Sentença - AIJE - jornal - uso indevido - candidato - 1801-091

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Processo Eleitoral nº 1801/09

O presente feito refere-se a uma AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL

ELEITORAL proposta por COLIGAÇÃO JANUÁRIA É POSSÍVEL (PT, PTN, PC do B

e PRB), MANOEL JORGE DE CASTRO e SIDNEI MAGALHÃES PEREIRA para fins

de apuração de ilícitos capazes de influir no pleito eleitoral, todos imputados em

benefício e/ou autoria dos investigados MAURÍLIO NERIS DE ANDRADE ARRUDA,

AFONSO JOSÉ DOS SANTOS e da COLIGAÇÃO RECONSTRUINDO UMA NOVA

JANUÁRIA (PTC, PSDC e DEM).

Segundo os autores, ipsis litteris (f. 03):

Os fatos que ensejam este pedido de investigação judicial eleitoral são as

trapaças, a compra de votos e a utilização indevida de meio de

comunicação, representados por panfletos e notícias cujos exemplares

se encontram em anexo, alguns deles produto de adulteração, falsificação

e simulação, contendo informações inverídicas propositadamente

formuladas com a intenção de enganar o eleitor, interferindo diretamente

em sua vontade, os quais retiraram a lisura do processo eleitoral em

Januária.

Notificados, os investigados apresentaram suas respectivas defesas.

Maurílio Neris de Andrade Arruda e Afonso José dos Santos, em peça conjunta de ff.

102/130, alegaram a preliminar de ilegitimidade passiva ao argumento de não terem

conhecimento prévio dos fatos alegados e, meritoriamente, rebateram especificamente

cada item da imputação feita. De seu turno, a Coligação Reconstruindo uma nova

Januária apresentou a defesa de ff. 168/171, veiculando somente a preliminar de

ilegitimidade passiva, porquanto não haveria liame subjetivo entre os fatos narrados na

inicial e qualquer conduta atribuível a si.

Juntadas as defesas, manifestou-se o Ministério Público Eleitoral às ff.

176/177, pugnando pela rejeição das preliminares e pelo prosseguimento do feito.

Sobreveio, então, a sentença de ff. 202/206, que indeferiu de plano a

inicial e extinguiu o processo, com base na alínea c do art. 22 da Lei Complementar

64/90.

Todavia, o recurso apresentado contra aquela decisão foi acolhido pelas

instâncias superiores, que, anulando a sentença, determinaram o prosseguimento da

ação – ff. 242/245.

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Assim, em continuidade do feito, juntaram-se aos autos a manifestação

de ff. 436/438, acompanhada dos documentos de ff. 439/446, originários do JORNAL A

FOLHA DE JANUÁRIA, bem assim os documentos de ff. 450/1405, requisitados ao

SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE JANUÁRIA, todos feitos com vista

às partes e ao Ministério Público Eleitoral.

O investigado MAURÍLIO NERIS DE ANDRADE ARRUDA, depois de sua

manifestação de ff. 1417/1418, juntou os documentos de ff. 1419/1493, referentes à

prestação de suas contas de campanha.

Novos documentos vieram aos autos às ff. 1500 e 1503/1561, também

postos à apreciação das partes.

Por força da decisão de ff. 1567/1568, foram deferidos os requerimentos

para produção de provas testemunhais e indeferidos os pedidos de realização de

perícia contábil.

Em audiência de instrução, foi colhido o depoimento da testemunha Rita

de Cássia Moreira – ff. 1573/1574 – tendo as partes desistido de ouvir as demais

testemunhas que arrolaram.

Finda a instrução processual, as partes apresentaram suas alegações

finais em forma de memoriais escritos.

Os autores, conforme ff. 1578/1582, depois de procederem ao exame da

prova produzida, pugnaram pela procedência dos pedidos.

Quanto aos investigados, apenas MAURÍLIO NERIS DE ANDRADE

ARRUDA apresentou alegações finais de ff. 1583/1607, por meio das quais, depois de

tecer minuciosa análise da prova produzida, reiterou os termos da contestação e rogou

fossem julgados improcedentes os pedidos. Os demais investigados quedaram-se

inertes quanto à apresentação de alegações finais.

Por fim, manifestou-se o MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL em parecer

de ff. 1608/1611, concluindo pela procedência da investigação, com aplicação aos

investigados das sanções previstas na Lei Complementar 64/90.

É o relatório. DECIDO.

