acionistas e dos administradores;

g) fortalecimento do Conselho Fiscal, para examinar, além dos aspectos

formais, a atuação da diretoria e os seus resultados.

Qualidades exigidas no Governo de Empresas

a) transparência (full disclosure);

b) lealdade ou integridade (integrity);

c) responsabilidade de todos os participantes de prestar contas

(accountability).

Trataremos as conseqüências da atribuição de poder aos

administradores (Deveres e Responsabilidades) com maior profundidade no

Capítulo V.

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CAPÍTULO III – MERCADO DE CAPITAIS

A experiência de diversos países no século XX colocou em evidência a

importância do mercado de capitais como instrumento indispensável para

alavancar o desenvolvimento econômico99.

Antonio Kandir, ao tratar da modernização da lei das sociedades

anônimas, assim se manifestou100:

A economia de um país depende em larga escala da eficiência desuas empresas. O desenvolvimento econômico de uma nação estáinexoravelmente atrelado ao nível de atividade empresarial, à capacidadede produção e de geração de empregos das empresas. Não obstante, asobrevivência de uma empresa em uma economia globalizada e cadavez mais competitiva depende do acesso aos recursos necessários parafazer face à constante necessidade de investimentos que permitam ainovação, notadamente em novas tecnologias que proporcionem reduçãode custos e melhora da qualidade de seus produtos e sérvios, comocondição para a preservação de seu espaço e a conquista de novosmercados.

Captar recursos no mercado de capitais passou a ser, portanto, um

grande diferencial, uma vez que esta forma de captação é muito menos

onerosa do que os financiamentos. Além disso, a captação de recursos no

mercado de ações permite a diluição dos riscos da sociedade que os partilha

com o mercado investidor, sem onerar o preço final de seus produtos e

serviços, permitindo um aumento na sua competitividade.

Além disso, quando as ações das sociedades abertas são negociadas

em bolsas com facilidade, os acionistas aumentam a liquidez de seu

patrimônio, ou seja, a possibilidade de converter seus bens em dinheiro. Essa

liquidez tende a aumentar com o tempo em decorrência do aumento do

número de compradores e quanto maior a liquidez mais altos são os preços

99 Antonio Kandir, A nova CVM e a Modernização da Lei das S.A. Reforma da Lei dasSociedades Anônimas , Jorge Lobo (Coord.). 2. ed., Rio de Janeiro: Forense. 2002. p. 4.

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das ações e menor o custo de capital para as empresas. As empresas que

negociam suas ações na bolsa também aumentam o poder de negociação

com as instituições financeiras.

É interessante a colocação de Nelson Eizirik sobre as fontes principais

de financiamento das sociedades e o mercado de capitais101:

As empresas dispõem basicamente de três fontes principais definanciamento de suas atividades: 1) autofinanciamento, 2) empréstimosjunto ao setor público ou sistema bancário privado (recursos de terceiros),3) captação de recursos de acionistas ou do público mediante a emissãode valores mobiliários.

Ainda que as empresas apresentem como principais fontes derecursos o autofinanciamento e os recursos de terceiros (empréstimos dosistema bancário privado e do setor público), a capitalização via emissãode ações tem evoluído de forma bastante significativa.

Argumenta-se, ademais, que a abertura de capital das empresas,mediante a pulverização de suas ações junto ao público, conduziria auma etapa “superior” do capitalismo, na qual cindir-se-ia, gradativamente,a propriedade da companhia do seu controle. Nessa linha, ocorreria ogradual desaparecimento do empresário capitalista clássico, cujasubstituição se daria por executivos profissionais, dando-se o acesso àsposições diretivas pela qualificação profissional, não mais por relações deparentesco.

Rubens Requião afirma ser a sociedade anônima um instrumento do

capitalismo, é um mecanismo de financiamento de grandes empresas, uma

vez que permite a poupança popular, sem que o investidor se vincule à

responsabilidade além da soma investida e pela possibilidade de a qualquer

momento negociar seus títulos102. Sebastião José Roque afirma ser a

sociedade anônima a pedra angular sobre a qual repousa a atividade do

mercado de capitais. As sociedades deixam de buscar recurso no mercado de

crédito e recorrem ao mercado de capitais estimulando-o103. Portanto, dotada

de grande poder de expansão e de capacidade de mobilizar capitais, a

sociedade anônima é um instrumento ideal para potencializar todas as forças

liberadas pela revolução industrial.

100 Op. cit. p. 3.101 Nelson Eizirik, Aspectos Modernos do Direito Societário . Rio de Janeiro: Renovar, 1992.102 Rubens Requião, Aspectos Modernos do Direito Comercial, cit., p. 87103 Sebastião José Roque, Direito Societário . São Paulo: Editora Cone, 1997. p. 111-112.

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O estreitamento das relações entre as sociedades e o mercado investidor

é, portanto, fundamental e benéfico para as empresas nacionais e para a

economia de um modo geral. A questão é como estreitar tais relações, uma

vez que a globalização alterou o perfil do investidor, os quais diante de

diversas ofertas, proporcionadas pela própria globalização, tornaram-se muito

exigentes na tomada de decisões. O investimento no mercado de capitais

requer segurança e transparência, como veremos mais adiante.

Diante disso, conforme comenta Norma Parente, “é inquestionável o

papel do mercado de capitais no desenvolvimento econômico de um país. De

fato, o mercado eficiente promove a alocação eficaz da poupança no setor

produtivo e conseqüentemente o crescimento econômico”104.

Segundo Antonio Kandir, um mercado de capitais robusto encurta o

caminho em direção ao aumento da competitividade por meio de três atalhos,

a saber:

...i) Diminuição de riscos do investidorUm mercado de capitais robusto dilui os riscos inerentes aos

investimentos. Riscos são mais bem administrados quanto mais liquidezhouver no mercado. Nestas condições o investidor tende a distribuir seucapital por número mais amplo de empresas e a aumentar suas apostasem novos projetos de base tecnológica.

Trata-se de círculo virtuoso que costuma conduzir a economia deum país a patamares mais elevados de produtividade e competitividade.

As regras vigentes no mercado brasileiro reduzem a liquidez dospapéis e aumentam o conservadorismo do investidor, cujas escolhasrecaem sobre grupo restrito de empresas – em regra as que representammenores riscos. Minam-se, com isso, bases que poderiam assegurarnovas fontes de financiamento para investimentos em projetosinovadores. O país perde a chance de alterar seu perfil tecnológico epermanece amarrado à produção de bens e serviços tradicionais e demenor valor no mercado global. O desempenho da balança comercial saiigualmente prejudicado.

ii) Facilidade de fusão das companhiasNo ambiente de competição globalizada tornou-se comum a

realização de fusões, associações e parcerias. São formas de permitir a

104 A Regulação e o Desenvolvimento do Mercado de Capitais. In: Revista de Direito Bancário,do Mercado de Capitais e da Arbitragem, 18. Ano 5. p. 247, out.-dez. de 2002. Arnoldo Wald(Coord.). Editora Revista dos Tribunais.

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criação de empresas com poder para atuar num cenário de condiçõesmais acirradas. O objetivo é elevar a escala de produção, aumentar aprodutividade, reduzir custos e, como conseqüência, assegurar fatiasmaiores de mercado. Um mercado de capitais forte tende a facilitar essemovimento. Com alta liquidez, as ações das empresas tornam-se amoeda que viabiliza as grandes fusões – realidade, infelizmente, aindadistante da brasileira.

iii) Fortalecimento das atividades de “venture capital”Na década passada, os investidores nos Estados Unidos

conseguiram pavimentar o caminho entre conhecimento criado eminstituições de pesquisa e os recursos que se encontravam disponíveisno mercado. As empresas de “venture capital” estiveram na base desteêxito. Especializadas em descobrir inovações e transformá-las emgrandes negócios, elas estão no meio da trajetória entre a boa idéia e olucro que daí pode advir.

As “venture capital” auxiliam o desenvolvimento tecnológico,induzem pesquisa e viabilizam novos projetos, ao torná-los atrativos parainvestidores institucionais reunidos em empresas de capital de risco,fundos privados e bancos de investimentos. A propensão dosempreendedores a colocar seus recursos em tais projetos está ligada àinstitucionalização de portas de saída desimpedidas. Só um mercadoacionário que disponha de liquidez e comporte riscos pode acolher asIPO (Initial Public Offer), capazes de selar a mutação de idéias originaisem negócios de interesse de qualquer investidor.

III.1. Origem e Evolução

Após a crise de 1929, o Governo de Rossevelt promoveu o chamado

New Deal, iniciando então uma maior intervenção estatal na economia.

Em 1933, os Estados Unidos da América promulgaram o “Securities Act”

(SA/33), norma que regulamentava a distribuição de valores mobiliários no

mercado primário105, e em 1934 o “Securities Exchange Act” (SEA/34), que

regulamentava o mercado secundário106 e criava a agência responsável pela

fiscalização e regulamentação do mercado, a chamada “Securities Exchange

105 O Mercado Primário compreende o lançamento de novas ações no mercado, com aporte derecursos à companhia.Uma vez ocorrendo o lançamento inicial ao mercado, as ações passam aser negociadas no Mercado Secundário.106 O Mercado Secundário compreende as bolsas de valores e os mercados de balcão (mercadosonde são negociadas ações e outros ativos, geralmente de empresas de menor porte e nãosujeitas aos procedimentos especiais de negociação). Operações como a colocação inicial, juntoao público, de grande lote de ações detido por um acionista podem caracterizar operações deabertura de capital, exigindo registro na CVM. Apesar da semelhança com o mercado primário, osrecursos captados vão para o acionista vendedor (e não para a companhia), determinando,portanto, uma distribuição no Mercado Secundário.

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Commission – SEC”, à qual foi atribuído poder regulatório107. Foi dessa forma

que os EUA inauguraram um modelo estrutural adaptado à realidade do

mercado e de suas mudanças. Com o passar do tempo o mercado de capitais

revelou-se poderoso expediente de fomento, ao possibilitar condições

vantajosas para o financiamento da produção.

A experiência americana, como comenta Raphael Velly de Castro, serviu

mais do que qualquer outra para evidenciar que o principal valor a ser

perseguido em termos de mercado de capitais é a credibilidade do e no

sistema108. Neste sentido, o autor comenta que o dever do Estado é,

principalmente, zelar pelo correto e equânime funcionamento do sistema,

mediante a implementação de regras (jurídicas) que resguardem os interesses

daquele que talvez seja o principal combustível de todo esse mecanismo: o

investidor.

Conforme ensina Raphael Velly de Castro, jamais houve no Brasil um

movimento semelhante ao que ocorrera nos EUA. A concepção mais séria de

mercado de capitais somente veio a se consolidar pela edição da Lei n. 6.385,

de 7.12.1976, a qual foi promulgada principalmente com o objetivo de regular

o mercado e alterar o modelo regulatório estabelecido pela Lei n. 4.728, de

14.7.1965, abrangendo de modo geral as previsões básicas da SA/33 e

SEA/34, bem como criando um órgão regulador sob a forma de autarquia

(Comissão de Valores Mobiliários).

Por ocasião da última reforma sofrida pela Lei das Sociedades

Anônimas, foi atribuída à CVM maior independência de atuação, passando a

ser uma autarquia em regime especial (artigo 1º da Lei n. 10.411, de

26.02.2002).

107 A agências têm por principal característica a sua independência do Poder Executivo e a suaautonomia reguladora, não se submetendo a controles externos conforme previsto em lei.108 Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro , v. 126. Ano XLI (NovaSérie). Abr.-jun/2002, Editora Malheiros. p. 45.

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III.2. O Mercado de Capitais no Brasil

Em relação ao mercado de capitais no Brasil, sob o ponto de vista

econômico, o Brasil sofre uma ameaça com a transferência do comando de

algumas das suas principais empresas para fora do país, afinal poucos

investidores nacionais de grande porte podem enfrentar e partilhar de modo

equilibrado o comando das grandes empresas brasileiras com o capital

estrangeiro. A falta de capitais e o custo do dinheiro – que ainda é alto em

relação aos padrões internacionais – dificultam o desenvolvimento das

empresas nacionais, que poderiam distribuir dividendos maiores do que os

atuais, se não necessitassem de dinheiro emprestado.

O Brasil não possui um grau de desenvolvimento econômico, de

poupança privada capazes de manter o fluxo e refluxo das ações no pregão

das Bolsas como Estados Unidos, Europa e Japão, que contam com inúmeras

sociedades anônimas gigantes. No entanto, o Governo Federal realizou

recentemente alguns esforços para modernizar, estimular e desenvolver o

mercado de capitais brasileiro, através da instituição de mecanismos que

propiciem maior credibilidade e transparência ao mercado de capitais e que

assegurem proteção adequada aos interesses dos investidores. Essa

preocupação foi demonstrada pelo Deputado Emerson Kapaz, na Comissão

de Economia, Indústria e Comércio, como Relator do Projeto de Lei n. 3.115,

de 1997, conforme referenciado por João Laudo de Camargo e Maria Isabel

do Prado Bocater 109:

... um mercado acionário forte e verdadeiramente democratizado –alcançando toda sua potencialidade de alavancagem econômica –depende, é óbvio, de que os investidores, principalmente pequenos emédios, sintam-se protegidos e vejam defendidos seus interesses, não sepermitindo a manipulação e o desrespeito a seus direitos por manobras epolíticas estabelecidas unilateralmente pelos controladores, muitas vezes,inclusive, privilegiando interesses externos à própria sociedade.

109 In: Reforma da Lei das Sociedades Anônimas, cit., p. 385.

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A Lei n. 10.303/2001 modificou, em alguns pontos significativamente, as

leis das sociedades por ações (Lei n. 6.604/76) e de mercado de capitais (Lei

n. 6.385/76), ajustando o regime jurídico das sociedades anônimas às

melhores práticas de gestão empresarial, objetivando a instituição de

mecanismos de transparência e cooperação entre o acionista controlador e o

investidor, que veremos mais adiante ao tratar da Governança Corporativa,

além de, como já mencionamos, atribuir maior autonomia à CVM.

O resultado da nova legislação foi muito positivo para o mercado de

capitais, pois ao mesmo tempo em que aumentou a demanda do investidor

estrangeiro pelos papéis de empresas brasileiras e o mercado acionário

doméstico recebeu a influência de práticas diferenciadas de tratamento ao

acionista, ajudou a valorizar as ações com direito a voto, uma vez que

determinou o direito ao tag along de 80% em caso de troca de controle da

companhia.

A CVM, por sua vez, expediu as Instruções 358/02 e 361/02, que contêm

regras mais rigorosas sobre a divulgação de fatos relevantes e ofertas

públicas para a aquisição de ações, como veremos no Capítulo V. O Conselho

Monetário Nacional, através das Resoluções 2.829/01 e 2.850/01, autorizou

que os fundos de pensão aumentassem a proporção de suas carteiras

investidas em ações listadas em segmentos da Bolsa de Valores de São

Paulo (Bovespa), as quais sujeitam as companhias a regras mais rígidas de

“governança corporativa”. O Conselho de Gestão da Previdência

Complementar, por meio da Resolução 1/01, exigiu que as entidades de

previdência complementar prestassem contas aos seus participantes sobre a

atuação nas assembléias das companhias abertas em que investem. O Banco

Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social tem pressionado empresas

brasileiras a aderir ao chamado “Novo Mercado” da Bovespa, vinculando

ajuda a referida adesão, segmento com regras rígidas de governança

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corporativa, que proíbe a emissão de ações sem direito a voto (trataremos

desta matéria no Capítulo V). A CVM publicou uma cartilha contendo

“recomendações sobre governança corporativa”, em que pressionou as

companhias a adotar práticas de governança corporativa mais rígidas110.

Em conformidade com a legislação brasileira, as operações realizadas no

mercado de valores mobiliários estão submetidas ao poder de polícia da CVM,

a qual detém poderes legais para fiscalizá-las e instaurar processo

administrativo, com o objetivo de julgar a conduta dos infratores de tais

normas e de aplicar as devidas penalidades.

III.2.1. Definição, objetivos e competência da CVM

A CVM é uma entidade autárquica federal, em regime especial, vinculada

ao Ministério da Fazenda, com personalidade jurídica e patrimônio próprio,

dotada de autoridade administrativa independente, ausência de subordinação

hierárquica, mandato fixo e estabilidade de seus dirigentes, detém autonomia

financeira e orçamentária (artigo 5 da Lei n. 6.385/76). É administrada por um

presidente e quatro diretores nomeados pelo Presidente da República. O

Presidente e a Diretoria constituem um órgão colegiado, o qual define políticas

e estabelece práticas a serem implantadas e desenvolvidas pelos

superintendentes, o executivo da CVM. Além disso, o colegiado julga os

recursos das decisões dos superintendentes, bem como os inquéritos

administrativos.

O artigo 4º da Lei n. 6.385/76 consubstancia os objetivos da referida

autarquia. Basicamente são estes os objetivos da CVM:

110 Fernando Shayer, Governança Corporativa e Ações Preferenciais – Dilema do legisladorbrasileiro, Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro . v. 126, cit. p. 75.

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(a) assegurar o funcionamento eficiente e regular dos mercados de

bolsa e de balcão;

(b) proteger os titulares de valores mobiliários contra emissões

irregulares e atos ilegais de administradores e acionistas controladores de

companhias ou de administradores de carteira de valores mobiliários;

(c) evitar ou coibir modalidades de fraude ou manipulação destinadas a

criar condições artificiais de demanda, oferta ou preço de valores mobiliários

negociados no mercado;

(d) assegurar o acesso do público a informações sobre valores

mobiliários negociados e as companhias que os tenham emitido;

(e) assegurar a observância de práticas comerciais eqüitativas no

mercado de valores mobiliários;

(f) estimular a formação de poupança e sua aplicação em valores

mobiliários;

(g) promover a expansão e o funcionamento eficiente e regular do

mercado de ações e estimular as aplicações permanentes em ações do

capital social das companhias abertas111.

111 Art. 4º O Conselho Monetário Nacional e a Comissão de Valores Mobiliários exercerão asatribuições previstas na lei para o fim de:I - estimular a formação de poupanças e a sua aplicação em valores mobiliários;II - promover a expansão e o funcionamento eficiente e regular do mercado de ações, e estimularas aplicações permanentes em ações do capital social de companhias abertas sob controle decapitais privados nacionais;III - assegurar o funcionamento eficiente e regular dos mercados da bolsa e de balcão;IV - proteger os titulares de valores mobiliários e os investidores do mercado contra:a) emissões irregulares de valores mobiliários;b) atos ilegais de administradores e acionistas controladores das companhias abertas, ou deadministradores de carteira de valores mobiliários.c) o uso de informação relevante não divulgada no mercado de valores mobiliários.V - evitar ou coibir modalidades de fraude ou manipulação destinadas a criar condições artificiaisde demanda, oferta ou preço dos valores mobiliários negociados no mercado;VI - assegurar o acesso do público a informações sobre os valores mobiliários negociados e ascompanhias que os tenham emitido;VII - assegurar a observância de práticas comerciais eqüitativas no mercado de valores mobiliários;VIII - assegurar a observância no mercado, das condições de utilização de crédito fixadas peloConselho Monetário Nacional.”

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Observa-se que o próprio artigo 4º dispõe a respeito do poder disciplinar

atribuído à CVM, sobre o qual falaremos mais adiante ao tratar do Poder

Regulamentar.

São atribuições da CVM disciplinar sobre as seguintes matérias:

(a) registro de companhias abertas;

(b) registro de distribuições de valores mobiliários;

(c) credenciamento de auditores independentes e administradores de

carteiras de valores mobiliários;

(d) organização, funcionamento e operações das bolsas de valores;

(e) negociação e intermediação no mercado de valores mobiliários;

(f) administração de carteiras e a custódia de valores mobiliários;

(g) suspensão ou cancelamento de registros, credenciamentos ou

autorizações;

(h) suspensão de emissão, distribuição ou negociação de determinado

valor mobiliário ou decretar recesso de bolsa de valores.

III.2.2. Conceito de valor mobiliário

Os objetivos da construção legal da noção de valor mobiliário dizem

respeito, essencialmente, à necessidade de regulação pelo Estado de

atividades consideradas de risco, haja vista envolverem a aplicação da

poupança popular em companhias abertas, estando os lucros ou prejuízos

decorrentes de tal investimento condicionados ao sucesso do

empreendimento empresarial.

A tradição européia opta por definir o que é um valor mobiliário, diferente

do direito norte-americano, que tentou listar todos os títulos que preencham a

condição de valor mobiliário.

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A sistemática brasileira, constante da Lei n. 6.385/76, já optou por listar

alguns valores mobiliários emitidos por sociedade anônima, deixando a

capacidade de aumentar esta lista por ato do Conselho Monetário Nacional.

Referida lei, em seu artigo 2º, devidamente alterada pela Lei n. 10.303, de

31.10.2001, considera como valores mobiliários:

Art. 2o São valores mobiliários sujeitos ao regime desta Lei:I - as ações, debêntures e bônus de subscrição;II - os cupons, direitos, recibos de subscrição e certificados de

desdobramento relativos aos valores mobiliários referidos no inciso II;III - os certificados de depósito de valores mobiliários;IV - as cédulas de debêntures;V - as cotas de fundos de investimento em valores mobiliários ou

de clubes de investimento em quaisquer ativos;VI - as notas comerciais;VII - os contratos futuros, de opções e outros derivativos, cujos

ativos subjacentes sejam valores mobiliários;VIII - outros contratos derivativos, independentemente dos ativos

subjacentes; eIX - quando ofertados publicamente, quaisquer outros títulos ou

contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, deparceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação deserviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou deterceiros.

§ 1o Excluem-se do regime desta Lei:I - os títulos da dívida pública federal, estadual ou municipal;II - os títulos cambiais de responsabilidade de instituição financeira,

exceto as debêntures.§ 2o Os emissores dos valores mobiliários referidos neste artigo,

bem como seus administradores e controladores, sujeitam-se à disciplinaprevista nesta Lei, para as companhias abertas.

Observe-se que, ao listar os valores mobiliários não os definiu,

dificultando a normatização e a fiscalização pelo Estado.

Digamos que os valores mobiliários constituem títulos ou documentos

que instrumentalizam investimentos de risco, aptos a circular em série, ou

seja, passíveis de negociação em massa. Por outro lado, como observa

Nelson Elzirik112,

há títulos de crédito, que não instrumentalizam investimentos de risco,como é o caso das debêntures, mas que são tidos como valores

112 Nelson Eizirik, Reforma das S.A. & Mercado de Capital. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p.139.

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mobiliários. O critério distintivo básico é, portanto, legal; são valoresmobiliários aqueles papéis ou documentos, passíveis de negociação emmassa, representativos de investimento ou de crédito, que a Leiconsidera como valores mobiliários e submete, em conseqüência, a umadisciplina especial e ao poder de polícia da CVM.

De acordo com Ary Oswaldo Mattos Filho113,

valor mobiliário é o investimento oferecido ao público, sobre o qual oinvestidor não tem controle direto, cuja aplicação é feita em dinheiro,bens ou serviço, na expectativa de lucro, não sendo necessária aemissão do título para a materialização da relação obrigacional.

Fabio Ulhoa Coelho conceitua valor mobiliário como instrumento de

captação de recursos pelas sociedades anônimas emissoras e representa,

para quem os subscreve ou adquire, um investimento114.

No direito norte-americano, o conceito de “security” é abrangente,

designando não só papéis emitidos pelas companhias como também

quaisquer contratos de investimentos publicamente ofertados. Luiz Gastão

Paes de Barros Leaes 115 assim conceitua o termo “security”:

O termo security compreende toda nota, ação, ação em tesourariaobrigação, debênture, comprovante de dívida, certificado de direito emtodo tipo de contrato de participação de lucro, certificado de depósito emgarantia, parte de fundador, boletim de subscrição, ação transferível,contrato de investimento, certificado de depósito de títulos, co-propriedade de direitos minerários e petrolíferos, e, de uma maneira geraltodo o instrumento ou o direito comumente conhecido como security ouainda todo certificado de participação ou interesse, permanente outemporário, recibo, garantia, direito à subscrição e opção referentes aostítulos e valores acima mencionados.

Considerando que o objetivo das leis disciplinadoras do mercado de

capitais é proteger o público investidor, é possível conceituar “títulos e valores

mobiliários” de forma mais abrangente, semelhante à interpretação

113 Ary Oswaldo Mattos Filho, O Conceito de Valor Mobiliário. Revista de Direito Mercantil . v. 59,p. 49, 1985.114 Fabio Ulhoa Coelho, Curso de Direito Comercial, v. 2. cit., p. 137.115 Barros Leaes, Luiz Gastão Paes de. Texto “O Conceito de Security no Direito Norte-Americanoe o Conceito análago no Direito Brasileiro”. Livre Docente em Direito Comercial da Faculdade deDireito da USP. Revista Forense. Vol. 14. Páginas 196 e 197.

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desenvolvida pelos norte-americanos, que possibilite ao Estado policiar o

mercado de valores, fiscalizando todas as formas de captação de recursos da

poupança popular.

