Serviço Social: uma profissão de mulheres para mulheres?

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL SERVIÇO SOCIAL: UMA PROFISSÃO DE MULHERES PARA MULHERES? uma análise crítica da categoria gênero na histórica “feminização” da profissão Mirla Cisne Recife 2004

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Dissertação de Mirla Cisne sobre feminismo e Serviço Social, analisando os processos socio-históricos decorrentes disso.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE CINCIAS SOCIAIS APLICADAS MESTRADO EM SERVIO SOCIAL SERVIO SOCIAL: UMA PROFISSO DE MULHERES PARA MULHERES? uma anlise crtica da categoria gnero na histrica feminizao da profisso Mirla Cisne Recife 2004 2 MIRLA CISNE SERVIO SOCIAL: UMA PROFISSO DE MULHERES PARA MULHERES? uma anlise crtica da categoria gnero na histrica feminizao da profisso Dissertaoapresentadaao CursodeMestradoemServio SocialdaUniversidadeFederal dePernambuco,comorequisito parcialobtenodottulode Mestre em Servio Social. Orientadora:ProfDra.Vitria Rgia Gehlen. Recife 2004 3 4 MIRLA CISNE SERVIO SOCIAL: UMA PROFISSO DE MULHERES PARA MULHERES? uma anlise crtica da categoria gnero na histrica feminizao da profisso BANCA EXAMINADORA Prof Dra. Vitria Rgia Gehlen Orientadora Prof Dra. Maria de Ftima Gomes de Lucena Membro Prof Dra. Telma Gurgel da Silva Membro DATA DA APROVAO:___/___/___ 5 Como o modo de funcionamento do capital em todos os terrenose todos osnveisdointercmbiosocietrioabsolutamenteincompatvelcoma necessriaafirmaoprticadaigualdadesubstantiva,acausada emancipaodasmulherestendeapermanecerno-integrveleno fundo irresistvel, no importa quantas derrotas temporrias ainda tenha de sofrer quem lutar por ela. Istvn Mszros 6 Catalogao da Publicao na Fonte.Universidade do Estado do Rio Grande do Norte Cisne, Mirla. ServioSocial:umaprofissodemulheresparamulheres?:uma anlisecrticadacategoriagneronahistricafeminizaoda profisso. / Mirla Cisne Recife (PE), 2004. 202 p. Orientador (a): Prof Dra. Vitria Rgia Gehlen. Dissertao(MestradoemServioSocial)UniversidadeFederal de Pernembuco. Centro de Cincias sociais aplicadas. 1.AssistenteSocialDivisosexualdotrabalho-Dissertao.2. Feminizao - Assistente Social- Dissertao. I. Gehlen, Vitria Rgia.II. Universidade Federalde Pernambuco. III. Ttulo. UERN/BC CDD: 361 Bibliotecria: Marilene ArajoCRB/Ba _5 1033 7 Atodasasmulheresbruxasqueteimamemlutarpor liberdade. minha me, Myrtes Cisne, fonte constante de fora, inspirao, ensinamentos e admirao em minha vida. 8 AGRADECIMENTOS Aconstruodadissertaoummomentodifcil,porm,rico.Difcil pelashorasdesolidoeangstia;rico,pelamaravilhosaaventuradareflexo tericaedaproduodoconhecimento.algointraduzvel,umamaterializao doseupercursoacadmicosomadossuasvivncias.Portanto,est intrinsecamenteligadoasuapessoa,asuasconcepestericasepolticas,aos seus valores, ao que voc acredita e pelo que luta.Estadissertaorepresentapois,ummistodedores,dedificuldades, de abdicaes, mas, ao mesmo tempo, de crescimento, de amadurecimento e de felicidade nica ps trmino, principalmente... necessrioenfatizarqueapesardaescritaserumatarefasolitria,a construo desta dissertao no existiria ou, no mnimo, no seria a mesma sem acontribuiodevriaspessoas/instituies,asquaisagradeoenormemente. Destas pessoas, algumas merecem especial reconhecimento: Aminhafamlia,me,irms,AndraeKtiaeaosmeussobrinhos, Lucas e Saul e a minha sobrinha, Tas. Vocs, meus grandes amores, compem o alicerce e as cores mais vivas e alegres da minhavida, me fortalecendo em todos os momentos.

OCNPqporterasseguradoascondiesestruturaisderealizaoe permanncia no curso. A Prof Ftima Lucena, por todo apoio e por ter composto as bancas de qualificao e de defesa da dissertao. A ProfIdalina(Naca),pelascontribuiesnabancadequalificaoe por toda referncia bibliogrfica sugerida. 9 AProfTelmaGurgel,pelaatenoedisponibilidadeemcompora banca de defesa da dissertao. A minha orientadora, Prof Dra. Vitria Gehlen, por todas as orientaes e crticas construtivas dedicadas elaborao desta dissertao. Por ter aceito e compreendido parte da orientao distncia. Todas as Assistentes Sociais que gentilmente se disponibilizaram a ser entrevistadas. A Smbara, refernciaprofissional,terica,polticaedevida.Portodo incentivo,apoioecarinhoquemetransmitiu.Portodososdebatesquemuitas vezes me despertaram ao rigor necessrio da crtica. Sem voc esse trabalho no seria o mesmo, meu agradecimento intraduzvel. As minhas queridas amigas, Vernica e Nvia, no sei como agradecer, naverdade,devotambmpedirdesculpasportodotrabalhoquedeivocs...O apoioestruturaleemocionalquevocsmederamsuficienteparaeuacreditar que ainda existem pessoas de verdade; As companheiras amadas, Adrianyce Anglica e a pequena-grandiosa DanielaNeves,portodososmomentocompartilhadosemcasaeemtodoo percurso do mestrado (o trio ou como diria Anita, a guangue cearense). Vocs foramfundamentais para o enriquecimento do curso e conseqentemente, para o meuenriquecimentoterico-poltico,bemcomoparaoenfrentamentodas dificuldades. ASavinhaeaCelinha,minhasirmsdepeito,portodocarinho, amizade, fora e amadurecimento poltico que me proporcionam. A Jacilene, pelo apoio e ateno sempre disponibilizados. 10 A Conceio e a Renata por toda colaborao e apoio. ATatianaBrettas,queridaeamadacompanheiradetodasashoras, queentrounaminhavidaapsopercursododesenvolvimentodestetrabalho, masfoideterminanteparasuaconcluso,comseucarinhoededicaompares. Voc renovou o sentido desta dissertao com o seu cuidado peculiar, mediado pelo rigor de sua competncia marxista ortodoxa na correo da redao final. Aparecida, Rivnia, Marcelo e Dany por todo apoio em Palmas-TO na reta final e determinante deste trabalho. Sem vocs e o nosso vlei, acho que teria enlouquecido... Asamigas,quetalvez,mesmosemsaberforamesofundamentais, SilvanaMara,Smya,AndraLima,Irma,Aurineida,Miriam,James,Patrcia, Tarcsio, Glria Rabay, Elaine e Celinha (AZ). TodasasminhasamadasCunhs:Mal,Estela,Cristiane,Celinha, Gilberta, Soraia, Luciana, Cacau, Lcia, Ana, Socorro, Mrcia e Anadilza, por todo apoio e crescimento que me proporcionaram nos debates feministas e de vida. Asadmirveisguerreirastrabalhadorasrurais,Josivnia,Ftima. NininhaeNeide,entreoutrasquemeinspiramnalutapelaconstruodo feminismo. 11 RESUMO AmarcadafeminizaonoServioSocialacompanhaaprofissodesdeasua gnese.Todavia,elanosedesenvolveespontaneamenteepossui determinaeshistrico-concretas fundadas em uma cultura de subordinao das mulheres, com ntidos interesses de classe. Este fato pode ser percebido por meio daresponsabilizaodasmesmaspelareproduosocial,reforandoa naturalizaodepapisconservadoresdegnero.Nestaperspectiva,faz-se necessrioapreendercriticamenteasformasdeconstruodasrelaesent re gneroeServioSocialnasociedadecapitalista.Parte-se,ento,dapremissa queafeminizaodedeterminadospapis,atividadeseprofissesfazpartede estratgiasdeproduoereproduodocapitalvoltadasparaadesqualificao daforadetrabalho,nestecasoespecifico,damulher.Abuscapordesvelara essnciadestesfenmenosimpe,necessariamente,autilizaodamatriz terico-metodolgicamarxista.Paratanto,procura-secompreenderascategorias gneroedivisosexualdotrabalhonadinmicadasrelaessociais,polticase econmicas,demodoacontribuirparaoalcancedesubsdiosconcretosparaa anlisedasrelaesdegneronacategoriaprofissional,bemcomonoseu pblico usurio. As dificuldades para que a categoria profissional perceba, resista e conseqentemente se oponha s implicaes do conservadorismo de gnero na profissolimitamoprocessoderenovaoevalorizaodoServioSociale, tambm,aafirmaodeseucompromissocomsegmentosoprimidose explorados da sociedade. Dentre estes segmentos, destacam-se as mulheres, que sofrematualmente,dentreoutrasrefraesdaquestosocial,achamada feminizaodapobreza,frutodedesigualdadesesubalternidadessofridasna sociedade.Portanto,fundamentalanalisarasconcepesdegnerodas AssistentesSociais,tendoemvistaapersistnciadoconservadorismonacultura profissional.Adelimitaodestapesquisaencontra-senaAssistnciaSocial,por serumareaprivilegiadaparaanlisedasrelaesdegnero,medidaquea constituio do seu pblico usurio e profissional majoritariamente feminina. Palavras-chave: Servio Social; Gnero;Diviso sexual do trabalho. 12 RSUM Lecaractre fminindelassistancesocialemarquecemtierdepuis sagense. Cependant,celui-cinesestpasdveloppspontanment,mais,aucontraire,il puisesonoriginedanslasubordinationculturellehistoriquedelafemme,etdans desintrtsdeclassevidents.Celasobservedanslerenforcementnatureldu rleconservateurdelafemmeentantque reproductricesociale .Danscette optique, il faut considrer de faon critique la manire dont se fondent les relations entre genre et assistance sociale dans une socit capitaliste. Nous partons de la prmisseque,dansnotrepays,lesrlesattribusauxfemmes,leursactivitset leursmtiers,sontlersultatdestratgiesdeproductionetdefructificationdu capital,etsappuientsurladisqualificationdelaforcedutravailfminin. Lutilisationdel amatricemthodologico-thoriquedumarxismesimposedonc naturellementicipourunemeilleurecomprhensiondelessencedeces phnomnes.Pourcefaire,ilestncessairedapprhenderlescatgories genre et rpartition du travail selon les sexes au sein des relations sociales, politiquesetconomiques.Celapermetdaborderlesaspectsconcretsqui manquent lanalyse des relations entre les genres lintrieur de cette catgorie professionnelle et dans ses rapports avec les usagers de lassistance sociale : les difficults qua cette catgorie pour percevoir, pour rsister et par consquent pour sopposerauxeffetsduconservatismedegenredanscemilieuprofessionnel imposentdesbarriresauprocessusdernovationetvalorisationdelassistance sociale et finissent par limiter son pouvoir daction auprs des segments opprims etexploitsdelasocit.Parmiceux-ci, il faut souligner les femmes victimes du phnomnedela fminisationdelapauvret,fruitdingalitssociales.Il parat donc fondamental danalyser la reprsentation du concept de genre chez les assistantessociales,eugardlapersistanceduconservatismedeleurculture professionnelle.Lechampdanalysedecettetudeselimitevolontairement lassistancesociale,domaineprivilgipourlesquestionsderelationsdegenre grce son corps et son public dominante fminine. Mots cls: assistance sociale ; genre ; rpartition du travail selon les sexes 13 SUMRIO INTRODUO ...................................................................................................................16 Captulo 1: RELAO ENTRE QUESTO SOCIAL, ASSISTNCIA SOCIAL E GNERO NO SURGIMENTO E DESENVOLVIMENTO DO SERVIO SOCIAL ..30 1.1. Questo social: a gnese da profisso................................................................31 1.2. O surgimento do Servio Social - percorrendo as trilhas da Assistncia Social..........................................................................................................................................35 1.3. O pensamento conservador e a relao entre Gnero, Questo Social e Servio Social na institucionalizao da profisso ...................................................46 1.4. O Movimento de Reconceituao do Servio Social..........................................60 1.4.1 O Movimento de Ruptura e a construo de um Novo Projeto Profissional avanos e continusmos na Assistncia Social ................................................................................. 65 1.5. Transformaes ideoculturais na contemporaneidade o neoconservadorismo..................................................................................................76 Captulo 2: GNERO: UMA ANLISE HISTRICO-CRTICA EM TORNO DE SUAS ABORDAGENS TERICAS.......................................................................85 2.1 Contextualizao histrica das abordagens tericas em torno da categoria-gnero..............................................................................................................................86 2.1.1. Anlise terico-crtica da categoria-gnero ............................................................... 