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MARIO EU & Sexta-feira, 13 de maio de 2016 - Ano 17 - Nº 809 FIM DE SEMANA “A virtude da tolerância é o grande valor liberal” “É perigoso que se mantenha governantes corruptos para garantir o funcionamento de um sistema” “Há perigo de a literatura ser reduzida só a um pequeno setor da sociedade, aí existe perigo de a democracia sofrer profundamente” VARGAS LLOSA

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M A R IO

EU&Sexta-feira, 13 de maio de 2016 - Ano 17 - Nº 809

FIM DE SEMANA

“A virtude da tolerância é o grandevalor liberal”

“É perigoso que se mantenhagovernantes corruptos para garantiro funcionamento de um sistema”

“Há perigo de a literatura ser reduzidasó a um pequeno setor da sociedade,aí existe perigo de a democraciasofrer profundamente”

VARG ASL LOSA

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Em São Paulo, VargasLlosa conta que escreveensaio sobre Hayek:economista “colocou oproblema doliberalismo, dademocracia, daeconomia e dos valoresno nosso mundo”

CA PA

Para Vargas Llosa, movimentos pró-impeachment são espécie decatarse da democracia contra a corrupção e vitória de KeikoFujimori equivaleria à legitimação da ditadura a posteriori.Escritor revela ainda que prepara ensaio sobre Hayek, um árduoliberal como ele. Por Robson Viturino, para o Valor, de São Paulo

l i b e ra l i s m oElogio ao O

escritor peruano Mario Vargas Llosatem um duplo. É o Mario Vargas Llosaintelectual. Nas últimas décadas, a ca-da dois ou três anos, o ficcionista pu-

blica um livro, entre eles alguns romances fun-damentais para entender a América Latina, co-mo “Conversa na Catedral”, “A Guerra do Fim doM u n d o” e “A Festa do Bode”. Nos intervalos des-ses projetos, surge o ensaísta literário, o defensordo liberalismo e o crítico da modernidade. Nes-ta semana, o Prêmio Nobel de Literatura reuniuseus duplos para dar uma entrevista sobre o Bra-sil, as mudanças de rumo na América Latina, naEuropa e nos EUA, a sua crença na liberdade, oromance “Cinco Esquinas”, que sairá no Brasilneste ano — depois do recém-lançado “Barcodas Crianças” —, e seu novo trabalho.

Vargas Llosa veio ao Brasil para abrir o ciclode conferências Fronteiras do Pensamento. Ementrevista concedida no dia 9, no hotel ondeestá hospedado em São Paulo, manifestou oti-mismo com os movimentos pró-impeach-ment de Dilma Rousseff, uma “espécie de ca-t a r s e” da democracia contra a corrupção. Aos80 anos, comemorados em março com umagrande festa em Madri, onde vive, Vargas Llosatoca seu novo projeto: um ensaio sobre Friedri-ch Hayek (1899-1992), defensor do liberalis-mo clássico e conhecido por sua associação àEscola Austríaca de pensamento econômico.

Valor: O Brasil vive uma das crises mais gra-ves de sua história. A rejeição aos políticos estáexposta como há muito não se via, há um climade conflito nas ruas e nas redes sociais e a econo-mia está anêmica. Como vê esse cenário?

Mario Vargas Llosa: Com otimismo. Creioque esse é um movimento saudável de purifica-ção de uma democracia cuja corrupção provo-cou grande desencanto no povo. E me parecesaudável que se tenha levado a cabo uma mobi-lização tão grande para castigar os políticoscorruptos e um sistema afetado pela corrupção.Acredito que, se for feito um balanço entre per-das e ganhos, o resultado é positivo. É bom quegrandes setores da população que estavam de-sinteressados da política se comprometam demaneira tão ativa para pedir que, de acordocom a própria legalidade do Brasil, haja uma es-pécie de catarse de seu sistema democrático.

Valor: Há uma grande discussão sobre a legi-timidade do processo de impeachment de DilmaRousseff. O que pensa disso?

Vargas Llosa: Não acredito em golpe, por-que seguem as pautas que estabelecem a pró-pria legalidade brasileira para sancionaruma presidente que é considerada não cum-pridora da legalidade, por ter manipulado ascontas para beneficiar um processo eleitoral.E isso prosseguiu por meio do Parlamento,com todo esse processo lento e complicado. É

uma grande injustiça chamar isso de golpe.Creio que é uma defesa de quem se sentemuito afetado pelo que está acontecendo.

Valor: O argumento de muitos opositores aoimpedimento é que ele poderia criar um prece-dente para o afastamento de futuros chefes de Es-tado com uma popularidade muito baixa. Issopode trazer problemas no futuro?