III.2.3. Poder regulamentar da CVM

O desenvolvimento do mercado de capitais depende da conjugação de

interesses de investidores que aplicam recursos no mercado com os de

sociedades interessadas na obtenção de financiamento. Ocorre que as forças

do mercado nem sempre atendem aos interesses dos investidores, de modo

que passa a ser fundamental a intervenção estatal para assegurar o

funcionamento regular do mercado. Norma Parente expõe que “nesse caso, o

regulador deve estabelecer como um dos pilares de sua atividade a proteção

ao investidor. Nesse sentido, é fundamental que seja assegurado o rápido e

uniforme fluxo de informações entre a companhia aberta e o mercado”.

O aparecimento do papel regulador do Estado surge portanto quando o

investidor não tem o poder de gestão e sua expectativa financeira depende

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O objetivo, portanto, do legislador ao instituir o poder regulamentar ou

disciplinar é a tutela do mercado, que pode ser entendida como o conjunto de

atribuições que competem à CVM, nos termos dos artigos 8º e 9º117. Neste

sentido, conclui José Alexandre Tavares Guerreiro:

117 Art. 8º “Compete à Comissão de Valores Mobiliários:I - regulamentar, com observância da política definida pelo Conselho Monetário Nacional, asmatérias expressamente previstas nesta Lei e na lei de sociedades por ações;II - administrar os registros instituídos por esta Lei;III - fiscalizar permanentemente as atividades e os serviços do mercado de valores mobiliários, deque trata o art. 1º, bem como a veiculação de informações relativas ao mercado, às pessoas quedele participem, e aos valores nele negociados;IV - propor ao Conselho Monetário Nacional a eventual fixação de limites máximos de preço,comissões, emolumentos e quaisquer outras vantagens cobradas pelos intermediários domercado;V - fiscalizar e inspecionar as companhias abertas dada prioridade às que não apresentem lucroem balanço ou às que deixem de pagar o dividendo mínimo obrigatório.§ 1o O disposto neste artigo não exclui a competência das Bolsas de Valores, das Bolsas deMercadorias e Futuros, e das entidades de compensação e liquidação com relação aos seusmembros e aos valores mobiliários nelas negociados.§ 2o Serão de acesso público todos os documentos e autos de processos administrativos,ressalvados aqueles cujo sigilo seja imprescindível para a defesa da intimidade ou do interessesocial, ou cujo sigilo esteja assegurado por expressa disposição legal.§ 3º Em conformidade com o que dispuser seu regimento, a Comissão de Valores Mobiliáriospoderá:I - publicar projeto de ato normativo para receber sugestões de interessados;II - convocar, a seu juízo, qualquer pessoa que possa contribuir com informações ou opiniões parao aperfeiçoamento das normas a serem promulgadas.Art. 9º A Comissão de Valores Mobiliários, observado o disposto no § 2o do art. 15, poderá:I - examinar e extrair cópias de registros contábeis, livros ou documentos, inclusive programaseletrônicos e arquivos magnéticos, ópticos ou de qualquer outra natureza, bem como papéis detrabalho de auditores independentes, devendo tais documentos ser mantidos em perfeita ordem eestado de conservação pelo prazo mínimo de cinco anos: a) as pessoas naturais e jurídicas que integram o sistema de distribuição de valores mobiliários(Art. 15);b) das companhias abertas e demais emissoras de valores mobiliários e, quando houver suspeitafundada de atos ilegais, das respectivas sociedades controladoras, controladas, coligadas esociedades sob controle comum;c) dos fundos e sociedades de investimento;d) das carteiras e depósitos de valores mobiliários (arts. 23 e 24);e) dos auditores independentes;f) dos consultores e analistas de valores mobiliários;g) de outras pessoas quaisquer, naturais ou jurídicas, quando da ocorrência de qualquerirregularidade a ser apurada nos termos do inciso V deste artigo, para efeito de verificação deocorrência de atos ilegais ou práticas não eqüitativasII - intimar as pessoas referidas no inciso I a prestar informações, ou esclarecimentos, sobcominação de multa, sem prejuízo da aplicação das penalidades previstas no art. 11;III - requisitar informações de qualquer órgão público, autarquia ou empresa pública;IV - determinar às companhias abertas que republiquem, com correções ou aditamentos,demonstrações financeiras, relatórios ou informações divulgadas;V - apurar, mediante processo administrativo, atos ilegais e práticas não eqüitativas deadministradores, membros do conselho fiscal e acionistas de companhias abertas, dosintermediários e dos demais participantes do mercado;

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Balcão, administradores de carteiras de valores mobiliários, auditores

independentes, prestadores de serviços no mercado de capitais e fundos de

investimentos.

Não podemos deixar de mencionar que não são todas as práticas

infracionais sujeitas à ação da CVM. Por exemplo, se os administradores de

uma companhia aberta levam-na a descumprir a lei tributária, resultando tal

prática em prejuízos para a companhia, não terão praticado infração alguma

no âmbito disciplinar de competência da CVM, apesar de estarem sujeitos à

ação direta da administração fiscal. José Alexandre Tavares Guerreiro

apresenta outro exemplo:

O abuso do poder de controle nem sempre gera responsabilidadedisciplinar, no âmbito das companhias abertas. É o caso, por exemplo, daadoção de políticas ou decisões que causem prejuízo aos que trabalhamna empresa, para usar da linguagem do art. 117, § 1º da Lei 6.404/76.Com exceção de suas repercussões quanto à obrigação de disclosure,esta sim sujeita à vigilância e repressão disciplinares, os ilícitostrabalhistas, em sua materialidade, não configuram, per se, infrações decaráter administrativo, refulgindo ao poder disciplinar da Comissão.

Reversamente, o abuso de poder de controle, na companhiaaberta, quando implique em prejuízo aos acionistas minoritários ou aosinvestidores em valores mobiliários emitidos pela companhia, como osdebenturistas, pode acarretar responsabilidade disciplinar, na medida emque a ação ou a omissão do controlador projete efeitos diretos nomercado de valores mobiliários.

Em termos gerais, a regulação da CVM leva em conta os seguintes

fundamentos:

(a) Interesse Público

São do interesse público os atos e fatos relativos ao mercado de valores,

haja vista que as operações e alterações ocorridas no mercado de valores

mobiliários refletem sobre o aparelho produtivo, atingindo inclusive aqueles

que dele não participam diretamente.

118 Guerreiro, José Alexandre Tavares. Sobre o Poder Disciplinar da CVM, Revista de Direito

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(b) Confiabilidade

A confiabilidade é requisito fundamental para a existência e

desenvolvimento de um vigoroso mercado de valores mobiliários. Portanto, o

esforço em preservar a confiabilidade no mercado constitui tarefa do órgão

regulador, pressupondo que a atração e a permanência do público investidor

garantirão um crescente volume de recursos ao mercado.

(c) Proteção ao investidor

Com vistas a manter a confiabilidade do mercado e a atrair um

contingente cada vez maior de pessoas, há necessidade de um tratamento

eqüitativo a todos os que dele participam, principalmente aos investidores

individuais. Estes, em face de seu menor poder econômico e menor

capacidade de organização, precisam de proteção, de forma que resguarde

seus interesses no relacionamento com intermediários e companhias.

(d) Transparência

A transparência de suas atividades e das operações realizadas na órbita

do mercado de valores imobiliários atrai novos investidores, pois transmite

confiança e confere proteção.

Basicamente, o trabalho de regulação da CVM compreende a

identificação de práticas irregulares, a identificação de indícios de infringência

de leis ou outros atos normativos, a realização de inspeções nas instituições

envolvidas e, se for o caso, a instauração de inquéritos administrativos e

aplicação de penalidades aos infratores.

Mercantil, vol. 43, 1981.

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Através da instauração de um processo administrativo, a CVM julga os

atos ilícitos praticados no mercado de capitais, podendo aplicar aos infratores

as penalidades previstas em lei. O processo administrativo constitui uma das

modalidades de processo administrativo mediante o qual a autoridade aplica

penalidades administrativas às pessoas submetidas ao seu poder de polícia

que praticaram atos qualificados em lei ou em regulamento como ilícitos

administrativos. Os processos administrativos da CVM, da mesma forma que

os demais órgãos reguladores de atividades desenvolvidas por particulares,

devem pautar-se pelo devido processo legal, assegurando aos acusados o

exercício do direito de defesa.

Os poderes delegados por lei aos órgãos reguladores são extremamente

amplos e por esta razão ao acusado deve ser concedida ampla defesa.

A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LIV, dispõe

expressamente que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem

o devido processo legal. O mesmo artigo estabelece que aos litigantes, em

processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados

o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

No processo administrativo sancionador, a Administração é autora e

juíza. Ao mesmo tempo que é parte interessada, é a julgadora, e por isso a

necessidade de rigor absoluto na obediência dos princípios relativos ao devido

processo legal.

Segundo Nelson Elzirik

o processo administrativo sancionador não é discricionário, masvinculado ao devido processo legal; em conseqüência, a decisãoadministrativa deve ser sempre motivada, com base na acusação, nadefesa e nas provas, sob pena de nulidade119.

119 Reforma das S.A. & do Mercado de Capitais, cit., p. 152.

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O processo administrativo foi regulamentado pela Resolução nº 454, de

16/11/77, do Conselho Monetário Nacional.

De acordo com o artigo 9º da Lei n. 6.385/76 e do artigo 1º da Resolução

454, a CVM tem competência para instaurar inquérito administrativo para

apurar atos ilegais ou práticas não eqüitativas de administradores ou de

acionistas de companhias abertas, dos intermediários financeiros e dos

demais participantes do mercado de valores mobiliários.

A CVM pode aplicar as punições administrativas aos infratores das

normas das Leis n. 6.385/76 n. 6.404/76, e das Resoluções da CVM. No

entanto, como não poderia ser diferente, o processo administrativo para

atender ao princípio constitucional do devido processo legal deve assegurar

ao acusado as seguintes garantias: princípio da legalidade, a irretroatividade

das normas punitivas, a tipicidade da conduta, a culpabilidade do acusado e a

proporcionalidade das penas, presunção de inocência do acusado, prescrição

das sanções administrativas, impossibilidade de dupla apenação, legalidade

do procedimento e cabimento de recursos administrativos.

Apenas a título de curiosidade indicamos a seguir algumas das

penalidades que podem ser impostas pela CVM, as quais constam do artigo

11 da Lei n. 6.385/76:

(a) cinqüenta por cento do valor da emissão ou operação irregular;

(b) três vezes o montante da vantagem econômica obtida ou da perda

evitada em decorrência do ilícito;

(c) no caso de reincidência, poderá ser aplicada multa de até o triplo dos

valores fixados;

(d) no caso de inabilitação, até o máximo de 20 anos;

(e) proibição temporária, até o máximo de 20 anos, de praticar

determinadas atividades ou operações, para os integrantes do sistema de

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distribuição ou de outras entidades que dependam de autorização ou registro

na CVM;

(f) proibição temporária, até o máximo de 10 anos, de atuar, direta ou

indiretamente, em uma ou mais modalidades de operação no mercado de

valores mobiliários.

(g) um outro tipo de sanção, multa cominatória, aplica-se ao não-

cumprimento de uma determinação da CVM e às situações de atrasos na

entrega de informações por parte dos participantes do mercado de valores

mobiliários. A multa cominatória, no valor de até R$ 5.000,00 por dia, não

decorre de ilícito apurado em inquérito, aplicando-se diária e automaticamente

sempre que a obrigação não for cumprida.

A importância crescente do mercado de capitais como fonte de

financiamento das sociedades e principalmente a conscientização do

investidor continuou a produzir modificações intensas na legislação societária

de diversos países, inclusive na legislação brasileira.

Surgiu na economia anglo-saxônica um movimento conhecido como

governança corporativa. Este movimento visava não somente ao

estreitamento das relações entre as sociedades e o mercado, mas também

entre os fornecedores, consumidores, através da instituição de práticas

protetivas dos direitos dos investidores120.

Em razão de o mercado encontrar-se saturado, os investidores

institucionais dos países desenvolvidos aumentaram seus investimentos fora

do país, pressionando os mercados externos a se modernizarem através da

adoção de determinadas práticas protetivas.

O movimento da governança corporativa, de grande relevância para o

tema deste estudo, será tratado no capítulo seguinte.

120 Jorge Lobo (Coord.), Reforma da Lei das S.A. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 423-424.

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CAPÍTULO IV – GOVERNANÇA CORPORATIVA

Sem dúvida o estudo acerca da aderência das companhias a um padrão

adequado de governança assumiu maior relevância em virtude da

globalização financeira e comercial das economias mundiais e de seus

agentes, o que criou um ambiente em que a competição entre as companhias

é acirrada, o investimento em pesquisa e no desenvolvimento de produtos é

intenso, e o treinamento, o aprimoramento profissional e a satisfação dos

empregados são uma constante. Nessa linha, a manutenção do crescimento

sustentado da companhia exige a adoção de planos estratégicos de curto e

longo prazos e, mais importante, exige aplicação intensa de capitais121.

Conforme vimos, o ingresso no mercado de capitais promove redução de

custos e melhoria da qualidade dos produtos e serviços, todavia o acesso a

referido mercado só é possível se as sociedades interessadas tiverem um

padrão de governança corporativa que inspire confiança e motive investidores,

os quais estão a cada dia mais bem informados, seletivos e atuantes em

bases mundiais, o que nada mais é do que resultado da globalização.

Nesse sentido, Antonio Kandir comenta que estudos demonstram que o

nível de proteção legal dos investidores é um fato decisivo para que as

empresas tenham maior aptidão de captar recursos públicos, pois a ausência

de instrumentos aptos a repelir a expropriação de acionistas minoritários e

credores traz como conseqüência o desestímulo e o desinteresse do

investidor122.

Holly J. Gregory ensina que, quando a administração da sociedade é

independente dos acionistas, ou seja, quando a administração não é

121 A nova CVM e a Modernização da Lei das S.A. Reforma da Lei das Sociedades Anônimas .Jorge Lobo (Coord), cit., p. 389.122 Op. cit., p. 3.

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desempenhada pelos donos do capital, os administradores têm a

responsabilidade de utilizar eficientemente os ativos da companhia visando

atingir ao objetivo desta. A conduta dos administradores no exercício de suas

atividades é essencial para o sucesso econômico da companhia e também

para atrair investimentos de capital a longo prazo.

Em relação à definição do termo governança corporativa, pode-se afirmar

ser o conjunto de práticas que têm por finalidade otimizar o desempenho de

uma companhia ao proteger as partes interessadas, tais como investidores,

empregados e credores, facilitando o acesso ao capital. Os três pilares da boa

Governança Corporativa são: (a) transparência; (b) prestação de contas; e (c)

eqüidade no tratamento dos acionistas.

Tais práticas foram instituídas para que não ocorra perda de

competitividade do mercado de capitais brasileiro e para criar um mecanismo

eficiente para alinhar os interesses dos administradores e proprietários,

evitando conflitos.

Rodolfo Apreda, doutrinador argentino, assim definiu “governança

corporativa”123:

Definición: GovernanciaVamos a entender por governancia um campo de estudio y de

aplicación cuyas tareas principales son:La búsqueda de principios, reglas, procedimientos y buenas

prácticas que permiten a las organizaciones su conducción eficiente,dentro de las restricciones que imponen las instituciones en permanenteevolución y cambio;

El diseño, implementación y seguimiento de mecanismos para larepresentación, el voto, compromisos y responsabilidades(Accountability), controles contrapesantes, incentivos y estándares dedesempeño;

La administración del ejercicio del poder, así como de la autoridaden los procesos de toma de decisiones;

La realización de los objetivos y la misión que enuncian la cartafundacional y los estatutos de la organización.

123 Mercado de Capitales, Administración de Portafolios y Corporate Governanc e. Capítulo 11,Corporate Governance, p. 258. Paperback, jul. 2005.

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John Scanlon assim define o que entende como governança

corporativa124.

Governance affects every aspect of sustainable development andachieving sustainable development will require effective governance at alllevels.

Governance is the means by which society defines goals andpriorities and advances cooperation; be it internationally, regionally,nationally or locally. Governance arrangements are expressed throughlegal and policy frameworks, strategies, ad action plans; they include theorganizational arrangements for following up on policies and plans andmonitoring performance. Governance covers the rules of decision-makingprocess, as well as the decisions themselves.

Most fundamentally, governance is the means to an end, not anend in itself. It is this context that governance should be addressed.

There is no single definition of governance. Its elements include:

- Democratic institutions that are responsive to the needs ofthe people;

- Adherence to the rule of law;- Participation, transparency and accountability;- Appropriate devolution of authority;- Anti corruption and effective compliance measures; and- A means of resolving conflict and disputes as they arise.

Em decorrência da globalização, governar com responsabilidade visando

o desenvolvimento sustentável tornou-se hoje mais importante do que em

todos os tempos. Como vimos, os investimentos estrangeiros foram

direcionados para países e sociedades que se governam observando tais

princípios.

IV.1. Breve Histórico

Rodolfo Apreda ensina que, desde a década de 1970, já se tentava

conceituar governança corporativa. Segundo o autor, as contribuições mais

respeitadas seriam as seguintes125:

124 “10 anos da ECO-92: O Direito e o Desenvolvimento Sustentável”. Antônio Herman Benjamin(Org./Edit.). São Paulo: Imesp, 2002. Instituto “O Direito por um planeta verde”. Co-patrocínio daProcuradoria-Geral de Justiça. Texto de John Scanlon: “Governance for sustainable development”.Pág. 23

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Williamson (1988, 1996) demonstrou que as finanças corporativas e a

governança corporativa estavam profundamente relacionadas. O estudo da

governança com palavras de Williamson, consistia em “la identificación,

explicación y mitigamiento de toda forma de riesgo contractual”. Neste

sentido, a governança proporcionaria os meios para alcançar organizações

mais ordenadas e preparadas para enfrentar as ameaças de conflitos de

interesses.

Monks y Minow (1995) afirmaram que o propósito da governança

corporativa tinha direta relação com “las relaciones entre los diferentes grupos

de participantes para la determinación de la dirección, así como el

desempeno, de las corporaciones”.

Na opinião de Shleifer-Vishny (1997) governança corporativa são: “las

formas por las cuales los proveedores de financiación a las empresas podían

asegurarse un retorno adecuado para sus inversiones.”

Escrevendo para o New Palgrave Dictionary of Economics and the Law,

Zingales (1997) definiu governance como “el complejo conjunto de

restricciones que modelan las negociaciones ex post acerca de cómo distribuir

las rentas generadas en el curso de relaciones de agencias.”

Demirag (1998) dispôs que

la governancia corporativa puede entenderse como un sistema por el cuallas empresas son controladas, dirigidas y devienen responsables ante losaccionistas y otros stakeholders; se supone, además, que el controlincluye las influencias indirectas sobre cada organización de losmercados financieros.

125 Mercado de Capitales, Administración de Portafolios y Corporate Governance, cit., p. 258-260.

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Nos países em desenvolvimento foram instituídos tanto guias como

códigos de melhores práticas. O Código das Melhores Práticas criado pelo

Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (2001) e o Código de

Governança Corporativa instituído pelo Comitê de Governança Corporativa do

Conselho de Coordenação de Negócios Mexicano (1999) não obrigam as

sociedades que têm suas ações negociadas no mercado de capitais a atender

às regras de conduta neles previstas. Da mesma forma, o Código da

Confederação das Indústrias indianas (1998) e o Código Tailandês do

Mercado de Capitais (1998), que não condicionam a negociação de ações no

mercado de capitais à adesão às regras estabelecidas nos referidos códigos.

Por sua vez, o Código de Governança Corporativa da Malásia (2000) e o

Código das Melhores Práticas instituído pelo mercado de capitais de Hong

Kong (2004) obrigam as companhias a observar as regras neles

estabelecidas127.

A criação de guias e políticas de governança corporativa valoriza as

ações das empresas que seguem tais condutas. Neste sentido transcrevemos

127 Site da Bolsa Mexicana de Valores. Acesso em 06.01.2007. “Introducción: A iniciativa delConsejo Coordinador Empresarial se constituyó el Comité de Mejores Prácticas Corporativas(Comité) quien emite este Código de Mejores Prácticas (Código) donde se establecenrecomendaciones para un mejor gobierno corporativo de las sociedades mexicanas. Lasrecomendaciones del Código van encaminadas a definir principios que contribuyen a mejorar elfuncionamiento del Consejo de Administración y a la revelación de información a los accionistas.De manera específica, las recomendaciones buscan: (i) que las sociedades amplíen la informaciónrelativa a su estructura administrativa y las funciones de sus órganos sociales; (ii) que lassociedades cuenten con mecanismos que procuren que su información financiera sea suficiente;(iii) que existan procesos que promuevan la participación y comunicación entre los consejeros; y(iv) que existan procesos que fomenten una adecuada revelación a los accionistas.

En la elaboración del Código, el Comité reconoció la realidad y necesidades de las sociedadesmexicanas. Entre ellas, se tomó en cuenta la estructura accionaria de dichas sociedades, así comola importancia que pueden tener los accionistas en la administración de las mismas. Finalmente, esimportante destacar que el Código puede aplicar a todas las sociedades mexicanas, ya sea paraaquéllas cuyas acciones cotizan en bolsa (listadas) o para aquéllas que no, reconociendo queexisten ciertos principios que solamente aplican a las primeras.” Os códigos da Malásia, HongKong, India e Tailândia foram consultados em 06.01.2007, através do site do “European CorporateGovernance Institute” (http://www.ecgi.org/codes/all_codes.php)

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abaixo uma reportagem do Jornal do Brasil, de 31 de julho de 2000, publicada

no Instituto Brasileiro de Governança Corporativa

Governança Valoriza EmpresasOs investidores estrangeiros estão dispostos a pagar 24,5% a mais

pelas ações e participações em empresas brasileiras caso ascompanhias nacionais tenham uma administração mais eficiente, ou,como preferem os especialistas, um bom projeto de governançacorporativa. Pelo mesmo motivo, os administradores de recursosdomésticos investiriam 22,4% a mais pelos mesmos papéis.

Os números são da Pesquisa de Opinião do Investidor, daconsultoria Mckinsey & Company - realizada em junho de 2000 emparceria com o Banco Mundial e institutos regionais de investidoresinstitucionais - com 200 administradores de recursos na América Latina,Ásia, Estados Unidos e Europa, cuja carteira de ativos somam, emconjunto, US$ 3,25 trilhões. A principal conclusão foi que a administraçãotem peso semelhante ao desempenho financeiro das empresas na horade avaliá-las e os investidores dos continentes pesquisados estãodispostos a pagar um prêmio entre 18,3% e 27,6% pelas ações dasempresas com boas práticas corporativas.

A sondagem mostrou também que o total a ser pago a mais pelosinvestidores é maior quanto menos desenvolvida for a estrutura degovernança corporativa. "Os prêmios são maiores na América Latina e naÁsia porque nessas regiões ainda há espaço para a administraçãomelhorar e agregar valor à empresa. Nos EUA e Inglaterra, onde agovernança corporativa está desenvolvida, o ágio é menor", afirmouJean-Marc Laouchez, consultor da Mckinsey responsável pela pesquisana América Latina. Incipiente no Brasil, o conceito de governançacorporativa tem se resumido aqui ao respeito aos acionistas minoritários.Por esse motivo o prêmio médio a ser pago pelas ações das empresasbrasileiras (22,9%) está entre os dez maiores.

Na frente do Brasil estão Venezuela (27,6%), Colômbia (27,2%),Indonésia (27,1%), Tailândia (25,7%), Malásia (24,9%) e Coréia (24,2%),e logo atrás México (21,5%), Argentina (21,2%) e Chile (20,8%). Mas oconceito de governança é mais amplo. Envolve principalmente aexistência de um conselho de administração independente, transparênciana divulgação dos resultados e planos futuros e eqüidade no tratamentosdos acionistas, com atendimento eficiente a todas as categorias. Apesardisso, o desrespeito aos direitos dos acionistas ainda é o principalproblema da estrutura administrativa das empresas da América Latina, deacordo com os investidores estrangeiros. De nada adianta terinformações sobre a empresa se antes não são criados mecanismos parainfluenciar a administração.

Dentre os mercados emergentes, o Brasil está numa boa posição,mas ainda há muito o que fazer, de acordo com Bengt Hallqvist,executivo que já passou por mais de 50 conselhos de administração emmais de 15 países e hoje é presidente do Conselho de Administração doInstituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). "Aqui o acionistacontrolador ainda é poderoso, o que gera um desequilíbrio de poder. Maseste é um processo histórico. A própria Bovespa estuda exigir das novasempresas que forem abrir capital a formação de um conselho deadministração", disse. Para competir globalmente, segundo a avaliaçãode Jean-Marc Laouchez, as empresas brasileiras devem repensar a

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O Congresso e o governo dos Estados Unidos, diante dos impactos

provocados no mercado de capitais por conta de tais escândalos, com a

conseqüente saída de investidores da bolsa de Nova York, editaram, em

2002, a Lei Sarbanes-Oxley Act, que assim foi denominada em homenagem

aos membros do Congresso responsáveis pela sua elaboração (Paul

Sarbanes e Michael Oxley). A Sarbanes-Oxley Act é bem abrangente e eleva

o grau de responsabilidade desde o presidente e a diretoria da empresa até

as auditorias e advogados contratados. Introduz regras bastante rígidas de

governança corporativa, com o objetivo de conferir maior transparência e

confiabilidade aos resultados das empresas, instituindo severas punições

contra fraudes empresariais e dando maior independência aos órgãos de

auditoria.

