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Série Pensando o Direito Nº 13/2009 – versão integral

Convocação 01/2007 Federalismo

Universidade Presbiteriana Mackenzie

Faculdade de Direito Programa de Pós-Graduação em Direito Político e Econômico

Coordenação Acadêmica

André Ramos Tavares Christina de Almeida Pedreira

Gilberto Bercovici José Francisco Siqueira Neto José Maria Arruda Andrade

Susana Mesquita Barbosa

Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça (SAL) Esplanada dos Ministérios, Bloco T, Edifício Sede – 4º andar, sala 434

CEP: 70064-900 – Brasília – DF www.mj.gov.br/sal

e-mail: [email protected]

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Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça

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CARTA DE APRESENTAÇÃO INSTITUCIONAL

A Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça (SAL) tem por objetivo institucional a preservação da ordem jurídica, dos direitos políticos e das garantias constitucionais. Anualmente são produzidos mais de 500 pareceres sobre os mais diversos temas jurídicos, que instruem a elaboração de novos textos normativos, a posição do governo no Congresso, bem como a sanção ou veto presidencial.

Em função da abrangência e complexidade dos temas analisados, a SAL formalizou, em maio de 2007, um acordo de colaboração técnico-internacional (BRA/07/004) com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), que resultou na estruturação do Projeto Pensando o Direito.

Em princípio os objetivos do Projeto Pensando o Direito eram a qualificação técnico-jurídica do trabalho desenvolvido pela SAL na análise e elaboração de propostas legislativas e a aproximação e o fortalecimento do diálogo da Secretaria com a academia, mediante o estabelecimento de canais perenes de comunicação e colaboração mútua com inúmeras instituições de ensino públicas e privadas para a realização de pesquisas em diversas áreas temáticas.

Todavia, o que inicialmente representou um esforço institucional para qualificar o trabalho da Secretaria, acabou se tornando um instrumento de modificação da visão sobre o papel da academia no processo democrático brasileiro.

Tradicionalmente, a pesquisa jurídica no Brasil dedica-se ao estudo do direito positivo, declinando da análise do processo legislativo. Os artigos, pesquisas e livros publicados na área do direito costumam olhar para a lei como algo pronto, dado, desconsiderando o seu processo de formação. Essa cultura demonstra uma falta de reconhecimento do Parlamento como instância legítima para o debate jurídico e transfere para o momento no qual a norma é analisada pelo Judiciário todo o debate público sobre a formação legislativa.

Desse modo, além de promover a execução de pesquisas nos mais variados temas, o principal papel hoje do Projeto Pensando o Direito é incentivar a academia a olhar para o processo legislativo, considerá-lo um objeto de estudo importante, de modo a produzir conhecimento que possa ser usado para influenciar as decisões do Congresso, democratizando por conseqüência o debate feito no parlamento brasileiro.

Este caderno integra o conjunto de publicações da Série Projeto Pensando o Direito e apresenta a versão na íntegra da pesquisa denominada Federalismo, conduzida pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Dessa forma, a SAL cumpre seu dever de compartilhar com a sociedade brasileira os resultados das pesquisas produzidas pelas instituições parceiras do Projeto Pensando o Direito.

Pedro Vieira Abramovay Secretário de Assuntos Legislativos do Ministério o da Justiça

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CARTA DE APRESENTAÇÃO DA PESQUISA

Nas últimas décadas, observou-se um avanço considerável da pesquisa em humanidades, com a implementação de grupos de estudo e a realização de pesquisas de pós-graduação, com o objetivo de discutir com profundidade os conceitos basilares do Estado Contemporâneo. Percebeu-se que o acervo da “tecnologia jurídica”, ou seja, a pesquisa na área de Direito, não acompanhou este processo ou, ainda, não se renovou. Sabe-se que a renovação das técnicas e a ressignificação de conceitos e princípios na área jurídica gera excelentes conseqüências na reflexão necessária para garantir a operacionalização, o desenvolvimento e a própria manutenção de um sistema de justiça eficaz e eficiente.

Essa renovação reflexiva faz-se, sobremaneira, por meio da pesquisa acadêmica. A pesquisa constitui-se como parte integrante fundamental da Universidade Brasileira, configurando como um dos tripés indispensáveis da Educação (art. 207 CF) e instrumento privilegiado de evolução e participação efetiva da comunidade acadêmica no desenvolvimento social, cultural, político e econômico do país.

Além disso, a integração proporcionada por uma pesquisa acadêmica entre pesquisadores, discentes, sociedade e órgãos públicos apresenta-se como uma justa e eficaz parceria para o aprofundamento teórico-prático da ciência e para a realização da responsabilidade social da Universidade.

A Universidade Presbiteriana Mackenzie vêm investindo na pesquisa na área jurídica desde a criação de seu curso de Direito, na década de 1950. Entretanto, foi com a criação da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito e com a implementação de diversos grupos de pesquisa CNPq que esta atividade ganhou fôlego e se consolidou no ambiente acadêmico. Dentre os diversos grupos de pesquisa CNPq, encontra-se o grupo “Estado e Economia” que tem por objetivo compreender o papel central do Estado nas explicações sobre política e mudança social e nas articulações com seus princípios fundamentais (Democracia. Federalismo, Soberania e Cidadania) respeitando a historicidade inerente às estruturas sócio-políticas e buscando entender as implicações do nível nacional de desenvolvimento em um contexto mundial de mudanças, analisando-se as regularidades e as (des) continuidades estruturais dos Estados modernos..

No ano de 2007, o Grupo de Pesquisa se inscreveu no Edital 01/07 do Projeto “Pensando o Direito” da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, com o propósito de realizar um estudo aprofundado sobre o Federalismo Brasileiro e sua competência administrativa e legislativa, visando fornecer à sociedade brasileira um estudo teórico-prático que pudesse auxiliar órgãos governamentais em seus processos decisórios.

Para o projeto “Pensando o Direito”, nossa proposta de pesquisa teve como enfoque o estudo sobre os limites da competência legislativa e administrativa da União, em especial nos casos de competência concorrente e de competência comum no estabelecimento normas gerais, por meio da observação da evolução normativa do mapeamento doutrinário e jurisprudencial sobre questões referentes ao Federalismo nacional Esse estudo desmembrou-se e exigiu dos pesquisadores uma análise um pouco mais detalhada do próprio modelo de Estado Federativo implementado no Brasil.

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A crença de que a análise das normas, doutrinas e jurisprudência relativas ao conflito e/ou limites de competência dos entes federativos se revela como elemento essencial para o processo de transformação social e para o entendimento e caracterização dos limites jurídicos do Estado Democrático de Direto é que motivou a realização dessa pesquisa, cuja temática é de extrema relevância para a Sociedade e para os estudos em Direito.

Acreditamos que com essa pesquisa, o grupo “Estado e Economia” da Universidade Presbiteriana Mackenzie, pôde contribuir para a consolidação e ampliação da análise do conceito de Federalismo pois uma adequada compreensão das próprias competências não é apenas um problema de “poder”, de “quantidade de atribuições e grau de autonomia”, de “descentralização” ou de “repartição de finanças”, mas, sim, uma questão de deveres, cujo descumprimento pode gerar “imputações” sociais, econômicas e jurídicas.

São Paulo, outubro de 2009.

Gilberto Bercovici Coordenador Acadêmico

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RELATÓRIO FINAL DE PROJETO DE PESQUISA

PROJETO PENSANDO O DIREITO

“FEDERALISMO NO BRASIL:

LIMITES DA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA E

ADMINISTRATIVA”

SÃO PAULO

2007

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ANDRÉ RAMOS TAVARES

CHRISTINA DE ALMEIDA PEDREIRA

GILBERTO BERCOVICI

JOSÉ FRANCISCO SIQUEIRA NETO

JOSÉ MARIA ARRUDA ANDRADE

SUSANA MESQUITA BARBOSA

“FEDERALISMO NO BRASIL:

LIMITES DA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA E

ADMINISTRATIVA”

Relatório Final da Pesquisa “Projeto

Pensando o Direito: Federalismo no Brasil:

limites da competência administrativa e

legislativa” desenvolvida no Convênio

Mackenzie/PNUD/SAL-MJ sob a

Coordenação do Prof. Dr. Gilberto

Bercovici.

SÃO PAULO

2007

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1. IDENTIFICAÇÃO DO PROJETO DE PESQUISA

1) Solicitante: Programa das Nações Unidas (PNUD) e Secretaria de Assuntos Legislativos

(SAL) do Ministério da Justiça

2) Título do Projeto: Projeto Pensando o Direito: FEDERALISMO NO BRASIL:

LIMITES DA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA E

ADMINISTRATIVA

3) Unidade: Programa de Pós-Graduação em Direito Político e Econômico da Faculdade

de Direito da UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

4) Área de Conhecimento: Ciências Sociais Aplicadas – Direito.

5) Linha de Pesquisa: Poder Econômico e seus limites jurídicos

6) Grupo de Pesquisa CNPq: Estado e Economia

7) Professor Líder: Prof. Dr. Gilberto Bercovici

8) Professores Pesquisadores: Prof. Dr. André Ramos Tavares

Profª. Drª. Christina de Almeida Pedreira

Prof. Dr. José Francisco Siqueira Neto

Prof. Dr. José Maria Arruda de Andrade

9) Pesquisador Colaborador: Profª. Ms. Susana Mesquita Barbosa

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2. RELATÓRIOS DE ATIVIDADES DOS PESQUISADORES

2. 1. Gilberto Bercovici e José Francisco Siqueira NEto

a) TEMA GERAL: O debate sobre a repartição de competências federativas no Brasil.

b) OBJETIVO/PROPOSTA DE PESQUISA

O objetivo central desta pesquisa é apresentar um estudo sobre os limites da

competência legislativa e administrativa da União, em especial nos casos de competência

concorrente e competência comum, no estabelecimento normas gerais, possibilitando a

comparação das três partes do conhecimento jurídico, a fim de propiciar uma análise ampla e

precisa do processo de reconhecimento, sistematização e consolidação deste conhecimento.

Para que este objetivo seja alcançado, foram estabelecidos os seguintes objetivos

específicos – intermediários:

Realizar um levantamento das principais correntes doutrinárias sobre os limites

de competência e sobre a natureza do Federalismo, apresentando suas linhas

gerais e posições defendidas;

Realizar um levantamento da evolução normativa referente ao tema, destacando-

se os marcos constitucionais e as normas infraconstitucionais de maior

relevância;

Identificar e analisar as decisões jurisprudenciais sobre temas centrais, a partir

de critérios a serem estabelecidos;

Analisar os resultados obtidos, a partir do cruzamento das conclusões

desenvolvidas em cada um dos aspectos estudados.

Para a concretização dos objetivos, as atividades de pesquisa foram re-organizadas e

divididas em sub-temas assim dispostos:

1) Sub-tema 01: O debate sobre a repartição de competências federativas no Brasil

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2) Sub-tema 02: Jurisprudência do STF quanto à competência concorrente: análise

crítica e sistemática.

3) Sub-tema 03: Competência Concorrente e a Definição de Normas Gerais.

4) Sub-tema 04: Repartição das competências comuns, de natureza administrativa,

entre os entes federativos.

c) PRINCIPAIS ATIVIDADES DE PESQUISA DESENVOLVIDA NO PERÍODO

c.1) . Atividades Administrativas

As atividades administrativas realizadas na primeira etapa do projeto foram:

1) Em 03/08/2007: Reunião com os Drs. PedroVieira Abramovay e Felipe de Paula

(Secretaria de Assuntos Legislativos/MJ) e com a Assessoria Jurídica da UPM para

formalização do Resultado do Edital e primeiras providências documentais.

2) Em 06/08/2007: Reunião com pesquisadores do grupo de pesquisa para

organização do cronograma e repartição dos temas e das atividades.

3) Mês de agosto: Confecção e conclusão dos instrumentos jurídicos relativos ao

Convênio com o Mackenzie, com a participação da Assessoria Jurídica do Mackenzie.

4) Em 03/09/2007: Assinatura do Convênio na Reitoria da UPM.

5) Em setembro: Reuniões semanais da equipe para discussão dos primeiros

resultados da pesquisa e ajustes no cronograma.

6) Em 24/09/2007: Reunião para apresentação de resultados e elaboração do

Relatório Parcial de Atividades. Organização do Seminário sobre Federalismo.

7) Em 08/10/2007: Reunião para confecção do Relatório Parcial de Atividades.

8) Em outubro e novembro: Reuniões quinzenais para discussão de resultados de

pesquisa.

9) Em novembro: Confecção dos textos preliminares

10) Em 13/12/2007: Reunião para discussão dos textos e dos Resultados Finais.

11) Em 20/12/2007: Reunião final para conclusão do Relatório de Pesquisa.

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c.2) Atividades Acadêmicas

1) Consultorias: Realizadas a partir das discussões e entendimentos dos grupos

(Pareceres enviados por meio eletrônico).

a) 16/09/2007: Resposta à consulta efetuada em agosto sobre o Projeto PRONASCI

(Anexo 01)

b) 17/10/2007: Resposta à consulta efetuada em outubro sobre o Projeto de

Regulamentação de Mídia Exterior (Anexo 02);

c) 07/11/2007: Resposta à consulta efetuada em outubro sobre o Projeto de Lei de

Parcelamento de Solo (Anexo 03).

2) Atividades de Pesquisa: Em relação ao tema geral foram realizadas as seguintes

atividades nos meses de agosto/dezembro:

a) Desenvolvimento dos pressupostos teóricos iniciais sobre o tema, por meio da

realização da revisão bibliográfica e estudo do estado da arte da discussão sobre Federalismo

no Brasil;

b) Levantamento das principais bibliografias associadas ao tema;

c) Preparação do projeto de artigos finais do estudo.

d) Confecção dos artigos finais e discussão dos resultados.

d) DESCRIÇÃO DAS ETAPAS EXECUTADAS NO PERÍODO

1) Consultoria:

Elaboração de pareceres encaminhados em resposta às Consultas da SAL sobre as

questões já descritas acima (Pareceres em Anexo) .

2) Atividades de Pesquisa:

A pesquisa inicial acadêmica corroborou a hipótese de que não é plausível um

Estado Federal em que não haja um mínimo de colaboração entre os diversos níveis de

governo, vez que faz parte da própria concepção de federalismo esta colaboração mútua.

Portanto, no federalismo cooperativo, não se traz nenhuma inovação com a expressão

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“cooperação”. Na realidade, a diferença é o que se entende por cooperação, que, no federalismo

cooperativo, é bem diferente do modelo clássico de colaboração mínima e indispensável1.

Dentre as complexas relações de interdependência entre a União e os entes

federados, no federalismo cooperativo, devemos distinguir a coordenação da cooperação

propriamente dita. A coordenação é, na realidade, um modo de atribuição e exercício conjunto

de competências no qual os vários integrantes da Federação possuem certo grau de

participação. A vontade das partes é livre e igual, com a manutenção integral de suas

competências: os entes federados sempre podem atuar de maneira isolada ou autônoma. A

coordenação é um procedimento que busca um resultado comum e do interesse de todos. A

decisão comum, tomada em escala federal, é adaptada e executada autonomamente por cada

ente federado, adaptando-a às suas peculiaridades e necessidades2.

Nas atividades de cooperação, nem a União, nem qualquer ente federado pode atuar

isoladamente, mas todos devem exercer sua competência conjuntamente com os demais3. Na

repartição de competências, a cooperação se revela nas chamadas competências comuns,

consagradas no artigo 23 da Constituição de 1988. Nas competências comuns, todos os entes da

Federação devem colaborar para a execução das tarefas determinadas pela Constituição.

A cooperação parte do pressuposto da estreita interdependência que existe em

inúmeras matérias e programas de interesse comum, o que dificulta (quando não impede) a sua

atribuição exclusiva ou preponderante a um determinado ente, diferenciando, em termos de

repartição de competências, as competências comuns das competências concorrentes e

exclusivas.

No caso brasileiro, ainda, as competências comuns do artigo 23 da Constituição,

após sua regulamentação pela lei complementar prevista no parágrafo único do mesmo artigo,

serão obrigatórias para a União e todos os entes federados. A lei complementar prevista não

poderá retirar nenhum ente da titularidade das competências comuns, nem restringi-las. Como a

lei complementar prevista no parágrafo único do artigo 23 da Constituição de 1988 não foi

ainda elaborada, não há no sistema federal brasileiro, um regime jurídico expresso de

instituição das “tarefas comunitárias” (Gemeinschaftsaufgaben), existentes na Alemanha,

1 Enoch Alberti ROVIRA, Federalismo y Cooperacion en la Republica Federal Alemana, Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1986, pp. 345-346 e 365-366.

2 Ibidem pp. 361-365, 367-369 e 463-477. 3 Ibidem pp. 369-370 e 487.

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embora haja uma estrutura similar introduzida a partir da nova redação do artigo 241 da

Constituição de 1988 e a aprovação da lei dos consórcios públicos. Tratam-se de métodos de

cooperação eminentemente administrativos, que devem gerar no Brasil, como ocorreu na

Alemanha, um debate sobre o fortalecimento do Poder Executivo, em detrimento do Poder

Legislativo, na execução destas “tarefas comunitárias”4.

O primeiro estágio da pesquisa tratou de pontuar esse histórico do desenvolvimento

das competências e da repartição destas em outros Estados Federados e, particularmente, no

Brasil.

e) PRINCIPAIS FATORES POSITIVOS E NEGATIVOS

As reuniões de pesquisa com o grupo mostraram-se essenciais para o

desenvolvimento e extremamente proveitosas para a elaboração de uma sistemática específica

para a realização de um trabalho de pesquisa em um espaço de tempo tão exíguo.

Os pesquisadores envolvidos, cada um em sua área, já desenvolveram pesquisas

sobre temas correlacionados ao Federalismo nas áreas específicas de Direito Constitucional,

Administrativo, Econômico, Tributário e Trabalhista, especialmente, e esta experiência foi

resgatada e pontuada no processo de organização temática e distribuição dos artigos.

f) RESULTADO FINAL: Artigo: “O Artigo 23 da Constituição de 1988 e as Competências

Comuns”

2.2. André Ramos Tavares

a) SUB-TEMA DE PESQUISA: Jurisprudência do STF quanto à competência concorrente:

análise crítica e sistemática

b) OBJETIVO/PROPOSTA DE PESQUISA DO SUB-TEMA

No âmbito da análise crítica da jurisprudência do STF, sobre temas centrais, como

segurança pública, comércio, telecomunicações e transporte, serão verificados os métodos de

4 Ibidem., pp. 515-532.

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trabalho do STF, bem como a orientação que atualmente é adotada, procurando identificar

padrões hermenêuticos e sistematizar o tema a partir destes padrões.

c) PRINCIPAIS ATIVIDADES DE PESQUISA

- Desenvolvimento dos pressupostos de trabalho, concepções e conceitos;

- Levantamento das polêmicas assinaladas na doutrina nacional;

- Levantamento da jurisprudência do STF sobre o assunto;

- Reuniões com o grupo, com a problematização do assunto.

d) DESCRIÇÃO DAS ETAPAS EXECUTADAS NO PERÍODO

No desenvolvimento dos pressupostos iniciais de trabalho, foram recolhidas as

opiniões doutrinárias mais abalizadas e identificados os pontos controvertidos acerca do

assunto, do ponto de vista conceitual, como a existência de competência concorrente fora do

art. 24 da Constituição, a possibilidade de delegação de competência pela União, com base no

art. 22, parágrafo único, de maneira desigual dentre os entes federativos.

A jurisprudência selecionada a analisada do STF, apresentada basicamente em sede

de controle abstrato, alocando o STF como o guardião da federação e árbitro do conflito

federativo (ADIn 2.396-9/MS; ADIn 1.893 RJ; ADIn 3.098; ADIn 3.322 MC/DF; ADIn 2.656-

9; ADIn 3.444/RS; ADIn 2.432/RN; ADIn 3.254/ES; ADIn 3.186/DF; ADIn 2.796/DF; ADIn

1.704/MT; ADIn 2.101/MS; ADIn 474/RJ; ADIn 3.135/PA; ADIn 2.796-4/DF; ADIn 2.847;

ADIn 2.847/DF; ADIn 3.259/PA; ADIn 2.996/SC; ADIn 3.608) demonstra uma inclinação

pelo afastamento da legislação estadual praticada em diversos estados, sob o argumento da

pertença competencial à União. Uma hipótese de trabalho, neste âmbito, encontra-se ligada à

dificuldade criada pelo texto da Constituição, que tem avolumado enormemente essa atividade

“arbitral” da Justiça Constitucional e que está descrita no texto final.

No âmbito internacional, foram estabelecidos contatos iniciais com o Prof. Antonio

D‟Atena, presidente de um importante e tradicional centro de estudos federais na Europa, o

ISSiRFA – Instituto di Studi sui Sistemi Regionali Federali e sulle Autonomie “Massimo

Severo Giannini”, e com o Prof. Thomas H. Lee, da Fordham University, em Nova Iorque, cuja

linha de pesquisa é justamente o federalismo nos E.U.A.

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e) PRINCIPAIS FATORES POSITIVOS E NEGATIVOS QUE INTERFERIRAM NA

EXECUÇÃO DO PROJETO

As discussões com o grupo têm se mostrado extremamente proveitosas na

construção de um método para trabalhar com a temática proposta.

A jurisprudência do STF, pela diversidade de temas enfrentados quando da

apreciação da titularidade de alguma competência, oferece uma dificuldade inicial de

sistematização e compreensão dos padrões federativos próprios aplicados pela Corte Suprema.

A doutrina nacional especializada no assunto, a partir de uma leitura que

problematize as principais dificuldades que o tema federativo carrega consigo num Estado

originariamente centralizado, é ainda escassa.

Parece, ainda, não haver uma conscientização das particularidades do federalismo

brasileiro.

f) RESULTADO FINAL: Artigo: “Aporias acerca do “Condomínio Legislativo” no Brasil:

Uma análise a partir do STF.”

2.3. Christina de Almeida Pedreira

a) SUB-TEMA DE PESQUISA: Repartição das competências comuns, de natureza

administrativa, entre os entes federativos.

b) OBJETIVO/PROPOSTA DE PESQUISA DO SUB-TEMA

O objetivo central desta pesquisa é apresentar um estudo sobre os limites da

competência administrativa entre os entes federados, a partir do estabelecimento das

responsabilidades gerais da União, para que, então, seja possível, com maior precisão,

reconhecer as responsabilidades específicas de Estados e Municípios. Este é o núcleo da

questão das chamadas “tarefas comuns”, essencial para a compreensão do federalismo

cooperativo, pois trata da implementação das políticas publicas e da atuação dos membros da

Federação nesse processo. Não por outro motivo, temas como saúde e assistência pública,

habitação, saneamento básico, combate à pobreza e integração social têm suscitado tantos

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debates na doutrina nacional e gerado medidas legislativas concretas como a “Lei dos

Consórcios Públicos” e a “Lei Geral do Saneamento Básico”.

c) PRINCIPAIS ATIVIDADES DE PESQUISA DESENVOLVIDA NO PERÍODO

Identificação material quanto ao objeto específico de análise e, conseqüente

sistematização do tema;

- Levantamento das polêmicas assinaladas na doutrina nacional;

- Levantamento da bibliografia nacional e estrangeira, particular ao tema.

- Reuniões com o grupo, com a problematização do assunto.

d) DESCRIÇÃO DAS ETAPAS EXECUTADAS NO PERÍODO

A partir da divisão objetiva da pesquisa, incumbiu-me a identificação e

sistematização das competências comuns dispostas no art. 23 do Texto Constitucional. Notas-

se que, em se considerando apenas o exame sobre as competências administrativas, a noção de

“cooperação” disposta no parágrafo único do mesmo dispositivo, será apreciado em sua

concepção teórica, de modo que se proporcionem argumentos fundamentais não somente para

sua compreensão, mas, principalmente, para sua aplicabilidade. Afinal, a espera pela fixação de

norma específica para estabelecer os contornos da cooperação interfederativa não impede a

observância dos preceitos postos expressamente ao longo do incisos, o que encontra-se descrito

no artigo desenvolvido como Resultado Final.

e) PRINCIPAIS FATORES POSITIVOS E NEGATIVOS

As discussões com o grupo têm se mostrado extremamente proveitosas na

construção de um método para trabalhar com a temática proposta.

Ainda que numerosa possa parecer a bibliografia acerca do tema “Federalismo”, a

doutrina nacional é superficial na condução das discussões que envolvem o equilíbrio

federativo quanto às competências comuns administrativas.

Na previsão constitucional de que lei complementar regulamentará a cooperação

entre os entes resume-se o exame doutrinário.

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A proposta deste projeto está, efetivamente, na identificação e equalização destas

competências; observando, cada qual, sua cota-parte na responsabilidade e busca ao

cumprimento dos objetivos da República Federativa Brasileira.

f) RESULTADO FINAL: Artigo: “Instrumentos legítimos à implementação das

competências constitucionais administrativas comuns”.

2.4. José Maria Arruda Andrade

a) SUB-TEMA DE PESQUISA: Competência Concorrente e a Definição de Normas Gerais

b) OBJETIVO/PROPOSTA DE PESQUISA DO SUB-TEMA

O objetivo específico do sub-tema é o de realizar um levantamento das principais

correntes doutrinárias sobre os limites de competência concorrente e natureza do Federalismo,

apresentando suas linhas gerais e posições defendidas.

Esse objetivo parcial de pesquisa pode ser sintetizado, a partir do próprio projeto de

estudo, nesses termos:

A materialização da coordenação na repartição de poderes encontra-se

principalmente na denominada competência concorrente, prevista no artigo 24 da Constituição

de 1988. A União e os entes federados concorrem em uma mesma função, mas com âmbito e

intensidade distintos. No caso brasileiro, há uma divergência doutrinária sobre a questão dos

Municípios participarem, ou não, da repartição das competências concorrentes, por não estarem

previstos expressamente no artigo 24 da Constituição de 1988 como titulares dos poderes

elencados, ao lado da União e Estados. Uma das questões é se, apesar de não constarem

expressamente no artigo 24, os Municípios foram ou não excluídos da repartição de

competências concorrentes, levando-se em consideração, ainda, o disposto no artigo 30, II da

Constituição, que dá competência aos Municípios para legislarem de maneira suplementar no

que lhes couber5.

5 Vide Fernanda Dias Menezes de ALMEIDA, Competências na Constituição de 1988, São Paulo, Atlas, 1991, pp. 80, 125, 139 e 167-171 e Tércio Sampaio FERRAZ Junior, “Normas Gerais e Competência

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Ainda no âmbito das competências concorrentes, cada ente decide, dentro de sua

esfera de poderes, de maneira separada e independente, com a ressalva da prevalência do

direito federal.

Em relação ao caso brasileiro, é necessário, ainda, definirmos o que deve ser

entendido por “normas gerais”, previstas nos §§1º, 2º, 3º e 4º do artigo 24 da Constituição de

1988. De acordo com Tércio Sampaio Ferraz Junior, a expressão “normas gerais” exige que seu

conteúdo seja analisado de maneira teleológica. As “normas gerais” devem se reportar ao

interesse fundamental da ordem federativa. Como a Federação brasileira têm por fundamento a

solidariedade, que exige a colaboração de todos os seus integrantes, existe a necessidade de

uniformização de certos interesses como base desta cooperação. Desta maneira, toda matéria

que ultrapassar o interesse particular de um ente federado porque é comum, ou seja, interessa a

todos, ou envolver conceituações que, se fossem particularizadas num âmbito sub-nacional,

gerariam conflitos ou dificuldades nacionalmente, é matéria de “norma geral”6.

d) PRINCIPAIS ATIVIDADES DE PESQUISA DESENVOLVIDA NO PERÍODO

Foi realizado um levantamento das principais fontes bibliográficas sobre a questão

da definição de “normas gerais” no âmbito da competência concorrente (art. 24 caput e

parágrafo único da CF/88) e analisada sua relação com as Normas gerais, nacionais e o

Federalismo Fiscal.

e) DESCRIÇÃO DAS ETAPAS EXECUTADAS NO PERÍODO

Levantamento da bibliografia nacional ligada diretamente ao tema. Leitura dos

textos de Victor Nunes Leal e da obra de Fernanda Dias Menezes de Almeida, além dos artigos

de Tercio Sampaio Ferraz Jr.

Análise a partir de problemas dogmáticos e históricos no âmbito do direito tributário

(complementação da competência tributária de impostos estaduais e municipais a partir de

normas gerais nacionais e aspectos envolvendo guerra fiscal e crise do federalismo).

Concorrente – Uma Exegese do Art. 24 da Constituição Federal”, Revista Trimestral de Direito Público nº 7, São Paulo, Malheiros, 1994, pp. 19-20. 6 Cf. Tércio Sampaio FERRAZ Jr, “Normas Gerais e Competência Concorrente – Uma Exegese do Art. 24 da Constituição Federal” cit., pp. 18-19.

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O Direito Tributário permite uma abordagem exemplificativa da definição de

“normas gerais”, tendo em vista a necessidade de harmonização das leis nacionais e as esferas

de competência estadual e municipal.

Essa abordagem tem sido levada em conta a partir da análise da Lei Complementar

87/1996 e da Lei Complementar 116/2003, que complementaram a prescrição da competência

tributária do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias) - art 155 da CF/88 e do ISS

(Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza) – art 156, II CF/88.

As citadas leis nacionais têm como função a uniformização da atividade dos

respectivos Poderes Legislativos, permitindo a manutenção do pacto federativo e evitando-se a

guerra fiscal. Contudo, vários problemas são constatados sobre o tema, que vão desde a invasão

da autonomia estadual ou municipal até a guerra fiscal a partir da simples inobservância das

regras legais ou constitucionais.

Todos esses pontos são abordados pela doutrina pátria e pela jurisprudência, o que

poderá ser sempre mencionado exemplificativamente no desenvolvimento do tema e no texto

final.

f) FATORES POSITIVOS E NEGATIVOS

Nenhum ponto negativo interferiu na execução do projeto.

g) RESULTADO FINAL: Artigo: “Normas Gerais, Nacionais, Competência Legislativa e o

Federalismo Fiscal”.

2.5. Susana Mesquita Barbosa

a) TEMA DE PESQUISA: Federalismo no Brasil

b) OBJETIVO/PROPOSTA DE PESQUISA

O objetivo central desta pesquisa é acompanhar o estudo sobre os limites da

competência legislativa e administrativa da União, em especial nos casos de competência

concorrente e competência comum, no estabelecimento normas gerais, possibilitando a

comparação das três partes do conhecimento jurídico, a fim de propiciar uma análise ampla e

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18

precisa do processo de reconhecimento, sistematização e consolidação deste conhecimento. O

objetivo como pesquisadora colaboradora é definir e delimitar os parâmetros e os processos

metodológicos do grupo para a execução dos estudos e apresentação dos resultados.

c) PRINCIPAIS ATIVIDADES DE PESQUISA DESENVOLVIDA NO PERÍODO

Estabelecimento das diretrizes metodológicas da pesquisa, bem como colaboração

com os pesquisadores doutores no desenvolvimento e exposição das pesquisas individuais.

d) DESCRIÇÃO DAS ETAPAS EXECUTADAS NO PERÍODO

A partir da divisão objetiva da pesquisa entre os participantes, incumbiu-me a tarefa

de organizar, acompanhar e auxiliar os diversos pesquisadores no desenvolvimento de suas

pesquisas, bem como de realizar todos os atos administrativos decorrentes do Projeto de

Pesquisa.

e) PRINCIPAIS FATORES POSITIVOS E NEGATIVOS

As discussões com o grupo foram extremamente proveitosas na construção e na

identificação de uma metodologia apropriada de trabalhar e de análise de resultados, vez que o

projeto demandava um tempo muito exíguo para o cumprimento, bem como a análise de

situações fáticas (particularmente estudadas nos pareceres desenvolvidos no período) o que de

demandou um esforço e um procedimento diferenciado em relação às demais pesquisas já

realizadas.

f) RESULTADO FINAL: Organização, Sistematização e Conclusão do Relatório Final de

Pesquisa.

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3. RELATÓRIOS DE PESQUISA

3.1. O Artigo 23 da Constituição de 1988 e as Competências Comuns

O ARTIGO 23 DA CONSTITUIÇÃO DE 1988 E AS COMPETÊNCIAS COMUNS

Gilberto Bercovici

José Francisco Siqueira Neto

A tradição dos Estados federais, desde a originária Federação norte-americana, é a

utilização do critério jurídico-formal no estabelecimento da estrutura federal, delimitando-se as

esferas de atuação dos Estados-Membros e da União. Essa delimitação, chamada de repartição de

competências, é o ponto central do federalismo, pressuposto da autonomia dos entes federados. As

unidades federadas recebem diretamente da Constituição Federal as suas competências, isto é, o

reconhecimento de seus poderes conjugado com a atribuição de encargos. Não se trata de mera

descentralização administrativa, mas da existência conjunta de múltiplos centros de decisão

política, cada qual com a exclusividade em relação a determinados assuntos. A União trata dos

interesses gerais, os Estados e outros entes federados (quando existem) dos seus próprios

interesses regionais ou locais ou daqueles que são melhor tratados se delegados ao poder local.

Desta forma, na formação dos Estados Unidos, em 1787, foram definidas com cuidado as

atribuições da União e deixou-se o resto (a competência residual) para os Estados. Os principais

objetivos a serem defendidos pela União seriam a defesa comum dos membros, a preservação da

paz pública (contra convulsões internas ou ataques externos), a regulação do comércio com outras

nações e a manutenção de relações políticas e comerciais com os países estrangeiros. Aos Estados

caberia tudo aquilo de que não fossem explicitamente destituídos pela Constituição. As dúvidas

seriam dirimidas pela Suprema Corte.

Professor Associado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Doutor em Direito do Estado e Livre-Docente em Direito Econômico pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Advogado, Mestre (PUC-SP) e Doutor (USP) em Direito, Professor Titular e Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie e professor da Escola de Direito (SP) da Fundação Getúlio Vargas.

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A decorrência direta da repartição de competências é a distribuição das fontes de recursos

financeiros para equilibrar os encargos e as rendas das unidades federadas. A forma norte-

americana de repartição de competências, depois imitada pela maioria dos Estados federais

surgidos posteriormente, foi assim resumida por James Madison, co-autor dos Artigos

Federalistas, no artigo 45: “The powers delegated by the proposed Constitution to the federal

government are few and defined. Those which are to remain in the State governments are

numerous and indefinite. The former will be exercised principally on external objects, as war,

peace, negotiation, and foreign commerce; with which last the power of taxation will, for the most

part, be connected. The powers reserved to the several States will extend to all the objects which,

in the ordinary course of affairs, concern the lives, liberties, and properties of the people, and the

internal order, improvement, and prosperity of the State. The operations of the federal government

will be most extensive and important in times of war and danger; those of the State governments,

in time of peace and security. As the former periods will probably bear a small proportion to the

latter, the State governments will here enjoy another advantage over the federal government. The

more adequate, indeed, the federal powers may be rendered to the national defence, the less

frequent will be those scenes of danger which might favour their ascendancy over the governments

of the particular States” 1

Esta separação absoluta de competências do federalismo clássico (denominado

federalismo dualista) é justificada no contexto de um Estado liberal, em que a atuação estatal era

relativamente reduzida. A separação total é, assim, possível por causa da pouca extensão e relativa

simplicidade da intervenção do Estado. Para boa parte da doutrina norte-americana, o federalismo

dualista era um complemento necessário ao Estado liberal e ao laissez-faire econômico, evitando

uma maior regulação e intervenção estatal (especialmente da parte da União) na economia2.

No entanto, em um Estado intervencionista e voltado para a implementação de políticas

públicas3, as esferas subnacionais não têm mais como analisar e decidir, originariamente, sobre

inúmeros setores da atuação estatal, que necessitam de um tratamento uniforme em escala

nacional. Isto ocorre principalmente com os setores econômico e social, que exigem uma unidade 1 Alexander HAMILTON, James MADISON & John JAY, The Federalist Papers, London/New York, Penguin Books, 1987, Artigo nº 45. 2 Edward S. CORWIN, American Constitutional History, New York, Harper Torchbooks, 1964, pp. 163-164; Bernard SCHWARTZ, Direito Constitucional Americano, Rio de Janeiro, Forense, 1966, pp. 63-65, 68-70 e 206-207; Bernard SCHWARTZ, El Federalismo Norteamericano Actual, Madrid, Civitas, 1993, pp. 39-44 e Enoch Alberti ROVIRA, Federalismo y Cooperacion en la Republica Federal Alemana, Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1986, pp. 353-355. 3 Sobre o tema das políticas públicas e suas relações com o federalismo, trataremos adiante.

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de planejamento e direção4. Antes, portanto, de o Estado social (aqui entendido como sinônimo de

Estado intervencionista5) estar em contradição com o Estado federal, o Estado social influi de

maneira decisiva no desenvolvimento do federalismo atual, sendo o federalismo cooperativo

considerado como o federalismo adequado ao Estado social6.

As tensões do federalismo contemporâneo, situadas basicamente entre a exigência da

atuação uniformizada e harmônica de todos os entes federados e o pluralismo federal, são

resolvidas em boa parte por meio da colaboração e atuação conjunta das diversas instâncias

federais. A cooperação se faz necessária para que as crescentes necessidades de homogeneização

não desemboquem na centralização. A virtude da cooperação é a de buscar resultados unitários e

uniformizadores sem esvaziar os poderes e competências dos entes federados em relação à União,

mas ressaltando a sua complementaridade7.

Com a redemocratização da década de 1980, abriram-se novas perspectivas para o

federalismo brasileiro. Apesar de sua origem e fundamento oligárquicos8, com a Constituição de

1988, existe a possibilidade de renovação das estruturas federais no Brasil, com sua ênfase na

cooperação federativa e na superação das desigualdades regionais. Deste modo, podemos passar

para a análise do federalismo brasileiro da Constituição de 1988, partindo da caracterização de

federalismo cooperativo formulada por Enoch Rovira: “En pocas palabras, y como punto de

partida, podemos decir que la división federal del poder no se entiende ya como separación y

mera yuxtaposición de esferas independientes y soberanas de gobierno, actuando cada una sobre

un ámbito material proprio y exclusivo, sino como colaboración entre los diversos centros de

gobierno en la consecución de objetivos de común interés, como participación de todas las 4 Konrad HESSE, Der Unitarische Bundesstaat, Karlsruhe, Verlag C. F. Müller, 1962, pp. 13-14 e Enoch Alberti ROVIRA, Federalismo y Cooperacion en la Republica Federal Alemana cit., pp. 356-357. 5 Sobre esta discussão, vide Gilberto BERCOVICI, Desigualdades Regionais, Estado e Constituição, São Paulo, Max Limonad, 2003, pp. 50-55. 6 Konrad HESSE, Der Unitarische Bundesstaat cit., pp. 32-34; Konrad HESSE, Grundzüge des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland, 20ª ed, Heidelberg, C. F. Müller Verlag, 1999, pp. 119-120; Enoch Alberti ROVIRA, Federalismo y Cooperacion en la Republica Federal Alemana cit., pp. 25, 54-55 e 365-366 e Gilberto BERCOVICI, "O Federalismo Cooperativo nos Estados Unidos e no Brasil", Revista da Procuradoria-Geral do Município de Porto Alegre nº 16, Porto Alegre, dezembro de 2002, pp. 13-25.

7 Konrad HESSE, Der Unitarische Bundesstaat cit., pp. 19-21 e 31-32; Konrad HESSE, Grundzüge des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland cit., pp. 103-104 e Enoch Alberti ROVIRA, Federalismo y Cooperacion en la Republica Federal Alemana cit., pp. 24-25 e 562-563. 8 Para a história do federalismo no Brasil, vide Gilberto BERCOVICI, “The Autonomy of States in Brazil: Between Federalism and Unitary Government” in Marcelo NEVES & Julian Thomas HOTTINGER (orgs.), Federalism, Rule of Law and Multiculturalism in Brazil, Basel/Généve/München, Helbing & Liechtenhan, 2001, pp. 25-56 e Gilberto BERCOVICI, Dilemas do Estado Federal Brasileiro, Porto Alegre, Livraria do Advogado Editora, 2004, pp. 23-54.

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instancias en un esfuerzo conjunto para el cumplimiento de todas aquellas funciones y tareas que

redundan en beneficio del todo, y con él, de las proprias partes. La separación y la estanqueidad

han sido sustituidas por lo que podemos designar como voluntad de colaboración, a impulso de

las necesidades y exigencias de la realidad” 9.

