Seminário de Tim Ingold

4
Seminário de Tim Ingold O antropólogo britânico Tim Ingold esteve em 2011 pela primeira vez no Brasil e seu trajeto incluiu Porto Alegre, onde proferiu conferência e participou de um seminário sobre o tema Cultura, percepção e ambiente. Carlos Alberto Steil e Isabel Carvalho publicaram, a propósito da vinda de Ingold, um texto no jornal Zero Hora, que reproduzimos aqui. Em sua primeira visita ao Brasil, estará em Porto Alegre, nos próximos dias, o antropólogo britânico Tim Ingold. Virá para um seminário e uma conferência sobre o tema Cultura, percepção e ambiente. Estas atividades estão sendo promovidos pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da UFRGS e o Programa de Pós-Graduação em Educação da PUCRS. O seminário se realizará nos dias 10 e 11, no Campus do Vale (UFRGS), e a conferência no dia 13 de outubro, na PUCRS. Ingold é um importante pensador contemporâneo com grande reconhecimento na área da antropologia pelo caráter inovador e provocativo da sua reflexão sobre questões centrais e pressupostos basilares das ciências modernas. A partir de um questionamento radical da dicotomia entre natureza e cultura, enquanto domínios ontológicos, ele propõe um novo paradigma que denomina de antropologia ecológica. Esta proposição vem repercutindo significativamente noutras áreas do conhecimento, como a educação, a biologia, a psicologia, a arquitetura, a geografia e a arqueologia, estabelecendo um diálogo profícuo entre as ciências humanas e as ciências naturais. Inspirado pela fenomenologia de Merleau-Ponty e pelas etnografias de povos caçadores e coletores do círculo polar ártico, que ele estudou por um longo

description

Tim Ingold

Transcript of Seminário de Tim Ingold

  • Seminrio de Tim Ingold

    O antroplogo britnico Tim Ingold esteve em 2011 pela primeira vez no

    Brasil e seu trajeto incluiu Porto Alegre, onde proferiu conferncia e participou de

    um seminrio sobre o tema Cultura, percepo e ambiente. Carlos Alberto Steil e

    Isabel Carvalho publicaram, a propsito da vinda de Ingold, um texto no jornal

    Zero Hora, que reproduzimos aqui.

    Em sua primeira visita ao Brasil, estar em Porto Alegre, nos prximos

    dias, o antroplogo britnico Tim Ingold. Vir para um seminrio e uma

    conferncia sobre o tema Cultura, percepo e ambiente. Estas atividades esto

    sendo promovidos pelo Programa de Ps-Graduao em Antropologia Social da

    UFRGS e o Programa de Ps-Graduao em Educao da PUCRS. O seminrio

    se realizar nos dias 10 e 11, no Campus do Vale (UFRGS), e a conferncia no

    dia 13 de outubro, na PUCRS.

    Ingold um importante pensador contemporneo com grande

    reconhecimento na rea da antropologia pelo carter inovador e provocativo da

    sua reflexo sobre questes centrais e pressupostos basilares das cincias

    modernas. A partir de um questionamento radical da dicotomia entre natureza e

    cultura, enquanto domnios ontolgicos, ele prope um novo paradigma que

    denomina de antropologia ecolgica. Esta proposio vem repercutindo

    significativamente noutras reas do conhecimento, como a educao, a biologia,

    a psicologia, a arquitetura, a geografia e a arqueologia, estabelecendo um dilogo

    profcuo entre as cincias humanas e as cincias naturais.

    Inspirado pela fenomenologia de Merleau-Ponty e pelas etnografias de

    povos caadores e coletores do crculo polar rtico, que ele estudou por um longo

  • tempo, afirma que o conhecimento depende fundamentalmente da imerso dos

    sujeitos na tessitura dos fenmenos do mundo. Seu argumento vai no sentido de

    afirmar que o conhecimento consiste, em primeiro lugar, em habilidades, que so

    adquiridas na prtica e no em informaes que so passadas de gerao a

    gerao. Assim, a contribuio de uma gerao s suas sucessoras se d

    fundamentalmente por meio da educao da ateno (Ingold 2010, p. 19).

    na paisagem, constituda pelos traos que lhe foram imprimindo aqueles

    que a habitaram anteriormente e que a habitam no momento, que o conhecimento

    pode ser acessado. Ou seja, o conhecimento no se processa dentro de um

    sacrrio mental interior, protegido das mltiplas esferas da vida prtica, mas em

    um mundo real de pessoas, objetos e relacionamentos. E, citando Andy Clark,

    ele conclui que a mente um rgo incontinente que no admite ficar confinado

    dentro do crnio, mas que se mistura despudoradamente com o corpo e o mundo

    no conduto de suas operaes (Ingold 2010, p. 19). Assim, no absorvendo

    representaes mentais ou elaborando esquemas conceituais que ns

    aprendemos, mas sim, desenvolvendo uma sintonia fina e uma sensibilizao de

    todo o sistema perceptivo. Neste processo cognitivo atuam concomitantemente o

    crebro, com suas conexes neurais, os rgos corporais perifricos, com suas

    contraes musculares e o ambiente com os aspectos especficos que situam o

    sujeito no mundo.