Vargas Llosa: Acho que é mais importante terpresidentes que estejam submetidos a uma vi-gilância democrática e que podem ser destituí-dos excepcionalmente, de acordo com a pró-pria legalidade. É perigoso que se mantenhamgovernantes corruptos para garantir o funcio-namento de um sistema. Se o sistema está cor-roído pela corrupção, o melhor é corrigi-lo oquanto antes, para evitar casos tão dramáticoscomo o da Venezuela. A verdade é que o Brasildeveria ter decolado há muito tempo. É um paísgigantesco, com quantidade imensa de recur-sos. E o que o freou? A corrupção.

Valor: O senhor vê o risco de retrocesso na de-mocracia brasileira?

Vargas Llosa: Creio que haja certo risco, cla-ro, mas acho que manter instituições que estãopodres não pode ser nunca uma solução a lon-go prazo. É, de novo, sucumbir a um populis-mo. Esse populismo que sacrifica o futuro emnome de um presente muito passageiro.

Valor: Um dos fenômenos políticos mais

FOTOS ANA PAULA PAIVA/VALOR

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expressivos dos últimos anos no Brasil foi o surgi-mento de movimentos com agenda econômica li-beral, algo que já foi defendido de forma envergo-nhada por aqui. O que pode se esperar deles?

Vargas Llosa: O melhor. Quem dera houvesseem toda a América Latina movimentos com vo-cação liberal que entenderam que somenteuma economia aberta, uma integração entre osmercados do mundo, um Estado forte, porémpequeno, e uma sociedade civil grande é o quetraz o progresso e o desenvolvimento, é o quecria oportunidade para que os cidadãos pos-sam organizar sua vida e realizar seus desejos.Os países que estão no topo do mundo sãoaqueles que optaram por esse modelo.

Valor: Como nos EUA e em países da Europa,há liberais apenas na economia. Em questões co-mo imigração, aborto, igualdade de gênero, aces-so a armas e liberação das drogas, muitos sãoconservadores ou até ultraconservadores.

Vargas Llosa: Estão enganados, porque a li-berdade é uma só. A liberdade é unívoca, nãopode ser dividida. A liberdade tem de operar si-multaneamente no campo econômico, políti-co, social, cultural e individual. Esse é o verda-deiro progresso. Quando a liberdade opera emtodos esses campos, produz trocas, gera maisopções em todos esses domínios. É quando ver-dadeiramente se produz o progresso para a ci-vilização. Pensar que pode haver uma liberdadeeconômica sem liberdade política ou liberdadepolítica sem liberdade econômica é disparate.

Valor: Em várias regiões do Brasil, políticostêm sido hostilizados em lugares públicos. Qual orisco desse rancor dirigido se transformar em al-go mais perigoso?

Vargas Llosa: Isso pode acontecer quando hámuita corrupção e uma frustração grande, sobre-tudo depois de terem endeusado um movimento,como foi o caso do PT e de Lula. Havia a ideia deque Lula era uma espécie de santo. A Europa in-correu nesta santificação de Lula. E aí se descobriuque a fonte de muito da corrupção que há hoje emdia nasceu do governo Lula. Há então uma decep-ção grande, e essa decepção pode gerar violência.Por isso, é importante corrigir a raiz do que há deerrado, mas fazê-lo por vias legais.

Valor: Outra força política que tem desponta-do é a dos evangélicos. Estão à frente de conglo-merados midiáticos e são capazes de mobilizarmilhões de fiéis em defesa de sua agenda. Qual oimpacto disso na vida política de um país?

Vargas Llosa: O evangelismo tem duas fa-ces. Há um lado que é positivo. Geralmente,defendem a economia de mercado e sistemasde vida mais austeros. Por outro lado, muitasvezes há um fanatismo religioso. Fanatismoeste que é incompatível com a democracia, aliberdade e a organização liberal de uma so-ciedade. E esse não é um fenômeno brasileiroou latino-americano, está por todo lado.

“A liberdade tem deo p e ra rsimultaneamente nocampo econômico,político, social,cultural e individual.Esse é o verdadeiroprogress o”, afirmaVargas Llosa

Valor: Ao analisar o quadro atual com umalente psicológica, pode-se dizer que o brasileirotem vivido um desamparo. Parece não haver lide-ranças capazes para agir diante da complexida-de dos problemas. Onde isso pode nos levar?

Vargas Llosa: Acho que o Brasil tem, poten-cialmente, todos os líderes de que necessita. Éum país grande, que tem profissionais, funcio-nários e técnicos de alto nível. É necessário queessa gente bem qualificada participe da políti-ca, e não olhe para a política com medo, comhorror, como algo sujo de que precisa tomardistância. Porque se se deixa a política somenteaos sujos, a política será suja. É muito impor-tante convencer as pessoas da importância daparticipação na democracia.

