Seminário Protocolos - NICOLAU de CUSA

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1 LEITURA DA OBRA “SOBRE A DOUTA IGNORÂNCIA” DE NICOLAU DE CUSA Seminário n. 1 (15-03-99) Nicolau de Cusa é um pensador místico medieval do século XV (1401-1464). Neste contexto cultural do fim da Idade Média, o pensamento escolástico, que chegara à sua plenitude no século XIII, está em crise. Neste tempo de crise e decadência da Cristandade ocidental Cusano aparece como um dos pensadores pré-modernos de maior envergadura em entrever um “novo início” no historiar-se do Pensamento. Ou seja, nele prenuncia-se o rigor próprio do pensamento de uma nova configuração de mundo: a modernidade A obra principal de Nicolau de Cusa que, segundo ele mesmo, marca o eixo do seu pensamento é “Sobre a douta ignorância” (1440). E na leitura corpo a corpo deste texto nosso empenho consistirá em enfocar a mira sobre por qual audácia o autor foi levado a tratar desta problemática e, inteiramente destituídos da presunção de já saber, nos dispormos a sermos atraídos pela estranheza do título desta obra. No nosso primeiro seminário, no qual lemos o prefácio, apreciamos a vida e a obra de Nicolau de Cusa, sua humildade, a sua estima e reverência pelo amigo, o cardeal da Santa Sé senhor Juliano, e ao qual recomenda esta obra. Todavia, na leitura (lectio) do prefácio, a frase que mais nos deteve foi a seguinte: “Ao apetite precede uma certa sensação triste na boca do estômago, para que, a natureza, que tenta conservar-se a si mesma, se refaça assim estimulada”. O que é esta “sensação triste na boca do estômago” que precede ao apetite e o estimula? Nas nossas discussões (disputatio) não concebemos essa “sensação triste na boca do estômago”, ou seja, a fome, como vazio, como carência de alguma coisa, mas como presença plena na qual surge o gosto pelo alimento e que estimula o apetite. No vazio do estômago o apetite se regozija. Em outras palavras, a avidez de comer é a condição de possibilidade do gosto dos alimentos. Na fome somos livre e cordial acolhida de todos os alimentos; na avidez de comer não somos nós que determinamos o que pode ser alimento. Todos os alimentos são bons e mais ou menos gostosos, dependendo do tamanho da fome. A fome, ou a “sensação triste na boca do estômago”, é presente em todo o corpo. É uma presença espalhada, indefinível, inefável. Essa tonância de fundo, essa atmosfera (Stimmung) de tristeza que impregna tudo, até mesmo a alegria, é a “douta ignorância”. O “anterior” que estimula a busca (apetite) de saber, é a douta ignorância. Isto significa que o saber conserva-se e refaz-se continuamente a si mesmo alimentando-se do não saber.

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Nicolau de Cusa é um pensador místico medieval do século XV (1401-1464). Neste contexto cultural do fim da Idade Média, o pensamento escolástico, que chegara à sua plenitude no século XIII, está em crise.

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    LEITURA DA OBRA SOBRE A DOUTA IGNORNCIA DE NICOLAU DE CUSA

    Seminrio n. 1 (15-03-99)

    Nicolau de Cusa um pensador mstico medieval do sculo XV (1401-1464). Neste contexto cultural do fim da Idade Mdia, o pensamento escolstico, que chegara sua plenitude no sculo XIII, est em crise. Neste tempo de crise e decadncia da Cristandade ocidental Cusano aparece como um dos pensadores pr-modernos de maior envergadura em entrever um novo incio no historiar-se do Pensamento. Ou seja, nele prenuncia-se o rigor prprio do pensamento de uma nova configurao de mundo: a modernidade

    A obra principal de Nicolau de Cusa que, segundo ele mesmo, marca o eixo do seu pensamento Sobre a douta ignorncia (1440). E na leitura corpo a corpo deste texto nosso empenho consistir em enfocar a mira sobre por qual audcia o autor foi levado a tratar desta problemtica e, inteiramente destitudos da presuno de j saber, nos dispormos a sermos atrados pela estranheza do ttulo desta obra.

    No nosso primeiro seminrio, no qual lemos o prefcio, apreciamos a vida e a obra de Nicolau de Cusa, sua humildade, a sua estima e reverncia pelo amigo, o cardeal da Santa S senhor Juliano, e ao qual recomenda esta obra.

    Todavia, na leitura (lectio) do prefcio, a frase que mais nos deteve foi a seguinte:

    Ao apetite precede uma certa sensao triste na boca do estmago, para que, a natureza, que tenta conservar-se a si mesma, se refaa assim estimulada.

    O que esta sensao triste na boca do estmago que precede ao apetite e o estimula? Nas nossas discusses (disputatio) no concebemos essa sensao triste na boca do estmago, ou seja, a fome, como vazio, como carncia de alguma coisa, mas como presena plena na qual surge o gosto pelo alimento e que estimula o apetite. No vazio do estmago o apetite se regozija. Em outras palavras, a avidez de comer a condio de possibilidade do gosto dos alimentos.

    Na fome somos livre e cordial acolhida de todos os alimentos; na avidez de comer no somos ns que determinamos o que pode ser alimento. Todos os alimentos so bons e mais ou menos gostosos, dependendo do tamanho da fome. A fome, ou a sensao triste na boca do estmago, presente em todo o corpo. uma presena espalhada, indefinvel, inefvel. Essa tonncia de fundo, essa atmosfera (Stimmung) de tristeza que impregna tudo, at mesmo a alegria, a douta ignorncia. O anterior que estimula a busca (apetite) de saber, a douta ignorncia. Isto significa que o saber conserva-se e refaz-se continuamente a si mesmo alimentando-se do no saber.