Com o federalismo cooperativo, a ênfase da célebre definição do princípio federal

formulada por Kenneth Wheare, como muito bem salientou Enoch Rovira, dá-se na expressão

“coordinate” 10: “By the federal principle I mean the method of dividing powers so that the

general and regional governments are each, within a sphere, coordinate and independent”11.

Não é plausível, contudo, um Estado federal em que não haja um mínimo de colaboração

entre os diversos níveis de governo. Faz parte da própria concepção de federalismo esta

colaboração mútua. Portanto, no federalismo cooperativo, não se traz nenhuma inovação com a

expressão “cooperação”. Na realidade, a diferença é o que se entende por cooperação, que, no

federalismo cooperativo, é bem diferente do modelo clássico de colaboração mínima e

indispensável12.

Dentre as complexas relações de interdependência entre a União e os entes federados, no

federalismo cooperativo, devemos distinguir a coordenação da cooperação propriamente dita. A

coordenação é, na realidade, um modo de atribuição e exercício conjunto de competências no qual

os vários integrantes da Federação possuem certo grau de participação. A vontade das partes é

livre e igual, com a manutenção integral de suas competências: os entes federados sempre podem

atuar de maneira isolada ou autônoma. A coordenação é um procedimento que busca um resultado

comum e do interesse de todos. A decisão comum, tomada em escala federal, é adaptada e

executada autonomamente por cada ente federado, adaptando-a às suas peculiaridades e

necessidades13.

9 Enoch Alberti ROVIRA, Federalismo y Cooperacion en la Republica Federal Alemana cit., pp. 358-359. 10 Enoch Alberti ROVIRA, Federalismo y Cooperacion en la Republica Federal Alemana cit., pp. 2 e 25.

11 Kenneth C. WHEARE, Federal Government, London/New York, Oxford University Press/Royal Institute of International Affairs, 1947, p. 11, grifos nossos. 12 Enoch Alberti ROVIRA, Federalismo y Cooperacion en la Republica Federal Alemana cit., pp. 345-346 e 365-366. Vide também Jean ANASTOPOULOS, Les Aspects Financiers du Fédéralisme, Paris, L.G.D.J., 1979, pp. 409-410 e Klaus Friedrich ARNDT; Wolfgang HEYDER & Gebhard ZILLER, “Interdependência Política no Federalismo Cooperativo” in O Federalismo na Alemanha, Série Traduções nº 7, Rio de Janeiro, Konrad Adenauer Stiftung, 1995, p. 107.

13 Enoch Alberti ROVIRA, Federalismo y Cooperacion en la Republica Federal Alemana cit., pp. 361-365, 367-369 e 463-477.

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A materialização da coordenação na repartição de poderes são as competências

concorrentes14. A União e os entes federados concorrem em uma mesma função, mas com âmbito

e intensidade distintos. No caso brasileiro, há uma divergência doutrinária sobre a questão dos

Municípios participarem, ou não, da repartição das competências concorrentes, por não estarem

previstos expressamente no artigo 24 da Constituição de 1988 como titulares dos poderes

elencados, ao lado da União e Estados. Na opinião de Fernanda Menezes de Almeida, apesar de

não constarem expressamente no artigo 24, os Municípios não foram excluídos da repartição de

competências concorrentes. Para ela, a titularidade dos Municípios está garantida pelo artigo 30, II

da Constituição, que dá competência aos Municípios para legislarem de maneira suplementar no

que lhes couber15.

Cada parte decide, dentro de sua esfera de poderes, de maneira separada e independente,

com a ressalva da prevalência do direito federal, que estabelece as chamadas "normas gerais". Em

relação ao caso brasileiro, é necessário definirmos o que deve ser entendido por “normas gerais”,

previstas nos §§1º, 2º, 3º e 4º do artigo 24 da Constituição de 1988. De acordo com Tercio

Sampaio Ferraz Jr, a expressão “normas gerais” exige que seu conteúdo seja analisado de maneira

teleológica. As “normas gerais” devem se reportar ao interesse fundamental da ordem federativa.

Como a Federação brasileira têm por fundamento a solidariedade, que exige a colaboração de

todos os seus integrantes, existe a necessidade de uniformização de certos interesses como base

desta cooperação. Desta maneira, toda matéria que ultrapassar o interesse particular de um ente

federado porque é comum, ou seja, interessa a todos, ou envolver conceituações que, se fossem

particularizadas num âmbito subnacional, gerariam conflitos ou dificuldades nacionalmente, é

matéria de “norma geral”16. Este tipo de repartição é o previsto pelo artigo 24 da Constituição de

198817.

14 Vide Kenneth C. WHEARE, Federal Government cit. pp. 79-84. De acordo com vários autores, a técnica das competências concorrentes seria típica do federalismo cooperativo. Cf. Fernanda Dias Menezes de ALMEIDA, Competências na Constituição de 1988, São Paulo, Atlas, 1991, p. 53. 15 Vide Fernanda Dias Menezes de ALMEIDA, Competências na Constituição de 1988 cit. pp. 80, 125, 139 e 167-171. Esta é a posição que consideramos mais adequada, dentro do sistema constitucional de 1988. Em sentido contrário, vide especialmente Tercio Sampaio FERRAZ Jr, “Normas Gerais e Competência Concorrente – Uma Exegese do Art. 24 da Constituição Federal”, Revista Trimestral de Direito Público nº 7, São Paulo, Malheiros, 1994, pp. 19-20. 16 Cf. Tercio Sampaio FERRAZ Jr, “Normas Gerais e Competência Concorrente – Uma Exegese do Art. 24 da Constituição Federal” cit., pp. 18-19. Para uma análise clássica (e ainda pertinente) sobre o assunto no Brasil, vide os textos de Victor Nunes LEAL, "Leis Federais e Estaduais" e "Leis Municipais" in Problemas de Direito Público, Rio de Janeiro, Forense, 1960, pp. 109-178. Vide, ainda, Enoch Alberti ROVIRA, Federalismo y Cooperacion en la Republica Federal Alemana cit., pp. 84-85, 89-95, 366-367 e 462-463. De acordo com Enoch Rovira, a disposição que determina a prevalência do direito federal sobre o direito estadual (e, no nosso

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Já a cooperação propriamente dita foi assim definida por Rovira: “La cooperación, en

sentido estricto, se diferencia cualitativamente de estas anteriores relaciones, al consistir

propiamente en una toma conjunta de decisiones, en un coejercicio de las competencias, y,

consiguientemente, en una corresponsabilización de las actuaciones realizadas bajo tal régimen.

Una determinada función o competencia no se realiza ya de forma autónoma y separada por cada

instancia, con todos los límites externos de aplicación al caso, sino de forma conjunta, de modo

que tal función o competencia, para que se traduzca en concretas actuaciones, sólo puede ser

ejercida conjuntamente por varias partes, que deben actuar mancomunadamente” 18.

Na cooperação, nem a União, nem qualquer ente federado pode atuar isoladamente, mas

todos devem exercer sua competência conjuntamente com os demais19. Na repartição de

competências, a cooperação se revela nas chamadas competências comuns, consagradas no artigo

23 da Constituição de 1988. Nas competências comuns, todos os entes da Federação devem

colaborar para a execução das tarefas determinadas pela Constituição20. E mais: não existindo

supremacia de nenhuma das esferas na execução destas tarefas, as responsabilidades também são caso, também o direito municipal) é uma “norma de colisão” (Kollisionsnorm), não de competência. Esta determinação da prevalência do direito federal (na Constituição de 1988 está expressa no artigo 24, §4º) não diz respeito à repartição de competências entre a União e os demais entes federados, mas como devem ser resolvidos eventuais conflitos oriundos da repartição, determinando, nestes casos, qual é o direito válido. Vide Enoch Alberti ROVIRA, idem, pp. 119-128. Vide também Konrad HESSE, Grundzüge des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland cit., p. 116.

17 Para Raul Machado Horta, a Constituição de 1988 abandonou a tradição constitucional anterior, onde a competência concorrente dizia respeito apenas à suplementação, pelos Estados, da legislação de competência privativa da União. O artigo 24 da Constituição, em sua opinião, deu autonomia material e formal à competência concorrente, ao definir matérias próprias que são objeto das normas gerais federais e das normas suplementares estaduais. Cf. Raul Machado HORTA, “Repartição de Competências na Constituição Federal de 1988” in Direito Constitucional, 2ª ed, Belo Horizonte, Del Rey, 1999, pp. 356-357 e 366-368. 18 Enoch Alberti ROVIRA, Federalismo y Cooperacion en la Republica Federal Alemana cit., p. 369. 19 Enoch Alberti ROVIRA, Federalismo y Cooperacion en la Republica Federal Alemana cit., pp. 369-370 e 487. Vide também Raul Machado HORTA, “Repartição de Competências na Constituição Federal de 1988” cit., pp. 364-366.

20 Para Fernanda Menezes de Almeida, a idéia das competências comuns a mais de uma esfera, estabelecida pelo artigo 23 da Constituição de 1988, é proveniente, pela similaridade entre as matérias abrangidas, do artigo 10, caput da Constituição de 1934: “Art. 10 – Compete concorrentemente á União e aos Estados: I, velar na guarda da Constituição e das leis; II, cuidar da saúde e assistencia publicas; III, proteger as bellezas naturaes e os monumentos de valor historico ou artistico, podendo impedir a evasão de obras de arte; IV, promover a colonização; V, fiscalizar a applicação das leis sociaes; VI, difundir a instrucção pública em todos os seus graus; VII, crear outros impostos, além dos que lhes são attribuidos privativamente”. Cf. Fernanda Dias Menezes de ALMEIDA, Competências na Constituição de 1988 cit., pp. 81 e 140. Vide também Raul Machado HORTA, “Repartição de Competências na Constituição Federal de 1988” cit., p. 364. No entanto, apesar de parte das matérias ser similar, e da patente influência da Constituição de 1934, bem como da de 1946, sobre o constituinte de 1988, esqueceu-se a ilustre professora da diferenciação entre competências concorrentes e competências comuns, que, como estamos analisando, não é apenas de nomenclatura.

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comuns, não podendo nenhum dos entes da Federação se eximir de implementá-las, pois o custo

político recai sobre todas as esferas de governo21. A cooperação parte do pressuposto da estreita

interdependência que existe em inúmeras matérias e programas de interesse comum, o que

dificulta (quando não impede) a sua atribuição exclusiva ou preponderante a um determinado ente,

diferenciando, em termos de repartição de competências, as competências comuns das

competências concorrentes e exclusivas22.

O interesse comum viabiliza a existência de um mecanismo unitário de decisão, no qual

participam todos os integrantes da Federação. Na realidade, há dois momentos de decisão na

cooperação. O primeiro se dá em nível federal, quando se determina, conjuntamente, as medidas a

serem adotadas, uniformizando-se a atuação de todos os poderes estatais competentes em

determinada matéria. O segundo momento ocorre em nível estadual ou regional, quando cada ente

federado adapta a decisão tomada em conjunto às suas características e necessidades. Na

cooperação, em geral, a decisão é conjunta, mas a execução se realiza de maneira separada,

embora possa haver, também, uma atuação conjunta, especialmente no tocante ao financiamento

das políticas públicas23.

No campo jurídico brasileiro, o debate em torno das políticas públicas teve como eixo

estruturante as possibilidades abertas pela Constituição de 198824. A grande preocupação destes

21 Vide especialmente Sueli Gandolfi DALLARI, Os Estados Brasileiros e o Direito à Saúde, São Paulo, Hucitec, 1995, pp. 38-42 e 79-80. Vide também Marta ARRETCHE, Estado Federativo e Políticas Sociais: Determinantes da Descentralização, Rio de Janeiro, Revan, 2000, p. 56. 22 Enoch Alberti ROVIRA, Federalismo y Cooperacion en la Republica Federal Alemana cit., pp. 373-374. Esta diferenciação entre competências comuns e concorrentes (decisão conjunta x decisão isolada ou independente) nem sempre é percebida pelos doutrinadores nacionais. Alguns, como Fernanda Menezes de Almeida entendem que ambas as categorias são utilizadas no mesmo sentido pelo constituinte: “A competência material do artigo 23 foi designada como competência „comum‟, termo que, no caso, tem o mesmo sentido de „concorrente‟” in Fernanda Dias Menezes de ALMEIDA, Competências na Constituição de 1988 cit., p. 139. A cooperação, assim, é matizada em coordenação, com o agravante, ainda, de ser a instituição das competências comuns interpretada como algo dispensável, que só aumentaria a preponderância da União sobre os entes federados. Cf. Fernanda Dias Menezes de ALMEIDA, idem, pp. 139-140, 142-44 e 174. 23 Enoch Alberti ROVIRA, Federalismo y Cooperacion en la Republica Federal Alemana cit., pp. 374-376. Vide também Jean ANASTOPOULOS, Les Aspects Financiers du Fédéralisme cit., pp. 114-115 e 224-227; Joachim Jens HESSE, “República Federal da Alemanha: Do Federalismo Cooperativo à Elaboração de Política Conjunta” in O Federalismo na Alemanha cit., pp. 128-129 e Eberhard THIEL, “O Significado das Disposições Legais da Estrutura do Estado Federativo para a Política Econômica Prática” in O Federalismo na Alemanha cit., pp. 179-180. 24 Devemos destacar, com esta preocupação em torno das políticas públicas, os seguintes autores e textos: Fábio Konder COMPARATO, “Ensaio sobre o Juízo de Constitucionalidade de Políticas Públicas”, Revista de Informação Legislativa nº 138, Brasília, Senado Federal, abril/junho de 1998, pp. 39-48; Eros Roberto GRAU, A Ordem Econômica na Constituição de 1988 cit., em várias passagens; José Reinaldo de Lima LOPES, “Judiciário, Democracia, Políticas Públicas”, Revista de Informação Legislativa nº 122, Brasília, Senado Federal, maio/julho de 1994, pp. 255-265, posteriormente republicado, com alterações, sob o título de

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autores, ao contrário dos estudos nas ciências sociais, como iremos ver, se dá em torno da

concretização do programa constitucional e da reformulação das concepções tradicionais do nosso

direito público, especialmente a reconstrução do direito administrativo a partir da ação do Estado

para a satisfação do interesse social25. Não por acaso busca-se definir, juridicamente, política

pública como tendo por fundamento a necessidade de concretização de direitos por meio de

prestações positivas do Estado26, elaborando-se o conceito de que: “políticas públicas são os

programas de ação governamental visando coordenar os meios à disposição do Estado e as

atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente

determinados” 27.

Aproximadamente no mesmo período, segundo Marcus André Melo, passamos, nas

ciências sociais, da análise do Estado para a análise das políticas públicas, passagem esta que é

fruto de uma tentativa de substituição do Estado pela sociedade civil como centro das

preocupações políticas e teóricas28. O que ocorreu foi o deslocamento do estudo do Estado ou do

papel do Estado, bem como das concepções totalizantes, para uma discussão setorial de

determinadas políticas. Isto deve-se não apenas à maior especialização dos pesquisadores e

formuladores políticos, mas também ao contexto de americanização da ciência política, de crise do

desenvolvimentismo (e, conseqüentemente, do planejamento e do Estado), de crescente “Direito Subjetivo e Direitos Sociais: O Dilema do Judiciário no Estado Social de Direito” in José Eduardo FARIA (org.), Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça, reimpr., São Paulo, Malheiros, 1998, pp. 113-143; Maria Paula Dallari BUCCI, “As Políticas Públicas e o Direito Administrativo”, Revista Trimestral de Direito Público nº 13, São Paulo, Malheiros, 1996, pp. 134-144 e, especialmente, o livro Direito Administrativo e Políticas Públicas, São Paulo, Saraiva, 2002; Luiza Cristina Fonseca FRISCHEISEN, Políticas Públicas: A Responsabilidade do Administrador e o Ministério Público, São Paulo, Max Limonad, 2000; Guilherme Amorim Campos da SILVA, Direito ao Desenvolvimento, São Paulo, Método, 2004, pp. 102-104, 121-124 e 171-189 e a obra coletiva Maria Paula Dallari BUCCI (org.), Políticas Públicas: Reflexões sobre o Conceito Jurídico, São Paulo, Saraiva, 2006. 25 Vide, por todos, Eros Roberto GRAU, “O Estado, a Liberdade e o Direito Administrativo” in O Direito Posto e o Direito Pressuposto, 5ª ed, São Paulo, Malheiros, 2003, pp. 264-266. 26 Maria Paula Dallari BUCCI, “As Políticas Públicas e o Direito Administrativo” cit., p. 135. 27 Maria Paula Dallari BUCCI, Direito Administrativo e Políticas Públicas cit., p. 241. Vide também Maria Paula Dallari BUCCI, “As Políticas Públicas e o Direito Administrativo” cit., pp. 135-136 e 140. 28 Marcus André MELO, “Estado, Governo e Políticas Públicas” in Sergio MICELI (org.), O Que Ler na Ciência Social Brasileira (1970-1995), vol. 3: Ciência Política, 2ª ed, São Paulo/Brasília, Ed. Sumaré/ANPOCS/CAPES, 2002, pp. 69 e 81-82. Para um levantamento dos trabalhos e tendências mais recentes no campo do estuido das políticas públicas na Alemanha, Inglaterra, Estados Unidos e França, vide os estudos reunidos na Revue Française de Science Politique, vol. 52, nº 1 (Paris, Presses de Sciences Po, fevereiro de 2002): Olivier GIRAUD, “Une École Allemand d‟Analyse des Politiques Publiques entre Traditions Étatiques et Théoriques”, pp. 5-21; Andy SMITH, “Grandeur et Décadence de l‟Analyse Britannique des Politiques Publiques”, pp. 23-35; Marc SMYRL, “Politics et Policy dans les Approches Américaines des Politiques Publiques: Effets Institutionnels et Dynamiques du Changement”, pp. 37-52 e Patrick HASSENTEUFEL & Andy SMITH, “Essoufflement ou Second Souffle? L‟Analyse des Politiques Publiques À La Française‟”, pp. 53-73.

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legitimidade das idéias liberais e seus pressupostos metodológicos individualistas e à tentativa de

substituir o direito por instrumentos de análise econômica na compreensão do aparato estatal29.

Para Marcus Faro de Castro, buscou-se uma politização não institucional, fora da esfera estatal,

uma espécie de “política antipolítica”30.

Embora o estudo das políticas públicas possa representar um grande avanço, como vimos,

para a revisão dos pressupostos epistemológicos individualistas do direito administrativo31, não é

possível promover ou compreender o papel do Estado no processo de desenvolvimento

exclusivamente através das políticas públicas. As políticas públicas são sempre programas

setoriais32. O choque que existe se dá entre uma visão global e de territorialidade, que é a do

desenvolvimento e do planejamento, com uma visão setorial e fragmentada, que é a das políticas

públicas33.

Em termos gerais, o debate jurídico em torno das políticas públicas é uma espécie de

reatualização das concepções de Léon Duguit, buscando legitimar o Estado por suas finalidades,

contestando a unidade política por meio da soberania, com uma visão fragmentada da atuação

estatal. Duguit defendia sua visão em torno dos serviços públicos34. Hoje, ao invés de serviço

29 Para a conceituação e crítica do chamado “individualismo metodológico”, ou seja, a redução de todos os fenômenos sociais às ações intencionais/racionais dos indivíduos, pressuposto de análise de boa parte das doutrinas econômicas e, hoje, também, de setores das ciências sociais e do Direito, vide Leda Maria PAULANI, “Hayek e o Individualismo no Discurso Econômico”, Lua Nova nº 38, São Paulo, CEDEC, 1996, pp. 106-112 e António José Avelãs NUNES, Noção e Objecto da Economia Política, Coimbra, Livraria Almedina, 1996, pp. 50-84. 30 Cf. Marcus André MELO, “Estado, Governo e Políticas Públicas” cit., pp. 60-65 e Marcus Faro de CASTRO, “Direito, Economia e Políticas Públicas: Relações e Perspectivas”, Ciências Sociais Hoje, Rio de Janeiro, Rio Fundo/ANPOCS, 1992, pp. 202-205. 31 Neste sentido, vide Maria Paula Dallari BUCCI, Direito Administrativo e Políticas Públicas cit., pp. 241-278. 32 Pierre MULLER, Les Politiques Publiques, 4ª ed, Paris, PUF, 2000, p. 23. 33 Pierre MULLER, Les Politiques Publiques cit., pp. 16-26. Sobre a questão da desagregação da Administração Pública, entendendo o Estado como um ente administrativo complexo sem centro, vide Massimo Severo GIANNINI, Il Pubblico Potere: Stati e Amministrazioni Pubbliche, reimpr., Bologna, Il Mulino, 2001, pp. 78-87 e Joan SUBIRATS, “Notas acerca del Estado, la Administración y las Políticas Públicas”, Revista de Estudios Políticos nº 59, Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, janeiro/março de 1988, p. 189. A discussão sobre políticas públicas e Direito, em outros países, como a Espanha, dá-se nos mesmos moldes, buscando-se a substituição da centralidade da Administração Pública por estudos mais contingentes, focados nos atores sociais e políticos que interferem na formulação e atuação da política concreta, com distintas racionalidades e interesses em disputa, além da comparação dos resultados obtidos pelas várias políticas públicas. Cf. Joan SUBIRATS, “Notas acerca del Estado, la Administración y las Políticas Públicas” cit., pp. 189-195. 34 Léon Duguit combate, em suas obras, a visão tradicional do Estado soberano, criticando a concepção do Poder Público como uma vontade subjetiva dos governantes sobre os governados. Para Duguit, o Estado não é um soberano que comanda, mas uma força capaz de criar e gerar serviços públicos, formando um sistema realista com base na solidariedade social, objetivamente imposto a todos os cidadãos. O ponto central é a sua defesa do fim da idéia de dominação (Herrschaft, puissance publique) na Teoria do Estado,

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público, fala-se em política pública. Mas o significado geral e os objetivos a que se propõem os

autores são basicamente os mesmos.

Não é possível, ao nosso ver, seguir a proposta de rearticular o direito público em torno

da noção de política pública35, como já não era possível, no início do século XX, rearticulá-lo,

como queria Duguit, em torno da concepção material de serviço público. As políticas públicas são

sempre programas setoriais, portanto há um choque entre uma visão global e de territorialidade,

que é a do Estado, com uma visão setorial e fragmentada, que é a das políticas públicas36. Não é

possível buscar compreender a unidade política por meio da análise fragmentada das políticas

públicas. A rearticulação do direito público deve se dar em torno de uma renovada Teoria do

Estado, com visão de totalidade, capaz de compreender as relações entre a política, a democracia,

a soberania, a constituição e o Estado37.

Para o estudo do desenvolvimento, com todas as suas possibilidades emancipatórias, não

faz sentido a fragmentação da atual análise de políticas públicas. O desenvolvimento impõe a

necessidade de repensarmos um planejamento abrangente38. Analisar o desenvolvimento por meio

das políticas públicas só faria sentido se considerarmos o desenvolvimento nacional a principal

política pública, conformando e harmonizando todas as demais39.

substituindo a soberania pelo serviço público como noção fundamental do direito público. Duguit propõe, assim, um regime político fundado na solidariedade social, em que os governantes têm deveres e obrigações de agir, o que implica na intervenção estatal nos domínios econômico e social. A solidariedade social, concretizada por meio dos serviços públicos, é, na sua visão, a forma mais adequada de legitimidade do Estado. Cf. Léon DUGUIT, Les Transformations du Droit Public, Paris, Éditions La Mémoire du Droit, 1999, pp. 33-72; Léon DUGUIT, Manuel de Droit Constitutionnel, 3ª ed, Paris, Ancienne Librairie Fontemoing & Cie Éditeurs, 1918, pp. 29-30, 67-68 e 71-84; Léon DUGUIT, Leçons de Droit Public Général, Paris, Éditions La Mémoire du Droit, 2000, pp. 124-152 e Léon DUGUIT, Traité de Droit Constitutionnel, 3ª ed, Paris, Ancienne Librairie Fontemoing & Cie Éditeurs/E. de Boccard, 1927-1928, vol. 1, pp. 541-551, 603-631, 649-654 e 670-680, e vol. 2, pp. 59-107 e 118-142. Para a importância da noção de serviço público na Teoria do Estado de Duguit, vide o indispensável estudo de Evelyne PISIER-KOUCHNER, Le Service Public dans la Théorie de l‟État de Léon Duguit, Paris, L.G.D.J, 1972. 35 Neste sentido, vide Maria Paula Dallari BUCCI, Direito Administrativo e Políticas Públicas cit., pp. 241-251. 36 Pierre MULLER, Les Politiques Publiques cit., pp. 16-26. 37 Vide, para maiores detalhes, Gilberto BERCOVICI, “A Constituição Dirigente e a Crise da Teoria da Constituição” in Cláudio Pereira de SOUZA Neto; Gilberto BERCOVICI; José Filomeno de MORAES Filho & Martonio Mont'Alverne Barreto LIMA, Teoria da Constituição: Estudos sobre o Lugar da Política no Direito Constitucional, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2003, pp. 133-138 e Gilberto BERCOVICI, "As Possibilidades de uma Teoria do Estado", Revista de História das Ideias, vol. 26, Coimbra, Faculdade de Letras, 2005, pp. 20-32. 38 Vide István MÉSZÁROS, “Economia, Política e Tempo Disponível: Para Além do Capital” in Margem Esquerda: Ensaios Marxistas nº 1, São Paulo, Boitempo Editorial, maio de 2003, pp. 116-124. 39 Fábio Konder COMPARATO, “A Organização Constitucional da Função Planejadora” in Ricardo Antônio Lucas CAMARGO (org.), Desenvolvimento Econômico e Intervenção do Estado na Ordem Constitucional - Estudos Jurídicos em Homenagem ao Professor Washington Peluso Albino de Souza, Porto Alegre, Sergio

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Em termos federativos, este debate sobre políticas públicas e desenvolvimento está

estreitamente vinculado, como mencionamos acima, à concepção do federalismo cooperativo e

seus instrumentos de atuação conjunta. Para Joachim Hesse, o termo-chave da cooperação é a

elaboração de política conjunta (Politikverflechtung)40. E, no caso brasileiro, a política conjunta

está vinculada diretamente à responsabilidade comum decorrente das políticas e tarefas estatais

(Staatsaufgaben)41 previstas expressamente no artigo 23 da Constituição de 1988. A perspectiva,

portanto, para a análise da cooperação federal e das competências comuns do artigo 23 da

Constituição deve ser dinâmica, não estática, como tradicionalmente ocorre, com mera descrição

do texto constitucional, mas a ênfase deve se dar no processo de cooperação intergovernamental e

nas políticas dele derivadas42.

Sob a Constituição de 1988, portanto, o grande objetivo do federalismo é a busca da

cooperação entre União e entes federados, equilibrando a descentralização federal com os

imperativos da integração econômica nacional. Assim, o fundamento do federalismo cooperativo,

em termos fiscais, é a cooperação financeira, que se desenvolve em virtude da necessidade de

solidariedade federal por meio de políticas públicas conjuntas e de compensações das disparidades

regionais43.

O discurso da descentralização como justificativa de uma maior racionalização ou

eficiência da atuação estatal não pode ser adotado, na estrutura federativa prevista na Constituição Antonio Fabris Ed., 1995, pp. 78 e 82-83 e Eros Roberto GRAU, A Ordem Econômica na Constituição de 1988 cit., pp. 196-200. 40 Cf. Joachim Jens HESSE, “República Federal da Alemanha: Do Federalismo Cooperativo à Elaboração de Política Conjunta” cit., pp. 117-118. 41 O debate sobre as "tarefas do Estado" (Staatsaufgaben) é o debate alemão que trata das políticas previstas constitucionalmente, sua estruturação administrativa, responsabilidade por sua execução, mecanismos de cooperação administrativa e financeira, etc. Por tratar diretamente de questões vinculadas ao desenho da cooperação federativa, entendemos que pode ser muito útil para uma comparação com os dilemas enfrentados pelo federalismo cooperativo no Brasil. Sobre este tema, vide Franz-Xaver KAUFMANN, "Diskurse über Staatsaufgaben" in Dieter GRIMM (org.), Staatsaufgaben, Frankfurt-am-Main, Suhrkamp, 1996, pp. 15-38; Dieter GRIMM, "Der Wandel der Staatsaufgaben und die Zukunft der Verfassung" in Dieter GRIMM (org.), Staatsaufgaben cit., pp. 613-638 e Josef ISENSEE, "Staatsaufgaben" in Josef ISENSEE & Paul KIRCHHOF (orgs.), Handbuch des Staatsrechts der Bundesrepublik Deutschland, 3ª ed, Heidelberg, C. F. Müller Verlag, 2006, vol. 4, pp. 118-159 42 Joachim Jens HESSE, “República Federal da Alemanha: Do Federalismo Cooperativo à Elaboração de Política Conjunta” cit., pp. 121-124 e 132-137. Para uma perspectiva de análise do federalismo como processo, embora acentue demasiadamente a sua concepção de federalizing process no processo em si, desvalorizando o elemento estrutural (e o federalismo envolve ambos os aspectos, estrutura estatal e processo político), vide Carl J. FRIEDRICH, "The Theory of Federalism as Process" in Trends of Federalism in Theory and Practice, New York, Frederick A. Praeger Publishers, 1968, pp. 3-10 e Antonio LA PERGOLA, "El 'Empirismo' en el Estudio de los Sistemas Federales: En Torno a una Teoría de Carl Friedrich", Revista de Estudios Políticos nº 188, Madrid, março/abril de 1973, pp. 34-40, 44-50 e 70-77. 43 Cf. Jean ANASTOPOULOS, Les Aspects Financiers du Fédéralisme cit., pp. 8-9, 11-12 e 330-331.

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de 1988, sem maiores cautelas. Afinal, a própria concepção de descentralização é vaga, podendo

ser utilizada em inúmeros contextos diferentes. Na maioria das vezes, segundo Celina Maria de

Souza, o sentido de descentralização utilizado é o anglo-saxônico e norte-americano, ou seja,

como um redirecionamento para os agentes locais e para o mercado, fundamentando as visões

neoliberais. Sob este enfoque, a descentralização é apresentada como um fator de eficiência e

controle da atuação governamental, sugerindo que o poder central e/ou estatal é corrupto e

ineficiente44, em suma, a utilização da descentralização como panacéia de todos os problemas

relacionados à execução de políticas públicas se fundamenta nos mesmos argumentos utilizados

pelos teóricos do federalismo neodualista para justificar a necessidade do princípio da

subsidiariedade. A descentralização virou, assim, um fim em si mesmo45.

Este tipo de descentralização é o denominado, por Pedro Luiz Barros Silva e Vera Costa,

“descentralização diferenciadora, seletiva e fragmentada”, ora predominante na América Latina.

Os resultados desta modalidade de descentralização são o aumento das desigualdades regionais e

sociais, o privilégio aos setores mais ligados à economia internacional e a possibilidade de

fragmentação nacional, com o estimulo à inserção e articulação direta e separada dos entes

federados com o exterior, sem levar em conta os interesses do todo nacional46. Esta política foi

denominada, por Maria Hermínia Tavares de Almeida e Marta Arretche, de “descentralização por

ausência”47. A transferência não planejada e descoordenada de encargos contradiz o lugar-comum

de que os entes federados receberam apenas verbas e não encargos com a nova ordem

constitucional. As políticas sociais não sofreram mudanças qualitativas ou se deterioraram não

44 Cf. Celina Maria de SOUZA, Constitutional Engineering in Brazil: The Politics of Federalism and Decentralization, New York, St. Martin‟s Press, 1997, pp. 11-14 e Marta ARRETCHE, “Mitos da Descentralização: Mais Democracia e Eficiência nas Políticas Públicas?”, Revista Brasileira de Ciências Sociais nº 31, São Paulo, ANPOCS, junho de 1996, pp. 44-45. Vide também Rui de Britto Álvares AFFONSO, “A Federação no Brasil: Impasses e Perspectivas” in Rui de Britto Álvares AFFONSO & Pedro Luiz Barros SILVA (orgs.), A Federação em Perspectiva: Ensaios Selecionados, São Paulo, FUNDAP, 1995, p. 59; Pedro Luiz Barros SILVA & Vera Lúcia Cabral COSTA, “Descentralização e Crise da Federação” in Rui de Britto Álvares AFFONSO & Pedro Luiz Barros SILVA (orgs.), A Federação em Perspectiva cit., pp. 262-263 e 276-278 e Rui de Britto Álvares AFFONSO, "Descentralização e Reforma do Estado: a Federação Brasileira na Encruzilhada", Economia e Sociedade nº 14, Campinas, junho de 2000, pp. 128-129. 45 Rui de Britto Álvares AFFONSO, “A Federação no Brasil: Impasses e Perspectivas” cit., pp. 68-69. 46 Pedro Luiz Barros SILVA & Vera Lúcia Cabral COSTA, “Descentralização e Crise da Federação” cit., pp. 267 e 278-279. Vide também Rui de Britto Álvares AFFONSO, "Descentralização e Reforma do Estado: a Federação Brasileira na Encruzilhada" cit., p. 149. 47 Maria Hermínia Tavares de ALMEIDA, “Federalismo e Políticas Sociais”, Revista Brasileira de Ciências Sociais nº 28, São Paulo, ANPOCS, junho de 1995, pp. 104-105 e Marta ARRETCHE, “Mitos da Descentralização: Mais Democracia e Eficiência nas Políticas Públicas?” cit., p. 64, nota 17.

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pela sua concentração na esfera federal, mas pela total falta de planejamento, coordenação e

cooperação no processo de descentralização48.

O debate, portanto, não deve ser entre descentralização e centralização, mas qual

descentralização e para que (e para quem) descentralizar. A descentralização das políticas públicas

deve ser realizada de forma gradual, apoiada em programas de assistência técnica e financeira,

com o objetivo de evitar rupturas e prejuízos para a população. Ou seja, a descentralização deve

ser realizada de maneira articulada, não conflitiva, como vem ocorrendo. O desequilíbrio gerado

na descentralização é solucionado com uma política planejada de cooperação e coordenação entre

União e entes federados, com os objetivos do desenvolvimento e da promoção da igualação das

condições sociais de vida, não com o desmonte puro e simples ou o retrocesso da recentralização

de receitas na esfera federal49.

Um processo ordenado de descentralização de políticas sociais exige, portanto, políticas

definidas nacionalmente, com a cooperação de todas as esferas governamentais. Este é, para Marta

Arretche, o aparente paradoxo no processo de descentralização de políticas sociais no Brasil: o

sucesso da descentralização está ligado ao fortalecimento das capacidades institucionais e

administrativas do Governo Federal, que é o nível de governo que dirige e coordena a

implementação das políticas descentralizadas pelos entes federados50.

A elaboração de políticas deliberadas de descentralização, em nível nacional, é essencial

no Brasil, onde a transferência das políticas sociais não é um processo espontâneo. O Brasil, sob a

Constituição de 1988, é uma Federação. Portanto, os entes federados são dotados de autonomia,

não sendo obrigados a aderir a nenhuma política federal de descentralização de políticas sociais,

salvo determinação constitucional51. A descentralização de políticas sociais, desta maneira, só

consegue a adesão dos entes federados por meio de políticas nacionais deliberadas, com auxílio

48 Cf. Rui de Britto Álvares AFFONSO, “A Federação no Brasil: Impasses e Perspectivas” cit., pp. 62-67; Celina Maria de SOUZA, Constitutional Engineering in Brazil cit., pp. 106-107; Celina Maria de SOUZA, “Intermediação de Interesses Regionais no Brasil: O Impacto do Federalismo e da Descentralização”, Dados - Revista de Ciências Sociais, vol. 41, nº 3, Rio de Janeiro, 1998, pp. 576-577 e 584-585 e Rui de Britto Álvares AFFONSO, "Descentralização e Reforma do Estado: a Federação Brasileira na Encruzilhada" cit., pp. 133-134 e 137. 49 Rui de Britto Álvares AFFONSO, “A Federação no Brasil: Impasses e Perspectivas” cit., pp. 67-70 e Pedro Luiz Barros SILVA & Vera Lúcia Cabral COSTA, “Descentralização e Crise da Federação” cit., pp. 274-275 e 279-281. 50 Marta ARRETCHE, “Mitos da Descentralização: Mais Democracia e Eficiência nas Políticas Públicas?” cit., pp. 51 e 56-57. Vide também Maria Hermínia Tavares de ALMEIDA, “Federalismo e Políticas Sociais” cit., pp. 92-93 e 104-105. 51 Marta ARRETCHE, Estado Federativo e Políticas Sociais cit., pp. 13-14, 17, 33-34, 47-48, 241-242 e 248.

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técnico, administrativo e financeiro por parte da União, que motivem a decisão do ente federado

em assumir aquela política que se quer descentralizar. Na opinião de Marta Arretche, a pouca

capacidade administrativa e os problemas fiscais e financeiros dos entes federados são levados em

conta no processo da decisão de assumir uma política social, mas não são fatores determinantes da

decisão, pois podem ser compensados pela União (ou Estado, dependendo do caso)52. Deste modo,

o fator determinante da descentralização bem-sucedida de políticas sociais é a decisão política de

elaborar uma política nacional deliberada, que deve ser implementada de modo coordenado e com

a adesão dos entes federados53.

No Brasil, a decisão de descentralizar está, irremediavelmente, ligada à questão histórica

das desigualdades regionais, que nunca foram encarados como prioridade nacional máxima. Desta

forma, sem uma real preocupação com as desigualdades regionais, os efeitos da própria

descentralização se tornam limitados. E na questão das disparidades regionais, o papel da União é

fundamental: os entes federados não podem suprir o planejamento e decisões que exigem visões

supra-regionais, nem têm como obter, isoladamente, grandes recursos. Os efeitos da repartição de

rendas e encargos foram diferentes nas várias regiões, dado totalmente ignorado pelo Governo

Federal, que não pode ser subsidiário (como querem alguns), patrocinando o desmonte de políticas

públicas. É a questão fundamental das desigualdades regionais que deve determinar os limites da

descentralização no Brasil54.

E estes limites e possibilidades podem ser percebidos ao analisarmos, à guisa de

conclusão, a política recente de desenvolvimento regional do país. Em 2001, ao extinguir as

tradicionais autarquias de planejamento regional Sudam (Superintendência para o

Desenvolvimento da Amazônia) e a Sudene (Superintendência para o Desenvolvimento do

Nordeste), o Governo Federal as substituiu pelas “agências” de desenvolvimento regional. Perdeu-

se, então, a oportunidade de cumprir o previsto no artigo 43 da Constituição de 1988, com a

criação das Regiões, cujo objetivo é promover o desenvolvimento e reduzir as desigualdades

regionais.

52 Marta ARRETCHE, Estado Federativo e Políticas Sociais cit., pp. 52-57, 68-74 e 242-245. 53 Cf. Marta ARRETCHE, Estado Federativo e Políticas Sociais cit., pp. 74 e 246-248. 54 Marta ARRETCHE, “Mitos da Descentralização: Mais Democracia e Eficiência nas Políticas Públicas?” cit., pp. 54 e 56-57; Celina Maria de SOUZA, Constitutional Engineering in Brazil cit., pp. 103-104 e 176 e Celina Maria de SOUZA, “Intermediação de Interesses Regionais no Brasil: O Impacto do Federalismo e da Descentralização” cit., pp. 569-570 e 586-587.

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Ao introduzir a Região, a Constituição de 1988 o fez como forma de organização

administrativa, não política. A finalidade das Regiões previstas no artigo 43 é a administração dos

interesses públicos federais naquela determinada área. Suas atividades são meramente

administrativas, ou seja, limitam-se à gestão de serviços e interesses públicos federais. A idéia do

artigo 43 da Constituição foi a criação de órgãos administrativos federais com ação e objeto

territorialmente delimitados, mantendo a concepção tradicional dos órgãos regionais de

desenvolvimento55.

Em outra ocasião, fomos críticos da solução do artigo 43 da Constituição de 198856. Hoje,

no entanto, estamos revendo estas críticas, entendendo mais positivamente as possibilidades deste

artigo, especialmente no tocante à determinação constitucional de articulação dos órgãos federais

no seu âmbito de atuação. Tendo em vista estas possibilidades do texto constitucional, o Governo

do Presidente Luís Inácio Lula da Silva, ao, acertadamente, propor a recriação da Sudene e da

Sudam, com a extinção das “agências” Adene e ADA, o fez a partir de um projeto de lei

complementar, nos termos do artigo 43 da Constituição, e não por medida provisória, como

desejavam alguns setores do governo. Estes projetos foram aprovados pelo Congresso Nacional e

sancionados pelo Presidente da República, tornando-se a Lei Complementar n. 124, que institui a

nova Sudam, e a Lei Complementar n. 125, que institui a nova Sudene, ambas promulgadas em 3

de janeiro de 2007.

