Serviço Social e Realidade

234
SERVIÇO SOCIAL & REALIDADE

Transcript of Serviço Social e Realidade

Page 1: Serviço Social e Realidade

SERVIÇO SOCIAL & REALIDADE

Page 2: Serviço Social e Realidade

UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - UNESP

Reitor

Prof. Dr. José Carlos Souza Trindade

Vice-Reitor Prof. Dr. Paulo Cezar Razuk

Pró-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa

Prof. Dr. Marcos Macari

FACULDADE DE HISTÓRIA, DIREITO E SERVIÇO SOCIAL

Diretor Prof. Dr. Hélio Borghi

Vice-Diretor

Prof. Dr. Ivan Aparecido Manoel

Coordenador de Pós-Graduação em Serviço Social Prof. Dr. Mário José Filho

Page 3: Serviço Social e Realidade

UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA

SERVIÇO SOCIAL & REALIDADE ISSN 1413-4233

Serviço Social & Realidade Franca v.11, n.2 p.1-234 2002

Page 4: Serviço Social e Realidade

SERVIÇO SOCIAL & REALIDADE

Editor Prof. Dr. Mário José Filho

Comissão Editorial

Profa. Dra. Irene Sales de Souza Prof. Dr. José Walter Canôas

Profa. Dra. Lilia Christina de Oliveira Martins Prof. Dr. Mário José Filho

Profa. Dra. Neide Aparecida de Souza Lehfeld Prof. Dr. Antonio Manna (Mar Del Plata)

Prof. Dr. Hugo Russo (La Plata)

Publicação Semestral/Semestral publication Solicita-se permuta/Exchange desired

Correspondência e artigos para publicação deverão ser encaminhados a: Correspondende and articles for publicacion should be addressed to:

Faculdade de História, Direito e Serviço Social

Rua Major Claudiano, 1488 CEP 14400-690 - Franca –SP

Endereços Eletrônico / email

[email protected]

SERVIÇO SOCIAL & REALIDADE (Faculdade de História, Direto e Serviço Social – UNESP) Franca-SP, Brasil, 1993 - 1993 – 2002, 1 – 18 ISSN 1413-4233

Page 5: Serviço Social e Realidade

APRESENTAÇÃO

... Bendita a primavera da vida, breve, Cujo sopro tudo atravessa! A forma desaparece Enquanto o ser para a vida desperta, Gerações se sucedem, no esforço de evoluir. Espécie produz espécie, em tempos que não têm fim, Mundos inteiros se erguem e declinam!

(O mundo de Sofia, p.454) É no espírito dessas belas palavras da imortal Filosofia, que

apresento à Comunidade Científica, intelectual e profissional, mais um número da Revista Serviço Social & Realidade.

Fruto das reflexões dos Professores e alunos do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, partilhando experiências concretas do agir profissional, contando ainda com a participação de professores de outras Instituições de Ensino Superior, possibilitando um intercâmbio de saberes, favorecendo a abertura ao debate plural.

Sem dúvida alguma, dar forma teórica às reflexões é esforçar-se para evoluir, “espécie produzindo espécie, em tempos que não tem fim”.

Os temas apresentados apontam elementos indispensáveis para construção de “mundos que se erguem e declinam!” As análises feitas, as conclusões dos textos remetem à necessidade de se pensar o conhecimento como “sopro que tudo atravessa”, desaparecendo a forma, deste ou aquele profissional, despertando para uma vida de ação profissional pautada na perspectiva da transformação da sociedade e dos mecanismos que declinam essa sociedade.

Parabenizo aos autores e a todos que favoreceram a oportunidade do colocar em comum seus conhecimentos, contribuindo para as Ciências

Page 6: Serviço Social e Realidade

Humanas e Sociais; e em especial com a relação “Serviço Social & Realidade”.

Aproveito ainda a oportunidade para, com essa edição, marcar os dez anos de existência do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, enaltecendo os trabalhos prestados pelas Coordenações anteriores, Professores e Discentes, Servidores Técnicos Administrativos e a própria Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa que em muito contribuíram para, ser este canal de comunicação, um espaço aberto ao ensino e pesquisa.

Prof. Dr. Mário José Filho Coordenador do Programa de Pós-Graduação

em Serviço Social – UNESP - Franca

Page 7: Serviço Social e Realidade

SUMÁRIO/CONTENTS

• A Pesquisa Qualitativa em Questão The qualitative research in question

Ana Paula B. Indiano de Oliveira; Márcia do Carmo Batista; João Antônio Rodrigues ..................................................................................

• Uma Reavaliação do Contexto Social atual e da Instrumentalidade do Serviço Social A Reavaluation of the Current Social Context and of the Instrumentality of the Social Work in Brazil

Rita Brandão; Mário José Filho ...............................................................

• A Consolidação Espacial e Populacional do Município de Franca no Período de 1823 a 2000 The spatial and populational consolidation of Franca in the period of 1823-2000

Analúcia Bueno dos Reis Giometti .........................................................

• Um Modelo de Gestão de Desenvolvimento Comunitário A innings model of communal development

Elizabeth Regina Negri Barbosa; Neide Aparecida de Souza Lehfeld ...

• A Formação Profissional na Pós-Graduação e o Estágio de Docência The professional formation in postgraduation and the teaching internship

Luciane Pinho de Almeida; Maria Ângela Rodrigues Alves de Andrade

• Algumas considerações sobre a Política de Saúde no Brasil Some questions concerning the health politics in Brazil

Cláudia Renata Fávaro ...........................................................................

• Ética para a vida: Clamor Geral Ethics to the life: a general clamor

Nei Oliveira de Mendonça; Ubaldo Silveira ............................................

• A Organização Empresarial e o Novo Paradigma: Humanização The enterprises organization and the new paradigm: humanization

Lilia Christina de Oliveira Martins; Andréa das Graças de Souza; Glauber Camacho Gimenez Garcia ........................................................

• Paternidade Adolescente: Participação Masculina no Processo de

Reprodução Humana

9

19

33

51

71

81

93

105

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 1-234, 2002 7

Page 8: Serviço Social e Realidade

Adolescent paternity: masculine participation in the humane reproduction process

Dulcinéia L. Sakamoto; Mário José Filho ................................................

• Imagens do Urbano: Trabalho e Festa; Prometeu e Dionísio Urban images: labor and festivity; Prometeu and Dionisio

Eliana Amábile Dancini ...........................................................................

• A Construção Responsável de uma Disciplina do Curso de Serviço Social: Inter-Ações Professor/Alunos The responsible construction of a discipline in the Social Work Course: inter-actions teacher/students

Ana Cristina Nassif Soares .....................................................................

• A Experiência da Medida Sócio-Educativa de Liberdade assistida no Município de Franca-SP The experience of socio-educative measure on sustained liberty in Franca-SP.

Maria Inês Alves Moura Coimbra; Raquel Santos Sant’Ana ..................

• Comunidade: Espaço do Exercício do Poder Local e da Democracia Comunity: space to exercize the local power and the democracy

Rita de Cássia Lopes de Oliveira Mendes; José Walter Canôas ...........

• Diferenciais de Salários: um Estudo Exploratório sobre desigualdades Regionais e Interindustriais no Estado de São Paulo Diferencials of Salaries: an exploratory essay about regional and industrial inequalities in São Paulo State.

Hélio Braga Filho; Fabiano Guasti Lima; Márcio Benevides Lessa ........

RESENHA/REVIEW .................................................................................................. ÍNDICE DE ASSUNTOS ............................................................................................ SUBJECT INDEX ...................................................................................................... ÍNDICE DE AUTORES/AUTHORS INDEX ................................................................ NORMAS PARA APRESENTAÇÃO DO ORIGINAL .................................................

115

129

151

157

171

179

203

225

227

229

231

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 1-234, 2000 8

Page 9: Serviço Social e Realidade

A PESQUISA QUALITATIVA EM QUESTÃO

Ana Paula B. Indiano de OLIVEIRA* Márcia do Carmo BATISTA**

João Antônio RODRIGUES*** • RESUMO: A pesquisa qualitativa tem demonstrado dar conta dos dilemas que os

pesquisadores da área das ciências sociais vivenciam ao necessitarem conhecer os sentimentos, opiniões, relatos da vida cotidiana e experiências diversas, que não podem ser quantificadas. A afirmação não descaracteriza ou invalida a pesquisa qualitativa, que também é necessária, quando trabalhos com dados objetivos e que necessitam ser generalizados e tratados estatisticamente, e ainda mais, tradicionalmente observa-se a realização de pesquisa quantitativa e qualitativa de forma associada, com excelentes resultados.

• PALAVRAS CHAVE: Ciências Sociais; Metodologia Científica; Pesquisa Qualitativa. Introdução

Sobre a importância da dimensão investigativa no trabalho

profissional, tem-se:

(...) a pesquisa das situações concretas é o caminho para a identificação das mediações históricas e necessárias à superação da defasagem genérica sobre as realidades e os fenômenos singulares com os quais se defronta o profissional no mercado de trabalho. Aliás, a principal via para superar a reconhecida dicotomia entre teoria e prática, requalificando a ação profissional e preservando a sua legitimidade (ABESS, 1996, p.152)

O trabalho científico caminha sempre em duas direções: de um lado

para elaboração de teorias, de princípios e procedimentos metodológicos, apresentando seus resultados; de outro lado, cria, inventa, ratifica seu caminho. Os investigadores, ao fazerem este percurso, levam em consideração o processo histórico, aceitando o conhecimento como algo a ser construído, e reconstruído bem como aproximado. * Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social UNESP – Franca-SP. ** Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social UNESP – Franca-SP. *** Docente do Departamento de Serviço Social UNESP – Franca-SP.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 9-18, 2002 9

Page 10: Serviço Social e Realidade

Segundo Demo apud Minayo (1992), destacam-se alguns critérios que distinguem as Ciências Sociais, sem afastá-las dos princípios de cientificidade:

Podemos afirmar que alguns princípios distinguem as Ciências Sociais das demais ciências, sem afastá-las dos critérios e rigor de cientificidade:

• A historicidade de seu objeto – as relações sociais são historicamente determinadas e assim a provisoriedade, a relativização, o dinamismo e a especificidade são características das expressões da realidade social.

• O objeto de estudo das Ciências Sociais o investigador está numa relação social com os seres humanos, grupos e sociedade e estes dão significado e intencionalidade às suas ações. Baseia-se portanto numa consciência histórica.

• O significado e significância sócio-históricos dos objetos de estudo das Ciências Sociais.

• Nas Ciências Sociais existe uma identidade entre sujeito e objeto - a pesquisa lida com seres humanos distintos, mas que tem um substrato comum e compreensivo entre os pesquisadores e investigadores e os sujeitos pesquisados.

• As Ciências Sociais são intrínseca e extrinsecamente ideológicas – a visão de mundo do investigador e seu campo de estudo se entrelaçam clara e definitivamente. Só pesquiso aquilo que intencionalmente quero melhor conhecer e compreender. Há uma valoração ideológica do objeto de estudo que necessita ser constantemente e rigorosamente objetivada e controlada.

• O objeto das Ciências Sociais é essencialmente qualitativo – a realidade social é complexa, dinâmica e repleta de significados que sobrepõem a qualquer pensamento ou teoria elaborada sobre ela.

É desse caráter essencialmente qualitativo que vamos prender nossa análise. Vejamos, a pesquisa qualitativa, segundo Chizzotti (1991, p.78-9):

É uma designação que abriga correntes de pesquisa muito diferentes.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 9-18, 2002 10

Page 11: Serviço Social e Realidade

Em síntese, essas correntes se fundamentam em alguns pressupostos contrários ao modelo experimental e adotam métodos e técnicas de pesquisa diferentes dos estudos experimentais. Pode-se entender que a pesquisa qualitativa destina-se a

investigações sobre objetos que não podem ser conhecidos e aprofundados somente pela experimentação e quantificação. A tônica é de que "materiais coletados" estão carregados de subjetividade, de conteúdos axiológicos, de ideologias e de significados atribuídos pelos sujeitos, diferentemente de pesquisas de abordagem quantitativa, que está fundada na objetividade, na demonstração numérica, estatística, na possibilidade de ser transformada por técnicas de mensuração em explicações gerais e leis.

O modelo experimental baseia-se no rigor científico no controle sobre as relações entre variáveis experimentais e resultados que podem ser medidos pela observação e pelos próprios procedimentos experimentais com a utilização de grupos de controle.

De acordo com o pensamento de Maria Isaura Pereira de Queiroz1, podemos dizer que existe uma associação entre a objetividade e a subjetividade, que durante muito tempo não foi percebida. Inclusive, entendia-se que eram contraditórias, e ainda, que a utilização de uma, eliminava a possibilidade de uso da outra, o que determinou durante algum tempo, a oposição entre ambas, embora pudessem ser utilizadas na coleta e análise de quaisquer dados relativos às Ciências Sociais, denominadas como técnicas qualitativas e as técnicas quantitativas.

A polêmica entre pesquisa qualitativa e pesquisa quantitativa, atualmente encontra-se praticamente ultrapassada, com as ciências sociais privilegiando a pesquisa qualitativa, evidenciando a subjetividade e a sensibilidade e desconsiderando a neutralidade e impessoalidade do pesquisador, sem deixar de relacionar com os aspectos contextuais quantitativos. Apesar da pesquisa quantitativa continuar a ser utilizada nas ciências sociais, ela é mais predominante nas ciências exatas ou naturais. 1 QUEIROZ, M. I. P. O pesquisador, o problema da pesquisa. A escolha de técnicas: algumas reflexões, in Textos CERU, v. 3, Série 2. Reflexões sobre a pesquisa sociológica. LANG, A. B. S. G. (ORG.), São Paulo, 1992.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 9-18, 2002 11

Page 12: Serviço Social e Realidade

Martinelli (1994, p.11-2) explica: que a utilização e o desenvolvimento de pesquisas, de abordagem metodológica qualitativa não se caracterizam como situação específica e peculiar do Serviço Social. Muitas décadas abraçamos a pesquisa quantitativa como Norte para os estudos, mas, a cada momento, o assistente social percebia mais claramente que a pesquisa quantitativa não conseguia trazer para os retratos construídos da realidade as concepções dos sujeitos pesquisados. A indagação que ficava era relacionada a como os sujeitos da pesquisa pensavam a sua problemática? Que significados atribuiu ao seu cotidiano e às suas experiências? Para Martinelli (1994, p.12) o próprio informante é "um sujeito oculto" que deve ser melhor conhecido em termos de suas reais experiências e vivências. Não basta saber quanto ganha, quantos são os componentes familiares, se não conseguirmos chegar a análise e interpretação de suas concepções e percepções de vida e de possibilidade de mudança, por exemplo. Para qualquer ação e/ou intervenção social com vistas a mudança, necessitamos de caminhar um pouco além da instrumentalização dos dados obtidos através de diferentes entrevistas ou visitas domiciliares.

A pesquisa qualitativa possibilita trazer o que os participantes pensam a respeito daquilo que está sendo pesquisado, as suas percepções e representações, valorizando o que os sujeitos têm a dizer. Ao se evidenciar a percepção dos sujeitos entra em cena o contato direto com o sujeito da pesquisa, proporcionando uma nova ambiência em que se privilegiam instrumentos superadores do questionário, que incidem apropriadamente na oralidade, como o formulário.

Outro aspecto vital da pesquisa qualitativa localiza-se na conexão do sujeito na estrutura, interpretando suas vivências cotidianas.

Ainda, segundo Martinelli (1994, p.22-3) existem alguns pressupostos que fundamentam a utilização das metodologias qualitativas de pesquisa:

- “O reconhecimento da singularidade do sujeito" - entendendo-se que o sujeito é singular podemos reconhecer o caráter de singularidade de cada pesquisa, que deve fundamentar-se no favorecimento das condições para a sua revelação, expressa na oralidade e na contextualidade de sua existência.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 9-18, 2002 12

Page 13: Serviço Social e Realidade

- “O reconhecimento da importância de se conhecer a experiência social do sujeito” - as pesquisas qualitativas valorizam conhecer como se processa a experiência social dos sujeitos, superando as reduções pelas percepções apenas circunstanciais, evidenciando o necessário conhecimento do modo de vida, concreto, apreendido como o real vivido pelos sujeitos, apreendido pelas expressões sobre suas crenças, valores, sentimentos e ainda pela apropriação de suas próprias experiências vivenciadas cotidianamente.

- “O reconhecimento de que conhecer o modo de vida do sujeito pressupõe o conhecimento de sua experiência social”, o que segundo Thompson apud Martinelli (1994, p.24), significa “o viver histórico cotidiano do sujeito e a sua experiência social expressando a sua cultura”.

Segundo Martinelli (1994, p.23);

É em direção a essa experiência social que as pesquisas qualitativas, que se valem da fonte oral, se encaminham, é na busca dos significados de vivências para os sujeitos que se concentram os esforço do pesquisador. Não se trata, portanto, de uma pesquisa com um grande número de sujeitos, pois é preciso aprofundar o conhecimento em relação àquele sujeito com o qual estamos dialogando. À base de todas essas análises podemos reafirmar que a pesquisa

qualitativa, não é a quantidade de pessoas que irão prestar as informações que toma importância, mas sim, o significado que os sujeitos têm, em razão do que se procura com a pesquisa.

Julga-se oportuno relembrar que a pesquisa qualitativa pode pressupor o uso de alguma forma quantitativo, ou seja, que pode ocorrer uma pesquisa qualitativa decorrente de uma pesquisa quantitativa inicial, já a opção metodológica da pesquisa deve ser fruto do posicionamento consciente e coerente do próprio pesquisador.

Torna-se necessário ressaltar a dimensão política da pesquisa qualitativa, tornando o pesquisador e os sujeitos, sujeitos políticos que se exercitam de acordo com suas opções políticas, num mesmo processo investigativo, o que caracteriza esse tipo de pesquisa como intencional na busca dos objetivos previamente e explicitamente definidos, caracterizados pela busca intencional dos sujeitos.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 9-18, 2002 13

Page 14: Serviço Social e Realidade

Ainda, o desenho da pesquisa, também deve ser intencionalmente delineado, construído e compartilhado com os sujeitos, de acordo com o singular projeto político do pesquisador, articulado aos projetos políticos e ético-políticos, vinculados com projetos de sociedade ideologicamente definidos de forma macro-societária.

Outro aspecto a se evidenciar, seria a necessidade de se retornar aos sujeitos prestando contas e anunciando o que foi feito das informações prestadas, promovendo e socializando a prestação de contas, maneira devolutiva de apresentação dos resultados e do conhecimento produzido sistematicamente.

É preciso reconhecer que a pesquisa qualitativa é ainda proposta tênue, geralmente muito amadora e com resultados quase sempre magros. (DEMO, 2001)

Um dos problemas da pesquisa qualitativa é sua imprecisão conceitual, a começar pelo conceito de “qualidade”. Segundo Demo (2001), deve-se direcionar o conceito de qualidade para “intensidade”. A noção de intensidade volta- se, para dimensões do fenômeno marcadas pela profundidade, pelo envolvimento e pela participação, sem que seja, no entanto, possível dizer que a idéia de extensão se reduza a coisas superficiais, distantes ou inertes.

Já pesquisa quantitativa é apropriada para medir tanto opiniões, atitudes e preferências como comportamentos. Se você quer saber quantas pessoas usam um produto ou serviço ou têm interesse em um novo conceito de produto, a pesquisa quantitativa é o que você precisa. Ela também é usada para medir um mercado, estimar o potencial ou volume de um negócio e para medir o tamanho e a importância de segmentos de mercado. Além disso, pode ser usada quando se quer determinar o perfil de um grupo de pessoas, baseando-se em características que elas tem em comum (como demográficas, por exemplo). Através de técnicas estatísticas avançadas, ela pode criar modelos capazes de predizer se uma pessoa terá uma determinada opinião ou agirá de determinada forma, com base em características observáveis. (ETHOS, 2002).

O tipo de pesquisa utilizado irá depender muito da situação a ser investigada. Para Demo (2001), a pesquisa seria um diálogo inteligente e crítico com a realidade.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 9-18, 2002 14

Page 15: Serviço Social e Realidade

Sendo o pesquisador parte da realidade, não tem condições de devastar a realidade como um todo. Quando analisamos a sociedade em sociologia, ou a mente humana em psicologia, ou comunidades indígenas em antropologia, estamos em sentido bem próprio nos analisando também. Podemos fazer um esforço de distanciamento – não por alienação, mas para deixar o objeto mais visível, mas é inútil esconder que somos, também como analistas parte da análise. O comportamento ideológico pode estar tanto no sujeito como no objeto. A informação qualitativa não busca ser neutra ou objetiva, mas permeável à argumentação consensual crítica. Ela é resultado da comunicação discutida, na qual o sujeito pode questionar o que se diz, e o sujeito objeto também.

Finalizando, retoma-se Martinelli (1994, p. 27) sobre a pesquisa qualitativa:

- ... o caráter inovador, como pesquisa que se insere na busca de significados

atribuídos pelos sujeitos às suas experiências; - ... quanto à dimensão política desse tipo de pesquisa que, como construção

coletiva, parte da realidade dos sujeitos e a eles retorna de forma crítica e criativa;

- ... por ser um exercício político, uma construção coletiva, não se coloca como algo excludente ou hermético, é uma pesquisa que se realiza pela via da complementaridade, não da exclusão.

Pode ser apontada ainda, a relação existente entre a pesquisa

qualitativa e quantitativa, que está muito longe de ser uma relação de opostos, mas uma relação caracterizada pela complementaridade e até de articulação entre ambas.

A pesquisa qualitativa deve remeter necessariamente a uma contextualização sócio-histórica. Outro dado importante nesta abordagem é o papel do pesquisador, sua presença é fundamental para a qualidade da informação. O pesquisador pode questionar uma fala para obter mais clareza nas informações.

Demo (2002) apresenta dois patamares de análise que estão interligados:

a) desempenho qualitativo – como instituições, associações, sociedades,

grupos se desempenham no contexto de suas características qualitativas,

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 9-18, 2002 15

Page 16: Serviço Social e Realidade

b) dinâmicas qualitativas – características de toda a realidade, também natural, o que implica incluir traços quantitativos dela.

Para concluir, podemos reconhecer que a pesquisa qualitativa

continua sendo um desafio, porque é muito mais complexa arriscada e difícil em relação à pesquisa quantitativa. Um dos desafios é o problema da generalização, sempre indagado, principalmente pelos positivistas e neopositivistas. Toda pesquisa precisa saber mesclar quantidade e qualidade, forma e intensidade, estrutura e dinâmica.

A pesquisa qualitativa requer, portanto, qualificação do pesquisador, compromisso e atitude ética frente a realidade pesquisada. Deve, acima de tudo, saber visualizar as circunstâncias atuais do desenvolvimento da metodologia científica que tem favorecido a este tipo de pesquisa. OLIVEIRA, A. P. B. I de; BATISTA, M. C. RODRIGUES, J. The qualitative research in question. Serviço Social & Realidade (Franca), v.11, n.2, p. 9-18, 2002. • ABSTRACT: The qualitative research has demonstrated that can cope with the

dilemmas that are experimented by the searchers of the social science area, when they need to know the feelings, opinions, accounts of the quotidian life and experiences, in general, that can not be qualified. The qualitative research can also be utilized in works with objectives data that require generalizations and statistics applications. And is also utized in the execution of quantitative and qualitative researchs associated, with excellent results.

• KEYWORDS: Social Sciences; Scientific Methodology; Qualitative Research. Referências Bibliográficas ABESS. Proposta Básica para o Projeto de Formação Profissional. Revista Serviço Social e Sociedade 50. São Paulo: Cortez, 1996. CHIZZOTTI, A. Pesquisa em ciências humanas e sociais. São Paulo: Cortez, 1991. DEMO, Pedro. Pesquisa e Informação Qualitativa: aportes metodológicos. São Paulo: Papirus, 2001.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 9-18, 2002 16

Page 17: Serviço Social e Realidade

ETHOS, Instituto Ethos. Responsabilidade Social e Empresarial. Disponível em http://www.ethos.com.br/perguntas/qualitativa.htm. Acesso em 23/4/2002. MARTINELLI, M. L. (ORG.), Pesquisa Qualitativa - um instigante desafio. Núcleos de Pesquisa 1. São Paulo: Veras, 1999. MINAYO, Maria Cecília S. O Desafio do Conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: HUCITEC – ABRASCO, 1992. ______. Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. 18.ed. Petrópolis: Vozes, 2001. QUEIROZ, M. I. P. de. O pesquisador, o problema da pesquisa, a escolha de técnicas: algumas reflexões, in Textos CERU, Série 2, v. 3. LANG, A. B. S. G. (ORG.), São Paulo: CERU, 1992. TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais - A pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 9-18, 2002 17

Page 18: Serviço Social e Realidade
Page 19: Serviço Social e Realidade

UMA REAVALIAÇÃO DO CONTEXTO SOCIAL ATUAL E DA INSTRUMENTALIDADE DO SERVIÇO SOCIAL

Rita BRANDÃO*

Mário JOSÉ FILHO** • RESUMO: Neste artigo realizamos uma análise da conjuntura do Serviço Social

como profissão, suas possibilidades e limites de intervenção bem como sua inserção no contexto social, econômico e político brasileiro. Nosso interesse aqui é levantar questionamentos e críticas sobre a atual prática do serviço social e debater este tema visando o seu redimensionamento, enquanto mecanismo de transformação social. São diversos os campos de atuação do assistente social, mas todos se defrontam com a difícil condição sócio-econômica que a população brasileira se encontra: situação de rua, difícil acesso à saúde e educação, exposição a drogas, violência doméstica, exclusão ao registro civil, exploração do trabalho infanto-juvenil, prostituição, privações diversas conseqüentes à situação de miséria absoluta em que vive grande parte dos cidadãos. Ao assistente social cabe o papel de analisar criticamente o modelo econômico que tem gerado esta questão social. Considerando-se que a ação do assistente social envolve o resgate e o restabelecimento da condição humana em seu trabalho com populações ditas de risco, a analise da atuação deste profissional tem resultado em campo fértil para proposição de novas formas de intervenção nessa área social. Tal abordagem ganha destaque a partir da necessidade da efetivação da intervenção através do fazer humano. Esta atitude é instrumento poderoso na diferenciação da consciência da condição em que se encontra o individuo, no despertar de sua ação rumo à transformação de sua situação e do seu meio.

• PALAVRAS CHAVE: Instrumentalidade; questão social; neoliberalismo; política

social; técnicas de intervenção social.

Introdução

Nunca, em tempo algum, o processo econômico foi tão determinante na historia dos paises como nos dias de hoje. Para se entender a situação sócio econômica atual do Brasil é preciso considerar * Assistente Social da Secretaria Municipal da Cidadania e Desenvolvimento Social do Município de Ribeirão Preto. Docente do Curso de Serviço Social da Universidade de Ribeirão Preto – UNAERP. ** Coordenador e Docente do Programa de Pós Graduação em Serviço Social. Docente do Departamento de Serviço Social UNESP – Franca-SP.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 19-32, 2002 19

Page 20: Serviço Social e Realidade

dois aspectos de fundamental importância: I) a conjuntura atual é o resultado da combinação de elementos objetivos e subjetivos determinados pelo modelo político e econômico ditado pelas elites no poder, II) esta ideologia expressa o pensamento neoliberal onde o risco é entendido como uma questão de preocupação pessoal e individual não havendo, portanto o compromisso coletivo da sociedade, com os riscos sociais da população.

Acontecimentos das últimas décadas tem provocado modificações no mundo do trabalho nas sociedades atuais e estas podem ser percebidas nas mudanças no mercado de trabalho, as quais têm determinado intensas e profundas alterações na sociedade brasileira. Na perspectiva de analisar e propor mecanismos de intervenção social é fundamental entender o pensamento nestas transformações que vêm alterando a economia, a política e a cultura da nossa sociedade.

O mundo atual passa pela crescente precarização do trabalho, a ocorrência do aumento do desemprego estrutural, o avanço tecnológico, a necessidade premente de adequação aos novos padrões de produção que no seu formato atual tem aumentado a legião daqueles que se encontram privados de vender sua força de trabalho. Vive-se hoje uma ampla expulsão da população trabalhadora dos seus postos de trabalho. Deparamo-nos com segmentos cada vez maiores da população que participam dos contingentes conhecidos como sobrantes, desnecessários, fazendo nascer uma nova pobreza composta das parcelas da população cuja força de trabalho não tem preço, porque não tem mais lugar no mercado de trabalho. Em decorrência disto esse processo não acontece sem deixar conseqüências nefastas para os trabalhadores assalariados. Em nome da flexibilidade o sistema expulsa os incapazes de adaptação às regras do jogo e impõe a subcontratação de parte das tarefas por fora das organizações. A desestabilização do trabalho assalariado reproduz-se em profundidade noutras formas do trabalho e ocupação, generalizando a sua precarização e vulnerabilidade, produzindo então um problema de difícil solução. Cerqueira Filho, (1982) sustenta que foi o surgimento da classe operária que impôs ao mundo moderno, no curso da constituição da sociedade, um conjunto de problemas políticos, sociais e econômicos, porém foi o livre mercado que determinou o desaparecimento do emprego ou o estado mínimo, oriundo da não regulação do Estado. Assim, este

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 19-32, 2002 20

Page 21: Serviço Social e Realidade

livre mercado, ou simplesmente “mercado”como é conhecido nos dias de hoje produziu o grande contingente de excluídos sociais, que vem paulatinamente substituindo o que conhecíamos por classe operária.

O processo de globalização em um primeiro momento foi recebido com otimismo e vislumbrado uma possibilidade de união e desenvolvimento entre os povos. No entanto, pouco se passou e já se pode visualizar o impacto de sua existência nas marcas indeléveis que começou a deixar; crises financeiras, quebra de empresas, redução de postos de trabalho entre outras.

A regulação neoliberal, que fundamenta a orientação da globalização vigente, supõe quebra do Estado, o qual deve ser mínimo, ser flexível por conta do mercado e da competição privada. Este novo mercado financeiro mundial opera como um gigantesco cassino onde as apostas dos operadores das bolsas de valores, a partir de operações de caráter virtual, alteram para pior ou melhor a vida de milhões de pessoas. Quebram industrias, empresas, geram desemprego, aumentam juros, geram inadimplência. Todos estes fatores conforme indica Silva (2001) apresentam-se de forma marcante nos paises subdesenvolvidos como o Brasil, como fatores de minoração da cidadania. A situação de exclusão a qual a maioria dos brasileiros está exposta, violenta a pessoa humana negando com isso a própria razão da vida em sociedade

É inegável que dentre a série de fatores resultantes das políticas adotadas no país o mais significativo tem sido o agravamento da questão social. O contexto social em que esta é produzida, no desemprego e no subemprego traduz a sua mais límpida expressão. Marcados por tempos extremamente difíceis para todos aqueles que vivem do trabalho e para a organização dos trabalhadores, inúmeros estudiosos indicam que as tendências do mercado de trabalho tem determinado uma classe trabalhadora polarizada, com uma pequena parcela com emprego estável e força de trabalho qualificada com acesso a direitos trabalhistas e sociais e uma larga parcela da população com trabalhos temporários, precários, sub-contratados etc.

Neste quadro, o fenômeno do desemprego tem sido motivo de intenso debate levando-o a tornar-se o eixo das discussões no âmbito das propostas de intervenção do assistente social e sua repercussão no mundo do trabalho. Observa-se que nos locais de trabalho é facilmente

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 19-32, 2002 21

Page 22: Serviço Social e Realidade

constatado o crescimento da demanda por serviços sociais, o aumento da seletividade das políticas sociais, a diminuição dos recursos, dos salários, a imposição de critérios cada vez mais restritivos sem que a população tenha acesso aos direitos sociais, materializados em serviços sociais. Como um dos fatores determinantes da História, o Serviço Social identifica o capital como fator determinante da atual condição social em que vivemos, da alienação do indivíduo social e da origem mesmo tanto da miséria humana, como das políticas sociais que vêm sendo adotadas. Como conseqüência natural deste processo amplia-se a demanda pelo Serviço Social verificando-se então como resultado final a grande busca por serviços e parcas ofertas produzindo então o agravamento dos problemas sociais em suas múltiplas expressões.

Paralelamente a este fenômeno, ocorre um movimento o qual utiliza-se da grande demanda com relação a intervenção profissional e impulsiona a ação para áreas meramente executoras e finaliza reduzindo o fazer do assistente social a técnicas imediatistas, fragmentadas e sem objetivos. Este quadro encontra na atual política neoliberal e na sociedade acrítica dos tempos atuais um terreno fértil e propício para sua expansão. Nesse quadro, Netto (1989) verifica que a situação atual que aloca os Assistentes Sociais como prestadores de serviços, executores de atividades finalísticas visa descaracterizar a profissão como um trabalho e a exclui da intermediação direta da relação capital-trabalho. Além disso, esta prática obscurece a natureza política da profissão, limitando sua intervenção a ações instrumentais, determinando a própria representação que os profissionais têm das suas ações.

Neste cenário, nesta relação de força, com estes atores sociais o campo de ação do assistente social torna-se um campo fértil para ações comprometidas, que na contemporaneidade deve ser ampliado e redirecionado para a construção do seu saber e de vivência de sua prática de forma a atender a demanda de intervenção social, resultando em modificações substantivas através da atualização e modernização de procedimentos e competências, sempre na busca de equidade. Requer, pois, ir alem das rotinas institucionais, do ativismo e buscar apreender o movimento da realidade. Em outras palavras, significa repensar o Serviço Social na sua contemporaneidade, ter e manter os olhos abertos para o mundo moderno com vistas a decifrá-lo e participar de sua recriação. É

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 19-32, 2002 22

Page 23: Serviço Social e Realidade

nessa perspectiva que a qualidade dos serviços prestados, na defesa da universalidade dos serviços públicos, na atualização dos compromissos éticos e políticos afinados com os interesses coletivos da população usuária requer a requalificação da ação, com suas particularidades e alternativas de ação. Reside ai um dos maiores desafios para que o assistente social a partir do presente, desenvolva sua capacidade de decifrar a realidade e construir propostas de trabalho criativas e capazes de preservar e efetivar direitos, a partir de demandas emergentes no cotidiano. Para tanto, torna-se necessário o reconhecimento da complexidade do objeto de trabalho numa perspectiva de totalidade, bem como do espaço conflitante sobre o qual as ações profissionais ocorrem, e também a delimitação das condições para a implementação de ações profissionais comprometidas.

De acordo com Netto (1989), é preciso romper com o hiato entre o passado conservador do Serviço Social e os indicativos práticos de uma nova racionalidade e instrumentalidade.Assim, Guerra (1999) discute que a lógica da razão instrumental determinou uma racionalidade, subordinada e funcional. Subordinou-se ao alcance dos fins particulares, aos resultados imediatos as estruturas sociais vigentes. Constitui-se, portanto, num conjunto de atividades e funções, não se importando nem com a correção dos meios, nem com a legitimidade da ação. Nestas condições se faz necessário compreender e analisar o resultado que as ações profissionais imediatas produzem. Para isto, é condição primordial discutir o papel, o espaço e a dimensão instrumental na constituição da profissão.

Metodologia da Intervenção Social

Vale iniciar esta seção a partir da observação de Guerra (1999), que identificou a dicotomia entre teoria e pratica no Serviço Social. Se esta fragmentação existe ou persiste na profissão, isto se atribui mais a equívocos na forma de conceber a teoria, a uma aproximação ainda defeituosa entre Serviço Social e teoria marxiana, do que a insuficiência desta proposta metodológica, ou seja a insuficiência existe em razão das condições oferecidas no campo de trabalho, devido ao próprio ativismo profissional e não a carência ou ausência de metodologias profissionais.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 19-32, 2002 23

Page 24: Serviço Social e Realidade

Iamamoto (1998) indica que o Serviço Social na contemporaneidade sintetiza o desafio de decifrar os novos tempos para que nele se possa ser contemporâneo. Exige-se um profissional qualificado, que reforce e amplie a sua competência critica, não só de executivo mas que pensa, analisa, pesquisa e decifra a realidade alimentada por uma atitude investigativa. O exercício cotidiano tem ampliado as possibilidades de vislumbrar novas alternativas de trabalho nesse momento de profundas alterações na vida em sociedade. O novo perfil que se busca construir é de um profissional afinado com a analise dos processos sociais, tanto em suas dimensões macroscópicas quanto em suas manifestações quotidianas; um profissional criativo e inventivo, capaz de entender o tempo presente, o homem atual, a vida atual e nela influir contribuindo para moldar os rumos da história. Assim, o processo de mudança de avanço nas ações do profissional faz parte da essência do assistente social e a prática diretamente ligada à reflexão ética e competência crítica, ingredientes orgânicos do fazer profissional. Se visarmos respostas com a reflexão necessária acerca da importância do papel do profissional do Serviço Social na questão social, obrigatoriamente deveremos nos reportar às bases metodológicas do Serviço Social, visto que estas favorecem a leitura da realidade e imprimem rumos a ação profissional.

Yasbeck (1999) nos diz que a ação do Assistente Social é parte tanto do processo de reprodução dos interesses de preservação do capital, quanto das respostas às necessidades de sobrevivência dos que vivem do trabalho. Não se trata, portanto, de uma dicotomia, mas de um profissional que não poder excluir esta polarização de sua prática profissional, à medida que as classes sociais e seus interesses só existem na própria relação essencialmente contraditória que daí resulta, na qual o mesmo movimento que permite a reprodução e a continuidade da sociedade de classes, com seus valores intrínsecos e conhecidos, cria condições para a sua transformação através de uma nova racionalidade e instrumentalidade. A instrumentalidade do Serviço Social constitui um elo de articulação onde as racionalidades se baseiam, expressando as ações dos sujeitos, permitindo a fluidez das teorias às práticas, campo onde a profissão consolida a sua natureza e se materializa, permitindo a união das dimensões instrumental, técnica, política, pedagógica e intelectual da

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 19-32, 2002 24

Page 25: Serviço Social e Realidade

intervenção profissional. A instrumentalidade, portanto, possibilita que os processos e práticas sociais sejam traduzidos em ações técnicas e politicamente coerentes. Compatibilizar o desenvolvimento experimentado pela profissão e os rumos da realidade atual, consiste no principal desafio para os assistentes sociais.

As possibilidades estão dadas na realidade, mas não são automaticamente transformadas em alternativas profissionais. A tarefa do assistente social não é só decifrar as formas e expressões da questão social na contemporaneidade, mas atribuir transparência às iniciativas voltadas à sua reversão e/ou enfrentamento imediato. A premissa básica de tal projeto está na defesa da equidade e da justiça social, da universalização do acesso aos bens e serviços relativos aos programas e políticas sociais. Conseqüentemente a tarefa profissional obrigatoriamente tem que ser vinculada a um projeto societário que tenha como proposta a construção de uma nova ordem social, com compromisso baseado na defesa dos direitos fundamentais que deva ser alvo de prática tanto na sociedade como no exercício profissional. Tal proposta implica o compromisso com a competência, que só pode ter como base o aprimoramento intelectual do assistente social, daí a importância de uma atuação qualificada, alicerçada em concepções teórico-metodológicas, críticas e sólidas, capazes de viabilizar uma análise concreta da realidade social.

Assim o cenário exige uma atuação qualificada, alicerçada em concepções teórico-metodológicas, crítica e sólida, capaz de viabilizar uma análise concreta da realidade social. E a inserção profissional integral no projeto o qual se denomina democrático, visto que sua função primordial é a democratização, enquanto socialização da participação política e socialização da riqueza socialmente produzida, passando definitivamente a funcionalidade do serviço social imbricada a estes paradigmas.

Segundo Guerra (1999), a passagem da teoria à prática é possibilitada pelo caráter instrumental das ações profissionais e a instrumentalidade denota a razão de ser do Serviço Social como campo de mediação e como referenciais de novos norteadores, a partir dos quais os padrões de uma nova racionalidade e ações instrumentais devam se estabelecer. Além disso, salienta-se a capacidade de agir

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 19-32, 2002 25

Page 26: Serviço Social e Realidade

metodologicamente, com conhecimento do objeto sobre o qual se trabalha a fim de estabelecer as estratégias da ação profissional com vistas a sua edificação na continuidade do projeto ético-político atual.

Discussão e Perspectivas

O resultado esperado da implementação desta abordagem apresentada por este trabalho é a melhoria da qualidade dos serviços prestados à população. Tendo como paradigma à ampliação e a consolidação da cidadania, colocados como pontos fundamentais da garantia dos direitos civis, políticos e sociais da população.

Neste sentido, reside a razão maior de discutir, analisar e aprofundar a questão da instrumentalidade, com vista a atribuir qualidade à ação profissional, resgatar para a profissão o patamar de primeira categoria e possibilitar intervenções técnicas competentes de forma a excluir o sentimento de não conseguir dar respostas eficazes às demandas sociais em curso, voltadas para o compromisso de reafirmar a ação política dirigida à inclusão dos excluídos sociais, da classe trabalhadora e minorias sociais na sociedade que almejamos.

A nova instrumentalidade no serviço social segundo Guerra (1989) implica em atuar sobre as limitações, mantendo o foco para além das definições operacionais, é condição sine qua non compreendermos para quem fazemos, onde e quando fazer, de forma a analisar as conseqüências que no nível imediato as nossas ações profissionais produzem, quando percebemos a essência alem das aparências somos capazes de utilizar a dimensão mais desenvolvida da profissão, a autora argumenta ainda em sua abordagem acerca de instrumentalidade que as demandas e requisições da profissão possibilitam a criação e recriação das categorias intelectivas que possam tornar compreensíveis as problemáticas que lhe são postas como de intervenção nos sistemas de mediações que possibilitem a passagem das teorias às praticas.

Tais valores constituem-se um arsenal de conhecimentos, informações, técnicas e habilidades que estão subjacentes às ações do Assistente Social. Através deles, suas ações ganham um modus faciendi e se materializam como o resultado do que está sendo executado com base em um plano genérico de atuação, que se definiu e se modela em

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 19-32, 2002 26

Page 27: Serviço Social e Realidade

um quadro de correlação de forças de diversas naturezas. Refletir questões como, a concepção, os valores e a

instrumentalidade no bojo da ação do Assistente Social é um modo de identificar a dimensão que o conjunto do instrumental técnico utilizado pelo Serviço Social ocupa no contexto geral das práticas assistenciais. Nesta configuração é mister para o desenvolvimento das ações profissionais a construção de uma proposta comprometida com as demandas das classes subalternas, particularmente expressa em sua mobilização. Isto nos remete a considerar o caráter político da prática e ação profissional, situando o Serviço Social enquanto profissão participante da reprodução das classes sociais, diretamente permeada pelo relacionamento contraditório e antagônico entre elas. Isto confere à profissão uma dimensão vivida e representada pela consciência de seus profissionais expressa no discurso teórico-metodológico sobre a prática profissional, uma dimensão que atribui à atuação profissional uma determinação histórica. Essa dimensão condiciona e ultrapassa a própria vontade e consciência de seus agentes individuais, situando a profissão no processo das relações sociais. (IAMAMOTO, 1984).

No interior da profissão se subestimou a real dimensão dos determinantes externos e contextuais da formação profissional e da formação continuada. O movimento de reconceituação do Serviço Social na prática levou a uma negação da identidade tradicional do Serviço Social sem propor uma alternativa viável que a substituísse e conferisse à profissão um novo espaço e uma atuação ancorada na realidade social. De acordo com Guerra (1999), não se trata de reeditar novas fórmulas para a intervenção profissional mas de constituir um consenso resultante do amadurecimento teórico da categoria profissional – de atribuir uma nova qualidade à intervenção; de recuperar o crédito historicamente depositado na profissão, tanto pelos usuários dos seus serviços quanto pelo segmento da classe que a contrata; de reconhecer a natureza das demandas, os modos de vida dos usuários, suas estratégias de sobrevivência, enfim, de deter uma competência técnica e intelectual e manter o compromisso político com a classe trabalhadora.

O que podemos extrair dessas reflexões é que há várias racionalidades se confrontando na profissão e expressam-se em diferentes formas no agir e pensar dos profissionais frente a realidade.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 19-32, 2002 27

Page 28: Serviço Social e Realidade

Estamos de acordo com Guerra (2002) quando afirma que é pela instrumentalidade da profissão que passam os elementos progressistas e conduzem os assistentes sociais a reverem seus fundamentos, o que permite uma ampliação da sua funcionalidade e das bases sobre as quais sua instrumentalidade se desenvolve. Ao se desprender da condição histórica em que surge, vinculado ao projeto reformista-integrador e como profissão apenas de caráter interventivo e manipulatório, visando alterar as condições, o serviço social pode colocar-se no universo dos direitos sociais, fortalecendo as estruturas democráticas e os direitos coletivos.

Finalizando a instrumentalidade do Serviço Social não se limita a ativação de ações instrumentais e ao exercício de atividades imediatas, ao contrario induz possibilidades de validação vinculadas ao emergente e ao novo, as ações instrumentais necessitam ser informadas por teorias que se sustentam nos princípios da construção do ser social. Para isto, o agente social precisa ter claro os princípios da instrumentalidade forjados no aprofundamento do seu saber teórico, na sua experiência passada e na sua determinação de mudar o futuro das classes menos favorecidas. Em vista do que aqui foi apresentado é premente a necessidade de incorporar novos elementos e valores ao desenvolvimento da profissão de forma a aplicar os instrumentos de mudança social mais adequados e que funcionam como mecanismos de enfrentamento da questão social criando os parâmetros de uma nova forma de sociedade. BRANDÃO, R.; JOSÉ FILHO, M. The Reavaluation of the Current Social Context and of the Instrumentality of the Social Work in Brazil. Serviço Social & Realidade (Franca), v.11, n.2, p. 19-32, 2002. • ABSTRACT: In this article we carry out a conjectural analysis of the social work as a

profession, its possibilities and limits of intervention as well as its insertion in the Brazilian social, economic and political contexts. Our interest is to debate the current practice of social work aiming at its readequacy as a process of social transformation. There are many ways that a social worker can proceed, but all of them have to face the difficult social and economical conditions of the Brazilian population: homeless, domestic violence, difficult access to health care and education, exposure to drugs, exploration of infant work, prostitution and several social deprivations as a consequence of the absolute misery in which low class citizens are living. The social workers have to perform the task of critically analyzing the economic model that has been fostering the current social matter. Considering that the objectives of the social workers include the rescue and the re-establishment of the human condition in their

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 19-32, 2002 28

Page 29: Serviço Social e Realidade

work with populations at social risk, the analysis of the performance of these professionals has resulted in fertile field for new propositions for social interventions in this area. This topic gains relevance when it is clear the need of setting up new forms of intervention that emphasize the reconquering of the basic values inherent to the human beings. This attitude is a powerful tool for the awareness of the living conditions the people is enduring, and for the awakening towards the transformation its situation and its environment.

• KEYWORDS: instrumentality; social intervention; neoliberalism; social policy; social

intervention thecniques. Referências Bibliográficas ANTUNES, Ricardo. Adeus ao Trabalho?: ensaio sobre as metamorfoses e a Centralidade do Mundo do Trabalho. São Paulo: Cortez; Campinas: Editora da Universidade Estadual de Campinas, 1995. BARROCO, Maria Lúcia. Os fundamentos sócio-históricos da ética. In: Capacitação em Serviço Social e Política Social, Módulo 02: Reprodução Social, Trabalho e Serviço Social. Brasília: Cead, 1999. BRAGA, Hélio. Os impactos Sociais na Globalização. Anais da 1 semana de Serviço Social – Passos: UEMG – FSS, 2002. CERQUEIRA F. Gilásio. A Questão Social no Brasil – Crítica do Discurso Político. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982. COHEN, E.; FRANCO, R. Avaliação de Projetos Sociais, Petrópolis: Vozes, 1993. CORSEUIL, C. H.; GONZAGA, G.; ISSLER, J. V. Desemprego regional no Brasil: uma abordagem empírica. Texto para discussão. Rio de Janeiro: IPEA, n. 475, abril, 1997. COSAC, Claudia Maria Daher. Estratégias de Ação e Prática Profissional. Anais da 1 semana de Serviço Social – Passos: UEMG – FSS, 2002. COSTA, Suely Gomes. Formação Profissional e Currículo de Serviço Social: Referencia para debate. Serviço Social e Sociedade, n. 32, p. 18-51, maio 1998, São Paulo. COUTINHO, Carlos Nelson. O Estruturalismo e a Miséria da Razão. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1972.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 19-32, 2002 29

Page 30: Serviço Social e Realidade

COUTINHO, Carlos Nelson. Notas sobre cidadania e modernidade. In: Revista Praia Vermelha – Estudos de Política e Teoria Social, Rio de Janeiro: PPGESS/UFRJ, v.1, n.1, 1997. DEMO, Pedro. Charme da Exclusão Social. Campinas: Autores Associados, 1998. – (coleção polemicas do nosso tempo;61). ______. Desigualdade e a questão social/ orgs. Mariângela Belfiore-Wanderley, Lucia Bógus, Maria Carmelita Yasbek – São Paulo “EDUC, 2000”. ______. Documento de Teresópolis. Metodologia do Serviço Social - Revista Debates Sociais. Suplemento n. 4, 4.ed., Rio de Janeiro: CBCISS, julho, 1976. FALEIROS, Vicente de Paula. A Relação Entre Clínica e Política em Serviço Social. Anais da 1 semana de Serviço Social – Passos: UEMG – FSS, 2002. ______. Serviço Social: questões presentes para o futuro. In: Serviço Social e Sociedade, n.50. São Paulo: Cortez, abril-1996. ______. Saber profissional e poder institucional. 5.ed., São Paulo: Cortez, 1985. GUERRA, Yolanda. A Instrumentalidade do Serviço Social. São Paulo: Cortez, 1995. ______. Os impactos da Conjuntura Sobre a Instrumentalidade do Serviço Social: Desafios e Perspectivas. Anais da 1 semana de Serviço Social – Passos: UEMG – FSS, 2002. IAMAMOTO, M. V. e Carvalho R. Relação Sociais e Serviço Social no Brasil. Esboço de uma interpretação histórico-metodológica. São Paulo: Cortez, 1982. IAMAMOTO, Marilda Vilela. O Serviço Social na Contemporaneidade: Trabalho e Formação Profissional, São Paulo: Cortez, 1998. ______. Renovação e Conservadorismo no Serviço Social. Ensaios críticos. São Paulo: Cortez, 1992. NETTO José Paulo. Notas para a discussão da Sistematização da Prática

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 19-32, 2002 30

Page 31: Serviço Social e Realidade

e Teoria em Serviço Social. In: Cadernos ABESS, n.3. São Paulo. Cortez, 1989. ______. Transformações Societárias e Serviço Social – notas para uma análise prospectiva da profissão no Brasil. In: Serviço Social e Sociedade, n.50. São Paulo: Cortez, abril, 1996. NETTO. José Paulo. Ditadura e Serviço Social. São Paulo: Cortez, 1994. PONTES, Reinaldo Nobre. Mediação e Serviço Social. São Paulo: Cortez, 1995. ______. Serviço Social e Ética: Convite a uma nova práxis/ Dilsea A. Bonetti (org.) [et. Al.] – 4.ed. – São Paulo: Cortez, 2001. SILVA e SILVA, Maria Ozanira. (coord.) O Serviço Social e o popular resgate teórico metodológico do projeto profissional de ruptura. São Paulo: Cortez, 1995. SPOSATI, A. et al. Os direitos (dos desassistidos) sociais. 1.ed. São Paulo: Cortez, 1989. YAZBEK, Maria Carmelita. (org.) Projeto de revisão curricular da Faculdade de Serviço Social da PUCSP. In: Serviço Social e Sociedade, n.14, São Paulo: Cortez, 1984. YAZBEK, Maria Carmelita. Classes Subalternas e Assistência Social. São Paulo: Cortez, 1993.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 19-32, 2002 31

Page 32: Serviço Social e Realidade
Page 33: Serviço Social e Realidade

A CONSOLIDAÇÃO ESPACIAL E POPULACIONAL DO MUNICÍPIO DE FRANCA NO PERÍODO DE 1823 A 2000

Analúcia Bueno dos Reis GIOMETTI*

• RESUMO: O presente trabalho aborda o município de Franca no desenrolar do

século XX, em seus desmembramentos politico-administrativos. Caracteriza, localiza e descreve a área de inserção do município de Franca no contexto ambiental. Traça a trajetória da formação da Região Administrativa e Região de Governo de Franca, ao longo de sua evolução territorial e populacional. Através do contexto histórico procura levantar os desmembramentos territoriais, desde 1798 até os dias atuais, que gestaram a formação do município de Franca.

• PALAVRAS CHAVE: formação espacial evolução do quadro populacional; município

de Franca no século XX. Caracterizando a Área de Inserção do Município

O município de Franca situa-se a nordeste do Estado de São Paulo.

Sua sede localiza-se nas coordenadas: 200 32’ latitude sul e 470 24’ longitude oeste, entre as bacias hidrográficas dos rios Sapucaí-Mirim e Grande.

Os limites fronteiriços de Franca, em 2000, são: ao Norte, o município de Cristais Paulista; ao sul, Batatais; a oeste, São José da Bela Vista; a leste e sudeste, Patrocínio Paulista; a sudoeste, Restinga; a noroeste, Ribeirão Corrente e a nordeste, situam-se Ibirací e Claraval (MG).

Franca, em linha reta, está a 343 km da capital do Estado, rumo SSE.

A caracterização do território com as Regiões Administrativas, Regiões de Governo e Municípios, em 1998, estão listados no Quadro 1.

Na Mesorregião de Ribeirão Preto se encontra a Região Administrativa de Franca, que por sua vez, subdividi-se na Região de Governo de Franca. Nesta, estão inseridos os municípios de Araminas, Batatais, Buritizal, Cristais Paulista, Franca, Guará, Igarapava, Itirapuã, *Docente do Departamento de Educação, Ciências Sociais e Política Internacional UNESP – Franca-SP.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 33-50, 2002 33

Page 34: Serviço Social e Realidade

Ituverava, Jeriquara, Miguelópolis, Patrocínio Paulista, Pedregulho, Restinga, Ribeirão Corrente, Rifaina e São José da Bela Vista.

Na Região de Governo de Franca segundo a divisão do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, em 2000, encontra-se a Microrregião de Franca composta pelos municípios de Cristais Paulista, Franca, Jeriquara, Restinga, Ribeirão Corrente, Itirapuã, Patrocínio Paulista, Pedregulho (com os distritos de Alto Porã e Igaçaba), Rifaina, São José da Bela Vista (Quadro 2).

Nesta área o traço em comum é dado pela forma do relevo, pois assenta-se em relevo planáltico. Com esta caracterização morfológica, a cidade de Franca está situada sobre um relevo colinoso conhecido como a “terra das três colinas”, denominadas localmente como Colina da Estação, Colina do Centro e Colina da Santa Rita, localizadas na Serra de Franca, que integra a região da Província Geomorfológica do Planalto Ocidental Paulista.