Cassada a sentença que indeferia de plano a inicial – ff. 202/206 –

concluo que as preliminares arguidas pelos investigados em suas defesas carecem de

novo enfrentamento, uma vez desconstituídos os efeitos daquele decisum, assim

também porque reiteradas em alegações finais pelo investigado Maurílio.

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Arguiram-se inépcia da petição inicial e ilegitimidade passiva.

Contudo, nenhuma razão assiste aos investigados.

A meu sentir, a petição inicial atende aos requisitos de procedibilidade,

porque, em obediência ao disposto no art. 22 da Lei Complementar 64/90, relatando

fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias, pede abertura de investigação

judicial para apurar possíveis ilícitos eleitorais referentes a abuso do poder econômico

e utilização indevida de meios de comunicação social. Há especial lógica entre os fatos

alegados e sua conclusão, consubstanciada nos pedidos deduzidos.

Lado outro, considero que, ao se verem apontados como beneficiários e,

em algumas situações, autores dos possíveis ilícitos eleitorais indicados, os

investigados Maurílio Neris de Andrade Arruda, Afonso José dos Santos e Coligação

Reconstruindo uma nova Januária tornaram-se os efetivos legitimados à composição

do pólo passivo da demanda, uma vez que tão-somente a eles pode ser atribuído o

direito-dever de responder pelos supostos atos ilícitos apontados.

Em razão desses fundamentos REJEITO as preliminares de inépcia da

inicial e de ilegitimidade passiva.

Relativamente ao mérito, examinei detidamente este processo e concluí,

com base nos diversos elementos contidos nestes autos, que investigação procede

com respeito à parte das imputações feitas.

1) Circulação do Jornal A VOZ DO POVO contendo encarte com notícia falsa em

relação ao representante MANOEL JORGE

Relativamente a essa questão, os investigantes alegaram:

9. Pois no dia 30 de setembro de 2008, faltando cinco dias para a eleição,

o jornal A Voz do Povo circulou com tiragem excepcional. Foi distribuído

gratuitamente pelas ruas da cidade, colocado sob as portas das casas,

nas caixas de correio, entregues em feiras, bares da rodoviária e nos

mais diferentes locais.

10. Encartado no jornal havia um panfleto (vide documento nº 03),

impresso sob o título “A Voz do Povo – Encarte Especial – Eleições 2008

– 30 de setembro de 2008”. No panfleto, a manchete “MANOEL JORGE:

CASSADO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO NO TRE-MG”. Ocorre,

Excelência, que até aquela data o TRE-MG não havia se pronunciado

sobre o caso, conforme mostra a movimentação processual em anexo

(vide documento nº. 2-A). A informação é inverídica, a notícia é falsa.”

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Uma simples (e até mesmo descompromissada) leitura do documento nº

03, colacionado à f. 31, é suficiente para demonstrar o propósito de induzir o eleitor a

erro, uma vez que, a par de substancialmente inverídicas, as informações constantes

do referido documentos foram dispostas, com negrito em passagens especiais do

texto, de forma a evidenciar, às vésperas da eleição e com base em suposta vantagem

percentual em pesquisa eleitoral não autorizada, a ocorrência da desistência ou

“esvaziamento” da candidatura do principal opositor dos investigados.

Não há como considerar o fato como simples veiculação de informação,

agasalhada pela garantia da liberdade de imprensa. O fato em exame configura sim

propaganda eleitoral irregular em detrimento do candidato opositor e em benefício dos

investigados, e, pois, “uso indevido de meios de comunicação”.

A par da gravidade das circunstâncias que a caracterizam, é de se

registrar, ainda que a lei não mais exija tal demonstração1, que a indigitada manobra

teve inarredável potencial de interferir no resultado do pleito, considerando-se a tanto, a

tiragem de 1500 exemplares semanais do Jornal A VOZ DO POVO (“expediente” – f.

140), em contrapartida a uma eleição decidida pela vantagem de exatos 892 votos para

os investigados, em um universo de 34.450 votantes, ou seja, 2,59% do total dos

eleitores presentes ao pleito.

Importante assinalar que, em casos como este em julgamento, é

despicienda a prova da participação ou da ciência dos investigados relativamente ao

ato abusivo impugnado – uso indevido de meios de comunicação – mesmo porque tal

mister se mostra intangível por conta das circunstâncias sob quais as tratativas a

respeito dessa hipótese acontecem, normalmente com pacto de inexpugnável segredo

entre os participantes. Aliás, esse entendimento foi manifestado em julgamentos no

âmbito do Tribunal Superior Eleitoral pelo menos em duas oportunidades2.

