Seyferth - A assimilação dos imigrantes como questão nacional

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 C inqüenta a nos de Repúbli ca ir res ponsável e alguns anos de descuido do Império permitira m q ue os núcleos de colonizaçã o estr a ng eira se transfor- massem em verdadeiros quistos ra ci ais; amea çadores de nossa soberania, centros de divulg a ção e irra diaçã o de idea is alieníge na s, soluções de conti- nuidade do espírito nacional” (Bethlem 1939:IX). Entre 1937 e 1945 uma parcela significativa da população brasileira so freu interferênci a s na vida cot idiana produzidas por uma campanha de na cionalizaçã o” que visava ao caldeamento de todos os a liení gena s em nome da uni dade na ci onal. A ca tegor ia aliení gena ” — preponde- rante no ja rgã o oficial — engloba va imig rantes e d escendentes de imi- g rantes cl assific a dos como “não-ass i mil a dos” , portadores de cultur a s incompa veis com os princípios da brasilidade. A ca mpa nha foi concebi- da como g uerra” para erra dicaçã o de idéias al i enígena s, com o objeti vo de impor o “espírito nacional” a os patrícios que formavam “ q uistos étni- cos ” erroneamente tolerados pelo li bera lismo d a Repúbl ica Velha. Seus idea lizadores crit ica va m, sobretudo, a políti ca de colonização com imi- g rantes mantida d ur a nte a Primeira República, argumentando que a elite o corrig iu os “ erros” cometi dos no Império, permitindo q ue estrang ei- ros for massem núcleos isol a dos, quase imunes ao processo assimilador ca racterístico da formaçã o social brasileira 1 . O Exército teve papel preponderante na concepção e efet ivação prá- ti ca da campanha, pr ess upondo q ue os núcleos de “ coloni za ção estr a n- geir a” co nst ituíam q uistos” no cor po da naçã o 2 . Na visão m ilitar, uma a nomalia desse tipo só podia ser eliminad a a través da a ção cívica d e todos os pa tr iotas que pretendiam viver num Brasil uno, i nde pendente e forte. A presença de g rupos étnicos formados no curso do processo i migra - tór io , concentr a dos de forma expressiva nos qua tro estados mais ao sul A ASSIMILAÇÃO DOS IMIGRANTES COMO QUESTÃO NACIONAL G i ralda Seyfer th MANA 3(1):95-131, 1997

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“Cinqü enta a nos de Repúb lica irresponsável e algu ns anos de d escuido do

Imp ério permit iram q ue os núcleos de colonização estrang eira se t ran sfor-

massem em ve rdad ei ros quis tos raciais ; ame açad ores de n ossa sobera nia ,

centros de d ivulgaçã o e irradiação d e idea is alien ígena s, soluções de conti-

nu idad e d o esp írito naciona l” (Beth lem 1939:IX).

Entre 1937 e 1945 uma parcela signif icativa da população brasileira

sofreu interferên cias na vida cotidiana produzidas por uma “ camp an hade nacional ização” qu e visava a o ca ldea men to de todos os a lienígen as

em nome da un idade nac iona l. A ca tegor ia “ a l ien ígena” — preponde -

rante no jargão oficial — en globava imigran tes e de scend en tes de imi-

grantes classif icados como “não-assimilados”, portadores de culturas

incompa tíveis com os princípios da b rasilidad e. A camp an ha foi conceb i-

da como “ gue rra” pa ra erradicação de idéias alien ígen as, com o objetivo

de imp or o “esp írito nacional” aos p atrícios qu e forma vam “q uistos étni-

cos” erroneam en te tolerados pe lo l ibe ralismo d a Rep úb lica Velha. Seu sidea lizad ores criticava m, sobre tud o, a p olítica de colonização com imi-

grantes ma ntida d urante a Primeira Repú blica, argumen tando qu e a e lite

nã o corrigiu os “e rros” cometidos no Impé rio, permitind o qu e e stran ge i-

ros formassem nú cleos isolados, qua se imu ne s ao processo assimilador

característico da forma ção social bra sileira 1.

O Exército teve p ape l preponderan te na concepção e efetivação prá-

tica da cam pa nh a, pressupond o que os núcleos de “ colonização estran-

geira” const itu íam “qu is tos” n o corpo d a nação 2. Na visão militar, uma

an omalia d esse t ipo só podia ser e l iminad a a través da ação c ívica de

todos os patriotas que p retend iam viver num Brasil un o, indep en de nte e

forte.

A presen ça de grup os étnicos formad os no curso do p rocesso imigra-

tório, concen trados de forma e xpressiva n os qua tro estados ma is ao sul

A ASSIM ILAÇÃO DOS IM IGRANTES

CO MO Q UESTÃO NACIONAL

Giralda Seyferth

MAN A 3(1):95-131, 1997

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do pa ís, suscitou diversas ma nifesta ções de xe nofobia no âm bito dos dis-

cursos nacionalistas m ais radicais, me smo an tes de 1889. A frase e m e pí-

grafe ind ica o recrude scime nto de u ma posição na cionalista un ívoca, qu enã o faz concessões a o pluralismo é tnico, assum ida n o contexto histórico

do Estado N ovo: faz pa rte do p refácio de um livro do ten en te Hu go Beth-

lem, pub licado e m 1939. Trata-se d e u ma na rrativa de viag em cívica pe lo

Vale do I ta ja í , prepa ra tória de um a interven ção dire ta do Exérc ito nas

institu ições e na vida cotidiana em um a reg ião ma rcada p ela presen ça

preponde ran te de descenden tes de imigran tes a lemães c iosos da sua

ident idad e teuto-bras ile ira , conside rada incomp atíve l com o   jus soli.

Além disso, as den ún cias sobre a a tua ção nazista a juda ram a construiruma image m n ega t iva d essa p opulação , “cé rebros envenenados” pe la

dou trina ção p raticada pe los ag en tes d o III Reich (Beth lem 1939:139).

Isso não significa q ue só a p opulação d e origem alemã foi conside -

rada a l ienígena : quase todos os descende ntes de imigrantes , em a lgum

grau , estavam d esna cionalizados na opinião de Bethlem e outros partici-

pa ntes d a cam pa nh a. No enta nto , os ind íc ios de ma ior res is tência ao

“a brasi le i ramen to” foram en contrad os na qu elas regiões conside rada s

“red utos do germa nismo”, constituindo um a situa ção de risco pa ra a inte-grida de cultural, racial e territorial da n açã o.

Trata-se, pois, de um discurso nacionalista ap are ntem en te novo, qu e

re toma a ve lha re tór ica sobre o “p er igo a lemã o” construída a pa r t ir de

de nú ncias sobre as atividad es pa ng erman istas no sul, antes da Prime ira

Gue rra M und ial. A imag em da unidade nacional ameaçada por imigran-

tes concentrados e m regiões problem áticas, principa lme nte no Rio Gran -

de do Sul e Santa C atar ina , sob influência de d outr ina s es tran ge iras ,

construída n o texto de Bethlem, já es tá pre sente em a lgun s discursosna cional is tas do Impé r io . E para ficar com u m exem plo emb lemático,

pode ser citada a posição de Silvio Romero qu e, na p en última dé cada do

século XIX, já d em onstrava sua pre ocupação com os m esmos “q uis tos

étn icos”, culpa nd o a política imigratória d o Imp ério pela situação “ cala-

mitosa” d as “ colônias alemã s”. Para Romero, o risco do sep aratismo só

podia ser de be lad o através da imposição de um a p olítica imigratória q ue

distribu ísse os bran cos eu ropeu s por todo o país, de forma a p romover o

eq uilíbrio popu lacional, e com interven ção direta na organ ização comu-

nitária dos imigran tes localizad os no su l, forçand o a assimilação e o cal-

deamento3.

A camp an ha d e na cionalização foi imp lem enta da d uran te o Estado

Novo (1937-1945), atingind o todos os possíveis alieníge na s — tan to na s

área s coloniais (conside rada s as ma is en qu istada s e a fastad as d a socie-

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da de brasileira) como nas cida de s onde as organ izações étnicas estavam

ma is visíveis. O p rime iro ato de na ciona lização a ting iu o sistema de en si-

no em líng ua e stran ge ira: a nova legislação obrigou a s cha ma da s “esco-las estrang eiras” a mod ificar seu s curr ículos e dispen sar os professores

“de snacionalizados”; as que não consegu iram (ou não q uiseram) cumprir

a lei foram fecha da s. A partir de 1939, a interven ção direta recrud esceu

e a exigên cia d e “ abrasileirame nto” através da assimilação e caldeam en-

to tornou-se imposi t iva — cr iando entraves para toda a organização

comunitár ia é tnica d e diversos gru pos imigrados. Assim, p rogress iva-

me nte, desap areceram a s pub licações em língua estrange ira, pr incipa l-

me nte a imp rensa é tnica, e algum as sociedad es recreativas, esportivas eculturais qu e n ão aceitaram a s mud an ças; foi proibido o uso de l íng ua s

estrang eiras em pú blico, inclusive na s atividad es religiosas; e a ação d ire-

ta d o Exército imp ôs normas de civismo, o uso da língua portugue sa e o

recrutame nto dos jovens p ara o se rviço mil ita r nu m contexto ge nu ina -

me nte bras i le i ro. A par t icipa ção do Brasil na gu erra , a pa r t ir de 1942,

acirrou as a nimosidad es pois a ação n acionalizad ora se inten sificou junto

aos imigran tes (e d escen de nte s) alem ãe s, italian os e jap one ses — trans-

formados, també m, em potenciais “inimigos da pá tria” .Os excessos cometidos na re pressão aos “ idea is a l ien ígena s” são

reconhe cidos por alguns pa rticipan tes da campa nha ; mas, ao me smo tem-

po, são deb itad os à repe rcussão dos acontecime ntos intern aciona is4. Pri-

sões arb itrárias, policiame nto osten sivo, hu milhações pú blicas como cas-

tigo pe lo uso de l íng ua estrange ira, cerceame nto de ativida de s produti-

vas, associações esp ortivas requ isitada s para u so militar etc. ma rcaram o

cot idiano tenso de a lgumas regiões onde a maior ia da população se

enq uad rava na categoria d os alienígenas.Este artigo focaliza o discurso naciona lista p roduzido p or militares

qu e p articipa ram d a cam pa nh a de na cionalização do Vale do Itajaí e de fi-

niram os n úcleos coloniais fun da dos por a lemãe s, polonese s e i talian os

nos três estados do sul como mode los de en qu istame nto étnico, contami-

na dos pe los ide a is do  jus sang uinis , ame açando a un idad e da p á t r ia .

Ob je t iva mostrar qu e prevaleceu u ma concepção de Estado-nação qu e

ne ga leg itimida de à s etnicida de s, conforme pa râme tros característ icos

da ideologia na cional is ta bras i le i ra ge stada de sde o século XIX, e q ue

privilegiou a assimilação e o calde am en to racial como ba se d a forma ção

na cional . Destaca a heg em onia de um a visão mili ta r — e o própr io uso

do term o “cam pan ha ” é, ne sse sentido, sign ificativo — na qu al os alien í-

ge na s (inclusive os nascidos no Brasil) são pe rsonag en s que precisam se r

“conq uistados” a través da imposição d o civismo, nu m cená rio conflituo-

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so def inido como “estad o de gu erra” , onde ressurge o ve lho confronto

entre  jus soli e  jus sang uinis .

A “Campanha” e o Vale do Itajaí 

Os trab alhos de Hu go Bethlem (1939), Rui Alen car Nog ue ira (1947) e

Theob aldo C osta J am un dá (1968) — jovens oficiais do Exército em 1939

— represen tam be m o n aciona lismo dos militares resp onsáveis pela exe-

cução da camp anh a d e n acionalização no Rio Grande do Sul, Santa C ata-

rina e Para ná . Nogue ira e Bethlem falam d os imp erativos do ab rasileira-men to e expõem seu estranham ento diante de u ma realidad e diversa do

Brasil tradicional, num a cond en ação rad ical ao qu e consideram ser um

comportam en to antipa triótico, sobretu do por pa rte dos bra sileiros de ori-

ge m alemã . O texto de J am un dá ten ta resgatar , de forma lauda tória , a

ação do interven tor em Santa C atarina du rante o Estado Novo — Nereu

Ramos — que cumpriu à r isca a s determinações da camp anh a, baixando

decre tos que normatizaram a intervenção nas escolas , associações e

outras instituições de marcadoras de pertencimento étn ico e cerceand o asaspirações p olíticas de algum as lide ranças e xpressivas da s regiões “de s-

nacionalizadas”. Nele o au tor expõe sua opinião sobre a campa nha , que

ajudou a implan tar acan tonad o nu m d os mun icípios do Vale do Itajaí. Nos

três au tores, o Vale d o Itajaí (contígu o à á rea de influên cia d e ou tro mun i-

cípio surgido no conte xto da imigração a lemã — Joinville, no noroeste d o

estado) ap arece como parad igm a d a influê ncia e s tran geira no pa ís por

sua vinculação à colonização a lemã.

A escolha de três au tores referidos ao Vale d o Itajaí não é a rbitrária:em 1937 essa reg ião p ossuía o m aior nú mero de eleitores d o estado, seu

pa rque ind ustrial se de senvolvia rapidam en te e sua p opulação era majo-

ritariam en te comp osta de de scende ntes de imigrantes alemã es, italian os

e polone ses, portadores de identidad es étnicas fun da me ntad as em práti-

cas culturais espe cíficas e no pe rtencimen to primordial às na ciona lidad es

de orige m, com base n o direito de san gu e. O fluxo imigratório pra tica-

men te havia te rminado em mead os da década de 30, mas a região rece-

beu imigrantes, de forma continu ada , desde a fund ação da principal colô-

nia em 1850 — um a iniciativa pa rticular do alemã o Herma nn Blumen au 5.