Valor: O que espera do segundo turno das elei-ções no Peru, no dia 5? O senhor acredita que oseu candidato, Pedro Pablo Kuczynski, tem chan-ces de vencer Keiko Fujimori?

Vargas Llosa: Espero que o Kuczynski ganhe,logicamente. É um nome de muito prestígio,que conhece o Peru e que tem credenciais inter-nacionais boas. Sua adversária não tem nenhu-ma, salvo que é filha de um ditador [Alberto Fu-jimori, para quem perdeu a eleição em 1990].Seu triunfo equivaleria à legitimação da dita-dura a posteriori. Seria muito ruim para o Peru.

Valor: Como vê as mudanças de rumo na polí-tica em outros países da América Latina?

Vargas Llosa: Acho que o que acontece naAmérica Latina, com algumas exceções que sa-bemos — como Cuba e Venezuela —, é um feitopositivo. Desapareceram as ditaduras militaresque estavam por toda parte. E desapareceutambém a ideia da utopia marxista-leninista,de que só uma revolução armada pode resolveros problemas. E isso fez com que o modelo de-mocrático se impusesse na América Latina. Te-mos democracias muito imperfeitas, por falta

de tradição e de instituições sólidas, mas creioque haja consensos amplos a favor da democra-cia como o modelo dentro do qual deve haver aluta por progresso e desenvolvimento. Creiotambém que haja pela primeira vez consensos afavor da economia de mercado. Alguns com en-tusiasmo; outros, com resignação.

Valor: Pode-se dizer então que está otimista.Vargas Llosa: Estou otimista, mas com caute-

la, porque a América Latina pode retroceder ese tornar preocupante em alguns lugares, mascreio que, se fizerem um balanço, há mais ra-zões para o otimismo que para o pessimismo.

Valor: Qual a sua expectativa com o governode Mauricio Macri na Argentina?

Vargas Llosa: Muito boa. Acabo de passaruma semana lá e acho que Macri está traba-lhando bem. Está fazendo as reformas radicais,que se impõem contra o populismo dementeda senhora Cristina Kirchner e, antes, do senhorNéstor Kirchner, enredando o país de maneiramonstruosa. Lá a corrupção também saiu à luz— e há uma ação forte para punir os corruptos.Mas creio que todas as primeiras medidas dogoverno de Macri são muito positivas.

Valor: A Europa, onde vive, também passa porgrandes mudanças: a crise econômica, a possívelsaída do Reino Unido da União Europeia, os ata-ques terroristas, a chegada dos refugiados e o res-surgimento dos ultraconservadores.

Vargas Llosa: A Europa representa a empresamais audaz e ambiciosa dentro do mundo de-mocrático. Países que se matavam uns aos ou-tros ao longo de sua história, enfim resolveramse unir e fazem-no integrando suas economiase, depois, suas instituições políticas. Isso trouxebenefícios enormes. Freou o que seria uma de-cadência clara dos países europeus e criou umgrande mercado. Foi bom para a Europa e parao mundo, pois seria ruim se voltássemos a vivernuma estrutura bipolar. Agora, todas essas tro-cas sempre trazem derrapadas. Aquilo que KarlPopper [filósofo] chamava de “o regresso à tri-b o”, que é voltar a querer se trancar no eu pró-prio, no conhecido, não se arriscar em aventura,no novo. Acho que isso acontece com os movi-mentos nacionalistas. Confrontados com a rea-lidade, são minoritários e a Europa não está emperigo. O mais grave, para mim, seria a saída doReino Unido da União Europeia. Isso, sim, seriamuito danoso para ambos.

Valor: O que pensa da atuação da chanceleralemã Angela Merkel?

Vargas Llosa: Foi corajosa. E estava disposta areceber 1 milhão de refugiados na Alemanha,mas o país não a correspondeu. Há medo daimigração, pela dimensão que tem. A razão dizque a Europa não pode manter seus altos níveisde vida sem imigrantes e que os imigrantes sãouma força indispensável. Ao mesmo tempo, éimportante que não passem a significar um re-

trocesso a todas as conquistas sociais e políticasque a Europa alcançou. Os imigrantes têm de seadaptar e submeter-se às leis europeias.

Valor: Os americanos também atravessam ummomento importante com a aproximação daseleições e a possibilidade de Donald Trump tor-nar-se presidente. O que pode significar para omundo a vitória de Trump?

Vargas Llosa: Seria uma catástrofe para osEUA e para o mundo. É preocupante que um de-magogo, um palhaço, alguém que não tem cre-denciais respeitáveis para nada, tenha a popu-laridade que ele tem em um país de PrimeiroMundo e que significa tanto para o Ocidente.Há na campanha de Trump um chamado aosinstintos mais baixos: racismo, homofobia… Éterrível! Mas não acho que vencerá as eleições.Creio que Hillary Clinton tem mais chances.