Conquanto reconheça a ilegalidade desse ato, a implicar procedência da

pretensão investigatória e consequente inelegibilidade dos beneficiados – Maurílio e

Afonso José – penso ser impossível aplicar a eles qualquer multa da Lei 9.504/97,

conforme pretensão dos autores, uma vez que falta prova robusta da participação ou

ciência dos requeridos.

1 - Lei Complementar 64/90, art. 22: XVI – para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam. (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010).

2 - TSE, Recurso Ordinário n.º 730, de 4.5.2004, Rel. Min. Carlos Velloso e TSE, Recurso Ordinário n.º 782, de 8.6.2004, Rel. Min. Fernando Neves.

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Devo explicar. No âmbito da AIJE, diversamente do que acontece

relativamente à REPRESENTAÇÃO ELEITORAL DO ART. 96 DA LEI 9.504/97, o fato

tido como ilegítimo (no caso: o uso indevido de meios de comunicação) pode levar ao

decreto de inelegibilidade do beneficiado ainda que não se tenha prova robusta da

participação ou ciência dele quanto à ocorrência do ato, aliás, conforme já

assinalei alhures. Repisando esse tema, trago à colação o magistério de Edson de

Rezende Castro3:

Se o candidato participou ou não dos atos de abuso, o certo é que a

vitória nas urnas sofreu a interferência ilegal do poder econômico ou de

autoridade ou do uso indevido dos veículos e meios de comunicação

social, o que já é o suficiente para a cassação, que não tem conteúdo de

sancionamento pessoal aos candidatos cassados.

“O que importa é a existência objetiva dos fatos, abuso do poder

econômico, corrupção ou fraude e a prova, ainda que indiciária, de

sua influência no resultado eleitoral”.

(essa citação, constante do trecho transcrito, feita pelo próprio

autor acima indicado, refere-se à REVISTA DE JURISPRUDÊNCIA

DO TSE 6, v. 1, p.332).

Foi dessa forma que, tão-somente para fins de decisão desta AIJE,

considerei efetivamente ocorrido o fato narrado, à vista das graves circunstâncias que o

caracterizaram, assim como também conclui que a ocorrência teve o potencial de influir

no resultado do pleito.

De outro modo, não posso, por força de lei (9.504/97), considerar essas

mesmas circunstâncias indiciárias como fundamento para aplicar multa aos

investigados por consequência de realização de propaganda irregular, que, a meu

sentir, exige prova robusta da participação ou ciência deles quanto à ocorrência do

ato. Ou seja, não é o mesmo tratamento ocorrente no âmbito da AIJE; é coisa diversa.

2) Adulteração da reportagem de primeira página do jornal FOLHA DO NORTE

Inarredável anotar que restou prejudicada neste feito a comprovação

específica da alegada falsificação da primeira página do jornal FOLHA DO NORTE,

edição de 30.09.2008, uma vez que os investigantes não cuidaram de juntar aos autos

o exemplar original.

3 - CASTRO, Edson de Resende. Teoria e prática do direito eleitoral. 5.ed, rev., atual. Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 362.

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Todavia, ainda que se considere provada a falsificação da matéria

exposta na primeira página do jornal FOLHA DO NORTE, edição do dia 30.09.2008,

por conta da conhecida posição ético-política do diretor/editor daquele veículo de

comunicação impressa – jornalista Fábio Oliva – que jamais abonaria a exibição de

notícia com conteúdo inverídico, não considero a alegada falsificação ato

comprometedor da lisura do pleito, porque efetivamente não há também prova de que

ela tenha alcançado a alegada marca de mais de mil exemplares distribuídos.

Com efeito, dos termos do Boletim de Ocorrência de f. 36, colho a

informação de que o cidadão IRANDIR JOSÉ DOS SANTOS fora flagrado distribuindo

cópias reprográficas, tendo sido encontradas com ele naquele momento tão-somente 8

(oito) cópias da indigitada falsificação.

Enfim, sem a comprovação de que a distribuição dos modelos falsificados

atingiu considerável quantidade, não se pode admitir o fato como ocorrência nociva à

lisura do pleito. Ademais disso, devo registrar, o eleitor januarense, sovado pela

ocorrência de disputas eleitorais das mais degradantes do ponto de vista da ética, não

se deixaria enganar pela exibição de uma simples cópia “xerox”.

