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Seminário URBFAVELAS 2016 Rio de Janeiro - RJ - Brasil COMO SÃO ARTICULADAS AS INTERVENÇÕES EM ZEIS 1 EM SÃO PAULO Catharina Christina Teixeira (Instituto de Arquitetura e Urbanismo- IA) - [email protected] Doutoranda pelo IAUUSP São Carlos, mestre em Habitação pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo ( 2006), especialista em Desenho Urbano pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (1996), formada em Arquitetura e Urbanismo pel

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Seminário URBFAVELAS 2016Rio de Janeiro - RJ - Brasil

COMO SÃO ARTICULADAS AS INTERVENÇÕES EM ZEIS 1 EM SÃO PAULO

Catharina Christina Teixeira (Instituto de Arquitetura e Urbanismo- IA) - [email protected] pelo IAUUSP São Carlos, mestre em Habitação pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado deSão Paulo ( 2006), especialista em Desenho Urbano pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (1996),formada em Arquitetura e Urbanismo pel

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TÍTULO: COMO SÃO ARTICULADAS AS INTERVENÇÕES EM ZEIS 1 EM SÃO PAULO.

RESUMO:

A ação pública sobre áreas constituídas por favelas, loteamentos e conjuntos irregulares, denominadas como ZEIS 1, pelos Planos Diretores de 2004 e 2016 em São Paulo, tem sido pautada em intervenções pontuais, ora focadas na urgência e na regularização fundiária, ora em projetos arquitetônicos excepcionais vinculados a um sistema de contratação de projetos e obras, que em sua maioria correspondem a lógica dos interesses do setor privado da construção civil. Em ambas situações, o que temos assistido é uma falta de planejamento territorial capaz de ordenar e direcionar as intervenções no tempo, buscando cumprir o que a legislação determina como Plano de Urbanização das ZEIS 1. Os concursos públicos para intervenções em áreas precárias, tem contribuído para colocar o tema na pauta dos profissionais e tem demonstrado avanços na discussão da morfologia urbana, das tipologias habitacionais e no trato com os limites territoriais, no entanto, tem como pratica, a lógica da "boa técnica" como metodologia para intervenção em áreas extremamente complexas. Esta reflexão pretende colocar luz nesta discussão, tendo como foco as possibilidades de integração das áreas zoneadas como ZEIS 1 a cidade, considerando o direito a cidade e a moradia.

Palavras chave: Zoneamento, ZEIS 1, Plano de Urbanização, intervenções.

ABSTRACT:

The public action on areas consisted by favelas, allotments and irregular clusters, termed as ZEIS 1 by the Master Plans 2004 and 2016 in São Paulo, has been based on one-off interventions, now focused on emergency and land tenure, or sometimes in exceptional architectural projects tied up to a system which mostly correspond to the logic of interests of the constructions offices from private sector. In both situations, what we have seen is a lack of territorial planning able to order and to direct interventions in time, seeking to fulfill what the law determines as Urbanization Plan of ZEIS 1. Public assignment for interventions in poor áreas has contributed to place the issue on the agenda of professionals and has shown advances in urban morphology, in the discussion of housing typologies and in matter of territorial limits. However this is a practise that follows the is logic of "good technique" as an intervention method in areas extremely complex. This text aims to put light on this discussion, focusing on the possibilities of integration of areas zoned as ZEIS 1 and the city, considering the right to the city and housing.

Key words: Zoning, ZEIS 1, Urban Plan, interventions.

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CONTEXTO:

As ZEIS 11, reconhecida como o “lugar dos pobres na cidade”2, institucionalizada a partir do arcabouço legislativo, que tem como marco teórico o Estatuto das Cidades e os Planos Diretores de 2004 e 2014 em São Paulo, tem no Plano de Urbanização das ZEIS 1 uma possibilidade de garantia do planejamento e das ações para estes territórios; que deve ser consolidada de forma participativa, entre a comunidade, o poder público e os técnicos.

No entanto, a ação pública sobre os aglomerados subnormais3, segue outra lógica; a lógica da política, dentro da cultura de um estado patrimonialista4, que trata de garantir “a falta de tudo”5 como forma de manutenção da dependência dos mais pobres aos mais favorecidos.

Na perspectiva dos projetos e obras em aglomerados subnormais, também nomeados como favelas; trata-se de entender como os processos de contratação interferem na atuação territorial e refletem na forma como que os projetos são pensados e consolidados. No âmbito dos projetos, pode- se observar dois tipos de atuação: a atuação técnica, abstrata e sistematizadora, que considera a arquitetura como objeto capaz de promover a transformação social; e a processual, que valoriza a gestão dos interesses arrolados de forma participativa entre os atores, cada qual com resultados diferenciados.

A questão que se coloca é como garantir com que o planejamento das intervenções em ZEIS 1, através de seus Planos de Urbanização, que englobam perímetros maiores do que especificamente as áreas de favelas, garantam o interesse público e coletivo.

A partir dos anos 90, assiste-se a incursão de uma política neoliberal no Brasil, inserido no contexto da globalização. Paralelamente ao panorama internacional, tivemos a inserção de uma agenda democrática, apoiada nas prerrogativas dos movimentos sociais que culminou na aprovação de um instrumento legislativo em prol da reforma urbana, o Estatuto das

1 Um esclarecimento deve ser feito sobre as ZEIS 1 em São Paulo, estes locais não correspondem estritamente a áreas de favelas, são áreas que englobam outros tipos habitacionais. A definição deste zoneamento foi alterada de 2004 para 2014. ZEIS 1(PDE 2004), área ocupada por população de baixa renda, abrangendo favelas, parcelamentos e loteamentos irregulares ou precários, e EHIS promovidos pela Administração Pública Direta e Indireta, em que haja o interesse público em promover a recuperação urbanística, a regularização fundiária, a promoção e manutenção de HIS, incluindo equipamentos sociais e culturais, espaços públicos, serviço e comércio de caráter local. ZEIS 1(PDE 2014): áreas ocupadas precariamente e de forma irregular, predominantemente por pessoas de baixa renda, que exigem regularização fundiária e qualificação habitacional, urbanística e ambiental, por meio de melhorias na infraestrutura e construção de equipamentos urbanos.