O artigo 43 determina expressamente como competência dos organismos regionais a

articulação e coordenação dos órgãos federais no seu âmbito de atuação. Ao recriar a Sudene e a

Sudam com base neste dispositivo, o objetivo é garantir esta coordenação dos demais órgãos

federais pelas autarquias de desenvolvimento regional. A limitação da nova Sudene e da nova

Sudam encontra-se na sua forma autárquica, vinculada ao Ministério da Integração Nacional

(artigo 1º de ambas as leis complementares)57 o que não pode comprometer a autonomia dos

órgãos de desenvolvimento regional, dada a competência constitucional expressa do artigo 43,

caput.

55 Paulo BONAVIDES, Curso de Direito Constitucional, 7ª ed, São Paulo, Malheiros, 1998, pp. 323-326 e Paulo BONAVIDES, A Constituição Aberta: Temas Políticos e Constitucionais da Atualidade, com ênfase no Federalismo das Regiões, 2ª ed, São Paulo, Malheiros, 1996, pp. 339, 342-346 e 474-476. 56 Gilberto BERCOVICI, Desigualdades Regionais, Estado e Constituição cit., pp. 233-236. 57 Para uma alternativa de cunho federal para a questão regional, inspirada nos trabalhos de Celso Furtado e de Paulo Bonavides, vide Gilberto BERCOVICI, Desigualdades Regionais, Estado e Constituição cit., pp. 239-251.

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Infelizmente, apesar do avanço da recriação da Sudene e da Sudam, a possibilidade de

um efetivo desenvolvimento equilibrado, com o combate às desigualdades regionais, interrompida

com o regime militar, ainda continua praticamente, inviabilizada. Falta, ainda, uma política

nacional de desenvolvimento regional no Brasil. Historicamente, as políticas de desenvolvimento

regional no Brasil sempre foram limitadas às denominadas “regiões-problema”58. A proposta de

uma política nacional de desenvolvimento regional diz respeito a todo o país, levando-se em conta

que todas as regiões brasileiras possuem áreas e setores socialmente atrasados e com dificuldades

de integração no sistema econômico nacional. As áreas miseráveis e atrasadas do Sul, Sudeste e

Centro-Oeste devem ter a mesma prioridade que o Norte e o Nordeste para o desenvolvimento

nacional59. Este é o grande desafio da política nacional de desenvolvimento regional, o de evitar

que se privilegie uma região como prioridade máxima, relegando-se as outras para segundo

plano60.

A melhor maneira de evitar o privilégio de uma única região em detrimento das outras em

um Estado federal cooperativo, como o brasileiro, é conceber o planejamento regional como um

processo que deve ser negociado entre a União e os entes federados61, tendo em vista também a

compatibilização do planejamento regional com o planejamento nacional (artigo 174, §1º da

Constituição). Os problemas regionais não podem ser tratados separadamente do contexto

nacional, o que não significa desconhecer a especificidade regional, mas sim que esta

especificidade regional deve ser entendida em sua inserção no todo nacional62. Desta maneira, a

política nacional de desenvolvimento regional não pode tratar a Questão Regional de forma

genérica, mas deve respeitar as especificidades de cada região, contemplando de maneira

detalhada a heterogeneidade nacional. E o fundamento desta política nacional de desenvolvimento

58 Vide Gilberto BERCOVICI, Desigualdades Regionais, Estado e Constituição cit., pp. 90 e ss. 59 Leonardo GUIMARÃES NETO, "Desigualdades e Políticas Regionais no Brasil: Caminhos e Descaminhos", Planejamento e Políticas Públicas nº 15, Brasília, junho de 1997, pp. 84-85. 60 Sergio BOISIER, "Qué Hacer con la Planificación Regional antes de Medianoche?", Revista de la CEPAL nº 7, Santiago, abril de 1979, p. 137. 61 Sergio BOISIER, "Qué Hacer con la Planificación Regional antes de Medianoche?" cit., pp. 140-144 e 151-168. 62 Otamar de CARVALHO, Desenvolvimento Regional: Um Problema Político, Rio de Janeiro, Campus, 1979, pp. 34-35; Wilson CANO, "Perspectivas para a Questão Regional no Brasil", Ensaios FEE, vol. 15, nº 2, Porto Alegre, 1994, pp. 317 e 320 e Manfred HOLTHUS, "A Política Regional da Alemanha no Processo de Unificação Econômica: Um Exemplo para a Política Regional em Países em Desenvolvimento?" in A Política Regional na Era da Globalização, São Paulo, Konrad Adenauer Stiftung, 1996, pp. 33-34.

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regional é o da igualação das condições sociais de vida, com a igualdade de todos os brasileiros

perante a prestação dos serviços públicos essenciais63.

A proposta de uma política nacional de desenvolvimento regional exige, portanto, uma

presença ativa e coordenadora do Estado nacional (não apenas o Governo Federal), portanto,

desapareceu das considerações governamentais com o neoliberalismo64. A opção do Brasil não é

se integrar na globalização ou se isolar de modo autárquico. A questão fundamental é se a

integração dar-se-á a partir dos objetivos nacionais ou se levará o país à fragmentação. Diante dos

desafios e ameaças trazidos pela globalização, o esforço de coordenação, articulação e cooperação

de todos os níveis de governo do Brasil para o desenvolvimento e a superação das desigualdades

regionais é tão ou mais importante do que o ocorrido na década de 195065. Hoje, perdura ainda o

descaso com a elaboração e implementação de uma política nacional de desenvolvimento regional,

que deve ser inserida dentro de um projeto nacional de desenvolvimento, que, no nosso entender,

tem seus fundamentos previstos na Constituição de 1988.

63 Tânia Bacelar de ARAÚJO, "Por uma Política Nacional de Desenvolvimento Regional" in Ensaios sobre o Desenvolvimento Brasileiro: Heranças e Urgências, Rio de Janeiro, Revan,2000, pp. 134-136 e Gilberto BERCOVICI, Desigualdades Regionais, Estado e Constituição cit., pp. 239-244. 64 Tânia Bacelar de ARAÚJO, "Por uma Política Nacional de Desenvolvimento Regional" cit., pp. 115 e 129. 65 Tânia Bacelar de ARAÚJO, "Planejamento Regional e Relações Intergovernamentais" in Rui de Britto Álvares AFFONSO & Pedro Luiz Barros SILVA (orgs.), A Federação em Perspectiva cit., pp. 479-480, 482 e 486 e Leonardo GUIMARÃES NETO, "Desigualdades e Políticas Regionais no Brasil: Caminhos e Descaminhos" cit., pp. 89-90.

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3.2. Instrumentos legítimos à implementação das competências constitucionais

administrativas comuns

INSTRUMENTOS LEGÍTIMOS À IMPLEMENTAÇÃO DAS COMPETÊNCIAS

CONSTITUCIONAIS ADMINISTRATIVAS COMUNS

Christina de Almeida Pedreira

Introdução

A idéia de ineficiência e ineficácia do Poder Público impulsionou uma série de

inovações legislativas, voltadas, substancialmente, para a criação e regulamentação de

mecanismos operacionais que visam à concretização dos objetivos da República declarados na

Constituição Federal de 1988. O Estado brasileiro deve buscar formas de adaptação deste

contexto objetivando o desenvolvimento nacional.

É preciso reconhecer que a complexidade das atividades administrativas estatais

requer esforço cada vez mais intenso quanto à articulação, à estratégia e à efetivação de

técnicas organizativas que facilitem a gestão da coisa pública. Afinal, o Estado, na atualidade,

deve ter como traço característico o poder de coordenar e conduzir a sociedade, traduzido como

um poder sob a perspectiva governativa.

No perfil de cooperação mútua entre os entes federados aumentado a partir da

Constituição de 1988 incentiva-se a conjugação de esforços para realização de interesses

comuns, a fim de cumprir os objetivos federativos de fortalecimento nacional, seja pela

erradicação da pobreza, seja pela redução das desigualdades nacionais. O fato é que se busca

com a associação interfederativa o desenvolvimento do Estado nacional.

É dizer que este perfil cooperativo incentiva a instituição de medidas que, em um

conjugação de esforços para realização de interesses comuns, permitem alcançar os objetivos

fundamentais desta República. Somente por meio da associação interfederativa será possível

caminhar no sentido do desenvolvimento nacional.

Propõe-se nesta pesquisa fomentar o estudo para a efetiva utilização dos diversos

instrumentos já previstos no texto constitucional que podem, simultaneamente, proporcionar a

Professora adjunta da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mestre em Direito Político e Econômico (MACKENZIE) e Doutora em Direito (PUCSP).

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associação interfederativa, por meio da descentralização dos centros de decisão política, para

que, juntos, consigam desenvolver projetos e ações de consolidação do bem-estar da sociedade

Será por meio de trabalhos múltiplos e concentrados, por todo país, que se atingirá

o desenvolvimento nacional. O grande desafio é equacionar a fórmula que incentiva a

descentralização administrativa como meio movimento necessário para garantir o crescimento

global.

O federalismo de cooperação e o desenvolvimento nacional: a realidade brasileira

Tem-se como certo que o desenvolvimento nacional só é possível se implementados os

instrumentos de cooperação interfederativa já previstos na ordem constitucional brasileira.

Afinal o modelo brasileiro de federação cooperativista é fundados em elementos próprios,

ainda que para isto tenha considerado fundamentos obtidos, simultaneamente, dos modelos

federalistas norte-americano e alemão.

Explica-se.

Em regra, a forma federativa de Estado é apresentada como modelo alternativo aos

Estados Unitários, ou seja, aqueles que concentram o centro de decisão política num único

pólo.

No entanto, ressalta-se que, uns dos propósitos do federalismo são a consecução e

manutenção da unidade e da diversidade de interesses de seus membros, ou seja, é afirmar que

“basicamente, a federação pretende a unidade na diversidade, procurando unir unidades

heterogêneas em torno de um conjunto de regras comuns, dando-lhes certa homogeneidade”;

mas, ao mesmo tempo, “pretende que essa unidade preserve a diferenciação entre os elementos

componentes da federação, respeitando a identidade cultural e política de cada um”1.

A estrutura federativa pressupõe a diversidade de Governos que devem conjugá-los

harmonicamente, de forma dinâmica e que proporcionem resultado positivo no desempenho de

suas atribuições. O Estado federal é, na verdade, uma forma de descentralização do poder, de

descentralização geográfica do poder do Estado e, também de descentralização funcional do

poder.

1 DALLARI, Dalmo de Abreu. O Estado Federal. São Paulo: Editora Ática, 1986, p. 51.

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Em suma, os entes federados recebem da Constituição suas competências, seus poderes e

atribuições de encargos, sem que seja necessária complementação de lei infraconstitucional.

No exercício destes encargos, o Poder Público deverá equilibradamente interagir junto

das relações econômicas e sociais. Necessariamente haverá certo grau de intervenção nestas

relações.

Todavia, é importante aqui destacar que esta relação decorre da articulação entre a forma

de Estado e o respectivo modo interventivo nas relações sócio-econômicas da sociedade2.

A intervenção do Estado na ordem econômica3 representa, de certo modo, a redefinição

de seu papel e diretamente repercute na atuação da Administração Pública, pois “as

modificações no sistema federativo decorrem em muitos aspectos, das formulações

econômicas, decorrentes das novas noções sobre o próprio conceito de Estado e de suas

tarefas”4.

Tem-se, então, o chamado Estado Liberal que se organizou de maneira a cumprir funções

referentes à segurança e organização institucional administrativa, com a delimitação de

poderes, apenas observando a ordem social, preservando, basicamente, o caráter individualista

2 Sobre o tema GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. O serviço público e a Constituição brasileira de 1988. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 62, ao afirmar que “é inquestionável a existência de uma relação entre os modelos de Estado e as teorias das formas de atuação da Administração Pública, pois aquele modelo adotado em certo momento e em certo local, guarda estreita relação com as funções pertinentes à respectiva Administração Pública”. 3 Examinar as formas de intervenção estatal no domínio econômico mostra-se relevante sob o aspecto organizacional adotado. Teoricamente, distinguem-se radicalmente dois tipos de organização econômica: a primeira é a chamada economia descentralizada, que se caracteriza pelo primado das leis de mercado, na qual o Estado exerce somente uma intervenção indireta e global, precisamente para preservar-se das práticas que possam distorcê-lo; outra é a economia centralizada, na qual o Estado é o centro de todas as decisões, efetuando um planejamento dominante e irrefragável, em que as normas jurídicas tentam impor-se sobre as leis econômicas na suposição de discipliná-las. De uma forma ou de outra, a função do Estado é zelar pelo interesse geral. Para José Alfredo de Oliveira Baracho “a intervenção do Estado contemporâneo é um dado que não se pode ser abandonado, quando se fala em federalismo. A sua presença é constante em todos os estudos dedicados à transformação por que passam todos os modelos de federalismo. Como característica moderna, que aponta o crescimento contínuo da atividade econômica estatal, o federalismo não poderia deixar de sofrer a influência proveniente das formas de intervenção. As Constituições, refletindo essas tendências, passaram a conter extensa ordem constitucional-econômica. Dessa ampliação do conteúdo das constituições, surgiram a necessidade de atualização de muitas instituições para que pudessem satisfazer as solicitações emanadas dos textos constitucionais. As entidades componentes da Federação sofreram, em profundidade, em sua estrutura, para atendimento das novas medidas provenientes de nova concepção do próprio Estado, que passava a alargar os processo de condicionamento da atividade econômica” (BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria Geral do Federalismo. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 243). 4 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria Geral do Federalismo. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 236.

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da sociedade. Aqui, a intervenção estatal caracterizou-se pela não-intervençao do poder público

nas ordens econômicas e sociais. Foi considerado como “Estado Mínimo”.

Este modelo, identificado como federalismo dual5 é o próprio norte-americano, que se viu

– com o passar do tempo e significativa crise sócio-econômica interna – insufiente para a

produção de resultados pretendidos por sua comunidade. De modo evolutivo, o modelo foi

redefinido considerando a necessária atuação estatal em algumas áreas clamadas pela

sociedade, mas para isso fez imperiosa a interação entre os Governos central e periféricos,

naquilo que juntos entendiam como de interesse comum. Este modelo foi denominado

federalismo cooperativo6.

Sob qualquer hipótese, o federalismo de cooperação propõe a atuação do estatal, não só

normativamente – como foi próprio do modelo liberal –, mas principalmente exercendo tarefas

concretas a fim de atender ao interesses da comunidade.

Em razão deste intervencionismo, o Estado teve que assumir funções e tarefas que até

então não lhe competiam. Assim, para que fosse possível o amparo clamado pela sociedade,

necessária foi a colaboração entre as unidades federadas – Governo central e periférico – para

satisfação desses interesses. Falava-se, então, em federalismo cooperativo. Destaca-se, todavia,

que a passagem do período não-intervencionista para o intervencionista ocorreu gradualmente.

De outra parte, no continente europeu, a lógica do modelo de federação cooperativa

alemã fundava a cooperação mútua entre os Governos central e periférico conforme

coordenação daquele, ou seja, o federalismo cooperativo alemão apostava na cooperação mútua

dos Poderes Públicos, conforme orientações e sobre a coordenação do Poder Central7-8.

5 Sobre o modelo dual norte americado, BAGGIO, Roberta Camineiro. Federalismo no Contexto da Nova Ordem Global: perspectivas de (re) formulação da federação brasileira. Curitiba: Juruá, 2006, p. 44, 58. “o aumento da intervenção do governo central nas questões sociais pôs em crise a concepção do federalismo dual, abrindo espaço para uma nova configuração das relações federativas, denominada federalismo cooperativo”, isto é, “no período do federalismo cooperativo, os Estados-membros sempre contribuíram na execução dos programas sociais, porém, a responsabilidade central pela elaboração e manutenção de tais programas era do governo central”. 6 Sobre o federalismo cooperativo norte-americano, Sueli Gandolfi Dallari, explica que “o federalismo cooperativo introduziu a possibilidade de execução conjunta das tarefas governamentais, admitindo, portanto, a participação de mais de uma esfera política nesse trabalho”. DALLARI, Sueli Goandolfi. Os Estados brasileiros e o direito à saúde. São Paulo: Editora Hucitec, 1995, p. 39. 7 Sobre o modelo alemão, Klaus Friedrich Arndt, Wolfgang Heyder, e Gebhard Ziller, o federalismo cooperativo “expressaria, sobretudo o compromisso de coordenação e cooperação entre a União e os Estados e dos Estados entre si, a colaboração entre todos os que têm uma tarefa estatal a desempenhar em benefício dos cidadãos”, pois, “na medida em que há coordenação e cooperação na federação, há várias formas de interdependência entre os agentes nos diversos âmbitos e nos diferentes planos de

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Identificados os principais elmentos que influenciaram na definição do modelo

constitucional brasileiro, tem-se, entao que, para efeitos nacionais, o Poder Público de cumprir

funções de formal vertical (cabendo a União definir a linhas de desenvolvimento nacional) e

horizontal (cabendo simultaneamente aos ente federativos a definição, entre si, dos

instrumentos operacionais, por meio dos quais implementarão as tarefas comuns.

Considerando que a proposta desta pesquisa é examinar as alternativas instrumentais

consagradas na sistematica jurídica nacional no que tange à concretização das chamadas

competências comuns, previstas no artigo 23 do Texto Constitucional, sem que seja necessária

a manifestação legislativa – por meio de leis complementares – para sua consecussão.

Afinal, a eterna espera pela regulamentação do parágrafo único do referido artigo 23 tem

justificado a indefinição quanto à reparticao de responsabilidades entre os entes federativos.

Vale aqui declarar que as matérias de interesse comum são de responsabilidade mútua e

simultânea entre todos os entes federativos; assim, para que haja equilíbrio nesta definição, o

modelo de federalismo cooperativo impõe atuação conjunta destes entes.

Isto porque, a sociedade brasileira é marcadamente desequilibrada na distribuição de

renda, sobressaltando as desigualdades regionais e sociais. E, tais elementos devem ser

considerados na busca por estruturas institucionais e jurídicas existentes na reversão deste

quadro.

Há que se garantir no modelo federativo brasileiro instrumentos aptos à redefinição de

papéis entre as unidades federadas, equacionando a redistribuição de responsabilidade sócio-

econômicas com o incremento na relação políco-administrativa intergovernamental. Esta

Nação não comporta a centralização do poder no Governo central, tão pouco a sua

descentralização sem coordenação e planejamento geral.

ação”. Para Klaus Friedrich Arndt, Wolfgang Heyder, e Gebhard Ziller, o federalismo cooperativo “expressaria, sobretudo o compromisso de coordenação e cooperação entre a União e os Estados e dos Estados entre si, a colaboração entre todos os que têm uma tarefa estatal a desempenhar em benefício dos cidadãos”, pois, “na medida em que há coordenação e cooperação na federação, há várias formas de interdependência entre os agentes nos diversos âmbitos e nos diferentes planos de ação” ARNDT, Klaus Friedrich; HEYDER, Wolfgang; ZILLER, Gebhard. Interdependência política no federalismo cooperativo, in Federalismo na Alemanha, Fundação Konrad-Adenauer-Stifung, 1995, p. 107. 8 Ainda sobre o federalismo na Alemanha, Joachin Jens Hess ensina que a principal característica deste modelo é a interdependência dos vários níveis de Governo, ou seja, “a estrutura do sistema intergovernamental da Alemanha Ocidental é caracterizada por um extenso entrelaçamento e interdependência entre os níveis de governo e pela coordenação e cooperação entre os governos federal, estaduais e locais”. HESSE, Joachin Jens. República Federal da Alemanha: do federalismo cooperativo à elaboração de política conjunta, in Federalismo na Alemanha, Fundação Konrad-Adenauer-Stifung, 1995, p. 118.

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Como visto, a Constituição Federal de 1988 instituiu expressamente o federalismo

cooperativo dispondo matérias de competência comum entre todos os entes federados. Isto se

justifica “pelo fato de que num Estado intervencionista e voltado à implementação de políticas

públicas, as esferas subnacionais não têm mais como analisar e decidir, originariamente, sobre

inúmeros setores da atuação estatal, que necessitam de tratamento uniforme em escala

nacional” 9: em assuntos da ordem econômica e social há necessidade de unidade no

planejamento e direção das tarefas.

Tecnicamente considera-se cooperação como a institucionalização da atuação

conjunta e coordenada, de modo a produzir soluções dotadas de maior estabilidade, inclusive

para ampliação da legitimidade democrática e para a afirmação da eficiência da atividade

administrativa do Estado brasileiro.

Até o presente momento, a leitura feita a partir do artigo 23 da Constituição Federal tem

representado, antagonicamente, duas idéias: uma, que proporciona a solução dos desníveis

econômicos e sociais entre os entes federados dirigindo a economia nacional, e, outra, que

reforça o papel da União Federal em relação aos demais, transformando a relação em

subordinativa, alterando, inclusive, a estrutura das relações intergovernamentais.

A redação original do parágrafo único desse artigo, condicionava a realização da

cooperação interfederativa à edição de lei complementar por parte da União federal – a quem

competiria a definição dos limites desta interação.

Em recente reforma do texto constitucional, pela Emenda Constitucional n. 52, de

setembro de 2006, fez constar – por simples revisão redacional – que, de modo plural leis

complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito

Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em

âmbito nacional.

Desta nova redação leva-se à interpretação de que a cooperação interfederativa far-se-á

por diversas leis (todas do tipo complementar) conforme assuntos diversos a serem definidos

pelo Poder Público – e não mais, por um único instrumento legislativo, mas cuja competência

para legislar ainda permanece na Uniao Federal.

9 BERCOVICI, Gilberto. Dilemas do Estado Federal Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2004, p. 57-58.

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Ou seja, efetivamente, muito pouco caminhou o legislador derivado no sentido de

proporcionar meios mais acessíveis à realização pretendida pela federação cooperativa

brasileira. A competência para tal elaboração legislativa permanece com o Governo Central.

Se desde a edição do Texto Constitucional até hoje não se viu a atuação legislativa

intentar neste sentido, tão pouco provável será futura edição de lei complementar para

regulamentar o assunto.

Diante desta realidade, busca-se neste estudo a identificação dos mais variados

instrumentos administrativos que proporcionarão o atingimento dos interesses comuns,

consolidando, em boa parte, o que se pretende com a cooperação interfedertiva.

É certo, pois, de outra parte, que é próprio do federalismo de cooperação a inexistência de

demarcação nítida de competências entre os Governos central e periféricos Isto se vê na

inscrição das chamadas competências comuns e concorrentes entre os entes federados. O fato é

que, sendo numa ou noutra competência, a solução quanto à definição de responsabilidades só

será possível por meio da colaboração recíproca. Este movimento decorre das complexas

questões econômicas, financeiras e sociais que demandam certa organização estatal integrada.

A virtude da cooperação “é a de buscar resultados unitários e uniformizadores sem

esvaziar os poderes e competências dos entes federados em relação à União, mas ressaltando a

sua complementaridade”. A cooperação parte do pressuposto da estreita interdependência que

existe em inúmeras matérias e programas de interesse comum. Todos os entes federados devem

colaborar para a execução dessas tarefas; logo, as responsabilidades também serão comuns, ou

seja, nenhum ente poderá eximir-se de implementá-las. Refletindo, assim, em dois os

momentos de decisão na cooperação: “o primeiro se dá em nível federal, quando se determina,

conjuntamente, as medidas a serem adotadas, uniformizando-se a atuação de todos os poderes

estatais competentes em determinadas matérias; o segundo momento ocorre em nível estadual

ou municipal, quando cada ente federado adapta a decisão tomada em conjunto às suas

características e necessidades” 10.

Portanto, a decisão é conjunta, mas a execução pode ou não se realizar de maneira

separada. Dependendo da matéria em questão.

Neste processo de decisão conjunta, é inevitável a medida de descentralização do poder

político. Todavia, o que se há de destacar é que tanto uma (descentralização administrativa) 10 BERCOVICI, Gilberto. Dilemas do Estado Federal Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2004, p. 58, 61.

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quanto outra (descentralização política) dependem – para realização positiva de resultados – de

planejamento e coordenação entre os entes. Por isso, qualquer estudo feito sobre o assunto deve

levar em consideração o Estado brasileiro, naquilo que se refere ao poder político e políticas

públicas por ele adotadas.

Resgata-se, aqui, idéia já aventada, no que se refere à atribuição de planejamento e

coordenação das linhas gerais pretendidas ao Estado nacional pela União federal. Afinal, é a

União quem deve definir quais os objetivos que deverão ser atingidos pela atuação conjunta de

seus entes.

É certo que do federalismo de cooperação decorrem problemas de ordem econômica,

política e principalmente financeira.

Em termos econômicos, a principal questão que aflige o federalismo é a de como

compatibilizar a autonomia das unidades federativas periféricas com a necessidade, cada vez

mais imperiosa, de se planejar e promover o desenvolvimento econômico nacional.11.

É por isso que o Estado brasileiro, pela forma federativa do tipo cooperativo, buscou, por

meio de suas regras constitucionais, traçar parâmetros para que seus entes atingissem, de modo

equilibrado e com a soma de esforços, os objetivos traçados pela República, por meio de

escolhas políticas que devem ser feitas no desenvolver da Nação. Toma-se o consórcio púbico

como instrumento político de Estado, por meio do qual atenderá, além da prestação de serviços

públicos, também, o planejamento e execução de ações que envolvam políticas públicas.

a. Políticas Públicas: necessária definição conjunta do planejamento ao

desenvolvimento

A relação intergovernamental caracteriza-se pela integração de dois ou mais Governos no

desenvolvimento e na execução de programas e políticas públicas. O ideal de relação

intergovernamental configura-se pela conjugação de esforços, meios e capacidades para que os

entes-cooperados atinjam objetivos – no todo ou em parte – comuns. 11 Neste sentido, dispõe Gilberto Bercovici que “propõe-se a conciliação entre a necessidade de centralização das decisões no nível de racionalização dos empreendimentos com a descentralização das decisões políticas no tocante aos problemas regionais e locais, sempre se levando em conta que a autonomia regional ou local não tem sentido senão em relação ao todo, ao conjunto federal”. Para tanto, a “cooperação é uma espécie de planejamento, ao elaborar critérios conjuntos e uniformes de atuação da União e entes federados sem violar a repartição constitucional de competências – trata-se de um planejamento coordenado a partir da anuência de todos os titulares de funções estatais” BERCOVICI , Gilberto. Desigualdades Regionais, Estado e Constituição. São Paulo: Max Limonad, 2003, p. 209-210.

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Por isso, considerando o ideal cooperativo do texto constitucional, a complexidade e

diversidade de interesses entre os variados níveis territoriais serão tomados como elementos

que nortearão a responsabilidade sobre o cumprimento de suas respectivas competências..

Independente da forma de Estado adotada pelo Constituinte é preciso também examiná-lo

sob o ponto de vista de sua operacionalização, a fim de proporcionar reformas estruturais e

institucionais que possam satisfazer os interesses e necessidades nacionais.

A complexidade, cada vez maior, das tarefas do Estado exige a observância da função

não só de colaboração, mas principalmente de coordenação, que não se resolve exclusivamente

com a criação novas estruturas organizacionais, mas na adaptação das espécies clássicas para o

desempenho de novas tarefas.

É preciso considerar que o planejamento das ações do poder público é elemento

característico do Estado federal, que, em razão da diversidade de interesses em questão, deve

coordenar e articular as competências atribuídas a cada um dos entes. Afinal, se o

planejamento é elemento característico do Estado federal é preciso consagrar instrumentos de

implementação do federalismo.

Portanto, o planejamento das tarefas no curso da implementação dos interesses comuns

deverá fazer parte da relação intergovernamental, pois por meio dessas será promovido o

desenvolvimento nacional, afinal, o planejamento confirmará as estruturas de poder e o

instrumentos definirão sua direção, efetividade e intensidade. Juntos – planejamento e

desenvolvimento – são condições necessárias para a realização do bem-estar social.

Tendo em vista que, em primeira e última instância, o bem-estar social é o fim que busca

o Estado atingir.

Nesse contexto, estabeleceu a Constituição de 1988 princípios12 de que as diferentes

unidades da federação brasileira devem cooperar entre si na realização dos interesses nacionais.

Essa colaboração deve dar-se por meio de definição de políticas públicas estabelendo metas,

diretrizes e planos que garantam a atuação equilibrada, conforme a atribuição de cada um do

entes federados.

A garantia do desenvolvimento nacional, enquanto princípio constitucional, determina

que o Estado deve perseguir o desenvolvimento em atuação conjunta, devendo a ordem 12 São chamados de princípios de integração, porque todos estão dirigidos a resolver os problemas da marginalização regional ou social, sendo eles: a defesa do consumidor, a defesa do meio ambiente, a redução das desigualdades regionais e sociais e a busca do pleno emprego.

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econômica estar voltada para a construção de uma sociedade mais justa e solidária. O

estabelecimento de uma política desenvolvimentista representa certo intervencionismo estatal –

e assim tem que ser.

A idéia de que o grande objetivo nacional é o desenvolvimento e de que este constitui um

processo planejado de transformação global das estruturas organizacionais e institucionais do

país domina a ordem constitucional brasileira. A partir disso, diz-se que a planificação do

desenvolvimento, como função de eminente interesse público, não pode ser confiada de modo

exclusivo a agentes estatais, sem ligação com os grupos ou categorias profissionais que forma a

sociedade. Todavia, “a política de desenvolvimento nacional deve estar livre das pequenas

injunções da rivalidade pessoal ou partidária e, acima de tudo, criar condições para que o

interesse geral prevaleça sobre os interesses particulares” 13.

É possível, com isso, afirmar que o eixo central de toda a sistemática econômica e social

do Estado brasileiro é o planejamento que, por sua própria natureza, implica a periódica fixação

de objetivos gerais a serem atingidos e a mobilização de toda a sociedade para a consecução

desses objetivos.

Neste raciocínio afirma-se que sem uma gestão adequada do aparelho estatal brasileiro

não é possível romper o círculo vicioso que impede o desenvolvimento do país. Por outro lado,

as soluções meramente técnicas que não contemplem os problemas da dominação política serão

insatisfatórias.

Por isso, propõe-se a utilização de instrumentos administrativos que proporcione a ação

intergovernamental e não dependentes da movimentação legislativa.

De qualquer forma, tem-se que considerar que o planejamento nacional não pode ser

levado como um fim em si mesmo, ou seja, seu objetivo é proporcionar meios para re-

equilibrar as diferencias sociais e econômicas ou, ao menos, reduzir a níveis toleráveis tais

desigualdades.

Alerta-se para a dificuldade de conciliar o princípio federalista, que pressupõe a

descentralização política e administrativa, com o sistema de planejamento global da economia,

que necessita da centralização de decisões e de controle. Para compatibilização, deve-se

13 COMPARATO, Fábio Konder. Muda Brasil: uma Constituição para o desenvolvimento democrático. Brasília: Editora Brasiliense, 1986, p. 24-26.

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“preservar a diferenças geográficas, econômicas e culturais de cada unidade federada, evitando-

se, assim, uma uniformidade na concepção e execução” 14.

Tem-se que manter em mente que as políticas de desenvolvimento nacional devem ser

elaboradas e implementadas dentro dos marcos do sistema federal, com a coordenação e

cooperação da União e de todos os entes federados conjuntamente. Ainda que para isso sejam

criadas entidades administrativas próprias descentralizadas.

Para isso, alguns temas da agenda dos Governos demandam trabalho cooperado e

coordenado em sua implementação, como aqueles de responsabilidade partilhada, entre eles as

políticas públicas de desenvolvimento regional e urbano, dentre outras que funcionam de forma

sistêmica como a saúde, o abastecimento de água, a educação, entre outros. Políticas públicas

são, para este fim, programas de ação governamental que visam à coordenação dos interesses

públicos, bem como a realização dos objetivos – sociais, econômicos e políticos – relevantes.

Apesar de serem consideradas “programas de ação governamental”, o estudo sobre as

políticas públicas deve indicar elementos que proporcionem a concretização de direitos por

meio de prestações positivas do Estado.

Afinal, o próprio fundamento das políticas públicas “é a necessidade de concretização de

direitos por meio de prestações positivas do Estado, sendo, de modo geral, o desenvolvimento

nacional a principal política pública conformando-a e harmonizando-a todas as demais” 15.

É de se notar, desde já, que em relação à distribuição de funções entre os Governos

central, estadual, distrital e municipal, as decisões sobre políticas públicas envolvem uma

mistura de políticas nacionais, que deverão ser compartilhadas com os demais.

Todavia, nem sempre é esta a realidade que se apresenta. Com freqüência os governos

locais são responsáveis por funções remanescentes, os governos estaduais com funções

concorrentes. Ou seja, numa função ou noutra, como regra, concentram-se as decisões no

governo federal.

Num Estado intervencionista, e voltado para a implementação de políticas públicas, as

esferas subnacionais não têm mais como analisar e decidir, originariamente, sobre inúmeros

setores da atuação estatal, que necessitam de um tratamento uniforme em escala nacional.

14 CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional Didático. Belo Horizonte: Dey Rey, 2001., p. 569. 15 BERCOVICI, Gilberto. Desigualdades Regionais, Estado e Constituição. São Paulo: Max Limonad, 2003, 42.

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Este modelo é incompatível com o ideal de cooperação e consecução de interesses

comuns. A solução está no incremento do grau de articulação entre os Governos, bem como, no

substancial conhecimento do objeto da política pública que se propõe à implementação.

São elas [as políticas públicas], então, o objeto da ação dos governos que, por óbvio,

devem acontecer dentro dos parâmetros da legalidade, o que não significa afirmar que elas

formalizar-se-ão necessariamente como leis.

As políticas públicas definem-se ao longo de um processo de escolha dos meios para

realização dos objetivos traçados por determinado governo. Logo, a temática das políticas

públicas, como parte no processo de resposta ao interesse público, está ligada à questão da

discricionariedade do administrador, na medida em faz parte das escolhas por determinados

fins e objetivos, enquanto finalidades da atividade administrativa.

Volta-se à advertência quanto a importância em examinar a problemática que envolve a

equação entre descentralização administrativa, enquanto opção organizacional, e a

obrigatoriedade do cumprimento das múltiplas tarefas públicas, enquanto opção política

governamental.

É um processo em constante transformação.

Descentralização administrativa: diversos modelos de organização e de gestão

Definitivamente, um problema que integra a estrutura do federalismo é a execução dos

seus fins conforme as competências das entidades que compõem o Estado federal, vez que são

entidades autônomas e têm organização administrativa, que se incluem nas respectivas

competências.

A transferência, pelo Estado, da execução de atividades administrativas a pessoas

jurídicas de direito público ou privado se concretiza, basicamente, de duas formas: uma, por

meio de lei, criando ou autorizando a criação de entidades estatais, que integrarão a estrutura

organizacional do Estado; e, outra, por meio de contrato, quando o Estado delega a execução de

serviços ou atividades públicas a pessoas jurídicas de direito privado, por concessões ou

permissões16.

16 ROLIM, Luiz Antônio. A administração indireta, as concessionárias e permissionárias em juízo. São Paulo: Editora RT, 2004, p.32-33.

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Na atualidade, Estado deixou de prestar serviços diretamente para transferir a execução

aos privados – por isso, com freqüência, utiliza-se como verdadeira a afirmação de que a

solução de todos os problemas da Administração Pública é a concessão dos serviços públicos -

mas o resultado é que os cidadãos ficaram sem garantias e desprotegidos no consumo de

serviços que até então eram essenciais e universais. A delegação do serviço se faz por meio de

contratos públicos, na qual a empresa vai prestar o serviço e o Estado permanece só com a

função de fiscalização e gestão.

A introdução dos novos modelos de organização e de gestão pressupõe formas

alternativas de controle – seja por intermédio do núcleo estratégico, que presta conta dos

resultados das políticas públicas aos representantes eleitos, seja pelo estabelecimento de

mecanismos de participação social, a exemplo da criação de conselhos em que se prevê a

participação da comunidade.

O Estado brasileiro, só nas últimas seis décadas, passou dos serviços públicos

centralizados para os serviços públicos delegados a particulares e destes às autarquias

outorgadas. E, ainda, passou a assumir atividades de interesses recíprocos entre entidades

públicas e particulares sob regimes de cooperação mútua, nas formas de convênios e consórcios

administrativos.

A descentralização pressupõe, então, dois elementos: inicialmente, implica no

reconhecimento de uma categoria de interesses próprios que seja distinta dos interesses

nacionais; e, por fim, é preciso a concessão da personalidade jurídica às entidades que foram

criadas para determinada função, para que com autonomia financeira possa gerir seus negócios.

Tem-se, então, que a descentralização administrativa deve ser considerada como medida

de gerência, por parte do Estado, na criação de entidades parceiras17 que o auxiliarão no

cumprimento de seus fins. São, portanto, formas de parceria todas aquelas medidas tomadas

pelo Estado na intenção de garantir, ainda que indiretamente, a observância de suas finalidades.

Portanto, pela descentralização administrativa, o Estado transfere para outrem – com

maior ou menor autonomia – a prestação de uma atividade pública de interesse coletivo.

17 Maria Sylvia Zanella di Pietro, entende por parceria a modalidade de delegação ao particular de atividade que não são exclusivas do Estado, como as concessões, permissões e fomentos (PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Parcerias na Administração Pública. São Paulo: Atlas, 2002, p.51). Nesta pesquisa, tem-se a parceria como forma de atividade cooperada entre entes públicos ou entre estes e os particulares para fazer valer, sempre, os interesses da coletividade.

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Mas não é só a descentralização administrativa que importa no estudo do caso brasileiro

como elemento concretizador da implementação de políticas púbicas, e, sim, compatibilizá-la a

instrumentos administrativos capazes de concentrar a coordenação e cooperação entre os entes

federativos, que são inerentes à descentralização política.

Instrumentos administrativos para cooperação intergovernamental

São instrumentos competentes à cooperação interfederativa, com previsão expressa no

texto constitucional, as regiões metropolitanas, as regiões administrativas, os consórcios

públicos, os convênios de cooperação; sem esquecer, os consórcios administrativos e os

convênios administrativos.

Todos eles devem ser vistos como instrumentos diferenciados para incrementar a agenda

de desenvolvimento do país, pois são meios que proporcionam a ampliação do alcance e da

efetividade das políticas públicas e dos recursos nelas aplicados, uma vez que poderão permitir

ação cooperada e maior racionalidade na execução de serviços, bem como de políticas de

responsabilidade partilhada entre todos os entes interessados.

A escolha entre um e outro é opção política.

Propõe-se, aqui, que por meio destes instrumentos – somados aos demais previamente

garantidos no texto constitucional e vigentes na prática administrativa ordinária – vieram a

ampliar as hipóteses de implementação das competências comuns previstas no art. 23, pois o

cerne da cooperação interfederativa é a possibilidade de transferência de encargos e meios –

pessoal e bens – entre os entes para a realização e gestão associada dos serviços18.

Com maior segurança, identifica-se a intenção do legislador-constituinte em ratificar os

mais diversos instrumentos frente à necessidade de atuação cooperada entre o poder público,

pessoas jurídicas por ele criadas e a sociedade, para o bem geral de todos.

Considera-se, para tanto, como elemento significativo a reformulação institucional no

país, por meio da criação de instrumentos que proporcionem a descentralização política e

adequado cumprimento de políticas públicas nacionais.

18 Somado à idéia de desenvolvimento e execução programas e políticas públicas, o texto constitucional, na redação do artigo 241, indicou nova forma de cooperação, por meio da chamada “gestão associada”. Tal gestão far-se-á por meio de consórcios públicos e convênios de cooperação, cujo modelo permitirá e facilitará a gestão compartilhada, na medida em que transfere encargos, serviços, pessoal e bens de uma pessoa jurídica para outra, de modo a garantir a continuidade dos serviços transferidos.

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A federação brasileira, como qualquer federação, é reconhecida pela promoção conjunto e

indissociável de interesses recíprocos, afinal “toda organização federativa envolve um

complexo de problema de composição e harmonização de interesses nacionais e locais”, ou

seja, “ainda quando exista uma competência privativa para um determinado ente federado,

deverá ser exercitada de modo a assegurar a realização dos interesses conjuntos de todos os

demais entes federados” 19. Reconhece-se a necessidade da integração das múltiplas

competências e a atuação conjunta e coordenada entre os diversos entes federativos.

O texto constitucional vigente, ainda que com limites, principalmente quanto ao

financiamento das políticas públicas consagradas, definiu uma agenda reformista20 que se

caracteriza pela concepção universalista quanto aos direitos sociais, redistributiva quanto à

renda e democrática quanto à gestão pública. A repartição das competências públicas entre os

entes federados leva em conta, observando critérios técnicos e jurídicos, os interesses próprios

de cada esfera administrativa, bem como a capacidade para executá-los.

