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Capítulo 9
Segurança energética, soberania e desenvolvimento
9.1 A relação entre o consumo de energia e as políticas econômicas
e sociais
Em todas as sociedades, o grau de desenvolvimento aparece
estreitamente associado ao consumo de energia. Isso ocorre porque,
do mesmo modo que os alimentos, a energia é uma necessidade
essencial dos seres humanos, com a particularidade de que ela
contribui de modo decisivo para a satisfação de outras necessidades,
como o transporte, a irrigação agrícola e o aquecimento das
moradias. O resultado é que, no mundo moderno, os países com
mais altos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) são também
aqueles que consomem energia em maior escala1. Já nos países da
periferia do sistema capitalista, a ampliação do acesso aos recursos
energéticos está estreitamente ligada à viabilização dos projetos de
desenvolvimento e à elevação dos padrões de vida, com o aumento
das oportunidades de acesso aos benefícios da modernidade.
A influência da energia no desenvolvimento também se
manifesta no plano econômico, devido ao forte impacto das
1 BARRÉ, 2007, p.12.
importações e exportações de recursos energéticos sobre a balança
comercial e a receita fiscal, assim como sobre os gastos e os
investimentos do Estado. No caso dos países latino-americanos
exportadores de energia, como México, Venezuela, Bolívia,
Equador, Colômbia e Paraguai, essas receitas constituem um
instrumento chave para políticas voltadas para o bem-estar, a
inserção social e o crescimento econômico. O bom desempenho do
setor energético também é vital porque é ele quem fornece os
insumos básicos para o conjunto do aparelho produtivo. Deve,
portanto, “contar com um financiamento satisfatório e é necessário
que alcance um desempenho que permita que os processos de
produção, distribuição e consumo sejam os mais eficazes
possíveis”2.
O grande risco, apontado por muitos analistas, é que no esforço
para incrementar os aportes de energia com o fim de impulsionar o
desenvolvimento, os objetivos ligados à sustentabilidade ambiental
sejam substituídos, no longo prazo, por objetivos de
competitividade econômica. O desafio, nesse caso, reside na
articulação de políticas nos marcos de uma visão sistêmica que
permita integrar metas de curto, médio e longo prazos.
9.2 A “maldição do petróleo”
2 ZANONI, José Rafael. ¿Qué pueden hacer las políticas energéticas por la integración? Nueva Sociedad,
Buenos Aires, numero 204, julio-agosto 2006, p. 176-185.
Com raras exceções (a Noruega, na exploração das reservas off
shore do Mar do Norte; o Canadá, com as areias betuminosas da
província de Alberta), os países exportadores de petróleo seguem
um padrão econômico marcado pela dependência de um único
recurso. A renda petroleira gera uma situação em que o país
consegue garantir a sobrevivência econômica e a estabilidade
financeira sem a necessidade de realizar os investimentos
correspondentes. Isso pode trazer grandes vantagens políticas
imediatas, mas no longo prazo acarreta sérios riscos3. É o que
ocorreu, por exemplo, na Venezuela entre a segunda metade da
década de 1980 e o final da década de 1990, quando os preços
internacionais do petróleo despencaram e depois se mantiveram
bem abaixo dos altos patamares atingidos após o “choque” de 1973.
Sucessivos presidentes venezuelanos amargaram, então, a queda
das receitas de exportação e o aumento das taxas dos juros sobre os
empréstimos – contraídos no período de bonança petroleira com
base na crença de que as condições favoráveis do mercado durariam
para sempre. O Estado se viu, assim, impossibilitado de atender às
múltiplas demandas do eleitorado – e o país mergulhou em um ciclo
de instabilidade que culminou com o triunfo eleitoral de Chávez, em
1998.
A lógica rentista em vigor da Venezuela e nos principais
exportadores do Oriente Médio e da África corresponde ao que
muitos analistas chamam de “petroestado” – países que sustentam o
3 NORENG, Oystein. El Poder del Petroleo – La política y el mercado del crudo. Buenos Aires: El Ateneo, 2003
progresso econômico de suas sociedades com base na renda
petroleira. Nesses países, os governos se autofinanciam com a renda
obtida das exportações de hidrocarbonetos. Isso faz com que o setor
público fique superdimensionado, ocupando espaços que em outras
circunstâncias corresponderiam ao setor privado. Assim se
configuram sociedades altamente dependentes do setor público,
com marcos institucionais débeis, e muito vulneráveis à vontade de
quem controle o governo.