Estas colinas são separadas entre si pela rede hidrográfica, formada por cursos d’água de hierarquia de primeira ordem, constituída pelo Córrego dos Bagres, Córrego do Cubatão formadores do Ribeirão do Coqueiro ou Espraiado, que vão desaguar no Ribeirão dos Bagres, que por sua vez é afluente do Rio Sapucaí-Mirim, que faz parte da bacia hidrográfica do Rio Grande.

A representação da planta urbana desta área em 2000 mostra estes córregos canalizados por grandes avenidas. Assim, por sobre o Córrego Cubatão passa a Avenida Dr. Ismael Alonso y Alonso; pelo Córrego dos Bagres a Avenida Antonio Barbosa Filho até o bairro da Estação, para daí em diante se chamar Avenida Dr. Helio Palermo; no Espraiado foi construída a Avenida Ismael Alonso em seu trecho de confluência com o Ribeirão dos Bagres até o bairro Jardim Santana, para deste ponto até suas nascentes passar a se chamar Avenida Adhemar Pollo Filho e por fim Avenida Marginal. Esta rede hidrográfica, na área das três colinas, está situada em área densamente povoada.

Com uma altitude de 1.010 metros (sede municipal), seu clima é tropical de altitude (máximas de 25,70 C e mínimas de 14,20 C) e a precipitação anual é da ordem de 1.300 mm, com o período chuvoso se estendendo de novembro a março.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 33-50, 2002 34

Page 35: Serviço Social e Realidade

Esta região era coberta pela mata tropical, que foi sendo desmatada em decorrência da intensa ocupação do solo para dar lugar as pastagens e áreas cultivadas, restando pequenas manchas de vegetação natural, nos dias de hoje.

A constituição do solo de Franca, por apresentar rochas areníticas – arenito Botucatu e Bauru, facilitou o trabalho pluvio-erosivo o qual desencadeou um processo erosivo intenso resultando em voçorocamento nas áreas desmatadas. Associada a estes arenitos são encontradas as rochas de origem magmáticas que pelo processo de derrame de lavas vulcânicas originaram os solos basálticos.

Um Breve Histórico da Região de Franca

A primeira rota dos bandeirantes que seguiam para o Brasil Central, era o trajeto percorrido através do vale do Rio São Francisco. Neste caminho eram conduzidos os rebanhos que se deslocavam entre o litoral e a região Central do Brasil.

Mas, no início do século XVIII, os desentendimentos entre paulistas e emboabas, forçaram os bandeirantes a abrirem uma nova rota - a Estrada do Sal.

Com a abertura desta nova via de comunicação, o comércio do gado desloca seu centro econômico para o Estado de São Paulo. A beira deste caminho, devido ao fluxo do rebanho e o comércio de gado, surge um Arraial – o Arraial Bonito do Capim Mimoso, que viu seu crescimento ser incrementado com pessoas vindo de Minas Gerais que se deslocavam das zonas de garimpo e de criação e ali ficavam instalados, pois encontravam condições ideais para a criação de gado vacum (Quadro 3).

Uma capela foi erguida e com as condições favoráveis de clima de serra, boas pastagens e água abundante, este arraial passa a atrair os habitantes do pequeno aglomerado urbano de Covas, o que impulsionou seu crescimento e o firmou como entreposto comercial, que cada vez mais foi se consolidando com o comércio de sal.

Demolida esta capela, em seu lugar foi erguida uma igreja matriz e elevado, em 1805, à categoria de freguesia, a Freguesia de Franca e Rio Pardo.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 33-50, 2002 35

Page 36: Serviço Social e Realidade

Com uma posição privilegiada entre o sul paulista eminentemente agrícola e o sertão central essencialmente pecuário, aí foi estabelecido o comércio do sal que ficou conhecido como entreposto do sal de Franca.

Em 21 de outubro de 1821, a freguesia foi elevada à condição de vila, a Vila Franca D’El-Rei.

Sua importância cresce, firma-se e em 28 de novembro de 1824, passou a ser conhecida com o nome de Vila Franca do Imperador. Em 1832 foi instalada a comarca de Franca e elevada à condição de cidade, em 1856.

Contudo, sua posição estratégica ao longo da Estrada do Sal vem a sofrer um colapso com a abertura de novos corredores comerciais pelo sertão paulista, que deslocaram o transporte do sal para outras vias mais econômicas, trazendo para a região de Franca a decadência econômica.

A evolução populacional de Franca no período de 1874 a 1934, representada na Tabela 1, expressou um dinamismo crescente, só interrompido em apenas um período. Este ocorreu em 1886, quando houve a diminuição do número de habitantes no município, explicado pela perda de parte de seu território para Igarapava, retirando do total 7.638 habitantes, que passaram a ser computados não mais para Franca, pois Igarapava foi desmembrado e elevado a condição de município em 1873. (BACELLAR; BRIOSCHI, 1999, p. 19); Brioschi, (1999, p. 85) e Bacellar, (1999, p. 142, 153) apud Bacellar e Brioschi (orgs), 1999).

Este quadro de estagnação foi alterado em 1887 com a chegada dos trilhos da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro. Esta propiciou um novo ciclo econômico, novamente deslocando para esta zona o comércio entre São Paulo, Goiás, Mato Grosso e Minas Gerais.

Esta expansão ferroviária estacionando-se em Franca a beneficiou economicamente, pois o comércio da cultura cafeeira desta região concentrou-se neste terminal até 1920.

O panorama de Franca em 1920 pode ser descrito da seguinte maneira: sua população total era de 44.308 habitantes, dos quais 22.682 homens e 21.626 mulheres. A superfície territorial atingia 155.500 hectares; destes, 150.214 perfaziam a área dos estabelecimentos rurais, com área ocupada por matas nestes estabelecimentos de 14.964 hectares. Em se tratando da relação, entre a área dos estabelecimentos rurais e a superfície do município, 96,6% das terras estavam na zona

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 33-50, 2002 36

Page 37: Serviço Social e Realidade

rural; destes, a área de matas dos estabelecimentos recenseados perfazia 10,0% (dados colhidos junto ao IBGE, de Rio Claro, com o Sr. Ivan Donizetti Marafon).

A crise cafeeira da década de 20, não prejudicou tanto Franca como outras regiões paulistas, pois aí eram preparados os cafés finos associados à policultura do algodão, do tungue, da batata com a criação do gado zebu. Com a criação tomando impulso, Franca passou a ser conhecida como uma importante criadora deste rebanho.

Na década de 70, o município de Franca ganhou um novo impulso econômico e populacional com a consolidação do seu parque industrial calçadista. Desmembramentos Territoriais de Franca no Período de 1823 a 2000

Por volta do ano de 1655, o território da Vila de Jundiaí estendia-se

até a área atualmente ocupada pela Região Administrativa de Franca. Nesta grande região houve um primeiro desmembramento, quando foi formada a jurisdição da Vila de Mojimirim, em 1769. Segundo BACELLAR e BRIOSCHI (1999, p.18) “essa antiga circunscrição administrativa da Vila de Mojimirim, por sua vez, sofreu uma primeira fragmentação ao ser criada a Vila de Franca, em 1823” (Quadro 3).

Em 1813, a Freguesia de Franca contava com 2.497 habitantes, o que perfazia 23,7% da população da Vila de Mojimirim.

Nos Quadros 4 e 5 estão expressas as evoluções populacionais da Vila de Mojimirim, do Sertão do Rio Pardo, da Freguesia e Vila de Franca nos períodos de 1778 a 1824 mostrando, neste universo maior, a importância da área de estudo desde seus primórdios.

Com índice de 209 intrantes em 1804, Minas Gerais já se posiciona como emissora de contingente populacional para a Freguesia e Vila Franca. A evolução dos dados mostra um aumento percentual de ano para ano, chegando a atingir em 1824, 75% do total da composição da população.

Em 1828, Franca possuía um território de mais de 12.000 km2, sobre o qual foram criados seis distritos, cada um tendo o seu juiz de paz eleito e seu fiscal nomeado pelos vereadores. Estes eram formados pelo distrito da Vila de Franca, distrito da Capela do Carmo (atual Ituverava), distrito de Batatais, distrito de

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 33-50, 2002 37

Page 38: Serviço Social e Realidade

Cajuru, 2º Distrito de Santa Bárbara das Macaúbas e 3º Distrito do Chapadão (BRIOSCHI, 1999, p. 81 apud BACELLAR; BRIOSCHI (orgs), 1999)

“No ano de 1839 o Termo da Vila de Franca perdeu toda a área

situada entre os rios Pardo e Sapucaí-Mirim, com a criação da Vila de Batatais” (BRIOSCHI, 1999, p. 76 apud BACELLAR e BRIOSCHI (orgs), 1999).

Nos idos de 1874, as Vilas de Franca e Batatais eram as mais populosas como expressa a Tabela 2.

O território de Franca, no período de 1889 até 1991, sofreu constantes modificações com os desmembramentos territoriais administrativos pelos quais foi passando. Isto refletiu, no município de Franca, constantes alterações em sua área, passando de 1.745 km2, em 1940, para 607,3 km2, em 2000. Em contrapartida sua população foi adensando-se, visto que em 1940 eram 55.760 habitantes para em 2000 chegar a 287.400, expressando cifras de 473 hab/km2, nesta última data (Tabela 3).

Com estes desmembramentos e seguidas alterações em seus limites, a caracterização de seu território ao longo do século XX espelhou grande dinamismo populacional e econômico que foi impulsionando esta região nordeste do Estado de São Paulo, transformando antigos distritos em municípios, como atesta o Quadro 2.

Para melhor compreender a evolução populacional do município de Franca, no período que abrange o século XX, foi realizado junto ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE e fontes complementares, um levantamento de dados que remontam ao início deste século até o ano de 2000. Este estudo possibilitou recriar a dinâmica populacional deste período abordado.

Tomando como início deste período a análise a partir de 1900 (Tabelas 1 e 4), percebe-se que de 1934 a 1940 houve uma diminuição nos índices populacionais em Franca, pois de 60.237 habitantes em 1934, passou para 55.760 em 1940, podendo aventar a explicação de novos desmembramentos ocorridos no município de Franca, entre estas datas.

De acordo com os Recenseamentos realizados no período de 1940 a 2000, a população do município de Franca mostrou um crescimento

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 33-50, 2002 38

Page 39: Serviço Social e Realidade

positivo de década para década só sendo interrompido, em 1950, com uma pequena diminuição populacional na ordem de 2.275 habitantes.

Neste período estudado de 60 anos, uma característica marcante do município de Franca é o maior número de mulheres em relação aos homens.

A população do município de Franca, em 1940, por ocasião do Recenseamento, era de 55.760 habitantes. Essa mesma população estava distribuída entre 27.813 homens e 27.947 mulheres, dos quais localizados no quadro urbano estavam 11.222 homens e 12.816 mulheres e no quadro rural 16.591 homens e 15.131 mulheres.

Nesta data o município de Franca já tinha passado pelo processo de inversão populacional, pois o quadro urbano com um total de 20.568 habitantes, dos quais 9.492 homens e 11.076 mulheres, é mais expressivo que o quadro rural que apresentava um total de 9.070 pessoas distribuídas entre 4.709 homens e 4.361 mulheres.

Em 1950, o município de Franca passou a pertencer a Zona Fisiográfica de Franca que apresentava um total de 210.019 pessoas. Dentro deste contexto maior destaca-se o município de Franca com 53.485.

Somente no município de Franca a população urbana de 28.910 habitantes (13.574 homens e 15.336 mulheres) era maior que a rural com 24.575, destes 12.821 homens e 11.754 mulheres.

A população da Zona Fisiográfica de Franca atingia, em 1960, por ocasião do Recenseamento 181.804 habitantes. Esta população estava distribuída entre seus municípios, dos quais, se destaca, bastante distanciado dos demais, o município de Franca, com 66.702 habitantes.

O município de Franca, em 1960, concentra maior número de população feminina, ou seja 32.723 homens e 33.979 mulheres.

Na década de 70, a população da Microrregião do Planalto de Franca atingia 149.268 habitantes, destes 75.682 homens e 73.586 mulheres. Quando a análise recai para os municípios, somente dois passaram pela inversão populacional, Franca e São José da Bela Vista. Franca com 86.863 habitantes na zona urbana para 6.775 na zona rural e São José da Bela Vista com 3.591 na zona urbana para 3.190 na zona rural, pois os demais mantiveram seus quadros populacionais concentrados na zona rural.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 33-50, 2002 39

Page 40: Serviço Social e Realidade

O quadro populacional de Franca, na década de 80 era o seguinte: em Franca havia maior concentração da população feminina, com 75.010 para 73.987 homens e um total de 148.997 de concentração habitacional.

A população do município de Franca atingia, em 1991, por ocasião do Recenseamento, 233.098 habitantes. Essa população estava distribuída entre homens (116.048) e mulheres (117.050). Essa mesma população estava localizada nos quadros urbano e rural, como se segue: quadro urbano, 227.854 habitantes e quadro rural, 5.244 habitantes, mostrando uma forte concentração na cidade.

Dentro do contexto populacional da Mesorregião de Ribeirão Preto, a Microrregião de Franca contribuiu com 16% deste total, o que eqüivalia a 288.135 habitantes, num total de 1.806.475; 16% da população urbana, ou seja, 264.193 habitantes, para 1.644.439 da área maior e 15% da população rural, que correspondia a 23.942 habitantes, para 162.036 da Mesorregião.

O panorama populacional de 2000 atestou que todos os municípios integrantes da Microrregião de Franca, concentraram maiores índices populacionais na zona urbana. Manteve sua característica de maior concentração masculina sobre a feminina, excetuando Franca, que ao longo deste período estudado sempre mostrou posição inversa a este universo populacional da área onde está inserida.

Traçando uma comparação entre a população da Microrregião de Franca com a Mesorregião de Ribeirão Preto chegou-se ao índice populacional de 17%, o que correspondia a 349.917 habitantes num total de 2.103.957. Em contrapartida a população urbana representava 16,5% e a rural 18,5% em relação a Mesorregião.

Do Recenseamento realizado em 1991 para o de 2000, não houve alteração nas divisões e subdivisões regionais, mantendo-se um quadro estável, não havendo também desmembramentos distritais. Nesta área somente o município de Pedregulho continuou possuindo distritos.

Neste universo, Franca representa o município de maior importância populacional e econômica em todo o período estudado, estimulando e interferindo nos fluxos migratórios e de imigração que se dirigem para esta região nordeste do Estado de São Paulo.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 33-50, 2002 40

Page 41: Serviço Social e Realidade

Anexo das Tabelas e dos Quadros Tabela 1. População total do município de Franca entre o período de 1874 e 1934.

Ano Total da população 1874 1886 1900 1920 1934

21.419 10.040 15.491 44.308 60.237

Fonte: Bacellar (1999, p. 142 e 153 apud BACELLAR e BRIOSCHI (orgs))

Tabela 2. Nordeste paulista - população dos municípios existentes em 1874.

Municípios População Franca Batatais

Ribeirão Preto Cajuru

São Simão

21.419 13.464 5.552 5.394 3.507

TOTAL 49.336

Fonte: Bacellar (1999, p. 142 e 153 apud BACELLAR e BRIOSCHI (orgs))

Tabela 3. O município de Franca com a evolução de sua área, população e densidade demográfica no período de 1940 a 2000.

Área (Km²) População Densidade demográfica (hab/Km²)

1940 1950 1960 1970 1980 1991 2000

1.745,0 1.496,0 1.124,0 590,0 590,0 590,0 607,3

55.760 53.485 66.702 93.638 148.997 233.098 287.400

32 36 59 159 252 395 473

Fontes: BRASIL. Censo Demográfico de 1940 (1950, s/p) BRASIL. Censo Demográfico de 1940 (1950a, 559p) FERREIRA, Jurandir Pires (org. (1957, p.324) BRASIL. Censo Demográfico de 1960 (1962, p.57) BRASIL. Sinopse preliminar do Censo Demográfico de 1960 (1962, p.57) BRASIL. Sinopse preliminar do Censo Demográfico de 1970 (1971, p.133) BRASIL. Sinopse preliminar do Censo Demográfico de 1980 (1981, p.94) BRASIL. Sinopse preliminar do Censo Demográfico de 1991 (1991, p.84) BRASIL. Censo Demográfico de 2000 (2001, s/p)

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 33-50, 2002 41

Page 42: Serviço Social e Realidade

Tabela 4. População de fato e moradores presentes, por sexo, no município de Franca entre as décadas de 40 a 2000.

Décadas 1940 1950 1960 1970 1980 1991 2000

27.813 26.395 32.723 46.253 73.987 116.048 141.851 Homens Mulheres 27.947 27.090 33.979 47.385 75.010 117.050 145.549 TOTAL 55.760 53.485 66.702 93.638 148.997 233.098 287.400

Fontes: BRASIL. Censo Demográfico de 1940 (1950, 243p.) BRASIL. Censo Demográfico de 1940 (1950a, p.154, 155) BRASIL. Censo Demográfico de 1950 (1954, p.66) BRASIL. Censo Demográfico de 1960 (1962, p.84) BRASIL. Censo Demográfico de 1970 (1973, p.41 a 45) BRASIL. Censo Demográfico de 1970 (1973a, 501p.) BRASIL. Censo Demográfico de 1980 (1982, p.21) BRASIL. Censo Demográfico de 1980 (1982a, 673p.) BRASIL. Censo Demográfico de 1991 (1991, p.58) BRASIL. Censo Demográfico de 1991 (1991a, 178p.) BRASIL. Censo Demográfico de 2000 (2001, p.94)

Quadro 1. Caracterização do território com as Regiões Administrativas de Franca, de Governo de Franca e Municípios, em 1998.

Regiões Administrativas, de Governo e Municípios

Sede de Comarca Microrregião Geográfica

(RA) Região Administrativa de Franca

Franca

(RG) Região de Governo de Franca Franca Municípios

1. Araminas 2. Batatais 3. Buritizal 4. Cristais Paulista 5. Franca 6. Guará 7. Igarapava 8. Itirapuã 9. Ituverava 10. Jeriquara 11. Miguelópolis 12. Patrocínio Paulista 13. Pedregulho 14. Restinga 15. Ribeirão Corrente 16. Rifaina 17. São José da Bela Vista

Igarapava Batatais Igarapava Franca Franca Ituverava Igarapava Patrocínio Paulista Ituverava Pedregulho Miguelópolis Patrocínio Paulista Pedregulho Franca Franca Pedregulho Franca

Ituverava Batatais Ituverava Franca Franca Ituverava Ituverava Franca Ituverava Franca São Joaquim da Barra Franca Franca Franca Franca Franca Franca

Fonte: SÃO PAULO - ANUÁRIO ESTATÍSTICO DO ESTADO DE SÃO PAULO (SEADE), (1998, p. 27)

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 33-50, 2002 42

Page 43: Serviço Social e Realidade

Quadro 2. Caracterização da evolução do território de Franca no período de 1940 a 2000.

1940 1950 1960 1970 1980 1991 2000

Municípios e Distritos

Zona Fisiográfica (Municípios e

Distritos)

Zona Fisiográfica (Municípios e

Distritos)

Microrregião (Municípios e

Distritos)

Microrregião Homogêneado Planalto de Franca (Municípios e Distritos)

Microrregião, (Municípios e Distritos)

Microrregião, (Municípios e

Distritos)

Cristais

Cristais Paulista Cristais Paulista Cristais Paulista Cristais Paulista

Altinópolis

Batatais

Cajurú

Cássia dos Coqueiros

Cruz da Esperança

Franca Franca Franca Franca Franca Franca Franca

Jeriquara Jeriquara Jeriquara Jeriquara Jeriquara Jeriquara Jeriquara

Restinga Restinga Restinga Restinga Restinga Restinga Restinga Ribeirão Corrente

Ribeirão Corrente

Ribeirão Corrente Ribeirão Corrente Ribeirão Corrente Ribeirão Corrente Ribeirão Corrente

Guapuã Guapuã

Guará Guará

Pioneiros Pioneiros

Igarapava Igarapava

Araminas Araminas

Buritizal Buritizal

Ipuã

Itirapuã Itirapuã Itirapuã Itirapuã Itirapuã Itirapuã

Patrocínio Paulista

Patrocínio Paulista

Patrocínio Paulista Patrocínio Paulista Patrocínio Paulista

Patrocínio Paulista

Pedregulho Pedregulho Pedregulho Pedregulho Pedregulho Pedregulho

Alto Porá Alto Porá Alto Porã Alto Porá Alto Porã Alto Porá

Igaçaba Igaçaba Igaçaba Igaçaba Igaçaba Igaçaba

Rifaina Rifaina Rifaina Rifaina Rifaina Rifaina

Santo Antônio da Alegria

São Joaquim da

Barra São José da Bela Vista

São José da Bela Vista

São José da Bela Vista

São José da Bela Vista

São José da Bela Vista

São José da Bela Vista

São José da Bela Vista

Ituverava

Capivari da Mata

S. Sebastião da Cachoeirinha

Legenda: negrito = municípios; itálico = distritos. Fontes: BRASIL. Censo Demográfico de 1940 (1950a, p.549); BRASIL. Censo Demográfico de 1950 (1954, p.167 e 168); BRASIL. Sinópse do Censo Demográfico de 1960 (1962, p.24 e 25); BRASIL. Censo Demográfico de 1970 (1973, p.142 a 166); BRASIL. Censo Demográfico de 1980 (1983, p.2 a 57); BRASIL. Censo Demográfico de 1991 (1991, p.43 a 228); BRASIL. Censo Demográfico de 2000 (2001, s/p).

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 33-50, 2002 43

Page 44: Serviço Social e Realidade

Quadro 3. Relação percentual entre o total da população da Vila de Mojimirim e do Sertão do Rio Pardo.

Freguesia e Vila Franca (1798 a 1818)*

DATAS LOCALIDADES ÍNDICES PORCENTAGEM

1798 Mojimirim 5.685

Sertão do Rio Pardo 549 9,6

1804 Mojimirim 7.360

Sertão do Rio Pardo 843 11,4

1807 Mojimirim 7.855

Sertão do Rio Pardo 1.578 20,0

1809 Mojimirim 8.406

Sertão do Rio Pardo 1.544 18,3

1813 Mojimirim 10.529

Freguesia de Franca 2.497 23,7

1814 Mojimirim 11.404

Freguesia de Franca e Freguesia de Batatais

2.832 24,8

1816 Mojimirim 12.626

Freguesia de Franca e Freguesia de Batatais

2.673 21,1

1818 Mojimirim 14.583

Freguesia de Franca e Freguesia de Batatais

4.510 30,9

Nota: * Dados extraídos de José Chiachiri Filho do livro Do Sertão do Rio Pardo à Vila Franca do Imperador. Fonte: CHIACHIRI, J. F. (1986, p. 142)

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 33-50, 2002 44

Page 45: Serviço Social e Realidade

Quadro 4. População do Sertão do Rio Pardo e da Freguesia e Vila Franca Relação percentual de aumento em cada dois anos (1778 a 1824)*

ANOS POPULAÇÃO AUMENTO (%)

NO PERÍODO ANOS POPULAÇÃO AUMENTO (%) NO

PERÍODO 1778 1782

175 236 34,8

1798 1799

549 660 20,2

1782 1783

236 156 -33,9

1799 1801

660 590 -10,6

1783 1784

156 238 52,5

1801 1803

590 690 16,9

1784 1787

238 194 -18,5

1803 1804

690 843 22,1

1787 1789

194 196 1,0

1804 1807

843 1.578 87,1

1789 1790

196 231 17,8

1807 1809

1.578 1.544 -2,1

1790 1791

231 215 -7.0

1809 1813

1.544 2.497 61,7

1791 1793

215 452 110,2

1813 1814

2.497 2.832 13,4

1793 1794

452 460 1,7

1814 1816

2.832 2.673 -5,6

1794 1795

460 473 2,8

1816 1818

2.673 4.510 68,7

1795 1797

473 519 9,7

1818 1824

4.510 5.827 29,2

1797 1798

519 549 5,7

Nota: * Dados extraídos de José Chiachiri Filho do livro Do Sertão do Rio Pardo à Vila Franca do Imperador. Fonte: CHIACHIRI, J. F. (1986, p. 138)

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 33-50, 2002 45

Page 46: Serviço Social e Realidade

Quadro 5. População do Sertão do Rio Pardo e da Freguesia e Vila Franca. Porcentagem dos Intrantes em relação à população de cada ano significativo (1804 a 1824)*

ANO LOCALIDADE ÍNDICES PORCENTAGEM

Minas Gerais 209 24,7

1804 Outras localidades 39 4,6

Total geral 843

Minas Gerais 1.494 59,7

1813 Outras localidades 192 7,6

Total geral 2.499

Minas Gerais 2.092 73,8

1814 Outras localidades 162 5,7

Total geral 2.832

Minas Gerais 4.372 75,0

1824 Outras localidades 178 3,0

Total geral 5.827

Nota: * Dados extraídos de José Chiachiri Filho do livro Do Sertão do Rio Pardo à Vila Franca do Imperador. Fonte: CHIACHIRI, J. F. (1986, p. 140) GIOMETTI, A. L. B. dos. The spatial and populational consolidation of Franca in the period of 1823-2000. Serviço Social & Realidade (Franca), v.11, n.2, p. 33-50, 2002. • ABSTRACT: The present text boards Franca-SP unroll the XX Century, in its politics

and administratives maims. Characterizes, localizes and describes the insertion area

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 33-50, 2002 46

Page 47: Serviço Social e Realidade

of Franca in the ambiental context. Show the trajectory of formation of the Administrative Area and the Government Area of Franca, all along its territorial and populational evolution. Through the historical context searchs lift the territorial maims, since 1798 until nowadays, that gestated the formation of Franca.

• KEYWORDS: Spatial Formation; The populational cadre evolution; Franca in XX

Century.

Referências Bibliográficas BACELLAR, Carlos de Almeida Prado; BRIOSCHI, Lúcia Reis (orgs.) Na estrada do Anhanguera. Uma visão regional da história paulista. São Paulo: Humanitas FFLCH-USP, 1999, 252p. BACELLAR, Carlos de Almeida Prado. O Apogeu do Café na Alta Mojiana. In: BACELLAR, Carlos de Almeida Prado; BRIOSCHI, Lúcia Reis (orgs.) Na estrada do Anhanguera. Uma visão regional da história paulista. São Paulo: Humanitas FFLCH-USP, 1999, p. 118-163. BACELLAR, Carlos de Almeida Prado; BRIOSCHI, Lúcia Reis. Introdução. In: BACELLAR, Carlos de Almeida Prado; BRIOSCHI, Lúcia Reis (orgs.) Na estrada do Anhanguera. Uma visão regional da história paulista. São Paulo: Humanitas FFLCH-USP, 1999, p. 16-21. BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico – Dados Distritais de São Paulo em 1980. Rio de Janeiro: IBGE, 1982. 611p. (IX Recenseamento Geral do Brasil, v. 1. t. 3, n. 17). BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico – Dados Gerais – Migração, Instrução, Fecundidade e Mortalidade de São Paulo em 1980. Rio de Janeiro: IBGE, 1982a. 673p. (IX Recenseamento Geral do Brasil, v. 1. t. 4, n. 19). BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico – Mão de Obra de São Paulo em 1980. Rio de Janeiro: IBGE, 1983. 357p. (IX Recenseamento Geral do Brasil, v. 1. t. 5, n. 19). BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico – Famílias e Domicílios de São Paulo em 1980. Rio de Janeiro: IBGE, 1983a. 264p. (IX Recenseamento Geral do Brasil, v. 1. t. 6, n. 19).

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 33-50, 2002 47

Page 48: Serviço Social e Realidade

BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico – Resultados segundo as Microrregiões e os Municípios e dos Distritos de São Paulo em 1970. Rio de Janeiro: IBGE, 1973a. 501p. (VIII Recenseamento Geral do Brasil, v. 1. t. VIII, n. 19, 2. Parte Série Regional). BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico – Resultados do Universo Relativo às Características da população e dos Domicílios de São Paulo em 1991. Rio de Janeiro: IBGE, 1991, n. 21, 764p. BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico – Características Gerais da População e Instrução - Resultados da Amostra de São Paulo em 1991. Rio de Janeiro: IBGE, 1991a, n. 21, 178p. BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico – 2000. População Residente, por Situação do Domicílio e Sexo. Rio de Janeiro: IBGE, 2001. Não paginado BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico –População e Habitação de São Paulo em 1940. Quadro de Distribuição Segundo os Municípios de São Paulo. Rio de Janeiro: IBGE, 1950, 243p., t. 1, Parte 17. Série Regional. BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico –População. Quadros Sinóticos por Município de São Paulo. Quadro de Distribuição Segundo a Situação do Domicílio em 1940. Rio de Janeiro: IBGE, 1950a, 559p. (Recenseamento Geral do Brasil, Parte 17, Tomo 2, Série Regional). BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico – São Paulo em 1950. Rio de Janeiro: IBGE, 1954, 266p. (VI Recenseamento Geral do Brasil, v. XXV, t. 1). BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico do Estado de São Paulo em 1960. Rio de Janeiro: IBGE, 1962, 185p. (VII Recenseamento Geral do Brasil, v. I, t. XIII, Série Regional).

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 33-50, 2002 48

Page 49: Serviço Social e Realidade

BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico do Estado de São Paulo em 1970. Rio de Janeiro: IBGE, 1973, 478p. (VIII Recenseamento Geral do Brasil, v. I, t.18, 3ª Parte, Série Regional). BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico – 2000. Síntese de Indicadores Sociais. Estudos e Pesquisas. Informação demográfica e socioeconômica., n. 5. Rio de Janeiro: IBGE, 2001a. 369p. BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Enciclopédia dos Municípios Brasileiros: Franca. FERREIRA, Jurandyr Pires (org.) Rio de Janeiro: IBGE, 1957, v. 28, p. 322 a 326. BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Sinopse Preliminar do Censo Demográfico do Estado de São Paulo em 1960. Rio de Janeiro: IBGE, 1962. 116p. (VII Recenseamento Geral do Brasil). BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Sinopse Preliminar do Censo Demográfico do Estado de São Paulo em 1980. Rio de Janeiro: IBGE, 1981. 182p. (IX Recenseamento Geral do Brasil v. 1, t. 1. n. 18). BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Sinopse Preliminar do Censo Demográfico do Estado de São Paulo em 1970. Rio de Janeiro: IBGE, 1971. 212p. (VII Recenseamento Geral do Brasil - 1970). BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Sinopse Preliminar do Censo Demográfico do Estado de São Paulo em 1991. Rio de Janeiro: IBGE, 1991. v. 6, t. 1, n. 19, Parte 17, 233p. BRIOSCHI, Lúcia Reis. Fazendas de Criar. In: BACELLAR, Carlos de Almeida Prado; BRIOSCHI, Lúcia Reis (orgs.) Na estrada do Anhanguera. Uma visão regional da história paulista. São Paulo: Humanitas FFLCH-USP, 1999, p. 56-89. CHIACHIRI F., José. Do Sertão do Rio Pardo a Vila Franca do Imperador. 1.ed., Ribeirão Preto: RGE Ribeirão Gráfica e Editora Ltda, 1986, 214p. SÃO PAULO (Estado) Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados - SEADE: 1998. Anuário Estatístico do Estado de São Paulo. São Paulo: SEADE, 1998, 681p.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 33-50, 2002 49

Page 50: Serviço Social e Realidade

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 33-50, 2002 50

Page 51: Serviço Social e Realidade

UM MODELO DE GESTÃO DE DESENVOLVIMENTO COMUNITÁRIO

Elizabeth Regina Negri BARBOSA* Neide Aparecida de Souza LEHFELD**

• RESUMO: Um modelo de gestão de desenvolvimento comunitário: No Brasil, a

questão da habitação popular se ressalta através de processos reivindicatórios, de movimentos populares e de pressões sociais e políticas principalmente de moradores de favelas, cortiços e de grupos organizados de ocupação de loteamentos clandestinos. Ao longo de nossa história, o Estado não tem apresentado políticas sociais que consigam dar respostas satisfatórias a essa questão social, pautando-se no clientelismo, na exclusão e no autoritarismo e dirigindo a política da habitação popular à privatização. A política social da habitação pós-64, desde a criação do BNH – Banco Nacional da Habitação, através da lei n. 4.380, de 21 de agosto de 1964, instituindo concomitantemente o Plano Nacional da Habitação e o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo foi uma tentativa de o Estado autoritário minimizar alguns problemas sociais oriundos das questões de moradia apresentadas pelas massas urbanas. Com isso, buscou-se também uma legitimação do governo militar, que objetivava a manutenção da ordem e da estabilidade social. No decorrer dos anos, vários programas são criados junto ao Sistema Financeiro de Habitação, dentre os quais, em 1985, o Prodec – Programa de Apoio ao Desenvolvimento Comunitário, considerado um dos instrumentos de aplicação dos recursos do Fundo de Garantia por tempo de serviço, nos programas habitacionais. O objetivo do programa é promover a participação das populações dos conjuntos habitacionais desde a discussão de suas necessidades até a consolidação dos projetos gerados por essas mesmas demandas. Assim, as questões de infra-estrutura básica, de equipamentos e de organização passam a ser produzidas para a melhoria da qualidade de vida da comunidade. Participam do programa vários agentes promotores de programas habitacionais com recursos do FGTS e dentre esses podemos citar as Companhias de Habitação tais como a COHAB/RP – Companhia de Habitação de Ribeirão Preto que se responsabilizou pela execução do Prodec em Ribeirão Preto e Região cuja experiência tentamos apresentar nesse trabalho. A base de sustentação do Programa é a participação popular que se apresenta como um dos maiores desafios no desenvolvimento de trabalhos comunitários. É nas áreas de conjuntos habitacionais, de grupos de moradores e de favelas que há o desenvolvimento dessa ação, cujo surgimento se dá através de movimentos sociais

* Assistente Social, doutora em Serviço Social, docente na Universidade de Ribeirão Preto – UNAERP. ** Professora titular e Livre Docente - UNESP – Franca-SP. Diretora de Ensino, Pesquisa e Extensão da UNAERP.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 51-70, 2002 51

Page 52: Serviço Social e Realidade

ou da própria implementação da política social. Do ponto de vista da gestão de política social, pode-se enfatizar que a sua formulação e o incentivo ao trabalho comunitário dá-se em função da necessidade da existência de mecanismos de organização dos movimentos populares resultantes dos anseios de acesso e de consumo, cada vez mais exacerbados em decorrência da industrialização e dos imperativos contemporâneos de crescimento do mercado. A participação popular na definição dos seus destinos é vista como o meio primordial para o crescimento e emancipação social dessas populações.

• PALAVRAS CHAVE: A prática profissional do Assistente Social; Capitalismo; Grupos

Sociais; Pesquisa Social – Serviço Social. A expectativa dos graduandos e graduados em Serviço Social está

sempre voltada para a resposta da indagação: como agir estrategicamente, como atuar em determinadas situações e movimentos comunitários?

Esse sentimento não é privilégio ou está circunscrito somente ao futuro Assistente Social, mas a qualquer processo de formação profissional.

No caso específico do Serviço Social, que envolve no seu cotidiano profissional o planejamento e a definição de uma prática social, há sempre uma tendência a buscar estratégias e/ou políticas de ação que nos conduzam a uma solução mais efetiva da problemática social abrangida.

Nesse sentido, decidimos, neste texto, alinhavar uma série de propostas de ação estabelecidas em conjunto com os Assistentes Sociais da Companhia Habitacional de Ribeirão Preto – SP e técnicos da Caixa Econômica Federal, presidentes das associações de moradores dos conjuntos habitacionais de Ribeirão Preto e região quando da implantação e execução do Programa de Desenvolvimento Comunitário – Prodec nos anos de 2001 e 2002.

Nosso papel profissional, nesse processo, se caracterizou como sendo o de assessores na etapa inicial do trabalho, supervisores durante a realização do mesmo e avaliadores ao seu final.

A riqueza da experiência obtida durante a operacionalização do processo como um todo nos impulsionou à sua divulgação para não só atender à expectativa mencionada acima, ampliando o conhecimento sobre um tipo de atuação profissional bem como demonstrar cada vez mais a legitimação e importância da prática profissional do Assistente Social no contexto organizacional e comunitário.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 51-70, 2002 52

Page 53: Serviço Social e Realidade

Política Habitacional Brasileira

No Brasil, a questão habitacional surge através de processos reivindicatórios, de movimentos populares e de pressões principalmente de moradores de favelas, cortiços e de grupos organizados de ocupação de loteamentos clandestinos.

Ao longo de nossa história, o Estado não tem apresentado respostas satisfatórias a essa questão social, pautando-se no clientelismo, na exclusão, no autoritarismo e dirigindo a política da habitação popular à privatização.

A política social da habitação pós-64, desde a criação do BNH – Banco Nacional da Habitação, através da lei n. 4.380, de 21 de agosto de 1964, instituindo concomitantemente o Plano Nacional da Habitação e o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo foi uma tentativa de o Estado autoritário minimizar alguns problemas sociais oriundos das questões de moradia apresentadas pelas massas urbanas. Com isso, buscou-se também uma legitimação do governo militar, que objetivava a manutenção da ordem e da estabilidade social.

Ao Banco Nacional da Habitação – BNH ficava legada a Política Habitacional Brasileira, administrando-a no lugar das caixas de pecúlio e órgãos previdenciários.

Conforme Silva, “o BNH contou, inicialmente, com capital de um milhão de Cruzeiros, o que equivalia a 900 mil dólares no câmbio da época e uma receita permanente de 1% sobre as folhas de pagamento de todos os empregados sujeitos ao regime da CLT – Consolidação das Leis Trabalhista” (1989, p.53).

Com a criação do FGTS2 - Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e a implantação do SBPE3 - Sistema Brasileiro de Poupança e

2 FGTS – “vem representar um mecanismo de arrecadação compulsória para o BNH ao instruir obrigatoriedade do recolhimento de 8% sobre a folha de pagamento dos empregados, por parte dos empregadores, liberando estes da indenização obrigatória, no caso de dispensa de empregados, o que, na prática representou a extinção da estabilidade no trabalho...” (SILVA, 1989, p. 53). 3 SBPE – “responsável por captação de recursos voluntários, através dos depósitos em cadernetas de poupança e venda de letras imobiliárias” (idem).

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 51-70, 2002 53

Page 54: Serviço Social e Realidade

Empréstimo, em 1996, o BNH passa a ser o segundo maior banco do país.

Os agentes públicos e privados que até então prestavam atendimentos ao mercado habitacional eram:

− As Cohabs – Companhias Habitacionais; os Inocoops – Cooperativas Habitacionais; as Caixas Econômicas; Associações de Poupanças e Empréstimos e Sociedades de Crédito Imobiliário (LEHFELD, 1988).

Cada um desses agentes, atendendo a diferentes camadas da população, seguiam o Estado, que ditava as diretrizes para a aquisição da casa própria.

Com o fechamento do BNH, em 1989, o Banco do Brasil passa temporariamente a gerenciar a política de habitação popular do país. Em seguida, essa função é transferida à Caixa Econômica Federal, que também é uma empresa bancária e como tal possui dificuldades em definir ações mais subsidiadas à população que vive sem moradia.

Na busca de concretizações de seus propósitos, no decorrer dos anos, vários programas são criados junto ao Sistema Financeiro de Habitação, dentre os quais, em 1985, o Prodec – Programa de Apoio ao Desenvolvimento Comunitário.

Através da Resolução n.38/85 esse Programa foi criado “com a finalidade de operacionalizar as diretrizes estabelecidas para a política de desenvolvimento de comunidade do SFH” – (Sistema Financeiro de Habitação) (LEHFELD, 1988, p.35). O Programa de Apoio ao desenvolvimento comunitário - PRODEC

O PRODEC – Programa de Apoio ao Desenvolvimento Comunitário é considerado um dos instrumentos de aplicação dos recursos do Fundo de Garantia por tempo de serviço nos programas habitacionais. O seu agente operador é a CEF (Caixa Econômica Federal), a qual toma para si a responsabilidade de controle social e orçamentário de execução do programa.

O objetivo do programa é promover a participação das populações dos conjuntos habitacionais desde a discussão de suas necessidades até a consolidação dos projetos gerados por essas mesmas discussões.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 51-70, 2002 54

Page 55: Serviço Social e Realidade

Assim, as questões de infra-estrutura básica, de equipamentos e de organização passam a ser produzidas para a melhoria da qualidade de vida da comunidade.

Os beneficiários do Prodec são as comunidades que possuem saldo em conta especial na CEF, “decorrentes de contribuições vinculadas a operações contratadas até a data de 31 de dezembro de 1991, lastreadas em recursos do FGTS”, conforme resolução n. 132 de 22/02/94 – Conselho Curador do FGTS. Essa conta especial na CEF é denominada Prodec/Habitação.

Participam do programa vários agentes promotores de programas habitacionais com recursos do FGTS e, dentre esses, podemos citar as Companhias de Habitação tais como a COHAB/RP – Companhia de Habitação de Ribeirão Preto, que se responsabilizou pela execução do Prodec em Ribeirão Preto e região, cuja experiência tentamos apresentar no presente trabalho.

Pode-se dizer que a política habitacional em Ribeirão Preto tem na criação da COHAB4 o seu referencial e, como base principal, o Plano Nacional de Habitação Popular (Planhab). Esse Plano surgiu com o objetivo de prestar atendimento às populações de baixa renda nas suas necessidades de moradia.

A Cohab de Ribeirão Preto, como as demais Cohabs existentes no país, é uma sociedade de economia mista organizada pela estrutura pública de constituição lavrada a três de fevereiro de 1970 [...], com um capital inicial de Cr$ 600.000 (seiscentos mil cruzeiros), subscrito por 21 Prefeituras Municipais da Região, tendo a Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto como acionista majoritária com 52% das ações e com participação acionária de todos os municípios onde constrói casas (LEHFELD, 1988 p. 54).

Assim, mediante a apresentação de programas sociais pelo agente

promotor, que é a Cohab/RP no caso de Ribeirão Preto e região, a CEF desembolsa os recursos de acordo com os procedimentos inscritos nessa resolução.

A base de sustentação do Programa é a participação popular que se apresenta como um dos maiores desafios no desenvolvimento de

4 Lei Municipal n.2302 de 24 de Novembro de 1969.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 51-70, 2002 55

Page 56: Serviço Social e Realidade

trabalhos comunitários. Historicamente, as camadas populares são os usuários da prática

de programas sociais dessa natureza, que podem ser identificados como um processo técnico-metodológico de ação dirigido às populações.

É, justamente, nas áreas de conjuntos habitacionais, de grupos de moradores e de favelas que há o desenvolvimento dessa ação, cujo surgimento se dá através de movimentos sociais ou da própria implementação da política social.

No primeiro caso, vamos deparar com a mobilização popular em favor da defesa de problemas comuns que suscitam o seu enfrentamento. Assim, as limitações de infra-estrutura coletiva, o pouco espaço físico, a falta de condições para a ampliação da cidadania passam a ser sentimentos comuns, estimulando a geração de movimentos de enfrentamento dessas condições que obstruem a satisfação de suas necessidades.

Do ponto de vista da política social, pode-se enfatizar que a sua formulação e o incentivo ao trabalho comunitário dá-se em função da necessidade da existência de mecanismos de organização dos movimentos populares resultantes dos anseios de acesso e de consumo, cada vez mais exacerbados em decorrência da industrialização e de todos os imperativos contemporâneos de crescimento do mercado.

Conforme Souza, no Brasil,

é, sobretudo a partir da década de 70 e, mais especificamente, a partir das formulações e diretrizes do II PND (Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento), que as áreas de moradia passam a ser tratadas com maior destaque pela política social (1999, p. 15). Dessa forma, o trabalho voltado ao desenvolvimento de

comunidades toma cada vez mais vulto, pois a participação popular na definição dos seus destinos é vista como o meio primordial para o crescimento e emancipação social dessas populações.

Para Demo “é sempre possível dizer que a referência central da qualidade humana é a participação, pois a sociedade mais desejável, pelo menos mais suportável, é aquela em que há maior participação por parte de todos” (DEMO, 2001, p. 19).

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 51-70, 2002 56

Page 57: Serviço Social e Realidade

No caso específico das associações de moradores dos conjuntos habitacionais englobados no âmbito do estudo ora relatado nesse artigo, esses organismos associativistas têm facilitado os diagnósticos sociais da área bem como a execução de ações sociais mais efetivas, contando-se com o processo de participação social aí existente.

Percebe-se que há, nessa vivência coletiva, um crescimento e amadurecimento dos representantes da população do conjunto habitacional na busca de estratégias de soluções das dificuldades de consecução do bem-estar social da população, por meio de implementação de equipamentos tais como: de segurança pública, saúde publica, escolas, lazer etc. O “Case” Prodec - COHAB/Ribeirão Preto

Da nossa experiência com o PRODEC implantado em Ribeirão Preto e região, podemos elencar, desta forma, alguns elementos que se caracterizaram como dificultadores de implementação desse processo de intervenção social nos conjuntos habitacionais:

a) O desconhecimento sobre o Programa: a divulgação sobre o que é o PRODEC pela Caixa Econômica Federal é precária e não atinge nem a população a ser beneficiada nem as autoridades municipais que deveriam ser as parceiras para o bom desenvolvimento do programa;

b) A falta de capacitação dos agentes: a capacitação técnica dos agentes e responsáveis da Caixa Econômica Federal para implementação dessa tipologia de programas é deficitária. Existe um esforço e disposição muito grandes dos próprios funcionários da C.E.F. para atuarem bem, porém, por não possuírem formação profissional nessa área de atuação mais externa aos serviços rotineiros do banco, isto é, de ação comunitária, permanecem mais preocupados com as questões normativas do banco do que propriamente operacionais;

c) A dificuldade de análise do programa: a análise da proposta de trabalho projetada por profissionais externos à Caixa Econômica Federal, já que existe a terceirização desses serviços, é morosa e muitas vezes necessita ser refeita até se alcançar um consenso sobre o que é possível efetivar na prática ou não, atendendo-se às normas burocráticas do banco.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 51-70, 2002 57

Page 58: Serviço Social e Realidade

d) A composição e preparação da equipe de trabalho: a preparação e atualização da equipe técnica composta por assistentes sociais das organizações envolvidas no processo, no sentido de entrosamento com os procedimentos burocráticos, administrativos e financeiros normatizados pela Caixa Econômica Federal para o desenvolvimento do PRODEC, é complexa e também demorada.

e) A manutenção da continuidade do processo: existem “gaps” ao longo do processo de trabalho instituído em razão das férias, por exemplo, dos agentes da Caixa Econômica Federal, da mudança de coordenação do setor, na análise dos relatórios encomendados, etc. Esses espaços dificultam a manutenção de um ritmo e dinamismo, contínuos ao trabalho.

Com relação ao processo de implantação do programa propriamente dito, faz-se necessário aqui relatar como se deu a realização da sua primeira fase, ou seja, a pesquisa caracterizada como um survey nos conjuntos habitacionais de Ribeirão Preto e região.

Sabemos que a pesquisa social constitui um procedimento metodológico fundamental para se iniciar qualquer intervenção social. O levantamento da realidade social é o primeiro passo para que possamos conhecer mais profundamente com quem trabalhamos, onde se estabelecerá a nossa ação, as demandas, os recursos e outros elementos importantes.

Havia, pois, a necessidade de se delinear quais seriam as principais demandas que os mutuários desses conjuntos habitacionais possuíam, além de se conhecer melhor o funcionamento das associações de moradores já formadas e em formação.

A pesquisa também acabou se tornando estratégia de motivação e de envolvimento da própria comunidade pesquisada, pois, para cada morador abordado pelos entrevistadores, inicialmente foi explicado o objetivo do processo investigativo e quais seriam os possíveis desdobramentos operacionais, com programas sociais voltados para o atendimento das demandas diagnosticadas.

A pesquisa de campo foi realizada com o auxílio de docentes e alunos estagiários do curso de Serviço Social da Universidade Estadual Paulista, campus de Franca/SP, em parceria com a Caixa Econômica Federal em 1999, com duração de seis meses. Era composta por

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 51-70, 2002 58

Page 59: Serviço Social e Realidade

questões abrangendo itens relacionados às condições de moradia idealizadas pelo mutuário, levantamento de níveis de dificuldades em razão da inexistência de equipamentos sociais – escolas, postos de saúde, segurança, lazer. O nível de associativismo também foi abordado buscando conhecer quais as ações sociais e movimentos reivindicatórios já realizados pelos moradores.

Outro fator observado foi a situação de trabalho e de emprego do mutuário, a renda familiar e a situação atual de débitos com o pagamento da casa própria.

Foi direcionada pela própria Caixa Econômica Federal a montagem de amostras de entrevistados, por conjunto, da seguinte forma: 20% do total de moradias a serem pesquisadas nos conjuntos menores, isto é, até 250 moradias; nos conjuntos maiores, acima de 250 unidades, a amostra seria de 15% do total. Foram então pesquisados 1.143 moradores assim distribuídos conforme demostrado no quadro I.

Relativo ainda ao processo de levantamento da realidade estudada, podemos afirmar que os conjuntos abrangidos pela pesquisa estão localizados em municípios limítrofes à cidade de Ribeirão Preto, no interior do Estado de São Paulo, e que possuem como principais atividades econômicas, no setor primário, o cultivo da cana-de-açúcar, o café, o milho, etc. com muitos empregos sazonais gerados por essas culturas.

As indústrias são poucas, de pequeno e médio porte, ressaltando-se a existência da agro-indústria na região para a produção de açúcar e álcool.

O setor terciário é bem desenvolvido e diversificado. Contudo, Ribeirão Preto dentre os municípios elencados, constitui um pólo econômico aglutinador por ter o comércio mais desenvolvido, com a presença de quatro shopping centers e outras atividades comercias.

O que se constatou inicialmente, como já abordado, é que não existia nenhum nível de conhecimento dos mutuários e nem mesmo dos dirigentes públicos dos municípios limítrofes por nós abordados sobre o que seria o programa (PRODEC) e mesmo sobre o pagamento efetuado pelo mutuário para o fundo de recursos para desenvolvimento do mesmo, no seu conjunto.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 51-70, 2002 59

Page 60: Serviço Social e Realidade

Os dados obtidos por meio desse levantamento nos conduziram a estabelecer três programações básicas, principalmente relacionando-se com os recursos humanos institucionais e financeiros existentes.

Apesar de o período de realização da pesquisa ser no ano de 1997, pudemos, nas visitas atualmente feitas aos conjuntos de Ribeirão Preto, no ano de 2001 e, por meio de contato com as lideranças dos mesmos, detectar que as prioridades permaneciam as mesmas, acirradas pelas dificuldades hoje encontradas principalmente com a manutenção dos empregos do chefe do casal e também com o aumento das condições de violência nos bairros e falta de segurança na cidade.

O período de finalização dos governos municipais anteriores e o início dos novos governos nos municípios abrangidos, apresentou dificuldades orçamentárias para a manutenção de alguns programas de desenvolvimento comunitário existentes voltados às demandas indicadas, bem como em iniciar a implantação de novos. Fato este comum nos períodos de transição e mudanças da administração pública no nosso país.

Assim, fez-se necessário relacionar as demandas sociais que permaneceram diagnosticadas e priorizadas no projeto inicial:

1 necessidade de informação esclarecendo aos mutuários sobre as possibilidades de ação das Associações de Moradores com vista à melhoria das condições de vida e de moradia nos conjuntos habitacionais;

2 inexistência de Programas de Desenvolvimento Comunitário e de Assistência Social que motivem e orientem os moradores para as atividades associativas educacionais, de promoção e de emancipação social e política;

3 deficiência e/ou falta de serviços de atendimento à segurança e saúde pública, bem como de limpeza pública e urbanização dos conjuntos habitacionais;

4 necessidade de construção de áreas de lazer, de praças públicas, creches e centros comunitários.

Com base nesses dados, continuaram então definidas as três linhas gerais de ação que estão sendo operacionalizadas dentro de cada conjunto, atendendo suas especificidades e expectativas:

I Formação e desenvolvimento de associações de moradores

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 51-70, 2002 60

Page 61: Serviço Social e Realidade

II Formação de mutirões para a construção de praças públicas e áreas de lazer

III Implantação de oficinas de trabalho e desenvolvimento de cursos

Fase de Implantação/Execução do PRODEC – Procedimentos

Após a realização do estudo, iniciamos então a atuação propriamente dita, na Companhia Habitacional de Ribeirão Preto, com o objetivo de implantar o programa de desenvolvimento comunitário nos conjuntos habitacionais relacionados para essa etapa do Prodec.

Alguns procedimentos foram executados: a) Apresentação do Projeto Geral à Diretoria da COHAB Com a mudança de governo municipal no início do ano em que

começamos o trabalho, tivemos um período de recesso da Companhia Habitacional de Ribeirão Preto, quando foi empossada a sua diretoria e também a nova Assessoria de Habitação, a qual ficou com a responsabilidade direta de acompanhamento do desenvolvimento do trabalho do PRODEC.

O projeto foi em primeiro lugar apresentado aos novos diretores da COHAB, tendo-se esclarecido o que havia sido iniciado ao final do ano de 2000 e todas as regulamentações do Prodec. Várias reuniões foram então realizadas na COHAB, no período anterior à assinatura do contrato de trabalho com a Caixa Econômica Federal e a COHAB/ Ribeirão Preto, sendo os três primeiros meses fundamentais para discussão de pontos essenciais para se implementar os projetos de intervenção social.

b) Formação da Equipe Interdisciplinar de trabalho Para a execução do projeto como um todo, houve a necessidade de

compor uma equipe de trabalho com a participação da Assessora de Habitação, as assistentes sociais, os engenheiros da COHAB/RP, as assessoras externas e dois estagiários de arquitetura. Na proposta inicial havia também a indicação da presença de dois estagiários de Serviço Social na equipe, contudo a direção da companhia não facilitou essas contratações, em razão do alto número de estagiários já contratados.

A chefia do setor de Serviço Social ficou responsável pela

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 51-70, 2002 61

Page 62: Serviço Social e Realidade

execução do projeto junto à própria COHAB, tendo, como dissemos, a participação dos assistentes sociais do Setor Social, as quais já possuem experiências na execução do primeiro PRODEC.