Ao mesmo tempo em que a repartição de competência define o modelo federativo, este se

equilibra entre a colaboração mútua dos entes federados e a impossibilidade de delegação

irrestrita de suas competências, ou seja,

A Constituição de 1988 contemplou quatro formas de distribuir as competências dos

entes federados: a primeira discriminando a competência da União em matérias

administrativas, deixando as remanescentes ao encargo dos Estados; a segunda tem a União a

prerrogativa de delegar aos Estados suas competências privativas; a terceira, indicando as

competências comuns, inclusive de caráter administrativo, estabelecendo a cooperação

interfederativa; e, por fim, as competências concorrentes entre União e Estados-membros.

19 JUSTEN FILHO, Marçal. Novos sujeitos na Administração Pública: os consórcios públicos criados pela Lei federal n. 11.107, in OSÓRIO, Fábio Medina e SOUTO, Marcos Juruena Villela (Coords.), Direito Administrativo – estudos em homenagem a Diogo de Figueiredo Moreira Neto. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006, p. 675. 20 Por agenda reformista, considera Orlando Alves dos Santos Junior “as reformas econômicas estruturais implementadas com a adoção de políticas de liberalização econômica e a privatização de empresas estatais. Ao mesmo tempo, a crescente transferência de responsabilidades e de competências do governo nacional para os governos locais, impulsionando profundas transformações nas instituições de governo local do país, que alteram o sistema de decisões municipais e as práticas dos atores políticos. Desde então, para o autor, verifica-se um crescente e generalizado processo de fortalecimento da esfera local de governo, centrado na descentralização e na municipalização das políticas públicas. Tal processo tem ensejado mudanças na organização e no funcionamento dos governos locais, que têm sido incorporadas de forma diferenciada segundo as diretrizes adotadas e o grau de instituição dos canais de gestão democrática e dos instrumentos redistributivos de renda e da riqueza produtiva nas cidades”.( SANTOS JUNIOR, Orlando Alves dos. Democracia e governo local: dilemas da reforma municipal no Brasil. Rio de Janeiro: Revan: FASE, 2001, p. 29)

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De um modo geral, a União tem como principal missão “a promoção do desenvolvimento

e integração das áreas problemáticas do continente nacional, que deverão ser convenientemente

assistidas e desenvolvidas” 21, ou seja, “confere-se competência à União para desempenhar

certas atividades de cunho político, administrativo, econômico ou social que, por sua natureza,

pressupõe o exercício e tomada de decisões governamentais e utilização da máquina

administrativa” 22. Entretanto, não conseguiu encontrar o equilíbrio nas relações federativas” 23,

pois persiste nela uma excessiva concentração de poderes.

Talvez o aspecto primordial do Estado federado do tipo cooperativo seja o

reconhecimento de que todos os entes integrantes da federação são co-titulares de interesses

comuns, cuja promoção se desenvolve por meio da atuação conjunta e indissociável,

assegurando-se a todos eles o respeito recíproco; afinal, há interesses próprios e poderes

diferenciados. A solução está na equação equlibrada destes dois últimos elementos.

A autonomia político-administrativa das unidades federadas não enfraquece nem

representa obstáculo à atuação harmoniosa de todos os entes.

O princípio da predominância do interesse é que norteia a repartição de competências

entre as entidades componentes do Estado federal. Serão de competência da União àquelas

matérias de predominante interesse geral; dos Estados aqueles assuntos de predominante

interesse regional; e, aos Municípios, assuntos de interesse local.

Em particular o modelo federativo brasileiro posto a partir de 1988 implanta, sem

precedentes, uma descentralização fiscal e de políticas públicas. Esta atitude se justifica tendo

em vista a trajetória do país que há muito convive com problemas como desigualdades sociais e

econômicas regionais – o que certamente se explica pela extensão territorial do país. A

heterogeneidade, a diversidade e conflitos são inevitáveis.

Preocupou-se em inserir instrumentos administrativos que proporcionassem, apesar do

movimento de descentralização, a concentração de esforços dos entes federados nas políticas

de atuação cooperada para desenvolvimento do Estado nacional.

21 SOARES, Esther Bueno. União, Estados e Municípios, in BASTOS, Celso Ribeiro (Coord.) Por uma nova federação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 82. 22 ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. São Paulo Atlas, 2005, p. 84. 23 GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Perspectivas para o federalismo, in BASTOS, Celso Ribeiro (Coord.) Por uma nova federação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 154.

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De um modo geral, as formas de operacionalização e de pactuação interfederativa foram

delegados ao legislador infraconstitucional que não se empenhou neste sentido. Sem tais

medidas, torna-se pouco provável a finalização e implantação do chamado federalismo

cooperativo no país.

Neste processo de descentralização das decisões políticas, os Estados-Membros ficaram

bastante limitados em suas competências, pois suas atribuições resumem àquelas que não

competem à União e, ainda, que não podem ser cumpridas pelos Municípios.

Então cabe aos Estados a decisiva tarefa de influir nos rumos da municipalização das

políticas públicas, pois cabe a eles compensar as adversidades locais. Aos Estados restaram,

portanto, as competências privativas residuais, nos termos do art. 25, e seus parágrafos,

combinado com a leitura do § 4º do art. 18, de exploração dos serviços locais de gás

canalizado; de instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões e a de

criar municípios.

A Constituição brasileira de 1988 não se contentou em estabelecer a Federação,

descentralizando o todo; estabeleceu, também, o municipalismo, impondo a descentralização

das partes. Há, portanto, três ordens federativas: nacional, regional e local.

O reconhecimento da importância dos Municípios deve-se, sobretudo, à circunstância de

que se trata de um agrupamento de sólidas bases, porque o relacionamento dos interessados dá-

se de maneira mais aberta e intensa. É por este motivo que o Município precede ao próprio

Estado24.

No intuito de fortalecimento do poder local, a ordem constitucional de 1988 reforçou o

processo de descentralização política pela transferência de atribuições para Estados e

Municípios e a descentralização administrativa pela criação de instrumentos de cooperação e

relação intergovernamental, mas não proporcionou métodos eficazes para a implementação

destas medidas. Ante esta falha, a prática converteu-se em competição horizontal e vertical

entre os entes federados.

Aparentemente, a distribuição das competências parece complexa, porém é um sistema

flexível capaz de se moldar à realidade brasileira, que apresenta profundas diferenças regionais,

vez que o Poder Público tem maior agilidade e poder de iniciativa executiva.

24 BASTOS, Celso Ribeiro e TAVARES, André Ramos. As tendências do Direito Público no limiar do novo século. São Paulo: Saraiva, 2000., p. 130.

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Sem dúvida, falta ainda a elaboração de inúmeras leis complementares para a criação de

todo o arcabouço infraconstitucional. Mas esta omissão legislativa não pode impedir a ação

governamental no sentido de implementar os princípios e objetivos postulados pelo Texto

Constitucional.

No entanto, como já dito, não se pode olvidar que a ação dos governos locais depende,

em grande parte, da ação do governo federal, que, em regra, pelo sistema constitucional

brasileiro, unilateralmente pode induzir decisões e comportamentos de todos os entes

federativos, por meio de programas pré-estabelecidos. Com essa premissa, é possível afirmar

que “em Estados federativos, estratégias de indução de um nível mais abrangente de governo

sobre um outro menos abrangente podem ter impacto sobre a produção de políticas públicas

deste último” 25.

Mesmo em se falando de cooperação interfederativa, é importante destacar que a

repartição constitucional de competências induz à observância dos limites de atuação de cada

um dos entes federados, ou seja, devem as unidades respeitar aquelas competências que he são

privativas. Trata-se, pois, do respeito ao princípio da autonomia das unidades federados, que

poderão implantar ou não uma determinada política pública.

A execução de políticas públicas pelo Poder Público é atribuição primordial do Governo a

fim de assegurar a coexistência dos governados em sociedade, mantendo a ordem interna e

garantindo a iniciativa privada na regulação da ordem econômica.

Modelos de associativismo autorizados pelo sistema jurídico nacional vigente

Constata-se, então, no ordenamento jurídico brasileiro, a importância do associativismo

por meio de figuras como os consórcios públicos, os convênios de cooperação, as

aglomerações urbanas, as microrregiõe e as regiões metropolitanas. De forma bastante

simplificada, todas essas figuras consistem no agrupamento de Municípios limítrofes que se

propõem à integração funcional e planejamento integrado entre os entes públicos que fazem

parte.

Partindo-se do pressuposto de que as formas de atuação da Administração Pública,

pautadas pela adoção de políticas públicas abrangentes, relacionadas ao bem-estar geral, são

25 ARRETCHE, Marta. Estado federativo e políticas sociais; determinantes da descentralização. Rio de Janeiro: Revan; São Paulo: FAPESP, 2000, p. 33.

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intimamente ligadas aos modelos de Estado, adotados em dado momento histórico; assim, para

a análise e compreensão das formas de atuação do poder público, em face das opções de

associativismo e de regionalismo, na junção de esforços de entidades públicas, para a

consecução de interesses coletivos, é fundamental compreender a relação entre os fins do

Estado e as funções e formas de organização por ele adotadas.

Por isso, com a definição de competências no texto constitucional de 1988, colocou-se em

questão a partilha de responsabilidades em relação àquelas comuns definidas no art. 23,

considerando a amplitude de temas ali tratados e exigindo a cooperação entre os entes

federativos para a realização desses direitos.

O modelo federativo não elimina a natureza una do Estado brasileiro, pois todos os entes

que o compõem devem, em conjunto e em colaboração mútua, perseguir e implantar os

objetivos nacionais dispostos no art. 3° da Constituição Federal.

Entretanto, o que vê de fato é uma completa falta de política nacional coordenada, em que

algumas políticas públicas sejam realizadas por mais de uma esfera de governo e, outras, por

nenhuma.

Assim não poderia deixar de ser, pois todos os entes federativos compartilham, de algum

modo, interesses comuns – cada um na sua fração.

A cooperação que se propõe para justificar a formação do consórcio público não pode ser

compreendida como forma de delegação de competência entre entes da Federação brasileira,

mas sim a somatória de esforços para realização de tarefas comuns e em conjunto. Sabe-se que

o texto constitucional reparte tanto as competências legislativas, como as administrativas, entre

os integrantes da Federação, com atribuição própria a cada um.

O federalismo cooperativo brasileiro acata uma visão de integração governamental de

todas as pessoas políticas, atribuindo a cada uma delas uma parcela de responsabilidade para o

efetivo equacionamento dos serviços públicos essenciais.

Nesta realidade, à Administração Pública cabem tarefas de maior responsabilidade, as

quais o esforço isolado no seu cumprimento dificulta o resultado produtivo. Para tanto, surgem

as modalidades de cooperação26 mútua, por meio de pactos firmados entre pessoas políticas,

para a consecução de interesses públicos.

26 O texto constitucional faz menção expressa no parágrafo único do art. 23 e, também, no art. 241.

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Toma-se como verdade que, por força do modelo federativo, o ente que participa da

gestão associada com outro tem interesse amplo no bom resultado das atividades assumidas, e

por isso empresta sua colaboração.

A necessidade de encontrar novas fórmulas ao desempenho da prestação das atividades

administrativas surgiu à medida que o Estado foi assumindo diferentes papéis nos mais

variados setores da sociedade. Ante o desafio de reformar o perfil do Estado, torna-se

imprescindível à redefinição das tarefas que lhe incumbem, redefinindo-se o modelo de gestão

associada.

Esta distinção faz-se necessária: gestão associada não significa delegação da atividade

administrativa, mas, sim, cumprimento compartilhado desta.

A repartição constitucional de competências, como se viu, distribui de modo

compartilhado as atribuições aos entes federados, cujo cumprimento observará a

predominância do interesse, ou seja, vigora um quadro de competências constitucionais cuja

distribuição caracteriza-se a integração dos entes federativos.

Devem-se considerar todos os elementos examinados sobre a federação brasileira e

integração das competências constitucionais até então. Pois, somente no contexto do

federalismo cooperativo com vista ao desenvolvimento nacional é que se podem formular

soluções àqueles problemas.

Os modelos de associação interfederativa prevista do texto constitucional cuidam de

viabilizar que os entes exerçam suas competências, por força do princípio federativo,

associando-se a outra entidade, que também deverá desenvolver competência que lhe é própria.

Afinal, as limitações quanto à distribuição de competência devem ser mantidas, isto é, cada

ente federado deverá cumprir suas atribuições, sem transferi-las ou assumi-las de outrem.

De todo modo, reconhece-se na Constituição Federal prescrições necessárias ao

atendimento de finalidades da coletividade, além de normas que impõem ao poder público a

implementação de tarefas para cumprir a essas finalidades. Por isso, afirma-se que na atual

configuração do Estado, em que o Governo precisa intervir, regular, agir, planejar e fiscalizar, Art. 23, Parágrafo único. Lei complementar fixará normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional. Art. 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos.

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o aparato administrativo deve acompanhar o desempenho dessas funções de modo a

operacionalizar e concretizar as políticas públicas.

Por isso, cientes que a eficácia das políticas públicas depende do grau de articulação entre

os poderes e os agentes públicos envolvido e que, em razão disso, desafia-se a possibilidade de

coordenação das atividades administrativas para a concretização de tais políticas, busca-se

nestes novos mecanismos instrumentais (administrativos) um meio para a efetivação dos fins

estatais propostos pela ordem constitucional.

Os instrumentos propõem-se à integração das competências dos entes federados, mas

cada uma delas deve observar seus limites. Em verdade, “gestão associada” compreende a

noção de atuar em conjunto, somando esforços; enquanto “transferência” significa delegar a

outrem o que lhe é próprio.

Para fins de compreensão sistêmica, formula-se um enquadramento dos instrumentos

congêneres que se prestam à cooperação interfederativa para o exercício de gestão

compartilhada das políticas estatais. São dois grandes gêneros: consórcios e convênios.

Apresentam-se como espécies dos consórcios: os consórcios administrativos e os consórcios

públicos; por sua vez, são espécies de convênios: os convênios administrativos e os convênios

de cooperação.

Há no ordenamento jurídico nacional elementos com previsões implícitas e explícitas que

permitem a coexistência de todos esses instrumentos, como formas alternativas.

Note-se que os modelos de cooperação interfederativa autorizadas no ordenamento

jurídico brasileiro concentram-se em dois grupos: o primeiro, de natureza administrativa,

dispensam autorização legislativa para sua concretização, sendo suficiente, para tanto, a

decisão política conjunta, que se exteriorizará por meio de convênios administrativos,

convênios de cooperação, consóricos administrativos e consórcios públicos; e, o segundo, de

natureza legislativa, dependem de autorização expressa em lei para sua constituição e

funcionamento, como no caso das regiões metropolitanas.

A escolha por um ou outro será decididamente dos Poderes Públicos envolvidos.

Para auxiliar nesta escolha, passa-se à identificação dos elementos mais significativos de

cada um deles:

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a.) Convênios administrativos

Considerando o ideal de cooperativismo interfederativos no texto constitucional

brasileiro, também encontram-se no ordenamento jurídico infraconstitucional disposições que

compatíveis à criação de convênios e consórcios administrativos, que vêm sendo utilizados

como medidas alternativas de auxílio ao Poder Público no exercício de atividades

administrativas, em razão da diversidade, complexidade e, muitas vezes, custo dessas

atividades.

Tanto convênio como consórcio constituem instrumentos de que o poder público se

utiliza para se associar com outros e facilitar a gestão de suas atividades. O ponto de contato

entre ambos é o objetivo de reunir esforços para a consecução de fins comuns às entidades

consorciadas ou conveniadas.

Com base na doutrina, são características dos convênios: “os objetivos institucionais

comuns entre os entes conveniados, os partícipes do convênio têm competências institucionais

comuns, de modo que os resultados alcançados inserem-se dentro das atribuições de cada um;

logo, devem ser comuns esses resultados; por fim, verifica-se a mútua colaboração que pode

assumir várias formas”27.

Trata-se de uma cooperação associativa, sem vínculos contratuais, cuja execução fica sob

responsabilidade dos partícipes, que atuará nos termos e condições do convênio.

Destaca-se que convênio não se presta à delegação de serviço público ao particular, por

ser incompatível à própria natureza do ajuste, que pressupõe que as duas pessoas vão prestar

mútua colaboração para atingir seus objetivos comuns. Neste caso, deverá o poder público, por

meio do fomento, incentivar a iniciativa privada à realização de interesses coletivos. Ainda

assim, esta parceria formaliza-se pelo convênio.

Dada sua característica convencional, não há necessidade de autorização legislativa para

sua formação. 27 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública. São Paulo: Atlas, 2002, p. 190. Também Francisco de Salles Mafra Filho aponta como características dos convênios: os entes conveniados têm objetivos institucionais comuns que serão perseguidos por meio dos convênios; os conveniados têm competências institucionais comuns; os participantes objetivam um resultado comum; há mútua colaboração, o que afasta a cogitação de preço ou remuneração; as vontades não são antagônicas, mas, ao contrário, elas se somam; no contrato existem partes e no convênio existem partícipes; ausência de vinculação contratual, inadmissibilidade de cláusula de permanência obrigatória e de sanções pela inadimplência (MAFRA FILHO, Francisco de Salles Almeida. Consórcios públicos: comentários ao art. 2º da Lei nº 11.107/2005. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 694, 30 mai. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6802>..

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b.) Convênios de Cooperação

Tem-se que os convênios de cooperação e consórcios públicos foram inseridos ao texto

constitucional a partir da Emenda Constitucional n. 19/98, dando nova redação ao art. 241, cujo

dispositivo dependia de regulamentação. Em 06 de abril de 2005, foi publicada a Lei n.

11.10728 dispondo sobre normas gerais de contratação de consórcios públicos; quanto aos

convênios, ainda carece de detalhamento legislativo.

As expressões “gestão associada” e “transferência” são utilizadas no dispositivo

constitucional supracitado para designar atuações conjuntas da União, Estado, Distrito Federal

e Municípios nas matérias de competência comum, por meio de convênios de cooperação e

consórcios púbicos, com a transferência total ou parcial dos encargos, serviços, pessoal e bens

essenciais à continuidade dos serviços transferidos.

O instituto “convênio de cooperação” é também citado na Lei n. 11.107/06 em quatro

artigos distintos, porém sem regulá-los propriamente. E, com os convênios administrativos,

acima tratados, não se pode confundir.

Os consórcios públicos e convênios de cooperação são instrumentos que terão por objeto

ou a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de

encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos.

Quando se refere à transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens, o

texto autoriza que o ente federado outorgue sua prestação, sem que seja desintegrado, para que

apenas parte dele seja transferido, ou seja, ainda que fale em transferência total, as atividades

de regulação e fiscalização não podem ser delegadas.

c.) Consórcios Administrativos

Consórcio administrativo, segundo Eva Nieto Garrido, “é uma associação entre entres

públicos de diferente ordem com participação, em alguns casos, de entidade privada sem fim

lucrativo com interesses concorrentes com tais interesses públicos” 29. É, portanto um ente

representante dos associados. As Administrações Públicas são membros dessa entidade, e, não,

28 Decreto regulamentar n. 6017, de 17 de janeiro de 2007. 29 NIETO GARRIDO, Eva. El consorcio administrativo. Barcelona: Cedecs Editorial, 1997, p. 71.

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meros gestores. É uma corporação instrumental de direito público que associa, exclusivamente,

pessoas jurídicas públicas junto a um fim público.

Mesmo após a publicação da Lei 11.107/06, por tratar de instrumento diverso, os

consórcios administrativos são associações de entidades sem personalidade jurídica.

Após estudo realizado até aqui, afirma-se que existe diferença30 entre os consórcios

administrativos e os consórcios públicos (estes regulamentados pela Lei n. 11.107/05).

Os consórcios administrativos “são acordos entre entidades públicas apenas (não se

admitindo participação de particulares, portanto), da mesma espécie e natureza, para a

realização de objetivos de interesse comum, no desempenho de atividades cuja competência

lhes é comum ou conexa”. A distinção substancial entre os consórcios administrativo e público

é que este último é constituído, nos termos da lei específica (Lei n. 11.107/06).

d.) Consórcios Públicos

Não se pode imaginar que a soma de esforços entre entidades estatais da mesma

envergadura deva sempre assumir a forma do consórcio público nos termos previstos na Lei

Federal nº 11.107/05. Na legislação específica, o legislador federal apresentou as normas gerais

que deverão ser observadas pelos demais entes da federação na criação e funcionamento destes

consórcios.

De outra parte, parece forçoso compreender que para relações mais simples, o convênio

ou o consórcio administrativo possam ser adotados.

Considerando que são os consórcios públicos mecanismos de reunião de esforços de mais

de um ente federado com vistas a melhor cumprir suas atribuições (afinal, ao poder público, em

qualquer esfera da Federação, é defeso mobilizar esforços com fim diverso do cumprimento de

suas competências), sua configuração jurídica toca diretamente o tema da repartição

constitucional de competências federativas.

30 Pedro Durão expressamente diz que o consórcio administrativo é chamado de consórcio público e se submete às mesmas regras dos convênios administrativos. Para o autor, os “consórcios são um meio par a consecução da finalidade pública e instrumento de integração de forças com a união de entes públicos da mesma espécie, como forma conceitual dos atuais consórcios públicos”. (DURÃO, Pedro. Convênios e consórcios administrativos: gestão, teoria e prática. Curitiba: Juruá, 2004, p. 105-106).

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Deve ser propósito do consórcio público a organização comum com a finalidade de

desenvolver e concretizar operações relacionadas às atividades próprias de seus membros, bem

como outras de natureza econômica que venham a acrescentar seus resultados.

Para tanto, admitem-se inúmeras atividades que permitam complementar a idéia essencial

da cooperação que é proporcionar o acúmulo das capacidades operacionais para atingir fim

comum.

Logicamente, não se pode conceber consórcio público em que somente uma das partes

beneficie-se da parceria. De todo modo, não há necessidade de igualdade nos benefícios, mas

parece razoável que haja proporção nos resultados obtidos, que devem se interpretados como

toda possibilidade de benefício – ainda que indireta, como nos casos de aprimoramento técnico

ou até mesmo de administração gerencial.

Ainda assim, considerando o consórcio público o mais novo instrumento regulamentado

de cooperação interfederativa no ordenamento jurídico nacional, é importante avaliar sua

compatibilidade com outros instrumentos, também de natureza interfederativa, há muito

existentes na realidade federativa brasileira.

Necessariamente, os consórcios públicos deverão reunir interesses e finalidades dos entes

que dele participam. Trata-se de associação entre entes da Federação para consecução de

interesses coletivos comuns, relação, por certo, submetida ao regime publicista. Foi este o

regime jurídico imposto pela lei. Logo no art. 1°, § 1° está previsto que o consórcio público

constituirá associação pública ou pessoa jurídica de direito privado.

O aspecto mais importante a ser considerado é a personalidade jurídica do consórcio

público, pois conforme expressamente disposto no art. 6°, o consórcio público adquirirá

personalidade jurídica: I – de direito público, no caso de constituir associação pública,

mediante a vigência das leis de ratificação do protocolo de intenções; II – de direito privado,

mediante o atendimento dos requisitos da legislação civil. Acresce-se, ainda que, em se

tratando de pessoa jurídica de direito público, o consórcio público, integrará a administração

indireta de todos os entes da Federação consorciados. No outro caso, quando pessoa jurídica de

direito privado, o consórcio público observará as normas de direito público no que concerne à

realização de licitação, celebração de contratos, prestação de contas e admissão de pessoal, que

será regido pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, mas não integrará o mesmo.

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É oportuno esclarecer que, no primeiro aspecto, analisa-se a personalidade jurídica do

consórcio público, que não se confunde com a natureza jurídica do contrato de consórcio

público.

Lembra-se que se tratam de dois momentos distintos da lei: um é a criação da pessoa

jurídica, consórcio público, de natureza de associação pública ou associação civil; outro é a

celebração do contrato para funcionamento deste pacto. De todo modo, necessária é a

intervenção do Legislativo que autoriza previamente ou ratifica a criação. Logo, a criação por

meio de lei que é exigida para a instituição do consórcio público é cumprida.

Diz a Lei 11.107/05 que os consórcios públicos se constituem por meio de contrato. Mas

em análise ao conjunto legal, constata-se se tratar de uma série de atos interligado até a efetiva

formação desta nova pessoa jurídica, ou seja, trata-se, então, de um procedimento sua

constituição.

Quanto ao objeto, os consórcios públicos serão constituídos para atingir „fim comum‟ o

que não significa, necessariamente, fim idêntico. Os interesses dispostos e a intensidade quanto

à participação de cada consorte dependerão do disposto, voluntariamente, no protocolo de

intenções. Teoricamente, toda e qualquer matéria pode ser objeto indicado para a realização do

consórcio público. Partindo da idéia de cooperação, é claro que a finalidade do consórcio

público é proporcionar o desenvolvimento e o incremento de operações relacionadas com as

atividades de competência das entidades-membro. Por isso, a definição deste objeto é um dos

elementos essenciais do contrato, pois delimitará o âmbito de atuação e definira a dinâmica no

seu funcionamento. Sem que haja determinação expressa na Lei que regulamenta a matéria,

nem mesmo no sistema jurídico pátrio, é possível conceber a constituição de consórcios

públicos para a realização dos mais variados objetos. De um modo geral, a finalidade a que se

propõe o consórcio público concretizar dependerá da matéria estabelecida de comum acordo

entre os entes consorciados.

e.) Regiões metropolitanas

Também como formas de associação de interesses comuns, há as regiões metropolitanas e

de desenvolvimento, que se apresentam, fundamentalmente como “grandes conurbações

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urbanas, provocadas pela expansão territorial de Municípios vizinho e, principalmente, pela

comunicação econômico-social entre as cidades, o que gera questões de ordem comum” 31.

O § 3° do art. 25 dispõe que os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir

regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos

de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções

públicas de interesse comum.

Sabe-se que uma das características fundamentais da Federação é a possibilidade de

colaboração entre os entes que a integram. O que faz com que a cooperação seja ainda mais

relevante entre os Municípios limítrofes na consecução de interesse comum.

Apesar da necessária autorização consensual dos Municípios envolvidos, a criação da

Região Metropolitana depende de lei estadual. De um lado, em face da autonomia municipal,

não se pode coagir o Executivo Municipal a associar-se e, de outro, não há meios de exigir do

Legislativo Estadual edição de lei própria consolidar tal associação. Como se vê, a formação de

Região Metropolitana depende de um complexo movimento consensual das partes interessada,

mas, era, até então, o modo clássico de colaboração entre Municípios limítrofes na gestão de

serviços públicos de interesse regional. E, ainda permanece uma opção viável. Depende da

vontade dos entes em questão.

A criação de regiões metropolitanas serve para instituir padrões de coordenação e

cooperação entre as localidades inseridas numa área de metrópole, sem nada interferir na

titularidade ou delegação dos serviços.

Pretende-se com as regiões metropolitanas a associação para prestação conjunta de

funções públicas de interesse comum dos Municípios envolvidos. A região metropolitana deve

observar a organização, planejamento e execução de políticas públicas integradas.

O planejamento regional faz parte do planejamento nacional, por isso são necessárias a

coordenação e compatibilização dos planos nacional e regionais de desenvolvimento, pois a

problemática regional deve estar refletida em todas as políticas nacionais, mas a integração do

planejamento regional no nacional deve se dar por participação, não por dependência ou

incorporação. “A interação entre as autoridades políticas é essencial para a concretização do

plano, já que os problemas de desenvolvimento regional são, ao mesmo tempo, problemas

31 GUIMARÃES, Nathália Arruda. Regiões Metropolitanas – aspectos jurídicos. Disponível em: http://www.fcaa.com.br/site/artigo%20regiao%20metropolitana.pdf., p. 01.

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nacionais, que devem ser resolvidos, conjuntamente, por todas as esferas de pode envolvidas” 32.

Criar as condições de um desenvolvimento urbano e interurbano sustentável tornou-se

tarefa dos poderes públicos municipais e dos organismos regionais urbanos, pois são as

políticas públicas urbanas e regionais que têm obrigação de afastar os riscos de segregações

sociais e econômicas. Afinal, já é realidade o fato da população aglutinar-se em locais – social

e economicamente – mais desenvolvidos.

Síntese Conclusiva

O Estado brasileiro pelo federalismo de cooperação buscou, por meio de suas regras

constitucionais, traçar parâmetros para que seus entes atingissem, de modo equilibrado e com a

soma de esforços, os objetivos traçados pela República, num constante processo de escolhas

políticas que devem ser feitas no desenvolver da Nação. Toma-se o consórcio púbico como

instrumento político de Estado. De outra parte, toma-se o consórcio público como instrumento

de descentralização administrativa, por meio do qual atenderá, além da prestação de serviços

públicos, também, o planejamento e execução de ações que envolvam políticas públicas.

O federalismo cooperativo brasileiro permite, em razão do perfil de distribuição de

competências constitucionais, atuação interfederativa em colaboração recíproca para a solução

de questões sociais e econômicas. Ante a complexidade destas questões, necessária a

reorganização do Estado para atendimento integrado dessas demandas.

Afinal, a cooperação parte do pressuposto da interdependência dos interesses coletivos

comuns, que os entes federados devem atender.

A colaboração mútua interfederativa deve ser meio de definição de implementação de

políticas públicas. Portanto, um dos desafios é compatibilizar a autonomia das unidades

federativas com a necessidade de se promover o desenvolvimento nacional. É preciso traçar

parâmetros para que os entes federados atinjam, de modo equilibrado e harmônico, os objetivos

traçados pela República Federativa do Brasil.

32 BERCOVICI, Gilberto. Desigualdades Regionais, Estado e Constituição. São Paulo: Max Limonad, 2003, p. 214.

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É parte deste processo a escolha de políticas públicas. Reconhecem-se com isso, os

convênios administrativos, os convênios de cooperação, os consórcios administrativos, os

consórcios público e as regiões metropolitanas como instrumentos políticos de Estado.

Seja qual foi o instrumento utilizado, o equilíbrio interfederativo só será possível pelo

planejamento, que, em última instância, é elemento característico do Estado Federal. Afinal, a

diversidade de interesses intrínseca à forma federativa, para que seja articulada junto às

competências constitucionais, depende de planejamento estatal.

O Estado brasileiro deve experimentar variados instrumentos de cooperação entre os

entes federados, a fim de amenizar as complexidades federativas que nos são próprias.

A partir de então, afirma-se que na ordem jurídica brasileira estão consagrados

instrumentos que permitem associar recursos materiais, financeiros e humanos da cada um dos

entes federados, a fim de que possam, conjuntamente, realizar ações e desempenhar medidas

que isoladamente não seriam possíveis, ou até mesmo, não alcançariam os mesmos resultados.

Afinal, a cooperação interfederativa deve superar seu status constitucional de mera

declaração de intenções ou programas de governo, para assumir o papel de instrumento

institucional voltado à implementação do bem-comum.

A cooperação entre os Governos deve proporcionar parcerias de longa duração,

possibilitando a implementação de variadas espécies de atividades. Nota-se que a viabilização

da cooperação interfederativa na formatação e implementação de políticas públicas, em regra, é

prejudicada por questões político-eleitorais. Todavia, incentiva-se a abertura de em direção ao

amadurecimento político do Estado brasileiro.

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3.3. Aporias acerca do “condomínio legislativo” no Brasil: Uma análise a partir do STF

APORIAS ACERCA DO “CONDOMÍNIO LEGISLATIVO” NO BRASIL:

UMA ANÁLISE A PARTIR DO STF

André Ramos Tavares

1. Apresentação do tema

O presente estudo pretende retomar e reavaliar critérios usualmente utilizados para apartar

espaços diversos de atuação competencial em matérias cuja regulação é titularizada por mais de

uma entidade federativa. O estudo não pretende ter caráter exaustivo: i) o número de julgamentos

e votos proferidos pelo STF é extenso, e; ii) a diversidade de matérias e hipóteses que a realidade

do mundo fenomênico pode sugerir praticamente impede um esgotamento tópico nessa área.

Porém, pretende-se, a partir de uma leitura crítica dos critérios encontrados na jurisprudência,

oferecer elementos que possam contribuir para aperfeiçoar os modelos de definição e demarcação

dessas áreas de atuação conjunta ou “em condomínio”1.

A proposta apresenta relevantes aspectos práticos. Uma adequada compreensão das

próprias competências é não apenas um problema de “poder”, de “quantidade de atribuições e grau

de autonomia”. É também uma questão de deveres, cujo descumprimento por parte do Poder

Público pode gerar “imputações”. O tema aqui proposto, portanto, não é meramente retórico ou de

interesse exclusivamente especulativo. Pelo contrário, a discussão acerca da titularidade e limites

de competências estatais tem alcance prático imediato, com relevância para o dia-a-dia dos

Poderes Públicos e da sociedade.

Para alcançar esse desiderato, é relevante retomar alguns aspectos dogmáticos acerca da

chamada competência concorrente, no Brasil, que conduz, com outros elementos, ao federalismo

cooperativo (por oposição ao clássico federalismo dualista).

Professor da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie e da PUC/SP e Visiting Scholar na Cardozo School of Law e Visiting Professor da Fordham University – New York, Diretor do Instituto Brasileiro de Estudos Constitucionais. 1 Procura-se, contudo, evitar especulações do tipo profético, bem como posicionamentos ideologizados. A construção desses critérios é aperfeiçoada a partir de premissas constitucionais e desenvolvimento já alcançado nessa temática.

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Essa categoria competencial encontra-se prevista de maneira expressa no art. 24 da

Constituição do Brasil, em seus dezesseis incisos, mas não apenas nestes, já que o núcleo de

identificação desta tipologia é repetido em outros momentos da Constituição, para além do

disposto no art. 24. Ou seja, a essência do cooperativismo e da concorrência em matéria de

competências pode ser sem muita dificuldade visualizada em diversos outros momentos

constitucionais.

Especialmente sobre a competência concorrente “as normas gerais cabem à União, e aos

Estados-membros cabem as normas particulares. Por isso a competência dos Estados-membros é

denominada complementar, por adicionar-se à legislação nacional no que for necessário. Também

à União cabe legislar sobre normas particulares para seu âmbito.

“Há, também, a competência prevista para os Estados-membros legislarem sobre as normas gerais e as particulares quando a União se tenha mantido inerte, omissa. É a competência supletiva, que supre a ausência da legislação nacional. “A Constituição fala em competência suplementar dos Estados-membros (art. 24, § 2º, in fine). Essa competência suplementar pode-se dividir em complementar e supletiva (...)”2

Na jurisprudência mais recente do STF pode ser constatada uma tendência ainda restritiva

quanto a um amplo e real compartilhamento competencial, ou seja, a admissão de um largo espaço

para a autonomia legislativa dos estados-membros no Brasil, no que se refere a essa pontualmente

prevista “competência concorrente”. É que o critério da Constituição de 1988 é por demais

insuficiente, carecendo de uma concretização mais intensa por parte do Judiciário (que aqui

desenvolve a delicada função de árbitro da federação) no segmento das chamadas cláusulas

abertas ou conceitos indefinidos.

A sistematização da jurisprudência do STF permite-nos relembrar a advertência levantada

por Paulo Bonavides, quando proclamou que o federalismo cooperativo será aquele que melhor se

amolda aos institutos autoritários, por permitir a sobreposição do Governo federal à vontade

autonômica das demais entidades federativas. Apresenta-se, assim, apesar do texto constitucional,

mais um federalismo de integração (cf. Tavares, 2007: 975) do que de cooperação efetiva e real.

Evidentemente que a exposição textual ampla que ocorre na Constituição de 1988 em prol da

União contribui para uma (ou pode até mesmo ser considerada um indício de) concentração

competencial. Da Corte Suprema, na função de Justiça Constitucional, especificamente na de

árbitro da federação (cf. Tavares, 2005: 297-319), são recebidas as decisões que definem as

competências nas disputas concretas. Neste ponto é possível perceber a relevância em se 2 André Ramos TAVARES. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

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identificar a existência (ou não) de um critério coerente e consistente de “revelação” das

competências constitucionais, no âmbito do STF

Este paper almeja, num primeiro momento, imiscuir-se na jurisprudência do STF, com

vistas a identificar quais os critérios utilizados por esta corte, na tarefa de determinação das

competências constitucionais atribuídas à União, Estados-membros e Distrito Federal. Não se

trata, porém, de um texto meramente descritivo. Concomitantemente será realizara uma apreciação

crítica, com problematização dessas decisões, sistematização do assunto e proposta de trabalho do

modelo brasileiro de distribuição de competências.

2. Jurisprudência do STF

A análise do art. 24, da Constituição Brasileira, preceptivo responsável por disciplinar as já

mencionadas competências legislativas concorrentes entre a União, os Estados e o Distrito Federal

comporta duas grandes dificuldades. A primeira reside na determinação do que deve ser

considerado como norma geral e o que será norma especial. A importância desta distinção se

justifica em razão do art. 24, § 1º, da CB, o qual dispõe que:

“§ 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.”

Como conseqüência lógica, portanto, tem-se que compete aos Estados-membros, no que se

refere à competência normativa em questão, editar normas especiais. A partir desta primeira

conclusão, surge o seguinte questionamento: o que caracteriza uma norma como geral?

O STF já se debruçou, por diversas vezes, sobre a celeuma mencionada. Cita-se, como

exemplo, o recente voto proferido pelo Ministro Carlos Ayres Britto, na ADIn 3.645-9/PR, no

qual se expôs que “norma geral, a princípio, é aquela que emite um comando passível de uma

aplicabilidade federativamente uniforme.”3 (STF, Min. rel. Ellen Gracie, DJ de 01/09/2006).

3 Nesse exato sentido foi o voto do Min. Cezar Peluso na ADIn n. 1.007-7/PE: “O alcance do caráter geral é que dá a razão por que se distribui competência concorrente nessa matéria, quando a Constituição atribui à União a competência para ditar normas de caráter geral sobre contratos. É que a União é que deve ditar normas aplicáveis a todo o país, a fim de que um contrato não tenha particularidade normativa em determinado Estado, outra particularidade em Estado diverso, ou a possibilidade de os Estados estabelecerem normas diferentes sobre o mesmo tipo de contrato.” (ADIn n. 1.007-7/PE, Min. rel. Eros Grau, DJ de 24/02/2006; original não grifado)

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Outra opinião acerca do que vem a ser norma geral, semelhante4 à do Ministro Carlos

Britto, é a esposada na ADIn-MC n. 927-3/RS, e reiterada na ADIn n. 3.098-1/SP, pelo Ministro

Carlos Velloso: “Penso que essas „normas gerais‟ devem apresentar generalidade maior do que

apresentam, de regra, as leis. Penso que „norma geral‟, tal como posta na Constituição, tem o

sentido de diretriz, de princípio geral. A norma geral federal, melhor será dizer nacional, seria a

moldura do quadro a ser pintado pelos Estados e Municípios no âmbito de suas competências.”

(STF, ADIn-MC n. 927-3/RS, Min. rel. Carlos Velloso, DJ de 11/11/1994) 5.

Vale retomar, aqui, o vetusto postulado de que as leis são gerais e abstratas, conquista

devida em especial às revoluções burguesas, particularmente à Revolução Francesa. Geral, aqui, é

sinônimo de não-particular; contrapõe-se às leis e normas com endereço certo, que estabeleciam

privilégios de toda sorte. Essa concepção choca-se com a proposta jurisprudencial revelada acima.

Haveria, portanto, no STF, duas concepções expressas acerca da norma geral. Para o

Ministro Carlos Britto, a generalidade da norma decorreria de sua (i) possível aplicação federativa

uniforme. Para o Ministro Carlos Velloso, uma norma seria geral em razão de sua (ii) maior

abstração, semelhança aos princípios.

Nada obstante a constatação destes dois critérios como, em tese, norteadores da distinção

entre norma geral e especial no âmbito da atuação conjunta de estados-membros e União federal e,

por conseguinte, delimitadores de uma competência normativa mais pontual da União, dos

Estados-membros e do Distrito Federal, ambas propostas encontram uma série de obstáculos

práticos em sua aplicação.

