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    FATO JURDICO

    Joo Hlio de Farias Moraes Coutinho1

    SUMRIO: 1. Consideraes iniciais; 2. Fato jurdico stricto sensu e fato jurdico latosensu; 2.1. Do suporte ftico; 2.2. Fato, suporte ftico e fato jurdico; 3. Da eficcia dosfatos jurdicos; 3.1. Eficcia da lei e eficcia do fato jurdico; 3.2. Do direito subjetivo; 4.Da incidncia da norma jurdica; 4.1. Caractersticas da incidncia: incondicionalidade einesgotabilidade; 5. Dos atos jurdicos; 6. Concluses.

    1. CONSIDERAES INICIAIS

    Para atender ao desiderato de ordenar a conduta humana, o Direito valora osfatos e, por meio das normas jurdicas, erige categoria de fato jurdico aqueles que tm

    relevncia para as relaes intersubjetivas humanas. Em outras palavras, para que umfato seja considerado um fato jurdico mister que haja uma norma pertencente a umdeterminado sistema jurdico que atribua um efeito jurdico a esse fato.

    de se ressaltar que no so todos os fatos que tm relevncia para o mundo jurdico. Enquanto alguns eventos possuem grande importncia para as relaesintersubjetivas humanas, outros nada representam, inclusive algumas condutas. Emcontraposio, quando o fato repercute, direta ou indiretamente, no relacionamento inter-humano, afetando, de algum modo, o equilbrio relativo de que deve revestir-se talrelacionamento, faz-se sentir a necessidade de uma norma que regule esse fato,imputando-lhe efeitos que repercutem no plano da convivncia social.

    Assim, a norma jurdica, ao atuar sobre os fatos que compem o mundo, atribui-lhes conseqncias especficas, denominadas efeitos jurdicos, em relao aos homens(pela causalidade normativa)2. Esses efeitos constituem um plus quanto natureza dofato em si. A adjetivao do fato pela norma jurdica confere-lhe uma caracterstica que odistingue dos demais fatos: o ser fato jurdico.

    Diante do exposto, pode-se constatar a distino entre o universo ftico, que omundo em geral, e o mundo jurdico, composto apenas pelos fatos jurdicos.Conseqentemente, possvel inferir-se que as situaes jurdicas, desde as maissimples s de contedo mais complexo, que se desdobram em mltiplosdireitos/deveres, pretenses/obrigaes, aes e excees so, apenas, imputaesfeitas pelos homens a certos fatos, por meio da norma jurdica.

    A distino entre o que pertence e o que no pertence ao mundo jurdico reveste-se de fundamental importncia ao trato do Direito como cincia. Nesse passo, evidencia-

    se a preciso da lio de Pontes de Miranda, que ora trago colao: Quando se falade fatos alude-se a algo que ocorreu, ou ocorre, ou vai ocorrer. O mundo mesmo, emque vemos acontecerem os fatos, a soma de todos os fatos que ocorreram e o campoem que os fatos futuros se vo dar. Por isso mesmo, s se v o fato como novum nomundo. Temos, porm, no trato do direito, de discernir o mundo jurdico e o que , nomundo, no mundo jurdico. Por falta de ateno aos dois mundos muitos erros secometem e, o que mais grave, se priva a inteligncia humana de entender, intuir edominar o direito.3

    1Mestrando em Direito Universidade Federal de Pernambuco, Auditor Fiscal do Tesouro Estadual.

    2VILANOVA, Lourival. Causalidade e Relao no Direito. So Paulo: Saraiva, 1995, p.90.

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    PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Tratado de Direito Privado. Campinas: Bookseller,1999, tomo I, p.52.