2 SANTO AMORE, Caio. (2013) Entre o nó e o fato consumado, o lugar dos pobres na cidade, um estudo sobre as Zeis e os impasses da reforma urbana na atualidade. Tese de Doutorado FAU-USP.

3 O IBGE classifica, desde os censos de 1950, 1980, 1991 e 2000, como aglomerados subnormais os territórios com os seguintes critérios: Proporções mínimas: agrupamentos prediais ou residenciais formados com número superior a cinquenta. Tipo de habitação: predominância de casebres ou barracões de aspecto rústico, construídos principalmente com folha de flandres, chapas zincadas ou materiais similares. Condição jurídica da ocupação: construções sem licenciamento e sem fiscalização, em terrenos de terceiros ou de propriedade desconhecida. Melhoramentos públicos: ausência, no todo ou em parte, de rede sanitária, luz, telefone e água encanada. Urbanização: área não urbanizada, com falta de arruamento, numeração ou emplacamento. Para maior aprofundamento ver VALLADARES, 2005; PASTERNAK 2006.

4 FAORO, Raymundo (1957). Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. Capítulo último:

A viagem redonda: do patrimonialismo ao estamento. Ed. Globo, 2001 (1957).

5 PASTERNAK, Suzana (2006) São Paulo e suas favelas. Revista Pós: FAUUSP.

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Cidades6, cujo cerne, tratou de garantir o direito a cidade e a moradia, fundamentando a função social da propriedade.

Nesta dicotomia entre políticas neoliberais e institucionalização do estado democrático, construiu-se uma base legislativa urbana, baseada na gestão municipal, que foi manifestada nos Planos Diretores municipais. Diante deste contexto aparentemente contraditório, nos anos se que sucederam, a transformação urbana promovida pelo poder público local na cidade de São Paulo, tem se demonstrado aliada a ações, cujo motor central tem sido a propulsão financeira das parcerias entre o poder público e o setor privado, mesmo nas gestões mais democráticas. Dentro deste pensamento será abordada como são articuladas as intervenções em ZEIS 1 em São Paulo.

PRESSÃO DO MERCADO IMOBILIÁRIO SOBRE AS ZEIS1:

O zoneamento ZEIS 1 é um zoneamento em evolução; do PD 2004 para o de 2014 alterou-se o conceito, a delimitação, o número e a quantidade em km2, no entanto ainda há muito o que fazer. Essas áreas na cidade de SP também estão sujeitas a dinâmica do mercado imobiliário; enquanto o planejamento caminha no sentido da inclusão através da legislação, os projetos e a gestão pública caminham em outra direção, movidos por interesses diversos, tanto nas intervenções em ZEIS 1 PERIFÉRICAS como nas ZEIS 1 CENTRAIS7, utilizando-se de projetos arquitetônicos e urbanísticos excepcionais como marca da transformação territorial.

Figura 1- Mapa ZEIS com áreas de OUC. Base de dados PDE de 2014. Figura 2- Mapa 02- Macro áreas do PDE de 2014. Fonte: http://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/. Acessado em 25/10/2015.

6 Que regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal. Em seu Art. 1o Parágrafo único determina: Para todos os efeitos, esta Lei, denominada Estatuto da Cidade, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.

7 ZEIS 1 PERIFÉRICAS e ZEIS 1 CENTRAIS, classificação definida pela autora.

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Nas intervenções em ZEIS 1 em áreas centrais e nas ZEIS 1 em áreas periféricas (fig.1 e fig. 2), há a aplicação dos instrumentos do Estatuto de Cidade com propósitos que seguem lógicas próprias. Enquanto as ZEIS 1 CENTRAIS, muitas em áreas de Operações Urbanas Consorciadas8 (OUC), estão sob a influência do capital financeiro privado que gera a operação urbana e a revitalização; as ZEIS1 PERIFÉRICAS ficam sujeiras as dinâmicas do poder público, que financia integralmente a intervenção e do mercado imobiliário de livre acesso.

A experiência vivenciada pelos moradores do Jardim Edite na OUC Aguas Espraiadas, muito bem ilustrada por Mariana Fix9, é o resultado da atuação pública sobre a precariedade em áreas valorizadas pelo mercado imobiliário. Segundo Maricato e Ferreira 10 , no instrumento teriam outra possibilidade e rebatem: poderiam “as operações urbanas ir além de um conjunto de lucrativas operações imobiliárias? Elas poderão ser utilizadas de fato para engendrar “melhorias sociais” e “valorização ambiental” como reza o Estatuto das Cidades? Elas constituem essa excepcional fonte de recursos para um poder público falido como apregoam alguns? ”

A legislação prevê instrumentos de representatividade da população afetada nos Conselhos Gestores das OUC, e também a captação de recursos para serem investidos em novas moradias, mas dentro das possibilidades, da força de articulação dos atores e diante das necessidades de investimentos, essas cadeiras representam meras formalidades para fazer cumprir o que foi previsto em lei.

“ Embora a ideia da parceria incorpore essas noções de participação da sociedade civil organizada, através de associações locais, por exemplo muito comuns na Europa, é inegável que no caso das operações consorciadas a iniciativa privada ganha um papel de destaque, pelo volume de capital de que dispõe, em relação a um Estado pouco ágil do ponto de vista financeiro”.11

Autores como Vainer, Maricato e Ferreira, demonstram como o Estado está atrelado aos interesses privados na atuação territorial. Mesmo nas OUC, onde deveria regular as regras para que a iniciativa privada aporte contra- partidas, a lógica praticada pende para o caminho inverso; ou seja, o Estado investe primeiro, para atrair o interesse da iniciativa privada, já com melhorias executadas. Estes autores mostram a fragilidade da gestão pública em disciplinar o mercado e fazer cumprir as diretrizes de interesse público, esta matriz tem origem no conceito do estado patrimonialista de Faoro12.

