SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DO ESTADO DO PARANÁ · Nas reduções jesuíticas, realizaram um trabalho...
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GOVERNO DO ESTADO DO PARANÁ
SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO
SUPERINTENDÊNCIA DA EDUCAÇÃO
DIRETRIZES CURRICULARES DE ARTE PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA
EM REVISÃO
CURITIBA
2007
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SUMÁRIO
1. DIMENSÃO HISTÓRICA DA DISCIPLINA DE ARTE
2. FUNDAMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS
2.1 ARTE NA EDUCAÇÃO BÁSICA
2.1.1 Arte como ideologia2.1.2 Arte como forma de conhecimento2.1.3 Arte como trabalho criador
2.2 CAMPOS DE CONHECIMENTO ARTICULADORES EM ARTE
2.2.1 História da Arte2.2.2 Estética2.2.3 Semiótica2.2.3.1 Arte e linguagem
3. CONTEÚDOS ESTRUTURANTES
3.1 Elementos formais3.2 Composição3.3 Movimentos e períodos3.4 Tempo e espaço
4. ENCAMINHAMENTO METODOLÓGICO
4.1 Sentir e perceber4.2 Conhecimento em arte4.3 Trabalho artístico4.4 Sugestões de encaminhamento metodológico
5. AVALIAÇÃO
6. REFERÊNCIAS
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1. DIMENSÃO HISTÓRICA DA DISCIPLINA DE ARTE
Nestas Diretrizes Curriculares para o ensino de Arte, voltadas aos alunos
da Educação Básica da Rede Estadual de Ensino do Paraná, apresenta-se,
primeiramente, uma dimensão histórica dessa disciplina com alguns marcos que
influenciaram o desenvolvimento da Arte no âmbito escolar. Serão analisadas as
concepções de alguns artistas e teóricos que se preocuparam com o
conhecimento em Arte e instituições que têm sido criadas para atender esse
ensino. Conhecer tanto quanto possível essa organização permitirá aprofundar a
compreensão sobre a posição atual do ensino de Arte em nosso país e no Paraná.
Durante o período colonial, nas vilas e reduções jesuíticas, inclusive onde
hoje se situa o Estado do Paraná, ocorreu a primeira forma registrada de arte na
educação. A congregação católica denominada Companhia de Jesus veio ao Brasil
e desenvolveu uma educação de tradição religiosa, para grupos de origem
portuguesa, indígena e africana.
Nas reduções jesuíticas, realizaram um trabalho de catequização dos
indígenas com os ensinamentos de artes e ofícios, por meio da retórica,
literatura, música, teatro, dança, pintura, escultura e artes manuais. Em todos os
lugares onde a Companhia de Jesus se radicou, promoveu essas formas artísticas,
não somente cultivando as formas ibéricas, da alta idade média e renascentista,
como assimilando também as locais (BUDASZ, in NETO, 2004).
Esse trabalho educacional jesuítico perdurou aproximadamente por 250
anos, de 1500 a 1759 e foi importante pois influenciou na constituição da matriz
cultural brasileira. Essa influência manifesta-se na cultura popular paranaense,
como por exemplo, na música caipira em sua forma de cantar e tocar a viola
(guitarra espanhola), no folclore, com as Cavalhadas em Guarapuava; a Folia de
Reis no litoral e segundo planalto; a Congada da Lapa, entre outras, que
permanecem com algumas variações.
Por volta do século XVIII, buscou-se a efetiva superação do modelo
teocêntrico medieval, de modo que se voltou ao projeto conhecido como
iluminista, cuja característica principal era a convicção de que tudo pode ser
explicado pela razão do homem e pela ciência. O governo do Marquês de Pombal
expulsou os Jesuítas do território do Brasil Colônia e estabeleceu uma reforma na
educação colonial e em outras instituições, conhecida como Reforma Pombalina,
fundamentada nos padrões da Universidade de Coimbra, com ênfase ao ensino
das ciências naturais e dos estudos literários.
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Apesar da formalização dessa Reforma, na prática não se registrou efetivas
mudanças. Os espaços que eram ocupados pelos colégios jesuítas foram
substituídos por colégios-seminários de outras congregações religiosas, onde
padres-mestres eram responsáveis pelo ensino escolar que continuava
organizado sob uma tradição pedagógica e cultural jesuítica. Essas práticas
direcionavam para uma educação estritamente literária, baseada nos estudos de
gramática, retórica, latim e música (AZEVEDO, 1971).
Entre esses colégios-seminários, destacam-se o de Olinda e o Franciscano
do Rio de Janeiro. Constituídos no início do século XIX, incluíram em seus
currículos, diferentemente dos demais, estudos do desenho associado à
matemática e da harmonia na música, características da arte na sociedade
burguesa européia do século XVIII, fundamentadas nos princípios do iluminismo.
Em 1808, com a vinda da família real de Portugal para o Brasil, fugindo da
invasão de Napoleão Bonaparte, uma série de obras e ações fora iniciadas para
acomodar, em termos materiais e culturais, a corte portuguesa.
Entre essas ações, destacou-se a chegada ao Brasil de um grupo de
artistas franceses encarregado da fundação da Academia de Belas-Artes, na qual
os alunos poderiam aprender as artes e ofícios artísticos.
Esse grupo ficou conhecido como Missão Francesa e obedecia ao estilo
neoclássico, fundamentado no culto à beleza clássica, com exercícios centrados
na cópia e reprodução de obras consagradas, que caracterizavam a pedagogia da
escola tradicional. Esse padrão estético entrou em conflito com a arte colonial de
características brasileiras, como o Barroco na arquitetura, escultura, talhe e
pintura presentes nas obras de Antônio Francisco Lisboa (Aleijadinho), na música
do Padre José Maurício, e em outros artistas, em sua maioria de origem humilde e
mestiça, que não recebiam uma proteção remunerada como os estrangeiros.
Esse período foi o de laicização do ensino no Brasil, com o fim dos
colégios-seminários e sua transformação em estabelecimentos públicos como o
Colégio Dom Pedro II, no Rio de Janeiro, ou exclusivamente eclesiásticos, como o
Colégio Caraça nas montanhas de Minas Gerais.
Nesses estabelecimentos públicos, houve um processo de dicotomização
do ensino de Arte: o de Belas Artes e música para a formação estética e o de
artes manuais.
No Paraná, foi fundado o Liceu de Curitiba (1846), hoje Colégio Estadual do
Paraná, que seguia o currículo do Colégio Dom Pedro II; a Escola Normal (1876),
atual Instituto de Educação para a formação em magistério e a “Escola
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Profissional Feminina”1 (1886), oferecendo, além de desenho e pintura, cursos de
corte e costura, arranjos de flores e bordados, que faziam parte da formação da
mulher.
Nesse contexto, foi feita a primeira reforma educacional do Brasil
República, em 1890. Entre conflitos de idéias positivistas e liberais, os
positivistas, inspirados em Augusto Comte, valorizavam em Arte o ensino do
desenho geométrico como forma de desenvolver a mente para o pensamento
científico; por sua vez, os liberais inspirados nas idéias de Spencer e Walter
Smith, que se baseavam no desenvolvimento econômico e industrial,
preocupavam-se com a preparação do trabalhador. Benjamin Constant,
responsável pelo texto da reforma, direcionava o ensino novamente para
valorizar a ciência e a geometria e propagava o ideário positivista no Brasil.
Essa proposta educacional que procurava atender ao modo de produção
capitalista, caracterizado pelo início da industrialização no Brasil, secundarizava
e deslocava do currículo o ensino de Arte, que tendia a ser centrado nas técnicas
e artes manuais ou em atividades sem vínculo com as propostas curriculares das
escolas.
O direcionamento de políticas educacionais, centradas no atendimento à
produção e ao mercado de trabalho, tem sido constante na educação, quando o
modo de produção determina as formas de organização curricular. Em alguns
momentos de nossa história, essa concepção de ensino esteve presente, como
no período do Governo de Getúlio Vargas (1930 a 1945) com a generalização do
ensino profissionalizante nas escolas públicas; na ditadura militar (1964 a 1985)
com o direcionamento às habilidades e técnicas; e na segunda metade da
década de 1990, com a pedagogia das competências e habilidades que
fundamentaram os Parâmetros Curriculares Nacionais.
Um marco importante para a arte brasileira e os movimentos nacionalistas
foi a Semana de Arte Moderna de 1922, que influenciou artistas brasileiros, como
por exemplo, os modernistas Anita Malfatti e Mário de Andrade, que valorizavam
a expressão singular e rompiam os modos de representação realistas. Esses
artistas direcionaram seus trabalhos para a pesquisa e produção de obras a partir
das raízes nacionais.
Em contraposição às formas anteriores de ensino que impunham modelos
que não correspondiam à cultura dos alunos – como a arte medieval e
renascentista dos Jesuítas sobre a arte indígena; ou da cultura neoclássica da
1 Oficializada em 08/0//1917 através do decreto 548 (Diário Oficial/PR).
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Missão Francesa sobre uma arte colonial e Barroca, com características
brasileiras, procurou-se valorizar a cultura nacional, expressa na educação pela
escola nova, que postulava métodos de ensino em que a liberdade de expressão
do aluno era priorizada.
O movimento Modernista, também denominado de Antropofágico,
valorizava a cultura do povo, pois entendia que, em toda a História dos povos
que habitaram o território onde hoje é o Brasil, sempre ocorreram manifestações
artísticas. Considerava, também, que desde o processo de colonização, a arte
indígena, a arte medieval e renascentista européia e a arte africana, cada uma
com suas especificidades, constituíram a matriz da cultura popular brasileira.
Nesse contexto, o ensino de Arte teve o enfoque na expressividade,
espontaneidade e criatividade. Pensada inicialmente para as crianças, essa
concepção foi gradativamente incorporada para o ensino de outras faixas etárias.
Essa valorização da arte encontrou espaço na pedagogia da Escola Nova,
fundamentada na livre expressão de formas, na genialidade individual, inspiração
e sensibilidade, desfocando o conhecimento em arte e procurando romper a
transposição mecanicista de padrões estéticos da escola tradicional.
A Escola Nova, fundamentada na teoria de John Dewey foi estruturada
pelo artista e educador Augusto Rodrigues, em 1948, no Rio de Janeiro, ao criar a
Escolinha de Arte do Brasil, na forma de ateliê-livre de artes plásticas, com a
finalidade de desenvolver a criatividade e incentivar a expressão individual.
O ensino de música tornou-se obrigatório nas escolas com a nomeação do
compositor Heitor Villa Lobos como Superintendente de Educação Musical e
Artística, no Governo de Getúlio Vargas. Ao contemplar a teoria e o canto
orfeônico2, o ensino de música enfatizava uma política de homogeneização do
pensamento social, com o objetivo de criar uma identidade nacional. A música foi
muito difundida nas escolas e conservatórios e os professores trabalhavam com o
canto orfeônico, ensino dos hinos, canto coral, com apresentações para grandes
públicos.
Apesar do caráter ideológico nacionalista do Governo Getúlio Vargas, o
ensino de música proposto por Villa Lobos foi muito importante para as escolas,
bem como, suas composições que expressavam a música erudita e popular de
forma orgânica. Esse trabalho permaneceu nas escolas com algumas
2 Canto Orfeônico: coro escolar/agremiação, sociedade ou escola dedicado ao canto coral (sem acompanhamento instrumental)
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modificações até o final da década de 1970, quando se reduziu ao estudo da
teoria musical e, novamente, de execução de Hinos ou canções cívicas.
O ensino do Canto Orfeônico foi a referência para a criação de
conservatórios de música como o Conservatório Estadual de Canto Orfeônico,
fundado em 1956, e transformado em 1967 na Faculdade de Educação Musical
do Paraná (Femp) e, em 1991, na Faculdade de Artes do Paraná (FAP), que forma
até hoje professores em música, artes visuais, artes cênicas e dança.
O ensino de Arte e os cursos oficiais públicos se estruturaram também por
meio de movimentos sociais e artísticos. Em todos os períodos históricos, a arte
foi ensinada em diversos espaços sociais. De acordo com a classe social,
desenvolviam-se formas de ensino como a corporação de músicos e a corporação
de artesãos em Vila Rica, no século XVIII; as aulas particulares de piano das
senhoritas burguesas do século XIX, nos circos com atores, músicos e
malabaristas e de diversos outros grupos sociais.
No Paraná, houve reflexos desses vários processos pelos quais passou o
ensino de Arte até tornar-se disciplina obrigatória, os quais se acentuaram a
partir do final do século XIX com o movimento imigratório. Os artistas imigrantes
trouxeram novas idéias e experiências culturais diferentes, entre elas a aplicação
da arte aos meios produtivos e o uso da arte como expressão individual.
Ao se adaptarem à nova realidade, juntamente com os artistas locais,
esses artistas imigrantes começaram a pensar sobre a importância da arte para o
desenvolvimento de uma nova sociedade, com características próprias e
valorização da realidade local.
Destaca-se entre esses artistas/professores, Emma e Ricardo Koch,
Mariano de Lima, Bento Mossurunga, Alfredo Andersen e Guido Viaro,
considerados precursores do ensino da Arte no Paraná que desenvolveram, por
influências de correntes pedagógicas e pela prática, suas próprias metodologias.
Em 1886, a Escola de Belas Artes e Indústrias foi criada em Curitiba por
Antonio Mariano de Lima, que desempenhou um papel importante no
desenvolvimento das artes plásticas e da música na cidade. Impulsionou a
fundação da futura Universidade Federal do Paraná (UFPR), em 1912, por Vítor
Ferreira do Amaral e da Escola de Música e Belas Artes do Paraná (Embap), em
1948.
Com esse projeto de iniciativas próprias, Mariano de Lima abriu espaço
para o ensino artístico e profissional associando a técnica com a estética, num
contexto em que a mão-de-obra era substituída pela técnica industrial. A
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metodologia de Mariano de Lima era baseada em modelos aprendidos em
instituições como o Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro, criado por
Bithencourt da Silva, em 1856, que era influenciado por modelos do
neoclassicismo, filosofias do liberalismo e positivismo. A escola ofertava cursos
para preparar profissionais liberais e educadores como: Auxiliar de Línguas e
Ciências, Música, Desenho, Arquitetura, Pintura, Artes e Indústrias, Propaganda e
Biblioteca.
A Embap foi fundada como conseqüência da antiga luta e trabalho de
Alfredo Andersen, Mariano de Lima e outros. O artista Alfredo Andersen trouxe
influências da Escola de Barbizon que privilegiava estudos do natural,
trabalhados em estúdio e atividades ao ar livre, difundidos pelo movimento
impressionista que buscava o exercício na observação direta do natural.
Das escolas formadas por iniciativas pioneiras, destacam-se também a
criada pelo artista Guido Viaro, em 1937, a Escolinha de Arte do Ginásio Belmiro
César. Tinha como proposta oferecer atividades livres e funcionava em período
alternativo às aulas dos alunos. Guido Viaro revelava influências de correntes
teóricas vindas da Europa e dos Estados Unidos, que apresentavam a liberdade
de expressão no ensino de Arte como a base pedagógica central. Apreciava as
idéias de teóricos como Herbert Read, e Lowenfeld, que acreditavam no
desenvolvimento do potencial criador e na humanização pela arte. Guido Viaro
teve como parceira de trabalho a educadora Eny Caldeira, que no curso com
Maria Montessori foi sensibilizada pelas questões relacionadas à arte
(OSINSKI,1998).