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    Em sntese, pode-se afirmar que o mundo jurdico seleciona fatos da vida, quepassam a integr-lo, a constitu-lo, em virtude da incidncia da norma jurdica sobreesses fatos, juridicizando-os. A juridicizao o processo peculiar ao Direito, em queesse adjetiva os fatos para que sejam jurdicos, ou seja, para que entrem no mundo jurdico. nesse fio de raciocnio que Lourival Vilanova pondera: O direito um

    processo dinmico de juridicizao e desjuridicizao de fatos, consoante as valoraesque o sistema imponha, ou recolha, como dado social (as valoraes efetivas dacomunidade que o legislador acolhe e as objetiva como normas impositivas).4

    Alguns fatos do mundo entram duas ou mais vezes no mundo jurdico, ou seja, hfatos do mundo que correspondem a dois ou mais fatos jurdicos. A explicao disso estem que o fato do mundo continua a integrar esse conjunto (conjunto dos fatos quecompem o mundo) e determinado no espao e no tempo, em que pese haveradentrado uma ou mais vezes no mundo jurdico: "a morte de A abre a sucesso de A,dissolve a comunho de bens entre A e B, dissolve a sociedade A & Companhia, exclui Ada lista de scios do Jockey Club e de professor do Instituto de Biologia ou de membrodo corpo diplomtico.5

    2. FATO JURDICO STRICTO SENSUE FATO JURDICO LATO SENSU

    A expresso fato jurdico pode ser empregada em dois sentidos, lato e estricto.Em sentido lato, todo acontecimento, dependente, ou no, da vontade humana, a queo Direito atribua eficcia (atribua efeitos jurdicos).

    A seu turno, a manifestao de vontade, que provoca efeitos jurdicos, denominada de ato jurdico, nomeadamente negcio jurdico.

    Usualmente, a expresso fato jurdico empregada no sentido restrito, motivopelo qual a expresso reservada para designar todo evento (fato independente davontade humana) que suscita efeitos jurdicos. So exemplos de fatos jurdicos: onascimento, a maioridade, a morte, o decurso de tempo, entre outros. A morte fatojurdico porque o ordenamento jurdico lhe atribui, entre outros, o efeito de determinar atransmisso do patrimnio do de cujus aos sucessores.

    Como no mundo jurdico os efeitos decorrem invariavelmente da norma, sem queessa empreste significao ao intento do agente, a ao humana permanece como fatojurdico lato sensu.

    Entre as diversas classificaes possveis, pode-se classificar os fatos em: a)evento, que inclui os fatos da natureza e do animal, ou seja, todos aqueles queindependem de conduta para existirem; b) conduta, que define o ato humano.6

    2.1. DO SUPORTE FTICO

    O suporte ftico elemento essencial no estudo da juridicidade, considerandoque a previso, pela norma jurdica, da hiptese ftica condicionante da existncia do

    fato jurdico. Assim, o suporte ftico um fato, seja evento ou conduta, que poderocorrer no mundo e que, por ter sido considerado relevante, tornou-se objeto danormatividade jurdica.

    Do exposto, torna-se evidente que suporte ftico um conceito do mundo dosfatos e no do mundo jurdico, uma vez que somente depois da concretizao dos seuselementos (ocorrncia no mundo dos fatos) que, pela incidncia da norma, surgir ofato jurdico, a partir de quando ser possvel falar-se em conceitos jurdicos.

    Importante ressaltar que h duas conotaes a serem consideradas quando sefala em suporte ftico:

    4VILANOVA, Lourival. Op. cit., p.90.

    5

    PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Op. cit., p. 52.

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    6MELLO, Marcos Bernades de. Teoria do Fato Jurdico. Plano de Existncia. Saraiva, 1999. p.8.

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    a) enquanto considerado apenas como enunciado lgico da norma jurdica, d-seo nome de suporte ftico hipottico ou abstrato, uma vez que existe, somente, comohiptese prevista pela norma sobre a qual, se ocorrer, dar-se- a sua incidncia;

    b) quando j materializado, isto , quando o fato previsto como hipteseconcretiza-se no mundo ftico, denomina-se suporte ftico concreto.