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    A douta ignorncia o ad-mirar, ou seja, o abrir-se e mirar o que se mostra. Admirar, em grego, thaumzein significa ver e, no ato de ver, sentir o estranhamento do que aparece.

    Este vigor acolhedor de tudo e que tudo v como novo, o princpio do filosofar. Ou seja, o filosofar est no vigor do admirar, que precede e estimula o desejo de saber. No vigor da admirao o intelecto se perfaz pelo estudo (empenho, busca) da verdade. O ser do intelecto inteligir, ou seja, ler entre linhas, inter-legere; studium intrpido da verdade.

    Constatamos assim que a experincia da douta ignorncia remete experincia do vigor principiante da filosofia. A origem da filosofia est nesta disposio de estar junto s coisas na ignorncia absoluta de seu saber.

    E com o objetivo de provocar uma discusso sobre a douta ignorncia, relacionando-a com a experincia principiante do filosofar, evoco aqui textos de Aristteles e Plato que nos afirmam de modo enftico que a admirao o princpio da filosofia.

    Escreve Aristteles em sua Metafsica:

    a admirao que leva os homens a filosofar. Eles admiram-se das coisas estranhas com que esbarram; depois avanam pouco a pouco e comeam por questionar as fases da lua, o movimento do sol e dos astros e por fim a origem do universo inteiro (Met. I, 2, 982b).

    Pelo espanto os homens chegam agora e chegaram antigamente origem imperante do filosofar (Met. I, 2, 832b, 12).

    Escreve Plato no Teeteto (155d):

    Esta emoo, a admirao, prpria do filsofo: nem tem a filosofia outro princpio alm deste.

    Para discutir:

    Com Nicolau de Cusa, comea-se a entrever um novo incio (Renascimento) no historiar-se do pensamento. Sua condio de possibilidade certamente a experincia da douta ignorncia, isto , a admirao, o sentimento de surpresa, de espanto... Poderamos tentar clarificar um pouco mais como essa experincia da douta ignorncia (novo incio) est relacionada experincia originria e principiante do filosofar.

    J. M.

    Seminrio n. 2 (22-03-99).

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    Iniciamos o seminrio comentando as frases de Aristteles e de Plato sobre o nico princpio (arch) da filosofia. O nosso interesse era o de evidenciar o pathos (emoo, admirao, espanto) principiante da investigao filosfica e compreender melhor o novo incio (Renascimento) do pensamento originrio no tempo de Nicolau de Cusa. A obscuridade das discusses que se seguiram sobre o incio da filosofia e o novo incio revelaram a agudeza e a complexidade da questo.

    Segundo os ensinamentos de Plato e Aristteles, o espanto o nico princpio da investigao filosfica. E este espanto consiste em que nos detenhamos, admirados, diante de algo que no compreendemos. Todavia, a palavra no deve ser compreendida no sentido moderno, ou seja, o de estupefao diante de alguma coisa incomum. Quando usualmente falamos de espanto entendemos que estamos diante de um fenmeno extraordinrio e incompreensvel. Porm, o espanto do filsofo diz respeito a qualquer coisa, por banal que aparente ser.

    Conforme o dito de Plato, na filosofia muito importante este pathos, isto , o ser tocado por, a afeio: o admirar. A expresso, muito importante, quer dizer que prprio do filsofo o pathos.

    Porm, so sobretudo as frases que evocamos da Metafsica de Aristteles que nos possibilitam afirmar que o espanto no se exerce sobre coisas extraordinrias, mas simplesmente diante daquilo que : diante dos objetos imediatamente mo, das fases da lua, do percurso do sol e por fim (indo at o limite) diante da gnese do universo. Com este espanto surge a tentativa de explicar tudo aquilo que .

    O pathos impregna tudo, Presena em toda parte como o brotar contnuo de uma fonte. Nele comeo a me abrir como Stimmung. Isto quer dizer que este me no um eu subjetivo que se contrasta com um objeto. No admirar se est exposto a uma luz anterior e por isso no sou eu que miro, mas sou mirado pelo princpio originrio da gnese de todo o conhecimento. Esse originrio no uma determinao cronolgica, mas o prprio ser se dando em sempre novas vicissitudes de sua verdade, ora como pensamento, ora como filosofia, ora como cristianismo, ora como modernidade, ora como cincia etc. (E. C. Leo, Aprendendo a pensar, 90).

    Em sendo atingido e mirado por uma mira prvia (como eidos de Plato), o eu se descobre totalidade. A totalidade no um espao diante de mim cheio de fatos e coisas. A totalidade da realidade no fragmentada, mas todas as coisas na sua diferena (peculiaridade) constituem uma unidade (Cada coisa na sua diferena todas as coisas).

    Ns nos espantamos quando tomamos conscincia da nossa ignorncia. Em outras palavras, a condio prvia para a investigao filosfica a conscincia de nossa ignorncia e a liquidao da iluso de saber. O novo incio possibilitado pelo fundo abissal da douta ignorncia.

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    A condio de possibilidade de o ente (saber) ser o Ser da douta ignorncia. O Ser do ente (saber) a douta ignorncia. O arch de tudo isso, segundo Nicolau de Cusa, Deus.

    Enfim, concluindo o seminrio, fizemos uma leitura rpida do primeiro captulo do livro primeiro da douta ignorncia: Como saber ignorar.

    Foram feitas algumas consideraes gerais, entre outras, que cada coisa procura o seu lugar natural e que existe em ns a dinmica de busca (impulso nascivo) de saber que desemboca na douta ignorncia.