Uma característica comum a todos os Estados rentistas é que a
legitimidade do regime depende da sua capacidade de distribuir
renda para diferentes setores da sociedade. Em outras palavras, os
governos “compram” a sua estabilidade, utilizando a redistribuição
da renda petroleira como um mecanismo para obter apoio social ao
regime – ou, ao menos, para neutralizar os eventuais focos de
descontentamento. Daí deriva uma série de problema, como a
debilidade das instituições democráticas, a falta de transparência
dos organismos governamentais e concentração de recursos nas
mãos de um grupo restrito de atores econômicos. Além disso, as
atividades extrativas, embora sejam altamente intensivas em capital,
absorvem pouca mão-de-obra, o que restringe seu papel como fator
dinâmico na economia. Na Argélia, por exemplo, o setor dos
hidrocarbonetos representa 48% do Produto Interno Bruto (PIB),
mas só responde por 2% do emprego total.
Em sua análise sobre os efeitos da “maldição do petróleo” no
Oriente Médio, o pesquisador norueguês Oysten Noreng apresenta
o rentismo extrativista como um grave obstáculo para os países em
desenvolvimento:
“Devido às elevadas receitas do petróleo, a acumulação
de capital ocorre no setor público em um ritmo muito
mais acelerado do que no setor privado. O controle do
processo de acumulação passa de capitalistas privados
para burocratas do setor público e governantes
autoritários. O dinheiro proveniente do petróleo
fortalece o Estado e a burocracia e cria um sistema
político com base na centralização da renda do petróleo
nas mãos do Estado. O ingresso dessas vultuosas receitas
significa essencialmente que o Estado nesses países é um
distribuidor de renda econômica e de favores, em vez de
ser um arrecadador de impostos e distribuidor de
recursos fiscais, como é o caso na maioria dos países. A
produção privada, as exportações (não-petroleiras) e os
investimentos adquirem um importância limitada no
contexto da economia regulada de um Estado
petroleiro”4.
Nessa visão, o processo político nos “petro-Estados” se reduz à
distribuição de privilégios seletivos por parte dos governantes,
4 NORENG, 2003, p. 161.
financiados pelas receitas provenientes do petróleo, em troca de
lealdade e apoio de um setor privado em grande parte parasitário.
O problema das análises elaboradas com base na ideia da
“maldição do petróleo” sua tendência a adotar uma abordagem
fatalista, que apresenta como inevitáveis as distorções registradas
historicamente nos países com economia dependente das receitas
dos hidrocarbonetos. O cientista político francês Guillaume
Fontaine, ao analisar a economia dos países andinos exportadores
de hidrocarbonetos – Venezuela, Colômbia, Equador e Bolívia – no
início do século 21, concluiu que “não existe uma relação direta
entre a abundância de hidrocarbonetos e a dependência externa”5.
Ele aponta a diferença que existe entre a situação da Bolívia – que,
apesar de ser um exportador relativamente modesto de recursos
energéticos, adquiriu uma enorme dependência em relação às
receitas do gás natural – e a da Colômbia, que não depende tanto
dessa receita, já que possui uma economia mais diversificada.
9.3 Segurança energética e soberania energética, conceitos em
disputa
É possível compreender de uma forma abrangente os principais
conflitos em torno do acesso à energia e da apropriação da riqueza
gerada por ela a partir de dois conceitos conflitantes: segurança
energética e soberania energética. Na perspectiva dos países
5 FONTAINE, 2010, p.217.
desenvolvidos que importam petróleo e gás, como os Estados
Unidos (EUA), o Japão e os mais prósperos entre os integrantes da
União Europeia, a segurança energética é definida como “o aporte
confiável, amplo e diversificado e a preços acessíveis de
suprimentos de petróleo e gás (e seus equivalentes futuros) para os
Estados Unidos, seus aliados e parceiros – e a infra-estrutura
adequada para levar esses suprimentos ao mercado”6.