    O conceito de suporte ftico aplicvel a qualquer ramo do Direito. Prova disso que, nos diversos campos jurdicos, tal conceito aplicado, na maioria das vezes, pormeio de outras denominaes, como pressuposto de incidncia, tipificao legal, tipolegal ou hiptese de incidncia.

    Em sede de Direito Tributrio, a expresso fato gerador requer cuidado por partedo operador do Direito, posto que pode induzi-lo equivocada concluso de que o fatogerador da obrigao tributria o suporte ftico, quando, na verdade, o suporte fticojuridicizado, isto , aps a incidncia da norma jurdica, e no o suporte ftico apenas.

    Quanto expresso fato gerador, merece destaque a crtica de Paulo de BarrosCarvalho quando assevera: Por motivo de forte ambigidade, vimos rejeitando aexpresso fato gerador, to corrente na doutrina brasileira. A locuo, com efeito, utilizada para mencionar a hiptese da norma geral e abstrata (regra-matriz) e,simultaneamente, o fato jurdico (antecedente da norma individual e concreta). Assim, nosistema do nosso direito positivo e nas elaboraes da doutrina vemos reiteradamenteempregada a locuo fato gerador, quer para mencionar a previso legal do fato,elaborao tipicamente genrica e abstrata, quer quanto ao fato mesmo, comoenunciado protocolar, denotativo, rigorosamente determinado no antecedente de normaindividual e concreta.7

    Quanto s demais expresses utilizadas para nomear o fato jurdico tributrio,destaca o insigne tributarista, que o problema nominativo no o mais importante, oque abre a possibilidade a que empreguemos, para designar o antecedente normativo,tanto hiptese como suposto, antessuposto, pressuposto, prtase, ou descritor danorma.8

    2.2. FATO, SUPORTE FTICO E FATO JURDICOAs palavras fato (real), suporte ftico e fato jurdico representam diferentes

    conceitos. Como elemento diferenciador, entre o fato em si mesmo considerado e osuporte ftico, h o elemento valorativo. Nesse sentido, merece ser trazida colao alio de Marcos Bernardes, consubstanciada no seguinte exemplo: A morte, porexemplo, somente compe suporte ftico quando conhecida, porque a sua provaconstitui elemento que se integra ao fato real para constitu-lo em suporte ftico. S amorte conhecida interessa comunidade e a juridicidade s existe em razo daintersubjetividade. Se algum desaparece de seu domiclio e dele no se tem notcia, considerado ausente, abrindo-se a sucesso provisria de seus bens, decorrido um certotempo. Pode ocorrer que, de fato, aquela pessoa esteja morta. Mas, se da morte no se

    tem conhecimento, ela considerada apenas ausente, para os fins do direito e nomorta -. At que se faa a prova de sua morte, ou seja, considerada presuntivamentemorta. Tudo se passa em sua esfera jurdica como se viva estivesse. Assim, a morte fato e a morte conhecida suporte ftico.9

    3. DA EFICCIA DOS FATOS JURDICOS

    7CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributrio Fundamentos Jurdicos da Incidncia. So Paulo:

    Saraiva, 1998, p. 112.8

    CARVALHO, Paulo de Barros. Op. cit., p.110.

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    9MELLO, Marcos Bernades de. Op. cit., p. 50.

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    Como visto, o fato jurdico em sentido estrito o evento que sucede no mundoexterior, sem que, para sua formao, concorra a vontade do homem amparada pelaordem jurdica.

    Quanto ao ato jurdico, contudo, a vontade humana carece de se delinear,vontade essa reconhecida pela ordem jurdica.

    O ato, para ser jurdico, necessita produzir efeitos. Esses efeitos, contudo, nosignificam mera alterao da realidade ftica. Eles vo alm, modificando a realidadeftica e a realidade jurdica. Para alterar a primeira, basta a mera vontade humana. Mas,para alterar a ordem jurdica, faz-se necessrio que o ordenamento admita o fato, valore-o, confira-lhe efeitos, repute-o, em suma, eficaz.

