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Revista Do V Congresso Internacional De
Direito Do Trabalho E Processo Do
Trabalho De Santa Maria
Saúde e Segurança no Trabalho:
Direito Fundamental do Trabalhador
2014
Santa Maria – RS – Brasil
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Revista Do V Congresso Internacional De Direito Do
Trabalho E Processo Do Trabalho De Santa Maria
Saúde e Segurança no Trabalho:
Direito Fundamental do Trabalhador
2014
Santa Maria – RS – Brasil
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Edição:
José Fernando Schlosser
Alfran Tellechea Martini
Gustavo Oliveira dos Santos
Juan Paulo Barbieri
Divulgação eletrônica
Revista do Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho de Santa
Maria / Foro Trabalhista (org.). – n.3, 2014. – Santa Maria, RS, 2014.
[196 p.]
Anais do V Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho de Santa
Maria. “Saúde e Segurança no Trabalho: Direito Fundamental do Trabalhador”, 06 a 08 de
novembro de 2014 em Santa Maria-RS.
1.Direito do Trabalho. 2. Processo do Trabalho 3. Segurança 4. Saúde. I.Foro Trabalhista.
Título.
CDU 34(81)
349.2(81)
Ficha elaborada por Cristiane Santos CRB 10/1671
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REVISTA DO CONGRESSO INTERNACIONAL DE DIREITO DO
TRABALHO E PROCESSO DO TRABALHO DE SANTA MARIA
2014
COMISSÃO CIENTÍFICA
José Fernando Schlosser
Professor de Mecanização Agrícola da UFSM
Gustavo Fontoura Vieira
Juiz do Trabalho
Deborá Envangelista
Professora de Direito do Trabalho da FAPAS
Paulo Ricardo Inhaquite da Costa
Professor de Direito do Trabalho da UFSM
Marcelo Lugo
Professor de Direito do Trabalho da FAPAS
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APRESENTAÇÃO
Pela quinta vez Santa Maria acolhe uma edição do Congresso Internacional de
Direito do Trabalho e Processo do Trabalho de Santa Maria. Na sua quinta edição, dias
06, 07 e 08 de novembro de 2014 o evento propõe-se a discutir o tema de Saúde e
segurança do trabalho, inserindo-o entre os direitos fundamentais do trabalhador..
O V Congresso que é uma iniciativa do Foro Trabalhista de Santa Maria, com a
promoção e organização dos Cursos de Direito da região: Universidade Federal de Santa
Maria (UFSM), Centro Universitário Franciscano (UNIFRA), Faculdade de Direito de
Santa Maria (FADISMA), Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), Faculdade
Metodista (FAMES), Antonio Meneghetti (AMF) e Faculdade Palotina (FAPAS), da
Associação dos Magistrados do Trabalho da 4ª Região (AMATRA4), da OAB,
Subseção Santa Maria, e do Ministério Público do Trabalho no Rio Grande do Sul.
Desta forma, nesta semana Santa Maria mobiliza-se como o maior polo jurídico do
interior do Rio Grande do Sul e apresenta um Congresso de alto nível, com participação
de palestrantes nacionais e estrangeiros.
A primeira edição deste evento seriado foi o I Seminário Estadual de Direito
Laboral e Processual Trabalhista que foi realizado nas dependências da UFSM, nos dias
1º e 2 de dezembro de 2000. A segunda edição foi o II Seminário de Direito e Processo
do Trabalho de Santa Maria que ocorreu de 6 a 9 de novembro de 2002. Na terceira
edição que internacionalizou o evento foi o III Congresso Internacional de Direito do
Trabalho e Processo do trabalho de Santa Maria – Direitos Humanos do Trabalhador:
Efetividade em Tempos de Globalização foi realizado nos dias 4 a 6 de novembro de
2004. Na quarta edição realizada em 2007 também se editou a Revista do Congresso
Internacional de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho de Santa Maria que se
consolidou como meio de divulgação científica.
Em quatro das cinco edições, o evento realiza-se no Auditório da UNIFRA e
conta com uma extensa comissão organizadora, formada por representantes de todas as
instituições participantes, coordenados pelo Juiz do Trabalho Gustavo Fontoura Vieira.
Além de uma programação de alto nível, centrada em discutir a Saúde e
Segurança no Trabalho: Direito fundamental do trabalhador, o V Congresso apresenta
uma conferência de abertura a cargo do Ministro do TST Cláudio Brandão e quatro
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painéis com especialistas e uma conferência de encerramento a cargo do professor
espanhol Jorge Torrents Margalef da Universidade Complutense de Madrid, Espanha.
Também nesta edição se oferece aos participantes a Revista do Congresso, desta
vez em meio digital, com quatro textos de palestrantes e onze artigos apresentados por
participantes e selecionados pela Comissão Científica do evento.
Esperamos que todos os participantes possam aproveitar o material apresentado
durante o evento e nesta revista e agradecemos a acolhida dos mais de quatrocentos
participantes inscritos nesta edição.
Santa Maria (RS), novembro de 2014.
Comissão organizadora
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PRONUNCIAMENTO DE ABERTURA DO V CONGRESSO DE
DIREITO DO TRABALHO E PROCESSO DO TRABALHO DE
SANTA MARIA
Quero saudar a eminente reitora da UNIFRA, Irmã Irani Rupulo, nossa anfitriã,
na pessoa de quem saúdo a todas as autoridades que estão à mesa e aquelas nominadas
no protocolo.
Caros Juízes, Advogados, professores, servidores da Justiça do Trabalho,
peritos, empresários, sindicalistas, trabalhadores da área de saúde e segurança do
trabalho, estimados acadêmicos das Universidades locais, vocês são a razão principal da
existência deste Congresso.
Senhoras e Senhores, Santa Maria, cidade coração do Rio do Grande do Sul,
realiza hoje a 5ª edição do nosso Congresso Internacional de Direito do Trabalho e
Processo do Trabalho. Com grande satisfação, retornamos sempre a esta tradicional,
acolhedora e eficiente CASA do SABER que é o Centro Universitário Franciscano.
Nosso Congresso nasceu da iniciativa da Justiça do Trabalho de promover ainda
mais o Direito do Trabalho nas Universidades locais. Assim fizemos o I Seminário em
2000, realizado na UFSM.
Com o apoio de valorosos sonhadores, promovemos por intermédio do Direito
do Trabalho a integração entre as Universidades, entre os cursos de Direito. A Segunda
edição em 2002, a terceira em 2004 e a IV em 2007, todas foram realizadas com grande
êxito neste auditório.
Portanto, a força motriz deste evento é a UNIÃO, é a integração, é o
congraçamento entre as universidades locais, seus sete cursos de Direito, inúmeros
professores e seus milhares de alunos. Santa Maria tem hoje mais de 50 mil
universitários, que fazem a fisionomia alegre e promissora desta cidade.
Estimados Congressistas, Vivemos num cenário mundial de grandes
contradições. Vivemos na sociedade em rede, de comunicação instantânea global, de
avanços inacreditáveis na medicina, de inovações tecnológicas ao alcance das mãos do
mais importante executivo ao mais simples operário.
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O processo judicial já está virtualizado, não há mais papel, juiz, partes e
advogados se comunicam “on line”. Em contraposição, convivemos num mundo do
trabalho que ainda destaca práticas do século XVII, da idade média, de mais de 300
anos. Doenças e acidentes do trabalho continuam desafiando a nossa inteligência, tão
voltada para avanços tecnológicos de consumo.
Ontem, dia 05 de novembro, completaram-se 300 anos de morte do Pai da
Medicina do Trabalho, o médico italiano Bernardino Ramazzini. Destacamos esse fato
neste Congresso, pelo seu caráter extraordinário, para revelar a atualidade dos estudos
de Ramazzini. Em seu livro AS DOENÇAS DOS TRABALHADORES EDITADO EM
1700, traduzido para o português em edição da FUNDACENTRO, revela inúmeras
doenças que 300 anos depois ainda são contumazes como as Lesões por esforços
repetitivos, doenças do sistema respiratório, por excesso de peso, por excesso de jornada
de trabalho, etc.
Certamente Ramazzini ficaria estupefato num mundo em que a vida já está
correndo paralelamente no plano virtual, mas há trabalhadores no mundo físico que
ainda não tem Carteira de Trabalho anotada, sem extintores de incêndio nos locais de
trabalho, sem máscaras, sem capacetes, sem luvas, sem cinto de segurança para
trabalho em altura...