A maior par te d os imigrantes qu e p ar t ic iparam do povoamen to da

região veio de diferentes estados alemãe s; em mea dos da d écada de 1870,

cheg aram os prime iros italian os, assentad os em área s ainda n ão ocupa-

das pe los a lemães, formando, em a lguns casos , núcleos e tnicamente

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hom ogê ne os. Além dos alem ãe s e italian os, o processo de colonização —

oficial ou p rivad o — instaura do p elo Estad o trouxe imigrante s poloneses,

sue cos, hún ga ros, austríacos, russos, fran ceses e irland eses6; mas e xistempoucos indíc ios de assenta me ntos de colonos bras i le i ros. A pre sença

insign ificante de na cionais, assim, preocupou um a p arte d a e lite na cio-

na lista de sde o século XIX, emb ora a política d e colonização fosse assu n-

to exclusivo do pod er pú blico — me smo no caso da s comp an hias pa rticu-

lares de colonização. Coube , pois, ao Estado b rasileiro ditar as n ormas d e

colonização (através de uma legislação específ ica) e às províncias de

impleme ntá -las. Os bra sileiros das classes dominad as — potenciais can-

didatos a colonos — ficaram à ma rgem do sistema , dup lame nte desqu ali-ficad os como trab alhad ores desprep arad os para as ativida de s produtivas

“m oderna s” e como elem entos de raça supostame nte inferior7.

O discurso racial que , em gran de pa rte, dom inou a discussão da p olí-

tica imigratória n ão vai ser invocado e m te rmos críticos qua nd o os nacio-

na lizad ores de 1937 e 1939 falam d os “erros” da velha Repú blica libe ral.

Para a lgun s de les, como Nog ue ira (1947), o racismo é pre rrogativa dos

alienígen as q ue não quiseram ser caldea dos de ntro dos princípios da for-

ma ção brasileira. Nesse caso, o erro ma ior estaria n a a usê ncia de imposi-ção de um processo assimilad or desd e o início da Rep úb lica — período

em qu e o fluxo imigra tório se inten sificou. Enfim, na dé cad a d e 30, o Vale

do I tajaí aparece como u m luga r de costume s estranhos, che io de brasi-

leiros (segu nd o o p rincípio do jus soli) de snacionalizados, conta mina dos

por ideais de n ação que solapa vam a brasilidad e, um luga r de “ desagre-

gação d o espírito nacional” . Sendo um a reg ião com pred ominân cia d e

descend entes d e colonos a lemã es, as a t iv idad es na zis tas , bem como o

aum ento do fluxo imigratório proveniente da Alema nh a n a d écada de 20,são fatos que serviram de argume nto para a conde nação veeme nte d o plu-

ralismo cultural no âmb ito de um e nu nciado assimilacionista ma is rad ical.

Con forme d ad os num éricos constan tes no estud o de C arne iro (1950),

a imigração a lemã p ara o Brasil cresceu sign ificativame nte n os prime iros

an os da d écad a de 20, pa ra de pois de crescer até torna r-se insignifican te

na décad a d e 30; sua d rástica redução nã o se deve, propriame nte, à ins-

t itu ição d o regime de cotas , a p ar t i r de 19348. Esse cont ing en te nã o se

dirigiu com e xclusivida de pa ra o sul, e mu ito me nos pa ra o Vale d o Itajaí;

mas os q ue ali se estabe leceram receberam da população teuto-brasileira

uma den ominação identitár ia d iversa —  Neudeutscher (alemães novos),

eviden ciand o estilos de vida e concepções de mun do d iferen tes no inte-

rior da comu nida de étnica (mas sem criar clivage ns irred utíveis). De qu al-

que r modo, no enu nciado a ssimilac ionis ta da campan ha, a man utenção

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do fluxo imigratório apa rece como cau sa da de sna ciona lização pe lo qu e

representa em termos da m anu tenção da líng ua e d a cultura alemãs, jun-

tamen te com a a tividad e de p ropag and a dos agen tes nazistas.A retórica ap arentem ente mais antigermâ nica, acirrada pelas den ún -

cias sobre a s ativida de s do pa rtido n azista , não significa q ue os dem ais

grup os de origem eu ropéia fossem m en os visad os: estavam todos incluí-

dos na categoria gen érica d e “ cida dãos n ão-assimilados”, portanto, não

legitima dos como bra sileiros.

A ação n aciona lizad ora nos es tad os do Rio Grande do Sul , Santa

Ca tarina e Paran á foi plane jada p elo ge ne ral José Me ira de Vasconcel-

los, no coman do da 5a

Reg ião Militar e da 5a

Divisão de Infan taria, comsede e m C uritiba , e condu zida p or seu sub stituto no coman do a pa rtir de

1939 — o gen era l Ma nu el Reb ello. A motivação do g en era l Vasconce llos

é interpretada como a reação de “u m ge neral brasileiro, nem mais, ne m

men os” diante de tantos “brasileiros divorciados d a u nidade cultural da

na ção” (Jam un dá 1968:13). Esta frase d e e feito tem u m sign ificad o preci-

so: o Exército assum iu o pap el de na cionalizad or em 1939, qu an do já esta-

va em curso a intervenção na s escolas com en sino em líng ua estrange ira,

relativame nte n um erosas nos três estados do sul9

, para ga rantir a coesãode todos os brasileiros na totalida de re prese nta da p elo Estado-na ção.

A tarefa d a n acional ização assumida como “cam pa nh a” mili ta r —

um a gu erra contra idé ias a l ien ígena s — tem a ve r com a exp an são e o

fortalecimen to político do Exército du rante o Estado N ovo. Con forme an á-

lise de Edm un do C am pos Coe lho, em 1937 a l ide ran ça do Exército tor-

nou-se a valista do Estado Novo — qu e considera u m “ regime militar em

sua essên cia” (Coe lho 1976:97). A maioria d os estud iosos desse pe ríodo

histórico não de fine o Estado Novo como um a d itad ura m ilitar, mas de s-taca o p ap el do Exército nos processos de cisórios10. Na ação intervencio-

nis ta que a t ingiu a população descendente de imigrantes , o Exérc i to

assum iu a tarefa de construtor da na cionalida de — sup ond o que a e lite

republ icana antes de 1937 havia s ido descuidada quanto aos va lores

morais constitutivos da na ção. Nacionalizar, portanto, é ta refa de ed uca-

ção moral e cívica — um p ressup osto dos doutrinad ores que estab elece-

ram a s prem issas ideológicas da a ção do Estado. Esse processo edu cati-

vo, contud o, nã o foi pen sado ap ena s para en qu ad rar os a lien íge nas ao

postulado de u ma n ação pen sada como tota lidad e; també m o t raba lha-

dor brasileiro de via p assar por um p rocesso ed ucacional de inculcação

de valores patrióticos11. De qu alque r modo, a valorização dos trabalha do-

res b rasileiros coincidiu com a conde na ção d a política imigratória libe ral,

qu e p ermitiu a f ixação inten siva d e estrange iros no sul, descuidan do d o

A ASSIMILAÇÃO DOS IMIGRANTES COMO QUESTÃO NACIONAL100

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eq uilíbrio reg ional. Essa conde na ção lemb ra o a ler ta de Silvio Rome ro,

em 1905, sobre os dese qu ilíbrios regionais, mas a solução p roposta por

e le nã o servia a os in teresses do Estado em 1939. Longe de propor umapolít ica d e imigraçã o qu e conte mp lasse todo o terr i tório brasileiro, os

na cionalistas do Estad o Novo consideraram o Nordeste um a e spécie de

reservatório de brasilidade , justam en te p orque ficou fora d o processo imi-

gratório 12 . Assim, o Brasil ma is tradiciona l possuía o eleme nto h um an o

ma is ap ropriado p ara na ciona lizar o sul. Torna -se, en tão, sign ificativo

qu e dois dos autores men cionad os — Ja mu nd á e Nog ue ira — sejam nor-

destinos; e q ue muitos soldad os que seguiram pa ra Blum ena u com o 32o

Batalhã o de Ca çadores, em 1939, tenh am sido recrutad os no nordeste.Nessa p erspectiva, o eleme nto hum ano rep resentativo da formação

na cional ma is leg ítima tinh a a missão d e incorporar os imigran tes e se us

descend entes a o amálgam a imaginad o no mito das três raças formadoras

da na ção (o povo brasileiro como resultado da miscigena ção de bran cos,

ne gros e indígena s). O p ressuposto de unidad e contido n o mito é invoca-

do a través de um a frase de Ge túlio Varga s, citad a p or Bethlem (1939:160-

161) de forma m ais textua l : “Um p aís , acen tuava h á d ias o Pres ide nte

Ge túlio Varga s, nã o é ape na s um conglomerado de ind ivíduos dentro deum trecho de território, mas, principa lme nte, a u nidad e d e raça, a u nida-

de d e língu a, a unidade do pe nsame nto nacional.”

Isso significa qu e o  jus soli, por si me smo, nã o era critério ab soluto

ou suficien te de cidad an ia, uma vez que pa ra ser cidadã o era preciso ser

também um na cional: os alienígen as pod iam na scer brasileiros, ma s não

pe rtenciam à n ação bra sileira . A invocação do  jus soli , presente n o dis-

curso feito por Varga s em Blum en au em 10 de m arço de 1940, serviu p ara

en qu ad rar filhos e ne tos de imigra nte s como bra sileiros, porém de sprovi-dos de b rasil ida de ; um a brasilidade q ue só podia ser ating ida p ela edu-

cação. E a tarefa d e e ducar tamb ém era u ma tarefa d o Exército nacional

— ali responsá vel pela n aciona lização. A ele cab ia inculcar no elem en to

de p rocedê ncia estran ha o “sen tido nacional”13 .

Os textos de Bethlem, Nogueira e Jamundá ref le tem diferentes

modos de confrontar a realidad e vivenciada duran te a camp anh a, a pa r-

tir dessa image m d o Estado-nação.

O livro de Bethlem d escreve como “jornad a cívica” u ma viage m d e

Cu ritiba ao Vale d o Itajaí (pa ssand o por J oinville), da qu al pa rticipa ram

várias autoridad es militares e civis, en tre elas o ge ne ral Meira de Vas-

concellos e o interven tor em Santa Ca tarina , Nereu Ram os. Essa viag em

preced eu a intervenção m ili tar no curso da cam pa nh a, até 1939 restr ita

às “e scolas estran ge iras”. Bethlem , num a retórica de conteúd o radical-

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me nte p atr iótico, de fen de a ação mili tar na s reg iões de snacionalizada s

em nome d a necessidad e do “caldea men to”.

Nogu eira escreve sobre sua e xperiência como tene nte integrante d o32o Batalhão de Caçad ores, na fase d e sua organ ização na cidad e d e Blu-

me na u. Mais do que um livro que te nta jus t ificar a camp an ha , o texto

expõe o e stranh ame nto de um brasileiro qu e se identifica como autên tico

em confronto com um a socied ade e um a cultura diferen tes da “ realida de

na cional”, desq ua lificada como estran ha , alien íge na .

O l ivro de J am un dá n ão é um a biografia de Nere u Ramos, como o

título parece su ge rir; faz a d efesa do interven tor do Estado N ovo em San -

ta Ca tarina como um “ na cionalizador responsáve l” caluniado por detra-tores interessad os no eleitorado a lien ígena . É um te xto mais distanciado

dos acontecimen tos, pu blicado como edição do autor em 1968, qu e ap on-

ta pa ra os problema s de natu reza política ge rados pela ação d os naciona-

lizad ores m ais radicais.

Os “quistos raciais” e o “espírito nacional”

Sob o imp acto de u ma viagem de n atureza cívica a um a região “de sliga -

da d a ha rmonia na cional”, segu ndo seus termos, Bethlem usa e a bu sa de

um a term inologia própria da p atologia m éd ica e , de forma ma is direta ,

concebe a campanh a como uma “g uerra” — “cruzada e mpolgan te para

todos os patriotas” — na qua l o germanismo não era a ú nica frente a ven -

cer. Nessa referência associada a os ide ais de p er ten cime nto é tn ico da

popu lação de orige m alemã, o inimigo m ais óbvio era um a ideologia — o

ge rman ismo — na qu ele mome nto atua lizad a pe la influê ncia do nazismoe de seus agentes . A campanh a é quase sempre referenciada como uma

grand e cruzada antinazista mas, na realidad e, pretend ia a tingir a organi-

zação comun itár ia étn ica d e todos os imigrad os, associan do sua pe rsis-

tên cia a princípios nacionalistas artificialme nte incorporad os por age nte s

estranhos. O “e stado de g uerra” a q ue se refere Bethlem, em d iferentes

par tes do seu texto , e ra també m contra o q ue chamou de “soler te e pro-

funda infil tração polaca e a fraca mas decisiva organização italiana”

(Beth lem 1939:13).

Num continuum de de snacionalização, os alemã es eram os mais alie-

níge na s, os italian os estavam ma is próximos dos brasileiros, e os polone-

ses ocupa vam u m e spaço in te rmed iá r io — mas n enh um de les podia

osten tar a iden tidad e ineq uívoca de brasileiro em sua concepção cultural

e racial.

A ASSIMILAÇÃO DOS IMIGRANTES COMO QUESTÃO NACIONAL102

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Ao concebe r a campan ha como guerra, Bethlem nã o estava usan do

ape nas u ma figu ra de retórica: na primeira pa rte do livro indica qu e h ou-

ve u ma aval iação d a s i tuação da s regiões colonia is do sul, do ponto devista da d esn acionalização, mostrand o-se otimista por não ser ne cessária

uma intervenção armada . No seu modo d e ver a “s ituação ca lamitosa” ,

 julga va possível transforma r poten ciais inimigos (“infestad os, infelizme n-

te, pe lo vírus da de sna ciona lização”) em irmãos, através da imposição da

brasi lida de . “Gu erra” de ide ais incompa tíve is — na cional ismo contra

e tn ic ida de — como expressão da “ t reme nda preocupação do grand e

futu ro do Brasil, minad o por qu istos exóticos há 50 an os de Rep úb lica se

forma nd o, com inconce bíveis prete nsõe s a minorias ra ciais [...]” (Beth -lem 1939:14).

Assim, os grup os étnicos e sua s culturas são d efinidos como q uistos

(ora raciais, ora exóticos, ora alieníge na s) e a s etnicida de s, expressad as

por termos como ge rman ismo, polonida de , italian idad e e tc., são vírus qu e

at ingiram o corpo da nação, ameaçando sua integr idade . Vírus que

impõe m vinculações com “ pá tr ias a r tificiais” (os pa íses d e origem dos

imigrantes) que afetaram a men te da nação e a sua p rópria razão de ser .

