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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM FILOSOFIA
DISSERTAO DE MESTRADO EM FILOSOFIA
ALLAN DAVY SANTOS SENA
NIETZSCHE E O TIPO PSICOLGICO DO REDENTOR
CAMPINAS SP
2012
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FICHA CATALOGRFICA ELABORADA PORCECLIA MARIA JORGE NICOLAU CRB8/3387 BIBLIOTECA DO IFCH UNICAMP
Sena, Allan Davy Santos, 1982-Se55n Nietzsche e o tipo psicolgico do redentor / Allan
Davy Santos Sena. - - Campinas, SP: [s. n.], 2012.
Orientador: Oswaldo Giacoia JuniorDissertao (mestrado) - Universidade Estadual deCampinas, Instituto de Filosofia e Cincias Humanas.
1. Nietzsche, Friedrich Wilhelm,1844-1900.2. Psicologia. 3. Filologia. 4. Idiotia. 5. Ressentimento.I. Giacoia Junior, Oswaldo, 1954- II. Universidade Estadual deCampinas. Instituto de Filosofia e Cincias Humanas.III.Ttulo.
Informao para Biblioteca Digital
Ttulo em Ingls: Nietzsche and the psychological type of the redeemerPalavras-chave em ingls:
PsychologyPhilologyIdiocyResentmentrea de concentrao: FilosofiaTitulao: Mestre em FilosofiaBanca examinadora:Oswaldo Giacoia Junior [Orientador]Ernani Pinheiro ChavesRogrio Antnio LopesData da defesa: 15-08-2012Programa de Ps-Graduao: Filosofia
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ALLAN DAVY SANTOS SENA
NIETZSCHE E TIPO PSICOLOGICO DO REDENTOR
Exemplar correspondente a eda
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Para Ernani Chaves, mestre e amigo.
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AGRADECIMENTOS
Agradeo a orientao honrosa e primorosa do professor Oswaldo Giacoia Junior, e
a oportunidade nica que ele me ofereceu de buscar a liberdade e autonomia de pensamentoao trabalhar com uma temtica to prxima sua prpria pesquisa, sem nunca deixar queeu me perdesse pelo caminho, direcionando-me sempre com a maior preciso, pacincia epropriedade.
Ao professor Ernani Chaves, por toda a instruo na arte de ler Nietzsche, por toda asua inaprecivel ajuda, sem a qual nada disso seria possvel, por seu apoio constante, porsua confiana em minha pesquisa, por seu exemplo e amizade, e por ter aceitado o convitepara compor a banca de Defesa.
Sou profundamente grato ao professor Henry Burnett e sua famlia, Fabiana eJoo, por terem gentilmente me hospedado em So Paulo sempre que precisei; sem esseimenso favor eu nunca poderia ter prosseguido no Mestrado. Agradeo tambm aoprofessor Henry pela inestimvel amizade e por ser um dos meus maiores modelos deeducador e pesquisador, pois, mesmo sem ter tido a honra de t-lo oficialmente como meuprofessor, nosso convvio foi e tem sido imprescindvel para minha formao. Sou lhegrato tambm por aceitar o convite para compor a banca de Qualificao.
Ao professor Peter Pl Pelbart, por ter gentilmente aceitado o convite de explorar OAnticristo, por suas observaes e crticas precisas, coerentes e certeiras. Ao professorRogrio Lopes pelo exemplo e inspirao, e por ter aceitado o convite para compor a bancade Defesa, o que me deixa muito honrado.
minha me, Maria Celeste Santos Sena, por ter se mantido forte. Aos meusirmos, Alex e Andr, pela unio de foras. Aos meus sobrinhos, Lorena, Letcia, Luiz eSara, por no se comportarem sequer um minuto. minha namorada, Elizngela, peloapoio, companhia, pacincia e cumplicidade. Ao tio Clio, tia Rosngela e ao Kayson.
Reconheo a valorosa e inestimvel amizade dos amigos Thiago Furtado (que, entrediversos outros grandes favores, cordialmente me hospedou em So Paulo durante o examede seleo do Mestrado), Alberto Alcolumbre, Anbal Neves e Renato Ribeiro. Ao meuvelho amigo Rubem Neto, pela leitura atenta e sugestes. Ao meu grande amigo RicardoMachado, pelo bom ano de convivncia na Unicamp e pela ajuda na matrcula doDoutorado. Ao amigo Marcos Machado. Ao Renato Nunes Bittencourt, grande amigo ecolega na pesquisa sobre O Anticristo, pela constante e frutfera troca de idias. E aosamigos e colegas do CriM, Bruno Machado e Wander de Paula.
Aos funcionrios das Bibliotecas do IFCH, IEL e IA da UNICAMP, que muitocontriburam para a elaborao dessa pesquisa. Snia Cardoso e Maria Rita daSecretaria de Ps-Graduao do IFCH da UNICAMP, por todo o auxlio prestado.
Ao CNPq, pela bolsa de estudos concedida, sem a qual esta pesquisa no poderia tersido realizada.
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Na verdade, no se fillogo e mdico sem ser tambmanticristo. Como fillogo, olha-se portrsdos livrossagrados; como mdico, por trs da degeneraofisiolgica do cristo tpico. O mdico diz incurvel;o fillogo, fraude... (Nietzsche, O Anticristo 47).
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RESUMO
Esta Dissertao tem como objetivo apresentar o diagnstico do tipo psicolgico de Jesusfeito por Nietzsche emO Anticristo. Segundo Nietzsche, uma das teses para a soluo do
problema da gnese do cristianismo est no entendimento de como o tipo psicolgico doredentor foi adulterado pelo cristianismo eclesistico. O tipo de Jesus classificado porNietzsche como idiota, ou seja, um homem portador de uma constituio fisiolgicadegenerada, que o torna incapaz de obter um crescimento natural; detentor de umasensibilidade mrbida dor, este tipo se v impedido de entrar em contato com a realidade,o que o leva a voltar-se sobre sua prpria interioridade e a no opor qualquer resistncia sameaas externas. O evangelho de Jesus representa uma prtica natural e no ressentidapara a dcadencepor meio da aceitao de seu condicionamento fisiolgico, tal prtica foicorrompida pelo cristianismo eclesistico enquanto uma doutrina de salvao da alma, pelaqual a vida negada em sua totalidade.
Palavras-chave: Psicologia; Filologia;Dcadence; Idiotia; Ressentimento.
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ABSTRACT
This Dissertation aims to present the diagnosis of the psychological type of Jesus given byNietzsche in The Antichrist. According to Nietzsche, one of the theses for the solution of
the problem about the genesis of Christianity is in understanding how the psychologicaltype of the redeemer has been adulterated by the ecclesiastical Christianity. The type ofJesus is classified by Nietzsche as idiot, namely, a man who has a degenerate physiologicalconstitution, which makes him unable to obtain a natural growth; bearing a morbidsensitivity to pain, this type finds itself unable to make contact with reality, leading him toturn over into his own interiority, opposing no resistence to the external threats. Theevangelium of Jesus represents a natural and not resentful practice to dcadence throughthe acceptance of their physiological conditioning, such practice has been corrupted byecclesiastical Christianity as a doctrine of salvation of the soul, by which life is denied in itstotality.
Keywords: Psychology; Philology;Dcadence; Idiocy; Resentment.
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LISTA DE ABREVIATURAS
KSA Smtliche Werke. Kritische Studienausgabein 15 Bnden. Hrsg. Giorgio Colli undMazzino Montinari. Berlin/New York: DTV & Walter de Gruyter, 1980.
KSB Smtliche Briefe. Kritische Studienausgabe. Hrsg. Giorgio Colli und MazzinoMontinari. Berlin/New York: DTV & Walter de Gruyter, 1986.
KGB Nietzsche Briefwechsel. Kritische Gesamtausgabe. Herausgegeben von: Colli,Giorgio und Montinari, Mazzino. Berlin, New York: Walter de Gruyter, 1975.
NT O nascimento da tragdiaFTA filosofia na poca trgica dos gregosCP Cinco prefcios para cinco livros no escritosCo. Ext. I Consideraes Extemporneas I:David Strauss, o confessor e o escritor
Co. Ext. II Consideraes Extemporneas II: Da utilidade e desvantagem da historia
para a vidaVM Sobre verdade e mentira no sentido extra-moralHHIHumano, demasiado humanoIOSHumano, demasiado Humano II: Opinies e sentenas diversasASHumano, demasiado Humano II: O andarilho e sua sombraAAuroraGCA gaia cinciaZAAssim falou ZaratustraBMAlm de bem e malGM Genealogia da moralCW O caso WagnerCI Crepsculo dos dolosNWNietzsche contra WagnerAC O AnticristoEHEcce HomoFP Fragmentos pstumos (seguido da numerao do fragmento e da poca em que foiescrito).
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Nota sobre as tradues:
As citaes das obras de Nietzsche seguem as tradues da Coleo das Obras de Nietzschecoordenada por Paulo Csar de Souza publicada pela Companhia das Letras. Para os textos
que no fazem parte dessa coleo, salvo indicao contrria, utilizaremos a traduo deRubens Rodrigues Torres Filho feita para o volume dedicado a Nietzsche da coleo OsPensadores. A leitura das obras O caso Wagner, Crepsculo dos dolos, Ecce Homoe OAnticristo, foi freqentemente acompanhada com a do texto original, bem como com a deoutras tradues. Foram feitas, assim, em alguns momentos, poucas e ligeiras modificaesna traduo dessas obras, tais modificaes sero sempre indicadas. A sigla PCS refere-ses tradues de Paulo Csar de Souza, e a sigla RRTF, s de Rubens Rodrigues TorresFilho. No caso dos pstumos, a traduo de nossa autoria, tendo como base o cotejo entrea edio da KSA e a da uvres philosophiques compltes publicadas pela Gallimard. Omesmo no que se refere s cartas, pelo cotejo, quando possvel, da KSB e da KGB com astradues consultadas, listadas nas Referncias Bibliogrficas.
