SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ …€¦ ·  · 2008-12-12secretaria de estado da...

12
SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ Maria Angela Bassan Sierra CADERNO TEMÁTICO A COTIDIANIDADE DO ENSINOESPECIAL EM TEMPOS DE INCLUSÃO: EM DEFESA DA APRENDIZAGEM QUE CONDUZAAO DESENVOLVIMENTO MARINGÁ 2008

Transcript of SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ …€¦ ·  · 2008-12-12secretaria de estado da...

SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁPROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ

Maria Angela Bassan Sierra

CADERNO TEMÁTICOA COTIDIANIDADE DO ENSINO ESPECIAL EM TEMPOS DE INCLUSÃO: EM DEFESA DA

APRENDIZAGEM QUE CONDUZA AO DESENVOLVIMENTO

MARINGÁ2008

Esta Unidade Temática: A COTIDIANIDADE DO ENSINO ESPECIAL EM TEMPOS DE INCLUSÃO: EM DEFESA DA APRENDIZAGEM QUE CONDUZA AO DESENVOLVIMENTO faz parte do Caderno Temático intitulado: A Cotidianidade do Ensino Especial em Tempos de Inclusão: em Defesa da Aprendizagem que Conduza ao Desenvolvimento, como parte da produção do Material Didático Pedagógico, pertencente às atividades do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE.

COTIDIANIDADE E A ELABORAÇÃO DE CONCEITOS: EM DEFESA DO “BOM ENSINO ESPECIAL”

MARIA ANGELA BASSAN SIERRA

O presente item objetiva discutir a importância da elaboração de conceitos voltados para o

desenvolvimento de pessoas com e sem deficiências com base em Vigotski1. Também aborda a

respeito da cotidianidade e da necessidade do ensino propiciar a formação de conceitos, em especial

dos científicos.

Para falarmos de como o homem se humaniza, vale destacar que ele não só desenvolve o que a

natureza lhe deu ao nascer, as funções biológicas, mas as supera chegando ao ponto de fazer

abstrações sobre a realidade objetiva, diferenciando-se marcadamente dos demais animais. É

importante recuperarmos o que escreveram a esse respeito autores que subsidiaram, filosófica e

metodologicamente, esse trabalho como L. S. Vigotski e de seus colaboradores e continuadores. K.

Marx e F. Engels, dentre outros, compõem a lista de autores que subsidiaram, de algum modo, o

trabalho deles.

Marx e Engels, em A Ideologia Alemã, afirmam que todos os homens para fazer história, antes

de tudo, têm que ter condições básicas para tal; devem ter as mínimas condições e precisam produzir

os meios que permitam a satisfação de suas necessidades é preciso, antes de tudo, comer, beber,

vestir-se, o que se consiste no ‘primeiro ato histórico’. Asseveram que

[...] o primeiro pressuposto de toda a existência humana e de toda a história, é que os homens devem estar em condições de viver para poder ‘fazer história’. Mas para viver, é preciso antes de tudo comer, beber, vestir-se e algumas coisas mais. O primeiro ato histórico é, portanto, a produção dos meios que permitam a satisfação dessas necessidades. (MARX & ENGELS apud DUARTE, 1993, p. 30)

FOTO: Alunos em aula de culinária – Acervo próprio

1 Apesar de se encontrar Vigotski grafado de diversas formas, tais como: Vygotski, Vygotsky, Vigostskii, Vigotskji, Vigostky, adotaremos, neste trabalho, a grafia VIGOTSKI e, nas indicações bibliográficas, a grafia adotada em cada uma delas.

E para que o homem possa ‘fazer história’ com as mínimas condições, conforme esses dois

autores, ele tem que se tornar ‘adulto’. Neste sentido, nos apoiamos em Agnes Heller (1972), para

afirmar que só se é adulto quem é capaz de viver por si mesmo sua cotidianidade, pois ao nascer o

homem já está imerso em uma cotidianidade que terá que absorver e dominar para se tornar um

adulto. A seu ver, o ser humano deve dominar, antes de tudo, a manipulação das coisas.