Para a seleção dos estagiários, solicitamos às Universidades e Centros Universitários de Ribeirão Preto a indicação de alunos dos cursos de Serviço Social e de Arquitetura, tendo sido avaliado o histórico escolar e realizada uma entrevista com os candidatos pela Assessora de Habitação acompanhada pela Assistente Social chefe do setor. Na entrevista procurou-se avaliar a motivação dos alunos para esse tipo de atuação bem como maturidade emocional, nível de responsabilidade, compromisso, facilidade de trabalho em grupo e, ainda, a disponibilidade para trabalho em tempo integral.

c) Definição de linhas de trabalho com a equipe técnica para a implantação do programa

Em razão principalmente das dificuldades iniciais de implantação de qualquer projeto de ação, tivemos que realizar várias reuniões com a equipe técnica da COHAB/RP procurando redefinir linhas de ação e divisão de trabalho para os componentes da equipe, tais como:

programar com a direção da COHAB uma reunião geral com os prefeitos dos municípios abrangidos pelo projeto e assistentes sociais responsáveis por trabalhos comunitários para ampla divulgação do trabalho; contatar os presidentes das Associações de Moradores dos

conjuntos habitacionais Jardim Manoel Penna, Jardim Juliana, Jardim Palmeiras I e II, Maria C. Lopes, Jardim Alexandre Balbo II e Jardim Jovino Campos da cidade de Ribeirão Preto; visitar os conjuntos habitacionais Palmeiras I, II e Juliana A para

reunião com os candidatos à presidência da Associação de Moradores, a qual congrega ações para os três conjuntos habitacionais. reunir as Secretarias da Cidadania e Desenvolvimento Social

e/ou de Bem-Estar Social dos municípios englobados, no sentido de explanar sobre o PRODEC e estabelecer parcerias para a execução do trabalho. Ressalta-se que foram realizados contatos anteriores à montagem do projeto geral com representantes desses organismos para levantamento de mais

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 51-70, 2002 62

Page 63: Serviço Social e Realidade

dados sobre as demandas dos conjuntos e sobre o funcionamento das associações. Realizar visitas aos conjuntos habitacionais de Ribeirão Preto,

eleitos para o início da atuação do Prodec, estimulando a motivação da Associação de Moradores como por exemplo: Juliana, Palmeiras I e II e Manoel Penna.

Os subprogramas do Prodec – Cohab/Ribeirão Preto/SP: uma breve descrição

Cada país, cada região, cada área específica encontra-se numa situação própria de desenvolvimento. É a partir desta situação que o processo precisa avançar. Compreender a situação própria de desenvolvimento em que se encontra um determinado contexto supõe compreendê-lo historicamente, dialeticamente e estruturalmente (SOUZA, 1999, p. 77)5

Essas concepções trazidas a todo momento de forma consensual

entre os parceiros na realização do trabalho social – COHAB/C.E.F. nos conduziram ainda mais a relacionar as ações a serem operacionalizadas nesse processo com o processo de participação popular.

O primeiro programa, o relacionado às Associações de Moradores, foi a base para a consecução dos demais programas.

Assim, o trabalho a ser efetivado com os mutuários, por exemplo, para a formação de Associações de Moradores e para a otimização das ações das Associações já existentes limitadas e /ou enfraquecidas, teve como norte a perspectiva da participação política social e coletiva, buscando provocar na população em geral dos conjuntos predisposição para consentimento e aquisição de novas atitudes de aceitação para novos valores e para a mudança de hábitos e costumes.

Dessa forma, foram definidas duas possibilidades de atuação neste primeiro subprograma:

a) Assessorar a formação de associações b) Capacitar as lideranças daquelas já registradas, a fim de

dinamizar suas necessidades.

5 SOUZA, Maria Luiza. Desenvolvimento de Comunidade e Participação. 6.ed. São Paulo: Cortez, 1998, p.77.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 51-70, 2002 63

Page 64: Serviço Social e Realidade

O interessante foi constatar que a maioria das associações de moradores em funcionamento, com a diretoria eleita e com algumas ações realizadas, tinham problemas relacionados ao registro cartorial das mesmas e retirada do CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica). Sem tais procedimentos burocráticos, a Associação de Moradores não tem possibilidade de receber nenhum tipo de auxílio de órgãos públicos para dinamizar seus programas de ação.

O segundo subprograma “Formação de mutirões para a construção de praças públicas e áreas de lazer” teve a parceria das secretarias Municipais de Planejamento, da Cidadania e Desenvolvimento Social e da Secretaria de Obras – Departamento de Parques e Jardins.

Todo o trabalho de articulação com as secretarias da Prefeitura Municipal com a COHAB e com os representantes das Associações de Moradores dos conjuntos habitacionais foi realizado para conjugar recursos e disposição política em torno do desenvolvimento do subprograma.

Os mutirões foram organizados com a mediação das Associações de Moradores que nos auxiliaram no processo de motivação e engajamento dos mutuários na construção das praças públicas com a orientação e acompanhamento do setor de engenharia da COHAB/Ribeirão Preto.

Numa segunda etapa, houve um redimensionamento do “Projeto Arquitetônico Modelo de Praça” elaborado pelo Departamento de Parques e Jardins da Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto, observando-se as condições físicas, de espaço e de recursos de cada conjunto habitacional.

O 3° subprograma, denominado “Oficinas de Trabalho – Desenvolvimento de Cursos”, foi elaborado com base na pesquisa realizada para o planejamento do presente trabalho, sendo identificados quatro cursos a serem desenvolvidos prioritariamente em dois turnos, diurno e noturno, em Ribeirão Preto/SP e nos municípios abrangidos pelo programa. Foram eles:

• Computação e serviços de escritório: noções básicas; • Modelagem e pequenos reparos; • Curso para formação de Eletricista; • Artesanato – confecção de cestas de café da manhã e outras;

confecção de velas decorativas etc.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 51-70, 2002 64

Page 65: Serviço Social e Realidade

O cronograma geral para o desenvolvimento dos cursos foi projetado a possibilitar um maior aproveitamento de recursos humanos, institucionais e comunitários, tendo-se ainda a preocupação em estabelecer períodos para a reapresentação desse subprograma, onde encontrar maior procura por parte dos moradores e facilidade em se recrutar monitores. O PRODEC e o Planejamento Participativo em Ribeirão Preto

O processo de planejamento participativo foi introduzido em Ribeirão Preto (SP) no primeiro governo do Partido dos Trabalhadores, no período de 1992 a 1996, com a finalidade de estimular e democratizar a participação popular na gestão pública do município.

Não temos dados em mãos que possam avaliar o grau de participação dos representantes das associações de moradores e de administrações regionais nesse processo no período, pois não se trata de nosso objeto de estudo. Contudo, há necessidade de aqui relacioná-lo em razão da interação que se estabeleceu entre os dois processos: do PRODEC com o planejamento participativo.

O que pretendemos ressaltar com relação ao planejamento participativo no segundo mandato do governo do Partido dos Trabalhadores em Ribeirão Preto é a interligação conseguida com o desenvolvimento do programa de desenvolvimento de comunidade, cuja execução ora descrevemos.

No planejamento participativo, anualmente, os líderes de conselhos de bairros e de associações dos conjuntos habitacionais são chamados para a discussão com as autoridades políticas sobre as demandas prioritárias dessas populações, objetivando adequar o seu atendimento às possibilidades dos planos orçamentários aprovados pela câmara municipal ao município.

A primeira reunião realizada com a presença da maioria dos conjuntos habitacionais na Companhia Habitacional de Ribeirão Preto teve como objetivo dar conhecimento sobre o PRODEC e das possibilidades que cada conjunto teria em termos de implantação de cursos, reformas dos Centros Comunitários e construção de equipamentos. Foi interessante observar a satisfação dos líderes

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 51-70, 2002 65

Page 66: Serviço Social e Realidade

comunitários ao serem informados sobre os recursos financeiros que cada conjunto habitacional possuía na Caixa Econômica Federal e, sem nenhuma interferência nossa, os participantes da reunião demonstraram um entendimento de que haveria necessidade de separar as ações a serem desenvolvidas através do orçamento participativo, daquelas referentes ao PRODEC. O que havia sido solicitado à Prefeitura Municipal não seria então solicitado ao PRODEC. Eram duas fontes que puderam ser usadas em favor da melhoria das condições habitacionais de cada conjunto.

Os agentes das instituições, tanto da própria Caixa Econômica como os da Cohab, tinham dúvidas sobre os problemas que poderiam existir quando cada associação tivesse conhecimento do montante de verba que o conjunto possuía para custear, no caso, programas sociais aprovados pela própria Caixa Econômica Federal.

Nesse sentido, nossa atuação foi a de esclarecer aos agentes da C.E.F. que era direito dessas pessoas conhecer os recursos obtidos das suas próprias mensalidades. No entanto, a preocupação dos técnicos é justificada pelo fato de que existia, obviamente, uma diferença muito marcante dos valores desses recursos entre os conjuntos, sendo que os conjuntos maiores possuem muito mais recursos do que os menores e não se pretendia criar expectativas que não seriam atendidas. Não há também possibilidade, pela legislação de se redistribuir recursos. Há ainda uma normatização contraditória de que as sobras dos programas realizados devem retornar para a própria Caixa Econômica Federal para um fundo específico. Assim, a preocupação maior foi a de que pudéssemos aplicar todo o recurso disponível em benfeitorias e serviços aos mutuários.

Essas são as contradições e também pontos de tensão nesse processo que pretende ser democrático e participativo. Em todos os momentos, os agentes da Caixa Econômica Federal solicitam que a população, a base do conjunto, seja consultada, pesquisada e ouvida. Porém, mesmo com a aprovação de programas sociais que atendam a essas demandas e reivindicações, a Caixa Econômica Federal estabelece com procedimento quanto à realização das ações: a responsabilidade inicial orçamentária total da própria Cohab que, posteriormente, com a apresentação de relatórios e notas fiscais, recebe o repasse de verbas.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 51-70, 2002 66

Page 67: Serviço Social e Realidade

Sabemos que os repasses de verbas, sejam públicos ou tenham se tornado públicos em razão da constituição desse fundo na C.E.F. em nível de Política Habitacional Popular, sempre foram problemáticos devido à burocracia que comumente envolve esses processos no nosso país. O prazo para esse procedimento comumente se alonga e depende de aprovação de relatório e de visitas técnicas. A apresentação de comprovantes fiscais de compra e de prestação de serviço, não bastam para que as verbas sejam repassadas ao grupo empreendedor, mas sim toda uma documentação estabelecida pela própria Caixa Econômica Federal.

De todos os modos, há muitas maneiras de se construir um processo de intervenção social em uma dada realidade.

Contudo, deve-se sempre, ao delinear qualquer prática profissional, ter um conhecimento mais aprofundado das demandas sociais, políticas e de outras níveis dessa mesma realidade.

A pesquisa científica a ser empreendida para a obtenção desse conhecimento necessita de um norteamento claro de objetivos que serão, na realidade, o fundamento de toda a atuação do Assistente Social. Essa fase de diagnóstico é necessária para que se estabeleça quais as possibilidades e estratégias a serem desenvolvidas no intento de se instituir uma programação social ligada a uma política social pública mais abrangente. Considerações Finais

No caso específico da programação por nós abordada, nesse

trabalho, tentamos transmitir quais as condições objetivas de seu desenvolvimento bem como as mediações necessárias entre o espaço de tempo de negociações com os órgãos públicos desencadeadores da ação – a Caixa Econômica Federal e a Companhia Habitacional de Ribeirão Preto e os representantes organizados das comunidades envolvidas.

Mais do que qualquer outro fator, a participação social dos mutuários no programa foi fundamental para que pudéssemos construir articulações entre as propostas idealizadas e projetadas.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 51-70, 2002 67

Page 68: Serviço Social e Realidade

A luta contínua nesses processos de intervenção deve ser para diminuir a distância entre as normatizações dos organismos públicos e a realidade comunitária.

Assim, a idéia de trazer a conhecimento esse trabalho de assessoria junto a um programa social (PRODEC) e aos profissionais interessados em processos sociais participativos de ação foi formada por componentes motivacionais relativos à demonstração mais concreta das propostas e procedimentos metodológicos e operacionais que confluíram para resultados, considerados pelos próprios envolvidos, como revestidos de uma eficiência e eficácia significativas.

As análises sociológicas preliminares realizadas nesse relato procuraram evidenciar como as próprias ordens institucionais podem servir de forma de controle social e, ao mesmo tempo didaticamente, de operacionalização mais criativa e pró-ativa do profissional do Serviço Social. Contudo, é claro que olhando-se por outro lado, pode se constatar que com um pouco de disposição e vontade política em descobrir que nessas mesmas instituições existem espaços de liberdade para se criar formas mais democráticas e participativas de ação social.

O desafio de se implementar um programa social dessa dimensão, isto é, ao abranger conjuntos habitacionais em contexto sociais, econômicos e políticos diferenciados foi compensador quando se avalia que existiu crescimento e emancipação social de algumas associações de moradores e que fomos nós os agentes estimuladores da iniciação desse processo.

Conforme P. Demo, o desafio da emancipação, visto mais de perto, ostenta o drama. Primeiro, supõe consciência crítica da opressão, ao ponto de compreender que a marginalidade é mantida, cultivada, requisitada. Injusta, pois, imposta e alongada. Segundo, partindo daí, trata-se de reagir e virar o jogo, ou seja, entrar na área como sujeito capaz de se impor. (DEMO, 2001, p.224, 223).

A transformação do programa em processo de ação foi se deparando com os obstáculos indicados sem chegar a ser frustrante. Houve, contudo, uma constante busca da participação social de seus envolvidos num caráter mais coletivo, apontando para um sentido político mais amplo, indo além da simples adesão. Podemos dizer que, em alguns processos, conseguimos construir espaços de parceria e de co-gestão do

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 51-70, 2002 68

Page 69: Serviço Social e Realidade

programa com as associações de moradores mais ativas que não se preocupam somente em atender as demandas mais imediatas e sim a perspectiva da emancipação social como norte.

BARBOSA, E. R. N; LEHFELD, N. A. S. A innings model of communal development. Serviço Social & Realidade (Franca), v.11, n.2, p. 51-70, 2002. • ABSTRACT: In Brazil, the popular habitation question is emphasized by the

vindications processes, from the social movements, from the social and political pressures, mainly the dwellers of shantytowns, doss-houses, and from the organized groups to the occupation of clandestine allots. All along of our History, the State haven’t presented social politics with satisfactory answers to this question, going upon the clientelism, the exclusion, the authoritarism, and conducting the popular habitation politics to the deprivement. All along the years, several programs are created with the Financial System of Habitation, among these we can cite the Habitational Companies just as the COHAB/RP – Habitational Company of Ribeirão Preto, whose experience we essay to present in this work. The support of the program is the popular participation that is one of the major challenges in hte development of communitary works. Is in the area of habitational ensembles and dwellers of shantytowns that exists the development of this practice. The popular participation in their destenies definition is seen as the primordial way to the growth and social emancipation of these people.

• KEYWORDS: The professional practice of the Social Worker; Capitalism; Social

groups; Social Research – Social Work. Referências Bibliográficas DEMO, Pedro. Pesquisa e Informação Qualitativa. Campinas: Papirus, 2001. LEHFELD, Neide A. de Souza. Uma abordagem Populacional para um Problema Estrutural: a habitação. Petrópolis: Vozes,1988. SILVA, Maria Ozanira da Silva e. Política Habitacional Brasileira: verso e reverso São Paulo: Cortez1989. SOUZA, Maria Luiza de. Desenvolvimento de Comunidade e Participação. São Paulo: Cortez, 1999. WANDERLEY, Mariângela Belfiore. Metamorfoses do desenvolvimento de comunidade. São Paulo: Cortez, 1998.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 51-70, 2002 69

Page 70: Serviço Social e Realidade

Quadro I – Quantitativo de Entrevistas por Conjunto Habitacional

Conjunto Habitacional Município Unidade Amostra% Jardim Victorio A. Santi Araraquara 500 75 Jardim Tucanos Brodowski 292 44 Jardim Panorama Franca 367 55 Jardim Hassan e Jardim Mourani Guará 140 28 Jardim Nélio dos Santos Guará 201 40 Jardim Evaristo R. Nunes Igarapava 446 67 Waldir D. Mattar Igarapava 520 78 Jardim Eurico L. Henrique Ituverava 99 20 Jardim Alvorada Luis Antônio 249 50 Pref. Orlando Rossati Luis Antônio 119 24 Jardim Dr. G. Rosseti Mococa 297 45 Jardim Dr. Júlio Bucci Orlândia 298 45 Jardim São Benedito Pitangueiras 227 46 Jardim Alexandre Balbo II Ribeirão Preto 698 105 Jardim Jovino Campos Ribeirão Preto 222 45 Jardim Juliana “A” Ribeirão Preto 458 69 Jardim Manoel Penna Ribeirão Preto 600 90 Maria Casa Grande Lopes Ribeirão Preto 622 94 Jardim Palmeiras II Ribeirão Preto 345 52 Jardim Lúcia F. Sverzuti Sertãozinho 475 71

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 51-70, 2002 70

Page 71: Serviço Social e Realidade

A FORMAÇÃO PROFISSIONAL NA PÓS-GRADUAÇÃO E O ESTÁGIO DE DOCÊNCIA

Luciane Pinho de ALMEIDA*

Maria Ângela Rodrigues Alves de ANDRADE**

• RESUMO: Este artigo busca refletir sobre uma experiência de estágio de docência na graduação em Serviço Social da UNESP – Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” – campus Franca.

• PALAVRAS CHAVE: Prática educativa; estágio de docência; formação profissional. Introdução

Este artigo surgiu de uma experiência prática, enquanto estagiária do Curso de Pós-Graduação, no acompanhamento da disciplina de Fundamentos Teórico-Metodológicos do Serviço Social I da Faculdade de História, Direito e Serviço Social – UNESP/ campus Franca. O Estágio de Docência é obrigatório para os alunos bolsistas CAPES no Programa de Estudos Pós Graduados em Serviço Social da UNESP.

Acreditamos que esse exercício no desenvolvimento dos cursos de Pós-Graduação strictu-sensu, devesse se tornar cada vez mais efetiva, pois se os cursos de pós-graduação tem como de seus objetivos formar pesquisadores e principalmente docentes para o ensino superior, a atividade se torna primordial para a preparação do aluno que pretende assumir esta atividade.

Procuramos neste artigo refletir sobre a importância dessa experiência buscando uma melhor sistematização de seu desenvolvimento. O desafio da Universidade

O compromisso da Universidade firma-se cada vez mais na

* Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social - UNESP – Franca-SP. ** Vice-Coordenadora e Docente do Programa de Pós Graduação em Serviço Social. Docente do Departamento de Serviço Social UNESP – Franca-SP.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 71-80, 2002 71

Page 72: Serviço Social e Realidade

produção de conhecimento. A vida acadêmica implica em pesquisa, para gerar novos conhecimentos e promover a cidadania.

Pedro Demo (1993) coloca como um dos desafios da Educação Superior, assumir a pesquisa, como

... diálogo crítico e criativo com a realidade, culminando na elaboração própria e na capacidade de intervenção. Em tese, pesquisa é a atitude do ‘aprender a aprender’, e, como tal faz parte de todo processo educativo e emancipatório. (p.128).

A vida acadêmica deve portanto priorizar a pesquisa, tão

necessária a renovação do conhecimento, mas ela também deve estar vinculada a outros dois pilares importantes na vida universitária, estamos lembrando aqui da prática da docência, o ensino e o retorno à comunidade através da extensão. Nesse sentido, Pedro Demo (1993, p. 129) afirma que “universidade que apenas ensina está na ordem da sucata”.

A LDB – Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, no capítulo XVII, fala no art. 91, que:

A preparação para o exercício do magistério superior far-se-á, preferencialmente, em nível de pós-graduação, em cursos e programas de mestrado, doutorado e pós-doutorado, na forma prevista nos estatutos e regimentos das instituições de ensino. Com relação à carreira acadêmica, não é novidade pensar que sob

o aspecto formal da titulação, o pós-graduando está capacitado para assumir a sala de aula, mas por outro lado, a prática efetiva da pós-graduação têm sido momento de desenvolvimento de disciplinas com freqüência e participação nas aulas junto aos professores habilitados e finalmente a prática da pesquisa no desenvolvimento de uma dissertação ou tese, todavia por mais que possa se esforçar não consegue garantir a participação na vida universitária como um todo, salvo os casos nos quais já se é professor em alguma Instituição.

Por outro lado, o que vemos acontecer com freqüência é: professores ministrando aulas sem dedicação à pesquisa e muito menos ainda, sem assumir uma prática extensionista.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 71-80, 2002 72

Page 73: Serviço Social e Realidade

Vale lembrar que se muitos dos professores não assumem esta postura o que dirá dos pós-graduandos, que vivenciam apenas parte deste processo?

Assim, vamos tentar discutir algumas alternativas para que amplie o espaço de inteiração e integração universitária do pós-graduando.

O estágio de docência – uma experiência educativa e de aprimoramento

Entendido o papel da Universidade em produção e reconstrução do conhecimento, pensamos que o estágio de docência se transforma num campo aberto para a experiência que deve unir, pesquisa, ensino e extensão para que o pós-graduando não inicie suas experiências sem a prática vivencial do cotidiano universitário.

Porém antes de expressarmos nossa argumentação a esse respeito, cabe esclarecer sobre a importância da prática de estágio, como instrumento educativo para a formação profissional.

O Estágio é um espaço de aprendizagem do fazer concreto da profissão, propiciando ao aluno a vivência da realidade com suas nuanças positivas e negativas, construindo a identidade desse futuro profissional.

Para BURIOLLA (1993) estágio é um campo de treinamento um espaço de aprendizagem do fazer concreto do Serviço Social, onde um leque de situações, de atividades de aprendizagem profissional se manifesta para o estagiário, tudo em vista de sua formação profissional. (BURIOLLA, 1999, p. 13). O aluno busca no estágio a sua identidade profissional, que vai se

formando de acordo com a prática vivenciada e também com a colaboração do Supervisor. O Estágio funciona então como laboratório de aprendizagem prático-teórico de qualquer profissional, sendo este supervisionado por autoridade competente ele passa a ser “o espaço onde a identidade profissional do aluno é gerada, construída e referida, volta-se para o desenvolvimento de uma ação vivenciada, reflexiva e crítica e, por isso, de ser planejada, gradativa e sistemática.” (BURIOLLA, 1999, p.13).

O estágio é o espaço que propicia o aprender a fazer, ou o fazer e

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 71-80, 2002 73

Page 74: Serviço Social e Realidade

fazer de qualquer profissão, pois se depara com a prática cotidiana desta e os conhecimentos teóricos e metodológicos vivenciados durante o curso são confrontados com essa prática diária com a qual o aluno se depara. Portanto, acreditamos que o papel do estágio é fundamento na formação profissional do aluno, pois entendemos o estágio como um processo ensino-aprendizagem, onde supervisor e supervisionado vivenciam a prática e refletem sobre sua ação.

Se o estágio tem esse papel fundamental na formação profissional do aluno, pensamos que este não deva ser uma ação por ação, prática pela prática, mas deve implicar em algo planejado e gradativo, pois só assim irá contribuir para a real formação desse aluno. Ele deve ser um processo planejado e por isso o supervisor deve elaborar junto ao estagiário o plano de estágio, discutindo com seu aluno quais seriam as atribuições dele, detalhamento do trabalho, o programa, o projeto e demais atividades. É importante saber dosar atividades como um processo ou como espaço para reflexão/ação. Além disso, o estágio deve propiciar o estabelecimento da relação unidade Teoria X Prática. Pois há que se considerar a possibilidade de distanciamento entre conhecimento X praticidade da aluna.

De acordo com BURIOLLA (1995, p. 13) “o estágio supervisionado é o lócus onde a identidade profissional do aluno é gerada, construída e referida”, no qual o aluno-estagiário treina o seu papel profissional, caracterizando-se numa dimensão do ensino aprendizagem operacional dinâmica e criativa, portanto, deve contribuir para o desenvolvimento das potencialidades do aluno proporcionando-lhe oportunidades de adquirir aptidões, habilidades e competências para o exercício da profissão que este ora se propõe, através da integração dos seus conhecimentos teóricos ao desempenho das atividades da prática profissional, de forma gradativa, planejada e orientada, através da supervisão.

A Supervisão de estágio é uma atividade que existe em diferentes profissões. O supervisor deve ser alguém habilitado a acompanhar o desenvolvimento da prática do aluno, assim sendo sua responsabilidade é muito grande, pois deve ser um comprometimento com a formação da natureza da Identidade Profissional.

No Serviço Social, enquanto formação profissional houve várias formas diferentes de se conceber o processo de supervisão. Assim, no

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 71-80, 2002 74

Page 75: Serviço Social e Realidade

período inicial da profissão, o Supervisor era aquele que tinha o poder de “saber tudo”, e com isso assumia o papel de autoridade.

Entendemos que o papel do supervisor foi sendo modificado, conforme o contexto histórico social e educativo. BURIOLLA (1993) destaca hoje cinco funções fundamentais do supervisor: o papel de autoridade, educador, avaliador, facilitador e o de transmissor de conhecimentos, informações, vivências. Estes papéis devem estar sempre se intercambiando, porém o papel de educador é prioritário, pois cabe aí a orientação, o acompanhamento, a partilha do aluno com o processo ensino-aprendizagem (co-responsabilidade).

Cabe ao educador conscientizar, organizar, participar, sistematizar, pesquisar, comprometer-se, perguntar, expor, incentivar, executar, coordenar, explicar, ilustrar, gerar, proporcionando oportunidades educativas que levem à reflexão dos modos de ação profissional e de sua intencionalidade, tornando o estagiário consciente de sua ação.

A supervisão, portanto, deve ser feita de uma forma democrática, na qual o papel do supervisor é de socialização e educação, com uma autoridade democrática e de diálogo com o estagiário.

O Supervisor deve propiciar a integração do aluno no campo de estágio, procurando identificá-lo na Instituição, proporcionar apreensão de conteúdo, aquisição e exercício de atitude, habilidades e postura profissional, através do manejo de metodologia científica, de instrumentos e técnicas, adequados à demanda de ação profissional.

Cabe ao aluno ser capaz de identificar os espaços profissionais atuais e emergentes, do uso de estratégias de alternativas de ação. Utilizar os procedimentos metodológicos e os princípios norteadores.

O Professor-supervisor deve ser um profissional preocupado com sua prática e seu conhecimento, deve ser um profissional na busca de novas alternativas, procurando sempre o aprofundamento teórico, levando em conta que cada supervisionado é um indivíduo, ou seja, o aluno é uma pessoa com uma somatória constituída de psico-física (individualidade) e coletivo (ambiente, realidade social e histórica).

A Supervisão deve ser um processo pelo qual é construído um Plano com o conteúdo da disciplina que será ministrada durante o estágio de docência, a partir de discussões em reuniões de Supervisão, para que o processo realmente seja de reflexão e crescimento para ambas as

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 71-80, 2002 75

Page 76: Serviço Social e Realidade

partes. O conteúdo das reuniões de supervisão deve ser o da prática diária, com reflexões e a da documentação (relatórios, análises, apontamentos, ações realizadas, sistematização, etc...).

O professor deve, enfim, impulsionar e colaborar para que o estagiário realize sempre uma análise institucional, procurando refletir junto a esse aluno, a configuração total de globalidade em que este está realizando seu estágio, fazendo com que busque sua própria identidade profissional.

A análise teórico-prática do Estágio de Docência na Pós-Graduação

Considerando nossas reflexões anteriores podemos concluir que, todo e qualquer estágio é importante em qualquer processo de formação profissional. Pensando desta forma, não deixaria de ser diferente com a docência. Se o papel da Universidade é preparar bons profissionais, é importante que estes sejam acompanhados por bons professores, habilitados para tal atividade.

A pós-graduação como processo de formação profissional para a docência tem preparado bons pesquisadores, mas nem sempre tem conseguido garantir a formação de professores. A ênfase de nossos cursos de pós-graduação tem sempre destacado e valorizado a formação do pesquisador, como ponto chave e exclusivo de formação acadêmica da vida profissional do pós-graduando. Pensamos que a Universidade tem como principal papel o desenvolvimento de novos conhecimentos, para propiciar melhorias de vida à população. Dessa forma, não deveria só atuar em pesquisa, mas também preparar o aluno para o enfrentamento da vida acadêmica como um todo, pensando que ele poderá e deverá atuar em pesquisa, ensino e extensão, além de uma quarta possibilidade que hoje já se discute que seria a gestão administrativa.

Todos essas partes se encontram interligadas na vida universitária e para tanto o aluno deveria conhecê-las e ter possibilidade de ver na prática suas dificuldades de atuação e as facilidades destas no mundo acadêmico. Pensando assim, a prática de um estágio de docência, acompanhado por um professor doutor que desenvolve as diversas atividades (ensino, pesquisa, extensão ou até mesmo gestão) dentro da Universidade, proporcionaria aos pós-graduandos maiores possibilidades

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 71-80, 2002 76

Page 77: Serviço Social e Realidade

de conhecer a realidade do cotidiano universitário, que nem sempre se constrói com vitórias, mas que se faz também com as derrotas. É na dialética do concreto, do viver a realidade, que o aluno poderá habilitar-se melhor para o enfrentamento de nossa realidade universitária.

Á prática da docência é um desafio que se enfrenta no cotidiano profissional e o estágio de docência tem por objetivo preparar o pós-graduando para essa prática.

É necessário ter a concepção de prática de ensino muito além de conhecimento e compreensão de um conteúdo, ela deve atender a um projeto histórico-social, que impulsionem os sujeitos envolvidos alunos e professores a uma ótica crítico-social no qual os conhecimentos são construídos e reconstruídos historicamente, reavaliando o saber sistematizado.

Se a tarefa do educador é uma tarefa de transformação, é preciso que ele não ignore que a transformação social e individual tem regras. É preciso que as conheça. Se a mudança individual e social acontecer por intermédio de um agente da educação, é porque este consciente ou inconscientemente, seguiu certos passos, certas leis, certos caminhos e evitou outros que o conduziram ao oposto. (GADOTTI, 1992, p.76)

Nesse sentido de buscar a transformação no processo de

construção do conhecimento na Universidade, é que propiciar o desenvolvimento de um estágio de docência que possibilite ao aluno o compartilhamento do cotidiano universitário em todas as suas dimensões pode colaborar substancialmente na formação profissional e identidade docente que o pós-graduando procura para si mesmo.

O processo de desenvolvimento de estágio de docência deve implicar, portanto, no planejamento, desenvolvimento e avaliação do ensino, pesquisa e extensão desenvolvidos pelo estagiário e supervisor, comprometidos na formação crítica e científica do pós-graduando, implicando “num projeto político que estabeleça finalidades, que expressem intencionalidades, mas requer a capacidade de captar a dinâmica da sala de aula em toda sua complexidade. (ANDRADE, 1996, p.59).

Por essa perspectiva, a prática educativa deve integrar o “saber, saber fazer e saber ser” (LIBÂNEO, 1994, p.44-5). Devemos ressaltar

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 71-80, 2002 77

Page 78: Serviço Social e Realidade

aqui, a importância da sala de aula, do professor e da prática de ensino, pesquisa e extensão para o aluno pós-graduando que se insere no estágio de docência.

A sala de aula deve ser para o estagiário um espaço de criação, inovação e construção/reconstrução de conhecimentos. Deve ser principalmente um espaço de interação no qual alunos X estagiário X professor estabeleçam uma relação saudável de troca de conhecimentos e reflexões. Lugar no qual se confrontam idéias. Assim, o estagiário poderá contribuir para essa relação, pois é considerado perante os alunos como um igual, porém num patamar de conhecimento além dos graduandos, ele portanto, pode ser um intermediador entre as relações aluno-professor, mas deve antes disso ser um sujeito como os demais o qual participa do processo educativo.

Segundo ANDRADE (1996, p.64) o professor deve-se tornar “o coordenador da produção de conhecimento, passando a ser o grande articulador de projetos pedagógicos que objetivam a criação e a reconstrução dos conhecimentos”.

Por fim, a prática da docência também envolve uma orientação metodológica que segundo ANDRADE (1996, p.65-66) abrange um projeto político, a necessidade do domínio dos conhecimentos e a possibilidade de produção de novos conhecimentos, a relação educador / educando e a mediação de suas relações interpessoais, a questão metodológica, que ocupa um lugar central no projeto de construção de uma prática transformadora, o planejamento das atividades e que implica necessariamente num resultado que se quer alcançar com a ação e norteador das tomadas de decisão e a avaliação de resultados.

Muitos alunos dos Programas de Pós-Graduação hoje, não têm experiência de docência, principalmente em sala de aula, acumulando somente a titulação e conhecimento de pesquisa. Depois de concluído o seu curso e posteriormente no exercício da docência podem surgir dificuldades no desenvolvimento de seu trabalho profissional, de forma que seria interessante o desenvolvimento de experiências durante o seu processo de amadurecimento na pós-graduação, tendo em vista que este aluno seria acompanhado por um professor habilitado, proporcionando um processo reflexivo durante sua atuação e acompanhamento da prática da docência e na construção de sua identidade profissional.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 71-80, 2002 78

Page 79: Serviço Social e Realidade

Cremos que abrir esses espaços para que o aluno de strictu-sensu possa acompanhar o dia-a-dia da Universidade seja de extrema importância, e a nosso ver o estágio é essa porta aberta para melhor compreensão do aluno e crescimento do professor-supervisor. Temos certeza de que o papel educativo dessa prática levará ao crescimento de nossos pós-graduandos e de nossos professores. ALMEIDA, L. P. de; ANDRADE, M. Â. R. A. de. The professional formation in postgraduation and the teaching internship. Serviço Social & Realidade (Franca), v.11, n.2, p. 71-80, 2002.

• ABSTRATC: This article intends to do a reflection about a teaching trainnig

experience in the Social Work Graduation of UNESP - campus Franca. • KEYWORDS: Education Pratice; Theaching Trainning, Professional Formation.

Referências Bibliográficas ANDRADE, Maria Ângela Rodrigues Alves. A prática do Ensino no curso de Serviço Social: reflexões necessárias. In: Serviço Social & Realidade. v.8, n.1. UNESP/ Faculdade de História, Direito e Serviço Social: Franca/SP, 1999. ______. A prática de ensino no curso de Serviço Social. São Paulo: PUC, 1996. Tese (Doutorado em Serviço Social). PUC/SP. BRZEZINSKI, Iria (org.). LDB Interpretada: diversos olhares se entrecruzam. 5.ed. São Paulo: Cortez, 2001. BURIOLA, Marta A. Feiten. O estágio supersivionado. São Paulo: Cortez, 1995. ______. Supervisão em Serviço Social. O supervisor, sua relação e seu papel. São Paulo: Cortez, 1994. CARDOSO, Luiza. Supervisão: a integração instituições x universidade. Serviço Social & Realidade. v.6, n.1. UNESP/ Faculdade de História, Direito e Serviço Social: Franca/ São Paulo, 1997-1998. DEMO, Pedro. Desafios Modernos da Educação. 2.ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1993.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 71-80, 2002 79

Page 80: Serviço Social e Realidade

FREIRE, Paulo. Educação como prática da Liberdade. 16.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993. ______. Educação e Mudança. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. (Educação e Comunicação, v.I). GADOTTI, Moacir. Pensamento Pedagógico Brasileiro. 5.ed. São Paulo, Ática, 1994. LEHFELD, Neide Aparecida de; NEVES, Noemia Pereira. A UNESP e o processo de formação de pesquisadores, mestres e doutores em Serviço Social. In: Revista Serviço Social & Realidade. n.4. (1). Franca: UNESP, p. 81-89, 1995. NÚCLEO DE ENSINO E QUESTÕES METODOLÓGICAS PUC/SP. Uma trajetória da docência em Serviço Social – período 1936/1976. (Relatório de Pesquisa). Programa de estudos Pós-Graduandos em Serviço Social. São Paulo: PUC. (Documento Registro Histórico). SANTOS, Juliana dos. Estágio curricular no processo de formação profissional do Assistente Social. Serviço Social: ensino e prática. UNESP/ Faculdade de História, Direito e Serviço Social: Franca/SP, 1998. (Série Serviço Social, 2). SILVA, Ezequiel Theodoro. Magistério e Mediocridade. 2.ed. São Paulo: Cortez, 1993. (Questões da Nossa Época, 3). VIEIRA, Balbina Ottoni. Supervisão em Serviço Social. 3.ed. Rio de Janeiro: Agir, 1989.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 71-80, 2002 80

Page 81: Serviço Social e Realidade

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL

Cláudia Renata FÁVARO* • RESUMO: O foco central de análise no presente estudo, é a política pública de saúde

no Brasil período que vai da instalação da ditadura militar em 1964 até a conclusão dos trabalhos da Constituinte de 1988, analisando algumas questões sobre a política de saúde hoje.

• PALAVRAS CHAVE: Política de Saúde; Reforma Sanitária.

Introdução

Nas últimas duas décadas tem sido mais extenso o debate sobre a

gestão das políticas sociais. Isso vem ocorrendo pelo fato de que a questão social assume novas configurações na sociedade capitalista atual.

Este texto demarca algumas considerações sobre a política de saúde no Brasil, no período da crise da ditadura militar e a transição democrática. Contexto que possibilita o surgimento do movimento da Reforma Sanitária, que começa a questionar a política de saúde vigente. A proposta de reformulação da política de saúde resulta em 1988 em efetivas conquistas na Constituição, sendo grande parte de suas reivindicações atendidas.

É relevante compreender que, a Constituição de 1988 trouxe significativas mudanças no âmbito da saúde, pode se dizer que foi um avanço importante na historia da Seguridade Social no Brasil.

Outro fator imprescindível de compreensão é a nova ordem mundial que vem prevalecendo, se estruturando num processo de aprofundamento da desigualdade social em nível mundial, com a ampliação da competição e com a redução ou eliminação de regulamentações e de mudanças no papel do Estado. Assim o que vem prevalecendo é o capital financeiro internacional, trazendo uma série de transformações nas economias nacionais e nas políticas sociais.

*Assistente Social, mestranda em Serviço Social e Política Social da Universidade Estadual de Londrina-PR; bolsista CAPES.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 81-92, 2002 81

Page 82: Serviço Social e Realidade

Política Social

É somente com o advento do capitalismo monopolista que a “questão social” torna-se objeto de respostas institucionais, por meio de políticas sociais como um mecanismo básico para a reprodução social da força de trabalho e de legitimidade das elites, alem da reprodução do capital como pressuposto constitutivo da formação capitalista (SERRA, 2000, p. 90). A política Social é concebida como uma forma de intervenção e

regulação do Estado devido ao desenvolvimento do capitalismo monopolista, é determinada por um conjunto de necessidades sociais que tem sua origem historicamente nas condições de desenvolvimento da relação capital e trabalho. O estado através das políticas sociais contribui para o barateamento da força de trabalho por meio da socialização dos custos da sua reprodução. Essas políticas são financiadas com recursos públicos, arrecadados de impostos pagos pela população.

Considerando analises históricas sobre a institucionalização das políticas sociais no Brasil, bem como sua gênese pode-se ressaltar que estas tem se constituído um instrumento de legitimação dos governos, que para se manter acabam aceitando as reivindicações e pressões da sociedade organizada, enfatizando que esse processo ocorre de forma distinta em cada conjuntura histórica.

Segundo Vieira (1997), a política social percorre dois momentos distintos. O primeiro corresponde, ao período da ditadura de Getúlio Vargas e ao populismo nacionalista e o segundo vai da época da instalação da ditadura militar em 1964 até a conclusão dos trabalhos da Constituinte de 1988. E ainda o mesmo autor ressalta que a política social encontra-se no terceiro período denominado por este de “política social sem direitos Sociais”.

Esse contexto é importante para situar e compreender a política de saúde no Brasil, especificamente como sinaliza Vieira, no denominado segundo momento de controle da política. Circunstância que emerge o movimento da reforma Sanitária, sendo muitas das suas reivindicações consolidadas na Constituição de 1988. Esse período se caracterizou pelas conquistas construídas e as dificuldades de efetivação da política de saúde no Brasil.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 81-92, 2002 82

Page 83: Serviço Social e Realidade

Conjuntura Brasileira (1964 a 1988) e a Reforma Sanitária No período pós-64, o Estado buscando aumentar seu poder de

regulação sobre a sociedade para amenizar as tensões e efetivar a legitimidade do regime e ainda servir de mecanismo para acumulação do capital. No que diz respeito a questão social6. Sua intervenção se dá pelo binômio repressão-assistência, onde a assistência social é ampliada, burocratizada e modernizada pelo Estado.

Nesse momento era forte a concepção de que a sociedade civil era incompetente, imatura sendo necessário o controle do Estado sobre a sociedade.

No pós-64: ...organizou-se um modelo de serviços de saúde que tinha na assistência médica seu núcleo predominante, e que se baseava no produtor privado, com fins lucrativos, nas suas varias formas; e na busca incessante do acesso dos vários grupos sociais aos serviços de saúde, em um movimento que é conhecido como extensão de cobertura pela Assistência-Médica (CAMPOS, 1986, p. 78). Quanto ao modelo produtor privado em 1964 em 1974, inicia-se

uma crise, pois os gastos começaram a ultrapassar o fôlego financeiro do sistema ameaçando a legitimidade do modelo privado tanto no plano financeiro como no simbólico.

No período da ditadura militar, o governo priorizou os interesses de grandes empresários em detrimento dos interesses públicos, sendo que a não foi dado o direito de participar da organização dos serviços à população. Nessa conjuntura o Sistema de saúde oferecido era centrado na consulta médica (medicocêntrico) e nas internações hospitalares (hospitalocêntrico).

Dez anos pós-64, o bloco do poder não conseguindo consolidar sua hegemonia teve que gradativamente alterar sua relação com a sociedade civil.

6 Questão Social - é o conjunto de problemas políticos, Sociais e econômicos que o surgimento da classe operaria provocou na constituição da sociedade capitalista. Logo, a questão social esta fundamentalmente vinculada ao conflito capital e trabalho. Serra apud Cerqueira filho, 2000, p.90.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 81-92, 2002 83

Page 84: Serviço Social e Realidade

A política social de 1974 á 1979 no trato da questão social, buscou maior efetividade a fim de canalizar as reivindicações e pressões populares, devido à distensão política.7

Para Bravo (2000), a insuficiência no âmbito da saúde, se evidenciava pela falta de planificação, falta de capacidade gerencial e pouca participação da iniciativa privada.

Os problemas relacionados à saúde e sua resolução eram de responsabilidade da tecnocracia, mediante privatização dos serviços. O Ministério da Saúde era responsável pelas doenças da população, enquanto que o setor previdenciário ficou responsável pelo atendimento médico individual.

Outro fator a ser considerado, é que tanto na saúde pública como na previdência social a medicalização8 da vida social foi imposta.

Nesse período não tinha quase relevância as medidas de atenção coletiva a saúde da população, sendo que a dicotomia entre saúde pública e saúde curativa, continuou de forma relevante.

Na década de 70, início da década de 80, momento de mobilização de luta organizada pela redemocratização e de crise da ditadura militar, as políticas de saúde em vigor começam a ser questionadas. No entanto a proposta de reformulação do sistema de saúde levou a Reforma Sanitária.

A Reforma Sanitária foi resultado de lutas e mobilização dos trabalhadores de saúde articulados ao movimento popular visando a reversão do sistema perverso de saúde.

É um movimento significativo para a política de saúde no Brasil, grande parte de suas reivindicações foram consolidadas na Constituição de 1988, constituindo uma nova forma de tratar a questão. É a partir

7 Distensão política. É a estratégia de sobrevivência do autoritarismo burocrático. O regime precisou fazer concessões e negociar as vias de transição para outras formas de dominação. O inicio do processo de distensão política brasileira pode ser remontado á sucessão Presidencial de 1973, quando o general Geisel foi aclamado pelo colégio eleitoral. Tal processo, o presidente proclamou de distensão lenta, gradual e segura. CUNHA, Rosani Evangelista da. O financiamento de políticas sociais no Brasil. Brasília: CEAD, 2000, p.108. 8 Medicalização. Ênfase na pratica clinica, através de ações centradas na assistência medica curativa, individual, com desvalorização das ações coletivas e preventivas preconizadas pela saúde pública. Ibid., p.107.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 81-92, 2002 84

Page 85: Serviço Social e Realidade

dessa constituição que a saúde passa a ser direito de todos e dever do estado (caráter de universalidade).

A partir de 1975, a sociedade passou a vivenciar uma mobilização crescente e organizada de luta pela redemocratização.

Em meados da década de 80, período que ocorreu a crise da ditadura militar, se inicia o processo de redemocratização do Estado brasileiro trazendo mudanças na relação entre o Estado e a Sociedade.

... embora os anos 80 sejam um período de aprofundamento das desigualdades sociais são, simultânea e contraditoriamente, palco de avanços democráticos sem precedentes na historia política brasileira (DEGENNSZAJH, 2000, p.63). Esta década é marcada também pelo agravamento da questão social

devido ao aumento da pobreza e da miséria. Os médicos foram a primeira categoria profissional a desafiar o governo, convocando uma greve geral por melhores salários e um sistema de saúde mais democrático.

Nesse contexto, quanto ao debates sobre saúde, no trato das condições de vida da população e as propostas apresentadas para o governo, novos sujeitos entraram em cena sendo eles: profissionais de saúde representados pelas suas entidades, o movimento sanitário, os partidos políticos.

O texto constitucional, mediante acordos políticos e pressão popular, vem atender grande parte das reivindicações, mas não todas as propostas do movimento sanitário, tendo uma inflexão nos interesses empresariais do setor hospitalar e não altera a situação da indústria farmacêutica.

O período que vai da década de 80 a década de 90, momento em que nos países desenvolvidos começam a surgir os primeiros sinais de critica ao WELFARE STATE. No entanto no Brasil existe uma busca de legitimidade por parte do governo, a principio sob o anuncio do regime militar, e em seguida sob uma direção democrático-popular com a expansão e ampliação dos sistemas de proteção social.

Constituição Federal de 1988

Na década de 80, em função da pressão organizada dos

trabalhadores, são realizadas mudanças no âmbito da proteção social, que foram consolidadas na Constituição de 1988.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 81-92, 2002 85

Page 86: Serviço Social e Realidade

A constituição se colocou como liberal-democrática-universalista. Foi articulado um bloco chamado Centrão pela ala conservado do congresso, contra ás pressões por direitos sociais visando à defesa dos interesses dominantes. Houve muita disputa e negociação na discussão de cada artigo da carta constitucional (entre os blocos de forças).

Nessa constituição inaugura-se um novo sistema de proteção social pautado no conceito de Seguridade Social que universaliza os direitos sociais concebendo a Saúde, Previdência e Assistência como questão pública, de responsabilidade do Estado.

No caso da saúde no art. 196 da Constituição de 1988:

A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem á redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário ás ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. A constituição de 1988, veio estabelecer a cobertura universal na

Saúde, que passa a ser direito de todos e dever do Estado, ganha o sentido de universalidade e uma política não contributiva.

Quanto à política de Saúde era necessário garantir no texto constitucional, as propostas e os conteúdos aprovados no debate realizado na VIII Conferência Nacional de Saúde.

Na Assembléia Constituinte, aqueles que tinham interesse na saúde se formaram em dois blocos, sendo: os grupos empresariais, sob a liderança da Federação Brasileira de Hospitais (setor privado), e da associação das industrias farmacêuticas (multinacionais), e o movimento da Reforma Sanitária, representado pela Plenária Nacional pela Saúde na Constituinte.

A eficácia da plenária em atingir os objetivos se deu devido a três instrumentos de luta utilizados pela plenária sendo:

a capacidade técnica de formular com antecipação um projeto de texto constitucional claro e consistente; a pressão constante sobre os constituintes; a mobilização da sociedade em torno do processo constitucional (BRAVO apud TEIXEIRA, 2001, p.81).

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 81-92, 2002 86

Page 87: Serviço Social e Realidade

Nas Constituições brasileiras, a saúde é tratada de forma superficial e arbitraria, considerando que nos textos não são definidos competências e fontes de financiamento, sendo assegurado o serviço de saúde apenas aos segurados da previdência social (ibid., p.80).

Segundo Stein (2000) na Constituição de 1988 a descentralização deve ser norteada basicamente pelos princípios da democratização e da participação contribuindo para que se tenha mais justiça e equidade, universalização dos serviços públicos, democratização das informações, viabilização da participação dos cidadãos nas decisões e ações governamentais e fortalecimento do controle social.

A descentralização almejada na Constituição de 1988 se difere da descentralização apregoada pelos governos nacionais de cunho neoliberal.

A famosa ‘descentralização’, presente no discurso governamental ‘colorido’, resultou na prática, numa ‘recentralização’ caracterizada pelo reforço do poder de comando sobre os recursos sociais e sua alocação no âmbito federal, criando mecanismos de controle centralizadores e ampliando a utilização de convênios para estabelecer um canal direto com as prefeituras, sem a mediação dos governos estaduais. Todo esse processo representou uma total inversão da lógica de descentralização presente na Constituição, que se propunha dar maior clareza às funções e relações dos vários níveis de governo na área social, com aumento de autonomia e poder dos Estados e Municípios sobre as políticas sociais (SOARES, 2001, p. 216). Neste sentido, muitas atividades que antes eram de

responsabilidade entre o poder estadual e federal, vem sendo incorporadas aos serviços públicos municipais.

É importante ressaltar que a partir da Constituição de 1988, pensar a Seguridade Social, aqui especificamente a saúde, é necessário conhecer a constituição e as leis que as regulamentam sendo: Lei Orgânica da Assistência Social-LOAS, Lei Orgânica da Saúde-LOS, Lei Orgânica da Previdência Social-LOPS. Estas constituem ferramentas essenciais para trabalhar com as políticas públicas.

Descentralização das Políticas de Saúde

O movimento da Reforma Sanitária tem como uma de suas

estratégias o Sistema Único de Saúde (SUS). O SUS apesar de garantido

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 81-92, 2002 87

Page 88: Serviço Social e Realidade

constitucionalmente não é uma realidade em todos municípios brasileiros, mas em alguns municípios onde seus governantes encontram-se comprometidos com a “política pública de fato e de qualidade”.

A partir da Constituição de 1988 foi criado o Sistema Único de Saúde (SUS). No art. 198 da Constituição Federal:

As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:

I- descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II- atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem

prejuízo dos serviços assistências; III- participação da comunidade. Nesta ótica, as ações e serviços devem ser providos por um

sistema de Saúde organizado segundo as diretrizes acima. O SUS é a integração de ações, atividades e serviços de saúde;

uma rede hierarquizada, regionalizada, descentralizada de atendimento integral, com a participação da comunidade; prestados por órgão e instituições públicas, federais estaduais e municipais, e as entidades do setor privado, são de forma complementar.

A nosso ver, aquilo que vem sendo chamado de SUS, do início do governo Collor para cá, não apenas se distancia da concepção inscrita na Constituição no âmbito da Seguridade Social, como significa, em termos concretos, enorme retrocesso quando comparado ao processo de implantação do SUDS (Sistema Unificado e Descentralizado de saúde) no período de 1986/88 (SOARES, 2001, p.248). Simultaneamente a promulgação da Lei Orgânica da Saúde,

através de medidas, portarias e práticas administrativas vem ocorrendo uma distorção quanto à proposta original do SUS.

Hoje o maior problema do SUS é a falta de verba, pois com o princípio da universalidade do SUS, aumentou o número de pessoas a serem atendidas, precisando aumentar o investimento no sistema público de Saúde. Mas nos últimos anos o governo federal devido às políticas de ajuste neoliberal o que se tem é uma redução nos recursos destinados a saúde.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 81-92, 2002 88

Page 89: Serviço Social e Realidade

A afirmação da hegemonia neoliberal no Brasil tem sido responsável pela redução dos direitos sociais e trabalhistas, desemprego estrutural, precarização do trabalho, desmonte da previdência pública, sucateamento da saúde e da educação (CUNHA, 2000, p. 112). Nesta ótica, a política de saúde consolidada na Constituição torna-

se inconstitucional. A tendência atual é vincular a saúde ao mercado, ou seja, a mercantilização dos serviços de saúde, e a busca de parcerias com a sociedade civil, buscando reduzir custos e substituir as ações profissionais por agentes profissionais e cuidadores.

Apesar da universalidade dos direitos ser um dos fundamentos centrais do SUS, a atual política de saúde centrada no mercado e na refilantropização o que prevalece hoje em dia são as visões individualistas e fragmentadas do atendimento na saúde em detrimento de concepções coletivas e universais.

Não podemos deixar de assinalar na política Nacional de Saúde, o papel fundamental dos trabalhos realizados pelas Conferencias Nacional, através de Fóruns para discutir as questões concretas e atuais das políticas de saúde no Brasil.

Para concluir é importante destacar que as Conferências Nacional de Saúde no decorrer da sua existência através de seus fóruns de debate contribuem de forma significativa para o desenvolvimento da política de saúde no Brasil. Tem-se constituído em um espaço, um instrumento Nacional para tratar os problemas relevantes da política de saúde, que vem afligindo a sociedade brasileira.

Conclusão

As políticas sociais sofrem alterações no decorrer da história. Sua

origem, sua gênese, e sua permanência esta relacionada com o modo de produção capitalista, ou seja, a forma como as forças produtivas vão se desenvolvendo vai se delineando as políticas sociais no Brasil.

As políticas sociais como vimos emergem como uma forma de enfrentamento da questão social por parte do estado para amenizar os conflitos sociais, e contribuir para o barateamento da força de trabalho mediante a socialização dos custos da sua reprodução.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 81-92, 2002 89

Page 90: Serviço Social e Realidade

No período ditadura militar, o governo priorizou o interesse dos grandes empresários em detrimento dos interesses públicos. Até a constituição de 1988 as ações eram centradas na assistência médica curativa e individual, sendo desvalorizada as ações coletivas e preventivas recomendadas pela saúde pública.

Na década de 70, início da década de 80, período de mobilização de luta organizada pela redemocratização e de crise da ditadura militar, foi o momento em que as políticas de saúde começam a ser questionadas e a proposta de reformulação do sistema levou a Reforma Sanitária.

A reforma Sanitária, teve sua origem nas lutas e mobilizações dos trabalhadores de saúde articulados ao movimento popular visando a reversão do sistema perverso de saúde. Esse movimento significativo para a política de saúde no Brasil, pois a maioria de suas reivindicações foram consolidadas na Constituição de 1988, constituindo uma nova forma de tratar a questão. É a partir da constituição que a saúde passa a ser direito de todos e dever do estado (caráter de universalidade).

Apesar de serem direitos conquistados pela sociedade e garantidos por lei, na década de 90, esses direitos garantidos ainda encontravam-se engatinhando, começam a sofrer ameaças em função do projeto neoliberal.

O projeto social atual da sociedade, baseado no projeto neoliberal coloca em xeque não só as questões relacionadas à saúde, mas a proteção social, pois busca desresponsabilizar o Estado em relação as políticas sociais, consolidadas na Constituição de 1988.