A lei visava fazer que os investidores daquele país readquirissem a

confiança nas informações financeiras prestadas pelos órgãos de

administração das companhias abertas, conferindo-lhes maior segurança para

que continuassem a realizar seus investimentos.

Basicamente a lei visava o maior controle sobre as atividades de

auditoria e a punição das fraudes praticadas por administradores das

Na fraude do balanço contábil, os ativos foram supervalorizados e os passivos, diminuídos. Aempresa, portanto, foi apresentada como tendo muito dinheiro (em caixa, a receber ou empatrimônio etc.) e poucas dívidas e compromissos a cumprir. Para chegar ao ponto de quebrarem,essas empresas passaram pela ambição de diretores, presidentes, que burlaram as regras internaspara tirar proveito próprio, desviar dinheiro para cobrir gastos excessivos. No caso da Enron, foramregistrados dois graves problemas: 1) O da fraude propriamente dita, em que os contadoresmentiram nos balanços; e 2) O fato de a empresa de auditoria independente também ter sido'solidária' com a fraude. Essa empresa, a Arthur Andersen, era a segunda maior do mundo e faliulogo após o escândalo. Para viabilizar a fraude, a Enron contou com outras empresas e bancos,que permitiram manipular repetidamente seu balanço financeiro e esconder débitos. Outro caso deirregularidades em demonstrações financeiras de companhias americanas envolve a Xerox. Aempresa anunciou em junho de 2002 que iria reclassificar suas receitas, referentes a cinco anos. ASEC e a Xerox fecharam um acordo, antes da divulgação da fraude, para resolver os problemascontábeis: a empresa pagou uma multa exorbitante.

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empresas.

Para atender ao primeiro objetivo, a lei (a) criou a comissão "Public

Company Accounting Oversight Board" ("AOB") com representação do setor

privado, sob supervisão da “Securities and Exchange Commission” (“SEC”),

com poderes para fiscalizar e regulamentar as atividades das auditorias e

punir auditores que violem dispositivos legais; (b) limitou a atuação dos

auditores independentes, não sendo permitindo, por exemplo, que tais

auditores prestassem serviços de consultoria à empresa que está sendo por

eles auditada; (c) proibiu as empresas de auditorias de prestar serviços à

empresas cujo presidente, “controller”, diretor financeiro, ou qualquer membro

da administração tenha sido empregado da empresa de auditoria em prazo

inferior a um ano da contratação.

Para atender ao segundo objetivo que trata da responsabilidade

corporativa, a nova lei (a) exigiu que os principais executivos (diretor

presidente e diretor financeiro) da companhia confiram os relatórios periódicos

entregues a SEC, garantindo assim que esses não contenham informações

falsas ou omissas, representando a real situação financeira da companhia,

sendo que no caso de divulgações errôneas ou inexatas serão impostas

penalidades; (b) proibiu, direta ou indiretamente, inclusive por intermédio de

subsidiárias, a oferta, manutenção, ampliação ou renovação de empréstimos

entre a empresa e quaisquer conselheiros ou diretores; (c) exigiu a devolução

de bônus e/ou lucros em caso de nova publicação de demonstrações

financeiras por descumprimento de exigências relativas ao modo de prestação

das informações; (d) limitou os planos de benefícios dos altos administradores

e membros do conselho de administração; (e) estabeleceu padrões de

conduta maior responsabilidade dos advogados, entre outros.

O diretor presidente e o diretor financeiro da companhia passaram

ainda a apresentar à SEC, juntamente com os relatórios da administração e

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as demonstrações financeiras periódicas, declarações certificando que tanto

os relatórios quanto as demonstrações financeiras estão em conformidade

com as normas da SEC, atendendo às exigências dos art. 13 (a) e 15 (d) do

Securities Exchange Act de 1934129, e, ainda, que as informações contidas

129 “Section 13 -- Periodical and Other Reports

a. Every issuer of a security registered pursuant to Section 12 of this title shall file with theCommission, in accordance with such rules and regulations as the Commission may prescribe asnecessary or appropriate for the proper protection of investors and to insure fair dealing in thesecurity--

1. Such information and documents (and such copies thereof) as the Commission shall require tokeep reasonably current the information and documents required to be included in or filed with anapplication or registration statement filed pursuant to Section 12, except that the Commission maynot require the filing of any material contract wholly executed before July 1, 1962.

2. Such annual reports (and such copies thereof), certified if required by the rules and regulations ofthe Commission by independent public accountants, and such quarterly reports (and such copiesthereof), as the Commission may prescribe.

Every issuer of a security registered on a national securities exchange shall also file a duplicateoriginal of such information, documents, and reports with the exchange. “

“Section 15D -- Securities Analysts And Research Reports Analyst Protections.

The Commission, or upon the authorization and direction of the Commission, a registered securitiesassociation or national securities exchange, shall have adopted, not later than 1 year after the dateof enactment of this section, rules reasonably designed to address conflicts of interest that canarise when securities analysts recommend equity securities in research reports and publicappearances, in order to improve the objectivity of research and provide investors with more usefuland reliable information, including rules designed--

1.to foster greater public confidence in securities research, and to protect the objectivity andindependence of securities analysts, by--

A. restricting the prepublication clearance or approval of research reports by persons employed bythe broker or dealer who are engaged in investment banking activities, or persons not directlyresponsible for investment research, other than legal or compliance staff;

B. limiting the supervision and compensatory evaluation of securities analysts to officials employedby the broker or dealer who are not engaged in investment banking activities; and

C. requiring that a broker or dealer and persons employed by a broker or dealer who are involvedwith investment banking activities may not, directly or indirectly, retaliate against or threaten toretaliate against any securities analyst employed by that broker or dealer or its affiliates as a resultof an adverse, negative, or otherwise unfavorable research report that may adversely affect thepresent or prospective investment banking relationship of the broker or dealer with the issuer that isthe subject of the research report, except that such rules may not limit the authority of a broker ordealer to discipline a securities analyst for causes other than such research report in accordancewith the policies and procedures of the firm;

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2. to define periods during which brokers or dealers who have participated, or are to participate, ina public offering of securities as underwriters or dealers should not publish or otherwise distributeresearch reports relating to such securities or to the issuer of such securities;

3. to establish structural and institutional safeguards within registered brokers or dealers to assurethat securities analysts are separated by appropriate informational partitions within the firm from thereview, pressure, or oversight of those whose involvement in investment banking activities mightpotentially bias their judgment or supervision; and

4. to address such other issues as the Commission, or such association or exchange, determinesappropriate.

b. Disclosure.

The Commission, or upon the authorization and direction of the Commission, a registered securitiesassociation or national securities exchange, shall have adopted, not later than 1 year after the dateof enactment of this section, rules reasonably designed to require each securities analyst todisclose in public appearances, and each registered broker or dealer to disclose in each researchreport, as applicable, conflicts of interest that are known or should have been known by thesecurities analyst or the broker or dealer, to exist at the time of the appearance or the date ofdistribution of the report, including--

1. the extent to which the securities analyst has debt or equity investments in the issuer that is thesubject of the appearance or research report;

2. whether any compensation has been received by the registered broker or dealer, or any affiliatethereof, including the securities analyst, from the issuer that is the subject of the appearance orresearch report, subject to such exemptions as the Commission may determine appropriate andnecessary to prevent disclosure by virtue of this paragraph of material non-public informationregarding specific potential future investment banking transactions of such issuer, as is appropriatein the public interest and consistent with the protection of investors;

3. whether an issuer, the securities of which are recommended in the appearance or researchreport, currently is, or during the 1-year period preceding the date of the appearance or date ofdistribution of the report has been, a client of the registered broker or dealer, and if so, stating thetypes of services provided to the issuer;

4. whether the securities analyst received compensation with respect to a research report, basedupon (among any other factors) the investment banking revenues (either generally or specificallyearned from the issuer being analyzed) of the registered broker or dealer; and

5. such other disclosures of conflicts of interest that are material to investors, research analysts, orthe broker or dealer as the Commission, or such association or exchange, determines appropriate.

c. Definitions.

In this section--

1. the term 'securities analyst' means any associated person of a registered broker or dealer thatis principally responsible for, and any associated person who reports directly or indirectly to asecurities analyst in connection with, the preparation of the substance of a research report, whetheror not any such person has the job title of 'securities analyst'; and

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nos relatórios da administração indicam a real condição financeira e os

resultados operacionais da companhia, sob pena de lhes serem aplicadas

penas de até vinte anos de prisão e/ou multa de US$ 5,000,000.00, o que de

certo modo inibe que executivos chefes e os executivos financeiros de

empresas aleguem ignorância de erros ou fraudes em balancetes.

A lei também prevê outras penalidades para os crimes praticados pelos

administradores das companhias, como alteração e/ou falsificação de

documentos contábeis, ampliando a definição de “destruição de documentos”

e aumentando as penas para crimes financeiros. Enfim, a lei norte-americana

acrescenta um novo dispositivo ao código penal americano, tipificando como

crime esquemas ou artifícios iniciados para fraudar acionistas.

As sociedades também ficaram proibidas de realizar empréstimos pessoais a

membros da diretoria e do conselho de administração, sendo permitida

apenas a tomada de empréstimos em situações específicas, como, por

exemplo, para aquisição ou reforma de casa própria, observadas as

condições praticadas no mercado.

A lei reduz o prazo para a pessoa da companhia que tenha

conhecimento de informações relevantes ainda não disponíveis ao público

(insider) comunicar à SEC qualquer negociação envolvendo valores

mobiliários da companhia. O prazo anterior era até o décimo dia do mês

subseqüente ao da realização do negócio e com a edição da nova lei passou

para dois dias úteis, contados a partir da data da negociação.

A lei norte-americana é também aplicável às empresas estrangeiras que

possuem valores mobiliários registrados na SEC. Algumas provisões da lei

2. the term 'research report' means a written or electronic communication that includes an analysisof equity securities of individual companies or industries, and that provides information reasonablysufficient upon which to base an investment decision.”

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conflitam com a legislação dos outros países, por esta razão existem

demandas por parte de companhias internacionais requerendo que a SEC as

isente de seguir tais regras.

Um dos itens conflitantes é o que estabelece a criação de um comitê de

auditoria para acompanhar a atuação dos auditores e os números da

companhia. O argumento para esta hipótese é de que no Brasil já existe a

figura do conselho fiscal, que exerce esse papel. O único problema é que o

modelo que existe no Brasil é diferente, já que se reporta à assembléia geral

de acionistas e não existe a necessidade de que os representantes sejam

independentes, enquanto a nova lei norte-americana determina que o comitê

de auditoria deve ser composto por três integrantes, todos independentes.

Outro conflito é que o comitê de auditoria seria responsável pela escolha da

firma de auditoria externa, enquanto pela lei brasileira essa atribuição é do

conselho de administração.

Enquanto a SEC busca reconquistar a confiança dos investidores da

bolsa de valores de Nova York através do reforço normativo dado pelo

Sarbanes-Oxley Act, a CVM tem procurado aumentar o volume de

negociações da Bovespa, atraindo novos investidores seguros de que o

mercado de valores mobiliários brasileiro reflete as mesmas regras de

transparência e de boa prática de governança corporativa internacionais por

parte das empresas registradas no mercado de capital.

Embora o mercado acionário brasileiro esteja num patamar de

desenvolvimento infinitamente inferior se comparado com o americano,

cumpre observar que várias da regras estabelecidas pela nova lei norte-

americana já haviam sido instituídas no Brasil, pela Comissão de Valores

Mobiliário (CVM), há mais de dois anos, e também pela LSA, de 1976,

alterada pela Lei nº 10.303/01.

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A diretoria de nossas companhias é responsável pela elaboração dos

balanços, os quais devem ser assinados por administradores, nos termos dos

artigos 142, V e 176, respectivamente, da LSA.

Com relação à CVM, desde 1999, através da Instrução Normativa CVM

308 de 14.05.1999, este órgão determinou que as empresas de auditorias não

poderiam prestar serviços de consultoria ou outros serviços que “possam

caracterizar a perda de sua objetividade e independência”. A vigência nesta

parte da Instrução Normativa estava suspensa por liminares obtidas por

empresas de auditorias. Contudo, a CVM obteve algumas vitórias nos

tribunais, e a proibição de empresas de auditorias prestarem outros serviços

conflitantes com os serviços de auditorias prestados às empresas foi

praticamente restabelecida. A conquista vem de encontro com outras medidas

que a CVM vinha tomando para intensificar a transparência e a independência

das auditorias externas, como, por exemplo, a proposta de instrução que

estava sendo discutida pela autarquia e que exigia das empresas de

auditorias a informação em notas explicativas.

Além disso, a CVM vem se preocupando em alinhar os procedimentos

contábeis vigentes no Brasil com as práticas internacionais estabelecidas pelo

International Accounting Standards Board (IASB).

Em termos gerais as principais alterações introduzidas pela nova lei

foram (a) a certificação do CEO e do CFO nos relatórios anuais:

responsabilidade civil e criminal; (b) a proibição de empréstimos a

conselheiros e diretores; (c) a criação de um comitê de auditoria: supervisão

do relacionamento com auditor; (d) a limitação da atuação do auditor; (e) a

maior publicidade das informações e fiscalização pela SEC: (f) mudanças

substanciais nas finanças e operações não-contabilizadas; (g) a criação do

código de ética para diretores financeiros sênior; (h) a revisão periódica e

sistemática do shelf-registration; (i) conselheiros e diretores: devolução de

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remuneração recebida caso haja violação de dever de conduta; e (j) limitação

aos planos de benefícios para empregados.

As disposições da nova lei norte-americana contra fraude corporativa

afetaram as empresas brasileiras, em decorrência de medidas tomadas por

suas controladoras estrangeiras ou devido à sujeição de companhias

brasileiras de capital aberto com títulos negociáveis na Bolsa de Nova York à

nova lei.

No âmbito da legislação brasileira, as fontes legais são:

a) a Lei n. 10.303, de 31 de outubro de 2001, que estabeleceu a eleição

dos membros do Conselho de Administração em separado (art. 141) e a

faculdade aos empregados da sociedade de participar do Conselho de

Administração (artigo 140, parágrafo único); instituiu a resolução de conflitos

por arbitragem (art. 109, parágrafo terceiro); e instituiu o tag along para as

ações com direito a voto de 80% do preço de controle (art. 254-A).

b) Bovespa

A Bovespa instituiu um segmento especial de listagem para as

companhias abertas com valores mobiliários admitidos à negociação em

mercado de bolsa, que se comprometam a adotar práticas diferenciadas de

governança corporativa. Foram instituídos três níveis crescentes de

compromisso: Nível 1, Nível 2 e Novo Mercado, em função da amplitude e

qualidade das informações a serem disponibilizadas ao mercado, da

dispersão acionária existente e de outros direitos adicionais conferidos aos

acionistas minoritários. Abaixo indicamos as principais características de cada

um.

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b.1) Nível 1: manter em circulação a parcela mínima de vinte e cinco por

cento do capital social; realizar ofertas públicas com a utilização de

mecanismos que favoreçam a dispersão da base acionária; melhoria das

informações prestadas trimestralmente; cumprimento das regras de disclosure

por parte dos controladores e dos administradores; e divulgação de acordos

de acionistas e programas de opção de compra de ações (stock options).

b.2) Nível 2: além das regras do nível 1, o mandato de um ano para todo

o Conselho de Administração; disponibilização de balanço anual segundo

normas de contabilidade praticadas no exterior (USGAAP ou IAS GAAP);

alienação de controle: cem por cento de tag along para as ações ordinárias e

setenta por cento para as ações preferenciais; voto para as ações

preferenciais no caso de transformação, incorporação, cisão, fusão e

contratos com empresas do mesmo grupo; obrigatoriedade da realização de

oferta de compra pelo valor econômico, de todas as ações em circulação, no

caso de fechamento de capital ou cancelamento de registro no nível 2; e

adesão à Câmara de Arbitragem da Bovespa para resolução de conflitos

societários.

b.3) Novo Mercado: além das regras do nível 2; possuir apenas ações

ordinárias; extensão aos acionistas minoritários das mesmas condições

obtidas pelos controladores quando da venda do controle da companhia (tag

along); vedação a alienação/transferência dos valores mobiliários da

companhia pelo administrador e controlador, nos seis meses subseqüentes ao

início da negociação. Após esse período eles não poderão vender/transferir

mais do que quarenta e nove por cento das ações e derivativos de que eram

titulares no início da negociação, supramencionada. Não se aplica a

companhias que, antes de entrar no novo mercado, já eram cotadas na

Bovespa.

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Observa-se que a admissão em qualquer um dos níveis pressupõe a

celebração de contrato escrito com a Bovespa, através do qual a companhia,

o acionista controlador e os administradores (Diretoria, membros do Conselho

de Administração e do Conselho Fiscal) assumem diversas obrigações de

fazer. Na hipótese de inadimplência a Bovespa pode estabelecer multas

pecuniárias e até mesmo descredenciar a companhia, com a conseqüente

obrigação de realizar oferta pública de compra da totalidade das ações em

circulação.

c) CVM

c.1) Cartilha CVM de governança corporativa: facilitação da presença dos

acionistas e participação de todos estes em matérias relevantes nas

assembléias; disponibilização de acordos de acionistas; independência,

qualificação e delimitação de funções da administração; oferta pública de

ações para todas as ações pelo mesmo preço de controle no caso de

alienação de controle; limitação e divulgação de operações com partes

relacionadas; resolução de conflitos por arbitragem; independência do

Conselho Fiscal; a existência de um comitê de auditoria para supervisionar os

relacionamentos com os auditores; limitação a atuação do auditor; e normas

internacionais de contabilidade.

c.2) Instrução CVM 358/2002: ampliação do leque de informações

relevantes; informação sobre a titularidade e a negociação de valores

mobiliários por controladores, administradores e partes relacionadas; vedação

a negociação de valores mobiliários em períodos determinados; divulgação de

aumento relevante de participação (cinco por cento); política de divulgação de

informação relevante: obrigatoriedade; e política de negociação de valores

mobiliários: faculdade.

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c.3) Instrução CVM 361/2002: obrigatoriedade de laudo de avaliação,

inclusive na alienação de controle; maior responsabilização das entidades

participantes da Oferta Pública de Ações; normas que disciplinam a realização

das Ofertas Públicas de Ações (por cancelamento de registro; aumento de

participação; por alienação de controle; por aquisição de ações de companhia

aberta e para aquisição de controle de companhia aberta.

d) Instituto Brasileiro de Governança Corporativa

d.1) Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa:

estabelece que (i) a missão do conselho de administração é aumentar o valor

das ações do investidor; (ii) os conselheiros devem ter experiências e

conhecimento diversos; (iii) a maioria dos membros do conselho de

administração devem ser independentes.

III.2.2. A governança corporativa como princípio ap licável a todas as

sociedades

Como vimos, em diversos países os princípios da governança

corporativa são adotados pelas companhias com a finalidade de proteger os

investidores e atrair maiores investimentos. Normalmente são as entidades

regulamentadoras do mercado de capitais que instituem códigos e guias de

práticas de governança corporativa. Como vimos, em alguns países a adoção

de tais práticas é obrigatória para aquelas companhias que pretendem

negociar suas ações no mercado de capitais, e em outros tais práticas, apesar

de não serem mandatórias, são normalmente adotadas, em decorrência da

pressão realizada pelo próprio investidor, que direciona seus investimentos às

companhias que adotam tais práticas.

A adoção de práticas de governança corporativa valoriza potencialmente

as ações emitidas pela companhia aderente. O investidor sente-se certamente

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mais estimulado a direcionar seus recursos às companhias que proporcionem

maior transparência na condução dos negócios sociais e nas relações

mantidas com acionistas minoritários, ou cujas ações contemplem novos

direitos patrimoniais e sejam mais líquidas.

Em geral, o conceito de “práticas de governança corporativa” é associado

às companhias abertas, tendo em vista que tais sociedades, por envolver o

uso de poupança popular, precisam de normas mais rigorosas envolvendo a

divulgação de informações (transparência), a prestação de contas e a

eqüidade no tratamento dos acionistas. No entanto, a adoção de práticas de

governança corporativa é plenamente possível e recomendável para

quaisquer sociedades anônimas que queiram melhorar o seu desempenho e

incentivar investimentos. Afinal, as melhores práticas de governança

corporativa não interessam apenas aos investidores, mas também aos

consumidores, fornecedores e à economia do país. É muito mais confortável

negociar com companhias cujos administradores exerçam suas funções

observando as diretrizes da governança corporativa, pois isso demonstra boa-

fé, responsabilidade e comprometimento.

É importante frisar que as práticas de governança corporativa

consensuais são adicionais àquelas previstas na legislação societária, sendo,

portanto, complementares e aplicáveis somente às companhias que optarem

por se submeter a essas normas adicionais. As sociedades que optarem pela

submissão às práticas de governança corporativa estarão sujeitas a dois

regulamentos: (a) Lei das Sociedades Anônimas (práticas de governança

corporativa legal) e (b) práticas de governança corporativa consensuais.

Percebe-se que a intenção ao instituir as normas de governança corporativa

consensuais foi, principalmente, a de fortalecer as normas de “disclosure” e os

direitos dos minoritários previstos na legislação societária, visando a um maior

comprometimento do controlador e o administrador com o interesse social, e

não com os interesses particulares.

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A utilização das normas de governança corporativa minimiza os riscos da

administração na medida em que facilita o trânsito de informações entre o

controlador, a companhia, o administrador, o mercado e os minoritários. Ou

seja, na medida do disclosure e do compromisso de veracidade dessas

informações, com as pessoas que as divulgam ao público. Com maior certeza

quanto à qualidade das informações relacionadas à sociedade, o

administrador estará mais apto a tomar decisões eficazes e avaliar

criticamente propostas feitas pelo controlador.

Além disso, tais práticas permitem que o administrador tenha mais

segurança quanto à sua administração, sabendo se o mercado está

“aprovando-a ou não”. Por outro lado, é importante destacar que as práticas

de governança corporativa determinam normas mais rígidas de “disclosure”

comprometimento dos administradores, e tornam o exercício das funções de

administração um trabalho de ainda maior responsabilidade. Ademais, o

“disclosure” permite maior controle dos acionistas.

Como não poderia deixar de ser, as práticas de governança corporativa

instituíram aos administradores novos deveres, além daqueles previstos na

Lei das Sociedades Anônimas, como novos deveres de informação e

transparência na sua atuação.

O exercício regular das funções de administração, e a observância a

essas novas práticas de governança corporativa, realmente minimizarão o

risco da administração, haja vista que ficará muito mais fácil para o

administrador comprovar que agiu de acordo com a lei e as melhores práticas

de governança corporativa. Como o administrador está obrigado a prestar

diversas informações relativas à companhia, o mercado não poderá,

futuramente, responsabilizá-lo por omissão. No entanto, se revelar

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informações incorretas, será responsabilizado, independentemente de ter

cumprido parcialmente sua obrigação de informação.

Todavia, o exercício irregular dos deveres de administração, ou, ainda

que regular, em desrespeito às novas práticas de governança corporativa,

implicará a responsabilidade do administrador, por esta razão o administrador

precisa executar suas funções de forma ainda mais diligente e competente,

como veremos mais adiante.

As grandes vantagens que tais normas trazem são auferidas pelos

investidores, consumidores e fornecedores da companhia. Ao se assegurar os

princípios da transparência, da prestação de contas e da eqüidade, observa-

se que: (a) os investidores, consumidores e fornecedores sentem-se mais

seguros para fazer o seu investimento ou estabelecer uma relação

empresarial com a sociedade, tendo em vista que as informações disponíveis

da companhia possuem um alto grau de confiabilidade, e devem refletir de

forma satisfatória a situação econômico-financeira da companhia; (b) o

investidor conhece o risco do seu investimento; e (c) os direitos do acionistas

estão assegurados de forma mais efetiva do que o previsto na legislação.

Preocupadas em adequar-se às boas práticas de governança

corporativa, algumas empresas começaram a profissionalizar a administração

e a eleger executivos considerando suas competências. Em reportagem

veiculada pela Gazeta Mercantil a respeito da profissionalização dos

conselhos de administração constatou-se que algumas empresas já

perceberam uma demanda por conselheiros preparados e com experiência na

função. Ainda segundo a reportagem, mesmo empresas que não possuem

ações em bolsas estrangeiras e não são obrigadas a seguir as práticas de

governança corporativa procuram incorporá-las porque isso lhes garante a

confiança de investidores e instituições financeiras a que recorrem para obter

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crédito. Assim, a demanda por conselheiros profissionais não está restrita a

companhias de capital aberto130.