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SUMRIO
INTRODUO, 21
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VIDAS DE JESUS, 451.1 Strauss e o mtodo histrico crtico, 451.2 Strauss e a sua confisso, 471.3 A primeiraExtempornea, 491.4Das Leben Jesu, exame crtico, 54
1.4.1 O mito como criao coletiva, 611.4.2 A no historicidade dos Evangelhos, 631.4.3 O problema das contradies, 641.4.4 As fontes do mito de Jesus, 661.4.5 O mito do nascimento virginal, 701.4.6 Impossibilidade de uma vida de Jesus, 721.4.7 Edio popular deDas Leben Jesu,74
1.5 Crtica aDas Leben Jesuna primeiraExtempornea, 761.6 Crtica aDas Leben Jesuem O Anticristo,781.7 Nietzsche e seu antpoda, Renan, 801.8 Renan contra Strauss, 1051.9 Vie de Jsus, 115
1.9.1 Crtica das fontes, 1161.9.2 O mtodo de Renan, 1191.9.3 O carter de Jesus, 1201.9.4 Jesus e os seus sublimes paradoxos, 1231.9.5 O estabelecimento do reino de Deus, 1271.9.6 O Filho de Deus, o Filho do Homem e o Messias, 1301.9.7 Jesus como heri, 1321.9.8 Jesus como gnio, 138
1.10 O erro de Renan em questes psicolgicas, 143 1.11 Crtica ao Jesus heri e gnio de Renan, 145
2 O PROJETO DE UMA PSICOLOGIA DO REDENTOR, 1492.1 A elaborao do projeto de uma psicologia do redentor, 1502.2 O mtodo de Nietzsche, 1612.3 Wellhausen e o processo de desnaturalizao dos valores naturais, 1712.4 A corrupo psicolgica dos Evangelhos, 192
3 FISIO-PSICOLOGIA DO TIPO JESUS, 2093.1 Fr, degenerescncia e hiperexcitabilidade, 214
3.1.1 Sensation e mouvement, 2273.1.2 Dgnrscence et criminalit, 244
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3.2 Fisiologia da redeno, 2543.3 A idiotia como condio degenerativa, 281
3.3.1 Desenvolvimento do conceito nosogrfico de idiotia, 2883.3.2 A teoria da degenerescncia, 313
3.3.3 A neurastenia, 3253.3.4 A idiotia nas fontes de Nietzsche, 3293.4 O cristianismo anarquista de Tolsti, 3363.5 Jesus e o prncipe Mchkin de Dostoivski, 3443.6 Tipo Jesus, 360
3.6.1 O judasmo como mundo tschandala, 3643.6.2 A realidade fisiolgica do tipo Jesus, 384
CONSIDERAES FINAIS: Redeno para o Redentor ou redeno do redentor,427
APNDICE I: A inveno do cristianismo por Paulo, 461APNDICE II: O tipo psicolgico do Parsifal de Wagner, 485
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS, 511
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INTRODUO
Em 8 de janeiro de 1889, Franz Overbeck, temendo pela sanidade de Nietzsche aps
este lhe enviar bilhetes estranhos, chega a Turim a fim de socorrer o amigo, masinfelizmente j o encontra tomado pelo delrio, rodeado de um amontoado de papis 1,
segundo o prprio testemunho do professor da Universidade de Basilia. 2No meio daquele
aglomerado de cadernos e folhas esparsas, ele encontrou, encoberto cuidadosamente em
uma capa, o manuscrito intitulado O Anticristo, assim como tambm achou ali os
manuscritos de Ecce Homo, Crepsculo dos dolos e Ditirambos de Dionsio, levando
todos consigo para Basilia. Devemos, assim, a esse gesto de valor incomensurvel do fiel
amigo de Nietzsche a transmisso para a posteridade do cumprimento da ltima filosofia
daquele que se autodenominava discpulo do filsofo Dionsio. 3 O manuscrito de O
Anticristo, j ordenado para publicao, continha ainda no frontispcio o subttulo
Transvalorao de todos os valores, o qual, porm, havia sido riscado por Nietzsche,
provavelmente em um dos seus ltimos atos conscientes, que optou pela deciso de
substitu-lo por Maldio ao cristianismo. Overbeck, o primeiro leitor de O Anticristo,
fez uma cpia do mesmo na Basilia. Posteriormente, enviou a Peter Gast tanto o
manuscrito original quanto a cpia. Gast, por sua vez, os entregou a irm de Nietzsche,
Elisabeth, em 13 de novembro de 1893. A partir desse momento, o livro iniciar uma
jornada tortuosa por um sombrio caminho de ocultamento, manipulao, incompreenso e
indiferena, do qual, aos poucos, vem emergindo, no sem acabar se extraviando, volta e
meia, por um trecho mais obscuro.
Em um ato um tanto quanto enigmtico, tendo em vista o seu forte pietismo,
Elisabeth Fster-Nietzsche trouxe a pblico j em 1895, a primeira edio de O Anticristo.
Todavia, essa primeira edio de um livro que Nietzsche deixara pronto para a publicao
1 Para mais detalhes, cf. a belssima introduo de Andrs Snchez Pascal, in: Nietzsche, Friedrich. ElAnticristo: Maldicin sobre el cristianismo. Introduccin, traduccin y notas de Andrs Snchez Pascual.Madrid: Alianza Editorial, 2003, pp. 7-25.2 Cf. Overbeck, Franz. Souvenirs sur friedrich Nietzsche. Traduit par Jeanne Champeaux. Paris: ditionsAllia, 2000, pp. 25-30.3 Ao salvar esse livro [O Anticristo], Overbeck salvou a expresso mais clara, mais enrgica, maiscontundente a chave, junto com os Ditirambos de Dionsio da ltima inteno de Nietzsche (Pascual,Loc. Cit., p. 7).
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acabou sendo o primeiro ato de manipulao operado pelo Arquivo-Nietzsche nos escritos
pstumos do filsofo. O manuscrito de O Anticristo foi examinado letra por letra.
Algumas palavras foram eliminadas; alguns pargrafos, suprimidos; algumas frases,
retocadas; as citaes bblicas, corrigidas quando a memria de Nietzsche parecia haverfalhado. 4Mas o mais grave foi fazer crer que O Anticristoera o primeiro livro da suposta
obra magna de Nietzsche, A vontade de poder. As duas edies subseqentes da
fraudulenta obra editada pelo Arquivo-Nietzsche sob a gide da irm do filsofo deram
incio ao deslocamento do papel de O Anticristo no interior do projeto filosfico de
Nietzsche. Ofuscado pela grande importncia e preferncia dada suposta obra capital de
Nietzsche, O Anticristofoi relegado a ltimo plano entre as obras do filsofo. Ainda pior,
passou a ser comum atribuir a violncia das sentenas ali proferidas contra o cristianismo
ao suposto estado j avanado da enfermidade de Nietzsche. Em 1961, Erich F. Podach
revelou em sua publicao de O Anticristo, as adulteraes feitas na obra, publicando pela
primeira vez a Lei contra o cristianismo que a encerra. Mas foi somente com o
lanamento da edio organizada por Colli e Montinari juntamente com seu aparato crtico,
que se esclareceu finalmente que Nietzsche havia abandonado o seu antigo projeto
intituladoA vontade de poder, bem como o projeto seguinte intituladoA transvalorao de
todos os valores 5, e havia tomado a deciso de apresentar O Anticristo como sendo,
somente ele, a inteira realizao de A transvalorao de todos os valores 6, por ltimo,
pensada finalmente como uma necessriaMaldio ao cristianismo. 7
4Pascual, Loc. Cit, p. 12.5A transvalorao de todos os valores foi projetada como sendo composta por quatro livros, dos quais OAnticristoseria inicialmente o primeiro.6 Cf. Colli, Giorgio. Escritos sobre Nietzsche. Traduo e prefcio de Maria Filomena Molder. Lisboa:Relgio Dgua Editores, 2000. Ver tambm: Montinari, Mazzino. La volont de puissance nexiste pas.Texte tabli et postfacpar Paolo dIorio, traduit de litalien et prcd dune notepar Patricia Farazzi &Michel Valensi. Paris : Editions de lclat, 1996. Cf. igualmente Souladi, Yannick. Christ et Antichrist:figures de lInversion des valeurs chez Nietzsche. In: Actes du premier Colloque International dtudes
Midrashiques. tel: CIEM, 2005. Aps Assim falou Zaratustra, Nietzsche decide lanar-se em um grandeprojeto filosfico ao qual ele d, entre outros, o nome de Vontade de poder [puissance]. No fim de julho de1888, abandona definitivamente esse projeto e, em 7 de setembro, inicia a redao de uma Transvalorao[Inversion] de todos os valores em quatro livros. O primeiro livro dessa Transvalorao, O Anticristo, concludo no dia 30 de setembro. Mas, repentinamente, em 20 de novembro, em uma carta a Georg Brandes,
Nietzsche apresenta OAnticristocomo constituindo, somente ele, a Transvalorao de todos os valoresemsua totalidade. A partir desse dia, Nietzsche considerar, em todas as suas cartas, OAnticristo como oacabamento de sua filosofia (Souladi, Op. Cit, p. 144). A traduo de Ecce homofeita por Paulo Csar deSouza para a Companhia das Letras apresenta algumas decises editoriais que vo de encontro s intenes de
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Entre os trabalhos basilares para a retomada de O Anticristo como a obra que
contm o autntico acabamento da ltima filosofia de Nietzsche, devemos destacar as
imprescindveis contribuies de Jrg Salaquarda 8, Andreas Urs Sommer 9 e Yanick
Souladi 10, na recepo europia, e de Oswaldo Giacoia Junior 11e Fernando Barros 12narecepo brasileira. 13O artigo Der Antichrist de Salaquarda provavelmente representa o
marco inicial naNietzsche-Forschungpara a devida reinsero de O Anticristocomo ponto
culminante no interior do conjunto dos ltimos escritos de Nietzsche. Salaquarda mostrou
que nem o ttulo e nem o derradeiro subttulo do livro possuem um carter negativo, mas
sim plenamente afirmativo. A maldio que Nietzsche lana contra o cristianismo dirigida
Nietzsche quanto ao papel que O Anticristodeveria assumir no conjunto de suas ltimas obras. Ao que tudoindica, a edio de referncia utilizada pelo tradutor foi a de Karl Schlechta. Na nota 8 (p. 120-122), PCSinforma que no disps da edio Colli e Montinari alem (somente de sua traduo francesa), e queconsidera exagerada a importncia que se d em tal edio s ltimas modificaes que Nietzsche haviadecidido fazer em Ecce Homo no final de dezembro de 1888, encontradas por Mazzino Montinari nosesplios de Peter Gast em 1972. Assim, PCS decide no substituir o antigo terceiro pargrafo do captulo Porque sou to sbio pelo novo (no qual Nietzsche afirma que os laos de parentesco com sua me e irm so asua maior objeo ao eterno retorno), optando por reproduzi-lo apenas na referida nota, informando tambmque as demais diferenas entre as edies seriam assinaladas. Entretanto, duas importantes ltimas alteraesfeitas por Nietzsche no texto de Ecce homodeixam de ser assinaladas pelo tradutor. No exergo que abre otexto, ao invs de: O primeiro livro da Tresvalorao de todos os valores, as Canes de Zaratustra, oCrepsculo dos dolos, meu ensaio de filosofar com o martelo tudo ddivas desse ano, alis de seu ltimotrimestre!, Nietzsche se decidiu por: ATransvalorao de todos os valores osDitirambosde Dionsioe,como recreao [zur Erholung], o Crepsculo dos dolos: tudo ddivas desse ano, alis de seu ltimo
semestre. E, em Porque escrevo to bons livros: Crepsculo dos dolos 3, ao invs de: A 30 desetembro, grande vitria; o stimo dia; ociosidade de um deus margem do P, Nietzsche se decidiu por: A30 de setembro, grande vitria, concluso da Transvalorao [Beendigung der Umwerthung]; stimo dia;ociosidade de um deus margem do p. Aproveitamos o ensejo para informar que optamos por traduzirUmwerthungpor transvaloraoao invs de tresvalorao.7Nesse transbordamento do elemento passional, a projetada Vontade de Poderperde todo interesse aos olhosde Nietzsche e substituda, superada e sintetizada peloAnticristo (Colli,Escritos sobre Nietzsche, p. 162).8Cf. Salaquarda, Jrg. Der Antichrist. In:Nietzsche Studien. Berlin: Walter de Gruyter, Band 2, 1972, pp.91-136.9 Cf. Sommer, Andreas Urs. Friedrich Nietzsches Der Antichrist. Ein philosophisch historischerkommentar. Basel: Schwabe e Co. G./Verlag, 2000.10 Cf., em especial, Souladi, Yannick. Prsentation : LInversion contra la Volont de puissance. In:Nietzsche LInversion des valeurs. Hildesheim/Zrich/New York : Georg Olmes Verlag, 2007, pp. 03-25.11
Cf. Giacoia Junior, Oswaldo. Labirintos da alma: Nietzsche e a auto-supresso da moral. Campinas, SP:Editora da UNICAMP, 1997.12Cf. Barros, Fernando de Moraes.A maldio transvalorada: o problema da civilizao em O Anticristode Nietzsche. So Paulo: Discurso Editorial; Iju: Editora UNIJU, 2002.13 Deve-se destacar tambm o recente trabalho de Renato Nunes Bittencourt, Nietzsche e a experinciareligiosa da imanncia na cultura trgica dos gregos e na prxis crstica originria.Tese de Doutorado.Riode Janeiro: IFCS / UFRJ, 2010. Em seu trabalho, Bittencourt procura mostrar que possvel afirmar que em OAnticristoh uma valorizao da imanncia da prxiscrstica de Jesus de modo semelhante valorizaoque Nietzsche faz da cultura trgica da Grcia.