Nesta lógica não há alternativas para os Planos de Urbanização das ZEIS 1CENTRAIS, que atravessam os interesses de mercado. A solução que resta, vai na linha da resistência mostrada pelos moradores do Jardim Edite. De uma favela onde viviam em torno de1500

8 O texto que regulamenta as Operações Urbanas Consorciadas no Estatuto da Cidade: “ Considera-se Operação Urbana Consorciada o conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental”.

9 FIX, Mariana (2002) Parceiros da exclusão. São Paulo, Boi tempo Editorial. 10 MARICATO, Ermínia; FERREIRA, João Sette W. (2002) Operação Urbana Consorciada: diversificação urbanística participativa ou aprofundamento da desigualdade? In: “ Estatuto da Cidade e Reforma Urbana: novas perspectivas para as cidades brasileiras”. OSORIO, L.M. (org.), Sergio Antônio Fabris Editor, Porto Alegre/ SP.

11 FERREIRA, Paulo Emílio (2014) Urbanização de favelas versus desfavelamento: Notas sobre uma operação paulistana. 3*CIHEL-Congresso Internacional de Habitação Espaço Lusófono. FAU-SP.

12 Ibidem 4.

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famílias, permaneceram 250, que foram realocadas para o empreendimento executado no local, na gestão do ex-prefeito Kassab sob orientação da Superintendente de Habi Elisabete França, para o empreendimento habitacional projetado pelos escritórios de arquitetura do MMBB e H+F Arquitetos (fig. 3). Incontestavelmente um projeto de qualidade arquitetônica, que não revela sua real identidade: tratar-se de habitação para famílias que ganham até 3 salários mínimos.

Figura 3- Vista do Conjunto do Jardim Edite. Projeto MMBB e H+F Arquitetos.Fonte: Archdaily. Disponível em: http://www.archdaily.com.br/br/01-134091/conjunto-habitacional-do-jardim-edite-slash-mmbb-arquitetos-

plus-h-plus-f-arquitetos/520a1380e8e44e80d100004d-jardim-edite-social-housing-mmbb-arquitetos-h-f-arquitetos-photo. Acesso 13/08/2016.

Sem dúvida, o reflexo provocado pela definição de áreas de OUC sobre locais com potencial de revitalização e potencial construtivo, diante da boa localização e da possibilidade de investimentos públicos, acabam gerando uma mobilização dos mercados para o consumo de novas frentes de expansão.

Nesta perspectiva das áreas bem localizadas, a remoção radical das favelas é a solução “viável” para os interesses em jogo. As favelas nascem junto com a modernidade, são uma fatia importante do mercado habitacional popular; nestas condições a discussão com a população sobre a permanência e consolidação da favela dentro da ZEIS 1, com um Plano de Urbanização adequado aos moradores, deveria ser uma prática tanto nas áreas centrais como periféricas, no entanto essa postura não tem sido respeitada praticada pelas gestões públicas.

Somada a revitalização que marca os processos das OUC, novas possibilidades trouxeram para as áreas centrais da capital o interesse do capital financeiro, que sofreu um grande aquecimento com a disponibilidade de recursos através de financiamentos federais como os do Programa Minha Casa Minha Vida (MCMV). A imagem abaixo (fig.4), trabalhada a partir da tese de Leticia Sigolo (2014), demonstra como, além dos distritos em áreas centrais (Limão, Barra Funda, Bom Retiro, Belém e Brás), que estão dentro das OUC Agua Branca e Centro, os distritos de borda da cidade (Jaguaré, Jaraguá, Campo Limpo, Vila Curuçá, Itaim Paulista e José Bonifácio), marcados pelo histórico de ocupação marginalizada nas décadas de 70 e 80, sofreram uma acentuada influência do mercado imobiliário pressionada pelos municípios vizinhos, que tiveram um crescimento de número de empreendimentos para atender o programa. Com este advento, a periferia da cidade, antes renegada, começa a sofrer uma pressão centrípeta, tornando áreas desvalorizadas em locais viáveis para a habitação.

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Figura 4: Mapa com a participação dos municípios da RMSP no lançamento de UH do PMCMV

(2002-2004|2008-2010) Fonte: Tese de doutorado de Letícia Sigolo,2014, pg.31.

Com este mapeamento pretendeu-se demonstrar como os territórios informais, definidos nos PDE de 2004 e 2014 como ZEIS 1 CENTRAIS ou PERIFÉRICAS, não estão à margem do mercado de terras da cidade. O que antes parecia uma opção, a “urbanização com baixos salários”13, torna-se cada vez mais sujeita a intervenção modernizante necessárias para a reprodução do capital, sem estancar as contradições sociais intrínsecas deste contexto.

COMO SÃO DESENHADAS AS INTERVENÇÕES EM ZEIS 1?

Qual a hierarquia entre as esferas do planejamento e da gestão pública sobre os territórios em ZEIS 1?

Primeiro vem os planos, que se transformam em programas (políticas públicas), depois são contratados os projetos e executadas as obras? Ou, primeiro estabelecem-se os programas, depois os planos, projetos e obras? Qual a relação entre políticas públicas, financiamento, projetos e obras?

Na realidade, o histórico das experiências de intervenção em assentamentos informais e precários na RMSP, pós Constituinte, mostram uma evolução na forma do poder público tratar a questão, e acumulam um saber diverso, que vem das primeiras ações na gestão da ex-prefeita Luiza Erundina em SP (1989), somada a experiência acumulada pelos municípios da região do grande ABC e D, às propostas executadas na gestão do ex-prefeito Gilberto Kassab, já sob a influência do PAC Urbanização de Assentamentos Precários14.