Nesse sentido, Arnoldo Wald comenta que o minoritário deixou de ter

uma função passiva, transformando-se em participante ativo das discussões,

monitorando a gestão da empresa e fazendo alianças estratégicas, ou seja,

atuando profissionalmente. As conseqüências dessa intervenção se fizeram

sentir especialmente no fortalecimento do Conselho de Administração,

ampliando-se a sua competência e atuação. Na sua composição, que, no

passado, era mais doméstica, abrangendo pessoas ligadas aos controladores,

passou-se a encontrar conselheiros independentes, representantes dos

minoritários e da própria sociedade131.

Concluímos com isso que as práticas de governança corporativa

constituem verdadeiro incremento na responsabilidade dos administradores e,

portanto, em valor agregado para a sociedade.

130 Gazeta Mercantil . 02.02.2006 – quinta-feira. C-8.131 Wald, Arnoldo (Coord.). O Governo das Empresas. Revista de Direito Bancário, do Mercadode Capitais e da Arbitragem , v. 15. Ano 5. jan.-mar. 2002. Editora Revista dos Tribunais. Pág. 62

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CAPÍTULO V – DEVERES DOS ADMINISTRADORES

O processo de integração das economias mundiais desencadeou uma

série de mudanças nas sociedades, no mercado de capitais e, por

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os acionistas, sendo que suas relações são estabelecidas pela legislação,

estatutos e pelos princípios gerais aplicáveis a esta posição fiduciária

(fiduciary position). Dessa qualificação derivam seus deveres (fiduciary

obligations), a saber: (a) o dever de diligência (duty of care); (b) o dever de

lealdade (duty of loyalty); e (c) o dever de informar (duty of disclosure). O não-

cumprimento de tais deveres implica a responsabilidade dos

administradores133.

Orlando Gomes destaca existirem dois critérios básicos para classificar

os deveres dos administradores, a saber:

(a) o analítico, em que estariam enumerados na lei, de maneira

exemplificativa, os deveres e obrigações dos administradores; e o

(b) sintético, segundo o qual o legislador se limitaria a fazer referências

genéricas, as quais pressupõem dois conceitos que não podem ser definidos

na lei, o dever de diligência e de interesse social.

O legislador brasileiro optou pelo critério analítico e previu de forma

detalhada as obrigações e deveres dos administradores nos artigos 153 a 157

133 Leães, L. G. Paes de Barros. Mercado de Capitais & “Insider Trading”. Pág. 186. São Paulo.1978. Referência feita a Henry W. Ballantine, On Corporations, Edição Revista, Chicago, parActions et leur Administration en Droit Comparé, Bruxelas, 1960, 1946, pp. 119 e ss. Definição dosdeveres de diligência e lealdade observada no livro Robert. W. Hamilton e Richard A. 5. ed.,Thomson West. 2006. St. Paul, MN. p. 573, 580 – Duty of Care – Standart test for directors’ duty ofcare is that the duties must be discharged (1) in good faith, (2) with the care an ordinarily prudentperson in a like position would exercise undert similar circumstances, and (3) in a manner tereasonably believes to be in the best interests of the corporation. Duty of Loyalty. Whereas the dutyof care focuses on the responsibility of directors and officers to manage a corporation competently,the duty of loyalty (sometimes called the duty of fairness) focuses on the responsibility of directorsand officers to avoid or at least scrutinize conflicts of interest. Conflicts of interest may take manyforms. (a) In a self-dealing case, a director or officer enters into a transaction with the corporation.For example, a director may sell a piece of property to the corporation. The obvious danger is thatthe director may use his position to cause the corporation to overpay. (b) In a corporate opportunitycase, a director or officer may come across a valuable business opportunity in his capacity as adirector or officer and may seek to exploit the opportunity for his own benefit rather than offering itto the corporation. The harm to the corporation is a loss of profits. (c) In a competition case, adirector or officer engages in a new business venture that seeks to exploit the same market as theold corporation. The harm to the corporation is in the form of reduced profits.

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da Lei das Sociedades Anônimas, que são os de diligência (artigo 153), o de

cumprimento das finalidades da sociedade (artigo 134), o de lealdade (artigo

155) e o de informar (artigo 157). Segundo Trajano de Miranda Valverde, com

a adoção deste critério, o legislador facilitou a determinação da

responsabilidade do administrador, ampliando as hipóteses de presunções de

culpa134.

Outros deveres encontram-se previstos na lei das Sociedades Anônimas,

tais como:

(c) convocação da assembléia geral ordinária, divulgação e

disponibilização aos acionistas, até um mês antes da assembléia geral

ordinária, dos documentos da administração (art. 123);

(d) comparecimento à assembléia geral ordinária, providenciar as

demonstrações financeiras;

(e) zelar para que as operações entre as sociedades relacionadas

observem as condições comutativas; observar a orientação e instruções

expedidas pelos administradores do grupo, quando ocupar o cargo de

administrador de sociedade filiada;

(f) zelar que não ocorram prejuízos à sociedade filiada por atos

estranhos à convenção instituidora do agrupamento;

(g) manutenção do registro de companhia aberta: instrução 202/93

alterada pelas instruções: 238/95-245/96-274/98-309/99-344/00-351/01-

358/02-373/02135;

134 L. G. Paes de Barros Leães, Mercado de Capitais & “Insider Trading” . São Paulo, 1978. p.187.Referência feita a Trajano de Miranda Valverde, Sociedades por Ações . v. II, n. 603, p. 280.135 Inquérito Administrativo CVM n. 20/00 – Responsabilidade de administrador pela nãomanutenção do registro de companhia aberta atualizado e pelo não encaminhamento à CVM, nos

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123

(h) publicações e remessas de documentos referentes à Assembléia

Geral : art. 124, caput e parágrafo primeiro; instrução 341/01; art. 124,

parágrafo sexto; art. 133 e 135 da LSA136;

(i) aquisição das próprias ações e negociações com opção: artigo 30;

instrução 10/80, alterada pela 268/97; instrução 290/98, alterada pela 291/98;

(j) declaração de conselheiros e diretores eleitos: art. 147 e Instrução

367/02;

(l) publicações e demonstrações financeiras: ar. 176, caput e parágrafo

primeiro; instrução 59/86; instrução 207/94, alterada pela 232/95137.

Conforme observa Fabio Ulhoa Coelho, existem também deveres

implícitos os quais se deduzem das normas gerais e dos princípios que

informam o sistema de direito societário, como: (a) observar os estatutos; (b)

cumprir as deliberações dos órgãos societários hierarquicamente superiores;

(c) controlar a atuação dos demais administradores; (d) não competir com a

sociedade138.

prazos devidos, das informações obrigatórias da companhia – infrações configuradas –Inabilitação. Trata-se de condenação à inabilitação para o exercício do cargo de administrador decompanhia aberta em razão do descumprimento dos artigos 16 e 17 da Instrução CVM n. 202/93,que determina que sejam prestadas pela companhia as informações periódicas e as eventuais.136 Inquérito Administrativo CVM n. 36/98. – Irregularidade na gestão e administração dos negóciosda companhia. Não encaminhamento de informações obrigatórias. Ausência de Escrituraçãocontábil, não convocação de Assembléias Gerais ou realização de Reuniões do Conselho deAdministração. Descumprimento do Dever de Diligência. Trata-se do caso “Gurgel” em que algunsadministradores foram condenados à inabilitação para o exercício do cargo em companhiasabertas pelo descumprimento de diversas obrigações constante da Lei das S.A. e das Instruçõesda CVM, dentre as quais a não convocação de Assembléias Gerais.137 TA/RJ2001/6835 – A obrigação de cumprir determinação de republicação das demonstraçõesfinanceiras da companhia é de responsabilidade da diretoria. Situação em que foi determinado pelaCVM que a empresa refizesse e republicasse as demonstrações financeiras em razão decontabilização indevida. A obrigação foi cumprida parcialmente, o que gerou o Termo deAcusação. O Termo de Acusação foi aprovado pelo Colegiado somente contra os Diretores e nãocontra os Conselheiros, já que o artigo 176 da Lei das Sociedades Anônimas impõe essaobrigação aos Diretores. Com base no artigo 9, inciso IV da Lei 6.385/76 e na Instrução CVM n.6/79, os diretores foram condenados a uma multa de R$ 10.000,00.138 Fabio Ulhoa Coelho, Curso de Direito Comercial. 5. ed. ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2002.v 2. p. 241; A Responsabilidade Civil dos Administradores de Instituições Financeiras. In: Roberto

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124

Segundo José Alexandre Tavares Guerreiro, a imposição dos deveres,

pela lei, apresenta conteúdo meramente finalístico, como se infere do artigo

154, uma vez que a atividade dos administradores só se legitima na medida

em que se dirige à consecução dos fins sociais, no interesse da companhia,

satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa.

Diante disso, será ato irregular de gestão todo aquele que resultar da infração

de dever legal ou estatutário do administrador. Neste sentido, conclui o

autor139:

Assim, exempli gratia, se o diretor contrair obrigação lesiva aointeresse social, estará, ipso facto, infringindo o dever estatuído no artigo153, de tal sorte que, comprovada a falta de cuidado e diligência que todohomem ativo e probo costuma empregar na administração de seuspróprios bens, responderá o diretor pela obrigação contraída,configurando-se, na espécie, ato irregular de gestão.

Esse conjunto de deveres inspira-se no direito anglo-americano, que

desenvolveu os standars, padrões de comportamento dos administradores, os

quais funcionam como diretivas gerais ao indicarem o modelo de

comportamento dos administradores aceito como correto ou perfeito em certas

circunstâncias.

Dada a impossibilidade de instituir normas que abranjam todo o campo

de atuação do administrador, os standards são utilizados por diversas

legislações com o objetivo de analisar a conduta dos administradores. Eles

prescrevem algumas regras de comportamento e revelam uma idéia comum

de lealdade e justiça.

Como destaca Modesto Carvalhosa, os standards revestem-se

Quiroga Mosquera (Coord.). Aspectos Atuais do Direito do Mercado Financeiro e de Capitais.São Paulo: Dialética. 1999. p. 99.139 Responsabilidade dos Administradores de Sociedades Anônimas, Revista de DireitoMercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, cit., p. 73-74.

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de caráter enunciativo quanto às possíveis formas de inobservância deobrigações de natureza legal por parte dos administradores. Taisstandards remetem a doutrina e a jurisprudência à configuração daspráticas que se inserem nos conceitos legais enunciativos dos abusos,por omissão ou ação, praticados pelos administradores na condução dosnegócios sociais.

Os standards são, portanto, parâmetros de comportamento em que as

atitudes dos administradores serão valoradas de acordo com os padrões de

diligência, lealdade, probidade e honestidade. Diante de uma situação

concreta, o intérprete poderá verificar com base nos standards se a conduta

do administrador corresponde ou não ao padrão desejado.

Em termos gerais, os administradores têm vários deveres, sendo que o

primeiro de todos é o de bem administrar a sociedade; para isso deve agir

com competência, eficiência e honestidade. O administrador serve aos

interesses da empresa, os quais representam o conjunto de interesses dos

acionistas, empregados e da comunidade, tudo isso condicionado pela

indicação legal genérica (artigo 154 da Lei das Sociedades Anônimas) de que

devem ser satisfeitas “as exigências do bem comum e da função social da

empresa”140. André Tunc, ao comentar a respeito das sociedades anônimas

americanas, assim dispôs:

Lês dirigeants sont dês personnes à qui lês actionnaires ont confiel`avenir de la société. Ils doivent se montrer dignes de cette confiance. Ilshéritent dês devoirs fiduciaires (fiduciary duties) qui pèsent normalementsur dês trustee, ceux qui, dans lê cadre traditionnel du trust, se voientconfier dês biens dans l`intérêt d`autrui. Certes, ils ne sont pásexactement dês trustees: ils ont pour mission essentielle, non pás degerir, mais de faire fructifier. Mais leurs devoirs en sont plutôt augmentés.

Si l`on met à part le devoir qui leur incombe de respecter les limitesde la personnalité morale de la société si que les limites de leurspouvoirs, devoir qui ne pose pas normalement de problème, leur devoiren tant que fiduciaries prend deux aspects fondamentaux: le devoir dediligence (duty of care) et le devoir de loyauté (duty of loyalty). C`est ledernier devoir qui est le plus important. Les directeurs, dans leursdécisions, ne doivent considérer que les intérêts qui leur sont confiés, nonles leurs! Ils doivent même éviter lê plus possible lês situateions de

140 José Edwaldo Tavares Borba, Direito Societário. 2 ed., Rio de Janeiro: Livraria Freitas BastosS.A., 1995. p. 351.

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conflits d`interest, car on pourrait les soupçonner de ne pas se donnerentièrement aux interest sociaux141.

Lembramos que as normas, ao estabelecerem os deveres, obrigações e

responsabilidades, visam garantir maior segurança aos acionistas minoritários

das companhias, além de proporcionarem aos investidores, consumidores,

fornecedores e aos demais terceiros maior conforto e segurança no

estabelecimento de relações empresariais. A exigência de maior segurança e

conforto nas relações empresárias tornou-se mais presente com a

internacionalização das economias, especialmente em razão da maior

competitividade entre as empresas resultante deste processo de

internacionalização. Aqueles países que apresentavam em seus

ordenamentos jurídicos claramente os deveres, obrigações e

responsabilidades dos administradores atraíram investimentos estrangeiros e,

conseqüentemente, as empresas que tinham uma administração profissional e

políticas internas de relativas às responsabilidades, deveres e obrigações da

administração.

Veremos a seguir quais os deveres dos administradores para, então,

tratarmos mais à frente a respeito das suas responsabilidades. É importante

observar que, nos termos do artigo 145 da Lei das Sociedades Anônimas, as

normas relativas a requisitos, impedimentos, investidura, remuneração,

deveres e responsabilidades dos administradores aplicam-se a conselheiros

(membros do conselho de administração) e diretores.

V.1.1. Dever de diligência

O dever de diligência está previsto no artigo 153 da Lei das Sociedades

Anônimas, conforme abaixo:

141 Op. cit., p. 350; André Tunc, Le Droit Américain Dês Sociétés Anonymes. Paris: EditoraEconômica, 1985. (Collection Études Juridiques Comparatives).

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O administrador da companhia deve empregar, no exercício desuas funções, o cuidado e diligência que todo homem ativo e probocostuma empregar na administração dos seus próprios negócios.

O dever de diligência se expressa normativamente pelo standard do bom

pai de família vinculado à concepção de que o administrador se encontra em

posição similar à do mandatário, concepção esta já superada em decorrência

da recepção da teoria organicista que abandonou o parâmetro do mandatário

(bonus pater familias), substituindo-o pelo parâmetro ligado ao exercício de

atividade – capacidade profissional (peritia artis).

Referida regra é inócua em termos de eficiência, haja vista que, se o

administrador cuidar mal dos seus negócios, não se quer que da mesma

forma aja com a companhia142. Jean-Pierre Berdah, referenciado por Fran

Martins, assinala ser lastimável que tenha sido negligenciada (no critério de

que o administrador deve agir como bom pai de família) esta exigência de

tecnicidade, senão de competência profissional, na elaboração de um sistema

coerente de responsabilidade143. A simples honestidade, boa vontade ou

diligência de um homem ativo e probo não são bastantes para fazer que ele

exerça funções de administrador da sociedade; necessário é que haja

conhecimentos técnicos e que o administrador atue profissionalmente.

Fabio Ulhoa Coelho assim define o administrador diligente:

O administrador diligente é aquele que emprega na condução dosnegócios sociais as cautelas, métodos, recomendações, postulados ediretivas da “ciência” da administração de empresas. O dever dediligência, portanto, corresponde a obrigações de meio e não deresultado. O administrador, em outros termos, tem o dever de empregarcertas técnicas – aceitas como adequadas pela “ciência da administração– na condução dos negócios sociais, tendo em vista a realização dos finsda empresa144.

142 Bulgarelli, Waldirio. Manual das Sociedades Anônimas, cit., p. 160.143 Fran Martins, Comentários à Lei das Sociedades Anônimas . Rio de Janeiro: Forense, 1984.v. II, p. 362.144 Fabio Ulhoa Coelho, Curso de Direito Comercial. 8. ed., cit., p. 244. Fabio Ulhoa Coelho, AResponsabilidade Civil dos Administradores de Instituições Financeiras. In: Aspectos Atuais doDireito do Mercado Financeiro e de Capitais. Roberto Quiroga Mosquera (Coord.), cit., p. 95.

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128

Observa-se com isso que é necessário que se acrescente ao atributo de

diligência a competência profissional específica derivada de escolaridade ou

experiência. O artigo 152 da Lei das Sociedades Anônimas expressamente

estabelece esses requisitos dos administradores ao tratar da competência,

reputação profissional e tempo de dedicação às suas funções145.

Neste sentido, Fran Martins cita a obra de Jean Pierre Berdah, em que o

autor mostra que, com a profissionalização dos administradores das

sociedades anônimas, os simples cuidados de um homem ativo e probo são

insuficientes para categorizar tais pessoas como gestores da sociedade146.

Devido à dificuldade de definir esse dever de diligência, ensina Fran

Martins que várias legislações, antigas ou modernas, recorreram à figura do

comerciante para servir de padrão de comparação com o administrador. A lei

Alemã de 1965 estatui, no art. 93, que “os membros da direção devem dar à

sua gestão os cuidados de um administrador competente e consciencioso”. A

lei argentina (Lei n. 19.550/72 – art. 59) dispõe que “os administradores e os

representantes da sociedade devem agir com a lealdade e diligência de um

bom homem de negócios”147.

A legislação norte-americana determina que o administrador deve

assumir seus deveres com boa-fé, com a cautela que uma pessoa

razoavelmente prudente em posição semelhante teria em circunstâncias

parecidas e de tal forma que esteja sempre convencido de estar agindo no

melhor interesse da companhia148.

145 Modesto Carvalhosa, Comentários à Lei de Sociedades Anônimas . 2. ed., São Paulo:Saraiva, 1998. p. 228.146 Fran Martins, Comentários à Lei das Sociedades Anônimas. Rio de Janeiro: Forense, 1978.p. 362.147 Op. cit., p. 360.148 “A director owes a duty to the corporation to exercise proper care in managing the corporation`saffairs. The formal test that is usually quoted is set forth in section 8.30 of the Model BusinessCorporation Act (1984): duties must be discharged “(1) in good faith; (2) with the care an ordinarily

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129

Assim a lei espanhola de 1989 (Lei n. 1.564, artigo 127) declara que “los

administradores desempeñarán su cargo con la diligencia de un ordenado

empresario y de un representante leal.”

No mesmo sentido, a legislação equatoriana (Lei das Companhias

Registro Oficial N° 312 / 5 de novembro de 1999, no seu artigo 262) assim

dispõe: “El administrador desempeñará su gestión con la diligencia que exige

una administración mercantil ordinaria y prudente.” Da mesma forma, a lei

portuguesa prevê que “Os gerentes, administradores ou directores de uma

sociedade devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado,

no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos

trabalhadores” (artigo 64 do Decreto-Lei n. 262/86).

O Código Civil brasileiro também se refere a este padrão de

comportamento quando determina que o mandatário deve demonstrar “a

mesma diligência que qualquer comerciante ativo e probo costuma empregar

na gerência de seus próprios negócios” (artigo 1.011).

V.1.2. Conflito de interesses

A lei disciplinou o conflito de interesses, preceituando que:

Art. 156. É vedado ao administrador intervir em qualquer operaçãosocial em que tiver interesse conflitante com o da companhia, bem comona deliberação que a respeito tomarem os demais administradores,cumprindo-lhe cientificá-los do seu impedimento e fazer consignar, emata de reunião do conselho de administração ou da diretoria, a natureza eextensão do seu interesse.

§ 1º Ainda que observado o disposto neste artigo, o administradorsomente pode contratar com a companhia em condições razoáveis oueqüitativas, idênticas às que prevalecem no mercado ou em que acompanhia contrataria com terceiros.

prudent person in a like position would exercise under similar circumstances; and (3) in a mannerhe reasonably believes to be in the best interest of the corporation”. Hamilton, Robert W. The Lawof Corporations. St. Paul, Minn. West Publishing Co. Fourth Edition. 1996.

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§ 2º O negócio contratado com infração do disposto no § 1º éanulável, e o administrador interessado será obrigado a transferir para acompanhia as vantagens que dele tiver auferido.

Em termos gerais, os administradores, no exercício de suas atribuições,

devem evitar a prática de atos que tenham interesses diversos ao da

sociedade. Devem sempre agir no interesse social, segundo a regra básica

prevista no artigo 154 que será tratado no próximo item deste estudo. Os

interesses da sociedade, portanto, devem estar acima dos interesses

particulares dos administradores.

É importante esclarecer que o dispositivo legal não proíbe o

administrador de manter qualquer negócio com a sociedade, mas estipula que

o administrador não deve intervir em qualquer operação social em que tiver

interesse conflitante com o interesse da companhia. Não poderá, assim,

opinar sobre a realização do negócio, ou apresentar qualquer sugestão que

objetive a realização da operação. Nesse sentido, a lei é expressa ao declarar

que a deliberação a respeito é tomada pelos demais administradores, não

participando o interessado em referida deliberação. Além disso, o

administrador interessado deve cientificar os administradores restantes do seu

impedimento para opinar na deliberação a respeito, em virtude justamente de

participar do negócio e o seu interesse pessoal conflitar com o da sociedade.

A lei também dispõe que o “negócio contratado com infração do disposto

no § 1º é anulável...”; assim sendo, fica a legitimidade do negócio a depender

de ato posterior, podendo ser validada a operação, quando produzirá todos os

efeitos. Se, entretanto, o negócio for anulado, o administrador interessado,

como reparação aos danos sofridos pela sociedade, fica obrigado a transferir

a esta as vantagens que houver auferido no negócio.

Trajano de Miranda Valverde, referindo-se ao entendimento de Carvalho

de Mendonça, expõe que a existência ou não de interesses contrários ou

opostos é uma questão de fato a ser julgada em cada caso. Os interesses

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contrários podem manifestar-se de forma direta ou indireta. No primeiro caso,

o administrador se apresenta, pessoalmente, como parte interessada na

operação, é aquele que contrata com a sociedade, ou diretamente colhe os

frutos da operação, e, no segundo caso, a operação é feita com terceiro, por

exemplo, uma sociedade da qual o administrador é sócio. Conflito de

interesses não haverá no caso em que o diretor, quer pessoalmente, quer

como representante ou sócio de outra sociedade, adquire, pelos preços de

tarifa ou fixos, segundo as condições comuns de pagamento, os produtos da

sociedade anônima que administra.

Como vimos, a operação efetuada com violação do preceito obriga o

administrador a reparar os prejuízos que dela derivarem para a sociedade.

Ainda que a responsabilidade civil do diretor seja neste caso independente de

vício ou defeito, que porventura tenha contaminado o ato, pode a sociedade,

se algum vício ou defeito for verificado, pleitear a anulação da operação e a

reparação civil a que tiver direito contra o administrador.

V.1.3. Desvio de finalidade e dever de lealdade

Destacou a lei (art. 154 da Lei das Sociedades Anônimas) que o

administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem

visando lograr os fins e interesses da companhia, o bem público e a função

social da empresa, e proibiu determinadas práticas, que o legislador considera

como desvio de poder, a saber:

(a) praticar ato de liberalidade à custa da companhia;

(b) sem autorização prévia da assembléia geral ou do conselho de

administração, tomar por empréstimo recursos ou bens da companhia, ou

usar, em proveito próprio, de sociedade em que tenha interesse, ou de

terceiros, os seus bens, serviços ou crédito;

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(c) receber de terceiros, sem autorização estatutária ou da assembléia

geral, qualquer modalidade de vantagem pessoal, direta ou indireta, em razão

do exercício de seu cargo.

Quando a lei determina que a finalidade da atuação da administração

deve ser o interesse da companhia, o bem público e a função social da

empresa, ela procura equilibrar os interesses privados da companhia e os da

coletividade.

Entre as práticas proibidas, relacionadas no dispositivo legal acima

mencionado, estão os ”atos de liberalidade”, que podem ser assim definidos

segundo Trajano de Miranda Valverde:

São os que diminuem, de qualquer sorte, o patrimônio social, semque tragam para a sociedade nenhum benefício ou vantagem de ordemeconômica. A sociedade anônima é uma instituição destinada a auferirlucros. Os atos dos diretores, portanto, devem cingir-se aos que, noslimites da exploração do objeto social, visam à consecução daquelafinalidade. Eles administram um patrimônio alheio, e, portanto, nãopodem, em princípio, dar o que não lhes pertence149.

A proibição de atos de liberalidade à custa da companhia confirma o

papel institucional da companhia ao permitir que o Conselho de Administração

ou a Diretoria autorizem a prática de atos em benefício de empregados ou da

comunidade150.