Esse cenário do mundo real está revelado nas graves estatísticas de acidentes e
doenças do trabalho no mundo:
o A cada 15 segundos, um trabalhador morre de acidentes ou doenças
relacionadas com o trabalho.
o A cada 15 segundos, 115 trabalhadores sofrem um acidente laboral.
Em Santa Maria, dados coletados pela Previdência Social indicam que morreram
em acidentes do trabalho 10 trabalhadores nos anos 2010 a 2012. No mesmo período,
no RS, 2010 a 2012, morreram 489 trabalhadores. Por isso, diante dessa triste realidade,
chamamos a atenção da sociedade, mas muito especialmente dos meios de
comunicação, que tem um papel importantíssimo na campanha que é de todos pela
redução dos vergonhosos índices de acidentes do trabalho no Brasil.
A cultura da prevenção é a solução definitiva. Solução em nível global, solução
aqui na aldeia. No XX Congresso Mundial sobre Segurança e Saúde no Trabalho
(agosto/2014) a OIT preconiza a CULTURA DA PREVENÇÃO.
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Um mundo em que as pessoas trabalhem de forma segura e saudável,
protegidas contra acidentes de trabalho graves ou fatais.
Para conseguir isso, precisamos colocar o ser humano à frente da figura do
trabalhador. No momento em que adentra o local de labor o empregado não se
desveste da sua condição de ser humano. Para fortalecer essa estratégia de implantação
da cultura de prevenção em nível global e local, esta edição do Congresso, portanto, tem
algumas proposições que desde já torna públicas:
No âmbito global:
- defender a aplicação das Convenções e Recomendações da OIT sobre adoção
do Trabalho Digno, do Trabalho Decente, afirmado na cultura da saúde e da
segurança no ambiente de trabalho.
No âmbito local:
- aplicação e cumprimento por todos os atores sociais do Plano Nacional de
Saúde e Segurança do Trabalho;
- criação do Fórum Municipal de Segurança e Saúde do Trabalho;
- rejeição da lógica do improviso no ambiente do trabalho;
- rejeição do afrouxamento ético, do jeitinho, da lei da vantagem indevida, nas
relações de trabalho;
- recomendar nos temas transversais dos currículos escolares noções básicas
sobre a cultura da prevenção, trabalho seguro e saudável;
Por fim, vale frisar em definitivo:
A proteção à saúde e à segurança no ambiente de trabalho é direito humano!
É responsabilidade de todos nós, da sociedade em geral, defender e tornar efetivo esse
direito.
Em nome da Comissão Organizadora, sejam todos muito bem-vindos!
Tenhamos um excelente e proveitoso Congresso!
Santa Maria, 06 de novembro de 2014.
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TRABALHOS APRESENTADOS PELOS
PALESTRANTES
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QUANTIFICAÇÃO DA REPARAÇÃO POR DANO MORAL
Reginald Felker1
Depois das disposições constitucionais estabelecidas no artigo 5º, V e X e a
redação do artigo 186 do vigente Código Civil, nenhuma dúvida restou sobre a
procedência de uma reparação ao dano moral sofrido pelo cidadão ou pessoa jurídica no
Brasil, o que se constituiu num avanço do ordenamento jurídico nacional.
A partir das disposições constitucionais e da legislação civil vigentes,
começaram a surgir na imprensa falada e escrita, grande número de manifestações sobre
a “indústria das ações de dano moral” e a exorbitância de condenações. É interessante
observar que poucas vozes se levantaram contra condenações vis, destinadas a
ofendidos, especialmente na Justiça do Trabalho, onde encontramos acórdão que
reconhece que a ex-empregada foi duramente ofendida pelo ex-patrão, chamando-a de
“prostituta”, “ladra” “incompetente”, “irresponsável”, “não mais virgem”, atribuindo-
lhe uma reparação por danos morais em R$ 189.50. Inexiste a pretendida “indústria de
ações de danos morais”, pois se indústria existisse o Judiciário seria co-partícipe do
estranho procedimento, e co-autor do produto industrializado final, pois de sua lavra
resultaram as condenações. O que existe é estarmos frente a duas vertentes que dão
origem ao grande número de reclamações frente à Justiça: a primeira é a origem
histórica patriarcal da família e do empresariado nacional; no primeiro caso ainda
saudosos da supremacia machista no seio familiar, onde a arbitrariedade e o desrespeito
aos entes de sua constelação era considerado normal, pois estes lhe deviam respeito e
obediência, sem reclamação; no segundo caso a herança atávica dos empregadores, das
condições de trabalho na escravatura, onde o escravo, prestador de serviço, era
submetido à toda sorte de humilhações, maus tratos, ofensas físicas e verbais. A
segunda vertente é a instituição das regras socioeconômicas impostas pelo
neoliberalismo, onde o lucro é uma das divindades supremas, obrigando os
trabalhadores a jornadas excessivas, precárias condições de higiene e segurança, face a
competição desenfreada onde elementares regras de respeito, de ética e de convivência
são desprezadas. Diante deste cenário, desse caldo de cultura, não pode ser estranhável
que tantos procurem na Justiça uma resposta para seus sofrimentos e um freio ao
desrespeito à sua personalidade. Se decisões judiciais podem ser vis ou exorbitantes,
1 Advogado
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isso faz parte de qualquer processo judicial, na dependência da correção do pedido, das
provas produzidas e das condições subjetivas do julgador. Normalmente decisões
aberrantes podem ser corrigidas através de recurso, bastando que, desde a primeira
instância os advogados tenham o cuidado em fornecer elementos suficientes ao processo
para garantir uma reapreciação do feito por instância superior. Há de valer para o
julgamento dos processos por dano moral o princípio da razoabilidade. Ao juiz é
atribuído um poder discricionário, mas não arbitrário.
Estabelecido ficou que a quantificação dessa reparação (que não se trata de
indenização, ainda que o termo passou a ser normalmente utilizado), não foi tarifada
cabendo ao Juiz ou Tribunal, aquilatar equitativamente, considerando cada caso e suas
circunstâncias. Devido a algumas condenações, especialmente atingindo a rede
bancária, o sistema de telecomunicações e as grandes corporações multinacionais,
começaram a surgir uma onda de argumentos e protestos pela ausência de uma tarifação
das condenações, o que naturalmente lhes seria mais conveniente, utilizando toda sorte
de recursos em termos de comunicação falada e escrita.
Surgiram, assim, no âmbito do Congresso diversos projetos-de lei, pretendo
estabelecer tarifação para as condenações para ressarcimento de dano moral, sempre
pretendendo limitar condenações mais expressivas, que atingem especialmente o
sistema bancário, o sistema de tele-comunicações e as grandes corporações nacionais e
multinacionais. Vejamos os principias projetos apresentados:
PROJETO DE LEI 150/1999 - DO SENADO.
Inicialmente previa a seguinte tarifação: reparação para o dano moral de nível
leve, até R$ 5.200,00; para a de nível médio, até R$ 40.000,00; para a de nível grave,
até R$ 100.000,00. Este projeto foi arquivado em 28 de fevereiro de 2007.
PROJETO DE LEI 7.124/2002 – SENADOR ANTÔNIO CARLOS VALADARES.
Através de substitutivo, ao projeto anterior os valores foram alterados: nível
leve, até R$ 20.000,00; nível médio, até R$ 90.000,00 e para o nível grave, até R$
180.000,00. Este projeto contém aspectos inaceitáveis, como por exemplo: a) não traz
nenhuma referência ao dano moral coletivo; b) reparações prefixadas em moeda
corrente estarão desatualizadas em futuro próximo; c) a distinção pretendida entre dano
leve, médio e grave continuarão a ser considerada por critério puramente subjetivo do
juiz; d) estabelece a reparação pelo dano moral em função do sofrimento causado ao
ofendido, critério esse, do “Schmertzengeld”, abandonado há muito; e) os valores
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pretendidos não estão à altura da natureza da reparação, em muitos casos concretos,
visando também o caráter pedagógico punitivo, endereçado ao ofensor; f) fixa o prazo
prescricional em seis (6) meses; g) não há fundamento válido para que o projeto afaste,
como faz expressamente, das considerações do dano moral as disposições dos então
artigos 159 e 1.518 do Código Civil, hoje artigos 186 e 942 do Código vigente. A este
projeto foram apensados diversos outros, assim:
PROJETO DE LEI 1.914/2003 – DO DEPUTADO MARCUS VICENTE.