    Cincia, caa e coleta: conhecer e viver no mundo

    Tim Ingold tambm um intelectual de referncia nas discusses sobre

    evoluo humana. No dilogo com a biologia e a psicologia sobre a compreenso

    do processo evolutivo, ele nega a ruptura entre a histria natural e a histria

    cultural e defende a ideia de uma continuidade entre os processos biolgicos e

    culturais. Como ele mesmo afirma, a histria, compreendida como o movimento

    pelo qual as pessoas criam os seus ambientes e, portanto, a si mesmas, no

    mais do que uma continuao do processo evolucionrio (Ingold 2010, p.17). O

    seu conceito de taskscape (tarefagem), elaborado em oposio ao conceito

    corrente de landscape tem sido um recurso para incluir a histria e a cultura em

    seu paradigma ecolgico. Ao habitar o mundo, somos envolvidos pelos mltiplos

    traos histricos e culturais que foram incorporados na paisagem. Estes traos,

  • no entanto, no so uma prerrogativa dos humanos, mas de todos os seres e

    objetos que habitam o mundo.

    pergunta se haveria algo de especificamente humano que nos distinguiria

    dos outros seres, a resposta de Ingold no. A comparao entre os traos

    deixados pelas formigas na paisagem e os dos humanos, que ele retira de

    Hutchins, bastante reveladora de sua posio. Hutchins compara os modos

    humanos de habitar o planeta aos das formigas, que devem sua habilidade

    aparentemente inata de localizar fontes de alimento aos rastros deixados no

    ambiente por suas predecessoras. Apaguem os rastros, e a formiga est perdida.

    Assim tambm estariam os humanos no ambiente, sem cultura ou histria. E, se a

    concluso de Hutchins que as habilidades das formigas para encontrar

    alimentos so constitudas dentro de um processo histrico e cultural, a de Ingold

    que as habilidades culturais dos seres humanos so constitudas dentro de um

    processo natural e evolutivo (Ingold 2010, p. 14).

    Esta continuidade, transposta para o dilogo crtico com a psicologia,

    sobretudo com a psicologia ecolgica de James Gibson, leva-o a negar tambm a

    distino entre o aparato cerebral como inato e o conhecimento como adquirido.

    Desde este ponto de vista, torna-se imprprio pensar em interfaces entre o

    crebro e o ambiente, como reas de contato entre dois campos exclusivos, visto

    que cada um est implicado no outro. As estruturas neurolgicas e o

    conhecimento que adquirimos (Ingold diria as habilidades) emergem juntas como

    momentos complementares de um processo nico, ou seja, o processo da vidas

    das pessoas que habitam o mundo. O conhecimento torna-se, assim, imanente

    vida e conscincia do sujeito, na medida em que se processa no campo da

    prtica. Nesta perspectiva a cognio um processo em tempo real. neste

    sentido que Ingold afirma que a contribuio das geraes passadas para as

    seguintes no se d pela entrega de um conjunto de informao que adquiriu

    autonomia em relao ao mundo da vida e da experincia, mas pela criao, por

    meio de suas atividades, de contextos ambientais dentro dos quais as geraes

    presentes desenvolvem suas prprias habilidades (Ingold 2010, p. 21).

    Em seus escritos mais recentes Ingold tem enfatizado a continuidade e a

    simetria entre a experincia humana e dos demais seres que compem uma

    determinada paisagem. Distanciando-se das abordagens que procuram

  • fundamentar a especificidade da ao humana na inteno e na capacidade de

    apartar-se do mundo e de represent-lo, Ingold chama a ateno para a o

    primado da prtica na produo do conhecimento. A chave para se compreender

    sua posio est em tomar como foco a atividade em si mesma independente

    de quem a realiza, humanos ou no-humanos que resulta em linhas, trilhas,

    tramas, traos que so incorporados na paisagem. Decorre da, a possibilidade de

    desfazer as fronteiras entre processos biolgicos e culturais, ao mesmo tempo

    aproximar os diferentes campos do conhecimento, estabelecendo uma linha de

    continuidade entre os conhecimentos cientfico, tcnico e tradicional. Em todos

    eles a produo do conhecimento se d pelo engajamento e a imerso dos

    sujeitos no mundo imediato e material da experincia.

    A crtica de Ingold cincia moderna, fundada sobre o primado da razo,

    centra-se na sua busca incessante de descolamento do mundo da vida e da

    experincia para apresentar-se como um campo autnomo e autossuficiente que

    pretende atuar num plano idealizado de generalizao e abstrao. O paradigma

    ecolgico que ele prope apresenta-se como uma alternativa a racionalidade pela

    qual opera a cincia na modernidade. Seu intento, portanto, ultrapassar a

    dicotomia dos domnios separados buscando os traos de continuidade e simetria

    onde a modernidade postulou oposio e distino. Na avaliao do antroplogo

    Otvio Velho, a obra de Ingold confere as cincias sociais um estatuto de simetria

    no dilogo com as cincias naturais. Em suas palavras no se trata, mais uma

    vez, de subordinar as cincias sociais s cincias da natureza, mas de realizar

    uma crtica da cincia ou pelo menos das imagens, poderosas, que se formam a

    seu respeito (2001, p.138).

    Referncias:

    VELHO, Otvio. De Bateson a Ingold: passos na constituio de um paradigma

    ecolgico. Mana 7(2):133-140, 2001.

    INGOLD, Tim. Da transmisso de representaes educao da ateno.

    Educao, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 6-25, jan./abr. 2010.

    Texto retirado do site do NER (Ncleo de Estudos da Religio). Disponvel em:

    http://www.ufrgs.br/ner/index.php/estante/visoes-a-posicoes/1-seminario-de-tim-

    ingold Acesso em: 06/07/2015.