92 2.1.2. Marxismo e feminismo........................................................................................... 105 2. 2. Gnero: uma mediao de classe no bojo da velha questo social.......... 112 Captulo 3: DIVISO SEXUAL DO TRABALHO NA ORDEM SOCIOMETABLICA DO CAPITAL UMA ANLISE NECESSRIA PARA A EMANCIPAO DAS MULHERES............................................................................ 121 3.1 Trabalho categoria fundante do ser social x trabalho alienado.................... 123 3.2. Diviso sexual do trabalho - uma superexplorao capitalista....................... 127 3.3. Feminizao do mercado de trabalho conquista da mulher ou estratgia do capital?........................................................................................................................... 135 3.4. Emancipao das mulheres um imperativo para a ruptura com o capitalismo........................................................................................................................................ 144 14 Captulo 4: FEMINIZAO E SERVIO SOCIAL UMA ANLISE DAS CONCEPES DE GNERO DAS ASSISTENTES SOCIAIS NA ASSISTNCIA SOCIAL EM FORTALEZA RENOVAO OU CONSERVADORISMO? ......... 149 4.1. Anlise das concepes de gnero das Assistentes Sociais......................... 152 4.1.1. Concepo sobre mulher e ser mulher ................................................................... 152 4.1.2. Concepo sobre homem................................ ................................ ...................... 156 4.1.3. Concepo sobre maternidade ................................ ................................ .............. 159 4.1.4. Concepo sobre diviso sexual do trabalho e responsabilidades na esfera privada . 161 4.2. Anlise das concepes acerca da relao gnero e trabalho....................... 163 4.2.1. Anlise sobre a entrada da mulher no mercado de trabalho..................................... 166 4.3. Feminizao e Servio Social implicaes, resistncias e continusmos........................................................................................................................................ 167 4.3.1. A relao entre feminizao e subalternidade no Servio Social x luta das mulheres..................................................................................................................................... 168 4.3.2. Contribuio do Servio Social s relaes de gnero ............................................. 177 4.3.3. O Servio Social uma profisso de mulheres?................................ ...................... 179 4.3.4. Percepo sobre o Assistente Social masculino................................ ...................... 183 CONSIDERAES FINAIS.......................................................................................... 186 BIBLIOGRAFIA CITADA.............................................................................................. 196 15 Criar to fcil ou to difcil quanto viver,E do mesmo modo necessrio. Fayga Ostrowe 16 anlise das relaes de gnero de fundamental importncia paraoServioSocial,sejapelahistricamarcada feminizaodaprofissocomtodasassuasdeterminaeseimplicaes categoria profissional ,sejapeloseucarterdetrabalharinseridonasrelaes sociais,emquegnerocompeumadasdimensesfundamentais.Portanto, indispensvelparacompreensodaprofissoeparaasuaintervenonessas relaes. ComaoportunidadedeserbolsistadoprogramaPIBIC/CNPqna graduao de Servio Social, na Universidade Estadual do Cear, foi possibilitado o incio doprocesso de investigao e anlise da relao entre gnero e Servio Socialmedianteainseronapesquisa:AInterconstruoHistricadas IdentidadesdeServioSocialeda(o)AssistenteSocial:Problematizando Gnero naProfisso,quecontribuiuparaaconstruodoTrabalhodeConclusode Curso:Servio Social na dcada de 50: o intercruzamento entre classe, gnero e catolicismo.Tem-se,nesteltimo,umaanlisescio-histricaeideopolticada categoria-gneroemsuarelaocomoServioSocialesuasagentes profissionais,noperodocorrespondenteaosurgimentodaprofissonoCear (dcada de 50). Constatou-se na raiz da profisso, por intermdio das entrevistas com aspioneiras(primeirasAssistentesSociaisdoCear),bemcomonosTCCsdo cursodeServioSocialdadcadade50,umaprofundamarcade 17 conservadorismorelacionadointrinsecamentecomohumanismocristoesua ideologia sobre o feminino. Tal ideologia pode ser denominada de marianismo composto de valores, papis e qualidades tidas como naturalmente femininas e tem como referncia o mito em Maria, me de Jesus (ARY, 2000).Houve,portanto,noperodoestudado,umareproduodaculturade subordinaodamulheredeumagamavariadadepreconceitos,pormeioda prticaprofissional.Estaideologiacontribuiusignificativamenteparao estabelecimentodavertentepositivistae,conseqentemente,dosobjetivosque trazia em seu bojo para a manuteno da ordem societria.Oresultadodapesquisafomentouapreocupaoemefetivaronovo ProjetoProfissional,poisrompercomolegadoconservadorimplicaromper tambm com a reproduo da cultura do marianismo, do humanismo cristo, to fortemente encontrada na profisso na dcada de 1950.ComtodososavanosalcanadospeloServioSocial,expressos, especialmente,noNovoProjetoProfissional,interroga-se:qualaconcepode gnerodasAssistentesSociais?Houverupturacomamarcaconservadora associadaaofeminino?Amarcadafeminizaoaindaacompanha,na contemporaneidade, a profisso? Quais suas determinaes e implicaes? H a percepo por partes das profissionais do carter de gnero vinculado ao Servio Social? Partindodeumaanlise/concepodegnero,reconhece-se que, por serpredominantementefeminina,acategoriaprofissionalnonecessariamente reproduzprticasevaloresconservadoresvinculadosaofeminino(como anteriormentevistonosurgimentodaprofisso),poisosexonodetermina 18 valores e aes, uma vez que estas so determinadas socialmente. Portanto, so asopespolticas,asconcepeseidentidadedegnero,classe,raa/etniae geraodas(os)profissionaisqueirodirecionarpolticaeculturalmentea profisso.Destemodo,poderiahaverinclusiveooposto,ouseja,emvezde reproduodeumafeminizaoconservadora,aprofissopoderiacontribuir com os interesses feministas1.Noentanto,Machado(1995)emsuaavaliaosobreotrabalhode AssistentesSociaisnumadelegaciademulheres,afirmaqueapredominncia femininanaprofissonocontribuicomosinteressesfeministas,mas,ao contrrio,asaesprofissionaiseramrecheadasdepreconceitosemachismo (apud INCIO, 2002). Isso faz despertar uma inquietao ou umapreocupao em desvendar comoas(os)assistentessociaisconstroem,naatualidade,aculturaprofissional. Humareproduodospapisequalidadesditasfemininas,quefavorecema reproduo do conservadorismo e a prpria feminizao da profisso? Em outras palavras, existe no exerccio profissional uma extenso de prticas, atributos e/ou qualidades ditas femininas, que favoream as desigualdades sociais entre homens 1Veloso,baseadoemKofes,apontaque[...]ogneronosemostracomoumacategoriadegrande importnciaparasepensaroServioSocialapenaspelofatodeesteserumaprofissocommaioria esmagadorademulheres.OfatodeoServioSocialserumaprofissodemaioriafemininaconsiderado como expresso de um modelo de relaes de gnero especfico, de uma lgica que rege a organizao da sociedade,comainserodiferenciadadehomensemulheresemdeterminadasprofisses.Achamada marca feminina da profisso no o problema em si, mas uma das determinaes mais visveis do gnero. Poder-se-iaafirmar,inclusive,quetalmarcafemininaconstitui -seumarefraodegnero.Apartirdela, pode-seconstataraquesto,maselano,emsimesma,aquesto.Pensaraprofissolevando-se em conta a presena esmagadora das mulheres em seu interior de suma importncia para o entendimento do serviosocial.Noentanto,aquestonoseesgotaa.necessrioiralm.necessrioperceberoque estportrsdaconfiguraodestequadromajoritariamentefeminino.necessrioperceberalgicaque regetalconfigurao.imprescindvelatentarparaofatodequeogneroestruturaestequadro. necessrioperceberoserviosocialnoapenasapartirdasmulheres,tomadascomocategoriaemprica, mas tambm a partir das relaes de gnero (VELOSO, 2001, p.71). 19 e mulheres? Ou h resistncia ao modelo conservador em busca da emancipao da mulher via concepes e prticas feministas? Estasinterrogaessemostrampertinentesmedidaquealutaem tornodaemancipaodamulher,portanto,conscinciadegneroporparte das(dos)profissionaisdeServioSocial,sefazindispensvelparaumreal processoderenovaodoServioSocial,tendoemvistatodasasimplicaes sofridas em torno da sua feminizao, como destaca Iamamoto: Seaimagemsocialpredominantedaprofissoindissociveldecertos esteretipossocialmenteconstrudossobreaimagemsocialdamulher navisotradicionaleconservadoradesuainseronasociedade,o processo de renovao do Servio Social tambm tributrio da luta pela emancipao das mulheres na sociedade brasileira (1999, p. 105). pois, mediante a necessidadedestarupturadiretamentevinculada questodegneroparaarenovaodoServioSocial,quesepretende problematizarestacategorianaprofisso,tendoemvistaqueaescassezde produo terica em torno da temtica, dificulta o embate com o conservadorismo empiricamente observado na categoria profissional na atualidade.Considera-se,portanto,serimportanteumaanlisedasimplicaesda feminizaoparaaprofisso,objetivandocomisso,contribuirparaoprocesso de renovao e organizao da categoria profissional, mediante sua conscincia e identidade de gnero. Destaca-se,assim,arelevnciaparaoprocessoderenovaodo Servio Social, em se problematizar a categoria-gnero no interior da profisso por meio da construo de uma identidade com o movimento feminista que venha a

20 favoreceraorganizaopolticadacategoria,medianteapercepodacondio de gnero imputada profisso.Perceberasespecificidadesdafeminizaodaprofissoeas implicaesdessasparaacategoriafundamentalparaoenfrentamentoda subalternidadeedesprestgiosocialconferidoshistoricamentesprofisses exercidas predominantemente por mulheres. Este fato demonstrado por Veloso (2001)aosereportaraosestudospioneirossobreasmarcasfemininasda profisso,dentreosquaisosdeVerds-Leroux,IamamotoeCarvalho,Heckert. Nestesentido,oautordestacacomosendoumadasimplicaesdesta feminizaoa:subalternidadeprofissionaldiantedeoutrasprofisses,baixa qualificaoebaixossalrios,descrevendo,emcertamedida,arealidadede mulheres que esto inseridas em uma profisso feminina (2001, p.74). Diantedisto,importantequeas(os)profissionaisdesvendemas relaesdegneronoapenasemrelaoaosusuriosdeseusservios,mas tambm em relao a si mesmos (VELOSO, 2001, p. 72).Pensar,portanto,arelaogneroeServioSocialimplicaem problematizarafeminizaodaprofisso,aconcepodegnerodas(os) assistentessociaisesuarelaocomaprofisso.Trata-se de perceber como os sujeitosprofissionaisatribuemsignificadossrelaesdegneroedeque maneiradosentidosuaprticaprofissional,tentandoperceberadimenso poltica dada profisso.Ainvestigaoemtornodasconcepes da categoria profissional das Assistentes Sociais, mediante uma anlise relacional de gnero, com o objetivo de perceberseastransformaesideopolticasocorridasnaprofissopossibilitaram 21 umarealrupturacomoconservadorismo,notocantereproduoderelaes desiguaisdegnero,esehumredirecionamentopolticoemconsonnciacom os interesses feministas no movimento de renovao do Servio Social.Medianteasconsideraesaquisuscitadas,parte-sedahiptesede que,mesmodiantedastransformaesocorridasnaprofisso,aindah concepesereproduodevaloresconservadoresemtornodasrelaesde gnero.Nessesentido,esteestudoserorientadoparaaprofundaroseguinte problema:emquemedidaasAssistentesSociaisestocontribuindocoma eqidadedegneroesuarelaocomoprocessoderenovaodoServio Social? Pretende-se,destaforma,analisarseas(os)AssistentesSociais percebem, resistem e se opem ao conservadorismo ou reproduzem as opresses de gnero no seu exerccio profissional, mais precisamente na Assistncia Social.AescolhadestareasedeuemvirtudedeaAssistnciaSocial estabelecerumahistricarelaocomoServioSocialecomafeminizao, tantonacomposioprofissionalquantonapopulaousuria,tendoemvistao