Heller (1972, p.19), pensando na sociedade do século XX, destaca que o homem adulto “deve

aprender a segurar o copo e a beber no mesmo, a utilizar o garfo e a faca, para citar apenas os

exemplos mais triviais”, e afirma que não é adulto aquele que come com as mãos, mesmo que seja

para satisfazer suas necessidades vitais.

FOTO: Criança se alimentando - Acervo próprio

Ainda conforme Heller, cada homem deve adquirir certo grau de habilidade, de acordo com a

idade e o lugar, visto que a divisão social do trabalho se apresenta de diferentes modos em diferentes

épocas e sociedades, e o trabalho se mostra como fundante para direcionar a determinação, o

estabelecimento e o desenvolvimento das habilidades. Para a autora:

Em nossos dias todos devem aprender a beber em um copo e quando se vive num edifício a usar o elevador. Porém, nem todos temos exatamente a mesma destreza que um torneiro, ou costurar com a mesma habilidade que um alfaiate, ou pintar como um pintor. Por outro lado, na vida cotidiana a habilidade deve aplicar-se em múltiplas direções (e com intensidade e práticas iguais).(HELLER, 1977, p.161)

E como fazer para que o homem, com e sem deficiência, se ‘torne adulto’ e ‘faça sua

história’?

Com base nos estudos de Heller e de Vigotski e seus colaboradores, constatamos que é na

cotidianidade, por meio da incorporação de conceitos, do desenvolvimento das funções psicológicas

superiores, transformando o saber espontâneo em conhecimentos científicos, é que o homem se

tornará ‘adulto’ e conseguirá ‘fazer sua história’. A cotidianidade pode ser entendida não como um

mero viver, mas como um espaço de reprodução da genericidade, por ela ser fundamental para a

construção social do psiquismo das pessoas, Heller instiga a que se olhe para a cotidianidade com

cuidado, pois são nas atividades cotidianas estão os germes para as elaborações posteriores.

Por estarmos no mundo e conhecermos a seu respeito, nos tornarmos partícipes do mesmo,

precisamos apreendê-lo. Nós desvendamos o mundo e o apreendemos por meio das fontes sensoriais e

pelas representações que são elaboradas a respeito dele. Formar conceitos a respeito das coisas, do

mundo, da vida se apresenta, portanto, como condição fundamental para o desenvolvimento do

psiquismo humano, para a constituição de funções psicológicas superiores – FPS –, que são

tipicamente humanas. Como exemplos destas, podemos destacar: atenção voluntária, memória

mediada, pensamento verbal, abstração, etc. Abordaremos mais a esse respeito posteriormente.

FOTO: Brincando com bola – Acervo próprio

Na perspectiva vigotskiana, a principal questão em relação à formação de conceitos é o meio

pelos quais esse processo ocorre já que todas as funções psíquicas superiores são processos mediados

por signos e, na formação de conceitos, esse signo é a palavra. Em princípio, esta tem um papel

mediador na formação de um conceito e, depois, passa a ser o seu símbolo.

Os conceitos são entendidos como um sistema de relações e generalizações contidos nas

palavras, determinados por um processo histórico-cultural: são construções culturais, internalizadas

pelo indivíduo ao longo de seu processo de desenvolvimento.É o grupo cultural, no qual o indivíduo

se desenvolve, que vai lhe fornecer o universo de significados. Esses significados ordenam o real em

categorias (conceitos), nomeadas por palavras da língua desse grupo.

DOS CONCEITOS

A explicação a respeito do processo de formação de conceitos elaborada por Vigotski

reconhece a existência de conceitos cotidianos ou espontâneos e conceitos científicos.