Quanto ao primeiro critério indicado, as dificuldades a serem enfrentadas se encontram

presentes nas seguintes indagações: o que vem a ser esta potencialidade de aplicação federativa

uniforme? Haveria normas não sujeitas à aplicação federativa uniforme, apesar de ser essa uma

possibilidade, excepcionando-se em virtude de questões de conveniência política e cultural; o

4 Diz-se, aqui, semelhante, porquanto o Ministro Carlos Velloso, embora espose esta concepção de norma geral como norma de maior abstração, finda, por vezes, a argumentar de maneira semelhante à concepção do Ministro Carlos Britto, é dizer, por uma concepção de norma geral vinculada à necessidade de aplicação federativa uniforme. Veja, nesse sentido, o seu voto na ADIn-MC n. 874-9/BA (esta ADIn é mencionada no item 2.2.2.):

“A questão posta nos autos não diz respeito a uma situação peculiar do Estado da Bahia; noutras palavras, ela é de interesse de mais de um Estado-membro. A questão, portanto, estaria compreendida nas normas gerais da União e não na legislação de normas específicas para atender a peculiaridade do Estado-membro.” (ADIn-MC n. 874-9/BA, Min. rel. Néri da Silveira, DJ de 20/08/93; original não grifado).

5 O tema da definição das normas gerais será explorado abaixo.

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critério permite que se pondere seriamente a necessidade de cada Estado-membro disciplinar a

questão, de acordo com as suas peculiaridades políticas e culturais? Se sim, quais seriam os

critérios para tanto?

De outra parte, apesar da dificuldade em “nacionalizar” certos assuntos, poderia haver

interesse nacional em impor uniformidade a certas pautas que, nitidamente, não demandariam

necessário tratamento uniforme.

Também não seria de todo absurdo cogitar-se que a nacionalização de temas já ocorreu

pela própria constituinte, ao elencar competências à União que muito bem poderiam ter sido

distribuídas aos estados. Quer dizer, as regras uniformes só podem ocorrer onde a competência é

privativa da União; nos demais casos haverá, no máximo, pequena uniformidade dentro de uma

mais ampla diversidade.

Obviamente que o critério esposado pelo Ministro Carlos Ayres Britto detém atratividade.

Não há como se negar. Contudo, a ansiedade por respostas não pode redundar em simplificação

dos problemas que o tema da competência concorrente apresenta.

O outro problema apresentado diz respeito à dificuldade de categorização, de “subsunção”

de determinadas matérias nos ramos de direito previstos pela Constituição. Como é possível

determinar, por exemplo, se uma determinada matéria é de direito civil (e, portanto, de

competência única e exclusiva da União) ou se é de direito econômico (e, portanto, de

competência da União, dos Estados-membros e do Distrito Federal)? Bem demonstra a premência

desta problemática o voto do Min. Cezar Peluso na ADIn n. 1950-3/SP, referente ao benefício da

meia-entrada prevista na Lei n. 7.884/92, do Estado de São Paulo. Seu voto acusa um problema de

inconstitucionalidade formal na Lei acima:

“Na verdade, essa norma está interferindo em contratos, está tabelando prestações de contratos. Para um universo determinado de contratantes, é verdade, mas está tabelando, ao prescrever que um universo tal de contratantes paga a metade do valor dos contratos. “Isso, a meu ver, com o devido respeito, ofende o art. 22, I.” (ADIn n. 1.950-3/SP, Min. rel. Eros Grau, DJ de 02/06/2006)

E, para o Ministro em questão, não se poderia decidir de maneira contrária, pois se assim

procedesse, o STF incidiria em incoerência, porquanto em outra ADIn, ADIn n. 1.007-7/PE,

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entendeu-se que matéria semelhante era de competência da União, por se referir a norma de direito

civil6.

Neste item, promover-se-á a uma divisão tripartite. O sub-item 2.1.1. tratará da

configuração de determinada norma como sendo geral, por conta da necessidade de esta ser

aplicada uniformemente. Aqui se buscará identificar aqueles elementos capazes (única e

exclusivamente os elementos aventados no e pelo STF) de identificar uma norma como passível

de aplicação federativamente uniforme e, portanto, geral e aqueles que tornariam uma norma

especial, dada a sua incapacidade de aplicação nacional.

Já no sub-item 2.1.2., explorar-se-á o critério desenvolvido pelo Ministro Carlos Velloso, a

saber, a maior abstração como elemento configurador da norma geral.

No sub-item 2.1.3., por sua vez, haverá a perquirição de outros critérios que podem ser

deduzidos das decisões jurisprudenciais do STF.

Por derradeiro, no item 2.2., haverá o estudo da celeuma envolvendo a classificação de

determinadas matérias como “encaixando” dentre as privativas da União ou como afeitas à

competência concorrente da União, Estados-membros, e Distrito Federal.

2.1. Definição de normas gerais

2.1.1. Necessidade de Aplicação Federativa Uniforme

Inicia-se a perquirição com a própria ADIn que contém o voto do Ministro Carlos Britto

sobre o critério ora analisado, a saber, a ADIn 3.645-9/PR. O objeto desta ação direta foi a Lei n.

14.861/2005, do Estado do Paraná, a qual regulamentou o “direito à informação quanto aos

alimentos e ingredientes alimentares que contenham ou sejam produzidos a partir de organismos

geneticamente modificados”.

A competência estadual para disciplinar esta matéria poderia ser vislumbrada no art. 24, V,

da CB, dispositivo este que prevê a competência concorrente para a produção e consumo. Já a

inconstitucionalidade sustentada pelo partido político que propôs a ação residiria na circunstância

de esta Lei, longe de suplementar a Lei Federal sobre o assunto, Lei n. 11.105/2005, ter intentado

substituí-la, criando duas realidades normativas distintas, sobre uma mesma matéria. Enquanto a

regulamentação federal estabelece o dever de informar apenas para aqueles produtos que 6 Ressalte-se que esta confusão dentro do próprio STF, quanto à taxionomia de determinadas leis (disputa entre o art. 22 e o art. 24) será retomada abaixo.

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detenham, em sua composição, mais de 1% de organismos geneticamente modificados, a

Legislação Estadual estaria a impor este dever a todo e qualquer produto que detivesse, em sua

constituição, organismos geneticamente modificados, ainda que em escala inferior a 1%.

O resultado da ADIn foi a declaração, unânime, da inconstitucionalidade da Lei do Estado

do Paraná. Os argumentos sobre a inconstitucionalidade formal (quanto ao agente) foram acatados

pela Corte Suprema.

No que se refere aos votos, alguns merecem destaque, porquanto oferecem indícios de

critérios para o estabelecimento do sentido de norma de aplicação nacional uniforme, e, portanto,

de norma geral, da “alçada” da União nos casos de atuação normativa conjunta.

É o caso do voto do Ministro Ricardo Lewandowski. Embora este Ministro detenha uma

visão crítica da maneira como se porta o STF7, na interpretação da competência concorrente,

conforme se verificará posteriormente, ele acabou por considerar esta questão como merecedora

de tratamento nacional, nos termos seguintes:

“ (...) porém, Senhora Presidente, dada a relevância da matéria, e tendo em vista que esta questão dos organismos geneticamente modificados transcende o âmbito meramente local, ou seja, tem âmbito nacional e, quiçá, até internacional, porque pode afetar o comércio interestadual e o exterior, acompanho o voto de Vossa Excelência no sentido de julgar procedente a ação.” (original não grifado)

Da leitura de seu voto, pode-se perceber a existência de dois critérios: (i) a relevância da

matéria e; (ii) as conseqüências desta no comércio interestadual e internacional.

Outra opinião que merece destaque é a apresentada pelo Ministro Sepúlveda Pertence, em

rápido aparte. Seu critério diz respeito à matéria/objeto da disposição legal:

“Trata-se evidentemente de uma norma geral. Não há como estabelecer peculiaridade do consumidor paranaense para que a rotulagem no Paraná seja mais rígida do que aquela que o legislador federal, embora não disciplinando, dada a complexidade técnica da matéria diretamente, optou por que se fosse feito por regulamento com a participação, óbvia, dos organismos técnicos.” (ADIn 3.645-9/PR; Min. rel. Ellen Gracie, DJ de 01/09/2006; original não grifado).

Tendo em vista estes elementos iniciais, passa-se ao estudo deles.

7 O que sera objeto de apreciação ao final deste texto.

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2.1.1.1. Relevância

A primeira variável, de autoria do Min. Ricardo Lewandowski, está a denotar que matérias

detentoras de maior relevância (social, econômica e/ou política?) avocariam um monopólio, por

parte da União. Nesta toada, todos os assuntos, dentro das matérias alocadas, pelo Poder

Constituinte Originário, no art. 24, que detivessem maior relevância, haveriam de ser

regulamentadas única e exclusivamente por Lei Federal, porquanto se configurariam,

automaticamente, como normas de natureza geral, salvo, obviamente, no caso de inexistência de

Lei Federal sobre o assunto, hipótese esta que autorizaria o Estado-membro a disciplinar,

plenamente, a questão (Cf. art. 24, § 3º, da CB), até o advento da legislação federal.

A plausibilidade deste critério, sem embargo, poderia restar ameaçada. Por um simples

motivo. Relegar aos Estados-membros apenas aquelas matérias de somenos importância

implicaria uma diminuição da relevância constitucional destes próprios entes federativos, o que

não parece ter sido autorizado pela Constituição. Trata-se de critério que se afigura politicamente

sensível.

Favoravelmente a este argumento estaria o fato de a Constituição da República não

aquilatar, precisamente, o protagonismo dos Estados-membros no rateio das competências

concorrentes. Muito pelo contrário. Por vezes, a Carta Maior finda, inclusive, por admitir uma

atuação comum hierarquizada, como é o caso do art. 198, caput, da CB:

“As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único de saúde, organizado de acordo com as seguintes diretrizes (...).”

Uma saída poderia ser encontrada na própria Constituição e na reconhecida interpretação

sistêmica. Sim, porque as regras de competência não estão imunes a este modelo hermenêutico tão

propalado na literatura constitucional mundial. É que a relevância à qual se reporta o Ministro

pode eventualmente ser aflorada a partir da própria Constituição (como, neste caso, com sua

preocupação com a saúde e o meio ambiente, uma relevância constitucionalmente estabelecida

para tratamento pela União), auxiliando na tipificação da natureza geral ou não de uma norma

editada por meio de Lei federal no âmbito das competências concorrentes, sem menosprezar,

assim, a importância das entidades federativas estaduais. Isso quer dizer que não deve ser a

relevância política, econômica, social ou jurídica que guiará a distribuição de competências

concorrentes, sempre preferindo, no caso de relevância, a União. Essa leitura certamente

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manietaria o modelo federativo brasileiro. Será admitida apenas aquela relevância

constitucionalmente visível, que interfira de modo a justificar a atuação disciplinadora

“nacionalizada”. Mesmo aqui, contudo, talvez o critério se mostre excessivamente subjetivista.

2.1.1.2. Comércio Interestadual

O outro critério sugerido pelo Ministro Ricardo Lewandowski para justificar a

configuração de determinado assunto em nacional estaria nas conseqüências deste para o comércio

interestadual. A lógica do Ministro é a seguinte: regulamentação de organismos transgênicos afeta,

inexoravelmente, o comércio interestadual. Com efeito, tratar-se-ia, por esse motivo, de matéria de

apelo nacional.

O principal obstáculo a este critério reside no fato de toda norma sobre produção e

consumo revelar, inevitavelmente, conseqüências no comércio interestadual. Novamente a

subjetividade excessiva do critério interfere em sua “lisura”. Ou seja, o art. 24, V, da CB, o qual

dispõe que é competência concorrente da União, Estados-membros e Distrito Federal, legislar

sobre produção e consumo, somente poderia ser regulamentado por lei federal, porquanto toda sua

matéria poderia ser reputada como sujeita a norma geral. O maior exemplo de que assim se

poderia caminhar, nessa toada generalizante plena, está nos EUA, onde a cláusula acabou por ser

utilizada nesses termos, concentrado poderes na União que, inicialmente, não lhe foram

reconhecidos nem mesmo na prática dos tribunais. Um caso bem ilustrativo dessa afirmação foi o

Wickard vs. Filburn, no qual a Corte Suprema dos EUA chegou a considerar que haveria reflexo

fora do Estado quando a lei regulamentava cultivo em fazenda para consumo próprio. Assim se

posicionou igualmente a doutrina. Bernard Schwartz (1984: 36) observou que praticamente tudo

poderia ter repercussão fora do Estado-membro, no comércio interestadual, o que conduziria à

inconstitucionalidade de todas leis estaduais regulamentadoras dessa matéria. Cristopher N. May e

Allan Ides (2001: 187) consideraram que “dada a interdependência de nossa economia nacional,

poucas atividades econômicas ou comerciais, se é que há alguma, podem escapar do alcance do

poder de regular o comércio [pelo Congresso Nacional]”.

Conseqüência mais danosa e dificilmente aceitável pela contemporânea teoria

constitucional seria a desabilitação plena do art. 24, V, o qual restaria como verdadeira letra morta,

à medida que o Estado-membro estaria impossibilitado de legislar sobre a matéria, mesmo no caso

de inexistência de lei federal. Isto porque produção e consumo, por conta de sua influência no

comércio interestadual, transformar-se-ia, ao final, em matéria de competência exclusiva da

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União, nos termos do art. 22, VIII, da CB. O intérprete estaria a realizar uma remodelagem e um

intercâmbio entre categorias constitucionais.

Não se pode deixar de registrar, aqui, o que há de ser compreendida como uma coerência

estrutural dos posicionamentos do ministro: quando o resultado de seu voto sinaliza para a

constitucionalidade da respectiva lei estadual ou distrital suspeita de ter amparo em produção e

consumo, o Ministro a desclassifica como decorrendo do exercício dessa competência. Um

exemplo claro disto encontra-se na ADIn n. 1.278-9/SC, recentemente decidida (DJ de

01/06/2007), cujo objeto, a Lei n. 1.179/94, do Estado de Santa Catarina, que dispunha sobre o

“beneficiamento do leite de cabra”. Mencionada lei estabelecia critérios para o processo de

pasteurização e, inclusive, o estado físico (sólido: congelado) que o produto poderia ser

comercializado. Prima facie, não seria de se afastar a configuração desta lei como de matéria

referente à produção e ao consumo. Sem embargo, o Ministro alocou-a no art. 24, XII, da CB, o

qual trata da competência concorrente para legislar sobre “previdência social, proteção e defesa da

saúde”:

“Bem examinado o diploma legal impugnado, constato, que ele não usurpa a competência

da União Federal para legislar sobre a proteção e defesa da saúde. Isso porque a competência

legislativa, no caso, é concorrente e, nesse âmbito, a União deve limitar-se a editar normas gerais,

conforme o artigo 24, XII, §§ 1º e 2º, da Constituição Federal” (ADIn 1278-9/PR, Min. rel.

Ricardo Lewandowski, DJ de 01/06/07)

Certamente, contudo, surge aqui uma indagação que é crucial para bem compreender a

partilha de competências constitucionais: qual a diferença entre esta Lei estadual e a que disciplina

a composição de OGM em produtos, para fins de elencá-la numa e não em outra categoria

competencial da Constituição? Pode-se perfeitamente considerar que ambas veiculam normas que

repercutem matéria de produção e consumo e de proteção e defesa da saúde. O dilema surge em

conceder-se preferência a uma categoria competencial e não a outra, o que pode conduzir à

inconstitucionalidade ou à preservação da lei, tendo em vista o critério centralizador do reflexo

interestadual.

Favoravelmente ao posicionamento do Min. Lewandowski está o fato de o argumento pela

classificação da matéria no art. 24, XII (proteção e defesa da saúde), e não no art. 24, V (produção

e consumo), da CB, já ter sido esposado na análise da Medida Cautelar, na ADIn em questão8. Ou

seja, não se tratou de inovação sua, mas de confirmação de um posicionamento já estabelecido, 8 ADIn-MC n. 1.278-9/SC, Min. rel. Marco Aurélio, DJ de 14/06/02.

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previamente, pelo STF, quando da análise desta mesma questão. Isso mantém uma certa

perenidade nos critérios (sejam quais forem) para compreender-se a competência concorrencial

constitucionalmente distribuída.

Ademais, a equiparação das normas referentes à produção e consumo às normas referentes

ao comércio interestadual não é automática. Um exemplo disto reside na ADIn-MC n. 1.980-5/PR,

cujo objeto foi a Lei n. 12.420/99, do Estado do Paraná, responsável por assegurar ao consumidor

“o direito de obter informações sobre natureza, procedência e qualidade dos produtos

combustíveis, comercializados nos postos revendedores situados naquela unidade da federação”.

Nesta, o Ministro relator, Sydney Sanches, afastou a configuração da Lei mencionada, que

tratava de produção e consumo, em matéria referente ao comércio interestadual (art. 22, XII). Sem

embargo, o voto do Ministro em questão encontra-se repleto de cautelas:

“É claro que um exame mais aprofundado, por ocasião do julgamento de mérito da Ação, poderá detectar alguns excessos da Lei em questão, em face dos limites constitucionais que se lhe impõem, mas, por ora, não os vislumbro, neste âmbito de cognição sumária, superficial, para efeito de concessão de medida cautelar.” (ADIn 1.980-5/PR, Min. rel. Sydney Sanches, DJ de 25/02/2000; original não grifado).

De qualquer maneira, o que se pode fixar, neste ponto, ademais dos efeitos deletérios sobre

a autonomia estadual de eventual equiparação automática de matéria sobre produção e consumo à

matéria referente ao comércio interestadual, é que o STF não tem realizado essa aproximação de

maneira automática. Na ADIn-MC n. 2866-9/RN, cujo objeto foi a Lei n. 8.299, de 29/01/03, do

Estado do Rio Grande do Norte, responsável por dispor acerca das “formas de escoamento de sal

marinho produzido no Rio Grande do Norte”, houve a declaração de inconstitucionalidade desta

lei (inconstitucionalidade parcial, ressalte-se), por afronta ao art. 22, VIII, da CB, ou seja, por

desrespeito à competência privativa da União para disciplinar o comércio interestadual.

Conforme se depreende da leitura do objeto da Lei estadual mencionada, esta está a

regulamentar questão de produção e consumo, portanto, matéria de competência concorrente, nos

termos do art. 24, V, da CB. Sem embargo, a conclusão obtida na ADIn em questão não sustentou,

para chegar a essa conclusão, a tese de juízo automático de identidade entre produção e consumo e

comércio interestadual. Isto porque a presente lei apresentava uma peculiaridade em um de seus

dispositivos. A redação do art. 6º, caput, dispunha o seguinte:

“O escoamento de sal marinho não beneficiado para ser industrializado em outra Unidade da Federação, seja para a indústria alimentícia, para o consumo humano ou para a pecuária, será gradativamente suspenso:” (original não grifado).

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O § 4º deste mesmo dispositivo, por sua vez, dispunha que:

“A partir do ano 2003 não será permitido o escoamento da produção de sal marinho não-beneficiado do Rio Grande do Norte para qualquer outra Unidade da Federação.” (Original não grifado)

Percebe-se, claramente, da leitura dos dispositivos acima transpostos, a intromissão da Lei

estadual em questão no comércio interestadual. Os artigos mencionam, diretamente, outras

entidades da federação. Não por outro motivo é que o Ministro Gilmar Mendes, relator desta

contenda, proferiu entendimento segundo o qual:

“Resta evidente que a limitação ao comércio de sal marinho, tal como fixada no art. 6º, § 4º, da Lei estadual impugnada, representa usurpação daquela competência constitucional da União, relativa ao comércio interestadual e exterior (art. 22, VIII, da CF). Considero adequada, portanto, a suspensão de tal dispositivo. Cabe consignar, ainda, a conveniência da suspensão do dispositivo, uma vez que, tal como registra documento do Departamento Nacional de Produção Mineral (fl. 68), o Estado do Rio Grande do Norte responde a cerca de 95% da produção nacional de sal marinho.” (ADIn n. 2.866-9/RN, DJ de 17/10/2003).

Tem-se, aqui, fixado ao menos um critério para a classificação de lei sobre produção e

consumo como sendo matéria de competência privativa da União, por conta do art. 22, VIII, da

CB: menção expressa a outra entidade da Federação. Outra decisão é capaz de confirmar e

reforçar esta conclusão.

Trata-se da decisão exarada na ADIn n. 280-5/MT, cujo objeto foi a Constituição do

Estado de Mato Grosso, mais precisamente o seu art. 346, caput, que vedava a saída do Estado de

madeira em toras. Nas palavras do requerente, tal dispositivo estaria a contrariar o art. 22, VIII, da

CB. Já o argumento favorável à normativa constitucional encontrar-se-ia no art. 24, VI, da CB, o

qual dispõe que é de competência legislativa concorrente matérias sobre “florestas, caça, pesca,

fauna, conservação da natureza, proteção do meio ambiente e controle da poluição”

(posicionamento este, inclusive, sustentado pelo Procurador-Geral atuante nesta questão) 9.

Levando em consideração a vedação em relação à saída, do Estado, de madeiras em toras,

o Min. Francisco Rezek, relator desta Ação, sustentou:

9 Atenta-se, aqui, para o fato de ser a Constituição deste Estado o ato normativo responsável por invadir matéria da União, e não lei. Nesse sentido, soaria estranho afirmar que a Constituição do Estado auferiu sua legitimidade do art. 24, VI, da CB, porquanto o mesmo se refere à competência de editar leis. Não há, nesta toada, como se sustentar que a Constituição do Estado-membro desrespeitou a competência legislativa privativa da União, mas sim que desrespeitou o qual impõe às Constituições Estaduais e às Leis orgânicas municipais o dever de seguir o modelo adotado na Constituição Federal, inclusive o modelo de repartição de competências.

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“Com efeito, o constituinte estadual chamou a si uma competência privativa da União. O artigo 22 – VII [sic] da Carta da República atribui à União competência exclusiva para legislar sobre comércio exterior e interestadual. No que interessa ao caso em exame, é certo que não há partilha com os estados federados de tal competência.” (ADIn n. 280-5/MT, DJ de 17/06/1994).

Percebe-se, portanto, nestes casos, que foi necessário um forte “elemento de conexão”,

proveniente da própria lei ou ato normativo questionado, para deslocar a sua base (fundamento de

validade) da competência concorrente para a competência privativa, inquinando-a de

inconstitucional.

2.1.1.3. Rotulagem ou Aspectos da Produção e Consumo que demandam tratamento uniforme

O critério adotado pelo Ministro Sepúlveda Pertence, nesta mesma ADIn 3.645-9/PR,

merece igual análise, ao menos em relação ao art. 24, V, da CB. Isto porque intenta apontar, na

matéria referente à produção e consumo, aqueles elementos que demandam um tratamento

uniforme.

Para o Ministro em questão, não é toda e qualquer matéria referente à produção e consumo

que haverá de ser aplicada nacionalmente. Dentro deste assunto abrangente, apenas alguns

aspectos merecem a tônica da uniformidade nacional e a questão do rótulo é um destes aspectos.

Quanto à configuração da rotulagem como matéria afeita a regramento uniforme, o voto do

Min. Sepúlveda Pertence, na ADIn n. 3.645-9/PR, não se encontra isolado. O Min. Maurício

Corrêa, na ADIn n. 2.656-9/SP, ao tratar de um dos elementos de Lei do Estado de São Paulo que

vedava a comercialização de amianto “crisotila”, mencionou a questão da rotulagem:

“Nesse cenário, ao impor aos comerciantes, inclusive de outros Estados, a aposição de rotulagem dita preventiva [Art. 7º - No período compreendido entre a data da publicação desta lei e 1º de janeiro de 2005, as empresas que comercializam ou fabricam produtos que contenham amianto ficam obrigadas a informar nas embalagens dos seus produtos, com destaque, a existência de mineral em seu produto e que a sua inalação pode causar câncer (...)], o Estado de São Paulo cuidou de tema de competência da União (CF, artigo 22, VIII).” (STF, ADIn n. 2.656-/SP, Min. rel. Maurício Corrêa, DJ de 01/08/2003).

Outro precedente que pode ser mencionado é a ADIn-MC n. 750-5/RJ, cujo objeto foi a

Lei fluminense n. 1.939/91, a qual disponha sobre a “obrigatoriedade de informações nas

embalagens de produtos alimentícios comercializados no Estado do Rio de Janeiro”. O dispositivo

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que se questionava, em especial, era o art. 2º, da mencionada lei, que dispunha sobre o rótulo ou

embalagem e as informações que deste deveriam constar.

Percebe-se, aqui, uma vez mais que a legislação em questão trata de matéria constante do

art. 24, V, da CB, ou seja, sobre produção e consumo. Sem embargo, o Ministro Octávio Gallotti,

em voto sucinto, conferiu a liminar, suspendendo o dispositivo acoimado de inconstitucional.

Importante destacar, apenas, que o Ministro em questão não faz menção à questão do rótulo, como

o faz, expressamente, o Ministro Sepúlveda Pertence, na ADIn 3.645-9/PR. Seu voto,

infelizmente, é assaz genérico e, se não fosse pela peculiaridade do artigo questionado, poderia

muito bem resultar numa equiparação automática entre, de um lado, produção e consumo e, de

outro, comércio interestadual:

“Também quanto à competência privativa da União para legislar sobre comércio interestadual (Constituição, art. 22, VIII), não pode ser negada a seriedade do pedido, tendo em vista a hipótese freqüente em que são comercializados, no Rio de Janeiro, produtos alimentícios provenientes de outros Estados da Federação.” (ADIn-MC n. 750-5/RJ, Min. rel. Octávio Gallotti, DJ de 11/09/1992).

O problema deste critério (matérias específicas sobre a matéria de produção e consumo,

que demandariam tratamento federal uniforme) reside na sua dependência à confirmação

posterior, pelo Judiciário. É dizer, o exegeta, em especial, o Estado-membro ou o Distrito Federal,

não conhecerá, previamente, quais os assuntos referentes à produção e consumo que poderão ser

disciplinados por eles e quais lhe estarão vedados. O Ministro Sepúlveda Pertence apenas

proclamou que rotulagem é matéria que há de ser tratada uniformemente. Assim, por conta da

significância pontual da hipótese considerada “rotulagem”, esta é jogada para a alçada da União.

Não explica o porquê, ou quais os fatores (objetivos) que levaram a esta nacionalização que, em

última análise, significa a construção de exceções à competência que, prima facie, seria estadual e

distrital.

Esta circunstância, contudo, não deixa de apresentar-se relevante para os estados e Distrito

Federal, em virtude de permitir ao STF que admita hipótese de produção e consumo como da

alçada do Estado-membro e do Distrito Federal, embora não os antecipe, em virtude da regra

(implícita) da decisão mínima no âmbito da Justiça Constitucional.

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2.1.2. Normas Gerais enquanto normas de maior abstração

O outro critério aventado no STF é o de lavra do Ministro Carlos Velloso, na ADIn-MC n.

927-3/RS. Nesta linha, normas gerais seriam aquelas normas de maior abstração. Conforme

antecipado, esta classificação enfrenta um problema inafastável: determinar quais são as normas

de maior abstração, quando de toda lei ainda se costuma exigir a nota da abstração.

Na decisão que ocasionou o voto acima, decisão referente à constitucionalidade da Lei n.

8.666/93, ou seja, referente à constitucionalidade da Lei de Licitações, o Ministro afastou algumas

normas que, na sua visão estrita, não seriam normas gerais. É o caso do art. 17, II, b, da Lei em

questão. Este dispositivo reza que, no que se refere aos bens móveis da Administração Pública, a

permuta será permitida exclusivamente entre órgãos ou entidades da Administração Pública. Para

o Ministro:

“Referentemente à permuta de bem móvel – art. 17, II, b – que a lei estabelece que será „permitida exclusivamente entre órgãos ou entidades da Administração Pública‟, parece-me que o legislador federal se excedeu. O que se disse relativamente à doação de bens imóveis – art. 17, I, b – tem aplicação aqui. A interpretação conforme, no ponto, é esta: a norma mencionada – „permitida exclusivamente entre órgãos ou entidades da Administração Pública‟, inscrita no art. 17, II, b – somente tem aplicação no âmbito federal.” (STF, ADIn-MC 927-3/RS, Min. rel. Carlos Velloso, DJ de 11/11/1994, original não grifado).

Quanto ao raciocínio que serviu de lastro para esta conclusão, o desenvolvido no caso dos

bens imóveis, em que o art. 17, I, b, condiciona a doação destes bens, desde que seja feita

exclusivamente a outro órgão ou entidade da Administração Pública, de qualquer esfera do

governo:

“Não veicularia norma geral, na alínea b, que cuida de doação de imóvel, se estabelecesse que a doação somente seria permitida para outro órgão ou entidade da Administração Pública. No ponto, a lei trataria mal a autonomia estadual e a autonomia municipal, se interpretada no sentido de proibir a doação a não ser para outro órgão ou entidade da Administração Pública. Uma tal interpretação, constituiria vedação aos Estados e Municípios de disporem de seus bens, a impedir, por exemplo, a realização de programas de interesse público” (Original não grifado).

O raciocínio não se afigura, a bem da verdade, objetivo o suficiente para ser facilmente

repetível. O que estaria a descaracterizar a norma em questão como norma geral seria o simples

fato de a norma proibir, em todas as esferas da Federação, a doação ou permuta com outros entes

(id est sociedade civil), que não o Poder Público. Ou seja, uma norma geral, para ser geral, deverá

se ater à União. Está é uma conseqüência do raciocínio do Ministro Carlos Velloso. Desnecessário

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dizer que tal ilação entrará em conflito, por exemplo, com a decisão exarada na ADIn n. 2.396-

9/MS e nas ADIn‟s n. 3.035-3/PR e n. 3.054-0/PR, à medida que todas envolvem leis federais

prevendo proibições/vedações para todas as esferas da Federação, e não apenas para a União

(tratar-se-á mais detidamente sobre estas ADIn‟s no item 2.1.3.1).

Portanto, este critério está a merecer, ainda, melhor complementação e explanação por

parte do próprio STF.

2.1.3. Outros Critérios:

2.1.3.1. Proibição e Permissão

Na ADIn 2.396-9/MS, em que se impugnava a Lei n. 2.210/01, do Estado do Mato Grosso

do Sul, a qual proibia a fabricação, o ingresso, a comercialização e a estocagem de amianto ou de

produtos à base de amianto, decidiu-se que essa lei excedia a margem de competência concorrente

assegurada pelo art. 24, V, VI e XII, posto que já existia lei federal (Lei n. 9.055/95) que dispunha

extensamente sobre o assunto. E, para o Supremo Tribunal Federal, a lei estadual sob comento

somente seria constitucional se viesse a preencher certas lacunas da lei federal, e não a “dispor

em diametral objeção a esta” (Min. rel. Ellen Gracie, DJ de 01/08/2003).

Até o presente momento, não há qualquer novidade ou qualquer elemento que pudesse auxiliar o

exegeta na definição do que vem a ser norma geral e norma peculiar. Contudo, há um excerto do

voto da Ministra Ellen Gracie que merece destaque e atenção:

“É que ao determinar a proibição de fabricação, ingresso, comercialização e estocagem de amianto ou de produtos à base de amianto, destinados à construção civil, o Estado do Mato Grosso do Sul excedeu a margem de competência concorrente que lhe é assegurada para legislar sobre produção e consumo (art. 24, V); proteção do meio ambiente e controle da poluição (art. 24, VI); e proteção e defesa da saúde (art. 24, XII)” (STF, ADIn n. 2.396-9/MS Min. rel. Ellen Gracie, DJ de 01/08/2003, original grifado).

O elemento que clama a atenção já foi sublinhado pela própria Ministra: proibição. Nesta

toada, proibição e, contrario senso, permissão, ou melhor, normas estabelecendo vedações ou

permissões são reputadas como normas gerais e, portanto, da competência da União e não dos

Estados-membros, salvo, por óbvio, a inexistência de lei federal estipulando estas normas gerais.

No caso em questão, a Lei n. 9.055/99, Lei Federal, permitiria a extração, industrialização,

utilização e comercialização de amianto. Nesta toada, não poderia a Lei Estadual proibi-los, sob o

risco de, ao assim proceder, estabelecer, indevidamente, normas gerais.

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A ADIn n. 2.656-9/SP, que tem como objeto a mesma contenda constante da ADIn n.

2.396-9/MS, só que com Lei do Estado de São Paulo proibindo a comercialização do amianto

crisotila, apresenta esta mesma idéia, conforme se depreende do voto do Ministro relator Maurício

Corrêa:

“No caso, é evidente que a lei paulista contraria a lei federal, pois esta última, longe de vedar o emprego do amianto „crisotila‟, regula a forma adequada para sua legítima extração, industrialização, utilização e comercialização. A situação implica, desde logo, a ilegalidade [sic] dos dispositivos em análise. Para fins de controle concentrado, no entanto, a questão de relevo é que a legislação local cuida de normas gerais sobre produção e consumo de amianto, o que afronta as regras de repartição da competência concorrente previstas no artigo 24 da Constituição Federal.” (ADIn n. 2.656-9/SP, Min. rel. Maurício Corrêa, DJ de 01/08/2003).

Outra decisão que traz à balha esta mesma questão é a exarada na ADIn n. 3.035-3/PR e na

ADIn n. 3.054-0/PR. Esta(s) ação(ões) estava(m) a questionar Lei do Estado do Paraná, Lei n.

14.162/03, que vedava, por completo, o cultivo, a manipulação, a importação, a industrialização e

a comercialização de organismos geneticamente modificados.

Mencionada lei, ademais de afrontar uma série de dispositivos do art. 22, atentou contra a

competência da União em estabelecer normas gerais. Isto porque já havia leis federais admitindo o

cultivo, a manipulação, o transporte, a comercialização e o descarte de organismos geneticamente

modificados. Nesse sentido, o voto do Ministro Gilmar Mendes:

“Não é difícil perceber que as normas estaduais estão a se superpor a uma disciplina de caráter geral formulada no âmbito da União. “Como regra geral, ao contrário do que ocorre na lei estadual paranaense, o cultivo, a manipulação e a industrialização de OGM‟s, na Lei 8.974, não são objeto de uma vedação absoluta. A Lei 8.974 estabelece uma série de condições para a produção, manipulação, transporte, consumo, liberação e descarte de OGM‟s. Condições bastante restritivas, cabe dizer. Há também proibições de caráter absoluto na Lei Federal, mas tais proibições dirigem-se a hipóteses determinadas, e não a qualquer tipo de produção de OGM‟s. (STF, ADIn n. 3035-3/PR, Min. rel. Gilmar Mendes, DJ de 14/10/05).

Dentre os elementos até agora elencados, este se afigura como o mais certo e seguro.

Portanto, norma geral é norma que admite ou veda determinada conduta no sentido de que se

determinada lei federal admitir certa prática, não caberá à lei estadual estabelecer o contrário; se

determinada lei federal proibir certa prática, a lei estadual não poderá permiti-la

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2.2. Dificuldade de categorização de determinados tópicos como matérias de competência

privativa da União e como matérias afeitas ao “condomínio legislativo”10

Conforme foi visto logo acima, ainda que de maneira breve, a outra problemática referente

à competência concorrente reside na determinação daquelas matérias que são concorrentes. Há

matérias que, por exemplo, podem dizer respeito ao direito civil e, ao mesmo tempo, ao direito

econômico. Como distingui-las ou qual critério de enquadramento numa e não em outra tipologia

constitucional, ou, ainda, como satisfazer concomitantemente a duas categorias diversas? Neste

tópico, discorrer-se-á sobre alguns casos em que houve esta divisão pelo STF (ainda que a divisão

não tenha sido clara e suscite dúvidas mesmo entre os próprios Ministros).

2.2.1. Competência Concorrente de Proteção e Integração Social das Pessoas Portadoras de

Deficiência (Art. 24, XIV) ou Competência Privativa para legislar sobre trânsito e transporte

(Art. 22, XI)?

Na ADIn-MC n. 903-6/MG, cujo objeto foi a Lei n. 10.820/92, do Estado de Minas Gerais,

responsável por disciplinar o transporte coletivo intermunicipal de pessoas portadoras de

deficiência [art. 1º da Lei: “As empresas concessionárias de transporte coletivo intermunicipal

ficam obrigadas a promover adaptações em seus veículos, a fim de se facilitar o acesso e a

permanência de portadores de deficiência física e de pessoas com dificuldades de locomoção”],

suscitou-se dúvida acerca da categorização da Lei (ou seja, de sua temática) em questão.

Consistiria ela de matéria afeita ao trânsito e transporte, e, portanto, de competência privativa da

União ou afeita à proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência, e, portanto,

afeita ao “condomínio legislativo”? Obviamente que a lei tratava de ambas as questões. Porém,

como determinar qual deverá prevalecer e, desta feita, conduzir a definição da competência

legislativa?

Embora a decisão do STF tenha sido pela não concessão da cautelar, ou seja, pela

manutenção da presunção de constitucionalidade da Lei estadual, não há uma justificativa bem

delineada/cristalina acerca da opção do STF por alocar a Lei no art. 24, VIX, da CB.

Há, contudo, um elemento que merece destaque. Segue-se o excerto do voto do Ministro

Celso de Mello, relator da ADIn mencionada:

10 Terminologia adotada pelo Ministro CELSO DE MELLO na ADIn-MC n. 903-6/MG, acerca da competência legislativa concorrente.

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“Alega-se que a União Federal absteve-se, até o presente momento, de editar a legislação nacional pertinente ao tema específico da adoção, pelas empresas que exploram o serviço de transporte coletivo, de providências destinadas a garantir, às pessoas portadoras de deficiência, acesso adequado aos veículos automotores. “Mesmo a normação federal insuficiente, que se haja omitido na disciplinação legislativa de matéria tópica, legitima o exercício, pelos Estados-membros, da competência normativa plena” (ADIn-MC n. 903-6/MG, Min. rel. Celso de Mello, DJ de 24/10/97, original grifado).

Percebe-se que o Ministro em questão está a entender que a Lei Estadual estabelece

normas gerais sobre a proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência e que esta

generalidade seria legítima dada a ausência de norma federal sobre o assunto. Este, porém, não é o

elemento que merece maior atenção aqui, mas sim o uso dos seguintes termos: “tema específico” e

“matéria tópica”, destacacods pelo próprio Ministro.

Disto, poder-se-ia inferir importante critério para definir se determinada lei é de

competência privativa da União ou do “condomínio legislativo”, a saber, a especialidade da lei.

No caso em questão, trata, especificamente, do acesso e da proteção do portador de deficiência. O

transporte, por sua vez, é matéria incidental. Daí avocar-se o art. 24, XIV, e não o art. 22, XI, da

CB. Portanto, seria o objeto específico da lei que nortearia a sua classificação/taxionomia. Logo,

é preciso apartar assuntos díspares que são concomitantes a partir da finalidade da lei. Sendo

objetivo primordial a tutela do portador de deficiência, o ambiente no qual esta tutela é imposta

deve ser considerado uma matéria secundária em relação ao objetivo da legislação.

2.2.2. Competência Concorrente sobre Previdência Social, Proteção e Defesa da Saúde (art. 24,

XII) ou Competência Privativa para legislar sobre trânsito e transporte (Art. 22, XI) e do

trabalho (art. 22, I)?

Na ADIn n. 403-4/SP questionou-se norma da Constituição do Estado de São Paulo, mais

precisamente seu art. 190, que estabelecia que “o transporte de trabalhadores urbanos e rurais

deverá ser feito por ônibus, atendidas as normas de segurança estabelecidas em lei”. Tal

dispositivo, nas palavras da requerente, Confederação Nacional da Agricultura, atentaria contra o

art. 22, I e XI11. Em defesa da previsão constitucional, avocou-se o art. 24, XII, da CB.

11 Sobre o questionamento de Constituições Estaduais em face do artigo 22, vide comentários à ADIn 280-5/MT, acima.

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A decisão foi pela inconstitucionalidade do preceptivo constitucional do Estado de São

Paulo12. Nos termos do voto do Min. Ilmar Galvão:

“A regra do art. 190 da Constituição do Estado de São Paulo, por sua vez, determina, como visto, que o transporte de trabalhadores deve ser feito, necessariamente, em ônibus, vedando, desse modo, a utilização de qualquer outro veículo de passageiros para tanto.” “Assim, tratando-se de norma sobre trânsito e transportes, fica caracterizada a invasão de competência legislativa da União pelo texto constitucional paulista, invasão essa que se torna mais clara com a leitura das normas federais de trânsito, tanto as vigentes na época da promulgação da Constituição de São Paulo quanto as atuais” (ADIn n. 403-4/SP, Min. rel. Ilmar Galvão, DJ de 27/09/2002).

Percebe-se, aqui, que o Ministro Ilmar Galvão afastou a argumentação desenvolvida pelo

Estado de São Paulo de que a norma seria acerca da proteção e defesa da saúde, propugnando se

tratar de norma sobre transporte e trânsito. Caso se resolva aplicar o critério esposado no item

anterior, objeto específico, perceber-se-ia que a preocupação específica do art. 190 da CE é com o

transporte – via ônibus. E, no geral, a própria legislação federal – Código de Trânsito – é quem

estabelece as normas de segurança (com a previsão da devida sanção) referentes ao transporte e

trânsito.