13 MARICATO, Ermínia (1997) Habitação e cidade. 7. ed. São Paulo: Atual.

14 PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) Urbanização de Assentamentos Precários, que tem por meta: melhorar as condições de habitação e mobilidade em assentamentos precários em centros urbanos, com obras de infraestrutura como construção de moradias, drenagem, abastecimento de água, esgotamento sanitário e iluminação pública, entre outras.

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O instrumento do Plano de Urbanização permeia este histórico na interlocução entre o agente público e a população, configurando-se como uma diretriz para a intervenção. Durante este período o instrumento tem sido utilizado em algumas situações, em outras nem existiu ou não passou de mera formalidade; um protocolo para fazer cumprir as regras de financiamento. Na realidade, sabe-se da dificuldade de o poder público articular as ações que se situam entre o plano e a obra, neste espectro, o desenho dos projetos e das ações de intervenção em ZEIS1 são feitos de acordo com a oportunidade, mostrando que o instrumento do Plano de Urbanização tem sido subutilizado do papel que lhe confere.

Em entrevista, a Arq. Elisabete França mostra que o Plano foi utilizado na gestão Kassab como forma de consolidar a intervenção e não como instrumento de planejamento: “Plano de Urbanização em ZEIS 1 só acontece quando alguma intervenção está prevista, caso contrário gera expectativa na população”.

Na cidade de São Paulo, a partir do Estatuto das Cidades e do Plano Diretor Estratégico de 2004, que marcou as ZEIS na cidade, o Decreto de HIS (31.601/1992) então em vigor, foi substituído pelo Decreto de HIS Nº 44.667/2004. Este documento tratou da disciplina de intervenção em ZEIS, através do Plano de Urbanização, em seus artigos 19 a 22, que detalharam os parâmetros para sua elaboração, com orientações para diagnóstico e diretrizes. Detalhou também as instâncias de aprovação do Plano nos Conselhos Gestores, na CAEHIS (Comissão de Aprovação de Empreendimentos de Habitação de Interesse Social), até sua aprovação na forma de Decreto específico, consolidando os direitos da população e a proposta para a intervenção urbanística. A construção do texto deixa claro a postura do poder público da época, sobre que tipo de intervenção em áreas precárias se pretendia: a de consolidação da pré-existência, com aparelhamento da infra- estrutura e a regularização fundiária.

Na atualização do Decreto de HIS em 2016 (Decreto Nº 56.759/2016), discutido durante o período de euforia dos investimentos federais do MCMV e do PAC, reflete a preocupação em abrir possibilidades para a atuação da iniciativa privada nos mercados de HIS e HMP, demonstrando um interesse em incentivar iniciativas voltadas para a provisão habitacional. O Plano de Urbanização em ZEIS é tratado somente em dois artigos, o 43, que remete ao PDE 2014 e no 44, que em seu § 1º reforça a intenção geral do documento: “O Plano de

Urbanização da ZEIS poderá incluir o licenciamento de novas HIS e EHIS nas condições referidas no “caput” deste artigo, inclusive quanto à dispensa do atendimento dos índices e parâmetros estabelecidos neste decreto”, reforçando a preocupação com projetos novos em detrimento das áreas precárias pré-existentes.

Em geral, observa-se que a política sobre as áreas precárias, seja com o propósito de consolidação ou de transformação, são regidas pela doutrina que permeia a ordem pública, que nos últimos anos vem se fortalecendo com a participação da iniciativa privada, fazendo a vez do poder público, que influencia o arcabouço legislativo em prol de seus interesses.

METODOLOGIAS DE INTERVENÇÃO EM ÁREAS PRECÁRIAS,

Cabe elencar alguns aspectos que fazem parte do diagnóstico e que, de forma geral, interferem na metodologia de ação sobre as áreas em ZEIS 1. Um dos aspectos trata da área da delimitação e abrangência; este ponto diz respeito a definição do limite da precariedade, quais os critérios para estabelecer o que está dentro ou o que está fora da intervenção. A periferia paulistana é constituída por uma sucessão de ZEIS 1 que se sobrepõe, compondo uma paisagem homogênea nas Macro áreas de Redução da Vulnerabilidade e nas Macro áreas de Redução da Vulnerabilidade Urbana e Recuperação Ambiental definidas no PDE de 2014 (fig.1 e fig. 2). Neste sentido trata-se de entender qual a escala do plano urbanístico capaz de incorporar as questões da precariedade. Intervir somente nas favelas é suficiente? As áreas de ZEIS 1, são suficientes? Os Perímetros de

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Ação Integrada (PAI) que incorporam as bacias hidrográficas e inserem várias ZEIS 1, são suficientes? Como tratar e articular estas escalas urbanas da precariedade?

Outro aspecto a ser incorporado no diagnóstico, trata-se da questão físico ambiental, presente na maioria dos assentamentos informais, consolidados em áreas de risco, em Áreas de Preservação Permanente (APP) de córregos ou encostas, ou ainda em áreas com mata nativa. Essas ocupações estão em cantos da cidade onde o mercado imobiliário não tem interesse em ocupar, seja pela localização, seja por envolver questões geotécnicas ou fundiárias complexas. A questão fundiária, outra componente estruturante, em algumas situações está atrelada a fragilidade física ambiental. É comum encontrar favelas nos loteamentos irregulares em locais destinados ao uso institucional, de áreas verdes ou de lazer. Geralmente são porções deixadas pelo loteador devido a maior dificuldade de ocupação com a presença de água, erosão e declividades acentuadas; são áreas sem interesse de comercialização e venda. Na questão fundiária as ZEIS 1 são compostas por diferentes formas de acesso à terra (loteamentos e conjuntos habitacionais irregulares e favelas) e a intervenção deve prever o ataque a essa questão em conjunto com a solução do desenho urbano e do parcelamento do solo, ambas estão intrinsicamente ligadas, tendo que ser trabalhadas em conjunto, delimitando e categorizando os espaços públicos e privados.