Já os países detentores de excedentes exportáveis de energia –
quase todos, sociedades que superaram sua condição colonial ou
neocolonial ao longo do século XX – se mostram inclinados a
formular suas políticas com base em um conceito alternativo, o da
soberania energética. A soberania, nesse contexto, é entendida como
o pleno uso dos recursos naturais com potencial energético pelas
sociedades onde esses recursos se situam, com vistas a atingir
objetivos de desenvolvimento econômico e social, definidos a partir
do Estado. Nos termos formulados pelo pesquisador argentino
Gustavo Lahoud, soberania energética é “a capacidade de uma
comunidade política para exercer o controle e a autoridade e para
regular de maneira racional e sustentável a exploração dos recursos
energéticos, conservando uma margem de manobra e uma liberdade
de ação que lhe permita minimizar os custos associados às pressões
6 KALICKI, Jan H.; GOLDWYN, David L.. Introduction. In: KALICKI, J.H. ; GOLDWYN, D. L. (eds.),
Energy Security – Towards a New Foreign Policy Strategy, pp. 1-16. Baltimore (EUA): Johns Hopkins
University Press, 2005.
externos dos atores estratégicos que rivalizam pela obtenção desses
recursos”7.
Tanto o conceito da segurança energética quanto o da soberania
energética devem ser entendidos na sua historicidade, não como
ideias abstratas de interesse exclusivamente acadêmico. São
conceitos políticos, como um papel instrumental na defesa de
interesses dos atores que os empregam. O conceito de segurança
energética tem a sua origem no Choque do Petróleo, de 1973,
quando o embargo petroleiro decretado pelos países árabes da Opep
provocou, em poucos meses, uma alta de 800% nos preços. O
choque salientou a dependência dos EUA e das demais potências
econômicas – os integrantes do chamado “Norte global” – em
relação aos países exportadores de hidrocarbonetos (petróleo e gás
natural), quase todos situados no “Sul”.
A inserção dos conflitos energéticos globais em uma lógica Norte-
Sul se deve a dois motivos: a) concentração geográfica dos recursos
energéticos exportáveis no Oriente Médio, América Latina e antiga
União Soviética; b) esgotamento rápido das reservas dos EUA, país
que a partir da década de 1970 passou de exportador a importador
líquido de petróleo8.
7LAHOUD, Gustavo. Una Aproximación Teórica a la Soberanía Energética e Integración Regional Sudamericana.
Buenos Aires: Instituto de Investigación en Ciencias Sociales (IDICSO) de la Universidad del Salvador,
2005. 8 Denomina-se importador líquido aquele país em que o valor das importações de um determinado
produto ultrapassa o das suas exportações desse mesmo produto.
A segurança energética passou, desde então, a ocupar um lugar
central nos cálculos dos países mais ricos, que encaram o acesso a
recursos de energia a preços aceitáveis como uma prioridade
estratégica. O tema foi securitizado na medida em que os EUA
passaram a incluir entre os seus “interesses vitais” a garantia do
acesso às fontes mundiais de petróleo para si e para os seus aliados.
Se é um interesse vital, justifica-se o uso da força militar para
garantir que ele seja atendido. Assim a questão partiu do âmbito
econômico para se tornar explicitamente uma questão militar.
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SAIBA MAIS
A “securitização” de um determinado tema – como meio-ambiente,
narcotráfico, migrações e energia – ocorre quando um Estado decide
encará-lo com uma questão que põe em jogo a sobrevivência e/ou
outros interesses vitais do país. Quando um assunto é
“securitizado”, os atores estatais passam a abordá-lo sobre o prisma
da segurança nacional, o que justifica o uso ou ameaça de uso da
força militar para atingir os objetivos a ele relacionados9.
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9 FIERKE, K.M. Critical Approaches to International Security. Cambrigde (Reino Unido): Polity, 2007, p. 102-
104.
O tema da segurança energética permaneceu em segundo plano
nas décadas de 1980 e 1990, período em que a oferta de petróleo e
outros recursos de energia se manteve abundante e a preços baixos.
Porém a energia voltou ao topo das preocupações estratégicas
globais a partir do ano 2000, quando começou a ganhar corpo a
percepção do desequilíbrio entre o crescimento acelerado do
consumo global de energia e o ritmo mais lento da expansão da
oferta de recursos energéticos, em especial o petróleo. Foi nesse
cenário de tensão entre oferta e demanda de energia que os EUA
adotaram, durante o governo de George W. Bush (2000-2008), uma
política que defende “a maximização da oferta de recursos
energéticos em escala global”, conforme já foi exposto no Capítulo 5.