É interessante ressaltar que essa escolinha foi a primeira do Paraná,
anterior à famosa Escolinha de Arte do Brasil, dirigida pelo artista Augusto
Rodrigues e que veio a ser fundada somente em 1948.
A artista Emma Koch, também influenciada por Lowenfeld, não se
restringia apenas à corrente da livre expressão; acreditava no uso de temas e de
histórias reais ou inventadas, como forma de integração entre a arte e a vida;
entre o conhecimento específico e a experiência do aluno; valorizando a reflexão
e a crítica no ensino de Arte (OSINSKI, 1998).
Emma Koch contribuiu significativamente para o ensino de Arte, ao
participar da criação do Departamento de Educação Artística da Secretaria de
Estado da Educação e Cultura do Paraná, e propôs a instituição de clubes infantis
de cultura e a assistência técnica às escolas primárias. Participou também da
concepção da Escola de Arte na Educação Básica do Paraná, em 1957, no Colégio
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Estadual do Paraná (CEP), com o ensino de Artes Plásticas, Teatro e Música, já
ministrada como Canto Orfeônico pelo Maestro Bento Mossurunga, desde 1947.
Com o passar do tempo, essas atividades foram incorporadas às classes integrais
e implementadas no calendário escolar do CEP, onde permanecem até os dias
atuais.
A partir da década de 1960, as produções e movimentos artísticos se
intensificaram: nas artes plásticas, com as Bienais e os movimentos contrários a
ela; na música, com a bossa nova e os festivais; no teatro, com o teatro de rua,
teatro oficina e o teatro de arena de Augusto Boal, e no cinema, com o cinema
novo de Glauber Rocha. Esses movimentos tiveram forte caráter ideológico,
propunham uma nova realidade social e, gradativamente, deixaram de acontecer
com o endurecimento do regime militar.
Com o Ato Institucional n. 5 (AI-5), em 1968, esses movimentos foram
reprimidos. Vários artistas, professores, políticos e outros que se opunham ao
regime foram perseguidos e exilados. Nesse contexto, em 1971, foi promulgada a
Lei Federal n. 5692/71, em cujo artigo 7.° determinava a obrigatoriedade do
ensino da arte nos currículos do Ensino Fundamental (a partir da 5.ª série) e do
Ensino Médio.
Contraditoriamente, nesse momento de repressão política e cultural, o
ensino de Arte tornou-se obrigatório. Sob uma concepção centrada nas
habilidades e técnicas, minimizou o conteúdo, o trabalho criativo e o sentido
estético da arte. Cabia então ao professor trabalhar com o aluno o domínio dos
materiais que seriam utilizados na sua expressão.
O ensino de Educação Artística passou a pertencer à área de Comunicação
e Expressão, da mesma forma que a produção artística ficou sujeita aos atos que
instituíram a censura militar. Enquanto o ensino de artes plásticas foi direcionado
para as artes manuais e técnicas, na música, enfatizou-se execução de hinos
pátrios e de festas cívicas.
A partir de 1980, o país iniciou um amplo processo de mobilização social
pela redemocratização e para a nova Constituinte de 1988. Com o objetivo de
sustentar esse processo, os movimentos sociais e diversos grupos se
organizaram em todo o país e realizaram encontros, passeatas e eventos que
promoviam a discussão, a troca de experiências e a elaboração de estratégias de
mobilização.
Surgem nessa fase, movimentos para valorização da educação partindo
das influências da pedagogia histórico-crítica (Saviani, 1980); as experiências de
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educação popular realizadas por Organizações não-Governamentais (ONGs) e
movimentos sociais fundamentados no pensamento de Paulo Freire, com a
proposta de oferecer aos educandos acesso aos conhecimentos da cultura para
uma prática social e transformadora.
De um processo iniciado em 1988, na prefeitura de Curitiba, no começo da
década 1990, foram elaborados o Currículo Básico para a Escola Pública do
Paraná no Ensino de 1.o grau e o Documento de Reestruturação do Ensino de 2.o
grau. Tais propostas curriculares tiveram na pedagogia histórico-crítica o seu
princípio norteador e intencionavam fazer da escola um instrumento que
contribuísse para a transformação social. O ensino de Arte retomava, assim, o
seu caráter artístico e estético pela formação do aluno, pela humanização do
sentidos, pelo saber estético e pelo trabalho artístico.
Após quatro anos de trabalho de implementação das propostas, esse
processo foi interrompido em 1995 pela mudança das políticas educacionais, com
outras bases teóricas. Apesar de ainda vigente por resolução do Conselho
Estadual, o Currículo Básico foi, aos poucos, abandonado nas escolas pela
imposição dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), publicados no período de
1997 a 1999 e encaminhados diretamente para as residências dos professores e
às escolas.
Os PCN em Arte tiveram como principal fundamentação metodológica a
proposta de Ana Mae Barbosa, denominada de Metodologia Triangular, inspirada
na DBAE (Discipline Based Art Education) norte-americana. A proposta relaciona
o fazer artístico, a apreciação e os conhecimentos históricos, estéticos e
contextuais em Arte. Teve sua origem no final dos anos de 1960 e
desenvolvimento na década de 1980, nos Estados Unidos. A DBAE parte da idéia
de que a arte tem conteúdo específico e que o aprendizado em arte compreende
mais do que o fazer artístico ou a manipulação de materiais de arte; compreende
também uma articulação entre a produção, a crítica, a história e a estética da
arte.
No final da década de 1980 e na década seguinte, professores de Arte das
escolas de educação básica, das universidades e profissionais da área que
atuavam em museus se organizaram em seminários, simpósios nacionais e
internacionais, de modo que constituíram a FAEB (Federação de Arte-Educadores
do Brasil); a ABEM (Associação Brasileira de Educação Musical) e outras
Associações regionais. Além de propor novas formas de ensino de Arte nas
escolas, principalmente públicas, esses profissionais mobilizaram-se pela
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manutenção da obrigatoriedade do ensino de Arte no texto da LDB, promulgada
em 1996.
A nova LDB 9394/96 mantém e assegura a obrigatoriedade do ensino de
Arte nas escolas de Educação Básica. Nesse período, também houve mudanças
nos cursos de graduação em Educação Artística que passaram a ter licenciatura
plena em uma habilitação específica.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) passaram a considerar a
Música, as Artes Visuais, o Teatro e a Dança como linguagens artísticas
autônomas no Ensino Fundamental e, no Ensino Médio. A Arte passaria a compor
a área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias junto com as disciplinas de
Língua Portuguesa, Língua Estrangeira Moderna e Educação Física, reproduzindo
o mesmo enquadramento da arte na Lei n. 5.692/71, na área de Comunicação e
Expressão.
Os PCN foram produzidos e distribuídos antes da elaboração das Diretrizes
Curriculares Nacionais (DCN) para o Ensino Fundamental e Ensino Médio, que
deveriam ser a base legal para a formulação dos PCN. Além da pouca
participação dos professores na produção dos PCN, questionou-se os
encaminhamentos adotados, porque sugeriam que o planejamento curricular
fosse fundamentado no trabalho com temas e projetos, de modo que os
conteúdos seriam deixados em segundo plano. A falta de clareza na
fundamentação teórica para orientar o trabalho do professor também causou o
esvaziamento desses conteúdos.
Uma característica marcante e explícita tanto das DCN quanto dos PCN do
Ensino Médio foi a adoção do conceito de estética, fundamentado na “estética da
sensibilidade”, na “política da igualdade” e na “ética da identidade”. Tais
fundamentos estavam implícitos também na organização dos documentos do
Ensino Fundamental.
Assim, o conceito de estética foi esvaziado do conteúdo artístico e utilizado
para as relações de trabalho e de mercadoria. Essa concepção de estética é
“fundamentada na aparência e na superficialidade, que mascara as relações de
opressão e exploração da classe trabalhadora, para justificar a submissão e o
conformismo, pois se prende apenas aos efeitos da divisão de classes e ignora a
origem econômica das desigualdades” (TROJAN, 2005, p. 169).
Na década de 1990, as empresas de capacitação de executivos e demais
profissionais passaram a ver a arte e os conceitos de estética como meio e
princípio nos seus cursos. Esse padrão foi muito adotado nas capacitações
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(denominadas de reciclagem) de professores da Rede Pública em Faxinal do Céu
(Pinhão) de 1997 a 2002. Nesses eventos, eram constantes as atividades
artísticas desprovidas de conteúdo, sendo aplicadas, na maioria das vezes, como
momentos terapêuticos, de descontração e de alienação, distantes da realidade
escolar.
No período de 2003 a 2006, foram realizadas diversas ações pelo Governo
do Estado do Paraná que valorizaram o ensino de Arte, dentre as quais,
destacam-se:
- o estabelecimento de uma carga horária mínima de duas aulas semanais de
Arte em todas as séries do Ensino Fundamental;
- o estabelecimento de no mínimo duas e no máximo 4 aulas semanais/ano
para o Ensino Médio. Neste nível de ensino a oferta pode ser de 2 aulas
semanais de Arte em uma única série, até 4 aulas semanais em cada série do
Ensino Médio ou Médio Integrado, a depender da matriz curricular da escola;
- a retomada da constituição do quadro próprio de professores licenciados em
Arte por concurso público;
- a elaboração e distribuição do Livro Didático Público para todos os alunos do
Ensino Médio e professores da disciplina.
- a aquisição de 300 títulos de literatura universal para para as escolas de
Ensino Fundamental e Médio.
- a aquisição de livros de artes visuais, dança, música e teatro para a
“Biblioteca do Professor” dos estabelecimentos de ensino;
- a criação de projetos integradores como o Fera (Festival de Arte da Rede
Estudantil), o Com Ciência, entre outros.
Reconhece-se que houve muitos avanços no processo histórico recente
para efetivar uma transformação no ensino de Arte. Entretanto, essa disciplina
ainda exige reflexões que contemplem a arte como área de conhecimento e não
meramente como meio para destacar dons inatos, pois muitas vezes é vista
equivocadamente, como prática de entretenimento e terapia.
O ensino de Arte deixa de ser coadjuvante no sistema educacional e passa
a se preocupar também com o desenvolvimento do sujeito frente a uma
sociedade construída historicamente e em constante transformação.
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2 FUNDAMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS
As diferentes formas de pensar o ensino de Arte são conseqüências das
relações socioculturais, econômicas e políticas do momento histórico em que se
desenvolveram. Da mesma forma, o conceito de arte implícito ao ensino é
influenciado por essas relações, de modo que foi fundamental problematizá-lo
até a organização destas Diretrizes Curriculares.
Nas diversas teorias sobre a arte, são estabelecidas algumas referências
sobre sua função, o que resulta também em diferentes posições: como a arte
pode servir à ética, à política, à religião, à ideologia; ser utilitária ou mágica e
transformar-se em mercadoria ou meramente proporcionar prazer.
Nessa introdução dos fundamentos teórico-metodológicos, serão
abordadas as formas de como a arte é compreendida no cotidiano dos
estabelecimentos de ensino e como as pessoas se defrontam com o problema de
conceituar a arte. Os conceitos que serão tratados neste documento se
relacionam com os estudos dos conhecimentos da arte e da estética, ou seja,
será buscada na filosofia a compreensão dos assuntos do cotidiano.
As concepções presentes no senso comum se identificam, no campo de
estudos da estética no mundo ocidental, com as teorias essencialistas de arte:
- a mímesis e a representação;
- a arte como expressão e o formalismo.
Essas teorias pretendem definir um conceito fixo e único sobre a arte,
defendem a idéia de que existe uma essência, ou seja, propriedades essenciais
comuns a todas as obras de arte e que somente nelas se encontram.
A mímesis e a representação
Desenvolvida na Grécia Antiga, tem por definição que a arte é imitação.
Essa teoria parte das idéias do filósofo grego Platão, nascido em Atenas (427 a
347 a.C.). Considerado um dos principais pensadores gregos, influenciou
profundamente a filosofia ocidental. Platão afirmava que o mundo das idéias era
o único mundo verdadeiro, o mundo sensível existia somente enquanto
participava do mundo das idéias, do qual era apenas sombra ou cópia. Seu
pensamento baseava-se na diferenciação entre as coisas sensíveis – o mundo
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das idéias e a inteligência – e as coisas visíveis – seres vivos e a matéria. Para
Bosi “a mímesis da arte é uma ficção tão consumada que dá a impressão (‘falsa’,
adverte a moral platônica) de realidade” (1991, p. 29).
Para o filósofo grego Aristóteles (384-322 a.C.), discípulo de Platão, a
verdade do conhecimento humano reside “não num mundo real transcendente,
separado das coisas da experiência, mas nas formas que as coisas contêm e que
constituem o correlato real das idéias da mente humana” (BRUGGER, 1987,
p.57). Nessa concepção, cooperam a experiência do sensível e a abstração do
entendimento.
Aristóteles considera a arte como imitação direta da própria idéia, do
inteligível imanente no sensível, imitação da forma imanente na matéria. Na arte,
esse inteligível é concretizado na obra, elaborada pelo artista. O objeto artístico é
atemporal, segundo a sua significância cultural. Assim, a mímesis de acordo com
o pensamento de Platão, somente considera perfeita a obra que atingir maior
semelhança com o modelo configurado na representação da realidade, conforme
a expectativa do artista, então considerado como artífice. Na concepção de
Aristóteles, a representação é uma outra forma da mímesis; é a apresentação
intencional de um objeto de natureza sensorial e/ou intelectual, que resulta numa
apreensão da forma mediante a fixação de modelos.
Na arte, essas concepções vêm desde a Antigüidade Clássica, passando
pelo Renascimento, até o século XIX, no início da segunda fase da revolução
industrial. A mímesis e a representação são as mais antigas teorias da arte e
foram aceitas pelos próprios artistas, por muito tempo, como inquestionáveis,
nas quais o valor da arte está nas suas referências, na mensagem nela contida.
Ainda hoje, a teoria da representação é referência no cotidiano das escolas
e implica o senso de repetição da forma a partir de um modelo pré-estabelecido,
aceito como referência formativa no ensino de Arte. Essa idéia da arte como
representação, muito presente na escola, enfatiza o fazer técnico e científico de
conteúdos reprodutivistas, com uso de modelos e cópias do natural. Assim, ainda
estão no senso comum algumas recorrências, na maioria das vezes antes
tomadas como indiscutíveis, a indicarem que o valor da arte estaria somente nas
suas referências, na mensagem contida, nos valores extra-artísticos. Eis algumas
frases ainda previsíveis na escola e fora dela:
“Este quadro é tão bom que mal conseguimos distingui-lo daquilo que o
artista usou como modelo!”;
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“A música dos jovens nos anos sessenta representa o movimento de
contracultura!”;
“A estátua ‘David’ de Michelangelo é tão perfeita que só falta falar!”;
“Vamos montar uma peça de teatro sobre o dia das mães?”;
“O que você (aluno) quer dizer com esse desenho?”;
“O que o artista quis dizer com este quadro?”.