A análise urbanística das ZEIS 1 é outro aspecto do diagnóstico, nela se observa as taxas de ocupação do solo, principalmente nas favelas, as densidades, condições de mobilidade, verticalização das edificações, qualidade funcional e construtiva das unidades habitacionais e a existência de infraestrutura. Pela primeira vez, o Censo de 2010 compilou informações sobre os domicílios (Levantamento de Informações Territoriais 15 ) que permitiu a sistematização de algumas características físicas e de ocupação destes assentamentos. Segundo o levantamento coloca a Região Sudeste com uma maior concentração de favelas em encostas, de tipologia verticalizada.

A análise socioeconômica da população e a identificação do potencial de organização comunitária, são aspectos que diferenciam e colaboram no entendimento “holístico” do problema, que tem no trabalho técnico social a estrutura de interlocução entre o meio físico e o humano.

Dentro deste universo, tem sido trabalhada duas lógicas de intervenções, uma delas trata a precariedade como ambiente a ser consolidado e promove intervenções processuais que visam a melhoria habitacional e a consolidação do território, resultados obtidos de forma participativa entre comunidade e técnicos, e a outra, que se alinha com os preceitos da arquitetura moderna, que entende o projeto arquitetônico como o agente transformador da realidade.

Intervenção processual.

O método de atuação sobre a realidade desenvolvido por John Habraken, conhecido como Sistema de Suportes, possui como eixo principal o reconhecimento do que é permanente e do que se modifica no tempo e se apoia no processo participativo para estabelecer os critérios de intervenção. Sobre a diferença desta postura com a do arquiteto moderno, Habraken coloca:

15 Fonte de dados: Censo IBGE 2010. Disponível em: http://noticias.uol.com.br/infograficos/2013/11/05/dados-do-ibge-mostram-perfil-de-favelas-e-moradores.htm. Acesso: 02-08-2016.

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“ La arquitectura moderna surgió com la voluntad de resolver las cuestiones del entorno cotidiano, pero siguió aplicando los critérios académicos tradicionales, creando obras singulares y extraordinárias, sin entender que la clave estaba em inventar nuevos sistemas arquitectónicos, estructuras para lo ordinário, capaces de aceptar la intervención de la gente, de permitir los câmbios em el tempo, de favorecer las relaciones entre lo privado y lo público, y de expressar unos critérios de diseño compartidos por la sociedade”. 16

Esta linha, aplicada aos assentamentos precários, atua no sentido de problematizar a intervenção a partir de diagnósticos participativos, privilegiando partidos que evitem remoções drásticas, com extensão dos serviços urbanos e melhorias nos espaços de moradia. Neste trabalho o agente social é o elemento articulador, de extrema importância capaz de integrar os moradores e mobilizar a comunidade para a participação no projeto.

Esta proposta, que entende o processo como base, não estabelece parâmetros gerais, pois parte do princípio de que as especificidades de cada intervenção são diferenciadas. A metodologia entende a ação pontual como o particular, e a construção coletiva, como a visão geral do problema e como possibilidade de intervenção no território, “projetar pelos vazios, pelos negativos”17. A algumas diretrizes podem ser estudadas como referência para problemas semelhantes, porém cada projeto e cada comunidade representam uma solução específica, de acordo com os anseios coletivos e arranjos institucionais possíveis no tempo.

A aceitação da pré-existência como algo que deva ser respeitado, patrimônio construído pelos moradores ao longo de anos com recursos e esforços próprios, é uma postura adotada por estes profissionais, que acordam sobre a permanência do ambiente construído com melhorias. Essa é uma ação contrária as cirurgias urbanas significativas, que impõe novas soluções morfológicas. As demolições são feitas exclusivamente para viabilizar condições mais adequadas de acessibilidade, além da retirada de famílias que ocupavam áreas de risco18.

Neste universo o arquiteto é o tradutor espacial dos anseios coletivos e trabalha a serviço do bem comum, numa colaboração militante de enfrentamento da resistência popular. A atuação do Arq. Carlos Nelson na favela Brás de Pina, foi o primeiro ensaio desta atuação, nomeado por ele próprio como um “antropoteto”, uma referência a mistura de antropólogo a arquiteto. Este é o campo de atuação das Assessorias Técnicas (AT). A experiência recente, relatada pela AT Peabiru, diante da remoção total da Favela da Paz em Itaquera, que sofria com a pressão das obras do Polo Institucional de Itaquera (com Sesi, Fatec e Etec) e a construção de um Parque Linear é um exemplo desta atuação. Foram discutidas duas possibilidades junto a comunidade e apresentadas ao poder público, com arranjos que atendiam parcialmente ao poder público e parcialmente a comunidade, porém com o compromisso de contrapartida para as famílias que seriam removidas, possibilitando um acordo e evitando a remoção radical.

16 MONTANER, J.M.; MUXI, Z. (2009). Master Laboratório de la vivenda del siglo XXI- Soportes: vivenda y cuidad. 2009.

17 Palestra proferida pela Prof. Karina Leitão no Seminário “Oficina Favelas”, 2016. SP.

18 LEITÃO, Gerônimo; BARBOZA, Silva; DELECAVE, Jonas (2014) Projeto Mutirão, Programas Favela-Bairro e Morar Carioca: três décadas de urbanização de favelas na Cidade do Rio de Janeiro. In: PEIXOTO, Elane Ribeiro; DERNTL, Maria Fernanda; PALAZZO, Pedro Paulo; TREVISAN, Ricardo (Orgs.) Tempos e escalas da cidade e do urbanismo: Anais do XIII Seminário de História da Cidade e do Urbanismo. Brasília, DF: Universidade Brasília- Faculdade de Arquitetura e Urbanismo.