Como definir o interesse da companhia, o bem público e a função social

da empresa? O interesse da companhia é proporcionar lucros aos seus

acionistas. O bem público é o conjunto de valores do grupo social que podem

ser afetados pela atividade empresarial. A função social da empresa seria: (a)

melhorar as condições de trabalhos dos empregados; (b) voltar-se aos

149 Trajano de Miranda Valverde, Sociedades por Ações, cit. Definição apresentada na suaanálise ao artigo 119 do Decreto-Lei n. 2.627/40 que já proibia a prática de atos de liberalidade àcusta da sociedade.150 Waldirio Bulgarelli, Manual das Sociedades Anônimas, cit., p. 181; Modesto Carvalhosa,Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, 2.ed., cit., p. 234.

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interesses dos consumidores, dos concorrentes e aos interesses de

preservação ecológica, urbana e ambiental da comunidade.

Diante disso, concluímos que, se o administrador não incorrer nas

condutas proibidas, estará exercendo adequadamente suas atribuições, sem

desvio de finalidade.

Referido princípio foi incorporado ao nosso ordenamento jurídico com o

advento da Lei n. 6.404/76 e baseia-se no standard of loyalty previsto no

sistema jurídico norte-americano.

O dever de lealdade encontra-se destacado no artigo 155 da Lei das

Sociedades Anônimas e compreende basicamente a reserva que deve ser

mantida sobre os negócios sociais, a não utilização em seu benefício, ou de

terceiros, das oportunidades de negócio a que teve acesso em função do

cargo que ocupa, não deixar de aproveitar oportunidade negocial, em nome

da companhia, com o objetivo de obter vantagem para si ou para outrem,

proteger os direitos da sociedade. A vedação às práticas do insider trading

também foi acolhida no artigo 155 buscando coibi-las sob a rubrica do dever

de lealdade.

O insider trading é o aproveitamento de informações confidenciais ou

reservadas sobre o estado e os negócios da companhia que têm os

administradores e os principais acionistas, para negociar, em posição

privilegiada, valores mobiliários de emissão da sociedade, em relação aos

acionistas e investidores que não tiveram acesso a essas mesmas

informações. Esta matéria foi tratada pelo direito norte-americano em 1934, e

a partir dos anos 1960 alguns países europeus começaram a adotar medidas

legislativas de repressão ao uso de informações confidenciais151.

151 Modesto Carvalhosa, Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, cit., p. 249-250. v. 3.Encontramos outras definições comentadas por Frank H. Easterbrook e Daniel R. Fischel, no livroThe Economic Structure of Corporate Law. Harvard University Press. Cambridge, Massachusetts.

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134

V.1.4. Dever de informar

A Lei das Sociedades Anônimas dispõe, no seu artigo 157, que:

o administrador de companhia aberta deve declarar, ao firmar o termo deposse, o número de ações, bônus de subscrição, opções de compra deações e debêntures conversíveis em ações, de emissão de companhia ede sociedades controladas ou do mesmo grupo, de que seja titular(caput).

Assim como

é obrigado a revelar à assembléia geral ordinária, a pedido de acionistasque representam 5% ou mais do capital social, o número dos valoresmobiliários de emissão da companhia ou de sociedades controladas, oudo mesmo grupo, que tiver adquirido ou alienado, diretamente ou atravésde outras pessoas, no exercício anterior, as opções de compra de açõesque tiver contratado ou exercido no exercício anterior; os benefícios ouvantagens, indiretas ou complementares, que tenha recebido ou estejarecebendo da companhia e de sociedades coligadas, controladas ou domesmo grupo; as condições dos contratos de trabalho que tenham sidofirmados pela companhia com os diretores e empregados de alto nível;quaisquer atos ou fatos relevantes nas atividades da companhia(parágrafo 1, “a” e “b”).

Ademais, dispõe o referido art. 157, no seu parágrafo 4, que

os administradores da companhia aberta são obrigados a comunicarimediatamente à bolsa de valores e a divulgar pela imprensa qualquerdeliberação da assembléia geral ou dos órgãos de administração da

1. ed., 1996, p. 253-254, conforme a seguir transcrevemos: “One definition is trading by parties whoare better informed than their opposite numbers. No market could exist with such a broad definitionof prohibited trading. If each trader has the same information as every other, there is little incentiveto trade. More important, the incentive to acquire information in the first place goes down if theopportunity to profit by virtue of superior information is eliminated. And if there is no incentive toacquire information, markets lose their function of providing price signals to diverse participants inthe economy. An alternative definition is trading by those with unequal access to information.Managers are said to have “unequal access” and so are forbidden to trade when the news is“material”. The difficulty with this definition is timing. Unequal when-before the information comesinto being or after. An analyst has valuable information. Does everyone have “equal access”because anyone could have hired the analyst or become one himself. The same can be said in thecase of corporate manages. Corporate managers have access to information, which is valuable inthe market. If one who is an “outsider” today could have become a manager by devoting the sametime and skill as today’s “insider” did, is access to information equal or unequal. There is noprincipled answer to such questions.”

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companhia, ou fato relevante ocorrido nos seus negócios, que possainfluir, de modo ponderável, na decisão dos investidores do mercado devender ou comprar valores mobiliários emitidos pela companhia.

Os administradores só poderão recusar-se ou deixar de divulgar a

informação,

se entenderem que sua revelação porá em risco interesse legítimo dacompanhia, cabendo à Comissão de Valores Mobiliários, a pedido dosadministradores, de qualquer acionista, ou por iniciativa própria, decidirsobre a prestação de informação e responsabilizar os administradores, sefor o caso” (parágrafo 5)152.

Conforme comenta L.G. Paes de Barros Leães,

O dever de informar promana da necessidade de impedir que oinsider se aproveite da posição que ocupa para tirar vantagens indevidasem detrimento dos acionistas minoritários desinformados. É uma tentativade prover o acionista com um certo grau de igualdade em termos depoder de barganha, de modo a lhe fornecer condições para o exercício deum julgamento criterioso, em toda transação153.

Conforme observa José Edwaldo Tavares Borba,

o dever de informar não conflita com o dever de sigilo, porquanto comeste evita-se o vazamento da notícia para pessoas específicas, e comaquele estimula-se a sua difusão para todos154.

Antes da divulgação, por exemplo, de fato relevante, o administrador

deve guardar absoluto sigilo a respeito das operações capazes de influir no

comportamento dos investidores, sendo-lhe vedada a utilização de tais

informações. O administrador que não observa estes deveres incorre em

insider trading155.

A Instrução CVM 358/2002 reforça a tentativa de impedir que acionistas

controladores e administradores se utilizem de informações privilegiadas para

152 Informações sobre posição acionária (art. 116-A, 157, caput e par. 6, e 165-A da Lei das S.A.) //Inst 358/ alterada pela 369/02153 Mercado de Capitais & “Insider Trading”, cit.154 José Edwaldo Tavares Borba, Direito Societário, cit., p. 352.155 Fabio Ulhoa Coelho, A Responsabilidade Civil dos Administradores de Instituições Financeiras.In: Roberto Quiroga Mosquera (Coord.)..Aspectos Atuais do Direito... cit., p. 99.

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136

comprar ou vender ações. Como princípio fundamental da boa governança

corporativa, os administradores da companhia devem informar a CVM, a

companhia e a Bolsa de Valores ou mercado de balcão organizado, conforme

o caso, os valores mobiliários de que sejam titulares bem como quaisquer

alterações em suas respectivas posições156.

Vedações à negociação de valores mobiliários também foram abordadas

pela Instrução 358. Acionistas controladores, administradores, bem como a

própria companhia, estão impedidos de transacionar seus valores mobiliários

emitidos pela companhia, antes da divulgação de ato ou fato relevante a ela

relacionados, regra esta também aplicável aos administradores que se

afastarem da companhia, pelo período de seis meses contados do seu

156 Frisa-se que a “Divulgação de Fato Relevante” já era prevista pela Instrução CVM n. 31/84, aqual inclusive arrolava, exemplificativamente, algumas modalidades de fato relevante. Inst. 31/84.“Art. 1º - Considera-se relevante, para os efeitos desta Instrução, qualquer deliberação daassembléia geral ou dos órgãos de administração da companhia aberta, ou qualquer outro ato oufato ocorrido nos seus negócios que possa influir de modo ponderável:I.na cotação dos valores mobiliários de emissão da companhia aberta; ouII.na decisão dos investidores em negociar com aqueles valores mobiliários; ouIII.na determinação de os investidores exercerem quaisquer direitos inerentes à condição de titularde valores mobiliários emitidos pela companhia.Parágrafo único. São modalidades de ato ou fato relevante:a. mudanças no controle da companhia;b. fechamento de capital da companhia;c. incorporação, fusão, cisão, transformação ou dissolução da companhia;d. mudanças significativas na composição do ativo da companhia;e. reavaliação dos ativos da companhia;f. alteração nos direitos e vantagens dos valores mobiliários emitidos pela companhia;g. desdobramento de ações ou atribuição de bonificação;h. aquisição de ações da companhia para permanência em tesouraria ou cancelamento, oualienação dessas ações;i. lucro ou prejuízo apurado nas demonstrações financeiras da companhia e a atribuição dedividendos;j. atraso no pagamento de dividendos ou perspectiva de alteração na distribuição de dividendos;k. celebração ou extinção de um contrato significativo para a companhia, ou o insucesso na suarealização, cuja expectativa de concretização era de conhecimento público;l. requerimento de concordata, de falência, ou a propositura de ação contra a companhia que, sevier a ser julgado procedente, possa afetar a sua situação econômico-financeira;m. produção, em escala industrial, comercialização ou desativação de um produto que possarepercutir de modo expressivo no desempenho da sociedade;n. qualquer descoberta, mudança ou desenvolvimento na tecnologia ou nos recursos da companhiaque possa vir a alterar significativamente os seus resultados;o. qualquer outro ato ou fato relevante de caráter político-administrativo, técnico, negocial oueconômico-financeiro, que possa produzir qualquer dos efeitos previstos no artigo 1º.”

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137

afastamento. A vedação à negociação também se aplica ao período de quinze

dias anteriores à divulgação das informações trimestrais (ITR) e anuais (IAN)

e demonstrações financeiras padronizadas (DFP), relativas à companhia

aberta. Tais vedações à negociação tornam mais criteriosa a efetiva

participação de profissionais do mercado nos conselhos de administração e

conselho fiscal das companhias abertas, pois tais profissionais, ao ocuparem

tais órgãos, ficam sujeitos à divulgação de suas participações à CVM, bem

como às regras de vedação à negociação de suas ações.

Alguns investidores institucionais temem pela aplicação dessas regras

aos acionistas não controladores que vierem a eleger um membro do

conselho de administração, sob a alegação de que tais acionistas de fato

possam ter acesso a informações privilegiadas, através do membro do

conselho de administração por eles eleito.

O administrador da companhia deve em qualquer circunstância agir no

interesse da empresa, exercendo seu dever de lealdade, previsto no artigo

155 da Lei das Sociedades Anônimas, mantendo reserva sobre os seus

negócios, estando proibido de utilizar em benefício próprio ou de terceiro

qualquer informação privilegiada, com ou sem prejuízo da companhia. Assim,

o direito de eleger um membro do conselho de administração não confere

automaticamente ao acionista minoritário o acesso às informações

privilegiadas de que tem conhecimento o conselheiro eleito, em decorrência

de suas atribuições. O dever de lealdade deve ser exercido pelo administrador

em defesa dos interesses da companhia e não do acionista ou grupo de

acionistas que o elegeu. Portanto, poderá o acionista minoritário, mesmo

tendo eleito um membro do conselho de administração, negociar livremente

suas ações, desde que não tenha conhecimento de informação privilegiada

relativa a ato ou fato relevante, ainda não divulgadas ao mercado. O conselho

de administração, bem como seus membros no exercício de suas funções,

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138

devem agir de acordo com os interesses da companhia e não conforme os

interesses próprios dos acionistas.

Grande inovação trazida pela Instrução 358 é o ônus que recai sobre a

companhia, no sentido de estabelecer uma política de divulgação de ato ou

fato relevante, contemplando procedimentos relativos à manutenção de sigilo

de informações privilegiadas. A política de divulgação deve ser

cuidadosamente descrita em documento a ser aprovado pelo conselho de

administração da companhia. É necessária a adesão formal dos acionistas

controladores, administradores, sendo que o respectivo documento deve

permanecer arquivado na sede da companhia. A Instrução 358 representou

um importante avanço rumo ao fortalecimento do mercado de capitais. Com

ela a divulgação de ato ou fato relevante passou a ser também

responsabilidade dos acionistas controladores e de qualquer administrador da

companhia. Muito embora a Instrução 358 ainda atribua ao diretor de relações

com Investidores a competência pela comunicação à CVM e divulgação de

ato ou fato relevante, aos acionistas controladores e demais administradores

da companhia também compete comunicar qualquer ato ou fato relevante de

que tenham conhecimento. No caso de omissão do diretor de relações com

investidores em relação ao cumprimento de seu dever de comunicação e

divulgação, deverão os acionistas controladores e administradores da

companhia comunicar à CVM tal ato ou fato relevante, sob pena de igual

responsabilidade pela não divulgação.

Os órgãos da administração devem ainda informar à assembléia geral as

disposições sobre a política de reinvestimento de lucros e distribuição de

dividendos constantes de acordos de acionistas arquivados na companhia

(artigo 118, parágrafo 5 da Lei das Sociedades Anônimas).

Como exemplo da aplicação das normas relativas ao dever de informar

pelas autoridades governamentais podemos citar o caso da condenação do

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diretor de relações com os investidores no “Mappin”. Em processo

administrativo ele foi condenado, por não publicar fato considerado relevante

(art. 157, parágrafo 4 da Lei das Sociedades Anônimas; artigo 14 da Instrução

CVM n. 297/98; e itens I e II do artigo 16 da Instrução CVM n. 202/93), à pena

de inabilitação pelo prazo de 5 anos para o exercício do cargo de diretor de

relações com o mercado. Os demais diretores foram condenados pela não

publicação das demonstrações financeiras (art. 176 da LSA) e por não

empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e diligência de um homem

probo (artigo 153 da Lei das Sociedades Anônimas)157.

157 Inquérito Administrativo CVM n. RJ2000/6498. É imputada a todos os diretores aresponsabilidade pela não elaboração das demonstrações financeiras. A obrigação de atualizar oregistro da companhia junto à CVM, prestar as informações necessárias à negociação das açõesem bolsa de valores e publicar fato relevante cabe ao diretor de relações com investidores.Inquérito Administrativo CVM n. RJ2001/8388 – Ausência de comunicação à CVM acerca doaumento de participação acionária de membro de conselho fiscal. Infração Grave. Pena de Multa.Trata-se de condenação à multa de R$ 10.000,00 de conselheiro fiscal por não haver comunicadoà CVM o aumento de mais de 5% da sua participação acionária na companhia, o que constituiinfração ao artigo 7 da Instrução CVM n. 299/99, configurando, nos termos do artigo 16 da mesmaInstrução, infração grave, para os fins do disposto no parágrafo 3 do artigo 11 da Lei 6.404/76.Multa de R$ 10.000,00.

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140

CAPÍTULO VI – RESPONSABILIDADE CIVIL DOS

ADMINISTRADORES

VI.I. Responsabilidade Civil – Evolução, Conceito e Elementos

Conforme já vimos, a sociedade anônima se tornou o grande instrumento

de organização e ativação da estrutura econômica do país, passando a ser

fundamental no processo de desenvolvimento. E por esta razão a integração

das economias resultou em transformações nas sociedades e no mercado de

capitais. Uma das mais importantes mudanças nas sociedades em virtude do

desenvolvimento do mercado de capitais foi a criação de formas de proteção

aos investidores. Considerando que quem detém o poder de comandar as

sociedades são os administradores, foram eles o foco da referida mudança.

Ao mesmo tempo que era concedido poder aos administradores, também era

demandada pelos investidores a atribuição de responsabilidades. Para

Fernando Rudge Leite Filho, o agravamento da responsabilidade dos

administradores resultou da tendência do alargamento do conceito de culpa,

diretamente relacionado com a globalização158.

Nas companhias coloniais a responsabilidade dos administradores não

estava bem definida, gozando estes de amplos poderes e privilégios pessoais,

o que se explica pela sua origem estatal, na época, o poder real. Desse modo,

a responsabilidade não era propriamente voltada aos acionistas, mas

essencialmente ao soberano; portanto, as relações jurídicas tinham conotação

própria do direito público159.

158 Fernando Rudge Leite Filho, na Revista de Direito Mercantil n. 11, p. 34-47. Os DireitosFrancês, Italiano, Alemão, Espanhol, Mexicano e Suíço, entre outros, contemplam arcabouçojurídico muito semelhante.159 Waldirio Bulgarelli, Responsabilidade dos Administradores, cit.

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Com a cisão entre a propriedade e a gestão, que resultou na redefinição

dos órgãos de comando no interior da sociedade, a saber: (a) a assembléia

geral (dos acionistas) foi excluída da administração, sendo esta atribuída ao

conselho de administração e à diretoria ou somente à diretoria; e (b) a

representação da sociedade passou a ser atribuída exclusivamente à

diretoria.

Durante muito tempo, verificava-se na relação entre o administrador e a

sociedade um vínculo de natureza contratual (figura do mandato), resultando

a noção de que as infrações aos deveres de gestão pelos administradores

suscitariam a sua responsabilização com base nas regras de direito comum,

relativas ao inadimplemento das convenções. Com o advento da teoria

organicista (em 1937, na Alemanha), a responsabilidade dos administradores

das sociedades foi transportada para a esfera dos ilícitos civis.

Para melhor compreensão do alcance da responsabilidade dos

administradores, é importante lembrar que há duas esferas distintas de

relações jurídicas relacionadas à administração160:

(a) as relações internas, entre os administradores e a sociedade. Os

órgãos da administração são aparelhos da sociedade, à semelhança dos

órgãos públicos. Seus titulares, os administradores, têm relação jurídica com a

sociedade, no que se refere à eleição, investidura, destituição, funções

estatutárias etc. São portanto os titulares dos órgãos da administração

responsáveis perante a companhia, tendo deveres e encargos pessoais, tanto

de caráter funcional como patrimonial, na condução dos negócios sob sua

responsabilidade. Os órgãos da administração têm atribuições legais e seus

titulares deveres e responsabilidades ao exercer suas funções no quadro das

atribuições daqueles.

160 José Alexandre Tavares Guerreiro, Responsabilidade dos Administradores de SociedadesAnônimas, cit., p. 73; Modesto Carvalhosa, Comentários à Lei de Sociedades Anônimas , cit., p.305-306.

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(b) as relações externas, entre a sociedade e terceiros, nas quais o

diretor assume o papel de órgão social, com a prerrogativa de representação

legal da pessoa jurídica, e com a atribuição dos poderes necessários ao seu

funcionamento. Têm, portanto, os administradores responsabilidade de

caráter orgânico, no exercício da competência legal de manifestar, perante

terceiros, a vontade da companhia. Na realidade não existe representação,

mas corporificação da companhia, pelos administradores, nas obrigações

contraídas pela sociedade.

A Lei das Sociedades Anônimas declara não ser o administrador

responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade. O

administrador, atuando como órgão da sociedade, realiza a vontade do ente

coletivo. No relacionamento com terceiros, é a própria sociedade anônima que

se obriga, inexistindo razão para justificar o comprometimento pessoal do

administrador e de seu patrimônio particular em virtude de atos praticados

como “representante” da companhia, ressalvadas as exceções previstas em

lei. Assim dispõe o artigo 158 da Lei das Sociedades Anônimas161:

Art. 158. O administrador não é pessoalmente responsável pelasobrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de atoregular de gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos quecausar, quando proceder:

I - dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo;II - com violação da lei ou do estatuto.

161 A lei anterior (Decreto-Lei n.2.627/40) já trazia a expressão “prática de ato regular de gestão”,assim entendido ato praticado sem violação de lei ou do estatuto social. Além disso, já distinguia aresponsabilidade subjetiva da objetiva.“Artigo 121. Os diretores não são pessoalmente responsáveis pelas obrigações que contraírem emnome da sociedade em virtude de ato regular de gestão.Parágrafo 1. Respondem, porém, civilmente, pelos prejuízos que causarem, quando procederem:dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo; com violação da lei ou dos estatutos.” “Artigo 122. Os diretores são solidariamente responsáveis pelos prejuízos causados pelo nãocumprimento das obrigações ou deveres impostos por lei a fim de assegurar o funcionamentonormal da sociedade, ainda que, pelos estatutos, tais deveres ou obrigações não caibam a todosos diretores.Parágrafo único. Os diretores que, convencidos do não cumprimento dessas obrigações oudeveres por parte de seus predecessores, deixarem de levar ao conhecimento da assembléia geralas irregularidades verificadas, tornar-se-ão por elas subsidiariamente responsáveis.”

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§ 1º O administrador não é responsável por atos ilícitos de outrosadministradores, salvo se com eles for conivente, se negligenciar emdescobri-los ou se, deles tendo conhecimento, deixar de agir para impedira sua prática. Exime-se de responsabilidade o administrador dissidenteque faça consignar sua divergência em ata de reunião do órgão deadministração ou, não sendo possível, dela dê ciência imediata e porescrito ao órgão da administração, no conselho fiscal, se emfuncionamento, ou à assembléia-geral.

§ 2º Os administradores são solidariamente responsáveis pelosprejuízos causados em virtude do não cumprimento dos deveresimpostos por lei para assegurar o funcionamento normal da companhia,ainda que, pelo estatuto, tais deveres não caibam a todos eles.

§ 3º Nas companhias abertas, a responsabilidade de que trata o §2º ficará restrita, ressalvado o disposto no § 4º, aos administradores que,por disposição do estatuto, tenham atribuição específica de darcumprimento àqueles deveres.

§ 4º O administrador que, tendo conhecimento do não cumprimentodesses deveres por seu predecessor, ou pelo administrador competentenos termos do § 3º, deixar de comunicar o fato a assembléia-geral,tornar-se-á por ele solidariamente responsável.

§ 5º Responderá solidariamente com o administrador quem, com ofim de obter vantagem para si ou para outrem, concorrer para a práticade ato com violação da lei ou do estatuto.

Enfatiza Fran Martins162:

Como gestor da sociedade, o administrador pratica atos normais deadministração, fazendo, assim, com que a pessoa jurídica desempenhesuas atividades como entidade que possui patrimônio próprio. Por talrazão, as obrigações que o administrador contrai em nome da sociedadeou em virtude de ato regular de gestão são de responsabilidade dapessoa jurídica, que atua através dos seus administradores. A vontadeexpressa pelos administradores, quando realizam atos normais relativosà gestão da sociedade, é a vontade da pessoa jurídica, não a sua própria,donde poder o interesse da pessoa jurídica ultrapassar ou contrariar,mesmo, os interesses particulares dos administradores. Em se tratandode pessoas diferentes, com patrimônios diversos, sempre que oadministrador assume obrigação em nome da sociedade, em virtude deato regular de gestão, estará obrigando a sociedade e não a si próprio,pois dela está exprimindo a vontade.

Diante disso, em princípio os administradores não podem ser

responsabilizados civilmente pelos atos regulares de gestão que praticarem,

conforme definido no estatuto, obedecidos os deveres de diligência, de

lealdade e de informação (arts. 138, 145, 153, 155 e 157) que lhes impõe a

Lei das S.A., sem prejuízo da observância do ordenamento jurídico geral, tudo

162 Comentários à Lei das sociedades Anônimas, cit., 1978, p. 404.

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No mesmo sentido a legislação societária argentina assim dispõe em seu

artigo 274, parágrafo primeiro:

Los directores responden ilimitada y solidariamente hacia lasociedad, los accionistas y los terceros, por el mal desempeño de sucargo, según el criterio del artículo 59, así como por la violación de la ley,el estatuto o del reglamento y por cualquier outro daño producido pordolo, abuso de facultades o culpa grave.

O artigo 59, por sua vez, dispõe que

Los administradores y representantes de la sociedad deben obrarcon lealtad y con la diligencia de un buen hombre de negocios. Los quefaltaren a sus obligaciones son responsables, ilimitada y solidariamente,por los daños y perjuicios que resultaren de su acción u omisión.

É conveniente observar as seguintes premissas ao tratar da

responsabilidade dos administradores: a superação da visão contratualista da

relação entre o administrador e a sociedade, a natureza da responsabilidade.

a identificação dos prejudicados por atos praticados pelos administradores e a

diferença de responsabilidades dos membros do Conselho de Administração e

da Diretoria.

(a) superação da visão contratualista: a visão contratualista, pela qual o

administrador era visualizado como simples mandatário da sociedade, foi

superada pela visão organicista, pela qual a Diretoria e o Conselho de

Administração são órgãos de gestão.

(b) natureza da responsabilidade: considerando que o administrador não

se vincula à sociedade pelo contrato de mandato, ou qualquer outro vínculo

de natureza contratual, a responsabilidade não tem seu fundamento numa

relação contratual, haja vista que a “responsabilidade orgânica é

responsabilidade ex lege”. Diante disso, a infração de um dever funcional é

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sancionada como na prática de um ilícito civil, e não de uma infração

contratual163.