Na escola, esses conceitos e processos acabam por atribuir à Arte funções
meramente reprodutivistas, pois seguem formas padronizadas e mantêm o aluno
no aperfeiçoamento da técnica, porém, limitando sua identidade criadora.
A arte como expressão e o formalismo
Ao contrapor-se a um modelo de arte fundamentado na representação fiel
ou idealizada da natureza, sob a perspectiva da teoria expressionista, a arte se
iniciou com filósofos e artistas românticos do final do século XVIII.
Essa concepção defendia que a arte deveria libertar-se das limitações das
teorias anteriores (mímesis e representação), ao mesmo tempo que deslocava
para o artista, ou criador, a chave da compreensão da arte.
Para Fischer,
O romantismo foi um movimento de protesto, apaixonado e contraditório contra o mundo burguês capitalista (...) foi uma revolta contra o classicismo da nobreza, contra as normas e padrões, contra a forma aristocrática, e contra um conteúdo que excluía todas as soluções comuns. Para os rebeldes românticos tudo podia ser assunto para a arte” (1979, p.63-64).
No ideal romântico da arte, prevalece o subjetivismo e a liberdade de
temas e composições inspirados em sentimentos e estados da alma. A
concepção expressionista, em sua base, evidenciou as contradições da
sociedade, a partir das impressões pessoais dos artistas desse tempo histórico.
Essa concepção dividiu-se em dois momentos distintos: A arte como expressão e
a arte como forma significante ou formalismo.
Na arte como expressão, aproximam-se da idéia do romantismo artistas e
filósofos, entre os quais se destacam: Kant, Tolstoy, Van Gogh, Edward Munch,
Goethe, Ibsen, Wagner, que em algumas de suas obras representaram essas
características.
16
Esse movimento tinha uma tendência de aprofundar o olhar diante da
realidade. Sob tal concepção, o artista é considerado gênio em seu processo
criativo. Não contempla mais as cenas do cotidiano de forma distanciada, de fora
para dentro e, sim, deixa transparecer em suas obras as impressões dos
sentidos, projeções e visões subjetivas do real que se caracterizam, nessa teoria,
de dentro para fora. A arte, nesse movimento, é considerada expressão
dramática, visível, que exprime sentimentos e emoções.
Enquanto o movimento da arte como expressão evidenciava a impressão
pessoal do artista, o formalismo considerava a arte pelas propriedades formais
da composição da obra. No século XX, entre os artistas e filósofos que
imprimiram em algumas de suas obras essas características, destacaram-se:
Duchamp, Kandinsky, Malevitch e Mondrian. No movimento formalista, valoriza-
se a forma significante, ou seja, a obra é reconhecida e apreciada pela própria
forma. As idéias expressas na obra são puramente artísticas; o artista não se
detém nem dá importância ao tema. O fundamental é “como” se apresenta,
estrutura-se ou se organiza e não “o que” a obra representa.
Por sua vez, na concepção expressionista, uma importante função da arte
foi a de revelar as contradições da sociedade, prestando-se desse modo a uma
crítica social que representava os conflitos internos dos sujeitos, profundamente
marcada por uma localização histórica em transformação.
Essas idéias de arte, como expressão e formalismo, também se encontram
presentes na educação, a partir das tendências da escola nova e da escola
tecnicista. Na ação pedagógica da escola nova, que vê a arte como expressão, o
aluno é o centro do processo educacional. O encaminhamento metodológico
prioriza o espontaneísmo e o fazer. O principal objetivo é o de assegurar o
desenvolvimento da imaginação e autonomia do aluno. A realização pessoal
acontece a partir de atividades de expressão artística que apelam para a
imaginação e para a criatividade e partem do pressuposto de que o
conhecimento é inato.
Pode-se identificar essa concepção de arte nas seguintes falas:
“Vamos trabalhar com a coleção Os Gênios da pintura!”;
“O amarelo no quadro Os girassóis de Van Gogh expressa a agonia do
artista!”;
“Na obra de Munch O grito, o pintor revela angústia e desespero!”;
“A música de Bach demonstra a fé e a religiosidade do compositor!”.
17
A pedagogia da escola tecnicista, também presente na prática escolar
atual, evidencia uma supervalorização da técnica e do mecanicismo no fazer do
aluno. Essa tendência traz alguns elementos da arte como forma significante ou
formalismo. Identificam-se essas ações nas seguintes falas:
“Coloque o chão (base) na figura para ela não voar!”;
“Esse quadro é uma verdadeira obra-prima devido à harmonia e ao
equilíbrio da composição!”;
“A música da bossa nova é complexa e rica devido à organização dos seus
acordes!”;
“Esse balé foi mal-ensaiado porque não está sincronizado!”.
Apesar de tratarem de questões próprias da arte, as teorias da mímesis,
representação, expressão e formalismo são limitadas por enfocarem e
condicionarem a compreensão da arte em apenas uma dimensão. Em sua
complexidade, a arte comporta características de cada uma dessas teorias
apresentadas. Em sua essência, representa a realidade, expressa visões de
mundo do artista e retrata aspectos políticos, ideológicos e socioculturais.
Compreender o papel da teoria estética não é concebê-la como uma
definição, mas como uma referência para pensar a arte e o seu ensino, que gera
conhecimento e articula saberes cognitivos, sensíveis e sócio-históricos.
Na educação, o ensino de Arte amplia o repertório cultural do aluno a
partir dos conhecimentos estético e artístico, aproximando-o do universo cultural
da humanidade nas suas diversas representações.
Para tanto, é necessário desenvolver no processo pedagógico uma práxis
no ensino de Arte, entendida nestas Diretrizes como a articulação entre os
aspectos teóricos e metodológicos propostos para essa disciplina. Pretende-se
que os alunos possam criar formas singulares de pensamento, apreender e
expandir suas potencialidades criativas.
A partir das concepções da arte e de seu ensino já abordadas, estas
Diretrizes consideram os seguintes campos conceituais relativos ao objeto de
estudo desta disciplina:
- o conhecimento estético está relacionado à apreensão do objeto artístico em
seus aspectos sensíveis e cognitivos. Originário da Filosofia é voltado para a
18
reflexão a respeito da beleza sensível e do fenômeno artístico. Conta com
contribuições da História, Sociologia, Psicologia, entre outros, que auxiliam na
compreensão das representações artísticas;
- o conhecimento artístico está relacionado com o fazer e com o processo
criativo. Considera desde o imaginário, a elaboração e a formalização do
objeto artístico até o contato com o público. Durante esse processo, as formas
resultantes das sínteses emocionais e cognitivas expressam saberes
específicos na experiência com materiais, com técnicas e com os elementos
formais básicos constitutivos das artes visuais, da dança, da música e do
teatro.
Norteada pelo conjunto desses campos conceituais, a construção do
conhecimento em arte se efetiva na relação entre o estético e o artístico
materializados nas representações artísticas. Apesar de suas especificidades,
esses campos conceituais são interdependentes e articulados entre si, abrangem
todos os aspectos do objeto de estudo.
Nesta perspectiva, o tratamento dos conteúdos específicos se dá por meio
da experiência estética, que mobilizará no sujeito uma percepção da arte em
suas múltiplas dimensões cognitivas. No sentido amplo da cognição, isto implica
não apenas seu aspecto intelectual, mas uma totalidade que envolve de igual
modo os fatores racionais, emocionais e valorativos, de maneira a permitir a
apreensão plena da realidade (FARACO apud KUENZER, 2000).
Tratar das concepções da arte como imitação/representação e da arte
como expressão/formalismo, nestas Diretrizes, são reflexões importantes para
que o professor analise em que medida tais concepções fazem diferença no
modo como ensina Arte na escola. À parte das concepções abordadas, é
fundamental que o ponto de vista adotado seja suficientemente amplo para
considerar os aspectos relevantes da arte e do seu ensino, e, também,
direcionado para oferecer conduções coerentes para o pensamento e a ação
pedagógica.
A articulação dos conhecimentos estéticos e artísticos, aliados à práxis no
ensino de Arte, possibilita a apreensão dos conteúdos da disciplina e das
possíveis relações entre seus elementos constitutivos. Os conteúdos são
selecionados a partir de uma análise histórica, com base num projeto de
sociedade que busca superar desigualdades e injustiças, vindo a constituir uma
abordagem fundamental para a compreensão desta disciplina.
19
Em Arte, a prática pedagógica contemplará as artes visuais, a dança, a
música e o teatro; cuja organização é semelhante entre os níveis e modalidades
da educação básica, sob a referência das relações estabelecidas entre a arte e a
sociedade.
A educação básica é um processo que se inicia na Educação Infantil, passa
pelo Ensino Fundamental e se conclui no Ensino Médio; portanto, torna-se
necessário considerar, nestas Diretrizes, as características e necessidades dos
alunos dos diversos níveis e modalidades de ensino. A partir dos diagnósticos
realizados durante a discussão coletiva destas Diretrizes, optou-se por elaborar
fundamentos teóricos que contemplassem a Educação Básica em seu conjunto,
respeitadas as especificidades no encaminhamento metodológico.
Para que o processo de ensino e aprendizagem se efetive, espera-se que o
professor trabalhe com os conhecimentos de sua formação – Artes Visuais,
Teatro, Música ou Dança –; que faça relações com os saberes das outras áreas de
Arte, e que proporcione ao aluno uma perspectiva de abrangência do
conhecimento em arte produzido historicamente pela humanidade.
2.1 ARTE NA EDUCAÇÃO BÁSICA
O enfoque do ensino de Arte na Educação Básica será nas relações entre
arte e sociedade. A ênfase se dará na arte como ideologia, arte como forma de
conhecimento e arte como trabalho criador, tendo como referência o fato de
serem as três principais concepções de arte no campo das teorias crítica.
Estas formas de interpretação da arte têm o trabalho como categoria
fundante, que possibilita abordá-las de forma orgânica no conjunto dessas
Diretrizes.
É importante explicitar como o ser humano transformou o mundo e a si
próprio pelo trabalho, de modo a constituir a arte, a linguagem e a cultura.
A arte está presente desde os primórdios da humanidade, sendo uma
forma de trabalho criador3. O trabalho é uma atividade fundamental do ser
humano, por meio dele, o homem transformou a natureza e a si próprio, isto é,
ao trabalhar com objetos naturais, pôde transformá-los em ferramentas. Fischer
argumenta que “um sistema de relações inteiramente novas entre uma
3 O conceito de trabalho criador é tratado no item “4 Encaminhamento Metodológicos”, destas Diretrizes Curriculares.
20
determinada espécie e o resto do mundo vem a ser estabelecida pelo uso das
ferramentas” (1979 p. 23).
Depois de imitar os objetos que via na natureza, o homem passou a criá-
los e humanizá-los. A luta pela sobrevivência exigia um sistema de novos meios
de expressão e comunicação, de modo que o homem criou palavras articuladas e
diferenciadas pela necessidade que o mobilizou para se organizar e produzir. Os
sinais, gestos e expressões conhecidos pelo mundo animal foram aos poucos
superados ou se tornaram palavras. Como imitação da natureza e sistema de
signos, a linguagem surgiu juntamente com o trabalho, pois por meio dele os
seres vivos passaram a ter muito que dizer uns aos outros. (FISCHER,1979)
O ser humano transformou o mundo e a si próprio pelo trabalho. Ele
passou de animal a homem e tornou-se capaz de simbolizar. Quando, pela
primeira vez, disfarçou-se com pele de animal a fim de lograr sua presa, criou
uma marca, um signo para identificar uma pedra ou alterou a sua forma, foi o
responsável pela criação da arte.
Historicamente, em todas as culturas, constata-se a presença da arte de
várias maneiras, como em objetos ritualísticos, utilitários, artísticos e estéticos.
Como criador, o ser humano produz novas maneiras de ver e sentir, que
são diferentes em cada momento histórico e em cada cultura. Por isso, é
fundamental considerar as determinações econômicas e sociais que interferem
nas relações entre os homens, os objetos e os outros homens, para compreender
a relatividade do valor estético e as diversas funções que a arte tem cumprido
historicamente e que se relacionam com o modo de organização da sociedade.
Para compreendermos a relação entre arte, sociedade e cultura é
importante pensarmos sobre a complexidade do conceito de cultura. No nosso
cotidiano, coexistem diversas definições deste conceito, frutos das permanências
da história do pensamento humano.
Um dos primeiros conceitos de cultura é o de cultivo, de crescimento, de
cuidado com colheitas e animais e, por extensão, de cuidado com o crescimento
das faculdades humanas.
Nos períodos do iluminismo e do romantismo, um dos sentidos dados à
cultura foi o de processo de desenvolvimento íntimo, de vida intelectual,
associando cultura à arte, à família, à vida pessoal, à religião, às instituições e
práticas de significados e valores. Esta concepção vem do conceito alemão de
Kultur (ELIAS, 1990) vinculado às produções intelectuais, artísticas e religiosas,
tais como obras de arte, livros, sistemas religiosos e filosóficos, nas quais se
21
expressa a individualidade de um povo. Este conceito descreve o caráter e o
valor de determinados produtos humanos, com ênfase especial às diferenças
nacionais e à identidade particular dos grupos.
Outro sentido dado à cultura, nesse período, é o externo, de um processo
geral, especializado em suas supostas configurações de “modos de vida totais”,
que teve papel importante no desenvolvimento das Ciências Humanas e Ciências
Sociais (WILLIANS, 1979, p. 23). Está relacionado ao conceito de civilização
(francês e inglês) que vincula cultura ao valor que a pessoa tem em virtude de
sua mera existência e conduta, sem a necessidade de qualquer realização. Sua
origem remonta aos modos e atitudes de aparência corteses, como exemplifica a
citação da corte francesa: “não basta ser rainha, precisa parecer uma rainha”. O
conceito de cultura ligado ao de civilização foi usado para a disseminação da
idéia de superioridade dos colonizadores em relação aos povos colonizados
(ELIAS, 1990, p. 24).
Nestas diretrizes entende-se cultura como a essência ou produto da
prática de existência humana, o que envolve todas as dimensões do
conhecimento, seja a artística, a filosófica ou a científica. Ao mesmo tempo
entende-se que a cultura é constituída, mas também constituinte dos modos de
produção social.
Desta forma deve-se falar em culturas, pois cada povo ou grupo social tem
suas próprias formas e práticas de existência. Na escola, este é um fator
importante, que diz respeito às implicações educativas do pluralismo cultural.
Sobre esta questão, Forquin alerta que:
Um ensino pode, com efeito, dirigir-se a um público diverso sem ser ele mesmo um ensino multicultural: ele não se torna tal senão a partir do momento no qual ele põe em ação certas escolhas pedagógicas, que são ao mesmo tempo escolhas éticas ou deontológicas, isto é, se ele leva em conta deliberadamente e num espírito de tolerância, nos seus conteúdos e nos seus métodos, a diversidade de pertencimentos e referências culturais dos públicos de alunos aos quais ele se dirige (1993, p. 137).