Os conceitos espontâneos são aqueles assimilados na vida cotidiana, são uma formaforma

rudimentar de construção de significados, rudimentar de construção de significados, são desenvolvidos no decorrer da atividade prática, das

interações sociais imediatas sem a percepção consciente. Caracterizam-se pela ausência de umaracterizam-se pela ausência de uma

percepção consciente de suas relações, são orientados pelas semelhanças concretas e porpercepção consciente de suas relações, são orientados pelas semelhanças concretas e por

generalizações isoladas egeneralizações isoladas e são a base dos conceitos científicos e, também, permitem a formação desão a base dos conceitos científicos e, também, permitem a formação de

novos conceitos espontâneos.novos conceitos espontâneos.

Os Os conceitos científicosconceitos científicos são formas de categorização e generalização avançadas, assimilados são formas de categorização e generalização avançadas, assimilados

por meio da colaboração sistemática, organizada entre o professor e a criança ensinados com apor meio da colaboração sistemática, organizada entre o professor e a criança ensinados com a

formalização de regras lógicas. Sua assimilação envolve análise, que se inicia com uma definiçãoformalização de regras lógicas. Sua assimilação envolve análise, que se inicia com uma definição

verbal, operações mentais de abstração e generalização e se apóiam em conceitos espontâneos jáverbal, operações mentais de abstração e generalização e se apóiam em conceitos espontâneos já

apropriados.apropriados.

Poderíamos dizer que a força dos conceitos científicos se manifesta naquele campo inteiramente determinado pelas propriedades superiores dos conceitos, como tomada de consciência e a arbitrariedade; é justamente aí que se revelam a fragilidade dos conceitos espontâneos da criança, que são fortes no campo da aplicação espontânea circunstancialmente conscientizada e concreta, no campo da experiência e do empirismo. O desenvolvimento dos conceitos científicos começa no campo da consciência e da arbitrariedade e continua adiante, crescendo de cima para baixo no campo da experiência pessoal e da concretude. O desenvolvimento dos conceitos espontâneos começa no campo da concretude e do empirismo e se movimenta no sentido das propriedades superiores dos conceitos: da consciência e da arbitrariedade. O vínculo entre o desenvolvimento dessas duas linhas diametralmente opostas revela indiscutivelmente a sua verdadeira natureza: é o vínculo da zona de desenvolvimento imediato e do “nível atual do desenvolvimento” (VIGOTSKI, 2001, p. 350).

FOTO: Treino de assinatura – Acervo próprio FOTO: Treino de assinatura – Acervo próprio

Com intuito de melhor esclarecer sobre como são traçados os caminhos dos conceitos,Com intuito de melhor esclarecer sobre como são traçados os caminhos dos conceitos,

Vigotski (2001) esquematiza da seguinte forma: imaginemos o desenvolvimento dos conceitosVigotski (2001) esquematiza da seguinte forma: imaginemos o desenvolvimento dos conceitos

espontâneos e científicos como se fossem duas linhas de sentidos opostos, uma projetando-se paraespontâneos e científicos como se fossem duas linhas de sentidos opostos, uma projetando-se para

cima e outra para baixo e que, em certo ponto, elas se aproximam. Então, poderíamos pensar comocima e outra para baixo e que, em certo ponto, elas se aproximam. Então, poderíamos pensar como

inferiores os conceitos mais simples, mais elementares, que amadurecem mais cedo e, comoinferiores os conceitos mais simples, mais elementares, que amadurecem mais cedo e, como

superiores, aqueles com propriedades mais complexas, que exijam tomadas de decisão.superiores, aqueles com propriedades mais complexas, que exijam tomadas de decisão.

Convencionalmente poderíamos dizer que os conceitos espontâneos, na criança, se desenvolvem deConvencionalmente poderíamos dizer que os conceitos espontâneos, na criança, se desenvolvem de

baixo para cima e os científicos de cima para baixo, das propriedades mais complexas e superioresbaixo para cima e os científicos de cima para baixo, das propriedades mais complexas e superiores

para as mais elementares e inferiores.para as mais elementares e inferiores.