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“ Alguns arquitetos fizeram parte desta luta contra a expulsão, não apenas para engrossar protestos ou explicar os fenômenos, mas atuando de forma propositiva, elaborando planos alternativos populares que serviram como instrumento de luta dos ameaçados pelos processos de remoção, apoiando a luta por direitos urbanos”19.

A atuação profissional junto às comunidades, é uma prática urbanística prévia, que antecede a urbanização estatal. Os planos populares de desenvolvimento de favelas implicam em trabalho junto aos movimentos sociais de moradia organizados que buscam instrumentos para pressionar o poder público na execução de melhorias. No entanto, o trabalho das Assessorias Técnicas, aplicado a reurbanização e a melhoria habitacional de assentamentos precários, com a garantia de um processo comunitário, depende de políticas públicas adequadas.

Intervenção abstrata e sistematizadora.20

O conceito de que a técnica e o pensamento racionalista constituem o mote para a solução dos problemas sociais, são a base do pensamento moderno, que também apostam no edifício cidade como uma possibilidade de encaminhamento dos problemas urbanos; uma realidade nova sobreposta e descontaminada da existente.

Muitas intervenções contemporâneas em áreas precárias, valorizam essa possibilidade, confiando à edificação a função de elemento articulador e solucionador da precariedade. Neste pensamento, os edifícios repactuam com a cidade, estabelecendo novas dimensões entre a vida pública e a privada, apresentando, em algumas situações, soluções inaplicáveis à cidade formal, onde estas dimensões são bem determinadas e bem distintas.

No Plano Municipal de Habitação elaborado pela gestão do ex-prefeito Gilberto Kassab, várias áreas foram incluídas no Programa de Urbanização e Regularização de Assentamentos Precários e, em algumas delas, a gestão em exercício, promoveu intervenções com projetos arquitetônicos especiais, colocando o “direito a arquitetura” em primeiro plano. Tivemos como exemplo os empreendimentos de Heliópolis (projeto do escritório Mario Biselli), o Real Parque (projeto arquitetônico do escritório Escritório Paulistano de Arquitetura), Jaguaré (projeto do escritório Boldarini Arquitetura e Urbanismo) e o Parque Novo Santo Amaro V, projeto do escritório do Arq. Hector Vigliecca. Estes projetos seguiram a linha da grande intervenção com altas taxas de remoção e, trouxeram para o repertório dos assentamentos precários, a lenda de que reurbanizar significa construir unidades novas.

Esta metodologia de intervenção, abstrata e sistematizadora, que prima por soluções técnicas, trabalha somente na escala dos projetos e obras, deixando a dimensão social para um agente separado do processo da reurbanização. Essa postura, aparentemente traz outros resultados no que diz respeito a apropriação do patrimônio pelos moradores e reforça a gentrificação, merecendo uma avaliação quantitativa de resultados.

A CONTRIBUIÇÃO DOS CONCURSOS PÚBLICOS,

Embora os concursos não se relacionam diretamente com os territórios de ZEIS 1, abrangem a questão do enfrentamento da precariedade. O primeiro concurso para intervenção em aglomerados subnormais no Brasil, apareceu no início dos anos 90, quando já havíamos assistido o esvaziamento da disciplina do planejamento urbano, com o

19 SANTORO, P.; SANTAMORE, C. (2014) Planos populares de resistência a remoções forçadas. Revista Móbile n*2- CAU. 20 Ibidem 16.

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redirecionamento do pensamento urbano, para as soluções pontuais e locais. Deste olhar contemporâneo, surge um novo campo disciplinar, o Urban Design que terá seu auge nos anos 90, com as políticas neoliberais, apresentando a característica de atrair o capital financeiro e o mercado imobiliário através de grandes projetos de renovação urbana, “revitalização”, de antigas áreas industriais abandonadas, desenvolvendo estratégias políticas, econômicas e culturais, numa tendência que foi denominada de "marketing urbano".

A polarização entre o planejamento e projeto, em muitas ocasiões, tem acompanhado a dinâmica dos governos e das políticas públicas. O planejamento não é uma prática visível, ao passo que os projetos, que resultam em obras, são a imagem do poder de realização dos governos.

As intervenções nos aglomerados subnormais não poderiam ficar de fora desta dicotomia entre planejamento e projeto, uma vez que alguma destas áreas se localizam nos centros urbanos valorizados. Dentro da prerrogativa projetual, tivemos o concurso de projetos para as favelas cariocas- Favela Bairro- em 1994 promovido pelo IAB e Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, que reuniu a expertise dos escritórios cariocas para a elaboração de propostas em 147 comunidades faveladas cuja diretriz era:

“complementar ou construir a estrutura urbana principal; oferecer condições ambientais para a leitura da favela como um bairro da cidade; introduzir os valores urbanísticos da cidade formal como signo de sua identificação como bairro: ruas, praças, mobiliário e serviços públicos; consolidara inserção da favela no processo de planejamento da cidade; implementar ações de caráter social, implantando creches, programas de geração de renda e capacitação profissional e atividades esportivas, culturais e de lazer; promover a regularização fundiária e urbanística.21

O concurso tomou como foco o desenho e a morfologia urbana, na busca de metodologias para intervenção nas comunidades faveladas, destinadas a promover a integração destes sítios ao tecido urbano em que estão inseridos. Várias foram as propostas, como por exemplo a da equipe 118, que propôs para o rompimento dos limites entre a favela e o bairro, ações públicas feitas de dentro para fora e vice-versa, localizadas nos limites do território, articulando-os, tentando romper os limites existentes, com propostas de desenho urbano e ações sócio- culturais a fim de garantir a efetivação da integração.

Figura 5- Esquema conceitual da proposta da equipe 118 do Concurso Favela Bairro- 1994.