Para enfrentar os desafios impostos atualmente à política pública de saúde, é imprescindível a construção coletiva: profissionais de varias áreas, usuários, movimentos sociais entre outros, buscando a construção de um poder público com a efetiva participação da população, sem desconsiderar o papel Estado como gestor responsável das políticas públicas. FÁVARO, C. R. Some questions concerning the health polics in Brazil. Serviço Social & Realidade (Franca), v.11, n.2, p. 81-92, 2002. • ABSTRACT: The central focus of analyzes in the present study, is the public politics of

health in Brazil period that goes from the installation of the military dictatorship in 1964 until the work’s conclusion of the Constituent of 1988, analyzin some questions of the

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 81-92, 2002 90

Page 91: Serviço Social e Realidade

health politics today.

• KEYWORDS: Politics of Health; The Sanitary Reformation. Referências Bibliográficas BRASIL, Constituição (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil. Brasília, 1988. BRAVO, Maria Inês Souza. As políticas brasileiras de seguridade social-sáude. Capacitação e Serviço Social e Política Social. mod. 3. Brasília: CEAD, 2000, p. 103-115. ______. Serviço Social e reforma sanitária: lutas sociais e práticas profissionais. São Paulo: Cortez; Rio de Janeiro: UERJ, 2001. ______. Política social e democracia. São Paulo: Cortez; Rio de Janeiro: UERJ, 2001. BEHRING, Elaine Rossetti. Principais abordagens teóricas da política social e da cidadania. Capacitação em Serviço Social e Política Social. mod. 03, Brasília: CEAD, 2000, p. 19-40. CUNHA, Rosane Evangelista. Organização e gestão das políticas sociais no Brasil: desafios da gestão democrática das políticas sociais. Capacitação em Serviço Social e Política Social. mod. 3. Brasília: CEAD, 2000, p.87-102. CAMPOS, Wagner de Souza; MERHY, Emerson Elias; NUNES, Everardo Duarte. Planejamento sem normas, São Paulo: Hucitec, 1989. DEGENNSZJH, Raquel Rarchielis. Organização e gestão das políticas sociais no Brasil: o financiamento de políticas sociais no Brasil. Capacitação em Serviço Social e Política Social. mod. 3. Brasília: CEAD, 2000, p. 57-85. FILHO, David. Capistrano. Da saúde e da cidade. São Paulo: Hucitec, 1995. FALEIROS, Vicente de Paula. Natureza e desenvolvimento das políticas sociais no Brasil. Capacitação em Serviço Social e Política Social. mod. 3. Brasília: CEAD, 2000, p. 41-56.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 81-92, 2002 91

Page 92: Serviço Social e Realidade

SOARES, Laura Tavares Ribeiro. Ajuste neoliberal e desajuste social na América latina. Petrópolis: Vozes, 2001. SERRA, Rose M. S. Crise de materialidade no Serviço Social: repercussões no mercado profissional. São Paulo: Cortez, 2000. VIEIRA, Evaldo Amaro. As políticas sociais e os direitos sociais no Brasil: avanços e retrocessos. Revista Serviço Social e Sociedade. São Paulo, v.53, XVIII, 74-79.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 81-92, 2002 92

Page 93: Serviço Social e Realidade

ÉTICA PARA A VIDA: CLAMOR GERAL

Nei Oliveira de MENDONÇA* Ubaldo SILVEIRA**

• RESUMO: Este artigo tem por objetivo chamar a atenção de todos os leitores para

uma questão, a nosso ver, fundamental para a preservação da vida do planeta. A palavra ÉTICA é pequena, mas encerra um sentido que transcende totalmente essa visão ocidental capitalista neoliberal, com pessoas muito urbanizadas, “carentes de raiz, de terra, de mato”. Pessoas pobres, sem identidade, com seus destinos definidos por um sistema, “dito democrático”, extremamente excludente. O texto foi inspirado exatamente durante aula sobre ÉTICA, ministrada pelo professor da disciplina. Enfatizamos que o futuro passa pela educação, mas libertadora, conforme diz Paulo Freire: “Para alcançar a meta da humanização, que não se consegue sem o desaparecimento da opressão desumanizante, é imprescindível a superação das “situações limites” em que os homens se acham quase coisificados”.(FREIRE, 1984, p. 111).

• PALAVRAS CHAVE: Sujeito; ética; dignidade; identidade; vida.

Concebido unicamente de modo técnico-econômico, o desenvolvimento chega a um ponto insustentável, inclusive o chamado desenvolvimento sustentável. Ë necessária uma noção mais rica e mais complexa do desenvolvimento, que seja não somente material, mas também intelectual, afetiva, moral... O século XX não saiu da idade de ferro planetária, mergulhou nela. (MORIN, 2001, p. 69-70)

Introdução

Assistimos com muito interesse uma aula sobre o tema “Questões fundamentais no Estudo da Ética contemporânea”, ministrada pelo Prof. Dr. Ubaldo Silveira na UNESP – FRANCA, e onde ficou bastante nítido o significado das suas palavras. Dentre tudo que foi comentado, pinçamos um fragmento do texto de apoio do professor:

* Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social UNESP – Franca-SP. ** Docente do Departamento de Serviço Social e do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social UNESP – Franca-SP.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 93-104, 2002 93

Page 94: Serviço Social e Realidade

A moral colonialista começa por apresentar como virtudes do colonizado o que condiz com os interesses do país opressor: a resignação o fatalismo, a humildade ou a passividade. Mas os opressores não somente costumam insistir nestas supostas virtudes, como também numa pretensa atitude moral do colonizado (sua indolência, criminalidade, hipocrisia, apego à tradição, etc.), que serve para justificar a necessidade de lhe impor uma civilização superior. Este esquema se reproduz dentro de cada país. As inquietações, que ora colocamos no papel, em forma de artigo,

têm dois motivos: aliviar um pouco esta pressão dentro do peito e ao mesmo tempo, tentar, dentro das nossas limitações, levar ao meio acadêmico e científico esta nossa preocupação, que acreditamos povoar a mente de todas as pessoas lúcidas, que primam pelo respeito ao planeta e seus habitantes em geral, e diante desta contemporaneidade, se sentem aflitos como nós.

Enquanto o professor tecia suas considerações, algo novo brotava. “O ser humano nasce para viver bem, feliz ...”, “um homem pobre se converte em um pobre homem”... o som destas palavras ecoam distante, claro, por falta de exercício de vida. Viver, existir, ser ... é algo mais profundo. Os homens se distanciaram de certos valores fundamentais da vida. A tão propalada “globalização”, que é a expansão do capital e de valores relacionados a ele, provoca uma cegueira sociológica tão grande que as pessoas não enxergam outros valores a não ser privilegiar o consumismo desenfreado, especulação e lucro, bem como o desenvolvimento de uma cultura de competitividade irracional, jogando na lata do lixo todos os significados de solidariedade e fraternidade e colocando em evidência expressões como “dumping, truste, cartel, monopólio, oligopólio, conglomerados” e outras expressões que denotam um endeusamento do mercado capitalista, esquecendo-se do homem, que se distancia cada vez mais da sua plenitude enquanto “ser”.

Assistimos passivos, anestesiados, quase que em transe, ao desenrolar dos acontecimentos, onde chegamos a considerar “normal” todos os conflitos que ora estão se desenrolando em nosso planeta.

O uso da natureza

O uso da natureza para a produção em alta escala de produtos

considerados “essenciais” em nossa vida, por exemplo, é um fato que

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 93-104, 2002 94

Page 95: Serviço Social e Realidade

demonstra a nossa cegueira. Existe uma lavagem cerebral pela grande mídia e pelo grande capital, que nos são constantemente injetados, nos fazendo crer que somos superiores e que podemos nos sobrepor aos biomas existentes no planeta.

A forma predatória com que o homem vai ocupando os espaços, quase que em desespero, se “apossando” de algo que não nos pertence, que é o ar, o solo, a água, a micro e a macro fauna e flora, colocando em risco toda uma condição de vida que foi preparada durante milhões de anos para que todos os seres pudessem existir de forma harmônica e feliz.

O ser humano conseguiu, em poucos séculos, com a adoção do capitalismo, sair de um “determinismo ambiental”, onde o homem vivia “com a natureza”, para uma outra forma de relação, de dominação, de subjugação do homem pelo homem e do homem pela natureza. O resultado da evolução desse modo de vida é que nos levou ao estado de decadência que nos encontramos hoje. Realmente, não vejo outra palavra para designar a paisagem sócio-econômica atual, decadência, em todos os setores, desde o primário, passando pelo secundário e terciário, órgãos do Estado, políticos despreparados, inescrupulosos, que se julgam deuses, decidindo o destino da humanidade.

Jovens dirigentes do planeta Sabemos que foi gestado no útero do capitalismo, jovens herdeiros,

que hoje administram os maiores conglomerados do mundo. Eles foram doutrinados para gerar lucros e mais-valia, e há uma resistência forte deste setor em provocar mudanças efetivas. Não percebemos a existência da ética verdadeira, ao respeito às pessoas, enfim, são pessoas capazes de tudo quando visam um objetivo, geralmente, exploratório, predatório, especulativo. Não estão preocupados com a situação dos países pobres. Também não estão preocupados com outras questões como mortalidade infantil, degradação da natureza, aliás, esta é vista única e exclusivamente como fonte de exploração de matérias primas.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 93-104, 2002 95

Page 96: Serviço Social e Realidade

Privatizações Em particular, no Brasil, a presença do capital internacional já se

tornou uma constante. Vejamos a situação do Projeto Carajás (Pará), Quadrilátero Ferrífero de Minas Gerais, Oriximiná (Amapá) e outros locais de exploração. Não podemos esquecer que a Companhia Vale do Rio Doce - CVRD -, criada pelo governo nacionalista de Getúlio Vargas, encontra-se hoje privatizada e já remetendo lucros para o exterior.

Os setores industriais e de transporte, mais expressivos estão também nas mãos do capital internacional, ou pelo sistema de concessão, ou venda, inclusive as hidrelétricas, como a CPFL e a CESP. A primeira já foi totalmente privatizada, e de forma agressiva, não oferecendo qualquer contrapartida em sua “perestroika (reestruturação econômica) à brasileira”. Sugerimos a leitura do livro “O impacto da privatização na vida do eletricitário”, da autora Elizabeth Regina Negri Barbosa”, onde é exposto com extraordinária lucidez todo o processo de “transferência” do bem e de recursos financeiros públicos via órgãos governamentais (BNDES) para os grupos privados, no caso, os consórcios “compradores”, e as conseqüências advindas dessa “nova onda” capitalista neoliberal. A Segunda (CESP), já se transformou em várias empresas, foi fragmentada e vendida em partes, restando ainda algumas áreas da empresa geridas pelo Estado. Há que se comentar também sobre a “demissão voluntária”, verdadeiro terrorismo psicológico, demitindo funcionários prestes a aposentar, com idade avançada para competir no mercado já saturado, com uma vida inteira dedicada à empresa, e que de repente não tinham mais o perfil desejado. Por conta disso dezenas de famílias foram penalizadas com um aumento nos casos de depressão, alcoolismo e até suicídios.

...Crer que os grupos privados ao adquirirem as empresas estatais têm a intenção de realizar investimentos novos para expandi-las, em uma época em que o jogo financeiro e o setor produtivo apresentam-se incertos, é senão um otimismo cego, uma visão míope da realidade. O que se tem como efetivo é que há um interesse muito grande por parte dos grupos financeiros nas privatizações, pois esta é a forma de muito se ganhar, principalmente dos países em dificuldades. (BARBOSA, p. 99).

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 93-104, 2002 96

Page 97: Serviço Social e Realidade

Então, perguntamos: onde está a ética e a solidariedade? Que sistema é esse que racionaliza tanto os custos visando sempre lucros maiores em detrimento do desajuste social, do sofrimento das pessoas?! O “cidadão” nada mais é que um “soldado raso” do grande exército de reserva de mão-de-obra manipulado pelo capital. Não somos sujeitos de nossas vidas, somos meros coadjuvantes nesta paisagem caótica que se apresenta com o nome de globalização neoliberalizante, eticamente nada edificante, e totalmente petrificante (de corações e almas).

Retrospecto histórico

Fazendo um breve retrospecto e relembrando a aula do Professor sobre “Ética Contemporânea”, exercitamos nosso lado crítico em relação ao atual modelo de desenvolvimento capitalista ocidental.

Até 1950 a sociedade brasileira era basicamente rural, a taxa de natalidade, após a 2ª Guerra Mundial, explode e então o consumo torna-se cada vez maior. Com o governo de Juscelino Kubistchek (1956-1960), o Brasil se insere de vez na internacionalização da economia, constrói 14 mil quilômetros de rodovias, já de comum acordo com as montadoras automobilísticas internacionais. Constrói Brasília, integra o nosso país. Até então o custo de formação do indivíduo era barato, pois nossa sociedade era basicamente rural, na qual muitos filhos eram um fato positivo, pois significava mão-de-obra para a lavoura. Atualmente, a situação encontra-se invertida, a sociedade brasileira é essencialmente urbana e o custo de formação dos filhos é muito cara, com escolas, lazer, roupas, assistência médica e outros. São duas épocas distintas: a primeira, quando o capital internacional (inteligente) percebe um mercado em potencial, por motivos óbvios, ou seja, dimensão territorial, mão-de-obra barata, riquezas minerais, hidrográfica e até pelo consumo que já existia na época, apesar da sociedade ainda ser rural.

Acreditavam os investidores que os recursos da natureza eram inesgotáveis, como a água e outros. A população local era carente de uma educação formal.

Apesar da falta de conhecimento teórico e técnico sobre a fisiologia animal e vegetal e estrutura geológica, a sociedade tinha uma relação mais afetiva com a terra. Esta afetividade era demonstrada pela

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 93-104, 2002 97

Page 98: Serviço Social e Realidade

simplicidade das pessoas, que ainda não viviam suas vidas de forma globalizante, ou seja, eram felizes com o pouco que tinham, sem necessidade da ostentação, da auto afirmação de hoje, no “Ter” ou “Parecer Ter”, conforme disse o professor em sua aula.

Poder da mídia

A televisão é o meio de comunicação de massa da Segunda

metade do século XX no Brasil, como o rádio o foi na primeira. É o elo de ligação com o mundo para a maioria da população brasileira, que está ausente do mercado de consumo e foi abandonada por um Estado que não oferece educação, cultura ou lazer. A televisão está presente em mais de 98,3 dos municípios, sendo mais acessível que o telefone e o correio, e só perde para o rádio em área de cobertura (IBGE, 2001)

Atualmente, o ser humano está totalmente susceptível à grande mídia, escrita, falada e televisiva, e ao grande capital, com valores inerentes a esse sistema.

Considerando todo o lado negativo dessa globalização, ou seja, a universalização do mercado, a desnacionalização, a descaracterização das culturas, a corrupção, a dívida externa e interna, ainda assim, o Brasil cresce, devagar, se moderniza (dolorosamente) em várias áreas, aumentando a expectativa de vida do brasileiro, diminuindo a mortalidade infantil e com isso dando início a um estreitamento da base e um alargamento do topo da nossa pirâmide etária. Muito bem, parabéns, mas tudo isso acontece à revelia da consciência crítica de nossa população, que ainda não se tornou dona de seu destino... um destino sempre pré direcionado, sem identidade, orquestrado e manipulado pelo capital internacional, por esse sistema que sufoca e reprime aquilo que existe de mais importante do ser humano, a “liberdade” e a “lucidez” real. O planeta clama por ética, respeito pela vida, pelos ecossistemas que compõem a nossa biosfera. Recursos naturais

A cadeia alimentar é composta de seres vivos produtores,

primários, secundários, terciários e decompositores, que agem (ou agiam)

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 93-104, 2002 98

Page 99: Serviço Social e Realidade

em total consonância, onde os produtores, os vegetais, são os únicos a transformar algo inorgânico (minerais) em algo orgânico, e assim repassar para os outros a energia necessária à sobrevivência. Essa primeira fase da cadeia alimentar está sendo destruída pelo homem.

Outro elemento fundamental para o planeta é a água. Até onde sabemos uma pequena parte (0,6 %), está disponível para o homem e mesmo assim não se encontra exatamente onde os homens estão.

Os mananciais, os rios, lençóis subterrâneos, mares, enfim toda a hidrosfera está contaminada, enferma, devido a irresponsabilidade do homem. O ciclo hidrológico já foi quebrado.

calcula-se que a água potável disponível na terra seja equivalente a mais ou menos 12,5 mil km3, menos da metade do que havia há 50 anos. Descontando os usos industriais, agrícolas e domésticos, as reservas mundiais chegavam a 16 800 m3 por pessoa, ao ano. No final do século XX, essas reservas se reduziram a 7 300 m3, e as previsões para 2025 não são nada animadoras, podendo chegar a 4 800 m3. Entretanto, algumas partes do mundo sofrerão mais do que outras. A disponibilidade de água per cápita na Europa e Estados Unidos será a metade do que dispunham em 1950. Ásia e América Latina terão apenas um quarto dessa disponibilidade. As regiões mais atingidas serão o Oriente Médio e a África, que terão apenas a oitava parte do que tinham em 1950. Atualmente existe a metade da água que existia há 50 anos atrás. (MARINA e TÉRCIO, 2002, p. 102). O que é que tudo isso tem a ver com a Ética? Eis uma pergunta

que nos leva novamente ao seio da Universidade, na sala de aula, disciplina “Ética Profissional”. A importância dessa disciplina para a conscientização das pessoas. Entendemos que, dentre tantos valores, o ponto de equilíbrio do homem é a clara consciência do conceito de ética, que não se resume simplesmente nas leituras superficiais dos enunciados éticos e ecológicos da grande mídia e dos grandes conglomerados. Se apropriam desse discurso para manipular e concentrar mais a renda. Falam do desenvolvimento sustentável como se fosse futebol, política partidária ou algo semelhante. O planeta continua sendo lesado em sua dignidade. Segundo Leonardo Boff

existem dois modos de ser-no-mundo: o trabalho, pelo qual modelamos e intervimos no mundo, e o cuidado, pelo qual nos sentimos responsáveis por ele.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 93-104, 2002 99

Page 100: Serviço Social e Realidade

O cuidado exige ternura, carinho, afeto, compaixão e renúncia ao seu domínio e serve de crítica à nossa civilização agonizante e também de princípio inspirador de um novo paradigma de convivialidade. (BOFF, 1999, p. 13).

Moral – de quem? Para quem?

Voltando à sala de aula, ouvimos o professor explanar sobre o

caráter histórico da moral, colocando didaticamente as épocas da moral da antiguidade, moral feudal e a moral burguesa, acentuando o caráter histórico da moral em conseqüência do próprio caráter histórico do homem, porque é o homem, enquanto ser real, social e histórico que cria a moral. Discorre sobre as mudanças histórico-sociais e mudanças da moral, a sociedade escravocrata, a sociedade feudal, as origens do feudalismo, a moral da sociedade feudal, as relações da igreja com seus feudos, com poder não apenas religioso, mas também temporal, gerando constantes conflitos com reis e imperadores. Uma época em que a moral estava impregnada de conteúdo religioso, constituindo uma unidade moral da sociedade e ao mesmo tempo uma estratificação moral dos códigos morais, como a dos cavaleiros da aristocracia, as corporações, ordens religiosas e outros. A sociedade capitalista e sua moral foi gestada no interior da velha sociedade feudal, com novas formas de regular as relações entre os indivíduos e entre estes e a comunidade, nascendo a burguesia, com suas manufaturas e fábricas e os proletários que vendiam sua força de trabalho gerando já nessa época a mais-valia (valor não remunerado). Então, nesse sistema econômico social, a boa ou má vontade individual, as considerações morais não podem alterar a necessidade objetiva, imposta pelo sistema de que o capitalista alugue por um salário a força de trabalho do operário e o explore com o fim de obter mais-valia. A economia é sempre regida pela lei do máximo lucro, e essa lei gera uma moral própria, florescendo com isso o egoísmo, a hipocrisia, o cinismo e o individualismo exacerbado. Finalmente, para o nosso encantamento ele faz uma belíssima reflexão sobre a ética atual, falando do valor da pessoa humana, a partir de suas potencialidades originárias do SER e não TER, dos direitos inalienáveis, liberdade e autodeterminação. Atualmente a ética olha a situação concreta do ser humano, o seu lugar social, sua condição de vida, se é condigna ou não,

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 93-104, 2002 100

Page 101: Serviço Social e Realidade

se ele vive a dignidade da pessoa nos seus direitos mais elementares, como casa, saúde, alimentação, vestuário, educação e lazer. Assim, não basta defender a vida humana, temos que defender a dignidade desta mesma vida, pois uma vida digna começa por uma boa alimentação, uma habitação adequada, uma educação de acordo com a realidade de cada época e uma segurança social.

Este longo parágrafo, foi o ponto culminante da aula, onde o professor com muita sensibilidade e emoção transmitiu tudo aquilo que esperávamos ouvir. Por isso acreditamos que a universidade tem um papel fundamental na formação dos jovens. Acreditamos na virada, que estamos passando por um longo período de transição e que, infelizmente, algumas gerações, principalmente, dos países subdesenvolvidos, estão pagando o ônus dessa lenta evolução. Esse processo poderia ser mais rápido, não fosse a aceitação passiva de uma sociedade desorganizada, e sob um olhar complacente e cúmplice dos governantes. Veja algumas frases do nosso Ministro do Meio Ambiente, José Carlos Carvalho, à “Revista ISTO É”, de 21/08/2002:

• O desenvolvimento sustentável precisa deixar de ser um slogan para virar

estratégia nacional que promova crescimento econômico com respeito ao meio ambiente e maior inclusão social. Havia um conjunto de políticas governamentais, crédito e incentivo fiscal que estimulavam o desmatamento. Podemos inverter essas políticas com a criação de linhas de crédito voltadas à agricultura familiar.

• A economia mundial, principalmente dos países desenvolvidos, hoje segue padrões de produção e consumo insustentáveis. O WWF (fundo Mundial para a Natureza) revelou que o uso dos recursos naturais é maior que a capacidade de regeneração do planeta, o que indica, a longo prazo, uma exaustão. Como a humanidade sempre teve capacidade de reação, esperamos que isso se altere. Uma forma seria a diminuição do ritmo de consumo. É o caso da água. Com a crise da energia os brasileiros entraram no racionamento. A população aderiu de maneira extraordinária. Poucas vezes tivemos um exemplo de cidadania como esse.

• Em Londres, cada metro cúbico de mogno custa US$ 1.600, e apenas US$ 20 são pagos aos índios, num processo ilegal e predatório.

• A natureza nos deu uma vantagem única. O que falta é transformar isso em vantagem competitiva.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 93-104, 2002 101

Page 102: Serviço Social e Realidade

A semelhança que percebemos em todas essas afirmações é justamente a falta de garra, de uma vontade maior em mudar o que está estabelecido. São palavras soltas, esperando que a sociedade tome uma posição, para que aí, então, o Estado tome medidas de acordo e proporcional às pressões exercidas.

Palavras óbvias... é o que sempre ouvimos, e a cada dia que passa, não a longo prazo, mas sim imediatamente, milhares de pessoas morrem em função da presente incapacidade do planeta digerir este caos.

Em entrevista recente à “Revista Caros Amigos”, de 10/2002, o Maestro brasileiro Júlio Medaglia, respondendo a uma entrevista, disse o seguinte:

... A indústria cultural é inescrupulosa, o critério inicial é o lucro. Antigamente, as pessoas que iam fazer rádio e televisão estavam muito preocupadas em oferecer o melhor, embora quisessem também ganhar. Hoje se gasta 20 por cento para fazer uma produção e 80 por cento para a divulgação. Ora, com 80 por cento se entulha qualquer coisa no mercado. Aparentemente estamos misturando as coisas, mas não, em

qualquer área, ou seja, ecológica, artística, cultural e outras estão presentes valores imediatistas e de mais valia. Somente a ruptura desses valores através da educação em todos os níveis - e a universidade não pode também ser instrumento do capital, instrumento de perpetuação dessa condição - poderão resgatar o ser humano desse labirinto em que se meteu. “Para o rato encontrar o queijo”, terá que tentar outros caminhos. Lamentavelmente, “o rato” está condicionado dentro desse imenso laboratório, dirigido por cientistas do capital, ofuscados pelo brilho da posse e poder terreno, que os impedem de visualizar o verdadeiro brilho da essência do homem, que é o ser ético, voltado para uma moral solidária, fraterna e amorosa para com os seus semelhantes e todos os seres animados e inanimados desse planeta.

Concluindo que as aulas sobre ética exerceram tanta influência sobre várias pessoas - que já têm nível universitário, graduandos e mestrandos, na área de Serviço Social, e que em tese já deveriam estar com esses conceitos sedimentados – poderiam com certeza iluminar também a vida de dezenas, centenas, milhares de pessoas, se houvesse mais seriedade na determinação de políticas públicas. Políticas efetivas

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 93-104, 2002 102

Page 103: Serviço Social e Realidade

de valorização da educação em todos os níveis, para realmente, elevar o cidadão à sua condição de sujeito, livre de manipulações, e não excluí-lo, como acontece nesse modelo atual, onde estamos presenciando um modelo perverso, em que o Estado com freqüência não está com o povo, mas contra o povo.

MENDONÇA, N. O. de; SILVEIRA, U. Ethics to the life: a general clamor. Serviço Social & Realidade (Franca), v.11, n.2, p. 93-104, 2002. • ABSTRACT: This article wants to leap out the readers to a question, in our opinion,

fundamental to the preservation of the planet’s life. The word ETHICS is small, but contains a meaning that transcend this neoliberal capitalist occidental vision, with people greatly urbanized, “needies of roots, of lands, of brushwood”. Poor people, without identity, with their destinies definites by a system, “said democratic”, preposterously excludent. The text had been exacly inspired during the teaching of ETHICS, applied by the teacher of the discipline. We make emphasis that the future passes by the education, but the liberartor one, as the one that show us Paulo Freire : “To reach the humanization goal, that doesn’t happen without the disappearance of the inhumanization oppression, is essential to the overcoming of the “limit situation”where the men are find almost like things”.(FREIRE, 1984, p.11).

• KEYWORDS: person; ethics; dignity; identity; life. Referências Bibliográficas

ALMEIDA, Lúcia Marina Alves; RIGOTIN, Tércio Barbosa. Geografia Geral e do Brasil. São Paulo: Ática, p. 102, 2002.

BOFF, Leonardo. Saber cuidar: Ética do Humano, compaixão pela Terra. Petrópolis: Vozes, p. 13, 1999.

CARVALHO, José Carlos Carvalho. ISTO É. São Paulo: TRÊS LTDA, n. 1716, p. 9, 2002.

BARBOSA, Elizabeth Regina Negri. O impacto da privatização na vida do eletricitário: Um estudo de caso. Franca: UNESP, 2001.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de janeiro: Paz e Terra, p. 111, 1984.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 93-104, 2002 103

Page 104: Serviço Social e Realidade

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa dos municípios Brasileiros, 2001.

MEDAGLIA, Júlio. Caros Amigos. São Paulo: Casa Amarela, ano VI, n. 67, p. 36, 2002.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 93-104, 2002 104

Page 105: Serviço Social e Realidade

A ORGANIZAÇÃO EMPRESARIAL E O NOVO PARADIGMA: HUMANIZAÇÃO

Lilia Christina de Oliveira MARTINS*

Andréa das Graças de SOUZA** Glauber Camacho Gimenez GARCIA***

• RESUMO: Organização empresarial, mudanças organizacionais necessárias e o

papel do homem dentro do ambiente de trabalho. • PALAVRAS CHAVE: Empresa; homem; mudança.

Na atualidade, muito se fala em globalização, tecnologia, desenvolvimento, finanças, sendo que tais assuntos passaram a ocupar lugar de destaque no cotidiano, por isso, é imprescindível que reflitamos acerca do que realmente significam essas questões, pois muitas vezes são pensadas de forma limitada, o que é o caso da empresa. Quando se pensa em organização empresarial, a primeira associação que se faz é de cunho financeiro, ou seja, remete-se à lucratividade, como se esse aspecto fosse fundamental e exclusivo para o desenvolvimento de qualquer empresa. E o ser humano, onde fica?

O que deve existir, sobretudo, é uma preocupação em relação à qualidade organizacional, o que subentende eficiência e eficácia, além de uma visão voltada para o desenvolvimento do comportamento humano, resultando em pessoas mais produtivas e felizes no ambiente de trabalho. Acredita-se, de acordo com vários autores9, que isso é uma tendência notada na atualidade, tendo em vista o aumento dos estudos realizados em torno da administração, com ênfase à humanização da empresa, onde o empregado, que passa a ser denominado colaborador, deve ter oportunidade de ascendência profissional.

Assim, abordaremos alguns aspectos relevantes da organização * Docente do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social UNESP – Franca-SP. ** Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social UNESP – Franca-SP. *** Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social UNESP – Franca-SP. 9 Vergara & Branco (2001); Motta (1997); Wood (2000).

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 105-114, 2002 105

Page 106: Serviço Social e Realidade

empresarial, tais como o administrador e o próprio ser humano enquanto colaborador do desenvolvimento empresarial.

Alguns Aspectos do Comportamento Organizacional

Atualmente, o comportamento organizacional se apresenta muito

mesclado, à medida que se observa, nesse campo, uma heterogeneidade em termos teóricos, abrangendo dimensões simbólicas, cognitivas, lingüísticas e outras.

Por outro lado, ao mesmo tempo em que o comportamento organizacional abre um leque de diversidade teórica, também é caracterizado por ter se desenvolvido de forma isolada, negligenciando conhecimentos das ciências humanas básicas. Os esforços dos pesquisadores foram reduzidos à simples técnicas de controle, com supervalorização no que diz respeito a rendimento e produtividade.

Nesse sentido, há a percepção de que as estruturas organizacionais tentam uma transformação radical, mas muitas vezes acabam maquiando uma situação que existe: aquela que é sustentada por uma postura que ainda considera o homem uma extensão da máquina. Diante disso, pergunta-se: o que mudou desde a época de Taylor?

A formação do Administrador

Essa questão sempre constituiu um ponto contestado, tendo em

vista o elevado grau de especialização, a rigidez, a ausência de cultura, o quantitativismo, o economismo, a ignorância histórica e mesmo a dificuldade de interação e comunicação desses profissionais.

Além disso, há também as organizações que funcionam de forma rígida e radical, sem qualquer consideração ao ser humano que dela faz parte, o que se deve logicamente à qualidade de seus administradores. Essa situação leva trabalhadores a se sentirem desestimulados quanto ao trabalho tradicional, cujo ambiente deveria oportunizar qualidade de vida profissional e pessoal.

Importante notar que o individualismo exacerbado é uma característica da sociedade, que sempre esteve ocupada com o acúmulo de riquezas. Hoje as questões do consumismo, competição e

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 105-114, 2002 106

Page 107: Serviço Social e Realidade

individualismo vêm sendo transferidas para as relações entre as pessoas e isso pode ser comprovado quando observamos indivíduos que não querem compromisso com nada e ninguém, bem como ambientes de trabalho onde a competição entre os empregados gera desconfiança, traições e trapaças.

A Unidade Fundamental do Ser Humano

Há uma forte tendência quanto à fragmentação do homem na

sociedade e no ambiente organizacional, sustentando visões de homem simplistas, elitistas e utilitaristas, com a presença de organizações fechadas e auto-suficientes. Ora, sabemos, através de estudos e reflexões que vêm ocorrendo ao longo da história, que o ser humano é complexo e global, o que pode ser afirmado também segundo Piaget (1980, p. 211) para quem o desenvolvimento está em considerar o ser humano capaz de criar e reinventar a sua própria história. Nesse sentido, como o ser humano é constituído por aspectos biológicos, intelectuais, afetivos, espirituais e profissionais, a organização empresarial não pode ser considerada auto-suficiente, posto que está inserida em determinado meio e lida com pessoas, enfim, depende de uma estrutura muito maior do que apenas o “chão da fábrica”.

O homem precisa do outro para sobreviver e até mesmo para construir sua identidade, o que é feito a partir da dialética de semelhanças e diferenças entre as pessoas, como já bem afirmou Erich Erickson (1976). Embora o ser humano ainda não lide bem com o ato de aceitar o olhar do outro, isso é muito importante para que ele conquiste um desenvolvimento e aperfeiçoamento estruturados, o que vale também para as relações que ocorrem no interior das organizações empresariais.

Homem: Ativo e Reflexivo, Ser de Pulsão, Desejo e Relação

Desde crianças aprendemos que o homem se diferencia dos outros

animais pela capacidade de reflexão e ação. Essas particularidades foram também abordadas por Jean Piaget (1980,) em seus estudos sobre o desenvolvimento humano. Segundo esse pesquisador, o homem é um ser construtivista, reflexivo e atuante em seu meio, o que lhe dá oportunidade

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 105-114, 2002 107

Page 108: Serviço Social e Realidade

de transformar a realidade da qual faz parte. Infelizmente, essa visão dinâmica a respeito do homem não é tida

enquanto filosofia educacional ou empresarial pela maioria das instituições escolares e empresas do nosso país, pois se assim fosse, já teríamos formado muitos cidadãos emancipados, logicamente através de uma educação também emancipatória, que fornece meios para que o indivíduo saia de sua pobreza política e aprenda a pensar com mais prioridade sobre os problemas que permeiam a sociedade. Isso pode ser trabalhado em escolas, empresas, enfim, em qualquer organização freqüentada por pessoas. Do contrário, apenas estaremos reproduzindo o quadro já conhecido.

Através da linguagem é que o indivíduo torna-se capaz de construir a realidade e agir sobre o meio e, por isso, esse elemento constitui um objeto de estudo fundamental na compreensão da humanidade. Em uma empresa, estudar a linguagem significa desvendar condutas, ações e decisões que impulsionam o desenvolvimento da organização ou provocam sua estagnação. Nesse aspecto, a comunicação das empresas não pode ser reduzida à simples transmissão de informação, pois isso implica a perda do significado e sentido das palavras, as quais se inserem no agir, fazer, pensar e sentir do ser humano.

Devemos considerar que a diferenciação entre comunicação e informação é fundamental para o bom funcionamento de uma empresa, destacando a importância de que a comunicação aconteça de maneira horizontal, ou seja, entre tosos os elementos do ambiente empresarial, independentemente de cargos ou funções.

O ser humano, além das potencialidades já mencionadas, também apresenta desejo, pulsão e de relação, sendo que sua constituição enquanto indivíduo passa, necessariamente, pela relação poliforme com o outro, o qual lhe proporciona prazer, sentimentos, satisfações, frustrações e pulsões.

O mundo interior tem tanta ou maior importância que o exterior na vida do homem, no sentido de que a vida psíquica exerce um papel essencial na vida das pessoas, refletindo-se individual e coletivamente, aí se encontrando as relações de trabalho.

Assim, é imprescindível que as empresas passem a olhar para seus colaboradores, mas de forma a levar em conta a natureza humana, o que

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 105-114, 2002 108

Page 109: Serviço Social e Realidade

não significa apenas o princípio do “homus economicus”, até porque as necessidades humanas não podem ser supridas somente através de dinheiro.

Ao viver em sociedade, o homem produz uma representação daquilo que lhe é significativo, quer seja através de imagens, metáforas, emblemas, símbolos, mitos ou alegorias e essa representação ocorre também no meio organizacional, local propício à emergência do simbólico.

Há conflitos consideráveis em relação ao simbolismo organizacional, pois esse simbólico é tenso, influenciado pela razão econômica que reduz a importância da significação conferida ao trabalho e pelo próprio homem, que busca incansavelmente essa significação.

Por outro lado, deve-se considerar também o trabalhador enquanto ser possuidor de um tempo próprio, referente aos ritmos biológicos, psicológicos ou sociais que marcam sua vida individual e coletiva, bem como um ser inserido em determinado espaço, nesse aspecto se encontrando as organizações empresariais enquanto local importante no dinamismo espaço-temporal.

Um aspecto imprescindível é o nível de qualidade dessas organizações, uma vez que dele depende a valorização do homem enquanto ser capaz de agir no tempo-espaço, transformando sua realidade.

Dessa forma, quanto mais houver interdisciplinaridade, mais haverá uma abordagem mais completa do indivíduo na organização, porque somente promovendo a relação entre diversos níveis é que se poderá interpretar adequadamente a realidade observada, buscando a reconstrução da mesma.

Tendo em vista a complexidade do comportamento humano, também quando se analisa a organização, deve-se manter uma postura interdisciplinar, com o intuito de não fragmentar o ser humano ou seu próprio ambiente de trabalho.

O comportamento humano é dialético, o que quer dizer que qualquer pesquisa sobre a realidade também necessita adotar a abordagem dialética, havendo uma relação dialética entre o pesquisador, o objeto de pesquisa e realidade social.

Desde Galileu, passando por Marx e Weber, havia uma sólida participação de pesquisadores em novos questionamentos e

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 105-114, 2002 109

Page 110: Serviço Social e Realidade

transformações sociais, o que nos leva a pensar que tal dialética existe em todos os níveis. Se existe em todos os níveis, há uma ausência dessa relação nas ciências da administração, que não levam muito em consideração a realidade enquanto história.

Percebemos que essa pobreza dialética faz parte do posicionamento de muitos administradores brasileiros, os quais, como já foi anteriormente registrado, mantêm ausência de cultura suficiente para agir sobre a realidade e transformá-la, embora atualmente ainda haja vários empresários começando a descobrir que podem transformar a história independentemente de auxílio governamental.

Entretanto, o estudo dos indivíduos nas organizações está se tornando cada vez mais difundido, tendo e vista a consideração do fato de que o indivíduo pode influenciar decisivamente na construção, reconstrução ou somente reprodução da realidade.

Nesse sentido, torna-se importante também o nível da interação e o modo de comunicação (aquela que não privilegia apenas informações), uma vez que toda interação, para existir, requer uma forma de comunicação. Além disso, toda interação implica processos psíquicos, que abrangem o lado cognitivo e afetivo do ser humano, processo esse que acompanha tudo o que o indivíduo faz, desde sua linguagem até as mais complexas ações.

A organização empresarial é influenciada não apenas pelos indivíduos que dela fazem parte, mas também pela própria rede de relações econômicas, sociais, políticas e culturais em nível de mundo, uma vez que a situação pode mudar em função do sistema internacional ao qual pertence determinada sociedade, configuração essa que depende de cada época.

Isso tudo leva ao caminho da humanização empresarial, assunto abordado por vários autores de relevância10. A verdade é que atualmente vivemos carentes de valores direcionados a um trabalho e educação transformadores, que permitam a realização global do indivíduo, tanto social quanto profissionalmente, propondo a superação dessa situação, esclarecendo que o importante não é culpar pessoas e entidades pelo quadro de defasagem social, econômica e política, ou apenas refletir

10 Bohn (1992), Esteves (2000) e Botelho (1998).

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 105-114, 2002 110

Page 111: Serviço Social e Realidade

sobre o assunto; o essencial é propor soluções e concretizá-las, aí surgindo o papel dos complexos empresariais.

Vergara & Branco (2001) apontam com propriedade que a empresa, enquanto organismo também social, deve voltar seu funcionamento para o ambiente e trabalhadores, promovendo a melhoria da qualidade de vida, a partir da prática da justiça e democracia, abominando quaisquer módulos de preconceito, contribuindo para o desenvolvimento global do ser humano, o que inclui aspectos físicos, emocionais, intelectuais e espirituais, objetivando o equilíbrio da vida.

Outra contribuição decisiva desses autores foi demonstrar a relevância do desenvolvimento total do indivíduo, o que traz à mente os ensinamentos de Goleman (1995), para quem não basta apenas formação intelectual e/ou profissional, pois o ser humano é complexo, abrangendo cognição e emoção, cada qual com uma real importância. Nesse sentido, há uma fragilidade e inadequação em práticas empresariais voltadas tão somente para a lucratividade, resultando em um ambiente que não oportuniza conquistas pessoais e profissionais.

Diante dessa visão, não podemos nos esquecer de que é importante a presença de trabalhadores felizes em uma determinada empresa, pois, como afirma Whiteley (1999, p. 82), “líderes empresariais bem sucedidos fornecem os recursos que o seu pessoal necessita”, elementos que devem auxiliar o desenvolvimento dos trabalhadores e o equilíbrio do meio.

Há determinados conflitos que ocorrem na sociedade, tais como o equilíbrio da distribuição de riquezas, considerável progresso tecnológico e pouco desenvolvimento social e pessoal, representando esse último elemento um fator que consagra a incapacidade de lidar com diferenças individuais. Nesse ambiente diverso, Vergara & Branco (2001) afirmam que a empresa de sucesso, certamente já integra o rol das atividades dinamizadas, pois do contrário estariam praticamente extintas.

Assim, a contribuição dos autores é fundamental para a solidificação de uma posição empresarial humanizada, partindo da reflexão de todas as dificuldades que estamos vivendo na sociedade e, especialmente, no Brasil, onde há crise de ordem política, econômica e social, tornando essencial que as empresas assumam um papel transformador, amenizando as diferenças sociais, preservando o meio

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 105-114, 2002 111

Page 112: Serviço Social e Realidade

ambiente e trabalhando honestamente, visando um equilíbrio humano e ambiental.

Competitividade e Humanização

É evidente a necessidade empresarial de conciliar competição e

cooperação, fornecendo uma visão inovadora do que significa integrar o mercado competitivo, tanto que apontam o fato de que há um crescimento de empresas que estão atuando nesse sentido, assim reduzindo diferenças sociais e impactos ambientais.

Dessa forma, como afirmam Vergara & Branco (2001, p.26), “essas ações não só acenam com a conciliação entre competitividade e humanização das empresas como parecem revelar indícios de que um novo paradigma esteja emergindo no mundo dos negócios”.

Essas informações são importantes para que tenhamos consciência de que as visões e concepções empresarias têm que conquistar outros rumos que não apenas em direção ao lucro, mesmo porque grandes empresas já estão nesse caminho, evidenciando a sabedoria de suas escolhas.

Vergara & Branco (2001) fundamentam a viabilização do caráter humanista, para a sustentação de desafios do mercado e equilíbrio social e ambiental, exemplificando através de empresas que aderiram atuações dessa natureza, tais como Bradesco, BankBoston e Coca-Cola, trabalhando respectivamente em prol da educação de crianças e jovens; criação do Projeto Travessia, que leva crianças e adolescentes de rua de volta aos lares, garantindo-lhes educação; Programa Coca-Cola de Valorização do Jovem, auxiliando no combate à evasão escolar. Esses grandes complexos empresariais somente vêm contribuindo para difundir o paradigma da humanização das empresas, primordial nos tempos atuais, quando a globalização somente ocorre no âmbito financeiro, deixando de lado a globalização do próprio homem, enquanto ser colaborador e capaz de construir sua própria história, para isso tendo que ter oportunidade, não apenas na vida escolar ou pessoal, mas sobretudo profissional.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 105-114, 2002 112

Page 113: Serviço Social e Realidade

MARTINS, L. C. O.; SOUZA, A. G. de; GARCIA, G. C. G. The enterprises organization and the new paradigm: humanization. Serviço Social & Realidade (Franca), v.11, n.2, p. 105-114, 2002. • ABSTRACT: Enterprise organization, necessary organizational changes and the

paper of man inside the work environment. • KEYWORDS: enterprise; man; change. Referências Bibliográficas BOHM, D. A totalidade e a ordem implicada. São Paulo: Cultrix, 1992. BOTELHO, D.; BOECHAT, Y. Empresa social. Empreendedor, São Paulo, ano 4, n.47, set.1998. ERIKSON, E. Identidade, juventude e crise. Rio de Janeiro: Zahar, 1976. ESTEVES, S. A. P. O dragão e a borboleta: sustentabilidade e responsabilidade social das empresas. São Paulo: Axis Mundi, 2000. GOLEMAN, D. Inteligência emocional: a teoria revolucionária que redefine o que é ser inteligente. 66.ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 1995. MOTTA, P. R. Gestão contemporânea: a ciência e a arte de ser dirigente. 8.ed. Rio de Janeiro: Record, 1997. PIAGET, J. O nascimento da inteligência na criança. 2.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. PULASKI, Mary Ann Spencer. Compreendendo Piaget: uma introdução ao desenvolvimento cognitivo da criança. Rio de Janeiro: LTC, 1980. VERGARA, S. C. Empresa humanizada: a organização necessária e possível. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 41, n. 2, p. 20-30, abr./jun. 2001. WITELEY, R. A empresa voltada para o cliente. Rio de Janeiro: Campus, 1999. WOOD JÚNIOR, T. Mudança organizacional: aprofundando temas atuais em administração de empresas. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2000.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 105-114, 2002 113

Page 114: Serviço Social e Realidade
Page 115: Serviço Social e Realidade

PATERNIDADE ADOLESCENTE: PARTICIPAÇÃO MASCULINA NO PROCESSO DE REPRODUÇÃO HUMANA

Dulcinéia L. SAKAMOTO*

Mário JOSÉ FILHO** • RESUMO: O presente artigo objetiva tecer uma reflexão sobre a participação

masculina no processo de reprodução humana, partindo de três princípios como análise: 1) Da idéia de que a exclusão da participação do homem no processo de reprodução pode ser explicada à partir de estudos de gênero, pois este é em geral definido em torno de idéias sobre traços de personalidade culturais ligadas a papéis e situações sociais particulares; 2) reflexões sobre hierarquia de idade, pois o adolescente encontra-se neste momento na posição de filho, e é reconhecido em nossa sociedade, ocupando este papel: sendo atribuído-lhe uma idéia de submissão, incapacidade e irresponsabilidade familiar e social; 3) Analisar se existe realmente uma Política de Saúde Reprodutiva que vá de encontro às necessidades dos pais adolescentes, superando as diferentes barreiras culturais e ideológicas individuais, que façam aumentar a responsabilidade masculina, relativas à formação da família e reprodução humana.

• PALAVRAS CHAVE: Adolescência; Gravidez; Maternidade/Paternidade; Políticas

Públicas; Serviço Social. Maternidade X Genero

A maternidade adolescente, mesmo sendo considerada “indesejável” nas sociedades atuais, ainda assim é socialmente reconhecida, haja vista sua sistematização acadêmica nos últimos anos (BARROSO et al, 1986; REIS, 1993) e a criação de serviços especializados procurando oferecer apoio às jovens mães (TAKIUTE et al, 1995).

Ao rever parte desta produção científica sobre o tema, constata-se de que os atos de conceber e criar filhos constituem experiências humanas atribuídas culturalmente às mulheres, incluindo muito * Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social UNESP – Franca-SP. Docente do Centro Universitário Barão de Mauá – Ribeirão Preto-SP. ** Coordenador e Docente do Programa de Pós Graduação em Serviço Social. Docente do Departamento de Serviço Social UNESP – Franca-SP.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 115-128, 2002 115

Page 116: Serviço Social e Realidade

discretamente o pai. A paternidade, quando tratada, é concebida na maioria das vezes sob a óptica feminina, reforçando a idéia de que são as mulheres que carregam a gravidez. Quase nunca se pergunta ao homem sobre sua participação, responsabilidade e desejo no processo de reprodução. (LYRA, 1996).

Essa idéia de que são as mulheres que carregam a gravidez, excluindo a participação do homem no processo de reprodução pode ser explicada quando se estuda gênero, pois este é em geral definido em torno de idéias sobre traços de personalidade culturais ligadas a papéis e situações sociais particulares, pois nas sociedades ocidentais, homens que se comportam e se apresentam de formas culturalmente masculinas são vistos em conformidade com seu papel de gênero.

Embora gênero seja uma palavra que tem uma longa história de usos diferentes, seu significado sociológico refere-se a idéias culturais que constroem imagens e expectativas a respeito de machos e fêmeas. Esse fato distingue gênero de sexo, cujo escopo se limita a diferenças biológicas, como a função reprodutiva, e a características secundárias, como pêlos no corpo e desenvolvimento de seios. De certa maneira, trata-se de uma distinção que induz ao erro, porquanto ignora que o sexo é também um conjunto socialmente construído de idéias moldadas pela cultura.

As culturas ocidentais, por exemplo, definem-se tipicamente em termos de dois sexos, homem e mulher, embora haja culturas que identificam mais de duas categorias. Nesse sentido, a importância social do sexo como um conjunto de categorias reside não em alguma realidade objetiva à qual a linguagem apenas dá nomes, mas aquilo que pensamos como sexo é definido por idéias culturais.

O gênero é em geral definido em torno de idéias sobre traços de personalidade, masculina e feminina, e por tendências de comportamento que assumem formas opostas. Tomadas como conjuntos de traços e tendências, elas constituem a feminilidade e a masculinidade. A masculinidade costumeiramente inclui agressividade, lógica, frieza emocional e dominação, ao passo que a feminilidade é associada à paz, intuição, expressividade emocional e submissão.

Embora seja clara a prova de que essas idéias sobre os sexos são culturais, sua importância sociológica é menos clara. Numerosos autores

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 115-128, 2002 116

Page 117: Serviço Social e Realidade

observam que traços habitualmente atribuídos a homens e mulheres, não descrevem exatamente a maioria das pessoas. Esposas podem ser relativamente submissas em relação aos maridos, mas, como mães, não tanto em relação aos filhos. Nesse sentido, descrever mulheres como “submissas”, confunde personalidade com expectativas culturais ligadas a papéis e situações sociais particulares.

Outros afirmam que a ênfase comum sobre masculinidade e feminilidade como fatores decisivos, pode ser colocada como a androginia, ou seja: comum ao homem e a mulher, como exemplo de o conceito que descreve uma mistura de traços de personalidade masculino e feminino e tem sido proposta por algumas feministas como parte da solução da desigualdade dos gêneros. Críticos, porém; argumentam que a opressão das mulheres não se baseia em diferenças de personalidade, mas na organização social da patriarquia e suas instituições, variando da divisão do trabalho na família à natureza competitiva e exploradora do capitalismo.

Dessa perspectiva, os conceitos de masculinidade e feminilidade servem a funções de controle místicos e sociais que reforçam a dominação masculina. Esse fato é revelado na maneira seletiva como elas são aplicadas. Quando homens são ternos e fisicamente afetuosos com os filhos, por exemplo, eles quase nunca são criticados como não masculinos; mas quando se comportam dessa maneira com outros homens, a ideologia masculina é invocada para coloca-los de acordo com os requisitos da dominação.

Analogamente, é provável que mulheres sejam criticadas se aplicarem poder ou dominação em relação aos maridos e outros homens, mas não no caso de se comportarem dessa maneira em relação aos filhos.

No estudo do gênero, a importância da feminilidade e da masculinidade reside em sua relação com os papéis de gênero (às vezes denominados papéis sexuais). Há conjuntos de expectativas e outras idéias sobre como homens e mulheres devem pensar, sentir, parecer e se comportar em relação a outras pessoas. Nas sociedades ocidentais, por exemplo, os homens que se comportam e se apresentam de formas culturalmente masculinas são vistos como em conformidade com seu papel de gênero.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 115-128, 2002 117

Page 118: Serviço Social e Realidade

Há algumas discordâncias tanto sobre a existência de papéis de gênero como quanto a sua importância para entender a desigualdade entre gêneros. Espera-se que mulheres “feministas”, por exemplo, submetam-se à vontade do marido, mas não às de irmãos ou filhos, mesmo que em ambos os casos seja inerentemente feminino. Esse fato sugere que não há um papel masculino ou feminino distinto (da mesma maneira que não há papéis de classe ou raciais distintos), mas apenas conjuntos frouxamente ligados de idéias sobre homens e mulheres, que podem ser invocados para várias finalidades, incluindo controle social e manutenção da patriarquia como sistema dominado pelo homem. (KAUFMAN, 1987).

Paternidade negada?

As teorias sobre relações de gênero e as reflexões sobre

hierarquias de idade forneceram suporte teórico para problematizar o tema da participação masculina na sexualidade, gestação e cuidado infantil (ROSENBERG, 1992; SCOTT, 1995; KAUFMAN, 1995; SPOSITO, 1997). Conforme citação dos autores, o silêncio sobre a paternidade adolescente decorre de: 1) o filho ser percebido, em nossa sociedade, como “sendo da mãe”, e o 2) o adolescente ser, principalmente, reconhecido no papel de filho. Numerosos autores observam que traços habitualmente atribuídos a homens e mulheres não descrevem exatamente a maioria das pessoas. As mães geralmente são submissas aos esposos mas não tanto em relação aos filhos. E estes continuam sendo dirigidos pelas mães, não conseguindo nessa fase da adolescência se libertar dessa submissão de “irresponsáveis” e “incapazes”.

Por outro lado, se pensarmos nos movimentos sociais que sacudiram o mundo a partir dos anos 60, movimento de mulheres ou feminista tem sido considerado relevante em decorrência do impacto no interior das instituições, incluindo aí a produção de conhecimentos (GOLDENBERG, 1989). Tanto no plano internacional como no plano brasileiro, a movimentação das mulheres em prol de uma sociedade mais igualitária tem levado a propostas de mudanças nas condições de vida de homens e mulheres.

Refletindo sobre as hierarquias de idade se percebe que existe uma

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 115-128, 2002 118

Page 119: Serviço Social e Realidade

relação perversa da sociedade adulta com o adolescente, ou seja; ao anular socialmente a paternidade adolescente, sempre e por princípio, acaba por legitimar a ausência paterna, pois dificulta ao adolescente pensar, prevenir ou assumir sua condição de pai real ou virtual.

Tanto nos países do hemisfério Norte quanto nos do Sul, inclusive no Brasil, a produção teórica e política do feminismo tem sido múltipla, albergando diferentes tendências (BARBIERI, 1991; GOLDENBERG, 1989; IZQUIERDO, 1992; SCOTT, 1995) e evidenciando transformações. No Brasil, dentre as transformações dos enfoques teóricos ou acadêmicos, destacamos a passagem dos estudos da ou sobre a mulher para os estudos sobre as relações de gênero (ROSENBERG, 1993).

Assumiu-se, assim, também no Brasil, a perspectiva internacional, aparentemente hegemônica na atualidade, de os estudos feministas não mais tematizarem apenas a mulher, mas as relações de gênero. Abriu-se, então, uma perspectiva complexa, a de conceituar gênero como categoria relacional, que permitiria compreender ou interpretar uma dinâmica social que hierarquiza as relações entre o masculino e o feminino.

Portanto, poderemos considerar o processo de gravidez como uma questão de gênero, pois este é em geral definido em torno de idéias sobre traços de personalidade, masculino e feminino, e pelas tendências de comportamentos que assumem formas opostas. A masculinidade costumeiramente inclui agressividade, frieza e dominação, enquanto a feminilidade é associada à paz, intuição,e expressividade emocional e submissão.

Então sugere-se que, mesmo quando um rapaz quer assumir um papel ativo como pai de seu filho, as instituições sociais parecem recusar-lhe esta assunção. Talvez essa inquietação como a recusa social em se reconhecer como pai esteja presente nas idéias culturais da sociedade. Percebe-se um “silêncio” por parte da concreticidade da responsabilidade masculina.