Valor: Qual será o legado de Obama?Vargas Llosa: Obama foi uma figura positi-

va para os EUA. Um negro ter chegado à CasaBranca foi uma revolução nos costumes dopaís. Salvo no campo econômico, no qual eleé passível de críticas; no campo social e políti-co Obama fez coisas muito, muito positivas.Aproximou-se de outros países, trouxe gran-de sentido social e realizou reformas quecriaram igualdade e oportunidades.

Valor: Em algum momento o senhor titubeouem relação às suas crenças em favor do liberalis-mo? Com a crise de 2008 e o aumento da desi-gualdade em diversos países, não ficou mais difí-cil acreditar na total liberdade dos mercados?

Vargas Llosa: Digo que não. Nunca hesitei.

Mesmo tendo feito muitas críticas aos liberais,que são números personificados e veem o mer-cado como panaceia. Nunca fui assim, tampou-co os grandes pensadores liberais. Esses pensa-dores sempre pensaram que as ideias são maisimportantes que os números, e que são as ideiasque movem a história. A sociedade vive funda-mentalmente de coexistir dentro de um siste-ma que reduza a violência, que é congênita àcoletividade, e, para isso, o que importa não é sóa economia, mas uma política social, cultural eindividual. Creio que a democracia liberal foi osistema que melhor conseguiu isso até hoje.Mas há coisas que devem ser criticadas. Há umavisão um pouco ideológica e dogmática do li-beralismo que é incompatível com o que é o li-beralismo em sua essência. Basicamente, a vir-tude da tolerância é o grande valor liberal.

Valor: Qual é o seu próximo projeto?Vargas Llosa: Escrevo um ensaio sobre Frie-

drich Hayek. Não é um livro, tampouco um arti-go, mas um ensaio um pouco mais amplo. Creioque Hayek é um dos pensadores mais radicais,lúcidos e inteligentes que tivemos. Colocou oproblema do liberalismo, da democracia, daeconomia e dos valores no nosso mundo. Achoque suas contribuições com “O Caminho daS e r v i d ã o” e “Os Fundamentos da Liberdade” fo -ram enormes para o mundo de hoje. Ao mesmotempo, creio que, dentro daquele que pareciaum professor tão tranquilo, erudito, confinadonuma biblioteca, havia uma espécie de desvai-rado, rebelde, agitador que propunha coisasmalucas. Propôs, por exemplo, que a Alemanha

deveria se incorporar aos EUA, e que outros paí-ses europeus deveriam fazer o mesmo. Outraideia louca foi que era preferível uma ditaduracom economia aberta a uma democracia semeconomia aberta. E chegou a dizer esta barbari-dade: que preferia Augusto Pinochet a SalvadorAllende, porque Pinochet havia aberto a econo-mia, e Allende a fechava. Acho que esses são er-ros de um pensador que acertou muito mais doque errou. Acho que sua polêmica com JohnMaynard Keynes [economista britânico], porexemplo, muito instrutiva, e que suas ideias im-pregnaram governos como o da senhora Mar-garet Thatcher e de Ronald Reagan, que trouxe-ram imensos benefícios à causa libertária e àdemocracia.

Valor: No segundo semestre será lançado emportuguês o romance “Cinco Esquinas”, seu tra-balho mais recente. O que o levou a escrever sobreos estertores da ditadura Fujimori?

Vargas Llosa: Tinha muitas imagens desse fi-nal, que foi dramático, pois o Peru viveu uma si-tuação de incerteza com o terrorismo — na ver-dade, os terrorismos, porque partiam de dife-rentes forças políticas e do próprio Estado. E ha-via insegurança em relação ao futuro. O que iriaacontecer? Ninguém sabia. Havia toque de re-colher restritivo, criminalidade que aproveita-va demais desse clima para apresentar comoatos políticos o que eram simplesmente delitoscomo roubos e sequestros. Queria descrever es-se mundo e, ao mesmo tempo, destacar algoque me surpreendeu na época da ditadura deFujimori e Montesinos, que era a utilização da

FOTOS ANA PAULA PAIVA/VALOR

“A vida émaravilhosa, é precisovivê-la até o fim e nãomorrer em vida. Nãose deve perder asilusões, não se deveesperar pela morte,isso é morrer”

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Uma obrac o n fe s s i o n a le autocríticaLuís Antônio GironPara o Valor, de São Paulo

No dia 28 de março, Mario Vargas Llo-sa completou 80 anos. Um dos no-mes mais consagrados das letras la-tino-americanas, vencedor do Prê-

mio Nobel de Literatura de 2010, publicou 18romances, cinco peças de teatro, uma coletâ-nea de contos e 15 volumes de ensaios. Sua vi-da é cheia de aventuras, mas ainda não contoutodas. Simpático, atencioso e com aparênciade galã de cinema latino, é tanto um guru danarrativa como do marketing. Soube se man-ter na moda ao longo de seus 57 anos de car-reira — foi protagonista tanto do boom literá-rio latino-americano dos anos 60 como da vi-rada conservadora da política e da narrativaromanesca dos anos 80. Seria de esperar queVargas Llosa lançasse sua autobiografia nestemomento de festejos de seu aniversário. Masainda não o fez. Talvez para não imitar seuamigo e depois arquirrival, o escritor comu-nista colombiano e igualmente vencedor doNobel Gabriel García Márquez (1927-2014),cuja obra se encerrou com uma autobiografiainacabada, “Viver para Contar”.