    A douta ignorncia no ausncia de saber, mas o mximo saber. Na re-leitura do primeiro captulo temos que ficar de olho neste apetite natural de saber que ns ignoramos.

    J. M.

    Seminrio n. 3 (29-03-99).

    Captulo I - Como saber ignorar (Quomodo scire est ignorare)

    Ao reiniciarmos a leitura do primeiro captulo observamos que no saber que ignorar o importante no o qu (contedo), mas o modo, isto , o como sabemos. O modo de saber indicado pelo como ser no melhor modo.

    Nas nossas discusses nos detemos em elucidar passo a passo esta afirmao de Nicolau de Cusa: observamos existir dentro das coisas, pelo divino desempenho, um certo desejo natural de ser no melhor modo (Divino munere omnibus in rebus naturale quoddam desiderium inesse conspicimus, ut sint meliori quidem modo).

    Dentro das coisas no quer dizer que Deus continuamente coloca para dentro das coisas um certo desejo natural de ser no melhor modo, mas que este j est dentro delas. Por outras palavras, o desejo natural de cada coisa no toque contnuo externo de Deus na coisa ou sobre a coisa, mas desempenho melhor do prprio Deus de possibilitar que cada ente seja autnomo, ou no dependente de um permanente influxo da graa divina (segundo Nicolau de Cusa) que a faa desejar e ser no melhor modo.

    Ao afirmar que existe em tudo um certo desejo natural de ser no melhor modo temos que evitar de compreender o desejo como sentimento de carncia ou ausncia de alguma coisa e que por isso tendemos naturalmente a desejar o que ainda no possumos inteiramente. No se trata de um desejo qualquer de ter (possuir) alguma coisa, mas desejo grande, fora elementar de ser no melhor modo.

    Dizemos que o desejo natural existe nas coisas, pelo divino desempenho, isto , pelo empenho de Deus, dando o melhor de si. Deus cria as coisas concedendo

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    a elas o melhor de si e se retrai para que essas possam aparecer como criaturas autnomas.

    Ser no melhor modo o fim das coisas. Escreve Cusano, as cosas tem instrumentos oportunos a se perfazer (operari) para esse fim. Aqui a expresso instrumentos no tem o sentido moderno de instrumentalismo pragmtico (meios para atingir determinados fins). Tambm no indica uma meta objetiva, extrnseca s coisas e nem significa o termo de uma srie. O fim no totalmente extrnseco s coisas, mas est dentro de cada coisa, pelo divino desempenho, como desejo natural de ser no melhor modo. Toda a atividade dos entes exprime o esforo por atingir a plenitude compatvel com os limites ou com a condio de cada natureza. A medida do melhor modo (fim) est dentro de cada coisa. O fim toca o mais ntimo de cada coisa, a consumao do que j so.

    Cada coisa busca estar no seu lugar (fim) natural. Em outras palavras, o desejo natural das coisas assentar-se no peso prprio de sua identidade, no peso amado da prpria natureza/nascividade.

    Porm as coisas atingem este fim (quietude) atravs do ser humano. Por outras palavras, o ser humano que conduz todas as coisas ao seu lugar natural. Isto possvel porque existe no ser humano a possibilidade de atingir o fim: perfeio ou consumao da natureza humana; existe nele a correspondente capacidade ou desejo natural de a receber e perfazer (operari).

    De modo que se as coisas no se encontram no seu lugar natural (prprio), isso acontece por enfermidade do nosso intelecto. Somente um intelecto livre (mente s) no domina os entes, mas conasce, concresce junto com as coisas e cobia (paixo, anelo de totalidade) conhecer todas as coisas no amplexo amoroso e apreendido. Ou seja, cobia compreend-las todas como Deus as compreende.

    Todavia, nunca atingimos o conhecimento das coisas elas mesmas como Deus as conhece, mas sempre em proporo. Toda a nossa investigao acerca das coisas vai no medium/ambincia da proporo. Cada coisa ponto de uma proporcionalidade. Todas as coisas esto interligadas e ao mesmo tempo se diferenciam umas das outras. Como, pois, o infinito foge a toda a proporo, ele ignoto. Tudo isto deve vir melhor elucidado no prximo seminrio.

    J. M.

    Seminrio n. 4 (05-04-99)

    Inicialmente foram feitos alguns esclarecimentos sobre a posio de Nicolau de Cusa a respeito da autonomia de cada criatura. Especificou-se que aqui com o termo autonomia no se pretende dizer que a criatura substncia a se. A criatura ab alio, porm contm dentro de si uma dinmica (princpio fontal, impulso) de buscar ser o que verdadeiramente j . Como foi ressaltado, o fim das coisas no lhes totalmente extrnseco, mas est dentro de cada coisa, pelo divino desempenho, como desejo natural de ser no melhor modo. Neste sentido a

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    criatura autnoma, ou seja, no depende de um permanente influxo de Deus que a faa desejar ser no melhor modo.

    Em outros termos, consideramos que tanto Deus (infinito, absoluto) quanto a criatura (finito, dependente) so substncias in se. Todavia, enquanto Deus substncia: in se (inseidade) e a se (aseidade), a criatura substncia in se e ab alio. Quer dizer que temos um in se que a se (Deus) e um in se que ab alio (criatura).

    A autonomia de cada criatura um modo de ser que aparece exemplarmente no humano. Isto possibilita-nos pensar que todas as coisas so modos variantes do humano. Ou seja, o homem o lugar onde vem consumao o desejo natural das coisas de assentar-se no peso amado da prpria natureza. Como tal, o modo de ser do humano (boa mente, intelecto livre) o mais prximo do modo de ser de Deus que tambm liberdade e autonomia.

    Na seqncia surgiram diversas tentativas de clarificao dos conceitos proporo e nmero.