fenmeno social da feminizao da pobreza. Desta forma, a rea da Assistncia Social torna-se um campo propcio e frtil para as anlises de gnero do exerccio profissional das(os) Assistentes Sociais.Assim, tem-se como pergunta norteadora deste trabalho: qual o sentido ideopolticodadoprofissopelasAssistentesSociais,medianteassuas concepes em torno da relao entre gnero e Servio Social?Objetiva-seaindacomestapesquisadesvelaraculturadaprofisso, suscitandoasseguintesindagaes:comoasrelaesdegneronaassistncia 22 social se configuram e se relacionam, na atualidade, com o Servio Social? Como afeminizaodaassistnciasocialpercebidaetrabalhadapelacategoria profissional?Comamaturidadeintelectualalcanadapelacategorianosanos 1990medianteoNovoProjetoProfissional,onovoCdigodeticaeasnovas diretrizes curriculares, a luta e aprovao da LOAS foi possvel a ruptura terica, polticaeculturalcomoconservadorismoecomohumanismocristona perspectivadaigualdadedegnero?Houverupturacomacomposio marianismo/humanismocristoconservadorismo,oucontinuahavendo reproduo, contrariando o progresso conquistado pelos profissionais, iniciado no movimento de Reconceituao na dcada de 1960, com a contestao da vertente positivista?Atquepontohouverupturacomoesteretipoimpostos pretendentescarreiradeServioSocialnagnesedaprofisso?Existeuma incorporaodasrelaesdegneronumaperspectivafeministaporparteda categoriadas(dos)AssistentesSociais,voltadaparaasuaorganizaopoltica emfazerfrentee/ouresistirsubalternidadeimputadacondiofemininada profisso?Comosprofissionais,houverupturaemtornodafeminizaoda profissoedesuautilizaocomoreprodutoradequalidadesditasfemininas juntosusuriasnamsticadaajuda,aqualcamuflaoconflitodeclasseea questo social? Como as(os) Assistentes Sociais percebem a condio de gnero da categoria profissional com as respectivas implicaes para a profisso?Nestaperspectiva,tem-secomoobjetivogeralanalisarosentido ideopolticodadoprofissopelasAssistentesSociaismedianteassuas concepesemtornodasrelaesdegneronaAssistnciaSocial.E,como objetivos especficos: analisar a relao entre Gnero, Questo Social e Servio 23 Social;analisaradivisosexualdotrabalhonafeminizaodoServioSocial; apreenderaimportnciadacategoria-gneroedomovimentofeministaparaa profissonacontemporaneidade;analisaremquemedidaosavanosdoServio Socialconsolidadosnonovoprojetoprofissionalproporcionaramuma compreensoterico-metodolgicaparaas(os)profissionaisnaperspectivada eqidadedegnero; analisar como as(os) profissionais percebem a condio de gnero da categoria profissionale das mulheres na sociedade. Nabuscaderespostasaosobjetivostraados,arealizaodeste trabalhoadotouumametodologiaquetevecomonorteumpensamentodeMarx: Se aparncia e essncia se confundissem, a cincia seria suprflua. Neste vis, buscar-se-desvelaraessnciadoobjetodestapesquisa,qualseja,arelao entre gnero e Servio Social, no de forma isolada, focalizada ou fragmentada da totalidadesocial,masnateia,nocontextodasrelaessociaismaisamplas, identificandosuasmltiplasdeterminaesesuasexpresses/implicaesna realidade concreta. Estapesquisaser,portanto,guiadadentrodaperspectivade totalidade, j que todo indivduo no somente a sntese das relaes existentes mastambmdahistriadessasrelaes,isto,oresultadodetodoopassado (GRAMSCI apud TORRES, 2002, p. 45). Irnacontramodestaperspectivadetotalidadeimplicatornarestrila riquezadadialticadoconhecimento,jqueatotalidadequepermitea apreensoracionaldarealidadeparaalmdaaparnciaedacausalidadedos fenmenos,masemsuasntimasconexesinternas,nasquaisse autodeterminam. Com efeito, afirma Kosik: 24 Osfatossoconhecimentodarealidadesecompreendidoscomofatos de um todo dialtico isto , se no so tomos imutveis, indivisveis e indemonstrveis,decujareunioarealidadesaiaconstitudaseso entendidos como partes estruturais do todo. O concreto, a totalidade, no so,porconseguinte,todososfatos,oconjuntodosfatos,o agrupamentodetodososaspectos,coisaserelaes,vistoqueatal agrupamento falta ainda o essencial: a totalidade e a concreticidade. Sem acompreensodequearealidadetotalidadeconcretaquese transformaemestruturasignificativaparacadafatoouconjuntodefatos o conhecimento da realidade concreta no passa de mstica, ou a coisa incognoscvel em si (2002, p. 44). Ressalta-seaindaquenohpretensoemesgotaratemtica proposta, uma vez que se reconhece que a realidade sempre mais dinmica que o pensamento.Asquestesaquisuscitadasconduzemrealizaodeumapesquisa bibliogrficaedecampo,decarterqualitativo,dadaanecessidadedese trabalharcomouniversodossignificados,valoreseconcepesquetm configurado a cultura profissional. no mbito desta cultura profissional que se abrem as possibilidades de interpretao do sentido atribudo profisso por parte de suas/seus profissionais. A pesquisa bibliogrfica se dar mediante a leitura de obras relevantes paraacompreensodotemaabordado.EstaetapaIluminaoscaminhos descobertosepercorridosnocursodapesquisa.Estapesquisasefaz imprescindvel, uma vez reconhecido que: Oconhecimentonosefazerefazemcadaindivduo.Representauma acumulaoprogressiva,notempoenoespao,queseacrescenta permanentementecomacontribuiodecadaumedetodosemmaior ou menor proporo. E o ponto de partida de cada acrscimo sempre o realizadoeacumuladoanteriormente:nabasedeumpatrimnio culturaltransmitidodopassadoeenriquecidonopresente,quecada indivduo traz a sua contribuio prpria (PRADO Jr, 1960, p.51). 25 Destarte,iralmdarepresentaocaticadotodo,doaparente,do imediato.Partirdoconcreto,concebendo-ocomosntesedemltiplas determinaes,partirdoemprico,darepresentaosensveldoreal (representaocatica)einvestigaragnesehistricadeumdadofenmeno, percebendosuasrelaeseinter-relaescomatotalidadesocial,sendoeste movimentoprocessadonopensamentoeancoradonoconhecimentoacumulado anteriormente. Chegando-seaoconcretopensado,dorealaoabstrato,tem-se que, necessariamente,faze raviagemnosentidoinverso,oretornoaopontode partida.Eacadaretorno,ouseja,acadaaproximao(sucessiva)aoreal,h umaricatotalidadededeterminaeserelaesdiversas,distanciando-se, pois, da representao catica do todo. Nesse sentido, esclarece Marx: Parecequeocorretocomearpelorealepeloconcreto,quesoa pressuposioprviaeefetiva;assim,emEconomia,porexemplo, comear-se-iapelapopulao,queabaseeosujeitodoatosocialde produo de um todo. No entanto, graas a uma observao mais atenta, tomamosconhecimentodequeistofalso.Apopulaouma abstrao,sedesprezarmos,porexemplo,asclassesqueacompem. Porseulado,estasclassessoumapalavravaziadesentidose ignorarmososelementosemquerepousam,porexemplo,otrabalho assalariadoeocapital.Estessupematroca,adivisodotrabalho,os preos,etc.Ocapital,porexemplo,semotrabalhoassalariado,semo valor,semodinheiro,semopreo,etc.,nonada.Assim,se comessemospelapopulaoteramosumarepresentaocaticado todoeatravsdeumadeterminaomaisprecisa,atravsdeuma anlise,chegaramosaconceitoscadavezmaissimples;doconcreto idealizadopassaramosaabstraescadavezmaistnuesat atingirmosdeterminaesasmaissimples.Chegadosaesteponto, teramosquevoltarafazeraviagemdemodoinverso,atdardenovo com a populao, mas desta vez no com uma representao catica de umtodo,pormcomumaricatotalidadededeterminaese relaes diversas (1978, p.116). Por configurar-secomoumainvestigaodenaturezaeminentemente qualitativa, tomou-se como importante instrumento no levantado das informaes, 26 aentrevistatemticagravadacomasprofissionaisformadasapartirde1993, emFortaleza,einseridasnomercadodetrabalhonareadaAssistnciaSocial (unidade de anlise da pesquisa). Ocortetemporalescolhidosedeudevidopretensoemanalisaro processoderupturacomoconservadorismoapartirdastransformaese avanosalcanadosnestadcadapormeiodaconsolidaodoNovoProjeto Profissional,daimplementaodocdigodetica,em1993,edasnovas diretrizes curriculares, bem como da legalizao da LOAS, naquele mesmo ano. Foramconsideradasainda,paradefiniodasentrevistadas,as profissionaisemexerccionasSecretariasExecutivasRegionaisdeFortaleza, lotadasnosdistritosdeAssistnciaSocial,instituiesestas,responsveispela execuodapolticadeAssistnciaSocialnomunicpiodeFortaleza.Dasseis RegionaisexistentesemFortaleza,umanopossuanenhumaassistentesocial formadaapartirde1993,noperododarealizaodapesquisa(julho-agosto de 2003). Portanto, apenas cinco Regionais foram contempladas neste trabalho. O universodapesquisaabrangeutrezeassistentessociais,dasquais, seis foram entrevistadas. Destas, uma foi utilizada como pr-teste. Paraefeitodeapresentaoeanlisedosdepoimentos,foram atribudos nomes fictcios s cinco entrevistadas (Lua, Sol, Terra, gua e Estrela), com o intuito de resguardar-lhes a privacidade. Objetivandoumaapresentaodapesquisabibliogrficaedecampo em torno do objeto aqui delimitado, bem como das anlises empreendidas, dividiu-se o trabalho em quatro captulos. 27 Oprimeirocaptulo,RelaoentreQuestoSocial,Assistncia Social e Gnero no surgimento e desenvolvimento do Servio Social, trata do processoscio-histricoeideopolticodasdeterminaesdaemergnciae desenvolvimentodoServioSocialatacontemporaneidade,apreendendoas principaismatrizesterico-metodolgicasqueinfluenciaramaprofisso.Para tanto, destaca as categorias: questo social, assistncia social e gnero, tentando apreendersuasinter-relaes e intercruzamentos com o Servio Social.Enfatiza-seainda,nacontemporaneidade,avanos,limites,continusmosedesafiosda assistnciasocial,tendocomobase,emespecial,osdepoimentosdas entrevistadas. No segundo captulo,Gnero: uma anlise histrico-crtica em torno de suas abordagens tericas, se tem uma abordagem histrica do surgimento e desenvolvimentodacategoria-gneroacompanhadadeumaanliseterico-crtica, problematizando a sua relao e as suas divergncias com o feminismo, o marxismo e a ps-modernidade.Oterceirocaptulo,Divisosexualdotrabalhonaordem sociometablica do capital uma anlise necessria para emancipao da mulher, tem como objetivo perceber a particularidade da feminizao do Servio Socialesuasimplicaesparaacategoriaprofissional,fazendo-senecessrio analisar, no mbito da diviso sociotcnica do trabalho, como a diviso sexual do trabalhodeterminae/ouseapropriadacondiofeminina.Nestecaptulo realizadaaindaumaanlisedarelaoentreacondiofemininanomundodo trabalho capitalista e as conquistas. No ultimo captulo,Feminizao e Servio Social uma anlise das 28 concepesdegnerodasAssistentesSociaisnaAssistnciaSocialem Fortalezarenovaoouconservadorismo?enfatizadaapesquisade campo,oferecendoumaanlisedasconcepesdegnerodasAssistentes Sociaisentrevistadas,bemcomodassuasconcepesacercadarelaoentre gnero/feminizao e Servio Social. Busca-se, com isso, analisar as implicaes dafeminizaoparaacategoriaprofissional,assimcomoidentificar,nas entrevistadas, o nvel de resistncia e/ou de percepo destas implicaes.Espera-se,comestetrabalho,contribuirparaasdiscussesda profisso, uma vez que pensar uma profisso pensar nas(os) profissionais que a exercemenascondiesemqueelaseelesestoinseridas(os)nasociedade. Neste sentido, a marca da feminizao na profisso deve ser analisada. Como aponta Granemann: [...]jsetemumrazovelnveldeconhecimentoacumuladosobrea categoria,paradizerqueoServioSocialumaprofisso predominantementefeminina.Taldeterminaonoisentade conseqnciasemumasociedadequeremuneraasmulheres,poresta condio,comsalriosemgeral50%menoresdoqueospagosaos homens que exercem atividades idnticas (1999, p. 162). Essa anlise remete, portanto, importncia, para o Servio Social, da luta das mulheres. Assim, este trabalho buscar contribuir para a percepo desta importncianoseiodaprofisso,objetivandooseuprocessoderenovao, bem como o cumprimento de seu compromisso com os grupos oprimidos, no caso, as mulheres,que,deacordocomMitchell,possuemumapeculiaridadediantedos demais grupos oprimidos: Asituaodasmulheresdiferentedadeoutrosgrupossociais oprimidos:elassoametadedahumanidade[...].mulheroferecido ummundoprprio:afamlia.Exploradasnotrabalho,relegadascasa: 29 estasduasposiescompemsuaopresso(apudMORAES,2000,p. 90). Espera-seaindacontribuir,deformaconcreta,paraasaes ideopolticasdas(os)profissionais,ouseja,nosparaadesmistificaoda feminizaodoServioSocialpercebendoasmediaesqueatravessama relaoentregneroeServioSocialmastambm,parapossibilitaruma compreensocrticadaprofissoquesereflitaemumaintervenotericae prtica nas lutas sociais, mais precisamente na luta das mulheres.Aimportnciadestainterveno,caractersticadoServioSocial, ressaltada por Yolanda Guerra: [...]acreditamosqueahistria-sntesedasaesdoshomens[sic]. h queportarasmediaesnecessriasparadesencadear,aoconjuntoda profisso,anecessidadedealarnovasformasdecompreend-la. Pormseaguardamospacientemente,seminferirnoprocesso,semnos qualificarmostericaepraticamenteparaestemomento,semnos inserirmosnaslutassociais,corremosoriscodeperderotremda histria(BetoGuedes)[...].Danossaexpectativadequeum posicionamentoemtemponosconduzaanoperdermosahora quandoavelhatoupeiracolocaracabeaparafora(GUERRA,1995,p. 206). Paraqueotremdahistrianosejaperdido,importantenele entrar,dandoadireonaconstruodeumnovotempo,repletodeliberdadee igualdade. 