Tudo faz especular que Vargas Llosa planejaviver mais para contar ainda mais. Mesmo as-sim, muito de sua personalidade e suas peri-

Simpático e comaparência de galã decinema latino, VargasLlosa é tanto um guruda narrativa como domarketing e soube semanter na moda

pécias estão espalhadas em suas obras, em es-pecial nos romances. Como narrador ficcio-nal, ele não julga moralmente seus persona-gens. Trata-os com complacência e humor,uma atitude oposta à que aplica no ensaísmo,no qual se mostra cético, crítico e muitas vezescruel com o objeto de análise. Em seu ensaiomais pessoal, “A Orgia Perpétua: Flaubert eMadame Bovary” (1975), ele se confessa ad-mirador da técnica narrativa, do texto concisoe das tramas realistas do francês Gustave Flau-bert (1821-2880) — este também um escritorque narra passagens de sua vida, com maldis-farçado prazer. Vargas Llosa admira os clássi-cos e não se comove com a chamada era da in-formação. Num ensaio recente, “A Civilizaçãodo Espetáculo” (2012), ele critica o assassinatoda alta cultura pela cultura das celebridades.

Quando, ao modo de Flaubert, Vargas Llosatrata de si em narrativas inspiradas em episódiosde sua vida, ele se revela irônico. Um mesmo tipode herói e o mesmo ambiente histórico perpas-sam suas histórias: rapazes de classe média altaque experimentam uma formação autoritária esão seduzidos tanto pela militância de esquerdaquanto pelo amor de mulheres fatais, nas déca-das de 50 e 60. São tragicomédias dos moços debem que se desviam do “bom caminho”. A situa-ção se repete a partir de seu primeiro livro, a co-letânea “Os Chefes” (1959), com contos quemostram meninos tropeçando em sua educa-ção retrógrada. Também o desvio da norma deum jovem é contado na passagem torturante doherói, o cadete Poeta, pela escola militar em “ACidade e os Cachorros” (1963).

Essas obras, obviamente, coincidem com operfil de Vargas Llosa. Nascido em uma famí-lia de classe média alta de Arequipa, ele en-trou aos 14 anos como aluno interno no Colé-gio Militar Leôncio Prado, em La Perla, por de-

sejo do pai. Ficou tão horrorizado com a vidamilitar que escolheu letras e direito para cur-sar na Universidad Nacional Mayor de SanMarcos, em Lima, em 1953. Ali, no mesmoano, começou a militar pela causa de FidelCastro. Ele descreveu a trajetória de militantedurante a ditadura de Manuel Odría(1948-1956) na obra-prima “Conversa na Ca-tedral” (1969). O protagonista, Santiago Zava-la, é um filhinho de papai que faz uma carreirade jornalista medíocre. Ele mantém uma lon-ga conversa com Ambrósio, o motorista desua família, durante a qual entretecem váriashistórias que giram em torno da grandeza,miséria e da decadência do Peru.

A atração pela política se junta ao fascíniodos jovens heróis por bordéis e relações commulheres mais velhas, temas presentes em “ACasa Verde” (1966) e em “Tia Júlia e o Escrevi-nhador ” (1977). Neste, Varguitas, o moçocom pretensões literárias condenado a escre-ver novelas de rádio, apaixona-se por umamulher mais velha. Não por coincidência, ahistória reflete o casamento de Vargas Llosa,

aos 19 anos, com Julia Urquidi (1926-2010),irmã da mulher de seu tio materno.

Garotas perigosas também povoam os ro-mances do escritor. “Travessuras da MeninaM á” (2006) conta a história de Ricardito, obom rapaz que, como Vargas Llosa no iníciodos anos 60, tenta trabalhar em Paris comotradutor. Ali, o personagem se envolve comLily, a “menina má” do título. Lily vive naclandestinidade e está envolvida com a resis-tência peruana de esquerda. Ela seduz Ricar-dito e o arrasta a ações violentas.