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contra uma maldio mais original que nega o mundo, a vida enquanto vontade de poder e
os valores nobres. A maldio ao cristianismo , na verdade, uma negao dessa negao
original e, conseqentemente, uma afirmao. O trabalho de Salaquarda foi seguido de
perto por Giacoia Junior, que mostrou a importncia capital de O Anticristo para oentendimento do movimento de auto-supresso da moral no interior do ltimo perodo da
filosofia nietzschiana. Fernando Barros se esforou para mostrar como O Anticristo na
verdade um Sim travestido de No, que somente nesse dizer No a uma negao suprema,
pode-se dizer Sim em sua forma mais elevada. A obra monumental de Sommer reforou a
interpretao que v em O Anticristoa soluo mais acabada dos problemas que assaltaram
Nietzsche em sua ltima fase, fornecendo todo o contexto cultural e o debate terico em
que os argumentos apresentados na obra se inserem. Recentemente, o trabalho de Souladi
representa o avano mais significativo na pesquisa sobre O Anticristo. Atacando
principalmente as interpretaes de Heidegger e Jaspers que vem em O Anticristo uma
obra eminentemente contraditria, Souladi aponta para a impossibilidade de se
compreender o real significado dessa obra sem que se faa referncia s fontes utilizadas
pelo filsofo durante a sua elaborao, principalmente Tolsti e Dostoivski. Segundo ele,
as supostas contradies apontadas por Heidegger e Jaspers em O Anticristo so fruto da
deciso de se tomar A vontade de poder como a obra principal de Nietzsche, e do fato
desses autores no estabelecerem uma necessria separao entre os argumentos
apresentados em Maldio ao cristianismo no que diz respeito a sua crtica ao
cristianismo (sobretudo no que se refere figura de Jesus), e aqueles presentes nos escritos
anteriores ao contato de Nietzsche com as fontes utilizadas por ele na elaborao de seu
ltimo escrito. Denominar o amadurecimento das idias de Nietzsche de contradio
ignorar o carter perspectivista de sua filosofia e a concepo defendida pelo filsofo de
que todo pensamento est em constante devir.
De fato, O Anticristo representa o verdadeiro acabamento do projeto filosfico deNietzsche. 14E a confiana e esperana que o prprio filsofo depositava em seu ltimo
14Em uma declarao primorosa a respeito de O Anticristo, Pascual afirma: Esta obra, com efeito, pedra deescndalo para todo aquele que ludicamente tenha buscado perder-se pelos labirintos do pensamentonietzschiano, porm, sem atrever-se a chegar ao ltimo rinco em que o Minotauro tem sua morada; esta obra,arma de combate de catlicos contra protestantes, de protestantes contra catlicos, de crentes contra ateus, de
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livro atestada pela deciso de oferecer oEcce Homocomouma espcie de prefcio, um
aperitivo 15, no qual ele apresenta um balano de suas obras passadas e anuncia O
Anticristopor vir, conferindo-lhe um lugar de destaque, ao lado de Assim falou Zaratustra,
no conjunto de sua obra. E, em uma carta a Peter Gast, datada de 22 de dezembro de 1888,aps a resoluo de tomar O Anticristo como sendo toda A transvalorao de todos os
valores, Nietzsche afirma ter passado, somente ento, a compreender pela primeira vez os
seus escritos. 16
Mas, sendo assim, por que O Anticristo foi to facilmente relegado categoria de
mero panfleto, privado de qualquer contedo filosfico srio, no acrescentando nada de
novo ao pensamento de Nietzsche, mesmo por importantes intrpretes do filsofo? 17Por
que, mesmo no interior da Nietzsche-Forschung atual, vrios intrpretes e especialistas
preferem guardar silncio sobre O Anticristo, aptos a conferir, por outro lado, um alto valor
filosfico, e em nada inferior as obras anteriores do filsofo, ao seu prefcio (isto , ao
Ecce Homo), e ao Crepsculo dos dolos, muito embora este ltimo seja apresentado por
Nietzsche como um descanso, uma recreao, necessria antes de impor humanidade
a sua maior provao, que se daria pela apresentao de O Anticristo? 18 Em uma
declarao basilar, Colli oferece uma importante pista para a compreenso desse quadro:
Na realidade, quando Nietzsche escrevia o Anticristo, a violncia do seu ataquepodia despertar perplexidade. Essa violncia pressupunha um inimigo em plenovigor, ao passo que j naqueles tempos a doutrina crist era mais risvel do quetemvel [...] E, no entanto, sai o livro de Nietzsche contra o cristianismo e foi
perturbador. certo que aqui no lemos que difcil pensar num Deus nico, queesteja dividido em trs pessoas: o que perturba neste livro uma inverso teatral
ateus contra crentes, de todos contra Nietzsche; esta obra, amaldioada, caluniada e desconhecida, aconcluso necessria, de todo o seu caminho mental. Se o pensamento de Nietzsche no leva a O Anticristo,no leva a lugar algum (Loc. Cit., pp. 7-8). Cf. tambm Winteler, Reto. Nietzsches Antichristals (ganze)UmwerthungallerWerthe. In:Nietzsche-Studien. Berlin: Walter de Gruyter, Band 38, 2009, pp. 229-245.15Cf. carta a Heinrich Kselitz de13 novembro de 1888.16Muito estranho! Faz 04 semanas que eu passei a compreender os meus prprios escritos, ainda mais, que
eu os aprecio. Dito com toda a seriedade: nunca soube o que eles significam; estaria mentindo se pretendessedizer que eles, com exceo do Zaratustra, me causaram particular impresso. como a me com seus filhos:ela talvez os ame, mas na completa estupidez do que o filho. Agora eu tenho a absoluta convico de quetudo logrou xito, desde o incio tudo um e quer um (Traduo de Rogrio Lopes, in: Ceticismo e vidacontemplativa em Nietzsche. Tese de Doutorado. Belo Horizonte: FAFICH/UFMG, 2008. p. 545).17Cf., por exemplo, a introduo de Walter Kaufmann para a sua traduo de O Anticristo, in: The portableNietzsche. Selected and translated, with an introduction, prefaces and notes by Walter Kaufman. Nova York:Vinking Penguin, 1982.18Cf. CI, Prlogo.
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das partes, pelas quais precisamente aqueles que precedentemente tinham dirigidoataques de todo o gnero contra o cristianismo se viam com grande surpresaarrastados na sua condenao. 19
Para Nietzsche, o cristianismo no representa de modo algum um inimigo abatido,
muito pelo contrrio, aps a morte de Deus, a influncia perniciosa dessa religio s tende a
se tornar cada vez mais deletria e prejudicial vida. Dizer No de forma inclemente ao
cristianismo dizer No a todos os valores exaltados pelo homem moderno: compaixo,
democracia, socialismo, altrusmo, direitos iguais, sufrgio universal, , portanto, dizer, na
perspectiva do filsofo, Sim vida. Alm disso, filosofia e cincia esto plenamente
comprometidas com valores cristos, no esquecendo que a moral ocidental, uma moral de
rebanho, um produto eminentemente cristo. Conseqentemente, a soluo de todos os
problemas que Nietzsche considera como seus problemas passa necessariamente por umacrtica radical religio crist.
Todavia, a natureza do discurso de O Anticristo, uma natureza dionisaca, que
no sabe separar o dizer Sim do fazer No 20, foi sempre o principal argumento utilizado
por aqueles que vem nessa obra um descomedimento desnecessrio e injusto da parte de
Nietzsche para com o cristianismo. E supomos que uma das causas principais pela qual O
Anticristo foi e tem sido visto como um livro meramente polmico e blasfematrio sem
qualquer seriedade conceitual, como simples rancor e ingratido do indivduo Nietzsche
contra a religio de seus pais e mestres, ou pior, como o primeiro sintoma do delrio que
precedeu o colapso mental que o fez mergulhar na demncia, o fato de, na seo 29 do
livro, ele ter denominado Jesus de idiota.
Entre as palavras que a irm do filsofo teve o cuidado de mutilar na edio de O
Anticristopor ela organizada est, naturalmente, esse termo que Nietzsche utiliza para se
referir figura de Jesus. Elizabeth temia que a palavra idiota fosse objeto de indignao
por parte dos leitores. J. Hofmiller foi quem primeiro comprovou essa deturpao em 1931,
e foi igualmente o primeiro a considerar o uso do termo por parte de Nietzsche como um
claro indcio de seu j completo estado de delrio no momento em que escrevia o livro:
Essa passagem [foram trs os termos suprimidos: a, palavra, idiota] deve finalmente
19Colli, Op. Cit., p. 168.20EH, Por que sou um destino 2.
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ser citada, visto que ela representa uma contribuio essencial para a constatao do estgio
avanado da doena de Nietzsche. Por que at agora ela sempre foi suprimida?
Evidentemente porque qualquer leitor teria dito: o homem que escreveu isso estava
louco.21 A despeito da denncia feita por Hofmiller, nenhuma das edies posterioresreincorporou a palavra idiota obra, at que Karl Schlechta o fizesse na sua.A partir de
ento, o termo idiota conferido pessoa de Jesus, foi visto rapidamente e quase
invariavelmente como conotando um contedo agressivo, ofensivo e detrator. Essa
interpretao do significado desse termo perdurou de maneira hegemnica at que o
trabalho seminal 22de Dibelius,Der psychologische Typus des Erlsers bei F. Nietzsche,
viesse a lume, esclarecendo cuidadosamente o significado com que Nietzsche utiliza o
termo, remontando a influncia exercida por Tolsti e Dostoivski na escolha da palavra e
ao uso recorrente da mesma, desde o sculo XVIII, enquanto um terminus do alemo
erudito para caracterizar o leigo, desprovido de refinamento cientfico ou artstico, mas
tambm o indivduo original, alheio realidade prosaica dos negcios e afazeres. 23
Dessa forma, tornou-se finalmente possvel mostrar que a utilizao da palavra
idiota por parte de Nietzsche em sua interpretao de Jesus deveria ter um significado
que fosse alm da mera blasfmia. Entretanto, nunca se chegou a um verdadeiro consenso
sobre qual seria esse significado, e o principal ponto de discrdia diz respeito exatamente
questo de qual valor se deve conferir a essa interpretao que Nietzsche faz de Jesus, mais
especificamente, se ele faz um elogio de sua pessoa ou, pelo contrrio, se ele desfere um
ataque impiedoso mesma. Todavia, vale ressaltar que nem todos os intrpretes abordam
diretamente essa questo. Ao que parece, a grande maioria toma o cuidado de apenas
apresentar o modo como Nietzsche descreve e analisa Jesus e seus ensinamentos,
ocupando-se em chamar a ateno principalmente para a enorme diferena que h entre a
mensagem original de Jesus e aquela defendida pelo cristianismo histrico. De todo modo,
gostaramos de apontar, grosso modo, para algumas das principais posies assumidas poraqueles que se detiveram na questo acerca do valor do Jesus de Nietzsche.