Da mesma forma que a cultura, a história social da arte demonstra que as
formas artísticas não são exclusivamente manifestações da consciência
individual, mas também exprimem o social. Essas formas são dependentes do
modo de produção social, isto é, em cada cultura, em cada momento histórico, as
transformações da sociedade determinam condições para uma nova atitude
estética.
22
Novas maneiras de ver e de ouvir não são apenas o resultado de aperfeiçoamentos ou refinamentos na percepção sensorial, mas também uma decorrência de novas realidades sociais (...) o ritmo, o barulho e o tempo das grandes cidades estimulam novos modos de ver e ouvir; um camponês enxerga uma paisagem de maneira diversa da de um homem da cidade, e assim por diante (FISCHER, 1979, p.170).
A arte é fonte de humanização e por meio dela o ser humano se torna
consciente da sua existência individual e social; percebe-se e se interroga, é
levado a interpretar o mundo e a si mesmo. A arte ensina a desaprender os
princípios das obviedades atribuídas aos objetos e às coisas, é desafiadora,
expõe contradições, emoções e os sentidos de suas construções.
Para dar suporte ao ensino da arte, torna-se fundamental interferir nos
sentidos, expandir a visão de mundo e o espírito crítico, situar-se como sujeito de
uma determinada história, legitimada culturalmente no tempo e no espaço.
Para se pensar sobre os sujeitos, os alunos, professores e outros
profissionais da escola, bem como o artista produtor de arte, considera-se as
dimensões formadoras a eles subjacentes: sua complexidade histórica e social e
sua singularidade. O sujeito é uma pessoa de um tempo histórico específico, que
sofre as influências dos movimentos e das determinações deste tempo vivido. É
uma pessoa que tem uma origem social, que marca sua constituição como
sujeito. Porém, não se reduz a estas circunstâncias históricas e sociais porque é,
também, um ser singular, alguém que interpreta e dá sentido ao mundo, à sua
vida e à sua história (CHARLOT, 2000).
Ao mesmo tempo é relevante explicitar o conceito de obra de arte. As
teorias de arte mais representativas na História e presentes no senso comum,
conforme já mencionado, dicotomizam a compreensão da obra de arte. Por um
lado, é entendida somente como representação da realidade e por ela
determinada; por outro, é vista como obra do gênio, da pura subjetividade do
artista, característica do romantismo.
Nestas Diretrizes, a compreensão de obra de arte não nega a
subjetividade do autor nem as determinações sociais para sua realização, mas
procura superar esta dicotomia histórica.
Neste embate sobre o caráter universal ou singular da obra de arte, Lukács
(1970) argumenta que a produção artística se situa em um campo intermediário
da particularidade e abrange tanto a singularidade do sujeito como a
universalidade do conhecimento. A particularidade da obra de arte não é
estanque; é móvel e se aproxima mais da singularidade do autor em
23
determinadas obras como do movimento romântico, e da pintura abstrata, ou da
universalidade como na arte realista e na arte engajada. Em ambos os casos,
tanto a dimensão singular do autor quanto a universalidade do conhecimento
estão presentes.
Nessa perspectiva, educar os alunos em arte é possibilitar-lhes um novo
olhar, um ouvir mais crítico, um interpretar da realidade além das aparências,
com a criação de uma nova realidade, bem como a ampliação das possibilidades
de fruição4 e expressão artística.
Pretende-se que estas Diretrizes para a disciplina de Arte levem o aluno a
apropriar-se do conhecimento em arte, por meio de um processo criador que
transforme o real e produza novas maneiras de ver e sentir o mundo. Sob tal
perspectiva, Vázquez (1978) aponta três interpretações fundamentais da arte a
serem consideradas:
- arte como ideologia;
- arte como forma de conhecimento, e
- arte como trabalho criador.
Estas abordagens norteiam e organizam a metodologia, a seleção dos
conteúdos e a avaliação na prática escolar de Arte na Educação Básica.
2.1.1 Arte como ideologia
Segundo Vázquez (1978), as relações entre arte e ideologia são
contraditórias e complexas; por isso, deve-se ter cuidado para não cair em um
dos dois extremos, ou seja, de que tudo na arte é ideologia ou de que ela não
está presente na arte.
Pode-se conceituar ideologia como o conjunto de idéias, crenças e
doutrinas, próprias de uma sociedade, de uma época ou de uma classe. Ela é
produto de uma situação histórica e das aspirações de um grupo de indivíduos.
Entre várias funções existentes na ideologia, podem-se citar duas formas,
que são contraditórias:
- ideologia como elemento de imposição de uma classe social sobre outra, de
forma a mascarar a realidade, para manter e legitimar sua dominação;
4 Nestas Diretrizes o termo fruição tem o mesmo significado que o “sentir e perceber” explicitado no encaminhamento metodológico.
24
- ideologia como um elemento de coesão social, de relação de pertencimento a
um grupo, classe ou a uma sociedade.
Estas duas funções estiveram presentes na vida dos jovens do século XX e
também foram objeto de intensa produção no universo da arte. Na primeira
metade do século passado, a juventude nazista e fascista teve suas ações
ideologicamente formadas, sobretudo, pela mídia institucional do rádio e cinema.
A partir da década de 1950, a indústria cultural, em suas várias formas artísticas,
disseminou o consumismo e o individualismo exacerbado entre os jovens.
Contraditoriamente, no mesmo século, a arte foi uma das principais formas
de organização social e expressão dos jovens, em oposição às forças dominantes
nesse período, como os protestos mundiais dos anos sessenta contra a sociedade
de consumo e as políticas governamentais; a oposição à ditadura militar no
Brasil; o movimento da anistia e o de redemocratização do país.
Enfim, a arte como ideologia não é neutra em relação ao contexto sócio-
econômico-político e cultural: é por ele determinada enquanto, simultaneamente,
o determina. O objeto artístico é uma nova realidade social que mesmo tendo
suas raízes no contexto em que foi produzido, passa também a determiná-lo e
nele interferir.
Torna-se fundamental trabalhar com os alunos as três principais formas de
como a arte é produzida e disseminada na sociedade contemporânea:
Arte erudita
A arte erudita é aquela cuja forma de divulgação e distribuição se faz em
museus, teatros, etc. Legitima-se por meio dos críticos de arte e da circulação
pela venda de suas obras a uma elite financeira. Este sistema de arte tem um
campo de ação restrito, pois atinge somente uma pequena parcela da população.
A arte popular
A arte popular é produzida e vivenciada pelo povo, grupos sociais e
étnicos, além de caracterizar-se como espaço de sociabilidade e elemento
constituinte da identidade desses grupos. Neste campo, inclui-se o folclore que
tem a particularidade de ser uma manifestação artística que permanece por um
tempo maior, com algumas mudanças, na história de uma determinada cultura.
25
A indústria cultural
A indústria cultural5 é a que transforma a arte em mercadoria para o
consumo de um grande número de pessoas; por isso, é denominada de cultura
de massa. A indústria cultural se apropria da produção artística da cultura
popular e erudita, descaracteriza-as, por meio de equipamentos e tecnologias
sofisticadas, e as direciona para a produção em série e consumo em grande
escala.
Pelas características dos atuais modos de produção, o artista necessita
veicular sua obra em algum meio de comunicação, os quais podem constituir
uma forma de socialização da arte. Torna-se importante perceber os mecanismos
de padronização excessiva dos bens culturais, pela repetição de formas
composicionais, da homogeneização do gosto e da ampliação do consumo.
Estas são três formas de como se pode ter contato com a arte. Entretanto,
nenhuma é estanque, pois se relacionam e são permeadas por discursos
ideológicos.
2.1.2 Arte como forma de conhecimento
Toda obra de arte apresenta um duplo caráter em indissolúvel unidade: é expressão da realidade, mas ao mesmo tempo, cria a realidade, uma realidade que não existe fora da obra ou antes da obra, mas precisamente apenas na obra” (KOSIK, 2002, p. 128).
Como conhecimento da realidade, a arte pode revelar uma parte do real,
não em sua essência objetiva, tarefa específica da ciência, mas em sua relação
com a essência humana. O ser humano é o objeto específico da arte, ainda que
nem sempre seja o objeto da representação artística. Os objetos representam
não uma imitação, mas o olhar do artista sobre eles.
Ao mesmo tempo, a arte não é uma duplicação das ciências humanas e
sociais, que vê as relações humanas na sua generalidade; a arte é um
conhecimento específico de uma realidade específica, do homem como ser único,
5 Como pesquisa para trabalho com os alunos, recomenda-se inicialmente o estudo dos autores da escola de Frankfurt, como Benjamin (1985), Horkheimer, Adorno e Habermas (1975) e Marcuse (1968). Veja também autores na Biblioteca do Professor de sua escola, nas disciplinas de Arte, Filosofia e Sociologia.
26
vivo e concreto, na unidade e riqueza de suas determinações, nos quais se
fundem de modo peculiar o geral e o singular (VÁZQUEZ, 1978, p. 35).
A especificidade do conhecimento em arte implica que ela apresenta um
conteúdo constituído por seus elementos formais e de composição que
organizam e estruturam a obra de arte. Ao mesmo tempo, ela tem um conteúdo
social formado pelos movimentos e períodos artísticos, que resulta de sínteses
emocionais e cognitivas que impregnam a obra de arte de um sentido social e
singular.
2.1.3 Arte como trabalho criador
A criação ou trabalho criador é essencial no ensino de arte, portanto o
educando deve passar pelo fazer artístico, pois, “ao transformarmos as matérias,
agimos, fazemos. São experiências existenciais – processos de criação – que nos
envolvem na globalidade, em nosso ser sensível, no ser pensante, no ser
atuante” (OSTROWER, 1987, p. 69).
Para Ostrower (1987), quando o homem cria, quando transforma uma
matéria dando-lhe nova forma, atribui-lhe significados, emoções e a impregna
com a presença do seu próprio existir, captando e configurando-a. Ao estruturar
a matéria, também dentro de si o ser humano se estrutura. Ao criar, ele se recria
e é constituído como ser humano que toma posição ante o mundo.
Logo, criar é fazer existir algo inédito, um objeto novo e singular que expressa o sujeito criador e, simultaneamente, o transcende, enquanto objeto portador de um conteúdo de cunho social e histórico e enquanto objeto concreto, como uma nova realidade social” (PEIXOTO, 2003 p. 39).
Nos modos de produção capitalista, a criação e o trabalho estão
separados. O trabalho implica uma alienação e o trabalhador não se identifica
com o produto de seu próprio trabalho. A arte é a possibilidade na escola de
recuperar esta unidade original do trabalho como processo criativo.
A concepção de arte como criação, como trabalho criador, não exclui a
interpretação da arte como ideologia e da arte como forma de conhecimento.
Estas três interpretações constituem fundamentos teóricos destas Diretrizes.
No trabalho artístico, o conteúdo (o elemento social) e forma (a expressão
social solidificada) não estão dissociados. O conteúdo, fator decisivo na formação
dos estilos na arte, não é tão determinado pelo que está composto na obra, mas
como está composto; isto é, o modo pelo qual o artista, consciente ou
27
inconscientemente, expressa as tendências sociais do seu tempo (FISCHER,
1979). A forma é resultado tanto das determinações sociais quanto da
singularidade do artista, e é condicionada em certa medida pela técnica e pelo
material utilizado, que tem suas propriedades específicas, que lhe permitem
assumir uma forma de vários modos possíveis.
Pode-se citar como exemplo da relação conteúdo e forma o espaço
figurativo usado nas pinturas em diferentes períodos culturais: na arte bizantina
ou gótica, as figuras se dispunham nos mosaicos ou vitrais, segundo razões
simbólicas, sem nenhuma preocupação com o realismo anatômico, expressavam
poder e riqueza e a autoridade suprema do imperador, representado como um
ser sagrado.
No Renascimento, o espaço era funcional e matemático, valorizava o
homem e a natureza. Um era tomado como místico; o outro, terrestre, humanista
e científico, formado no corpo de uma cultura antropocêntrica (BOSI, 1991).
Bosi entende que as visões de mundo, espírito da época, ideologias de
classe e de grupo são todos universos de valores, complexos superestruturais
que se fazem presentes e ativos na hora da criação artística.
Arte como ideologia, arte como forma de conhecimento e arte como
trabalho criador, interpretações fundamentais da arte, apresentadas na proposta
da Educação Básica, são as referências para a organização dos conteúdos, do
encaminhamento metodológico e da avaliação.
A separação em categorias conceituais dos conteúdos e da metodologia foi
um critério didático para buscar melhorar a compreensão da sua estrutura
interna. Entretanto, ressalta-se que os conteúdos e a metodologia são
interdependentes, tanto no desenvolvimento teórico como na prática do
cotidiano escolar.
2.2 CAMPOS DE CONHECIMENTO ARTICULADORES EM ARTE
Historicamente, os currículos escolares foram organizados com a divisão
do conhecimento sob os princípios do Iluminismo, os quais apontavam a razão
como instrumento de libertação do ser humano e o capitalismo como sua
expressão material. A especialização e fragmentação do conhecimento, a
prioridade às disciplinas centradas na razão direcionadas ao pragmatismo têm
sido, basicamente, as formas como esses princípios se materializaram na escola
através do tempo.
28
Na tentativa de superar esta fragmentação do conhecimento, foram
propostos trabalhos a partir de conceitos como: interdisciplinaridade,
multidisciplinaridade e transdisciplinaridade. Nestas Diretrizes, estas reflexões
não são retomadas, pois a Arte tem uma característica própria e peculiar em sua
relação com as outras disciplinas e o conhecimento não é, em si, fragmentado,
para precisar ser unido. Por exemplo, o conteúdo espaço é organizador e parte
estrutural das Artes Visuais, Música, Dança e do Teatro, e é também estrutural,
de diversas formas, para a Geografia, Física, História, Educação Física e outras.
A arte é uma composição estética e instrumento de simbolização que
necessita do trabalho material, o que a faz freqüentemente interagir com a
ciência (matemática, física, química, anatomia, entre outras). Possibilita, assim,
estabelecer uma unidade com a proposta curricular da escola e, por
conseqüência, integrar-se em um trabalho mais efetivo na formação e
desenvolvimento do aluno.
A disciplina de Arte se diferencia das demais disciplinas, entre outras
razões, porque:
- a arte comporta características abstratas e racionais, não separa e/ou prioriza
a razão nem os sentidos sobre a razão; é, portanto, uma síntese destas duas
dimensões humanas,
- a arte é estruturada a partir dos diversos campos do conhecimento e constitui
amálgama e essência do conhecimento humano.
Para a compreensão dos fenômenos físicos da Arte, é importante o
conhecimento da Física, Química, Matemática e Biologia. A Filosofia, Sociologia e
a Psicologia também contribuem para a compreensão das dimensões sociais,
intersubjetivas e subjetivas da Arte. A Língua Portuguesa e Estrangeira, a
Geografia e a Educação Física interagem em vários aspectos com a Arte. A
História também permite compreender como o ser humano construiu o
conhecimento estético.