Em vista desses fundamentos, desconsidero a ocorrência para fins de

imposição de sanção aos investigados.

3) Elaboração e distribuição de panfletos com manifesto do Pastor Joel

É livre, neste país, a manifestação de pensamento. Não há nenhuma

regra que impeça um eleitor, individualmente, de manifestar seu apoio a determinado

candidato, ainda que o faça por meio de panfletos, resguardada, evidentemente a

hipótese de propaganda irregular.

No caso deste processo, depois de detida análise do conteúdo dos

panfletos cuja autoria é atribuída ao Pastor Joel, em especial aquele acostado à f. 44

(“Manifesto Pastor Joel – nº 8”), convenci-me de que efetivamente ocorreu propaganda

eleitoral irregular, que beneficiou os investigados.

Já se vai de longa data o tempo daquelas propagandas “certinhas”, com

formatação tradicional, “visíveis” sob a óptica dos limites da legislação; hoje em dia a

propaganda eleitoral é feita mais de forma dissimulada, subliminar. A esse respeito,

assevera Edson de Rezende Castro4:

Na verdade, os “marqueteiros” estão convencidos de que aquela

propaganda eleitoral tradicional, com pedido direto de voto, não mais 4 - CASTRO, Edson de Resende. Op. cit., pp. 221/222.

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produz os resultados exigidos pelas grandes campanhas eleitorais. É

preciso convencer o eleitor a votar neste ou naquele candidato sem que

ele (eleitor) perceba o processo de convencimento de que é alvo. É

mesmo agressivo e muito mais persuasivo, deixando o eleitor com a

sensação de que tomou a decisão de votar naquele candidato por ver no

seu íntimo as qualidades essenciais à vida pública. É a propaganda

eleitoral subliminar, dissimulada em promoção pessoal, em divulgação de

qualidades pessoais.

A Justiça Eleitoral não pode ignorar o fenômeno e continuar pensando em

propaganda eleitoral apenas na sua formatação tradicional, antiquada,

quase nunca utilizada atualmente, senão nas “campanhas de pé de

ouvido”.

Sabidamente o Pastor Joel funcionava ao tempo daquela eleição como

um dos “colaboradores” dos investigados Maurílio e Afonso José, tanto que foi alçado a

cargo de confiança de secretário municipal no atual governo januarense. Some-se a

isso, no teor do “Manifesto Pastor Joel nº 08”, o enfático uso da primeira pessoa do

plural, a evidenciar a participação do referido pastor na condição de “cabo eleitoral” dos

investigados:

Não tivemos carreatas, nem manifestações insultantes, tão pouco

foguetórios. Nossas caminhadas a pé, foram semelhantes às de Cristo

com seus discípulos. Nossa mensagem foi pura e cristalina, simples e

convincente. Falamos a verdade irrefutável, já nos nossos manifestos,

sem denegrir ninguém; não combatemos pessoas, combatemos sistemas

errados, política errada. – f. 44.

Consideradas essas circunstâncias, ainda que não possa reconhecer

tenha o Pastor Joel agido sob ordens dos investigados, porque nestes autos não há

prova desse fato, posso, aliás, devo, concluir e, pois, admitir, assim como fiz em

relação aos encartes do jornal “A Voz do Povo” (item 1, supra), que os investigados

têm responsabilidade pelo fato ora em análise, para fins dos limites desta AIJE, pois se

tornarem beneficiários dele.

Calha, a propósito, novamente a lição de Edson de Rezende Castro5:

(...) não se pode esquecer que toda a propaganda eleitoral é feita para

beneficiar os candidatos. Levada a efeito por eles diretamente, ou pelos

Partidos/Coligação, ou pelos “cabos eleitorais” e adeptos em geral,

5 - CASTRO, Edson de Resende. Op. cit., pp. 221/222.

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caracterizada estará sua responsabilidade, como beneficiário direto

dela, pelos excessos praticados. Dessa regra de solidariedade,

encontrada no art. 241 do Código Eleitoral (e na jurisprudência dos

Tribunais Eleitorais, v.g., no Ac. N. 524/2003, do TRE-MG, Rec. N.

1.977/2002, Tupaciguara, julgado em 17/3/2003), extrai-se o dever dos

candidatos de fiscalização e controle dos atos de seus prepostos.