Faz parte dos objetivos da política dos EUA no campo da energia
incrementar as importações de petróleo procedentes da América
Latina, da África e da Ásia Central – fornecedores considerados
mais confiáveis do que os do Oriente Médio, região marcada pela
sua grande instabilidade política e pela presença de regimes hostis
aos EUA. Como meta complementar, o governo de Washington
também preconiza que esses fornecimentos sejam feitos de
preferência por empresas privadas e segundo critérios de mercado,
o que na prática significa o controle do petróleo, do gás e dos
biocombustíveis por empresas internacionais, sobretudo
estadunidenses.
O interesse dos EUA pela América Latina como ator estratégico no
cenário global da energia se explica pela sua condição de
exportadora líquida de energia. Ou seja, trata-se de uma região que
envia ao exterior mais energia do que recebe de fora. Devido às
grandes reservas existentes, ela tem a capacidade de ampliar ainda
mais a participação na oferta global de energia. Mas os esforços dos
EUA em garantir o controle dos recursos da América Latina têm
esbarrado, desde o início do século 21, em uma série de obstáculos,
entre os quais se incluem:
- o ressurgimento do nacionalismo energético, impulsionado
inicialmente pela Venezuela e, ao longo da última década, adotado
como política de Estado, em maior ou menor grau, pelos principais
produtores da região;
- o fracasso da Área de Livre-Comércio das Américas (Alca), uma
proposta que, se tivesse sido implementada, implicaria a
integração energética do hemisfério sob o comando dos EUA;
- o fortalecimento das empresas estatais de energia na América do
Sul, acompanhando uma tendência global, ao mesmo tempo em
que a tentativa de privatização da estatal Petroleos Mexicanos
(Pemex) foi, em grande medida, bloqueada por resistências da
sociedade civil mexicana;
- o protecionismo existente nos próprios EUA, que limita a
expansão da oferta internacional de etanol de cana-de-açúcar por
países latino-americanos com condições favoráveis a esse cultivo.
Do lado da América Latina, a ideia de soberania energética é
recente, embora tenha raízes históricas no nacionalismo petroleiro
da primeira metade do século 20 – uma tendência que deu origem
ao monopólio estatal do petróleo em vários países e ao surgimento
de empresas como a Petrobras, a Pemex, a argentina Yacimientos
Petrolíferos Fiscales (YPF) e a Petroleos de Venezuela (PdVSA). O
conceito evoluiu como parte de um movimento da resistência às
políticas neoliberais da década de 1990, que incluíram a
privatização do petróleo e do gás natural em grande parte da
América do Sul. O neoliberalismo fracassou na sua promessa de
impulsionar o desenvolvimento econômico e social, estimulando,
em reação, uma retomada das propostas de nacionalismo
econômico, que incluem a percepção de que os recursos
energéticos se tornaram objeto de uma conduta predatória por
parte das empresas transnacionais. Não por acaso, a ideia de
soberania energética irrompeu ao mesmo tempo em vários países,
justamente aqueles onde a ideia que era preciso pôr um fim à
pilhagem dos recursos energéticos adquiriu maior força.
9.4 O contencioso entre liberais e nacionalistas no campo da
energia
O tema da soberania energética ganha expressão concreta em
um vasto conjunto de questões conflituosas na América do Sul,
configurando um conflito entre, de um lado, correntes liberais,
com um discurso articulado em torno da defesa do “livre
mercado”, e, do lado oposto, os partidários da ideia da soberania
nacional como referência central na definição das políticas
relacionadas com energia e exploração dos recursos naturais. Entre
os principais pontos de divergência entre essas duas correntes se
destacam:
a) O controle dos recursos de hidrocarbonetos: estatal ou
privado?