Conforme afirma Vigotski, o desenvolvimento do conceito espontâneo na criança deve atingirConforme afirma Vigotski, o desenvolvimento do conceito espontâneo na criança deve atingir

um determinado nível para que ela possa apreender o conceito científico e tomar consciência dele. um determinado nível para que ela possa apreender o conceito científico e tomar consciência dele.

O desenvolvimento do conceito científico começa no campo da concretude e do empirismo eO desenvolvimento do conceito científico começa no campo da concretude e do empirismo e

se movimenta no sentido das propriedades superiores dos conceitos, da consciência e dase movimenta no sentido das propriedades superiores dos conceitos, da consciência e da

arbitrariedade. O vínculo estabelecido pelo desenvolvimento dessas duas linhas tão opostas nosarbitrariedade. O vínculo estabelecido pelo desenvolvimento dessas duas linhas tão opostas nos

revela, como citado anterirmente, a sua verdadeira natureza: o vínculo da zona de desenvolvimentorevela, como citado anterirmente, a sua verdadeira natureza: o vínculo da zona de desenvolvimento

imediato e do nível atual de desenvolvimento.imediato e do nível atual de desenvolvimento.

Vigotski explica que, Vigotski explica que,

Embora os conceitos científicos e espontâneos se desenvolvam em direçõesEmbora os conceitos científicos e espontâneos se desenvolvam em direções opostas, os dois processos estão intimamente relacionados. É preciso que oopostas, os dois processos estão intimamente relacionados. É preciso que o desenvolvimento de um conceito espontâneo tenha alcançado um certo níveldesenvolvimento de um conceito espontâneo tenha alcançado um certo nível para que a criança possa absorver um conceito científico correlato. Porpara que a criança possa absorver um conceito científico correlato. Por exemplo, os conceitos históricos só podem começar a se desenvolver quandoexemplo, os conceitos históricos só podem começar a se desenvolver quando o conceito de cotidiano que a criança tem de passado estiver diferenciado,o conceito de cotidiano que a criança tem de passado estiver diferenciado, quando a sua própria vida e a vida dos que a cercam puder adaptar-se àquando a sua própria vida e a vida dos que a cercam puder adaptar-se à generalização elementar no passado e agora, os conceitos geográficos egeneralização elementar no passado e agora, os conceitos geográficos e sociológicos devem se desenvolver a partir de esquema simples aqui e emsociológicos devem se desenvolver a partir de esquema simples aqui e em outro lugar. (VYGOTSKI, 1989, p. 93).outro lugar. (VYGOTSKI, 1989, p. 93).

Pelo exposto, podemos identificar a importância da educação escolar para esse processo de

formação de conceitos. A criança com e sem deficiência, entregue a si mesma, não irá alcançar

conceitos mais elaborados e complexos que lhe permitam compreender o mundo e junto a ele intervir

de modo direto e indireto; não terá condições de imaginar o que não faça parte da sua realidade

imediata. Com isso, entende-se que o mundo é proporcional às suas experiências, ficando por elas

limitada.

FOTO: Criança brincando – Acervo próprioSe, para Vigotski, só se compreende os conceitos históricos quando se tem internalizado o

conceito cotidiano de passado, com Heller, podemos pensar que a vida cotidiana é a base do processo

histórico universal e que é distinta em cada período do desenvolvimento da humanidade

A vida cotidiana não está “fora” da história, mas no “centro” do acontecer histórico: é a verdadeira “essência” da substância social. As grandes ações não cotidianas que são contadas nos livros de história partem da vida cotidiana e a ela retornam. Toda grande façanha histórica concreta torna-se particular e histórica precisamente graças a seu posterior efeito na cotidianidade. O que assimila a cotidianidade de sua época assimila também, com isso, o passado da humanidade, embora tal assimilação possa ser consciente, mas apenas “em si” (HELLER, 1972, p. 20).