Até porque o abuso de poder, por exemplo, capaz de levar à

inelegibilidade, com cassação do registro ou diploma, tem verificação

objetiva e nem mesmo exige a participação direta do candidato nos

atos abusivos.

(os grifos foram acrescentados por mim à transcrição do texto).

Entretanto, não posso agir de forma leviana e determinar punição dos

investigados “a qualquer preço”. Não mesmo! O devido processo legal carece de

amparo em todas as formas de garantias aos litigantes.

Assim é que, nessa questão específica, ainda que tenha por verdadeiro o

fato e conclua pelo benefício causado por ele aos investigantes, não posso considerá-

lo influenciável no pleito a ponto de desequilibrar a disputa porque os autos não

demonstram o alcance do ato perpetrado pelo Pastor Joel; não há prova da quantidade

de panfletos distribuídos e, consequentemente, da quantidade de eleitores alcançados.

Impossível mensurar o nível de afetação do equilíbrio da disputa.

Em razão disso, desconsidero o fato, conquanto verdadeiro, como

ocorrência comprometedora do equilíbrio do pleito municipal de 2008 em Januária.

Lado outro, ainda que possa ser considerada irregular a propaganda

levada a efeito pelo Pastor Joel em favor dos investigados, cuja responsabilidade e

prévia ciência deles decorre do já assinalado dever dos candidatos de fiscalização e

controle dos atos de seus prepostos, ao tempo de sua efetivação a legislação

eleitoral não previa qualquer punição para o ato nos limites em que foi perpetrado

(diversamente da atual legislação, modernizada com a edição da Lei 12.034/2009).

Assim, deixo de aplicar multa aos investigados.

4) Distribuição de falsos “santinhos”

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Tem-se, nessa situação, novamente a falta de prova da quantidade de

material produzido e distribuído, situação impeditiva de consideração do fato como

causador de interferência negativa relativamente ao pleito municipal ocorrido em

Januária em outubro de 2008, ainda que se possa admitir que os investigados

obtivessem benefício de tal ato. A par disso, conquanto admissível a hipótese dos

investigados se beneficiarem desse fato, não há prova de que fossem eles os autores

da “façanha” ou que tivessem contribuído para a efetivação dela.

Única solução possível: desconsiderar o fato como interferente no pleito.

5) Realização de despesas não contabilizadas

Os autores alegaram: “Fica evidente, Senhor Juiz, que nenhuma das

despesas relativas às matérias publicadas, aos panfletos editados, inclusive aqueles

feitos pelo Pastor Joel, foram contabilizados como despesas ou auxílios à campanha

dos Investigados. Muito menos os gastos com a confecção dos santinhos acima

referidos”. Alegaram ainda: Reinaldo Melo e Silva Júnior ingressou na Justiça do

Trabalho contra o Investigado Maurílio Arruda, cobrando-lhe pagamento no valor de R$

257,00 (duzentos e cinquenta e sete reais). Reinaldo Melo e Silva Júnior prestou

serviços à candidatura dos Investigados, mas não estava registrado como funcionário

nem os pagamentos efetuados a ele foram contabilizados como gasto de campanha

dos Investigados.”

Pois bem. Não considerei os investigados responsáveis pelas publicações

irregulares das matérias jornalísticas – considerei tão-somente que elas, sob graves

circunstâncias, tiveram potencial de interferir no pleito em favor dos investigados.

Assim, porque não os considerei responsáveis por propaganda irregular – à ausência

de prova robusta de ato comissivo ou ciência – não poderia exigir deles que

contabilizassem os valores inerentes a tais publicações. De igual forma, não posso

exigir deles a contabilização dos gatos relativos às despesas decorrentes da suposta

falsificação da primeira página da FOLHA DO NORTE, cuja ocorrência desconsiderei

para fins de aplicação de sanção nesta AIJE. Segue a mesma sina as despesas

inerentes à confecção dos “santinhos” falsos, por conta da ausência de prova da

contribuição dos investigados no evento.

No que respeita à questão inerente a Reinaldo Melo e Silva Júnior, ao

largo da discussão sobre influência da responsabilidade eleitoral neste feito acerca

alteração do pólo passivo da demanda trabalhista, para nela fazer constar como

reclamado Eder Fábio Guedes Carvalho Barbosa, que, aliás, apresentara-se naquela

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audiência como preposto do investigado Maurílio Neris de Andrade Arruda, conforme

evidenciado à f. 54, a despesa, no valor de R$ 257,00, foi devidamente declarada à

Justiça Eleitoral, conforme demonstrado à f. 1470 e 1477.