O arrependimento de Ricardito é compará-vel ao de Vargas Llosa. A partir de 1980, ele co-meçaria a pregação anticomunista e a crençano liberalismo. Seu engajamento político cul-minou em 1990, quando concorreu à Presi-dência do Peru por uma coligação social-de-mocrata e perdeu as eleições para o autocráti-co Alberto Fujimori. A repulsa às ditaduras e aexaltação à luta de indivíduos para comba-tê-las são traços que estruturam os enredos delivros escritos depois da sua experiência eleito-ral, como “A Festa do Bode” (2000), sobre o di-tador, poeta e feiticeiro dominicano RafaelTrujillo, e “O Sonho do Celta”, que retrata a mis-são do diplomata irlandês Roger Casement emdenunciar os crimes contra os direitos huma-nos no Congo belga no fim do século XIX.

Assim, a obra de Vargas Llosa pode ser inter-pretada tanto como uma confissão quanto umaautocrítica. É como se ele fizesse o mea-culpa desua antiga paixão militante e demonstrasse queo idealismo é possível quando unido à racionali-dade. Se porventura ele escrever suas memórias,elas poderão ser resumidas assim: na AméricaLatina do século XX, em perpétua conjuração eluta sanguinária pelo poder, o menino malcom-portado se tornou, na maturidade, um exemplode equilíbrio político — e de maestria narrativa.

Por que ler Vargas LlosaRomances e ensaios do escritor peruano que marcaram época

A obra-prima de Vargas Llosa é também um dos

romances mais poderosos sobre as ditaduras

latino-americanas. Trata de um bate-papo entre Santiago,

alter ego do autor (jornalista de família de classe média alta,

ex-militante marxista) e Ambrósio, ex-motorista de sua família convertido em capanga

de um militar. Enquanto se embebedam no bar Catedral, a dupla rememora a história da

ditadura do general Manuel Odría e os sucessivos golpes e fracassos econômicos do Peru

“Conversa na Catedral” (1969) Neste verdadeiro curso de

teoria da narrativa, Vargas Llosa mostra como Gustave

Flaubert concebeu “Madame Bovary” (1856), marco do

romance realista. Além disso, analisa a escritura do autor

francês, que valorizava a concisão e a palavra justa para

captar o espírito de um tempo e de um lugar. Segundo Vargas

Llosa, foi o romance que mais o influenciou, por ter remexido nas “camadas profundas” do

seu ser e porque lhe deu “o que outras histórias não

conseguiriam me dar”

“A Orgia Perpétua Flaubert e ‘Madame Bovary’” (1975)

Mario Vargas Llosa exibe todo o virtuosismo narrativo que aprendeu com William Faulkner ao ambientar histórias

paralelas passadas entre os anos 20 e 60

em dois locais: um bordel na cidade costeira

de Piura e uma missão jesuítica na Amazônia.

Na praia pagã e na selva sagrada, armam-se conspirações e guerrilhas

para tomar o poder no Peru

“A Casa Verde”(1966)

Ricardo é um personagem que, como muitos outros na

obra de Vargas Llosa, funciona como alter ego do

autor. Nascido em uma cidade litorânea do Peru,

Ricardito, como é chamado, se apaixona por uma

menina de sua cidade natal, Lily. O casal se reencontra em Paris, onde ele tenta a

carreira de escritor e ela faz parte de uma célula

guerrilheira. Ela o convence a partir para a luta

armada, ao mesmo tempo que o engana

“Travessuras da Menina Má” (2006) Vargas Llosa dispara o

alarme: a sociedade contemporânea,

consumista e voltada às celebridades e à diversão desenfreada, entronizou o

consumismo como valor supremo. Como resultado, os valores da alta cultura, das artes e do humanismo se encontram ameaçados

de extinção. Ele afirma que a democratização

da cultura é uma falácia, pois reduz a alta cultura

à condição de manifestação elitista

“A Civilização do Espetáculo” (2012)Com base na obra “Os

Sertões” (1902), de Euclides da Cunha, este

romance trágico propõe uma arqueologia do atraso. O militante Galileo Gall e o

jornalista Míope discutem a trajetória do líder messiânico

Antônio Conselheiro. A fundação de Canudos e sua

destruição pelo Exército brasileiro servem para os

interlocutores duvidarem das fontes históricas e criarem teorias sobre o absurdo e a

violência de ideologias opostas em uma região arcaica

“A Guerra do Fim do Mundo” (1981)

imprensa marrom como instrumento de coer-ção para castigar os críticos, mergulhando-osem escândalos terríveis, ou como estratégia pa-ra evitar as críticas. Ninguém gostava disso, por-que faziam difamações — muitas vezes, calu-niosas, sexuais, privadas, familiares…

Valor: Qual é a relação da escolha desse temacom a sua experiência recente ao ter questõespessoais (a separação da mulher, Patricia, e o iní-cio de uma relação com Isabel Preysler, ex-mu-lher do cantor espanhol Julio Iglesias) expostasem revistas de celebridades?