Heller esclarece que é na cotidianidade que entram em funcionamento todos os sentimentos,

todas as capacidades intelectuais, suas habilidades manipulativas, seus sentimentos, paixões, idéias,

ideologias. Nesse aspecto da vida, mantêm-se ocupadas diversas capacidades, como: a visão, a

audição, o olfato, o tato, também a habilidade física, o espírito de observação, a memória, a

sagacidade, a capacidade de reagir. Operam também os mais diferentes afetos, amor, ódio, desprezo,

compaixão, participação, simpatia, antipatia, desejo, nostalgia, inveja, repugnância, veneração,

náusea, amizades, etc. Para a autora:

A vida cotidiana é em seu conjunto um ato de objetivação: um processo no qual o particular como sujeito devem-se ‘exterior’ e, nas suas capacidades humanas ‘exteriorizadas’ começam a viver uma vida própria e independente dele, e continuam vibrando em sua vida cotidiana e dos demais de tal modo que estas vibrações – através de algumas mediações – se introduzem na forte corrente do desenvolvimento histórico do gênero humano e destes contrastes obtém se um – objeto – contido de valor. (HELLER, 1977, P. 165)

O trabalho realizado com e na cotidianidade é capaz de transpor conceitos

cotidianos/espontâneos a científicos e conduzir ao desenvolvimento das funções psicológicas

superiores. Para Vigotski, o desenvolvimento das FPS é o fundamento de toda a existência consciente

do ser humano, sem o pensamento e conceitos, é impossível a consciência do ser humano.

Sobre FPS, Barroco (2007, p. 247) esclarece:

Por funções psicológicas superiores [ou funções corticais superiores, funções psíquicas superiores, funções culturais], entendem-se aquelas de origem social, que só passam a existir no indivíduo ante a relação mediada com o mundo externo (com pessoas e com aquilo que elas criam: objetos, ferramentas, processos de criação e de execução, etc.). Como exemplo, pode-se destacar a fala e o pensamento abstrato, a atenção voluntária, a memorização ativa, o planejamento, etc. [...]. Tratam-se de funções que permitem uma conduta geneticamente mais complexa e superior à dos animais, posto que planeja, consciente, intencional. Tudo isso implica em um reequipamento cultural para se estar no mundo.

Quando Barroco expõe sobre a importância desse reequipamento cultural para se estar no

mundo, lembramos o que Leontiev (1978) esclarece: a estruturação do psiquismo humano ocorre a

partir da atividade social e histórica dos indivíduos pela apropriação da cultura humana produzida

historicamente. A formação do indivíduo se realiza a partir da apropriação das objetivações que

compõem o gênero humano sendo que essas objetivações são o resultado da atividade humana,

produto do trabalho e de se ter contato com o que já foi conquistado individual e coletivamente pelos

homens. Esse processo leva o homem ao processo de humanização.

E é essa humanização que leva o indivíduo a ser um ser histórico, um ser cultural e é o que seE é essa humanização que leva o indivíduo a ser um ser histórico, um ser cultural e é o que se

pretende atingir com o trabalho de atividade de vida autônoma na cotidianidade da pessoa cega, nãopretende atingir com o trabalho de atividade de vida autônoma na cotidianidade da pessoa cega, não

tendo esse atendimento apenas como tendo esse atendimento apenas como mero treino, mas como componente essencial para que a pessoa

com deficiência visual se torne um homem cultural. Para Barroco (2007, p. 245)

O homem cultural é aquele que, vivendo com outros homens, apropria-se e cria formas mediatas de estar no mundo, de apreendê-lo, de transformá-lo. Necessariamente vale-se da língua/linguagem para tanto e desenvolve o

pensamento verbal. Este passa a regular o seu comportamento, permitindo que suas próprias funções elementares (sensação, percepção) sejam desenvolvidas para um dado curso que o habilita a estar no mundo de modo ativo.