Fonte: Publicação do Concurso Favela Bairro

Esta proposta (fig.5) ilustra bem o atendimento ao fundamento do edital do concurso, que colocou como desafio o rompimento da territorialidade, selecionando projetos que continham a soluções que pudessem suscitar a integração morfológica entre a favela e o entorno imediato. Luís Carlos Toledo participou com proposta para a Rocinha e em seu partido propôs que a integração da favela com a cidade formal fosse feita através de espaços de encontro da população da comunidade com o resto da cidade, territórios

21 Edital do Concurso Favela Bairro, 1994. PM do Rio de Janeiro.

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neutros, com apelo cultural e esportivo, que pudessem propiciar a miscigenação dos campos opostos, procurando reforçar a quebra de barreiras e a identidade do conjunto.

No Morar Carioca em 2010, que já contava com o Estatuto das Cidades e a solidificação das ZEIS 1 e com a formação dos Conselhos Gestores, 89 escritórios de arquitetura participaram do concurso promovido pelo IAB (Instituto dos Arquitetos do Brasil) e a Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro. O edital previa o projeto de intervenções em favelas genéricas em áreas planas e acidentadas e "complexos" maiores, propondo tipologias e agrupamentos morfológicos de intervenções genéricas. Em relação ao Favela Bairro as equipes propuseram intervenções mais ousadas, com significativas reestruturações da malha urbana da favela. Foram propostas aberturas de vias de maior porte, construção de teleféricos e de planos inclinados. Conjuntos habitacionais verticalizados com a liberação de área para construção de espaços de recreação e lazer. Os novos conceitos propostos iriam, simultaneamente, propor cirurgias no tecido da favela, e reconhecer as formas existentes de habitar, contemporizando a participação popular no processo de definição do programa de necessidades22.

Na palestra intitulada “ Os quatro mandamentos da cidade”, ministrada pelo ex-prefeito Eduardo Paz no programa Ted Talk, explicou:

“Favelas podem ser uma solução”. O Morar Carioca conclui, a partir de experiências passadas, que se urbanizações forem realizadas de forma participativa, o desenvolvimento do estilo ‘favela’ é uma forma urbana valiosa para a cidade. É uma resposta parcial, porém visionária à pergunta que os urbanistas ao redor do mundo estão se colocando: como vamos lidar com o terço da humanidade que viverá em assentamentos informais urbanos até 2050? ”23

Nesta nova era das intervenções das favelas cariocas, podemos observar a forte presença do marketing urbano, apregoado nos últimos anos em função dos eventos esportivos que a cidade abrigou, demostrando uma aceitação e valorização da informalidade como uma saída para os assentamentos humanos, porém sob o comando das Unidades Pacificadoras. A aceitação da precariedade foi um processo social e cultural custoso para a sociedade, que não pode se sobrepor ao respeito à dignidade humana, ao direito à moradia digna e a mobilidade urbana.

Em São Paulo, na gestão do ex-prefeito Gilberto Kassab, a SEHAB (Secretaria de Habitação do Município de São Paulo) promoveu, em 2011, o concurso Renova SP, integrando o Programa de Regularização de Assentamentos do Plano Municipal de Habitação, em consonância com o Plano Municipal de Saneamento, cuja diretriz propunha “realizar a urbanização de favelas e de loteamentos irregulares em áreas de assentamentos precários, prevendo a implantação de infraestrutura urbana, drenagem, construção de espaços públicos e de novas unidades habitacionais”. Foram designados 23 perímetros definidos como Perímetros de Ação Integrada (PAI) divididos a partir das sub- bacias hidrográficas.

É de se surpreender e de se avaliar, como os resultados do concurso Renova SP, e do concurso da Operação Urbana Água Branca, setor A1, mostram a priorização do Desenho Urbano e da Arquitetura de espetáculo como pilares para a renovação urbana, reforçando a questão da autoria projetual. Estas propostas pontuais, apresentam o projeto arquitetônico e urbanístico como eixo estruturador do território, indistintamente projetados

22 Ibidem 19.

23 PAES, E.- Os quatro mandamentos da cidade. Disponível em: https://www.ted.com/talks/eduardo_paes_the_4_commandments_of_cities. Acessado em 29/07/2015.

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para as áreas centrais ou periféricas. (fig.6 e fig.7). Em que se presem as críticas ao concurso, ele se supera ao atrelar a habitação a intervenção urbana, buscando uma leitura territorial consiga, revelando como a política urbana e a habitacional estão intrinsicamente ligadas.

Figura 6: 1* Lugar do Concurso OUC Água Branca Setor A1. Arq. Eron Danilo Costin

Figura 7: 1* Lugar do Concurso Renova São Paulo- Jardim Japão-AUM Arquitetos

Não se trata de um concurso que propõe investigar alguns parâmetros para a intervenção, como fizeram os anteriores, no Rio de Janeiro. Para este concurso o projeto é a metodologia e a solução para a atuação em áreas precárias (fig.8), como declara um dos escritórios vencedores:

…”construir a cidade significa inserir estes empreendimentos na trama ativa e legível da cidade. Portanto, estamos cientes e convencidos que esta modalidade de estabelecer cunhas de infiltração é uma nova maneira de reflexão para um projeto urbano sobre áreas urbanas críticas.24

24 Texto do site: www.vigliecca.com.br, acessado em 01/08/2015

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Figura 8- Proposta do escritório Hector Vigliecca para o concurso Renova São Paulo- 2011- Morro do S.

Atualmente alguns aglomerados subnormais são tratadas como complexos, dada a extensão territorial, principalmente no Rio, por ex.: Complexo da Maré; em São Paulo temos áreas de ZEIS 1 definidas no Plano Diretor, que abrangem extensões de bairro, como na Zona Sul o Jardim Ângela, na Zona Norte a Brasilândia e Leste Cidade Tiradentes. Ainda temos assentamentos solidificados como Heliópolis e Paraisópolis, que devido a sua extensão, são tratados como complexos e que, ao longo dos anos foram sendo atendidos por diferentes políticas públicas, constituindo-se hoje em áreas consolidadas.