Pretendeu o autor uma modificação ao artigo 953 do Código Civil nos seguintes
termos: § 2º - Na fixação da indenização por danos morais, o juiz, a fim de evitar o
enriquecimento indevido do demandante, levará em consideração a atuação econômica
do ofensor, a intensidade do ânimo de ofender, a gravidade e repercussão da ofensa, a
posição social e política do ofendido, bem como o sofrimento por ele experimentado.
Com a devida venia, o proponente choveu no molhado. A reparação tem sido
considerada pelo julgador, exatamente com os critérios propostos, independente de lei
expressa. O projeto não acrescentou nada ao existente, além de ainda exigir avaliação
do sofrimento imposto ao ofendido.
PROJETO DE LEI 1.443/2003 - DO DEPUTADO PASTOR REINALDO.
A reparação estará limitada até duas vezes e meia os rendimentos do ofensor,
desde que não exceda em dez vezes o valor dos rendimentos mensais do ofendido, que
será considerado o limite máximo. A prescrição seria de um ano a contar do
conhecimento pelo ofendido.
Veja-se que um ofendido que ganha salário mínimo não teria condições de
receber reparação que chegasse a oito mil reais. Realmente uma solução de inspiração
divina teve o preclaro Pastor, para livrar as grandes empresas de satisfazer reparações
maiores. Pois ainda acrescentou no seu projeto que o ressarcimento pelo dano moral não
poderia exceder a dez vezes o valor apurado pelo dano material.
PROJETO 334/08 - DO SENADOR VALTER PEREIRA.
Este projeto também visou tarifar o ressarcimento por dano moral. Fixou os
seguintes valores: para lesão corporal R$ 4.150,00 até R$ 124.500,00; para ofensas à
honra: a) abalo de crédito R$ 8.300,00 até R$ 83.000,00, b) outras espécies R$ 8.300,00
até R$ 124.500,00; para morte R$ 41.000,00 até 249.000,0; para ofensa a liberdade R$
8.300,00; para descumprimento de contrato R$ 4.150,00 até R$ 83.000,00.
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Interessante registrar que, em caso de morte, seria levado em conta a idade do
morto, o que vale concluir que o falecimento de uma pessoa idosa poderia ser ressarcida
em apenas R$ 41.000,00 e, ainda, que em caso de condenação pela Fazenda Pública
haveria uma redução de 20% sobre a condenação. Pela tabela tarifada proposta torna-se
muito mais econômico para um dos grandes bancos nacionais, arcar com um
ressarcimento, ainda que em grau mais alto, para um servidor acometido de LER do que
adotar medidas de correção na jornada laboral, higiene e segurança no local de trabalho.
A respeito, escreveu NESTOR JOSÉ FORSTER: “ O baixo preço da sanção funciona
ao contrário: ao invés de desestimular a conduta negativa, até a incentivam,
porque os causadores de danos morais poderão calcular que, diante do universo
relativamente pequeno dos que reclamam, é melhor continuar na política errada e
pagar o custo dela a quem, se queixa, do que coibir tal política e, assim, ‘onerar’ a
empresa generalizadamente. Em outras palavras, transgredir a lei pode ser mais
barato do que cumpri-la.”
O PROJETO DE LEI 114/08 - DO DEPUTADO LOBÃO FILHO.
Na exposição de motivos registra que seu projeto visa frear a crescente indústria
dos danos morais. O projeto tem o seguinte teor: O artigo 944 do Código Civil passa a
ter a seguinte redação:
“Artigo 1º O juiz ao estabelecer a indenização por dano moral atenderá aos
seguintes critérios: I - Extensão e gravidade do dano; II – Gravidade e repercussão da
ofensa; III – Sofrimento experimentado pelo ofendido; IV – Condição econômica do
ofensor; V – Se o valor pleiteado se ajusta a situação posta em julgado. § 1º - Fica
vedada qualquer indenização superior ao valor de R$ 20,000,00 (vinte mil reais) § 2º -
O juiz se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano poderá
reduzir equitativamente a indenização.
Este projeto se constituiu num atentado à consciência jurídica nacional.
PROJETO 7.329/2.010 - DO DEPUTADO RATINHO JUNIOR.
Pelo seu projeto a condenação máxima por dano moral seria equivalente a 6
(seis) vezes o dano material, sendo que o valor não poderia ser superior ao rendimento
anual do ofensor e a 2 (dois) anos do ofendido. Vale dizer que, se o ofendido estiver há
dois anos desempregado, sem rendimento, não terá direito a ser ressarcido por dano
moral. O projeto dispensa comentário.
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PROJETO DE LEI 523/2.011 - DO DEPUTADO WALTER TOSTA.
Este projeto visa estabelecer tarifas para o ressarcimento do dano moral, contem,
porém pecados mortais que levariam naturalmente a sua reprovação, entretanto, do
Congresso tudo se pode esperar, especialmente em projetos que beneficiam as grandes
corporações. Inicialmente o projeto registra que a tarifação deve partir de um parâmetro,
que para ele seria a média aritmética entre o potencial econômico comprovado das
partes envolvidas. Esquece, porém de especificar o que entende pelo mencionado
“potencial econômico das partes”. Em função desse parâmetro estabelece as tarifas
propostas: para o dano leve até R$ 10.000,00; para o dano médio até R$ 40.000,00; e
para o dano grave até R$ 100.000,00. O que corresponderia a uma variação entre 10 e
500 salários mínimos. O projeto elenca 24 (vinte e quatro) hipóteses de configuração de
dano moral, misturando dano moral com dano material, só não estabelecendo uma
espécie de numerus clausus para configuração de um dano moral porque na última
hipótese enumerou “qualquer ato ilícito ainda que não gere dano específico”, com o que
abriu hipóteses que iriam dos 25 ao infinito. O projeto não contempla especificamente e
nem poderia, todas as hipóteses possíveis. Assim, nas relações expostas, não há
referência ao dano existencial, ao dano coletivo contra o meio ambiente, o dano coletivo
de redução de trabalhadores à condição de escravos, o dano moral pela promessa de
emprego formalizada e descumprida, entre outras.
Já a prescrição é estabelecida em 6 (seis) meses a contar o conhecimento do fato
pelo ofendido. O projeto recebeu três emendas do deputado Vilson Covatti, duas
propondo a exclusão de ”entes políticos”, no artigo 1º e 3º e outra resguardado a
responsabilidade do preposto da Administração Pública, no artigo 6º. Este projeto já
passou pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, obtendo parecer favorável à
sua aprovação. Sua transformação em lei representará, sem dúvida, um enorme
retrocesso no sistema jurídico nacional.
A quantificação do ressarcimento por dano moral pode, realmente, oferecer
algumas dificuldades, mas o sistema adotado no Brasil ainda é o mais consentâneo com
a busca de uma verdadeira JUSTIÇA.
Afiguram-se sem razão os protestos contra alegadas condenações exorbitantes
pelos Tribunais. Oportuno trazer à colação manifestação do eminente desembargador
RAMON G. VON BERG, que com brilho integrou o Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul, quando registrou: “Em todos os casos em que tenho votado, em
matéria de dano moral, sempre que faço uma reflexão chego à conclusão de que o
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valor foi muito pouco. No caso de A. T. hoje posso tranquilamente afirmar que foi
pouco, muito pouco. Não há como dizer que quinhentos salários mínimos vão
reparar a dor moral sofrida pela perda de um ente querido. Nos outros casos,
sempre que decidimos, cheguei à conclusão de que nós fomos muito
condescendentes, estabelecemos quantias verdadeiramente irrisórias. Porém esta
questão do dano moral é relativamente recente. Se isso fosse há dez anos atrás,
talvez se fosse votar como referido da tribuna, ou como fez, numa ocasião, o nosso
colega J. D. G. l, estabelecendo quinze salários mínimos de indenização por dano
moral, num caso de homicídio. Então evidente que está havendo um crescimento
na maneira de pensar, uma evolução do pensamento a respeito da indenização por
dano moral.”