As vantagens de retirar-se do âmbito contratual a responsabilidade do

administrador, apontadas por Orlando Gomes, referem-se ao (a) ônus da

prova da culpa, que embora domine a tendência para atribuí-lo à sociedade,

nas violações graves cabe a inversão, cumprindo ao administrador provar a

inexistência de dano ou que não decorreu de ato por ele praticado; (b)

gradação da culpa; (c) ressarcibilidade de dano imprevisível e (d) prazo da

prescrição.

Portanto, como vimos, a teoria organicista transporta a responsabilidade

dos administradores de companhias do campo do inadimplemento contratual

para a esfera dos ilícitos civis, de natureza aquiliana.

(c) identificação dos prejudicados por atos praticados pelos

administradores: podem ser prejudicados por atos antijurídicos dos

administradores a própria sociedade, o acionista e terceiros.

(d) diferença de responsabilidades dos membros do Conselho de

Administração e da Diretoria. Modesto Carvalhosa relacionou tais diferenças,

conforme abaixo164:

d.1) por integrarem os diretores um órgão não coletivo de administração

– a diretoria –, manifestando individualmente sua vontade, de maneira

plenamente eficaz, desde que dentro de suas atribuições legais e estatutárias,

163 Orlando Gomes, Responsabilidade dos Administradores de Sociedades por Ações. Revista deDireito Mercantil, Industrial, Econômico e Financei ro , cit., p. 12-13.164 Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, 1998. v. 3. p. 307-308 e 318; Revista de DireitoMercantil, Industrial, Econômico e Financeiro . Responsabilidade Civil dos Administradores dasCompanhias Abertas. Editora Revista dos Tribunais Ltda. Ano XXII (nova série). n. 49. jan./mar.1983. p. 15-16.

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respondem também individualmente pelo uso inadequado dos direitos legais e

estatutários e pelas infrações à lei ou ao estatuto;

d.2) diferentemente do que ocorre com os diretores, os membros do

Conselho de Administração, cuja vontade somente pode ser manifestada de

forma coletiva, para que seja eficaz, têm uma responsabilidade colegiada;

d.3) salvo conluio ou negligência, nenhum diretor é responsável pelos

atos de outro diretor, ao passo que, nas decisões do Conselho de

Administração, a responsabilidade será sempre de todos os membros, salvo

se os discordantes, nos termos do art. 158, parágrafo 1, da Lei das S.A.,

fizerem consignar sua divergência;

d.4) diante do caráter coletivo da responsabilidade dos membros do

Conselho de Administração, bem como da natureza de suas funções, que não

compreendem a representação e a gestão dos negócios da companhia,

decorre a irresponsabilidade dos conselheiros pelos atos praticados por

diretores e que não chegam a seu conhecimento, de tal sorte que eles não

são responsáveis por tais atos, salvo se com eles foram coniventes, se

negligenciarem em descobri-los ou se, deles tendo conhecimento, deixarem

de agir para impedir sua prática;

d.5) por outro lado, os membros do Conselho de Administração são

responsáveis pela eleição do diretor cuja inidoneidade poderia ter sido

apurada ao tempo de sua eleição, bem como pela manutenção no cargo de

diretor manifestamente inidôneo ou incompetente;

d.6) serão igualmente responsáveis solidariamente os membros do

Conselho de Administração por culpa in vigilando, caso não fiscalizem a

gestão dos diretores, nos limites das suas atribuições de controle de

legitimidade dos atos da diretoria; por outro lado, não lhes pode ser imputada

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a responsabilidade por atos dos diretores que não sejam de seu

conhecimento, ou que apresentem difícil constatação.

Primeiramente, responsabilidade se conceitua como a obrigação de

reparar o dano imposta a todo aquele que, por ação ou omissão voluntária,

negligência ou imprudência, violar direito ou causar prejuízo a outrem.

Os elementos da responsabilidade são normalmente a lesão ao direito

alheio, em virtude do não cumprimento de dever jurídico e a imputabilidade do

agente, abrangendo o dolo (vontade de causar o dano) e a culpa (erro,

ignorância, falta de inteligência, imprudência, negligência ou imperícia)165.

A obrigação violada pode ser legal ou contratual, fazendo surgir uma

responsabilidade legal, extracontratual, delitual ou aquiliana, no primeiro caso,

e contratual, no segundo.

O fundamento da responsabilidade extracontratual, ou aquiliana, em

nosso direito está na norma prevista no artigo 159 do Código Civil, conforme a

seguir transcrevemos: “aquele que, por ação ou omissão voluntária,

negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica

obrigado a reparar o dano”.

A distinção entre a responsabilidade extracontratual e a contratual

baseia-se na origem do dever legal. Assim, no campo contratual, há um dever

determinado acordado pelas partes e a quebra do contrato implica na culpa

presumida em virtude do inadimplemento (culpa in contrahendo), enquanto

em relação à responsabilidade legal cabe ao autor provar o dano, sua causa e

a culpa do réu, exceto nas hipóteses em que a própria lei presume juris

tantum a ocorrência da culpa.

165 Arnoldo Wald, Curso de Direito Civil Brasileiro, Obrigações e Contratos . 7. ed., 1978. v. 2.p. 82.

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Em conformidade com a Lei das Sociedades Anônimas, a

responsabilidade civil funda-se na relação extracontratual própria da natureza

orgânica das funções dos administradores. Dessa forma, podemos dizer que

os conceitos, princípios, proibições e mandamentos da responsabilização têm

fundamento no ordenamento jurídico.

Neste sentido, o artigo 158, inciso I, da Lei das Sociedades Anônimas,

prevê a responsabilidade do administrador pela prática de atos danosos à

sociedade, acionistas ou terceiros, quando levados a efeito por dolo ou culpa,

sem qualquer alusão a contrato existente.

A tendência atual é a substituição da idéia da responsabilidade pela idéia

da reparação, a idéia da culpa pela idéia do risco, a responsabilidade

subjetiva pela responsabilidade objetiva, como veremos a seguir ao estudar

os sistemas de responsabilidade civil.

É válido observar que a responsabilidade civil é suportada pelas pessoas

jurídicas, da mesma forma que pelas pessoas físicas, e atinge tanto as de

direito privado, quanto as de direito público. Seu efeito é o dever de reparação

de modo que restabeleça o equilíbrio rompido em decorrência da ação ou

omissão do agente lesionador.

VI.2. Sistemas de Responsabilidade Civil

Podem-se identificar quatro sistemas de responsabilidade civil: (a)

responsabilidade subjetiva do tipo clássico; (b) responsabilidade subjetiva com

inversão do ônus de prova; (c) responsabilidade objetiva; (d) responsabilidade

objetiva pura.

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VI.2.1. Responsabilidade subjetiva do tipo clássico

O sistema de responsabilidade subjetiva do tipo clássico corresponde à

regra geral da responsabilização no direito brasileiro, de modo que se a lei

não estabelece o sistema de responsabilidade para a solução de determinado

prejuízo, a vítima deve buscar a reparação segundo os parâmetros deste

sistema.

O demandante que busca a reparação de seu prejuízo, por este sistema,

deve: (a) provar a conduta culposa, antijurídica, que abrange comportamento

contrário a direito, do demandado, por ação ou omissão; (b) a existência e

extensão do dano, assim entendido no sentido de lesão a um bem jurídico,

seja de ordem material ou imaterial, de natureza patrimonial ou não-

patrimonial; e (c) o estabelecimento de um nexo de causalidade entre a

conduta do demandado e o dano, de forma que se precise que o dano decorre

da conduta antijurídica, ou, em termos negativos, que sem a verificação do

comportamento contrário a direito não teria havido o atentado ao bem jurídico.

Frise-se que a força maior e o caso fortuito são excludentes de

responsabilidade, haja vista que a causa do dano é o fato imprevisível e não a

conduta do demandado. Além disso, a culpa concorrente da vítima é fator de

relativização do nexo de causalidade166.

VI.2.2. Responsabilidade subjetiva com inversão do ônus de prova (culpa

presumida)

Caio Mário da Silva Pereira ensina que a jurisprudência, em todos os

países, tem alargado a idéia de culpa, e estendido o princípio da

responsabilidade civil, onde não se pode encontrá-la em sentido estrito,

166 Fabio Ulhoa Coelho, Curso de Direito Comercial. 10. ed., São Paulo: Saraiva, 2007. p. 253.

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criando-se a noção de culpa presumida, dando maior consideração à vítima

do que ao autor do dano167.

Da mesma forma que no sistema de responsabilidade subjetiva do tipo

clássico, a indenização da vítima ocorre somente após provada a culpa do

agente, o dano causado e a relação causal. A diferença entre os sistemas é

que no sistema clássico cabe ao demandante demonstrar a culpa do

demandado e no de inversão do ônus da prova confere-se ao demandado o

dever de provar que não agiu culposamente. Observe que a diferença entre

eles está no âmbito apenas processual168.

Segundo Caio Mário, “a culpa, como fundamento da responsabilidade

civil, é insuficiente, pois deixa sem reparação danos sofridos por pessoas que

não conseguem provar a falta do agente”. O fundamento ético da doutrina

está na caracterização da injustiça intrínseca em face da diminuição de um

patrimônio. Diante de uma perda econômica, o patrimônio do causador do

prejuízo deve reparar o dano, pois detinha o poder de evitá-lo. Segundo o

autor, o fundamento da teoria é mais humano do que o da culpa, e mais

profundamente ligado ao sentimento de solidariedade social. A teoria da culpa

presumida permite a repartição, com maior eqüidade, dos efeitos dos danos

sofridos, atendendo ao fato de a vida em sociedade ter se tornado cada vez

mais complexa e, com isso, ter aumentado os riscos a que estão sujeitos os

indivíduos.

A responsabilidade subjetiva baseia-se, portanto, na vontade do agente.

Esta é o seu fundamento. A culpa civil – que engloba as condutas negligentes,

imprudentes e imperitas e as intencionais – representa uma possível

alternativa de comportamento, o que significa dizer que, se o agente tivesse

agido de forma diferente, poderia não ter provocado o dano indenizável.

167 Instituições de Direito Civil, 6. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1994. v. I. p. 420-424.168 Fabio Ulhoa Coelho, Aspectos Atuais do Direito do Mercado Financeiro e de Capitais. In:Roberto Quiroga Mosquera (Coord.), cit., p. 86-87.

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152

Portanto, a manifestação da vontade é um fundamento da responsabilidade

subjetiva.

A teoria subjetiva, no entanto, não atende plenamente as exigências de

ordem prática ao impor à vítima o pesado ônus de provar a culpa do causador

do dano. As dificuldades para a verificação da culpa nos casos concretos,

muitas vezes, impedem o lesado de obter a reparação do dano. A produção

do dano por interposta pessoa, inidônea a repará-lo, também tornou-se

importante, afinal, não são poucas as vezes em que o causador do dano atua

em nome de terceiro, sendo que apenas este tem capacidade patrimonial para

reparar os danos produzidos. Tais inconvenientes levaram os teóricos a

objetivar a noção de culpa, para que se pudesse reconhecê-la mais facilmente

e estendê-la a outras pessoas, quando necessário. A doutrina subjetiva é

incapaz de equacionar uma responsabilidade por fato de outrem. Em uma

sociedade que se torna cada vez mais complexa, com intervenções

articuladas de várias pessoas e até mesmo com a utilização de equipamentos

de alta tecnologia, a noção de culpa individual pode trazer restrições

inconvenientes.

Assim, para justificar a responsabilidade de quem não produziu

diretamente a lesão ao bem jurídico, foram desenvolvidas as noções de culpa

in eligendo, in vigilando e in custodiando. Tais elaborações evidenciam que a

noção de culpa foi se adaptando à conveniência de se atribuir a determinadas

pessoas o ônus de reparar o dano produzido, sendo efetivamente presumida

em favor da necessidade prática de atender à vítima. Não podemos deixar de

lembrar que, com a evolução das sociedades e do mercado de capitais, os

administradores das sociedades se profissionalizaram e os investidores,

preocupados com a segurança dos seus negócios, aprovaram o alargamento

do conceito de culpa.

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153

Os problemas relacionados à responsabilidade civil fundada na culpa

foram solucionados flexibilizando-se a noção jurídica da culpa. A situação de

crise estabelecida pelos problemas de ordem prática apontou como única

saída para a doutrina reconhecer a possibilidade da utilização de alguns

critérios objetivos para se estabelecer a responsabilidade.

VI.2.3. Responsabilidade objetiva

Em atenção aos mesmos valores de justiça que motivaram a evolução do

sistema clássico para o da inversão do ônus da prova desenvolveu-se o

sistema da responsabilidade objetiva.

Costuma-se apontar a revolução industrial do século XIX, o progresso

científico e a explosão demográfica que nele ocorreu como os principais

fatores que contribuíram para a reformulação da teoria da responsabilidade

civil. De fato, os acidentes de trabalho aumentaram devido à utilização de

equipamentos de grande porte no processo de produção. O progresso

tecnológico, que permitiu o uso dos automóveis e outros meios sofisticados de

transporte, também contribuiu para o aumento do número de acidentes de

trânsito.

A doutrina da responsabilidade subjetiva não pôde oferecer o

instrumental necessário à proteção do lesado, diante desta realidade, que

impunha uma série de dificuldades para comprovação da culpa do causador

do dano. Concluiu-se que a exigência da prova do elemento moral da ação ou

inação equivalia, na prática, à impossibilidade de haver a reparação do dano.

No sistema de responsabilidade objetiva o demandante deve provar a

existência e extensão do dano e o nexo de causalidade entre o dano e a ação

ou omissão do demandado. Não é necessário provar a culpa do agente, pois

este responderá pelos prejuízos causados à vítima ainda que não tenha agido

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154

com culpa. A força maior e o caso fortuito são excludentes de

responsabilidade, na medida em que desfazem a relação causal entre a

conduta do agente e os prejuízos infligidos à vítima169.

Exemplo típico de responsabilidade objetiva é o do empresário por

acidentes de consumo. Embora a indústria tenha um controle de qualidade

rigoroso, se colocar no mercado um produto imperfeito, será condenada a

indenizar particulares por acidentes de consumo.

A diferença essencial entre os sistemas de responsabilidade subjetiva e

objetiva é a questão da licitude. A responsabilidade subjetiva está sempre

relacionada a um ilícito, a uma conduta intencionalmente voltada a causar

dano a outra pessoa (dolo), ou à negligência, imprudência e imperícia. A

responsabilidade objetiva, por sua vez, está relacionada a um ato lícito, como

este que mencionamos acima de colocação no mercado de produtos

fabricados com as cautelas exigíveis e possíveis170.

VI.2.4. Responsabilidade objetiva pura

De acordo com este sistema a vítima precisa provar apenas a existência

e extensão do dano. Não é necessário provar a relação de causa e efeito

entre o dano e uma determinada ação ou omissão daquele que terá de

indenizar a vítima. No Brasil, o empregado que tenha sofrido um acidente de

trabalho, por exemplo, pode reclamar ao INSS o pagamento de prestação

pecuniária conforme determina a lei. Não há nenhum nexo causal entre os

danos do acidente e a atuação do INSS171.

A doutrina costuma apontar o risco inerente ao exercício de determinada

atividade como o fundamento da responsabilidade objetiva. Nesse sentido, no

169 Fabio Ulhoa Coelho, Curso de Direito Comercial, 10. ed., cit., p. 254.170 Fabio Ulhoa Coelho, op. cit., p. 255.171 Op. cit., p. 256.

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campo objetivista estaria a teoria do risco, segundo a qual cada um deve

sofrer o risco de seus atos, sem cogitação da idéia de culpa, de modo que o

fundamento da responsabilidade civil desloca-se da noção de culpa (vontade

do agente) para a idéia de risco172.

Sérgio Cavaliere Filho esclarece que

risco é perigo, é probabilidade de dano, importando, isso, dizer queaquele que exerce uma atividade perigosa deve-lhe assumir os riscos ereparar o dano dela decorrente. A doutrina do risco pode ser, então,assim resumida: todo prejuízo deve ser atribuído ao seu autor e reparadopor quem o causou, independentemente de ter ou não agido com culpa.Resolve-se o problema na relação de causalidade, dispensável qualquerjuízo de valor sobre a culpa do responsável, que é aquele quematerialmente causou o dano173.

Diante dessa concepção, ao infringir a lei e o estatuto social o

administrador cria risco de dano para a companhia, independente do proveito

pessoal que lhe tenha trazido tal risco ou da vantagem por si ou por outrem

auferida. Verifica-se neste caso a inobservância dos deveres de diligência,

lealdade e informação.

A infringência da lei independe da caracterização da culpa porque

ninguém pode alegar desconhecimento da lei (art. 3 da Lei de Introdução ao

172 Segundo estudo realizado por Caio Mário da Silva Pereira, uma corrente dita objetivistaprocurou desvincular o dever ressarcitório de toda idéia de culpa. Saleilles, que se fez campeãodesta equipe, insurgiu-se contra a culpa, e assentou a indenização no conceito material do fatodanoso. Josserand procurou conciliar a responsabilidade objetiva como o Código de Napoleão,muito embora permanecesse jungido à teoria subjetivista. Numerosos escritores encaminharam-senesse rumo, testando alterar a equação para um dever ressarcitório fundado no dano e na autoriado evento lesivo, sem cogitar do problema da imputabilidade, sem investigar se houve ou não umerro de conduta, sem apurar a antijuridicidade da ação. Uma forte corrente procurou deslocar ofundamento da responsabilidade da culpa para o risco, mas segundo o autor, perdeu-se logofragmentando-se em subteorias, a saber: (a) do risco-proveito, que impunha a responsabilidadeaquele que obtivesse vantagem do ato gerador do dano; (b) do risco profissional, relacionados aosacidentes no trabalho; (c) do risco criado, no direito público; (d) do risco social, com base noprincípio da solidariedade. Aos poucos a doutrina foi se concentrando no conceito de “risco criado”.Esta teoria foi sendo incorporada na década de 20 especialmente nos anos seguintes à PrimeiraGuerra Mundial. Instituições de Direito Civil, 4. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1995. v. III, p. 366.173 Sérgio Cavalieri Filho, Programa de responsabilidade civil. São Paulo: Malheiros, 2000.p.143.

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156

Código Civil), sendo certo que o mesmo princípio aplica-se ao administrador

em relação ao estatuto da sociedade.

Para Fabio Ulhoa Coelho não são os riscos da atividade o fundamento

da responsabilidade civil, e sim a possibilidade de serem absorvidas as

repercussões econômicas ligadas ao evento danoso, através da distribuição

do custo entre as pessoas expostas ao mesmo dano, ou, de algum modo,

beneficiárias do evento174.

Explica o autor que o estado, por exemplo, pode responder

objetivamente pelos danos causados por seus funcionários porque tem meios

para distribuir entre os contribuintes – por meio de tributos – os encargos

derivados de sua responsabilização. Da mesma forma o fornecedor pode ser

responsabilizado por acidentes de consumo na medida em que consegue

incluir na composição de seus preços um elemento de custo correspondente

às indenizações pelos acidentes. Comenta ainda a respeito do INSS que é

responsável pelos acidentes de trabalho porque, através da imposição de

contribuições aos empresários e empregados, reparte entre estes o valor

benefícios pagos aos acidentados175.

Para Waldirio Bulgarelli foi principalmente em relação aos acidentes do

trabalho que se iniciou, em fins do século passado, a reivindicação de um tipo

de responsabilidade que não deixasse sem reparação os danos produzidos,

constando-se que era inadequada para esse fim a responsabilidade baseada

exclusivamente na culpa. Na França, as duas expressivas manifestações

dessa volta ao passado, para a responsabilidade objetiva, causal e

independente de culpa, vieram através da Lei de Acidentes do Trabalho de

174 Responsabilidade Civil dos Administradores de Instituições Financeiras. In: Aspectos Atuaisdo Direito do Mercado Financeiro e de Capitais . Roberto Quiroga Mosquera (Coord.), cit., p. 91-93.175 Fabio Ulhoa Coelho, Curso de Direito Comercial , cit., p. 258-259.

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158

também o Código de Defesa do Consumidor, que acolheu a responsabilidade

objetiva em vários dispositivos.

VI.3. Fontes de Responsabilidade: atos culposos ou dolosos e atos

violadores da lei ou estatuto

No artigo 158 e seguintes da Lei das S.A., temos a previsão de uma

primeira conduta ilícita nos atos praticados pelo administrador, ou seja,

aqueles praticados com dolo ou culpa.

Os administradores podem ser responsabilizados civilmente em duas

hipóteses (art. 158): (a) pelos atos praticados “dentro de suas atribuições ou

poderes, com culpa ou dolo”; e (b) pelos atos que foram cometidos “com

violação da lei ou do estatuto”. A prática dos atos mencionados em “a” imputa

aos administradores uma responsabilidade subjetiva clássica, o que significa

dizer que fica incumbido aquele que sofreu o dano de provar a culpa ou o dolo

com que agiu o sujeito ativo. E na prática dos atos previstos no item “b” trata-

se de responsabilidade subjetiva com presunção de culpa (alguns consideram

como objetiva). Veremos que alguns autores entendem ser as duas hipóteses

interdefiníveis, e por conseqüência reclamarem tratamento uniforme.

VI.3.1. Atos culposos ou dolosos

O inciso I do artigo 158 prevê a responsabilidade do agente pelos

prejuízos causados por sua conduta, sempre que tenha agido com dolo ou

culpa. A caracterização dessa responsabilidade demanda, portanto, os

seguintes elementos: o ato do administrador, a lesão causada à companhia, o

nexo causal e o elemento subjetivo.

A referência às atribuições e poderes sugere a existência de uma

estrutura orgânica da sociedade anônima, com a repartição de poderes entre

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159

os órgãos. Com isso, pressupõe-se que os atos tenham sido praticados em

conformidade com os poderes atribuídos a cada órgão.

A culpa dos administradores pelos prejuízos causados pode originar-se

de fatos não previstos na lei (como aqueles previstos no artigo 154 e

parágrafo segundo), mas se relacionar a acontecimentos variados, em que se

observem danos aos interesses sociais, tais como a dilapidação do ativo

social por despesas desnecessárias ou em desproporção com os recursos da

sociedade, ou mesmo o desinteresse para com os negócios da sociedade,

delegando sua gestão a outros administradores ou mandatários,

negligenciando com isso o requerido dever de diligência.

Ainda como exemplos de culpa na gestão, Sampaio de Lacerda buscou

em Carvalho de Mendonça a falta de protesto, quando necessário, e a não

execução do devedor, quando ainda solvente; e como atos dolosos, o desvio

de fundos sociais, o não pagamento de impostos nos prazos legais, deixar

caducar o direito à renovação de locação de imóvel onde esteja instalado

algum dos estabelecimentos da sociedade177.

Reconhecendo a negligência no dever de informar previsto no artigo 157,

parágrafo 4, da Lei das S.A., o Tribunal de Justiça de São Paulo declarou a

responsabilidade dos administradores envolvidos na operação de

transferência do controle acionário da Companhia, conforme ementa do

julgado abaixo transcrita

Sociedade comercial – Anônimas – Capital Aberto – Transferênciado Controle Acionário – Ocorrência não comunicada oportunamente àBolsa de Valores e à Imprensa – Inadmissibilidade – Omissão de deverlegal – Prejuízo aos acionistas minoritários, que efetuaram venda deações por valor inferior ao da oferta pública – Indenização devida –Responsabilidade solidária dos administradores – Aplicação e inteligênciado parágrafo 4 do art. 157 da Lei 6.404/76.

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Segundo Trajano de Miranda Valverde, os prejuízos, que se originarem

de atos ou operações praticados pelo administrador, dentro de suas

atribuições e poderes, somente são reparáveis mediante a prova da sua culpa

ou dolo178. O autor afirma que a responsabilidade em que podem incorrer os

diretores pelos atos na gestão ordinária 179 tem geralmente por fundamento a

negligência, a imprudência ou a imperícia no desempenho das suas funções.

Diante desse posicionamento de Trajano de Miranda, não estaria o

administrador infringindo o dever legal de diligência e, portanto, caracterizada

a violação da lei, prevista no inciso II do art. 158.

Comenta esta questão Fabio Ulhoa Coelho ao afirmar que as duas

hipóteses previstas pelo artigo 158 são interdefiníveis, conforme abaixo180:

Com efeito, a ação culposa ou dolosa é, forçosamente, ilícita,violadora da lei. Se, por exemplo, um administrador deixa de aplicardisponibilidades financeiras da sociedade, ele age com negligência ouaté imperícia. A natureza culposa de sua omissão é, assim, clara eindiscutível. Contudo, este mesmo comportamento também caracteriza ainobservância dos deveres de diligência e de lealdade.Conseqüentemente, o administrador que age culposamente viola a lei.Por outro lado, toda violação à lei ou aos estatutos é uma condutaculposa ou dolosa. O administrador que descumpre norma legal oucláusula estatutária, se não atua conscientemente, estará sendonegligente, imprudente ou imperito. Em razão da interdefinibilidade dashipóteses de responsabilização civil dos administradores de sociedadeanônima, não há – ressalte-se –, que distinguir a natureza delas. O quese afirma sobre a responsabilidade fundada no inciso I do art. 158, daLSA, aplica-se inevitavelmente à fundada no inciso II do mesmodispositivo. Assim, não comporta ser feita qualquer separação entre asduas hipóteses destacadas pelo legislador, que reclama tratamentouniforme.