    A expresso proporo (do latim proportio) corresponde ao termo grego analogia (segundo o mesmo lgos). O termo implica simultaneamente em algum uno identidade e diversidade, convenincia (unidade) e alteridade (Proportio vero cum convenientiam in aliquo uno simul et alteritatem dicat).

    Segundo o Cusano, ns estamos no uso do mdio da proporo. Por outras palavras, ns somos usados pelo medio da proporo. E porque estamos profundamente enterrados no Stimmung da proporcionalidade, toda a nossa inquirio comparativa (Comparativa est omnis inquisitio medio proportionis utens).

    No uso do mdio da proporo todas as coisas no so um mero ajuntamento de mltiplas coisas, mas esto ontologicamente interligadas entre si. Isto quer dizer que no existe antes uma multiplicidade de coisas que entram depois em relao, mas a relao que cria a multiplicidade. E quem relaciona ou cria a relao das coisas entre si por imagens, comparaes, metforas, smbolos, mitos e alegorias, o prprio homem. Pertence estrutura originria do pensamento humano unir todas as coisas entre si. Neste sentido o pensar (Ratio) no um ato psquico do homem, mas a totalidade do mundo no seu abrir-se. Cada ente mundo, funo.

    A criatura humana, no seu modo racional de ser, a que mais se aproxima do modo de ser da unidade suprema (Deus) que engloba simultaneamente toda a realidade, o comum e o diverso, a unidade e a pluralidade, a identidade e a diferena.

    Afirma Nicolau de Cusa que a proporo, como diz convenincia e alteridade simultaneamente em algum uno, no pode ser compreendida sem o nmero (... absque numero intelligi nequit). No to simples descrever o que os medievais

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    entendiam ao dizer que todas as coisas esto constitudas e so compreendidas pela fora do nmero.

    Dos debates que fizemos a partir do texto de Nicolau de Cusa evocamos apenas brevemente que o nmero no indica uma medida quantitativa de coisas (compreenso ntica). Usualmente compreendemos os nmeros como uma quantidade de pontos que existem (em si) independentemente uns dos outros. Ontologicamente, porm, existe uma conexo ntima entre os nmeros. O nmero 2, por exemplo, no existe independentemente dos nmeros 1, 3 e da multiplicidade infinita dos nmeros. Cada nmero (= funo) implica na totalidade dos nmeros.

    Um exemplo que sempre de novo se repete para exprimir a inter-relao ontolgica de todas as coisas o exemplo da msica. Na msica no se escuta somente um tom, mas em cada tom escutamos a totalidade da msica. Escutar em cada tom todos os tons em diferentes propores significa estar na fluncia do medium da proporcionalidade.

    Na fluncia do mdio da proporcionalidade se desubstancializa a compreenso do ente. O in se da criatura torna-se funcionalidade.

    J. M.

    Seminrio n. 5 (12-04-1999).

    Para melhor compreendermos o que Nicolau de Cusa quer exprimir ao afirmar que ns estamos no uso do mdio da proporo e que a proporo diz convenincia e alteridade simultaneamente em algum uno, lemos alguns textos da Metafsica de Aristteles concernentes essa problemtica. Transcrevemos abaixo o texto no qual o estagirita reporta-se ao pensamento de Parmnides:

    Parmnides parece estar grudado (ptesthai) ao Uno segundo o lgos... Considerando, com efeito, que, fora do Ente, o No-ente no nada, pensa que necessariamente existe uma s coisa, o ente, e nenhuma outra (acerca do qual falamos com mais detalhes na Fsica). Porm, vendo-se obrigado a seguir aos fenmenos, e ao opinar que o uno segundo o lgos mltiplo segundo a aisthesis, tambm sustenta serem duas as causas (aitias) e coloca de novo como dois os princpios (arx), o calor e o frio, como se dissesse o fogo e a terra, e pe o quente na ordem do ente e o outro na ordem do no-ente (Met. 987a).

    Detenhamo-nos na primeira frase do texto: Parmnides parece estar grudado (ptesthai) ao Uno segundo o lgos. De que coisa se trata? O estar grudado parece exprimir uma experincia de sensibilidade, de estar corpo a corpo no movimento de desvelamento da physis (lgos). Assim sendo, estar grudado ao Uno segundo o lgos (physis) a essncia do ser humano. A alma Humana o lgos. Isto eqivale a dizer que estamos essencialmente no uso do mdio da proporo.

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    Por isso, em nossas discusses procuramos re-evocar ou circunscrever o sentido pr-socrtico (originrio) dos termos, Lgos, Physis, Uno e Causa/princpio (aitia-arx).

    O termo lgos foi introduzido no vocabulrio filosfico para dizer aquilo que, por sobre a multiplicidade do diverso, rene e unifica os prprios opostos e contrrios.

    Isto quer dizer que, originariamente, lgos no palavra, frase, texto, argumento e discurso. Essa palavra no possui nenhuma referncia imediata linguagem. O termo lgos vem da raiz lei, do verbo legein que expressa dois significados: a) reunir escolher, juntar; b) discernir, escolher, enumerar. Portanto, etimologicamente, lgos significa pr uma coisa ao lado de outra, junt-las (no de qualquer maneira) num conjunto, numa sntese. Lgos a unidade de reunio do que tende a opor-se, como, por exemplo, a vida e a morte. O termo lgos princpio unificante; indica a relao de uma coisa com outra (Cf. HEIDEGGER, M. Introduo Metafsica, 149-150).

    Como j dissemos acima, a alma humana lgos e que lgos e physis so a mesma coisa. A physis no algo simplesmente dado; o medium (ambincia) do Humano que no pode ser captada como uma coisa. Ns estamos na physis, ou melhor, a essencializao Humana physis.