Com o exposto, podemos compreender que o bom ensino de pessoas com deficiência, aqueleCom o exposto, podemos compreender que o bom ensino de pessoas com deficiência, aquele

que se adianta ao desenvolvimento real e que amplia a zona de desenvolvimento potencialque se adianta ao desenvolvimento real e que amplia a zona de desenvolvimento potencial

(VIGOTSKI, 1998), deve contar com um currículo que favoreça a formação de conceitos,(VIGOTSKI, 1998), deve contar com um currículo que favoreça a formação de conceitos,

considerando-se que está em jogo as possibilidades de um maior ou menor desenvolvimento.considerando-se que está em jogo as possibilidades de um maior ou menor desenvolvimento.

Defendemos que a cotidianidade das pessoas seja mais repleta daquilo que se refere ao não cotidiano:Defendemos que a cotidianidade das pessoas seja mais repleta daquilo que se refere ao não cotidiano:

ciências, artes,filosofia – como defende Heller (1972).ciências, artes,filosofia – como defende Heller (1972).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo deste Caderno Temático vimos apontando para a necessidade de olharmos para os alunos, e para os próprios professores, como pessoas que se humanizam, isto é, que adquirem características do gênero humano e que desenvolvem funções psicológicas tipicamente humanas ao contar com as mediações do Outro.

Nossa aposta, com base na escola psicológica liderada por L. S. Vigotski, é a de que todos podem aprender, desde que existam mediações adequadas. Este autor demonstra, ao longo de sua obra, em grande parte compilada nos seis tomos de Obras Escogidas (VYGOTSKI, 1997b; 2001; 2000; 1997a; 1996) que o psiquismo humano é constituído socialmente. Dito de outro modo, sobre a base biológica herdada, os seres humanos edificam uma construção histórico-cultural. Esta lhes garante que superem os instintos e aquilo que a natureza lhes oferece desde o nascimento. Sobre a base herdada, são desenvolvidas as funções psicológicas superiores (pensamento verbal, memória mediada, abstração, etc.).

Por esta teoria, que explica a aprendizagem e o desenvolvimento de pessoas com e sem deficiências, podemos vislumbrar uma outra educação escolar: que se empenhe em criar ou ampliar zonas de desenvolvimento proximal e que se paute antes no que está íntegro do que no que se apresenta deficitário.

Se entendermos a educação como um processo sócio-histórico que leva os homens de uma dada época e cultura a assumirem características que lhes permitam serem reconhecidos como tais, a educação que se processa no âmbito escolar deve garantir que sejam apropriados saberes científicos próprios deste período histórico.

O presente período histórico, da contemporaneidade, tem se revelado como de grande produção científica em todas as áreas do conhecimento. Se formos, a título de exemplo, citar campos de destaque da ciência, podemos elencar: o mapeamento genético, o trabalho com a nanotecnologia e a microeletrônica, dentre tantos outros. Por tudo o que a humanidade vem produzindo nos mais diversos campos, dentre eles o científico, é possível dizermos que o gênero humano alcançou um nível muito elevado de produção do saber.

Também, podemos dizer que, paralelamente, no Brasil, houve um acréscimo de crianças e adolescentes na escola. Recortando para a modalidade de Educação Especial, em 1998 tínhamos 337.326 alunos matriculados e, em 2006, o número elevou-se para 700.624 (BRASIL, 2007).

À primeira vista, isso poderia sugerir que esse saber mais complexo que vem sendo produzido pela humanidade, está sendo apropriado pelos alunos matriculados nas escolas, inclusive na modalidade da Educação Especial. No entanto, ao contrastarmos esses dados com os do IDEB 2007, reconhecemos que ainda há muito a se fazer.

Com base na teoria eleita, podemos dizer que há que se lutar pela apropriação, de fato, do saber por parte de maior parte dos alunos.

A educação que se pretende inclusiva deve levar seus participantes a se apropriarem desses saberes alcançados pela genericidade humana.

Levar os sujeitos a um estado de maior consciência de suas próprias vidas, situadas num dado espaço de desenvolvimento sócio-histórico e atreladas a dadas classes sociais, é condição essencial para o alcance de um outro estágio da educação escolar.