Só podiam ser ven cidos , e r radicad os, se fossem atacad os os gran de sba luartes an tinacionais dos alien ígen as: a escola, o lar e a Igreja.

Examinan do os discursos é tnicos def inidores da s e tnic ida de s dos

grup os de or ige m e uropé ia (c itados freqüe ntem ente por Be th lem) na

dé cada de 30 , pe rcebe -se que es tão ba sead os em c r ité r ios s imb ólicos

pr imordia lis tas , que ap ontam para per tencimentos n acionais def inidos

pe lo   jus sanguinis. Nesses discursos, escola, lar , Igreja e associações

recrea t ivas/cul tura is ap arecem como inst itu ições fun da me nta is para a

man utenção da s iden t idad es é tn icas , já q ue sua a ção pe rm ite a con t i-nu ida de d o apren dizado d a l íng ua e dos costumes “d e or ige m” . Is to é ,

na construção da s ide nt idad es é tnicas” , a língua , a cul tura e a or ige m

(qu e sup õe laços de sang ue com u ma n ação espe cífica) apa recem como

símb olos de pe rten cime nto qu e M ax Weber assinalou como b ásicos dos

sen timen tos étnicos e n aciona is (cf. Web er 1992:cap . IV). No en tan to, o

qu e Bethlem e os outros na cional izadores en contraram nã o se redu z a

comunidad es ima ginada s ou t radições inven tada s14 característ icas d as

formulações da s etnicida de s e d os nacionalismos: as d iversas ideologias

étnicas tinh am um a contrap artida na realida de , pois o processo histórico

de imigração e colonização p roduziu sociedad es d iferen tes da brasileira,

com instituições etnicamen te d efinidas, e ond e os idiomas de orige m se

torna ram idiomas do cot idiano. Mais do qu e a s idé ias a l ien íge na s e as

iden t ida de s é tnicas de finida s e ve iculada s em jornais , escolas e tc ., os

A ASSIMILAÇÃO DOS IMIGRANTES COMO QUESTÃO NACIONAL 103

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A ASSIMILAÇÃO DOS IMIGRANTES COMO QUESTÃO NACIONAL104

cená r ios cul tura l e socia l da s colônias , sua vida cotidian a , comp rome-

t iam e a fron tavam a concepção de un idad e n ac iona l . Ali “pe rd ia - se a

sensação de Brasil” — sentimento pre sente n os três au tores em qu estão.Se , por um lado, Bethlem p arece cond en ar com maior veem ên cia

aqu eles que cham a d e “ agen tes mercená rios” p ela falta d e b rasilidad e e

sentimen tos cívicos nos “q uistos raciais”, por outro, os eleme ntos da ação

na ciona lizadora p ropostos por ele atinge m, precisame nte , as instituições:

obr iga tor ied ad e d o en sino em por tuguê s; fecham en to das associações ,

escolas e jorna is; introdu ção do e scotismo p ara impor o civismo e che ga r,

através d os jovens, até ao lar; imp osição a pa dre s, pastores e fiéis do u so

da líng ua p ortugu esa n os serviços religiosos; recrutam en to para se rviçomilitar longe d as colônias; orga nizaçã o de festas cívicas com pa rticipa -

ção obrigatória.

“Agen tes mercenários” é um a categoria qu e en globa toda s as possí-

veis lidera nça s étnicas — na zistas, pa dre s, jorna listas, professores, en tre

outros, na scidos ou nã o no pa ís — como se constata na opinião que em ite

sobre os pa dres p olonese s, conside rados responsá veis pelo “espír ito de

polonidad e” p resente n as colônias do Paraná .

“A estes [pad res] ajuda , de u ma forma impressionan te, pela inflexibilida de

cega , a mulher de origem polaca, que , conservada feud almente n os princí-

pios drást icos da organ ização polaca, se man tém ignoran te e cren te e , só

falando p olaco, é qu em conduz, a t ravés da ed ucação n o lar , o espí r ito de

polonidad e por toda s as gerações.

A igreja p olaca na s colônias as dom ina, e e las, clericais e a rraigad as,

man têm b em firme esta a rma fat ídica, que suas inconsciên cias invencíveis

man ejam, semea ndo o terreno d as futuras dissensões raciais. Só o padre a spod erá ven cer se e ste for por nós ven cido” (Beth lem 1939:25-26).

Dua s que stões estão implícitas nesse te xto. Em prime iro lug ar, mos-

tra qu e a p resença nazista, usada como argum en to mais freqüe nte pa ra o

desen cadeam ento de u ma cam pan ha coercit iva de “ abrasile i rame nto” ,

nã o foi ne m a ún ica n em a p rincipal razão da interven ção militar na s colô-

nias do sul15 . Mesm o nas referên cias m ais direta s relaciona da s às colô-

nias alem ãs, ou nos comentários acerca da ne gligê ncia das “au toridade s

passad as” (da Repú blica Velha) em assegu rar a assimilação d os imigran-

tes, considera qu e os “age ntes me rcen ários” que come çaram a “ invad ir

o Brasil a lojando-se n as colônias” en contraram um a s ituação prop ícia

pa ra reforçar o civismo b asea do n o jus sanguinis. Trata-se, en tão, de um a

gu erra de me ntalidad es onde o princípio do  jus sang uinis , “estranh o” e

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A ASSIMILAÇÃO DOS IMIGRANTES COMO QUESTÃO NACIONAL 105

“a bsu rdo” p ara os brasileiros, deve ser de rrotado, substi tuído, por uma

compreen são da “verda de ira pátria” — ponto de pa rtida p ara o processo

de ca ldea men to. Em segu ndo lugar, a aval iação do pap el das mu lherespolonesas na man uten ção dos sent imentos de p olonidad e , num a forma

sutil an corad a a o tema da de snacionalização, revela o pre conceito sobre

os “colonos estrang eiros” prese nte , tam bé m, em ou tras partes do l ivro.

Não é ape nas a intolerância de um patr iota com os brasileiros natos que

“se cons ide ram es t range i ros” e nada conhecem da sua “ve rdade i ra

pá tr ia” , ou qu e de monstra seu espa nto diante da s es ta t ís t icas sobre o

emp rego usual da língu a a lemã 16 . A de squ alificaçã o dos colonos se faz,

igu almente, por critérios que na da têm a ver com a s etnicidad es: no textocitado, a m ulher p olonesa é ignoran te , feu da l, inconscien te . Em outro

mome nto, joga sua re tórica n acional is ta contra um dos me ios de t rans-

porte usa dos pe los colonos, ap ós exaustiva de scrição do mau estad o das

es t radas d o Paraná e San ta Ca ta r ina : “A ca r roça p o laca , b ru ta lmen te

pesad a, é que é a verda deira responsável pelo estrago perm an ente de s-

ta s e s tr adas de p iso de te r ra e com pouca ou ne nh um a conse rvação”

(Bethle m 1939:118).

Descreve a “carroça polaca” d etalhad am en te, com adjetivos de sa-bonad ores — “pi toresca e suja” , “p esada e b a ixa” , “p achorrenta e ca l-

ma ”, “um m ínimo de carga de vido a seu p eso” , “obstáculo per igoso”

(porqu e a trap alha o t ráfeg o de au tomóveis e seus condutores “n ão se

aba lam por nad a d este mu ndo”) — concluindo, “n o Paraná elas existem

aos milhares, inva de m m esm o o maior cen tro do Estad o — Cu ritiba — e

em p len a rua, num contraste chocante, passam n a sua f leu gm a extraor-

dinária, indiferente ao tempo [...]” (Bethlem 1939:120).

A na tureza me tafórica de ssa imag em da “carroça p olaca” fica ma isevidente p orque o au tor ind ica cau sas bem mais óbvias da de terioração

da s estrada s (como a falta d e conservação, tráfego de caminh ões carre-

ga dos com ma deira etc .). A carroça carrega, na verdade , os estigmas d a

condição de colono, representações bastan te comuns sobre o camp esina -

to e o m eio rural onde nã o faltam indicativos de a traso e arcaísmo, tam-

bém presen tes em a lguns es tudos acadêmicos sobre a acu ltu ração dos

imigrantes17.

Além disso, o estigm a é reforçad o pe lo uso da categ oria p olaco/p ola-

ca, que te m um conteú do iden titário de atribuição pelos outros, nã o reco-

nh ecido no contexto da p olonidad e. Bethlem fala exclusivamen te de p ola-

cos, nã o de poloneses, e a organ ização é tnica do gru po polonês é classifi-

cada como “cha ga” man tida pe las socieda des cul tura is e ed ucacionais

repletas de “traidores da causa n aciona l”.

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A ASSIMILAÇÃO DOS IMIGRANTES COMO QUESTÃO NACIONAL106

“Cond uzida com tenacidade, ela [a campa nha de nacionalização] começou

a trazer um conhe cimen to mais profun do sobre a extensã o da cha ga e triste-

men te reconhe ceram que era imensa, que a pe netração fora longe, que e ragran de o nú mero de brasi leiros de origem p olaca, que emb ora consciente s

de suas t raições, se de ixaram sub ornar e se ofereceram pe la cau sa da polo-

nidad e contra a causa na cional” (Bethlem 1939:58).

Como se vê, nazismo à pa rte, nã o existem diferen ças na m an eira de

conde nar as etnicidad es de q uaisquer um dos grupos de origem européia

qu e p articipa ram da colonização d o sul do Brasil. No caso dos alem ãe s,

os “ag en tes me rcená rios” são, invariavelmen te, os na zistas, entre os polo-ne ses são os pad res e , em todos os casos, as mu lhe res e os professores

das “e scolas e stran geiras” — todos imbu ídos da noção de “pá tr ia ar t ifi-

cial” , me ntirosa porqu e ba sead a no  jus sang uinis . Do colo da mã e a té a

escola (e a igreja) a criança é criad a p ara te r “a sen sação exótica, pouco

comp reensível, ma s nítida, de a mar um a pá tria qu e nã o vê, não conh ece,

nã o sabe como é [. ..]. A ação violenta, somen te a revolta , e a imposição

brutal de de veres para com sua verdad eira p átria, a en contra rea cionária

e pe rigosa” (Beth lem 1939:43).Aqu i, a justificativa pa ra a a ção impositiva da bra sil ida de é a ge r-

ma nização de crianças que têm a convicção de serem a lemã s. O tema

reap arece e m várias partes do texto, ressaltando a figu ra ma terna e o lar

como e lemen tos fun da me nta is de socia lização é tnica . No contexto do

comba te aos idea is alienígen as, a campa nh a p recisava cheg ar até o “joe-

lho da m am ãe ”, colorir as crianças de verde -ama relo através do escotis-

mo p ara atingir os pa is (cf. Beth lem 1939:188).

Assim, as med ida s propostas dem onstram a existên cia de um a p er-cepção clara d as forma s de transm issão dos valores étnicos, o que expli-

ca o radicalismo da s práticas d e n acionalização. A representa ção da bra-

silida de nã o adm itia sequ er resídu os de outras tradições culturais — da í 

a p roposta d e interferir no lar alieníge na.

A compree nsão da e tnicidad e p assa pe lo entend imen to do compo-

ne nte a fetivo da iden tida de étn ica — símb olos e valores transm itidos nos

círculos ma is íntimos de convivên cia: o lar, as relações de pa ren tesco e a

am izad e. De acordo com Epste in (1978), etnicida de en volve certo grau

de e moção e o comportame nto étnico não pode ser governad o apen as por

um cálculo raciona l. Talcott Parsons, focalizan do a lgum as ca racterísticas

primárias dos grupos étn icos nos Estados Unidos, mostra qu e o pa pe l da

mã e n a tran smissão dos valores étnicos é rea firma do em qu ase todos os

grup os — ela ap arece como “gu ardiã s imb ólica da ident idad e é tn ica”

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A ASSIMILAÇÃO DOS IMIGRANTES COMO QUESTÃO NACIONAL 107

(Parsons 1975:65). Nas ma nifestaçõe s de p erten cime nto étn ico/n acional

en tre descen de ntes de alemã es, ita lian os e poloneses, observáveis, por

exe mp lo, na imp rensa e em te xtos escolares e come morativos, os nacio-na lizad ores de 1939 en contraram re ferê ncias à imp ortância da família na

preservação da líng ua mate rna e de outros eleme ntos culturais ind icati-

vos de limites inte rgru pa is.

Che gar a té o “ joe lho da mam ãe” — por tan to , a t ing i r o âmago d a

socialização étn ica — sem u so da “força b ruta” , era p ara Bethlem u ma

qu estão de edu cação cívica: a camp anh a precisava mud ar a men talidad e

dos filhos p ara imp or no lar o espírito de b rasilidad e.

Parte d o texto, en tão, contém a de scrição de diversas festas cívicasorganizada s no curso da viag em , e t ran scrição de discursos de Ne reu

Ram os e do ge ne ral Vasconcellos (o qu e e xplica o subtítulo “J ornad as d e

Civismo”), além d o registro ind ign ad o da “indiferen ça” com qu e foram

receb idos . A nac iona l ização , ne sse con te x to c ív ico , é de fin ida como

“ obra d e re na scime nto”, d e ‘’reconstrução’’, de “b rasilidad e” — tem as

reforçados na tra nscrição qu e faz do discurso pron un ciad o pelo inte rven-

tor catarine nse em Blum en au.

“Na obra d e b rasil idad e q ue se e stá incentivand o [. .. ] nã o vai hosti lidad e a

qua lqu er povo ou a qu alque r raça. Bem a o revés , encont ra parad igma e

exemp lo na expe riência e nos ensiname ntos das nações que m ais hã o con-

tribu ído para o dese nvolvime nto ma terial do nosso pa ís. Assim como, atra-

vés de seus filhos, e até além d e su as fronteiras, procuram e las conservar e

desen volver o amor das sua s t radições e da sua l íngu a, dever n osso é impe-

dir que os que a qu i na sceram e a qu i vivem, ao invés da l íng ua e da s tradi-

ções do Brasil, se a peg ue m e se aferrem às d e out ros povos ou de out rasnações.