21Apud Dibelius, Martin. Der psychologische Typus des Erlsers bei Friedrich Nietzsche. In: DeutscheVierteljahrsschrift fr Literaturwissenchaft und Geschichte. N 22, 1944, p. 62.22Cf. Giacoia Junior,Labirintos da alma, p. 73.23Giacoia Junior, Ibidem.
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Primeiramente, alguns defendem que somente um valor negativopode surgir de
tal caracterizao, insistindo que a mesma mero produto do ressentimento de Nietzsche
para com o cristianismo, devido ao fato dos valores dessa religio estarem arraigados em
suas convices mais ntimas e pela necessidade que ele sentiu de ocultar de forma violentaesse sentimento cristo imperecvel (Karl Jaspers) 24; ou que tal caracterizao no passa de
simples violncia preconceituosa (Eugen Fink) 25; ou apenas fruto da perturbao de
dvidas lacerantes a respeito de suas convices sobre o cristianismo, que contriburam
para o seu desarranjo mental (Copleston). 26
Por outro lado, um nmero um pouco maior de intrpretes tende a argumentar
que se deve conferir um valor totalmentepositivopara a maneira como Nietzsche interpreta
Jesus. Khneweg, por exemplo, fala de uma afinidade subterrneaque ligava Nietzsche a
Jesus durante a elaborao de O Anticristo. 27Os mais radicais so, no entanto, Ernst Benz
e Eric Blondel. Para Benz, a imagem que Nietzsche oferece de Jesus representa uma
contribuio positiva para a possibilidade da realizao de uma nova forma de vida e de
pensamentos cristos; Nietzsche seria o profeta de uma nova possibilidade aberta ao
cristianismo, ele anunciaria uma nova comunidade, formada por aqueles semelhantes a ele,
para a realizao de uma nova imitao de Jesus Cristo. 28Blondel, por sua vez, afirma que
O Anticristo, nada mais do que um novo Evangelho, o Quinto Evangelho, brotado do
amor que Nietzsche nutria por Jesus, um amor que sua raiva pelo cristianismo no
conseguiu aplacar, por isso ele caracteriza o filsofo como um Cristo ateu: Ele se cr
anticristo: mas no passa de um profeta. 29
Valadier, por outro lado, fala de um valor ambguo, insistindo sobre a defesa que
Nietzsche faz da atualidade permanente da mensagem de Jesus, mas apontando, ao mesmo
24Cf. Jaspers, Karl.Nietzsche und das Christentum. R. Piper & Co. Verlag Mnchen, 1952.25Cf. Fink, Eugen. A filosofia de Nietzsche. Traduo Joaquim Loureno Duarte Peixoto. Lisboa: EditorialPresena, 1983.26
Cf. Copleston, Frederick. Nietzsche, filsofo da cultura. Traduo de Eduardo Pinheiro. Porto: TavaresMartins, 1958.27Cf. Khneweg, U. Nietzsche und Jesus Jesus bei Nietzsche. In: Nietzsche-Studien, Band 15, 1986, pp.391-392.28 Cf. Benz, Ernst. Nietzsches Ideen zur Geschichte des Christentums und der Kirche. Leiden: E. J. Brill,1956, p. 313.29Cf. Blondel, Eric. Nietzsche : le cinquime vangile ? Paris : Les Berges et les Mages, 1980, p. 249.Apud Souladi, Yannick. Antichristianisme et hrsie. In: Nietzsche LInversion des valeurs.Hildesheim/Zrich/New York : Georg Olmes Verlag, 2007, p. 93.
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tempo, para a ambigidade dos argumentos do filsofo que ora exibe Jesus como aquele
que mais se aproximou da verdade e de uma verdade sempre atual, ora como aquele que
mais se enganou devido a um erro sempre possvel. 30 Pacini tambm fala que a
contradio intrnseca e irresoluta que se encontra no fundo do pensamento de Nietzsche,reflete-se em sua interpretao da figura de Jesus, numa relao de fascnio e rejeio, de
amor e dio. 31
Uma outra interpretao oferecida por Souladi que defende uma indiferenapor
parte de Nietzsche no que diz respeito a Jesus. Segundo Souladi, no se pode falar de um
ataque por parte de Nietzsche figura de Jesus e muito menos de um elogio, pois Jesus tem
um papel totalmente insignificante para o estudo da gnese do cristianismo, e o objetivo da
interpretao que Nietzsche faz de Jesus em O Anticristo justamente mostrar isso, o
quanto o ideal absoluto do cristianismo, a saber, o Cristo, nem mesmo existiu, porque Jesus
no pode ser considerado um Cristo, mas somente um Galileu idiota e insignificante. 32
Apesar de acompanharmos em grande parte os resultados obtidos por Souladi,
principalmente no que se refere impossibilidade de se atribuir ltima filosofia de
Nietzsche qualquer espcie de retorno mensagem original de Jesus 33, no podemos
igualmente concordar com a idia de que Nietzsche atribua a Jesus um papel
completamente irrelevante para a compreenso da gnese do cristianismo e mesmo para a
realizao do projeto de uma transvalorao dos valores. Assim, adotamos como proposta
interpretativa a hiptese de que se h um elogio por parte de Nietzsche a Jesus, esse elogio
no mximo relativo, e precisa ser cuidadosamente delimitado, isso porque a prtica
professada por Jesus representa a possibilidade para que uma forma de vida dcadentcomo
a dele possa aceitar de forma natural sua prpria condio, livrando-se do ressentimento,
abdicando do desejo de conservao a todo custo e aceitando a chegada de sua iminente
dissoluo. Porm, tal prtica no se mostra adequada para um tipo de vida em ascenso,
30Cf. Valadier, Paul.Nietzsche e la critique du christianisme. Paris : Les ditions du Cerf, 1974, p. 395.31Pacini, Gianlorenzo.Nietzche lettore dei grandi russi. Roma : Armando, 2001, p. 45.32Souladi, Yannick. Antichristianisme et hrsie, p. 104.33Souladi, Antichristianisme et hrsie, pp. 98-99; pp. 104-105.
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no devendo ser adotada como modelo por um tipo mais elevado de homem [ hheren
TypusMensch] 34, cuja meta a auto-superao.
A necessidade imperativa apontada por Souladi de se separar os escritos
anticristos de 1888 daqueles que o precedem 35 constitui verdadeiramente o meio maiseficaz para se esclarecer qual o papel especfico que a figura de Jesus desempenha na
ltima obra de Nietzsche. Em O Anticristo, Nietzsche mostra que uma maldio ao
cristianismo (condio necessria para que haja uma afirmao plena da vida) s se torna
possvel mediante a compreenso da gnese dessa religio enquanto ato de falsificao
definitiva da realidade elaborada pela dcadence ressentida, que precisa negar a vida e as
suas condies de efetivao a fim de se conservar. Para tanto, necessrio revelar que essa
religio brotou diretamente do solo do ressentimento judaico sacerdotal, cuja deciso de ser
a todo custo mobilizou os primeiros cristos e, sobretudo, Paulo de Tarso, a operarem uma
inaudita falsificao da realidade pela desnaturalizao daquilo que Jesus representou. Para
Nietzsche, o grau de corrupo dessa desfigurao de quem foi Jesus, torna impossvel o
resgate histrico desse personagem. Sendo assim, tudo o que resta a possibilidade de se
tentar reconstituir o tipopsicolgicodoredentor[der psychologische Typus des Erlsers]36, e mostrar como e por que esse tipo precisou necessariamente ser corrompido pelo
cristianismo histrico. Com isso Nietzsche cr desferir o golpe definitivo contra a
interpretao crist da existncia, superando assim a hegemoniados valores da dcadence,
cujo niilismo, sua lgica 37, tende a negar a vida em sua totalidade, ansiando por um mundo
ilusrio que representa a contradio da vida mesma, o prprio nada.
Nietzsche diagnostica o tipo psicolgico do redentor como idiota. Para o filsofo, o
Galileu s pode ser concebido como tipo dcadentdetentor de uma enfermidade congnita
que o impede de entrar em contato direto com a realidade por no suportar qualquer tipo de
dor; sua mensagem se resume em sua prtica de vida, uma conseqncia, na verdade, de
sua condio fisiolgica: no opor qualquer resistncia, no lutar jamais, pois assim a dor evitada e a bem aventurana alcanada. Desse modo, em O Anticristo,Nietzsche far uma
34Cf. AC 5.35Cf. Souladi, Antichristianisme et hrsie, p. 96.36Cf. AC 28.37Cf. Giacoia Junior,Labirintos da alma, p. 88.
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Jesus s poderia surgir como um milagre do amor na sombria paisagem judia encoberta
pela nuvem negra de ira de Jeov, em uma paisagem mais amena tal raio da graa seria
visto apenas como o normal e o cotidiano. 45 Todas essas tentativas lidam ainda com a
imagem de um Jesus histrico que Nietzsche formulou sob influncia, principalmente, deDavid Strauss, Ernest Renan e Franz Overbeck, muito distante ainda da investigao de
natureza psicolgica que se v em O Anticristo.
Mas o indcio mais forte de que h uma distino entre o modo como Jesus
apresentado em O Anticristoe a forma como ele aparece em escritos antecedentes, est nas
declaraes a respeito de quem o verdadeiro responsvel pelo surgimento do cristianismo.
Em O Anticristo, Nietzsche atribuir a Paulo a autoria principal pela inveno do
cristianismo, estabelecendo uma distino definitiva entre Jesus e a figura mtica criada
pelo apstolo, ou seja, o Crucificado, e entre a mensagem de Jesus e o cristianismo
histrico. 46Antes disso, contudo, muitas das caractersticas que Nietzsche atribuir mais
tarde exclusivamente ao cristianismo de Paulo, aparecem ainda misturadas com a prtica de
Jesus. 47O Galileu visto, por exemplo, como o fundador do cristianismo em diversas
passagens de o Andarilho e sua sombra. No aforismo intitulado Salvador e mdico
[Heiland und Arzt] 48, dito, por exemplo, acerca de Jesus: Como conhecedor da alma
humana, evidente que o fundador do cristianismo no estava livre de enormes deficincias
e parcialidades, e, como mdico da alma, era dado infame e leiga crena numa medicina
universal. 49 Mas, na parbola Os prisioneiros, a confuso que Nietzsche ainda fazia
entre os aspectos fundamentais da doutrina de Paulo e a mensagem de Jesus, algo
cuidadosamente evitado em sua anlise do tipo psicolgico de Jesus feita em O Anticristo,
mostra-se ainda mais patente. Nessa passagem, a necessidade de que se creia em Cristo
para obter a salvao aparece como algo professado pelo prprio Jesus e no como um dos
44
OS 98.45GC 137. Cf. tambm GC 138.46Cf. Salaquarda, Jrg. Dionysus versus the Crucified One: Nietzsches understanding of the Apostle Paul.In: Conway, Daniel (ed.). Nietzsche: critical assessments. Londres/Nova York: Routledge, 1998: somenteem O Anticristo que Nietzsche chega a uma inequvoca diferenciao dos papis de Jesus e de Paulo naorigem do cristianismo, e ao mesmo tempo, a uma irrestrita oposio ao apstolo (pp. 268-269).47Cf., por exemplo, GM, I, 6.48Redentor em PCS.49AS 83.