    A ordem jurdica, portanto, o elemento dinmico, ou melhor, o elemento queconfere dinamicidade ao fato que ocorre no mundo. ela e que diz o que o fato jurdico e o ato jurdico. ela, igualmente, que confere eficcia vontade do homem,que a reconhece capaz de produzir efeitos no mundo jurdico.

    Os efeitos jurdicos ligam-se aos fatos como uma conseqncia deles, pordeterminao do ordenamento jurdico.

    a ordem jurdica que diz quais os efeitos a serem conferidos aos fatos. E, neste

    sentido, pode-se falar de eficcia dos fatos. Em outras palavras, constata-se, narealidade ftica, que se um certo e determinado fato ocorrido no mundo real capaz deproduzir dados efeitos que interessam esfera jurdica, tal fato dotado de eficcia. Ouseja, existe a a eficcia do fato. Assim, pode-se afirmar que o fato jurdico quandocontm em si razo suficiente para ser eficaz.

    Por outro lado, como uma recproca indissolvel, s o fato passvel de serconotado eficaz acarreta efeitos jurdicos. E tais efeitos apresentam-se como sendocertos direitos, certos poderes. So direitos de receber uma coisa, objeto de um contratode compra e venda; so poderes de estabelecer certos atos, de instituir determinadasrelaes, entre outros.

    A eficcia jurdica o que se produz no mundo do Direito como decorrncia dosfatos jurdicos. Porm, de se observar que no ao suporte ftico que corresponde a

    eficcia. Os elementos do suporte ftico so pressupostos do fato jurdico; o fato jurdico o que entra, do suporte ftico, no mundo jurdico, mediante a incidncia da regrajurdica sobre o suporte.10

    A relao que se estabelece entre o fato e o efeito imediata, instantnea.Ocorrido o fato no mundo real, o efeito de pronto se configura.

    Todavia, no se pode olvidar que h inmeros exemplos em que o fato ocorre e oefeito esperado no lhe imediato. o caso daquelas hipteses em que um doselementos necessrios constituio do ato no se verificou, no se fez presente.Quando isso ocorre, diz-se que o fato est incompleto. Por outro lado, casos h em quecerto requisito de eficcia no se produziu. Em tais casos, os fatos podem serdenominados de imperfeitos.

    Em ambas as hipteses, adrede citadas, os efeitos no se produzem.A distino entre um fato incompleto e um fato imperfeito por demais sutil.

    Ambos se acham inacabados por lhes faltar ora um elemento indispensvel formaomesma do fato, quer quanto a no se haver realizado um dado requisito de eficcia que,por sua importncia, faz gerar o efeito jurdico desejado.

    A partir da anlise levada a efeito, pode-se afirmar que um direito s surgequando, em sua constituio, todos os requisitos tenham-se realizado. Nesse passo, afalta de um desses elementos indispensveis impede o surgimento do Direito, noobstante a ordem jurdica, amide, permitir que se operem certos efeitos quando daausncia dos mencionados requisitos.

    So exemplos de tais hipteses: os direitos em estado de pendncia, a situaoque antecede ao efeito retroativo, as expectativas e outros.

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    10PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Op. cit., p. 50.

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    de se observar que isso no se sucede, apenas, no que concerne aonascimento de direito. Igualmente ocorre com a modificao e a extino de direitos.

    Quando um fato depende de outro para se perfazer, e aquele no se realiza, possvel o surgimento de efeitos provisrios. Realizado o fato complementar, pode-secogitar a produo de efeitos retroativos. Ento, os efeitos do ato jurdico pem-se de

    tal forma, como se aquele fato, que s posteriormente veio a realizar-se, houvesseocorrido no tempo previsto.Do exposto, pode-se inferir a possibilidade da existncia de fato jurdico sem que

    nenhuma eficcia dele decorra. Assim, o testamento realizado por algum que logo emseguida o revogou exemplo de um fato jurdico que no carreou eficcia ao Direito.

    Contudo, seguindo a ordem normal das coisas, o fato jurdico visa a desenvolvereficcia.