As variantes e os contornos fáticos que revestem cada caso, considerando o
ofendido, o ofensor, a natureza da ofensa, o objetivo de compensar, punir e prevenir a
reincidência, são de tal forma numerosos, que se torna impossível determinar,
previamente, pisos e tetos para o quantum a ser fixado, sendo de se considerar que a
Constituição não se preocupou com esta quantificação. O critério vigente em nosso
País, sem dúvida, é o que melhor atende às finalidades da reparação pretendida.
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TERCEIRIZAÇÃO E OS LIMITES DA RELAÇÃO DE EMPREGO:
TRABALHADORES MAIS PRÓXIMOS DA ESCRAVIDÃO E
MORTE
Vitor Araújo Filgueiras1
Este artigo analisa a relação entre a terceirização e os dois limites da relação de
emprego: a dignidade e a própria vida dos trabalhadores.
Esses limites são os extremos que a exploração do trabalho pelo capital não pode
transcender, sob pena de extinção da relação de emprego estabelecida.
O desrespeito à dignidade das pessoas que vivem do trabalho tem como limite no
Brasil o trabalho análogo ao escravo, crime previsto no artigo 149 do Código Penal que,
se praticado pelo empregador, extingue o contrato de emprego firmado.
A vida é o limite físico da extração da riqueza social produzida pelo dispêndio de
energia do corpo e da mente dos trabalhadores.
O principal argumento defendido neste texto, com base em uma série de
indicadores, é que existe forte relação entre a terceirização e a ocorrência de trabalho
análogo ao escravo e acidentes de trabalho fatais no Brasil.
Isso porque, enquanto o trabalho análogo ao escravo e a vida dos trabalhadores
constituem limites da relação de emprego, a terceirização é uma estratégia de gestão do
trabalho que objetiva justamente driblar limites impostos ao assalariamento (sejam eles
advindos dos sindicatos, do direito do trabalho, etc.). É essa relação que explica a ampla
prevalência de trabalhadores terceirizados entre aqueles que morrem trabalhando e que
são submetidos a condições análogas à de escravos.
No que concerne ao trabalho análogo ao escravo, este artigo se baseia no universo
dos relatórios de ações do Ministério do Trabalho. Trata-se da totalidade dos resgates
ocorridos no país em 2010, 2011, 2012 e 2013.
Para análise dos acidentes, foram utilizadas todas as Comunicações de Acidentes
de Trabalho (CAT) emitidas no Brasil em 2013, informações do INSS, dados dos
1 Doutor em Ciências Sociais (UFBA), pós-doutorando em Economia (UNICAMP), Pesquisador de
Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (CESIT) da UNICAMP, auditor fiscal do
Ministério do Trabalho, integrante do grupo de pesquisa “Indicadores de Regulação do Emprego”, sendo
o presente texto desenvolvido no curso das atividades do grupo
(http://indicadoresderegulacaodoemprego.blogspot.com.br). Agradeço aos colegas Marco Rocha, Gentil
Santana e Cézar Araújo, pelas informações compartilhadas.
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empregos formais do IBGE (referentes ao final de 2013), baseados na RAIS, além de
relatórios da Fiscalização do Trabalho referentes a acidentes fatais ocorridos em 2013.
TERCEIRIZAÇÃO E TRABALHO ANÁLOGO AO ESCRAVO
Frequentemente são verificadas no assalariamento condições de trabalho
semelhantes às de outras relações de produção pretéritas, especificamente, idênticas, quando
não piores, àquelas praticadas na escravidão vigente no Brasil até o século XIX. A
recorrência de trabalhadores assalariados dormindo em chiqueiros, alojados sobre fezes
de frangos, recebendo água contaminada e alimentos em putrefação, ou mesmo em
condição famélica, indica que a supressão de requisitos mínimos de dignidade dos
trabalhadores é uma potencialidade do assalariamento sob a égide do capital.
No caso brasileiro, dadas as especificidades do seu capitalismo retardatário e de
tradição autoritária, com reduzidos limites exógenos às suas pulsões, são acentuadas as
possibilidades de situações de exploração extrema do trabalho.
O trabalho análogo ao escravo é um conceito jurídico, previsto no artigo 149 do
Código Penal, que prevê limites externos à compulsão pela reprodução da riqueza
abstrata pelo capital (que não obedece nenhum limite inerente) no tratamento
dispensado à força de trabalho no Brasil (FILGUEIRAS, 2013).
No âmbito do assalariamento, a terceirização (qualquer que seja a modalidade)
tende a promover o trabalho análogo ao escravo mais do que uma gestão do trabalho
cujo contrato expressamente se estabelece com o tomador de serviços. Essas afirmações
podem ser avaliadas a partir do universo dos resgates de trabalhadores em condições
análogas à de escravos efetuados pela fiscalização do Ministério do Trabalho. A
terceirização está estritamente vinculada às piores condições de trabalho (degradantes,
exaustivas, humilhantes, etc.) apuradas em todo o país.
A tabela a seguir apresenta alguns dados a partir dos 10 maiores resgates entre
todos os flagrantes ocorridos no país em cada um dos últimos quatro anos.
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Tabela 1: Trabalhadores em condição análoga à de escravos no Brasil.
(informações concernentes aos dez maiores resgates em cada ano)
Ano Dos 10 casos, quantos
envolveram
terceirizados?
Terceirizados
resgatados
Contratados
diretos resgatados
TOTAL
de
resgatados
2010 9 891 47 938
2011 9 554 368 922
2012 10 947 0 947
2013 8 606 140 746
TOTAL 36 2998 555 3553
Fonte: DETRAE (Departamento de Erradicação do Trabalho Escravo), elaboração própria.
A prevalência dos trabalhadores terceirizados é sintomática. Na média, nos
quatro últimos anos abrangidos, em 90% dos 10 maiores resgates os trabalhadores
submetidos a condições análogas às de escravos eram terceirizados.
Note-se que esses dados não discriminam setor da economia, porte das empresas
ou regiões do país. Poder-se-ia alegar que seriam terceirizações espúrias, constituídas
por empresas informais, ou pessoas físicas, como “gatos”. Ou seja, não estaríamos
tratando da “verdadeira” terceirização, mas apenas da “má”.
Para analisar a procedência dessa eventual alegação, vejamos os dados
concernentes aos resgates nos quais os trabalhadores eram formalizados, casos típicos
da presumida “verdadeira” terceirização. Entre os resgates ocorridos em 2013, nos 8
maiores casos em que a totalidade dos trabalhadores era formal, todos eles eram
terceirizados formalizados por figuras interpostas. Já no grupo de resgates com parte
dos trabalhadores com vínculo formalizado, das 10 maiores ações, em 9 os
trabalhadores resgatados eram terceirizados.
Entre esses resgates com terceirizados formalizados figuravam desde médias
empresas desconhecidas, até gigantes da mineração e da construção civil, do setor de
produção de suco de laranja, fast food, frigorífico, multinacional produtora de
fertilizantes, obras de empresas vinculadas a programas do governo federal.
No caso do frigorífico, em 2013, os trabalhadores terceirizados com vínculo
formal foram resgatados laborando na “apanha” de frango para encaixotamento e
empilhamento das caixas nos caminhões. Eles guardavam a alimentação que levavam de
23
casa dentro dos próprios aviários sem nenhuma refrigeração, estocadas por mais de 10 horas
em ambiente com aves mortas e fezes (“cama de frango”). Era nesse mesmo local que
realizavam as refeições, sem que sequer houvesse meio para aquecimento da comida. Não
havia instalações sanitárias. O recipiente com água para consumo, feito por meio de copo
coletivo, também ficava sobre a cama do frango. Quando chovia, os empregados eram
obrigados a trabalhar apenas de cueca na chuva por falta de capas, pois precisariam
continuar com as roupas molhadas até o final da jornada, caso trabalhassem com elas. Os
produtos usados na higienização das caixas produziam assaduras no corpo por meio do
contato com a roupa. Além das condições grotescas do ambiente, a Fiscalização do
Trabalho detectou uma gestão quase inacreditável do tempo de trabalho, que obrigava os
empregados a trabalhar entre 14 e 16 horas diariamente (das 23:30 às 15:30 do dia
seguinte), com 15 minutos de intervalo para refeição (SRTE BA, 2013).