Segundo Modesto Carvalhosa, a teoria da culpa clássica está superada,

devendo ser aplicada para as condutas previstas nos incisos I e II do art. 158

177 Sampaio de Lacerda, Comentários à Lei das Sociedades Anônimas . São Paulo: Saraiva,1978. p. 207.178 Sociedades por Ações , cit., p. 45-47.179 Atos de gestão ordinária são aqueles praticados pelos diretores independente de qualquerautorização e os atos de gestão extraordinária são aqueles que só podem ser praticados quandohaja autorização estatutária ou assemblear. Wilson de Souza Campos Batalha, SociedadesAnônimas e Mercado de Capitais , cit., p. 656.180 Fabio Ulhoa Coelho, Curso de Direito Comercial . 10. ed., cit., p. 260.

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VI.3.2. Atos violadores da lei ou estatuto

Observe-se que a irresponsabilidade do administrador pelas obrigações

contraídas em nome da sociedade tem como pressuposto a prática de ato

regular de gestão. A lei não definiu o que seria “ato regular de gestão”, de

modo que, para entendermos seu significado, é preciso conhecer o que a lei

veda ao administrador, ou seja, o que seria o “ato irregular de gestão”.

Como vimos, a Lei das Sociedades Anônimas impõe deveres específicos

aos administradores. A imposição de tais deveres objetiva à consecução dos

fins sociais, no interesse da companhia, satisfeitas, ainda, as exigências do

bem público e da função social da empresa, conforme pode ser verificado no

artigo 154 da referida lei.

Conseqüentemente será considerado ato irregular da gestão todo aquele

que resultar de infração de qualquer dever legal do administrador. Portanto,

se, por exemplo, o administrador contrair obrigação lesiva ao interesse social,

estará infringindo o dever de diligência, configurando-se ato irregular de

gestão. Da mesma forma, quando o administrador pratica ato contrário ao

estatuto social, também está praticando ato irregular de gestão, o que acarreta

a responsabilidade pessoal do administrador que a efetuou ultra vires.

Defere-se aos administradores certa margem de discricionariedade na

condução dos negócios sociais, uma vez que nem a lei nem o estatuto social

podem definir com exatidão todas as condições de legitimação dos gestores à

prática dos atos regulares de gestão.

Conforme observa Eduardo de Sousa Carmo, os administradores têm

poderes para realizar tudo aquilo que, não defeso por lei, estiver

182 Responsabilidade dos Administradores das Companhias. In: Yussef Said Cahali (Coord.).Responsabilidade Civil – Doutrina e Jurisprudência, cit., p. 447.

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compreendido nas necessidades operacionais da companhia para realizar o

seu objeto (poderes intrínsecos). São estes os poderes gerais de gestão que

não podem ser enumerados, são faculdades intra vires, que podem extravasar

a competência ou as indicações legais e estatutárias183.

Neste sentido, Trajano de Miranda Valverde afirma que o objeto

essencial da sociedade abrange toda a exploração da empresa, de modo que

a extensão do ato não pode ser considerada irregular se destinada a atender

ao objeto social. Portanto, se o ato é praticado intra vires, isto é, nos limites do

objeto social, de boa-fé e no interesse da companhia, é ele de regular gestão

e não torna o administrador pessoalmente responsável pelas obrigações

assim contraídas pela sociedade184.

Fran Martins complementa ao afirmar que o administrador pode até

mesmo contrariar o objeto social, desde que visando o interesse social185:

A gestão dos administradores, em princípio, deve se limitar àprática de atos dentro do objeto social; poderá, contudo, esse objeto serultrapassado, ou mesmo contrariado, se os atos são praticados visandoao interesse social. Na realidade, como a própria lei acentua (art. 154), oadministrador deve agir no interesse da sociedade, ainda mesmo queesse interesse contrarie o objeto específico da companhia.

Em principio o procedimento do administrador previsto no inciso II do art.

158 não implica em responsabilidade da companhia, ou seja, não obriga a

sociedade, diferente do procedimento previsto no inciso I do referido artigo.

Ou seja, a responsabilidade do administrador exclui a da companhia, perante

terceiros. Com efeito o descumprimento é de norma legal, que se presume

conhecida por todos, ou estatutária, que também se pressupõe conhecida

pelo terceiro que contrata com a companhia, porque este tem acesso aos

dados a respeito, haja vista o regime de publicidade baseado no arquivamento

no Registro do Comércio de atos constitutivos e suas alterações, das atas de

183 Relações Jurídicas na Administração da S.A. Rio de Janeiro: Aide Editora, 1988. p. 144.184 Sociedades por ações , Rio de Janeiro: Forense, 1941. v. I, p. 46.

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Assembléias Gerais e de Reuniões do Conselho de Administração e da

Diretoria. Presume-se que o terceiro contratante conheça a estrutura formal

de poder da companhia. Referido princípio no entanto não deve ser aplicado

com rigor excessivo, sob pena de acarretar decisões injustas. Diante disso, a

jurisprudência vem admitindo que o terceiro de boa-fé deve ter seus

interesses resguardados e, portanto, permitindo que a sociedade anônima

seja igualmente responsabilizada, quando se verifique que o terceiro

contraente está de boa-fé186.

Como bem observa José Alexandre Tavares Guerreiro,

a atribuição exclusiva da responsabilidade patrimonial pelo ato ultra vires,ao administrador que excedeu seus poderes, com a correspectivaisenção da sociedade, poderá, ainda, corresponder a umcomprometimento do ideal de justiça, que está na base de toda regrajurídica, na medida em que os danos causados pelo administrador nãopossam ser por ele ressarcidos, em virtude da enormedesproporcionalidade entre o vulto de tais danos e a magnitude dopatrimônio individual do mesmo administrador187.

Diante disso, podemos dizer que o ato irregular de gestão confunde-se

com o ato praticado com violação da lei ou do estatuto, sendo que entre os

atos violadores da lei e do estatuto se incluem todos os atos ou operações

praticados pelos administradores com excesso de poderes ou fora das

atribuições, que lhe foram conferidas pela lei e pelo estatuto.

É importante frisar que o administrador não responde pelas obrigações

contraídas se a sociedade estiver regularmente constituída, com

personalidade jurídica. Se estiver em fase de constituição, o administrador é

solidariamente responsável pelas obrigações sociais e pela demora no

185 Comentários à Lei das Sociedades Anônimas , cit., v. 2. p. 404.186 Paulo Fernando Campos Salles de Toledo. O Conselho de Administração na SociedadeAnônima – Estrutura, Funções e Poderes, Responsabil idade dos administradores – Deacordo com a nova lei das S.A. São Paulo: Atlas, 1997. p. 71.187 Responsabilidade dos Administradores de Sociedades Anônimas, in: Revista de DireitoMercantil, Industrial, Econômico e Financeiro , cit., p. 75-76.

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cumprimento das formalidades complementares à constituição da companhia,

conforme prevê o artigo 99 da Lei das Sociedades Anônimas188.

Em relação a infringência ou inobservância da lei ou do estatuto pelo

administrador, não se pode fundar apenas no aspecto moral, porque ao

administrador não é lícito desconhecer a norma jurídica (LICC – verificar) e o

estatuto da companhia. Modesto Carvalhosa entende que o cumprimento da

lei e do estatuto é inescusável, não sendo relevante a consideração de

elementos psicológicos para a configuração da responsabilidade, portanto

seria objetiva a responsabilidade dos administradores na prática das condutas

previstas no inciso II do art. 158.

Nesse sentido, Trajano de Miranda Valverde esclarece que o

desconhecimento dos preceitos legais ou estatuários não pode servir de

escusa aos administradores, de modo que os atos e operações violadores

desses preceitos oferecem gravidade particular. Afirma que pode acontecer

que a violação do preceito legal ou da disposição estatutária resulte de

negligência ou imprudência do administrado, mas nem por isso será ele

menos responsável pelos prejuízos que ocasionar à sociedade, aos acionistas

ou a terceiros, pois a única coisa que o prejudicado terá de provar é o nexo de

causalidade entre o ato violador da lei ou dos estatutos e o prejuízo sofrido189.

Para outros doutrinadores, como Paulo Fernando Campos Salles e José

Alexandre Tavares Guerreiro, os atos praticados pelos administradores de

companhias com violação da lei ou do estatuto são presumivelmente

culposos.

188 “Art. 99. Os primeiros administradores são solidariamente responsáveis perante a companhiapelos prejuízos causados pela demora no cumprimento das formalidades complementares à suaconstituição.Parágrafo único. A companhia não responde pelos atos ou operações praticados pelos primeirosadministradores antes de cumpridas as formalidades de constituição, mas a assembléia-geralpoderá deliberar em contrário.”

189 Sociedades por Ações , cit., v. II, p. 48-49.

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Como informa Paulo Fernando Campos Salles de Toledo, com a adoção

da teoria da culpa presumida são mantidas tanto as vantagens da

responsabilidade subjetiva (que permite uma discussão mais ampla e

individualizadora) quanto as da responsabilidade objetiva (que enseja uma

efetiva responsabilização do causador do dano). O autor lembra que a

finalidade do Direito somente se atinge com a consecução do justo, e a

adoção da teoria do risco pode acarretar soluções injustas. Justifica ainda seu

posicionamento lembrando não ser possível em casos concretos afastar a

culpa presumida do agente, haja vista a existência de fatores excludentes de

ilicitude: a legítima defesa, o exercício regular de um direito e a existência de

um perigo iminente. Tais fatores excluem o caráter ilícito dos atos praticados

pelos administradores dentro de suas atribuições ou poderes como também

dos atos praticados com violação da lei ou do estatuto da companhia. Além

disso, existem fatores como a força maior e o caso fortuito que isentam o

agente de responsabilidade. Ao juiz também é atribuída a possibilidade de

reconhecer a exclusão da responsabilidade do administrador, se convencido

de que este agiu de boa-fé e visando ao interesse da companhia (art. 159,

parágrafo 6)190.

Fabio Ulhoa Coelho entende que as hipóteses de responsabilidade civil

dos administradores de sociedade anônima, apesar de distinguidas pelo artigo

158 da Lei, são redutíveis a apenas uma: decorrente de descumprimento de

dever legal. E quanto à natureza da responsabilidade civil, entende ser esta

subjetiva, do tipo clássico, haja vista que este tipo corresponde a regra geral

de responsabilização no direito brasileiro e que não há disposição legal

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expressa submetendo o agente a outro sistema. O autor adverte que o

administrador não ocupa posição econômica que lhe possibilite socializar

perdas, como é o caso do estado e do fornecedor, de forma que não há

fundamento racional para a sua responsabilização191.

Na Itália, o fundamento da responsabilidade dos administradores está na

culpa, e coerentemente a legislação exonera de responsabilidade aquele

administrador que não tenha agido com culpa, conforme assevera Giancarlo

Frè192:

La responsabilità degli amministratori há il suo fondamento nellacolpa in cui essi siano incorsi nello adempimento dei loro doveri.Coerentemente la legge esonera perciò da responsabilità gliamministratori che non siano in colpa, prevendo espressamente il caso incui i doveri non osservati dall’organo amministrativo siano proprîesclusivamente di um <ufficio determinato e personale> e il caso in cui,indipendentemente da tale suddivisione di <uffici>, il singoloamministratore dia la prova di essere esente da colpa.

Alguns autores entendem que a adoção da responsabilidade objetiva

poderia paralisar as atividades empresariais, diante do risco ao qual estariam

submetidos os administradores, os quais não se sentiriam encorajados a

assumir a gestão dos negócios diante da perspectiva preocupante da

responsabilidade objetiva. Além disso, o regime da responsabilidade objetiva

poderia muitas vezes não alcançar os verdadeiros mentores do ato

(controladores).

Entendemos que os administradores devam ser responsabilizados

subjetivamente pelos prejuízos causados em decorrência de atos violadores

da lei e do estatuto social, haja vista não existir dispositivo legal expresso

submetendo o administrador a outro sistema.

191 A Responsabilidade Civil dos Administradores de Instituições Financeiras, In: Mosquera(Coord.), Aspectos Atuais do Direito do Mercado Financeiro e de Capitais, cit., p. 104-105.Fabio Ulhoa Coelho, Curso de Direito Comercial , cit., 10. ed., p. 261.192 Giancarlo Frè, L’Organo Amministrativo Nelle Società Anonime , Roma: Città di Castello.Unione Arti Grafiche. Soc. Ed. Del.<Foro Italiano>, 1938. XVI. p. 272.

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Além da Lei das Sociedades Anônimas, há várias outras leis e decretos

que impõem responsabilidades aos administradores, conforme abaixo

relacionamos resumidamente:

a) Código Tributário Nacional (CTN): estabelece solidariedade aos sócios

e administradores, nos casos de não recolhimento de impostos e

contribuições (artigo 134 e 135 do CTN).

b) Código de Defesa do Consumidor: dispõe sobre a possibilidade do juiz

de desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade e impor

responsabilidade ao administrador quando, em detrimento do consumidor,

houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou

violação dos estatutos ou contrato sociais.

c) Lei do Meio Ambiente: a Lei n. 9.605, de 12.2.1998, penaliza todos os

que concorrerem para as práticas dos crimes nela previstos, inclusive os

administradores que, sabedores da conduta criminosa de outrem, deixem de

impedir a sua prática, quando podiam agir para evitá-la.

d) Lei de Economia Popular: A Lei n. 1.521, de 26.12.1951, em seu artigo

3, tipifica uma série de condutas prejudiciais à livre concorrência e às leis de

mercado que, se adotadas por um administrador, constituirão crime e o

sujeitarão a penalidades de natureza criminal e civil.

e) Lei de Falências e de Recuperação de empresas: Na Lei n. 11.101, de

9.2.2005, os administradores são responsáveis sempre que deixarem de ser

diligentes.

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169

Além destes dispositivos existem outros de cumprimento obrigatório

emitidos pela CVM, pelo Banco Central do Brasil e por órgãos congêneres no

exterior, para sociedades que atuem em bolas de valores fora do país.

Ë importante observar que os verdadeiros responsáveis podem ser

alcançados, e não somente os administradores, haja vista que a lei possibilita

a responsabilização de todos os envolvidos, inclusive de terceiros, conforme

veremos mais adiante, havendo previsão expressa sobre a responsabilidade

do controlador, conforme artigo 117 da Lei das S.A., abaixo transcrito:

Art. 117. O acionista controlador responde pelos danos causadospor atos praticados com abuso de poder.

§ 1º São modalidades de exercício abusivo de poder:a) orientar a companhia para fim estranho ao objeto social ou lesivo

ao interesse nacional, ou levá-la a favorecer outra sociedade, brasileiraou estrangeira, em prejuízo da participação dos acionistas minoritáriosnos lucros ou no acervo da companhia, ou da economia nacional;

b) promover a liquidação de companhia próspera, ou atransformação, incorporação, fusão ou cisão da companhia, com o fim deobter, para si ou para outrem, vantagem indevida, em prejuízo dosdemais acionistas, dos que trabalham na empresa ou dos investidoresem valores mobiliários emitidos pela companhia;

c) promover alteração estatutária, emissão de valores mobiliáriosou adoção de políticas ou decisões que não tenham por fim o interesseda companhia e visem a causar prejuízo a acionistas minoritários, aosque trabalham na empresa ou aos investidores em valores mobiliáriosemitidos pela companhia;

d) eleger administrador ou fiscal que sabe inapto, moral outecnicamente;

e) induzir, ou tentar induzir, administrador ou fiscal a praticar atoilegal, ou, descumprindo seus deveres definidos nesta Lei e no estatuto,promover, contra o interesse da companhia, sua ratificação pelaassembléia-geral;

f) contratar com a companhia, diretamente ou através de outrem,ou de sociedade na qual tenha interesse, em condições de favorecimentoou não eqüitativas;

g) aprovar ou fazer aprovar contas irregulares de administradores,por favorecimento pessoal, ou deixar de apurar denúncia que saiba oudevesse saber procedente, ou que justifique fundada suspeita deirregularidade.

h) subscrever ações, para os fins do disposto no art. 170, com arealização em bens estranhos ao objeto social da companhia. (Incluídadada pela Lei nº 9.457, de 1997)

§ 2º No caso da alínea e do § 1º, o administrador ou fiscal quepraticar o ato ilegal responde solidariamente com o acionista controlador.

§ 3º O acionista controlador que exerce cargo de administrador oufiscal tem também os deveres e responsabilidades próprios do cargo.

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VI.4. Limites da Responsabilidade Civil

A responsabilidade dos diretores é limitada às suas funções, não

podendo ser responsabilizados por atos praticados por outros diretores, salvo

conluio ou negligência, situações em que se verificará solidariedade, conforme

previsto no artigo 158, parágrafos primeiro, terceiro e quarto da Lei das

Sociedades Anônimas (princípio da incomunicabilidade da culpa).

Ao contrário, os membros do Conselho de Administração são

responsáveis coletivamente pela deliberação tomada, salvo se utilizarem os

procedimentos exoneradores de responsabilidade previstos no artigo 158,

parágrafo primeiro, segunda parte, e parágrafo quarto, ou seja, a consignação

da divergência em ata ou comunicação da negligência ou da infração

observadas aos órgãos próprios da Sociedade Anônima.

Por outro lado, os membros do Conselho não respondem por atos

infracionais dos diretores que não tenham chegado ao seu conhecimento. É a

aplicação do princípio dispositivo processual: Quod non est in actis non est in

mundo.

VI.4.1. Solidariedade

Os administradores, em termos gerais, são solidariamente responsáveis

pelos prejuízos decorrentes do não-cumprimento dos deveres impostos pela

lei para assegurar o funcionamento normal da companhia, ainda que o

estatuto não estabeleça tais deveres a todos os administradores (art. 158,

parágrafo 2 da Lei das Sociedades Anônimas).

A Lei das Sociedades Anônimas prescreve nos parágrafos segundo a

quarto do artigo 158 da Lei das Sociedades Anônimas hipóteses de

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responsabilidade solidária entre os administradores. No entanto, as regras de

vinculação solidária dos administradores não estabelecem nenhuma

responsabilidade objetiva.

Art. 158. O administrador não é pessoalmente responsável pelasobrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de atoregular de gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos quecausar, quando proceder:

I - dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo;II - com violação da lei ou do estatuto.§ 1º O administrador não é responsável por atos ilícitos de outros

administradores, salvo se com eles for conivente, se negligenciar emdescobri-los ou se, deles tendo conhecimento, deixar de agir para impedira sua prática. Exime-se de responsabilidade o administrador dissidenteque faça consignar sua divergência em ata de reunião do órgão deadministração ou, não sendo possível, dela dê ciência imediata e porescrito ao órgão da administração, no conselho fiscal, se emfuncionamento, ou à assembléia-geral.

§ 2º Os administradores são solidariamente responsáveis pelosprejuízos causados em virtude do não cumprimento dos deveresimpostos por lei para assegurar o funcionamento normal da companhia,ainda que, pelo estatuto, tais deveres não caibam a todos eles.

§ 3º Nas companhias abertas, a responsabilidade de que trata o §2º ficará restrita, ressalvado o disposto no § 4º, aos administradores que,por disposição do estatuto, tenham atribuição específica de darcumprimento àqueles deveres.

§ 4º O administrador que, tendo conhecimento do não cumprimentodesses deveres por seu predecessor, ou pelo administrador competentenos termos do § 3º, deixar de comunicar o fato a assembléia-geral,tornar-se-á por ele solidariamente responsável.

§ 5º Responderá solidariamente com o administrador quem, com ofim de obter vantagem para si ou para outrem, concorrer para a práticade ato com violação da lei ou do estatuto. (grifos do autor)

Em termos gerais, serão responsáveis, solidariamente, os

administradores que forem coniventes com atos ilícitos de outros

administradores, quando negligenciarem em descobri-los e quando deixarem

de agir para impedir a sua prática.

Se o administrador foi conivente (equiparado a ser cúmplice) com o ato

ilícito de outro administrador, será por ele responsável. O artigo 942 do Código

Civil estabelece que os co-autores ou cúmplices da ofensa ou violação do

direito de outrem ficam sujeitos à reparação, por ela respondendo

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172

solidariamente (art. 158, parágrafo primeiro da Lei das Sociedades

Anônimas).

Observa-se que regra geral os administradores são solidariamente

responsáveis pelos prejuízos decorrentes do não-cumprimento dos deveres

impostos por lei para assegurar o funcionamento normal da companhia, ainda

que, pelo estatuto, tais deveres não caibam a todos eles (artigo 158, parágrafo

segundo).

Entretanto, nas Companhias abertas essa responsabilidade restringe-se

aos administradores com atribuições específicas para esses atos; todavia, a

não comunicação, pelos demais administradores que ciência tiveram acerca

do descumprimento daqueles deveres, resultará na responsabilização

solidária destes (artigo 158, parágrafos terceiro e quarto).

A responsabilidade dos administradores de companhias fechada e

aberta, nesta por derrogação do preceito constante do item anterior, é,

entretanto, solidária quando, tendo eles conhecimento do inadimplemento

desses deveres por antecessores, ou por administradores atuais, que sejam

obrigados a adimpli-los, deixarem de comunicar o fato à assembléia geral.

Além disso, a solidariedade só existe em casos expressos como, por

exemplo, a responsabilidade solidária dos primeiros administradores pela

demora no cumprimento das formalidades complementares à constituição da

companhia (artigo 92 e 99), pela não anotação, nos livros próprios, da

extinção das debêntures (artigo 74, parágrafo segundo) e pela distribuição de

dividendos com inobservância das exigências legais (artigo 201, parágrafo

primeiro).

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173

O direito alienígena contempla semelhante arcabouço jurídico no tocante

à previsão da responsabilidade solidária entre os administradores das

sociedades anônimas.

A legislação mexicana determina os administradores têm

responsabilidades inerentes a seus mandatos e derivadas das obrigações que

a lei e os estatutos estabelecem. Os administradores não serão

solidariamente responsáveis, caso estando isentos de culpa tenham

manifestado sua inconformidade no momento da deliberação e resolução de

determinado ato ilícito. São responsáveis em relação a atos praticados pelo

seu antecessor e pelas irregularidades incorridas quando, conhecendo-as,

não as denunciem por escrito aos fiscais da sociedade (artigos 158 a 160).

A legislação espanhola também prevê a responsabilidade solidária em

relação a atos praticados por outros administradores, a menos que se prove

não ter intervindo na sua adoção e execução, desconhecendo sua existência

ou, conhecendo, tenha tomado todas as medidas possíveis para evitar o

dano, ou ao menos tenha se manifestado expressamente contrário ao ato

(artigo 133).

No mesmo sentido, a legislação do Equador estabelece que:

La responsabilidad de los administradores por actos u omisiones nose extiende a aquellos que, estando exentos de culpa, hubieren hechoconstar su incorformidad, en el plazo de diez días a contarse de la fechaen que conocieron de la resolución y dieron noticia inmediata a loscomisarios (artigo 264).

VI.4.1.1. Solidariedade do terceiro

Nos termos da lei, ainda, a solidariedade se estende ao terceiro que, com

o administrador, concorrer para a prática de ato com violação da lei ou do

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174

contrato, independentemente do auferimento de qualquer vantagem (artigo

158, parágrafo quinto).

Para a responsabilização do terceiro, a lei exige a demonstração da

intenção de busca da vantagem para si ou para outrem; caso contrário a mera

concorrência para o evento não será o suficiente para sua responsabilização.

Neste caso, quando o terceiro tenha concorrido para o ato violador da lei

ou dos estatutos sem, entretanto, qualquer intenção de auferir vantagem, a

eventual boa-fé do mesmo só pode ser prestigiada quando se tratar de ato

violador dos estatutos, diante de seu presumido desconhecimento das

singulares e específicas regras. O mesmo não pode ser alegado quando

tratar-se de violação da lei cuja ignorância a ninguém é dado objetar (artigo 3

da Lei de Introdução do Código Civil), surgindo, nesta hipótese, a

possibilidade de responsabilização do terceiro concorrente.

Cogitem-se as mais diversas simulações, como, por exemplo, aquisições

ou alienações de ativos da sociedade como forma de permitir ao

administrador, ou a alguém de seu interesse, a apropriação de bens ou a

obtenção de indevidos lucros, inclusive através de informações privilegiadas

da companhia, ou em razão do posto nela ocupado (os insiders tradings),

fraudes essas todas coibidas pelo direito pátrio.