Outra forma de articular as áreas da disciplina de Arte – Artes Visuais,
Música, Dança e Teatro – entre si e com as outras disciplinas considera, ao
menos, três importantes campos do conhecimento, trabalhados nas aulas de
arte: História da Arte, Estética e a Semiótica.
29
2.2.1 História da Arte
A história da arte é um dos campos de estudo da disciplina de História,
tratada como fonte e documento histórico para pesquisa. Faz parte, também, do
trabalho do professor de Arte porque está associada ao conteúdo estruturante
movimentos e períodos, objeto intimamente relacionado à disciplina de Arte.
Nesse ensino, a história da arte também articula os conhecimentos do Teatro, da
Dança, da Música e das Artes Visuais.
As categorias da História “permanências e mudanças” são importantes
para a interpretação da produção artística da humanidade, em todos os
movimentos e períodos, sobretudo nas abordagens da arte paranaense e
brasileira.
2.2.2 Estética
Tradicionalmente, estética é entendida como o estudo racional do belo,
quer quanto à possibilidade da sua conceituação quer quanto à diversidade de
emoções e sentimentos que ele suscita no homem. Este conceito, que é o mais
comum de estética, é fundamentado na arte clássica e de sua relação com a
natureza.
A considerar a produção artística posterior ao romantismo ou do fim do
século XIX até o nosso século XXI, o conceito contemporâneo de estética se
apresenta como o estudo das condições e dos efeitos da criação artística,
descentralizando, desta forma, as reflexões sobre o belo em seus estudos. Vale
destacar que, para o senso comum, o entendimento ainda é o do período
clássico, ou seja, a estética é sinônimo tão-somente de beleza, harmonia e
equilíbrio.
Como campo de estudo e pesquisa da Filosofia, a estética também está
presente no trabalho cotidiano do professor de Arte, tanto no aspecto teórico
quanto na sua prática em sala de aula. É importante que o professor aprofunde
conhecimentos neste campo, a fim de enriquecer a própria prática.
Ressalte-se, ainda, que, no texto, foram tratadas diversas categorias e
conceitos importantes para a Arte, o ser humano e a sociedade, de modo a
indicar possibilidades de estudos, de organização do currículo na escola e da
prática pedagógica dos professores.
30
2.2.3 Semiótica
Os estudos sobre semiótica são relativamente recentes e a definem como
a ciência geral da representação, do signo ou a arte dos sinais quee estuda os
fenômenos culturais como se fossem sistemas de significação. O termo deriva do
grego semeiotiké que significa “a arte dos sinais”, ocupa-se do estudo do
processo de significação e tem por objeto qualquer sistema sígnico: artes visuais,
fotografia, cinema, música, vestuário, etc.
Os apontamentos sobre a semiótica podem retroceder a pensadores como
Platão e Santo Agostinho, entretanto, somente no início do século XX essa
discussão começou a adquirir autonomia e status de ciência. A semiótica teve
sua origem na mesma época que a Filosofia, porém, só a cerca de dois ou três
séculos surgiram aqueles que seriam considerados como os “pais da semiótica”.
Destacam-se o americano Charles S. Peirce e o italiano Umberto Eco. No
mesmo campo, a semiologia, que é o estudo dos sistemas de signos, tem como
principais teóricos o suíço Ferdinand de Saussure e o francês Roland Barthes, que
desenvolveram estudos sobre semiologia da linguagem e da imagem.
A semiótica estuda conceitos como signo, veículo do signo, imagem
(representação imagética), assim como significação e referência. Originária dos
estudos de comunicação e lingüística, a semiótica é importante para análise de
qualquer fenômeno relacionado à transmissão e retenção de informação na
linguagem, na arte e em todas as outras formas de expressão e comunicação.
Em arte a maioria dos estudos semióticos estão direcionados à análise da
imagem (pintura, fotografia, cinema e imagens do cotidiano) como signo, mas
seus princípios também são aplicados na Dança, Música e Teatro.
2.2.3.1 Arte e linguagem
A arte associada à linguagem, como fonte potencializadora de signos,
considera o sujeito/fruidor como co-autor da obra, uma vez que a subjetividade
desse sujeito interfere na obra no momento da sua leitura, quando possibilita a
percepção e a interpretação dos valores estéticos representados nos bens
culturais materiais e imateriais.
De acordo com Bakhtin, o fato de os signos estarem passíveis a
transformações implica que também possam transformar a linguagem (BAKHTIN,
1992). Para esse autor, tudo o que é ideológico redunda em um signo que, em
última análise, reflete e refrata os dados da realidade a que se refere, atribuindo-
31
lhe valores sociais. Cada signo não é apenas um reflexo ou uma sombra, mas
também um fragmento material da realidade, um fenômeno do mundo exterior.
Toda obra artística possui uma organização de signos que propicia
comunicação e interação com o espectador. Essa organização é estruturada
segundo princípios que cada cultura constrói, expressos numa simbologia
particular que é determinada histórica, política e socialmente. Esta simbologia é
concretizada nas obras por meio dos sons, de formas visuais, de movimentos
corporais e de representações cênicas, as quais são percebidas pelos sentidos
humanos. Tais percepções possibilitam leituras pelo sujeito tanto em sua
condição de ser social quanto de ser singular, o que lhe abre a possibilidade de
transformações em suas relações interpessoais e sociais.
Estas são algumas aproximações sobre as concepções contemporâneas da
Semiótica. Alerta-se, entretanto, que no cotidiano da escola, o conceito de arte e
linguagem tem se vinculado mais aos estudos da lingüística, campo de origem da
semiótica.
Neste sentido é necessário um estudo aprofundado das correntes que
teorizam e pesquisam a semiótica, para não vulgarizar e condicionar a arte a
estudos lingüísticos, descaracterizando o conhecimento próprio da arte.
32
3 CONTEÚDOS ESTRUTURANTES
Estas Diretrizes concebem que o currículo para a disciplina de Arte deve
ser organizado de forma a preservar o direito do aluno no acesso ao
conhecimento sistematizado em arte. Isto é, para que o processo pedagógico se
efetive, espera-se que o professor trabalhe com os conhecimentos de sua área
de formação – Artes Visuais, Teatro, Música ou Dança –; e que estabeleça
relações com os saberes das outras áreas6 de arte, de modo a proporcionar ao
aluno uma perspectiva de abrangência do conhecimento em arte produzido
historicamente pela humanidade.
Desse modo, optou-se por uma proposta de organização curricular a partir
do conceito de conteúdos estruturantes, os quais constituem uma identidade
para a disciplina de Arte e uma prática pedagógica que inclui as quatro áreas de
Arte.
Conteúdos estruturantes são conhecimentos de grande amplitude,
conceitos que se constituem em fundamentos para a compreensão de cada uma
das áreas de Arte. A seguir, os conteúdos estruturantes serão apresentados
separadamente para um melhor entendimento dos mesmos, no entanto,
metodologicamente devem ser trabalhados de forma articulada e indissociada
um do outro.
Os conteúdos estruturantes para a disciplina de Arte, na Educação Básica,
são os seguintes:
- elementos formais;
- composição;
- movimentos e períodos, e
- tempo e espaço.
3.1 Elementos formais
No conteúdo estruturante elementos formais, o sentido da palavra formal
está relacionado à forma propriamente dita, à estrutura, ou seja, aos recursos
artísticos empregados numa obra. São elementos da cultura presentes nas
produções humanas e na natureza; são matéria-prima para a produção artística e
o conhecimento em Arte. Estes elementos são usados para organizar todas as
áreas artísticas e são diferentes em cada uma delas. Eis alguns exemplos: o
6 Artes Visuais, Teatro, Música e Dança.
33
timbre em Música, a cor em Artes Visuais, a personagem em Teatro ou o
movimento corporal em Dança.
No processo pedagógico, o professor de Arte deve aprofundar o
conhecimento dos elementos formais da sua área de habilitação e estabelecer
articulação com as outras áreas por intermédio dos conteúdos estruturantes.
3.2 Composição
Composição é o processo de organização e desdobramento dos elementos
formais que constituem uma produção artística. Num processo de composição na
área de artes visuais, conforme analisa Ostrower (1983, p. 65), os elementos
formais – linha, superfície, volume, luz e cor – “não têm significados
preestabelecidos, nada representam, nada descrevem, nada assinalam, não são
símbolos de nada, não definem nada – nada, antes de entrarem num contexto
formal”. Ao participar de uma composição, cada elemento visual configura o
espaço de modo diferente e, ao caracterizá-lo, os elementos também se
caracterizam.
Na área de música, todo som tem sua duração, a depender do tempo de
repercussão da fonte sonora que o originou. É pela manipulação das durações,
mediada pelo conhecimento estético, que esse som passa a constituir um ritmo
ou uma composição.
Com a organização dos elementos formais de cada área de Arte, formulam-
se todas as obras, sejam elas visuais, teatrais, musicais ou da dança, na imensa
variedade de técnicas e estilos.
3.3 Movimentos e períodos
O conteúdo estruturante movimentos e períodos se caracteriza pelo
contexto histórico relacionado ao conhecimento em Arte. Este conteúdo revela
aspectos sociais, culturais e econômicos presentes numa composição artística, e
explicitam as relações internas ou externas de um movimento artístico em suas
especificidades, gêneros, estilos e correntes artísticas.
Para facilitar a aprendizagem do aluno e para que tenha uma ampla
compreensão do conhecimento em arte, este conteúdo estruturante deve estar
presente em vários momentos do ensino. Sempre que possível, o professor deve
mostrar as relações que cada movimento e período de uma área estabelece com
34
as outras áreas da Arte, e como apresentam pontos em comum em determinados
momentos.
Caso o trabalho se inicie pelo conteúdo estruturante movimentos e
períodos em música, pode-se, por exemplo, enfatizar o período contemporâneo e
o movimento Hip-Hop, com a pesquisa de sua origem, que teve raízes no rap, no
grafitti e no break, articulando-os, assim, às áreas de música, de artes visuais e
de dança respectivamente.
É importante considerar que os movimentos correspondem ao imaginário
social e que representam uma determinada consciência social. Nas quatro áreas
de Arte, às vezes, um determinado movimento artístico não corresponde ao
mesmo período histórico na Música, no Teatro, na Dança ou nas Artes Visuais.
3.4 Tempo e espaço
O conteúdo estruturante tempo e espaço tem dupla dimensão, pois
constitui, também, uma categoria articuladora na Arte e tem um caráter social. É
categoria articuladora porque está presente em todas as áreas da disciplina e é
conteúdo específico dos elementos formais, da composição e dos movimentos ou
períodos. Seu caráter social é relevante porque a Arte tem, historicamente, a
peculiaridade de alterar a noção de tempo e espaço do ser humano, de modo
particular dos sujeitos do século XXI, em decorrência do surgimento das novas
tecnologias dos meios de comunicação.
Na Música, Dança e Teatro, o tempo e o espaço formam um conceito
central e imprescindível para pensar, sentir ou realizar um trabalho artístico,
assim como para as Artes Visuais.
Ostrower (1983, p. 65) afirma que “No espaço natural, percebemos
sempre três dimensões – altura, largura e profundidade – mais o tempo. Na arte
[visual], porém, essa combinação será variável”. Por exemplo, na arte bizantina e
na medieval, o espaço era representado de forma bidimensional, plano, sem
profundidade, ao contrário do período renascentista, com a lei da perspectiva,
que passou à representação da tridimensionalidade e da proporcionalidade.
Por meio de representações de linhas7 (elementos formais), explicita-se a
seguir como o tempo e o espaço estão presentes em Artes Visuais. Observe:
7 O exemplo com as linhas foi adaptado dos trabalhos da professora e artista Fayga Ostrower.
35
____________ Linha contínua: o olhar percorre de ponta a ponta, sem parar.
- - - - - - - - - - - Linha descontínua: o intervalo entre os espaços interrompe o
contínuo fluir do olhar.
_ _ _ _ _ _ _ _ Linha descontínua com intervalos maiores: os intervalos
funcionam como pausa.
I I I I I I I I I I I I Linha estática (vertical): a velocidade do movimento é
reduzida.
\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ Linha dinâmica (diagonal): a linha se tornou ainda mais lenta.
Quando se desenha uma linha, ela configura um espaço linear, de uma
dimensão. Por meio dela, apreende-se um espaço direcional. Numa composição
(conteúdo estruturante) com linhas (elementos formais), elas funcionam como
setas, pois dirigem o olhar do espectador para seguir nesta ou naquela direção.
Qualquer elaboração formal com a linha terá, necessariamente, um caráter
rítmico. Quanto maiores os intervalos em relação aos segmentos lineares, tanto
mais lento se torna o percurso do olhar. Portanto, “o movimento visual se dá no
espaço e no tempo” (OSTROWER, 1983, p. 66).
Outra dimensão de tempo e espaço se relaciona ao seu caráter histórico e
social (movimentos e períodos), fundamentais no trabalho com os alunos para
que compreendam as relações sociais em que interagem.
Barbero (2001) questiona as relações que se estabelecem entre escola,
mídia e o jovem, nas noções de tempo e espaço:
que atenção estão prestando as escolas, e inclusive as faculdades de educação, às modificações profundas na percepção do espaço e do tempo vividas pelos adolescentes, inseridos em processos vertiginosos de desterritorialização da experiência e da identidade, apegados a uma contemporaneidade cada dia mais reduzida à atualidade, e no fluxo incessante e embriagador de informações e imagens? (MARTIN-BARBERO, 2001, p. 58)
Determinada pelo modo de produção capitalista contemporâneo, a vida
cotidiana de jovens e adultos está relacionada com a mídia tecnológica: Internet
(Orkut, Blogs, YouTube, Messenger, e-mail), telefonia celular, computador e
outros meios de comunicação. Mesmo os que não têm acesso a esses meios,
36
mantêm contato com a televisão e com jogos eletrônicos. Estes equipamentos
tecnológicos tendem a fragmentar o tempo real e deslocar a referência espacial
pela simultaneidade de imagens e locais. A forma como se estruturam o tempo e
o espaço nos videoclipes é um exemplo disso.
A seguir, apresenta-se um esquema gráfico que detalha como os
conteúdos estruturantes se articulam entre si.
INSERIR ESQUEMA GRÁFICO
Os conteúdos estruturantes, apesar de terem as suas especificidades, são
interdependentes e de mútua determinação. Nas aulas, o trabalho com esses
conteúdos deve ser feito de modo simultâneo, pois os elementos formais,
organizados por meio da técnica, do estilo e do conhecimento em arte
constituirão a composição, que se materializa como obra de arte nos
movimentos e períodos.
A opção pelos elementos formais e de composição trabalhados pelos
artistas determinam os estilos e gêneros dos movimentos artísticos nos
diferentes períodos históricos. Da mesma forma, a visão de mundo, característica
dos movimentos e períodos, também determina os modos de composição e de
seleção dos elementos formais que serão privilegiados.
Concomitantemente, o conteúdo estruturante tempo e espaço não
somente está no interior dos conteúdos, como é, também, um elemento
articulador entre eles.