Nós respe itam os os estrang eiros nos direitos que lhes a ssegu ramos, por

isso que são valiosos eleme ntos de colab oração pa ra o n osso progresso. Mas

ne m porque os recebe mos com a doçura do nosso tempe ramen to; nem por-

qu e os acolhe mos com a hospital ida de q ue é t raço inconfund ível do nosso

caráter, abrimos mão do d irei to que nos é funda men tal como nação sobera -

na , de orientar e dirigir a formação moral e cívica d os que na sceram n o Bra-

sil e bra sileiros são.

[...]

A hora é de rena scimen to. A Constituição de 10 de Novembro é alvorada de

um Brasil ma is forte e ma is un ido. A cond ição prime ira d essa su pre ma re ali-

zação naciona l é qu e de ntro dele, em nen hum a de sua s regiões, prevaleçam

ou pred ominem por incúria ou de scaso de g overnos ou p ela res is tência de

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A ASSIMILAÇÃO DOS IMIGRANTES COMO QUESTÃO NACIONAL108

elementos al ienígena s, língu a q ue não seja a nossa, tradições outras qu e a s

do nosso próp rio passa do, glórias q ue nã o as dos nossos próprios fastos”

(Bethlem 1939:161-163).

A ênfase no c ivismo só não obscurece a qu estão centra l que surge

ne sse discurso, presen te e m todo o livro: a u nidad e n aciona l exigia a eli-

minação d as l íng ua s e t rad ições cultura is a lien íge na s conservadas p or

indivídu os nascidos no pa ís, portan to, “b rasileiros”.

A líng ua portuguesa apa rece como critério fun dam ental da naciona-

lidade , justifican do a na cionalização do e nsino e o fecham en to das e sco-

las étnicas. A imp ossibilida de de sub stituir todas a s escolas (com o con-seqüente r isco para o ensino fundamenta l nas áreas de colonização

es t range ira ) pode a té se r v i sta como “grave inconven ien te” , ma s e ra

“p referível que se fizesse, como brilhante me nte sintetizou o G en eral em

seu pe nsar can de nte : ‘Antes cr iarmos ignorantes , qu e cr iarmos t ra ido-

res!..’” (Be th lem 1939:66).

“Traidores da p átria”, ou inimigos, podem ser qu ase todos: o pad re

polonê s “inflexível”, “teimoso”, “arrogante ”; a mãe qu e e nsina um a lín-

gu a e stran ge ira a seus filhos; aq ue les q ue divulga m n oções artificiais denacionalida de, atropelando a noção de  ju s soli (aí incluídos os n azistas);

os “cérebros envenen ados” 18 que não aceitavam a p ujança da doutr ina -

ção pa tr iótica; en fim, todos aq ue les conta minad os pelo vírus da d esn a-

cionalização.

A idé ia de t ra ição evoca um outro fantasma do nacional ismo: a

am ea ça de secessão não const itu i um a novidade n o que d iz respei to à

de finição d o Estado-na ção; muito ante s de 1939, na ciona listas b rasileiros

temiam o d esmem brame nto da região sul , considerada excessivamen tegermanizada19 . Bethlem n ão reme te ao n azismo e a os avanços de H itler

no terr itório eu ropeu — ap esar d e ter sido um dos argu me ntos mais for-

tes a favor da interven ção mili tar no sul. A ima ge m d e secessã o é de li-

nea da sobre a d iversidad e étnica produzida pela imigração (qu e rompe a

unidade) e a guerra c ivi l espanhola 20 apa rece como exemp lo do que

pode ria a contecer n o Brasil : irmã os (os descen de ntes d e imigran tes) se

transformando em inimigos, conduzidos por in teresses de potências

es t rang e i ras , comprometendo um a u n idade “conquistada e m m ais de

qu atrocen tos anos d e lutas e sofr ime ntos inena rráveis” (conforme pa la-

vras d o g en era l Vasconce llos, tran scritas e m Beth lem 1939:192).

Ne sse sen tido, a ‘’me nta lida de irriden te” (Beth lem 1939:226) pre ci-

sava se r e r rad icada e a campan ha de nac iona l ização conduz ida como

“p roblem a n acional” pe las Forças Armada s.

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A ASSIMILAÇÃO DOS IMIGRANTES COMO QUESTÃO NACIONAL 109

A retórica p atriótica é be m m ais enfática qu an do se trata de discutir

o tema do caldeam ento (a p alavra miscige nação e stá au sente n o livro) —

a fórmula ide al, mitificad a, d e assimilação dos imigran tes. O discurso p ro-fer ido pelo gen era l Vasconcellos em Blumen au (na me sma solen idade

cívica em qu e discursou Ne reu Ramos) a tr ibu i ao “ca ldea me nto” , “às

transfusões de sang ue ” características do tipo racial de ste lado do Atlân -

tico os sentimen tos de fraternidad e p róprios da “e strutu ra na cional”. E

conclui, nu ma ge ne ralização para o contine nte a me ricano,

“Ao lado d a b ondad e inata , da tolerância , muitas vezes a té da hum ildad e,

há na alma de stes povos, o braseiro da al tivez sob e ssa apa rência d e q ue senão suspeita. Há d entro deles a pira sagrad a qu e acen de a coivara do patrio-

t ismo que ilumina e aq ue ce, que é c larão, que é incênd io açoitado pe lo

minua no qu en te do civismo, é pororoca, é a alma cab ocla na de fesa d o solo

a n ão me dir sofrimen tos em d efesa do q ue é se u” (Bethlem 1939:175).

O civismo excessivo dessa pa ssagem é exem plar, e n ele a pororoca

do extremo n orte e o minua no do e xtrem o sul servem de fronteiras sim-

bólicas d o terr itório na ciona l — o cab oclo miscige na do como e leme ntode un ião, representativo da “alma nacional”. No en tanto, o caboclo gen é-

rico assim de finido não ap arece como instrum en to da na ciona lização no

plan o militar. Para Beth lem, o 32o Batalhão de C açadores — na época em

qu e o l ivro foi escr ito a inda em fase de organ ização p ara se d eslocar a

Blum en au , em a br i l de 1939 — inic iar ia “o gran de ca ldeam en to” dos

ha bitante s do Vale do Itajaí. Ma s recome nd a qu e os corpos de tropa sejam

constituídos, preferencialmente, por brancos.

“[...] ma nd ar, como preconizam a lguns, conting en tes de tropas do n orte, leg í-

t imos indíge nas, para a s unidad es da que la região, a fim de se proceder o

caldeam en to, é p ior a ind a. A separaçã o se far ia incont ine nte , sepa ração

odiosa, motivada por ab soluta diferen ça d e há bitos, costume s e men tal ida-

de s e em q ue os eleme ntos nortistas não ficariam em m aioria, e hu milha dos

ou for tes , dar iam expa nsão p or causas d iversas , a violên cias e dissen sões

[...].

É ind ispen sável que [...] venh am continge ntes d e outros recantos, de pre fe-

rência e a té me smo se p ossível, ape nas constituídos inicialmente de homen s

brancos.

[...]

É necessário que a e scolha destes homens se faça de uma forma tal que não

se estabe leça um contraste chocante com os originários da região, pela q ues-

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A ASSIMILAÇÃO DOS IMIGRANTES COMO QUESTÃO NACIONAL110

tão dos h áb itos sociais, ap rese nta ção, capa cida de intelectual, etc. [...]. Não é

com cont ingentes escolhidos à vontade só pelo fa to de serem de out ras

regiões, que se resolverá o p roblema , mas p rincipalmente com homens queno d izer preciso de Bilac, ‘têm o h áb ito do pe nte , escova e sa bã o’” (Beth lem

1939:37-39).

Com o pode ser visto, ne ssa longa transcrição há u m pre ssuposto de

civilização e progre sso imp lícito na de squ alificação do b rasileiro comum :

trata-se de abrasileirar um a p opulação não só alienígen a e m p ensam ento

e cultura, ma s també m escolarizad a, vivend o em região de gran de p ro-

gresso econômico. Por tanto , nac ional izar nã o era ta refa pa ra q ua lquerum : “e sta tropa se rá o ma is seleciona da possível, qua nto ao f ísico, t ipo

racial, condição moral, prep aro militar, saú de e a pre sen tação” (Beth lem

1939:38).

O p rogresso das colônias é tem a recorren te e cida de s como Blum e-

nau e Joinville recebe m um a de scrição positiva sempre q ue e stá em pa u-

ta se u de senvolvimento a grícola, indu strial e comercial. Da m esma for-

ma , sobram elogios para a “vida intelectual e cultural de stacada ” — fato-

res que tornam a ind a ma is urgente sua comp leta incorporação à un idad ena cional (Beth lem 1939:151-152).

Diante d esse qua dro — em q ue a noção de progresso apa rece como

valor ma ior — a re ed ucação d e “ milha res de pa tr íc ios t ran sviad os da

consciência naciona l” é pen sada como tarefa p rópria pa ra pe ssoas ed u-

cada s, oriun da s do me io urba no. A referência racial mostra que , apesa r

do d iscurso nacionalista sobre a figu ra d o brasileiro miscige na do, sínte se

da s três raças formad oras, nã o estavam su pe rada s as crença s na inferio-

rida de racial e social do b rasileiro comu m. O texto de Bethlem joga coma p ossibilida de de reação racista dos descend en tes de imigrantes caso as

de sigu aldad es fossem mu ito evide ntes. Mas usa te rmos que refletem seu

precon ceito, e qu e n ão se limitam a d estaca r diferen ças sociais — como a

insistência em falar da ap arê ncia, tipo físico, além dos há bitos de h igiene .

Esse cuidad o se le t ivo se coadu na com o obje t ivo fun da me nta l da

interven ção milita r — caldea me nto e ass imilação e m cur to pe r íodo de

temp o (qu e o envio de t ropa s ina de qu ad as pode r ia comprome ter). As

obse rvações feitas têm a ver com o treinam en to, em Vassoura s, dos sol-

da dos e oficiais qu e iriam forma r o 32o Batalhã o de C açad ores. Procurou

influen ciar, assim, a composição d o corpo d e tropa de stina do a na ciona li-

zar o Vale d o Itajaí . Além disso, as obse rvações sob re o prog resso da

região de vem se r toma da s sob o prisma d o nacionalismo econômico do

Estado Novo. Afinal, tratava -se de u ma região com considerá vel influê n-

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A ASSIMILAÇÃO DOS IMIGRANTES COMO QUESTÃO NACIONAL 111

cia alem ã, e os ind ustr iais e a popu lação urban a, em g eral, eram con si-

de rados, no m ínimo, simp atizan tes do nazismo.

Na verdade , todos os argume ntos de Bethlem procuraram en fatizaro pap el do Exército no processo de consolida ção do Estado-n açã o — a

instituição mili tar como re spon sáve l pe los inte resse s naciona is. Ne sse

sent ido, apresen ta o Exérc ito como formad or da “ossa tura n aciona l” ,

moralmen te investido d a ta refa d e p romover a u nidad e — tarefa facilita-

da pe lo regime polít ico instituído em 1937. “Abolido o voto, que brada a

politicag em imora l do mu nicípio, pôd e-se com facilidad e en frenta r sem

en traves dos p róprios brasileiros, este p roblem a capital: reedu cação de s-

tes milhares de pa trícios tran sviad os da consciência nacional” (Beth lem1939:78-79).

O Exército apa rece, então, como me ntor da solida rieda de nacional,

en carregad o de divulga r os valores morais da na ção, sua s vir tudes cívi-

cas, de impor a consciên cia d a n aciona lida de , modifican do a m en talida -

de d e p atrícios que n ão são patriotas, mas “q uistos raciais” contam inan -

do o espírito da bra silida de .

Imperialismo alemão e esquisitice urbana

O livro de Rui Alen car Nogu eira resultou da pa ssage m d o autor por Blu-

menau como 2o t enen te d o 32o Bata lhão d e C açad ores — ond e ficou

du rante dois anos sob o coman do do m ajor Nilo Augu sto Gue rreiro Lima.

Participou, portanto, da fase de implantação e organização da tropa em

Blumen au — cidad e q ue de fine como principal foco da “p ropag and a d e

desag regação” em Santa C atarina. Mais do que u m libelo a favor da cam -pa nha , o texto reflete, sobretudo, o estran ham en to de u m n acional leg iti-

mad o pela condição de n ordest ino em face de uma socieda de e cul tura

diferentes.

O Vale do Itajaí receb eu imigran tes de d iversas proced ên cias, mas a

predominân cia d os alemã es e da sua cultura fez com que o autor se fixas-

se nessa e tnia como a pr inc ipal ameaça aos “ interesses sagrados da

pá tria” (Nog ue ira 1947:18). Se ap eg a à idé ia de n ação própria do na cio-

na lismo “tribal” a qu e se refere Hobsba wm (1991) e q ue , conforme tam -

bé m M au ss (1969), inclui a crença na raça, na líng ua e n a civilização ún i-

cas como fun da me nto da u nidad e do Estado-naçã o. Assim, conside ra a

assimilação d os imigran tes, seu calde am en to (racial), a principa l “qu es-

tão na cional” a ser en frentada no contexto das colônias “ es tran geiras”

do sul do pa ís.

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A ASSIMILAÇÃO DOS IMIGRANTES COMO QUESTÃO NACIONAL112

De m odo diverso de Bethlem, responsab il iza os imigran tes e suas

lideranças pe la situação de “ en qu is tamen to” é tnico e t raça um pe rfi l

ne ga tivo do fun da dor da principal colônia d o Vale d o Itajaí — He rman nBlumenau.

Segu nd o Nogue ira, desd e a imp lan tação da p rime ira colônia no Rio

Gran de d o Sul, em 1824, os alemã es procuraram , delibe rada me nte , o iso-

lame nto como estratégia para m anter seu s costumes e raça. Para d emons-

trar seu ponto de vista sobre a reg ião e sua história, usa arg um en tos qu e

ap ag aram o fato de o Estad o ter exercido o controle sobre os assentam en -

tos de imigran tes, através de um a legislação ge ral que orientou os gover-

nos p rovinciais nas su as p olíticas d e colonizaçã o.A colonização alemã é, en tão, visualizad a como um ato impe rialista

e a s colônias classificad as como “d e e xploração” . Ao men ciona r a fun da -

ção de São Leop oldo — a p rime ira “colônia alem ã” — por exe mp lo, afir-

ma: “Conseguida a pr imeira e tapa e após haverem fund ado os a lemã es

as primeiras colônias riogran de nse s, tratara m de a mp liar os ten táculos”

(Nog ue ira 1947:17).