30 RELAOENTREQUESTOSOCIAL, ASSISTNCIASOCIALEGNERONO SURGIMENTOEDESENVOLVIMENTODO SERVIO SOCIAL Desconfiai do mais trivial, na aparncia singelo.E examinai, sobretudo, o que parece habitual.Suplicamos expressamente: no aceiteis o que dehbito como coisa natural, pois em tempo de desordemsangrenta, de confuso organizada, de arbitrariedade consciente,de humanidade desumanizada, nada deve parecer naturalnada deve parecer impossvel de mudar. Bertold Brecht 31 estecaptuloserfeita uma abordagem histrica do Servio Social, buscando apreender as suas determinaes no tocante aoseusurgimentoedesenvolvimento.Serdiscutidatambmasuarelaocom aAssistnciaSocialimbricadacomamarcadegnero,ouseja,procurar-se- desvelarcomoeporqueoServioSocialemergecomoprofisso, institucionalizando-semedidaqueharacionalizaodaAssistnciaSocial, tendo como caracterstica marcante, at a contemporaneidade, a feminizao. Noquedizrespeitoaodesenvolvimentodaprofisso,serfeitauma abordagem dos avanos tericos e polticos que envolveram e envolvem o Servio Social ao longo do seu percurso. 1.1. Questo social: a gnese da profisso A origem do Servio Social encontra-se intimamente relacionada com a consolidaodosistemacapitalista,naidadedomonoplio,estgiodenominado porLnindeImperialismo2.Essemomentomarcadopelamodernizao capitalista,napassagemdocapitalismoconcorrencialaomonoplico,sendo caracterizado como um perodo que acentua intensamente as contradies sociais em suas expresses de explorao e alienao. 2 Para uma anlise mais aprofundada sobre capitalismo monopolista, ver NETTO (1996). 32 Estascontradiessodeterminadasnarelaocapital-trabalho,na qualosinteressesdasclassessociais3emjogo(classetrabalhadoraeclasse burguesa)soinconciliveis,umavezqueparagarantiroacmulodocapital,a classedominantetem,necessariamente,queexploraramo-de-obradas(os) trabalhadoras e trabalhadores. A classe burguesa, detentora dos meios de produo, detm tambm a riqueza acumulada,produzidapelaclassedas(os)trabalhadorasetrabalhadores, possuidoraexclusivamentedaforadetrabalhoparasobreviveremtrocado salrio.Assim,ariquezaqueproduzidaporumaclasseapropriadaporoutra por meio da explorao damais-valia4.Residenestacontradiooantagonismo entreasclassessociaiseoconfrontoentreelasodeterminanteparaa transformao social, como destaca Ianni: Para Marx, em ltima instncia, a historicidade, ou seja, a transitoriedade docapitalismo,dependedodesenvolvimentodessesantagonismose lutas.Fundamentalmenteoconfrontopormeiodoqualocapitalismo entraemcolapsofinaloconfrontoentreoproletariadoeaburguesia, poisqueparaeleessassoasduasclassessubstantivasdoregime (1992, p. 14). Naordemmonoplicahumapolarizaoagudizadaentreasclasses sociais,aopassoqueoobjetivocentraldocapitalismomonopolistaabusca 3Oconceitodeclasseentendidocomoumfenmenohistrico,construdoporhomensemulheresna contradiodasociedadecapitalista,naqualasclassessedefinemdeacordocomsuarelaode propriedade com os diversos meios de produo (KATZ e COGGIOLA, 1996, p. 140).4 A mais-valia caracterizada como trabalho excedente, mais -trabalho, correspondendo s horas de trabalho no pagas, que so apropriadas como lucro pelo capitalista. Ela pode ser absoluta e/ou relativa. A absoluta caracterizadaporumprolongamentodajornadadetrabalhoparaalmdotempodetrabalhonecessrio reproduo da fora de trabalho (TEIXEIRA, 1995, p.145). A mais-valia relativa se d atravs da obteno de mais -trabalho, reduzindo o tempo de trabalho que o trabalhador tem que desempenhar para reproduzir sua subsistncia.Paraisso,ocapitalobrigadoarevolucionarascondiestcnico-materiaisesociaisdo processodetrabalho[...],proporcionandomaisproduoporhoradetrabalho.Essareduodetrabalho resultanobarateamentodasmercadoriasproduzidaspelocapitalqueredundaemmais -trabalho para o capital (TEIXEIRA, 1995, p.145-146). 33 incessanteporsuperlucrosemdetrimentodosinteressesdaclassetrabalhadora, o que faz acirrar os conflitos de classe. Amanutenodestaordemdemanda,portanto,umainterveno estatal,tantoparaassegurarareproduosocialcomoparaocontroledesses conflitos,garantindo,portanto,osinteressescapitalistas.Assim,percebe-seuma articulaoentreasfunespolticaseeconmicasdoEstado.pormeiodas polticassociaisqueoEstadoburgusirgarantiressaimbricaoentresuas funespolticaseeconmicas,requisitando,paraisso,profissionais especializados. , pois, nesse terreno do capitalismo monopolista que h a emerso do Servio Social como profisso. Dessa forma, percebe-se que o Servio Social no surgedeumaracionalizaodaassistnciasocial,ouseja,deumasimples evoluo linear da caridade, uma evoluo da ajuda, mas emerge das condies histrico-sociaisconcretasnaordemmonoplica,dosseusprocessos econmicos, sociopolticos e terico-culturais (NETTO, 1996). Na arena conflituosa da contradio capital x trabalho, o Servio Social chamado a intervir, tendo como principal empregador o Estado e, como objetivo central, o controle e a reproduo da fora de trabalho, visando a conformao e o enquadramentodaclassetrabalhadoraordemdocapital.Enquadramento que,porsuavez,estvoltadoparaamenizarosconflitosocasionadospelo acirramento da questo social, interpretada como o conjunto das expresses das desigualdadeseconmicas,sociais,polticaseculturaisdasociedadecapitalista madura. 34 Trata-se,pois,dasdesigualdadesdegnero,etniaegerao,que nestaformadesociabilidadepodemserrelacionadasaumaraizcomum,qual seja:aproduocadavezmaiscoletiva,otrabalhotorna-semaisamplamente social, enquanto a apropriao dos seus frutos mantm-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade (IAMAMOTO, 1999, p. 27-29). DeacordocomNetto,aexpressoquestosocialsurgeparadar contadofenmenodopauperismo,advindodosimpactosdaprimeiraonda industrializante,iniciadanaInglaterranoltimoquarteldosculoXVIII.Com efeito,apauperizaomassivadapopulaotrabalhadoraconstituiuoaspecto maisimediatodainstauraodocapitalismoemseuestgioconcorrencial (NETTO,2001).Apauperizaosetratavadeumfenmenonovo,sem precedentesnahistria,pois,apesardenoserinditaadesigualdadeentreas vriascamadassociais,apolarizaoentrericosepobrespassavaase generalizar. Inversamenteriquezaproduzidaetodasascondiesde desenvolvimentodasforasmateriaisesociaisalcanadas,que,pelaprimeira vez,possibilitariamasupressodaescassezhistrica(aqueapobrezaestava ligada), crescia a desigualdade social. Essecontexto,quepropiciouumanovapobreza,acentuado medidaquesedesenvolveosistemacapitalista.Comoavanodocapitalismoe conseqentementedadesigualdadesocial,as(os)pauperizadas(os)passama confrontaraordemburguesa,anoaceit-lacomconformismoeresignao. Dessaforma,opauperismopassaadesignar-sequestosocial,comoponta Netto: 35 [...]daprimeiradcadaatametadedosculoXIX,seuprotestotomou asmaisdiversasformas,daviolncialuddistaconstituiodastrade unions,configurandoumaameaarealsinstituiessociaisexistentes. Foiapartirdaperspectivaefetivadeumaeversodaordemburguesa queopauperismodesignou-secomoquestosocial(NETTO,2001, p.43). Nestalinhadecompreenso,Iamamoto(1999)afirmaqueaquesto socialsendodesigualdadetambmrebeldia,porenvolversujeitosque vivenciamasdesigualdadeseaelaresistemeseopem.Nestaperspectiva, compreende-sequeaquestosocialseconfiguramedidaqueoconjuntodas desigualdadessociais,econmicaseculturaisserevelampoliticamentepormeio da classe trabalhadora.Sendonobojodacontradiodocapital,noantagonismoentreas classessociais,enfim,naquestosocialeseusdesdobramentosqueoServio Socialemergecomoprofisso,faz-senecessriocompreenderasmltiplas determinaesdaquestosocial,apreendendoasparticularidadesdesuas expresseseaformadetrat-las,paraaanlisedaprofisso,jque,deacordo comIamamoto(1999),aquestosocialamatria-primadaintervenoda profisso. 1.2. O surgimento do Servio Social - percorrendo as trilhas da Assistncia Social No Brasil, at 1930, a questo social era considerada como um caso de polcia,sendotratada,portanto,pormeiodarepresso.Aresponsabilidadede enfrent-la,almdapolcia,eracolocadaparaosorganismosdesolidariedade social.Aassistnciasocialnopassavadeprticasdescontnuase 36 desarticuladas,voluntaristas,benevolentes,dacaridadeedasolidariedade irracional.EssasaesassistenciaisgeralmenteeramrealizadaspelaIgreja Catlica. ComodesenvolvimentodocapitalismonoBrasil,impulsionadopela crisede1929,cresceaindstriaeomercadonacionais,avanando simultaneamenteocrescimentodaclassetrabalhadoraeaagudizaodesua pobreza.Comoprocessodeorganizaoetomadadeconscinciadeclasse,as (os)trabalhadoras(es)passamaentrarnocenriopoltico,aameaaraordem vigente,tornandoexplcitaaquestosocialaoevidenciaremacontradioeo antagonismo do capital e suas conseqncias. Esseprocessodeorganizaodaclassetrabalhadoraprovocano Estadoanecessidadedeagirdeformadiferenciadanotratocomaquesto social, pois, esta no podia mais ser controlada pela represso policial, como era na Primeira Repblica. Continuar tratando-a como questo policial seria um auto-suicdio,umavezqueaclassetrabalhadorajmostravaclarossinaisde autonomia, agravando ainda mais a impossibilidade de manter um sistema apenas sobocontrolecoercitivo,sobpenadeaclassedominanteserdestitudadeseu poder pelas(os) trabalhadoras(es).Assim,naSegundaRepblica,GetlioVargas,queestavana presidnciadoBrasil,reconhece,porcondiodesobrevivnciadosistema,a questosocialemsualegitimidade,comoumaquestopolticaelegal. Conseqentemente,ogovernosevobrigado a se preocupar com a assistncia social pblica. 37 As aes de Vargas foram mais voltadas para a dimenso trabalhista, inclusiveinterferindonaorganizaosindicalsobaargumentaodadebilidade daclassetrabalhadoraepelanecessidadedezelarpeladisciplina,pelaordem pblica, pela segurana, bem como por um esprito de solidariedade e fraternidade entre os trabalhadores e destes com seus patres (CARDOSO, 2000, p. 85). IssoevidenciaqueGetlioVargasimplementavamedidasestratgicas epaliativasparaamenizaroconflitoentreasclasses,quecresciadeforma assustadora,buscandoincessantementeabafarecooptarosmovimentos sindicais.Asinstituiesgovernamentaisqueexecutavamasaesligadas assistncia social no a consideravam como um direito, reproduzindo as relaes defavorquemarcaramecontinuamamarcarahistriadaassistnciasocialno Brasil.PrevalecianogovernodeVargasopaternalismo,opopulismo,o clientelismo,omascaramentodadesigualdadesociale,conseqentemente,o apadrinhamento,visandoaoenvolvimentoideolgicodasociedadecivilparaa integrao entre as classes antagnicas. Estemodelogovernamentalnoeliminava,noentanto,ousoda repressotantodireta,quantocamufladaideologicamente.Oobjetivocentralde Vargas era, destarte, impedir a autonomia das organizaes sindicais, da classe trabalhadora de uma forma geral, que j conquistava espao no cenrio poltico. 