    Apesar de distintos os conceitos de fato e eficcia, ambos possuem pontos desemelhana.

    A partir da observao da realidade fctica, observa-se que inexiste conduta denatureza jurdica que no tenha sido ditada em face de uma certa circunstncia, de umaocorrncia do mundo exterior. Dito de outra forma, o mundo do ser indica- nos que no

    h Direito sem uma subjacente realidade ftica cuja existncia verificada no dia a dia.Como corolrio, pode-se afirmar que, mesmo os denominados direitos absolutos,ou seja, os direitos relativos personalidade humana, o direito vida, ao nome, nacionalidade, entre outros, mesmo esses, no tm existncia dissociada dos fatos. Ouseja, ainda em tais hipteses, o fato condiciona o Direito.

    Os direitos absolutos existem porque a realidade social, fctica, valorou-os comoindispensveis vida da coletividade. Eles no so fruto, pura e simplesmente, deidias. Eles existem e so reputados vitais, porque a sociedade sentiu, no cotidiano, anecessidade de valor-los.

    Na relao jurdica que atribui direito absoluto ao sujeito ativo, esse (o sujeitoativo) uma determinada pessoa (ou um determinado grupo de pessoas); ao passo que,no plo negativo da relao jurdica, o dever atribudo a sujeito passivo total: todas as

    demais pessoas no includas no plo positivo; por isso costume dizer que se trata dedireito erga omnes.

    Conhece-se o sujeito passivo total por excluso, isto , todas as pessoas que noforem sujeito ativo, na relao jurdica atribuidora de direito absoluto, esto no plonegativo.

    3.1. EFICCIA DA LEI E EFICCIA DO FATO JURDICO

    A incidncia da norma (regra) jurdica a sua eficcia; enquanto a eficcia do fatojurdico a juridicizao das suas conseqncias em virtude da incidncia.

    Milita em equvoco aquele que afirma ser a regra jurdica que produz a eficciajurdica; a eficcia jurdica uma conseqncia da incidncia da norma sobre os fatos,tornando-os jurdicos e habilitando-os a produzir efeitos jurdicos.

    3.2. DO DIREITO SUBJETIVO

    Como visto alhures, por meio da incidncia da norma jurdica sobre o suporteftico que ocorre a juridicizao do fato, habilitando-o a produzir efeitos jurdicos, a tereficcia.

    Os direitos subjetivos e todos os demais efeitos dos fatos jurdicos constituem asua eficcia. No obstante, o direito objetivo no logicamente anterior ao direitosubjetivo; outra coisa: direito, na expresso direito objetivo, e direito, na expressodireto subjetivo, so duas acepes do vocbulo direito, dois fatos diferentes.11

    Enquanto a expresso direito objetivo representa o conjunto de normas jurdicas, o direito subjetivo corresponde aos efeitos do fato jurdico, a sua eficcia.

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    11PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Op. cit., p. 51.

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    eficcia, ressalte-se, dos fatos jurdicos e no da norma jurdica, posto que a eficcia danorma jurdica a sua incidncia.

    Deve-se sempre ter presente que, antes do direito subjetivo, j existe a regrajurdica. S aps a incidncia da regra jurdica sobre o suporte ftico, juridicizando-o, que se dar a eficcia jurdica, ou seja, a relao jurdica, com o seu plo positivo (o

    sujeito ativo) e o plo negativo (sujeito passivo) e com o seu contedo jurdico. Essecontedo jurdico (da relao jurdica) tem uma parte localizada no plo positivo: o direito(o direito subjetivo), pretenso e coao; a outra parte localiza-se no plo negativo: odever, a obrigao, a sujeio.

    Como se verifica, no pode existir direito subjetivo (direito e seu correlativo dever)sem que antes exista relao jurdica; e esta no pode existir sem que antes tenhaocorrido a incidncia da regra jurdica sobre o suporte ftico.