    A palavra physis evoca o que sai ou brota de dentro de si mesmo e pode-se experiment-la em toda parte, como, por exemplo, no brotar de uma rosa, no nascer do sol, nas ondas do mar, no crescimento das plantas etc. Physis vigor dominante, que brota e permanece (Cf. M. Heidegger, Introduo Metafsica, 44-45).

    Assim como a physis, tambm o Uno no uma presena simplesmente dada. A percepo (Perceptio, Vernehmen, Vernunft) do Uno possibilitada pelo lgos. O Uno no um ente e nem um sujeito homem que percebe o Uno, mas a essncia (lgos) do humano.

    Enfim, muitas consideraes foram feitas sobre os termos Causa (aitia) e Princpio (arx). Parece que causa e princpio em Aristteles so sinnimos. Aristteles chama causa (aitia) e princpio (arx) isto que faz a coisa ser o que . As causas e os princpios so, portanto, as condies da existncia das coisas. Sem as causas e os princpios que fazem surgir as coisas, essas no so; essas no vem fala.

    A causa ou princpio no causa que ocasiona um efeito (causa-efeito), mas esse movimento de ecloso da essncia do Humano (physis) que, igual um artista, faz surgir todas as coisas. Uma obra de arte no efeito de uma causa, mas essa vem fala na medida em que o artista vigorosamente se responsabiliza pelo seu surgimento. O artista conasce, concresce junto com a obra de arte.

    J. M.

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    Seminrio n. 6 (26-04-1999).

    Concluindo a leitura do captulo primeiro do primeiro livro da Douta Ignorncia, como saber ignorar, ressaltamos os seguintes pontos fundamentais:

    - Saber que nada sabe no saber sobre o fato de no saber.

    - Saber na plenitude do no saber no saber ser tocado pelo fundo do qual e no qual repousa o saber.

    - Assim como a caligine no falta, mas excesso de luz, a ignorncia no carncia do saber.

    - A carncia do saber no outra coisa do que o prprio saber na sua proporcionalidade in infinitum como possibilidade.

    - Paixo do saber uma espcie de apetite (fora principial) que no pode ser em vo. Desejamos saber que ns ignoramos. Ignorar a plenitude dessa paixo.

    - O saber que ns ignoramos experimentamos e alcanamos na plenitude como fundo abissal, inesgotvel = douta ignorncia.

    - Numa orquestra o regente, os msicos e os instrumentos no so entidades. Todos so conduzidos por uma instncia maior (fundo abissal) que no est fora dessa dinmica criativa da msica.

    - O Lgos (physis) o profundo a partir donde se d a gnese de um ente. Este fundo a partir donde geneticamente surge o ente no algo metafsico, mas uma espcie de abismo, de fundo abissal.

    Captulo II

    ELUCIDAES PREAMBULARES DOS CAPTULOS SUBSEQUENTES

    Dando sequncia aos nossos trabalhos, iniciamos a leitura do Captulo II: Elucidatio praeambularis subsequentium. Nesssas elucidaes preambulares j est lanado o todo da obra de Nicolau de Cusa. Em outras palavras, o todo do pensamento de Cusano j est operando nas elucidaes preliminares; essas so ditadas por uma caminhada que j se fez.

    Nicolau de Cusa est prestes a tratar da doutrina da mxima ignorncia. Para isso, julga necessrio abordar a natureza da prpria maximidade, qual coincide a Unidade que tambm Entidade. Todavia, Deus no uma entidade (Substncia) absoluta fora do mundo. Deus no existe como isto ou aquilo, mas como deidade.

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    Deus maximidade Ab-soluta, ou seja: nada maior do que o qual pode ser (Ab-soluto = solto de, separado, independente de toda referncia e contrao). Nada se ope maximidade Absoluta.

    O Mximo coincide com o Uno. O Uno simultaneamente todas as coisas, assim como, analogicamente, a imensido do mar todas as ondas. Todas as coisas esto no bojo do Mximo. Com o Mximo coincide o Mnimo. E porque o Uno maximidade Absoluta, em Ato; todo possvel ser. a esta maximidade Absoluta, Unidade, Entidade e Ato puro, crido pela f, que Cusano deseja (no primeiro livro) inquirir incompreensivelmente, para alm das possibilidades da razo humana, sob a conduo daquele que habita numa luz inacessvel.

    J. M.

    Seminrio n. 7 (10-05-1999)

    Neste seminrio procuramos uma maior aproximao e compreenso das elucidaes preambulares de Nicolau de Cusa sua obra, Sobre a Douta Ignorncia. A obra dividida em trs livros. Esses so dedicados com preponderncia aos trs modos de maximidade de Deus: maximidade ab-soluta, maximidade in-finita (mundo criado) e maximidade finita (Jesus Cristo), respectivamente primeiro, segundo e terceiro livro.

    Devido s dificuldades que encontramos no empenho de re-escrever e resumir o teor de nossas discusses, limitamo-nos aqui a reproduzir um texto, elaborado por Frei Hermgenes Harada, que abrange a todos os debates e observaes que foram efetuadas sobre o mximo aquilo, maior do que o qual nada pode ser (Maximum autem hoc dico, quo nihil maius esse potest). Eis o texto:

    O mximo aquilo maior do que o qual nada pode ser. No se diz aqui: aquilo maior do que o qual no se . Pois, se afirmao do que apenas no se maior, se afirma com isso o fato de no ser maior. O fato de no ser maior pode ser ultrapassado por maior que "no poder ser maior". O no poder ser maior aqui indica possibilidade e no realidade, mas como veremos mais tarde essa possibilidade um poder ser tudo in actu, i. , o poder de ser tudo in actu, i. , a plenitude, na qual no h mais nenhuma possibilidade de no ser, a no ser ser: a plenitude, chamada maximidade absoluta.