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diferentes. 56 E, em um fragmento da primavera de 1888, essa discusso aprofundada
ainda mais. Segundo Nietzsche, possvel que aquilo que se deve ao cristianismo no
deva ser atribudo ao seu fundador, mas sim ao edifcio acabado, ao todo, Igreja que
procedeu. A noo de fundador to equvoca que ela pode significar at mesmo asimples causa ocasional de um movimento. 57Essas declaraes contidas nos fragmentos
pstumos de Nietzsche, juntamente com a investigao sobre a gnese do cristianismo
empreendida por ele em O Anticristo, nos leva a adotar como pressuposio que, em sua
ltima obra, o filsofo passa a considerar como sendo um juzo equivocado considerar
Jesus como o fundador do cristianismo, o que em escritos anteriores ainda no havia sido
definido.
Dessa forma, a posio que tomamos a de que apenas em O Anticristoocorre a
separao definitiva entre a figura de Jesus e a sua imagem enquanto Salvador e
Redentor da humanidade elaborada por Paulo. Alm disso, estamos de acordo com
Souladi 58a respeito da impossibilidade de se identificar a interpretao que Nietzsche faz
de Jesus em O Anticristo com a figura, de cunho eminentemente eclesistico, do Cristo.
Ora, em diversas passagens de escritos mais antigos, Nietzsche no v nenhum problema
em se referir a Jesus como Cristo, e mesmo em um fragmento bastante tardio da primavera
vero de 1888, ele ainda o faz, tomando o cuidado, entretanto, de chamar ateno para o
problema que h em se pensar que o cristianismo possui uma verdadeira ligao com os
ensinamentos daquele que o seu nome pretende evocar, isto , o Cristo:
No se deve confundir o cristianismo com essa nica raiz que evoca seu nome: asoutrasrazes das quais ele proveio so de longe mais poderosas, mais importantesque seu ncleo; por um abuso sem igual que essas abominveismonstruosidades e resduos de degenerescncia que se nomeiam Igreja crist,f crist, vida crist, se aproximam desse santo nome. O que, pois, Cristonegou? Tudo aquilo que hoje se chama cristo. 59
56FP 11 [294] de novembro de 1887 a maro de 1888.57
FP 15 [108] da primavera de 1888.58Souladi, Antichristianisme et hrsie, pp. 98-99.59 FP 16 [87] da primavera vero de 1888. Cf. tambm FP 15 [9] da primavera de 1888. bastantesignificativa denominao de santo [Heiliger], conferida por Nietzsche a Jesus algumas vezes.Dificilmente poderamos ouvir aqui um tom de venerao por parte de Nietzsche, para tanto, basta nosremetermos s suas declaraes em EcceHomo: Sou um discpulo do filsofo Dionsio, preferiria antes serum stiro a ser um santo (EH, Prlogo 1). Ao retornar a sua solido, diz Nietzsche, Zaratustra se despedede seus discpulos de maneira precisamente oposta ao que diria em tal caso qualquer sbio, santo,Redentor do mundo [Welt-Erlser] ou outro dcadent (EH, Prlogo 4, salvador do mundo em PCS). A
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No pargrafo 7 de O Anticristo, Jesus designado pelo nome mais abrangente de
Nazareno [Der Nazarener], no 24, de Galileu [Der Galilers], e no 27, de Jesus de
Nazar. Nos pargrafos 24 e 28, Nietzsche se refere a Jesus como um redentor [Erlser],
contudo, h uma grande diferena de significado no fato do filsofo utilizar esse termo
entre aspas ou no, porque a anlise do tipo psicolgico do redentor ir revelar que Jesus
no poderia ser nenhum Redentor da humanidade, que essa designao produto da
falsificao de seus correligionrios e de Paulo. 60Aps o incio da investigao sobre o seu
tipo (pargrafo 29), o idiota Jesus denominado apenas pelo seu primeiro nome (pargrafo
40 a 43). Alm disso, o fragmento pstumo supracitado na verdade um texto preparatrio
aos pargrafos 36 e 39 de O Anticristo, nos quais Jesus e Cristo j aparecem como figuras
distintas e no como Jesus Cristo 61, denominao utilizada algumas vezes por Nietzsche
em escritos anteriores. 62 Unicamente quando vai se referir ao objeto da crena dos
apstolos e de Paulo, e isso aps o trmino do estudo do caso Jesus, Nietzsche faz uso
dos termos Cristo [Christus] 63, Deus na cruz [Gott am Kreuze] 64, Messias [Messias]65, Salvador [Heilande] 66(entre aspas) ou Redentor [Erlser] (entre aspas). 67
Sendo assim, assaz importante para a compreenso da interpretao que Nietzsche
faz de Jesus, que se entenda que ele no considera esse Galileu como um Messias, um
palavra bermenschfoi entendida em quase toda parte, com total inocncia, no sentido daqueles valores cujaanttese foi manifesta na figura de Zaratustra: quer dizer, como tipo idealista de uma mais alta espcie dehomem, meio santo, meio gnio... (EH, Por que escrevo livros to bons 1). E, finalmente, Tenho ummedo pavoroso de que um dia me declarem santo[...] Eu no quero ser um santo, preferiria ser um bufo...Talvez eu seja um bufo... E apesar disso, ou melhor, noapesar disso pois at o momento nada houve maismendaz do que os santos , a verdade fala em mim (EH, Por que sou um destino 1, traduo ligeiramentemodificada). Voltaremos a abordar essa questo de maneira mais detida na seo Fisiologia da redeno.60 Isso pode ser conferido em AC 24, mas essa questo ser analisada mais cuidadosamente na seoFisiologia da redenoe em Consideraes Finais: Redeno para o Redentor ou redeno doredentor.61O fragmento pstumo 15 [108] da primavera de 1888 o preparatrio de AC 31, no qual o mesmo se d.62
Cf. FPs 3 [73], 5 [33] de 1880 a primavera de 1881; FP 25 [491] primavera-outono de 1884; GC 137.63AC 39 e 41.64AC 51 e 58.65AC 31 e 40.66 AC 58. Heilende, Heilinger, Heilung, etc., derivam de heilen, que curar, algo que vemos comoextremamente significativo para o entendimento das realidades tanto do evangelho de Jesus quanto dadoutrina crist na perspectiva de O Anticristo. Essa questo ser analisada em Consideraes finais:Redeno para o Redentor ou redeno doredentor.67AC 42.
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Salvador, um Cristo 68 ou mesmo um Redentor, e que sempre que esses termos
surgem em O Anticristo, no para fazer referncia ao mestre da Galilia investigado pelo
filsofo, mas sim imagem corrompida criada pelo cristianismo eclesistico. 69Sem que se
identifique essa diferenciao, torna-se bem mais fcil acusar Nietzsche de contradio eambigidade, bem como acreditar que ele um profeta que prega o retorno para o autntico
evangelho de Cristo. 70
68Dessa forma, no h sentido em se pretender, devido ao fato de derChrist em alemo significar tantocristo quanto Cristo, que a traduo correta para Der Antichrist seria O Anticristo. Mesmo porque otermo oficial utilizado pelos telogos alemes da poca de Nietzsche para a traduo da palavra de origemgrega antichristos, encontrada nas duas Epstolas atribudas a Joo, era derWiderchrist [o Contra-Cristo].O termo Der Antichrist, derivado das lnguas romanas e mais prximo do termo grego, era usado
principalmente pelo povo e no pelos telogos. Nietzsche escolheu voluntariamente o termo Der Antichristpara reforar a origem grega do Anticristo: eu sou, em grego, e somente em grego, o Anticristo... (EH, Porque escrevo livros to bons 2). Com isso Nietzsche queria exatamente se apresentar como o inimigo deCristo, que apavorava o povo de sua poca e os cristos do tempo de Nero (cf. Souladi, Antichristianismeer hrsie, p. 105, e Christ et Antichrist, pp. 144-145). A escolha do termo tambm vista por Salaquardacomo influncia de Schopenhauer (Cf. Salaquarda, Der Antichrist, p. 129). Tese rebatida por Souladi, quedefende uma influncia muita mais significativa da obra Os demnios, de Dostoivski (Cf. Souladi, Yanick.Dostojewskis Antichrist. In: Andreas Urs Sommer (Herausgegeben).Nietzsche Philosoph der Kultur(en)?Berlin, New York: Walter de Gruyter, 2008, pp. 325-334). De nossa parte, consideramos que no se podedescartar a possibilidade de que a escolha do termo tambm possua relao com uma confrontao com a obraLAntchrist, de Renan.69O termo Crucificado [Gekreuzigte] ir surgir nos pstumos (FPs 14 [89]; 14 [91]; 14 [137]; 16 [16] doincio de 1888 comeo de janeiro de 1889) e emEcceHomo, Por que eu sou um destino 2, para designar onefasto smbolo criado por Paulo.70Em O Anticristo, Nietzsche parece fazer uma distino entre Christenthum (cristianismo) eChristlichkeit
(cristianidade, na traduo de Paulo C. de Souza). Como observou Oswaldo Giacoia Junior: Nietzscheestabelece uma oposio entre Christenthum (Cristianismo) e Christlichkeit e Christ-sein(respectivamenteCristianicidade e ser-cristo). O Cristianismo oficial consiste na reduo do Ser-cristo, da espiritualidade
prpria Cristianicidade, a dogmas, fundamento da crena eclesistica (Nietzsche e o cristianismo. In:RevistaCult, Filosofia e f. So Paulo: Editora Bregantini, n. 88, janeiro de 2005). A passagem em que sed essa diferenciao diz: Reduzir o fato de ser cristo [Christ-sein], a cristianidade [Christlichkeit], a umtomar-por-verdadeiro, a uma mera fenomenalidade da conscincia, significar negar a cristianidade (AC 39). No obstante, o termo Christlichkeit, que Nietzsche herda de Overbeck, foi antes usado por ele para sereferir ao cristianismo de Paulo (A 58). Alm disso, o termo tambm pode ser traduzido como cristandade(cf. a traduo de PCS para A 58), que possui um significado bastante especfico dentro da teologia,designando aquilo que constitui toda a forma (e poder) temporal da Igreja de Cristo. No fragmento pstumo11 [363] de novembro de 1887 a maro de 1888, Nietzsche afirma que a cristandade [Christlichkeit] serevela enquanto concluso lgica do judasmo, aqui, portanto, Christlichkeit se refere ao cristianismo
eclesistico e no ao evangelho de Jesus. Nietzsche volta a afirmar que o cristianismo eclesistico aconcluso do judasmo na seo 24 de O Anticristo, mas utilizando o termo Christenthum ao invs deChristlichkeit. J no aforismo 11 [367] do mesmo perodo, Nietzsche faz uma comparao esquemticaentre o primeiro budismo e a primeira cristandade [Christlichkeit], aqui Christlichkeit j se refere aoevangelho de Jesus; pode-se supor, assim, que, alm dessa primeira cristandade, o filsofo tambm
pressupe a existncia de uma segunda cristandade, ou seja, aquela que diz respeito ao cristianismoeclesistico. Ademais, a expresso Christ-sein tambm surge no segundo pargrafo da Lei contra ocristianismo para designar no a mensagem original de Jesus, mas aquilo que prprio do cristo (adepto docristianismo histrico), sua realidade. Portanto, possvel afirmar que Nietzsche fala de duas Christlichkeite
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O que concorreu de modo definitivo para que essa distino entre a figura de Jesus e
o cristianismo de Paulo, e por fim, entre Jesus e o prprio Cristo, fosse estabelecida
de duas Christ-sein, querendo designar com isso aquilo que prprio, que se depreende necessariamente do