O setor que mais tem se destacado em número de flagrantes de trabalhadores em
situação análoga à de escravos nos últimos anos, a construção civil, confirma essa
incidência de trabalho terceirizado nos resgates. Dos 22 flagrantes ocorridos em
construções em 2011 e 2012, 19 ocorreram com terceirização, incluindo desde pequenas
empresas até gigantes do setor.
Em caso ocorrido na Bahia, em 2013, em grande obra de conjunto residencial,
foram resgatados trabalhadores terceirizados formalizados, nas seguintes condições:
Os trabalhadores, ludibriados, haviam pagado do
próprio bolso o descolamento para Camaçari/BA desde
a cidade de Acajutiba/BA, sem ressarcimento pela
empresa. Não bastasse, os referidos empregados foram
comunicados da dispensa no dia 10 de junho, e tiveram
o direito de ir e vir diretamente violado porque queriam
voltar à sua cidade natal, mas não tinham dinheiro.
Alguns deles também tinham a carteira de trabalho
retida, recrudescendo a violação do seu direito de livre
deslocamento. Os empregados estavam sem água
filtrada para beber e dinheiro para se alimentar, a
comida tinha sido cortada, e eles literalmente estavam
passando fome quando foram ao Ministério do Trabalho
pedir socorro. Ademais, eles foram comunicados que
seriam despejados da pousada onde estavam alojados,
por falta de pagamento.
24
Inúmeros casos como esse poderiam ser citados, cujo denominador comum é a
concorrência direta dos tomadores de serviços (por determinação direta ou omissão
deliberada) para as situações degradantes, humilhantes, impostas aos trabalhadores, mas
cuja responsabilidade o contratante busca invariavelmente transferir ao terceiro.
Em suma, há fortes indícios de que terceirização e trabalho análogo ao escravo
não simplesmente caminham lado a lado, mas estão intimamente relacionados. E isso
ocorre pelas seguintes razões:
1- A contratação de trabalhadores terceirizados normalmente resulta em menor
propensão à insubordinação, vinculada à flexibilidade de dispensa. Além disso, por
conta da condição mais precária, os trabalhadores terceirizados tendem a se esforçar
mais, tanto para manter o emprego, quanto para atenuar sua inserção adversa 2 . A
existência de uma figura interposta entre trabalhador e tomador de serviços também
propicia aprofundamento da subsunção do primeiro ao capital, pois o trabalhador muitas
vezes sequer percebe sua participação no processo produtivo que integra.
2- As empresas buscam transferir (afastar) a incidência da regulação exógena
(Estado e sindicato) do seu processo de acumulação, externalizando ao ente interposto o
encargo de ser objeto de qualquer regulação limitadora.
Assim, a adoção da terceirização pelas empresas potencializa a capacidade de
exploração do trabalho e reduz a probabilidade de atuação dos agentes que poderiam
impor limites a esse processo. É exatamente nessa combinação de fatores que reside a
relação entre terceirização e trabalho análogo ao escravo3.
Ao incrementar a supremacia empresarial sobre o trabalhador, e diminuir as
chances de atuação de forças que limitam esse desequilíbrio, a gestão do trabalho por
meio da terceirização engendra tendência muito maior a ultrapassar as condições de
exploração consideradas como limites à relação de emprego no quadro jurídico
brasileiro.
TERCEIRIZAÇÃO E ACIDENTE FATAIS
A relação da terceirização com o trabalho análogo ao escravo é semelhante ao
que acontece com os acidentes de trabalho.
2 Inclusive deliberadamente, como apurado até por confissão de empregador (ver, Filgueiras e Andrade
Neto, 2011). 3 Mais detalhes sobre a relação entre trabalho análogo ao escravo e terceirização, ver: FILGUEIRAS, V.
Terceirização e trabalho análogo ao escravo: coincidência? 2014. Disponível em:
http://indicadoresderegulacaodoemprego.blogspot.com.br/2014/06/terceirizacaoe-trabalho-analogo-
ao.html
25
Com relação aos infortúnios, ao externalizar riscos e responsabilidades, são
potencializados os fatores acidentogênicos e inibidos os mecanismos de limitação do
despotismo patronal. Se a terceirização promove maior tendência à transgressão do
limite jurídico à relação de emprego (o trabalho análogo ao escravo), também engendra
maior propensão a desrespeitar os limites físicos dos trabalhadores.
A gestão da saúde e segurança do trabalho pelas empresas brasileiras, de forma
geral, é predatória, mesmo quando trata de trabalhadores diretamente contratados.
Diversos indicadores sustentam essa afirmação, sejam eles relativos a acidentes típicos,
doenças ocupacionais, omissão dos agravos, descumprimento das normas, resistência e
luta contra qualquer regulação que reduza os infortúnios e mortes4.
Todavia, com a terceirização, o cenário se agrava substancialmente. A incidência
de adoecimentos e mortes entre os terceirizados é maior do que aquela que atinge os
trabalhadores diretamente contratados, seja comparando setores diferentes, seja
cotejando funções num mesmo setor, e mesmo quando são analisadas as mesmas
funções, os mesmos postos de trabalho, que potencialmente deveriam engendrar os
mesmos riscos.
O setor de call center ilustra bem essa dinâmica perversa. As empresas
enquadradas na Classificação Nacional de Atividades Econômica (CNAE) como
teleatendimento congregam pessoas jurídicas eminentemente ligadas à terceirização.
Pois nessas empresas a incidência de adoecimento é superior à verificada no conjunto
do mercado de trabalho, e maior do que nas empresas que contratam os trabalhadores
por seu intermédio. A proporção de ocultamento dos agravos é maior do que nas
tomadoras dos serviços e a quantidade de operadores de teleatendimento nas empresas
de call center lesionados é muito superior do que o número de operadores diretamente
contratados pelas tomadoras que adoece. Ou seja, mesmo o cotejamento direto das
mesmas funções indica o maior adoecimento dos terceirizados (FILGUEIRAS,
DUTRA, 2014).
Isso não se restringe às atividades de teleatendimento, nem à gravidade dos
acidentes que vitimam os trabalhadores. A própria vida dos terceirizados é mais ceifada
nas atividades laborais. Nos últimos anos têm sido divulgadas pesquisas conclusivas
4 Sobre equipamentos e máquinas ver Filgueiras (2012), Filgueiras (2014), e sobre ocultamento e
adoecimento ver, Filgueiras e Dutra (2014A).
26
sobre a maior frequência e incidência dos terceirizados entre as vítimas de acidentes
fatais nos setores elétrico e petroleiro5.
Em 2013, outros setores corroboram a vinculação entre acidentes e terceirização,
como aponta a comparação da incidência de mortes registradas por setores e subsetores
frente à incidência de mortes do conjunto da economia.
Para isso, utilizamos como base de dados todas as Comunicações de Acidentes
de Trabalho (CAT) emitidas pelos empregadores no Brasil em 2013, e comparamos
com os dados dos empregados formais do final de 2012 do IBGE. O denominador
comum dessas informações é o CNAE informado nessas bases6.
Selecionamos inicialmente o grande CNAE da Construção, setor para a qual há
maior quantidade absoluta de CAT de acidentes fatais. Dos 2660 infortúnios registrados
no Brasil, 471 são de CNAE da construção com 10 ou mais acidentes fatais.
A Construção congrega vários CNAES específicos, que no mundo real se
misturam ou se complementam e, comumente, realizam as mesmas tarefas, atuam nas
mesmas obras 7 . Um deles é Construção de Edifícios, CNAE com predomínio de
terceirizados entre os acidentados, em que a incidência de fatalidade (ou chance de
morrer)8 é o dobro do conjunto do mercado de trabalho.