A rep resen tação contida n a p alavra tentácu los é clara: considera a

colonização alem ã u ma forma ilegítima de conqu ista te rritorial, rep ortan-do a um dos gra nd es tem as d o na cionalismo (militar ou n ão) — o territó-

r io naciona l e sua un idade . Nesse caso, os imigrante s são acusados de

ocupa r a me lhor parte d o sul do p aís — terras férteis como o Vale d o Ita-

 jaí e outras reg iões importan tes — num a clara referência à poten cialida -

de econômica da exploração ag rícola e ind ustrial. Os govern os anteriores

ao Estado N ovo, por sua ve z, são a cusados d e conced er “va stos latifún -

dios” a os colonos, sem p roced er a u ma aval iação da s “conseqü ên cias

fun estas” p ara a un ida de territorial.Ao atr ibuir aos imigran tes de 1824 a opção deliberad a p ela reg ião

sul , “m ais ind icada pa ra prol iferação da colônia que t inh am em mira”

(Nog ue ira 1947:16), ao conside rar um lote de 75 hectar es um “latifún -

dio”, ao ign orar o sistem a d e a liciam en to utilizad o pelo governo imp erial

pa ra atrair imigrante s, o autor produ ziu u ma versão xenófoba do proces-

so de colonização, na qu al os fatos históricos não têm gran de importân-

cia 21 . A “história” q ue re la ta p re tend e mostrar um a vanço del ibe rado

sobre o território sulino — o polvo germ ân ico lan çan do se us te ntá culos a

pa rtir de São Leopoldo. E conclui:

“Con forme p odem os observar, a colonização ge rmân ica criou raízes p rofun -

da s, de sen volveu -se por todo o sul do Brasil e tomaria asp ectos aterrad ores

se nã o fossem as oportunas me didas adotada s, visando d efender os interes-

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A ASSIMILAÇÃO DOS IMIGRANTES COMO QUESTÃO NACIONAL 113

ses sagrados da Pá t r ia e desman chando toda e qua lquer p oss ib i lidade de

de sag reg açã o do nosso território” (Nogu eira 1947:18).

Na breve avaliação q ue faz d a colonização a lemã no Brasil, particu-

larme nte no Vale do I tajaí , os nazistas nã o são os ún icos classificad os

como “demagogos germânicos , soler tes e perspicazes” (Nogueira

1947:27), resp onsá veis pela au sên cia d e b rasilidad e. A mesm a classifica-

ção tam bé m ide ntifica os p rime iros colonizad ores, especialme nte os qu e

participaram da fund ação de colônias, e isso pode ser observado n o capí-

tulo dedicado a H ermann Blume nau .

Em p rime iro lug ar, conden a a razão da vind a d e Blum ena u a o Brasilem 1846, como representante d e u ma associação alemã, encarregad o de

observar as condições de vida dos imigran tes, ocasião em qu e se interes-

sou pe la implan tação de um a colônia. Para Nogu eira, a escolha do Vale

do Itajaí estaria relaciona da às possibilidade s de m an ter os alemã es sepa -

rados dos na cionais, e a pon ta a p roibição da p osse de e scravos pelos colo-

nos como ind icad or mais imp ortante d essa inten ção isolacionista, porqu e

“os alemãe s, sistematicam ente , não toleram os negros e d aí o cuidad o do

filósofo germ ân ico em imp ed ir a e ntrad a d os mesmos na s terras da colô-nia [...]” (Nogueira 1947:56).

Nogue ira reporta-se a um documen to datado d e m arço de 1848, diri-

gido à Assem blé ia Leg is la t iva Provincia l, no q ua l Herma nn Blum en au

solicita, pe la primeira vez, um a concessão d e te rras de stina da à coloniza-

ção do m éd io Vale d o Itajaí-açu com imigran tes a lemã es. A solicitação

foi re je itada pe la Assemb lé ia . Nesse d ocumen to exis te um ar t igo qu e

imp ed e a en trada d e escravos na colônia; um ou tro artigo, tam bé m me n-

cionad o por Nog ue ira, exp ressa o compromisso de fazer sair da colôniaind ivíduos de “ índ ole r ixosa” e “ notória imoral ida de ” q ue am ea çam a

moralidad e d os colonos. Ambos os artigos são m otivad os por dispositivos

da próp ria política imigra tória b rasileira (discutida , inclusive, na  Memó-

ria do Viscond e d e Ab rantes p ub licad a e m Berlim, em 1846) — já qu e a

colonização basead a na peq uen a propr ieda de familiar e ra considerad a

incomp atível com o regime e scravista. Blume na u estava a pe na s cum prin-

do exigências que eram estipu lada s pe lo governo brasileiro, num momen -

to em qu e ha via interesse exp lícito na imigraçã o alemã, conside rada ma is

apropriada pa ra p roduzir os colonos de sejáveis.

A primeira proposta de Blume nau era, na verda de, um projeto de lei

(da í ter sido e nviado à Assem bléia Leg islativa). Acab ou ob tend o a con-

cessão por compra , e fe tuad a a través da const itu ição de um a socied ade

pa rticular de colonização, formad a com um sócio teu to-brasileiro, Fer-

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A ASSIMILAÇÃO DOS IMIGRANTES COMO QUESTÃO NACIONAL114

nan do Ha ckradt — compra a utor izada pe lo pres ide nte d a Província de

Santa Catar ina . As 150 mil je i ras compradas pe la companhia foram,

en tão, dema rcadas em lotes coloniais para vend a à s fam ílias de imigran -te s22.

Após a fund ação d a colônia, em 1850, Blume na u p ub licou livretos

de p ropa gan da p ara atrair imigran tes alemã es — fato que N ogue ira tam-

bém considera u ma prova d as tendê ncias de enq uistamento próprias das

“colônias a lemã s” . As inú me ras dificuldad es e nfrentad as n o iníc io da

colonização levaram a e mpresa de Blume nau e Hackrad t à falência: entre

outras coisas , o em pree nd ime nto foi pre jud icado p ela insuficiência d e

imigra ntes — dez an os após a fun da ção, a colônia tinha a pe na s 170 fam í-lias assentada s (men os de m il habitantes, em sua m aioria a lemã es evan -

gé lico- luteran os). Para man ter o emp reen dimen to, o governo imper ia l

assumiu a colônia em 1860 através de u m convênio e Blum ena u foi ma n-

tido como d iretor, agora na condição de fun cionário assalariad o do Esta-

do. Nogu eira classificou e sse fato (a n ome ação d e Blum en au ) como “g ro-

tesco e origina l” (Nogu eira 1947:59)23 , atribu indo-lhe um interesse e spe-

cífico por compa tr iotas, com a preten são de “n uclear e isolar o seu pes-

soal, constituindo um eleme nto à p arte , estran ho no a mb ien te na cional,como em realida de se tornou” (Nogu eira 1947:61).

A exe mp lo de Silvio Rome ro (1906) — qu e d esq ua lificou a imigra-

ção alemã n o Brasil a pa rtir da imagem da invasão ge rmânica do Império

Roman o (invasão de b árba ros, por tan to) — Nogu eira usa a ima ge m d a

ocupa ção dos e spa ços mais fér teis do terr i tório sulista p or estrang eiros

sem intenção d e incorporar-se à n ova pátr ia , obje t ivando a segreg ação

de sde o início do processo colonizador. Ne sse contexto, o fun da dor da

prime ira colônia alem ã d o Vale d o Itajaí apa rece como um oportun istaque pretende u criar “um a N ova Alema nha em terras catarinen ses, apro-

veitand o tão esplênd ida e fer ti líssima g leba ”, situa do, por sua s “inten-

ções”, no me smo plan o dos propa ga nd istas do III Reich — ainda qu e lhe

sejam ren didas homen age ns pela “g randiosa obra realizada” (Nogue ira

1947:65-66).

A apare nte contradição que , em p rincípio, pod e ser constatad a em

observações como essa, na verdad e, é produto da visão que o autor tem

do p rogresso ma terial (pre sen te, tamb ém , no livro de Bethlem ): os nacio-

na lizadores ad miram o resultado econômico da colonização e cond en am

as d iferen ças culturais e sociais qu e alime ntam a valorização simb ólica

da ident idad e teuto-bras ile ira — que inc lue m a “ infi lt ração” n azista

de nu nciada pe los órgã os policiais. Ma s isso não significa q ue o na zismo

seja o objeto privilegiad o nos textos aq ui ana lisad os. A atua ção na zista é

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A ASSIMILAÇÃO DOS IMIGRANTES COMO QUESTÃO NACIONAL 115

visual izada ma is como e lemen to de re forço, de ag lut inação é tn ica , do

“e nq uistam en to” que semp re existiu. Daí a forma ne ga tiva de a valiar a

a tua ção de Blum en au e seu propósito de fund ar uma colônia em SantaCatarina — um p ecado contra a b rasilidad e q ue, af iança Nogue ira, nem

a n atu reza tolerou: “Tam bé m a n atureza lançaria o seu p rotesto contra a

horda colonizad ora: o Itajaí au me nta nd o o volum e d as sua s águ as, inva-

diu tudo e provocou, com a e nchen te, enormes p rejuízos nas roças e na s

ed ificações , che ga nd o a pe recer a fogad os vár ios colonos” (Nogue ira

1947:59).

Assim, as che ias periódicas do rio Itajaí-açu, e tam bé m os ind ígen as

qu e a tacaram colonos nos primeiros anos da colonização, surge m, simb o-licame nte, como repre senta ntes da xe nofobia na ciona l, reag indo contra o

alienígena invasor.

À parte e ssa man eira p eculiar de escrever sobre a h istória d a ocupa -

ção do Vale d o Itajaí, a d escrição qu e N ogu eira faz d as d iversas localida -

des da reg ião e , p r inc ipa lmente , da c idad e d e Blume nau , no in ício da

dé cada de 40, nã o mu da os termos do discurso na cionalista . O terr itório

— a b ase física d o  jus soli — não d evia conter senão uma cultura e u ma

líng ua na cional (produ tos da forma ção his tór ica , de ca ldeam en to, dopa ís), e a cam pa nh a de n aciona lização imp õe-se como ún ico procedime n-

to eficaz pa ra inoculação d e se ntimentos de brasilidade , tran sforma nd o

alemã es e outros estranh os, imbuídos de idéias errada s sobre sua p átria,

em brasileiros de fato (e n ão, ape na s, de d ireito). Web er (1992) já e nfati-

zava a imp ortân cia d o sentimento (de pe rten cimen to) nas rep resentações

sobre a comun idad e n acional e a comunidade étnica, usando a n oção de

vida e m comum, de habitus. “Sen time nto” (naciona l) é exp ressão comu m

no texto de N ogueira — algo de b ásico para a formação de um idea l debrasilida de e ún ica condição d a formação d o verda de iro brasileiro.

O q ue descreve na maior parte do l ivro é um a sociedad e q ue reputa

como diferen te , es t ran ha , esquis ita , que n ão reconhe ce como par te do

Estad o-nação. Háb itos, costumes, l íng ua e religião estranh os, homens e

mu lheres esq uisitos — o “de sconhe cido” , “inima giná vel” no terr itório

nacional — causando constrangimento e perplexidade aos legí t imos

representantes da nacionalidad e.

O reg ist ro da s pr ime iras impressões sobre a c ida de d e Blum en au

receb eu no livro um subtítulo sign ificativo — “Uma Cidad e Esquisita”,

porque a l íng ua a lemã é fa lada “sem constrangimen tos” , inc lusive na s

repa rtições púb licas. Na “ viag em a o desconhe cido” , o prime iro imp acto

é causado pe lo uso de uma l íngu a es t rang e i ra e pe la cons ta tação dos

nom es ge rmân icos das casas come rciais: “Estávamos cansad os de tantos

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A ASSIMILAÇÃO DOS IMIGRANTES COMO QUESTÃO NACIONAL116

nome s estrang eiros. Ficamos a bsortos, inicialmen te, em mil pensa me n-

tos. A nós, parecia incrível que pud éssemos pen etrar num a cidade, de n-

tro do nosso próprio terr i tório, onde nos sentíssemos contrafeitos”(Nog ue ira 1947:87).

O me smo tipo de sen timen to de estranh eza é causad o pelas demais

cida de s “alemã s” da região e, sobretudo, pelos costum es e h áb itos de s-

critos como”e xóticos”. No en tanto, Nogu eira nã o se limita a conden ar os

aspe ctos ma is estritam en te contrários à idé ia de n ação contidos nos pre s-

supostos da cam pa nh a. Tra ta-se , tamb ém , de u m julga me nto moral no

confronto de costume s de du as socied ad es d iferentes. Existem ob serva-

ções sobre a p resença n azista (pr inc ipa lme nte q ua nd o acusa a c lassedomina nte local — os ind ustriais e comerciantes — de ter simp atias pe lo

III Reich), sobre a a usên cia d e calde am en to racial (o qu e re me te a o mito

da formação brasileira), e sobre a su bstituição da líng ua portugu esa pe la

alemã na vida cotidian a. O au tor faz o elogio da n acionalização do en si-

no — qu e e ntre 1937 e 1939 erradicou a s mais de cem escolas alem ãs da

região, expu lsan do os “ professores nocivos” a os sentimen tos patrióticos

— e, sobretud o, mostra d esconforto com os “costum es estran hos”, por-

que não consegu e iden tificar ali uma família ade qua dam ente brasileira ,ne m u m ca tolicismo b rasileiro. A vida associativa e o lazer e m g era l são

condenados pe lo que considera “excesso de l ibera l idade” , como por

exemplo:

“As associações pias nã o têm a amp litude qu e se vê em todo o Brasil, o que

de nota u ma certa frieza religiosa d o povo.

Poucos são os ca same ntos católicos. [...] nã o constituindo fato d igno d e repu l-

sa da socied ad e a un ião sob contrato de cará ter pa rticular. Isto suced e e ntrepe ssoas da el ite social que , mu itas vezes, ab an dona nd o a esposa legí t ima,

une m-se a outra m ulher, que passa a ser acolhida da í por diante como nova

esposa [...]” (Nogueira 1947:48).