38 Conclui -se,pois,queosdireitosconquistadosnesseperodo,comoos aseguirmencionados,percebidospormuitoscomobondadedeVargas5,so produtos da organizao e luta das(os) trabalhadoras(es): [...] lei das oito horas, de igualdade de salrios em identidade de servios para trabalhadores de ambos os sexos6, do trabalho das mulheres e dos menores,danacionalizaodotrabalho,dasindicalizaodasclasses, dasconvenescoletivas,dotrabalhonaindstria,nocomrcioem numerosasoutrasatividades[...],semfalarnareformaquesefezna nossainoperanteleisobreaci dentesdotrabalho,nareformadaleide frias... (CERQUEIRA apud CARDOSO et al, 2000, p. 86). EssecenriofazemergiroServioSocialpelanecessidadedeo Estadoimplementarpolticassociaisqueviessematenderaosinteressesdas classesexploradas,oquegarantiriaaamenizaodosconflitosdeclassee atenderiatambmanecessidadedeocapitalcontrolarapauperizaocrescente daforadetrabalho,assegurando,almdoseucontrole,asuareproduo. nessarelaocomaspolticassociaisdoEstadoqueoServioSocialencontra seu significado scio-histrico. Aspolticassociaisseconstituem,dessemodo,comoumcampo contraditrio,pois,aomesmotempoemquegarantemoatendimentode necessidadesconcretasdapopulaousuria,quedeoutraformalhenegado, configuram-secomoinstrumentoqueasseguraareproduodocapitalvia 5Vargaschegou a ser chamado de Pai dos pobres, demonstrando assim a influncia do paternalismo em seugoverno.Opaibondosoquedeuosdireitosdostrabalhadores,e,comopai,possuaodireitode tambm bater, de corrigir seus filhos, como se percebeu no seu regime autoritrio. Alm de pai dos pobres, Vargas, por outro lado, ficou conhecido como me dos ricos. 6Valeressaltarqueaigualdadedesalriosparatrabalhadoresdeambosossexos,apesardeconquistada legalmente, ainda no se concretizou.A desigualdade entre homens e mulheres visualizada com facilidade nas relaes trabalhistas e sociais em geral. 39 garantiadaforadetrabalhoeamenizaosconflitosdeclasse.Comefeito, destacam Sposati et al: O avano das polticas sociais terminam por ser menos a ao do Estado empromoverajustiasocialemaisoresultadodelutasconcretasda populao.Estasduasfacesfazempartedapolticasocial.Deumlado, instrumentodesuperao(oureduo)detensessociais,formade despolitiz-las e encaminh-las para frentes menos conflitivas na relao capital-trabalho, de outro, espao de reflexo de interesses contraditrios das classes sociais: luta pela determinao do valor da fora de trabalho e atendimento s necessidades objetivas do capital (1995, p. 34). Assim, o Estado passa a se apropriar da assistncia sob duas formas: [...]umaqueseinsinuacomoprivilegiadaparaenfrentarpoliticamentea questosocial;outraparadarcontadecondiesagudizadasde pauperizaodaforadetrabalho[...].Aassistnciacomeaase configurarquercomoumaesferaprogramticadaaogovernamental paraaprestaodeservios,quercomomecanismopolticoparao amortecimento de tenses sociais (op. cit., p. 41). Dentrodessacontradio,faz-senecessrioperceberaquesto assistencial como um espao de expanso de direitos, fruto do confronto e da luta entreasclassessociaisantagnicas.Compreend-laexige,portanto,iralmda categoria profissional.ArelaoentreoServioSocialeaassistnciasocialpodeser considerada orgnica medida que o processo de institucionalizao da profisso sedenraizadocomahistriadaassistnciasocial.Nomomentoemqueela passaaserderesponsabilidadedoEstado,estedemandaanecessidadede profissionaiscapacitadostecnicamenteparaexecuodessapolticavia procedimentosracionaisecientficos7.Dentrodessasnovasconfiguraes 7 Dentre as atribuies das(os) Assistentes Sociais na execuo da assistncia social, encontra-se a triagem econmica. O assistente social o profissional legitimado para atribuir o grau de carncia do candidato a usurio, e o Servio Social a tecnologia que d conta da racionalidade desse processo (op.cit., p.30). 40 expressasnaquestosocial,aassistnciasocialirmoldarecaracterizara profisso, como pode se observar na citao abaixo: nombitodaquestoassistencialqueseinscreveaaodos assistentessociais[...].Ainserodoassistentesocialsedar historicamentenasduasdimenses:numa,paradarconta,comoutros profissionais,dafaceassistencialdaspolticasdecortesocial;noutra, comooagenteprimordialdosprogramasdeassistnciasocialpblica [...].ainstitucionalizaodaassistnciaquehistoricamente estabelece o Servio Social como profisso. este componente que o caracterizaedistinguenadivisoscio-tcnicadotrabalho.Sema assistncia,oServioSocialouoTrabalhoSocialdeixamdeser enquanto tal, passando a ser outra profisso (SPOSATIet al, 1995, p. 39- 40, grifou-se). A assistncia social, portanto, foi e determinante para o Servio Social comoprofisso.Almdadeterminaoparaoprpriosurgimentoe institucionalizaodaprofisso,ainserodoassistentesocial,emborasefaa nasdiferentespolticassociaisjuntamentecomoutrosprofissionais,encontra expresso nas polticas especficas de assistncia social (op. cit. p. 59). Dentrodessaperspectiva,ressaltandoarelaoentreAssistncia Social e Servio Social, uma das entrevistadas destaca: Nossousurio[...]aportadeentradadaAssistnciaSocial[...]. AssistnciaSocialeAssistenteSocialandamconcombinadas[risos] (SOL). Apesardarequisiotcnicadas(os)AssistentesSociaispara execuoracionaldaspolticasassistenciais,oEstadovarguista,comoj comentado,iniciaaimplementaodessaestratgiaatravsdopopulismo,do clientelismo e da benemerncia junto s classes subalternas. A poltica social no eraasseguradacomoumdireitoesimcomoumfavorecimentodoEstadoao

41 assistido(a),oqueprovocavaasuasubordinaoedependncia,comoafirma Torres: [...] o Estado brasileiro sempre enfrentou a questo da pobreza de forma casustica, descontnua, sem efetividade e sem planejamento, criando [...] umaformadedependncia,apadrinhamentoeclientelismo.Muitas vezes,osusuriosdasinstituiesdebem-estarnosereconhecem comosujeitosnessarelao,mascomoserespassivoseincapazes frente sociedade (2002, p. 131-132). Nitidamente se percebe como esse modelo assistencial se configurou comumcarterassistencialista,cujosobjetivosdecentravamemreproduzire assegurararelaodedependnciaedominaosobreapopulaousuria. Perpetuava-se,portanto,aprecariedadedascondiesdevidadapopulao, vistoqueoobjetivodessemodeloestavalongedeserpautadono compromisso comasuperaodasdesigualdadessociais.Olimitedaatuaoeraa amenizao das seqelas mais graves da explorao, visando amenizao dos conflitos sociais. Para tanto, o Estado utiliza-se da figura da mulher, com todas as suas caractersticas,donsepapissociaisdifundidosideologicamentepelaIgreja Catlica para assegurar o controle da questo social e ao mesmo tempo para se desresponsabilizar pelos problemas sociais.H, assim, uma orgnica relao entre Servio Social, polticas sociais, questosocial,gneroecapitalismomonopolista,comoseraprofundadonos itens seguintes. 42 1.2.1. Legio Brasileira de Assistncia Social (LBA) e Servio Social Como se viu, foi nas trilhas da assistncia social e fundamentalmente nasdeterminaeshistricasdaracionalizaodaassistnciasocial,queo Servio Social configurou-se como profisso. No Brasil, foi por intermdio da Liga das Senhoras Catlicas e da Associao das Senhoras Brasileiras que teve incio apreparaodepessoasparatrabalharemnaassistnciapreventivaeno apostoladosocial,oquepermitiuosurgimentodasprimeirasescolasdeServio Social,nadcadade30(TORRES,2002,p.28).Nessecontexto,acriaode instituies pblicas que assumiriam a assistncia social marca, indubitavelmente, o incio da legalizao da profisso de Servio Social (op. cit. 29).A primeira grande instituio de assistncia social no Brasil foi a Legio BrasileiradeAssistncia(LBA),em1942,nummomentoemqueogoverno brasileiro,sobapresidnciadeGetlioVargas,engajaraopasnaSegunda GuerraMundial.Oobjetivodeclaradodeseusurgimentoeraodeproveras necessidades das famlias cujos chefes haviam sido mobilizados, e, ainda, prestar decididoconcursoaogovernoemtudoqueserelacionaaoesforodaguerra atender.Elasurgiuapartirdeiniciativadeparticulareslogoencampadae financiadapelogoverno,contandotambmcomopatrocniodasgrandes corporaespatronais(ConfederaoNacionaldaIndstriaeAssociao ComercialdoBrasil)eoconcursodassenhorasdasociedade(IAMAMOTOe CARVALHO, 1982, p.257). A LBA, ao expandir-se, passou a atuar em praticamente todas as reas daassistnciasocial,influenciandosignificativamenteainstitucionalizaoeo 43 desenvolvimentodoServioSocial,bemcomoaprpriadinamizaoda assistncia social brasileira, como demonstram Iamamoto e Carvalho: Da assistncia s famlias dos convocados, progressiva e rapidamente a LBAcomeaaatuarempraticamentetodasasreasdeassistncia social8,inicialmenteparasuprirsuaatividadebsicaeemseguida visandoaumprogramadeaopermanente.Nessesentidose constituiremmecanismodegrandeimpactoparaareorganizaoe incrementodoaparelhoassistencialprivadoedesenvolvimentodo ServioSocialcomoelementodinamizadoreracionalizadorda assistncia[...]Constituindo-senaprimeiracampanhaassistencialde nvelnacional,aLegioBrasileiradeAssistnciaserdegrande importnciaparaaimplementaoeinstitucionalizaodoServio Social,contribuindoemdiversosnveisparaaorganizao,expansoe interiorizaodarededeobrasassistenciais,incorporandoou solidificandonestasosprincpiosdoServioSocial,eaconsolidaoe expanso do nmero de trabalhadores sociais (1982, p. 258-259). DeacordocomEstvo,aLBAfoicriadacomoobjetivodetrabalhar emfavordoprogressodoServioSocial,aomesmotempoemqueprocurava canalizareconseguirapoiopolticoparaogoverno,atravsdesuaao assistencialista (apud TORRES, 2002, p.29). ALBAteveinicialmentecomopresidentaaprimeiradamaDarcy Vargas,assimcomo,emestatuto,garantiasucessivamentesuapresidncias primeiras damas da Repblica brasileira.Estefatoumcampofrtilparaanalisarcomoaassistnciasocial estavavinculada,atmesmoimbricada,comaquestodegnero,ouseja,o fatodeaassistnciaestarsobaresponsabilidadedaprimeira-dama(mulher)e nosobabatutadopresidenteoudeumprimeiro-damo.Almdisso,huma 8AsreasdeatuaodaLBAeram:Assistnciamaternidadeeinfncia,velhice,aosdoentes,aos necessitados, aos desvalidos, melhoria da alimentao e habitao dos grupos menos favorecidos, difuso da educao popular, levantamento do nvel de vida dos trabalhadores e organizao racional de seus lazeres Legio Brasileira de Assistncia, Diretrizes e Realizaes (agosto de 1942 julho de 1943). [...] Comofimdoconflitomundial,aLBAacentuarsualinhadeassistnciafundamentalmenteparaa maternidade e infncia (op cit). 44 vinculaohistricaentreasmulheresearesponsabilidadeparacomos problemassociais,comaprticadacaridadeedaajuda,comoequilbrioe harmoniasociais,enfim,comareproduosocial9voltadaparaocontrole da classe trabalhadora.Nessesentido,paraTorres[...]oEstadoseeximedasua responsabilidadeedasuafunodeintervenonachamadaquestosocial, transferindoessaresponsabilidadeparaaprpriasociedadesobadireodas primeiras-damas (2002, p.22). Sobreonascedourodessefenmenodoprimeiro-damismono Brasil, a autora ainda afirma: [...]humamotivaodeordempoltica:oEstadobrasileirov-se obrigado a forjar estratgias de enfrentamento dos problemas sociais que assumemsrioscontornosnesseperododaSegundaGuerra.Na verdade,oEstadolanamodosvaloresfemininosparasensibilizara sociedadeaintervirnachamadaquestosocial,dandoimpulsoao espritofilantrpicoapartirdeumaprticaassistencialista,que marcaria a face da ao das primeiras -damas no Brasil (op.cit. p, 40). Aresponsabilizaodasmulheresquestosociale, conseqentemente,assistnciasocial,sedumavezqueseconsiderae fomentaumaideologia(principalmenteviaIgrejaCatlica)baseadanoseguinte pensamento expresso por Maria Kiehl: 9 [...] Na tradio marxista refere-se ao modo como so produzidas e reproduzidas as relaes sociais nesta sociedade.Nestaperspectiva,areproduodasrelaessociaisentendidacomoareproduoda totalidade da vida social, o que engloba no apenas a reproduo da vida material e do modo de produo, mastambmareproduoespiritualdasociedadeedasformasdeconscinciasocialatravsdasquaiso homem se posiciona na vida social. Dessa forma, a reproduo das relaes sociais a reproduo de um determinadomododevida,docotidiano,devalores,deprticasculturaisepolticasedomodocomose produzemasidiasnessasociedade.Idiasqueseexpressamemprticassociais,polticas,culturaise padresdecomportamentoequeacabamporpermeartodaatramaderelaesdasociedade(YASBEK, 1999, p.89).