    O no poder ser maior pode ser entendido em trs modos: O primeiro o modo da maximidade ab-soluta; o segundo o modo da maximidade in-finita; o terceiro, o modo da maximidade finita (correspondendo ao primeiro, segundo e terceiro livros).

    Esses trs modos no podem ser entendidos como uma srie de 1 modo ao lado do outro modo em 1 + 1 + 1. Se assim fora, no teramos modos, mas

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    sim trs coisas1. Mas no podem ser entendidos como trs modalidades ou momentos do um, a modo de uma substncia em trs manifestaes modais. que nesse modo de considerar os modos, sempre h uma contraposio de quem considera e o considerado. Para evitar esse impasse de estar na considerao sempre fora do que consideramos, os trs modos da maximidade devem ser, pois, entendidos na dinmica do "em sendo-maximidade". Se a considerao entra na tonncia do "em sendo-maximidade" e de seus modos, ela deve ser seguida a modo de um ponderar-se que segue o prprio movimento desse se ponderar, o qual talvez poderia ser processado mais ou menos da seguinte maneira.

    1 - O modo da maximidade absoluta no jamais um modo, pois, se o fora, jamais seria maximidade ela mesma ab-solutamente. Acerca do ab-soluto maior do que o qual no se pode ser, nada podemos, no h nenhuma possibilidade, a no ser dizer que nem sequer se pode dizer ser ele nada. A maximidade ab-soluta diz apenas a maximidade da ignorncia ab-soluta, como a impossibilidade de dizer a maximidade absoluta. Se a maximidade absoluta inacessvel, i. , to ela mesma que de tudo se isola na sua "ab soltao" de tudo quanto no ela mesma, no quer dizer que com isso a maximidade da ignorncia absoluta que o que dito da maximidade absoluta, no possa em absoluto ser percebida como tal enquanto impossibilidade de se dizer algo da maximdade absoluta.

    2 - Essa percepo da impossibilidade de se dizer algo da maximidade absoluta, ou melhor, a douta ignorncia, se d na possvel compreenso do segundo modo da maximidade que da maximidade in-finita. A maximidade absoluta, que no nenhum modo, s na percepo do segundo modo da maximidade infinita, que por sua vez no o segundo modo, mas sim o hiato "entre" a maximidade ab-soluta e a maximidade finita.

    J. M.

    Seminrio n. 8 e 9 (17 e 24-05-1999).

    Captulo III - QUE A VERDADE PRECISA SEJA INCOMPREENSVEL

    Iniciamos a leitura do captulo III, que tem como ttulo: Que a verdade precisa seja incompreensvel (Quod praecisa veritas sit incomprehensibilis). Isto , o nosso intelecto finito, que se movimenta na proporcionalidade do excedente e do excesso, nunca compreende com preciso a verdade precisa (maximidade absoluta).

    Aps algumas consideraes sobre a inatingibilidade da verdade na sua pureza (verdade precisa), procuramos elucidar o sentido da frase do Cusano na qual

    1 Seria o caso em que entendemos a maximidade absoluta como espao infinito, digamos sem fim, dentro do qual esto os entes, maximidade assim espacial indefinida, multiplicada em 3, uma ao lado da outra.

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    afirma que por si manifesto, no haver proporo do infinito ao finito (Quoniam ex se manifestum est infiniti ad finitum proportionem non esse).

    Para uma reta compreenso dessa frase procuramos caracterizar bem o que entendemos pelo termo infinito.

    Existem duas interpretaes, ou dois modos fundamentais de se conceber o infinito.

    A primeira interpretao considera o infinito como um tempo e espao ilimitado, sem fim. O infinito uma extenso, ou uma expanso do finito ao infinito. Um tal infinito, projetado pelo intelecto finito, no a maximidade absoluta. Pois, como afirma o Cusano, onde se encontra o excedente e o excesso, ali no se chega ao simplesmente mximo. Em outros termos, onde pode haver um maior ou menor ainda no foi atingido o limite da douta ignorncia. Aqui h proporo entre o finito (mente humana) e o infinito.

    A segunda interpretao concebe o infinito como o simplesmente mximo que escapa a toda a proporo. Este infinito diverge radicalmente do infinito como finito ilimitado. Dele podemos saber que incompreensvel, incomensurvel e inefvel. Essa a causa de nosso no saber em relao ao infinito. Aqui, e isto manifesto pela definio de proporo e de maximidade absoluta, h uma absoluta desproporo entre finito e infinito. A maximidade absoluta em ato, plenitude de Ser. Nela no tem excesso nem excedente. No h imagem, nem idia que possa exprimi-la.

    O mximo absoluto no est fora de ns, nem diferente de ns. Ns estamos na intensionalidade do mximo absoluto. Todavia, o mximo absoluto (verdade precisa) inacessvel ao nosso intelecto finito, porque este se movimenta na proporcionalidade do excedente e excesso. No podemos saltar por cima dessa impossibilidade de compreender a verdade precisa porque no podemos sair do medium da proporcionalidade. Diz o Cusano que nosso conhecimento se relaciona com a verdade pura como o polgono com o crculo. Ou seja, o intelecto est para a verdade, assim como o polgono est para o crculo. Por mais que multipliquemos os ngulos do polgono, este apenas se aproxima do crculo. Afirma: quanto maior for o nmero de ngulos inscritos no polgono, tanto mais semelhante ele ser ao crculo; nunca, porm, chegar a ser igual a ele, mesmo que se multiplicassem os ngulos ao infinito. Em outras palavras, o intelecto, que no a verdade, nunca compreende com preciso a verdade (Intellectus igitur qui non est veritas numquam veritatem adeo praecise comprehendit).