fundamento daquilo que significaser-cristo, de sua primeira e ltima, mais ntima natureza. Porm, deve-seter em conta que se pode falar de duas realidades crists, uma que se refere prtica de Jesus (e que,portanto, a nica que deveria, em ltima instncia, ser designada crist em um sentido provisrio, desuspenso estratgica de assentimento da qual Jesus o nico representante, ver AC 39) e outra que serefere doutrina crist (relacionada em um discurso pautado na realidadee no mais como fruto de umasuspenso de assentimento ao cristianismo propriamente dito, do qual Paulo , segundo Nietzsche, o
primeiro bem como o ltimo representante, ou seja, Paulo representaria o cristo por excelncia, ver AC 46). A despeito disso, no pargrafo 39 de O Anticristo, Nietzsche de fato utiliza Christlichkeitpara se referir realidade do evangelho de Jesus ao contrap-la ao cristianismo eclesistico, ao que tal cristianismo elaborou a
partir dessa realidade, dessa cristandadeespecfica, como esclareceu Giacoia Junior. Porm, supomos que sepossa falar tambm de uma outra realidade crist, de uma outra cristandade ou cristianidade, a saber, aquelado prprio cristianismo eclesistico, como se pode verificar no segundo pargrafo da Lei contra ocristianismo. Deste modo, a distino entre Christenthum e Christlichkeit no percorre inteiramente OAnticristo, mas se localiza apenas no pargrafo 39. Todo o referido pargrafo constitui, na verdade, umprecioso exemplo da chamada filosofia das aspas caracterstica de Nietzsche, isto , a utilizao deargumentos estratgicos para problematizar uma dada questo. No caso especfico, a questo que se quer
problematizar justamente: afinal, o cristianismo (eclesistico) teria mesmo o direito no sentido mais estritopossvel de ser designado de cristianismo. assim que, na seo 39, exatamente aps ter utilizado o termoChristlichkeit, Nietzsche faz uso do termo cristianismo [Christenthum] para se referir ao evangelho deJesus, ao afirmar que o cristianismo sempre ser possvel, tendo o cuidado, contudo, de alertar que est sereferindo a um cristianismo autntico, original, que mereceria de fato nesse momento da argumentao
ser chamado de cristianismo, e no ao histrico. E, no incio do mesmo pargrafo, o filsofo chega inclusivea chamar Jesus de cristo [Christen], ao dizer que s houve de fato um cristo, Jesus. Ora, porm, aqui, tantoo uso do termo Chistenthum como Christen (tal como Christlichkeit) meramente provisrio, pois suautilizao ocorre apenas nesse momento de suspensodurante essa problematizao do que significa mesmoser cristo, de como pode o cristianismo ser chamado de Cris-tianismo, atuando, desse modo, somente como
pressuposto argumentativo temporrio. Nietzsche no est fazendo uma confuso ou sendo pouco rigoroso em
textos como esse, mas apenas exigindo que o seu leitor o leia com calma, sem pressa, com lentido,saboreando o texto como um bom fillogo. De todo modo, como a raiz da palavra Christlichkeit (que naverdade, em O Anticristo, s aparece no pargrafo 39, em que seu uso provisrio) remete figuraeclesistica do Cristo, preferimos evitar recorrer tanto a ela como a Christenthum para nos referirmos mensagem original de Jesus no decorrer do nosso trabalho, a fim de facilitar nossa aproximao com o tema.Recorremos, assim, preferencialmente, a evangelho [Evangelium], palavra mais utilizada por Nietzsche(AC 33-36, 39-41, 43-44), ou alegre mensagem [froheBotschaft] (AC 29, 33, 34 e 41-42), boanova [gute Botschaft] (AC 32) e prtica evanglica [evangelischePraktik] (AC 33). J com a palavraEvangelhos [Evangelien] (AC 27-28, 44) queremos nos referir aos trs Sinpticos e ao livro de Joo quecompem o Novo Testamento. A opo por evangelho e alegre mensagem tambm se justifica pelo fatode Nietzsche caracterizar a doutrina de Paulo como um disangelho [Dysangelium] (AC 39) e uma mnova [schlimmeBotschaft] (AC 39, FP 11 [282] outono de 1887 a maro de 1888), inclusive denominandoo 13 apstolo, que considerado o mais importante evangelista de todos os tempos, de disangelista
[Dysangelist] (AC 42). No esquecendo tambm que Nietzsche se refere a si prprio como o portador da[outra] decisiva boa nova: Eu sou um mensageiroalegre [froher Botschafter] (EH, Por que sou um destino 1, cf. tambm carta ao Kaiser Guilherme II, incio de dezembro de 1888). No h aqui, porm, nenhumaprofunda identificao com Jesus, mas somente um importante aspecto em comum em seus respectivos
papis no interior de uma necessria transvalorao dos valores, ou seja, Jesus o portador de uma boa novapara a dcadence, pois lhe oferece uma vida bem aventurada, sem ressentimento, e Nietzsche o arauto deuma alegre mensagem para os homens mais elevados, pois lhes oferece as esperanas, as metas, as tarefasnecessrias, o caminho reto para a cultura (cf. EH, Crepsculo dos dolos 2, ver tambm carta de PeterGast a Nietzsche de 25 de outubro de 1888).
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categoricamente por Nietzsche foi o uso que ele fez de suas fontes. A obra que deu o
primeiro impulso para que Nietzsche revise a sua interpretao da figura de Jesus foi Ma
religion, de Tolsti 71, lida por Nietzsche em Nice, nos primeiros meses de 1888. A tese
defendida por Tolsti de que a mxima No resistais ao homem mau contm a chave queabre a compreenso para o evangelho, despertou em Nietzsche a necessidade de conduzir
um exame psicolgico do cristianismo primitivo e, mais tarde, do tipo de Jesus. Outra fonte
que permitiu que Nietzsche encontrasse mais um elemento fundamental para a psicologia
do cristianismo primitivo e para o tipo psicolgico de Jesus foi uma traduo francesa de
Os demnios, Les Possds, de Dostoivski 72, por meio da descrio da sensao de
harmonia eterna do personagem Krilov. Com essa leitura, Nietzsche constatou que a
mxima O reino de Deus est dentro de vs a segundachave para a compreenso do
evangelho. Porm, a anlise de outra obra de Dostoivski se mostra imprescindvel para a
compreenso do tipo psicolgico do redentor, a saber, o romance O Idiota73. Isso porque, a
despeito de no haver qualquer indcio que comprove que Nietzsche tenha lido essa obra, a
mesma nos oferece um caso exemplar de como o conceito nosogrfico de idiotia e sua
relao com o cristianismo era entendido no sculo XIX, por meio da descrio de seu
personagem principal, o prncipe Mchkin. Outra fonte extremamente importante a obra
Prolegomena zur Geschichte Israels, de Julius Wellhausen 74, na qual Nietzsche descobre
quais os mecanismos utilizados pelo cdigo sacerdotal durante o perodo da dispora para
falsificar a histria do reinado de Israel e operar uma verdadeira desnaturalizao dos
valores naturais. Nietzsche percebe, ento, que esse mesmo tipo de perverso psicolgica
foi utilizado por Paulo para adulterar a histria de Jesus e para desnaturalizar o valor
natural de sua mensagem. A leitura da obra Les Sceptiques grecs, de Victor Brochard 75,
tambm desempenhou um papel importante para a compreenso de que Jesus no havia
pregado uma doutrina, mas sim oferecido uma mensagem que estava inteiramente contida
em sua prtica de vida, de maneira muito semelhante a Pirro e a Epicuro. De igual
71Cf. Tolsto, Lon.Ma Religion. Paris : Libraire Fischbacher, 1885.72Cf. Dostoevski, Theodor.Les Possds. Traduit par Victor Derly. Paris: Bsi, 1886.73 Cf. Dostoevski, Theodor. Lidiot. Traduit par Victor Derly et prcd dune prface par Melchior deVog. Paris: Plon-Nourrit et Cie, 1887.74Cf. Wellhausen, Julius.Prolegomena zur Geschichte Israels. Berlin: G. Reimer, 1883.75Cf. Brochard, Victor.Les sceptiques Grecs. Paris: Imprimerie Nationale, 1886.
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importncia foi a obra de Louis Jacolliot, Manou, Mose et Mahomet 76, para a
compreenso do ambiente em que Jesus surgiu como sendo constitudo pela tschandalado
mundo antigo. Todas essas obras contriburam para a concepo e realizao do projeto de
uma psicologia do redentor. Todas elas foram identificadas pelos mais importantesintrpretes de O Anticristocomo as principais fontes para a composio da ltima obra de
Nietzsche como um todo, sendo imprescindveis para a sua compreenso.
No obstante, outra fonte lida por Nietzsche durante a composio de O Anticristo,
e que talvez represente a contribuio mais decisiva para o diagnstico do tipo psicolgico
de Jesus, no foi ainda, salvo engano, identificada por nenhum dos mais importantes
intrpretes de O Anticristo, a saber: a obra Sensation et mouvement,de Charles Fr. 77Essa
obra forneceu a Nietzsche o conceito de hiperexcitabilidade, que constitui a realidade
somtica bsica dos indivduos ditos degenerados e que condiciona sua incapacidade de
resistncia e de luta. Ora, por meio do conceito de hiperexcitabilidade que Nietzsche
descreve e analisa a compleio fisio-psicolgica do tipo Jesus. Que Fr seja uma fonte de
Nietzsche algo que j havia sido devidamente registrado no aparato crtico de Colli e
Montinari, porm, poucos discutiram sua importncia para O Anticristo. Todavia, entre
aqueles que estabeleceram uma ligao entre o trabalho de Fr e a interpretao que
Nietzsche faz de Jesus em seus ltimos escritos, nenhum, at onde pudemos constatar, fez
qualquer referncia obra Sensation et mouvement, mas somente Dgnrscence et
criminalit78, o que, em nossa interpretao, no revela de forma satisfatria a importncia
de Fr para essa discusso, pois, ainda que Dgnrscence et criminalittambm
desempenhe um papel extremamente relevante na compreenso de todo o aparato mdico
que Nietzsche ir mobilizar para diagnosticar o tipo de Jesus, Sensation et mouvementque
fornece o fundamento conceitual para a compreenso do fenmeno da degenerescncia
fisiolgica que Nietzsche utilizar. 79
76Cf. Jacolliot, Louis.Manou, Mose, Mahomet. Paris: Librarie Internationale, 1876.77 Cf. Fr, Charles. Sensation et mouvement: tudes exprimentales de psycho-mcanique. Paris: FlixAlcan, 1887.78Cf. Fr, Charles.Dgnrscence et criminalit: Essai physiologique. Paris: Flix Alcan, 1888.79Sommer faz uma breve meno a Fr ao falar da incapacidade para a luta (de Jesus) como sintoma dadegenerescncia, remetendo, porm, obra Dgnrescence et criminalit. Alm disso, Sommer no faznenhuma ligao entre o conceito de hiperexcitabilidade e Sensation et mouvement, nem mesmo entrehiperexcitabilidade e Fr. (Cf. Sommer, Friedrich Nietzsches Der Antichrist, p. 289). J Gregory Moore
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Faz-se ainda necessrio destacar um segundo conjunto de fontes para a
compreenso do tema abordado aqui, a saber, as obras dos principais interlocutores de
Nietzsche no que se refere ao estudo da figura de Jesus, trabalhos bastante familiares para
ele, mas que o filsofo sentiu necessidade de reinterpretar a luz de suas novasinvestigaes, qual sejam, as obras dos historiadores David Strauss e Ernest Renan.