45 Intelectualmenteohomemempreendedor,combativo,tendeparaa dominao.Seutemperamentoprepara-oparaavidaexterior,paraa organizao e para a concorrncia. A mulher feita para compreender e ajudar.Dotadadegrandepacincia,ocupa-seeficazmentedeseres fracos,dascrianas,dosdoentes.Asensibilidadetorna-aamvele compassiva.,porisso,particularmenteindicadaaservirde intermediria,aestabeleceremanterrelaes(apudIAMAMOTOe CARVALHO, 1982, p. 175). Assim,aassistnciasocialfoiseconstituindocomoumespaode atuaofeminina,inclusivecomoumaalternativavidadomstica/familiar,ao passo que se abria a possibilidade da profissionalizao para as mulheres, por ser consideradaumaextensodeseuspapisdomsticoseumcumprimentode seu papel na sociedade. Nesse sentido, para Verds-Leurox: [...]aassistnciasocial,criadacomoobjetivodeafastaraclasse trabalhadoradosocialismo,essencialmenteumassuntodemulheres, quersetratedeesposasdearistocratasquedominamoscomitsde patrocnio [...], quer se trate de delegadas junto ao povo[...] e em busca, a todocusto,deumaalternativaparaasuavidafamiliar(apud VELOSO, 2001, p.82). dentro desse pensamento que o Servio Social, estando diretamente enraizado com a histria da assistncia e todas as configuraes que a determina (inclusive a de gnero), ir constituir-se como uma profisso feminina. Profisso esta,diretamantevinculadafamlia,mulher,criana,aoadolescentepobre, enfim, questes historicamente atribudas ao gnero feminino.OServioSocialconfigura-se,portanto,emumprocessode feminizao, assim como outras profisses vinculadas diretamente reproduo social. 46 1.3. O pensamento conservador e a relao entre Gnero, Questo Social e Servio Social na institucionalizao da profisso Oconservadorismomoderno,deacordocomIamamoto,frutode umasituaohistricasocialespecfica:asociedadedeclassesemquea burguesiaemergecomoprotagonistadomundocapitalista(1999,p.22), engendrando formas de pensar e agir para cumprir seu objetivo, a manuteno da ordem capitalista. Anecessidadedocapitalemtornodoconservadorismosurgeda eclosodaquestosocial,daameaaordemburguesa,fundamentalmente, medianteaorganizaodaclassetrabalhadora,bemcomodateoriasocialde Marx.Paracompreender,pois,atradioconservadoraqueembasoue determinouhistoricamenteoServioSocialnoperododesuaprofissionalizao, necessrioapreenderaformacomas(os)profissionaisderamrespostas questo social. Reside,portanto,narelaoentreaprofissoeaquestosocialo terrenoparaaanlisedopensamentoconservadornoServioSocial. Pensamentoeste,mediadopelamarcafemininadaprofissoedeterminado, principalmente, pela influncia da Igreja Catlica. Apreenderestesaspectosgnero,questosocial,ServioSocial, Igrejaeconservadorismoerelacion-losfundamentalparaum aprofundamentoslidodosignificadodoServioSocialnasociedade,e, conseqentemente, para o pensar e o repensar dessa profisso. 47 O Servio Social brasileiro surge em 1936, em So Paulo, por meio do Centro de Estudos e Ao Social de So Paulo (CEAS). Este Centro era composto pelaAoCatlicaeaAoSocial.Eramdessesgruposquesaamjovenspara ingressar no curso de Servio Social, em busca de conhecimentos e tcnicas, na tentativadeumaaomaiseficazdiantedosproblemassociaisaserem enfrentados,poisaajudaassistencialemoralqueoCEASvinhadandoaos problemasdooperrio,taiscomosalrio,habitaoesade,erainsuficiente. Como lutar por uma justia social, ignorando-se as legislaes trabalhistas? Como combaterocomunismoeosocialismosemoconhecimentodeseusprincpiose tcnicas de ao? (IAMAMOTO e CARVALHO, 1982, p. 180) Assim,oServioSocialsurgeparaatenderaosinteressescapitalistas emoposioaocomunismo,medianteaaoeinflunciadaIgrejaCatlica, subordinadaaosistemacapitalista,hegemniconasociedade.Estainstituio limitava-seapenasacriticarosexcessosdocapitalismoenoseatm essncia do modo de produo e ao seu carter histrico. Esses excessos, aos olhosdaigreja,seoriginariamdohomemepodem,portanto,sercorrigidos atravs da correo do homem (op. cit., p. 137). Aqui cabe uma ressalva. A aliana da Igreja com a burguesia s vem a se configuraraoversuasbasesdelegitimidadeabaladas com a consolidao do capitalismo, e, da mesma forma, quando a burguesia se v ameaada pela classe trabalhadora. Na verdade, ambas burguesia e Igreja cedem ideais e se aliam em nome de um objetivo maior: o combate ao comunismo. Ataconsolidaodasociedadeburguesa,apsaRevoluo Francesa,aIgrejaCatlicaseposicionavacontrriaaosideaisiluministas, 48 lamentavaaanarquiatrazidapelarevoluoburguesaealiquidao,pelo capitalismo, das sagradas instituies da feudalidade e recusava firmemente as novasformassociaisembasadasnadessacralizaodomundoenointercmbio mercantil (NETTO, 1987, p.13). ARevoluoburguesaeseusideaisdeliberdade,igualdadeejustia caem por terra, no se concretizaram (at os dias atuais), e o que se assistiu foi aoagravamentodaexploraoedasdesigualdadessociais.Achamada revolucionriaburguesiapassaaseconfigurarcomoopressora,eocenriofaz emergirnovas(os)everdadeiras(os)revolucionrias(os).Assim,queos idelogosburgueses,pararesponderaomovimentooperrioecombatera perspectivadarevoluo,recorremcadavezmaisaoarsenaldeidiascontidas nas propostas restauradoras e romnticas da Igreja (op. cit. p.14). Dessaforma,irseconfiguraroentrelaamentodocapitalcom instituies a servio da reproduo do seu sistema dominante de valores (Igrejas einstituiesdeeducaoformal),tendocomoestratgiadeintervenoa famlia10 (MSZROS, 2002). Isso se d, de acordo com Mszros, [...]quandohgrandesdificuldadeseperturbaesnoprocessode reproduo,manifestando-sedemaneiradramticatambmnonveldo sistemageraldevalores[...].Osporta-vozesdocapitalnapolticaeno mundoempresarialprocuramlanarsobreafamliaopesoda 10ParaMszros,oaspectomaisimportantedafamlianamanutenododomniodocapitalsobrea sociedadeaperpetuaoeainternalizaodosistemadevaloresprofundamenteinquo,queno permite contestar a autoridade do capital, que determina o que pode ser considerado um rumo aceitvel de aodosindivduosquequeremseraceitoscomonormais,emvezdedesqualificadosporcomportamento no-conformista. [...] A existncia de uma famlia que permitisse gerao mais jovem pensar em seu papel futuro na vida, em termos de um sistema de valores alternativo realmente igualitrio , cultivando o esprito de rebeldia potencial em relao s formas existentes de subordinao, seria uma completa infmia do ponto de vista do capital (2002, p.271). 49 responsabilidadepelafalhasedisfunescadavezmaisfreqentes, pregando de todos os plpitos disponveis a necessidade de retornar aos valores da famlia tradicional e aos valores bsicos (2002, p. 272). Esseprocessodereproduodosistemadevaloresdocapital,ainda de acordo com o autor, prenuncia conflitos e batalhas, dentre as quais a luta pela emancipaodasmulheresesuademandadeigualdadesignificativaum elemento de crucial importncia (op. cit., p. 272). a partir de 1848 que a evoluo do pensamento burgus assiste a um divisor de guas: [...]desdeento,elesefraturaemdoiscamposopostosoquese vincularevoluoeoquecontrastacomela[...].Aquelesdoiscampos delimitamoterrenodasgrandesmatrizesdarazomoderna:ateoria socialdeMarxeopensamentoconservador,produtodaconjunodos veios restauradores e romnticos (NETTO, 1987, p. 14). contraateoriasocialdeMarxeseuobjetivodesuperaoda sociedade burguesa que a Igreja Catlica, idealistas e defensores desta sociedade iro se aliar, por meio do pensamento conservador. pautada nesse objetivo anti -revolucionrio que a Igreja ser a grande mediadoradopensamentoconservadorburgusparamanutenodaordem capitalistapormeiodaadequaodaspessoas,evidentementesobumaforte dominao ideolgica, mascarando a questo social. A Igreja Catlica interpreta a questo social como um problema moral, frutodadesunio,dadesarmoniaedafaltadecompreensoentreasclasses sociaisantagnicas.Julgando-seanicacapazdesolucionaresteproblema,a IgrejapublicaduasEncclicaspapaisesegue-ascomorefernciaparaintervirna 50 questo social:RerumNovarumeQuadragesimoAnno11,quepossuemcomo mtodo a solidariedade crist, baseada na unio entre as classes sociais.,pois,daarticulaoentreaburguesiaeaIgrejaCatlica, organizadascontraateoriasocialdeMarx,bemcomocontraqualquerameaa ordemcapitalista,emespecialaorganizaodaclassetrabalhadora,queirse configuraraheranaconservadoradaprofisso.Comefeito,sobreo conservadorismo, destaca Iamamoto: O conservadorismo no apenas a continuidade e persistncia no tempo de um conjunto de idias constitutivas da herana intelectual europia do sculoXIX,masdeidiasque,reinterpretadas,transmutam-seemuma ticadeexplicaoeemprojetosdeaofavorveismanutenoda ordem capitalista (1999, p. 23). Sob essa influncia conservadora, o Servio Social ir dar respostas questosocialdemaneiraamascarare/ounoperceberassuasmltiplas determinaesnascontradiesimanentesdocapital.Osdesajustessociais erampercebidos,pelas(os)profissionais,comoproblemasfamiliares,faltade amorentreseusmembros,assimcomooconflitoentreasclasseseratidocomo faltadecompreensoeamoraoprximo,devendohaverumaunioentreas classesantagnicas,comoensinaasencclicaspapaisRerumNovarume Quadragesimo Anno.Percebe-sequeainflunciadaIgrejanoServioSocialnofoi superficial, mas determinou profundamente a formao e o exerccio profissionais. Paraexemplificar,pode-secitarque,tantoocorpodiscente,quantoodocente, 11EstasEncclicasPapaisforamrefernciasparaformaoeatuaodoServioSocialnoperododoseu surgimento. AQuadragesimoAnnofoielaboradaemcomemoraoaoquadragsimoaniversriodaRerum Novarum, surgi ndo como reforo a esta, em todos os seus princpios (CISNE, 2002). 51 dasEscolasdeServioSocial,eramformadosemsuagrandemaioriapela ao catlica, alm do inegvelfenmeno social da feminizao.Afeminizaoaquicompreendidacomoumprocessohistrico-cultural de construo de prticas, saberes e valores em relao ao feminino, por meio de uma concepo diferenciada sobre os sexos, a qual dita, modela e institui o que feminino. Torna-se, cria-se o feminino, de acordo com a convenincia e os interesses da classe dominante12, resultando na produo de desigualdades entre homensemulheres,reveladas,porexemplo,nasuaformadeinserono mercado de trabalho13. Como todo fenmeno social, a feminizao no surge naturalmente ou coincidentemente. Essa marca vem atender a claros objetivos do conservadorismo burgus,havendo,pois,umintercruzamentoentrefeminizaoe conservadorismo na profisso. O Servio Social, desde o seu surgimento no seio do bloco catlico nas dcadas de 1930 e 1940, emerge com dois selos:ofatodeconstituir-senum movimentoquasequeexclusivamentefeminino14ecomumantidamarcade classe,umavezqueemergeapartirdosncleosdemulheresdossetores abastados (IAMAMOTO e CARVALHO, 1982, p. 224-227) e por ter emergido pela