Vargas Llosa: Infelizmente, essas são coisasque não se escolhe. Se você é uma pessoa públi-ca, há curiosidade sobre sua vida privada. As re-vistas de fofoca não o deixam em paz e o sub-metem a vigilância permanente. Isso toma tem-po, desnaturaliza um pouco a imagem da pes-soa e, ao mesmo tempo, não há um jeito de evi-tar. Como se evita? Se alguém pudesse me dar afórmula, eu a utilizaria. Mas não há fórmula.

Valor: Onde está o seu maior prazer literário,em ler ou em escrever?

Vargas Llosa: É difícil dizer. É um prazer quetem duas faces. Posso passar um tempo enormelendo, claro, mas também posso passar essetempo escrevendo. Talvez a diferença seja que,lendo, tenho prazer desde o início, e escreven-do, não, pois o princípio de um livro me dá mui-to trabalho. O começo é sempre uma dor de ca-beça. Mas, uma vez que a história começa a viverou a fingir que vive, então o prazer é imenso.Mas acho que ler e escrever são como o inverso eo reverso de um mesmo prazer.

Valor: Como o Prêmio Nobel o afetou?Vargas Llosa: Acho que não afetou muito o

meu trabalho, porque já era uma pessoa com aformação concluída quando fui premiado.Mas afetou minha vida, porque o Nobel trazobrigações e curiosidade em torno da pessoa.

É preciso lutar muito mais do que antes paradefender o seu tempo. Essa é uma das conse-quências do Nobel, além dos benefícios, claro.

Valor: O senhor tem falado com frequência deum futuro no qual os romances e a cultura trans-mitida por meio dos livros devem ser cada vezmenos relevantes na vida das pessoas. O que sepode esperar de um mundo assim?

Vargas Llosa: O pior. O espírito crítico podedesaparecer. Creio que a literatura é a grandefonte do desassossego, que põe em questão omundo tal qual ele é e a realidade como vive-mos. Acho que isso não acontecerá, mas se há operigo de a literatura ser reduzida só a um pe-queno setor da sociedade, aí existe o perigo de ademocracia sofrer profundamente, porque ademocracia é o exercício de espírito crítico.Acho que as telas digitais em muitas coisas sãoextraordinariamente valiosas e necessárias.Mas acho que empobrecem a vida do espírito edo intelecto. Elas pedem muito mais atitudespassivas que criativas e isso prejudica muito oesforço intelectual. E impedir o esforço intelec-tual é muito perigoso para uma sociedade.

Valor: O senhor segue muito disposto. Não pa-rece ter planos de parar de escrever.

Vargas Llosa: Não tenho plano de parar. Es-pero escrever até morrer. Espero que a morteme encontre com a caneta e o papel na mão.

Valor: O senhor acabou de ter uma grande fes-ta de 80 anos. Que tal a vida nesse momento?

Vargas Llosa: Penso que a vida é maravilhosa,que tem de durar o máximo possível e que, pre-cisamente porque a vida é maravilhosa, é preci-so vivê-la até o fim e não morrer em vida. Não sedeve perder as ilusões, não se deve esperar pelamorte, porque isso é morrer. E sempre me pare-ceu um espetáculo muito triste o das pessoasque em determinado momento deixam de vi-ver e passam a esperar pela morte.

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Mario Vargas Llosaencontra FernandoHenrique Cardoso emsua casa, emHigienópolis, poucosdias depois da eleiçãop re s i d e n c i a lbrasileira, em 1994

CÉSAR ITIBIRÊ/FOLHAPRESS

AnáliseCarlos Eduardo Lins da SilvaPara o Valor, de São Paulo

tre a realidade e a ficção na obra e na perso-nalidade de Vargas Llosa.

O primeiro relato de suas aventuras políti-cas foi publicado na prestigiosa revista literá-ria britânica “G r a n t a” em 1991, e o título era“A Fish Out of Water” (peixe fora d’água), queaparentemente sintetizava o desconforto doescritor com o ambiente da política.

Dois anos mais tarde, no entanto, o livro veioa público com o título invertido, o que prova-velmente indica que Vargas Llosa via sua imer-são nas agruras políticas como algo natural pa-ra o seu ser, construído ao longo de uma vidapública em que a ficção era expoente, mas emque a realidade social e seu empenho em com-preendê-la e explicá-la prenunciava e talvez an-tecipasse o engajamento integral posterior.

Perry Anderson, num ensaio em que comparaas trajetórias de Vargas Llosa e Gabriel Garcia Már-quez (1927-2014), publicado na revista “piauí”em 2011, chegou à mesma conclusão: “Sua candi-datura à Presidência do Peru, com o apoio da di-reita tradicional, não foi um capricho repentino,mas consequência de uma década de atividadepública consistente. Vargas Llosa foi desde cedo, eassim permanece, um animal político”.