Nietzsche entrou em contato comDas leben Jesus(1837) 80, de Strauss, ainda muito jovem,
e a leitura desse livro provocou um grande impacto nas convices religiosas do aspirante a
telogo, sendo a mesma em parte responsvel pelo seu abandono da f crist. Algum tempo
depois, Nietzsche leu a Vie de Jsus (1863) 81, de Renan, admirando-se com a vivacidade
com que o historiador francs descrevia a trajetria do homem Jesus, acabando por dar
preferncia a essa obra em detrimento do livro de Strauss. 82 Contudo, j a partir de
Humano, demasiado humano, Nietzsche dar incio a uma srie de crticas s idias
defendidas por Renan sobre histria, religio, arte e poltica. Porm, munido dos
resultados obtidos com aquele primeiro grupo de fontes acima referido que Nietzsche
estabelece um afastamento muito mais marcante das teorias de Renan, bem como de
Strauss, no que diz respeito s origens do cristianismo, realizando, durante o perodo de
gestao de O Anticristo, uma cuidadosa releitura da Vie de Jsus, de Renan. A principal
crtica que Nietzsche dirige a Strauss est na ilusria confiana que este ltimo depositava
nos mtodos cientficos da investigao histrica para a anlise dos Evangelhos. Para
Nietzsche, o grande problema a respeito dos documentos que narram a vida de Jesus no
est nas suas inmeras contradies, to bem exibidas por Strauss, mas sim no que essas
estabelece de modo muito mais preciso a conexo entre a discusso sobre o tipo de Jesus, idiotia,hiperexcitabilidade e no resistncia presentes em O Anticristoe o trabalho de Fr, referindo-se, todavia,assim como Sommer, exclusivamente Dgnrescence et criminalit (cf. Moore, Gregory. Nietzsche,Biology and Metaphor. Cambridge: Cambridge University Press, 2002, p. 149 ss.).80Cf. Strauss, David Friedrich.Das Leben Jesu: kritisch bearbeitet. Tbingen: C. F. Osiander, 1837.81Cf. Renan, Ernest. Vie de Jsus. Paris: Calman Lvy, 1883. A primeira edio dessa obra foi em 1863,
porm Renan publicou em 1867 uma edio melhorada e muito ampliada, que foi a que Nietzsche utilizou.Embora Nietzsche j conhecesse Vie de Jsusdesde sua juventude, foi na primavera de 1888 que ele fez umestudo intensivo dessa obra. Mesmo quando a obra datada como sendo a primeira edio de 1863, foi a 13edio revue et augmente que Nietzsche da fato leu. Como comprovou Giuliano Campioni em Nietzche-Studien21 (1992), p. 404 eNietzsche-Studien24 (1995), p. 402. Sobre as datas de emisso dessa 13 edio,cf. Antonio Morillas,Nietzsche-Studien35 (2006), p. 301, nota 1.82A influncia dos escritos de Renan no pensamento de Nietzsche vai muito alm das investigaes acerca daorigem do cristianismo. Cf. Campioni, Giuliano. Les lectures franaise de Nietzsche. Traduit de litalien parCristel Lavigne-Mouilleron. Paris: Presses Universitaires de France, 2001, Cap. II, pp. 51-107.
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contradies deixam a revelar. Ora, e o que elas revelam o grau de corrupo psicolgica
operada por seus redatores, justamente aquilo que fez com que a reconstruo da imagem
histrica de Jesus feita por Renan se tornasse uma enorme incongruncia psicolgica.
Enredado nas teias das adulteraes contidas nos Evangelhos, Renan acreditou poder darconta de reconstituir o carter de Jesus por meio das categorias heri e gnio, algo que
permitiria, segundo ele, a elaborao de uma narrativa coerente e verossmil da vida de
Jesus, a despeito das contradies dos Evangelhos. Contudo, Nietzsche argumenta que
somente uma investigao acerca do tipo psicolgico do redentor, que ainda pode ser
apreendido desse inaudito embuste que so os Evangelhos, pode nos fornecer a pista para o
autntico significado da vida e da obra de Jesus. Segundo Nietzsche, essa investigao
revela que o tipo de Jesus deve ser diagnosticado como idiota, o que no se coaduna de
forma alguma com os conceitos de gnio e heri utilizados por Renan em seu retrato
histrico de Jesus. 83
No obstante, todas essas fontes, tanto as do primeiro quanto do segundo conjunto,
forneceram a Nietzsche diversos elementos dos quais ele se apropriou para elaborar seu
diagnstico do tipo psicolgico de Jesus, e a identificao desses elementos cumpre um
papel imprescindvel para a compreenso de sua investigao. Por conseguinte, sem que se
faa referncia ao uso dessas fontes, corre-se o grande risco de se fazer um julgamento
equivocado a respeito de sua interpretao de Jesus, e tende-se a considerar tal
interpretao, sobretudo, como mera afronta, provocao e ultraje, ou mesmo como
sintoma de delrio. Foi o exatamente o que o ocorreu quando o Arquivo-Nietzsche dirigido
pela irm do filsofo tomou a deciso de ocultar a utilizao que Nietzsche fez dessas
fontes por temer que a originalidade do filsofo fosse posta prova. No obstante, assim
que O Anticristo foi lanado, vrios crticos acusaram o livro de no passar de um
amlgama de idias tomadas de outros autores, o que fez com que o Arquivo-Nietzsche
83As influncias exercidas por Schleiermacher, Bruno Bauer, Hermann Ldemann e Overbeck no estudo dagnese do cristianismo feito por Nietzsche, tambm poderiam ser um interessante objeto de investigao, masisso extrapolaria nosso escopo. Ademais a importncia de Strauss e Renan como principais interlocutores de
Nietzsche dada pelo prprio filsofo que faz questo de se referir diretamente aos dois no incio de suainvestigao sobre o tipo psicolgico do redentor. Sobre Bauer e Overbeck, cf. Benz, Nietzsches Ideen zurGeschichte des Christentums und der Kirche. E sobre Ldemann e Overbeck, cf. Havemann, Daniel. DerApostel der Rache. Berlin: Walter de Gruyter, 2002.
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cerrasse suas portas ainda mais. Contudo, provvel que esse tipo de crtica no tivesse
surtido qualquer efeito se essas fontes fossem reveladas mais rapidamente, o que s veio a
ocorrer com o lanamento da edio crtica organizadas por Colli e Montinari, que mostrou
que nos escritos pstumos de Nietzsche, podem ser encontrados inmeros indcios, pormeio de vrias referncias diretas e extratos colhidos pelo filsofo, da leitura feita por ele
dessas obras. Isso porque, dessa forma, muito mais fcil demonstrar o grau de
originalidade da obra de Nietzsche, precisamente pela comparao com as obras que lhe
serviram de matria prima. 84Portanto, ao fazermos uma anlise dessas fontes de Nietzsche
no pretendemos mostrar que sua interpretao da figura de Jesus em O Anticristocarece
de independncia, mas sim indicar que sua investigao no s possui uma inteno
filosfica sria, como tambm um alto rigor conceitual, ao inseri-la no interior de todo um
debate terico sobre o tema. 85 Afinal, mesmo quando Nietzsche faz emprstimo de
declaraes retiradas quase que literalmente das obras de Renan e Tolsti, por exemplo, as
mesmas adquirem um significado novo e especfico ao seu pensamento, pois so utilizadas
para responder a problemas que surgem unicamente no interior de sua filosofia da vontade
de poder, constituindo, portanto, assimilaes e reelaboraes, e no simples reprodues
de idias alheias. Como nos esclarece Giuliano Campioni, o grande herdeiro da escola
Montinari, no seu livro que procura traar as fontes francesas utilizadas por Nietzsche e
averiguar o papel que as mesmas desempenharam em seu pensamento:
Nossa inteno no evidentemente diminuir a originalidade de Nietzsche como o fazem seus inimigos ou como podem ainda recear todos aqueles que,muito numerosos, exploram o filsofo de uma maneira esttica e imediata, a
procura de mestres absolutos de sabedoria ou de profetas do niilismo e menosainda de denunciar um gigantesco plagiador, mas de lanar um ponto em direoa cultura dos tempos de Nietzsche e de conhecer o caldo cultural (Montinari)no qual ele agiu, de uma maneira poderosamente original, e que ele, por sua vez,
84Como bem disse Pascual: A maneira como Nietzsche assimila as sugestes dessas obras, que ele leu de
maneira simultnea, e o modo que combina tais sugestes e se serve delas pondo-as a servio de sua intenoprpria, mostra que carece de sentido a questo sobre a originalidade de Nietzsche. (Loc. Cit., p. 20)85Strauss e Renan conheciam o trabalho um do outro; Tolsti e Dostoivski, por seu turno, conheciam asobras de ambos os historiadores; Burckhardt e Wagner, que conheciam muito bem os escritos deSchopenhauer, Strauss e Renan (este ltimo tambm influenciado por Schopenhauer) reforaram ainda maisno jovem Nietzsche o interesse por essa discusso; sem contar que todos os chamados psiclogos francesescom quem Nietzsche amadurece sua percia no escrutnio psicolgico se auto-intitulavam herdeiros de Renan.Para toda essa complexa trama, esse filigrane do texto, cf. o trabalho de rigor filolgico impressionante deCampioni,Les lectures franaises de Nietzsche.
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1 VIDAS DE JESUS
Em sua investigao sobre a figura de Jesus empreendida em O Anticristo,
Nietzsche faz questo de nomear os seus dois principais interlocutores: Strauss e Renan.Para o filsofo, o trabalho de ambos os historiadores mostrou, por motivos diferentes, que o
projeto de se escrever uma vida de Jesus, ou seja, uma narrativa biogrfica sobre os fatos
e acontecimentos que estruturam a trajetria do homem Jesus, um empreendimento
irrealizvel. Na primeira verso deDas Leben Jesu, Strauss no procurou, de fato, escrever
uma vida de Jesus, e sim muito mais determinar o carter de incompletude e confuso
dos elementos que podem ser considerados autenticamente histricos nos relatos
evanglicos, preferindo no se arriscar a tentar reconstituir uma tal histria de vida,
propondo apenas uma interpretao que resolveria essas contradies: a explicao
mitolgica. Renan, por sua vez, apresentou sua Vie de Jsuscomo uma rplica ao livro de
Strauss, tentando demonstrar como possvel complementar os elementos histricos dos
Evangelhos pela intuio do carter moral da alma de Jesus e pela exposio de como essa
alma se desenvolveu em contato com a sociedade e a cultura palestina de sua poca, e
escrever, assim, uma verdadeira vida de Jesus. Ora, segundo Nietzsche, a aplicao feita
por Strauss dos mtodos cientficos que a histria dispunha na poca para a anlise dos
Evangelhos revelou-se infrutfera, pois, a despeito do xito obtido pelo historiador em
exibir as inmeras contradies existentes nos relatos evanglicos, sua tentativa de explicar
as origens do cristianismo do ponto de vista mitolgico no conseguiu atingir o cerne da
questo sobre as dificuldades de se reconstituir uma vida de Jesus. A inpcia de Renan
em questes psicolgicas, por outro lado, no permitiu que o historiador percebesse que
somente as manipulaes operadas em torno do carter de Jesus puderam fazer com que
esse mestre da pacata Galilia fosse confundido com algo que s poderia ser explicado
mediante os atributos gnio e heri.