12 Como ser visto adiante, o capital se favorece com fenmenos de feminizao, no qual, via de regra, produz e reproduz a subordinao da mulher. 13 Para um aprofundamento sobre feminizao, ver LOURO (1997).14SegundoKfouri,em1949,das15escolasdeServioSocialexistentesnopas,13eramexclusivamente paraosexofemininoe2paraomasculino(IAMAMOTOeCARVALHO,1982,p.190).Essedadooferecea percepo clara da tendncia da feminizao para a profisso. 52 necessidade do capital em controlar a questo social, gerada pelos conflitos entre as classes. ArevisodatrajetriadoServioSocialnoBrasilconduzaafirmarque, considerandooantagonismodarelaocapitaletrabalho,atendncia predominante,noqueserefereinserodaprofissonasociedade, vemsendo,historicamente,oreforodosmecanismosdopoder econmico,polticoeideolgico,nosentidodesubordinarapopulao trabalhadorasdiretrizesdasclassesdominantesemcontraposio suaorganizaolivreeindependente(IAMAMOTOeCARVALHO,1982, p. 97). Dessa forma, o significado ideopoltico do surgimento do Servio Social encontra-seatreladoreproduodosinteressesdasclassesdominantes,por meio do controle e da persuaso ideolgica das classes subalternas. A prtica do ServioSocialser,portanto,essencialmenteligadassuasfunes econmicas,polticaseideolgicas,poucotemaverdiretamente(salvocasos especficos)comasprticasmateriaisdesempenhadaspelasinstituies assistenciais. Em relao a esses aspectos, a prtica do Servio Social auxiliar e subsidiria (op. cit., p. 318). porintermdiodohumanismocristo,queseroinstitudasas prticaseosvaloresemtornodacarreiradeServioSocial.Estesltimos,por suavez,articulam-sesexpectativas,habilidadesequalidadesnaturalmente atribudas ao feminino na tradio ocidental crist. Aprofissoseconfigura,noseusurgimento,comfortestraos confessionais,inserindo-senocampodasvocaesemissesdeservirao prximoedocuidadocomooutro,numaadequaosfunessocialmente imputadas s mulheres: o casamento e a maternidade. 53 Assim que o Servio Social, poca de sua institucionalizao, teve seusquadrosprofissionaispreenchidospormaioriaesmagadorademulheres (VELOSO,2001,p.73).Sobreaimportnciadessaconstatao,omesmoautor afirma: Este fato possui um valor fundamental, pois demonstra queseconjugou ogneroinstitucionalizaodoserviosocial.Asmulheres preencheram o Servio Social e trouxeram consigo valores, formas de se relacionarcomomundo,atributosequalidadesosquaiseram demandadospelosgruposdominantesquenecessitavamdosservios destaprofissoqueoraseiniciava.Esteconjuntodefatoresconferiu profissodeserviosocialumaimagembemprximaimagemquese tinha da Mulher (op cit, p.73-74, grifou-se). Entreoconjuntodequalidadesnaturalmenteatribudassmulherese consideradasnecessriasspretendentescarreiradeServioSocial,na emergncia da profisso, Iamamoto destaca: [...]serumapessoadamaisntegra formao moral ,queaumslido preparo tcnico alie o desinteresse pessoal , uma grande capacidade de devotamentoesentimentodeamoraoprximo;deveserrealmente solicitadopelasituaopenosadeseusirmos,pelasinjustiassociais, pela ignorncia, pela misria, e a esta solicitao devem corresponder as qualidades pessoais de inteligncia e vontade. Deve ser dotado de outras tantasqualidadesinatas[...]:devotamento,critrio,sensoprtico, desprendimento,modstia,simplicidade,comunicatividade,bom humor,calma,sociabilidade,tratofcileespontneo,saber conquistarasimpatia,saberinfluenciareconvencer,etc. (1982,p. 227, grifou-se). Pormeiodestascaractersticas,tidascomonaturalmentefemininas, as(os)profissionaisapresentambasesparaalcanarosobjetivosdeuma profisso que emergiu da necessidade do capital em controlar os conflitos sociais, ouseja,nadamelhorqueadocilidade,ameiguice,acompaixoeodomde comunicao,convencimentoeacolhimento-conferidoshistoricamentes mulheresatravsdaeducao-paraenvolveraclassetrabalhadorae, conseqentemente, atenuar os conflitos sociais. 54 Assim,aconstruosocialsobreamulherapropriadacomouma estratgiadeintervenojuntoclassetrabalhadora,comclarosobjetivosde atender aos interesses do capital. Como afirma Khiel: Asintervenesjuntoclassetrabalhadoraeramrealizadaspelas mulheres,que,deacordocomasidealizaescorrentes,tinhama vocaonaturalparaastarefaseducativasecaridosas[...].Amulher feitaparacompreendereajudar.Dotadadegrandepacincia,ocupa-se eficazmentedeseresfracos,dascrianas,dosdoentes.Asensibilidade torna-a amvel e compassiva(apud VELOSO, 2001, p.81). O fenmeno da feminizao, percebido na sociedade como natural, postosclarasaoseranalisadocomoumfenmenosocial,comntida construohistricaecarterdeclasse,aoserfomentado,reproduzido, apropriadoemuitobemutilizadoparaatenderaosinteressesdaclasse dominante. Para atender a tais interesses, as(os) Assistentes Sociais atuavam junto famlia, mais especificamente sobre a mulher, para atingir os operrios, uma vez queporintermdiodamulherqueseencontraocaminhonecessrioparao alcance da preservao da ordem moral e social. Com efeito, destaca Veloso: Asmulheres[...]eramvistascomoresponsveispelapreservaoda ordem moral e social, e, com isso, qualidades consideradas naturalmente femininasforamutilizadascomojustificativasparaoquasemonoplio dasquestesreferentesaosocialporpartedasmulheres[...].O servio social tinha por objetivo o controle da classe trabalhadora, que se daria por intermdio da famlia e mais especificamente atravs da mulher. Buscava-se intervir sobre a famlia da classe trabalhadora utilizando-se a mulhercomouminstrumentoprivilegiadodereproduodocontrole social,jqueestapossuaosvaloresqueseprocuravavincularjuntos famlias (2001, p. 81- 83). Assim,asquestesdegnero,almdaconsideraodequeso expressesdaquestosocial,emtermosdedesigualdadesentrehomense 55 mulheres apropriadas pelo capital, esto tambm diretamente relacionadas com o enfrentamento da questo social.Como conseqncia peculiar da feminizao, temos: asfigurasdame,daeducadoraedosacerdotesofundidasna imagemsocialdessaprofisso,construdasobumafrgilbasetcnico-cientfica,historicamentetendenteadarimportnciaadons,traduzidos em atributos de classenaturalizadoscomoessenciaistarefaeducativa e moralizadora junto s classes subalternas.(IAMAMOTO, 1994, p. 50) AIgrejaCatlica,conformeosestudosdeZaraAry(2000),contribuiu historicamentecomessaideologiadedominaoecontroledasmulheres,ao configuraromodelodeumaboamulher,aserseguidopelascrists:assantas seriamasmoldadascomomoasboazinhas,caridosaseassistencialistassob ainflunciadeMaria,medeJesus,referencialdematernidadeepureza.Esse culto catlico feito Virgem Maria chamado de marianismo: Omarianismoocultodasuperioridadeespiritualfeminina,que consideraasmulheressemidivinas,moralmentesuperiorese espiritualmentemaisfortesdoqueoshomens.Estaforaespiritual engendra a abnegao, quer dizer, uma capacidade infinita de humildade e de sacrifcio (STEVENS apud ARY, 2000, p. 72). Compreende-se,noentanto,quesoconstrudoshistoricamenteos papis,asqualidadeseascaractersticas,ou,ainda,asatividadesditas femininas ou masculinas, e no determinadas biologica ou naturalmente. H assim uma construo scio-histrica do gnero.So,portanto,oshomenseasmulheres,naconstruodesuas relaessociais,queirodeterminarasuaformadeser,agirepensar. Enfim, determinar a ideologia e o modo de produo e reproduo da sociedade. Nestes termos, afirma Gehlen: 56 Oshomenseasmulheressoseressociaisque,aoconviverem, estabelecementresiformasderelacionamento,estasrelaessociais, historicamenteconstrudas,voinfluenciarnamaneiraqueasociedade seorganizaparaproduzirsocialmente,materialmenteepoliticamente,e voimplicarsobreasnormas,valores,sentimentosepensamentosdas pessoas (1998, p. 426). O conceito de gnero e de relaes de gnero utilizado no sentido de dar nfase ao carter social, cultural e relacional das distines baseadas no sexo, visando superar o determinismo biolgico, ressaltando sua dimenso histrica. Ou seja,visaadesmistificarpapisequalidadesconstrudassocialmente,mas naturalmenteatribudassmulhereseaoshomens,gestadoresdas desigualdadesdegnero.Essaconstruo,sendosocialehistrica,deveser analisadadentrodadimensoeconmicaecultural,umavezqueessasrelaes degnerosodeterminadasrelativamenteaestasdimenses,comoafirma Gehlen se reportando ao pensamento de Levi: Arelaosocialdegneroaquelaqueocorreentreoshomenseas mulheres.Estarelaosocialmenteconstruda,contextualmente especficasformaessociaisvariadasegeralmentemutveiscomo respostasscircunstnciaseconmicaseculturaisalterveis(GEHLEN 1998, p. 426). importanteperceber,comobemenfatizouGehlen,que,sendo construosocial,essasrelaessomutveis.Transformarosmodelos conservadoresdasrelaesdegnerofundamental,umavezque,ao estabeleceremrelaesdepoderentrehomensemulheres,provocauma subordinao sobre estas, por serem o plo dominado.A comprovao da construo social dos papis de gnero pode ser obtidaquandoseanalisamdiferentessociedades.Determinadasatividadesou 57 caractersticas, tidas como tipicamente femininas numa sociedade, podem, noutra, ser exercidas pelos homens ou a eles atribudas. Com efeito, afirma Mead: [...]quemuitos,senotodos,ostraosdapersonalidadequetemos chamadodefemininosoumasculinosvotopoucoligadosaosexo, comoavestimenta,osadornoseaformadesepentearqueemuma sociedade,emumapocadeterminada,defineparacadasexo.Do contrrio, como explicar que os meninos arapesh se tornam quase todos adultospacficos,passivosesubmissos,enquantoasjovens mundugumorsetransformam,quasetodas,emseresviolentos, agressivos e inquietos (apud TOLEDO, 2001, p. 21). Dessemodo,percebe-sequevosendomoldadasedeterminadas socialmenteasatividades,qualidades,habilidades,bemcomoprofisses femininas e masculinas. Da mesma forma que outras profisses, como enfermagem, pedagogia, economiadomsticaeeducao,cujamarcahistricatemsidooprocessode feminizao-construdoluzdeumainterconexoentreasrepresentaes sobre os gneros e o processo de insero no mercado de trabalho, no horizonte daculturaocidental-crist-,oServioSocialadequou-seaolequede oportunidades de carreira permitido s mulheres desde o fim do sculo XIX, como umaalternativainseronomercadodetrabalho,queatentoera eminentemente destinado aos homens. Esta insero foi permitida pela sociedade medidaqueasmulherespassaramaexercertrabalhosextensivosaosj exercidos por elas no mudo privado. Nestes termos, afirma Veloso: [...]Alegitimidadeeaceitabilidadedasmulheresnaprofissode assistentesocial,noqueserefereaognero,sedpelofatodeesta profissodemandarqualidadeseatributosconsideradosfemininos,ou seja,amulherdesempenhava,naesferaprofissional,atividades semelhantessquedesempenhavanaesferadomstica.Era,portanto, umasadadasmulheresparaaprofissionalizaocomaatenuaodos preconceitos e da opresso (2001, p. 85). 