Quanto à configuração da matéria em questão como afeita ao direito do trabalho, isso

ocorreu mais precisamente pelo Ministro Marco Aurélio:

“Os preceitos disciplinam transporte e, também, a questão alusiva aos trabalhadores urbanos e rurais, situando-se, se assim podem ser entendidos, no âmbito do Direito do Trabalho” (ADIn n. 403-4/SP, Min. Marco Aurélio, DJ de 27/09/2002).

Aqui é importante destacar que a questão trabalhista é mais específica que o transporte,

afinal, diz respeito a um transporte referente ao trabalhador, e não a todo e qualquer tipo de

transporte. Sem embargo, esta diferenciação não tem implicações práticas.

Contudo, a aplicação do critério especificidade ou especialidade do objeto da lei também

apresenta suas dificuldades. Como aquilatar qual objeto é mais específico?

A dificuldade de sua aplicação pode se fazer sentir, por exemplo, na ADIn-MC n. 874-

9/BA, que envolvia a mesma contenda entre art. 22, XI, e art. 24, XII, da CB. Nesta, questionava-

se a Lei n. 6.457/93, do Estado da Bahia, que impunha a instalação de cinto de segurança em

veículos de transporte coletivo de passageiros. 12 O Ministro Sepúlveda Pertence restou vencido, entendendo ser a matéria de competência dos Estados-membros, por conta do art. 24, XII. Talvez este posicionamento, que não é bem explicado (o voto do Ministro tem um parágrafo, advenha de sua posição menos centralizadora: falar-se-á sobre este fato em item referente ao posicionamento anunciado de alguns ministros).

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O resultado foi a inconstitucionalidade da Lei em questão; sem embargo, o Ministro Marco

Aurélio, voto vencido, apresentou o seguinte argumento:

“Também confiro ao inciso XII do artigo 24 alcance que extravasa o previsto na sua primeira parte, ou seja, tenho-o como direcionado à proteção social. Nesse preceito, está revelado que compete também aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre „proteção e defesa de saúde‟ – e aqui, vislumbro a intangibilidade, a higidez das pessoas. “Creio que o Estado da Bahia deu um passo, pelo menos sob a minha óptica, elogiável, e neste exame preliminar, não tenho como suficientemente configurada a relevância do pedido a ponto de afastar, de imediato, a eficácia dos dispositivos impugnados.” (ADIn-MC n. 874-9/BA, Min. Marco Aurélio, DJ de ).

Percebe-se, aqui, que o que se afigurava mais específico para o Ministro Marco Aurélio era

a proteção da saúde das pessoas, que a obrigatoriedade do cinto de segurança estava a impor

(chama-se a atenção, aqui, para o fato de o Ministro em questão ter defendido a

inconstitucionalidade do art. 190 da Constituição do Estado de São Paulo: ou seja, nesta ADIn o

Ministro Marco Aurélio concluiu de maneira diversa da conclusão alançada na ADIn n. 403-

4/SP). Acaso se procure diferenças entre esta decisão e a que antecede esta, provavelmente haverá

diferenças importantes, como, por exemplo, o fato de o dispositivo da Constituição do Estado de

São Paulo ser extremamente genérico e esta lei tratar de assunto específico que, certamente, diz

respeito à segurança das pessoas: algo que poderia sustentar o posicionamento do Ministro Marco

Aurélio e a higidez do critério especificidade. De qualquer maneira, esta decisão bem demonstra a

dificuldade de se aplicar o critério especificidade e, principalmente, a dificuldade de se encontrar,

no STF, um critério minimamente homogêneo e linear, com clareza para uma “repetição em séria”

sem maiores dificuldades.

2.2.3. Competência Concorrente para Legislar sobre Direito Econômico (art. 24, I) ou

Competência Privativa para Legislar sobre Direito Civil (art. 22, I)/ Competência Concorrente

para legislar sobre Educação, Cultura, Ensino e Desporto (art. 24, IX) ou Competência

Privativa para Legislar sobre Direito Civil (art. 22, I)?

Conforme foi mencionado no item 2, a ADIn n. 1.950-3/SP, cujo objeto era a Lei n.

7.884/92, do Estado de São Paulo, referente à concessão do benefício da meia-entrada, suscitou

dúvidas quanto à configuração da matéria em questão como estando fundamentada no art. 22, I

(direito civil) ou no art. 24, I (direito econômico). A celeuma surgiu por conta de posicionamento

adotado pelo STF na ADIn n. 1.007-7/PE, cuja matéria seria a mesma da ADIn n. 1.950-3/SP

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(contratos, segundo o posicionamento do Ministro Cezar Peluso), mas que teria redundado no

enquadramento de validade desta última no art. 22, I (questão de contratos e, desta feita, referente

ao direito civil), enquanto na ADIn sobre a meia-entrada teria o STF defendido a competência

legislativa concorrente.

O objeto da ADIn n. 1.007-7/PE foi a Lei n. 10.983/93, do Estado de Pernambuco,

responsável por fixar o pagamento das mensalidades escolares em Pernambuco. A requerente

sustentou a inconstitucionalidade da Lei em questão com base no art. 22, I, da CB. Ou seja,

mencionada lei teria invadido esfera da competência privativa da União. O Estado de Pernambuco,

por sua vez, sustentou que a Lei auferiria sua legitimidade constitucional do art. 24, IX, da CB.

Em outras palavras, havia dúvida, aqui, quanto à alocação da matéria na competência concorrente

para legislar sobre educação, cultura, ensino e desporto (art. 24, IX) ou na competência privativa

da União para legislar sobre direito civil (art. 22, I).

Nas palavras do Ministro Eros Grau, relator da contenda, o fato de a Lei em questão apenas

estabelecer a data de vencimento das mensalidades escolares faria com que a matéria quedasse

alocada no art. 22, I:

“Não vislumbro, no texto normativo, legislação sobre educação ou ensino. Os preceitos tratam tão-somente da estipulação de data do vencimento das mensalidades escolares, matéria de direito contratual. A Lei n. 10.989 do Estado de Pernambuco, torno a repetir, nada dispõe a respeito daquela matéria. “Cabendo à União privativamente legislar sobre direito civil – ou seja, sobre contratos – não compete ao legislador estadual discipliná-los.” (ADIn n. 1.007-7/PE, Min. rel. Eros Grau, DJ de 24/02/2006; original não grifado).

À primeira vista, pode-se perceber, aqui, a adoção do critério especificidade. Sobre o que

trata, propriamente, a Lei em questão? Trata de contratos, de um determinado segmento, ou de

educação, propriamente dita? Na visão do Ministro, estar-se-ia em face de matéria contratual.

Portanto, por conta desta verificação, a matéria abordada da lei estaria sob a regência do art. 22, I,

e não do art. 24, IX, da CB13.

13 Ressalte-se, aqui, que no bojo desta ADIn surge outra polêmica: saber se a Lei em questão estava a discorrer sobre consumidor. Este foi o posicionamento exarado pelo Ministro Carlos Britto: “Ora, a norma aqui impugnada é de proteção do consumidor” (ADIn n. 1.007-7/PE, Min. rel. Eros Grau, DF de 24/02/2006). Esta nova celeuma bem demonstra a dificuldade presente na atividade de taxionomia das matérias entre o art. 22 e o art. 24.

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Uma vez, mais, porém, este critério viu-se ameaçado, porquanto o Min. Carlos Velloso, nesta

mesma ADIn, compreendeu que a Lei acoimada de inconstitucional estaria a disciplinar matéria

referente à educação e ensino, e não aos contratos:

“V. Exa. não acha que interfere com a questão o inciso IX, que estabelece legislação concorrente entre o Estado e a União no que toca à educação e ensino? Será que mensalidade escolar não estaria relacionada com ensino, educação? Então, tem-se, no caso, competência do Estado para legislar concorrentemente.” (ADIn n. 1.007-7/PE, Min. rel. Eros Grau, DJ de 24/02/2006; original não grifado)

Seguiu a mesma senda o Ministro Joaquim Barbosa:

“Entendo, sim, que a referida lei tem como fim primordial evitar que normas contratuais abusivas afetem e prejudiquem a concretização e o acesso ao direito fundamental da educação por parte daqueles cidadãos que pagam estabelecimentos educacionais privados pela prestação dos serviços educacionais.” (ADIn n. 1.007-7/PE, Min. rel. Eros Grau, DJ de 24/02/2006; original não grifado).

Findou, desta feita, este último Ministro, por considerar a Lei em questão como

constitucional, por ser matéria alocada na competência legislativa concorrente (art. 24. IX, da CB).

A celeuma, sem embargo, não evitou que a legislação estadual fosse reputada inconstitucional por

afronta ao art. 22, I, da CB, restando vencedor o posicionamento do Ministro Eros Grau14.

Voltando à questão da ADIn n. 1950-3/SP, a polêmica se inicia a partir do momento que o

Ministro Cezar Peluso, que havia acompanhado o Ministro Eros Grau na ADIn n. 1.007-7/PE,

levanta a questão da inconstitucionalidade formal da Lei do Estado de São Paulo, Lei n. 7.884/92,

porquanto a mesma teria disciplinado matéria de contratos, por conseguinte, invadido competência

privativa da União, a saber, competência para legislar sobre direito civil:

“Na verdade, essa norma está interferindo em contratos, está tabelando prestações de contratos. Para um universo determinado de contraentes, é verdade, mas está tabelando, ao prescrever que um universo tal de contraentes paga a metade do valor dos contratos. “Isso, a meu ver, com o devido respeito, ofende o art. 22, I. E encontro grande dificuldade para ajustar essa norma ao art. 23, V, ao dizer que compete ao Estado „proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação...‟ “Primeiro, o Estado não está proporcionando nada, está obrigando o particular a proporcionar. Segundo, se o argumento fosse verdadeiro, o Estado poderia baixar norma que estatua que menor de dozes anos paga dez por cento da mensalidade escolar e outras análogas. Aliás, o Ministro Eros Grau foi relator da ADI n. 1.007, na qual o Plenário não admitiu sequer fosse mudada a data de pagamento de contrato de mensalidade escolar.” (ADIn n. 1.950-3/SP, Min. rel. Eros Grau, DJ de 02/06/2006; original não grifado).

14 Acompanharam o Min. Eros Grau os Ministros Cezar Peluso, Carlos Velloso (que findou por mudar a sua posição), Nelson Jobim, Ellen Gracie e Sepúlveda Pertence.

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De outra banda, os Ministros Carlos Britto e Eros Grau argumentaram que a questão era

diferente. A “situação era outra”, nas palavras do Ministro Carlos Britto. Sem embargo, não há a

demonstração inequívoca de qual o elemento (objetivo) diferenciador entre um e outro caso.

Encontra-se apenas o seguinte debate:

“Eros Grau – Só para esclarecer: a ADI n. 1.7007 tratava de matéria de

Direito Civil. A situação é inteiramente diferente.

“Cezar Peluso – Que contratos são esses, Ministro?

“Eros Grau – Se Vossa Excelência me permitir, estou simplesmente

mostrando que não há incoerência no vício formal.” (ADIn n. 1.950-3/SP,

Min. rel. Eros Grau, DJ de 02/06/2006; original não grifado)

Não há, além deste debate, qualquer elemento material que explique a diferença entre uma

e outra, a não ser a palavra de um Ministro contra a palavra de outro.

Quanto ao critério necessário para classificar a lei em questão no âmbito do direito

econômico (e, portanto, no “condomínio legislativo”) e não no direito civil (e, portanto, em

competência privativa da União), queda na obscuridade. O STF não aventa quaisquer indícios ou

elementos, nesta ADIn, que possam nortear a solução de situações futuras.

2.2.4. Considerações Gerais sobre este Tópico

A partir da pequena amostragem jurisprudencial reunida neste tópico, pode-se esboçar

algumas conclusões. A primeira conclusão a que se chegou foi a tentativa de se identificar o

critério especificidade como um elemento capaz de nortear a taxionomia de determinada matéria,

definindo se esta estaria sujeita à competência privativa ou se, por contrário, sujeitar-se-ia ao

“condomínio legislativo” do art. 24, da CB. Sem embargo, a divergência entre as ADIns n. 403-

4/SP e ADIn-MC n. 874-9/BA e dentro da própria ADIn n. 1.007-7/PE bem demonstraram a

dificuldade prática em aplicá-lo ou em considerá-lo seriamente, ao menos no que se refere ao

âmbito do STF.

A segunda conclusão obtida foi a da que o próprio STF não produziu um posicionamento

acurado e consistente quando o assunto é o rateio de competências. Nesse sentido, basta retomar a

ADIn n. 1.950-3/SP, mais precisamente o embate entre os Ministros Cezar Peluso e Eros Grau.

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3. Conclusões

3.1. Esquadrinhamento do Universo Pesquisado

O presente paper focou o estudo de uma amostragem de 17 decisões proferidas pelo STF

acerca da questão do federalismo, na Constituição de 1988. Intentou-se, com esta perquirição,

obter alguns critérios para (i) definir o que diferencia uma norma geral de uma norma

especial/peculiar e para (ii) alocar determinado item como matéria referente à competência

legislativa privativa ou como competência legislativa concorrente, quando há “concorrência” entre

as próprias previsões diversas de competências.

Quanto a (i), três foram os critérios apontados: (a) configura-se norma geral aquelas

normas que demandam aplicação federativa uniforme; (b) configura-se norma geral aquelas

normas detentoras de maior abstração; (c) são normas gerais aquelas que proíbem ou admitem

certas condutas.

Dentre estes três, o que se afigurou menos incerto foi o que reputa como norma geral

aquelas que estabelecem proibições e permissões. As demais demandam maior aprofundamento

(no universo jurisprudencial) e explanação (por parte da jurisprudência do STF).

Quanto a (ii), intentou-se identificar algum critério que atuasse como compasso na árdua

tarefa de classificar determinada matéria dentre as competências privativas da União e as

competências alocadas no “condomínio legislativo”. O elemento identificado foi a especificidade

da eventual Lei que esteja sendo analisada ou que tenha a sua constitucionalidade formal

questionada. Porém, conforme foi demonstrado nas amostras analisadas, a especificidade não

reduz o subjetivismo/dúvidas que podem existir na atividade de catalogar a Lei.

Por derradeiro, cabe, aqui, esquadrinhar o número de decisões que implicaram a

constitucionalidade das leis estaduais e o número de decisões que acarretaram na

inconstitucionalidade das leis estaduais. No total, analisaram-se 17 decisões do STF. Destas 17

decisões, apenas cinco foram favoráveis à constitucionalidade das Leis Estaduais (sendo que uma

envolvia uma lei federal – ADIn-MC n. 927-3/RS). Destas cinco decisões, três foram proferidas

em sede de cautelar, sendo possível, portanto, a revisão do resultado liminar (embora improvável).

As 12 decisões restantes eivaram as leis estaduais de inconstitucionalidade, por afronta à

competência legislativa da União, quer por terem atentado contra sua competência privativa, quer

por terem se imiscuído naquelas matérias que, apesar do “condomínio legilativo” do art. 24 da CB,

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compreendeu-se que estariam reservadas à União (normas gerais). Segue, portanto, uma tabela

sobre o resultado da pesquisa:

Número de decisões

analisadas

Decisões pela

constitucionalidade das

leis estaduais

Decisões pela

inconstitucionalidade das leis

estaduais

17 5* 12

* Destas cinco decisões, uma se referia a lei federal e outras três foram exaradas em análise de medida cautelar

Percebe-se, desta análise preliminar e inicial (um número indubitavelmente reduzido, em

face da soma de decisões sobre esta matéria), que a jurisprudência do STF tem demonstrado uma

leitura pró-federal, no sentido de privilegiar a descentralização federativa, quer seja atuando no

significado e alcance das matérias elencadas no art. 22, quer seja na concepção de norma geral

capaz de atrair a competência novamente à União.

3.2. Postura crítica quanto ao encaminhamento geral do STF

Da leitura do material jurisprudencial, pode-se, por vezes, identificar o posicionamento

crítico de alguns dos Ministros do STF. Nesta amostragem, foi possível notar o posicionamento

ideológico de um dos Ministros que compõe o atual STF, acerca da questão federativa, a saber, o

Ministro Ricardo Lewandowski. Na ADIn n. 3.645-9/PR, ele expôs sua opinião acerca da matéria:

“Dentro desse movimento pendular que caracteriza o federalismo brasileiro, com momentos de grande concentração de poder ao nível da União, e outros, de grande desconcentração em favor dos demais entes federativos, verifica-se que, paulatinamente, estamos caminhando, na verdade, para um Estado unitário descentralizado, haja vista as recentes reformas administrativa, previdenciária, judiciária, tributária. Observa-se também, que, no âmbito da competência concorrente prevista no art. 24 da Carta Magna, cada vez mais esvaziada a competência dos Estados de legislar supletivamente, porque a União, quando legisla, esgota o assunto, não se limita a editar apenas normas gerais.” (ADIn 3.645-9/PR; Min. rel. Ellen Gracie, DJ de 01/09/2006; original não grifado)

Percebe-se, da leitura de seu voto, que seu posicionamento adota um tom crítico em

relação à postura do STF em relação à concepção de Federação que este tem adotado em suas

decisões.

Outro Ministro que se afigurava crítico (o tempo verba é adequado, porquanto o mesmo já

se aposentou) era o Ministro Sepúlveda Pertence. Em certa ocasião, ao comentar o princípio da

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simetria (outro instituto que finda por esvaziar, agora no âmbito constitucional, os demais entes

federativos de suas competências), este proferiu o seguinte entendimento, no Recurso

Extraordinário n. 197.917-8/SP15:

“Com todas as vênias, estou em que, no caso, o voto do em. Min. rel. entre duas leituras possíveis do texto constitucional – optou, uma vez mais, pelo excesso de centralização uniformizadora que, há muito, a jurisprudência do Tribunal tem imposto à ordenação jurídico-institucional de Estados e Municípios, sob a inspiração mítica de um princípio universal de simetria, cuja fonte não consigo localizar na Lei Fundamental.” (REx n. 197.917-8/SP, Min. rel. Maurício Corrêa, DJ de 07/05/2004).

Quanto aos demais Ministros, o material empírico ora analisado não revelou qualquer

posicionamento – expresso, ao menos.

Referências bibliográficas:

MAY, Cristopher N., IDEZ, Alla. Constitucional law: national power and federalism. 2. Ed.

Gaithesburg: Aspen Law & Business, 2001.

SCHWARTZ, Bernard. O Federalismo norte-americano atual. Trad. por Elcio Cerqueira. Rio de

Janeiro:Forense Universitária, 1984.

TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

15 Ressalte-se, aqui, que esta decisão não mantém relação, propriamente, com a questão da repartição federativa de competências legislativas. Sem embargo, por conta da sua conexão com o assunto do federalismo, findou por merecer destaque e menção.

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3.4. Normas gerais, nacionais, competência legislativa e o Federalismo Fiscal.

NORMAS GERAIS, NACIONAIS, COMPETÊNCIA LEGISLATIVA E O

FEDERALISMO FISCAL.

José Maria Arruda de Andrade

Algumas das grandes questões que se colocam no exercício da função normativa pelo

poder Legislativo são aquelas relativas às normais gerais em matéria tributária e à existência de

leis nacionais tributárias confrontada com a questão da autonomia dos Estados, do Distrito Federal

e dos Municípios.

Essas tormentosas questões podem ser analisadas a partir (i) da noção de normais gerais,

(ii) das funções constitucionais da lei complementar na seara tributária e (iii) da autonomia dos

entes da federação. Todavia, esse estudo não prescinde de uma atenta abordagem da

jurisprudência pátria, o que permeará esse ensaio.

Normas Gerais em Matéria Tributária

I.1.

O primeiro desafio da pesquisa é a própria definição do que seria norma geral de direito

tributário, o que tem sido objeto do pensamento de vários doutrinadores, existindo desde aqueles

que abordaram o assunto a partir da definição negativa (Carvalho Pinto1) e até mesmo aqueles que

preferiram apontar a inexistência de uma norma geral sobre o que é norma geral (Rubens Gomes

de Sousa)2.

Para um melhor desenvolvimento, convém citar os dispositivos constitucionais atinentes à

competência legislativa mais importantes para esse trabalho.

No regramento da competência legislativa dos entes da federação, tem-se a regra geral de

competência concorrente na área tributária:

Professor da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie . Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo. 1 Ver FERRAZ Jr, Tercio Sampaio, “Normas Gerais e Competência Concorrente – Uma Exegese do Art. 24 da Constituição Federal”, Revista Trimestral de Direito Público nº 7, São Paulo, Malheiros, 1994, p. 16 e COÊLHO, Sacha Calmon Navarro, Curso de Direito Tributário Brasileiro, Rio de Janeiro: Forense, 1999, p.107. 2 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro, Curso de Direito Tributário Brasileiro, Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 107.

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“Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico; § 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais. § 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados. § 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades. § 4º A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.”

Há, ainda, na Constituição, diversos dispositivos determinando o uso de lei complementar

tributária. Mas, nesse momento, relevante será a menção ao art 146, que atribui os seguintes

objetos genéricos de lei complementar fiscal:

“Art. 146. Cabe à lei complementar: [...] III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas. d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239.

Sobre as leis complementares trataremos mais adiante, mas o art. 24 já faz importantes e

difíceis referências à idéia de normas gerais, seja como limite do uso da competência concorrente

de legislar (§ 1º); seja como referência à competência concorrente dos Estados (§2º), seja como a

superveniência de lei federal e sua relação com a lei estadual que lhe antecedera (§3º).

Além disso, árdua é a pesquisa sobre a menção ao termo normas gerais feita pelo art. 146

da CF/88 já mencionado. Árdua e fundamental, pois ela trará parâmetros incisivos de validade de

leis que são aplicadas diuturnamente nas relações tributárias.

No sentido de trazer subsídios para uma melhor precisão de quais seriam os objetos e os

destinatários de uma norma geral tributária, relembremos a lição de Carvalho Pinto (Normas

Gerais de Direito Financeiro: Ed. Prefeitura do Município de São Paulo, São Paulo, 1949, p.24)3:

3 FERRAZ Jr, Tercio Sampaio, “Normas Gerais e Competência Concorrente – Uma Exegese do Art. 24 da Constituição Federal”, Revista Trimestral de Direito Público nº 7, São Paulo, Malheiros, 1994, p. 16.

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“a) não são normas gerais as que objetivem especialmente uma ou alguma dentre várias pessoas congêneres de direito público, participantes de determinadas relações jurídicas; b) não são normas gerais as que visem, particularizadamente, determinadas situações ou institutos jurídicos, com exclusão de outros, da mesma condição ou espécie; c) não são normas gerais as que se afastem dos aspectos fundamentais ou básicos, descendo a pormenores ou detalhes”.

Essa estratégia de uso do raciocínio a contrario fornece subsídios para enfrentar questões

bem pontuais sobre a utilização de normas gerais.

I.2.

O item a), por exemplo, aponta para uma importante conclusão nos trabalhos doutrinários

sobre o tema, qual seja, não deverá ser considerada como uma norma geral nacional aquele texto

normativo que dispor apenas de tributos e de assuntos pertinentes à esfera federal, ou, em termos

mais incisivos, que não tratar, também, de tributos estaduais e municipais.

Estar-se-á diante de uma lei federal, talvez até de aplicação sobre vários tributos federais,

mas não de um dispositivo de abrangência nacional, vinculante (dentro dos contornos

constitucionais) aos Estados e Municípios.

Veja-se, nesse contexto, por exemplo, a adoção de distintas regras de prazos de prescrição

e decadência para fins tributários.

Os tributos cuja legislação atribui ao contribuinte o dever de apurar o valor devido e

recolhê-lo, independente de prévia análise por parte do fisco, são chamados de tributos sujeitos ao

lançamento por homologação. Atualmente, quase todos os tributos estão submetidos a essa

modalidade, devendo seguir as regras de decadência dispostas no Código Tributário Nacional, art.

150 § 4º, nomeadamente uma norma geral de direito tributário:

“Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa. (...) §4º Se a lei não fixar prazo à homologação, será ele de 5 (cinco) anos, a contar da ocorrência do fato gerador,' expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação".

Pois bem, quando se trata de contribuições sociais cuja arrecadação é direcionada à

Seguridade Social (art. 194 e 195 da CF/88), o artigo 45 da Lei nº 8.212/91 prescreve outro prazo,

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dessa vez de 10 anos a contar do primeiro dia do exercício seguinte em que o tributo poderia ter

sido lançado.

O próprio CTN autoriza o regramento de outros prazos, sendo a referência ao prazo de

cinco anos contida no § 4º uma regra geral (no contexto de uma norma geral) na ausência de

outras específicas.

Todavia, com o advento da Carta de 1988, o art. 146 faz a menção, já citada, de que cabe à

lei complementar dispor sobre regras de decadência e prescrição (inciso III, b).

A discussão em torno desse tema é um pouco mais complicada do que a mera exigência de

lei complementar sempre que se estabelecer prazos decadenciais e prescricionais, pois, ao

contrário do que afirma a maior parte da doutrina tributária, não há aqui uma reserva absoluta de

lei complementar.

É permitida a utilização de lei ordinária para estabelecer novos prazos, desde que não se

trate de uma norma geral. Daí retornamos de onde começamos, ou seja, a definição do que é

norma geral de direito tributário e a sua relevância em questões de ampla aplicação e repercussão

financeira.

Um diploma legal que trata de todas as contribuições da seguridade social é uma regra

geral ou uma regre específica, que prescreve regras aplicáveis somente a uma parcela dos tributos

federais, sem sequer alcançar os estaduais e municipais?

Essa questão deixaremos por aqui, muito embora nos inclinemos pela segunda assertiva, já

que a Lei 8.212/1991 trata de um universo restrito, do ponto de vista tributário, que não abrange os

demais entes da federação e sequer se aplica a todos os tributos federais4.

Todavia, corroborando a tese de que o artigo 45 da Lei n° 8.212/91 padece de

inconstitucionalidade, vale apontar que, recentemente, a Corte Especial do Superior Tribunal de

Justiça (STJ) declarou a inconstitucionalidade do referido artigo, no incidente de

inconstitucionalidade aberto no curso do julgamento do Agravo de Instrumento no Recurso

Especial nº 616.348, tendo o acórdão sido publicado no último dia 15.10.2007, com a seguinte

ementa:

4 Utilizando-se a terminologia de FERRAZ Jr., a Lei 8.212/91 seria, quanto ao destinatário, uma norma especial (destinada a algumas pessoas, já que na época seria aplicável pela fiscalização do Instituto Nacional do Seguro Social e da Receita Federal) e, quanto ao conteúdo, uma norma particular, já que aplicável a um universo específico de contribuições sociais. Sobre essa classificação, ver FERRAZ Jr., op. cit., p.18.

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“CONSTITUCIONAL, PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. DO ARTIGO 45 DA LEI 8.212, DE 1991. OFENSA AO ART. 146, III, B, DA CONSTITUIÇÃO. 1. As contribuições sociais, inclusive as destinadas a financiar a seguridade social (CF, art. 195), têm, no regime da Constituição de 1988, natureza tributária. Por isso mesmo, aplica-se também a elas o disposto no art. 146, III, b, da Constituição, segundo o qual cabe à lei complementar dispor sobre normas gerais em matéria de prescrição e decadência tributárias, compreendida nessa cláusula inclusive a fixação dos respectivos prazos. Conseqüentemente, padece de inconstitucionalidade formal o artigo 45 da Lei 8.212, de 1991, que fixou em dez anos o prazo de decadência para o lançamento das contribuições sociais devidas à Previdência Social. 2. Argüição de inconstitucionalidade julgada procedente. (AI no RECURSO ESPECIAL Nº 616.348 - MG (2003/0229004-0) RELATOR : MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI – Documento: 3324508 - EMENTA / ACORDÃO - Site certificado - DJ: 15/10/2007 Página 1 de 2).”

No mesmo sentido, o Tribunal Superior do Trabalho, competente para executar as

contribuições previdenciárias decorrentes de sentenças trabalhistas, declarou a

inconstitucionalidade do dispositivo citado:

“PROC: RR - 360/2004-021-24-00; PUBLICAÇÃO: DJ - 09/03/2007; PROC. Nº TST-RR-360/2004-021-24-00.3C:A C Ó R D Ã O; 6ª Turma GMHSP/me/ev RECURSO DE REVISTA. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. PRAZO DECADENCIAL Com efeito, estabelece o art. 146 da Constituição Federal: Art. 146. Cabe à lei complementar: I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar; III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas. (g.n.) Portanto, a Constituição Federal regra que somente mediante lei complementar podem ser reguladas normas gerais em matéria de legislação tributária, incluídos os temas obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários. A aludida norma constitucional preserva o sistema federativo, definindo que matérias relevantes para o Estado somente sejam tratadas por lei que apresente um quorum qualificado. Nesse sentido, inequívoca a ofensa ao referido dispositivo constitucional quando a norma que versar sobre decadência não for lei complementar. In casu, a Lei n. 8.212/1991 trata-se de lei ordinária e não de lei complementar, razão pela qual, por conseguinte, não poderia regrar acerca da decadência. Ora, havendo expressa determinação constitucional de que somente a lei complementar pode regular as hipóteses supracitadas, revela-se inconstitucional o dispositivo que as disciplina inserido em lei que não possui tal natureza. Pelo exposto, declaro incidentalmente a inconstitucionalidade do art. 45 da Lei n. 8.212/1991 em razão de afronta formal ao art. 146 da Constituição Federal. [...] Ante o exposto, não conheço do recurso de revista. ISTO POSTO ACORDAM os Ministros da Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, não conhecer do recurso de revista. Brasília, 13 de dezembro de 2006. HORÁCIO SENNA PIRES Ministro Relator Ciente: Representante do Ministério Público do Trabalho”.

No Supremo Tribunal Federal, alguns ministros direcionaram ao Plenário daquela corte a

matéria, tendo sido determinada a suspensão de envio de Recursos Extraordinários e Agravos de

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Instrumento por parte dos tribunais sobre prazo prescricional em contribuições previdenciárias

(questão de ordem no Recurso Extraordinário nº 556664) até que aquela Corte aprecie e decida a

matéria.

Como foi possível perceber, independente ainda da questão sobre as funções da lei

complementar em nosso sistema constitucional, a definição sobre a expressão norma geral pode,

muitas vezes, definir a própria validade de determinadas normas (ordinárias, por exemplo).

Dessa forma, a definição do termo norma geral dependerá, por vezes, da utilização da

lógica, seja na abordagem dos destinatários da norma, seja na abordagem do seu conteúdo.

Em conclusão, muito embora aqui contrariando a tendência jurisprudencial, normas

federais, estaduais ou municipais podem tratar especificamente de temas relacionados à parte geral

do direito tributário (prescrição, decadência, lançamento), desde que se limitem ao seu plano de

competência. Se a intenção for vincular as três esferas da federação, a lei deverá ser complementar

e de caráter nacional.

Ou ainda, em outro giro, pode-se perceber que, se cabe à União Federal, de forma

concorrente, promulgar normas gerais de direito tributário (nos termos do art. 24, inciso I e § 1º da

CF/88), ela o fará sempre mediante lei complementar (se se tratar de norma geral de direito

tributário). Tratar-se-ão de lei nacionais que deverão ser atendidas pelos entes da federação, salvo

utilização da competência suplementar dos Estados (§ 2º).

I.3.

Nossa análise, até agora, limitou-se ao principal aspecto do que é uma norma geral, qual

seja, a partir da lógica semântica e a partir da perspectiva do destinatário. Ainda no contexto

semântico, e a teologia poderá ser importantíssima mais adiante, a outra perspectiva relevante é a

do conteúdo do dispositivo normativo.

I.3.1.

Aqui, contudo, devemos esclarecer alguns pontos de partida. A menção à expressão

conteúdo do dispositivo normativo não deve corroborar a idéia da hermenêutica tradicional, que

trabalha a partir da propriedade de os termos da linguagem (textos normativos) apontarem para

elementos da natureza, das coisas ou das idéias, permitindo que sujeitos cognoscitivos assimilem

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ou alcancem seu conteúdo preexistente. Ou seja, de que esses textos normativos carregam em si

elementos que apontam para significações.

Nosso esforço teórico sempre foi o de evitar enfoques baseados em: (i) noções jurídicas

universais5; (ii) teorias essencialistas, seja na formação da linguagem, seja em sua interpretação

(crítica da linguagem como representação).6 Na formação, como “crença de que a língua é um

instrumento que designa a realidade, donde a possibilidade de os conceitos lingüísticos refletirem

uma presumida essência das coisas” [Ferraz Jr, 1980:34]. Na interpretação, como crença na

possibilidade de fixar significados aos conceitos.

Porém, conforme adiante se verá, a linguagem funciona em seus usos, não cabendo, assim,

cogitar dos significados das palavras, mas de suas funções práticas.

Assim, será insuficiente um enfoque que:

(i) pretenda determinar significados universais e ideais aos textos normativos; (ii) pretenda, ao evidenciar a contingência e a historicidade no uso da linguagem, elaborar séries de pautas e métodos de interpretação que gerariam, por assim dizer, um perfil, uma série ideal de aplicação normativa; (iii) alegue dar conta da metódica jurídica de maneira autônoma como indagação “puramente jurídica”, isto é, apenas a partir da tecnicidade profissional, sem incluir as suas condições “políticas” (sociais) – como fazem o positivismo e as práticas neopositivas, v.g. sob o lema da “tecnocracia” [MÜLLER, 1995:23].

No caso específico da interpretação jurídica (em seu sentido mais amplo), esse enfoque

aponta, basicamente, para a constatação (ou a hipótese) da interpretação como processo criativo-

decisório, que se refere antes a adestramentos do que a processos de compreensão mental.

I.3.2.

Feita essa breve digressão metodológica, pode-se justificar o uso que fazemos da lógica

semântica, qual seja, uma norma geral de direito tributário também pode ser assim definida

quanto ao objeto de sua prescrição. Em outros termos, além do direcionamento aos entes da 5 Conforme ensina Eros GRAU “[...] impõe-se distinguirmos o discurso que trata do direito no plano das abstrações daquele que dele cogita como realidade(s) concreta(s). É que não existe, concretamente, o direito; apenas existem, concretamente, os direitos” in O direito posto e o direito pressuposto. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2002b, p. 19-21. 6 Sobre o essencialismo, Tercio FERRAZ assevera: “A possibilidade de se fornecer a essência do fenômeno confere segurança ao estudo e à ação. Uma complexidade não reduzida a aspectos uniformes e nucleares gera angústia, parece subtrair-nos o domínio sobre o objeto. Quem não sabe por onde começar, sente-se impotente e ou não começa ou começa sem convicção” [FERRAZ JR., Tercio Sampaio. A Ciência do Direito. São Paulo: Atlas, 1980, p. 34].

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República Federativa, uma norma geral deve tratar de temas que não sejam notadamente

específicos.

Os temas tratados no Livro II do CTN, por exemplo, são tipicamente objeto normas gerais,

já que referem-se às obrigações tributárias, às formas de lançamento tributários e, genericamente,

a institutos como o da remissão, anistia, isenção etc.

O maior problema aqui, cremos, não é o do conteúdo de uma regra geral (que, como tal,

deverá ser promulgada como lei complementar), mas o uso da função normativa por parte do

legislador complementar nacional no âmbito das competências tributárias dos entes da federação

de instituir impostos, já que compete à lei complementar estabelecer regras gerais com relação a

esses impostos, discriminados na Constituição (respectivos fatos geradores, bases de cálculo e

contribuintes).

Obviamente, veremos adiante, que independentemente da teoria adotada sobre o inciso III

do art. 149 (dicotômica ou tricotômica), esse exercício da competência do legislador nacional

nunca poderá ir além das regras de competência constitucional, previstas nos arts. 153, 155 e 156.

E aqui a questão se resolve pela simples hierarquia entre a Constituição e a lei complementar.

Nesse ponto, tendo em vista que as normas gerais nacionais devem ser leis

complementares quando se tratar de matéria tributária, convém melhor analisar as características

desse tipo de norma.

II. AS LEIS COMPLEMENTARES NO ÂMBITO TRIBUTÁRIO

Como se sabe, as leis complementares (previstas no art. 59 da CF/88) devem ser aprovadas

pela maioria absoluta do Congresso Nacional, conforme o art. 69 da CF/88.

No direito tributário ela desempenha várias funções, como a de criar certos tributos

(arts.148, 153, VII, 154, 195, § 4.º) e a de tornar mais detalhada a regulamentação de certos

impostos, cujas linhas mestras já são traçadas na CF (arts. 155, § 2.º, XII e 156, § 3.º).

Em um contexto mais geral, tem-se o disposto no art. 146 do texto constitucional. Nele,

textualmente, as três principais funções da Lei Complementar são: dispor sobre conflitos de

competência tributária entre os entes da federação (inciso I), regular as limitações constitucionais

ao poder de tributar (inciso II) e estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária

(inciso III, todos do art. 146).

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Tradicionalmente, os operadores do direito tributário preocupam-se em aumentar o campo

de exigência desse tipo de lei, seja para aumentar a representatividade político-democrático (e,

portanto, a dificuldade) na aprovação dessas normas, seja como forma de buscar a declaração de

nulidade de lei ordinárias tributárias.

Tanto no caso de previsões específicas, como as dos arts. 155 e 156, quanto na do art. 146,

problemática tem sido a aplicação desses textos normativos. Aliás, justamente em virtude das

diversas funções da lei complementar em assuntos tributários é que não poderá ser ela abordada de

forma unitária, até mesmo para abordar a questão da hierarquia ou não dessa fonte com relação à

lei ordinária7.

A partir das regras constitucionais, percebe-se que a utilização da lei complementar não é

simplesmente decidida pelo Poder Legislativo, mas decorre do próprio regramento constitucional,

conforme já aludido8.

Somente se pode falar em hierarquia entre normas (textos normativos) quando uma extrai

da outra o seu fundamento de validade, o que implica no fato de que as leis nacionais, as federais,

as estaduais e as municipais ocupam o mesmo nível, não preferindo às outras e encontrando sua

fonte de validade na própria constituição (Carraza, p. 95).

II.1

A primeira questão a se apresentar é a relativa às funções prescritas no art. 146, se seriam

as três que aparecem literalmente (teoria tricotômica) ou se somente duas (as dos incisos I e II – na

teoria dicotômica). Esse debate teórico mobilizou a doutrina nacional desde seu surgimento

enquanto discurso acadêmico.

7 ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 131. 8 Vale mencionar que o STF entende que quando a Constituição não menciona expressamente a expressão “lei complementar”, deve-se interpretar o texto constitucional como referindo-se a lei ordinária. Nesse sentido veja-se o RE 225.602 (DJ de 06.04.2001). Outro assunto, todavia, é o uso de lei complementar em matéria não reservada a ela, o que já foi objeto, inclusive, de análise pelo STF, no julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade n.º 1 (DJ 16.06.95). Leia-se o seguinte trecho Relator o Ministro Moreira Alves: “A jurisprudência desta Corte, sob o império da Emenda Constitucional nº 1/69 - e a Constituição atual não alterou esse sistema -, se firmou no sentido de que só se exige lei complementar para as matérias para cuja disciplina a Constituição expressamente faz tal exigência, e, se porventura a matéria, disciplinada por lei cujo processo legislativo observado tenha sido o da lei complementar, não seja daquelas para que a Carta Magna exige esta modalidade legislativa, os dispositivos que tratam dela se têm como dispositivos de lei ordinária.”.

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Antes de tratar dessa questão, contudo, vale lembrar que o Código Tributário Nacional

formalmente surgiu como lei ordinária (Lei 5.172, de 1966), mas é reconhecido como tendo sido

recepcionado com status de lei complementar (por força do art. 146, III da CF/88).

Veja-se, nesse sentido, o voto do Ministro Carlos Velloso, em seu voto na ADI 1.600:

“A lei complementar referida no art. 146 da Constituição, acima transcrito, é, basicamente, o Código Tributário Nacional. Certos tributos, especialmente os criados após o CTN, têm as suas leis complementares próprias, que se conjugam, nas linhas maiores, com a lei complementar básica, que é o CTN.”

Semelhante ao que aconteceu com o CTN, tem-se o caso do Decreto-lei 406/68, que

definiu as normas gerais relativas ao imposto sobre serviços. Em função da expressa exigência dos

art. 146, III, “a” e 156, III da Constituição, o plenário do Supremo Tribunal Federal, no

julgamento do RE 236.604, confirmou por decisão unânime o entendimento de que o referido

Decreto-lei foi recepcionado pela Constituição Federal com status de lei complementar.