Outros CNAES que compõem o setor Construção, que têm ainda mais
terceirizados entre os mortos, suplantam ainda mais a incidência de mortes no conjunto
do mercado de trabalho do país. Por exemplo:
1) construção de rodovias, ferrovias, obras não especificadas, ruas praças e
calçadas registrou 4,55 vezes mais acidentes fatais entre seus trabalhadores em
comparação à totalidade dos setores; 2) no CNAE obras para geração, distribuição de
energia, telecomunicações, redes de água, coleta de esgoto, instalações industriais e
estruturas metálicas, foram 4,92 vezes mais mortes; 3) no CNAE demolição e
5 CUT/DIEESE (2011), SILVA (2012). 6 O CNAE é forma pela qual as empresas identificam suas atividades em diversos documentos e sistemas
oficiais. Elas fazem isso, por exemplo, ao declarar a RAIS e emitir uma Comunicação de Acidente de
Trabalho (CAT). Utilizamos os dados do IBGE (Cadastro central de empresas) para as comparações, que
são baseados nos dados da RAIS, mas possuem divisão de CNAE mais compatíveis com as informações
das CAT. 7 Como o CNAE é auto declaratório, comumente as empresas realizam atividades diferentes da sua
classificação. É frequente, por exemplo, que empresas que constroem edifícios se espalhem em todos os
sub grupos dos CNAE da construção, ou mesmo estejam fora deles. 8 A divisão do número total de registros de vítimas fatais pela quantidade total de assalariados formais do
Brasil é igual ao risco, incidência, ou chance média de morrer trabalhando no país. A divisão do número
de mortos em um CNAE pela quantidade de assalariados do mesmo CNAE equivale ao risco, incidência,
ou chance de morrer no setor calculado.
27
preparação de terreno, 3,3 vezes mais acidentes fatais entre os trabalhadores
formalizados do que a média do mercado de trabalho.
Para tornar a análise mais precisa, selecionamos quatro CNAE da Construção
informados nas CAT e contamos, um a um, quantos mortos em 2013 eram terceirizados
em relação ao total de vítimas, e a chance de morrer nesses CNAE em relação à
probabilidade média de morrer trabalhando no país. Os resultados são os seguintes:
Construção de edifícios, onde o percentual de mortos é duas vezes superior a
média do mercado de trabalho. Foram 135 trabalhadores mortos em 2013, sendo 75
terceirizados (55,5% dos mortos) e 60 contratados diretos ou não identificados.
Em obras de acabamento, houve 2,32 vezes mais incidência de fatalidades entre
seus trabalhadores, comparada à incidência do conjunto do mercado formal. Em
números absolutos, foram 20 trabalhadores mortos, dos quais 18 eram terceirizados.
Em obras de terraplanagem, cuja chance de morrer foi 3,3 vezes maior do que no
restante do mercado de trabalho, dos 19 mortos, 18 eram terceirizados e apenas 1
contratado diretamente.
Nos serviços especializados não especificados e obras de fundação, morreram 30
terceirizados e 4 contratados diretamente, tendo o setor 2,45 vezes maior índice de
mortes em relação aos empregados formais da economia como um todo.
Reitere-se que os CNAE da construção, entre os quais estão os subsetores
apresentados, contemplam indiscriminadamente empresas tomadoras e terceirizadas,
assim como trabalhadores diretamente contratados e terceirizados, trabalhando nas
mesmas obras e comumente nas mesmas funções. Todavia, os terceirizados são vítimas
preferenciais nos CNAE com maior incidência de fatalidades.
Ademais, a despeito do crescimento da contratação de trabalhadores
terceirizados, estes ainda estão longe de ser maioria do conjunto dos empregados
formalizados no grande CNAE da construção. Por exemplo, a divisão das empresas por
número de empregados indica isso, já que mais de metade está em empresas com mais
de 100 trabalhadores registrados. Em que pesem as exceções, como algumas
terceirizadas de concessionárias de serviços públicos (distribuição energia, saneamento,
etc.), a maioria das pessoas jurídicas com muitos empregados é tomadora de serviços.
Com base na RAIS, fizemos essa comparação para dois CNAE que realizam as
mesmas funções, mas que claramente discriminam terceirizados e contratados diretos,
quais sejam: produção florestal (empresas principais) e atividades de apoio à produção
28
florestal (terceirizados). Este último, apesar de ter menor quantidade de trabalhadores,
registrou maior quantidade de mortos em 2013.
Comparando os resultados com o conjunto do mercado de trabalho, a chance de
morrer na Produção Florestal era 32% maior, enquanto que nas Atividades de Apoio à
Produção Florestal, 148% superior à média nacional.
Ou seja, há fortes indícios da relação entre CNAE com maior incidência de
mortes e o predomínio de terceirizados entre as vítimas.
Vale ressaltar que os dados se referem apenas aos acidentes comunicados,
quando um número imenso é omitido, e envolvem tendencialmente terceirizados,
mesmo em casos amplamente divulgados pela mídia, como o desabamento da obra do
sorteio da COPA do Mundo na Bahia, que matou Zilmar Neri dos Santos, e o infarto
sofrido por José Antônio da Silva Nascimento, em outra obra da COPA, em Manaus9.
Como afirmado, a questão fundamental que explica essa maior mortalidade dos
terceirizados é a externalização dos riscos ocupacionais. A terceirização é um escudo
para as empresas tomadoras dos serviços. Ao nominar outra pessoa física ou jurídica
como responsável pelo trabalhador, a contratante quase sempre se exime, na prática, da
adoção de medidas para preservação da sua integridade física. Mesmo quando a
tomadora efetua alguma medida, é sistematicamente aquém do que oferece aos
empregados que formaliza. Quando existem, as ações tendem a ser insuficientes e
pautadas pela transferência da responsabilidade ao ente interposto, primeiro nominado
por qualquer infortúnio.
Diversos são os relatórios de investigação dos Auditores Fiscais do Trabalho que
corroboram essas considerações.
Há casos em que a contratante registra um número mínimo de empregados e
externaliza completamente a gestão dos riscos ocupacionais de todo o estabelecimento,
como ocorreu em uma obra de hotel de uma rede internacional em Londrina. Ao
investigar acidente fatal que vitimou um trabalhador terceirizado no canteiro, concluiu o
Auditor Fiscal:
A situação geral de segurança e saúde do trabalho
encontrada no canteiro de obras do Hotel Í Londrina é
precária. Na verdade, analisando as irregularidades
encontradas, chega-se a conclusão de que não há gestão
de segurança e saúde do trabalhador no local.
9 Filgueiras e Dutra (2014) analisam a maior chance de omissão dos agravos de trabalhadores
terceirizados.
29
Para começar, o Programa de Condições e Meio
Ambiente de Trabalho na Indústria da Construção
(PCMAT) não havia sido elaborado. O canteiro de obras
do Hotel Í Londrina contava, na ocasião da inspeção,
com o total de 32 (trinta e dois trabalhadores), sendo
apenas 3 (três) da construtora principal, contratante das
demais: o engenheiro civil, o metre de obras e o contra
mestre. Os demais trabalhadores eram 8 (oito) da
empresa Construtora AL., 15 (quinze) da empresa
GGMP, e 6 (seis) da empresa SDT. (SRTE PR, 2013)
Ademais, havia nessa obra 5 trabalhadores contratados por meio da empresa G,
(inclusive o trabalhador acidentado), e que estavam no canteiro na ocasião do acidente,
mas foram mandados embora pela contratante logo depois e a fiscalização não mais
conseguiu localizá-los. A CAT da vítima do acidente sequer foi emitida.
Já em acidente fatal no transporte de cana ocorrido ano passado, no Mato Grosso
do Sul:
A TOMADORA que contratou a empregadora do Sr.
TRABALHADOR para o serviço de fornecimento e
entrega de cana-de-açúcar em sua planta industrial
deveria supervisionar e exigir o cumprimento das
medidas de saúde e segurança da contratada. Pelo o
exposto aqui fica evidente que isso não era preocupação
dela. (SRTE MS, 2014).
A fiscalização identificou alguns fatores diretamente relacionados a esse
acidente, como: transporte de carga excessiva, em condições ergonomicamente
inadequadas, modo operatório perigoso, aumento de pressão por produtividade, falta de
analise de risco da tarefa, pagamento por produtividade, tolerância da empresa ao
descumprimento de normas de segurança, fadiga do motorista.
Também em 2013, desta vez um acidente fatal na reforma de um telhado em
Mato Grosso: “a empresa contratante deixou de implementar, de forma integrada com a
contratada, medidas de prevenção de acidentes de trabalho, sendo omissa na prevenção
de acidentes e doenças ocasionadas pelo trabalho” (SRTE MT, 2014).
Em muitos casos as tomadoras de serviços contratam terceirizados para as tarefas
mais perigosas. Ocorre que, além de não gerirem os riscos, pelo contrário, buscam
externalizá-los por meio dessa estratégia de contratação, frequentemente não apenas se
30
eximem das medidas de proteção, mas permitem ou mesmo determinam condições que
provocam aumento dos riscos, como estabelecimento de metas e formas de remuneração
que recrudescem as chances de acidentes.