De um lado, os liberais defendem que as empresas privadas
podem garantir um uso mais eficiente dos recursos, em favor dos
consumidores. Do outro, os defensores da soberania energética –
genericamente chamados de nacionalistas, apesar da imprecisão
que envolve esse termo – enfatizam a necessidade do controle
estatal como um meio de garantir que a exploração se dê em
nome dos interesses da sociedade, que, em última instância, é a
verdadeira proprietária desses recursos.
b) O ritmo da exploração
No modelo privado, os recursos são extraídos por critérios
definidos pelas próprias transnacionais, ao sabor dos seus
interesses. Eles podem reduzir a extração para favorecer a
posição de outras filiais no mercado global ou, ao contrário,
acelerar a exploração para fazer baixar os preços, já que essas
mesmas empresas operam em outros setores da cadeia
produtiva, como a distribuição e o varejo. No limite, verificam-se
casos de exploração predatória, numa lógica de curto prazo em
que a estratégia adotada pelas empresas privadas é extrair o
máximo de recursos com o menor investimento possível. Já o
controle estatal da exploração prevê que o ritmo da extração se
regulado em função de objetivos de curto e longo prazo,
definidos pelos atores estatais. No curto prazo, isso pode
significar a redução da oferta para aumentar os preços ou evitar
a sua queda, como é a prática habitual dos países da Opep. No
longo prazo, a governança energética exercida a partir do Estado
favorece que se leve em conta o caráter não-renovável dos
hidrocarbonetos. Nesse caso, a exploração deve ser planejada de
modo a considerar não apenas os interesses econômicos
imediatos, mas também a preservação dos recursos energéticos
para uso das gerações futuras.
c) A apropriação dos lucros
O modelo privatista prevê regras generosas para as empresas
estrangeiras e garantias jurídicas para os seus investimentos, de
modo a maximizar as possibilidades de atração de capitais e
tecnologias do exterior, por meio das petroleiras transnacionais.
Em contraste, o modelo nacionalista da soberania energética
enfatiza a máxima arrecadação possível por parte do Estado e
tende a rejeitar mecanismos jurídicos como a arbitragem
internacional em caso de divergências.
d) A utilização dos recursos obtidos
Os defensores da posição privatista nos países exportadores da
América Latina atuam em conformidade com os critérios de
segurança energética dos importadores nos países centrais,
defendendo o reinvestimento dos ganhos com a exportação dos
recursos (petróleo, gás) no aumento da capacidade produtiva. Já
a ideia da soberania energética prevê a aplicação da receita
obtida em projetos de desenvolvimento econômico e social. Essa
questão é particularmente polêmica na Venezuela, onde, sob a
gestão presidencial de Hugo Chávez, os lucros da PdVSA
passaram a financiar projetos governamentais que diminuíram
pela metade a pobreza no país e melhoraram todos os seus
indicadores sociais, ao mesmo tempo em que debilitaram
parcialmente a estatal pela falta de investimentos.
e) O destino da produção
Privatistas rejeitam controles sobre o comércio dos recursos
(aceitam, no máximo, que as necessidades básicas de
abastecimento doméstico sejam atendidas). Trata-se, também
nesse caso, de uma política compatível com o enfoque de
segurança energética adotado nos países centrais, já que prioriza
as exportações da América Latina para regiões mais
industrializadas: EUA, Europa Ocidental e Leste da Ásia. Na
ideia da soberania energética, ao contrário, a prioridade é
conferida ao mercado interno, com ênfase às políticas de
industrialização dos recursos em lugar da sua exportação em
estado bruto.
f) As cadeias produtivas
No modelo privatista, os insumos devem ser obtidos na melhor
relação custo-benefício possível (na prática, o mercado
internacional, com fornecedores, em sua maioria, estrangeiros).
Já no modelo da soberania energética, o objetivo do
empreendimento não se esgota no produto obtido pela
exploração, mas em maximizar as oportunidades de estimular o
fornecimento de insumos e equipamentos nacionais como uma
alavanca para o desenvolvimento. O dilema do governo
brasileiro em torno da infraestrutura para a exploração das
reservas de petróleo no pré-sal exemplifica, com clareza, a
diferença entre os dois enfoques. O que é melhor, comprar os
navios necessários à empreitada no exterior, a preços inferiores
aos dos equivalentes a serem produzidos domesticamente, ou
encomendar esses equipamentos a empresas com sede no
próprio país (não necessariamente de capital brasileiro), de modo
a internalizar os ganhos a serem obtidos na cadeia produtiva da
indústria naval¿ Os governos de Luiz Inácio Lula da Silva e
Dilma Rousseff escolheram a segunda alternativa.