Por fim, quanto à falta de contabilização das despesas inerentes aos

panfletos divulgados pelo Pastor Joel, considerados efetiva propaganda irregular, anoto

que a legislação de regência não prevê aplicação de sanção pecuniária. Assim, como a

questão de influência no pleito já restou decidida alhures. Nenhuma outra sanção se

torna cabível à espécie neste processo.

6) Uso da “máquina administrativa”

Impossível, a meu pensar, com base nos elementos destes autos, imputar

aos investigados o uso da “máquina administrativa” em favor deles na eleição municipal

ocorrida em Januária em outubro de 2008.

Naquela ocasião, o prefeito municipal de Januária era o senhor Sílvio

Joaquim de Aguiar, candidato à reeleição e, pois, adversário/concorrente tanto dos

investigados quanto dos investigantes.

É bem verdade que Sílvio não pode levar sua candidatura até o momento

da votação porque teve seu registro cassado, fato ocorrido cerca de três dias antes do

pleito. Sabe-se que a partir de então, ele passou a prestar apoio aos investigados, mas

não se pode extrair desse fato a conclusão de uso da “máquina administrativa” em

favor deles. Nem mesmo a alusão à mensagem “o 15 agora é 36” (f. 19),

supostamente emitida pelos correligionários do ex-candidato Silvio em favor dos

investigados – cuja ocorrência, aliás, não foi provada nestes autos – seria capaz, a

meu ver, de transferir possível uso da “máquina administrativa” pelo então candidato

Sílvio a benefício dos investigados.

A alegação de que vários médicos contratados pelo Município de Januária

estariam, ao atender pacientes, pedindo votos em favor do investigado Maurílio,

conforme demonstrado no documento de f. 51, ainda que configure conduta vedada de

servidor público, passível de punição, aliás, tal qual ocorreu com o médico signatário

daquele documento, Dr. Joel Henrique Grellmann, na conformidade da Representação

Eleitoral nº 0919/08 (ff. 55/62), não deságua, sob minha óptica, em uso generalizado da

“máquina administrativa” em favor de candidato, conforme pretendem fazer crer os

investigantes. Penso que, nesse caso, ocorreu simplesmente conduta ilícita pontual,

isolada, de servidor público, já devidamente processada na Justiça Eleitoral.

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7) Uso de dinheiro do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Januária em favor

da campanha dos investigados

Não há, nestes autos, prova de que tenham sido utilizados recursos

financeiros do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Januária em favor da campanha

dos investigados. Penso que tampouco se poderia cogitar de situação dessa natureza,

uma vez que o tesoureiro daquela entidade ao tempo da campanha, o senhor Antônio

Rosa dos Santos, era filiado ao PT, partido dos investigantes, pelo qual também

concorreu ao cargo de vereador.

Obviamente, sendo adversário político dos investigados, o referido

tesoureiro jamais concordaria em financiar, mediante desvio de recursos do sindicato, a

campanha dos concorrentes de seu próprio partido. Aliás, nesse sentido, pesa em

desfavor da pretensão dos investigantes a declaração contida nos autos à f. 142.

Ademais disso, nem sequer chegou a ser aventada pelos investigantes a

hipótese de existência de “caixa dois” no indigitado Sindicato.

Ainda que alguns documentos comprobatórios de despesas tenham sido

apresentados pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Januária sem a devida

assinatura da pessoa vinculada à respectiva despesa (v.g. ff. 561, 658, 736, 863, 960,

1227, 1264, 1320 e 1326), considero relativamente a eles apenas irregularidade

sanável do ponto de vista contábil, incapaz de conduzir à conclusão de que os valores

ali referidos (em sua grande maioria relativa a pagamento de vencimentos de membros

da diretoria e honorários dos prestadores de serviço ao Sindicato), tivessem se

desviado para a campanha eleitoral em favor dos investigados.

8) Reativação do jornal FOLHA DE JANUÁRIA

Com base na prova testemunhal produzida – depoimento de Rita de

Cássia Moreira – tenho por comprovada a utilização do jornal FOLHA DE JANUÁRIA

em benefício dos investigados em campanha eleitoral.

Os investigados buscaram, na audiência de instrução e por renovação em

alegações finais, desacreditar a validade do depoimento da referida testemunha, sob o

fundamento de que atualmente ela seria “inimiga política” do investigado Maurílio e

poderia agir por vingança.