Ou seja, tanto a escolha das tarefas terceirizadas, quanto o tratamento dos
terceirizados, contribuem para a maior quantidade de mortes. Isso é registrado em vários
setores, dos quais o petroleiro e o energético se tornaram pródigos.
Mas os dados aqui apresentados expressam mais diretamente a precarização dos
terceirizados, pois abarcam trabalhadores nas mesmas funções: tanto nos CNAE da
construção, quanto da produção florestal e atividades de apoio à produção florestal,
terceirizados e contratados diretos trabalham em atividades iguais.
A externalização dos riscos pelos contratantes abarca desde a não adoção de
medidas de eliminação, passando pelas (inexistência de) ações coletivas de proteção, até
o (não) treinamento e qualificação dos trabalhadores terceirizados.
Complementarmente, a terceirização incita confusão na organização no local de
trabalho, na comunicação, no ordenamento das atividades e mesmo nos eventuais casos
em que haveria previsão de adoção de medidas de proteção, elevando as chances e
consumação de infortúnios10.
O caso a seguir resume vários aspectos do recrudescimento dos riscos pela
terceirização:
Apesar da verificação de falhas na gestão de risco da própria tomadora de serviço
TOMADORA, como a falta de procedimentos e supervisão, o que se verifica na empresa
CONTRATADA, como gestão de riscos, é apenas a reprodução piorada dos procedimentos
da tomadora, treinamento de qualidade duvidosa, distribuição de equipamentos de proteção
individual inadequados e o preenchimento de check-lists irreais. É acentuada a diferença
das condições de trabalho entre os trabalhadores da tomadora de serviço e da prestadora,
resultante da precarização das condições de trabalho e de gestão de segurança decorrente da
substituição de mão-de-obra via terceirização. Conclui-se, assim, para fins de segurança e
saúde do trabalhador, que a contratação por parte da TOMADORA, entregando a gestão de
10 Dentre muitos exemplos, segue trecho de relatório de Auditor Fiscal do Trabalho sobre acidente
ocorrido ano passado em Rondônia, matando dois terceirizados. Eles caíram de uma torre que estava
sendo montada a despeito da identificação prévia de condições de risco e inadequação do serviço: “No
entanto, mesmo com a paralisação das atividades pelos motivos acima expostos, no dia seguinte, as
atividades foram retomadas sem o integral saneamento das irregularidades constatadas pelo fiscal da
TOMADORA. Em virtude de contradições nas informações prestadas pelos trabalhadores daquela equipe
de montagem, dos fiscais da empresa TOMADORA e dos supervisores da CONTRATADA, não foi
possível à Inspeção do Trabalho evidenciar, de forma inequívoca, de onde partiu o comando para que os
trabalhadores retornassem às atividades antes da correção das irregularidades constatadas” (SRTE RO,
2013, p. 14.).
31
segurança a prestadores de serviço com capacidade técnica limitada, expõe a risco grave
centenas de trabalhadores em atividade naquela empresa. (SRTE RS, 2014).
Trata-se de acidente fatal ocorrido em 2013, no Rio Grande do Sul, que vitimou
trabalhador terceirizado no serviço de manutenção de redes de distribuição de energia.
Enfim, além de precarizar as condições de trabalho e de vida, a terceirização é
uma questão de saúde pública.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A terceirização se alastrou drasticamente nas últimas duas décadas no Brasil e
trouxe consigo graves problemas sociais. Trata-se de um fenômeno político e deliberado
que, longe de ser inexorável e por isso consentido, precisa ser urgentemente combatido,
se existe qualquer intenção de promoção de desenvolvimento, em qualquer campo.
Destarte, qualquer que seja a ampliação jurídica das possibilidades de
terceirização, independentemente de como esteja travestida, contribuirá para o
aprofundamento da segregação, degradação e mortes em nossa sociedade.
Essas são as consequências do tipo de competitividade que as empresas
defendem no Brasil, assentada na depredação da força de trabalho, ao invés de
reduzirem seu padrão de consumo conspícuo para investir em padrões sustentáveis de
competição, a exemplo do desenvolvimento e emprego de meios de produção mais
produtivos e seguros.
Se não fosse a competição predatória o cerne da posição defendida pelas
empresas, elas não pestanejariam em aceitar isonomia total de condições para os
trabalhadores e responsabilidade solidária irrestrita entre empresas contratantes e
contratadas, que não fazem qualquer diferença para a competitividade que não seja
espúria, ou seja, que não se sustenta na redução dos salários, condições de trabalho e de
vida das pessoas.
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subcontratados do setor elétrico brasileiro. Revista da RET - Rede de Estudos do
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http://www.estudosdotrabalho.org/RRET12_2.pdf. Acesso em: 06/07/2014
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SRTE MS. SUPERINTENDÊNCIA REGIONAL DO TRABALHO DE MATO
GROSSO DO SUL. Relatório de Inspeção 112551432. Dourados, 2014.
SRTE PR. SUPERINTENDÊNCIA REGIONAL DO TRABALHO NO PARANÁ.
Relatório de análise de acidente do trabalho F2013PR110180674. Curitiba, 2013.
SRTE RS. SUPERINTENDÊNCIA REGIONAL DO TRABALHO DO RIO GRANDE
DO SUL. Relatório de Inspeção 112935699. Santa Maria, 2014.
SRTE RO. SUPERINTENDÊNCIA REGIONAL DO TRABALHO DE RONDÔNIA.
Relatório de Inspeção 109905474. Porto Velho, 2013.
19
NORMAS DE SEGURANÇA NO TRABALHO/DA PREVENÇÃO
Luiz Antonio Colussi1
FUNDAMENTO (DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL À INTEGRIDADE
FÍSICA E PSÍQUICA)
Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos
Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de
Direito e tem como fundamentos:
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o
trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição.
Art. 7º - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que
visem à melhoria de sua condição social:
XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de
saúde, higiene e segurança;
XXIII - adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres
ou perigosas, na forma da lei;
XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador,
sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em
dolo ou culpa.
O conceito de “meio ambiente laboral sadio” integra um conceito mais amplo, o
do “trabalho digno”, que deve ser assegurado a todo trabalhador em decorrência do
reconhecimento de sua condição humana e de seu direito à dignidade, reconhecido em
todas as constituições e no direito internacional, não sendo diferente em nosso Estado
democrático de direito, que consagra o direito a saúde como um direito social.
A luta por um trabalho digno tem sido a principal bandeira da Organização
Internacional do Trabalho, sendo que a exigência de que o trabalho seja prestado em um
ambiente sadio constitui um de seus principais elementos.
1 Juiz do Trabalho. Gestor do Programa Trabalho Seguro (TST)
35
Ao contrário dos tempos em que a grande reivindicação dos trabalhadores era a
redução da jornada laboral, as demandas, hoje, se concentram em freiar o ritmo da
exploração global da mão-de-obra, que tem levado ao aumento do número de horas
trabalhadas no mundo, além da precarização do emprego e a deterioração do ambiente
de trabalho, com o aumento dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais.
Assiste-se a proliferação de artifícios jurídicos pelos quais as empresas
pretendem se evadir de suas responsabilidades pelos infortúnios laborais, seja através da
contratação de empresas interpostas, conhecidas como “de fachada” ou de pseudo
cooperativas de mão-de-obra. Aliado ao enfraquecimento do papel dos sindicatos
decorrente da globalização econômica (que tornou o capital internacionalizado,
enquanto que o trabalho permanece preso ao local), o aumento da ganância empresarial
pode ser apontado com principal causa da piora preocupante das condições de segurança
e medicina do trabalho a nível mundial. Ademais, os sindicatos pouco têm produzido
nesta questão, quer na fiscalização, quer na negociação de cláusulas que envolvam a
saúde e um ambiente sadio no trabalho.
Não se esqueça que, além de tudo isso, do ponto de vista econômico, os gastos
da sociedade brasileira com os acidentes são exorbitantes, o Estado quando paga os
benefícios previdenciários, e as próprias empresas, quando perdem empregados, tem
equipamentos avariados. A tarefa de proteção é de todos.
Aos Estados nacionais incumbe a tarefa imensa de assegurar o respeito às
condições mínimas de trabalho previstas em lei, sendo fator de re-equilíbrio de uma
relação contratual cada vez mais assimétrica.