A explicitação dos conteúdos escolares ou específicos da disciplina de Arte
é uma preocupação e uma necessidade para o melhor entendimento de como os
conteúdos estruturantes podem ser organizados no encaminhamento
metodológico. Por isso, no quadro a seguir se explicita um recorte dos conteúdos
37
específicos nos conteúdos estruturantes da disciplina, bem como em cada área
de arte.
Destaca-se ainda que os exemplos apresentados na coluna movimentos e
períodos não devem ser tomados como ponto de partida para organização dos
conteúdos em séries nem entendidos como capazes de abarcar todos os
conteúdos da disciplina.
38
Áreas
CONTEÚDOS ESTRUTURANTES
ELEMENTOS FORMAIS COMPOSIÇÃO MOVIMENTOS E PERÍODOS
C o n t e ú d o s E s p e c í f i c o s
ARTESVISUAIS
Ponto
Linha
Superfície
Textura
Volume
Luz
Cor
FigurativaAbstrataFigura-fundoBidimensional/ tridimensionalSemelhançasContrastesRitmo visualGêneros: Paisagem, retrato, natureza-morta ...Técnicas: Pintura, gravura, escultura, fotografia, vídeo...
MÚSICA
Altura
Duração
Timbre
Intensidade
Densidade
RitmoMelodiaHarmoniaIntervalo melódicoIntervalo harmônicoTonalModalImprovisaçãoGêneros:erudita, folclórica...Técnicas: vocal, instrumental...Improvisação
TEATRO
Personagem (expressões corporais, vocais, gestuais e faciais)
Ação
Espaço Cênico
RepresentaçãoTexto DramáticoSonoplastia/ iluminação/ cenografia/ figurino/ adereços caracterização/ maquiagem/ DramaturgiaJogos teatraisRoteiroEnredoGêneros: Tragédia, Comédia,etcTécnicas: Teatro direto, Teatro indireto, Improvisação, Direção
DANÇA
Movimento corporal
Tempo
Espaço
EixoPonto de apoioSalto e quedaRotaçãoFormaçãoDeslocamentoSonoplastiaCoreografiaGêneros: Folclóricas, de salão, étnica...Técnicas: Improvisação, coreografia, ...
Arte Pré-histórica Arte no Antigo Egito Arte Greco-Romana Arte Pré-Colombiana Arte Oriental Arte Africana Arte Medieval Renascimento Barroco Neoclassicismo Romantismo Realismo Impressionismo Expressionismo Fauvismo Cubismo Abstracionismo Dadaísmo Construtivismo Surrealismo Op-art Pop-art Teatro Pobre Teatro do Oprimido Teatro do Absurdo Música serial Música eletrônica Rap, Funk, Tecno Música minimalista Arte engajada Hip Hop Dança Moderna Dança Contemporânea Vanguardas artísticas Arte Naïf Arte Popular Arte brasileira Arte paranaense Indústria cultural
39
4 ENCAMINHAMENTO METODOLÓGICO
Nestas Diretrizes, o professor deve considerar para quem, como, por que e
o que será trabalhado em sala de aula. Tal trabalho deve se pautar pela relação
que o ser humano tem com a arte: produzir arte, desenvolver um trabalho
artístico e sentir e perceber as obras artísticas.
No espaço escolar, o objeto de trabalho é o conhecimento. Desta forma,
devem-se contemplar, na metodologia do ensino da arte, três momentos da
organização pedagógica:
- o sentir e perceber: são as formas de apreciação e apropriação da obra de
arte;
- o trabalho artístico: é a prática criativa de uma obra, e
- o conhecimento em arte: fundamenta e possibilita ao aluno que sinta e
perceba a obra artística, bem como desenvolva um trabalho artístico para
formar conceitos artísticos.
O trabalho em sala poderá iniciar por qualquer um desses momentos, ou
pelos três simultaneamente. Ao final das atividades, em uma ou várias aulas,
espera-se que o aluno tenha vivenciado cada um deles.
4.1 SENTIR E PERCEBER
No processo pedagógico, os alunos devem ter acesso às obras de Música,
Teatro, Dança e Artes Visuais para que se familiarizem com as diversas formas de
produção artística. Trata-se de envolver a apreciação e apropriação dos objetos
da natureza e da cultura em uma dimensão estética.
A apreciação e apropriação das obras artísticas se dão inicialmente pelos
sentidos. De fato, a fruição e a percepção serão superficiais ou mais
aprofundadas conforme as experiências e conhecimentos em arte que o aluno
tiver em sua vida.
O trabalho do professor é de possibilitar o acesso e mediar o sentir e
perceber com o conhecimento sobre arte, para que o aluno possa interpretar as
obras, transcender aparências e apreender, pela arte, aspectos da realidade
humana em sua dimensão singular e social.
40
Ao analisar uma obra, espera-se que o aluno perceba que, no processo de
composição, o artista imprime sua visão de mundo, a ideologia com a qual se
identifica, o seu momento histórico e outras determinações sociais. Além do
artista ser um sujeito histórico e social, é também singular e na sua obra,
apresenta uma nova realidade social.
Para o trabalho com os produtos da indústria cultural, é importante
perceber os mecanismos de padronização excessiva dos bens culturais, da
homogeneização do gosto e da ampliação do consumo.
A filósofa brasileira Marilena Chauí (2003) apresenta alguns efeitos da
massificação da indústria cultural que constituem referência para este trabalho
pedagógico. Para Chauí, em função das interferências da indústria cultural, as
produções artísticas correm risco em sua força simbólica, de modo que ficam
sujeitas a:
- perda da expressividade: tendem a tornar-se reprodutivas e repetitivas;
- empobrecimento do trabalho criador: tendem a tornar-se eventos para
consumo;
- redução da experimentação e invenção do novo: tendem a supervalorizar a
moda e o consumo;
- efemeridade: tendem a tornar-se parte do mercado da moda, passageiro, sem
passado e sem futuro;
- perda de conhecimentos: tendem a tornar-se dissimulação da realidade,
ilusão falsificadora, publicidade e propaganda.
Ressalta-se ainda que a humanização dos objetos e dos sentidos se faz
tanto em sua apreciação quanto na percepção mediada pelo conhecimento
sistematizado em arte.
4.2 CONHECIMENTO EM ARTE
Trata-se do trabalho privilegiado relativo à cognição, em que a
racionalidade opera para apreender o conhecimento historicamente produzido
sobre arte.
Nestas Diretrizes, o conhecimento em arte se materializa pelo trabalho
escolar com os conteúdos estruturantes, ou seja, os elementos formais, a
41
composição, os movimentos e períodos, tempo e espaço, e como eles se
constituem nas Artes Visuais, Dança, Música e Teatro.
É imprescindível que o professor considere a origem cultural e o grupo
social dos alunos, e que trabalhe nas aulas os conhecimentos originados pela
comunidade. Também é interessante que discuta como as manifestações
artísticas podem produzir significado de vida aos alunos, tanto na criação como
na fruição de uma obra.
Na escola, o conhecimento em arte se efetiva quando os três momentos
da metodologia são trabalhados.
A arte é um campo do conhecimento humano, produto da criação e do
trabalho de indivíduos, histórica e socialmente datados, de modo que cada
conteúdo deve ser contextualizado pelo aluno, para que ele compreenda a obra
artística. Além disso, é preciso que ele reconheça a possibilidade do caráter
provisório do conhecimento em arte, em função da mudança de valores culturais
que pode ocorrer através do tempo nas diferentes sociedades e modos de
produção.
4.3 TRABALHO ARTÍSTICO
A prática artística – o trabalho criador – é expressão privilegiada, é o
exercício da imaginação e criação. Apesar das dificuldades que a escola
apresenta para desenvolver esta prática, ela é fundamental, pois a arte não pode
ser apreendida somente de forma abstrata. De fato, o processo de produção do
aluno acontece quando ele interioriza e se familiariza com os processos artísticos
e humaniza seus sentidos.
Essa abordagem metodológica é essencial no processo pedagógico em
Arte. Os três aspectos metodológicos abordados nestas Diretrizes –
conhecimento em Arte, sentir e perceber e trabalho criador – são importantes
porque apesar de interdependentes, permitem que as aulas sejam planejadas
com recursos e características específicos.
O encaminhamento do trabalho pode ser escolhido pelo professor,
entretanto, interessa que o aluno realize trabalhos referentes ao sentir e
perceber, ao conhecimento em arte e ao trabalho artístico.
4.4 SUGESTÕES DE ENCAMINHAMENTO METODOLÓGICO
42
Nos anos iniciais do Ensino Fundamental, começa o processo de
aproximação do aluno com o universo artístico, sob a forma de aprendizagem
sistematizada. É papel da escola como espaço socializador do conhecimento
possibilitar e ampliar as oportunidades para essas experiências estéticas.
Portanto, cabe ao professor a partir dos conteúdos, instigar a memória, a
percepção e as possíveis associações com a realidade e cotidiano do aluno.
O trabalho do professor com os anos iniciais se torna mais significativo se
houver a articulação do lúdico às atividades artísticas em sua prática
pedagógica. Considerar o ato de brincar como um dos princípios para a
elaboração do processo de ensino e de aprendizagem é entender a criança e
seus valores, entre eles, a capacidade de materialização do mundo da fantasia,
através das brincadeiras.
As associações surgidas entre a Arte e a realidade da criança podem
revelar, de maneira autêntica, a expressão do prazer dos sentidos. A associação
entre o ato de brincar e de aprender enseja que o sujeito faça a leitura de sua
realidade, em seu tempo (a infância). Isso significa entender a criança como
sujeito criado na e pela cultura.
Esse processo inicia-se por meio da experimentação e da exploração de
materiais e técnicas vinculadas à produção artística que possibilitará ao aluno a
familiarização com as variadas formas artísticas. É importante que os materiais
utilizados e os conteúdos tratados sejam entendidos como instrumentos de
interação com o mundo artístico, pela reflexão e exploração das possibilidades
expressivas.
Essa forma de desenvolver o ensino de Arte voltado aos alunos dos anos
iniciais pode superar metodologias que reforçam a superficialização da
aprendizagem em Arte, as quais reduzem as aulas a simples práticas de
exploração de materiais ou reprodução do que já existe. A substituição da Arte
pela mera reprodução e consumo limita a expressividade do aluno.
Na produção artística infantil deve ser considerada a dimensão simbólica
das ações e experiências da criança, para que se extrapolem os estereótipos
existentes nas músicas, nas danças, representações e nas imagens dos meios de
comunicação. De fato, eles se apresentam muitas vezes como se fossem o real e
expressão única de arte. Além disso, é preciso superar práticas que privilegiam
atividades mecânicas, ainda encontradas em muitos livros didáticos. A
padronização das produções artísticas infantis, cujos emblemas principais na
43
escola são os desenhos de reprografia ou mimeógrafo, limita as crianças na
exploração do espaço, das cores e das formas, desconsidera a importância da
reflexão, da descoberta e da criação, características tão peculiares da infância.
Nestas Diretrizes, tanto a escola quanto o professor têm como desafio
reverter a padronização dos fazeres e do lúdico existentes nas atividades, nos
brinquedos e nas brincadeiras, proposta pela visão do adulto e pelos interesses
da mídia e do consumo, mas distantes do universo infantil. A respeito da infância
na modernidade, Kramer (1998, p. 32-33) afirma que
A criança no mundo moderno [...] veste as asas do anjo da história. O que
você vai ser quando crescer? Crescer. Futuro.[...] Seriedade. Sisudez. É
preciso tornar-se um sujeito da razão. Prontidão. Amadurecimento. Pressa.
Crianças vivendo nas ruas. Apressamento da infância. Empurrada/Seduzida
cada vez mais para o futuro – o mundo dos adultos – contempla o passado
e acumula ruína em seus pés: brinquedo, fantasia, peraltice, imaginação.
A partir dessa reflexão, é importante considerar no processo pedagógico o
conjunto dos conteúdos artísticos presentes nas brincadeiras infantis que, ao
serem apropriados pelos alunos por meio do lúdico, possibilitam a compreensão
e o estabelecimento de relações entre os conteúdos e as diferentes
manifestações e representações artísticas.
Nos anos finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio, a Arte toma a
dimensão de aprofundamento, o professor pode criar e ampliar condições de
aprendizagem pela análise das formas artísticas, a partir da idéia de que elas são
produtos da cultura de um determinado contexto histórico. Em suas aulas, o
professor poderá abordar elementos artísticos que identificam determinadas
sociedades e a forma como se deu a estilização de seus valores, pensamentos e
ações. Esta materialização do pensamento artístico de diferentes culturas coloca-
se como referencial simbólico a ser interpretado pelos alunos, por meio do
conhecimento dos recursos presentes na Arte.
Artes Visuais
Quando se pensa em Arte na escola, logo se imagina os alunos pintando,
recortando, modelando ou desenhando, pois as Artes Visuais têm tradição no
espaço escolar. Isso se justifica, entre tantas razões, pelas próprias concepções
44
sobre educação voltadas aos padrões elitistas da arte européia e pela grande
quantidade de professores com essa formação acadêmica. Entender as aulas de
Arte na escola com a função de orientar os alunos na produção de obras de arte
ou na formação de artistas é um exemplo de como o ensino desta disciplina
continua a seguir os preceitos do século XIX, quando esse modelo caracterizava-
se como divisor de classes e inacessível à maioria da população.
Das metodologias adotadas ao ensino das Artes Visuais, resultaram
práticas pouco discutidas e, muitas vezes, modelos impostos à escola e ao
professor os quais conduziram o ensino de Arte para propósitos que
desconsideram a realidade do aluno, o seu direito aos conhecimentos em arte e o
seu potencial criador.
Desse modo, propõem-se ao professor que aborde, além produção
pictórica de conhecimento universal ou artistas consagrados, formas e imagens
de diferentes aspectos, presentes nas sociedades contemporâneas.
São conteúdos escolares das Artes Visuais as informações visuais da mídia,
as produções plásticas criadas a partir de uma associação de linguagens, os
signos visuais dos espetáculos de Dança, de Teatro e das manifestações
folclóricas, uma vez que resultam de múltiplos saberes acumulados e que
integram o universo cultural dos alunos e da sociedade.
Propõe-se ao professor que contemple em seu planejamento conteúdos
como:
- imagens bidimensionais: desenhos, pinturas, gravuras, fotografia, propaganda
visual;
- imagens virtuais: cinema, televisão, computação gráfica, vídeo-arte;
- imagens tridimensionais: esculturas, instalações, produções arquitetônicas.
Essas imagens estão presentes em diferentes culturas e sociedades. Nas
aulas são subsídios para discussões a respeito de conteúdos próprios das artes
visuais.
O trabalho com o universo imagético, visto em seus aspectos históricos,
econômicos, políticos, sociais e culturais, permite leituras que favorecem e
ampliam a possibilidade de uma visão mais crítica e sensível do mundo.