Devemos lutar para que pessoas com e sem deficiências possam aprender conteúdos científicos, artísticos e filosóficos que lhes permitam desvendar a realidade para além da sua forma aparente e pôr em relação os diferentes fatos e fenômenos entre si. Reconhecemos que cegos, surdos, surdocegos, pessoas com deficiência intelectual e com outras necessidades educacionais especiais devam ser estimulados a essa conquista.

Apoiadas no entendimento de que é possível traçarmos vias colaterais de desenvolvimento dos alunos (e de professores) é que o presente Caderno Temático foi elaborado.

REFERÊNCIASREFERÊNCIAS

BARROCO, Sonia Mari Shima. A educação especial do novo homem soviético e a psicologia de L. S. Vigotski: implicações e contribuições para a psicologia e a educação atuais. 2007. 414 p. Doutorado em Pós-Graduação em Educação. Araraquara: UNESP, 2007.

HELLER, Agnes. O quotidiano e a história. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1972.

______, Ágnes. Sociologia de la vida cotidiana. Barcelona: Península S.A., 2002.

LEONTIEV, Aléxis N. O desenvolvimento do psiquismo. Trad. Manuel Dias

Duarte. Lisboa: Horizonte, 1978.

VIGOTSKI, L.S. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo, Martins Fontes, 2001.São Paulo, Martins Fontes, 2001.

VIGOTSKII, Lev Semenovitch; LURIA, Alexander Romanovich; LEONTIEV, Alexis N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. Trad. Maria Penha Villalobos. 6. ed. São Paulo: Ïcone; EDUSP, 1998.

VYGOTSKI, L S. Obras Completas – Tomo V. Fundamentos de defectologia, Ciudade de La Habana: Pueblo Educación, 1989.

VYGOTSKY, L.S. VYGOTSKY, L.S. Pensamento e linguagemPensamento e linguagem. São Paulo, Martins Fontes, 1989.. São Paulo, Martins Fontes, 1989.

______, L. S. Obras Escolhidas II. Madrid: Centro de Publicaciones del M.E.C. y Visor Distribuciones, 1993.

VYGOTSKY, L. S. e LURIA, A. R. Estudos sobre a história do comportamento: símios, homem primitivo e criança. Trad. Lolio Lourenço de Oliveira. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.

VYGOTSKY, L. S. Obras Escogidas V Fundamentos da defectologia. Madrid: Visor Distribuciones, 1997.

VYGOTSKI, Liev Semiónovich. Obras escogidas: fundamentos de defectología. Tomo V. Trad. Julio Guilhermo Blanck. Madrid: Visor Dist. S. A., 1997b.

VYGOTSKI, Liev Semiónovich. Obras escogidas: problemas de Psicologia Geral. Tomo II. 2. ed. Trad. José Maria Bravo. Madrid: Machado - Visor Dist. S. A., 2001.

VYGOTSKI, Liev Semiónovich. Obras escogidas: problemas del desarrollo de la psique. Tomo III. Trad. Lydia Kuper. Madrid: Visor, 2000.

VYGOTSKI, Liev Semiónovich. Obras escogidas: problemas teóricos y metodológicos de la psicología. Tomo I. 2. ed. Trad. José Maria Bravo. Madrid: Visor Dist. S. A., 1997a.

VYGOTSKI, Liev Semiónovich. Obras escogidas: psicología infantil. Tomo IV. Trad. Lydia Kuper. Madrid: Visor Dist. S. A., 1996.

BRASIL. Ministério da Educação - Secretaria de Educação Especial. Dados da Educação Especial no Brasil. Brasília - DF: 2007. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/txt/brasil.txt>. Acesso em: 08 dez 2008.

BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais. IDEB 2007. Brasília - DF: 2007. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/resultado_ideb2007.pdf>. Acesso em: 08 dez2008.