Outros casos de responsabilidade de administradores de Sociedades

Anônimas encontram-se previstos nos artigos 239, parágrafo único, que cuida

da aplicação das regras do artigo 158 aos administradores de sociedades de

economia mista, 245 e 246, que dispõem sobre os negócios entre as

sociedades do grupo, na relação controladora/controlada ou controladas, e,

especialmente, 117, que define a responsabilidade do acionista controlador,

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175

seja na forma direta e pessoal, seja em solidariedade com algum

administrador193.

VI.5. Excludentes da Responsabilidade Civil

Lembramos que a Lei das Sociedades Anônimas prevê hipóteses de

responsabilidade civil a título de dolo e/ou culpa (artigo 158, inciso I), e por

infração da lei ou do contrato (artigo 158, inciso II), em virtude de dano

causado à companhia, aos acionistas ou a terceiros.

Todavia, alguns fatores eximem o administrador de responsabilidade, a

saber: (a) caso fortuito e força maior; (b) prova de boa-fé e que agiu visando

aos interesses da sociedade (artigo 159, parágrafo sexto); e (c) consignação

da divergência do administrador em ata de reunião do órgão de administração

ou comunicação imediata da divergência ao órgão da administração, ao

conselho fiscal, se em funcionamento, ou à assembléia geral (art. 158,

parágrafo primeiro);

O Código Civil conceitua no seu artigo 393 o caso fortuito ou de força

maior como “fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar, ou impedir”.

Segundo a legislação societária do México, o administrador que em

qualquer operação tenha um interesse oposto ao da sociedade, deverá

manifestar sua opinião aos demais administradores, abstendo-se de toda e

193 “Art. 239. As companhias de economia mista terão obrigatoriamente Conselho deAdministração, assegurado à minoria o direito de eleger um dos conselheiros, se maior númeronão lhes couber pelo processo de voto múltiplo.Parágrafo único. Os deveres e responsabilidades dos administradores das companhias deeconomia mista são os mesmos dos administradores das companhias abertas.”“Art. 245. Os administradores não podem, em prejuízo da companhia, favorecer sociedadecoligada, controladora ou controlada, cumprindo-lhes zelar para que as operações entre associedades, se houver, observem condições estritamente comutativas, ou com pagamentocompensatório adequado; e respondem perante a companhia pelas perdas e danos resultantes deatos praticados com infração ao disposto neste artigo.”

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qualquer deliberação neste sentido, sob pena de ser responsabilizado pelos

danos e prejuízos causados à sociedade. Portanto, não é responsabilizado o

administrador que, estando isento de culpa, tenha manifestado sua

discordância no momento da deliberação do ato que causar prejuízo. No

entanto, caso o administrador, conhecendo qualquer irregularidade, não

denunciar por escrito aos comissários (fiscais da sociedade), será

solidariamente responsável (artigos 156, 159 e 160).

No mesmo sentido, a legislação espanhola também prevê casos de

exclusão de responsabilidade. A regra geral é da responsabilidade solidária de

todos os membros do órgão da administração que praticou o ato ou firmou

acordo lesivo à sociedade. No entanto, não serão responsabilizados aqueles

administradores que provarem não ter intervindo na prática do ato,

desconhecer sua existência ou, se cientes, terem tomado todas as medidas

para evitar o dano ou ao menos terem manifestado expressamente sua

oposição (artigo 133).

A legislação do Equador também isenta de responsabilidade os

administradores que, isentos de culpa, fizeram constar sua discordância no

prazo de dez dias a contar da data em que tomaram ciência da deliberação e

deram notícia aos comissários (fiscais) (artigo 264).

No mesmo sentido, a legislação portuguesa isenta de responsabilidade

os administradores que provarem que não procederam com culpa, bem como

aqueles que não participaram da deliberação que causou dano ou que

votaram contrariamente à referida deliberação, podendo neste caso, no prazo

de cinco dias, apresentar a sua declaração de voto, quer no respectivo livro de

atas, quer em escrito dirigido ao órgão de fiscalização ou perante o notário

(artigo 72).

“Art. 246. A sociedade controladora será obrigada a reparar os danos que causar à companhia poratos praticados com infração ao disposto nos artigos 116 e 117.”

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177

Segundo José Edwaldo Tavares Borba,

a exclusão da responsabilidade, embora enunciada como umacircunstância a ser reconhecida pelo juiz que apreciar a ação deresponsabilidade civil, também poderá resultar de reconhecimento daassembléia-geral, instância original na apreciação da matéria. Nos casosde atos dolosos, a exclusão da responsabilidade não se aplica, tanto quea boa-fé é incompatível com o dolo. A negligência igualmente não seconjuga com a boa-fé, e muito menos com a idéia do interesse daempresa194.

O oferecimento pelo administrador à sociedade de garantia assegura o

ressarcimento da sociedade na hipótese de responsabilização. No Brasil, não

é obrigatória a prestação de garantia pelo administrador. O artigo 148 da Lei

das Sociedades Anônimas dispõe que o estatuto pode estabelecer que o

exercício do cargo de administrador deva ser assegurado, pelo titular ou por

terceiro, mediante penhor de ações da companhia ou outra garantia, sendo

que referida garantia somente será levantada após aprovação das últimas

contas apresentadas pelo administrador que houver deixado o cargo.

Referida faculdade atribuída à sociedade também está prevista na

legislação mexicana, conforme segue:

Artículo 152 – Los estatutos o la asamblea general de accionistas,podrán establecer la obligación para los administradores y gerentes deprestar garantía para asegurar las responsabilidades que pudierancontraer en el desempeño de sus encargos.

A legislação espanhola também confere a sociedade tal direito:

Artículo 123 – Nombramiento – 1. El nombramiento de losadministradores y la determinación de su número, cuando los estatutosestablezcan solamente el máximo y el mínimo, corresponde a la juntageneral, la cual podrá, además, en defecto de disposición estatutaria, fijarlas garantías que los administradores deberán prestar o relevarlos deesta prestación.

194 Direito Societário , cit., p. 355.

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A legislação do Equador também permite à sociedade exigir dos

administradores garantias de gestão:

Art. 257. El nombramiento de los administradores y ladeterminación de su número, cuando no lo fije el contrato social,corresponde a la junta general, la cual podrá también, si no hubieredisposición en contrario, fijar las garantías que deben rendir losadministradores.

A legislação portuguesa obriga a prestação de garantia pelos

administradores no caso de sociedades com subscrição pública. Nos demais

casos, a caução pode ser dispensada por deliberação da assembléia geral ou

constitutiva que eleja o conselho de administração ou um administrador e

ainda quando a designação tenha sido feita no contrato de sociedade, por

disposição deste.

A legislação argentina, diferente das citadas anteriormente, obriga os

administradores a prestar garantia no valor mínimo de $10,000.00 (dez mil

pesos argentinos), a qual poderá consistir em: (a) títulos públicos ou somas de

moeda nacional ou estrangeira que deverão ser depositados em entidades

financeiras ou em casas de valores em nome da sociedade, sendo que o seu

prazo deve ser no mínimo igual ao prazo de prescrição das ações de

responsabilidade; (b) fianças ou avais bancários, seguros de garantia ou de

responsabilidade civil em nome da sociedade, cujo custo deverá ser

suportado por cada administrador.

A prestação de garantia pelos administradores, acima mencionada,

assegura a relação entre os administradores e a sociedade. No entanto os

administradores também são responsáveis perante os acionistas ou terceiros.

Neste caso, interessa ao próprio administrador proteger-se com um seguro

contra o imponderável que o acompanhará durante toda a sua trajetória

profissional.

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Ainda em relação ao seguro de responsabilidade civil, é válido observar

ser muito comum nos Estados Unidos a contratação pela sociedade de um

seguro para os seus administradores com as mais diversas coberturas. No

Brasil, apesar de não ser comum, já existem seguradoras que comercializam

este tipo de produto, os quais cobrem os principais executivos de prejuízos

financeiros resultantes de sentenças judiciais ou acordo entre as partes,

custos de defesa, despesas de representação legal entre outras em

decorrência de ato ou fato cuja conseqüência é a responsabilidade do

executivo segurado.

VI.6. Medidas Judiciais

No Brasil, a medida judicial cabível contra o administrador é também a

Ação de Responsabilidade Civil pelos prejuízos causados ao patrimônio da

Sociedade (artigo 159 da Lei das Sociedades Anônimas).

Quando é a companhia a diretamente lesada por ato de administrador, a

apuração e efetivação de sua responsabilidade seguem algumas regras

próprias, destinadas a preservar o interesse social, já que se encontra este

conflitante com os do corpo diretivo da sociedade195.

De acordo com a Lei das Sociedades Anônimas (artigo 159), o exercício

da ação de responsabilidade civil do administrador é prerrogativa atribuída à

sociedade, que terá sempre a preferência para pleitear a reparação dos danos

havidos. A apuração da responsabilidade de administrador, quando

prejudicada a sociedade, será feita pela Assembléia Geral. É este o órgão

competente para definir se houve descumprimento de dever legal e promover

a ação. Para chegar à sua conclusão, a Assembléia, quando depender de

maiores informações, deve determinar o levantamento de dados, devendo,

195 Roberto Quiroga Mosquera, Aspectos atuais do Direito do Mercado Financeiro e deCapitais, cit., p. 100. Texto de Fabio Ulhoa Coelho relativo à Responsabilidade Civil dosAdministradores de Instituições Financeiras.

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deliberação da assembléia geral legitima qualquer acionista a promovê-la,

independentemente do número de ações que possuir. A segunda hipótese, a

substituição originária, se verifica quando a Assembléia Geral delibera não

promover a ação de responsabilidade contra o administrador, mas acionista

ou acionistas titulares de ações correspondentes a 5% do capital social têm

entendimento contrário ao órgão, legitimando-se assim à propositura da

ação196.

Trata-se, como se vê, de hipótese de substituição processual, exceção à

regra segundo a qual ninguém poderá em nome próprio pleitear direito alheio

(artigo 6, CPC). Há, portanto, dissociação entre o sujeito da lide e o sujeito do

processo, sendo que a lide será sempre da companhia, que é titular do direito

material, direto e principal, ao passo que a titularidade do processo é do

acionista. Fabio Ulhoa Coelho adota o critério que se refere à legitimação dos

acionistas como conseqüência da inércia dos diretores como hipótese de

substituição derivada, mencionando que a legitimidade cabível ao grupo

minoritário nos casos em que a assembléia geral delibera não responsabilizar

o administrador constitui caso de substituição originária197.

Na Espanha, a ação de responsabilidade dos administradores deve ser

ingressada pela sociedade, mediante aprovação prévia da Assembléia Geral.

Os acionistas podem solicitar a convocação da Assembléia Geral para que

esta decida sobre o exercício da ação de responsabilidade, bem como

ingressar conjuntamente com a ação de responsabilidade em defesa dos

interesses sociais quando os administradores não convocarem a Assembléia

Geral solicitada para este fim, quando a sociedade não ingressar com a ação

dentro do prazo de um mês, contado da data da aprovação do ingresso da

ação, ou mesmo quando a Assembléia não acordar em ingressar com uma

196 Mosquera, cit., p. 102. Texto de Fabio Ulhoa Coelho relativo à Responsabilidade Civil dosAdministradores de Instituições Financeiras.197 Fabio Ulhoa Coelho, A natureza subjetiva da responsabilidade civil dos administradores decompanhia. Revista Direito de Empresa. n. 1, p. 25, 1996. São Paulo: Max Limonad.

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ação de responsabilização. Os credores, por sua vez, podem exercitar o

direito de ingresso de ação de responsabilidade contra os administradores

quando não tiver sido exercido pela sociedade ou pelos acionistas, sempre

que o patrimônio social resulte insuficiente para a satisfação de seus créditos

(artigo 134).

No México, os acionistas que representam 33% do capital social, pelo

menos, podem exercitar diretamente o direito de ação de responsabilidade

civil contra os administradores, sempre que satisfaçam os seguintes

requisitos: (i) que a demanda compreenda o valor total das responsabilidades

em favor da sociedade e não unicamente o interesse pessoal, e (ii) que os

autores não tenham aprovado a resolução tomada pela Assembléia Geral dos

Acionistas sobre não proceder à ação de responsabilidade contra os

administradores (artigo 163).

No mesmo sentido, a legislação do Equador estabelece que a ação de

responsabilidade contra os administradores ou membros dos conselhos de

administração, fiscal ou diretoria deva ser ingressada pela sociedade,

mediante prévio acordo da Assembléia Geral. Em qualquer momento a

Assembléia Geral pode transigir ou renunciar o exercício da ação de

responsabilidade, sempre que não se opuserem os acionistas que

representem no mínimo a décima parte do capital integralizado. O acordo de

promover a ação ou de transigir implica a destituição dos administradores

(artigo 272).

Da mesma forma, a legislação portuguesa dispõe que a ação de

responsabilidade proposta pela sociedade depende de deliberação dos

sócios, tomada por simples maioria, e deve ser proposta no prazo de seis

meses a contar da referida deliberação.

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VI.6.1. Impedimento do administrador

O artigo 159, parágrafo 2, da Lei das Sociedades Anônimas determina

que o “administrador ou administradores contra os quais deverá ser proposta

a ação ficarão impedidos e deverão ser substituídos na mesma assembléia”.

Assim, a mesma assembléia que aprovar o ajuizamento da ação de

responsabilidade deverá nomear novo administrador em substituição àquele

tido como violador da norma de conduta.

É importante observar que o impedimento decorre da deliberação da

assembléia geral favorável à propositura da ação de responsabilidade, e não

do ajuizamento da medida. Dessa forma, inexiste impedimento do

administrador na hipótese de ação social proposta por acionistas minoritários

titulares de pelo menos 5% do capital social, fundada na deliberação da

assembléia geral repelidora da responsabilização.

Modesto Carvalhosa destaca que o entendimento contrário possibilitaria

o absurdo de que, a qualquer tempo, os acionistas minoritários promovessem

a destituição de administradores contra a vontade da maioria, ao proporem

uma ação de responsabilidade civil. A mesma orientação pode ser encontrada

em Fabio Ulhoa Coelho e Nelson Eixirik198.

VI.6.2. A responsabilidade do administrador ante ac ionistas e terceiros

198 Modesto Carvalhosa, Responsabilidade civil de administradores e de acionistas controladoresperante a lei das S.A. Revista dos Tribunais, n. 699. p. 41, 1994. São Paulo. Fabio Ulhoa Coelho,A natureza subjetiva da responsabilidade civil dos administradores de companhia. Revista Direitode Empresa. cit., p. 26. Nelson Eizirik, Inexistência de impedimento do administrador na açãosocial “ut singuli”. Revista de Direito Mercantil , n. 80, p. 37, 1990. São Paulo: Revista dosTribunais.

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CAPÍTULO VII – CONCLUSÃO

A globalização fez crescer significativamente a importância das empresas

e, por conseqüência, a importância de seus administradores. A globalização

se caracteriza pela convergência econômica, social, jurídica e política das

várias regiões do mundo, e, muito embora venha se desenvolvendo desde a

época do capitalismo, atingiu de 1990 para cá uma intensidade sem

precedentes.

A primeira conseqüência da globalização é o rompimento por ela

provocado de estado-nação e soberania-nacional. Os estados nacionais

perdem a supremacia no campo interno, com a emergência de novos focos de

poder e de produção de direito, com alcance internacional. Destacam-se aqui,

justamente, as grandes empresas e as organizações não-governamentais.

A segunda conseqüência é que a dimensão econômica passa a

preponderar sobre as demais dimensões. Esse fenômeno, iniciado com a

Revolução Industrial, acelera-se sob o impulso da globalização. A empresa,

então, consolida sua posição de instituição dominante da dimensão

econômica do mundo atual. Uma terceira conseqüência é que o cenário

econômico globalizado passa a exigir que os agentes econômicos concorram

em mercado mundial, acompanhando as tendências, modificações e

exigências de mercados ocorridas. É imperativo o emprego de vultosos

capitais em pesquisa e desenvolvimento de novos produtos e maior

flexibilidade dos meios de produção.

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Outra conseqüência da globalização foi a criação das três principais

instituições internacionais: o Fundo Monetário Internacional – FMI, o Banco

Mundial, como é conhecido o Banco Internacional de Reconstrução e

Desenvolvimento – BIRD e a Organização Mundial do Comércio – OMC.

Referidas instituições foram criadas no período do pós-guerra com a

finalidade inicial de, respectivamente, assegurar a estabilidade econômica

mundial, evitando a ocorrência de uma nova depressão mundial, harmonizar o

sistema financeiro mundial, reconstruindo-lhes as bases; e controlar as

relações comerciais internacionais. A estas instituições acrescente-se também

a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE,

fundada em 1960, que tem como membros e mantenedores os mesmos

países de economia desenvolvida integrantes das organizações supracitadas.

Atualmente, tais organizações desempenham um papel muito diferente

daquele para o qual foram criadas. Segundo Joseph E. Stiglitz, a mudança

mais drástica data da década de 1980, quando Ronald Reagan e Margaret

Thatcher pregavam uma ideologia de livre mercado nos Estados Unidos e no

Reino Unido. O FMI e o Banco Mundial tornaram-se as novas instituições

missionárias, por meio das quais essas idéias eram impostas aos relutantes

países pobres que, via de regra, precisavam muito de seus empréstimos e

concessões199.

Com a criação da nova ordem econômica, blocos de negociação tarifária

surgiram, aproximando países, empresas e pessoas. Com isso, o comércio

internacional alavancou, a competição entre empresas nacionais e

internacionais passou a ser acirrada, e o mercado nacional passou a

representar pouco. Isso obrigou as empresas a optar pela sua

internacionalização. Era uma questão de sobrevivência. Com isso,

presenciamos uma série de acontecimentos, como constituição de sociedades

199 Joseph E. Stiglitz, A Globalização e seus malefícios . A promessa não-cumprida de benefíciosglobais. 3. ed. Trad. Brazán Tecnoligia e Lingüística. São Paulo: Editora Futura, 2002. p. 39.

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no exterior, ingresso de investimento estrangeiro no País, operações

societárias, tais como: cisões, fusões, incorporações, todas objetivando se

fortalecer através da expansão de mercado.

Além da procura por novos mercados, as empresas passaram a se

preocupar com o custo de seus investimentos, e a ponderar a abertura do

capital social, visando a obtenção de recursos a um custo infinitamente menor.

Era de fato uma forma de ganhar força na competição acirrada que

presenciavam. E foi assim que o mercado de capitais se desenvolveu.

Com o tempo, o investidor foi se tornando mais consciente e exigindo

garantias, como segurança e transparência na condução dos negócios. A

pressão dos investidores institucionais dos países desenvolvidos para que os

mercados externos se modernizassem através da adoção de determinadas

práticas protetivas era cada vez mais intensa, afinal, ao escolher um mercado

para emitir seus títulos, os investidores também escolhem as regras a que se

submeterão.

Diante disso, surgiu na economia anglo-saxônica um movimento

conhecido como governança corporativa. Este movimento visava não somente

o estreitamento das relações entre as sociedades e o mercado, mas também

entre os fornecedores, consumidores, através da instituição de práticas

protetivas dos direitos dos investidores, além de alinhar os interesses dos

administradores e proprietários evitando conflitos.

Pode-se definir governança corporativa como o conjunto de práticas que

têm por finalidade otimizar o desempenho de uma companhia ao proteger as

partes interessadas, como investidores, empregados e credores, facilitando o

acesso ao capital. Os três pilares da boa governança corporativa são: (a)

transparência; (b) prestação de contas; e (c) eqüidade no tratamento dos

acionistas.

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especialmente em razão da maior competitividade entre as empresas

resultante deste processo de internacionalização. Aqueles países que

apresentavam em seus ordenamentos jurídicos claramente os deveres,

obrigações e responsabilidades dos administradores atraíram investimentos

estrangeiros e, por conseqüência, as empresas que tinham uma

administração profissional e políticas internas de relativas às

responsabilidades, deveres e obrigações da administração. A atenção dos

investidores passou a ter por objeto a avaliação do desempenho da

companhia, do conselho de administração e do diretor presidente, através da

adoção de uma postura mais intrusiva, fiscalizando de forma mais próxima a

gestão das empresas e visando com isso maximizar o retorno de seus

investimentos.

Diante do exposto, pode-se afirmar que os administradores ao longo do

tempo adquiriram poder e, em contrapartida, lhes foram conferidos mais

deveres e responsabilidades, especialmente após a criação da nova ordem

econômica mundial e, recentemente, com os escândalos financeiros

envolvendo sociedades americanas.

Os administradores somente se tornam responsáveis quando violam

deveres ou obrigações preexistentes. O legislador brasileiro previu de forma

detalhada as suas obrigações e deveres, quais sejam, de diligência, de

cumprimento das finalidades da sociedade, o de lealdade e o de informar,

além de outros deveres implícitos, como observar os estatutos; cumprir as

deliberações dos órgãos societários hierarquicamente superiores; controlar a

atuação dos demais administradores; não competir com a sociedade.

Durante muito tempo verificava-se na relação entre o administrador e a

sociedade um vínculo de natureza contratual (figura do mandato), resultando

a noção de que as infrações aos deveres de gestão pelos administradores

suscitariam a sua responsabilização com base nas regras de direito comum,

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relativas ao inadimplemento das convenções. Com o advento da teoria

organicista, a responsabilidade dos administradores das sociedades foi

transportada para a esfera dos ilícitos civis.

Pode-se identificar quatro sistemas de responsabilidade civil: (a)

responsabilidade subjetiva do tipo clássico; (b) responsabilidade subjetiva com

inversão do ônus de prova; (c) responsabilidade objetiva; (d) responsabilidade

objetiva pura.

No sistema de responsabilidade subjetiva do tipo clássico, a vitima que

busca a reparação do dano deve provar a ocorrência de três fatos: a conduta

culposa do demandado, por ação ou omissão; a existência e extensão do

prejuízo; o nexo de causalidade entre a conduta do demandado e o dano.

O sistema de responsabilidade subjetiva com inversão do ônus de prova

elege para a indenização os mesmos pressupostos do sistema clássico, a

diferença é que no de inversão do ônus probatório atribui-se ao demandado o

dever de provar que não agiu culposamente. No sistema de responsabilidade

objetiva o demandante deve provar a existência e extensão do dano e o nexo

de causalidade entre o dano e a ação ou omissão do demandado. Não é

necessário provar a culpa do agente, pois este responderá pelos prejuízos

causados à vítima ainda que não tenha agido com culpa. Por fim, no sistema

de responsabilidade objetiva pura, a vítima precisa apenas provar a relação

de causa e efeito entre o dano e uma determinada ação ou omissão daquele

que terá de indenizar a vítima. A doutrina costuma apontar o risco inerente ao

exercício de determinada atividade como o fundamento da responsabilidade

objetiva. Para Fabio Ulhoa Coelho não são os riscos da atividade o

fundamento da responsabilidade civil, e sim a possibilidade de serem

absorvidas as repercussões econômicas ligadas ao evento danoso, através

da distribuição do custo entre as pessoas expostas ao mesmo dano, ou, de

algum modo, beneficiárias do evento.

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No direito brasileiro, a responsabilidade civil foi tratada sob a orientação

da teoria subjetiva. Todavia, em diversos casos específicos, a legislação foi

absorvendo a teoria objetiva do risco.

A Lei das Sociedades Anônimas menciona duas hipóteses de

responsabilidade civil dos administradores de companhias. Uma relacionada

aos prejuízos causados por sua culpa ou dolo, ainda que sem exorbitância de

poderes e atribuições, e a outra pertinente à violação da lei ou do estatuto. Em

relação à primeira, é unânime a doutrina ao afirmar que a previsão legal

imputa aos administradores responsabilidade subjetiva do tipo clássico.

Quanto à segunda, predomina o entendimento de que cuida a hipótese legal

de responsabilidade subjetiva com presunção de culpa, havendo quem a

considere objetiva200.

A Lei das Sociedades Anônimas prescreve hipóteses de

responsabilidade solidária entre os administradores quando forem os

administradores coniventes com o ato ilícito de outro administrador, quando

negligenciarem em descobri-los e quando deixarem de agir para impedir a sua

prática. No entanto, as regras de vinculação solidária dos administradores não

estabelecem nenhuma responsabilidade objetiva.

A responsabilidade dos administradores é limitada às suas funções, não

podendo ser responsabilizados por atos praticados por outros

administradores, salvo conluio ou negligência, situações em que se verificará

solidariedade, conforme acima mencionado.

Alguns fatores eximem o administrador de responsabilidade além do

caso fortuito e força maior, a saber. Prova de boa-fé e que agiu visando aos

200 Fabio Ulhoa Coelho, Curso de Direito Comercial – Direito da Empresa, cit., 10. ed., p. 251-252.

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acionistas. Seus líderes são os administradores profissionais, que adquiriram

ao longo do tempo poder, deveres e inúmeras responsabilidades. Tudo isso foi

resultado da globalização, este processo de integração que exigiu do

legislativo dos países e das próprias empresas uma atuação mais intensa

mediante a criação de normas e regras protetivas para os acionistas, a

sociedade e terceiros. Tais normas resultaram na imposição de maiores

responsabilidades àqueles que controlam e comandam as sociedades: os

administradores.

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