Michael Kaufman (1995) é um dos raros autores que, adotando as bases da conceituação feminista de gênero – construção social que legitima e constrói o poder masculino, vai investigar o sofrimento que a experiência de poder suscita em alguns homens.

Seu ponto de partida é que não existe uma única masculinidade, apesar de existirem formas hegemônicas e subordinadas a ela. Tais

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 115-128, 2002 119

Page 120: Serviço Social e Realidade

formas baseiam-se no poder social dos homens, mas são assumidas de modo complexo por homens individuais, que também desenvolvem relações harmoniosas com outras masculinidades.

Aceitando, como Joan Scott (1995), que o poder coletivo dos homens não é construído apenas nas instituições, mas também nas formas como os homens interiorizam, individualizam e reforçam esse poder, Kaufman traz à tona o processo através do qual os homens chegam a suprimir toda uma gama de emoções, necessidades e possibilidades, tais como o prazer de cuidar dos outros, a receptividade, a empatia e a compaixão, experimentados como inconscientes com o poder masculino. Isso caracterizaria a alienação do homem: alienação de sentimentos, afetos, do potencial para relacionamentos humanos de cuidado.

Nesse sentido, o papel do homem, particularmente do pai na família, interiormente negligenciado, tem emergido, nas agendas das instituições internacionais e nacionais que propõem e implementam políticas públicas, como uma forma de promover a igualdade de gênero. No plano dos valores, o princípio de igualdade de oportunidade entre homens e mulheres vem sendo discutido no que diz respeito não apenas à “cidadania pública” mas também à “cidadania privada”. À maior participação das mulheres na vida pública (participação feminina no mercado de trabalho, nas organizações políticas e sindicais, usufruto das mulheres de benefícios e recursos econômicos) deveria corresponder maior participação do homem na vida privada (compromisso pela vida sexual e reprodutiva do casal pela criação dos filhos, pela partilha das atividades domésticas).

Rever a própria política ou linha de intervenção, abrindo canais para pensar a masculinidade, a paternidade e maneiras de encorajar os homens para que sejam responsáveis por seus comportamentos sexuais, papéis sociais e familiares são recomendações algumas vezes encontradas nos últimos anos (MUNDIGO, 1995).

Pesquisas, reflexões e intervenções, principalmente as que vêm ocorrendo fora do Brasil, indicam o que é óbvio para alguns, mas novidade para muitos: a importância do homem na vida reprodutiva e o desejo de certos homens de dela participarem. Hoje, constata-se que o conhecimento sobre representações e práticas masculinas poderia

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 115-128, 2002 120

Page 121: Serviço Social e Realidade

contribuir para melhorar os resultados de programas voltados à saúde das crianças, à prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, ao planejamento familiar (MUNDIGO, 1995) e para melhorar o sofrimento de homens que sintam desejo de envolver-se em um universo socialmente reservado às mulheres (KAUFMAN, 1995).

Políticas de Saúde Reprodutiva

Na tentativa de minimizar as lacunas desse campo, o principal

objetivo de algumas políticas de saúde sexual e reprodutiva tem sido o de “aumentar a responsabilidade masculina em todas as áreas relativas à formação da família e à reprodução humana”, como destacou a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, de 1994, realizada no Cairo, Egito (ICDP, 1994). Com efeito observa-se, nos ´últimos anos, uma preocupação crescente com o tema “homens” e “masculinidade”.

Apesar de tais esforços a empreitada não será tão simples, pois para se conseguir uma maior participação dos homens, sejam adolescentes ou adultos, será preciso superar diferentes barreiras culturais e ideológicas individuais, de homens e de mulheres (DANTAS, 1997; MUNDIGO, 1995).

Entretanto, há algumas indicações de que intervenções intensivas e específicas junto a adolescentes de sexo masculino e feminino podem auxiliá-los a assumir as responsabilidades pela paternidade e maternidade.(LOOMIS, 1988). A questão de gênero traz o problema da dupla moralidade, em que; a iniciação sexual dos rapazes é estimulada quanto ao seu papel na sociedade, enquanto para as moças interpõem-se restrições.

Portanto, é cabível afirmar que a ausência de interesse pela própria temática constitui um problema psicossocial, na medida em que dispomos de evidências de que ações de apoio ao pai adolescente podem provocar um impacto positivo na vida dos sujeitos e de seus filhos, e abrem possibilidades para reflexões mais amplas no tocante à responsabilidade nas esferas da vida sexual e reprodutiva e do cuidado para com a criança.

Estamos diante de um processo interativo: as dificuldades para assumir responsabilidades adultas, observadas entre adolescentes, são

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 115-128, 2002 121

Page 122: Serviço Social e Realidade

por vezes reforçadas ou mesmo criadas pelas instituições sociais, que dificultam ou impossibilitam que pais adolescentes assumam funções esperadas ou desejáveis junto a seus filhos e parceiras. Daí o interesse científico e a importância social de se discutir esse tema, propondo novas alternativas para reflexão e ação neste campo.

Essas responsabilidades são papéis de classe distintos, ligados de idéias sobre homem que podem ser invocados por várias finalidades, controle social, manutenção da patriarquia, como sistema dominado pelo homem. Do qual o jovem adolescente ainda não tem condições de responder pelos seus atos legalmente ou pelos de outrem, por estarem ainda alienados ao papel de filho da mãe sob a proteção do patriarca, seu pai.

No caso da paternidade-maternidade/gravidez adolescente, a problematização nos campos da pesquisa e da intervenção podem seguir caminhos diversos em função do quadro de valores que orienta a tomada de decisões: considera-la sempre indesejável e patologizá-la, prevendo processos de intervenção repressivos, ou considerá-la como uma experiência que pode ser positiva para certos adolescentes, sendo necessário apóia-los. Ou seja, a forma de problematizar e intervir dependerá da opção de valores assumida. Esses valores deverão ser de origem familiar, do grupo social ao qual pertençam ou seja o apoio familiar e social.

Investigar a temática e intervir na área da sexualidade e reprodução na adolescência significa discutir preconceitos e estereótipos arraigados e repensar valores, considerando a possibilidade da adoção de novos valores.

Dentre as propostas de intervenção, podemos citar o PAPAI – Programa de Apoio ao Pai Jovem e Adolescente, que vem sendo desenvolvido na Universidade Federal de Pernambuco, em Recife. O programa tenta sair da trilha da repressão, ou seja; de julgamentos pré-concebidos pela sociedade com relação as condutas adolescentes, para realmente estar apoiando o adolescente na construção de sua auto estima (LYRA, 1997). Pois a sociedade normatiza atitudes e julga os atos de uma maneira uniforme e pré-conceituosa. O adolescente se sente por vezes reprimido em seu papel de jovem pai adolescente. Apoiar esse adolescente na construção de sua auto estima, seria ser partidário da igualdade de oportunidades entre os sexos, não só as atividades de mercado de trabalho devem ser compartilhadas por

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 115-128, 2002 122

Page 123: Serviço Social e Realidade

homens e mulheres, mas também responsabilidade frente a própria vida reprodutiva.

A política pública intervém na realidade social e envolve diferentes sujeitos, direcionados por interesses e expectativas em torno de recursos. Portanto, formam um conjunto de ações ou omissões do Estado decorrente de decisões e não-decisões, limitando-se e regulando os processos econômicos, políticos e sociais. Seu progresso se expressa por momentos articulados, concomitantemente e interdependentes, comportando seqüências de ações em forma de respostas, mais ou menos institucionalizadas, às situações consideradas problemáticas, materializadas, mediante programas, projetos e serviços. Contrapõe-se, aqui, o fato da política pública ser mero recurso de legitimação política ou intervenção estatal subordinada à lógica da acumulação capitalista.

Portanto, entende-se que uma política pública envolve mobilização e alocação de recursos; divisão de trabalho (tempo), uso de controles (poder); interação entre sujeitos; interesses diversos; adaptações; riscos e incertezas sobre processos e resultados; noção de sucesso e fracasso. (SILVA, 2000, p. 68).

Torna-se relevante enfatizar que as mudanças no mundo do trabalho atinge os trabalhadores em escala geral; tanto os mais qualificados quanto aqueles que tem menor qualificação. Neste sentido ANTUNES cita que “O mais brutal resultado dessas transformações é a expansão sem precedentes na era moderna, do desemprego estrutural, que atinge o mundo global (1995, p.41)”.

A ideologia da classe dominante individualiza o desemprego, sendo o trabalhador responsabilizado por sua colocação no mercado de trabalho e quando não consegue é considerado incapaz ou sem vontade para produzir. Essas idéias tornam-se possíveis porque são veiculadas como se fossem verdades absolutas, portanto não são questionadas, desta forma camufla-se a realidade.

Analisando o trabalhador adolescente que geralmente vive de trabalho informal, houve na década de 90 um aumento considerável de desemprego e as formas de subproletarização do trabalho, agravando a situação familiar e do novo pai de família.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 115-128, 2002 123

Page 124: Serviço Social e Realidade

Considerações Finais Torna-se evidente a necessidade de políticas sociais específicas

que atendam às novas necessidades que estão surgindo na sociedade contemporânea, que considerem suas dificuldades tanto em exercer uma atividade remunerada quanto em assumir uma responsabilidade produtiva, ou seja uma nova família. A Família, nos novos tempos, dos tempos modernos, os pais são geralmente adolescentes, não exercem atividades lucrativas e também não estão estudando, normalmente sendo acolhidos pelos pais maternos, paternos ou outros familiares.

Outro aspecto relevante a ser destacado é a inserção desses pais adolescentes e seus familiares em movimentos que busquem a defesa dos direitos.

Seria importante a criação de um Programa de Apoio ao Pai Jovem e Adolescente com propostas que viessem de encontro às suas necessidades.

Igualdade de oportunidades entre homens e mulheres em todos os âmbitos, inclusive na vida familiar e comunitária, ressaltando a importância do homem no planejamento familiar, uma vez que, entre outras coisas, ele convive constantemente com a possibilidade de engravidar mulheres com as quais mantém relacionamento sexual, dado que sua fertilidade é constante e não periódica como a das mulheres.

É sob esta perspectiva, que podemos visualizar; um dos maiores problemas enfrentados pelas políticas de direitos reprodutivos, atualmente. A necessidade de aumentar o conhecimento, o acesso e a prática da anticoncepção entre adolescentes, em outras palavras, descobrir maneiras de incentivar o aumento da responsabilidade masculina durante a adolescência – principalmente nas conseqüências de seu comportamento sexual. (MUNDIGO, 1995).

Respeito pelas jovens gerações, que se expressa, frente a essa problemática em duas facetas: de um lado, respeito aos adolescentes que se tornaram pais, amparando-os na construção de sua autonomia, proporcionando-lhes participação; de outro, respeito à criança, no sentido de assumir que ela possa ter uma vida mais saudável e melhor condição para o desenvolvimento de suas potencialidades quando dispõe de pai e mãe implicados em seus cuidados, independentemente da relação

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 115-128, 2002 124

Page 125: Serviço Social e Realidade

conjugal deles. Todavia, desta proposição não decorre, obrigatoriamente, que a

família nuclear seja a única a garantir a presença e o envolvimento materno e paterno no cuidado para com o filho. A aceitação da diversidade de modos de organização da família pode redundar em melhor acolhida à criança pequena.

Consideramos que existem dois momentos e formas de trabalhar com esses adolescentes: 1) a reflexão/discussão sobre a gravidez antes que ela aconteça e 2) o apoio quando o fato já está consumado, ou seja, o que nós adultos/profissionais)podemos fazer quando eles (adolescentes) já são pais e mães, ou estão grávidos.

Enfim, uma abordagem com um caráter menos coercitivo possibilitaria, a nosso ver, formular programas mais adequados às necessidades enfrentadas pelos adolescentes, sem “pré-conceituar” a paternidade e a maternidade nessa fase como pura e simplesmente negativa, provocada, sempre e inexoravelmente, por irresponsabilidade dos jovens (PEARCE, 1993).

SAKAMOTO, D. L.; JOSÉ FILHO, M. Adolescent paternity: masculine participation in the humane reproduction process. Serviço Social & Realidade (Franca), v.11, n.2, p. 115-128, 2002. • ABSTRACT: The present work objectives weave a reflection about the masculine

participation in the human reproduction process, with effect from three principles of analyses: 1) The idea that the men exclusion of the participation in the reproduction process can be explicated with a snapping from the studies of gender, seeing that this is in general difinite around the cultural personality features ideas tied to particular papers and situations; 2) reflections about age hierarchies, seeing that the adolescent is in this moment on the position of “son”, and is recognized in our society occuping this paper: with ideas of submission, incapacity, and familiar and social irresponsibility; 3) Analyse if there really exist a Reprodutive Health Politics that can complement the needies of the adolescent’s parents, overcoming the diferent cultural and doctrinaire gates, that could do the masculine responsability grows, affecting the family formation and the humane reproduction.

• KEYWORDS: adolescence; pregnancy; maternity/paternity; Public Politics; Social

Work.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 115-128, 2002 125

Page 126: Serviço Social e Realidade

Referências Bibliográficas ANTUNES, R. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre metamorfose do mundo do trabalho. 2.ed. São Paulo: Cortez, 1995. AZEVEDO. S.; Stolcke. V. (coords.) Direitos reprodutivos. São Paulo: FCC/DPE, 1991, p.25-45. BARROSO, C. et. al. Gravidez na Adolescência Brasília: IPLAN-IPEA/UNICEF/FCC, 1986. BARBIERI. T. de. Sobre la categoria género. Una introducción teórico-metodológica. In: CERVENY, C. M. de O. Gravidez na Adolescência: uma perspectiva familiar. Relatório de pesquisa do CNPq, 1996. CAVALCANTI, S. A. U. Reforma do Estado e políticas sociais no Brasil: Serviço Social & Sociedade, São Paulo, 68, p.34-53, nov. 2001. DANTAS, B. M. O masculino na mídia. Repertórios sobre masculinidade na propaganda televisiva. Dissertação de mestrado à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1997, 149p. GOLDENBER, A. Feminismo no Brasil Contemporâneo: O percurso intelectual de um ideário político. Rio de Janeiro: BIB, 1989, n.8, p.42-80. IZQUIERO, M. P. Uso y abuso Del concepto de género. In: Vilanova, M. org. Pensar das diferencias. Barcelona: Promociones y Publicaciones Universitarias, 1992, p.31-53. KAUFMAN, M. Los Hombres, el feminismo y las experiencias contradictoriais del poder entre los hombres. In: Arango, L. G.; Léon, M.; Viveros, M. eds. Género e identidad. Ensayos sobre lo feminino y lo masculino. Bogotá: T. M./Unianders, 1995, p. 123-146. LYRA, J. Estudo sobre teses e dissertações relativas à paternidade defendidas na PUC/SP entre 1985-1995. In: Anais da Reunião Anual da 48ª, São Paulo: SBPC, 1996, p.33. MATTOSO, J. O Brasil desempregado: como foram destruídos mais de 3 milhões de empregos nos anos 90. 2.ed. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 1999. MUNDIGO, A. I. Papéis masculinos, saúde reprodutiva e sexualidade. In:

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 115-128, 2002 126

Page 127: Serviço Social e Realidade

Conferências Internacionais sobre População. São Paulo: MacArthur, 1995. REIS, A. O. O discurso da saúde pública sobre a adolescente grávida: Tese de doutoramento à Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, 1993, 215p. ROSENBERG, F. Relações de Gênero e subordinação de idade: um ensaio. São Paulo: PUC/SP, 1992 (mimeo). ______. Estudos sobre mulher e relações de gênero. A Fundação Ford do Brasil, São Paulo: FAPESP/Sumaré, 1993. SCOTT, J. W. Gênero: uma categoria útil para análise histórica. Educação & Realidade, 1995, v.2, p.20, p.71-99. SPOSOTO, M. P. Estudos sobre juventude em educação: anotações preliminares.In: Sposito, M. P. Peralva, A. org. revista Brasileira de educação, Juventude & Contemporaneidade, 5/6, p. 37-52. São Paulo: ANDEP, 1997. TAKIUTE, A. D. et. Al. El proyecto “janela” y la salud del adolescente en São Paulo, Brasil, In: Maddaleno, M. et. al. eds. La salud del adlescente y del joven. Washington DC: OPS, 1995, p.407-411.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 115-128, 2002 127

Page 128: Serviço Social e Realidade
Page 129: Serviço Social e Realidade

IMAGENS DO URBANO: TRABALHO E FESTA, PROMETEU E DIONÍSIO

Eliana Amábile DANCINI*

“... se a semente não apodrece e não fica negra, não germina...”

• RESUMO: O fantasioso, o fantástico reage contra a objetividade, contra o nada, contra a morte, na medida em que infunde o sagrado, o mágico em todo o existente. Por isso constitui pura liberdade do espírito. Cumpre a função fantástica uma tarefa eufemizadora sempre, melhora o mundo, burla a morte. Quando os moradores constroem histórias fabulosas de si, dos outros, do bairro, do mundo, do trabalho, da festa, eles empreendem esse ato de resistência. Obra de arte coletiva, através dessas histórias eles promovem a melhoria, o embelezamento do mundo, da Vida.

• PALAVRAS CHAVE: Imaginário; trabalho; urbanidade; cana-de-açúcar; usina; festa.

Terra pagã à espera da eucaristia, terra de sonhos, lama que

apodrece corpos, enlaça e aprisiona alma a outras almas, o João de Barro está na certidão de batismo primeiro. Ele é novelo de olhos negros, de caminhos, de motivos e acasos, de linguagens, de sonhos e descrenças, sentimentos, paixões, amores e ódios. O João de Barro é um mito, vários sentimentos, paixões e ódios, várias versões. Deuses e o “Coisa Ruim”, a morte, são os fiéis escudeiros no rastro dos vivos. Tudo enfim se aninha na pia batismal. Um novelo de imagens se aloja no abismo dos olhos de quem diz, revive, atualiza, possui e é possuído pelo mito. O mega-espírito, coletivo de raiz, almas a perder de vista, espaço e tempo libertinos, materializa-se no fundo dos olhos de todos, um por um dos contadores. O bairro é todo imagético. Transpira comunicabilidade, traz as prerrogativas do vivo, é um só enredo. Tece os fios, se aloja, cola e pulsa na intimidade das paredes interiores do corpo. É o sangue que corre nesse lençol subterrâneo. Autofágico, corre e vive das imagens que produz / reproduz, como grande obra de arte. Inflado, ocupa todo e cada sopro desse universo virtual. Virtualidade, desconhece as fronteiras da matéria, dos * Docente do Departamento de Educação, Ciências Sociais e Políticas Internacionais UNESP-Franca-SP.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 129-150, 2002 129

Page 130: Serviço Social e Realidade

corpos que habita. Comunga a simultaneidade / interioridade / exterioridade. Corre e alimenta tudo o que os olhos dos sentidos olham e tocam. Conjuga o ancião e o ainda não nascido, o encanto do lendário e a deambulação do bairro à beira dos anos 2000 da era cristã. O destinal, uma morte marcabra; o eterno em oferenda, dádiva do mito, uma astúcia dos homens contra o fim, vem marcados nas linhas da mão desse Grande-espírito que é o Bairro.

O Grande-espírito está no útero de cada corpo vivo, nas dobras da carne, no germe transformista do corpo putrefado, nas redobras e desdobramentas da matéria e da alma. Ocupa, transpassa, é o bairro. Torna-se o existente, um acontecimento. Vive do bairro, é este que o torna entidade eterna. Hologramático, aloja-se em cada fragmento que o compõe, fecunda cada partícula fecundante do todo. Na exterioridade da caverna apresenta-se mascarado. Possui e é possuído por tudo que contamina. Infunde a vida, semeia a morte no mesmo gesto.

A vida, construção, permanência e sentimento de pertença ao Bairro, ativam acordes plurais. Quando as interrogações rondam as causas da escolha da Vila de morar, o plural aloja-se nas falas. Assim, aos poucos são costurados os retalhos da construção. Uma mistura de imagens, de anseios e expectativas, de desejos, de motivos, trazem as pessoas para o João de Barro. Um elenco de traços alinhavam o perfil do lugar. Estão entre as falas que transmutam a Vila em domus: castigos, provações, bênção, maldição e dívidas em dias de cobrança, somam-se ao acaso de um espírito andarilho e à busca de uma cidadania por todos os cantos da terra. A fome e o sonho, a sobrevivência e o fel dos rastros deixados na terra-berço de origem, matizam os homens do João de Barro. O Bairro converte-se, também em porta de entrada perene, quando a trajetória indica o mundo dos mortos. Transforma-se em objeto de desejo, sal de fantasia, ingrediente amargo de um destino que afugenta e faz estrangeiro cada um em sua terra nativa. Para alguns, o bairro é puro ato de voluntarismo do acaso ou do destino. Para a maioria a Vila é marcada pelo sangue da amizade e a parentada, odor que atrai e vicia. Para muitos ele é verde cana que seduz, assolados por inventos que desassossegam o sono. É bênção de Deus, trilha do Diabo e escolha enredada no engodo. A beleza do lugar, o aconchego das pessoas e da natureza fértil, amores e paixões, a moda que leva a vida dia após o outro sem que a

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 129-150, 2002 130

Page 131: Serviço Social e Realidade

cabeça pare para pensar, a miséria das opções, a acomodação das vontades, a ausência de coragem e de possibilidades, o aconchego dos laços familiares também são ingredientes da mistura.

A chegada ao Bairro passa por vários caminhos, explicações, causas real/ imaginárias. Tem uma visão poliocular. A existência física e fantástica do João de Barro se deve a cruzeiros de encruzilhadas, variadas linhas que rasgam a vida e infundem a morte, dobram, desdobram, sulcam as mãos do destino e do acaso. Da mesma forma, sustem o bairro a vida que flui ao sabor de uma complexa rede de socialidades que trança relações de trabalho, uma importante rede objetiva de sobrevivência e toda a vida que o moderno discurso excretou. Constituem o João de Barro, a trama, os amores, os paladares, as amizades, o costumeiro e a segurança da família, o ambiente que permite o conhecimento de tudo o que se passa no bairro, feito a palma da mão, o que possibilita adivinhar, vislumbrar, prever. Sonhos, fantasias, imagens partilhadas, divina arte tecida a muitas mãos, a simplicidade do simples gostar, alimentam o sopro da vida na Vila. Sua solidez e sobrevida não estão na rigidez e segurança dos ângulos retos da sua arquitetura. Os enraizamentos e as intimidades da Grande Domus batem as vigas numa espiral de gerações, numa obra de arte coletiva, no sacramento encenado em comunhão intranqüila entre vivos, mortos e anjos de guarda. O mito de um bairro místico faz a amarração, garante a objetividade / materialidade do aglomerado de casa, ruas, objetos, fauna e flora, de uma multidão de pessoas, as quais conferem-lhe materialidade e possibilidade de existência e atualização.

Sentimentos, sensibilidades, imagens passam pela corrente sangüínea de quem olha o olhar que olha o bairro. Impossível dizer das imagens com a miopia dos olhos da razão instrumental. Ler imagens evoca imagens, é um cerimonial de invocação do imaginário. O espectro do bairro só se permite ver aos olhos que não tem medo de imaginar. Só é possível de se ver quando a o território de viagem é do fantasioso. Morar não é um ato simplesmente objetivo, visível à olho nu. Morar é também, um ato imaginário, num espaço imaginário, do tempo mítico. Pertencer ao bairro é mais que cumprimento de um designo destinal que tem o progresso como horizonte sempre posto e o trabalho por carta de alforria. Pertencer é um sentimento, torna-se um acontecimento,

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 129-150, 2002 131

Page 132: Serviço Social e Realidade

eucaristia, prática mágica, o desenrolar de um ritual coletivo. Ou seja, dizer do ato de fecundação do bairro, da sua existência, do significado embutido no pertencer, exige colocar em estado de alerta um misto de sentidos, de vozes. É incitar o imaginário do observador e do bairro que se olha. É ser tocado pelos dedos do invisível, que a modernidade se esforçou por tornar inexistente. Significa despertar e espírito para ver / ouvir a fluidez da imagem. Olhar o imaginário fantástico de um grupo faz impossível atravessar virgem, sem que as veias fiquem impregnadas do que olha.

Mais que um lugar, a Vila é uma centralidade. Para além da dimensão física, compõe um espaço euclidiano. Tem o imaginário por matéria prima da construção / constituição. Enquanto objeto do olhar, torna-se sentimento, paixão, ódio, lócus do prazer, do medo, da fantasia, do desejo. Sua idade é um condensado que se acomoda num dedal, no vazio de um segundo, único instante que atesta a vida. A duração é da recordação, um relâmpago de imagens no espírito do vidente / contador / inventor de mitos. É eterno presente, é eterno no presente. Antes de tudo faz-se imagem.

Museu de ícones e imagens, esse é o bairro que se mostra e se faz mostrado por Zé Moreira, Seu Afonso, Dona Maria, Dona Zélia, Adolfo e outros. Sua pele é um condensado de tempos, e espaços. Apresenta-se labirinto, óvulo fecundado e ovário, corpo constituído, maturado e sementeira. Sua construção não está reduzida a arquitetura pobre de alvenaria e pau-a-pique. Ela se faz e refaz na fração de um segundo, comporta um tempo mágico responsável por atualizar a vida numa partícula de tempo. A memória e o imaginário são os ingredientes da mistura. Assim o bairro dá a luz todos os dias, nas mãos de todos e em cada partícula de existência. É parido como natureza parideira.

A dúvida recai sobre os olhos, acerca-se da definição que procura delimitar os domínios do bairro do João de Barro. Tudo fica à meio caminho, entre o real e o imaginário, entre a suspeita, o que parece e o que se apresenta. Denso nevoeiro envolve os olhos, todas as silhuetas, faz uma estranha armação levitar. Aos primeiros raios do dia, quando a noite ainda não se fora, à certa distância, o perfil que brota da terra ora amontoam túmulos, ora o que se acocoram parede-meia são as fachadas das moradas dos homens. Tudo se alinha indeciso, fantasioso, surreal. As

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 129-150, 2002 132

Page 133: Serviço Social e Realidade

certezas da matéria que se vê perdem os sentidos. Sobre o real pairam incertezas. A fantasia ganha uma substancialidade impossível de colocar sob suspeita. O João de Barro aparece assim uma mistura, uma mescla, fica entre o que se pode tocar e o que só o imaginário alcança, um espaço fantástico onde só a ingenuidade descrê. Razão e imaginário misturados formam as partículas do nevoeiro e o bairro fica assim rica indecisão, complexa indefinição. Aqui, a quimera não exclui a objetividade, os contornos da alvenaria sustentam fissuras e o imaginal voa longe, libertino e gordo de duplicidade.

Dos pés, envoltos por uma névoa fina, transparente, até a mais alta torre que se deixa ver, uma variedade de mitos cumprem sua órbita. As várias leituras que provocam, entram em comunhão, chocam e entrechocam de narrativa para narrativa, tramam trocas, estabelecem um comércio intenso entre si, expõem pluralidades, simultaneidades, ambivalências, contradições nas falas. Difícil dizer qual a leitura soberana. Certas narrativas, no entanto, já balançam, ameaçam de descrenças as certezas. O trabalho, enquanto visgo que aglutina e aprisiona as pessoas, enquanto marca solitária de identificação do grupo, afrouxa os laços. Por vezes, o trabalho visto como mônoda que reduz tudo o que é a Vila, parece assistir um reinado deposto no nascedouro. Ao que parece, esse traço nunca reina só, mesmo na idade de ouro dos canaviais de corte manual. A fantasia, o mito sempre impregnaram as entranhas do bairro e o próprio universo do trabalho. Quando as justificativas respondem a interrogação sobre a existência e permanência no bairro, quando é o sentimento de pertença o objeto do inquérito, morre à míngua o trabalho e o perfil do trabalhador como únicos protagonistas. É possível dizer de um imaginário do trabalho, de uma construção subjetiva que impregna e perfura, mas não exclui, sua fronte objetiva. Circunda o corpo do morador da Vila, um elenco de imagens sobre o trabalho: o trabalho sacrificado, sacrificial, enquanto pecado original; enquanto castigo inscrito já nos prolegômenos, nas conjecturas divinais, engramado na estrutura genética do hominídeo. Pureza que identifica o corpo do cristão, esse trabalho é o que sinala uma existência garantida, imersa no suor, como condição de redenção dos pecados do mundo. O trabalhador vem marcado pela simplicidade, a pobreza, o franciscanismo do estilo de vida. Todo o

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 129-150, 2002 133

Page 134: Serviço Social e Realidade

universo de imagens cerca e destitui da categoria trabalho a soberania míope da objetividade excludente.

Ser trabalhador vem cercado de leitura mítica, por isso ambígua e plural. O trabalhador é filho do excremento, carne impura arrancada do impuro. Seu destino está inscrito / prescrito antes mesmo que os tempos dêem a luz. A má hora do seu nascimento ronda e se inscreve contra o desejo. Está condenado à privação do desejo, do prazer, sucumbido à uma vida parida na dor, julgado à morte como ato definitivo, incontornável. Viver é prática de aceitação do puro sofrimento, do suor do corpo como parte do enredo sacrificial. A vida conseguida com o suor do corpo repete dia a dia a ação de benevolência do Ser Divino; encena o simulacro da dívida contraída no princípio dos dias humanos. A vida do trabalhador é sentença a ser cumprida até o final dos tempos. A lenda dos séculos, marca o corpo com o sinal do calvário, a apropriação moderna faz do suor do rosto a imagem do progresso. Na aventura cristã, o corpo do homem continua prisioneiro do pecado. O gene do castigo flagela sua pele de sol a sol, sentencia sua casa a expiação, lembra cada dia o crime hediondo que violou o Paraíso. Diz, então, do pérfido da natureza engramada nos genes faber da espécie. Esse trabalho parece ser fruto do voluntarismo, do surreal, do monstruoso das invenções do Criador, vem ao mundo encarnando quase um ato de perseguição, de cobrança, de vingança das divindades ofendidas.

Quando se percebe o João de Barro simplesmente como espaço de morada do trabalho, quando se faz dele prisioneiro do mito do progresso, guarda uma linguagem nesse mito. O personagem que encarna, veste por mortalha o ser trabalhador. Ver o João de Barro como um bairro de cortadores de cana, como espaço de morada do trabalho, é empreender uma linguagem redutora. Essa leitura míope aprisiona as pessoas da Vila aos mitos da civilização ocidental moderna. Nesses mitos, o personagem que sobra para encarnar, reduzem essas pessoas a só trabalhadores. Seus corpos são perfurados, prisioneiros do mito do progresso. O trabalhador realiza todos os dias o mito da criação no instante do pecado original. É o que sustenta a cruz por toda a humanidade pecadora. Desempenha o papel lendário de depuração de todos os crimes contra os reinos de Deus. Seu papel é, portanto, extremamente importante. Aos pés da Divindade, lambuzado de terra instante a instante, é o pária que

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 129-150, 2002 134

Page 135: Serviço Social e Realidade

recolhe o lixo, que limpa, que dá de comer e beber a humanidade. É o que come e bebe do seu suor. Sua vida e a possibilidade de redenção são expressões da extrema benevolência do Criador. Protótipo do pecador, porque carrega os frutos da desobediência primeira dos desígnios divinos, só chega aos céus pelo sofrimento, quando da limpeza da sua alma. Assim o João de Barro é a imagem exemplar do feio da criação, das tentações. Sua sobrevivência como bairro depende da bondade divina e do cumprimento da condição pela qual pode e está no mundo, a de ser um bairro de trabalhadores. O bairro do João de Barro pode ser entendido como uma atualização, apropriação do mito do progresso dos tempos modernos. Nesse mito o bairro encarna uma mortalha, viés que parece estar para a sobre-determinação de um traço que o acorrenta e sucumbe à uma identidade. Alma malhada, o bairro recusa a simplificação de uma só narrativa. Superpõe à condição de só trabalhador camadas de imagens, ambíguas, contraditórias, ricas de variedades, de intrincadas, obscuras leituras. Imaginário fértil, no final do século XX, ele se esmera em multiplicidades das artes de fazer/conceder/ imaginar / criar para viver a vida nos passos das mortes de todos os dias. Quando os territórios são da pessoa, se avizinha a comunhão, a simultaneidade, a multiplicidade, a dobra que redobra e desdobra, as astúcias, as fantasias como artimanhas. A quimera surge no semblante do homem como suporte, carta de alforria da vida. Uma legião de seres espectrais sustem o vivo complexo, arranca-o da morte. Uma alma malhada de substâncias e de virtualidades, de si e dos outros, torna-se a garantia astuta da sobrevida. Uma policausalidade de ser é que mantêm o ser vivo. A unicidade do diverso é a marca da pessoa, único jeito de olhá-la, se o trato é com a vivência, com a vida saída do útero do moribundo.

No espaço / tempo da atualidade, a objetividade carrega a dúvida sobre as certezas, a veracidade, a concreticidade que o tátil permite. Hoje, privilegiadamente, a quimera, o imaginário, o sonho, a legião de espectros tem substâncias. É preciso, pois, olhar o João de Barro no avesso do sol da meia noite, para além do que o sólido apresenta. É preciso montar vigilância sobre a sedução da objetividade, sobre a sua astúcia que viesa. Toda a racionalidade do moderno ocidental traz no seu seio não-racionalidades outras. Homem humano, homem produtor de

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 129-150, 2002 135

Page 136: Serviço Social e Realidade

mitos imanta de espíritos também o trabalho, a vida e a morte como um todo.

O trabalho, esse novo no Paraíso, obriga cada poro a evadir-se em lágrimas, a verter óleo que beatifica, batiza e marca com o sinal da cruz o destino do fazer e do fazedor. Obriga uma legião a cumprir pena eterna, beber do negror da terra, enquanto carta de alforria que permite o nascimento e a permanência em tempo e espaço históricos. O trabalho é visto como condição de vida, enquanto alquimia, bússola destinal, orientando sucessivos retornos, renascimentos, reencarnações e escaladas em direção à luz e/ou às trevas. Ao mesmo tempo, é redentor dos pecados do mundo e arquétipo da pureza oferecida em sacrifício que redime o cruento. Faz-se esperma, resíduo do diabólico na humanidade, gesta o imaculado através da mácula. O trabalho, enquanto sentença cumprida pelo pecador, traz ao homem a certeza resignada da morte, da perda da imortalidade, misto de conquista e castigo; através da vida mortal chega-se à imortalidade, objeto de desejo. Toda essa aura orbita o trabalho a despeito das leituras racionalistas que o estilo moderno constrói à sua volta, apesar do peso de chumbo que a ocidentalização tenta impor ao mundo.

A Dignidade é maldição, o faber da superioridade hominídea, a teatralização das gêneses, o suor que testemunha a altiva natureza da espécie e que atesta o dever cumprido, o castigo e a anamnese da desobediência original, a presença da sombra lilitiana por tentação e gene da rebeldia, o sinal da linhagem pecadora engramado no útero de todos os filhos, toda essa leitura variada e mítica ronda, implode e vasa o fazer produtivo e a máquina produtora do seu semblante objetivo.

A pessoa vasa a pele do trabalhador, faz dessa condição apenas uma faceta do caleidoscópio. Aos primeiros passos da dança, de uma coreografia que aos poucos se mostra, descortina-se ato por ato toda a complexidade da teatralização do cotidiano. Aqui o racional moderno revela sua fragilidade no desenho do humano. Impotente, em vão, pratica o exorcismo dos encantos, da mística que envolve e impregna atores/ autores e suas obras. Infância no olhar, o simples do corpo do só trabalhador se abre e deixa ver outros dos seus corpos superpostos, mostra-se verdadeiro viveiro. Corpos aparentemente solitários, desgarrados, tristes, apenas justapostos compondo amontoados

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 129-150, 2002 136

Page 137: Serviço Social e Realidade

disformes, fazem do verbo ser revelação. Assim, todo corpo realiza a imagem do encaixe que contém e é contido, possui e é possuído. Todo o João de Barro constrói uma península, um raizeiro, cujas raízes diversas são errantes, varam as cercas. Cada pessoa enraíza, rescende, é parte de uma comunidade de destino. Cada dobra do labirinto, que o raizeiro forma, cada vestimenta que cobre e colore os corpos, todas as rugas de cada corpo e do bairro como um inteiro são superposições de uma figura, formam uma alma malhada, de faces variadas, misturadas, plurais; constituem um eu que contém e é contido por vários, um ego que se faz como um cercado e abre pontes para o mundo, que aleita o familiar, faz o estrangeiro doméstico e vive o estranho dentro de si, conflitando, desassossegando e enricando o seu seio. Química mágica, arte alquímica, o singular torna-se abrigo, nicho onde todo o enredo de que faz parte, é encerrado.

Assim ronda o trabalho, possui o corpo do trabalhador o corpo mole, a astúcia que viaja todos os dias nos ombros do trampo e engana/dobra de feitor a patrão, corre o olho vivo, enfeita-se, os simulacros prontos para a cena. Ajeita-se a bajulação que “esconde o leite”. Viaja ainda no corpo do trabalhador, o lilitiano de cada um que gargalha nas sombras enquanto o sério que parece; o jogo que a aparente inocência joga; o perverso e o pervertido. Os olhos do crente fervoroso que vê no trabalho o único, o suficiente, o definidor dos moradores da Vila assistem a terra tremer sob seus pés. O sério e justo de Deus na face da sua criação, aqui é galhofeiro, divertido, mordaz, sacana, irreverente, rebelde dos desígnios do Senhor.

Assim, ronda o morador da Vila. Viaja no seu corpo o mago, o feiticeiro / curador, o pastor e o fiel, o ruim e o santo, o alegre, a festa, o sonho, a fantasia, o erótico, a vida e a morte. No corpo do morador se instala o monstro e a beleza das suas feições incompletas, abertas; espraia-se a derrota e a glória, a vergonha e o orgulho, tudo o que repulsa e o que atrai, a paixão, o desejo, os amores e toda uma senha de sensibilidades e sentimentos. Nesse corpo brilha o claro como o sol e o que se aconchega e castiga a luz da noite; freme a carne do desejo, do pecado e do promíscuo, do orgiástico – alegre gozo da gula, dos apetites dos corpos, dos objetos, dos comeres, da droga e da cachaça. No corpo das pessoas do João de Barro mora o reduto e o não-lugar onde tudo

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 129-150, 2002 137

Page 138: Serviço Social e Realidade

passa, tudo está em andança, em movimento, sem parada definitiva. Mora a sanidade e a loucura, o destro e o avesso, o comum e o coxo, a virgem e a outra. Na mesma pele dormita o sem glória e a excepcionalidade, o homem, a mulher e o andrógino de cada um. A carne que sustem a lama é morada de fantasmas. Em cada um habita o herói e o ídolo, o Deus e o Demônio, atualiza-se o mito, vive a arte de viver a vida nos braços da morte.

A criança nos olhos do Criador se encarrega de encomendar o alargamento do estreito da visão. Fantasia, lenda, mito, imaginário fantástico e a objetividade dura vêm acasalados, misturados para dar conta da riqueza das pessoas do João Barro. Na banalidade do bairro, respira difícil o monótono, o solitário, a mesmice de uma face única, o viver do trabalhador dos canaviais, do cidadão urbano de periferia. Não é só a insubordinação de uma visão presa as relações de trabalho que as pessoas do João de Barro obrigam a fazer. Na face de Prometeu irrompem grandes verrugas e as categorias da objetividade que amarram e amordaçam as pessoas a só trabalhadores e os trabalhadores a simples força de trabalho, não são suficientes para dizer da realidade que os olhos vêem.

Quando a preocupação gira em torno das imagens das pessoas que vivem e morrem na Vila, o olhar tende a percorrer um espaço além do geográfico, um tempo em que o histórico dos dias traz incompletudes. O olho vagueia pelo presente em busca dos rastros da gestação e da expansão do bairro, do semblante variado do espaço da banalidade e do extraordinário, sai em busca do que marca as almas que vagueiam por lá. A um estímulo secundário e a partir de fragmentos de vida, com os pés alçados no presente, o que os olhos vêem, veste fleuma escarlate. A memória oferece muito da matéria-prima. Os gênios da criação/ atualização assumem sua infidelidade com a corporeidade física dos reagentes que manipula: espaço, objetos, elementos da natureza, corpos. Comprometem-se com tudo que transborda, vida e morte, com tudo que vai além da substancialidade palpável. Aqui, o tempo abre possuído de um tempo outro e o fantástico ergue sua obra contra a podridão da morte e do trágico do destino. Nesses territórios tudo é inquieto, turbilhonar, tudo se mexe, atrita-se e convulsiona-se. Ora marca encontro o acaso. Ora os caminhos obedecem a trajetórias, cruzam-se ao sabor do voluntarismo

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 129-150, 2002 138

Page 139: Serviço Social e Realidade

destinal. As vidas cumprem movimentos dispares, afastam-se ao mesmo tempo em que sofrem força de atração, agregam-se, colam uma nas outras, feito visgo traçando destino comum, compondo espaços, ambientes familiares.

No João de Barro o território pontilha-se móvel, formigueiro só. Por vezes, nada parece disposto a fincar raízes, tudo viaja inquieto num espaço fantástico. Nesse espaço fantástico as imagens conjugam libertinagens, desobedecem distâncias, recusam esperas, desconhecem o tempo histórico. Os corpos trafegam, vivem tempo especial, além do determinado, espaço que vai além das dimensões físicas. Uma espécie de duplicidade do tempo e do espaço é o que se assiste aqui. Nos territórios do fantástico as leis da física clássica morrem à míngua e corpos penetram corpos, espectros contém espectros, vidas ocupam, sobrevivem no mesmo seio de outros vivos.

A cana de açúcar e a usina estão nos olhos do bairro em qualquer porta de entrada e saída. Constituem, na verdade, portas e pontes para um bairro imaginário, para um fantasma. Simbolizam a entrada para um bairro mítico, uma comunidade de destino. Encarnam, tornam-se entidades. Carregam vários corpos, sustentam um corpo misto, uma materialidade e um território possuídos de espíritos, aurificados, sacralizados. Emblemáticos, carregam um elenco de significados. Suas imagens revelam o inquieto, o conturbado da sua natureza: encantam, constitui um corpo de adoradores e fiéis, geram sentimentos, emoções que vão do êxtase do riso, a derrota e à vergonha.

Canavial e usina são cenários e personagens integrantes de um cerimonial de iniciação, de entrada para o bairro do João de Barro. Simbolizam o necessário para uma nova vida, um outro nascimento, o ingresso para um mundo onde se vive com mais folga na cidade. Essa dádiva da natureza é obtida através da fartura de serviço, é traduzida por uma vida mais folgada, com mais conforto. Mesmo para Zé Moreira, mineiro instalado no bairro há muito, envergonhado do que o canavial e a usina têm proporcionado hoje, mesmo para ele, essas entidades surgem empencados de bênçãos, continuam sendo consideradas um passaporte para o renascimento redentor. Tanto para pessoas que vem só para o corte e usinagem da cana, como para os moradores de longas safras na Vila, o canavial e a usina são de natureza generosa, esbanjam riquezas.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 129-150, 2002 139

Page 140: Serviço Social e Realidade

Zé Moreira marcado de desencantamentos de longas histórias de lutas por direitos, atribui o indigesto da vida das pessoas que vivem da lavoura, não à usina ou ao canavial e à terra. A responsabilidade está com certos homens que tem olhos diferentes, condenáveis para olhar a vida.

Então pra nois a osina é um futuro. Agora si ele é mal administrada, us home que ta lá dentro administro mal, qué dize qui a osina não tem curpa... O próprio homi qui tá trabaiano lá dentro, ele olha tudo de otos olhos. U home porque ele pensa qui tem o cargo a mais, ele num oia mais o Oto. (ZÉ MOREIRA, 1997) Substituí-los seria devolver o resplendor, a aura que naturalmente

banha o canavial e a usina, restaurando assim a possibilidade de volta a ordem inicial. O futuro, a fartura de serviço e de riquezas sem olhar a quem, a fonte inesgotável de vida, de amparo, de acolhimento, a fidelidade no cumprimento dos papéis de promover o reino de Deus, todo esse universo se perde deteriora, tem suas fontes de bem-aventurança secas, quando certos homens são guiados pela avareza. Eles, gerentes de usina na maioria, transformam o espaço do verde em morada da incerteza, das aflições, das humilhações, do desespero, do caos que a tudo pode triturar. A morte cobiça a lama dos homens, espalham inquietudes, desavenças transgressões, cobra os favores prestados. A usina, a terra, o canavial, seres sagrados, a bondade nos olho, “...dá de um tudo...não pode joga fora, dize qui num presta, que é curpada da desgraça do trabaiadô”. Hoje, por culpa dos homens, do demoníaco da sua cabeça, da cobiça que ronda seus pés, o bairro ameaça a se transformar em grande deserto, as suas casas em espaços do abandono, os homens em armários de lembranças de um tempo bom de serviço farto, de cozinhas abarrotadas.

Agora já num vem muito pessoal de fora pá osina, vem muito poço. As osina tá pono maquina, fazenda tamém. Num tem condições...muita famia tá indo embora. Hoje im dia ocê incontra muita casa vazia...nego qué vendê e i imbora. É a farta di imprego. (ZÉ MOREIRA, 1997) Realidades extra-humanas, surgem no imaginal de Zé Moreira.

Sacramentos, a cana, a terra e a usina, são recitados em versos. Leitura encharcada de emoções, vai exibindo na sua narrativa a reencarnação

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 129-150, 2002 140

Page 141: Serviço Social e Realidade

das batalhas sempre heróicas, sobre-humanas contra os gigantes, os monstros. Árduo, cheio de privações, de perigos, seduções e encantamentos, o bairro persegue a rota, encena dia a dia o ritual de passagem do profano ao sagrado, do efêmero para a realidade eterna, divina. Insiste no ato de revivicação do divino de cada um, de comunhão em Cristo, de nascimento/criação de um novo cosmo.

Mas, a cana de açúcar, a terra, a usina, que realizam a imagem símbolo da generosidade, da proteção do afago, do acolhimento, da fertilidade, da vida, erguem no mesmo chão as sepulturas. À sombra dos monumentos germina a putrefação, a morte, o caos. Administradores de usina de hoje, governantes, máquinas e herbicidas, o desemprego rondam feito espíritos malignos, infestam os ares do bairro. Atormentam, baralham os caminhos, atraem para o centro do turbilhão, oferecem campo aberto às heresias. Crimes, roubos, violências e perigos, a cachaça e os protestos banais, as brigas convulsionam o ambiente, estranham o rotineiro, colocam a domesticidade em estado de alerta. As drogas chegam parede e meia com a miséria, o presentismo juvenil, o modernismo, a estética dos ídolos contemporâneos e a ética que os envolve. Somam, a adrenalina que a volúpia e a pressa em viver no limite exigem, o diabo preso no interior da garrafa reconquistando o centro do santuário. O destrutivo do caos ameaça engolir a Vila. A bandeira hasteada no centro do bairro traz as cores da ameaça e do convite à reordenação desse mundo. Todo o universo material simbólico do grupo vive dias de aflição. A deserção surge no cenário das pessoas, o desencanto abate os heróis das tribos, os santos e anjos de guarda ouvem injúrias e perjúrios. O calvário parece alargar os domínios, a redenção ganha distância. Tocar a vida, viver o que dá, os instantes que são disponíveis, acentuam-se como recursos, como saídas.

Porque ocê sabi, ocê podi trabaiá u tanto qui fô. Mais si num tive amo, alegria, ocê trabaia sem razão. Eu convivo dentro da felicidade... O que sustenta um home é a felicidade. Eu sô feliz memo. Quando eu to com os meus pobrema eu começo a cantá. Tem dia que eu to trabaiano e to cantano. O feitor para pra mim vê cantano. (ZÉ MOREIRA, 1998) No olho do furacão, os sonhos minúsculos, as fantasias ralas,

pequenos delírios, adornam as cabeças. Cumprem a tarefa, realizam a

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 129-150, 2002 141

Page 142: Serviço Social e Realidade

magia de fazer bela e suportável a vida. Realizam a melhoria do mundo como obra de arte do corpo banal. No cenho do João de Barro reascende a alegria de viver a vida, sem causalidade que a objetividade dos olhos possam vislumbrar.

O bairro é um bairro alegre. O pessoal é sofrido mas a alegria não acaba. Ele não troca sofrimento. Num compara. Ele sofre mais continua alegre. (SEU AFONSO, 1997). Viver por viver, alegria por estar vivo, por exercitar/jogar com o

divino da sua providência/procedência. Prazer da vida, de se descobrir vivo, instante a instante, vitorioso ante a morte. As astúcias, as artimanhas permitem ao bairro o ato heróico de reviver, fazer o retorno mítico ao momento primordial, cumprir o cerimonial de inicialização, renascer, batizar e sofrer o batismo dia após dia.

Simultaneamente, se o cotidiano de luta árdua pela sobrevivência real e simbólica tende a quebrar os encantos da maioria dos moradores, deixa na boca um amargo de féu, também faz brotar das catacumbas sonhos milenares. A esperança cintila nos olhos trágicos de Zé Moreira. As asas se abrem nos pés de Seu Afonso. “Cidadão do Mundo”, seu imaginário alça vôo à cata do paraíso secular a que tem direito.

Morar aqui no João de Barro é igual morar em qualquer lugar. Pra mim é melhor morar aqui porque o custo de vida é menor que na cidade grande. Tem os relacionamento, amizade pra gente é uma coisa importante. É mais fácil uma relação de amizade com o povo mais simples... Eu sô apegado, mais dependendo das circunstâncias eu sô cidadão do mundo. (SEU AFONSO, 1997). Aos poucos, caminhando e ouvindo as alegrias e lamentos do

bairro, no rastro das suas sombras, o observador depara com a ambigüidade das portas. Fecham e abrem para as exterioridades. Guardam, encobrem os segredos e mistérios da Vila. Alimentam nos olhos dos moradores a desconfiança e a repulsão a tudo o que circula fora dos limites do reduto. Estendem as pontes, abrem a franquia às imagens que o mundo oferece. Mandala, giram os corpos sob encantamentos, fascinados do que vem. Emerge a península do bairro. Sem abandonar seus heréticos, os chefes das linhagens constroem

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 129-150, 2002 142

Page 143: Serviço Social e Realidade

explicações, expiações e o retorno a ordem primordial, o afrontamento do caos por vias que se embrenham fora do ambiente domiciliar. O bairro, sob essa luz, é todo fronteira, ponto nodal, espaços de confluência e de sinergia entre exterior e intimidades. Joga o jogo perigoso com o emblemático de certas figuras: a polícia, o governo, as autoridades, os usineiros, as imagens televisivas, os mitos modernos, as novas seitas e algumas milenares que chegam com os aromas do ar do tempo, novas máscaras para o fundo dos mesmos rituais, os cuidados que contornam e cobrem o corpo, com tudo o que se põe à mostra e se oferece para ser visto, os excessos de cada instante vivido, o sensível mais à flor da pele, os “curandeiros de fora”.

Zeloso dos filhos seus, dos que vem das terras de origem, dos amigos e parentes, o João de Barro que se fecha, constrói pontes, enreda de si, da vida e da morte que leva. Esmera-se nas esculturas, expõe, oferece aos olhos alheios de imagens. O divino social do seu ser, toca, confere vida ao mundo imaginal que transpira. Na mistura do colorido surgem a ambigüidade, a simultaneidade, a contradição, o conflito, a pluralidade das máscaras. Paixões, alegrias, tragédias, mitos, um estilo de vida, também integram o composto. A astúcia compõe obras de arte, apresenta em espetáculo o belo monstruoso.

O pecaminoso, o perigoso, o interdito, frutos do preconceito e das rejeições da cidade em relação à Vila, transmutam-se nas mãos dos moradores do João de Barro. Se por um lado, o bairro se identifica, se reconhece e admite as raízes da sua interdição, assume a meã-culpa, ao mesmo tempo, empunha a interdição, o perigoso do seu solo como escudo. Reforça assim as muralhas do reduto.

Não gosto qui fala mal do bairro. Si ocê vem aqui nu bairro e fô lá surgi um pobrema é purque ocê mexeu com argúem lá. Porque se ocê não mexeu num vai te pobrema. Si ocê num tem respeito uai... Do contrário quarqué qui chega é bem recebido. (ZÉ MOREIRA, 1997). Com o ambiente, se o ambiente é calmo, os costumes são uns. Se o ambiente torna-se agressivo, no caso, as pessoas também acompanha. O povo aqui é brabo mesmo. (SEU AFONSO, 1997).

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 129-150, 2002 143

Page 144: Serviço Social e Realidade

Os moradores da Vila se reconhecem bravos, trazem o veneno com antídoto. O negro dos adjetivos que carregam, gestado nas brigas por direitos, é transmutado em orgulho e glória. O medo que o seu rosto dissemina vem da recusa, da intolerância aos desrespeitos, às falsidades dos outros em relação à Vila.

Porto de entrada e saída, universo vivo, o povo da Vila fustiga a lengalenga do modo de vida da cidade. Empencado de diversidades, toma conta do lugar, agita, estranha o costumeiro no largo da matriz. Objeto de desdém, o João de Barro fala com desdém dos moradores de Guariba. Visto como antro, enquanto estrangeiro que infunde nódoa ao lugar, tratado como cria intrusa e indigesta que banha de negro o solo da região e corre o mundo enredando os agravos, os moradores da Vila devolvem os insultos e dizem do perigoso, do desregramento que habitam as ruas do centro de Guariba.

Pessoal da cidade vem. Eles vem aqui di Domingo. Então tem coisa, negócio di droga, tem muito di fora. Aí a veiz vem di fora. Então tem muito desrespeito da genti di fora. Vem as pessoa du centro da cidade. Lá a droga é mais sorta. (ZÉ MOREIRA, 1997). Vários são os jogos encenados pela Vila quando a sua imagem

está no centro do palco que se olha. Os próprios moradores ajudam a construir a imagem de espaço interdito. É nesse sentido que o interdito transmuta-se em reduto. O imaginário enquanto redenção do mundo, lócus da esperança, da generosidade, cumpre a tarefa de enfatizar as deformidades do bairro. Ora joga para os de fora, gente ignorante do seu cotidiano, o que a ele se atribui. Outra afeita, aponta para as próprias estrangeiridades do seu eu. Dentre as duplicidades, dentre as alteridades que se aninham na alma do João de Barro, colorindo de escuros véus as imagens que sua exuberância traça, estão a pobreza, o desemprego, a desgovernância que corre por suas ruas, os filhos jovens do seu ventre e os novos de chegada, os visitantes do alegre que os fins de semana exalam, os amantes do êxtase que as paixões, a maconha e o crack alimentam.