Sobre a homogeneidade dos territórios em ZEIS 1, há estudos sobre as diferenças na estrutura física das favelas: favelas precárias, consolidadas, de ocupação recente ou antiga, etc....O espaço interno a favela, também corresponde a áreas heterogêneas com diversidade territorial e social, no entanto, a forma de intervir sobre a diversidade das ZEIS 1, que abrangem além das favelas, as vezes várias favelas, loteamentos irregulares, núcleos urbanizados e conjuntos habitacionais, ainda há o que se fazer, do ponto de vista das escalas do planejamento urbano, projetos e obras.

Sob o aspecto social, as ZEIS 1, assim como as favelas inseridas nas ZEIS 1, não são ocupadas somente pelos miseráveis; outros grupos têm acessado estes territórios, com o empobrecimento de setores da classe média. Como afirma Pasternak, “isso pode mudar o perfil do morador da favela: o que parecia ser a simples expressão da segregação sócio espacial torna-se uma realidade complexa e intrigada”.25 Por estas razões, entre outras, todo melhoramento deve ter no horizonte, formas de mitigar a expulsão dos moradores, através de políticas públicas que garantam a permanência da população no local. No programa Morar Carioca, Sonia Lopes, previu o efeito da expulsão dos moradores com as intervenções propostas, em uma entrevista em outubro de 2010, ela fala que o programa “vai ajudar a manter o mercado de imóveis forte, enquanto, ao mesmo tempo, cria novas áreas de oportunidade” 26 . Para muitos moradores de favelas, a consequência dessa especulação é que eles já não podem mais sustentar-se em suas casas, é uma espécie de “remoção branca“.

25 Ibidem 5.

26 Ibidem 19.

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Na prática, os concursos serviram para que profissionais se debruçassem sobre o tema da “pré- existência ”27, buscando soluções, na maioria das vezes, morfológicas e edilícias, para as questões que envolvem este universo. Alguns resultados evoluíram para indicação de alternativas e outros se apoiaram na perspectiva do virtuosismo arquitetônico.

ZEIS 1 E OBRAS.

Embora a maioria dos projetos de intervenção em áreas precárias, tratam em sua maioria das áreas de favelas e não dos perímetros das ZEIS 1, a metodologia de projeto utilizada na intervenção define, em parte, a forma de se tratar as contratações e as obras. A “boa arquitetura”, praticada nos concursos públicos e as contratações feitas “sob encomenda”, tem reforçado a posição de que os resultados edilícios e urbanísticos do grande projeto, promovem uma facilidade de contratação das obras, atraindo a participação de construtoras neste nicho de mercado.

Na era da terceirização, com a gestão fragmentada da administração pública, cuja responsabilidade sobre o gerenciamento das intervenções em áreas precárias tem ficado a cargo das empresas de consultoria especializadas, a contratação segue a lógica da “empreitada global”, do que cabe no recurso disponível, ocorrendo uma cisão entre planejamento e obra. Nesta condição a intervenção é feita na ótica da necessidade e da facilidade em executá-la, deixando de lado qualquer processo anterior, seja ele participativo ou não.

O processo de planejamento e obra feito de forma participativa, induz a outro tipo de contratação e gestão, podendo ser feito em parte com a colaboração dos moradores, principalmente no que diz respeito as melhorias habitacionais. No entanto, esta modalidade esbarra na produção de baixa escala, apresentando-se como solução possível para comunidades organizadas, mas ainda dependem de financiamento público.

Os financiamentos disponíveis para execução das intervenções muitas vezes ditam regras de enquadramento que restringem as possibilidades e engessaram os projetos, sejam eles com recursos do governo federal ou de agentes internacionais. Em ambas situações a intervenção tem que se adequar às regras gerais de programas que não foram pensados para habitações em áreas precárias. Esse foi o caso dos projetos contratados, vencedores do Concurso Renova São Paulo, que tiveram que adequar-se as especificações mínimas do MCMV e em separado as determinações do PAC urbanização de favelas para a questão urbana, inviabilizando várias possibilidades.

CONCLUSÕES INICIAIS:

A reurbanização tem que construir urbanidade. Deve-se construir um território onde haja possibilidade de ir e vir da favela para o “asfalto”28 a qualquer hora do dia. Deve garantir as condições de salubridade a todas as unidades, elevando o padrão com que se tem trabalhado na consolidação das áreas precárias. Deve garantir que as melhorias gerem políticas públicas que garantam a permanência dos menos favorecidos, para que não haja gentrificação dentro da própria reurbanização.

Diante do universo apresentado, é necessário analisar e comparar as diferentes práticas frente ao contexto em que estão inseridas. Cabe avaliar a efetividade de uma proposta que

27 FRANÇA, Elizabeth; COSTA P. Keila (Coletânea) (2012) Urbanismo nas Pré-Existências territoriais e o Compartilhamento de Ideias. Sehab, ETH Zurich, UCLA, Berlage Institute. 28 TOLEDO. L. C. (2012) Inovação tecnológica para Habitação de Interesse Social. Observatório das Metrópoles. 19.12.2012.

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contemple planejamento urbano e territorial com intervenções pontuais de desenho urbano, associadas a políticas públicas de ordem social.

A consolidação dos Planos de Urbanização das ZEIS1, como projetos integrados ao planejamento urbano da cidade, articulados minimamente as políticas públicas urbanas, de habitação e meio ambiente, feitos de forma participativa, com apropriação da população sobre sua gestão, pode ser um passo no sentido da transformação e qualificação dos assentamentos informais.

O processo de planejamento tem que ser constantemente retroalimentado, tem que haver possibilidades de curto, médio e longo prazo que possam ser adequadas de acordo com as possibilidades dos programas políticos. A solução tem que passar pelo planejamento, para a articulação de projetos e obras, quando esta ordem é invertida, a lógica da urgência e da oportunidade é que ditam a regra do jogo, mas é na força comunitária que se concentra o germe da transformação e das possibilidades, sem isso a população estará a mercê de interesses momentâneos e de oportunismos.

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