    Fizemos tambm algumas colocaes, porm muito superficiais, sobre a complexa problemtica medieval da analogia do conceito do ser.

    A origem da palavra analogia grega e deriva da composio de an (= para cima) e lgos (= razo, discurso): quer dizer proporo A proporo uma relao que liga entre si quatro termos: o primeiro est para o segundo como o terceiro est para o quarto. Neste sentido os medievais falavam de analogia de

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    proporo entre Deus e a criatura. Assim, por exemplo, Deus est para a criatura ou para o intelecto finito, como a ato est para a potncia.

    Quando, pois, os medievais afirmavam que existe um relacionamento analgico entre Deus e criatura, entendiam que no existe uma total univocidade e nem uma total equivocidade entre Deus (Ato) e a criatura (potncia). Portanto, esta misteriosa semelhana e dessemelhana entre Deus e criatura que vem expressa pelo conceito de analogia de proporo.

    Ademais, ressaltamos que a verdade precisa (incompreensvel) no est totalmente fora das possibilidades cognoscitivas do intelecto finito e que s podemos fazer a experincia (ou a conquista) da incompreensibilidade da verdade no medium da proporcionalidade. No limite de nossa possibilidade de compreender a verdade, surpreendemo-la no como vaga, indeterminada e indefinida, mas ela aparece na preciso da incompreensibilidade.

    Enfim, o nosso intelecto, como possibilidade (potncia), nunca chega compreenso absoluta da verdade em ato (absoluta necessidade). E estar nesta impossibilidade ou finitude uma disposio toda prpria na qual surpreendemos o mistrio. No se pode saber sobre o mistrio. O mistrio vem a ns no esgotamento de nosso saber. Ou seja, quanto mais buscamos a verdade como empenho de chegar nesse esgotamento de saber de no saber (douta ignorncia), tanto mais acedemos prpria verdade. E precisamente esta a melhor homenagem que a racionalidade humana pode prestar ao mistrio de Deus.

    J. M.

    Seminrio n. 10 (07-06-1999).

    Fizemos mais algumas consideraes sobre o infinito em potncia (infinito possvel) e o infinito em ato (infinito necessrio). Ressaltamos que, enquanto na srie infinita como possibilidade pode progredir do efeito para a causa at primeira causa suprema (maximidade in-finita, que no Deus), o infinito em ato (necessrio) no causa primeira de uma srie, mas maximidade absoluta = Deus). De modo que Deus no um Ente supremo, nem causa de um efeito, mas um abismo de profundidade e de possibilidades presente em todas as coisas, das mais nfimas s mais supremas, constituindo cada uma na sua diferena e identidade (Confira a descrio que j fizemos do infinito em possibilidade e do infinito em ato, p. 15).

    A partir do texto de Nicolau de Cusa procuramos evidenciar o que pertence maximidade infinita e maximidade absoluta. Assim a coluna I da maximidade in-finita e a coluna II, da maximidade absoluta.

    (I) (II)

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    Maximidade (in-finita) Maximidade absoluta

    Infinitude relativa (proporo) Infinitude absoluta (simplesmente)

    Intelecto finito Preciso da verdade

    Semelhana (igualdade) Liberdade

    Polgono Crculo

    Ab alio A se (absoluto)

    Mundo sensvel Mundo inteligvel

    Material Espiritual

    Quando nos seminrios anteriores ressaltamos tantas vezes que ns nos movemos no medium da proporcionalidade, isto equivale a dizer que nos movemos na primeira coluna, ou seja, na maximidade in-finita. E no e pelo medium da proporcionalidade (coluna I) que apreendemos tudo o que diz respeito maximidade absoluta (coluna II). A maximidade absoluta, ao ser apreendida e contrada pela maximidade in-finita, ela mesma permanece em si mesma inacessvel, ou seja, uma grande interrogao, conforme sugere o esquema que segue:

    (I) (II)

    Maximidade in-finita - (Maximidade absoluta) ?

    Infinitude relativa - (Infinitude absoluta) ?

    Intelecto finito - (Preciso da verdade) ?

    Semelhana - (Liberdade) ?

    Polgono - (Crculo) ?

    Ab alio - (A se) ?

    Mundo sensvel - (Mundo inteligvel) ?

    Material - (Espiritual) ?

    J. M.

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    Seminrio 14. 06. 99

    Comeamos a ler o captulo IV intitulado "O mximo absoluto 'inteligido' incompreensivelmente, com o qual o mnimo coincide". Lemos o primeiro e o segundo pargrafo.

    Tentamos no primeiro pargrafo precisar melhor o advrbio que qualifica o no ser inteligvel do mximo absoluto, a saber, o "incompreensivelmente". Aqui o in- compreensvel no uma carncia de inteleco. No uma compreenso que ainda no tenho, mas um dia posso ter. Ou uma compreenso que jamais posso ter, se permanecer na possibilidade que me dada, mas que posso ter se me dada uma outra possibilidade, melhor e superior. Trata--se aqui antes de uma impossibilidade absoluta de compreender. Diramos um no-compreender absoluto.