“N ão const itui motivo de ce nsura o fato de m oças e rapa zes freqü en tarem

sozinh os essas festas24

e p oucas vezes o cavalheiro faz a gen tileza d e p aga r

a en trada da sua da ma. Do mesmo modo, não são necessárias apresen tações

protocolares, nem p ermissões do esposo pa ra que sua sen hora conceda u ma

contrada nça a qu alque r cida dã o. As nossas músicas nã o são ouvida s [. .. ] a

valsa vienense tem a supremacia indiscutível” (Nogueira 1947:81-82).

Os trechos transcritos revelam a lgum as diferen ças costum eiras rela-

cionad as a práticas m atr imoniais e religiosas e a h áb itos de lazer p ouco

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A ASSIMILAÇÃO DOS IMIGRANTES COMO QUESTÃO NACIONAL 117

condizen tes com o comp ortam ento e a e tiqu eta social adeq uad os a uma

certa moralida de qu e o au tor expre ssa ao longo do seu relato. As mulhe-

res blumen aue nses são crit icada s por sua presença e m luga res púb licosconsumindo cerveja e outras be bidas a lcoólicas, fazen do g iná stica e par-

t icipa nd o de a tivida de s esportivas nos club es junto com os homen s etc .

Esse modo de falar da s ativida de s recreativas fem ininas, espe cialmen te

aquelas desenvolvidas nas associações que sofreram intervenção do

Exército (caso da s sociedad es d e g inástica e tiro), é m ais do qu e simp les

expressão d e cr ít ica d e compor tamen to envolven do e s t ilos de vida . As

associações são considera da s locais pe rigosos, ond e a p rática esportiva e

o lazer servem como a glutinad ores p ara doutrinas alienígen as. Nogue ira,como Beth lem, acen tuou o caráte r étnico de ssas associações, informa nd o

qu e “a s vistas dos dir ige ntes da camp an ha n aciona lizad ora se voltaram

logo pa ra tais centros” (Nog ue ira 1947:101) — tran sforma dos, em tod a a

região, nos locais de acan toname nto para a tropa.

Ou tros traços culturais qu e nã o são relacionados diretame nte à q ue s-

tão étnica, mas a pontam pa ra d iferen ças, são a rrolados como “ exóticos”,

esq uisitices europé ias man tida s no Brasil pe los descen de ntes d e imigran-

tes — algu ns a té m otivo de e logios, como os cuida dos com a ca sa e o jar-dim, a “m esa farta” (háb itos alime ntare s “ba sead os em p rincípios nutriti-

vos”), o lug ar de relevo das hortas e p omares, a b eleza arq uitetônica dos

préd ios pú blicos. Algu ns “costum es” qu e cham aram a aten ção de Nogu ei-

ra, dem arcadores de diferen ças culturais, são inu sitados nu m te xto de p ro-

blemá tica n aciona lista. Além do reg istro da inten sida de da vida associati-

va, assina la entre ou tras coisas: “n ão existe q uintal sem p atos” (a a ve do

almoço dominical); gaiolas com caná rios estão p resen tes a té n os hospi-

tais; terrenos urbanos d ema rcados por cercas vivas ou g rades de mad eira“q ue dão feição interessante” a os jardins; grand e q uan tidad e d e casas de

ma de ira introdu zida s no sul pelos imigran tes; be los palacetes “e m e stilo

eu ropeu” ; poucos ônibus e grand e qu an tida de d e bicicletas (pa ra as quais

existem estacionam en tos) circulam na s cida de s, além da s carroças pu xa-

da s por d ois cavalos — usad as, inclusive, para ir às festas; nas festas na ta-

lina s “o velho amigo d a p etizad a — o Pap ai Noel — tem ou tro nome, cha-

ma -se Nicolau”; núm ero redu zido d e se rvos, mesmo na s casas dos r icos

(até m esm o “as m ulhe res ma is finas” fazem serviços domé sticos) etc.

O capítulo III — onde estão arroladas as observações acima (que

reme tem a u m estilo de vida d iverso) — en globa um a listage m de traços

culturais que operaciona lizam as d iferen ças nu m sentido étn ico, acresci-

da de d e ta lhes da fo rmação urban a e dos compor tame ntos repu tados

como “a nt ibras ile i ros” n as c idad es vis itada s (indiferen ça p elas da tas

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A ASSIMILAÇÃO DOS IMIGRANTES COMO QUESTÃO NACIONAL118

na ciona is, uso da líng ua alemã , por exem plo). A falta de se ntimen tos de

brasilidad e, os ind ícios cotidianos da d esn acionalização, segu nd o seus

termos, são assina lados em pe qu en os episódios — às vezes reme tend o àpresen ça na zis ta . Um e xemp lo de sse t ipo de na rra t iva tem como t ítu lo

“Aprend a a falar o alemã o”: visitand o uma pe ssoa d a família n um hospi-

tal de Blum en au , o militar nã o conseg ue obter informações com a e nfer-

meira que só se e xpressava e m a lemã o; mostrand o-se indignad o com a

situação, o militar é instado a a pren der a língu a a lemã ou nã o ter ia con-

dições de se comun icar na cida de .

A que stão da língua volta n um outro episódio — intitulado “Um con-

vite e stravag an te” — ocorrido n um a farmá cia onde o proprietário recebeum convite d e casam en to red igido em alemão. O n ome d o noivo, imp res-

so no convite, revela sua condição de brasileiro. Nogu eira nã o toma o fato

do casam en to interé tnico como represen tativo das p ossibilidade s de cal-

dea me nto, sem pre presen te n o discurso naciona lista . Para e le , o idioma

usad o no convite era , an tes , ind ica t ivo da contaminação q ue a cul tura

alemã exercera sobre os na cionais naq ue la região. E conclui: “n ão se tra-

tava , em rea lida de , de simp les colonos [...]” (Nogu eira 1947:83) — nu ma

clara sug estão de intenções conquistadoras da colonização alem ã. Ne sseep isódio é presum ida a influência do ge rmanismo a pa rtir de um simp les

convite d e casam en to; em outra na rrativa, o desvio “do verd ad eiro cami-

nh o da n acionalida de ” é atribu ído à a tivida de na zista. Descreve a prisão

de um professor teu to-brasileiro — pe lo que se de preen de da na rrativa,

alguém q ue d ava au las em língu a alemã q uan do já estava em vigência a

na cionalização d o ensino, e por isso “d evia ajustar contas pera nte a justi-

ça”. A prisão é assina lad a como a to necessário para l ibe rtar as cr ian ças

“d o pe rnicioso precep tor que , dia a dia, infiltrava-lhe s no esp írito o ma istremen do d os venen os” (Nogu eira 1947:72). A men ção ao ven en o — ter-

mo que também é u sado por Be th lem — ins inua a p regação naz is ta d o

professor, emb ora sua prisão fosse vincu lada à p roibição do en sino em

língua e stran ge ira.

No en tanto, o problema d a na cionalização, pa ra Nogu eira, é m uito

ma is do que fecha r escolas , pren de r professores “ nocivos” e inculcar

noções de c ivismo e de b ras il ida de a través da ação ed ucat iva em grê -

mios, escotismo, serviço militar ; enfim, n ão b astava pôr u m pon to final

em “monstruosidades” como a escola alemã (cf . Nogueira 1947:119).

Na cionalizar sign ificava, p rincipalmen te, tran sformar u sos e costum es,

mu da r uma tradição cultural e social a pa rtir da ob servação sociológica,

“a dotan do me ios coercitivos sobre os que trama rem contra os interesses

na cionais” , edu cand o a juventud e (Nogu eira 1947:133). Nã o ut i liza a

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A ASSIMILAÇÃO DOS IMIGRANTES COMO QUESTÃO NACIONAL 119

pa lavra assimilaçã o na ava liaçã o sociológica introdu zida no último capí-

tulo (ond e cita Gilbe rto Freyre); ma s o mod o como e nte nd e a n acionali-

zação sup õe a assimilação progressiva d os alemã es d o Vale d o Itajaí, con-du zida através da ação direta de um Estad o forte e ce ntralizador, levada

a cab o pelos militares. Assimilação, ou me lhor, calde am en to obriga tório,

supon do a “er rad icação” , inc lusive , dos costumes “ exót icos” (porq ue ,

em bora toleráveis, nã o são nacionais).

A hora da reconstrução nacional

O traba lho de J am un dá (1968) t raça um pe rfi l na c ional is ta de N ereu

Ramos25 , ressaltand o sua atu ação como inte rven tor do Estado Novo em

Santa C atarina — especialmen te a imposição de uma legislação qu e a tin-

giu a organização comun itár ia teu to-bras i le i ra . É um texto lau da tório ,

qu e d estaca N ere u Ramos como leg islador rigoroso e ide alista, um líde r

que ag ia “no in te resse da u n idade n ac iona l” e que a t ing iu , com seus

de cretos, o nú cleo da vida comun itária teuto-brasileira, sem levar em con-

ta qu e o m aior continge nte d e e leitores estava n as áreas d os descend en-tes dos ge rmân icos (cf. Jam un dá 1968:43). Esse é o p onto onde Ja mu nd á

vai além dos prob lema s espe cíficos da na ciona lização. Como Bethlem e

Nogueira , defend e a cam pan ha e m n ome da unidade nacional — o país

nã o pod ia conter brasileiros divorciad os da realida de cultural e social da

nação. As medidas na cionalizadoras que defende são as me smas. A opi-

nião que tem sobre a na cional ização do en sino coincide com a de seus

coleg as m ilitares: “Foi executada a través de u ma técnica de romp ime nto

do processo de forma ção de minorias étnicas” (Jam un dá 1968:20).O rompimento , por tan to , e ra u ma que s tão de edu cação do povo e

não apenas de subst i tu ição das escolas es trangeiras . Nereu Ramos,

segun do interpreta Jam und á, era tão nacionalista q ue n ão med iu sequ er

as conseq üên cias das m edidas tomada s sobre a p opulação que formava o

ma ior conjun to e le itora l do e s tado. As que re las pol ít icas es tão a pe na s

insinua das n o texto, mas revelam qu e a campa nha de n acionalização não

foi, propr iam en te , uma un an imidad e . Os a dversár ios do interventor —

teuto-brasileiros ou n ão — se p osicionaram contra a interven ção na vida

cotidian a, critican do a violên cia e xacerb ad a e as p risões arbitrárias moti-

vada s pe lo uso d a líng ua a lemã . Ao a tr ibu ir ao interventor os excessos

policiais come tidos no curso da camp an ha , seus ad versários fizeram uso

polít ico da violência, simb ólica ou n ão, exercida sobre u ma p opu lação

qu e tivera se us d ireitos de cida da nia d iminuídos. “O slogan grosseiro foi

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A ASSIMILAÇÃO DOS IMIGRANTES COMO QUESTÃO NACIONAL120

qu e e ra ‘inimigo d e a lemão’. Todavia, os nascidos no Brasil nã o eram ale-

mãe s para Nereu Ramos, nem para n enh um d e nós” (Ja mu nd á 1968:43).

Duas qu estões estão contida s n essas referências aos inimigos p olíti-cos de Ne reu Ramos. Em primeiro lug ar, as críticas qu e a bran ge m os pro-

cedimen tos da campan ha provavelmen te surgiram a pós 1945. Durante o

Estad o Novo, o pode r per ten cia a o interven tor nomea do e , n a p olít ica

local, aos pre feitos nome ad os — inexistind o Poder Leg islativo. Ja mu nd á

reme te aos de cretos ba ixad os por Ram os — qu e ating iram as associações,

as escolas pa rticulares, ou qu e p roibiram o uso de n ome s estrang eiros em

escolas, rua s, sed es mu nicipa is etc . Esse fato pe rmitiu aos adve rsários

polít icos da oligarq uia Ramos (entre os q ua is esta vam os Kond er-Bor-nh au sen, a oliga rquia teuto-bras ile ira d e Ita ja í) responsabi lizar N ereu

Ram os pela violên cia na cional izadora . Durante a cam pa nh a, entre as

es tra tégias de Ne reu Ramos pa ra acab ar com o pred omínio polí tico da

el ite b lume nau ense , J amu ndá (1968:70-71) c ita o desme mb ramen to do

mu nicípio de Blumen au , forçan do a competição com novas lide ranças.

Em segun do lugar, aparece a clivagem étnica dem arcada p ela iden-

tida de teu to-brasileira, e a importân cia p olítica d as zona s de colonização

ge rmân ica, postas sob suspe ita pe los princípios que n orteara m a cam pa -nha . Apesar d o pressuposto do  ju s soli contido n o trecho citad o, ele pos-

sui sign ificad o am bígu o: os nacionalistas nã o conside ram alemã es os na s-

cidos no Brasil, ma s tam bé m n ão os classificam como b rasileiros. E às ins-

t itu ições comun itár ias é tnicas , aos usos e a os costume s é a tr ibu ído um

caráter nacional. Na visão de Jam un dá, as me didas lega is decorreram de

um a n ecessida de ma ior — a d e interromp er a d esna cionalização, porqu e

as instituições atingidas e ram inspiradas no n acionalismo alem ão.

“Pois meu s Senhores, eu vi os qua tro Ff qu e a g ina sta alemã u sou para sim-

bolizar a finalidad e patriótica d e formação de um jovem sad io na que le sécu-

lo XIX, porém sabe m ond e? Nas socied ade s de ginástica b rasileiras existen-

t es nas peque nas comunidade s da á rea cu l tu ra l onde os descende ntes de

alemãe s dominavam. — Sabem em que ano? — 1939” (Jamun dá 1968:45)26.

As prime iras sociedad es d e g inástica surgiram n o contexto de cons-

trução simbólica do nacionalismo alemão, no início do século XIX.

Ja mu nd á, inc lusive , repor ta a Fichte e Arnd t , pr inc ipais me ntores do

na cional ismo româ ntico, para a ludir aos p roje tos de un ificação a lemã.