58 ComosalientaDauphin,osofciosnovosabertossmulheresneste fimdesculolevaramaduplamarcadomodeloreligiosoedametforamaterna: dedicao-disponibilidade,humildade-submisso,abnegao-sacrifcio(apud LOURO,1993,p.141).Dessaforma,oacessodemulheresaomercadode trabalhoeravinculadofeminizaodeprofissesquelhespermitissem desempenharseustradicionaispapisdemesedonasdecasa(VELOSO, 2001, p.85).Dentre essas profisses permitidas s mulheres, encontra-se o Servio Social a partir de sua institucionalizao, como: umapossibilidadedetrabalhoparaasmulherescondizentecomas qualidadesfemininasditadaspelasociedadedapoca[...].Sugere-se, dessaforma,queforjou-seumaadequaodasprticasconsideradas femininascomasprticasprofissionaisda(o)assistentesocial,ou,em outraspalavras,conjugou-seoperfilprofissionalda(o)assistentesocial com representaes de gnerovigentes (VELOSO, 2001, p. 85). Essavinculaodecaractersticas,papise/ouqualidadesdognero femininoprofissionalizaodasmulheres,aoqueindica,parecehaversido incorporadaporpartedasAssistentesSociais,comoseobservanodiscursoda oradora da primeira turma formada na Escola de Servio Social de So Paulo: [...] Se so muitas hoje as carreiras que se nos oferecem, no me parece feminino tom-las indistintamente.Deacordocomsuanatureza,amulherspoderserprofissionalnuma carreiraemquesuasqualidadessedesenvolvam,emquesua capacidade de dedicao, de devotamento seja exercida.A mulher-eisto,apesardevelho,descobertarecente- tem de ser... mulher. Comoeducadoraconhecidasuamisso.Abre-se-nosagoratambm, comomovimentoatual,maisumaspectodeatividade:oserviosocial, queapresentaalgunssetoresespeciaisdeatividadefeminina.(LUCY PESTANA da SILVA apud IAMAMOTO e CARVALHO, 1982, p. 176). ApredominnciademulheresnoServioSocial,portanto,uma 59 manifestaodognero,umaexpressodeumdeterminadopadrode organizaosocialnoqualcaberiasmulheresodesempenhodasatividades relacionadasaoassistencialismo(op.cit.,p.91),bemcomoassistnciasociale educao.Dessemodo,percebe-seadeterminaodasrelaesdegneronas tradies de masculinizao e feminizao, como destaca Lobo: Astradiesdemasculinizaoefeminizaodeprofissesetarefasse constituem,svezes,porextensodeprticasmasculinasefemininas: homensfazemtrabalhosqueexigemfora;mulheresfazemtrabalhos que reproduzem tarefas domsticas. Mas, mais do que a transferncia de tarefas,soasregrasdedominaodegneroqueseproduzeme reproduzem nas vrias esferas da atividade social (1991, p.152). Almdasqualidadesfemininas,IamamotoeCarvalhoressaltamuma valorizaodecritriosmarcadamenteideolgicosparaoperfilexigidos pretendentes carreira de Servio Social: [...]boasadeacrescenta-seaausnciadedefeitosfsicos;as condiesnomeiofamiliaresocialdeveroserinvestigadas,poissero reveladorasdasqualidadesmoraisdopretendente.Orelacionamento com personalidades de destaque [...]. Da mesma forma, a origem social valorizada para o tratocom os clientes. Estes se deixariam sensivelmente impressionaraoveraquelescujascondiessociaissobemdiversas dassuas,eque,noentanto,atelesseinclinam,procurando compreender-lhesosproblemasedificuldades,nodesejosincerode ajud-los (1982, p. 228). Aadequaodas(os)aspirantescarreiradeServioSocialaesse perfilideopolticoe,sobretudomoral,articulava-setambmaumaformao profissional com carter mais doutrinrio do que cientfico, vinculada ao projeto de recristianizao da sociedade defendido pela Igreja Catlica. 60 Assim,essaformaopermitiaopreparodolaicatoparauma intervenonaquestosocial,medianteumvismoralizanteeindividualizado, direcionado famlia operria, sobretudo s mulheres e s crianas. 1.4. O Movimento de Reconceituao do Servio Social OMovimentodeReconceituaodoServioSocial,fenmeno tipicamentelatino-americano,secaracterizouporumacontestaoao tradicionalismoprofissional,traduzindo-seemumadireosocialdaprtica profissional e de seu modus operandi (IAMAMOTO, 1999, p. 205). No entanto, esse movimento, num primeiro instante, at por conta dos limitesconjunturaisqueaditaduraimpunhaparaoseudesenvolvimento,ir limitar-seaumareatualizaodasbasesconfessionaiseconservadorasdo Servio Social. EsseMovimentovematendersexignciasdetecnificaoparao ServioSocial,queirbuscarbasescientficasparaasuaatuao,poisa irracionalidadeemqueestavacalcadanoconseguiamaisdarrespostass novas configuraes da questo social, ou seja, o capital impunha a necessidade denovasestratgiasoperacionaisparaarepressoecontroledaclasse trabalhadora. A ampliao do suporte tcnico-cientfico,apartirdadcadade1940, noirbanirdaprofissoainflunciadaformaodoutrinria,quepermanecer aolongododesenvolvimentodoServioSocial.Elairfundir-sesnovas 61 contribuiesnocampodamodernizaodasCinciasSociais,comdestaque paraasvertentesligadasaopensamentoconservador,emespecialavertente positivista15,denominadaporNetto(1991)devertentemodernizadora,voltada para o bem-estar social.Estavertente,emboraestejacalcadanarazo,embasescientficas, voltadamanutenodaordemestabelecida,portanto,eminentemente conservadora,sendotrazidaparaoServioSocialeexpressandoumforte tecnicismo, pragmatismo e empirismo na profisso, alm de toda atuao voltada aoajustamentodosindivduosordem,especialmentepormeiodotrabalho voltado para e com as mulheres. Nessa perspectiva, Yazbek sintetiza uma anlise da matriz positivista e sua relao com a profisso: Estehorizonteanalticoabordaasrelaessociaisdosindivduosno planodesuasvivnciasimediatas,comofatos(dados)quese apresentamemsuaobjetividadeeimediaticidade.aperspectiva positivistaqueserestringeavisodeteoriaaombitodoverificvel,da experimentao.Noapontaparamudanas,senodentrodaordem estabelecida,voltando-seantesparaajusteseconservao. Particularmenteemsuaorientaofuncionalista,estaperspectiva absorvidapeloServioSocial,configurandoparaaprofissopropostas detrabalhoajustadoraseumperfilmanipulatrio,voltadoparao aperfeioamentodosindivduosetcnicasparainterveno,comas 15 O movimento de reconceituao do Servio Social ir tambm ser marcado pela fenomenologia, no entanto noalcanamuitaexpressonacategoria.Emrazodisso,essavertentenoserdesenvolvida/analisada nestetrabalho.Avertentefenomenolgica,denominadaporNetto(1991)dereatualizaodo conservadorismo, portanto sem rupturas com a tradio conservadora, no Servio Social foi marcada por um forte subjetivismo e psicologizao. Teve seus marcos nos Seminriosde Sumar (1978) e Alto da Boa Vista (1984),quesedesdobraramemdocumentos.Suasprincipaisinterlocutorasforam:AnaMariaBrazPavo, com seu princpio da autodeterminao; Anna Augusta Almeida, com seu marco referencial terico pessoa-dilogo-transformao;eCreuzaCapalbo,comgrandedestaqueparaosubjetivismo.Essavertenteno expunhaascontradiesdasociedadecapitalista,focalizavaoindivduoeachavaquemediantea transformao deste poderia haver uma transformao social.O positivismo teve como grandes monumentos os textos dos seminrios Arax (1967) e Terespolis (1970), e como principal interlocutor Jos Lucena Dantas.Para mais informaes e detalhes sobre o Movimento de Reconceituao, ver NETTO (1991), PAVO (1981), CBCISS (1986), CBCISS (1988). 62 metodologiasdeao,combuscadepadresdeeficincia,sofisticao daaoprofissionalqueacompanhadadeumacrescente burocratizao das atividades institucionais (2000, p. 23). Questesligadase/oudeterminadaspolticaeeconomicamente transformam-se,medianteaoepercepoprofissionais,emproblemas assistenciais, e os direitos da utilizao de conquistas sociais do proletariado so vistos como concesso de favores. Emoutrostermos,oconservadorismodaprofissosereatualizano perodoemqueamatriztericadoServioSocialeraopositivismo,pensamento que refora o determinismo biolgico, naturalizando as caractersticas socialmente construdas para as mulheres. Como se pode constatar abaixo: [...]opedestalemquesecolocavaamulherfoiumdospilaresdo positivismoortodoxonoBrasil.Ospositivistaselevaramasmulherespor meio do que se poderia considerar como sendo a transfigurao do culto da Virgem. A feminilidade, vista como um todo, devia ser adorada e salva deummundoperverso.Paraospositivistas,amulherconstituaabase da famlia, a qual era pedra fundamental da sociedade. A mulher formava oncleomoraldasociedade,vivendosobretudoatravsdos sentimentos, diferentemente do homem. Dela dependia a regenerao da sociedade (HAHNER apud ARY, 2000, p. 73). Nodecorrerdoperodoemqueestateoriaerareferencialparao ServioSocial,elairestabelecerametodologiadas(os)AssistentesSociais. Estas,nassuasconcepeseprticas,reproduziam,portanto,umaideologia baseadanumdeterminismobiolgico,sustentandoumaculturadesubordinao damulheredemanutenodaestruturadocapital.Estareproduosedava, sobretudopeladifusodamissosagradadasmulheres,nosentidodeas responsabilizarempeloequilbriofamiliaresocial,dastarefaseducativase caridosas, por meio de seus papis de mes, esposas e donas de casa. 63 Comavertentepositivista,humanaturalizaodocapital,como uma ordem inevitvel, na qual todas(os) devem ajustar-se, adaptar-se. Os problemas e desigualdadessociaisnoeramanalisadosemuitomenosenfrentadosmediante osconflitosdeclasse,maspormeiodeumvismoralizante,comodesviosque deviam ser controlados, ajustados em nome da ordem.A ideologia conservadora sobre a mulher encontra-se vinculada com os interessesdaclassedominantepelainflunciadamulhernafamlia,baseda reproduomaterialeideolgicadaForadeTrabalho(IAMAMOTOe CARVALHO1982,p.219),determinante,portanto,paraassegurarareproduo da ordem vigente.Seguindo essa ideologia, as primeiras Assistentes Sociais, advindas da classedominante,vosetornandoimportantesparaadefesadosinteresses ideopolticos de sua classe. Como salientam Iamamoto e Carvalho: Aceitando a idealizao de sua classe sobre a vocao natural da mulher paraastarefaseducativasecaridosas,essaintervenoassumia[...]a conscincia do posto que cabe mulher na preservao da ordem moral esocialeodeverdetornarem-seaptasparaagirdeacordocomsuas convicesesuasresponsabilidades.Incapazesderompercomessas representaes,oapostoladosocialpermitequelasmulheres,apartir dareificaodaquelasqualidades,umaparticipaoativano empreendimento poltico e ideolgico de sua classe, e da defesa de seus interesses (1982, p. 176). pois, na relao com a questo social que se percebe a dimenso de gnerointercruzadacomagnesedoServioSocial.Istoacontecetantopelo controle dos conflitos sociais, como pela reproduo do marianismo por parte das primeirasprofissionaisnaorientaodassuasusurias.Destemodo,difundida amissosagradafeminina,concebendoamulhercomopropriedadeprivadado marido e responsvel por todo cuidado e bem-estar da famlia e da sociedade. 64 Nessesentido,essasAssistentesSociaiscanalizavamparaas mulheresaresponsabilidadecomareproduosocialetodooequilbriosocial. Conclui-se, portanto, que a incorporao por parte das pioneiras das qualidades naturaisatribudassmulheresfacilitouasrespostasqueforamexigidasna po