Contudo, não penso dessa forma. O depoimento a mim se mostrou válido,

firme e convincentemente livre de qualquer vício. Junte-se a isso o fato de que Rita

também fora arrolada como testemunha pelos investigados à ff. 132.

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Pois bem, a reativação do jornal FOLHA DE JANUÁRIA para fins de

utilização em benefício da campanha dos investigados, considerada a tiragem do

periódico em 300 exemplares por edição, por si só, não seria suficiente para interferir

no equilíbrio do pleito. Mas, considerando-se a repetição das edições, bem assim

aquele fato referente ao encarte publicado na no jornal A VOZ DO POVO, concluo que

se trata de uma situação especial e capaz sim de causar desequilíbrio na disputa, pois

de grão em grão...

Em vista desses fundamentos, acolho a ocorrência do fato como

interferência no equilíbrio do pleito em favor dos investigantes.

Além disso, considero o fato como realização de propaganda irregular por

meio da imprensa escrita, com efetiva participação do investigado Maurílio Neris de

Andrade Arruda, a quem comino a pena de multa prevista no art. 43, parágrafo único

(vigente ao tempo dos fatos, conforme redação da Lei 11.300/2006), que será fixada

em seu patamar mínimo por se tratar da primeira ocorrência noticiada em desfavor do

investigado em questão.

Afora a participação do investigado Maurílio e da pessoa de Alexandre

Rego (que não é investigado neste feito) na elaboração das matérias publicadas no

jornal A VOZ DO POVO, não há prova de atuação semelhante relativamente aos

investigados Afonso José e da Coligação Reconstruindo uma nova Januária, senão

como beneficiários desses atos, razão por que não se lhes pode ser aplicada multa.

Ainda nesse tópico, constou do depoimento da testemunha Rita – ff.

1573/1574 – alusão a um possível boleto bancário emitido em favor do Sindicato dos

Trabalhadores Rurais de Januária mas continente de número de conta corrente

pertencente ao referido Alexandre Rego, que seria utilizado como forma de

arrecadação de fundos.

A esse respeito, anoto que o fato foi objeto do Pedido de Providência

Eleitoral nº 1699/09, instaurado por provocação do Ministério Público Eleitoral e que

tramitou sob segredo de Justiça, para fins de exame de todos os lançamentos

efetivados em conta de Alexandre de Sá Rego, no Banco Itaú S/A, bem assim para fins

de apuração da existência e destinação dos recursos possivelmente captados

mediante boleto bancário com as características indicadas pela testemunha Rita.

Dito processo foi extinto e arquivado depois de apresentação de parecer

ministerial conclusivo quanto à ausência de prova do fato em apuração.

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9) Compra de votos

Tenho que os fatos relatados na inicial veiculam, em sua maioria, quanto

a essa questão, o mesmo propósito de transferência aos investigados da

responsabilidade por atos referentes à “Administração Sílvio Aguiar”, tendo como

fundamento o apoio que o ex-candidato Sílvio passou a dispensar aos requeridos,

depois que saiu da disputa pelo cargo de prefeito de Januária, um pouco antes da

realização do pleito. Assim ocorre, conforme penso, com relação às reformas de

escolas nas comunidades de Palmeirinha, de Passagem do Jatobá e de Cantinho; da

instalação do telecentro em Pandeiros e doação de um trator à comunidade de Lapão.

A par da impossibilidade – conforme já manifestei no item 6 acima – da

transferência de responsabilidade pelos atos possivelmente perpetrados pela

“Administração Sílvio Aguiar” aos investigados, não considero os fatos relatados como

configuradores de efetiva compra de votos.

A captação de sufrágio – popularmente conhecida por “compra de voto” –

somente se consubstancia se a entrega, ou até a simples promessa, de qualquer

vantagem a eleitor se fizer de forma individualizada, situação que não se conforma com

os relatos trazidos na inicial.

Ainda que se admitam por verdadeiros os fatos relatados, as possíveis

vantagens decorrentes de reformas de escolas, implantação de telecentro e doação de

máquina alcançariam os eleitores de forma coletiva, inserindo-se na condição de

execução de planejamento administrativo municipal. Daí porque impossível admitir a

caracterização da chamada “compra de votos”, embora o ato pudesse configurar, em

tese, possível abuso de poder econômico (já afastado em exame de tópico anterior).