Nas re giões de colonização a lem ã, foram m an tida s como represen tativas

da cul tura a lemã , jun tame nte com as socied ad es de t i ro — ad qu irindo

caráte r de símb olo étn ico. Por essa ra zão, torna ram -se alvos prioritários

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A ASSIMILAÇÃO DOS IMIGRANTES COMO QUESTÃO NACIONAL 121

dos me ntores da camp an ha : “Agir contra a exis tên cia da s associações

cívico-culturais foi um imperativo de orde m nacional e ad eq uad o àq ue-

les dias tumu ltuosos [...]” (Ja mu nd á 1968:46).A introdu ção do termo “cívico” é esclarecedora: as associações eram

vistas como locais de formação d a men talidad e alemã, como am eaçad o-

ras da a preg oada un ida de na cional brasileira . Daí a d efinição de Nereu

Ram os como “ ap en as e inteir iço um n aciona lizador responsável”, cum-

prindo seu d ever de patr iota , a través da instituição de um ap arato leg al

para combater “ a p olítica de germ an ização e italian idad e [...]” (Jam und á

1968:50).

A lega lidad e d a cam pan ha , por tan to , é d es tacada p a ra leg it imar ,inclusive, a violência, sob o argu me nto da seg uran ça da pá tria. A recons-

trução na cional, no Estado N ovo, dep en dia do suce sso da assimilação —

“obra de conqu ista e catequese” qu e teve início no momento ade qua do,

qu an do “o assun to minor ias é tnicas envolvia n osso país” em razão da

presen ça na zista, aqui e n o exterior, em b usca de  Lebensraum (Jamundá

1968:15).

O e xpurgo d as escolas e associações “suspei tas” , bem como todas

as demais medidas de exceção, u t i l izando constrangimentos f ís ico emoral, com uso da força, é para Ja mu ndá uma ação fun dam entad a na lei.

Entretanto, de m odo diverso de Bethlem e Nogu eira — qu e pe nsaram a

campa nha como gu erra —, reconhece (mas não condena ) que na prática

cotidiana ocorreram arbitrariedad es.

“A minha persistência referente à pa rte educat iva da Cam pan ha d e Na cio-

na lização condu ziu-me a u ma situação e special dentro do grup o. Tornei-me

intoleran te e , acintosame nte, contrário às me didas d e orde m p olicial. Acha-va q ue se u sava, exorbi tan temen te , a p olícia d e repressão. [. .. ] Notei que

out ros també m pe nsavam assim, toda via nã o chega vam a fa lar a lto o qu e

pen savam” (Ja mun dá 1968:32).

Apesar de sse dep oime nto, o autor nã o informa q ua is med ida s de

repre ssão estava conde na nd o. Ao longo d o texto fala de “a titud es poli-

ciais” ou de “ ab uso de au torida de ” — qu e atribu i ao desprep aro dos ag en-

tes ou à s dificuldade s de comunicação lingüística (boa p arte da popu la-

ção do Vale d o Itajaí , por exe mp lo, não falava o portug uê s, e a m aioria

qu ase a bsoluta d os nacionalizadores nã o conh ecia a líng ua alemã ).

O tipo de violência que afetou a p opulação pode ser percebida q uan -

do assevera qu e os colonos não foram p rejudicados nas sua s ativida de s

produ t ivas pe la p roibição do uso dos seus id ioma s de or ige m (a lemão,

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A ASSIMILAÇÃO DOS IMIGRANTES COMO QUESTÃO NACIONAL122

ita lian o e ou tros). Se hou ve ou n ão p rejuízo material , esse é um aspe cto

secund ár io do problema (e d e m en suração impossível) — ma s existem

regis tros de p r isão ou d e coação m oral motivad os pe lo uso de l íng uaestrang eira. Os colonos, em su a ma ioria, não sab iam se expre ssar em por-

tugu ês e a proibição legal teve efeitos sobre sua s vida s cotidiana s, difi-

cultand o a l ivre comu nicação. O própr io Jam un dá , em outro momen to,

d iz que a “a legação [dos e fe i tos nega t ivos da camp anh a n a p rodução

rura l] não é to ta lmen te de sprovida de fund ame nto” , porém apa receu

“n os resídu os de resistên cia a o processo na ciona lizad or”27 . E insiste: “o

não u t ilizar a l íng ua vernácula , e ra como a inda é , um a inconveniência

sign ificativa contra a Unida de Pa triótica. Efetivam en te, não intere ssa àUnidad e N acional que aqu ela área p rodutora d e b ons índices de r ique za

não ten ha comunicação com e la” (Ja mu nd á 1968:79-80)28

.

A premissa aí contida reme te à l íng ua como princípio fun da me ntal

da n aciona lida de . E dela resulta a imp ortância atribuída à q ue stão esco-

lar — o sucesso da n acionalização atre lado ao p rocesso de transforma ção

ou erradicação da “ escola e strang eira”. Os te mas d a u nidad e territorial e

do caldea men to são secundá rios na sua arg um entação — a qu estão cru-

cial é a un iformidad e ling üística.Não é por outra razão que Jam un dá construiu um perfil laud atório

de Ne reu Ramos calcad o, principalmen te, nos decretos qu e facilitaram a

interven ção na s escolas e n as associações recrea tivas e cu ltura is — red u-

tos pú blicos de tran smissão da l íng ua e d a cultura dos de scende ntes de

imigran tes. Tratava-se d e impe dir a formaçã o de m inorias na ciona is atra-

vés de um a camp anh a conduz ida p or me ios lega is , r e spa ldada num a

razão maior — a seg uran ça na cional.

A utilizaçã o do te rmo minoria29

, por outro lado, insinu a o problem ado na zismo — aciona do qu an do procura justificar as me didas d e rep res-

são. O nazismo é o inimigo ge né rico a ser enfrentad o, influência de leté-

ria sobre os descende ntes de alemães — e a transformação destes em b ra-

sileiros pa ssava pela “d esna zificação” —, embora reconhe ça “q ue ne m

todo a lemã o ou d escende nte concordava com a n azificação” (Jam und á

1968:34). Concreta me nte , a am ea ça na zista é aciona da p ara d esculpar a

violên cia da s medida s nacionalizadoras, em nome d as necessidad es da

ass imilação de bras i le i ros que se encaminhavam para a formação de

min orias p or incú ria dos políticos da Repú blica Velha . A referên cia a os

políticos, nesse caso, é b em precisa (embora J amu nd á fale g en ericame n-

te, sem citar nome s): são ad versários de Ne reu Ram os — com ba se elei-

toral em regiões de colonização a lem ã e italian a — que se ma nifestaram

contrários à cam pa nh a, cond en an do os mé todos mais violen tos, espe cial-

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A ASSIMILAÇÃO DOS IMIGRANTES COMO QUESTÃO NACIONAL 123

me nte os excessos cometidos contra os que n ão falavam p ortugu ês. Pro-

vavelmen te p ossuíam iden tidad es “h ifena das” — traduzindo etnicidad e

e cidadania — incompatíveis com os princípios assimilacionistas quedeterminaram os rumos da ação

30.

A meta e ra incorporar os descen den tes dos imigrantes n o melt ing

 pot na ciona l. Isto, nos termos d e J am un dá , jam ais seria ob tido p ela força.

Era pre ciso primeiro conhe cer esses b rasileiros de snacionalizados, en ten-

dê-los.

“Foi, justame nte , ao ler o cien tista social Emílio Willems, por recom en da ção

de Nere u Ramos, qu e m e ilustrei. Daí para d ian te os meu s pecad os diminuí-ram na freqüê ncia com que a conteciam, passei a enxerga r o problema da

nacionalização p rocuran do controlar a em ocionalida de .

E entend i, que e stava no Melting Pot onde o de scende nte do imigrante

alemão en trado em 1850 estava qu eren do de morar em ser brasi leiro, quan -

do p elo nascimento já o e ra” (Ja mun dá 1968:32-33).

Nesse caso, um estud o acadê mico sobre a assimilação dos alemã es

(Willems 1940), no qual também existem informações sobre diversosaspe ctos do perte ncimen to étnico germ ân ico, serviu como orien tação ao

oficial do Exército, no sen tido de p en sar a n acionalizaçã o, principalme n-

te, como um processo ed uca tivo. A me nçã o aos conflitos inte rnos do g ru-

po nacionalista mostram qu e a de sejada mode ração da “atu ação agressi-

va” realmente nã o aconteceu.

Considerações finais

Ao men ciona r a influên cia d o estud o de Em ílio Willems sobre seu mod o

de ver a colonização alemã , Jamu nd á n ão estava send o um nacionaliza-

dor mais moderado. Quis ap en as dizer qu e tal obra pe rmitiu u m me lhor

en tend ime nto da res istência teuto-bras i le i ra à camp anh a e , por exten-

são, ao m elting p ot (portan to, à assimilaçã o). Isso sign ifica qu e p erceb eu

a importância d a idéia de pertencimento étnico à na ção alemã (as de mais

e tnias são ap en as me nciona da s , ocasionalmen te , no l ivro) — um a d as

ma rcas da iden t idad e te uto-bras ile i ra —, mas como forma inde vida de

na ciona lismo estran ge iro introdu zido e consolida do ao longo do f luxo

imigratório. A formação d a n ação e xigia a incorporação d os imigran tes

através de um p rocesso de a ssimilação, també m cham ad o de caldea men -

to, por suas imp licações de mistura racial: a cam pa nh a foi um a ten tativa

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A ASSIMILAÇÃO DOS IMIGRANTES COMO QUESTÃO NACIONAL124

de assimilaçã o forçada , que o discurso militar, aqu i ana lisad o a p artir da s

rep rese nta ções de três oficiais do Exército de la pa rticipan tes, classificou

como imp erativo da u nidad e n acional.A citaçã o do trab alho d e Willems (1940) tem outra s imp licações. Ind i-

ca a inf luê ncia da s teor ias a cadê micas sobre a ss imilação, em voga n as

ciên cias sociais na s década s de 30/40, fun da me ntad as, em g rand e pa rte,

nos estudos sobre imigração nos Estados Unidos, ond e tam bé m e me rgiu,

no início do sécu lo XX, a idé ia pop ular de m elting pot . Em am bas as teo-

rias e xiste a su posição de qu e a s diferen ças culturais e sociais das p opu -

lações imigrad as são sup eráveis , pe rmit ind o a incorporação grad ua l à

nova socied ad e a p artir da segu nd a ge ração. A autoconsciên cia na cionaldos imigrantes, emb ora man tida pe la p rime ira ge ração, limitando a a ssi-

milação, ser ia gradua lme nte pe rdida na s gerações sub seqü en tes . Essa

pe rspe ctiva reflete ide ais inte gra cionistas em relação à imigração eu ro-

pé ia nos Estados Un idos — e m elting p ot , na forma pop ularizad a, impli-

cava uma imag em de incorporação dos europeus à v ida ame r icana —

portanto, sua “am erican ização” 31.

O sent ido do “abra sile irame nto” pre tend ido pe los in tegran tes da

campa nha é, praticamen te, o mesmo — a incorporação à socieda de bra-sileira —, mas n uma concepção b em amp la d e m elting p ot , supond o tam-

bé m a integra ção racial pelo “calde am en to”. A aposta nacionalizadora

se fez, entã o, sobre a s ge rações m ais jovens, na scida s no Brasil — como

se pode d epree nd er dos textos ana lisados, qu e en fatizam, repetidam en-

te, a n ecessidad e de erradicação d as “e scolas e stran geiras”. A naciona li-

zação do ens ino é o tema prepond eran te n os tr aba lhos de Be th lem e

Ja mun dá, e a a ssimilação como problema edu cativo aparece nos três tex-

tos, através da conde na ção do uso de idiomas estrange iros e da a pologiado e scotismo, do se rviço militar e d a prá tica d o civismo.

A assimilação (e seu sinônimo na qu ele contexto da cam pa nh a — cal-

de am en to) é en tend ida como na cionalização, e nã o simplesmente como

processo de m ud an ça cultural e social: tratava -se de transforma r ind iví-

du os na scidos n o Brasil — portan to, brasileiros segu nd o o  jus soli — e m

“n aciona is”. Ne sse caso, a incorporação dos de snacionalizados imp licava

a m ud an ça da s men ta l ida de s e d os s ign ificad os s imb ólicos a tre lados a

nacionalismos estranhos.

A assimilação como qu estão n aciona l tem como prem issa a su bsti-

tuição dos símbolos étnicos por outros represen tativos da bra silida de . Daí 

a insistência na imp osição de práticas cívicas e no d esmonte da estrutura

comun itária étnica represen tad a pe las escolas, associações e pe lo uso das

líng ua s ma ternas. Mu ito mais do q ue as d iferen ças concretas — sociais e

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A ASSIMILAÇÃO DOS IMIGRANTES COMO QUESTÃO NACIONAL 125

culturais — os nacionalizad ores prete nd iam a ting ir as ideologias étnicas,

os sentimen tos de e tnicidade . Nã o é por outra razão que Bethlem q ue ria

a cabe ça do pad re polonês, que Ja mu ndá elogiou os decretos que m odi-ficaram as de nominações de ruas, club es e localida de s, e q ue N ogue ira

sug eriu a troca da s láp ides nos cem itérios; e todos insistiram na “virulên -

cia” da doutr inação n azista — pelo que representava em termos de cris-

talização de um na ciona lismo racial —, emb ora ne nh um de les limitasse o

alcance d as me didas repressivas aos descendentes d e a lemã es.

O e xemp lo ma is expre ssivo de su bstituição simbólica está no traba -

lho de Nogueira , no capí tulo dedicado a uma interpre tação sobre as

intenções d e H erma nn Blumen au . Ao perfil neg ativo do colonizador, con-trapõe u ma fala repleta d e e logios ao guia b rasileiro que conduziu o ale-

mã o nas viag en s de reconh ecimen to ao rio Itajaí-açu, antes da fun da ção

da colônia. Ressalta o he roísmo do cab oclo injustiçado, qu e n ão receb eu

reconhe cimen to algu m por seu trabalho de de sbravamen to porque a cida-

de de Blume nau só rende homenag ens e e rgue estátuas para os teutos. E

af irma: “o nome d o dr . Blum en au de ve ser subst i tu ído pe lo de Âng elo

Dias, o intime rato cab oclo catarine nse ” (Nogu eira 1947:64). Aí está u ma

clara sug estão de t roca do nome da c ida de , ond e a f igu ra s imb ólica d ocaldea me nto de ve sub stituir a figura simbólica do en qu istame nto. Afinal,

Blum ena u fundou sua colônia n a “ seara tropical do caldea men to”, segun -

do image m d e retórica do g ene ral Meira Vasconcellos evocad a por Beth -

lem (1939:176).