    4. DA INCIDNCIA DA NORMA JURDICA

    A incidncia o efeito da norma jurdica de transformar em fato jurdico a parte doseu suporte ftico que o Direito considerou relevante para ingressar no mundo jurdico.

    S aps o surgimento do fato jurdico, em decorrncia da incidncia, que se poderfalar de situaes jurdicas e de todas as demais espcies de efeitos jurdicos.

    Como visto anteriormente, a eficcia da norma jurdica (denominada eficcialegal), de que resulta o fato jurdico, e a eficcia jurdica, que decorre do fato jurdico jexistente, no se confundem.

    A eficcia jurdica (relao jurdica, direitos, deveres e demais categoriaseficaciais) s surge aps verificada a eficcia legal ou incidncia.

    Esquematicamente, a incidncia da norma sobre o fato pode ser representada daseguinte forma:

    norma jurdica = fato jurdico eficcia jurdicasuporte fticoDiante do exposto, possvel chegar-se seguinte concluso: nem norma

    jurdica sozinha, nem ao fato sem a incidncia, pode-se atribuir qualquer efeito jurdico.Assim, o fato, enquanto apenas fato, e a norma jurdica, enquanto no se realizaremseus pressupostos de incidncia (suporte ftico), no tm qualquer efeito vinculanterelativamente aos homens. Sobre tal aspecto, oportuno destacar-se a lio de EmlioBetti quanto ao significado da parmia latina ex facto oritur ius (o direito nasce do fato):Quer dizer-se com ela que a lei, s por si, no d nunca vida a novas situaes jurdicas, se no se verificarem alguns fatos por ela previstos: no porque o fato setransforme em direito, mas porque uma situao jurdica preexistente que se converte,com o sobrevir de um dado facto, numa situao jurdica nova. A nova situao jurdica

    estabelecida pela norma no se produz enquanto no se verificar, inteiramente, ahiptese de facto, a fattispecie, que o seu pressuposto.12

    4.1. CARACTERSTICAS DA INCIDNCIA: INCONDICIONALIDADE EINESGOTABILIDADE

    A incidncia um trao caracterstico da norma jurdica distinguindo-a dosdemais processos de adaptao social, das normas da etiqueta, da moral e da religio,posto que as torna de observncia compulsria, sem que seja considerado qualqueraspecto volitivo, ou seja, independentemente da adeso daqueles a que a incidncia daregra possa interessar13. Assim, pode-se afirmar que, quando se trata de norma jurdica,

    12BETTI, Emlio. Teoria Geral do Negcio Jurdico. Trad. Fernando Miranda. Coimbra: Coimbra Ed.,

    1998, p.23.

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    13PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Comentrios Constituio de 1946, tomo I, p.27.

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    h obrigatoriedade em acat-la e esse comportamento imposto pela norma no secondiciona concordncia ou aceitao da comunidade ou do indivduo. Como corolrio,ocorridos os fatos que constituem o seu suporte ftico, a norma jurdica incide,incondicionalmente, isto , independentemente do querer das pessoas.

    Em razo de a incidncia no estar condicionada adeso das pessoas, que

    se justifica o princpio da inalegabilidade da ignorantia iuris como excludente da ilicitude;a ningum dado alegar que descumpriu a lei por desconhec-la (error iuris is nonexcusat). Porm, possvel aduzir-se que o princpio da eqidade idneo para mitigaro rigor desse axioma.

    A norma pode ser infringida. Isso, porm, no implica ser afastada a incidncia,nem afetada a sua incondicionalidade. A observncia ou no da lei ato de aplicao,de execuo, portanto, posterius em relao incidncia e, naturalmente, deladependente. de se observar que a incidncia e a aplicao nem sempre coincidem, emoutros smbolos, nem sempre a aplicao da norma atende sua incidncia, em virtudeda falibilidade da conduta humana. Assim, em virtude da inafastabilidade da incidnciapela conduta humana, salvo quando expressamente permitida pela norma, consideram-se contra legem as atitudes que tornem incoincidentes a aplicao e a incidncia.