Ademais disso, o entendimento pacificado no âmbito do Tribunal Superior

Eleitoral é de que, para a caracterização da captação de sufrágio, é indispensável a

prova de participação direta ou indireta dos investigados nos eventos denunciados,

ainda que na forma anuência explícita da conduta objeto da investigação, não

bastando, para a configuração, o proveito eleitoral que com os fatos tenham auferido,

ou a presunção de que desses tivessem ciência. A ausência de prova de participação

dos candidatos na conduta investigada afasta a ocorrência de punições.

No que respeita à alegação de que o comerciante José Alcides, da

comunidade de Pandeiros, teria recebido R$ 2.000,00 além de um pacote de

“santinhos” adulterados para entrega à população, tem-se que, a par da falta de prova

dessa ocorrência, o fato de forma alguma configuraria “compra de votos”.

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De igual forma, também não se enquadra em possível captação de

sufrágio o fato relatado envolvendo a 1ª secretária da mesa receptora de votos da

seção 0064, Flávia Guedes Rodrigues, que teria escrito no verso de seu crachá o

número 36, alusivo aos investigados, senão crime eleitoral punível em processo

próprio.

CONCLUSÃO

Em conclusão, o reconhecimento da existência de fatos capazes de

consubstanciar atos ilegais imputados à responsabilidade dos investigados (ainda que

se acolha somente parte das acusações) leva à procedência da investigação e, por

consequência, ao decreto de inelegibilidade de ambos os candidatos – titular e vice –

que, por conta do advento da Lei Complementar 135/90 será de 8 (oito) anos, contados

da data da realização das eleições.

Relativamente a esse ponto, assinalo que, conforme precedente do

Tribunal Superior Eleitoral, a imposição do prazo de inelegibilidade não configura pena

no sentido restrito do Direito Penal a que a lei veda retroatividade. Vide a respeito:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2010. DEPUTADO ESTADUAL. CONDENAÇÃO POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA PROFERIDA POR ÓRGÃO COLEGIADO. ART. l, 1, DA LC N° 64/90, COM REDAÇÃO DA LC N° 13512010. CONSTITUCIONALIDADE. INELEGIBILIDADE NÃO CONSTITUI PENA. INOVAÇÃO DAS TESES RECURSAIS. NÃO PROVIMENTO.1. O Tribunal Superior Eleitoral firmou o entendimento de que a Lei Complementar n° 135/2010 é constitucional e se aplica às eleições de 2010. Precedente.2. A inelegibilidade não constitui pena, mas sim requisito a ser aferido pela Justiça Eleitoral no momento do pedido de registro de candidatura. Precedente. Como consequência de tal premissa, não se aplicam à inelegibilidade os princípios constitucionais atinentes à eficácia da lei penal no tempo, tampouco ocorre antecipação da sanção de suspensão dos direitos políticos, prevista para a condenação com trânsito em julgado pela prática de ato de improbidade administrativa. Precedente.3. Agravo regimental não provido.(TSE – Agravo Regimental no Recurso Ordinário n° 4995-41 – Relator: Ministro Aldir Passarinho Junior – Decisão: 26.10.2010).

Assim é que, em razão do exposto, JULGO PROCEDENTE A

PRETENSÃO DEDUZIDA NA PRESENTE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL e,

reconhecendo uso indevido de meios de comunicação e efetivação de propaganda

irregular, em desequilíbrio do pleito, DECRETO A INELEGIBILIDADE dos investigados

MAURÍLIO NERIS DE ANDRADE ARRUDA e AFONSO JOSÉ DOS SANTOS pelo

período de 8 (oito) anos a contar da data da realização da eleição municipal de 2008,

nos termos do inciso XIV da LC 64/90 (com redação dada pela LC 135/2010).

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CONDENO, ainda, o investigado MAURÍLIO NERIS DE ANDRADE

ARRUDA ao pagamento da multa de R$ 1.000,00, conforme previsão no art. 43,

parágrafo único (vigente ao tempo do fato) da Lei 9.504/97.

Não há, para o caso em apreso, condenação ao pagamento de custas

processuais e de honorários advocatícios.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Transitada em julgado, procedam-se às anotações de praxe,

REMETENDO-SE os autos ao MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL para as

providências previstas no inciso XIV, parte final, da Lei Complementar 64/90.

Januária, 10 de janeiro de 2011.

Alex Matoso Silva

Juiz Eleitoral – 148ªZE

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