Voltando ao tema, sobre a complexidade dele já a alertava Geraldo Ataliba, em sua obra de

1971, Lei Complementar na Constituição, tanto que deixou para outro momento abordar a questão

das normas gerais em matéria tributária, o que pôde ser feito de forma mais detida em 1989, na

conferência transcrita no artigo “Lei Complementar em Matéria Tributária”.

A clivagem entre essas duas correntes (dicotômica e tricotômica) pode bem ser apresentada

pela seguinte questão, sintetizada por Ávila: “Considerando que a Constituição Brasileira instituiu

uma Republica Federativa (art. 1º) que abrange as três esferas política e normativamente

autônomas (art. 18), como pode a União Federal editar uma lei complementar que determine as

hipóteses de incidência, as bases de cálculo e os contribuintes dos impostos dos Estados e dos

Municípios (art. 146, III, a)?” p. 134.

Os adeptos da teoria dicotômica responderão justamente apontando que a interpretação

sistemática entre os dispositivos citados determina a prevalência do princípio federativo e a

impossibilidade de atribuir à lei complementar a função que o inciso III prescrevera. No caso de

Geraldo Ataliba, a argumentação parte da idéia do caráter analítico e taxativo da constituição, que

teria enumerado todas as principais questões tributárias, de forma a ser despicienda a

complementação por uma norma, ainda que geral:

“Quero dizer que a Constituição parece, a meus olhos – e estou convicto disso – que tem duas características básicas e fundamentais: rígida e exaustiva. [...] a Constituição atribui

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exclusivamente ao Poder Legislativo a faculdade de exercitar a competência da pessoa jurídica da qual esse Legislativo seja órgão dentro dos campos das esferas que a própria Constituição traçou. Ora, se lermos com cuidado os arts. 153, 155 e 156, amos ver que em matéria de exigir impostos a Constituição foi tão minuciosa e axaustiva que deixou rigorosa, completa e liquidamente claro que qual é o campo de competência de cada um.[...] 88-91”

Daí a conclusão do autor, após analisar outras situações onde a Constituição teria sido

exaustiva, de que à lei complementar somente caberia repetir a Constituição. Além dessa

repetição, seriam elas inconstitucionais. Em outros termos, além da mera repetição, não teria

validade lei complementar que, a pretexto de ser norma geral nacional, complementasse regras de

competência ao legislador ordinários das unidades da federação; tratasse de regras sobre

obrigação, lançamento, prescrição e decadência.

De outro lado, os adeptos da teoria tricotômica, à luz da experiência jurisprudencial e até

mesmo se valendo do próprio texto normativo do inciso III do art. 146, aceitam a figura da lei

complementar como veículo formal compatível e necessário para fazer as vezes de textos

normativos de normas gerais de direito tributário.

Essa corrente compatibiliza o princípio federativo e essa função normativa complementar.

II.2.

Outro tema correlato é o da vinculação que alguns dispositivos constitucionais fazem ao

art. 146 da CF/88. Dois exemplos serão aqui tratados: o art. 149 da CF/88§ 4º e o art. 195 da

CF/88.

No caso do art. 149, há a competência exclusiva da União Federal para instituir

contribuições especiais, estando elas vinculadas ao aqui multicitado art. 146, inciso III da CF/88:

“Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto no artigo 146, III, e artigo 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no artigo 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.”

A interpretação corrente dessa vinculação sempre foi a de que as contribuições deveriam

ser criadas por lei complementar. Razões de sobra existem se atinarmos para o caráter analítico da

Constituição e a aparente facilidade para se criar contribuições e as possibilidades de desvio de

finalidade, mas nem sempre essas razões são suficientes para alterar regras constitucionais.

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Sobre as contribuições especiais, os últimos governos federais foram marcados por uma

série de medidas tributárias para melhorar a fiscalização e a arrecadação de receitas derivadas.

Sucessivamente, vários recordes de arrecadação foram anotados pela Receita Federal e pelo

Instituto Nacional do Seguro Social (antes da atual unificação em torno da Receita Federal do

Brasil). Foi promovido, ainda, um aumento não só da carga tributária, mas da concentração federal

dessa tributação, obtida por meio da majoração da alíquota ou da implementação de novas

contribuições, cujas receitas, constitucionalmente, não são repassadas, geralmente, aos Estados-

membros da Federação.

Historicamente, entretanto, as contribuições surgem no contexto da parafiscalidade e da

facilidade de sua criação (já que imune as rígidas regras tributárias e orçamentárias), aliada à

necessidade de rápida intervenção/atuação, seja ela social, econômica ou setorial

profissional/econômica. Outra vantagem na utilização dessa figura exacional é a desnecessidade

de repassar parte da receita arrecada aos Estados-membros, o que acarreta uma maior

concentração fiscal federal9.

No âmbito da Constituição Federal de 1988, a comissão constituinte responsável pela

elaboração do Sistema Tributário Nacional (arts. 145 a 162) buscou privilegiar a exaustividade das

competências tributárias para a implementação de impostos10 (arts. 153, 155 e 156) e buscou

limitar as competências extraordinárias e residuais (art. 154), prescrevendo, ainda, de maneira bem

detalhada várias limitações ao poder de tributar (arts. 150 a 152, sem prejuízo de outras garantias

asseguradas ao contribuinte).

Já a comissão encarrega dos trabalhos da constituinte relacionados à Ordem Social foi

outra, que caminhou no sentido de uma concretização de finalidades interventivas voltadas à

saúde, à assistência social e à previdência, flexibilizando a rigidez do sistema tributário nacional e

algumas garantias, como a da anterioridade11, impondo, ainda, a solidariedade do custeio da

seguridade social.

9 No sentido de entender as contribuições como figuras que tem o regime mas não a natureza jurídica tributária, ver Marco Aurélio GRECO, Contribuições (uma figura “sui generis”), São Paulo, Editora Dialética, 2000, pp. 69 e ss. O Supremo Tribunal Federal, entretanto, no RE 146.733 (Pleno, Relator Ministro Moreira Alves, DJ 6.11.92) e no RE 138.284 (Pleno, Relator Ministro Carlos Velloso) declarou a natureza tributária das contribuições, aliás, em geral, o critério tem sido mais topográfico do que jurídico. 10 Ver Humberto ÁVILA Sistema Constitucional Tributário, São Paulo, Editora Saraiva, 2004, p. 109 e ss. 11 O relato sobre o trabalho das duas comissões e as divergências e repercussões pode ser encontrado em José Roberto Rodrigues AFONSO e Érika Amorim ARAÚJO, “Contribuições Sociais, mas Antieconômicas” in Ciro BIDERMAN & Paulo ARVATE, Economia do Setor Público no Brasil, Rio de Janeiro, Editora Elsevier, 2004, p. 271 e ss.

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Além disso, deve-se ressaltar a diminuição da arrecadação de impostos da União, como o

imposto de renda (IR) e o imposto sobre produtos industrializados (IPI) – impostos repassados aos

Estados e municípios – e o crescente índice de arrecadação das contribuições – tributos não

repassados aos demais membros da federação e que, a partir 199312, podem ter suas receitas

acumuladas empregadas em outros setores que não aqueles previstos constitucional e legalmente.

Essa crescente arrecadação de contribuições, em detrimento daqueles impostos repassados

aos outros entes da federação, acarretou uma concentração federal.

Há, ainda, com relação às contribuições de intervenção no domínio econômico (CIDE‟s),

um verdadeiro processo de redescoberta dessa figura exacional pelos governos federais.

Recentemente, foram criadas as seguintes contribuições de intervenção no domínio econômico:

(i) contribuição para a pesquisa e desenvolvimento do Setor Elétrico e para

Programas de Eficiência Energética no Uso Final (Lei 9.991/2000 com alterações da Lei

10.438/2002)13;

(ii) contribuição para o Fundo de Universalização dos Serviços de

Telecomunicações – FUST (Lei 9.472/1997, Lei 9.998/2000)14;

(iii) contribuição ao Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das

Telecomunicações – FUNTTEL (Lei 9.472/1997, Lei 10.052/2000)15;

(iv) contribuição para o financiamento do Programa de estímulo à interação

universidade-empresa (Lei 10.168/2000 e Lei 10.332/2001);

(v) contribuição para o desenvolvimento da indústria cinematográfica

nacional (Medida Provisória nº 2.228/2001 e Lei 10.454/2002);

12 Fundo de Estabilização Fiscal (FEF) e, depois, Desvinculação da Receita da União (DRU). Nesse sentido, ver José Roberto Rodrigues AFONSO e Érika Amorim ARAÚJO, “Contribuições Sociais, mas Antieconômicas” cit, p. 273. 13 Vide Ricardo Mariz de OLIVEIRA, “Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico – Concessionárias, Permissionárias e Autorizadas de Energia Elétrica – „Aplicação‟ Obrigatória de Recursos (Lei 9.991)” in Marco Aurélio GRECO, Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico e Figuras Afins, São Paulo, Editora Dialética, 2001, pp. 375-431 e Paulo Roberto Lyrio PIMENTA, Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico, São Paulo, Editora Dialética, 2002, pp. 110-112. 14 Sobre essa contribuição, vide Natanael MARTINS “As Contribuições ao FUST e ao FUNTTEL” in Marco Aurélio GRECO, Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico e Figuras Afins cit., São Paulo, Editora Dialética, 2001, pp. 345-356 e Paulo Roberto Lyrio PIMENTA, Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico cit., pp. 110-112. 15 Paulo Roberto Lyrio PIMENTA, Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico cit., pp. 112-114.

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(vi) contribuição de intervenção no domínio econômico incidente sobre a

importação e a comercialização de petróleo e seus derivados (Lei nº 10.336/2001).

Além dessas, há projetos de lei propondo a criação de outras CIDE‟S para:

(i) financiar projetos de infra-estrutura nas áreas de atuação da

Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia – SUDAM e da Superintendência do

Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE (Projeto de Lei (CD) 03678, de 2000, de autoria do

Executivo Federal);

(ii) contribuição ao Fundo de compensação de competitividade nas

importações (Projeto de Lei 4.817/1998);

(iii) Fundo de financiamento de ações de tratamento aos doentes vítimas

de alcoolismo (Projeto de Lei Complementar nº 121/2000);

(iv) Fundo de financiamento de ações de tratamento de doentes vítimas do

fumo, cigarro e tabaco (Projeto de Lei Complementar nº 139/2000)16;

Assim, mediante a listagem das recentes contribuições interventivas criadas, bem como das

possíveis vindouras, percebe-se a crescente utilização dessa forma de arrecadação.

A doutrina tributária, tão apegada à enumeração exaustiva de todos os limites da

competência impositiva e dos elementos da obrigação fiscal, logo ressaltou a ausência de maiores

detalhes quanto às contribuições, e o Poder Executivo, justamente diante desse pano de fundo, tem

preferido aumentar sua tributação por meio dessa figura exacional. Lembre-se, ainda, que não há

no Código Tributário Nacional brasileiro maiores especificações sobre os limites e as

características das contribuições.

O Supremo Tribunal Federal (STF), que já desenvolveu sólida construção jurisprudencial

acerca de impostos e taxas, tem se deparado cada vez mais com processos questionando a validade

dessas contribuições. Do ponto de vista formal, a principal questão recaía sobre a mencionada

necessidade ou não de lei complementar (nos moldes do artigo 146, inciso III da Constituição

Federal de 1988).

Como mencionado em parágrafos acima, os tributaristas viam na vinculação entre o art.

149 e o 146, inciso III, a determinação de que somente uma lei complementar poderia traçar os

parâmetros das contribuições, incluindo seus principais aspectos. 16 Essa lista de projetos de lei aparece no artigo de Natanael MARTINS “As Contribuições ao FUST e ao FUNTTEL” cit., p. 347.

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A outra possível interpretação é a de que o art. 149 consagra o entendimento de que as

contribuições, no sistema de 1988, devem estar sob o regime constitucional tributário e que, como

tal, devem obedecer às regras gerais expostas no CTN.

A corroborar tal entendimento, a menção no art. 146, inciso III de que cabe a uma lei

complementar estabelecer normas gerais de direito tributário, daí a locução especialmente sobre:

“definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta

Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes”.

Em outros termos, o art. 149 prescreveria a vinculação das contribuições ao CTN e

eventuais leis complementares posteriores que estabelecerem normas gerais de direito tributário.

E. de fato, não se nega que a parte geral do CTN, Livro II, por exemplo, é plenamente aplicável às

contribuições atualmente existentes (ressalvada a questão aqui debatida acerca das regras

específicas de prescrição e decadência).

Sobre essa questão o STF teve oportunidade de se deter, em uma decisão nem sempre tão

comentada, que definiu a possibilidade de criação de uma CIDE por lei ordinária no julgamento da

contribuição ao SEBRAE (RE396.266):

“EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO: SEBRAE: CONTRIBUIÇÃO DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO. Lei 8.029, de 12.4.1990, art. 8º, § 3º. Lei 8.154, de 28.12.1990. Lei 10.668, de 14.5.2003. C.F., art. 146, III; art. 149; art. 154, I; art. 195, § 4º. I. - As contribuições do art. 149, C.F. - contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse de categorias profissionais ou econômicas - posto estarem sujeitas à lei complementar do art. 146, III, C.F., isto não quer dizer que deverão ser instituídas por lei complementar. A contribuição social do art. 195, § 4º, C.F., decorrente de "outras fontes", é que, para a sua instituição, será observada a técnica da competência residual da União: C.F., art. 154, I, ex vi do disposto no art. 195, § 4º. A contribuição não é imposto. Por isso, não se exige que a lei complementar defina a sua hipótese de incidência, a base imponível e contribuintes: C.F., art. 146, III, a. Precedentes: RE 138.284/CE, Ministro Carlos Velloso, RTJ 143/313; RE 146.733/SP, Ministro Moreira Alves, RTJ 143/684. II. - A contribuição do SEBRAE - Lei 8.029/90, art. 8º, § 3º, redação das Leis 8.154/90 e 10.668/2003 - é contribuição de intervenção no domínio econômico, não obstante a lei a ela se referir como adicional às alíquotas das contribuições sociais gerais relativas às entidades de que trata o art. 1º do D.L. 2.318/86, SESI, SENAI, SESC, SENAC. Não se inclui, portanto, a contribuição do SEBRAE, no rol do art. 240, C.F. III. - Constitucionalidade da contribuição do SEBRAE. Constitucionalidade, portanto, do § 3º, do art. 8º, da Lei 8.029/90, com a redação das Leis 8.154/90 e 10.668/2003. IV. - R.E. conhecido, mas improvido.” DJ 27-02-2004 p. 22”.

Este excerto demonstra também o entendimento do STF no que se refere à aplicabilidade

da letra “b” do inciso III do art. 146 da Constituição às contribuições, já que definiu-se que a

exigência de determinação da base de cálculo, contribuinte, fato gerador caberia somente aos

impostos, conforme disposto literalmente.

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109

II.3.

Com relação ao art. 195, § 4º (novas contribuições da seguridade social17) ou criação de

contribuições já previstas especificamente na Constituição, quando do julgamento do RE 146.733

(DJ 06.11.92) e do RE 138.284 (DJ 28.08.92), ambos relativos à instituição da Contribuição

Social sobre o Lucro pela Lei 7.689/88, o STF utilizou dois argumentos principais para justificar a

desnecessidade de utilização de lei complementar para instituir as contribuições previstas nos

incisos do art. 195 da Carta Magna: (i) a própria Constituição Federal já definiu quais seriam os

sujeitos passivos, as bases de cálculo e os fatos geradores das contribuições previstas nos incisos

do art. 195 e (ii) as contribuições lá previstas, por não terem natureza jurídica de “impostos”, não

estão sujeitas ao disposto no art. 146, III, “a”, o qual alude expressamente a tal espécie tributária.

Somente as contribuições sociais “novas”, criadas pela União Federal para garantir a manutenção

ou a expansão da seguridade social (art. 195, § 4.º), exigem lei complementar para sua instituição,

como restou confirmado no RE 166.772 (DJ 16.12.94, Relator o Ministro Marco Aurélio).

Contudo, apesar de declararem a desnecessidade da instituição das contribuições dos

incisos do art. 195 por meio de lei complementar, o Supremo Tribunal Federal advertiu

expressamente, nos termos do voto do Ministro Carlos Velloso no RE 138.284:

“Todas as contribuições, sem exceção, sujeitam-se à lei complementar de normas gerais, assim ao CTN (art. 146, III, ex vi do disposto no art. 149). Isto não quer dizer que a instituição dessas contribuições exige lei complementar: porque não são impostos, não há exigência no sentido de que os seus fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes estejam definidos em lei complementar (art. 146, III, a). A questão da prescrição e da decadência, entretanto, parece-me pacificada. É que tais institutos são próprios da lei complementar de normas gerais (art. 146, III, “b”). Quer dizer, os prazos de decadência e de prescrição inscritos na lei complementar de normas gerais (CTN) são aplicáveis, agora, por expressa previsão constitucional, às contribuições parafiscais (CF, art. 146, III, b; art. 149).”

Por fim, algumas palavras podem ser ditas sobre o exercício da função legislativa

complementar e a invasão de competência dos demais entes da federação (Estados, Distrito

Federal e Municípios).

17 “Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: (...) § 4º A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no artigo 154, I.”

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III. A COMPETÊNCIA DO LEGISLADOR FEDERAL; A EDIÇÃO DE NORMAS NACIONAIS E FEDERAIS

E A AUTONOMIA DOS ESTADOS E MUNICÍPIOS.

Em relação aos impostos discriminados na Constituição Federal, cabe à lei complementar

definir seus fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes, conforme determina o art. 146, III, a

do texto constitucional. Contudo, em relação ao IPVA, o STF considerou que a ausência de lei

complementar não é óbice para a instituição e cobrança do imposto por parte dos Estados da

federação.

Parte considerável da doutrina chama a atenção para abusos do legislador nacional. Um

bom exemplo disso é no caso do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS).

Há duas previsões no art. 156 de utilização necessária de lei complementar. Veja-se:

“Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: [...] III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no artigo 155, II, definidos em lei complementar. [...] § 3º Em relação ao imposto previsto no inciso III, cabe à lei complementar: I - fixar as suas alíquotas máximas e mínimas; II - excluir da sua incidência exportações de serviços para o exterior. III - regular a forma e as condições como isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.”

A questão mais comentada é a dos serviços que devem ser alcançados pelo imposto. Os

estudos vão desde a expressão definidos em lei complementar (se definido ou previsto em) até o

caráter taxativo ou exemplificativo da lista.

Sobre esse último aspecto, por exemplo, há casos nos quais o texto normativo tributário se

refere, num mesmo dispositivo, a vários fatos como aptos a justificar uma incidência fiscal.

Motivos de política recomendam a referência não só a conceitos/tipos jurídicos, mas também a

uma série de circunstâncias que lhe determinem o sentido.

Não raras vezes, faz-se referência a um conceito (faturamento no art. 2º da Lei nº 9.718/98)

e, após, vê-se sua definição em termos mais precisos (art. 3º da mesma lei, por exemplo). No

exemplo citado, inclusive, indo-se além do que até então se definia como faturamento, englobando

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111

outros ingressos não operacionais e determinando que se desconsidere, para tanto, a própria

classificação contábil.18

Outras vezes, no entanto, o legislador menciona vários fatos, entre si aproximados por um

certo número de caracteres comuns, de modo a fazer com que o conjunto listado pareça compor

uma categoria determinada. Nesse caso, costuma-se dizer que se utilizou de uma forma de

enumeração exemplificativa.

Em outros termos, ao intérprete é justificado considerar incluídos, no âmbito da relação,

“outros tantos fatos, circunstâncias, objetos ou situações que, embora não previstos expressamente

na lei, se incorporam, ou compreendem na categoria genérica que a enumeração indica” [FALCÃO,

1993:69].

Há outras situações, ao contrário, em que a lista de fatos descritos na hipótese de

incidência abstrata é exaustivamente tratada, daí a referência à expressão “enumeração taxativa”.

Essa declaração, se se trata de lista taxativa ou exemplificativa, é uma interpretação e, como tal,

comporta uma criação de sentido e não raramente vai parar no Judiciário.

Alguns fatores podem ser apontados como aptos a justificar a interpretação de que está se

tratando de uma lista taxativa e não de uma exemplificativa. Às vezes, é o próprio texto normativo

que assim o declara. Nesses casos, a dúvida fica restrita tão-somente à “interpretação horizontal”

dessa lista, ou seja, sobre a extensão de cada fato descrito abstratamente.

Noutros casos, a enumeração é considerada taxativa em torno de uma construção

doutrinária e jurisprudencial, e não por expressa menção normativa. Esse foi o caso da lista de

serviços do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS). Reiteradas vezes, o Supremo

Tribunal Federal se manifestou sobre a taxatividade da lista de serviços (anteriormente contida nas

Leis Complementares 56/87 e 100/99).19 Há de se lembrar, todavia, que o mesmo STF declarou

18 Vale lembrar que o STF declarou, por maioria de votos, a inconstitucionalidade do § 1º do art. 3º da Lei nº 9.718/98 nos Recursos Extraordinários (REs) 357.950, 390.840, 358.273 e 346.084, justamente por considerar que aquele parágrafo prescrevia algo além da noção de faturamento. 19 RE nº 71.177/SP, plenário, rel. Min. Rodrigues Alckmin, RTJ:70/121 (ac. de 18.4.74); RE nº 77.183/SP, plenário, rel. Min. Aliomar Baleeiro, RTJ:73/490 (ac. de 19.4.74). Roque Antônio CARRAZZA, Curso de Direito Constitucional Tributário. 13. ed. São Paulo: Malheiros:601-605, entretanto, manifesta-se contrariamente a essa posição, tendo em vista limitar a competência tributária municipal. No mesmo sentido, Souto Maior BORGES “Aspectos fundamentais da competência municipal para instituir o ISS: do Decreto-Lei nº 406/68 à LC nº 116/2003 (à memória de Geraldo Ataliba)”. In TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.). Imposto sobre Serviços: ISS na Lei Complementar n. 116/03 e na Constituição. São Paulo: Manole, 2004.

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que a taxatividade da lista de serviços não impõe, contudo, que não se possa aplicar a

interpretação ampla e analógica (o que será tratado mais adiante).

Esse assunto é objeto de disputas acirradas na doutrina, tendo em vista o conflito entre a

competência municipal para instituir o imposto sobre serviços (arts. 30, III, e 156, III, da CF) e a

competência do legislador nacional de, por meio de lei complementar, definir a lista de quais são

os serviços tributáveis (arts. 146, I, e 156, III, da CF).20

A Lei Complementar 116/2003, que atualmente dispõe sobre o ISS, prescreve não somente

a lista dos serviços que sofrem a incidência do imposto municipal, mas também todos os aspectos

relevantes do ISS, tais como contribuintes, responsáveis tributários, base de cálculo (deduções e

não-incidências), isenções que deverão ser promulgadas etc.

Aqueles que defendem a legitimidade do diploma, afirmam que essa regulamentação

viabiliza a uniformidade nacional, afinal existem mais de 5000 municípios. Ao contrário, os que

discordam, alegam justamente a quebra do pacto federativo, entendendo tratar-se de uma invasão

da competência municipal.

III.1.

De forma geral, portanto, tratamos dos pontos mais polêmicos da competência legislativa

em matéria tributária, quais sejam: as normais gerais em matéria tributária, as características da lei

complementar em matéria fiscal e a existência de leis nacionais tributárias confrontada com a

questão da autonomia dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Trata-se de matéria polêmica, de ampla repercussão e interesse nacionais e com muitas

decisões judiciais.

Referências Bibliográficas

ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de, Competências na Constituição de 1988, São Paulo, Atlas,

1991

20 Sobre as características básicas da lista e serviços e algumas polêmicas envolvidas nos serviços listados, ver, por todos, José Eduardo Soares de MELO. Aspectos teóricos e práticos do ISS. São Paulo: Dialética, 2000, 45 e ss.

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113

BORGES, José Souto Maior. “Eficácia e hierarquia da lei complementar”, Revista de Direito

Público, tomo 6, volume 25. São Paulo, 1995.

BORGES, José Souto Maior. Lei complementar tributária. São Paulo: RT, EDUC, 1975.

FERRAZ Jr, Tercio Sampaio, “Normas Gerais e Competência Concorrente – Uma Exegese do

Art. 24 da Constituição Federal”, Revista Trimestral de Direito Público nº 7, São Paulo,

Malheiros, 1994, pp. 16-20.

FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. “Normas gerais e competência concorrente”, Revista da

Faculdade de Direito da USP. São Paulo, v. 90, 1995.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Do Processo Legislativo, 4ª ed. São Paulo: Saraiva,

2001.

LEAL, Victor Nunes. “Leis complementares da Constituição”, Revista de Direito Administrativo,

v.7, p. 379-394, jan./mar. 1947.

LEAL, Victor Nunes. “Leis municipais”, Revista de Direito Administrativo, v.16, p. 376-388,

abr./jun. 1949.

LEAL, Victor Nunes. “Restrições à autonomia municipal”, Revista de Direito Administrativo,

v.17, p. 462-465, jul./set. 1949.

LEAL, Victor Nunes. “Restrições à autonomia municipal”, Revista de Direito Administrativo,

v.18, p. 384-400, out./dez. 1949.

LEAL, Victor Nunes. “Alguns problemas municipais face da Constituição”, Revista Forense,

vol.147, n. 599/650, p. 9 a 19, maio./jun. 1953.

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4. PARECERES

4.1. Parecer nº 01 - PRONASCI

Parecer nº 01 - PRONASCI1

São Paulo, 16 de agosto de 2007

Exmo. Sr. Pedro Vieira Abramovay

DD. Secretário de Assuntos Federativos do Ministério da Justiça

Ref. Consulta sobre o Projeto de Lei Orgânica Nacional da Polícia Civil

A competência da União para legislar sobre a organização, garantias, direitos e deveres

das polícias civis está assegurada no artigo 24, XVI da Constituição de 1988. Como determina o

parágrafo 1º deste mesmo artigo 24, a União deve se limitar a estabelecer normas gerais. Em

princípio, a proposta de uma Lei Orgânica Nacional da Polícia Civil nada mais seria do que

atender ao disposto no já referido artigo 24, XVI da Constituição.

No entanto, poderiam surgir algumas questões, advindas do fato de as polícias civis

serem de responsabilidade essencialmente estadual (artigo 144, §4º da Constituição) e dos limites

que uma norma geral nacional sobre a organização das polícias civis deveria seguir sem violar as

competências estaduais sobre o assunto. Nenhuma outra argumentação teria fundamento

constitucional, como a de ser inconstitucional uma lei nacional que estruture uma carreira

eminentemente estadual, sob pena de serem inconstitucionais, caso fosse verdadeiro este

argumento, a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Lei Complementar nº 35, de 14 de março de

1979), a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei nº 8.625, de 12 de fevereiro de 1993) e

a Lei da Defensoria Pública (Lei Complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994), que dispõem

sobre diretrizes gerais para a organização estadual destas carreiras.

A definição do que seria uma norma geral é das mais complexas em direito

constitucional, pois há sempre o risco de se ultrapassar os limites das competências definidas

constitucionalmente. Após leitura e análise do Projeto de Lei Orgânica Nacional da Polícia Civil,

bem como de sua comparação com as leis nacionais que estipulam diretrizes gerais para a

1 Original encaminhado por e-mail em 16/08/2007 ao senhor Dr. Pedro Vieira Abramovay.

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organização das carreiras na magistratura, Ministério Público e Defensoria Pública em todo o país,

entendo que, neste caso, o mais conveniente é seguir a orientação exposta por Tercio Sampaio

Ferraz Jr, em seu texto “Normas Gerais e Competência Concorrente – Uma Exegese do Art. 24 da

Constituição Federal” (Revista Trimestral de Direito Público nº 7, São Paulo, Malheiros, 1994).

Para este autor, a expressão “normas gerais” exige que seu conteúdo seja analisado de maneira

teleológica. Deste modo, as “normas gerais” devem se reportar ao interesse fundamental da ordem

federativa. No caso brasileiro, o Sistema Único de Segurança Pública exige a colaboração de todos

os entes federativos, dentro de suas respectivas atribuições constitucionais, para a promoção de

uma política nacional de segurança pública. Ou seja, neste contexto, existe a necessidade de

uniformização de certos interesses como base desta cooperação federativa, necessidade esta

fundada constitucionalmente no artigo 24, XVI. A estruturação, a partir de uma lei nacional, da

carreira e atribuições das polícias civis, conforme estabelecido no texto do Projeto de Lei Orgânica

Nacional da Polícia Civil não ultrapassa, em meu entendimento, os limites da competência de

legislar sobre normas gerais atribuída à União pelo artigo 24, §1º da Constituição de 1988,

seguindo o modelo de estruturação de carreiras essenciais do Estado brasileiro por meio de norma

geral da União já adotado no país para o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria

Pública.

Prof. Dr. Gilberto Bercovici

Prof. Líder Grupo de Pesquisa Federalismo

Doutor em Direito do Estado e Livre-Docente em Direito Econômico pela Faculdade de Direito da

USP

Professor Associado Pleno do Programa de Pós-Graduação em Direito Político e Econômico da

Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Professor Associado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo

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4.2. Parecer nº 02: Regulamentação de Atividade de Mídia Exterior

São Paulo, 16 de outubro de 2007

Parecer nº 02: Regulamentação de Atividade de Mídia Exterior1

Exmo. Sr. Pedro Vieira Abramovay

DD. Secretário de Assuntos Federativos do Ministério da Justiça

Ref. Consulta sobre a possibilidade de edição de lei federal regulamentando a atividade de

mídia exterior (nos moldes da Lei Cidade Limpa paulistana - Lei Municipal nº 14.223, de 26

de setembro de 2006).

A Lei Municipal nº 14.223, de 26 de setembro de 2006 do Município de São Paulo,

conhecida como "Lei Cidade Limpa" tem gerado uma série de polêmicas sobre sua

constitucionalidade. A finalidade da lei municipal paulistana é ordenar a paisagem urbana, a partir

de uma série de objetivos e diretrizes, especificados em seus artigos 3º2 e 4º3. Neste contexto, a

grande crítica que se fez à referida lei foi a de ter supostamente violado o princípio constitucional

da livre iniciativa (artigos 1º, IV e 170, caput, da Constituição de 1988). 1 Original encaminhado por e-mail em 17/10/2007 ao senhores Drs. Pedro Vieira Abramovay e Felipe de Paula 2 "Art. 3º Constituem objetivos da ordenação da paisagem do Município de São Paulo o atendimento ao interesse público em consonância com os direitos fundamentais da pessoa humana e as necessidades de conforto ambiental, com a melhoria da qualidade de vida urbana, assegurando, dentre outros, os seguintes: I - o bem-estar estético, cultural e ambiental da população; II - a segurança das edificações e da população; III - a valorização do ambiente natural e construído; IV - a segurança, a fluidez e o conforto nos deslocamentos de veículos e pedestres; V - a percepção e a compreensão dos elementos referenciais da paisagem; VI - a preservação da memória cultural; VII - a preservação e a visualização das características peculiares dos logradouros e das fachadas; VIII - a preservação e a visualização dos elementos naturais tomados em seu conjunto e em suas peculiaridades ambientais nativas; IX - o fácil acesso e utilização das funções e serviços de interesse coletivo nas vias e logradouros; X - o fácil e rápido acesso aos serviços de emergência, tais como bombeiros, ambulâncias e polícia; XI - o equilíbrio de interesses dos diversos agentes atuantes na cidade para a promoção da melhoria da paisagem do Município." 3 "Art. 4º Constituem diretrizes a serem observadas na colocação dos elementos que compõem a paisagem urbana: I - o livre acesso de pessoas e bens à infra-estrutura urbana; II - a priorização da sinalização de interesse público com vistas a não confundir motoristas na condução de veículos e garantir a livre e segura locomoção de pedestres; III - o combate à poluição visual, bem como à degradação ambiental; IV - a proteção, preservação e recuperação do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico, de consagração popular, bem como do meio ambiente natural ou construído da cidade; V - a compatibilização das modalidades de anúncios com os locais onde possam ser veiculados, nos termos desta lei; VI - a implantação de sistema de fiscalização efetivo, ágil, moderno, planejado e permanente."

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Em meu entendimento, não houve violação do princípio constitucional da livre iniciativa.

Não só o Município pode legislar sobre direito econômico (artigo 24, I da Constituição de 1988)4,

como a concepção de livre iniciativa alçada, conjuntamente com a valorização do trabalho

humano, à categoria de fundamento da República e da ordem econômica constitucional não é a

concepção absolutizada por seus mais ferrenhos defensores5. A livre iniciativa, como fundamento

constitucional indissociável do valor social do trabalho, não pode ser reduzida, no sistema

constitucional brasileiro, à liberdade econômica ou à liberdade de iniciativa econômica. Esta é

uma das faces da livre iniciativa, mas não a única, dado que a própria Constituição de 1988

protege e garante outras formas de produção, individuais ou coletivas, como a iniciativa

cooperativa (artigo 5º, XVIII e artigo 174, §§3º e 4º) e a iniciativa pública (artigos 173 e 177, por

exemplo). O objetivo da livre iniciativa como fundamento da ordem econômica é a garantia da

legalidade econômica, isto é, da não sujeição do agente econômico a qualquer restrição estatal

senão em virtude de lei6. Neste sentido, não vejo qualquer incompatibilidade entre a Lei Municipal

nº 14.223/06 e o princípio constitucional da livre iniciativa.

A "Lei Cidade Limpa", em minha opinião, é constitucional, configurando uma

regulamentação do exercício do poder de polícia do Município de São Paulo na ordenação da

paisagem urbana, dentro dos parâmetros constitucionais, especialmente os relativos às

competências municipais (artigo 30 da Constituição) e à execução de uma política de

desenvolvimento urbano (artigo 182), cujas diretrizes gerais estão fixadas na Lei nº 10.257, de 10

4 Esta opinião, que considero mais apropriada ao sistema constitucional de 1988, é também a de, entre outros, Fernanda Menezes de Almeida, ao entender que, apesar de não constarem expressamente no artigo 24, os Municípios não foram excluídos da repartição de competências concorrentes. Para esta autora, a titularidade dos Municípios está garantida pelo artigo 30, II da Constituição, que dá competência aos Municípios para legislarem de maneira suplementar no que lhes couber. Vide Fernanda Dias Menezes de ALMEIDA, Competências na Constituição de 1988, São Paulo, Atlas, 1991, pp. 80, 125, 139 e 167-171. Especificamente em relação ao direito econômico, vide Giovani CLARK, O Município em Face do Direito Econômico, Belo Horizonte, Del Rey, 2001, pp. 94-102. Em sentido contrário, vide Tercio Sampaio FERRAZ Jr, “Normas Gerais e Competência Concorrente – Uma Exegese do Art. 24 da Constituição Federal”, Revista Trimestral de Direito Público nº 7, São Paulo, Malheiros, 1994, pp. 19-20. 5 Sobre este debate, vide o excelente trabalho desmistificador de Cláudio Pereira de SOUZA Neto & José Vicente Santos de MENDONÇA, "Fundamentalização e Fundamentalismo na Interpretação do Princípio Constitucional da Livre Iniciativa" in Cláudio Pereira de SOUZA Neto & Daniel SARMENTO (coords.), A Constitucionalização do Direito: Fundamentos Teóricos e Aplicações Específicas, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2007, pp. 709-741. 6 Cf. Eros Roberto GRAU, A Ordem Econômica na Constituição de 1988 (Interpretação e Crítica), 8ª ed, São Paulo, Malheiros, 2003, pp. 180-188.

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118

de julho de 2001 (o "Estatuto da Cidade") e específicas no Plano Diretor do Município de São

Paulo7.

A elaboração de legislação federal regulamentando a atividade de mídia exterior (nos

moldes da "Lei Cidade Limpa" paulistana) é, ao meu ver, inconstitucional. A competência

constitucional para legislar sobre direito urbanístico é, também segundo o artigo 24, I da

Constituição, concorrente. Ou seja, a União tem a competência de estabelecer as "normas gerais",

como o "Estatuto da Cidade", entre outras8. No entanto, embora a preservação do meio-ambiente,

do patrimônio histórico, cultural e artístico e o combate à poluição sejam competências comuns

(artigo 23, III, IV e VI), ou seja, de responsabilidade comum de todos os entes da Federação9, a

regulação de atividade de mídia exterior é assunto de interesse local, pois está vinculada

diretamente à ordenação da paisagem urbana (artigo 30, I, VIII e IX).

O Município tem autonomia derivada diretamente da Constituição para legislar sobre

assuntos de interesse local, devendo seguir, obviamente, as diretrizes constitucionais e nacionais

de política urbana e de direito urbanístico. A União pode elaborar a legislação nacional sobre

proteção ao patrimônio cultural, artístico e histórico ou sobre o combate à poluição, mas não pode

determinar como deve se organizar a permissão ou não da atividade de mídia exterior em termos

gerais. Esta regulação depende da política de zoneamento urbano e do plano diretor de cada

Município, ou seja, é assunto de "interesse local", embora sempre devam ser observadas as normas

gerais e a fiscalização das esferas federal e estadual.

Prof. Dr. Gilberto Bercovici Prof. Líder Grupo de Pesquisa Federalismo

Doutor em Direito do Estado e Livre-Docente em Direito Econômico pela Faculdade de Direito da

USP Professor Associado Pleno do Programa de Pós-Graduação em Direito Político e Econômico da

Universidade Presbiteriana Mackenzie. Professor Associado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo

7 Sobre a importância do Plano Diretor sob a Constituição de 1988 e o "Estatuto da Cidade", vide Victor Carvalho PINTO, Direito Urbanístico: Plano Diretor e Direito de Propriedade, São Paulo, RT, 2005, pp. 133-162. 8 Vide José Afonso da SILVA, Direito Urbanístico Brasileiro, 4ª ed, São Paulo, Malheiros, 2006, pp. 64-70 e Daniela Campos Libório Di SARNO, "Competências Urbanísticas" in Adilson Abreu DALLARI & Sérgio FERRAZ (coords.), Estatuto da Cidade (Comentários à Lei Federal 10.257/2001), reimpr., São Paulo, Malheiros, 2003, pp. 61-70. 9 Cf. Gilberto BERCOVICI, Desigualdades Regionais, Estado e Constituição, São Paulo, Max Limonad, 2003, pp. 151-156 e Gilberto BERCOVICI, Dilemas do Estado Federal Brasileiro, Porto Alegre, Livraria do Advogado Editora, 2004, pp. 60-63.

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4.3. Parecer nº 03 – Parcelamento do Solo

São Paulo, 06 de novembro de 2007

Parecer nº 03 – Parcelamento do Solo

Exmo. Sr. Pedro Vieira Abramovay

DD. Secretário de Assuntos Federativos do Ministério da Justiça

Ref. Consulta sobre questões federativas envolvidas no Projeto de Lei nº 3057, de 2000, que

dispõe sobre o parcelamento do solo para fins urbanos e sobre a regularização fundiária

sustentável de áreas urbanas, visando substituir a Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979.

A deliberação sobre o Projeto de Lei nº 3057/2000, que busca uma nova legislação

sobre o parcelamento do solo urbano e sobre a regularização fundiária sustentável de áreas

urbanas, em princípio, não fere nenhuma competência constitucional, pois o direito urbanístico e a

defesa do solo e dos recursos naturais estão previstos como uma das matérias de competência

concorrente dos entes da Federação brasileira (artigo 24, I e VI da Constituição)10, além de

também constituírem competência comum dos três níveis da Federação promover programas de

construção de moradias e melhoria das condições habitacionais e combater a pobreza e os fatores

de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos (artigo 23, IX e X

da Constituição)11.