    Em que pese a incondicionalidade da incidncia ser da essncia das normas jurdicas, em algumas espcies, porm, permite-se vontade individual o poder deafast-la, dispondo de modo diverso da norma, sem infringi-la. Nesse passo, chega-se aconcluso de que h normas cuja incidncia inafastvel pela vontade das pessoas,enquanto, em outras, a incidncia fica condicionada ao arbtrio humano. Considerando oexposto, as normas podem ser classificadas como cogentes e no-cogentes, de acordocom a sua inafastabilidade pela vontade humana.

    As normas cogentes so aquelas que dispem imperativamente, impondo ouproibindo determinada conduta, sendo denominadas de normas impositivas ouimperativas e normas proibitivas.

    Diferentemente, as normas no-cogentes destinam-se a suprir a falta demanifestao de vontade negocial nas searas em que livre a estruturao de relaes

    jurdicas, sendo permitido s pessoas pactuarem a regulamentao que melhor atenda aseus interesses, e ainda, tm por finalidade definir o sentido em que devem ser tomadasas manifestaes de vontade, quando duvidoso, ambguo o seu contedo.

    Quanto ao aspecto da inesgotabilidade, de se observar que a incidncia no seesgota por haver ocorrido uma vez. Noutro passo, toda vez que o suporte ftico secompuser, a norma incidir. Porm, essa regra comporta exceo quanto s normas cujaeficcia se esgota em uma nica incidncia. So exemplos de tais normas aquelas quese destinam a regular determinado caso, ou seja, um caso isolado e nico. Pode-seincluir nesse conjunto o artigo 19 do Ato das Disposies Constitucionais Transitrias daConstituio Federal, de 05 de outubro de 1988.

    Em que pese a norma jurdica, de ordinrio, ser formulada em carter genrico,abstrato, para atender ou prover, situaes gerais e diversas, a generalidade noconstitui elemento essencial sua configurao.

    A norma jurdica que somente se refira a uma nica situao, uma vez ocorridatal situao, perder a possibilidade de continuar eficaz.

    A norma perder a sua vigncia, no em funo de revogao, mas em virtude deser norma de vigncia temporria que, por sua natureza, no necessita de revogaoposterior, uma vez que sua vigncia limitada ao atendimento do fim especfico a que sedestina, conforme estabelece o artigo 2 da Lei de Introduo ao Cdigo Civil Brasileiro,que giza: No se destinando vigncia temporria, a lei ter vigor at que outra amodifique ou revogue.

    5. DOS ATOS JURDICOS

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    A manifestao da vontade humana pode ser positiva ou negativa (omisso),ainda que por negligncia.

    Se alguma norma jurdica incidir sobre os atos humanos, essa incidncia torn-los-o atos jurdicos. S assim passam a ter eficcia jurdica. Nesse passo, pode-seafirmar que o ato humano cuja importncia restrinja-se s relaes de cortesia, ou que

    s objeto de apreciao moral, no ato jurdico.No entanto, merece ressalva o seguinte aspecto: mister que a norma jurdicaincida sobre o ato humano e no sobre a conseqncia de tal ato. Nesse sentido,destaca-se a lio de Pontes de Miranda: Se destruo o objeto, no pratico ato jurdico,de que resulte o perecimento do objeto: sou causa de fato, que o perecimento, e operecimento que fato jurdico, acontecimento, e no ato jurdico.14

    Assim, por ato jurdico entenda-se o fato jurdico cujo suporte ftico tenha comocerne uma exteriorizao consciente da vontade, dirigida a obter um resultadojuridicamente protegido ou no proibido e possvel. A partir desse conceito, possveldestacar os seguintes elementos que o integram: a) o ato humano volitivo,correspondendo a uma conduta que representa uma exteriorizao da vontade,mediante declarao ou manifestao, conforme a espcie, que constitua uma conduta

    juridicamente relevante e, por isso, prevista como suporte ftico da norma jurdica; b) anecessidade de que essa exteriorizao seja consciente, ou seja, que o sujeito quemanifesta ou declara a vontade o faa com o intuito de realizar aquela condutajuridicamente relevante; c) que esse ato tenha por finalidade a obteno de um resultadopossvel e protegido , ou pelo menos no proibido (permitido) pelo Direito.