Os conteúdos devem estar relacionados com a realidade do aluno e do seu
entorno. Nessa seleção, o professor pode considerar artistas, produções artísticas
45
e bens artístico-culturais da região, bem como outras produções de caráter
universal. Conforme Gomes (2001, p. 13),
[...] cada pessoa possui raízes culturais ligadas à herança, à memória
étnica, constituídas por estruturas, funções e símbolos, transmitidas de
geração em geração por longos e sutis processos de socialização. É óbvio
também que cada indivíduo, antes de poder decidir sua própria proposta de
vida, se encontra imerso na imanência de sua comunidade, nas
coordenadas que configuram o pensar, o sentir e o agir legítimo em seu
grupo humano. Mas cada vez se torna mais evidente que a herança social
que cada indivíduo recebe, desde seus primeiros momentos de
desenvolvimento, já não se encontra constituída primordial nem
prioritariamente por sua cultura local. Os influxos locais, ainda importantes,
se encontram substancialmente mediatizados pelos interesses,
expectativas, símbolos e modelos de vida que se transmitem através dos
meios telemáticos.
Propõe-se trabalhos com conteúdos que:
- superem o tratamento das artes visuais em sua perspectiva histórico-linear,
que muitas vezes ainda está presente no ensino de Arte na escola;
- entendam as artes visuais para além da produção de objetos para exposição;
- valorizem o processo do fazer artístico mais do que o produto obtido;
- considerem que uma proposta inclusiva e democrática de educação não deve
reforçar o caráter seletivo do dom, do talento, da habilidade, o que abriria
espaço para comparações, desestímulo ou preocupação exclusiva com o
resultado final;
- reconheçam que a pesquisa, a análise, a experimentação das formas, cores,
materiais, suportes, fazem parte do processo criador;
- critiquem padrões estabelecidos pela supremacia da arte européia ocidental
em relação a outras manifestações culturais de igual importância;
- incluam a arte indígena, a africana e a oriental, como significativas pelo seu
caráter identitário. A riqueza de elementos dessa diversidade na cultura
brasileira (e regional) é importante referencial para o aluno dialogar com o
conhecimento estético visual e reconhecer-se nesse panorama cultural.
46
Outra questão a ser considerada diz respeito ao processo de releitura. É
preciso deixar de lado a prática caracterizada por sutis modificações ou pelo
acréscimo de cores e formas, sem que se estabeleçam contextos, reflexões e
uma leitura crítica da obra de arte.
Uma obra de arte deve ser entendida como um meio pelo qual o artista
percebe o mundo, reflete sua realidade, sua cultura e sua época, dentre outros
aspectos. Esse conjunto de informações deve ser o ponto de partida para que a
releitura da obra componha a prática pedagógica, que inclui a experiência e a
aprendizagem pelos sentidos e que resultante da associação entre o
entendimento da realidade do aluno e os elementos percebidos por ele na obra
de Arte.
A releitura da obra passa a ser um meio pelo qual o professor, no processo
avaliativo, percebe a diversidade de significados contidos nas experiências de
vida, na crítica a uma determinada realidade e conteúdos humanos
materializados em cores, formas e texturas.
De modo aparente, o sentido da visão é o que permite mais fácil acesso à
informação. Em função disso, os outros sentidos correm o risco de ficar em
segundo plano e a percepção visual ficar na superficialidade ou no imediatismo
das informações percebidas. Tal fenômeno ocorre, em princípio, por dois motivos:
- primeiro: pela quantidade de informações visuais existentes no cotidiano,
reforçadas também pelos meios de comunicação de massa;
- segundo: pela facilidade na absorção da informação, o que não implica
necessariamente seu entendimento.
Trabalhar com elementos das artes visuais sob uma perspectiva histórica e
crítica reafirma a discussão sobre essa área como processo intelectual e sensível
que permite ampliação do olhar em torno do objeto em estudo.
Tal processo pode ser desenvolvido pelo professor ao estabelecer relações
entre os conhecimentos do aluno e a temática proposta, explorando a obra em
análises e questionamentos dos conteúdos das artes visuais. Eis algumas
questões propostas:
- O que vemos?
- Onde já vimos isso antes?
- Quantos elementos vemos?
47
- Alguns deles são desconhecidos?
- Como eles estão organizados?
- A obra foi elaborada por meio de desenho, pintura, fotografia, imagens
produzidas por computação gráfica?
Outra importante possibilidade de trabalho é o estabelecimento de
relações das artes visuais com as outras áreas artísticas. A máscara no Teatro, o
registro gráfico da Música ou o figurino e a maquiagem da Dança, a serem
tratados a partir dos conteúdos estruturantes da disciplina, são exemplos de
relações possíveis. Essa prática pedagógica promove uma forma de percepção
mais completa e aprofundada no que se refere à educação estética.
É importante salientar que o trabalho com a leitura e a releiturada da obra
de arte deve contemplar os 3 momentos de encaminhamento metodológico.
Segue abaixo um outro exemplo de trabalho das artes visuais que
contemplam o proposto nesta Diretriz.
O professor poderá pedir que cada aluno desenhe linhas para juntos
observarem e discutirem a expressividade, o peso, o movimento que cada uma
pode ocupar nesse espaço (conhecimento em arte).
Depois, os alunos podem desenvolver composições (trabalho artístico) e
criar efeitos de movimento e de organização do espaço com as linhas. O
professor poderá mostrar (sentir e perceber) obras de artistas que deram ênfase
ao uso de linhas com diferentes formas e, também, expor as composições dos
alunos para apreciação e apropriação do grupo.
Dança:
Para o ensino da Dança na escola, é fundamental buscar no
encaminhamento das aulas, a relação dos conteúdos próprios da dança com os
elementos culturais que a compõem. É necessário rever as abordagens presentes
e modificar a idéia de que a Dança aparece somente como meio ou recurso “para
relaxar’, ‘para soltar as emoções’, ‘para expressar-se espontaneamente’, ‘para
trabalhar a coordenação motora’ ou até ‘para acalmar os alunos” (MARQUES,
2005, p. 23).
A dança tem conteúdos próprios, capazes de desenvolver aspectos
cognitivos que, uma vez integrados aos processos mentais, possibilitam uma
melhor compreensão estética da Arte.
48
Os elementos formais da dança, nestas diretrizes, são:
- movimento corporal: O movimento do corpo ou de parte dele num
determinado tempo e espaço.
- espaço: É onde os movimentos acontecem, com utilização total ou
parcial do espaço.
- tempo: Caracteriza a velocidade do movimento corporal (ritmo e
duração).
O objeto central da Dança é o movimento corporal, dessa forma devem ser
trabalhadas propostas de dança que tenham como objetivo desenvolver com os
alunos, atividades de experimentação das possibilidades de movimento,
improvisação, composições coreográficas e de processos de criação, tornando o
conhecimento significativo para o aluno, conferindo-lhe sentido a aprendizagem,
por articularem os conteúdos da dança.
Entender a dança como expressão, compreender as realidades próximas e
distantes, perceber o movimento corporal nas diversas culturas, bem como os
aspectos sociais, culturais e históricos, são elementos fundamentais para
alcançar os objetivos do ensino da dança na escola.
Nas aulas de Arte algumas questões podem ser enfocadas pelo professor,
tais como:
- de que maneira o corpo se movimenta no espaço?
- que relações há entre movimento e tempo?
- quais passos se repetem com mais freqüência na coreografia?
- há ocorrência de giros, saltos e quedas?
Além disso, alguns encaminhamentos podem ser realizados, tais como:
- criação de formas de registro gráfico da formação inicial e dos passos
seqüenciais;
- uso de diferentes adereços;
- proposta de criações, improvisações e execuções coreográficas individuais e
coletivas;
- identificação do gênero a que pertence a dança e em que época foi
concebida.
49
Ao selecionar os conteúdos de Dança que pretende desenvolver com seus
alunos, o professor deverá fazer escolhas que sejam significativas. Precisa
considerar o contexto social e cultural, ou seja, o repertório de dança dos alunos,
seus conhecimentos e suas escolhas de ritmos e estilos, intermediando
a dança dos alunos (seus repertórios pessoais e culturais como o rap, o funk, a dança de rua ou ainda suas escolhas pessoais de movimento), a dança dos artistas (o mestre de capoeira, a passista, um coreógrafo contemporâneo) e o conhecimento em sala de aula (MARQUES, 2005, p. 32).
Para se efetivar o trabalho com a dança na escola, há que se considerar
algumas questões: a de gênero, pois muitos pais e alunos ainda consideram
dança “coisa de mulher”, as de religião, e de limitações motoras e/ou
neurológicas.
Música:
O som é a matéria-prima da música; porém, a simples percepção e
memorização dos sons não caracterizam o conhecimento musical. A música no
contexto escolar, defendida nessas Diretrizes, objetiva a educação dos sentidos e
não está dissociada do lugar onde é composta e interpretada nem está
desarticulada dos valores de um determinado grupo social. Exemplos disso são
os textos de canções do repertório de cultos religiosos e de manifestações de
cunho político e social.
De acordo com o que propõe Hentschke (1994, p. 28-35), o trabalho com
música na escola deve proporcionar ao aluno o desenvolvimento:
- da sensibilidade estética e artística;
- da imaginação e do potencial criativo,
- sua capacidade cognitiva, afetiva e psicomotora,
- da comunicação não-verbal.
Ao tratar dos conhecimentos musicais, o professor deverá considerar os
saberes específicos dessa área artística e priorizar a escuta consciente, ou seja,
aquela capaz de perceber a distribuição dos sons de maneira sucessiva e
simultânea. Além disso, no processo pedagógico o professor deve desenvolver
nos alunos a capacidade de identificação dos elementos formais do som: timbre,
50
intensidade, altura, densidade e duração; bem como suas variações. A escuta
atenta desses elementos permitirá reconhecer a estrutura musical presente em
qualquer produção artística.
Trabalhando somente o texto de uma canção popular, o professor não
aborda conteúdos musicais porque a canção é uma forma musical que agrega
texto e música e está presente no repertório musical. Portanto, quando se
prioriza o texto e sua compreensão, deixam-se de lado os conteúdos musicais,
destinando-lhe um papel secundário de recurso metodológico.
Isso também acontece quando a música é vista somente sob o seu aspecto
histórico. A história da música pode ajudar o professor a localizar um movimento
ou período artístico, entretanto não é um conhecimento relacionado ao som
propriamente dito: sua percepção, organização, registro e produção. É
importante que na música se trabalhe com estímulos sonoros.
Recomenda-se ao professor que contemple o conjunto de conhecimentos
ligados à organização, articulação, registro e produção dos sons, de maneira a
criar ou identificar uma estrutura musical, reconhecendo-a auditivamente. O
aluno deve ser capaz de ampliar sua percepção sonora e musical, memorização,
organização sonora, registro, execução e interpretação dos sons memorizados e
registrados, de modo a compreender e avaliar o que foi experimentado e
apreciado.
No processo pedagógico, recomendam-se ao professor as seguintes
abordagens:
- percepção musical: requer um trabalho constante do professor para
desenvolver a atenção e a memória do aluno. A atenção é necessária para
perceber as estruturas musicais auditivamente, sua organização e os
elementos que a compõem. Assim, percebe-se a obra musical com o passar do
tempo, ou seja, o seu reconhecimento se dá após seu término. Neste processo
a memória atua de maneira a possibilitar relações e associações entre os
eventos sonoros que estiveram presentes na execução de uma obra;
- organização dos sons no tempo e no espaço: é inerente à estruturação
musical e está relacionada à intenção do compositor, o que deve ser
percebido pelo aluno. Durante este processo, ele também pode criar e sugerir
uma nova organização;
51
- registro de sons: a representação gráfica da organização sonora pode auxiliar
a memória. Essa representação não precisa estar em partitura, porém é
importante, pois se refere à lembrança do que foi percebido auditivamente. O
registro dos sons não é música, mas sim um recurso auxiliar para a memória,
que pode ser feito com elementos visuais diversos, tais como: gráficos,
desenhos, esquemas e outras representações elaboradas pelos próprios
alunos;
- produção musical: está associada à experiência de elaborar e manipular
elementos pertinentes ao fazer musical. O aluno deve experimentar esse
processo de maneira individual ou em grupo de modo a se expressar, pela
musica, por meio de objetos sonoros e/ou instrumentos musicais;
- interpretação dos sons memorizados, organizados e registrados: possibilita ao
aluno expressar o seu entendimento e sua leitura da obra musical;
- reconhecimento e significação: é perceber e dar sentido aos sons das
estruturas musicais propostas.
No ensino de Música na disciplina de Arte, três grandes grupos relativos ao
conhecimento musical devem ser trabalhados: sons sucessivos, sons simultâneos
e estruturas musicais.
- sons sucessivos: serão tratados os conceitos de intensidade sonora
(dinâmica), timbre, altura, densidade e duração presentes no ritmo e na
melodia. Ao ouvir uma única pessoa cantar, pode-se testemunhar como os
sons se organizam de maneira sucessiva e com significado musical. As
diferentes durações desses sons emitidos e organizados num determinado
período de tempo e sua alternância com momentos de silêncio, dão a idéia de
ritmo. No canto, além das durações sonoras, verifica-se também a variação de
altura, ou seja, a alternância de sons graves e agudos. Em sons sucessivos, a
variação de altura associada às diferentes durações sonoras sugere o conceito
de melodia. O timbre é a qualidade do som que identifica a fonte sonora que
produz o som que se ouve, no caso, a voz humana. Permite, inclusive,
diferenciar, por exemplo, uma voz humana masculina de outra qualquer do
mesmo gênero. No canto, além do timbre, da altura e da duração, podem-se
identificar também variações de intensidade sonora. Geralmente se associa
52
erroneamente a idéia de intensidade com a de volume. Diz-se “aumentar o
volume” quando se está escutando música e quer-se ouvir melhor ou dar mais
intensidade ao som produzido pelos alto-falantes. Essa variação de
intensidade sonora, ou seja, a alternância de sons fortes e fracos, que ocorre
na execução de uma obra musical, entende-se como dinâmica;
- sons simultâneos: vários conteúdos podem ser trabalhados em sala de aula a
partir da idéia de sons simultâneos, entre eles: harmonia, formações vocais
(duos, trios, quartetos, coros), formações instrumentais (conjuntos de câmera,
de choro, orquestras, etc.) e formações mistas (bandas de rock, orquestra e
coro etc.). Os sons simultâneos podem ser produzidos por uma ou mais fontes
sonoras. No caso do violão, que possui seis cordas, tem-se uma única fonte
sonora que produz sons simultâneos, o que ocorre quando se toca duas ou
mais cordas ao mesmo tempo. Além disso, o violão produz sons sucessivos
quando uma única corda é usada para fazer solo ou serve para executar um
trecho de uma obra musical. Em contrapartida, uma orquestra possui vários
instrumentos que produzem somente sons sucessivos. Como exemplos, estão
o oboé, o clarinete, a flauta, o trompete e o trombone, porém, quando
executados em conjunto, tem-se sons simultâneos. A execução em conjunto
fez avançar os estudos sobre as possibilidades técnicas de cada instrumento e
a busca de novos resultados musicais pela associação de timbres diferentes
numa mesma composição. Chama-se de instrumentação e orquestração o
estudo dessas questões. Os sons produzidos de maneira simultânea
possibilitaram observar como devem ser encadeados, ou seja, como são
sucedidos uns pelos outros para obter bons resultados musicais, o que
designa o conceito de harmonia;
- estruturas musicais: serão tratados os conceitos de criação, forma e
composição musical. Os sons podem ser organizados e articulados conforme a
variação de suas propriedades. Esse é o trabalho da composição musical. As
estruturas musicais resultantes revelam como o compositor deu forma à sua
idéia musical. Nas sociedades ocidentais, historicamente, algumas foram
consagradas pelo seu uso, tais como a sonata, a sinfonia, o concerto, a
canção, a suíte e outras. O estudo das estruturas musicais possibilita a
organização, por parte do professor, de um laboratório de criação e
composição musical de maneira que o aluno possa conhecer e experimentar
os conceitos musicais trabalhados em sala.