Outra feita, um discurso lendário vem à tona do presente e, fragmentos dos mitos de origem, surgem nas falas. Perfeito e puro nas origens, habitantes de uma terra sem males, os grandes matriarcas da

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 129-150, 2002 144

Page 145: Serviço Social e Realidade

espécie caem em desgraça por designos de Deus, que a tudo sabe e quer. Sucumbidos ao pecado original, inscrevem nos genes da humanidade as marcas da progenitura. Parte constitutiva de toda a natureza humana, uma potência habitante das suas entranhas, a lama, o mal brotam pelas feridas do mundo e de cada pessoa. Os mais frágeis, descuidados, inocentes e heréticos são os escolhidos para o ato de possessão. Por isso, em todos os lugares e tempos “... sempre há os bons e os ruins”. Tudo faz parte.

Os próprios moradores ajudam a construir a imagem de espaço interdito. Nesse sentido o interdito vira reduto. O imaginário, enquanto redenção do mundo, lócus da esperança, da generosidade, cumpre a tarefa de eufemizar as deformidades do bairro, joga para o outro o mal que é atribuído as suas entranhas (a pobreza, o mal governo, desemprego, certos jovens, os ignorantes da vida do bairro, os recéns chegados, os moradores do centro da cidade). Perfeitos e puros, os pais da espécie entram em desgraça com o pecado original e inscrevem no genes de todos os seus filhos as marcas da progenitura. Parte da natureza humana, o mal brota das fendas e escolhe alguns corpos para possuir. Por isso, em todo o lugar e tempo “... sempre há os bons e os ruins...”. Faz parte da obra de Deus. A meretriz, as heréticas, os fracos que sucumbem às tentações, os monstros, os que preferem não seguir os difíceis e sacrificiais caminhos de Deus, a alma pagã, atormentada, selvagem ao longo dos milênios, cumprem os atos primordiais. A desordem, Sodoma e Gomorra continuam sendo levadas ao palco, fazendo parte da ordem natural das coisas, da obra, dos desígnios de Deus. A meretriz, o herético, os fracos que são possuídos de tentações, os monstros e os que deliberadamente desconhecem os preceitos divinos, os que são avessos as dificuldades, aos sacrifícios e abstinências impostos pelo Criador, a alma pagã, atormentada, selvagem varando os tempos, todos repetem os atos originais. O presente continua a repetir a órbita que viaja até os primórdios, atualizando o traçado feito no início dos tempos por intervenção do dedo do Criador. O demônio e seu rebanho, as sombras do Genitor, cumprem papéis escritos por Deus, fazem parte da primeira seqüência de acontecimentos que implicam o pecado, os sacrifícios, as condenações, um elenco de penalidades e expiações e a redenção, o juízo final. A vida tem, pois que ser vista e vivida como ela é.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 129-150, 2002 145

Page 146: Serviço Social e Realidade

Só a fé redime e remove montanhas.O que se assiste é o retorno do recalcado, um cinismo que deixa de olhar de frente, o que cega, o tempo que passa, a morte e o peso que esse desdobrando definitivo impõe. As representações, imagens, contra-imagens trazem sedimentado, cimentado, os traços do perigoso e do não perigoso, do bom e do maligno.

À um giro do caleidoscópio, o olho depara-se com a face promíscua, com o diferente e o torto do estilo de vida vivido na Vila. O público e o doméstico, naturezas distintas, apartados no natural da urbanidade moderna, sai das tribos no João de Barro. Crianças aos montes, homens, mulheres e animais domésticos, libertinos, enchem as ruas e bares todos os dias. Não há desertos. O vivo se esforça e esmera em povoar as brechas. Ruas e bares conjugam a pluralidade dos papéis. Vestem o pregão da bolsa de empregos, o ponto de encontros, incorporam e transpiram sentimentos, atam laços afetivos, cheiram as novidades dos acontecimentos de dentro e de fora da Vila. O alegre abre o sorriso nas feições do bairro. No baile de máscaras, os sons estridentes, as cores rodopiam sem descanso.

Nu Domingo ocê vai incontrá os amigo, ocê encontra todo mundo. Vai bate papo. Ocê vê todo mundo... Domingo pa essas pessoa é di festa. Todo mundo na rua. (ZÉ MOREIRA, 1997). Sábados, domingos e feriados estão sempre em estado de graça.

Para quem olha à meia distância, o reboliço faz parte da armação do bairro, é atemporal, integra a sua imagem mitificada, está alojado no mundo imaginal, é um dos traços do desein.

Diante do sombrio das imagens produzidas pelo imaginário do largo da matriz, o bairro oferece ou mostra a outra face, o não revelado pelo perverso do artista. Considerando e agindo como se o bairro fosse órfão, insistindo em plantar a invisibilidade nas pessoas que ali moram, os velhos moradores da cidade praticam o desrespeito, usam a selvageria numa terra que consideram selvagem. Olho por olho, dente por dente, o bairro realiza o que o avesso ensinou à humanidade, arma-se e não oferece a outra face.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 129-150, 2002 146

Page 147: Serviço Social e Realidade

DANCINI, E. A. Urban images: labor and festivity, Prometeu and Dionisio. Serviço Social & Realidade (Franca), v.11, n.2, p. 129-150, 2002. • ABSTRACT: The fantasy, the fantastic reacts against the objectivity, against nothing,

against the dead, in order with the infusion of the sached, the magic in all existent.This is why is built the fantastic. Executes the fantastic function always an euphemist task, improves the earth, cheats the dead. When people built fabulous stories about themself, about other people, the district, the world, the job, the parties, they undertake this act of resistence. Work of collective art, by means of this stories they promote the betterment, the embellishment of earth, of life.

• KEYWORDS: Imaginary, labor, urbanity, sugar-cane, factory, festivity Referências Bibliográficas AUGÉ, Marc. O sentido dos outros: atualidade da Antropologia. Petrópolis: Vozes, 1999. ______. Não-Lugar. Introdução a uma Antropologia da Supermodernidade. Campinas: Papirus. BACHELARD, Gaston. A Água e os Sonhos. Ensaio sobre a imaginação da Matéria. São Paulo: Martins Fontes, 1989. ______. A Poética do Devaneio. São Paulo: Martins Fontes, 1988. ______. A Poética do Espaço. São Paulo: Martins Fontes, 1989. ______. A Terra e os Devaneios da Vontade. Ensaio sobre a Imaginação das Forças. São Paulo: Martins Fontes, São Paulo, 1991. ______. A Terra e os Devaneios do Repouso. Ensaios sobre as Imagens da Intimidade. São Paulo: Martins Fontes, 1990. BEAINI, Thais Curi. Máscaras do Tempo. Petrópolis: Vozes, 1995. BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Partilha da Vida. São Paulo: Cabral, 1995. CAILLOIS, Roger. Cercamientos a lo Imaginário. Coleção Popular 414, México: Fundo de Cultura Econômica, 1989. ______. O Mito e o Homem. Lisboa, Portugal: Ed.70. CANEVACCI, Massimo. Antropologia da comunicação visual. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2001.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 129-150, 2002 147

Page 148: Serviço Social e Realidade

CAPRA, Fritjof. A Teia da Vida. São Paulo: Cultrix, 1996. ______. O Tao da Física. Um Paralelo entre a Física Moderna e o Misticismo Oriental. São Paulo: Cultrix, 1995. CARVALHO, Edgard de Assis. Polifônicas Idéias: Antropologia e universalidade. São Paulo: Imaginário, 1997. CERTEAU, Michel de. Et al. A Invenção do Cotidiano 2. Morar, Cozinhas. Petrópolis: Vozes, 1997. CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano. Artes de Fazer. Petrópolis: Vozes, 1994. DELEUZE, Gilles. A Dobra - Leibniz e o Barroco. 1.ed., Campinas: Papirus. DURAND, Gilbert. A Imaginação Simbólica. 6.ed. Lisboa, Portugal: Ed. 70, 1993. ______. As Estruturas Antropológicas do Imaginário. São Paulo: Martins Fontes, 1997. ELIADE Mircea. Mito e Realidade. 3.ed., São Paulo: Perspectiva, 1991. ______. Mitos, Sonhos e Mistérios. Perspectivas do Homem. Lisboa, Portugal: Ed. 70, 1981. GIDDENS, Anthony. Modernidade e identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002. GREENE, Liz; SHARMAN-Burke. Uma Viagem através dos Mitos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001. LADURIE, Emmanuel Le Roy. Montaillon. Povoado Occitânico. 1294-1324. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. MAFFESOLI, Michel. A Conquista do Presente. Rio de Janeiro: Rocco, 1984. ______. A Sombra de Dionísio. Contribuição a uma Sociologia da Orgia. Rio de Janeiro: Geral, 1985. ______. No Fundo das Aparências. Petrópolis: Vozes, 1996.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 129-150, 2002 148

Page 149: Serviço Social e Realidade

______. O Conhecimento do Cotidiano. Para uma Sociologia da Compreensão. Lisboa, Portugal: Ed. Veja. MORIN, Edgar. A Religação dos Saberes. O desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil Ltda., 2001. ______. O método 5: a humanidade da humanidade. Porto Alegre: Sulina, 2002. ______. O Método III. O Conhecimento do Conhecimento. Publicações Europa-América, Portugal, Lisboa, 1986. PENA-VEJA, Alfredo; ALMEIDA, Cleide R. S.; PETRAGLIA, Izabel (Org.) Edgard Morin: Ética, Cultura e Educação. São Paulo: Cortez, 2001. SCHINITMAN, Dora Fried (Org.) Novos Paradigmas, Cultura e Subjetividade. Artes Médicas. Porto Alegre, 1996. TODOROV, Izvetan. Nós e os Outros. A Reflexão Humana. Rio de Janeiro: Zahar, 1993.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 129-150, 2002 149

Page 150: Serviço Social e Realidade
Page 151: Serviço Social e Realidade

A CONSTRUÇÃO RESPONSÁVEL DE UMA DISCIPLINA DO CURSO DE SERVIÇO SOCIAL: INTER-AÇÕES PROFESSOR/ALUNOS11

Ana Cristina Nassif SOARES*

• RESUMO: Este artigo trata de reflexões acerca do processo de construção da forma

de condução da disciplina Psicologia II, do curso de Serviço Social da Unesp-Franca. A partir da avaliação realizada pelos alunos, sobre aspectos da disciplina anterior, propusemos aos mesmos que pensássemos conjuntamente sobre instrumentos e atividades que nos auxiliassem a cumprirmos o programa da disciplina em questão. O envolvimento real dos alunos com esta “tarefa” trouxe processos e resultados altamente satisfatórios, durante o desenvolvimento da referida disciplina, com intensa participação da díade professor-aluno.

• PALAVRAS CHAVES: Construção; inter-relação; identidade; mudança; educação;

vivência; diálogo.

Ao longo de onze anos de prática docente, nossa função enquanto educadora tem sido, por nós, bastante revisitada. As experiências que acumulamos como aluna, nos permitem ter como base modelos de alguns professores que tivemos na vida escolar para que pudéssemos adquirir um estilo próprio de docência, ou seja, nossa própria identidade. No entanto, a identidade não se encontra descolada de um contexto, o que faz com que esteja em constante modificação:

... o indivíduo se configura ao mesmo tempo como personagem e autor – personagem de uma história que ele mesmo constrói e que, por sua vez, o vai constituindo como autor. (JACQUES, 1999, p. 163)

Assim, através da interação com professores, alunos, instituições,

disciplinas, pudemos realizar mudanças em nossa prática educacional.

11Relato de uma experiência vivida na disciplina Psicologia II do curso de Serviço Social da Unesp-Franca, durante o ano de 1999, com os alunos do então 2o ano da graduação, períodos diurno e noturno. Como nos seria impossível listar os nomes de todos os alunos envolvidos, estes se tornam co-autores deste artigo. * Docente do Departamento de Educação, Ciências Sociais e Política Internacional UNESP - Franca-SP.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 151-156, 2002 151

Page 152: Serviço Social e Realidade

Algumas experiências vividas, como professora e como aluna, nos faziam pensar nas relações autoritárias que se estabelecem entre estes sujeitos. Professores que se colocavam numa hierarquia tão rígida, cristalizada e distante dos alunos, que estes nem sequer “ousavam” perguntar a respeito de conteúdos ininteligíveis; alunos que, ao lerem uma simples nota de rodapé de um livro, se arvoravam a tecer críticas ao autor ou mesmo, ao professor.

Estas questões, entre tantas outras, sempre nos acompanham. Como seria possível iniciar um processo de mudança destas relações? O quê poderia contribuir para uma maior aproximação professor-aluno, sem perder a hierarquia socialmente “exigida”?

Ao lermos um texto de Bateson (1991) que trata basicamente de três sistemas, o indivíduo humano, o social e o ecossistema, um trecho, em especial, nos chamou a atenção para estas questões:

... ahí está la humildad, y la propongo no como un principio moral, desagradable para gran cantidad de personas, sino simplemente como un elemento de filosofía científica. Durante el período de la Revolución Industrial, el desastre más serio fue quizás el incremento enorme de la arrogancia científica. (...) y el hombre occidental se vio a sí mismo como un autócrata com poder absoluto sobre un universo que estaba hecho de física y de química. (...) Pero esa arrogante filosofía científica está ahora obsoleta, y en su lugar alboreó el descubrimiento de que el hombre es sólo una parte de sistemas más amplios, y que la parte nunca puede controlar el todo. (BATESON, 1991, p. 468) Desta forma, pudemos passar a pensar em relações que se

estabelecem entre sistemas, por exemplo, o dos alunos e o do professor; o da instituição, no qual os sistemas anteriores se encontram, e o do Estado, entre outras tantas relações possíveis. Estas reflexões nos levaram a outros lugares, além daquele ocupado por uma forma tradicional e fechada de “exercer” a docência.

No início do ano de 1999 nos preparamos, mais uma vez, para recomeçarmos o trabalho didático com a segunda série, na disciplina anual Psicologia II, do curso de Serviço Social; estes alunos haviam cursado conosco, em 1998, a disciplina Psicologia I, no primeiro ano.

A partir de avaliações realizadas pelos alunos sobre a disciplina anterior, percebemos que eram necessárias modificações para 1999. O

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 151-156, 2002 152

Page 153: Serviço Social e Realidade

roteiro sugerido por nós para esta avaliação constava dos seguintes itens: conteúdo programático; metodologia; didática; relação professor-aluno e formas de avaliação (provas e seminários).

Uma das reclamações dos alunos era de que a prova proposta por nós em Psicologia I havia contemplado um conteúdo muito extenso, dificultando a aprendizagem por parte dos alunos; isto disparou em nós um grande desejo de fazer algo diferente. Parecia que estávamos em um momento único, trabalhando com duas turmas (dos períodos diurno e noturno) com características um tanto distintas das turmas anteriores: responsáveis e envolvidas com a disciplina e com o curso, de modo geral.

Começamos, então, a pensar sobre que propostas poderíamos fazer aos alunos, mas com a certeza de que não queríamos fazê-las sozinha, ou seja, não iríamos impô-las e sim, construí-las.

A questão da prova do ano anterior, apontada pelos alunos como extensa em seus conteúdos, nos fez refletir sobre a função da avaliação dos alunos. Quais são os objetivos de se avaliar um aluno? A avaliação somente verifica o nível de conhecimento do aluno? Quais capacidades do aluno estão em jogo em uma prova? Qual o papel do professor na avaliação?

Com estes questionamentos em mente, elaboramos, assim, diretrizes para o programa a ser desenvolvido em Psicologia II, sem alteração de conteúdo, mas com uma forma metodológica totalmente diferente do que já havíamos realizado. Propusemos provas mais freqüentes, ao final de cada assunto proposto e desenvolvido nas aulas para que o conteúdo não ficasse acumulado.

Nas primeiras aulas, começamos, então, a discutir este formato com os alunos dos dois turnos; ao longo de duas aulas, pensando sobre as avaliações da disciplina do ano anterior e das propostas dos alunos e nossas, chegávamos a um formato conjunto para a disciplina Psicologia II. Os alunos também manifestaram o desejo de terem um contato prévio com o conteúdo de cada tópico a ser trabalhado; depois de algumas conversações, estabelecemos juntos que os alunos fariam uma breve pesquisa de campo ou bibliográfica sobre o assunto em questão. Assim, de posse deste material e de um texto anteriormente indicado e lido, poderíamos refletir sobre as semelhanças e diferenças entre o material

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 151-156, 2002 153

Page 154: Serviço Social e Realidade

produzido nas pesquisas e as propostas dos autores discutidos em sala de aula.

Desta forma, tivemos o seguinte formato para o primeiro semestre da disciplina Psicologia II:

Discussão em aulas sobre a pesquisa e o

texto indicado

Avaliação do tópico em

questão com base nas aulas

anteriores

Pesquisa bibliográfica ou

de campo

As avaliações foram elaboradas com base na pesquisa realizada pelos alunos, nos textos lidos e nas discussões em sala de aula, bem como na vivência12 dos mesmos. Acreditamos que o aluno, ao ingressar na universidade, não deve ter seus conhecimentos anteriores desprezados, mas sim ampliados e aprofundados. Vale ressaltar que, um dos aspectos avaliados positivamente por estes alunos na disciplina do ano anterior, foi a possibilidade de haver um diálogo aberto entre professor e alunos; assim, mantivemos esta postura para que, acompanhando o raciocínio do aluno, tivéssemos a oportunidade de permanecermos ampliando e questionando seu processo de construção do pensamento.

Os resultados foram surpreendentes e motivadores. A grande maioria dos alunos dos dois turnos, diurno e noturno, realizou todas as pesquisa, leu os textos previamente e respondeu, de forma bastante profunda e reflexiva a avaliação de cada módulo do conteúdo programático.

As aulas se tornaram muito “concorridas”, havendo sempre uma presença maciça dos alunos, bem como discussões acaloradas sobre os assuntos propostos. De nossa parte, também houve uma sensação prazerosa e envolvente ao participarmos deste processo, sem que deixássemos de ser “a professora”, mas também concebendo o aluno

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 151-156, 2002 154

12 Definimos este termo de acordo com o Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa Caldas Aulete (1970): “Processo psicológico consciente no qual o indivíduo adota uma posição valorizante sintética, que não é unicamente passiva e emocional mas também supõe uma intervenção intelectual ativa.” Acrescentamos, ainda, a posição analítica como postura deste processo.

Page 155: Serviço Social e Realidade

como ser social, que pensa, age e pode modificar sua ação com os recursos que vai aprendendo a utilizar.

Dauster (1996), ao discutir a relação da antropologia com a educação nos empresta suas idéias ao comentar que:

Em conseqüência do ‘olhar’ relativizador, o professor, burilando seus sentimentos, perceberá, por exemplo, o aluno não mais pela ‘ótica da privação cultural’, buscando entendê-lo na positividade de seu universo cultural e não restrito a indicadores de sua privação, face à lógica social do seu próprio grupo.” (grifos originais) (DAUSTER, 1996, p.82)

Pensamos ter sido esta nossa intuição, quando realizamos o

trabalho conjunto professor-aluno; como conseqüência, acreditamos estarmos em conformidade com nossa visão de mundo e de ser humano, propiciando a nós, professor e aos alunos, oportunidades reais de construir um conhecimento compartilhado.

Ainda nos utilizando de Dauster (1996):

Os efeitos epistemológicos deste olhar conduzem ainda a uma visão contextualizada do fenômeno educativo, a uma valorização da diversidade e da heterogeneidade culturais e a questionamentos sobre posturas etnocêntricas que contrariam a pedagogia ‘bancária’. (grifo original) (DAUSTER, 1996, p.82)

Enfim, a todo momento, travamos discussões acadêmicas contra a

educação tradicional, sem nos aventurarmos na diferença; diferença esta que se refere também a nós, professores, ao modo como ministramos as aulas, às formas como conduzimos um debate em sala de aula. Precisamos sair deste debate infértil e foi o que tentamos fazer.

Nós, enquanto professora, observamos nas expressões dos alunos, o “pensamento” acontecendo...; os questionamentos, as dúvidas e a emoção na aventura do conhecimento, se tornaram a “prova” concreta do ser humano transformador da realidade... aquele que busca, incessantemente, respostas para sua vida cotidiana. Não houve, até o presente momento, experiência mais enriquecedora e gratificante para nós, pois esta nos modificou profundamente e nos fez acreditar no aluno que nos modifica e nos faz crescer a todo momento.

Estas questões permeiam nossa prática enquanto educadora; estar sempre refletindo sobre as relações complexas que se estabelecem na

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 151-156, 2002 155

Page 156: Serviço Social e Realidade

universidade, pode, dentro dos limites possíveis, modificar aspectos fragmentados concebendo-os não só como intelectuais, mas como parte da vida cotidiana dos alunos, bem como do professor. Talvez assim, a experiência universitária se torne menos reificada para ambos.

“Recordemos: o real excede sempre o racional.” (MORIN, 1996, p.169)

SOARES, A. C. N. The responsible construction of a discipline in the Social Work Course: inter-actions teacher/students. Serviço Social & Realidade (Franca), v.11, n.2, p. 151-156, 2002. • ABSTRACT: This article make reflections about the construction of the conveyance

form of the discipline Psychology II, from the Social Work course of UNESP/Franca. With effect from the valuation done by the students, upon aspects of the anterior discipline, we propose them to think jointly about intruments and activities that could help us to execute the program of the discipline in question. The real involvement of the students with this “task” brought processes and results highly satisfactory, durin the development of the referred discipline, with an intense relation teacher-students.

• KEYWORDS: Construction, inter-actions; identity, change; education; experience;

dialogue.

Referências Bibliográficas BATESON, G. Pasos hacia una ecología de la mente. Una aproximación revolucionaria a la autocomprensión del hombre. Argentina, Buenos Aires: Planeta, Carlos Lohlé, 1991. DAUSTER, T. Navegando contra a corrente? O educador, o antropólogo e o relativismo. in BRANDÃO, Z. (org.) A crise dos paradigmas e a educação. 3.ed., São Paulo: Cortez, 1996. (Coleção Questões da Nossa Época) GARCIA, H.; NASCENTES, A. Dicionário contemporâneo da língua portuguesa Caldas Aulete. 5.ed. Rio de Janeiro: Delta, 1970. JACQUES, M. G. Identidade. in STREY, M. N. et al. Psicologia social contemporânea: livro-texto. 3.ed., Petrópolis: Vozes, 1999. MORIN, E. Ciência com consciência. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 151-156, 2002 156

Page 157: Serviço Social e Realidade

A EXPERIÊNCIA DA MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA DE LIBERDADE ASSISTIDA NO MUNICÍPIO DE FRANCA/SP

Maria Inês Alves Moura COIMBRA*

Raquel Santos SANT’ANA**

• RESUMO: Este artigo descreve a experiência do Serviço Social com adolescentes que praticaram ato infracional que cumprem medida sócio–educativa de liberdade assistida no Município de Franca/SP. Aborda os trâmites legais da medida e o atendimento feito pela equipe municipal junto ao adolescente que cometem ato infracional.

• PALAVRAS CHAVE: Adolescente; ato infracional; estatuto da criança e do

adolescente; orientador social; atendimento social. A violência é um tema polêmico e tem estado freqüentemente em

pauta nos meios de comunicação. Com o acirramento de atos violentos, ganham destaque na mídia análises simplistas e estereotipadas que deturpam as causas do fenômeno.

É neste contexto que muitos questionamentos surgem em relação à adolescência, porém, quando se trata de adolescentes que cometeram ato infracional, a inquietação é ainda maior; nota-se que o discurso dominante culpabiliza o jovem pelo aumento da violência e criminalidade encontrada na sociedade; com isto desvia-se o foco das lentes e deturpa-se o real: a violência é resultado de inúmeros fatores e a miséria, o desemprego e a ausência de expectativas de vida digna muito contribuem para o agravamento da questão. Por outro lado, diversos estudos apontam que, dentre os crimes praticados, menos de 10% são de autoria de menores de 18 anos. (ABONG, 2001)

O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.8069, de 13 de julho de 1990), embora represente uma conquista para a sociedade brasileira, ainda não foi totalmente efetivado. Esta lei estabelece a doutrina da proteção integral e caracteriza a criança e o adolescente como pessoa em

* Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social UNESP – Franca-SP. ** Docente do Departamento de Serviço Social e do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social UNESP – Franca-SP.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 157-170, 2002 157

Page 158: Serviço Social e Realidade

condição peculiar de desenvolvimento, sujeitos de direito e prioridade absoluta.

Com a implantação do ECA, o conceito de criança e adolescente foi mudado, havendo rompimento com a “Doutrina da Situação Irregular”, mantida até então pelo Código de Menores (Lei n.6.697, de 10 de outubro de 1979), que, por sua vez, destinava-se especialmente à crianças e adolescentes de classes baixas. Este código criminalizava a pobreza e dividia a categoria infância em duas vertentes: uma com necessidades básicas satisfeitas (crianças e adolescentes) e outra com necessidades básicas insatisfeitas (menores).

Muito embora levada a efeito a mudança no plano legal, os adolescentes que cometeram ato infracional sofrem críticas de diversos setores da sociedade. A grande maioria das medidas sócio-educativas (art. 112) previstas pelo ECA não funcionam porque não é cumprido o estabelecido pela lei. Por exemplo, o jovem que praticou ato infracional dificilmente terá acesso à condição de cidadão através das disposições e acompanhamentos previstos pelas diversas medidas; continuará sem oportunidade de trabalho de estudo, de lazer etc.

Na verdade, mais complexa que a discussão emocional que vem sendo feita com certo sensacionalismo pelos meios de comunicação social, esta temática exige um olhar para além dos muros que separam os meninos e meninas que cometeram ato infracional.

A discussão nacional sobre estes adolescentes deveria estar voltada para o atendimento adequado das medidas sócio-educativas, porém, está desviada para aspectos punitivos. O discurso permanece apoiado no paradigma autoritário e repressor do antigo Código de Menores, não considerando a garantia de direitos assegurados pelo ECA e, com isto, excluindo cada vez mais o jovem autor de ato infracional.

As medidas sócio-educativas previstas no ECA dependem da ação integrada dos três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), além do Ministério Público, Conselho Tutelar e sociedade civil. O objetivo de todos deve ser único: a resolução das questões relacionadas ao adolescente que praticou ato infracional.

É necessário tratar o adolescente primordialmente como sujeito de direitos e por este motivo, as medidas sócio-educativas não podem estar desvinculadas do sistema de proteção integral.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 157-170, 2002 158

Page 159: Serviço Social e Realidade

Neste artigo será apresentado o trabalho desenvolvido pelos orientadores sociais, previstos pelo ECA, no acompanhamento da medida de Liberdade assistida no Município de Franca-SP.

1. Os procedimentos das medidas sócio-educativas

De acordo com o ECA, para que seja aplicada uma medida sócio

educativa, o adolescente que cometeu ato infracional tem garantido um processo de avaliação no qual são envolvidos os seguintes órgãos:

- Secretaria Estadual de Segurança Pública (através das Delegacias de Polícia): É responsável pela apreensão do adolescente e elaboração do Boletim de Ocorrência.

Os pais ou responsáveis devem ser comunicados quando o adolescente é apreendido, porém, isto raramente acontece de fato.

- Ministério Público (através do Promotor da Infância e Juventude): procede à audiência, podendo promover o arquivamento, conceder a remissão além de representar a autoridade judiciária na aplicação da medida sócio-educativa, dentre outros.

- Juiz da Infância e Juventude: é responsável pela nomeação de defensor público, determina estudos de caso, profere sentença e aplica medida sócio-educativa.

- Secretaria de Estado na Área de Assistência Social (através da FEBEM): este órgão é o responsável pelo acolhimento do adolescente para execução das medidas sócio-educativas de: internação provisória, internação, semiliberdade, liberdade assistida e prestação de serviços à comunidade. Coordena também os programas sócio-educativos em nível municipal através de convênios.

- Prefeitura Municipal ou Instituições Sociais: Nas cidades onde houve a municipalização, o atendimento é feito por equipe local coordenada pelos técnicos de Febem. Onde não houve o repasse do atendimento para o município, via de regra, quem faz o atendimento é a Febem. Em Franca, embora ainda não tenha acontecido a regulamentação do processo de municipalização, a prefeitura é responsável pelo acompanhamento dos adolescentes que cumprem a medida sócio-educativa de Liberdade Assistida.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 157-170, 2002 159

Page 160: Serviço Social e Realidade

O Estatuto da Criança e do adolescente prevê seis medidas sócio-educativas para os adolescentes que cometeram ato infracional. É importante salientar que estas medidas vão das mais brandas (advertência) para as mais graves (privação de liberdade) e que se baseiam no comportamento do adolescente podendo progredir ou regredir.

As medidas sócio-educativas são as seguintes: - Advertência (art. 115) – Segundo o ECA, consiste em

admoestação verbal realizada pelo juiz ou promotor para o adolescente, pais ou responsáveis por descuidarem de seus deveres, entidades governamentais ou particulares que descumprirem suas obrigações. Deve ser aplicada na hipótese de atos infracionais leves praticados por primários.

- Obrigação de reparar o dano: conforme o art. 116 do ECA, “em se tratando de ato infracional com reflexos patrimoniais, a autoridade poderá determinar, se for o caso, que o adolescente restitua a coisa, promova o ressarcimento do dano ou, por outra forma, compense o prejuízo da vítima.” Quando o adolescente for menor de dezesseis anos, a reparação dos danos caberá aos responsáveis.

- Prestação de Serviços à Comunidade (art.117 do ECA) – Consiste na obrigação do adolescente de executar tarefas gratuitas junto a entidades assistenciais, hospitais, orfanatos e outros estabelecimentos congêneres, em programas comunitários ou estatais. As tarefas deverão ainda ser atribuídas conforme a aptidão do jovem. Esta medida é pouco aplicada; para que tivesse maior eficácia, seria necessária a colaboração da comunidade, além de um acompanhamento sistemático realizado por um técnico junto ao adolescente e às entidades.

- Liberdade Assistida: de acordo com o art. 118 do ECA, a liberdade Assistida será adotada “sempre que se afigurar a medida mais adequada para fim de acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente. A autoridade designará pessoa capacitada para acompanhar o caso.” Será fixada pelo prazo mínimo de seis meses, podendo ser prorrogada, revogada ou

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 157-170, 2002 160

Page 161: Serviço Social e Realidade

substituída por outra medida. A liberdade assistida deve ser aplicada aos adolescentes reincidentes.

- Inserção em regime de semiliberdade: esta medida sócio-educativa deve ser aplicada com forma de transição do regime fechado para o aberto. Conforme a denominação, o adolescente terá sua liberdade parcialmente privada, devendo permanecer em casas abrigos; deverá trabalhar e estudar externamente podendo recolher-se à noite ou vive-versa, de acordo com o regimento interno de cada estabelecimento.

- Internação em estabelecimento educacional (FEBEM): segundo o art. 121 do ECA, consiste em total privação de liberdade, não comporta prazo determinado, devendo ser reavaliada a cada seis meses, não excedendo o período máximo de três anos. Deve ser cumprida em entidade exclusiva para adolescentes, obedecendo a rigorosa separação por critérios de idade, compleição física e gravidade da infração.Esta medida só deve ser imposta em casos de extrema necessidade, como por exemplo, ato infracional cometido mediante ameaça ou violência à pessoa, por cometimento de outras infrações graves ou por descumprimento de medida imposta anteriormente.

Embora descumprido e não efetivado, o ECA aponta vários direitos para o adolescente. Por exemplo: aquele que cumpre a medida sócio-educativa de internação deve ter acesso aos meios de comunicação, realizar atividades esportivas, culturais e de lazer, habitar em condições adequadas de higiene, permanecer internado na mesma cidade onde reside ou naquela mais próxima, ter acesso a seus objetos pessoais. Estes direitos, no entanto, têm sido constantemente negligenciados pelas unidades de internação que continuam sem condições efetivas de realizar o atendimento previsto pelo Estatuto.

No que se refere às outras medidas a situação se repete principalmente quando são necessários equipamentos sociais de proteção e apoio. A fragmentação e a orientação neoliberal das políticas sociais vão trazer um rebatimento direto no atendimento dado aos jovens que praticaram ato infracional e isto se evidencia na quase ausência de oportunidades tanto a nível de trabalho quanto de proteção social.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 157-170, 2002 161

Page 162: Serviço Social e Realidade

O acompanhamento das medidas sócio-educativas de Liberdade Assistida no município de Franca

Em Franca, contamos atualmente com a aplicação de três medidas

sócio-educativas: a advertência, a obrigação de reparar o dano, a prestação de serviços à comunidade e a liberdade assistida, sendo esta última a mais aplicada pelo Juiz da Vara de Infância e Juventude.

Trataremos em particular da medida de liberdade assistida. Esta passou a ser desenvolvida a partir de 1994, através da FEBEM – Fundação Estadual do Bem Estar do Menor, sendo anteriormente aplicada pelo Serviço Social judiciário.

Em junho de 1999, com o encerramento do atendimento prestado no CASA (Centro de Apoio Semi-aberto) foi interrompido o cumprimento da medida de semiliberdade em Franca. Os jovens, por determinação judicial, continuaram a ser atendidos pela mesma equipe – uma assistente social e duas estagiárias de Serviço Social, porém, em regime de liberdade assistida.

No ano 2000, a execução da medida sócio-educativa de liberdade assistida e o Projeto Educação de Rua (que atende adolescentes com vivência de rua) passaram a ocupar o mesmo espaço físico, apesar das especificidades de cada atendimento. Surge então, o Centro de Orientação do Adolescente e Família – Mosaico.

O Mosaico é uma iniciativa da Prefeitura Municipal de Franca e conta atualmente com parceria da Fundação Telefônica do Estado de São Paulo, que investiu recursos financeiros durante um ano para implementar o trabalho com os adolescentes, parceria esta em fase de encerramento.

É importante salientar que a medida sócio-educativa ainda não foi municipalizada devido a entraves burocráticos.

No Mosaico, conforme citado anteriormente, existem dois projetos em execução, que embora tenham características comuns, possuem suas especificidades.No projeto Educação de Rua, os adolescentes não cometeram ato infracional e, portanto, não possuem a obrigatoriedade de comparecer às atividades.

Os adolescentes que cumprem a medida sócio-educativa de liberdade assistida são obrigados a comparecer aos atendimentos - o que nem sempre ocorre -, além de apresentarem comportamento condizente

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 157-170, 2002 162

Page 163: Serviço Social e Realidade

com a medida, pois este será informado ao juiz através de relatórios periódicos apresentados pelo orientador responsável.

A maioria dos adolescentes possui, em comum, dificuldades de relacionamento familiar, são usuários de drogas, possuem baixa escolaridade, falta de acesso a atividades culturais e esportivas, além de possuírem os desejos e necessidades comuns à adolescência.

Segundo o projeto aprovado pela Prefeitura Municipal e pela Fundação Telefônica de São Paulo, o objetivo geral da medida sócio-educativa de liberdade assistida no município de Franca “é a construção de um projeto de vida em consenso com a adequação social.” Apesar desta concepção ajustadora, os profissionais procuram desenvolver uma ação reflexiva e crítica. Nos atendimentos trabalha-se com os adolescentes e famílias enquanto sujeitos únicos, porém inseridos numa sociedade adversa. Trata-se, portanto, de proporcionar condições diferenciadas, tanto em nível concreto, quanto de reflexão, para que eles possam entender melhor a realidade e seus mecanismos de opressão, bem como usufruir de seus direitos.

O trabalho com adolescentes que cumprem medida sócio-educativa de liberdade assistida e seus familiares

A medida sócio-educativa de liberdade assistida (art. 118 do ECA),

deve ser aplicada combinada com as medidas de proteção, pois somente assim, poderá oferecer alternativas variadas para promover a educação do jovem, como inserção em escola, trabalho, saúde e lazer. Não podemos esquecer que antes e mesmo depois de cometer um ato infracional, o adolescente é um sujeito de direitos.

Conforme o ECA, o orientador de liberdade assistida deve garantir, no cumprimento da medida, os aspectos de: proteção, inserção comunitária, cotidiano, manutenção de vínculos familiares, freqüência e aproveitamento escolar, inserção no mercado de trabalho e/ou cursos profissionalizantes.

O acompanhamento da medida sócio-educativa pode ser realizado por profissionais de qualquer área (orientadores), desde que, conforme prevê o ECA, tenham formação adequada para tanto.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 157-170, 2002 163

Page 164: Serviço Social e Realidade

Em Franca, os orientadores são assistentes sociais, porém o atendimento aos adolescentes é feito por uma equipe composta pelos três assistentes sociais, por três estagiários de Serviço Social e seis educadores. Estes últimos ministram atividades diárias, como tear, capoeira, alfabetização, bijuteria, esportes e culinária, sendo esta última para as mães. Atualmente são atendidos cerca de 50 adolescentes, sendo tal número rotativo, já que ora inicia a medida de um jovem, ora encerra-se a de outro.

Faz parte do acompanhamento a visita domiciliar periódica, o atendimento individual e reuniões com os jovens e familiares, além das oficinas realizadas internamente.

No início do cumprimento da medida, o adolescente acompanhado pelos pais, passa pela primeira entrevista com o orientador que explica a importância da medida e o objetivo do atendimento. É traçado, em conjunto com o adolescente, um Plano de Atendimento Personalizado, de acordo com o interesse manifestado por ele. Neste contato também é, caso necessário, realizado encaminhamento para providenciar documentação pessoal do jovem ou de algum membro de sua família, bem como o encaminhamento para o atendimento na área de saúde (médico ou dentista) ou inserção da família em programas sociais, quando possível.

A maioria dos adolescentes atendidos, quando maiores de 16 anos solicitam trabalho; quando são mais jovens pedem cursos profissionalizantes. Todavia os maiores não conseguem trabalho e há pouquíssimos cursos profissionalizantes na cidade e na maioria das vezes estes exigem escolaridade compatível com a idade ou mensalidades onerosas, o que exclui o jovem que está em L.A.

Quando o recurso existe os adolescentes são acompanhados pelo orientador, estagiário ou educador para garantir a efetivação de seus direitos, como por exemplo, a vaga escolar ou engajamento em algum curso da comunidade.

Os adolescentes retornam para o atendimento de acordo com a avaliação técnica, podendo fazê-lo semanalmente, quinzenalmente e alguns, diariamente.

Estes últimos, em menor número (aproximadamente 10), são jovens cujas oportunidades são escassas na comunidade, pois são

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 157-170, 2002 164

Page 165: Serviço Social e Realidade

analfabetos. Neste caso, freqüentam atividades internas diárias, inclusive a oficina de alfabetização. Os encontros com os orientadores para a discussão de temas educativos são semanais.

Para os adolescentes que freqüentam o atendimento quinzenalmente ou mensalmente, existem reuniões mensais, sendo também abordados temas educativos como: direitos e deveres, drogas, tráfico, sexo, escolhas e o papel da polícia civil e militar. Os temas levantados são sugestões dos próprios jovens.

A equipe realiza encontros mensais com as famílias e discutem temas de interesse comum, como: educação, relacionamento familiar, ECA, entre outros. Deste grupo de familiares surgiu o interesse para a realização da oficina de pães, estando, atualmente, em fase de implantação uma padaria, onde serão, além de oferecidos cursos para as mães, comercializado quitandas para alguns setores da comunidade.

Ressaltamos que nas reuniões com famílias e adolescentes procura-se respeitar o interesse do grupo e acima de tudo promover a reflexão sobre o papel destes como sujeitos históricos, portanto, sujeitos, que através da mobilização e participação podem promover mudanças significativas em suas vidas e nos locais onde residem.

Um outro grupo coordenado pelos assistentes sociais, que se reúne mensalmente, é o de pais de adolescentes que cumprem medida sócio-educativa de internação (aproximadamente 17). Este grupo surgiu em virtude da mobilização dos próprios familiares que se viam sem alternativas para visitarem seus filhos internados nas unidades da FEBEM em Ribeirão Preto ou São Paulo. A partir das reuniões foi possível que os pais garantissem visitas mensais aos filhos nas unidades de internação.

É importante mencionar que os grupos familiares, tanto dos pais dos adolescentes em liberdade assistida quanto dos pais de internos da FEBEM possuem grande confiança nos orientadores, o que garante o vínculo, fator essencial para a efetivação do trabalho.

A confiança e o vínculo são possíveis quando o profissional realiza intervenções despidas de preconceito, com abertura para o diálogo e reflexões, procurando, principalmente, não culpar a família pela situação

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 157-170, 2002 165

Page 166: Serviço Social e Realidade

em que seus filhos se encontram, pois esta reproduz para os filhos as dificuldades e desigualdades que vivencia.13

Faz parte do acompanhamento da medida de liberdade assistida, realizado pelo assistente social como orientador, a elaboração de relatórios periódicos que podem ser mensais, bimestrais ou trimestrais, de acordo com determinação judicial. Estes relatórios devem conter os procedimentos adotados pelo orientador em relação ao jovem e a família, bem como análise técnica do caso, sugerindo a prorrogação, encerramento, arquivamento, progressão ou regressão da medida sócio-educativa.

No Plano de Monitoramento e Avaliação os orientadores realizam, trimestralmente, controle de reincidência, freqüência e rendimento escolar e nível de relacionamento familiar e social dos adolescentes, com o objetivo de verificar a eficácia do atendimento.

Periodicamente, os orientadores entram em contato com a Promotoria da Infância e Juventude para verificar o grau de reincidência do adolescente e com as escolas para averiguar o índice de aproveitamento e freqüência dos adolescentes em LA.

Quanto ao relacionamento familiar e social, é difícil para os orientadores avaliarem, pois é um item subjetivo. Para tal avaliação foi elaborado um questionário que serve de referência para os orientadores. De acordo com a dinâmica familiar observada durante os atendimentos e as visitas domiciliares, o orientador preenche o questionário em questão.

Considerações Finais

As dificuldades encontradas pela equipe de Franca são resultado

de todo um contexto social mais amplo embora, tenha as suas especificidades; no geral a sociedade local reproduz os preconceitos e nega ao jovem oportunidades de trabalho, de estudo, enfim, de vida; as políticas sociais são escassas para este segmento e não garantem condições de cidadania.

13 Mioto coloca que as situações dramáticas vivenciadas pelas famílias no atual contexto devem ser enfrentadas como desafios, como pedidos de socorro. (Cf: MIOTO, 1997, p.115-30)

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 157-170, 2002 166

Page 167: Serviço Social e Realidade

A estereotipia e o preconceito fazem com que pouquíssimas oportunidades de trabalho ou mesmo de capacitação profissional, sejam dadas a estes jovens. Um exemplo evidente disto é a dificuldade de engajamento escolar, pois muitos diretores de escolas, descumprindo o previsto pelo ECA, recusam-se a receber adolescentes que cometeram ato infracional alegando que os outros alunos receberão más influências. Nestes casos é necessário solicitar a vaga por determinação judicial.

O profissional que faz a orientação de L.A., frente aos limites conjunturais e institucionais, tem muitas dificuldades de atender o que está disposto no ECA, afinal, não existe uma rede de apoio e atendimento aos jovens e suas famílias.

É importante, no entanto, destacar uma questão que depende do profissional e que é de extrema relevância para o atendimento: o vínculo e a confiança que deve existir entre o profissional e o adolescente e sua família. Caso o orientador tenha um olhar simplista e culpabilize o jovem sem apreender o contexto social mais amplo, a relação torna-se meramente formal.

No município de Franca, é possível afirmar que a equipe que atende L. A. luta contra os limites citados e procura cumprir seu papel de inserção do jovem autor de ato infracional, porém esbarra quotidianamente nos limites de uma sociedade desigual, preconceituosa e que não garante a população condições mínimas de seguridade social, aspecto básico da tão propalada cidadania social que cada dia mais se faz “cidadania de papel”. COIMBRA, M. I. A. M.; SANT’ANA, R. S. The experience of socio-educative measure on sustained liberty in Franca-SP. Serviço Social & Realidade (Franca), v.11, n.2, p. 157-170, 2002. • ABSTRACT: This article descibes an experience of Social Work with adolescents that

practice infractor act that accomplish socio-educative measure of sustained liberty in Franca/SP. Boards the legal procedures of the measure and the service done by the municipal body with the adolescent that commits infrational act.

• KEYWORDS: Adolescence; infractional act; Children and Adolescents Statute; Social

guide; Social Service.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 157-170, 2002 167

Page 168: Serviço Social e Realidade

Referências Bibliográficas ABONG. Crianças, adolescentes e violência - Subsídios A IV Conferência Nacional dos direitos da criança e do adolescente. Cadernos ABONG, novembro/2001, n.29. ESTATUTO da Criança e do Adolescente lei n.8069 de 13/07/90. ABUDD, Kátia Carvalho. O ECA: paradigmas e desafios. Mimeo, Franca, 2000. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da república Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988. CONANDA (Conselho Nacional dos direitos da criança e do adolescente). Medidas sócio-educativas e responsabilização dos adolescentes. In Adolescentes, ato infracional e cidadania. São Paulo: Fórum DCA Nacional e ABONG, 1999. CONANDA - Diretrizes nacionais para a Política de Atenção Integral à Infância e à adolescência. (2001-2005) Brasília, 10/2000. Crianças, adolescentes e violência – Subsídios À IV conferencia nacional dos direitos da criança e do adolescentes. Cadernos ABONG, n.29, novembro/2001- DEMO, Pedro. Política Social, educação e cidadania. 2.ed. Campinas: Papirus, 1996. ______. Cidadania menor: algumas indicações quantitativas de nossa pobreza política. Rio de Janeiro: Vozes, 1992. FREIRE, Paulo. Desafios da Globalização. V. V. A. A. Petrópolis: Vozes- 1997. KOSIK, Karel. Dialética do Concreto; tradução de Célia Neves e Alderico Toribio, 2.ed. Rio de janeiro: Paz e terra, 1976. Lei Orgânica da Assistência Social – lei n.8742 de 7/12/93. MESTRINER, Maria Luiza. Liberdade Assistida e Prestação de Serviço à Comunidade: medidas de inclusão social voltada a adolescentes autores de ato infracional. São Paulo: IEE/PUC-SP e FEBEM-SP, 1999.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 157-170, 2002 168

Page 169: Serviço Social e Realidade

MIOTO, Regina. Família e serviço social - contribuições para o debate. Serviço Social e Sociedade, ano 51, n. 55, 1997, p.114-30. NOGUEIRA, Paulo Lúcio. ECA Comentado. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 1993. PARANÁ – Conselho Estadual de defesa da Criança e do Adolescente – Política de Atendimento dos direitos da Criança e do Adolescente no Estado do Paraná. 3.ed. Curitiba: CEDCA, 2001. SALLES, Leila Maria Ferreira. A Representação Social do Adolescente e da Adolescência: Um Estudo em Escolas Públicas. Cad. Pesq; São Paulo, n 94, p.25-33, ago.1995. SILVA, Edson; MOTTI, Ângelo. (coords.) Uma década de Direitos: ECA - Avaliando resultados e projetando o Futuro. (Cadernos para a Cidadania. Série Escola de Conselhos; n.3). Campo Grande: UFMS, 2001. SPOSATI, Aldaíza. Mínimos Sociais e Seguridade Social: uma revolução da consciência da cidadania. Serviço Social e Sociedade. Novembro 1997. ______. Os desafios da Municipalização do atendimento à criança e ao adolescente: O convívio entre LOAS e o ECA. VIEIRA, Evaldo. O Estado e a Sociedade Civil perante o ECA e a LOAS. Serviço Social e Sociedade. Março 1998. VOLPI, Mário. O Adolescente e o Ato infracional. 2.ed. São Paulo: Cortez, 1997.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 157-170, 2002 169

Page 170: Serviço Social e Realidade
Page 171: Serviço Social e Realidade

COMUNIDADE: ESPAÇO DO EXERCÍCIO DO PODER LOCAL E DA DEMOCRACIA14

Rita de Cássia Lopes de Oliveira MENDES*

José Walter CANÔAS** • RESUMO: As organizações populares, hoje, vem sendo consideradas uma resposta

às desigualdades sociais. A luta pela garantia dos direitos sociais adquiridos, as reivindicações populares para a conquista de novos direitos e a sua persistência, é uma característica destas organizações. Diante do contexto sócio-econômico do Brasil, o Serviço Social, vêm adquirindo atividades diversificadas e voltadas principalmente para o coletivo. Busca-se por meio da organização comunitária uma melhor qualidade de vida, levando a comunidade a refletir sobre sua condição de vida, fazendo valer os seus direitos. O Serviço Social, pelo seu caráter educativo, contribui diretamente, para estimulação da comunidade na elaboração e implantação de projetos sociais que possam atender as necessidades básicas da comunidade local e manter uma diálogo reflexivo com as pessoas, que com clareza do seu papel de sujeito histórico, possa planejar e vislumbrar meios para reivindicar novos direitos e ter acesso aos direitos já garantidos. Trabalhar o coletivo, pensar em projetos sociais que possam melhorar a condição de vida das comunidades, estamos pensando também, num serviço social com referência teórico-metodológico, capaz de trabalhar com as bases populares, que possam de forma articulada buscar respostas concretas às questões sociais.

• PALAVRAS CHAVE: organização popular; comunidade; Serviço Social; cidadania;

democracia.

O homem ao transformar a natureza através de suas ações, às vezes não percebe, que estas ações também transformam a sua vida, e conseqüentemente, a humanidade. Rita de Cássia L. O. Mendes

14 Este texto é resultado das discussões e reflexões oferecidas na disciplina Poder Local, Comunidade e participação democrática pela Profa. Dr. Ana Maria Ramos Estevão, do programa de Pós-Graduação da UNESP – Campus de Franca, em nível de mestrado. * Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social UNESP – Franca/SP, e Docente do Curso de Serviço Social da FUNEC – Faculdades Integradas de Santa Fé do Sul-SP. ** Docente do Departamento de Serviço Social e do Programa de Pós-Graduação UNESP – Franca-SP. Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 171-178, 2002 171

Page 172: Serviço Social e Realidade

O Serviço Social no mundo globalizado exerce importante papel na percepção das mudanças mundiais, as quais interferem nas relações sociais e conseqüentemente nas metodologias de trabalho da profissão. A busca constante de entender estas novas mudanças refletidas diretamente nas práticas profissionais, leva o assistente social à outras perspectivas de trabalho: o desenvolvimento de projetos articulados à novas formas de pensar o mundo e de enfrentar as questões sociais, visualizando o homem como sujeito e transformador de sua história. Neste contexto, o Serviço Social de comunidade, vêm adquirindo atividades diversificadas, voltadas principalmente para o coletivo. Entendemos por Comunidade, um espaço de união consciente de pessoas, com interesses e necessidades comuns e diversificadas, onde cada uma contribui com sua individualidade para uma construção coletiva, buscando a transformação da realidade cotidiana por meio da representatividade coletiva, valorizando a liberdade e a democracia.

Ao falar em comunidade lembra-se, quase sempre, de um espaço limitado geograficamente, onde situam-se o local de moradia das pessoas, espaço este que também pode ser escolhido. A opção por determinada comunidade muda o cotidiano, pois os interesse particulares ficam subordinados aos valores e interesses da comunidade. Ressalta-se a importância do indivíduo como o responsável pela mudança da realidade em que vive, superando a sua particularidade.

Souza (1999, p. 66), comenta que “a substância da comunidade não está no aspecto físico da área de moradia, mas no conjunto de relações e inter-relações, de poderes e contra-poderes que se estruturam, tomando como referência a infra-estrutura física e social que, por sua vez, tem suas determinações nas estruturas fundamentais da sociedade”. Assim sendo, é uma realidade que apresenta elementos da sociedade que pertence. Ao falar de comunidade, significa diferenciá-la da sociedade como um todo, pois esta é uma das expressões da sociedade, com características específicas.

Os movimentos sociais, as organizações comunitárias, representam o poder das pessoas diante das situações de conflito e resistência às desigualdades sociais causadas pelo sistema capitalista. Desigualdades que levam as pessoas, em determinados momentos, não possuírem condições de escolha. Por exemplo, se têm boas condições financeiras,

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 171-178, 2002 172

Page 173: Serviço Social e Realidade

podem morar onde quiserem, caso contrário, financiam uma casa popular ou submetem-se as condições lastimáveis de moradia. A indignação diante destas contradições que faz as pessoas se articularem e buscarem os seus direitos. Souza (1999, p. 17) comenta que “... em suas contradições, os espaços de moradia podem se tornar espaços de transformação social”. A diversidade de cultura, de valores, de história de vida, de tradição e a vivência comum de necessidades num determinado espaço, constroem identidades e faz com que os locais de moradia sejam espaço de convivência e também de transformação. A privacidade precisa ser mantida, mas a vida social necessita ser valorizada. As pessoas se unem pelos traços comuns, mas deixam transparecer e manifestam suas diferenças por vários meios, um deles são as modificações nas casas, ou seja, no seu meio particular.

Ainda que a dimensão da impessoalidade prevaleça como um traço marcante da sociedade moderna, Castells (1999, p. 79), considera que as pessoas resistem ao processo de individualização e atomização, tendendo a agrupar-se em organizações comunitárias que, ao longo do tempo geram uma identidade cultural comunal. Não aceitando a individualização, as pessoas buscam nos espaços de moradia, formas de organização para o exercício dos seus direitos de cidadão. Em meio a este contexto que surgem os movimentos sociais, as organizações comunitárias, os grupos e associações, que se fortalecem por terem um objetivo comum e, a partir de sua organização, adquirem força para o enfrentamento das questões sociais na sociedade, expressando-se de formas variadas as questões sociais em que vivem.

Para Castells (1999, p. 23), “os movimentos sociais tendem a ser fragmentados, locais, com objetivo único e efêmeros, encolhidos em seus mundos inferiores ou brilhando por apenas um instante em um símbolo da mídia”. Para o autor, num mundo de mudanças confusas e incontroladas, as pessoas tendem a reagrupar-se em torno de identidades primárias: religiosas, étnicas, territoriais, nacionais. Um fato muito comum no contexto da sociedade de massas, é que, desde princípios do século XX, “a cidade e sua urbanização passa por um processo de distanciamento, indiferença e estranhamento de seus moradores”. (SEVCECENKO, 1992, p. 31). A competitividade eleita pelo mercado, a comunicação fácil pela Internet, telefones celulares, criam um individualismo que somente é

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 171-178, 2002 173

Page 174: Serviço Social e Realidade

corrompido quando o indivíduo necessita do coletivo para se fortalecer, visando interesses comuns e necessidades urbanas, nesse aspecto, temos os Centros Comunitários, Associações, grupos de jovens, mulheres, idosos, instituições religiosas, entre outras organizações. Entretanto, o número de participantes de alguns destes grupos, aparentemente, não é expressivo, conseguem uma certa união enquanto buscam algo próximo e comum, depois, apesar de insistirem, geralmente, vão se acabando aos poucos, ou retomam o grupo quando sentirem necessidade. Aquele que sobrevive, torna-se ponto de referência e passa a fazer parte da identidade do bairro, estes são chamados de movimentos sociais.