Sobre seu trabalho literário, nas memó-rias, Vargas Llosa diz: “Tenho uma fraquezainvencível pelo assim chamado realismo”.De fato, ele nunca poderia ser classificadocomo integrante do “realismo fantástico”que tanto marcou o romance latino-ameri-cano na segunda metade do século passado.

Muitos dos seus melhores romances sãoostensivamente calcados em fatos históricos,quase grandes reportagens com forte estiloficcional, à maneira do “novo jornalismo”, ealguns poucos ingredientes de fantasia ou,

dito de maneira mais apropriada, de fatoscom menor comprovação factual.

Por exemplo, “A Guerra do Fim do Mundo”(1981), baseado na rebelião de Canudos noBrasil; “A Festa do Bode” (2000), na ditadurade Rafael Trujillo (1891-1961) na RepúblicaDominicana; “O Sonho do Celta” (2010), navida do herói irlandês Roger Casement(1864-1916). Outros, como “A Cidade e os Ca-chorros” (1963) e “Conversa na Catedral”,têm forte componente autobiográfico.

Vargas Llosa sempre foi, portanto, um “in -telectual público”, na acepção que se deu aoconceito na França, no século XIX, primeirono entendimento e explicação ao público darealidade social, com, por exemplo, Alexis deTocqueville (1805- 1859), e depois, com maisênfase na participação ativa do debate políti-co, como os que mergulharam no caso Drey-fus, como Émile Zola (1840-1902).

No fim do século XX, começou-se a falar mui-to do fim do “intelectual público”, devido ao au-mento da influência pública das grandes cor-porações econômicas, apesar de ter sido naque-le período que Havel, Fernando Henrique e Var-gas Llosa se aventuraram em eleições (Ignatieffseguiu o roteiro mais tarde, em 2008).

Mas esses quatro pensadores são prova deque a figura do “intelectual público” subsiste, etalvez tenha até ampliado sua presença, graçasàs mídias sociais. Todos permaneceram atoresativos e reconhecidos no debate político, aindaque não necessariamente partidário.

Havel, que morreu em 2011, criou o “Fórum2000”, dedicado a identificar as razões pelasquais religião, cultura e etnicidade provocamconflitos e as maneiras pelas quais evitá-los. Ig-natieff, o que talvez tenha saído mais machuca-do do embate político, vem se dedicando a di-fundir a tese da irrelevância dos intelectuais nomundo contemporâneo, contestada, contradi-toriamente, pela sua própria notoriedade.

Fernando Henrique, o que mais se mantevepróximo do debate partidário, além deste pas-sou também a se dedicar à causa da descrimina-lização do consumo de drogas, o que lhe devol-veu ampliado destaque internacional.

E Vargas Llosa, como se comprova mais umavez em sua visita ao Brasil nesta semana, perma-nece um polemista atento e agudo dos grandestemas da cultura e da existência humanas, mastambém dos assuntos mais prementes e atuaisda política e economia latino-americanas.

Carlos Eduardo Lins da Silva é livre-docente edoutor pela USP, mestre pela Michigan StateUniversity e editor da revista “Política Externa” �

Um polemista da cultura e da política

O peruano Mario Vargas Llosa é um dosquatro grandes intelectuais públicos que, noséculo XX, se embrenharam na política a pon-to de disputar o cargo máximo no governo deseus países. Os demais foram o tcheco VáclavHavel (1936-2011), o canadense Michael Ig-natieff e o brasileiro Fernando Henrique Car-doso. Havel e Fernando Henrique chegaramao poder. Ignatieff e Vargas Llosa, não.

Em “Peixe na Água” (1994), suas memó-rias, ele dedica quase metade das páginas àcampanha presidencial do Peru de 1990, daqual saiu derrotado por Alberto Fujimori, e ocapítulo derradeiro sobre ela é sintomatica-mente intitulado “Guerra Suja”.

Não menos expressiva foi a escolha do autorpara a epígrafe do volume, de Max Weber(1864-1920): “(...) o mundo é governado pelosdemônios e (...) aquele que se mete em políticaselou um pacto com o diabo, de tal modo quedeixa de ser verdade que em sua atividade obom produza apenas o bem e o mau, o mal, masque frequentemente acontece o oposto”.

Ainda em “Peixe na Água”, Vargas Llosanarra diálogo que teve com sua então mu-lher, Patricia, no qual lhe teria dito que ha-via entrado na política por “obrigação mo-ral”, ao que ela teria respondido que a realmotivação do escritor era o desejo de, naeleição, viver o seu “romance total”.

Esse diálogo mais a intrigante história dotítulo dessa autobiografia são muito revela-dores da importância crucial da relação en-