53
É preciso abordar com os alunos o fato de que muitas vezes a mídia – rádio
e TV – é a única forma de acesso a um repertório musical. Cabe ao professor usar
diferentes gêneros, formações e estilos, bem como fazer a crítica do que é
veiculado nos meios de comunicação de massa. Assim, os alunos terão
oportunidade de comparar músicas de seu cotidiano com outras apresentadas
pelo professor.
Espera-se que o aluno faça a distinção das propriedades do som numa mesma
melodia e/ou em melodias de gêneros diferentes, tais como num canto
gregoriano, num canto indígena do norte do Brasil, no fandango do litoral do
Paraná ou numa canção recente veiculada nos meios de comunicação. Dessa
maneira, será estimulado a perceber a música em suas diversas formas de
expressão e criação musical, independentemente de gostos pessoais.
Teatro
Um trabalho em teatro poderá se iniciar com exercícios de relaxamento,
aquecimento e com os elementos formais do teatro: personagem – expressão
vocal, gestual, corporal e facial –, Composição: jogos teatrais, improvisações e
transposição de texto literário para texto dramático, pequenas encenações
construídas pelos alunos e outros exercícios cênicos.
O encaminhamento enfatiza o trabalho artístico; contudo, o professor não
exclui a abordagem do conhecimento em arte como, por exemplo, discutir os
movimentos e períodos artísticos importantes da história do Teatro. Durante as
aulas, torna-se interessante solicitar aos alunos uma análise das diferentes
formas de representação na televisão e no cinema, tais como: plano de imagens,
formas de expressão dos personagens, cenografia e sonoplastia.
Para o trabalho de sentir e perceber, é essencial que os alunos assistam
peças teatrais, de modo a analisá-las, depois, em sala de aula, a partir de
questões como:
- descrição do contexto, nome da peça, autor, direção, local, atores, período
histórico da representação;
- análise da estrutura e organização da peça, tipo de cenário e sonoplastia,
expressões usadas com mais ênfase pelos personagens e outros conteúdos
trabalhados em aula;
54
- análise da peça sob o ponto de vista do aluno, com sua percepção e
sensibilidade em relação à peça assistida.
Cada um dos conteúdos estruturantes devem ser tratados de forma
orgânica, ou seja, mantendo as suas relações:
- elementos formais: personagem, ação e espaço cênico;
- composição: representação, cenografia;
- movimentos e períodos: história do teatro, e
- tempo e espaço: espaço cênico, atos, cenografia, iluminação e música.
O encaminhamento em teatro poderá trabalhar com o aluno o conceito de
teatro como uma forma artística que amplia sua visão de mundo, sob a
perspectiva de que o ato de dramatizar é uma construção social do homem em
seu processo de desenvolvimento.
O teatro na escola promove o relacionamento do homem com o mundo. A
partir disso, surge a necessidade de integrar as partes que compõem esse
sujeito, desenvolver a intuição e a razão, por meio das percepções, sensações,
emoções, elaborações e racionalizações, com o objetivo de propiciar ao aluno
uma melhor maneira de relacionar-se consigo e com o outro.
O trabalho pedagógico com as encenações deve considerar que elas estão
presentes desde os primórdios da humanidade, nos ritos como expressão de
diferentes culturas, nos gêneros (da tragédia, da comédia, do drama, entre
outros), nas correntes estéticas teatrais, nos festejos populares, nos rituais do
nosso cotidiano, na fantasia e nas brincadeiras infantis, sendo as mesmas,
manifestações que pertencem ao universo do conhecimento simbólico do ser
humano.
É fundamental que os saberes específicos do teatro estejam presentes nos
conteúdos específicos da disciplina a fim de contribuir para a formação da
consciência humana e da compreensão de mundo. Esses elementos permitem
que o ensino de Arte, por meio do teatro, extrapole as práticas que restringem o
teatro a apenas uma oportunidade de produção de espetáculos ou como mero
entretenimento.
Para que a presença do teatro na escola seja coerente à concepção de Arte
adotada nessas Diretrizes, busca-se superar a idéia do teatro somente como
atividade espontânea ou de espetáculo comemorativo.
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As montagens voltadas somente a festividades na escola; a mecanização
da expressão dramática, quando os alunos são levados a decorar falas, gestos e
postura no palco; a produção de falas, figurinos, cenas e cenários estereotipados;
o virtuosismo, ou seja, a valorização de alunos que já possuem experiência ou
facilidade de representar, em oposição aos alunos intimidados que participariam
apenas por se sentirem coagidos pelo professor, em busca de nota, são práticas
que pouco contribuem para que o aluno construa saberes em Arte.
O teatro na escola tem o seu valor ampliado não só ao abrir possibilidades
para apresentações de espetáculos montados pelos professores e/ou alunos ou
companhias itinerantes, mas como espaço que viabiliza o pensar simbólico por
meio da dramatização.
Pelo ato de dramatizar individual ou coletivamente, o Teatro oportunizará
aos alunos a análise, a investigação e a composição de personagens, de enredos
e de espaços de cena, permitindo a interação crítica dos conhecimentos
trabalhados com outras realidades socioculturais.
O trabalho com o teatro em sala pode ser iniciado pelo enredo, em cujo
conteúdo estão presentes, por meio de metáforas, as relações humanas,
dramatizadas por atores ou bonecos, em falas e gestos ou mímicas.
Como encaminhamento metodológico, o professor poderá partir de uma
obra da literatura dramática universal, da literatura brasileira ou da literatura oral
(contos, lendas, cantigas populares), uma letra de música, um recorte de jornal,
uma fotografia ou pintura, os quais contêm temas sobre situações relevantes do
ser humano em sua relação consigo e com o outro.
Devem ser consideradas a faixa etária e a realidade dos alunos, para que
possam questionar e reelaborar estas temáticas em peças cênicas. Outra opção é
partir do processo de construção da personagem. Na elaboração do seu perfil
físico e simbólico (figurino, adereço, suas ações, espaço, gestual, entonação),
devem estar presentes a pesquisa, a exploração, a descoberta individual e
coletiva de temáticas e conceitos propostos pelo professor, para que se
estimulem discussões acerca da condição humana em seus aspectos sociais,
culturais e históricos.
Não é aconselhável condicionar o trabalho com teatro na escola à
existência de um teatro com palco e platéia separados por cortinas. É necessário
que os limites do palco sejam extrapolados sempre que possível.
Na escola, as propostas do enredo e das ações das personagens podem
ser valorizadas em espaços alternativos para a cena, afora o anfiteatro e o salão
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nobre. Dessa maneira, locais inusitados como uma escadaria ou uma simples
sala sem qualquer móvel são transformadas em locais que reforçam a intenção
da cena e/ou das personagens. Tais relações dão ênfase a um espaço pensado
como signo: um espaço cênico.
É na pesquisa, na experimentação e no rompimento com padrões estéticos
que se fundamentam as teorias contemporâneas sobre o teatro. Ao serem
vivenciadas na escola, as teorias cumprem, ao mesmo tempo, o objetivo de
educar pelo teatro e para o teatro, no tocante à formação de platéia.
O professor deve trabalhar para que o aluno compreenda e valorize as
obras teatrais como bens culturais. Na escola, as propostas devem ir além do
teatro convencional, que não pode ser entendido somente em seu formato, mas
pelas ideologias de uma época que ele simboliza.
Para o aluno, conhecer outras práticas ligadas às concepções teóricas
contemporâneas de teatro não significa apenas inovação, mas a possibilidade de
ampliar a sua idéia de mundo, na medida em que reconhece elementos da
condição humana da contemporaneidade e os associa à própria vida.
Torna-se interessante que o professor discuta com o aluno aspectos da
história recente do Teatro. Desde a década de 1960, no Brasil, diretores e atores
têm ido além do tradicionalismo e conservadorismo dos grandes espetáculos
voltados a um público de elite seleto. A arte da representação mudou não
somente em sua forma, mas em seus conceitos. Passou a propor ao espectador
uma outra realidade, além daquela que se caracterizava como a reprodução da
realidade. A cena pode ir muito além disso. Com o estreitamento de fronteiras
entre palco e platéia, o diálogo com o espectador se faz de forma mais dinâmica
e aberta. Durante a cena e fora dela, fundem-se elementos de várias linguagens
artísticas e tecnológicas. Com isso, abre-se espaço ao experimental no momento
em que se propõe ao espectador locais alternativos, oportunidade para reflexão,
questionamentos e interação com a cena.
Teatro inclui realidade e fantasia num contato direto com a platéia. Por
esse diferencial, a estética teatral não se compara com a dramatização do
cinema ou das telenovelas. São linguagens distintas que dependem de uma
estrutura tecnológica para acontecer e que podem ter como ponto de análise e
discussão as diversas estéticas, as características de interpretação, os espaços e
os argumentos escolhidos para o desenvolvimento da história.
57
O Teatro na escola possui características diferenciadas ao oferecer
oportunidades que prezem o direito do aluno ao conhecimento a partir dos
conteúdos específicos, metodologias de aprendizagem e avaliação.
Na escola, a dramatização evidenciará mais o processo de aprendizagem
do que a finalização, a montagem de uma peça. É no teatro e em seus gêneros,
propostos como jogo do riso, do sofrimento e do conflito que se vêem refletidas
as maneiras de sentir o mundo por meio de um ser criado (a personagem) num
mundo criado (a cena). Nesses gêneros e nos elementos que os caracterizam,
está presente um conjunto de signos e significantes que são percebidos durante
a cena ou, ainda, nas manifestações cênicas de danças, jogos e brincadeiras,
rituais, folguedos folclóricos como o Maracatu, a Festa do Boi, a Congada, a
Cavalhada, a Folia de Reis, entre outras. Tais manifestações podem ser
apreendidas como conhecimento e experimento cênico que podem contribuir
para integrar e desenvolver o saber estético do aluno, bem como para ampliar
seu modo de pensar e recompor representações de mundo, a partir dos
diferentes meios socioculturais.
Recomenda-se que os seguintes trabalhos sejam propostos aos alunos:
- manifestação das formas de trabalho artístico que os alunos já executam,
para que sistematizem com mais conhecimentos suas próprias produções;
- produção e exposição de trabalhos artísticos, a considerar a formação do
professor e os recursos existentes na escola.
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5 AVALIAÇÃO
A avaliação na disciplina de Arte, proposta nestas Diretrizes Curriculares é
diagnóstica e processual. É diagnóstica por ser a referência do professor para
planejar as aulas e avaliar os alunos; é processual por pertencer a todos os
momentos da prática pedagógica. Inclui a avaliação do professor, da classe,
sobre o desenvolvimento das aulas e a auto-avaliação do aluno.
De acordo com a LDB (n. 9.394/96, art. 24, inciso V) a avaliação é
“contínua e cumulativa do desempenho do aluno, com prevalência dos aspectos
qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre os
de eventuais provas finais”. Na Deliberação 07/99 do Conselho Estadual de
Educação (Capítulo I, art.8.º), a avaliação almeja “o desenvolvimento formativo e
cultural do aluno” e deve “levar em consideração a capacidade individual, o
desempenho do aluno e sua participação nas atividades realizadas.”
De fato, a avaliação requer parâmetros para o redimensionamento das
práticas pedagógicas, pois o professor participa do processo e compartilha a
produção do aluno. Ou seja, a avaliação permite que se saia do lugar comum, dos
gostos pessoais, de modo que se desvincula de uma prática pedagógica
pragmatista, caracterizada pela produção de resultados ou a valorização
somente do espontaneísmo. Ao centrar-se no conhecimento, a avaliação gera
critérios que transcendem os limites do gosto e das afinidades pessoais,
direcionando de forma sistematizada o trabalho pedagógico.
A avaliação em Arte supera o papel de mero instrumento de medição da
apreensão de conteúdos e busca propiciar aprendizagens socialmente
significativas para o aluno. Ao ser processual e não estabelecer parâmetros
comparativos entre os alunos, discute dificuldades e progressos de cada um a
partir da própria produção. Assim, leva-se em conta a sistematização dos
conhecimentos para a compreensão mais efetiva da realidade.
O método de avaliação proposto nestas Diretrizes inclui observação e
registro do processo de aprendizagem, com os avanços e dificuldades percebidos
na apropriação do conhecimento pelos alunos. O professor deve avaliar como o
aluno soluciona os problemas apresentados e como ele se relaciona com os
colegas nas discussões em grupo. Como sujeito desse processo, o aluno também
deve elaborar seus registros de forma sistematizada. As propostas podem ser
socializadas em sala, com oportunidades para o aluno apresentar, refletir e
discutir sua produção e a dos colegas.
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É importante ter em vista que os alunos apresentam uma vivência e
um capital cultural próprio, constituído em outros espaços sociais além da escola,
como a família, grupos, associações, religião e outros. Além disso, têm um
percurso escolar diferenciado de conhecimentos artísticos relativos à Música, às
Artes Visuais, ao Teatro e à Dança.
O professor deve fazer um levantamento das formas artísticas que os
alunos já conhecem e de suas respectivas habilidades, como tocar um
instrumento musical, dançar, desenhar ou representar. Durante o ano letivo, as
tendências e habilidades dos alunos para uma ou mais dimensões da arte
também serão detectadas e reconhecidas pelo professor.
Este diagnóstico é a base para planejar futuras aulas, pois, ainda que
estejam definidos os conteúdos a serem trabalhados, a forma e a profundidade
de sua abordagem dependem do conhecimento que os alunos trazem consigo.
Essa é outra dimensão da avaliação, a zona de desenvolvimento proximal,
conceito elaborado por Lev Semenovich Vigotsky que trabalha a questão da
apropriação do conhecimento. A distância entre o nível de desenvolvimento real,
determinado pela capacidade de resolver um problema sem ajuda, e o nível de
desenvolvimento potencial, determinado pela resolução de um problema sob a
orientação de um adulto ou em colaboração com outro colega é denominado de
zona de desenvolvimento proximal.
Portanto, o conhecimento que o aluno acumula deve ser socializado entre
os colegas e, ao mesmo tempo, constitui-se como referência para o professor
propor abordagens diferenciadas.
A fim de se obter uma avaliação efetiva individual e do grupo, são
necessários vários instrumentos de verificação, como o diagnóstico inicial e o
acompanhamento da aprendizagem no percurso e no final do período letivo, por
meio de trabalhos artísticos, pesquisas e provas teóricas e práticas.
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