    Na discusso com frei Arcngelo, percebemos que ao falar de e pensar nesse no- compreender absoluto, falvamos a partir e dentro de um mediun, digamos, fora do no- compreender absoluto, a saber a partir e dentro do medium da proporcionalidade, entendendo no fundo operativamente o mximo absoluto como o que est no limite assinttico do mximo in-finito.Com outras palavras, a incompreensibilidade percebida como a captao da imensido abissal que comea para alm dos limites da maximidade, cuja medida a maior das maiores, e se perde indefinidamente para alm in infinitum. O mximo assim captado no certamente ab-soluto, mas sim indefinido, in-finito, o mais, o maior do que o qual "no pode ser", entendendo, porm, esse "no pode ser" como um limite do ser, alm do qual o abismo do nada incompreensvel.

    Frei Arcngelo falou ento da necessidade de sair da ambincia da proporcionalidade para entrar nesse abismo de profundidade da "incompreensibilidade". Tentamos precisar melhor o que se deve entender por sair de para entrar no. Pois sair e entrar pressupe dois espaos ali existentes, um contguo ao outro, de sorte que se sai de um para entrar no outro. Dissemos ento que essa representao do sair do medium da proporcionalidade para entrar na maximidade ab-soluta, assim compreendidos, pressupe que numa tal compreenso, estejamos num ponto de vista, fora do medium da proporcionalidade e da maximidade absoluta, visualisando tanto aquele como esta como um todo-coisa, um ao lado do outro. Ora, tal colocao est bem distante do que Cusano quer dizer no texto, pois desde o incio o texto nos coloca at o pescoo dentro do medium da proporcionalidade, s a partir e dentro do qual, podemos compreender, ver e falar de um entrar, sair do espao da proporcionalidade para o espao da maximidade absoluta. Isso porque o modo do medium da proporcionalidade o nico modo prprio de o intelecto finito saber. Isto significa que no se trata de sair do medium da proporcionalidade, mas sim de estar nele e em nele estando, nele entrar cada vez mais, a tal ponto de sentir todo o peso da implicncia dessa insero, como a total impossibilidade de compreender a no ser a modo e no modo da proporcionalidade.

    A tentativa de processar esse saber da proporcionalidade em sendo (i. , operativamente, para que cresa nesse processamento a presena da impossibilidade de compreender a no ser a modo e no modo da proporcionalidade, portanto, para que nos cresa nesse processo algo como o tinir da incompreensibilidade in-finita) seria pensar a coincidncia dos opostos "mximo" e o "mnimo". Para que esse processo fosse efetuado operativamente, tentamos examinar o exemplo dessa coincidncia dos opostos, no segundo pargrafo que diz: "E isto se torna mais claro etc."

    Primeiramente tentamos entender esse pargrafo ainda bastante formalmente. E ento foi proposta a todos a pergunta, se no se poderia dar um exemplo, e mo desse exemplo tentar ver de que se trata, quando o pargrafo fala da coincidncia do mximo e do mnimo. Frei Srgio lembrou um fenmeno no qual uma mnima modificao operada no seio de uma totalidade, percute se repercutindo, criando um in-stante no qual se contrai numa coincidncia simultnea con-creta o todo (i. , o mximo) no mnimo da modificao. Esse fenmeno proposto por frei Srgio foi ilustrado numa descrio bastante desengonada da emisso de um som afinado na msica, mais ou menos da seguinte maneira: Quando afinamos um instrumento, p. ex., um rgo ou piano, quem possui o assim chamado ouvido absoluto, tem por assim dizer a priori o limite a que se pode adequar o instrumento, para que este fique afinado. Certamente esse limite no propriamente uma linha a que se aproxime uma outra linha "desafinada" para que esta fique coincidente com aquela linha limite. Aqui o que achamos ser o limite padro da afinao no nenhuma instncia fixa, a modo de uma linha traada, a que posso aproximar passo por passo. Isso percebemos, se por afinao compreendermos no somente a igualdade de vibrao fsica sonora, mas sim p. ex. o colorido do som, a sua profundidade, o volume da suavidade, o tinir da profundidade do silncio, a riqueza da complexidade de implicncia da dissonncia e consonncia que perfaz o acorde existente num nico som etc. Aqui no podemos mais falar de igualdade de um som desafinado com o som afinado, a modo de uma linha que se aproxima de outra linha, a modo de aproximao de uma coisa a outra coisa que ali est como limite, mas sim em cada som e em cada conjunto de som, repercute para dentro de si cada vez uma espcie de apelo, em cujo chamado o som convocado a se transcender cada vez mais para dentro do sua prpria interioridade, para o "mais", para o " maior do que o qual h sempre mais", no no sentido de se perder indefinidamente no indeterminado, mas sim no sentido de deixar-se concrescer para dentro dessa presena, onipresente cada vez e cada vez nova por ser cada vez a mesma como retraimento, que na fora fugaz do seu ausentar-se faz nascer cada vez mais novo, cada vez mais ele mesmo, cada vez o concreto tinir da percusso deste som que, no instante do seu toar, coincidncia de todos os tons possveis na entoao con-creta in actu, seja "mais" ou seja "menos", como o optimal ab-soluto do mximo no mnimo in-stante e do mnimo no mximo in-stante desse toar absoluto contrato aqui e agora.

    Mais ou menos dentro de uma ambincia, insinuada na descrio desengonada de acima, tentamos ento ler de novo o segundo pargrafo: "E isto se torna mais claro, se contrais o mximo e o mnimo quantidade" etc. , deixando para o seguinte encontro a tarefa de ver, se nessa contrao do mximo e do mnimo quantidade, podemos vislumbrar o que Cusano quer dizer com co-incidncia

    LEITURA DA OBRA SOBRE A DOUTA IGNORNCIA DE NICOLAU DE CUSACaptulo I - Como saber ignorar (Quomodo scire est ignorare)Captulo IICaptulo III - QUE A VERDADE PRECISA SEJA INCOMPREENSVELMaximidade (in-finita) Maximidade absoluta