Ao buscar a qualidade de vida social através dos direitos, a comunidade entra em conflito com os interesses em sociedade. O que é direito para mim é dever do outro. Não obstante, a intensa politização da sociedade, a partir dos anos 1980, não conseguiu gerar, de certa forma, uma cultura democrática consistente, pois no Brasil, a via democrática se configura “sem que se tivesse como contrapartida uma noção de deveres, de obrigação política com o coletivo, de obrigação com a comunidade, no sentido de que os nossos problemas são coletivamente nossos” (LAHUERTA, 2001, p. 42).

O trabalho de organização popular, hoje, vem sendo considerado uma resposta às questões sociais. A luta pela garantia dos direitos sociais adquiridos, as reivindicações populares para a conquista de novos direitos e a sua persistência, são características destas organizações. Diante do contexto sócio-econômico do Brasil, o Serviço Social ao trabalhar com o coletivo, busca uma melhor qualidade de vida, levando a comunidade refletir sobre sua condição de vida, fazendo valer os seus direitos. O Serviço Social, pelo seu caráter educativo, tem importante papel e contribui diretamente na articulação da comunidade, por ser capaz de desenvolver um diálogo reflexivo e democrático com a comunidade, despertando ou incentivando-a para o exercício da cidadania.

O Serviço Social passou por vários momentos de reflexão, principalmente no movimento de reconceituação, em que a sua prática foi questionada e reformulada, buscando compreender o papel do Serviço Social no processo de desenvolvimento comunitário. Ammann, descreve que o movimento de reconceituação do Serviço Social mostrou novas

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 171-178, 2002 174

Page 175: Serviço Social e Realidade

formas de trabalho, apontando para o trabalho com movimentos populares, e desvelou a sua ideologia enquanto reiterativo e manipular nas instituições:

... de um lado a crítica sobre o desenvolvimento de comunidade desvendara seu caráter ideológico, reiterativo e manipulador. De outro, a reconceituação do Serviço Social apontara para os limites da ação profissional no interior das instituições. (...) apontou a possibilidade de ação do Serviço Social junto aos movimentos populares, como alternativa de criação de um vínculo orgânico com a classe dominada. (AMMANN, 1991, p. 182-3 In WANDERLEY, 1998, p. 44) Ou seja, o trabalho com os movimentos populares passou a ser

visto de forma diferente, realmente como uma nova possibilidade. Foi nos anos 1980 que se observou, “a volta à cena do

desenvolvimento de comunidade enquanto programa governamental de nível nacional, revelando-se, este fato, como parte do processo contraditório de democratização vivido pelo país (AMMANN, 1991, p 166 In WANDERLEY, 1998, p.55). O que parecia ser uma forma de desenvolvimento local, significou a inibição do surgimento de movimentos populares e também o controle dos já existentes. A formalização da organização comunitária em Centros Comunitários, com regimento, estatuto, tarefas pré-determinadas, foi um exemplo de adequação a ordem estabelecida. Segundo Wanderley (1998, p.34), na década de 1960, o trabalho de desenvolvimento de comunidade era visto como um instrumento de aplicação dos recursos do governo, utilizando gratuitamente a força de trabalho da comunidade.

O trabalho comunitário permite ao Serviço Social estar diretamente ligado às pessoas e ao processo de educação popular. Neste sentido o desenvolvimento da comunidade significa o desenvolvimento humano, social e político de grupo, associações, organizações e principalmente de movimentos populares, que surgem quando a população, consciente do seu papel de sujeito histórico, planeja e consegue descobrir meios e formas de reivindicar seus direitos já garantidos e propor a criação de outros, visando atender as necessidades coletivas. Acreditar na possibilidade de emancipação do indivíduo, é visualizar possibilidade de mudanças sociais. O Serviço Social é muito importante neste processo, a medida em que contribui com a mobilização da população quando questiona a realidade

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 171-178, 2002 175

Page 176: Serviço Social e Realidade

vivida por eles, levando-os a refletir sobre a sua qualidade de vida. Qualidade de vida precisa ser entendida além do suprimento de necessidades prioritárias (habitação, saúde, educação, emprego e renda), abrangendo também, as relações como de lazer e da participação social e política. Considerações Finais

A comunidade é uma realidade a ser estudada, pois cada uma

possui a sua especificidade, o seu valor a sua história, enfim, a sua cultura e responde diferentemente às questões sociais. É parte integrante da sociedade, nas quais as contradições capitalistas se fazem presentes a todo momento.

A comunidade é passível de escolha pelo indivíduo, é um espaço em que a sua participação será cobrada. Segundo Souza, “a participação é processo social que existe independente da interferência provocado por um ou outro agente externo”, ou seja, ela é inerente ao homem, que passa a ser considerada questão social a partir do momento em que o homem questiona a sua realidade.

Trabalhar o coletivo, vislumbrar projetos sociais que possam melhor a condição de vida em comunidade, objetivar a educação visando uma população consciente de seus direitos é construir um Serviço Social capaz de trabalhar de forma articulada com as bases populares, que possam, juntos, buscar respostas concretas às desigualdades sociais, seja cobrando a efetivação das políticas sociais, seja criando formas alternativas de sobrevivência. A participação, segundo Souza (1999, p.82), precisa ser vista pelo profissional como um fenômeno também da sua prática e não somente do usuário. Cabe aos profissionais a leitura e interpretação desta realidade, acreditando sempre na emancipação do ser humano. MENDES, R. C. L. O.; CANÔAS, J. W. Community: space to exercize the local power and the democracy. Serviço Social & Realidade (Franca), v.11, n.2, p. 171-178, 2002. • ABSTRACT: The popular organizations, today, have been considered as an answer to

the social inequalities. The struggle by the acquired social rights guaranty, the popular vindications to conquest new rights and their persistence, are characteristics of these organizations. In front of the social and economical contexts of Brazil the Social Work

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 171-178, 2002 176

Page 177: Serviço Social e Realidade

is acquiring diversified activities and they are turned, mainly, to the collective. By means of the communal organization is searched a better quality of life, conducing the community to reflect about life condition, and to be worth their rights. The Social Work, by his educative character, contributes directly, to the stimulation of the community int the elaboration and implantation of social projects that can attend the basic necessities of the local community and maintain a reflexive dialogue with people, that having clear your papers of historical subject, can brood and glimpse means to claim new rights and have access to the rights already guaranties. Collective work, think in social projects that can be better the community contition of life, we are thinking too, in a Social Work with a theoretical-methodological reference able to work with the popular bases, that can in a articulated form search for concrete answers to the social questions.

• KEYWORDS: Popular Organization, community; Social Work; citizenship; democracy. Referências Bibliográficas CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. Trad. Roneide Venâncio Majer. São Paulo: Paz e Terra, 3.ed., v.1, 1999. ______. O poder da identidade. Trad. Klauss Brandini Gerhardt. São Paulo: Paz e Terra, 2.ed., v.2, 1999. GARCIA, Ronaldo Aurélio Gimenes. Migrantes mineiros em Franca: memória e trabalho na cidade industrial (1960-1980). Franca: UNESP/FHDSS: Amazonas Prod. Calçados S/A, 1997. FALEIROS, Vicente de Paula. Serviço Social: questões presentes para o futuro. Serviço Social & Sociedade. São Paulo. ano 17, v.50, abril/1996. LAHUERTA, Milton. A democracia difícil: violência e irresponsabilidade cívica. In: Estudos de Sociologia. Ano 6, n.10, 2001, 1º semestre. SANPAIO, P. A. Construindo o poder popular: as seis condições de vitória das reivindicações populares. São Paulo: Paulinas, 1982. SOUZA, M. L. Desenvolvimento de comunidade e participação. 6.ed. São Paulo: Cortez, 1999. WANDERLEY, Mariangela Belfiore. Metamorfoses do desenvolvimento de comunidade. São Paulo: Cortez, 1998.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 171-178, 2002 177

Page 178: Serviço Social e Realidade
Page 179: Serviço Social e Realidade

DIFERENCIAIS DE SALÁRIOS: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO SOBRE DESIGUALDADES REGIONAIS E INTERINDUSTRIAIS NO

ESTADO DE SÃO PAULO

Hélio BRAGA FILHO∗ Fabiano GUASTI LIMA∗∗

Márcio Benevides LESSA∗∗∗

• RESUMO: Procuramos nesse artigo tratar o tema Diferenciais de Salários a partir de um recorte regional do Estado de São Paulo, objetivando estabelecer uma associação entre atividades econômicas no segmento da indústria, valor adicionado e, postos de trabalho segundo o grau de instrução e sua respectiva remuneração.

• PALAVRAS CHAVE: desigualdades regionais; valor adicionado; indústria;

especialização. Na economia como geralmente na teoria social os velhos conceitos raramente são excluídos e não há idéias de todo novas e originais. Gunnar Myrdal (1972).

Premissas ao estudo

Optamos por tratar do tema “Diferenciais de Salário no Brasil” a partir da abordagem situada na área que envolve os diferenciais geográficos e diferenciais salariais. Todavia não pudemos evitar os desvios que nos conduziram aos diferenciais de salários interindustriais, uma vez que, nosso propósito foi verificar as diferenças salariais num limitado e selecionado espaço econômico do Estado de São Paulo.

Partindo do suposto que existem e persistem diferenças – econômicas, sociais, políticas, culturais, tecnológicas, etc. – entre os países industrializados e aqueles denominados subdesenvolvidos, do mesmo modo, devem existir e provavelmente persistir diferenças nos próprios países, bem como, nas diferentes regiões de um mesmo país.

Assim, questionamos por que numa mesma região há a existência ∗ Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social UNESP – Franca-SP. Mestre em Gestão Administrativa pela FACEF e Economista. ∗∗ Doutorando pela FEA/RP/USP, Mestre em Ciências pela FFCLRP/USP e Matemático. ∗∗∗ Mestre em Gestão Administrativa pela FACEF e Economista.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 179-202, 2002 179

Page 180: Serviço Social e Realidade

do fenômeno inerente ao problema das diferenças salariais? O que contribui para que isso ocorra?

Responder tais questionamentos não é tarefa tão simples, uma vez que, o tratamento para essas indagações não depende apenas de uma variável que possa explicá-la, mas, de um conjunto de variáveis inter-relacionadas. Porém, não é nosso propósito explicar o problema abrangendo a sua totalidade, sendo assim, procuramos recortar a realidade procurando interpretá-la a partir dos elementos (por nós julgado relevante) que a constitui.

A decisão de localizar uma indústria em determinada comunidade, por exemplo, impulsiona seu desenvolvimento geral. Proporcionam-se possibilidades de emprego e rendas elevadas aqueles que se encontravam desempregado ou com empregos de baixos salários. Os negócios locais podem florescer à medida que aumenta a demanda para seus produtos e serviços.15 Independente dos fatores que contribuem para que numa

determinada localidade se instale uma indústria, os efeitos multiplicadores são em si mesmo representativos, pois, o simples fato de surgir na hipotética comunidade uma indústria a mesma gera postos de trabalho e salários, proporciona o aumento do consumo de bens e serviços, contribui para a ampliação da arrecadação de impostos, além de proporcionar e criar condições favoráveis para o desenvolvimento de outras diferentes atividades econômicas, bem como, de melhorar a infra-estrutura da própria localidade.

Considerando que o consumo é função linear da renda, quanto maior for a renda e dada propensão a consumir, maior e mais diversificada será, provavelmente, a cesta de produtos consumidos pela comunidade, alavancando possibilidades de diversificação das atividades econômicas, novos postos de trabalho, aumento da massa de salários, arrecadação de impostos e, assim por diante.

Além disso, da parcela não consumida resulta a base para a determinação da acumulação, que em um ciclo posterior gera o capital necessário a evolução da localidade pelo incremento nos investimentos.

15 MYRDAL, Gunnar. Teoria econômica e regiões subdesenvolvidas. Tradução de N. Palhano. 3.ed. Rio de Janeiro: GB, Saga, 1972, p. 50.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 179-202, 2002 180

Page 181: Serviço Social e Realidade

Persistindo esse modelo, temos nos ciclos subseqüentes o embrião para o crescimento sustentável, premissa ao desenvolvimento de uma localidade.

No entanto, em se tratando de uma economia regida pelo livre jogo das forças de mercado, nem sempre os fatos acontecem como o que foi anteriormente descrito, o que muitas vezes, acaba por gerar os inconvenientes econômicos e sociais.

A principal idéia e desejo veicular, é que o jogo das forças de mercado tende, em geral, a aumentar e não a diminuir as desigualdades regionais. Se as forças do mercado não fossem controladas por uma política intervencionista, a produção industrial, o comércio, os bancos, os seguros, a navegação e, de fato, quase todas as atividades econômicas que, na economia em desenvolvimento, tendem a proporcionar remuneração bem maior do que a média, e, além disso, outras atividades como a ciência, a arte, a literatura, a educação e a cultura superior se concentrariam em determinadas localidades e regiões, deixando o resto do país de certo modo estagnado16 Entretanto, considerando a idéia de que “indústria atrai indústria”

e, que os fatores de atratividade do investimento estão mais subordinados à lógica do cálculo econômico – bem como, de outros condicionantes e determinantes do investimento – do que da ação intervencionista do Estado, a tendência natural é a de agravamento e não de atenuação dos desequilíbrios regionais.

É fácil ver como a expansão em uma localidade produz ‘efeitos regressivos’ (back-wash effects) em outras, isto é, os movimentos de mão-de-obra, capital bens e serviços não impedem por si mesmos, a tendência natural a desigualdade regional.17 Na década de 90, a economia brasileira experimentou de modo

mais acentuado intenso processo de reestruturação produtiva, cujo sintomas foram entre outros traduzidos pela relocalização industrial, que motivada pela “Guerra Fiscal” provocou a desconcentração industrial favorecendo outras regiões da federação em detrimento dos Estados de

16 MYRDAL. Op. Cit. p. 52. 17 MYRDAL. Op. Cit. p. 53.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 179-202, 2002 181

Page 182: Serviço Social e Realidade

São Paulo e do Rio de Janeiro. A migração industrial resultou de um modelo econômico global,

que valoriza o diferencial competitivo das empresas. Para a obtenção do diferencial competitivo, as indústrias buscavam pela diferenciação do produto ou do seu preço de venda. Assim, na busca pela competitividade, a Guerra Fiscal, associada aos salários menores e diferidos de outros Estados impulsionaram as transformações nas localidades industriais.

No município de São Paulo a participação relativa das pessoas ocupadas, segundo o setor de Atividade Econômica do Trabalho Principal na indústria de transformação, caiu de 29,8% em 1985, para 20,3% no ano de 1996. Nos demais municípios da Grande São Paulo, a queda foi ainda mais acentuada, passando de 39,1% em 1985, para 26,2% no ano de 1996.

Segundo os dados da Fundação SEADE (Sistema Estadual de Análise de Dados) – Pesquisa de Emprego e Desemprego na Grande São Paulo, em 1985, a PEA (População Economicamente Ativa) era de 6.476.000 pessoas (números absolutos) e o número de desempregados 635.000 pessoas. As taxas de ocupação eram de 90,2% e de desemprego total de 9,8%. No entanto, no ano de 1996, a PEA totalizou 8.510.000 pessoas, os desempregados atingiram em números absolutos a casa de 1.208.000 pessoas. A taxa de ocupação, por sua vez, despencou para 85,8% e o desemprego total passou para 14,2%.18

Na verdade, a desconcentração da produção corrente é conseqüência do fato de a indústria paulista e, também, a do Rio de Janeiro crescerem a um ritmo inferior à média nacional, durante os anos de recuperação, e declinarem as taxas maiores nos anos de recessão. Esse comportamento distinto da indústria de São Paulo é determinado por sua própria estrutura e pelo maior grau de encadeamento intersetorial que apresenta, o que a torna mais suscetível aos efeitos negativos da queda do investimento privado.19 Outro aspecto significativo das mudanças que ocorreram no

Brasil, especialmente na economia paulista nos anos 90, relaciona-se ao 18 Nota da fonte: Estes dados referem-se ao mês de dezembro. 19 PACHECO, Carlos Américo. Fragmentação da nação. Campinas: UNICAMP; IE, 1998, p. 133.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 179-202, 2002 182

Page 183: Serviço Social e Realidade

processo de intensificação da desconcentração da indústria e dos investimentos movendo-se da Capital e da Grande São Paulo, para o interior do Estado.

De fato, em paralelo à redução do peso da indústria do Rio de Janeiro e de São Paulo a favor da indústria do restante do país, ocorreu no espaço paulista um acentuado processo de desconcentração da indústria metropolitana. O resultado foi a ampliação da participação do interior no VTI nacional, agora o segundo maior aglomerado industrial do país, atrás apenas da Grande São Paulo. É o que se batizou de ‘interiorização da indústria paulista’, com fortes desdobramentos nas regiões de Campinas, São José dos Campos, Ribeirão Preto, Sorocaba e Santos, e que foi determinado por um conjunto relativamente amplo de fatores. (...).20 Entre os fatores citados por Pacheco, destacamos: A política de incentivo e subsídios às exportações dinamizou a agro-indústria

do Estado, abrindo mercado para a exportação de produtos do complexo soja, café, laranja, carne, algodão e cana de açúcar; O Pró-Álcool também implicou um forte estímulo à produção agrícola e

industrial de São Paulo, uma vez que o Estado responde por dois terços da produção nacional de álcool e ainda concentra a maior parte da indústria produtora de equipamentos; e A concentração de vários centros de pesquisa no interior de São Paulo, como

a UNICAMP, o CPgD da Telebrás ou o CTI, favoreceu a instalação de empresas do setor eletro-eletrônico e de informática em Campinas. 21 Importante mencionar também que entre outros fatores

contemplados por Pacheco, inclui os investimentos em infra-estrutura notadamente aqueles direcionados a malha de transportes.

O valor das intenções de investimento na indústria no Estado de São Paulo entre 1997 e 2000, concentrou-se em setores mais dinâmicos e nas áreas privilegiadas próximas à Região Metropolitana de São Paulo.

20 PACHECO, Op. Cit. p. 128. 21 PACHECO. Op. Cit. p. 129.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 179-202, 2002 183

Page 184: Serviço Social e Realidade

Tabela 1: Estado de São Paulo: Valor das intenções de investimento na indústria (Setores selecionados) – 1997-2000.

Atividade Principal Valores Absolutos (milhões US$)

Participação Relativa (%)

Autopeças 1.325,30 6,14

Informática 1.280,00 5,93

Material eletrônico e comum 1.294,00 5,99

Metalúrgica 2.180,00 10,10

Minerais não metálicos 1.106,00 5,12

Papel e celulose 1.286,80 5,96

Produtos alimentícios 1.226,00 5,68

Produtos químicos 5.672,40 26,30

Veículos automotores 4.259,00 19,74

Total do Estado de São Paulo 21.570,40 90,96

Fonte: Elaborada pelos autores apud Aurélio Sérgio Costa Caiado, 1998 / Ministério da Indústria, Comércio e do Turismo / Secretaria de Política Industrial, Brasil: Oportunidades, intenções e decisões de investimentos.

Enquanto nove dos 26 segmentados elencados – quanto às intenções de investimento na indústria – representaram 90,9% do total do valor do Estado, apenas quatro regiões, a RMSP (Região Metropolitana de São Paulo), e as RAs (Regiões Administrativas) de São José dos Campos, Campinas e Sorocaba, concentraram 96,4% do valor das intenções de investimento na indústria, entre os 95 e julho de 2000.

A falsa idéia de que, com a abertura, as empresas se tornariam mais competitivas e eficientes nos obriga a refletir sobre os seguintes fatos trazidos da realidade econômica nas transações comerciais internacionais contemporâneas. (...) Os subdesenvolvidos têm pautas distintas: os pequenos são ‘especializados’ nas convencionais commodities primárias, além da pequena presença de manufaturados tradicionais; os grandes, embora tenham maior presença de manufaturados em suas pautas exportadoras – além dos produtos primários –, esses produtos são de menor

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 179-202, 2002 184

Page 185: Serviço Social e Realidade

complexidade tecnológica, de produção geralmente poluidora e altamente consumidora de energia.22 Há de se considerar que as vantagens comparativas tradicionais

foram substituídas pelas denominadas vantagens competitivas, entre as quais, a incorporação do componente tecnologia e da inovação tecnológica representam relevante papel no que tange a questão relacionada à competitividade.

Faz-se mister também considerar a necessidade imperiosa de retomada ao crescimento e de recuperação da saúde fiscal suscetível de promover a retomada do investimento público, que entre outras premissas, sejam capazes de dotar o país de condições mais favoráveis no enfrentamento das questões sociais.

Somente em uma alternativa como esta é que se pode pensar seriamente no trinômio estabilidade / retomada do crescimento / resgate da dívida social. Somente com uma estratégia deste tipo é que se pode repensar a questão regional em termos produtivos e sociais. Contudo, nem mesmo nos marcos desta segunda trajetória, combateremos os desequilíbrios regionais sociais – a pobreza e a miséria regional – apenas com políticas regionalizadas de gastos de infra-estrutura e de indução / persuasão do investimento privado.23 Diante desses argumentos, ainda que insuficientes, procuraremos

doravante desenvolver a temática concernente ao problema dos diferenciais de salário com ênfase no município de Franca comparativamente a municípios selecionados do Estado de São Paulo notadamente no âmbito da indústria de transformação.

Atividade Econômica Industrial e a Indústria de Calçados do Brasil: Breve Retrospectiva

Do conjunto de atividades econômicas no setor da indústria de

transformação no município de Franca, sobressai pelo número de

22 CANO, Wilson. Desequilíbrios regionais e concentração industrial no Brasil, 1930-1995. 2.ed. rev. aum. Campinas: UNICAMP; IE, 1998, p. 350. 23 CANO. Op. Cit. p. 352.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 179-202, 2002 185

Page 186: Serviço Social e Realidade

empresas, pela mão-de-obra empregada pela produção e pelo valor adicionado gerado, bem como, pela participação desse segmento nas exportações do próprio setor, a indústria de calçados.

Esse subsetor da indústria de transformação é importante para a economia local assim como, é relevante a sua contribuição para a produção de saldo da balança comercial brasileira. Tabela 2: Balança Comercial Brasileira por gêneros industriais – em US$ milhões FOB – 1996 a 2001

Balança Comercial – Saldo (em US$ milhões FOB)

Gêneros 1996 1997 1998 1999 2000 2001

Acumulado

Metalúrgica 4.293 3.517 2.843 3.160 3.730 2.790 20.333

Química (3.574) (3.878) 4.139) (3.959) (4.053) (4.524) (24.127)

Farmacêutica (699) (860) (1.018) (822) (1.202) (1.279) (5.880)

Perfumaria * (57) (144) (174) (157) (136) (113) (781)

Têxtil (1.144) (1.113) (868) (642) (749) (284) (4.800)

Vestuário 91 (03) 31 195 350 342 1.006

Calçados ** 1.440 1.388 1.270 1.287 1.568 1.626 8.579

Produtos alimentares 4.880 4.402 5.065 4.784 4.162 5.539 28.832

Bebidas (301) (233) (58) (26) (44) (38) (700)

Fonte: Elaborada pelos autores a partir dos dados do Ministério do Desenvolvimento da Indústria e do Comércio – MDIC e Secretaria de Comércio Exterior – SECEX. * inclui sabões e velas ** inclui componentes.

De 1996 até 2001, enquanto os segmentos vestuários e calçados juntos acumularam um saldo comercial de US$ 9.585 milhões (FOB), os setores farmacêuticos, de perfumaria e têxtil produziram um déficit acumulado de US$ 11.461 milhões (FOB).

O saldo comercial produzido pela indústria de calçados só não foi

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 179-202, 2002 186

Page 187: Serviço Social e Realidade

maior em razão da sua sensibilidade às variações cambiais, o que, entre 1994 a 1998, dado o regime cambial adotado pelo Governo afetou diretamente o setor, além da redução das alíquotas de importação que acabaram exercendo forte pressão sobre essa indústria. Um dos impactos sentidos pelo setor face a essas medidas e da elevada taxa de juro, foi a drástica redução do pessoal ocupado. Tabela 3: Brasil, Pessoal Ocupado segundo as Atividades na Indústria (atividades selecionadas) – 1992, 1995 e 1999

Pessoal Ocupado Atividades

1992 1995 1999

Indústria Têxtil 360.000 308.000 217.230

Fabricação de Calçados e de Artigos de Couro e Peles 406.300 360.500 281.477

Outras Indústrias Alimentares e Bebidas 669.100 670.200 632.004

Fonte: Elaborada pelos autores a partir dos dados do Ministério do Desenvolvimento da Indústria e Comércio – MDIC e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, Departamento de Contas Nacionais.

Apesar de controvertido24, sob a ótica do PIB (Produto Interno Bruto) a custo de fatores, segundo os setores e subsetores da atividade econômica no Estado de São Paulo, é visível a queda dos subsetores do vestuário, calçados e artefatos de tecidos notadamente os valores absolutos (em Reais de 1995) em relação a outros subsetores da atividade econômica paulista.

24 Nota Explicativa: acreditamos que a queda observada relaciona-se com a explicação dada por Wilson Cano (CANO, 1998, p. 332) na qual, segundo esse autor “os fenômenos de terceirização, informalização e sonegação tributária devem ‘explicar’ essa inaceitável queda de sua produção”.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 179-202, 2002 187

Page 188: Serviço Social e Realidade

Tabela 4: Produto Interno Bruto a custo de fatores segundo os setores e subsetores de atividade econômica – Estado de São Paulo (em Reais de 1995) 1985, 1990 e 1997

Subsetores de Atividade Econômica 1985 1990 1997

Produtos Alimentares e Bebidas * 4.519.060 5.338.913 6.409.801

Química, Produtos Farmacêuticos Veterinários, Perfumaria ** 10.037.488 9.777.459 11.792.048

Metalúrgica 5.676.651 5.187.980 5.931.964

Têxtil 2.905.224 2.524.172 2.208.015

Vestuário, Calçados e Artefatos de Tecidos 1.858.644 1.234.144 787.376

Fonte: Elaborada pelos autores a partir dos dados da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados – SEADE. * os valores correspondem à soma dos dois subsetores. ** inclui os subsetores sabões e velas.

Como se não bastasse, outro fator que contribuiu de maneira

negativa para o setor foi a queda verificada entre os anos de 1996 a 2001 do índice de preço de exportação, cuja compensação deu-se em razão do aumento verificado do Índice de quantum.

Tabela 5: Índices de Preço e Quantum de Exportação por setores selecionados da indústria de transformação – 1996 a 2001.

1996 1997 1998 1999 2000 2001 Gêneros

Preço Quantum Preço Quantum Preço Quantum Preço Quantum Preço Quantum Preço Quantum

Têxtil 100,0 100,0 100,7 99,2 94,4 93,4 81,5 102,5 77,3 129,1 72,9 147,3

Calçados 100,0 100,0 97,4 103,5 91,6 97,4 80,4 105,1 86,4 119,2 87,4 127,6

Outros Prod. Alimentares

100,0 100,0 91,5 107,9 90,0 95,6 86,1 122,3 86,5 178,7 77,2 213,1

Fonte: Elaborada pelos autores a partir dos dados do Ministério do Desenvolvimento da Indústria e Comércio / FUNCEX.

Transpondo as informações para os próximos dois gráficos,

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 179-202, 2002 188

Page 189: Serviço Social e Realidade

conseguimos identificar o que foi exposto de forma mais clara. Gráfico1: Índice de preço de exportação - 1996 a 2001 Fonte: Elaborado pelo autor a partir dos dados do Ministério do Desenvolvimento da Indústria e do Comércio – MDIC / FUNCEX.

Os calçadistas francanos continuam a enfrentar o problema de queda dos preços do calçado exportado, pois, segundo o Sindifranca (Sindicato da Indústria de Calçados de Franca), em 2000 o preço médio por par de US$ 18, caiu em 2001 para US$ 17,28, e, em 2002, reduziu-se ainda mais atingindo o valor de US$ 15,91. Gráfico 2: Índice de Quantum de exportação - 1996 a 2001 Fonte: Elaborado pelos autores a partir dos dados do Ministério do Desenvolvimento da Indústria e do Comércio – MDIC / FUNCEX.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 179-202, 2002 189

Page 190: Serviço Social e Realidade

Atividade econômica industrial no Estado de São Paulo e o município de Franca

Os municípios paulistas selecionados nesse estudo totalizaram

uma população de 19.446.834 habitantes (base Censo Demográfico de 2000 do IBGE), o que em percentual representou aproximadamente 52,61% da população total do Estado de São Paulo.

Os subsetores da atividade econômica foram identificados como aqueles que no ano de 2000 no ramo industrial, apresentaram em valores absolutos segundo dados obtidos da RAIS/MTE (Relatório Anual de Informações Sociais do Ministério do Trabalho e do Emprego) em se tratando de quantidade de empresas, um número representativo.

Nos municípios paulistas e nos subsetores da atividade econômica industrial selecionada, a variação absoluta da quantidade de empresas nos anos de 1985 e 2000 foi sem dúvida significativa, uma vez que em relação ao total de empresas, o aumento foi de 2,2 vezes ou 123,72%, todavia, o total de empresas atuantes na fabricação de calçados no município de Franca foi, de 4,1 vezes ou 317,81%, revelando-nos a forte vocação do mesmo para essa atividade econômica, assim como, da sua própria especialização. Variação maior do que a indústria de calçados só ocorreu no setor de produtos alimentícios, com 332,85%, conforme tabela 6. Tabela 6: Municípios paulistas, relação de empresas segundo subsetores da atividade econômica industrial: 1985 e 2000.

Relação de Empresas (quantidade) Municípios Paulistas Subsetores da Atividade Econômica Industrial 1985 2000

Variação %

Americana, São Paulo, São José do Rio Preto

Ind. Têxtil, do Vestuário e Artefatos de Tecidos

7.962 15.814 98,62

Diadema Ind. Química de Produtos Farmacêuticos, Veterinária e

Perfumaria

243 483 98,77

Jundiaí, Ribeirão Preto, São José dos Campos, Santos, Bauru

Ind. De Produtos Alimentícios, Bebidas e Álcool Etílico

277 1.199 332,85

Guarulho, Itaquaquecetuba, Limeira, Osasco, Piracicaba,

Santo Ande, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, São

Carlos, Sorocaba e Campinas.

Ind. Metalúrgica 1.129 3.385 199,82

Franca Ind. De Calçados 320 1.337 317,81 TOTAIS 9.931 22.218 123,72

Fonte: Elaborada pelos autores a partir dos dados da RAIS/MET – Relatório Anual de Informações Sociais do Ministério do Trabalho e Emprego.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 179-202, 2002 190

Page 191: Serviço Social e Realidade

Em se tratando de especialização, a fabricação de calçados de couro no município de Franca atinge um índice bem elevado.

=

=

=

n

i

n

i

SPNLi

SPNLi

ANLi

ANLi

Ii

1

1

,

,

,

,

Índice de Especialização25,onde:

NLi,A = n. de empregados no setor i na microregião A

∑=

n

iANLi

1, = n. de empregados no setor i na microregião A

NLi,SP = n. de empregados no setor i no Estado de São Paulo

∑=

n

iSpNLi

1, = n. de empregados em todos os setores do Estado de São Paulo

Trata-se de um índice bastante simples, como é evidente, mas que tem um propósito muito simples. Indica a especialização relativa de uma dada MR em determinada indústria, comparativamente ao grau de concentração da mesma no Estado como um todo. Assim, quanto maior for o índice, maior a especialização local.

Tabela 7: Município de Franca, Índice de Especialização segundo CNAE Município Índice de Especialização Setor CNAE (5 dígitos) Franca 53,99 19313 Calçados de Couro

21,18 19100 Curtimento e Prep. em Couros 13,18 19321 Tênis de qualquer Material 9,24 19399 Calçados de Outros Materiais 30,93 29645 Máquinas Equip. p/ Vest. Couro e Calçados 5,41 25194 Fabr. Artef. Diversos de Borracha

5,94 24910 Fabr. Adesivos e Selante

5,16 18210 Fabr. de Acessórios do Vestuário Fonte: apud Suzigan, Furtado & Garcia. Aglomerações industriais no Estado de São Paulo.

25 http://www.cedeplar.ufmg.br/download/wilson%20suzigan.pdf (06.08.2002) - Wilson Suzigan IE/UNICAMP, João Furtado. Depto. de Economia / UNESP Araraquara, Renato Garcia, Pesquisador, NEIT / IE / UNICAMP, Sérgio E. K. Sampaio, Auxiliar de Pesquisa, NEIT / IE / UNICAMP. Aglomerações industriais no Estado de São Paulo. p. 7

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 179-202, 2002 191

Page 192: Serviço Social e Realidade

De acordo com esse índice, a fabricação de calçados de couro no município de Franca destaca-se das demais atividades econômicas industriais, assim como, assume posição dominante no conjunto das atividades que integram a cadeia produtiva do calçado.

Contudo, há que considerarmos outro importante aspecto conforme observara MARSHALL:

Uma região que possua exclusivamente uma única indústria, caso diminua a procura dos produtos dessa indústria, ou caso haja uma interrupção no fornecimento da matéria-prima, fica exposta a uma grave crise. Esse mal pode ser remediado, em grande parte, nas grandes cidades ou nas grandes regiões manufatureiras em que se desenvolvem vários tipos de indústria.26

Diante dessas observações, de 1994 a 1998, o regime de apreciação cambial associado à redução das tarifas de importação, produziram efeitos de sinal negativo para a indústria de calçados local, uma vez que, ao mesmo tempo que as exportações de calçados caíram de 11,7 milhões de pares em 1994 para 4,3 milhões de pares em 2000, as importações brasileiras aumentaram de US$ 18,9 milhões em 1992 para US$ 207,1 milhões em 1997.

Além das medidas de política econômica mencionadas, o acirramento da concorrência entre os produtores nacionais vis a vis aos principais produtores mundiais de calçados obrigaram a indústria calçadista de Franca (entre outras), a praticar um profundo ajuste de caráter estrutural, cujo efeito mais danoso foi traduzido pela redução acentuada da mão-de-obra direta ocupada nessa indústria.

Tabela 8: Município de Franca, Postos de trabalho na indústria de calçados: 1985 a 2000.

Ano Postos de Trabalho 1985 32.169 1986 36.609 1987 26.704 1988 29.408 1989 29.572 1990 27.088 1991 24.939 1992 26.901 1993 27.364 1994 24.676 1995 18.761 1996 18791 1997 17.174 1998 15.360 1999 16.927 2000 18.975

Fonte: Elaborada pelos autores a partir dos dados da RAIS/MTE – Relatório Anual de Informações Sociais do Ministério do Trabalho e Emprego.

26 MARSHALL, Alfred. Princípios de economia. Tratado introdutório. São Paulo: Nova Cultural, 1996. v.1. p. 322.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 179-202, 2002 192

Page 193: Serviço Social e Realidade

Em decorrência da vertiginosa redução dos postos de trabalho diretos na indústria calçadista de Franca, segue-se o crescimento das pessoas ocupadas no setor informal ligadas a essa mesma indústria.

Gráfico 3: Postos de Trabalho na Indústria de Calçados 1985-2000 - Município de Franca Fonte: Elaborada pelos autores a partir dos dados da RAIS/MTE – Relatório Anual de Informações Sociais do Ministério do Trabalho e Emprego.

Antes de examinarmos a questão dos salários nos municípios (e seus respectivos subsetores da atividades econômica industrial) paulistas selecionados, julgamos importante verificar o valor bruto da produção, do consumo intermediário e do valor adicionado (médias) das empresas da indústria paulista, segundo segmento de atividade.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 179-202, 2002 193

Page 194: Serviço Social e Realidade

Tabela 9: Médias de valor bruto da produção, de consumo intermediário e de valor adicionado das empresas da indústria paulista, segundo segmento de atividade (selecionados) Estado de São Paulo – 1996. Segmento de Atividade Valor Bruto da Produção Consumo Intermediário Valor Adicionado (em R$) (em R$) (R$)

Fabr. Prod. Aliment. e Bebidas 7.331.665 4.394.578 2.937.087

Fabr. Prod. Têxteis 3.474.130 1.874.823 1.599.289

Confec. Artigos Vest. e Acessórios 705.841 373.558 332.283

Metal. Básica 5.063.793 2.526.487 2.537.306

Fabr. de Produtos Químicos 14.302.853 7.543.932 6.758.921

Prep. de Couros e Fabr. Artefatos de Couro 1.465.680 888.903 576.777

Fonte: Elaborada pelos autores a partir dos dados da Fundação SEADE – Sistema Estadual de Análise de Dados / PAEP – Pesquisa da Atividade Econômica Paulista. Nota de Fonte: refere-se às empresas com sede no Estado de São Paulo.

Independente das observações anteriores feitas por Cano, a

respeito dos problemas relacionados à informalização, terceirização e sonegação tributária – nos segmentos do vestuário, calçados e artefatos de tecido, é notório o baixo valor adicionado auferido pelo segmento de preparação de couro e fabricação de artefatos de couro.

Devemos lembrar que não procuramos estabelecer comparações entre os segmentos de atividade observados, pois, os mesmos configuram diferentes estágios tecnológicos, diferentes produtividades, formas diferenciadas de organização da produção, de gestão, etc. Contudo, em se tratando de remuneração dos postos de trabalho (em salários mínimos) por faixas de salários, em porcentagem, nos anos de 1985 e 2000, os resultados obtidos permitem-nos visualizar a situação da remuneração dos postos de trabalho da indústria de calçados comparativamente aos demais subsetores da atividade econômica.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 179-202, 2002 194

Page 195: Serviço Social e Realidade

Tabela 10: Postos de Trabalho segundo a remuneração (em salários mínimos)

em porcentagem (%) Postos de Trabalho segundo a remuneração (em salários mínimos) (em %)

1985 2000

Subsetor da Atividade Econômica - Ramo

Industrial (Agrupados) de

0,00

até 1

,00

de 1,

01 at

é 3,00

de 3,

01 at

é 5,00

de 5,

01 at

é 10,0

0

de 10

,01 at

é 20,0

0

mais

de 20

,00

de 0,

00 at

é 1,00

de 1,

01 at

é 3,00

de 3,

01 at

é 5,00

de 5,

01 at

é 10,0

0

de 10

,01 at

é 20,0

0

mais

de 20

,00

TOTAL 2,48 62,82 16,86 12,00 3,67 1,07 0,26 47,65 26,41 17,16 6,07 1,90

Ind. Têxtil do Vestuário e Artef. De Tecidos 3,13 71,39 14,10 7,26 2,18 0,82 0,17 54,03 27,81 12,71 3,48 1,32

Ind. Química de Produtos Farmac. Veterin. Perfumaria

0,80 60,19

17,95

13,58 4,59 2,05 0,04 26,0

5 32,4

0 24,6

0 12,1

1 4,22

Ind. Prod. Aliment. Bebidas e Álcool Etílico 1,87 56,0

5 24,6

0 12,8

7 3,06 0,82 0,37 33,67

29,69

23,73 8,82 2,97

Ind. Calçados 3,33 79,60

11,19 4,32 0,92 0,20 0,66 78,3

9 13,4

1 5,56 1,12 0,34

Ind. Metalúrgica 0,77 35,52

24,90

27,21 8,72 2,00 0,26 28,4

2 27,3

3 28,5

7 11,7

9 3,01

Fonte: Elaborada pelos autores a partir dos dados RAIS/MTE: Relatório Anual de Informações Sociais – Ministério do Trabalho e Emprego.

Quanto a remuneração dos postos de trabalho nos subsetores da

atividade econômica industrial (agrupados) no ano de 1985, sobressai na faixa de 0,00 até 1,00 (Salário Mínimo) a indústria têxtil do vestuário e artefatos de tecido e a indústria de calçados, com 3,13 e 3,33 respectivamente. Na faixa subsequente de 1,01 até 3,00 (Salários Mínimos), despontam os mesmos segmentos da faixa anterior, mais a indústria química de produtos farmacêuticos, veterinária e perfumaria com 71,39%, 79,60% e 60,19% respectivamente.

No mesmo ano, a indústria metalúrgica configura uma melhor distribuição face a dispersão observada, contrariamente, a indústria têxtil do vestuário e artefatos de tecido juntamente com a indústria de calçados revelam acentuada concentração dos postos de trabalho na faixa compreendida de 1,01 até 3,00 salários mínimos.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 179-202, 2002 195

Page 196: Serviço Social e Realidade

Gráfico 4: Postos de Trabalho Segundo a Remuneração - 1985 Fonte: Elaborada pelos autores a partir dos dados RAIS/MTE: Relatório Anual de Informações Sociais – Ministério do Trabalho e Emprego.

Gráfico 5: Postos de Trabalho Segundo a Remuneração - 2000 Fonte: Elaborada pelos autores a partir dos dados RAIS/MTE: Relatório Anual de Informações Sociais – Ministério do Trabalho e Emprego.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 179-202, 2002 196

Page 197: Serviço Social e Realidade

Em 2000, verifica-se uma modificação significativa na indústria têxtil do vestuário e artefatos de tecidos. A indústria química de produtos farmacêuticos e perfumaria configura uma distribuição dos postos de trabalho, por faixa de remuneração, muito próxima da indústria metalúrgica e da a indústria de produtos alimentícios, bebidas e álcool etílico.

Entretanto, irrelevante foi a distribuição dos postos de trabalho segundo suas respectivas faixas de remuneração na indústria de calçados, posto que, persiste a concentração dos postos de trabalho no intervalo de 1,01 até 3,00 salários mínimos.

Conforme observara Furtado: Um dos paradoxos da economia subdesenvolvida está em que seu sistema produtivo apresenta segmentos que operam com níveis tecnológicos diferentes, como se nela coexistissem épocas distintas. Os grupos sociais de alta renda requerem uma oferta baseada em tecnologia sofisticada, enquanto grandes massas de população lutam para ter acesso a bens considerados obsoletos e mesmo produzidos com tecnologia rudimentar. Por outro lado, para penetrar nos mercados internacionais, o caminho mais eficaz consiste em utilizar um misto de tecnologia: tirar partido da abundância de certos fatores primários e, ao mesmo tempo, apoiar-se em tecnologias de vanguarda.27 Observando o comportamento das empresas exportadoras do

município de Franca, se considerarmos por estimativa28 que o número de empresas totalize provavelmente 1.546 empresas, apenas 11,5% exportam, revelando-nos uma grande possibilidade de aumento do número de empresas que podem integrar-se a esse grupo29.

27 FURTADO, Celso. Brasil: a construção interrompida. 2.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. p. 56. 28 Nota dos autores: em razão da ausência de informações mais precisas sobre o universo de indústrias que congregam a cadeia produtiva do calçado em Franca, baseamo-nos nos números apurados segundo o Cadastro Físico de Contribuintes Ativos (IPTU) da Prefeitura Municipal local. 29 Nota dos autores: considerando apenas parte dos elos que compõem a cadeia produtiva do calçado.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 179-202, 2002 197

Page 198: Serviço Social e Realidade

Tabela 11: Município de Franca, Empresas exportadoras por faixa de valor (US$) – 2001.

Faixa Quantidade de Empresas* Percentual (%) Até US$ 1 milhão 151 85

Entre US$ 1 e 10 milhões 25 14 Entre US$ 1 e 50 milhões 02 01

TOTAIS 178 100 Fonte: Elaborada pelos autores a partir dos dados do MTIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior) – SECEX (Secretaria de Comércio Exterior * Nota de Fonte: empresas – calçados, máquinas e equipamentos, borracha, couros, componentes e outros

Ao abordarmos a temática dos diferenciais de salários, consideramos a questão inerente ao grau de instrução dos postos de trabalho nos segmentos industriais submetidos à nossa apreciação, pois, sabemos da sua relevância.

La transformación econômica debiera aprovechar los mayores niveles educativos creando más puestos de trabajo de maior productividad, para lo cual hay que elevar los actuales coeficientes de inversión y la captación e difusión del progreso técnico. Una mejor combinación de trabajo, capital y progreso técnico sentará las bases de sociedades más inclusivas e igualitárias.30 Dessa forma, postos de trabalho de maior produtividade

demandaram pessoas mais qualificadas, que por sua vez, reforçariam o binômio qualificação – remuneração, ou seja, quanto maior a qualificação, maior deveria ser a remuneração, em sentido oposto, quanto menor a qualificação, menor deverá ser a remuneração.

De forma ilustrativa, uma simples avaliação em quatro setores da atividade industrial, sendo eles: indústria de calçados, indústria têxtil do vestuários e artefatos de tecido, indústria metalúrgica e a indústria mecânica - nos mostra a evolução da qualificação da mão-de-obra, no que diz respeito ao grau de instrução.

30 FRANCO, Rolando e SAINZ, Pedro. La agenda social latinoamericana del año 2000. Revista de La Cepal, n. 73, Abril, 2001. p. 55.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 179-202, 2002 198

Page 199: Serviço Social e Realidade

Tabela 12: Postos de Trabalho Segundo o Grau de Instrução

Calçados* Têxtil, Vest. Artef.Tecidos* Escolaridade 1985 2000 ↓↑% 1985 2000 ↓↑% Analfabeto até a 4ª Série Completa 35,11 7,86 (346,7) 53,8 18,19 (195,8) 8ª Série Incompleta até 8ª Série Completa 52,02 64,35 19,2 33,69 50,74 33,6 2º Grau Incompleto até 2º Grau Completo 10,17 25,44 60,0 8,93 26,72 66,6 Superior Incompleto até Superior Completo 2,7 2,35 (14,9) 3,58 4,35 17,7

Metalúrgica Mecânica Escolaridade 1985 2000 ↓↑% 1985 2000 ↓↑% Analfabeto até a 4ª Série Completa 52,77 20,06 (163,1) 39,68 14,99 (164,7) 8ª Série Incompleta até 8ª Série Completa 29,12 41,71 30,2 32,57 32,71 0,4 2º Grau Incompleto até 2º Grau Completo 11,74 29,91 60,7 17,21 36,09 52,3 Superior Incompleto até Superior Completo 6,37 8,32 23,4 10,54 16,21 35,0

Fonte: Elaborada pelos autores a partir dos dados da RAIS/MTE – Relatório Anual de Informações Sociais do Ministério do Trabalho e Emprego.

*O município base para a determinação do cálculo para a indústria do calçado foi Franca. Para a indústria têxtil do vestuário e artefatos de tecidos foi considerado os municípios de Americana e São Paulo. A indústria metalúrgica foi determinada pelos municípios de Guarulhos, São Bernardo do Campo, Santo André, São Caetano, Diadema e Jundiaí. Finalmente, para a determinação dos postos de trabalho da indústria mecânica foram utilizados os municípios de Diadema, Guarulhos, São Bernardo do Campo e São Paulo.

Observamos que houve uma evolução significativa no grau de

instrução, dos trabalhadores, dos setores em questão. Porém, não se pode estabelecer uma relação, do tipo causa efeito, entre o nível de instrução e a remuneração. O correto estaria em verificarmos o que acontece com uma dada população, quando a mesma sofre um grau de evolução educacional. No período em questão, muitos postos de trabalho foram fechados e outros passaram a existir. Além do mais, os indivíduos que ocupavam os postos de trabalho em 1985 já podem estar fora do mercado de trabalho, compondo a população pós-produtiva. Assim, teríamos uma renovação na composição da mão-de-obra, empregada nestes setores, que trariam na sua formação um grau mais elevado de instrução, para ocupar postos de trabalho com a mesma remuneração que havia nas décadas passada.

Além do exposto, mantida a condição coeteris paribus, para as variáveis determinantes do crescimento econômico, a melhoria salarial se daria com a modificação da estrutura produtiva, onde os ganhos de escala resultariam em ganhos de capital e, este por sua vez, resultariam em uma melhor repartição da renda, mas tudo atrelado a melhoria da produtividade e a manutenção da expansão do mercado.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 179-202, 2002 199

Page 200: Serviço Social e Realidade

Conclusão

Com base nas informações utilizadas, foi possível identificarmos

algumas relações e, de forma resumida, concluir que: dos municípios paulistas selecionados para o presente estudo

sobressaem aqueles cujo valor adicionado situou-se em patamar alto ou intermediário; esses mesmos municípios localizam-se próximos à RMSP

(Região Metropolitana de São Paulo), ou então próximos a eixos rodoviários, assim como menos distante de aglomerações urbanas estratégicas; os segmentos industriais contemplados no presente estudo

enquadram-se nos denominados setores dinâmicos (de alto valor adicionado), ou, no setor tradicional (valor adicionado intermediário) exceto o segmento de preparação de couros e fabricação de artefatos de couro (baixo valor adicionado); e os segmentos de alto e médio valor adicionado configuraram

melhor distribuição dos postos de trabalho segundo a remuneração, em sentido contrário, o segmento que apresentou a pior distribuição foi o de baixo valor adicionado, ou seja, preparação de couros e fabricação de artefatos de couro.

Quadro Esquemático

Segmento da Atividade Econômica Industrial

Valor Adicionado Remuneração dos Postos de Trabalho

Dinâmico Tradicional Inovador Tradicional

Alto Médio Baixo

mais homogênea / alta menos concentrada / média

concentrada / baixa Fonte: Elaborada pelo autores.

Ainda que de forma provisória, de acordo com as informações

utilizadas pudemos verificar que as diferenças salariais entre os municípios e, os subsetores da atividade econômica industrial paulista examinados, refletem condições e situações adversas, como diferentes formas de organização da produção, diferentes níveis de qualificação da mão-de-obra, estágios tecnológicos desiguais, organização e ação sindical, localização geográfica, inserção nos mercados (interno e externo), cultura

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 179-202, 2002 200

Page 201: Serviço Social e Realidade

empresarial, estratégias de desenvolvimento industrial, entre outras. A indústria de calçados de Franca, setor considerado tradicional

da economia, mergulhou num quadro de grandes dificuldades a partir da década de 90.

As medidas adotadas pela esfera governamental entre 1994-1998, sobressaindo-se a sobrevalorização cambial, o aumento das importações de calçados motivado pela redução da alíquota de importação do referido produto, elevadas taxas internas de juros, entre outras, provocaram queda substancial das exportações, que combinada com a dificuldade de crescimento do setor voltada para dentro (mercado interno), forçaram as indústrias locais a promoverem intenso ajuste de índole estrutural, cujo traço marcante foi a adoção de uma estratégia perversa baseada na informalização e na terceirização.

Como se não bastasse, devemos lembrar também que houve um crescimento desordenado e nocivo do número de empresas, cuja atividade é a fabricação de calçados de couro (tabela 6), aumentando sobremaneira a concorrência entre elas, o que ao nosso ver elevou a capacidade instalada e a oferta, reduzindo por conseqüência preços, margem de lucro e sobretudo os salários.

BRAGA FILHO, H.; LIMA, F. G.; LESSA, M. B. Diferentials of Salaries: an exploratory essay about regional and industrial inequalities in São Paulo State. Serviço Social & Realidade (Franca), v.11, n.2, p. 179-202, 2002. • ABSTRACT: We look, in this article, for the subject Differentials of Remuneration,

starting from a regional clipping in São Paulo State, being objectified to establish an association between economic activities in the industry segment, added value and, ranks of work according to the instruction degree and its respective remuneration.

• KEYWORDS: regional inaqualities, added value, industry, specialization. Referências Bibliográficas CAIADO, Aurélio Sérgio Costa. O recente desempenho econômico – o emprego e as perspectivas locacionais do Estado de São Paulo. Cadernos da FACECA/PUCCAMP, Campinas, v. 7, n. 2, Jul/Dez, 1998. CANO, Wilson. Desequilíbrios regionais e concentração industrial no Brasil, 1930-1995. 2.ed. rev. aum. Campinas: UNICAMP: IE, 1998.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 179-202, 2002 201

Page 202: Serviço Social e Realidade

CORREA, Roberto Lobato. Região e Organização Espacial. 4.ed., São Paulo, 1991. EVANS, Peter. A Tríplice Aliança: as multinacionais, as estatais e o capital nacional no desenvolvimento dependente brasileiro. 2.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. FRANCO, Rolando e SAINZ, Pedro. La agenda social latinoamericana del año 2000. Revista de La Cepal, n. 73, Abril, 2001. FURTADO, Celso. Brasil: a construção interrompida. 2.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. p. 56. http://www.cedeplar.ufmg.br/download/wilson%20suzigan.pdf (06/08/2002) – Wilson Suzigan IE/UNICAMP, João Furtado. Depto. de Economia / UNESP Araraquara, Renato Garcia, Pesquisador, NEIT / IE / UNICAMP, Sérgio E. K. Sampaio, Auxiliar de Pesquisa, NEIT / IE / UNICAMP. Aglomerações industriais no Estado de São Paulo. KON, Anita. Economia Industrial. São Paulo: Nobel, 1994. MARSHALL, Alfred. Princípios de economia. Tratado introdutório. São Paulo: Nova Cultural, 1996. v.1. MDIC: Ministério do Desenvolvimento da Indústria e do Comércio. MYRDAL, Gunnar. Teoria econômica e regiões subdesenvolvidas. Tradução de N. Palhano. 3.ed. Rio de Janeiro: GB, Saga, 1972. PACHECO, Carlos Américo. Fragmentação da nação. Campinas: UNICAMP/IE, 1998. PAEP: Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – SEADE. RAIS/MTE: Relatório Anual das Informações Sociais – Ministério do Trabalho e Emprego. SEADE: Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados. SECEX – Secretaria de Comércio Exterior.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 179-202, 2002 202

Page 203: Serviço Social e Realidade

RESENHA CRÍTICA LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação. Uma perspectiva pós-estruturalista. 4.ed. Petrópolis: Vozes, 1997. 179 p.

Cléria Bittar BUENO* Credenciais da autoria

A professora Guacira Lopes Louro é doutora em Educação, professora titular aposentada da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pesquisadora do CNPq.

Coordena o GEERGE- Grupo de Estudos de Educação e Relações de Gênero- desde 1990 e tem diversos artigos nessa perspectiva. É autora de centenas de artigos publicados no Brasil e no exterior. É presença constante em congressos, simpósios e eventos que envolvam o tema educação e gênero, sendo uma das figuras mais respeitadas deste campo de conhecimento.

Dentre seus livros destacam-se Gênero, sexualidade e educação uma perspectiva pós-estruturalista, que é a obra escolhida para ser resenhada. Ela já se encontra em sua quarta edição (1997) publicada pela editora Vozes, em Petrópolis, Rio de Janeiro. Outras obras: LOURO, G. L. Currículo, gênero e educação. Porto, Portugal: Porto Editora, 2001, v.1, 110 p. ______. Prendas e Antiprendas. Uma escola de Mulheres. Porto Alegre: Editora da Universidade, 1987, v.1. 103 p. ______. História, Educação e Sociedade no Rio Grande do Sul, 1986, v.1. 48 p. ______. Epistemologia feminista e teorização social - desafios, subversões e alianças In: Gênero Plural. Curitiba: UFPR, 2002.

* Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social – UNESP – Franca-SP. Bolsista CAPES.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 203-224, 2002 203

Page 204: Serviço Social e Realidade

______. Gênero e sexualidade: histórias de exclusão In: À margem dos 500 anos: reflexões irreverentes. São Paulo: EDUSP, 2002. ______. Gênero: questões para a Educação In: Gênero, democracia e sociedade brasileira. 34.ed. São Paulo: Fundação Carlos Chagas, 2002. ______. Sexualidade e gênero na escola In: A Educação em tempos de globalização. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. Conclusões da autoria Após o histórico do conceito de gênero e da construção escolar das diferenças, a autora aponta-nos a necessidade da criação de práticas educativas não-sexistas, não-racistas, que incluam a experiência e a participação, dos ‘diferentes’ – mulheres, gays, lésbicas, minorias étnicas e religiosas – na história oficial. Esta foi escrita pela convenção dominante: o padrão masculino/heterossexual/branco, e tomado como ‘a norma’.

O novo modelo pedagógico deve prever em seu planejamento, no currículo, no sistema de avaliação e na própria atitude docente, as experiências e as transformações sociais e familiares que estes grupos trouxeram para a escola, quando partiram para reivindicação de seus direitos. Resumo da obra O livro de Guacira Lopes Louro se divide em 7 capítulos, assim apresentados:

1. A emergência do ‘gênero’ 2. Gênero,sexualidade e poder 3. A construção escolar das diferenças 4. O gênero da docência. 5. Práticas educativas feministas 6. Uma epistemologia feminista 7. Para saber mais (indicações de sites, livros, revisas e filmes

sobre o tema.)

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 203-224, 2002 204

Page 205: Serviço Social e Realidade

Louro apresenta-nos o início dos estudos de gênero, e suas relações com a sexualidade e o poder, apresentando-nos a idéia de que não há ciência, tão pouco alguma instituição que seja desprovida do olhar e das representações de gênero. Em sua análise fica claro que, as relações de gênero, culturalmente determinadas e construídas, repousam sobre a forma como se distribui hierarquicamente o poder entre homens e mulheres ao longo da história. A relação de gêneros – assimétrica e desigual em termos de poder -, busca inicialmente, justificar, a partir das diferenças biológicas entre homens e mulheres, que os primeiros, por serem mais fortes fisicamente, também teriam o privilégio da inteligência, da moralidade, do poder, sendo a mulher o seu oposto, o seu contraponto. Da constatação da diferença anatômica entre homens e mulheres, construiu-se duas categorias de sujeitos –os que são a norma, e a partir dela as artes, as ciências, as leis e o conhecimento têm seu significado; e os diferentes – ou seja, todos os demais que escapam do padrão convencional hegemônico. Conclui a autora que, também as instituições, não escapam às representações de gênero, sendo por eles determinadas e também os determinando. Analisa sobretudo a instituição escolar e, após o histórico do magistério no Brasil, inicialmente exercido pelos homens, sendo por eles representada e também ajudando a construir a representação do professor. Posteriormente mostra-nos como se deu o processo da feminização da profissão, apontando as diferentes representações sociais que o exercício profissional do professor/a sofreu, em diferentes momentos históricos. Aponta a necessidade de se transformar as práticas educativas, para que a escola não continue a ser um lugar de reprodução da ideologia dominante. Para isto, não somente o currículo, as formas de avaliação, o planejamento, o uso dos materiais e recursos didáticos devem ser cuidadosamente analisados, como também – comenta a autora –, há a necessidade de melhor preparar quem educa, para que ensinar não seja o ato da expressão da discriminação entre os gêneros. Para que isso ocorra, entretanto, não está o novo modelo pedagógico livre de tensões, visto o caráter transgressor e subversivo que tem, ao anunciar a necessidade de se incorporar e dar voz àqueles/as excluídos da história oficial: mulheres, gays e lésbicas, minorias étnicos, sujeitos de outras nacionalidades, crenças e costumes diferentes do meio social em que vivem. Além disto, existem desafios que se impõe; por

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 203-224, 2002 205

Page 206: Serviço Social e Realidade

exemplo, o próprio fato de não se ter um único modelo teórico-metodológico, mas sim uma pluralidade de fatos, categorias e inclusive utilizando-se procedimentos metodológicos (diários, cartas, relatos orais, fotos, etc) nunca antes utilizados. Capítulo 1. A emergência do ‘gênero’

Neste capítulo, é desenvolvido o histórico do movimento feminista

no ocidente, que se iniciou com movimento sufragista, movimento este, que, clamava pelo direito de estender às mulheres, o direito ao voto. Mas este movimento ainda estava restrito à participação das mulheres brancas da classe média, ou seja àquelas que eram alfabetizadas e detinham maior poder econômico. É somente no final da década de 60, que o feminismo irá problematizar política e socialmente falando, a situação da mulher, ampliando então o conceito de gênero. É neste caldo cultura de transformação e efervescência que surge o movimento feminista, e com ele a visibilização da figura feminina, oculta e opacizada em séculos de dominação masculina. Neste sentido surgem denúncias contra a exploração das condições do trabalho exercido por mulheres; surgem teorias sobre o controle sobre o corpo e a sexualidade feminina; sobre violência cometida contra as mulheres; sobre as condições de vida, de estudo e profissionalização das mulheres; sobre a participação destas na política, entre outros assuntos. Mas também as feministas denunciam a ausência feminina nas ciências, nas letras e nas artes. “Assim, os estudos iniciais se constituem, muitas vezes em descrições das condições de vida e de trabalho das mulheres em diferentes instâncias e espaços” (p.17-18).

Atualmente os estudos de gênero têm a preocupação de compreender e discutir as desigualdades dos sujeitos no âmbito das interações de poder que se perpetuam e atravessam as construções da feminilidade e da masculinidade através do discurso, das instituições, dos códigos, das práticas e dos símbolos e das hierarquias entre os gêneros. É lícito afirmar que, hoje, fala-se de identidades e de como estas são representadas em sua multiplicidade de fatores que a compõe (classe, etnia, raça, nacionalidade...); desta forma, transcende-se o mero desempenho de papéis, pois o gênero faz parte do sujeito, e não apenas

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 203-224, 2002 206

Page 207: Serviço Social e Realidade

se apresenta como regra, padrões ou formas arbitrárias que os sujeitos têm de assumir socialmente, como papéis.

Mulheres e homens que vivem feminilidades e masculinidades de forma diversas das hegemônicas e que, portanto, muitas vezes não são representados/as ou reconhecidos/as como ‘verdadeiras/verdadeiros’ mulheres e homens, fazem críticas a estas estrita e estreita concepção binária (p.34).

A autora finaliza o capítulo citando outra estudiosa, Teresa de

Lauretis31, (1994, p.209) que trabalha o conceito de desconstrução, dizendo que, paradoxalmente ‘a construção do gênero se faz por meio de sua desconstrução’ (apud LOURO, p.35); o que nos indica que as identidades de gênero estão sempre se transformando, mostrando-nos o caráter dinâmico desta. Capítulo 2. Gênero, sexualidade e poder

Neste capítulo, a autora traz a concepção de Michel Foucault32, que propõe a resistência ao poder vigente, uma forma de exercício do poder pois, ‘o exercício do poder sempre se dá entre sujeitos que são capazes de resistir’ (p.39), pois do contrário teríamos uma relação de violência.

Com isso não se afirma que, sendo as mulheres, quem sofreram opressão e submissão, ficaram apenas na função do outro submetido e subordinado. Pelo contrário, reconhece-se esta situação, mas também a de que elas, apesar desta, não foram anuladas enquanto sujeitos. ‘Lá onde pa poder, há resistência e, no entanto (...) esta nunca se encontra em posição de exterioridade ao poder’ (FOUCAULT, 1988, p.81 apud LOURO, p.40) – a resistência seria, então, inerente ao exercício do poder.

No meio deste jogo de poder é que se constroem discursos que instituem e justificam as desigualdades de classe, raça, credo, etnia, sexualidade, aparência física, nacionalidade e gênero. Sobre este último, a explicação para a desigualdade sempre recai sobre a diferença inegável

31 LAURETIS, T. A tecnologia do gênero. In: Hollanda, H. (org.) Tendências e impasses. O feminismo como crítica da modernidade. Rio de Janeiro: Rocco, 1994. 32 FOUCAULT, M. História da sexualidade. v. 1: A vontade de saber. 11.ed. Rio de Janeiro: Graal, 1988.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 203-224, 2002 207

Page 208: Serviço Social e Realidade

das diferenças sexuais, portanto a base para a explicação é sempre de cunho biológico, como se fosse possível separa-lo do aspecto social. O que a autora nos chama a atenção é para o fato de que, sempre se refere à mulher como sendo ela a diferente dos homens, como sendo o ‘oposto’ destes. Ou seja, são eles que devem ser tomados como norma. Isto é bastante importante para os Estudos Feministas, pois a expressão ‘diferença’ pode adquirir diversos contextos e significados sociais, políticos ou culturais, mas também carrega a afirmação da diferença entre as mulheres, reclamada inicialmente pelas mulheres de cor e posteriormente pelas reivindicações das lésbicas. Estes dois grupos, provocaram uma ruptura dentro do próprio movimento, ao considerar diferentes estes dois segmentos, dentro do próprio movimento feminista. Se as mulheres são ‘as diferentes’, tomando os sujeitos homens como a norma, negra e lésbicas também o são, tomando a heterossexualidade branca feminina, como regra.

Na verdade o que está em jogo, em ambos os casos, é a questão de quem é o ser diferente, implicando aí, de fato o jogo das desigualdades. Paradoxalmente tentar esconder o par igualdade – diferença implícito no discurso feminista que busca a superação das desigualdades. Isto é, para Scott33 (1988 apud LOURO, 1997, p.46), uma armadilha, pois não se pode reivindicar igualdade para sujeitos que não são idênticos. O conceito de igualdade em si, já supõe a diferença. O que se busca, na verdade, e fazer com que ‘os sujeitos diferentes sejam considerados não como idênticos, mas como equivalentes’ (p. 46). A situação masculina, heterossexual, branca, cristã e de classe média tem sido nomeada como ‘normal’, e todas as demais denominações opostas, válidas tanto para homens de outros credos, raças e poder aquisitivo, tanto quanto para as mulheres, seriam os diferentes, quase até que em termos de anormalidade, por fugirem a norma dominante. Estes ‘marcadores sociais’ nos mostram que não dá para se encerrar num único ‘marcador’ a vida do sujeito. São vários e diferentes marcadores que o posicionam e o representam socialmente. Mas fundamentalmente a categoria classe social é o indicador central, a base onde se assentam as

33 SCOTT, J. Desconstructing equality-versus-difference: or, the uses of poststructuralist theory for feminism. Feminist studies. 14(1), Primavera, 1988.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 203-224, 2002 208

Page 209: Serviço Social e Realidade

demais categorias que representam-no, e a partir dela, compreende-se a questão da hierarquia e do poder. As relações de gênero se entrelaçam, então numa série de condições e categorias, que representam os sujeitos e suas identidades, no meio social, numa combinação diversa e em constante transformação.

Para tanto, é preciso considerar gênero tanto como uma categoria de análise quanto como uma das formas que relações de opressão assumem numa sociedade capitalista, racista e colonialista (AZEREDO34, 1994, p. 206 apud LOURO, 1997, p.55).

Capítulo 3. A construção escolar das diferenças

Neste capítulo, Louro analisa a escola, como uma instituição ‘generificada’, onde se produz as diferenças e desigualdades entre os gêneros, como também entre classes. A escola foi concebida, inicialmente, para acolher alguns – não todos, e aos poucos ela foi sendo requisitada para aqueles aos quais havia sido negada. Estes grupos foram trazendo mudanças à instituições;

Ela precisou ser diversa: organização, currículos, prédios, docentes, regulamentos, avaliações iriam, explícita ou implicitamente, ‘garantir’ – e também produzir ‘as diferenças entre os sujeitos (p.57). Delimitando espaços, dizendo o que cada um pode ou não fazer, a

escola separa e institui, ‘informa o ‘lugar’ dos pequenos e dos grandes, dos meninos e das meninas’ (p.58) em relação aos gêneros, a começar pela linguagem empregada no tratamento de ambos, na forma de conduzir uma sala de aula, na atribuição de tarefas, nos elogios e incentivos dados diferentemente à meninos e meninas no desempenho de tarefas, na separação de disciplinas ‘para meninos e para as meninas’. Na escola os corpos são domesticados; aprende-se a olhar, a falar, a calar, se aprende a preferir de maneira diversa para meninos e meninas. Enquanto os primeiros são incentivados a serem curiosos, pois isto é

34 AZEREDO, S. Teorizando sobre gênero e relações raciais. Estudos Feministas. Número especial, outubro 1994.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 203-224, 2002 209

Page 210: Serviço Social e Realidade

‘natural’ para um menino, à meninas são exigidos cadernos e livros impecavelmente organizados e limpos, além de terem inibidas suas participações espontâneas. Afinal existem habilidades que os diferem. Em antigos manuais docentes figuravam como mestres deveriam ter cuidados com corpos e almas de seus alunos. As escolas femininas dedicavam horas ao treino de habilidades manuais, produzindo jovens ‘prendadas’ para o casamento; os colégios militares exigiam uma postura ereta de seus alunos, que mesmo de longe, ao observador era possível distinguir um jovem cadete.

(...) permitindo, a partir de mínimos traços, de pequenos indícios, de um jeito de andar ou falar – dizer, quase com segurança, que determinada jovem foi normalista, que um rapaz cursou o colégio militar ou que um outro estudou num seminário (p.62). Não somente a linguagem adotada pelos professores, mas aquela

que é utilizada nos livros didáticos. Nestes os papéis femininos e masculinos ‘reinam’ num mundo de estereótipos que atribuem sempre a posição de liderança, intelectualidade e discernimento aos meninos e aos homens. Cabe às mulheres e às meninas nos livros, o espaço doméstico, o cuidado com as necessidades dos outros, a dedicação – abnegação pela família e filhos, a invisibilidade quanto ao que faz, pensa ou sente. A autora demonstra a necessidade de se ocupar desta análise, pois a construção das diferenças se inscreve num plano político e nas relações de poder:

A linguagem, as táticas de organização e de classificação, os distintos procedimentos das disciplinas escolares são, todos, campos de um exercício (desigual) de poder. Currículos, regulamentos, instrumentos de avaliação e ordenamento dividem, hierarquizam, subordinam, legitimam ou desqualificam sujeitos. (...) A prática escolar é historicamente contingente e é uma prática política. (p.85).

Cabendo a nós interferir na continuidade dessas desigualdades,

sem contudo alimentar uma postura reducionista que pensa ser capaz de modificar toda a sociedade a partir da escola, mas na adoção de uma atitude vigilante e de capacidade para interferir nos jogos de poder.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 203-224, 2002 210

Page 211: Serviço Social e Realidade

Capítulo 4. O gênero da docência

Louro começa este capítulo com uma instigante pergunta sobre o gênero da escola. Comenta que, se as instituições e práticas sociais são atravessadas e constituídas pelos gêneros, elas não somente ‘fabricam’ como são ‘fabricadas’ por estes. ‘De certo modo poderíamos dizer que essas instituições têm gênero, classe, raça. Sendo assim qual seria o gênero da escola?’ (p.88) – pergunta a autora. Neste momento posiciona duas correntes que se opõem entre si, pois enquanto a primeira defende ser a escola um lugar de atuação de mulheres: o magistério, a ocupação, a concepção da prática escolar que deve se parecer com as relações familiares e com a ação das mulheres no lar, tudo é feito e modo a serem os espaços ocupados pelas mulheres; o segundo grupo pensa diferente. Este pensa ser a escola um lugar masculino, pois ali se lida com o conhecimento, que foi historicamente produzido por homens. Ao selecionarem alguns aspectos da cultura, para serem estudados de forma institucionalizada, ao construírem um currículo sob a ótica masculina, mesmo tendo as mulheres como os agentes do ensino, ainda assim a escola preserva o gênero masculino:

não apenas porque as diferentes disciplinas escolares se construíram pela ótica dos homens, mas porque a seleção, a produção e a transmissão dos conhecimentos (os programas, os livros, as estatísticas, os mapas; as questões, as hipóteses e os métodos de investigação ‘científicos’ e ‘válidos’, a linguagem e a forma de apresentação dos saberes) são masculinos. (p.89) No Brasil foram os jesuítas quem se ocuparam da educação de

meninos brancos do setor dominante, mas também da catequização dos índios, tudo para a ‘formação de um católico exemplar’ (p.94). Como se observa, uma educação feita e recebida por homens. Este modelo masculino, tendo os jesuítas no exercício do ‘magistério –sacerdócio’, se estende até o final do século XVIII. Após este período, precisamente em meados do século XIX, irão acontecer mudanças sociais que permitirão a participação de mulheres em sala de aula – uma vez como alunas e posteriormente exercendo o magistério. O crescente acesso às salas de aula pelas meninas/mulheres, defendiam a sua posição de educadora de

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 203-224, 2002 211

Page 212: Serviço Social e Realidade

meninos e meninos, portanto seu papel social. Era preciso investir nessa ‘educadora inata’para que pudesse educar a sociedade.

Educá-la era pois, preciso, para que a sociedade não corresse riscos na (de) formação de seus jovens e crianças. Com a chegada dos imigrantes europeus, e com as transformações sociais ocorridas ao longo do século XIX, novas concepções começaram a surgir na sociedade brasileira, inclusive quanto à profissionalização das mulheres. Naturalmente que esta profissão deveria ter os atributos conferidos naturalmente às mulheres, tais como: a docilidade, a sensibilidade, o cuidado, o amor, a abnegação, etc – para que pudesse ‘ser reconhecido como uma profissão admissível ou conveniente’ (p.97).

É assim que o magistério começa o seu processo de feminização, e com este, há a mudança em sua representação. As marcas religiosas da profissão são mantidas, reiteradas por novos símbolos e discursos –de entrega, amor, doação, devendo cada aluno ou aluna ser percebido/a como seu próprio filho/a.

As escolas de formação docente enchem-se de moças, e esses cursos passam a constituir seus currículos, normas e prática de acordo com as concepções hegemônicas do feminino. Disciplinas como Psicologia, Puericultura e Higiene constituem-se nos novos e prestigiados campos de conhecimento daquelas que são agora as novas especialistas da educação e da infância (p.97). Entender o que é representação, é compreender, de fato, que os

sujeito ou grupos sociais a que pertencem, produzem e constituem discursos. Na verdade os sujeitos não apenas são espelhos que ‘refletem’ sua posição social, mas são constituintes desta. Mesmo não sendo uma representação a realidade em si, importa mais o ‘sentido’que ela produz em seu meio. Fica claro então que as representações se modificam em função do tempo histórico e das relações de poder que se estabeleceram no momento analisado. Por isso, as professoras foram concebidas, em diversos momentos, como as ‘tias’ solteironas, a ‘professorinha’ –amável e gentil, como as simpáticas normalistas; e os professores homens foram apresentados como bondosos, sábios mestres, exemplos de cidadãos... Em todas estas representações estão presentes formas específicas de relações de poder que estavam em jogo no momento. Estas ‘relações de poder’ nos apontam ‘quem utiliza o poder para representar o outro e quem

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 203-224, 2002 212

Page 213: Serviço Social e Realidade

apenas é representado’ (p.102). É aqui que a autora retoma, o que afirmara em seu primeiro momento (capítulo 1) ‘– das identidades de gênero e aos modos como os sujeitos vão se construindo como masculinos e femininos’ (p.103).

Apesar da representação da ‘tia’ nos remeter aos aspectos familiares, à sensibilidade, carinho e dedicação, este afeto era ‘vigiado’ e controlado pelas instituições e pela legislação nacional.

Todo um conjunto de normas vai inscrevendo as divisões escolares (e sociais) entre os sujeitos: por idade, por posição na hierarquia escolar, por nível de escolaridade, por gênero... A vigilância é constantemente exercida. Ela pode ser renovada e transformada, mas ninguém dela escapa (p. 106).

Era em nome desta vigilância e dos ‘bons costumes’, e ainda da

constatação de uma sexualidade infantil precoce, que se apagam as ‘marcas’ distintivas da sexualidade feminina, na figura da professora. Suas roupas e seus modos de ser deveriam se assexuados, assim como sua vida pessoal discreta e reservada. ‘O casamento e, especialmente a gravidez, sofriam uma espécie de censura’ (p.107), pois em nada deveria ser revelado a presença de uma sexualidade ativa. Paradoxalmente esta representação não pode evitar seu oposto: a fantasia de que, por detrás da figura da ‘tia’ mal amada que consolava seu infortúnio –não ter se casados e tidos filhos – no exercício do magistério; existiria uma ‘mulher que vivia, às escondidas, uma intensa e proibida sexualidade (p.107). Não sendo incomuns histórias e relatos de professoras em trocas amorosas com seus alunos/alunas e outros adultos.

Louro finaliza este capítulo fazendo, contudo uma ressalva: de que estas representações entram em competição com outras e que se transformam historicamente falando.

Assim, dóceis professorinhas podem se tornar trabalhadoras da educação sindicalizadas, aguerridas e de melhores salários, podem ir para praças públicas, fazer greves, levantar bandeiras e gritar palavras de ordem (LOURO, 1997). Construindo formas organizativas novas, professoras e professores passam a se constituir diversamente, afastando-se, em parte, do caráter sacerdotal da atividade e buscando dar a essa atividade uma marca mais política e profissional.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 203-224, 2002 213

Page 214: Serviço Social e Realidade

O que pretende dizer que, não há um único modelo estável e coerente de identidade, porque não há ma única representação desse sujeito, posto que este não seja apenas um professor/professora, mas um homem/uma mulher cujas identidades pessoais aparecem, subjacentes à suas representações profissionais.

Capítulo 5. Práticas educativas feministas

As agendas políticas e acadêmicas vêm se ocupando dos processos escolares como formadores e reprodutores das desigualdades sociais, e a atuação das feministas também se dá neste campo. Certas feministas radicais, inclusive, defendem a volta do ensino separado por gênero, por acreditarem ser as meninas ‘importunadas’ pela presença dos meninos, responsáveis pela baixa auto-estima das meninas e por suas medíocres performances. Estas feministas acreditam que as escolas mistas reproduzem as relações patriarcais de dominação; mas também não indicam como educar esses meninos /homens para ‘a transformação atuais relações de gênero ou como mudar atitudes masculinas preconceituosas em relação às mulheres’ (p.111). Estas formulações pedagógicas, enfocadas ‘na ótica feminista apóiam-se no reconhecimento das desigualdades vividas entre mulheres e meninas, em relação aos meninos e homens, no interior das instituições escolares’ (p.112), e vêm propor um conjunto de estratégias, procedimentos que rompam com esta situação em sala de aula. A este conjunto de ações e concepção teórica, denominou-se Pedagogia Feminista, que visa legitimar tanto o saber acadêmico, quanto o saber pessoal daquelas que tradicionalmente tiveram suas falas ‘condenadas ao silêncio’ (p.114). Espera-se que a figura hierárquica e tradicional do professor/a seja substituída pela a de alguém que também tem muito a aprender, e não somente ensinar. O foco é a substituição do modelo tradicional de ensino-aprendizagem que estimula a competição, pelo o modelo cooperativo de construção de um saber coletivo apoiado na experiência de todos. Reconhece-se em tais procedimentos a necessidade de se fortalecer a mulher e suas experiências, para que tenham também direito ao poder, que está polarizado em torno da figura masculina. Como é de costume, portanto,

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 203-224, 2002 214

Page 215: Serviço Social e Realidade

Pedagogia Feminista encontra algumas críticas, centradas na perspectiva pós-estruturalista, as quais é preciso responder.

A primeira delas é que este modelo pedagógico nega as relações e poder que estão subjacentes ao próprio modelo, uma vez que, se pretendem interferir na prática cotidiana em salas de aula, transformando-as, o poder se institucionaliza, assegurando assim o seu exercício. A própria figura da autoridade do professor/a, sendo este partidário ou não deste modelo pedagógico, está imbuído de poder, ‘corporificando’ o conhecimento e sendo, portanto, autorizado a ensinar. Não dá portanto, para negar essa atribuição institucional, sob o risco de se despolitizar a atuação docente em sala de aula.

‘A sala de aula feminista não pode ter conseguido banir as relações de poder, simplesmente porque não há espaços sociais livres do exercício do poder!’ (p.116), salienta em tom exclamativo, a autora.

A segunda crítica ao modelo, é conseqüência deste ‘faz de conta que todos são iguais’, negando-se as diferenças e pretendendo-se que todos os sujeitos, igualmente exercem o poder com a mesma intensidade, dominando saberes que são igualmente legitimados e reconhecidos socialmente.

Em terceiro lugar, se a idéia neste modelo de ‘dar poder’ a quem não o tem, instala-se uma incoerência, pois se parte do pressuposto de que uma professora – que não tem o poder por ser mulher – dará, às meninas, poder. ‘Como, então, será possível ‘dar poder’ ou ‘fortalecer’ as estudantes, se o sujeito que pretende articular essas ações é um sujeito sem poder? (p.117) critica Louro.

Para a prática de uma educação não sexista, teóricos e educadores –feministas ou não, devem levar em consideração que estamos todos inseridos dentro desses jogos de poder.

As inúmeras transformações sociais, a presença maciça de mulheres em sala de aula, a maior visibilidade dos homossexuais e bissexuais, a imposição de discussões sobre sexo e sexualidade sobretudo a partir do fenômeno da AIDS, trouxe transformações à instituição escolar, e com ela aconteceram rupturas na continuidade de determinados modelos. Os grupos de Estudos Culturais, de Estudos Negros, Estudos Gays e Lésbicos também são responsáveis por estas

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 203-224, 2002 215

Page 216: Serviço Social e Realidade

transformações, visando sobremaneira, a subversão da situação de desigualdade em que vivem esses sujeitos.

As desigualdades só poderão ser percebidas – e desestabilizadas e subvertidas -na medida em que estivermos atentas/os para suas formas de produção e reprodução. Isso implica operar com base nas próprias experiências pessoais e coletivas, mas também, necessariamente, operar com apoio nas análises e construções teóricas que estão sendo realizadas (p.121).

Mesmo nas escolas, tanto gênero como sexualidade são sempre

abordados como temas –restritos a disciplinas, quase sempre de vistos pela ótica do biológico. Pouco ou nada se fala do caráter social e cultural das construções de gêneros. A disciplina Educação Sexual é ainda polêmica, pois divide a opinião daqueles que acham que tratar de alguns temas acaba por ferir e interferir na dinâmica e autonomia da família, que é quem deve(ria) julgar adequado o momento para abordar determinados assuntos; - como se a sexualidade não estivesse presente nas falas, nos comentários entre os alunos e entre estes e os professores – e com aqueles que pensam ser de fundamental importância a orientação sexual ‘adequada’ no âmbito escolar. Mesmo nesta última posição, a educação acaba por se restringir aos aspectos biológicos da sexualidade humana, que vê no sexo um perigo e uma ameaça, devendo este ser controlado e postos sob restrições.

No Brasil, os intelectuais e militante gays e lésbicas, por sua vez trazem transformações e mudanças na escola, problematizando a postura tradicional que considera normal, por sua vez tida como condição natural, a heterossexualidade. A questão de gênero e sexualidade nas escolas trata um terreno muito ‘escorregadio’, por vezes condenada à fala baixa nos corredores e ao tratamento ‘científico’ que é dada ao assunto, não discutindo, por exemplo o papel do prazer na sexualidade humana, e as outras formas não heterossexuais de conceber a sexualidade.

Esses formam o padrão de ‘normalidade’ que estão implícita ou explicitamente nos manuais, nos discursos, nas políticas curriculares, nos livros e materiais utilizados na escola, nas propostas e projetos de ensino que, ao silenciarem para as outras possibilidades de relações afetivas e sexuais - que não o modelo hegemônico heterossexual -, negam aos sujeitos a sua condição de existência, silenciando-os e fazendo

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 203-224, 2002 216

Page 217: Serviço Social e Realidade

supostamente de conta, que na escola ‘isso não existe’. ‘No entanto, a ignorância sobre a homossexualidade é, seguramente, uma ignorância sobre (...) a heterossexualidade’ (p.139).

Ao conceber a identidade heterossexual como normal e natural, nega-se que toda e qualquer identidade (sexual, étnica, de classe ou e gênero) seja uma construção social, que toda identidade esteja sempre em processo, portanto nunca acabada (...) e que todos os sujeitos são constituídos socialmente, que a diferença (seja ela qual for) é uma construção feita –sempre – a partir de um dado lugar (que se toma norma ou como cento) (p. 140-141).

Louro salienta a necessidade que temos, de questionar sempre,

‘não apenas o que ensinamos, mas o modo como ensinamos e os sentidos que os/as nossos/a alunos/as dão ao que aprendem’ (p.137), dizendo que a norma deve ser sempre discutida, que devemos duvidar do que se impõe como ‘natural’. Reconhece que tal posicionamento é mobilizador, e que requer disponibilidade interna para a busca de informações, para a troca de idéias e sobretudo disposição para ‘ouvir aqueles e aquelas que, historicamente e socialmente, foram instituídos como ‘outros’ (p.141). Capítulo 6. Uma epistemologia feminista

A autora inicia este capítulo, que na verdade é o último a discutir suas idéias, com uma pergunta –afinal o que significa ser, hoje, feminista? (p.142). Discute então o papel androcêntrico das ciências, da história, das artes, que sempre foi pensada, conduzida e instituída a partir da visão dos homens, cujas vozes deveriam representar toda a humanidade. Isso nos mostra que, ‘nenhuma ciência é desinteressada ou neutra’ (p. 143). Ser feminista, hoje, é dar voz às que foram silenciadas, resgatando a presença feminina na ciências, nas artes, na história. ‘A pesquisa feminista é, então assumidamente, uma pesquisa interessada e comprometida, ela fala a partir de um dado lugar’ (p.143), ela possui ‘um caráter de desafio à ciência ‘normal’, uma disposição intrínseca para o questionamento e a instabilidade’ (p.144). Definitivamente assumir uma postura feminista, é lidar com as instabilidades teórico- metodológicas propostas por muitas/os estudiosos/as. Não há uma única categoria de

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 203-224, 2002 217

Page 218: Serviço Social e Realidade

análise, tão pouco um único método –‘é movimentar-se em meio a uma campo teórico que está em contínua construção, que acolhe a crítica como parte de sua construção’ (p.145), estando e jogo, a busca por um novo modelo epistemológico de ser pesquisador/a.

Inicialmente os Estudos Feministas tinham o interesse de tomar a mulher como sujeito/objeto de estudos, ‘uma vez que seus relatos estavam freqüentemente ocultados e marginalizados na produção científica tradicional e racional, que excluía o desejo, a empatia, afetividade, sentimentos (...) compreendidos como manifestações irracionais e, portanto inferiores’ (SORJ 35, 1992, p.19 apud LOURO, 1997, p.148). Esses atributos ‘inferiores’ se associavam às mulheres. Os Estudos Feministas vêm propor pesquisas originais, utilizando fontes antes desprezadas, pensando a cultura, a arte, a linguagem, redefinindo o político, sugerindo mudanças na ‘natureza’, compreendendo as relações entre ‘a subjetividade e a sociedade entre os sujeitos e as instituições sociais’ (p.148).

É o caminho inverso que propõe os Estudos Feministas; que tanto os propósitos da pesquisa, como a análise desta dependem de quem a problematiza, estando o investigador/a da pesquisa no mesmo plano de análise do investigado, não sendo mais um ‘anônimo’, mas tendo sua voz reconhecida, sendo uma figura real, com história, desejos e interesses. Por esta forma de lidar com este novo paradigma científico, os comportamentos, as crenças e as atitudes e as representações do pesquisador/a feminista interferem nos resultados das pesquisas.

Abandona-se uma pretensão de objetividade, que apenas esconderia ou invisibilizaria a parcialidade sempre insinuada nas análises. Ao invés disso, as características da investigadora (ou do investigador) passam a ser tomadas como ‘parte da evidência empírica, elas fazem parte da análise, são consideradas relevantes e põem ajudar a ampliar a compreensão do problema (p. 154).

Diminuindo o ‘objetivismo’ na pesquisa, ao introduzir o subjetivo,

ganhando-se portanto, paradoxalmente em objetividade. Estes são os 35 SORJ, B. O feminismo na encruzilhada da modernidade e pós-modernidade. In: Costa, A. e Bruschini, C. (orgs.) Uma questão de gênero. Rio de janeiro e São Paulo: Rosa dos Ventos e Fundação Carlos Chagas, 1992.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 203-224, 2002 218

Page 219: Serviço Social e Realidade

desafios epistemológicos que enfrentam os Estudos Feministas – ao preconizarem que o fenômeno a ser investigado tem seus resultados afetados por que investiga. Os Estudos Feministas têm introduzido novas fontes de pesquisa como diários, cartas, fotos, depoimentos orais; utilizando-se de novos procedimentos de investigação, tais como entrevistas coletivas, dramatizações, diários de grupo, etc. Por isto tudo, muitas tensões e alianças têm sido feito em torno dos Estudos Feministas. Os questionamentos colocados pelas mulheres negras e as lésbicas, provocaram rupturas, auto-críticas e revisões dentro do próprio movimento, que se dividiu em outros agrupamentos dedicados aos estudos e análise das ‘histórias e interesses daquelas que se viam esquecidas pela teorização dominante’ (p.156). Não é possível, pois, um único olhar sobre as relações de gênero, que não cruze com as categorias classe social, sexualidade, etnia, raça, credo, momento histórico, nacionalidade, etc, como também os estudos passam a ‘incorporar explicitamente em suas análises os homens e a produção social das masculinidades’ (p.157), na compreensão de como estas diferenças são construídas e socialmente valorizadas ou negadas.

Finalizando o capítulo, alerta aos homens e mulheres feministas que se atentem para as relações de poder que estão presentes em várias dinâmicas sociais, e conclama-os para que não fujam dos debates ou das possíveis tensões teóricas que possam surgir, pois estes podem significar em diferentes modos de análise e intervenção social ‘talvez capazes de alterar, de forma mais efetiva, as complexas relações sociais de poder’ (p.159). Capítulo 7. Para saber mais: revistas, filmes, sites, livros...

Na verdade, neste último capítulo a autora indica alguns nomes de revistas, sites, e outros tipos de publicações que tratam do tema gênero, tanto no Brasil, como no exterior. Não pretende ser uma coletânea, tão pouco um guia, apenas indicações de alguns recursos utilizados pela autora.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 203-224, 2002 219

Page 220: Serviço Social e Realidade

Metodologia da autoria

A obra apresenta como procedimento metodológico, importantes contribuições históricas a respeito do tema gênero e educação, valendo-se da perspectiva pós-estruturalista para conceber uma prática de ensino que seja capaz de superar o dualismo presente nas representações de gênero, sendo que o novo modelo pedagógico deve ser capaz de incluir todas as categorias que representam ou onde se inserem os sujeitos.

Quadro de referência

A obra baseia-se na perspectiva do pós-estruturalismo, que

defende que, os saberes que se instituem enquanto verdadeiros, estão relacionados a relações de poder particulares, a práticas cotidianas, a instituições, que representam a instrumentalização do poder associado aos saberes que legitimam aquelas práticas. Esses saberes fazem parte da tradição e da norma, que se relaciona indubitavelmente ao conhecimento gerado e registrado, na história oficial, pelos sujeitos masculinos, brancos, das classes dominantes e heterossexuais.

Comentários sobre a obra

A obra apresenta-se de maneira envolvente e coerente, iniciando o tema – gênero e educação – a partir do aparecimento do conceito de gênero. Isso situa o leitor historicamente, inclusive o leigo, que passa a ter uma visão de quando e de que maneira surgiram os primeiros estudos e terias que tratavam a questão das diferenças entre o mundo masculino e o mundo feminino.

A autora adverte sobre as dificuldades de lidar com as questões metodológicas e teóricas que não se ‘fecharam’ sobre o assunto, lembrando-nos da necessidade de se manter um diálogo constante com as vozes não dominantes existentes dentro do próprio movimento feminista. Os Estudos Feministas devem encarar tais proposições e desafios, acolhendo e ouvindo o relato e as experiências destas mulheres e destes homens, sob o risco de também reproduzirem internamente o modelo dominante patriarcal e masculino, lugar da dominação.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 203-224, 2002 220

Page 221: Serviço Social e Realidade

O mérito da obra é apontar a educação como o único caminho, talvez, possível de lidar com tantas diferenças dentro de um mesmo grupo. Educar para as diferenças. Compreender que somos todos diferentes, que temos experiências compartilhadas, mas somos portadores de uma subjetividade que nos torna únicos. Partir de uma educação não-sexista, não-racista, é oferecer a meninos e meninas, a homens e mulheres a oportunidade de se (re)verem, refletidos como sujeitos portadores de uma identidade – de gênero, raça, credo, nacionalidade, costumes – e não reduzidos a meros contrapontos daqueles que sempre ‘fizeram a história’ oficial. Esta visão perniciosa das diferenças, ao longo de séculos e séculos de dominação patriarcal, tratou de esconder a magnitude, a amplitude das diferenças existentes entre os sujeitos, transformando-as em desigualdades. É então que a diferença, vista como a desigualdade, é justificada. É apelando-se para o fato das relações de poder que subsistem nas relações de gênero, que os Estudos Feministas apelam e orientam, no sentido de não apenas denunciar pequenos gestos cotidianos impregnados dessa visão sexista e preconceituosa, como buscando orientar e educar, meninos e meninas para uma educação não-sexista, não-racista, para que sejam capazes de incluir e aceitar todos aqueles/as que não sejam feitos ‘à imagem e semelhança’ do padrão masculino dominante.

É na família que se encenam a primeira representação do masculino/feminino, e com esta todos os estereótipos, que são construídos socialmente falando. Mas sabemos também, que a família não é formada apenas de seus membros atuais – reflete a educação, o olhar e o superego de seus ancestrais formadores – o que torna algumas atitudes, no sentido de reverter o quadro dos estereótipos e das representações que aprisionam meninas/os e homens/mulheres, uma ‘missão arriscada’ e árdua. Simplesmente porque o fator socialização –que é o modo como somos educados em família, no social, com todas as representações – frutos da construção humana – não ‘anda’ para trás, ou seja, as representações e imagens assumidas e vivenciadas ao longo de um processo existencial, não podem ser desconstruídas de uma hora para outra. O que é possível de se fazer, neste caso, seja talvez, mostrar-lhes que existem outras formas de ser e estar no mundo. Portanto, apesar da família ser palco para mudanças sociais, ela se encontra presa aos

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 203-224, 2002 221

Page 222: Serviço Social e Realidade

seus próprios modelos, construídos ao longo de sua existência, o que torna a ‘missão’ de uma educação não-sexista, em parte, limitada. Mas não é por isto que educadores, intelectuais e estudiosos do assunto devem cruzar os braços e se darem como vencidos.

Neste âmbito, acredito que a obra contribui para a prática de outros profissionais que lidam com o social, com famílias, por exemplo, não sendo necessariamente professores, mas educadores, pois de vários lugares – e não somente da escola, se educa, se orienta. Ao apontar a necessidade de se dialogar com essas famílias e com as diversas representações que nela se encerram, vislumbra-se a possibilidade de um trabalho de orientação familiar, e até mesmo preventivo, para que os familiares possam vir a compreender e aceitar, por exemplo, a orientação sexual de um de seus membros que possa ser diferente dos demais. Creio que todos que lidamos com/em instituições, quer sejam ou não o espaço escolar, temos a educação como premissa para a construção de um novo modelo social, que tangencia o novo modelo pedagógico. A educação está também, desta forma presentificada no gesto, na transmissão de saberes, na partilha, na orientação, na escuta. Para isto, o educador – que pode ser qualquer um de nós – transcende a figura do/a professor/a.

Reconheço que lugar privilegiado de transformações, quando o assunto é educar para a inclusão, educar para e na diferença, é na escola. É na escola que se pretende que esses alunos sendo os legisladores, os formadores de opinião, os educadores do futuro, possam prever, em suas pautas de ação, e modelos de atuação, abertura suficiente para que levem em consideração as atitudes e reivindicações desses ‘outros’, que esperamos não mais assim sejam vistos, se a educação não-sexista, não-racista e não-segregacionista for abolida. A escola, como uma representante micro-social do que se passa no macro-social, deverá passar por ‘reformas’, que não dizem respeito aos recursos físicos, mas sim a reformas em seu método, currículo, planejamento e principalmente em seus recursos humanos. Educar os docentes para que sejam capazes de educar os alunos. Docentes impregnados da ideologia tradicional. Não dá mais para ‘deixar de fora’ a experiência, a vivência, a concepção de mundo, dos diversos grupos sociais que formam a sociedade como um todo. Ela não é somente composta pelo padrão

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 203-224, 2002 222

Page 223: Serviço Social e Realidade

masculino, branco e heterossexual, mas por diversas combinações que incluem outras tantas, inclusive o próprio arranjo familiar, que não é necessariamente mais a família nuclear, composta de pai, mãe e filhos. A família se expandiu, cresceu, modificou e transformou seus horizontes, e não dá para adotar um único modelo, sob o risco de relegar boa parte do alunado, à falta de um referencial familiar onde caiba o modelo da sua família. A educação almejada deve incluir as experiências e o modus vivendi de uma maior possível, gama de sujeitos. Em sala de aula estes sujeitos devem ter voz, subvertendo essa condição de discriminação e preconceito.

O nosso trabalho é de estarmos atentos, às novas e sutis formas de dominação que se inscrevem nas relações entre as pessoas, mantendo-se a antiga disposição dominante em seu lugar pretendido. Para isto, devemos nos atentar sobretudo para as ‘manobras’ que a mídia, as leis, as religiões e outras instituições fazem, no intuito de manterem a tradição, o convencional, no topo da hierarquia do poder. Estas correntes tradicionalistas e fundamentalistas, preconizam em atitudes dogmáticas, tanto de cunho doutrinário, como moralista, uma volta às origens – onde o homem (padrão dominante) tome a frente dos negócios, seja ‘o cabeça’ da família, o senhor absoluto, e onde tudo e todos gravitem ao seu redor. Apontam em seus discursos, institucionalizados ou não, a derrocada dos bons-costumes, da família (naturalmente a nuclear, visto ser a única aceita por eles), e da moral. Não obstante culpam as mulheres, os gays e todos os demais que simpatizaram com suas causas, por todos os infortúnios existentes – de guerras, à instabilidade econômica, à crescente violência, ao clima de desconfiança e competitividade de hoje, etc. Esses ‘fundamentalistas e ortodoxos’ quer sejam estes personificados nos discursos legais, religiosos, ou de grupos isolados, têm um poder que não se pode subestimado.

É portanto a educação a única ferramenta disponível e possível para formar cidadãos críticos, conscientes, e sãos, e que respondam sobre si e suas escolhas, não mais se permitindo ser massa de manobra ou ‘marionetes’, servindo aos interesses de alguns, a despeito do interesse da maioria. A possibilidade de resistir ao padrão dominante, hegemônico é, segundo Foucault (1988), uma forma de exercer o poder – a quem o poder não lhes foi legitimado. O exercício da resistência, que é

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 203-224, 2002 223

Page 224: Serviço Social e Realidade

em si um ato transgressor e subversivo, é a possibilidade desses grupos fora do ‘convencional’, não se anularem. Isto requer uma enorme dose de paciência, ousadia, coragem e determinação para enfrentar àqueles que não podem admitir um mundo de outra forma, que não as suas próprias. Somente a educação não-sexista, não-racista e não-segregacionista é capaz de trazer as mudanças sociais que tanto queremos e apreciamos. Através da educação se vislumbram possibilidades, inclusive a de que, parafraseando Martin Luther King – um dia possamos ser avaliados e julgados, não pela cor de nossas peles, nem pelas nossas diferenças, nem pelo exercício de nossa sexualidade – mas pelo caráter, coragem e ousadia de sonhar e lutar por uma sociedade, onde a mulher e o homem sejam a medida de todas as coisas.

Indicações da obra

A obra é dirigida a estudantes em geral, especialistas e

profissionais que se interessam pelo tema relações de gênero e educação, e sobre as implicações deste no âmbito social e da subjetividade. Ela fornece subsídios para todas disciplinas ligadas a Educação, ao estudo do comportamento dos indivíduos (individual e social), e aos aspectos históricos e culturais da construção das representações sociais de gênero. (História, Psicologia, Pedagogia, Serviço Social, Ciências Humanas e Ciências Sociais)

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 203-224, 2002 224

Page 225: Serviço Social e Realidade

ÍNDICE DE ASSUNTOS Adolescente, p.115 Clamor Geral, p.93 Comunidade, p.171 Consolidação Espacial, p.33 Contexto Social, p.19 Democracia, p.171 Desenvolvimento Comunitário, p.51 Desigualdades Regionais, p.179 Estágio de Docência, p.71 Estudo Exploratório, p.179 Ética, p.93 Festa, p.129 Formação Profissional, p.71 Gestão, p.51 Humanização, p.105 Imagens do Urbano, p.129 Instrumentalidade, p.19 Inter-Ações, p.151 Interindustriais, p.179 Liberdade, p.157 Organização Empresarial, p.105 Paradigma, p.105 Paternidade, p.115 Pesquisa Qualitativa, p.9 Poder Local, p.171 Política de Saúde, p.81 Populacional, p.33 Reprodução Humana, p.115 Salários, p.179 Serviço Social, p.19, 151 Sócio-Educativa, p.157 Trabalho, p.129

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 225-226, 2002 225

Page 226: Serviço Social e Realidade
Page 227: Serviço Social e Realidade

SUBJETC INDEX Adolescent, p.115 Community development, p.51 Community, p.171 Democracy, p.171 Enterprises organization, p.105 Ethics, p.93 Festivity, p.129 General clamor, p.93 Health politics, p.81 Humane reproduction, p.115 Humanization, p.105 Images Urban, p.129 Innings, p.51 Instrumentality, p.19 Inter-actions, p.151 Interindustrial, p.179 Internship of teaching, p.71 Labor, p.129 Liberty, p.157 Local power, p.171 Paradigm, p.105 Paternity, p.115 Populational, p.33 Professional formation, p.71 Regional inequalities, p.179 Research Qualitative, p.9 Salaries, p.179 Social Context, p.19 Social Work, p.19, 151 Socio-educative, p.157 Space consolidation, p.33 Study Exploratory, p.179

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 227-228, 2002 227

Page 228: Serviço Social e Realidade
Page 229: Serviço Social e Realidade

ÍNDICE DE AUTORES/AUTHORS INDEX ALMEIDA, L. P., p.71 ANDRADE, M. Â. R. A., p.71 BARBOSA, E. R. N., p.51 BATISTA, M. C., p.9 BRAGA FILHO, H., p.179 BRANDÃO, R., p.19 BUENO, C. B., p.203 CANÔAS, J. W., p.171 COIMBRA, M. I. A. M., p.157 DANCINI, E. A., p.129 FÁVARO, C. R., p.81 GIOMETTI, A. B. R., p.33 JOSÉ FILHO, M., p.19, 115 LEHFELD, N. A. S., p. 51 LESSA, M. B., p.179 LIMA, F. G., p.179 MARTINS, L. C. O., p.105 MENDES, R. C. L. O., p.171 MENDONÇA, N. O., p.93 OLIVEIRA, A. P. B. I., p.9 RODRIGUES, J. A., p.9 SAKAMOTO, D. L., p.115 SANT’ANA, R. S., p.157 SILVEIRA, U., p.93 SOARES, A. C. N., p.151 SOUZA, A. G., p.105

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 229-230, 2002 229

Page 230: Serviço Social e Realidade
Page 231: Serviço Social e Realidade

NORMAS PARA APRESENTAÇÃO DOS ORIGINAIS Informações gerais

SERVIÇO SOCIAL & REALIDADE publica trabalhos originais de autores da UNESP e de outras instituições nacionais ou internacionais, na forma de artigos, revisões, comunicações, notas prévias, resenhas e traduções. Só serão aceitas resenhas de livros que tenham sido publicados no Brasil, nos dois últimos anos, e no exterior, nos quatro últimos anos.

Os trabalhos poderão ser redigidos em português ou outro idioma. O Resumo (de até 200 palavras) e as Palavras-chave, que precedem o texto, escritos no idioma do artigo, os que sucedem o texto, em inglês (Abstract/Keywords).

É vedada a reprodução dos trabalhos em outras publicações ou sua tradução para outro idioma sem a autorização do Comissão Editorial. Os originais submetidos à apreciação da Comissão Editorial deverão ser acompanhados de documento de transferência de direitos autorais, contendo a assinatura do(s) autor(es).

Preparação dos originais Apresentação. Os trabalhos devem ser apresentados em duas vias, com

cópia das ilustrações. Textos em disquetes serão acompanhados do printer (cópia impressa, fiel, do disquete), em Word 8.0; letra 12, tipo Arial Narrow, os textos devem ter de 15 a 30 páginas, no máximo.

Estrutura do trabalho. Os trabalhos devem obedecer à seguinte seqüência: Título; Autor(es) (por extenso e apenas o sobrenome em maiúscula); Filiação científica do(s) autor(es) (indicar em nota de rodapé: Departamento, Instituto ou Faculdade, Universidade-sigla, CEP, Cidade, Estado, País); Resumo (com máximo de 200 palavras); Palavras-chave (com até 7 palavras retiradas de Thesaurus da área, quando houver); Texto; Agradecimentos; Abstract e Keywords (versão para o inglês do Resumo e Palavras-chave precedida pela Referência bibliográfica do próprio artigo); Referências Bibliográficas (somente trabalhos citados no texto).

Referências bibliográficas. Devem ser dispostas em ordem alfabética pelo sobrenome do primeiro autor e seguir a NBR 6023 da ABNT. Exemplos:

• Livros e outras monografias LAKATOS, E.M., MARCONI, M.A. Metodologia do trabalho científico.

2.ed. São Paulo: Atlas, 1986. 198p.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 231-234, 2002 231

Page 232: Serviço Social e Realidade

• Capítulos de livros JOHNSON, W. Palavras e não palavras. In: STEINBERG, C.S. Meios de

comunicação de massa. São Paulo: Cultrix, 1972. p. 47-66. • Dissertações e teses

BITENCOURT, C.M.F. Pátria, civilização e trabalho: O ensino nas escolas paulistas (1917-1939). 1988. Dissertação (Mestrado em História) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo.

• Artigos de periódicos SCHONS, Selma Maria. Assistência social na perspectiva do

neoliberalismo. Serviço Social e Sociedade, São Paulo, v. 16, n. 49, p. 5-19, nov. 1995.

• Trabalho apresentado e publicado em Eventos (Congressos, Simpósios, etc.)

MARIN, A.J. Educação continuada: sair do informalismo? In: CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES, 1, 1990, Anais... São Paulo: UNESP, 1990. p. 114-8.

DOCUMENTOS ELETRÔNICOS

• Eventos em Meio eletrônico

SILVA, R. N.; OLIVEIRA, R. Os limites pedagógicos do paradigma da qualidade total na educação. In: CONGRESSO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA DA ufpe, 4, 1996, Recife. Anais eletrônicos... Recife: UFPe, 1996. Disponível em: <http://www.propesq.ufpe.br/anais/anais/educ/ce04.htm>. Acesso em 21 já.1997.

• Artigo de Periódico em Meio eletrônico

RIBEIRO, P. S. G. Adoção à brasileira: uma análise sócio-jurídica. Datavenia, São Paulo, ano 3, n.18, ago.1998. Disponível em: <http://www.datavenia.inf.br/frameartig.html>. Acesso em: 10 set. 1998.

Citação no texto. O autor deve ser citado entre parênteses pelo

sobrenome, separado por vírgula da data de publicação (BARBOSA, 1980). Se o nome do autor estiver citado no texto, indica-se apenas a data entre parênteses: Morais (1955) assinala... Quando for necessário especificar página(s), esta(s) deverá(ão) seguir a data, separada(s) por vírgula e precedida(s) de p. (Mumford, 1949, p. 513). As citações de diversas obras de um mesmo autor, publicadas no mesmo ano, devem ser discriminadas no texto e nas Ref.Bibliográficas, por letras minúsculas após a data, sem espacejamento (PESIDE, 1927a) (PESIDE, 1927b). Quando a obra tiver dois autores, ambos são indicados, ligados por &

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 231-234, 2002 232

Page 233: Serviço Social e Realidade

(OLIVEIRA & LEONARDO, 1943), e quando tiver três ou mais, indica-se o primeiro seguido de et al (GILLE et al, 1960).

Notas. Devem ser reduzidas ao mínimo e colocadas no pé da página. As remissões para o rodapé devem ser feitas por números, na entrelinha superior.

Anexos e/ou Apêndices. Serão incluídos somente quando imprescindíveis

para a compreensão do texto. Tabelas. Devem ser numeradas consecutivamente com algarismos

arábicos e encabeçadas pelo título. Figuras. Desenhos, gráficos, mapas, esquemas, fórmulas, modelos (em

papel vegetal e tinta nanquim, ou computador); fotografias (em papel brilhante); radiografias e cromos (em forma de fotografia). As figuras e suas legendas devem ser claramente legíveis após sua redução no texto impresso de 11,5x18 cm. Devem-se indicar, a lápis, no verso: autor, título abreviado e sentido da figura. Legenda das ilustrações nos locais em que aparecerão as figuras, numeradas consecutivamente em algarismos arábicos e iniciadas pelo termo FIGURA.

Os dados e conceitos emitidos nos trabalhos, bem como a exatidão das referências bibliográficas, são de inteira responsabilidade dos autores. Os trabalhos que não se enquadrarem nessas normas* serão devolvidos aos autores, ou serão solicitadas adaptações, indicadas em carta pessoal.

* Esclarecimentos adicionais sobre as normas para apresentação dos originais, constam do manual

Normas para publicações da UNESP.

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 231-234, 2002 233

Page 234: Serviço Social e Realidade

SOBRE O VOLUME

Formato: 15 x 21 cm

Mancha: 27 x 45 paicas Tipologia: Arial Narrow Papel: Offset 75 g/m²

Couchê 60 g/m² (capa) Matriz: eletrostática

Tiragem: 200

EQUIPE DE REALIZAÇÃO

Diagramação Aparecida Fátima Vieira Guiraldelli

Assessoria Técnica

Profa. Dra. Íris Fenner Bertani Profa. Dra. Maria Ângela Rodrigues Alves de Andrade

Prof. Dr. Mário José Filho Prof. Dr. Ubaldo Silveira

Responsável pela Revisão

Mário José Filho

Tradução de Inglês Lucas Miranda Pinheiro

Serviço Social & Realidade, Franca, 11(2): 231-234, 2002 234