    Do exposto, resulta evidente que, para o Direito, apenas a vontade exteriorizada considerada hbil para compor o suporte ftico do ato jurdico. A vontade noexternada, que permanece como reserva mental, no compor o suporte ftico do ato jurdico. Porm, h situaes, como no dolo, na ignorncia, no erro, em que oselementos volitivos internos constituem elementos do suporte ftico de norma jurdica(no de ato jurdico).

    Quanto ao aspecto formal da exteriorizao da vontade, em outras palavras, no

    que pertine forma como a vontade exteriorizada, distinguem-se manifestao devontade e declarao de vontade. Nesse diapaso, a manifestao de vontade revela-sepor meio do mero comportamento do indivduo, em que pese esse comportamento serconcludente. J as declaraes de vontade so manifestaes explcitas da vontade.Para ilustrar essa distino, pode-se lanar mo do seguinte exemplo:

    Se algum lana ao lixo determinado objeto, manifesta sua vontade deabandon-lo; se, de forma diversa, comunica s pessoas de seu convvio que vai lanaro objeto no lixo, declarou a sua vontade de abandon-lo, no somente manifestou suavontade.

    A distino entre manifestao de vontade e declarao de vontade utilizada deforma equivocada por parcela da doutrina quando a considera como o elementodiferenciador entre o negcio e o ato jurdico stricto sensu. Assim, havendo declaraode vontade, h negcio jurdico, enquanto as manifestaes de vontade caracterizariamos atos jurdicos stricto sensu. Todo aquele que perfilha tal entendimento incorre emequvoco por no considerar o fato de que h negcios jurdicos que so constitudos pormeio de simples manifestaes de vontade, enquanto h atos jurdicos stricto sensuqueexigem declarao de vontade.

    Relativamente exigncia de conscincia da vontade, tal no significa que osujeito, ao exteriorizar sua vontade, precise manifest-la com a cincia e a inteno deque est praticando um ato jurdico. Se essa conjuno ocorre, tanto melhor. Aconscincia deve ser da manifestao em si, no do especfico contedo jurdico dessamanifestao, ou das conseqncias jurdicas da conduta.

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    PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Tratado de Direito Privado. Campinas: Bookseller,1999, tomo I, p. 128.

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    O ato jurdico tem por objeto uma atribuio de cunho prtico que a ordem jurdica alberga e protege. Essa atribuio constitui o objeto do ato jurdico e secaracteriza pela eficcia que as normas jurdicas lhe imputam. Por outros smbolos, o ato jurdico aquele do qual decorra, ou haja a possibilidade de decorrer, uma atribuio jurdica caracterizada pela possibilidade de alterao da esfera jurdica daqueles que

    figuram no ato jurdico. Ou seja, o ato jurdico, via de regra, eficaz. No entanto, caso oato jurdico dependa de uma condio suspensiva, ele s ser eficaz, isto , s produzirefeitos se a condio vier a se concretizar.

    6. CONCLUSES

    Como conseqncia dos tpicos abordados, conclui-se que a compreenso dofenmeno da incidncia da norma jurdica de fundamental importncia para todoaquele que se proponha a estudar e a entender o Direito. O trato do Direito comocincia no prescinde da distino entre o que integra e o que no integra o mundojurdico.

    Diante do exposto, um estudo monogrfico sobre o fato jurdico contribui para um

    trato no confessional do Direito, posto contribuir para o entendimento do Direitoenquanto cincia.

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    RFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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    MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato Jurdico. Plano de Existncia. Saraiva,1999.

    PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Comentrios Constituio de 1946,tomo I.

    PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Tratado de Direito Privado. Campinas:Bookseller, 1999, tomo I.

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