O Exército entrou na cam pa nh a p ara impor o naciona lismo através

da ed ucação cívica e do cerceam en to formal das e tnicidad es. A ação foi

interpre tada como obra d e conq uis ta : levar o e spírito de bras i lida de a

um a p arte d o território ocupa da por colonizad ores alien ígena s. Na visãodos qu e p lane jaram a a ção, no sul, o Exército emerge como guardião da s

vir tude s cívicas da n ação, e a cam pa nh a como instrum en to leg ítimo do

Estado para chega r à un idad e naciona l. O p rincípio da nacionalidad e (cf.

Hobsb awm 1991), nessa p erspect iva m ili ta r , exigia a eq ua ção Estad o-

na ção-povo, e a a ssimilação dos alien ígena s, seu calde am en to, era e ssen-

cial para a forma ção do p ovo.

Recebido em 31 de janeiro de 1997

Aprovado em 21 de fevereiro de 1997

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Giralda Seyferth é professora do Programa de Pós-Gradua ção em Antropo-logia Social (PPGAS) do M use u N acional/UFRJ; mestre pe la me sma institui-

ção e doutora e m C iências H uma na s (Antropologia Social) pe la Universida-de d e São Paulo.

Notas

1 Tais críticas n ão se restring em à p olítica imigratória; de um modo g era l, oside ólogos do Estado Novo ima ginaram uma Primeira Repúb lica d istanciada doside ais de construção nacional e sem comp romisso com a u nidade da na ção. Ver,Oliveira, Velloso e G ome s (1982).

2 O u so desse termo é sign ificativo porque transforma os grup os étnicos emelemen tos pa tológicos, supond o a nece ssida de d e remoção.

3 Cf. Rome ro (1906; 1949). O equ ilíbrio pop ulaciona l pre ten dido rem ete àtese sobre o bran qu ea men to da p opulação brasileira defendida p elo au tor.

4 A campa nh a d e n acionalização tem sido ignorad a p ela historiogra fia local.Algu ns ab usos cometidos em n ome d o patriotismo no Vale do Itajaí, por exem plo,são citad os por J amu ndá (1968).

5 Dez an os após a fund açã o da colônia Blumen au , o govern o provincial pro-

moveu o a ssentame nto de alemãe s no Itajaí-mirim; ao mesmo temp o, Blume na ufoi o ponto de pa rtida pa ra o povoam en to de todo o Vale d o Itajaí-açu — por ini-ciat iva oficial ou p ela concessão de terras a compan hias de colonização, como aSociedad e Colonizadora Han seática, que d eviam lotear as áreas receb ida s e ven-dê -las aos colonos na forma da lei.

6 Apesar dessa ap arente h eterogeneidade , a maioria da população tem ori-gem alemã e ita l ian a. Fran ceses e i rlan de ses não suportaram a s cond ições deassen tame nto na colônia do Itajaí-mirim e se re tirara m, ap ós algun s conflitos coma ad ministração, na dé cada de 1870. Os russos dos reg istros oficiais eram, n a ver-

dad e, teuto-russos falantes da língu a a lemã , caso, também, de uma parte d os polo-ne ses e hú ng aros. Os imigrante s das outras nacionalida de s têm peso estat íst icoinsignificante e os que permane ceram n a região se german izaram.

7 Sobre os pressup ostos raciais que nortearam e d ificul taram o acesso debra sileiros ao sistema de colonização, ve r Se yferth (1991; 1996).

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8 Desde 1824, são poucos os pe ríodos em qu e a en trada d e imigran tes ale-mã es n o Brasil ultrapa ssou os 2 mil ind ivíduos an ua is. Aum en tos substantivos nes-te nú mero só ocorreram e m d ois momen tos: antes d a Primeira Gue rra Mu ndial e

no início da dé cad a d e 20 (em 1924, por exemp lo, são registrad os mais de 20 milindivíduos) (cf. Carneiro 1950). No discurso nacionalista, a associação desseau men to da imigraçã o nos a nos 20 com o n azismo foi ine vitável!

9 O ma ior núme ro de e scolas es t range iras es tava na s área s de colonizaçãoalemã ; eram ap roximad ame nte 1.500, por volta de 1937, só no Rio Gran de do Sul(cf. Kreu tz 1994).

10 Sobre e ssa q ue stão, ver Diniz (1983).

11 O p erfil doutrinário do Estado N ovo é a na l isad o em Oliveira, Velloso eGom es (1982).

12 Angela de Castro Gomes mostra qu e houve u ma re leitura do movimen toimigratório na qua l os norde stinos, que começaram a m igrar p ara São Paulo e Riode Jan e i ro na d écada de 20, assumi ram a condição de novos band e i ran tes queretomariam o Brasil para os nacionais (cf. Oliveira, Velloso e Gomes 1982:161).

13 O d iscurso de Blum en au foi transcrito em Varg as (1940: vol. VII), e n ele é

ressaltad a a funçã o edu cadora e na cionalizadora d o Exército naciona l.

14 Conforme conce itos de An de rson (1983) e H obsba wm (1991).

15 As motivações de na tureza a nt iétnica, da me sma forma, estão presen tesnos textos de Nog ue ira e J am un dá . Este úl t imo, no início do primeiro cap ítulo,informa qu e o ge ne ral Meira de Vasconcellos ficou alarmad o com a n atura lidadecom qu e mu itos brasileiros cultuava m outra h istória, outra na ciona lida de e fala-vam outra l íng ua , en sina da e m “e scolas estrang eiras” — vind o daí a motivação

para planejar a intervenção militar (cf. Jamundá 1968:12).

16 “É de 60% o núme ro dos que não fa lam e n em me smo compreendem anossa língu a; de 30% os que, emb ora compree nde ndo e fa land o, procuram nãofalar e n ão se consideram brasileiros; de 10%, un icame nte, os que identificados à

nossa nacionalidad e, falam nossa língu a e am am nossa pátria” (Bethlem 1939:32,ên fases minha s). Não há m ençã o sobre a s fontes desses pe rcentuais, e o sent idode exclusão n aciona l está, de certa forma, implícito no uso d o pronome.

17 Ver, por exe mp lo, as observa ções sobre “ca boclização” d os imigran tes em

Willem s (1940; 1946) e M artins (1955).

18 A expressão foi usad a p ara comen tar a di ficuldade de supe rar as idéiasal ien íge nas junto à p opulação de Joinville (SC): “Seu s cérebros enve nen ad os,não a ceitavam a pujança indiscutível de n ossas d outrinas e intimame nte se torna-vam m ais traidores aind a” (Beth lem 1939:139).

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19 As man ifestações na cionalistas sobre o “p erigo alemão” , no contexto daexp an são impe rialista d o II Reich, são a na lisad as e m Se yferth (1994).

20 O u so exemplar da gue rra civil espanh ola p rovavelmente está a ssociad o àpre ga ção anti-socialista, presen te qu an do o autor defend e a cen tralização políticapromovida pe lo Estado N ovo.

21 Os e qu ívocos cometidos por Nog ue ira sã o muitos, mas n ão tem sentido con-frontá-los com a h istoriografia d a imigração a lemã. Para ficar ap en as com a q ue stãoda terra, a ún ica e xplicação p ara o u so do termo lat ifún dio é a possibil ida de doautor estar se referind o às á reas totais das colônias (o que nã o pare ce ser o ca so) —qua se semp re terras devolutas — sem levar em conta o tama nho d e cad a lote. Em

1824, a concessão familiar tinha ce rca de 75 hectares, taman ho qu e, progressiva-mente, foi diminuindo ao longo do século XIX até chega r ao pad rão de 25 he ctares.

22 Sobre os problemas qu e cercaram a funda ção da colônia de Blume nau ,ver o livro de Silva (s/d).

23 O convên io estipu lou um preço pe la tran sferên cia d a colônia ao Estado —a compa nhia d e colonização ha via comprad o a concessão em 1850 e invest iu e mbe nfeitorias e imóveis na sed e d a colônia; de scontada s as dívida s, Blumen au rece-be u 30 contos pelas 20 lég ua s qu ad rad as e b en feitorias (cf. Silva s/d :70). Além da

nomea ção para a diretoria da colônia, esse pa gam ento deve se r a razão da censu-ra de N ogue ira ao governo impe rial.

24 O au tor mostra-se espa ntado com a q ua ntidad e d e a ssociações e salões debaile e ncontrados por toda pa rte — censura ndo o “e xage ro” da vida a ssociat ivacom sua a lgazarra e mult ipl icida de de jogos e ba iles. As festas me nciona da s notexto são os bailes realizad os nos finais de sema na nos inú me ros salões existen tesna cidad e e no meio rural .

25 Ne reu Ram os (1888-1958) na sceu e m Lajes (SC) e surg iu n a ce na políticaem 1911 como dep utad o estadu al. Participou d a Revolução d e 1930 como um doslíderes d a Alian ça Libe ral. Foi de pu tado constituinte e m 1934, governa dor e leitopela Assemb léia Legisla t iva e m 1935, e in terventor nome ad o de 1937 a 1945.Depois de 1945 exe rceu o cargo de vice-preside nte d a Repúb lica, foi de pu tado esena dor em várias legis la turas . Apesar d o t ítu lo do livro, é de stacado ap ena s opap el de Ne reu Ramos como principal figu ra da cam pa nh a de na cionalização emSanta Ca tarina.

26 As socieda de s de ginástica (Turnvereine) foram inspirada s na organização

das Turnherrschaften , ide alizada s por F.L. Ja hn , no início do sé culo XIX. As Tur -nherrschaften , além da prática d a g inástica, t inha m a fina lidad e d e treinar p atrio-tas — já qu e o conte xto histórico era o d o domínio nap oleônico. Tinha m, pois, umcaráter na cional is ta . Os qu at ro efes men cionad os por Jamun dá fazem parte d aba nd eira d a a ssociação, referindo-se à s pa lavras Frisch (lép ido), Fromm (devota-do), Froelich (aleg re) e Fre i (livre).

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27 Há alguma s indicações de confli tos provocados, às vezes , por am ea çasinfundad as, atribuídas a “ aproveitadores” e “incompe tentes” qu e tentaram usara cam pa nh a e m proveito próprio — como no caso de uma proprietária de indú s-

tria, em Blume na u, que procurou as au toridad es alarmad a com a possibilidad e d eintervenção n a sua fáb rica (cf. Ja mun dá 1968:35).

28 O tem po verb al no pre sente , incluído na frase , most ra a insat i sfação d oau tor com os resultados da camp an ha . Afinal, em 1968, líng ua s estrang eiras ain-da podiam ser ouvidas em Santa Catarina.

29 O termo minoria é u sado por Jam und á de notand o possibi lidad es sepa ra-tistas, no sentido d e que represen ta um perten cimen to nacional incompa tível com

a idéia de Estad o-nação.

30 Deve ser lemb rado q ue , dura nte a Repú bl ica Velha , o pode r pol ít ico foiexe rcido por pe ssoas liga da s ao Vale d o Itajaí (como He rcílio Luz e os irmã os Kon-de r) e p or teuto-brasi leiros como Lau ro Müller e Fel ipe Schmidt . O man da to degovernador, concluído em 1930, foi exercido por Adolfo Konder; após a Revoluçãode 1930, a ce na política foi dom inad a p ela família Ramos.

31 Assimilaçã o e a me rican izaçã o são p rocessos sociais de finidos p ara a imi-gração e uropéia — portan to, bran ca. Park (1935) aponta p ara obstáculos de na tu-

reza ra cial que dificultam a integra ção dos a siáticos e ne gros na socieda de ame ri-cana , imp ed indo, seg un do ele, a utilização do conceito de assimilação para e stu-da r as “re lações raciais”. No verbe te “Ame ricanization”, da  Enciclopae dia of the

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Resumo

A campa nh a d e n aciona lização instituí-da du rante o Estad o Novo (1937-1945)interferiu na vida cot idiana dos imi-grantes e de scenden tes es tabe lecidosno Brasi l – denominados al ienígenasem razão das etnicidad es pre valecentese da s culturas difere nciada s – exigindosua a ssimilaçã o (en qu an to sinônimo de

caldea mento) em nome da u nidade na -ciona l. O pre sen te artigo focaliza asp ec-tos do discurso militar sobre a cam pa -nh a e se us objetivos de assimilação for-çada , a partir de textos produ zidos poroficiais do Exérci to que trabalharamcomo agentes da nacional ização noVale d o Itajaí (SC) – região conside rad aparadigma d e “ enq uistamento”, afasta-da dos princípios da “ brasilidade ”. Pro-

cura mostrar que, na condução da cam-pa nha pe los militares, prevaleceu u maconcepção de Estado-nação que ne goulegi t imidade a quaisquer formas depe rtencimento étnico, conforme pa râ-metros próprios da ideologia na ciona-lista bra sileira g estada de sde o sé culoXIX.

Abstract

The n ationa lization cam pa ign promot-ed du ring the Estad o Novo (1937-1945)interfered in the dai ly l ives of immi-gran ts and the ir descend ents in Brazil– lab eled a s alien s becau se of the p re-vailing e thn icities an d the differe ntiat-ed cul tures – req uiring their assimila-tion (as a synonym for misceg en ation)

in the name of nat ional uni ty . Thisstudy focuses on asp ects of the m ilitarydiscourse related to this campa ign an dits objectives of forced assimilation,based on documents produced by Armyofficers working as a ge nts for nationa l-ization in the Itajaí Valley, in the Stateof Santa C atarina, a reg ion viewe d a s aparadigm of “encystment” , s t rayingfrom the principles of “Brazilianness”.

It seek s to demonst rate h ow – in thecamp aign b y the m ilitary – a concept of na tion-state prevailed w hich den ied le-gitima cy to any form of ethnic belong-ing, in accordance w ith the very para-meters of Brazilian nationalist ideologyas fome nted since th e 19th century.