1.1 Strauss e o mtodo histrico-crticoA seo 28 de O Anticristoserve como uma espcie de prembulo investigao do
tipo psicolgico do redentor. Nela, Nietzsche faz referncia ao que talvez ele considere
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contra a cultura [Bildung] alem em sua primeira considerao extempornea: David
Strauss, o confessor e o escritor.
1.2 - Strauss e a sua confisso
A obra Der alte und der neue Glaube foi primeiramente publicada em 1872, na
poca Strauss estava com 64 anos. Por conta desse livro, o escritor angariou subitamente
um inesperado respeito entre os crculos eruditos alemes. A obra foi, na verdade, recebida
com grande entusiasmo, passando a ser considerada como um clssico moderno 90, e, em
apenas trs meses aps o seu lanamento, j estava em sua quarta edio. Antes disso,
porm, Strauss amargou um extenso perodo de execrao, durante o qual ele foi banido
diversas vezes dos postos acadmicos que veio a ocupar, at se ver compensado unicamente
com o auxlio de uma penso. Tudo isso devido recepo negativa, tanto entre os telogos
dogmticos e liberais quanto entre os historiadores, de sua Das Leben Jesu, que lhe rendeu
fama, mas no prestgio. 91
Em Der alte und der neue Glaube, Strauss, fortemente influenciado pela teoria
darwinista, tentou expor os motivos que o levaram a abandonar a f crist e a adotar aquela
que, segundo ele, a nica f adequada ao grau de desenvolvimento da conscincia do
homem moderno, a saber, a confiana que se pode depositar nas descobertas obtidas pelas
cincias naturais. Strauss apresenta o seu livro como uma confisso, que promete deixar
exposto o pensamento que lhe guiou em sua Das Leben Jesu, ainda que em Der alte und
der neue Glaube ele tente se afastar um pouco da filosofia hegeliana que lhe serviu de
fundamento para a composio de seu primeiro escrito.
Para Strauss, a crtica e a histria haviam demonstrado que Jesus no poderia mais
ser objeto de crena. A concepo de mundo que a astronomia, a fsica, a qumica e a
90Cf. Strauss, David Friedrich. Lancienne et la nouvelle foi: Confession. Traduit par Louis Narval, prfacepar E. Littr. Quand le tumulte des premiers combats stait assoupi, on stait peu peu habitu metmoigner quelque estime; on me faisait mme de diffrents cts lhonneur non brigu de me traiter commeune sorte de prosateur classique (Prface de lauteur a la quatrime dition, pp. xxxiv-xxxv). No tivemosacesso quarta edio alem.91Cf. Schweitzer, Albert. The quest of the historical Jesus: a critical study of its progress from Reimarus toWerde. New York: The Macmillan Company, 1950, pp. 68-96.
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biologia haviam descoberto nada tem em comum com os dogmas da teologia crist. Assim,
Strauss estrutura sua obra em torno de quatro perguntas capitais: (1) Somos ainda cristos?
(2) Ns temos ainda uma religio? (3) Como ns concebemos o mundo? (4) Como ns
ordenamos nossas vidas? A resposta para a primeira questo deve ser negativa, pois ns,homens modernos, diz Strauss, no podemos depositar nossa crena em uma f que repousa
sobre fbulas, dogmas incompreensveis e contrrios cincia. Quanto segundo questo,
Strauss responde com cautela, declarando que por mais que o homem moderno no possa
aceitar a crena na imortalidade da alma, ele se v ainda como um ser dependente do
universo, e tal sentimento o fundamento de toda religio. O homem moderno ainda se
mantm religioso porque, aps o abandono da f crist, ele ainda se v compelido a buscar
uma resposta para a terceira questo, mesmo que em outro lugar que no a religio crist. E
na cincia que ele agora encontra essa resposta, e somente ela pode agora ordenar nossas
vidas (quarta questo). Apenas a cincia pode doravante ocupar o lugar de uma nova f,
substituindo a antiga como princpio organizador e regulador da vida social e moral. 92
No entanto, Strauss declara que sua confisso no quer disputar o lugar de nenhuma
outra. 93Seu ns faz referncia apenas aqueles que, por se verem isolados, tal como ele,
sentem a necessidade de unir foras em torna dessa nova f, em busca daquilo que pode ser
realizado por meio dela. Sua exposio dessa nova forma de conceber o mundo no tem
como objetivo, segundo ele, a mera disputa polmica contra a Igreja, mas somente
determinar e reunir os motivos que levaram esses homens modernos a se separarem dessa
instituio: Dun ct, on avait un Christ qui ne pouvait plus tre le fils de Dieu , mais un
homme dans le vrai sens du mot[...] de lautre, on se voyait de mieux en mieux prpar
expliquer la constitution de la nature dans sa diversit et sa gradation jusqu l'homme,
sans le secours dun crateur et sans faire appel au miracle. 94Strauss declara que no
tem nenhuma inteno de discutir a excelncia de Jesus enquanto homem, porm, fez-se
dele o centro de uma Igreja e de um culto por aquilo que ele no foi, no por aquilo que eleensinou, mas por preceitos que permanecem incompletos e, por conseqncia, falsos. E,
92Para um estudo mais completo sobre a importncia de Der alte und der neue Glaubepara a crtica docristianismo em Nietzsche, cf. Valadier,Nietzsche e la critique du christianisme, pp. 23-68; e para a recepodos historiadores e da teologia liberal, cf. Schweitzer, Op. Cit., pp. 68-77.93Cf. Strauss,Lancienne et la nouvelle foi, Prface a la quatrime dition, p. xxxi.94Strauss,Lancienne et la nouvelle foi, Prface a la quatrime dition, pp. xxxvii-xxxviii.
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mesmo assim, a excelncia de um homem nautorise aucune prtention ladoration
dune glise; surtout quand cette excellence, prenant son origine dans des conditions et des
ides qui sont loin de nous et mme en quelque sorte opposes aux ntres, devient de jour
en jour moins propre nous servir dexemple dans les divers moments de notre vie . 95EmDer alte und der neue Glaube, Strauss declara tentar confessar, portanto, a nica f que o
homem moderno consegue ainda se permitir.
1.3 A primeiraExtempornea
AsExtemporneasso descritas por Nietzsche como integralmente guerreiras. 96
Desses quatros atentados, o primeiro teve xito extraordinrio. O barulho que provocou foi
esplndido em todos os sentidos. 97Na primeira das Consideraesextemporneas:David
Strauss, o confessor e o escritor, Nietzsche atacou o velho Strauss como o arauto de uma f
ilusria e otimista que uma cultura [Bildung] de eruditos nutria a respeito de si mesma. O
golpe teria sido to violento que Nietzsche chegou a acreditar que seu impiedoso ataque
concorrera para fulminar definitivamente o combalido Strauss 98, falecido um ano depois:
Ewald, de Gttingen, deu a entender, afirma Nietzsche, que seu atentado resultara mortal
para Strauss. 99 Para Nietzsche, o embate contra Strauss representou sua entrada na
sociedade: No fundo eu havia posto em prtica uma mxima de Stendhal: ele aconselha a
fazer a entrada na sociedade com um duelo. 100Muitos intrpretes costumam acatar a tese
de Curt Paul Janz de que esse escrito polmico no passaria de uma obra de encomenda que
Nietzsche realizou para atender a um pedido pessoal de Wagner. Entretanto, os argumentos
que Pascual utiliza para rebater essa tese mostram-se, a nosso ver, suficientemente
contundentes e decisivos, mostrando que essa obra no pode ser assim to facilmente
95Strauss,Lancienne et la nouvelle foi, Prface a la quatrime dition, p. lii.96
EH, As extemporneas 2.97Ibidem.98 Sobre o enorme contraste que h entre o vigor da juventude que Das Leben Jesu exibe e a maneiracambiante e sem foras com que Strauss expe sua concepo de mundo em Der alte und der neue Glaube,cf. Schweitzer, Op. Cit., p. 75-76: There is no force and no greatness in the book [Der alte und der neueGlaube].It was a dead book, in spite of the many editions which it went through, and the battle which ragedover it was, like the fiercest of the Homeric battles, a combat over the dead.99EH, As extemporneas 2.100Ibidem.
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considerada como despida de toda e qualquer independncia. 101 Tratava-se, como bem
observou Pascual, de uma luta de vida ou morte: era preciso destruir aquela culturaria
[Gebildetheit] 102alem caso se quisesse garantir alguma possibilidade para a implantao
dos ideais nietzschianos de um projeto de Re-nascimento da cultura [Kultur] alemassentado sobre trs pilares: a Grcia pr-platnica, Schopenhauer e a sua idealizao de
Wagner. No uma obra de encomenda. , ainda que de maneira negativa, uma exposio
do pensamento de Nietzsche, que diz: vossa arte no a minha arte; vossa filosofia no a
minha filosofia; nem sequer estamos de acordo em como se deve escrever. 103
Em David Strauss, o confessor e o escritor, Nietzsche toma como pretexto para
atacar a cultura alem o sucesso que o livro superficial e mal escrito de Strauss havia
angariado entre os crculos eruditos que haviam festejado o seu lanamento como o advento
de um novo clssico alemo, ou melhor, o primeiro clssico dessa nova cultura de
escritores de peridicos e fabricantes de novelas, que celebravam a vitria da Alemanha
sobre a Frana como constituindo igualmente uma vitria no terreno cultural. O primeiro
ataque (1873) [dasExtemporneas] dirigiu-se cultura [Bildung] alem, qual j ento eu
descia os olhos com inexorvel desprezo. Sem sentido, sem substncia, sem meta: uma
mera opinio pblica.104Essa opinio pblica, que se iludiu de tal forma a respeito de
si mesma a ponto de se considerar como uma verdadeira cultura [Cultur], tal como a que a
Frana possua, no poderia desconfiar minimamente da ameaa nefasta que essa iluso
representava, pois essa mesma iluso detinha o poder de, na verdade, acabar por
transformar essa to aclamada vitria em uma derrota completa: pela extirpao do esprito
alemo em favor do Reich alemo. Da o impacto que Nietzsche atribua ao seu livro:
Eu havia atacado em sua ferida uma nao vitoriosa dizia que sua vitria no era um
acontecimento cultural [Cultur-Ereigniss], mas, talvez, talvez algo bem diferente... 105De
acordo com o filsofo, a pretensa cultura [Cultur] alem, que havia se provado, na
101 Cf. Pascual Andrs Snchez. Introduccin, in: Consideraciones intempestivas, 1: David Strauss, elconfesor y el escritor (y fragmentos pstumos). Introduccin, traduccin y notas Andrs Snchez Pascual.Madrid: Alianza Editorial, 2006.102Cf. Co. Ext. I 1.103Pascual, Loc. Cit., p. 19104Cf. EH, As extemporneas 1.105EH, As extemporneas 2. EH, As extemporneas 2. Cf. tambm carta a Brandes de 19 de fevereiro de1888.
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7/22/2019 SenaAllanDavySantos M
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viso dos eruditos alemes, como superior cultura [Cultur] da Frana quando da derrota
desta, no passava de um acmulo de saberes desordenados e destitudos de qualquer estilo
prprio, uma mera cultura [Bildung] sem c