10 Não custa relembrar, mais uma vez, a opinião que considero mais apropriada ao sistema constitucional de 1988, que é também, entre outros, a de Fernanda Menezes de Almeida, que entender que, apesar de não constarem expressamente no artigo 24, os Municípios não foram excluídos da repartição de competências concorrentes. Para esta autora, a titularidade dos Municípios está garantida pelo artigo 30, II da Constituição, que dá competência aos Municípios para legislarem de maneira suplementar no que lhes couber. Vide Fernanda Dias Menezes de ALMEIDA, Competências na Constituição de 1988, São Paulo, Atlas, 1991, pp. 80, 125, 139 e 167-171. Especificamente em relação ao direito urbanístico, vide Vide José Afonso da SILVA, Direito Urbanístico Brasileiro, 4ª ed, São Paulo, Malheiros, 2006, pp. 64-70 e Daniela Campos Libório Di SARNO, "Competências Urbanísticas" in Adilson Abreu DALLARI & Sérgio FERRAZ (coords.), Estatuto da Cidade (Comentários à Lei Federal 10.257/2001), reimpr., São Paulo, Malheiros, 2003, pp. 61-70. Em sentido contrário, vide Tercio Sampaio FERRAZ Jr, “Normas Gerais e Competência Concorrente – Uma Exegese do Art. 24 da Constituição Federal”, Revista Trimestral de Direito Público nº 7, São Paulo, Malheiros, 1994, pp. 19-20. 11 Sobre as competências comuns, vide Gilberto BERCOVICI, Desigualdades Regionais, Estado e Constituição, São Paulo, Max Limonad, 2003, pp. 151-156 e Gilberto BERCOVICI, Dilemas do Estado Federal Brasileiro, Porto Alegre, Livraria do Advogado Editora, 2004, pp. 60-63.

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Apesar do exercício constitucional da competência do Congresso Nacional em

legislar sobre normas gerais de direito urbanístico, o Projeto de Lei nº 3057/2000 apresenta alguns

pontos que podem suscitar dúvidas no tocante à sua constitucionalidade. O ponto mais

problemático é a criação da figura do "Município com gestão plena" (artigos 2º, XXIII, 7º,

parágrafo único, 8º, §2º, 35, §2º e 92 do Projeto de Lei nº 3057). Esta figura, em minha opinião, é

absolutamente inconstitucional, pois configuraria a criação de um ente federativo com

competências distintas das previstas no texto constitucional.

O fundamento da Federação é a Constituição rígida comum12. Os diferentes centros

de poder político não são dotados de hierarquia uns em relação aos outros. Um não é superior ao

outro. O que diferencia cada membro da Federação é a atribuição de competências distintas pela

Constituição13. Só a Constituição Federal pode atribuir competências aos membros da Federação,

com as exceções expressas do artigo 25, §1º (são reservadas aos Estados as competências que não

lhes sejam vedadas pelo texto constitucional, ou seja, as chamadas "competências residuais") e do

artigo 30, I (compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local). A lei ordinária não

pode criar distinções entre as competências e capacidades administrativas dos entes da Federação,

como faz o Projeto de Lei nº 3057/2000, ao instituir o "Município com gestão plena"14, sendo

inconstitucionais todos os dispositivos que fazem menção à esta nova figura, ou seja, os artigos 2º,

XXIII, 7º, parágrafo único, 8º, §2º, 35, §2º e 92 do Projeto de Lei nº 3057.

Ao se criar, de forma inconstitucional, um ente federado com competências

distintas das dos demais, parece que se está adotando a tese do chamado "federalismo

assimétrico". A crítica ao federalismo assimétrico poderia ser iniciada pela sua nomenclatura,

tendo em vista que todo Estado federal é assimétrico. Se não fosse, não haveria necessidade do

federalismo. Mas, não basta ficarmos neste tipo de crítica que, ademais, também poderia ser feita

12 Kenneth C. WHEARE, Federal Government, London/New York, Oxford University Press/Royal Institute of International Affairs, 1947, pp. 55-57; Dalmo de Abreu DALLARI, O Estado Federal, São Paulo, Ática, 1986, p. 15 e Cármen Lúcia Antunes ROCHA, República e Federação no Brasil: Traços Constitucionais da Organização Política Brasileira, belo Horizonte, Del Rey, 1997, pp. 177-180. 13 Kenneth C. WHEARE, Federal Government cit., pp. 12-15 e Dalmo de Abreu DALLARI, O Estado Federal cit., pp. 67-71. 14 Artigo 2º, XXIII do Projeto de Lei nº 3057/2000: "gestão plena: condição do Município que reúna simultaneamente os seguintes requisitos: a) Plano Diretor, independentemente do número de habitantes, aprovado e atualizado nos termos da Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001; b) órgãos colegiados de controle social nas áreas de política urbana e ambiental, ou, na inexistência destes, integração com entes colegiados intermunicipais constituídos com essa mesma finalidade, assegurados o caráter deliberativo das decisões tomadas, o princípio democrático de escolha dos representantes e a participação da sociedade civil na sua composição; c) órgãos executivos específicos nas áreas de política urbana e ambiental, ou integração com associações ou consórcios intermunicipais para o planejamento, a gestão e a fiscalização nas referidas áreas, nos termos da Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005".

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ao federalismo cooperativo. De acordo com Pernthaler, a denominação “federalismo assimétrico”

apenas deve reforçar uma tendência mais acentuada15. O que realmente diferencia o federalismo

assimétrico do federalismo cooperativo é o fato de os entes federados não apenas diferenciarem-se

entre si em seus ordenamentos jurídicos específicos, mas também por possuírem status jurídico e

esfera de atuação distintos16.

O federalismo assimétrico, portanto, fundamenta-se na desigualdade jurídica e de

competências entre as unidades federadas, mesmo que do mesmo nível. Trata-se de uma forma de

organização federal contraposta ao federalismo homogeneizador do Estado Social, fundado no

princípio da solidariedade17, conforme estabelecido no texto constitucional de 1988, que, aliás,

veda expressamente qualquer forma de preferência, discriminação ou diferenciação que possam

ser estabelecidas no tratamento conferido aos membros da Federação (artigo 19, III).

O correto, de acordo com a Constituição de 1988, é estabelecer as mesmas

competências, poderes e prerrogativas a todo e qualquer Município, ressalvando-se expressamente

que, caso o Município não tenha condições de efetuar a política definida constitucional ou

legalmente, ele pode receber auxílio federal e/ou estadual, dentro de um federalismo de molde

cooperativo como o brasileiro. Afinal, as tensões do federalismo contemporâneo, situadas

basicamente entre a exigência da atuação uniformizada e harmônica de todos os entes federados e

o pluralismo federal, são resolvidas em boa parte por meio da colaboração e atuação conjunta das

diversas instâncias federais. A cooperação se faz necessária para que as crescentes necessidades de

homogeneização não desemboquem na centralização. A virtude da cooperação é a de buscar

resultados unitários e uniformizadores sem esvaziar os poderes e competências dos entes

federados em relação à União, mas ressaltando a sua complementaridade18. O grande objetivo do

federalismo, na atualidade, é a busca da cooperação entre União e entes federados, equilibrando a

descentralização federal com os imperativos da integração econômica e social nacional.

Além da inconstitucionalidade da instituição do "Município de gestão plena",

interferindo nas autonomias e competências municipais expressamente garantidas pela 15 Peter PERNTHALER, El Estado Federal Asimétrico: Fundamentos Teóricos, Consecuencias Prácticas y Ámbitos de Aplicación en la Reforma del Estado Federal Austríaco, Oñati, IVAP, 1999, p. 25. 16 Peter PERNTHALER, El Estado Federal Asimétrico cit., p. 25. 17 Em sentido contrário, vide Manoel Gonçalves FERREIRA Filho, Constituição e Governabilidade: Ensaio sobre a (In)Governabilidade Brasileira, São Paulo, Saraiva, 1995, p. 136 e Dircêo Torrecillas RAMOS, O Federalismo Assimétrico, São Paulo, Plêiade, 1998, especialmente o capítulo X, pp. 83-151. 18 Konrad HESSE, Der Unitarische Bundesstaat, Karlsruhe, C. F. Müller Verlag, 1962, pp. 19-21 e 31-32; Konrad HESSE, Grundzüge des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland, 20ª ed, Heidelberg, C. F. Müller Verlag, 1999, pp. 103-104 e Enoch Alberti ROVIRA, Federalismo y Cooperacion en la Republica Federal Alemana, Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1986, pp. 24-25 e 562-563.

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Constituição de 1988, outro ponto que pode dar margem à dúvidas é a previsão, especialmente nos

artigos 2º, XIX e 35 do Projeto de Lei nº 3057/2000 de uma licença urbanística e ambiental

integrada. Esta licença visa coibir violações à ordem legal urbanística e à proteção do meio-

ambiente, cuja visão integrada é uma exigência da Constituição de 1988 (artigos 23, 170, 182 e

225, por exemplo). A dúvida que poderia surgir diz respeito à necessidade, estabelecida

especialmente no artigo 35, §3º, de uma licença ambiental emitida também pelo Estado para

determinados casos, a saber: "I – em áreas: a) maiores ou iguais a 1 (um) milhão de metros

quadrados; b) localizadas em mais de um Município; c) com vegetação secundária em estágio

avançado de regeneração do bioma Mata Atlântica, se a implantação do parcelamento implicar

supressão dessa vegetação; II – cujo impacto ambiental direto ultrapasse os limites territoriais de

um ou mais Municípios, de acordo com tipificação previamente definida por lei estadual ou por

conselho estadual de meio ambiente; III – cuja implantação coloque em risco a sobrevivência de

espécie da fauna ou da flora silvestre ameaçada de extinção, mediante decisão específica do

conselho estadual de meio ambiente".

A inconstitucionalidade deste artigo 35 está presente em seu §2º, em que se faz

menção ao "Município de gestão plena". O disposto no artigo 35, §3º não tem, em minha opinião,

nenhuma inconstitucionalidade, mesmo porque há a garantia expressa dos artigos 35, §4º (que

determina ao Estado a necessidade de se pautar pelas diretrizes urbanísticas formuladas pelo

Município) e 36, caput (que determina que a Lei Municipal deve definir os prazos da licença

ambiental e urbanística integrada, obviamente, na esfera municipal, não estadual, conforme dispõe

o mesmo artigo 36, §2º), preservando, assim, a autonomia municipal. A única ressalva que poderia

ser feita é ao privilégio dado ao bioma Mata Atlântica, quando seria mais conveniente a expressa

necessidade de cuidados com a preservação de áreas em recuperação de todos os biomas

brasileiros ameaçados, especialmente, mas não só, os expressos no artigo 225, §4º, pois também o

Cerrado e a Caatinga encontram-se ameaçados pela expansão desordenada dos processos de

urbanização e de modernização agrícola.

Finalmente, um último ponto que poderia gerar polêmica trata da competência

municipal para a regularização fundiária (especialmente os artigos 82, 85, 86 e 88 do Projeto nº

3057). A lei municipal prevista no artigo 82 do projeto nada mais é que o exercício constitucional

das competências municipais expressas nos artigos 24, I e 30, I, II e VIII. O direito urbanístico é

matéria de competência concorrente, portanto, cabe à União disciplinar as regras gerais (artigo 24,

§1º e, no caso específico do direito urbanístico, artigo 182 da Constituição, cujo exemplo mais

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notório de "lei geral" é a Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, conhecida como "Estatuto da

Cidade"), ressalva, aliás, constante expressamente do artigo 81 do Projeto de Lei nº 3057. Não

bastasse isto, a Constituição também determina que compete aos Municípios legislar sobre

assuntos de interesse local, suplementar a legislação federal e estadual no que couber e, mais

especificamente, promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante

planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (artigo 30, I, II e

VIII da Constituição). Portanto, trata-se da previsão de exercício de competência constitucional

pelos Municípios, competência esta que a lei ordinária não pode reduzir ou suprimir. No mesmo

sentido, está garantida a competência municipal, de acordo com o disposto no artigo 30, I e VIII

do texto constitucional, de estabelecer as regras específicas sobre a implantação de condomínios

urbanísticos (artigo 11, §1º e §2º do Projeto) ou sobre prazos e garantias na execução dos projetos

de parcelamento do solo para fins urbanos (artigo 37 do Projeto).

Prof. Dr. Gilberto Bercovici

Prof. Líder Grupo de Pesquisa Federalismo

Doutor em Direito do Estado e Livre-Docente em Direito Econômico pela Faculdade de Direito da USP

Professor Associado Pleno do Programa de Pós-Graduação em Direito Político e Econômico da Universidade

Presbiteriana Mackenzie.

Professor Associado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo

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ANEXO

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ANEXO 01

PROJETO DE PESQUISA

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FACULDADE DE DIREITO

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À SAL- Secretaria de Assuntos Legislativos Ministério da Justiça Brasília DF

REF: “Projeto Pensando o Direito”

FEDERALISMO NO BRASIL: LIMITES DA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA E

ADMINISTRATIVA

I. PROJETO DE PESQUISA

1. INTRODUÇÃO

A presente pesquisa tem como enfoque o estudo sobre os limites da competência

legislativa e administrativa da União, em especial nos casos de competência concorrente e de

competência comum, no estabelecimento normas gerais por meio da observação da evolução

normativa do mapeamento doutrinário e jurisprudencial sobre questões referentes ao

Federalismo no Brasil.

A discussão sobre discussão sobre as competências de cada ente federativo e o alcance

das limitações constitucionais é pautada, atualmente, nas análises de uma nova realidade

política e administrativa do Estado, composta tanto por questões nacionais do presente,

quanto por alternativas adotadas em outros países.

Nesse cenário, a trajetória histórica ocupa um papel secundário, minimizando-se

elementos do passado, desde o momento da inserção do Federalismo no Estado Republicano

até o reconhecimento desta organização na Constituição de 1988 e centrando na discussão

sobre a competência legislativa e regulamentar da União em assuntos que, de alguma forma,

atinjam os limites dos demais entes federativos.

Na perspectiva de que a análise das normas, doutrinas e jurisprudência relativas ao

conflito e/ou limites de competência dos entes federativos é elemento essencial para o

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processo de transformação social e para o entendimento e caracterização dos limites jurídicos

do Estado Democrático de Direto é que essa pesquisa se demonstra como de extrema

relevância para a Sociedade e para os estudos em Direito.

Não é plausível um Estado Federal em que não haja um mínimo de colaboração entre

os diversos níveis de governo. Faz parte da própria concepção de federalismo esta

colaboração mútua. Portanto, no federalismo cooperativo, não se traz nenhuma inovação com

a expressão “cooperação”. Na realidade, a diferença é o que se entende por cooperação, que,

no federalismo cooperativo, é bem diferente do modelo clássico de colaboração mínima e

indispensável158.

Dentre as complexas relações de interdependência entre a União e os entes federados,

no federalismo cooperativo, devemos distinguir a coordenação da cooperação propriamente

dita. A coordenação é, na realidade, um modo de atribuição e exercício conjunto de

competências no qual os vários integrantes da Federação possuem certo grau de participação.

A vontade das partes é livre e igual, com a manutenção integral de suas competências: os

entes federados sempre podem atuar de maneira isolada ou autônoma. A coordenação é um

procedimento que busca um resultado comum e do interesse de todos. A decisão comum,

tomada em escala federal, é adaptada e executada autonomamente por cada ente federado,

adaptando-a às suas peculiaridades e necessidades159.

A materialização da coordenação na repartição de poderes são as competências

concorrentes, previstas no artigo 24 da Constituição de 1988. A União e os entes federados

concorrem em uma mesma função, mas com âmbito e intensidade distintos. No caso

brasileiro, há uma divergência doutrinária sobre a questão dos Municípios participarem, ou

não, da repartição das competências concorrentes, por não estarem previstos expressamente

no artigo 24 da Constituição de 1988 como titulares dos poderes elencados, ao lado da União

e Estados. Uma das questões é se, apesar de não constarem expressamente no artigo 24, os

Municípios foram ou não excluídos da repartição de competências concorrentes, levando-se

158 Enoch Alberti ROVIRA, Federalismo y Cooperacion en la Republica Federal Alemana, Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1986, pp. 345-346 e 365-366. 159 Enoch Alberti ROVIRA, Federalismo y Cooperacion en la Republica Federal Alemana cit., pp. 361-365, 367-369 e 463-477.

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em consideração, ainda, o disposto no artigo 30, II da Constituição, que dá competência aos

Municípios para legislarem de maneira suplementar no que lhes couber160.

Ainda no âmbito das competências concorrentes, cada ente decide, dentro de sua

esfera de poderes, de maneira separada e independente, com a ressalva da prevalência do

direito federal161. Em relação ao caso brasileiro, é necessário, ainda, definirmos o que deve ser

entendido por “normas gerais”, previstas nos §§1º, 2º, 3º e 4º do artigo 24 da Constituição de

1988. De acordo com Tercio Sampaio Ferraz Jr, a expressão “normas gerais” exige que seu

conteúdo seja analisado de maneira teleológica. As “normas gerais” devem se reportar ao

interesse fundamental da ordem federativa. Como a Federação brasileira têm por fundamento

a solidariedade, que exige a colaboração de todos os seus integrantes, existe a necessidade de

uniformização de certos interesses como base desta cooperação. Desta maneira, toda matéria

que ultrapassar o interesse particular de um ente federado porque é comum, ou seja, interessa

a todos, ou envolver conceituações que, se fossem particularizadas num âmbito subnacional,

gerariam conflitos ou dificuldades nacionalmente, é matéria de “norma geral”162.

Nas atividades de cooperação, nem a União, nem qualquer ente federado pode atuar

isoladamente, mas todos devem exercer sua competência conjuntamente com os demais163. Na

repartição de competências, a cooperação se revela nas chamadas competências comuns,

consagradas no artigo 23 da Constituição de 1988. Nas competências comuns, todos os entes

da Federação devem colaborar para a execução das tarefas determinadas pela Constituição. E

surgem outras questões: não existindo supremacia de nenhuma das esferas na execução destas 160 Vide Fernanda Dias Menezes de ALMEIDA, Competências na Constituição de 1988, São Paulo, Atlas, 1991, pp. 80, 125, 139 e 167-171 e Tercio Sampaio FERRAZ Jr, “Normas Gerais e Competência Concorrente – Uma Exegese do Art. 24 da Constituição Federal”, Revista Trimestral de Direito Público nº 7, São Paulo, Malheiros, 1994, pp. 19-20. 161 Enoch Alberti ROVIRA, Federalismo y Cooperacion en la Republica Federal Alemana cit., pp. 84-85, 89-95, 366-367 e 462-463. De acordo com Enoch Rovira, a disposição que determina a prevalência do direito federal sobre o direito estadual (e, no nosso caso, também o direito municipal) é uma “norma de colisão” (Kollisionsnorm), não de competência. Esta determinação da prevalência do direito federal (na Constituição de 1988 está expressa no artigo 24, §4º) não diz respeito à repartição de competências entre a União e os demais entes federados, mas como devem ser resolvidos eventuais conflitos oriundos da repartição, determinando, nestes casos, qual é o direito válido. Vide Enoch Alberti ROVIRA, idem, pp. 119-128. 162 Cf. Tercio Sampaio FERRAZ Jr, “Normas Gerais e Competência Concorrente – Uma Exegese do Art. 24 da Constituição Federal” cit., pp. 18-19. 163 Enoch Alberti ROVIRA, Federalismo y Cooperacion en la Republica Federal Alemana cit., pp. 369-370 e 487.

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tarefas, as responsabilidades também são comuns? Ou são repartidas por cada ente federativo

de acordo com a parcela da política pública que foi atribuída à sua esfera de atuação? A

cooperação parte do pressuposto da estreita interdependência que existe em inúmeras matérias

e programas de interesse comum, o que dificulta (quando não impede) a sua atribuição

exclusiva ou preponderante a um determinado ente, diferenciando, em termos de repartição de

competências, as competências comuns das competências concorrentes e exclusivas.

No caso brasileiro, ainda, as competências comuns do artigo 23 da Constituição, após

sua regulamentação pela lei complementar prevista no parágrafo único do mesmo artigo,

serão obrigatórias para a União e todos os entes federados. A lei complementar prevista não

poderá retirar nenhum ente da titularidade das competências comuns, nem restringi-las. Como

a lei complementar prevista no parágrafo único do artigo 23 da Constituição de 1988 não foi

ainda elaborada, não há no sistema federal brasileiro, um regime jurídico expresso de

instituição das “tarefas comunitárias” (Gemeinschaftsaufgaben), existentes na Alemanha,

embora haja uma estrutura similar introduzida a partir da nova redação do artigo 241 da

Constituição de 1988 e a aprovação da lei dos consórcios públicos. Tratam-se de métodos de

cooperação eminentemente administrativos, que devem gerar no Brasil, como ocorreu na

Alemanha, um debate sobre o fortalecimento do Poder Executivo, em detrimento do Poder

Legislativo, na execução destas “tarefas comunitárias”164.

2.. OBJETIVO

O objetivo central desta pesquisa é apresentar um estudo sobre os limites da

competência legislativa e administrativa da União, em especial nos casos de competência

concorrente e competência comum, no estabelecimento normas gerais, possibilitando a

comparação das três partes do conhecimento jurídico, a fim de propiciar uma análise ampla e

precisa do processo de reconhecimento, sistematização e consolidação deste conhecimento.

Para que este objetivo seja alcançado, foram estabelecidos os seguintes objetivos

específicos – intermediários:

164 Vide Enoch Alberti ROVIRA, Federalismo y Cooperacion en la Republica Federal Alemana cit., pp. 515-532.

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Realizar um levantamento das principais correntes doutrinárias sobre os limites

de competência e sobre a natureza do Federalismo, apresentando suas linhas

gerais e posições defendidas;

Realizar um levantamento da evolução normativa referente ao tema,

destacando-se os marcos constitucionais e as normas infraconstitucionais de

maior relevância;

Identificar e analisar as decisões jurisprudenciais sobre temas centrais, a partir

de critérios a serem estabelecidos;

Analisar os resultados obtidos, a partir do cruzamento das conclusões

desenvolvidas em cada um dos aspectos estudados.

3. ESTRATÉGIA METODOLÓGICA

O projeto apresenta a proposta de uma pesquisa de diagnóstico teórico com

apresentação de proposta de alteração legislativa, por meio da análise qualitativa referenciada

na doutrina e realizada a partir do mapeamento jurisprudencial e legislativo no Brasil.

A pesquisa apresenta-se viável, pois, como convém ao trabalho científico, o objeto foi

reduzido de modo a proporcionar um estudo aprofundado no espaço de tempo proposto, a

saber, 6 (seis) meses. Além disso, por tratar-se de tema de extremada relevância para a área

jurídica nacional e internacional, a doutrina é acessível a todos os participantes do grupo, bem

como já foi exaustivamente trabalhada por alguns dos integrantes o que permitirá a realização

no tempo hábil desta.

a). Metodologia de Pesquisa

O estudo será desenvolvido, predominantemente, por meio de pesquisas

bibliográficas não restritas à área jurídica, de legislação e de jurisprudência concernentes ao

tema do Federalismo no Brasil.

Os resultados obtidos pela pesquisa bibliográfica serão analisados por meio de

debates e resumos analíticos entre os integrantes do grupo, em reuniões quinzenais, nas quais,

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a partir do fichamento do material de base, serão suscitadas questões técnicas a serem

trabalhadas.

As tarefas de pesquisa relacionadas ao levantamento bibliográfico, coleta de

dados, fichamentos, levantamento de questões e análise dos dados ficarão a cargo de todos os

participantes do grupo.

O relatório final da pesquisa será elaborado sob a supervisão direta dos Professor

Responsável pelo projeto.

b) Metodologia de Procedimento

O material consultado constituiu-se de doutrina, jurisprudências e legislação da

área, que serão submetidas à primeira análise por meio da Leitura Científica conforme

determinado por Cervo e Bervian (2002), a saber: 1)Visão sincrética, n qual se realizará uma

leitura de leitura de reconhecimento que tem como objetivo localizar as fontes numa

aproximação preliminar sobre o tema e a leitura seletiva localizando as informações de acordo

com os propósitos do estudo; 2) Visão analítica, que compreende a leitura crítico-reflexiva

dos textos selecionados acompanhado de reflexão, na busca dos significados e na escolha das

idéias principais; 3) Visão sintética - constitui a última etapa do Método de Leitura Científica

que é concretizada através da leitura interpretativa, realizada a partir dos referencias

estabelecidos pela proposta.

Após a fase de leitura, encaminhar-se-á a produção de Resumos analíticos, que

consiste na exposição lógico-reflexiva com ênfase na argumentação dos materiais pesquisados

(doutrina e jurisprudência) e na adequação e validade frente ao ordenamento jurídico

(legislação)

Retomando o objetivo desta informação que pretende oferecer algumas pautas

sobre os resumos analíticos destacamos, conforme GAMBOA (2004): a) o propósito de um

resumo analítico é apresentar de forma sucinta o conteúdo essencial de um documento; b) o

resumo analítico ou informativo expressa o máximo de informações relevantes contidas num

documento; c) são características de um resumo a objetividade (não inclui avaliação sobre a

sua qualidade, nem comentários pessoais próprios de uma resenha), clareza evitando

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expressões longas e confusas e precisão e brevidade evitando repetições e termos

equivalentes.

A construção do marco teórico dar-se-á por meio do estudo comparativo entre os

autores pesquisados, identificando as possíveis e reais congruência e divergências na

interpretação.

Após, será feito o cotejamento com o material coletado por meio da pesquisa

jurisprudencial, no qual verificamos

3. Metodologia de Análise.

A pesquisa de diagnóstico e qualitativa está fundamentada visa conhecer as várias

formas de manifestação do objeto de estudo, a partir de dados objetivos coletados na realidade

e trabalhados por meio de reflexões orientadas, ou seja, com referenciais teóricos precisos e

amplos.

A análise buscará uma síntese, a lógica geral de dificuldades e/ou alternativas

para o a resolução do problema jurídico específico.

Assim, a estratégia metodológica para a extração de conceitos é a análise de

conteúdo. No campo do Direito, o tipo genérico de investigação é o jurídico-descritivo.

4. CRONOGRAMA DE PESQUISA

A pesquisa, conforme indicado no Edital, foi planejada para a concretização até

31.12.07, em um cálculo de 06 (seis) meses.

Dentro desta perspectiva, o grupo de pesquisa apresentará 02 (dois) relatórios

parciais e 01 (um) relatório final de acordo com o seguinte calendário:

1º Relatório Parcial: Em 14 de setembro de 2007.

2º Relatório Parcial: Em 26 de outubro de 2007.

3º Relatório Final: Em 20 de dezembro de 2007.

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ATIVIDADES DE PESQUISA

2007

Agosto Setembro Outubro Novembro Dezembro

Distribuição da leitura doutrinária X

Levantamento e Fichamento e

bibliográfico

x x

Levantamento e Fichamento da

legislação.

X X

Elaboração de resumo analítico X

Estabelecimento do Referencial teórico

de análise

X X

Primeiro relatório: definição do marco

conceitual

X X

Levantamento Fichamento de

Jurisprudência e Legislação

X X

Análise de dados coletados a partir do

referencial teórico

X X

2º Relatório parcial: apresentação do

mapeamento jurisprudencial e conceitual

X

Análise do dados coletados X X

Trabalho em equipe e consolidação dos

dados e das análises.

X X

Relatório Final do Projeto. X

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5. ORÇAMENTO

O orçamento para este projeto de pesquisa está previsto em R$ 31778,03 (trinta e um

mil setecentos e setenta a e oito reais e três centavos) e está distribuído em aquisição de

materiais permanentes de consumo para a realização da pesquisa, despesas com viagens até

Brasília, e aquisição de material bibliográfico para a Biblioteca de Direito da Faculdade,

conforme detalhamento em anexo (Anexo 01).

Os docentes envolvidos são professores com dedicação à pesquisa científica na

Universidade.

6. EXPERIÊNCIA INSTITUCIONAL EM PESQUISA

6.1. Universidade Presbiteriana Mackenzie

Em 1869, chega e se instala em São Paulo o casal George e Mary Chamberlain.

Enquanto o reverendo Chamberlain empreendia viagens missionárias pelo interior do Estado,

sua esposa, Mary, dedicava-se à área pedagógica. Embora não existam registros do dia exato

em que o trabalho de Mary iniciou-se, na residência do casal, situada à rua Visconde de

Congonhas do Campo, estima-se que tenha sido no primeiro semestre de 1870. Três crianças -

dois meninos e uma menina - foram os primeiros alunos de um sistema revolucionário, em

termos pedagógicos, no Brasil, reunindo em um mesmo espaço crianças de diferentes raças,

crenças, classe sociais, sexos e ideologias.

Em 1871, já com 44 alunos, a escola de Mary Chamberlain mudou-se para Rua Nova

São José, atual Libero Badaró.

A partir de 1872 as aulas passaram a ser pagas, concedendo-se bolsas parciais e

integrais para os alunos carentes. A Escola passou a ser chamada de “Escola Americana”.

Seguiram-se anos de prosperidade e, nos bancos escolares da nova escola, sentavam-se

tanto filhos de escravos como de famílias tradicionais. Em 1876, nova mudança, agora para a

esquina das ruas Ipiranga e São João, implantando-se dois novos cursos: Escola Normal e o

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Curso de Filosofia, de nível superior. Em 3 de setembro do mesmo ano era inaugurado um

edifício de tijolinhos, assobradado, cuja parte superior fora reservada para o internato

feminino, e o térreo para dois escritórios e três espaçosas salas de aula.

Finalmente, em 1880, com a ajuda de uma senhora da sociedade paulista, dona Maria

Antonia da Silva Ramos, adquiriu-se uma área de 27,7 mil metros quadrados no bairro de

Higienópolis, terreno utilizado como pasto. Era o início de uma nova fase.

A fama da Escola Americana não se restringia ao Brasil, chegando aos ouvidos do

advogado norte-americano John Theron Mackenzie, que, sem nunca ter vindo ao Brasil, fez

constar de seu testamento, em 1890, uma doação à Igreja Presbiteriana norte-americana no

valor de 30 mil dólares, acrescidos de outros 20 mil dólares doados por seus irmãos, para que

se construísse, no Brasil, uma escola de Engenharia.

Em 12 de fevereiro de 1894, deu-se inicio a construção do prédio da futura Faculdade

de Engenharia. Em fevereiro de 1896, com sete alunos, entrava em funcionamento, no prédio

recém-concluído, a primeira Escola de Engenharia de caráter privado do país. Daí em diante,

os fatos são conhecidos da maioria, refletindo-se no majestoso campus da Universidade

Presbiteriana Mackenzie que abriga 11 diferentes faculdades e o Colégio Presbiteriano

Mackenzie.

A Universidade Presbiteriana Mackenzie considera a extensão universitária como o

processo educativo, cultural e científico, que articula o ensino e a pesquisa, de forma

indissociável, e viabiliza a relação transformadora entre universidade e sociedade.

Existem, na UPM, ações extensionistas de caráter filantrópico e não filantrópico,

sendo as últimas, no entanto, desenvolvidas de maneira ampla e abrangente para que possam

ser voltadas tanto para o atendimento às necessidades do ensino e da pesquisa, quanto ao

atendimento à demanda da comunidade, principalmente dos mais carentes.

A Universidade Presbiteriana Mackenzie tem hoje na expansão das atividades de

pesquisa um de seus focos, implicando na evolução de sua organização, objetivos, metas e

ações.

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A pesquisa é considerada pela instituição parte integrante fundamental de sua missão e

do processo de ensino, e instrumento privilegiado de evolução e participação efetiva no

desenvolvimento social, cultural e econômico do país.

Programas e projetos como, entre outros, os projetos de pesquisa laboratorial, o

desenvolvimento do padrão de TV Digital – HDTV, os programas de iniciação científica,

como o PIBIC/Mackenzie, os programas de pós-graduação lato e stricto sensu, e o incentivo à

organização e consolidação de grupos de pesquisa interinstitucionais vêm possibilitando um

significativo aumento da participação da Universidade no panorama científico nacional e uma

considerável melhoria nas condições de ensino da instituição.

A pós-graduação stricto sensu da Universidade conta com mais de 170 alunos

bolsistas entre as principais agências de fomento à pesquisa como CAPES, CNPq, e FAPESP,

além das bolsas concedidas pelo programa interno MackPesquisa e outros advindos de

convênios com empresas e órgãos govenamentais e não governamentais.

São elementos básicos norteadores da política de pesquisa da Universidade

Presbiteriana Mackenzie promover a integração da pesquisa científica e tecnológica com as

atividades pedagógicas, despertar vocação científica e incentivar talentos potenciais e

contribuir e incentivar a geração de conhecimento e a produção científica, sempre coerentes

com os princípios e valores da instituição e a política nacional de desenvolvimento científico.

6.2. Faculdade de Direito

A Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie foi instalada e

autorizada a funcionar por meio do Decreto nº 36.322, de 11 de outubro de 1954.

A Faculdade de Direito do Mackenzie foi a primeira a obter a renovação de

reconhecimento de seu curso de Direito, bacharelado, por 5 anos, de acordo com a portaria nº

1.206, de 30 de julho de 1999, do ministério da Educação, atendendo as novas disposições

estabelecidas pelo artigo 46 da Lei nº 9.394, de 20 de

Dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação). Alcançou o Conceito “A” no

Exame Nacional de Cursos em 2002 e 2003. Na Avaliação das Condições de Ensino –

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MEC/INEP – obteve o conceito “CMB” nas dimensões: Organização didático-pedagógica,

Corpo Docente e Instalações.

Encontra-se recomendada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil

com o Selo de Qualidade-OAB Recomenda, em suas duas edições (2001 e 2003) e

recentemente a indicação também em para o triênio 2004/2007, dentre as melhores

Faculdades de Direito no Estado de São Paulo e no país, além de ser avaliada com a nota

máxima na avaliação ENADE/2006 do Ministério da Educação.

A Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie está voltada a uma

sólida formação humanística e as habilidades técnico-jurídica, sócio-política e prática,

indispensáveis à adequada compreensão interdisciplinar do fenômeno jurídico e das

transformações sociais, para o exercício da cidadania e das diversas profissões da área do

Direito.

E, nesse sentido, a atividade de pesquisa acompanha este mesmo objetivo.

A Pesquisa possui os objetivos específicos de:

estimular a geração de conhecimento científico, propondo políticas de

desenvolvimento de pesquisa que conduzam à sua sistematização na UPM;

proporcionar uma maior interação entre os docentes e discentes da Graduação

e da Pós-Graduação;

promover a integração da pesquisa científica e tecnológica com atividades

pedagógicas em todos os níveis dos cursos oferecidos pela UPM;

despertar vocação científica e incentivar talentos potenciais entre estudantes de

graduação, mediante suas participações em projetos de pesquisa;

desenvolver nos alunos de graduação o interesse em se prepararem para a Pós-

Graduação;

incentivar o aumento da produção científica

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A atividade de Iniciação Científica da Faculdade de Direito é de caráter permanente,

institucional e extracurricular, destinada a viabilizar no âmbito do corpo discente da

Faculdade a realização de pesquisas em caráter permanente e sistemático, envolvendo,

também, o Corpo Docente, com os seguintes objetivos:

Inserir o Corpo Discente no processo de investigação científica, despertando e

estimulando talentos;

Estimular a incorporação dos estudantes de graduação nos trabalhos de

pesquisa dos professores e pesquisadores;

Estimular o pensar de modo científico e criativo dos alunos;

Contribuir para a criação do conhecimento no âmbito da Faculdade.

As Linhas de Pesquisa Institucionais da Faculdade de Direito são:

1. Cidadania modelando o Estado: paradigma da relação ética e direito.

Esta linha conta com as seguintes áreas de Concentração:

Teoria Geral do Estado: temas que cuidam da cidadania como expressão de um

Estado Democrático de Direito.

Filosofia, Ética, Cidadania e Direito: enfoque filosófico das relações

conceituais de Cidadania/Direito, tendo como fio condutor os valores éticos.

Sociologia Jurídica: temas sociológicos voltados a problemas urbanos/rurais da

estrutura e funcionamento do Estado, com enfoque no papel social do ser

humano/cidadão na construção/intervenção em realidade da sociedade

brasileira.

Fundamentos da Ciência do Direito: temas voltados ao exame do Direito como

ciência, em questões pertinentes às relações jurídicas entre particulares e deles

com o Estado, centradas na conduta ética e cidadã.

Direitos humanos e Garantias Constitucionais: estudo da cidadania como

expressão de direitos humanos que implicam deveres da pessoa na convivência

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social e do Estado na segurança das garantias constitucionais dos direitos

individuais e coletivos.

2. História, princípios, fundamentos, peculiaridades e harmonização legislativa

dos institutos jurídicos e das instituições jurídico-políticas de direito público e de direito

privado.

Esta linha conta com as seguintes áreas de Concentração:

História do Direito: exame diacrônico/sincrônico de institutos e/ou instituições

jurídico-políticas, com enfoque nas diferenças/similitudes dos sistemas

jurídicos em ambiência de Direito Comparado.

Direito Aplicado: estudo de institutos e/ou instituições jurídico-políticas nas

áreas de Direito Público e/ou de Direito Privado.

Técnica Legislativa: exame hermenêutico de legislação aplicada a institutos

e/ou instituições/jurídico-políticas com destaque a temas polêmicos e aos

novos direitos da atualidade.

Principiologia dos Institutos Jurídicos: exame analítico de questões relativas a

institutos jurídicos (de Direito Público ou Privado), tendo como fio condutor

da investigação científica o estudo de seus princípios.

Peculiaridades dos Institutos e/ou Instituições Jurídicas-políticas: estudo de

institutos e/ou instituições jurídicas-políticas, de forma individualizada ou

comparada, com destaque á natureza jurídica, ao objeto, ao campo de atuação e

ao modus operandi desses institutos e/ou instituições, nas áreas de Direito

Político, Material ou Processual.

Atualmente, a Faculdade de Direito conta com mais de 150 grupos de iniciação

científica na graduação, 10 projetos do PIBIC/CNPq e mais de 160 dissertações de mestrado

defendidas no Programa de Pós-Graduação que, além disso, possui 11 grupos de pesquisa

cadastrados no Diretório CNPq de Grupos de Pesquisa. (Ver Anexo 02)

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7. EQUIPE DE PESQUISA

A equipe para a realização do projeto será constituída pelos seguintes participantes.

Para facilitação do processo de comprovação, em anexo seguem os currículos dos docentes

envolvidos nos projetos.

7.1. Docentes

Responsável pelo projeto: Prof. Dr. Gilberto Bercovici, com pesquisa desenvolvida

sobre o tema Federalismo e publicação de diversos livros sobre o assunto, participa dos

grupos de pesquisa vinculados ao CNPq desde 2003, dentre eles o grupo de pesquisa “Poder

econômico e seus limites jurídicos” e “Estado e Economia.” Orientou diversos mestrados na

área, conforme comprovado no currículo Lattes em anexo.

Docente: Prof. Dr. José Francisco Siqueira Neto, com pesquisa desenvolvida sobre o

tema Federalismo participa dos grupos de pesquisa vinculados ao CNPq desde 1999, dentre

eles o grupo de pesquisa “Poder econômico e seus limites jurídicos” e “Estado e Economia” e

“Direito do Trabalho como instrumento de cidadania e limitação do poder econômico”.

Orientou diversos mestrados na área, conforme comprovado no currículo Lattes em anexo.

Docente: Prof. Dr. José Maria Arruda Andrade, com pesquisa desenvolvida sobre o

tema Federalismo e Competência Tributária participa dos grupos de pesquisa vinculados ao

CNPq desde 2005, dentre eles o grupo de pesquisa “Estado e Economia” . Possui diversos

trabalhos na área, conforme comprovado no currículo Lattes em anexo.

Docente: Prof. Dr. André Ramos Tavares, com pesquisa desenvolvida sobre Direito

Constitucional e sobre as formas de governo. Possui diversos trabalhos publicados na área,

bem como orientações de mestrado e doutorados, conforme comprovado no currículo Lattes

em anexo.

Docente: Profa. Dra. Christina de Almeida Pedreira, com pesquisa desenvolvida

sobre o tema Federalismo e Competência Municipal no seu doutorado. Participa dos grupos

de pesquisa vinculados ao CNPq desde 1999, conforme comprovado no currículo Lattes em

anexo.

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8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DO PROJETO

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AFFONSO, Rui de Britto Álvares & SILVA, Pedro Luiz Barros (orgs.), A Federação

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ALMEIDA, Maria Hermínia Tavares de, “Federalismo e Políticas Sociais”, Revista Brasileira

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BARACHO, José Alfredo de Oliveira, Teoria Geral do Federalismo, Rio de Janeiro, Forense,

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ENCINAR, José Juan González, El Estado Unitario-Federal: La Autonomia como Principio

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FURTADO, Celso, “Nova Concepção do Federalismo” in O Longo Amanhecer: Reflexões

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HOLTHUS, Manfred, “A Política Regional da Alemanha no Processo de Unificação

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WHEARE, Kenneth C., Federal Government, London/New York, Oxford University

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9. TERMO DE ENCERRAMENTO

Requer seja apreciado e julgado o presente projeto na forma do Edital BRA

07/004- Democratização de Informação no Processo de Elaboração Normativa.

São Paulo, 14 de junho de 2007.

Carlos Eduardo Nicolleti Camillo

Coordenador de Pesquisa da Faculdade de Direito