Em primeiro lugar, incumbe ao Estado propiciar à sociedade o conhecimento
mais completo possível da situação laboral no país, mantendo serviços de estatística que
permitam a adoção de eficazes medidas tanto reparatórias quanto preventivas. Nesse
contexto, essencial papel cumpre a exigência de que as empresas notifiquem as
autoridades administrativas da ocorrência de infortúnios laborais ocorridos. Pois, em
caso contrário, estar-se-ia diante de grave sonegação ao Estado de dados essenciais para
formulação de políticas públicas adequadas, além da lesão grave contra os direitos do
trabalhador acidentado ou vítima de doença profissional. Assim, no Brasil, a não
expedição da Comunicação de Acidente do Trabalho (CAT) pelo empregador nos casos
previstos em lei constitui um verdadeiro delito contra toda a sociedade, o que deveria
ser objeto de previsão penal específica em nosso ordenamento jurídico.
36
Papel relevante desempenha o Ministério do Trabalho e o Ministério Público do
Trabalho, e hoje, com a ampliação da sua competência, a própria Justiça do Trabalho,
pois devem e podem fiscalizar, exigir o cumprimento da lei e, quando for o caso, apurar
responsabilidades e buscar a reparação dos danos.
Por fim espera-se do Estado a adoção de medidas que previnam a ocorrência de
infortúnios laborais, que não se resumam em medidas repressivas, mas que importem
em reforço positivo aos empregadores que cumprem seu papel social e mantém boas
condições de trabalho. Poder-se-ia pensar em incentivos fiscais ou, mesmo,
certificações administrativas de cumprimento das normas laborais de segurança e
medicina do trabalho (que favoreceriam a obtenção das famosas certificações ISO)
como formas de criar uma verdadeira cultura pela melhoria do ambiente laboral em
nosso país.
Dessa forma se pode alcançar efetividade a essa norma constitucional de
proteção, propiciando dignidade à pessoa do trabalhador, e evitando-se assim,
sofrimento ao trabalhador, a sua família, seus colegas e amigos, com a perda da saúde,
com mutilações, ou com a perda da própria vida.
CONVENÇÕES DA OIT
A efetividade das normas internacionais é fundamental para a concreção dos
direitos humanos e, nessa linha de raciocínio, também aquelas de proteção ao trabalho
devem ser adotadas e implementadas pelos Estados signatários das convenções
internacionais.
O Estado brasileiro procura seguir as normas internacionais das relações do
trabalho, o que faz com que se esteja integrado às normas mais avançadas deste campo
do relacionamento humano e que se tenha, de fato, uma política de respeito aos direitos
humanos dos trabalhadores, compatível com a busca da dignidade da pessoa humana.
Contudo, essa posição de seguimento das normas internacionais nem sempre é bem
assimilada, posto não ser pacífico o entendimento da aplicabilidade das normas
internacionais, quer por não haver tribunais internacionais, quer por não haver normas
de sanção específicas.
Diversas convenções da OIT foram recepcionadas em nossa legislação.
Convenção 119 sobre proteção contra máquinas perigosas (Dec. 1.255/94);
Convenção 140 sobre proteção contra os riscos de intoxicação com benzeno (Dec.
37
1.255/94); Convenção 134 sobre a prevenção contra acidentes de trabalho dos
trabalhadores marítimos (Dec. 1.255/94). Fonte: www.mte.gov.br (Legislação).
RESUMO EXPLICATIVO DAS CONVENÇÕES:
Convenção Nº 184: Segurança e Saúde na Agricultura.
Convenção Nº 176: Segurança e Saúde nas Minas.
Convenção Nº 174: Prevenção de Acidentes Industriais Maiores.
Convenção Nº 170: Produtos Químicos.
Convenção Nº 162: Asbesto / Amianto.
Convenção Nº 161: Serviços de Saúde no Trabalho.
Convenção Nº 155: Segurança e Saúde dos Trabalhadores.
Convenção Nº 152: Segurança e Higiene (Trabalho Portuário).
Convenção Nº 148: Meio Ambiente de Trabalho (Contaminação do Ar, Ruído e
Vibrações).
Convenção Nº 139: Câncer Profissional.
Convenção Nº 136: Benzenos.
Convenção Nº 127: Peso Máximo.
Convenção Nº 124: Exame Médico dos Menores (Trabalho Subterrâneo).
Convenção Nº 120: Higiene (Comércio e Escritórios).
Convenção Nº 115: Proteção Contra Radiações Ionizantes.
Convenção Nº 113: Exame Médico dos Pescadores.
Convenção Nº 103: Proteção da Maternidade.
Convenção Nº 81: Fiscalização do Trabalho.
Convenção Nº 45: Trabalho Subterrâneo.
Convenção Nº 42: Doenças Profissionais.
Convenção Nº 16: Trabalho Marítimo - Exame Médico Dos Menores.
Convenção Nº 12: Agricultura - Indenização por acidentes de trabalho.
SISTEMA TUTELAR DA CLT
O sistema tutelar consolidado é muito eficiente. Veja-se as regras da própria
CLT, Título II, em seu Capítulo V, intitulado “Da Segurança e da Medicina do
Trabalho”, artigos 154/223. A fiscalização deve contar com Órgãos Federais, Estaduais
e Municipais. Além das normas da própria CLT, o sistema de proteção está detalhado e
regrado pelas Normas Regulamentadoras. Os pontos principais do sistema estão abaixo
38
explicitados. Os órgãos aos quais incumbe velar pela segurança e medicina do trabalho
estão previstos na CLT, artigos 155 a 159. A responsabilidade é de todos, do governo
com seus órgãos de fiscalização, as empresas através dos serviços que deve criar,
serviço médico e CIPA, e aos empregados, o dever que usar os EPIs.
ÓRGÃOS DE FISCALIZAÇÃO (MTE; DRTES; AUDITORES-FISCAIS DO
TRABALHO; REGULAMENTO DA INSPEÇÃO DO TRABALHO)
A regra geral na fiscalização é que o MTE, que tem a competência legal de
fiscalizar, poderá mediante convênio, delegar essa tarefa a outros órgãos federais,
estaduais e municipais, além da importante função de orientação às empresas. As
DRTEs (hoje Superintendências) fiscalizam diretamente nos Estados o cumprimento da
legislação trabalhista. O trabalho é executado pelos auditores fiscais do trabalho. O
regulamento da Inspeção do Trabalho está previsto no decreto 55.841, de 15.3.65. A
nova carreira do auditor-fiscal do trabalho, Lei 10.593, de 06/12/2002.
OBRIGAÇÕES DOS EMPREGADORES E DOS EMPREGADOS
(Redação dada pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)
O art. 157 da CLT estabelece quais são as obrigações dos empregadores, ou da
empresa, como consta do texto do consolidado.
Art. 157 - Cabe às empresas:
I - cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho;
II - instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar
no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais;
III - adotar as medidas que lhes sejam determinadas pelo órgão regional competente;
IV - facilitar o exercício da fiscalização pela autoridade competente.
O art. 158 da CLT estabelece as obrigações dos empregados.
Art. 158 - Cabe aos empregados:
I - observar as normas de segurança e medicina do trabalho, inclusive as instruções de
que trata o item II do artigo anterior;
Il - colaborar com a empresa na aplicação dos dispositivos deste Capítulo.
Parágrafo único - Constitui ato faltoso do empregado a recusa injustificada:
a) à observância das instruções expedidas pelo empregador na forma do item II do
artigo anterior;
39
b) ao uso dos equipamentos de proteção individual fornecidos pela empresa.
INSPEÇÃO PRÉVIA E PROCEDIMENTO DO EMBARGO OU INTERDIÇÃO
(REPERCUSSÕES PROCESSUAIS)
Para que haja uma efetiva prevenção dos infortúnios do trabalho, além das
obrigações dos empregadores e empregados acima examinados, o sistema tutelar prevê
uma série de normas sobre como devem ser edificadas as obras, as instalações dos
estabelecimentos onde são prestados os serviços. Por essa razão, o art. 160 da CLT
prevê que nenhum estabelecimento deve iniciar suas atividades sem prévia inspeção e
aprovação de suas instalações pela autoridade competente, inclusive quando houver
alteração da situação durante o contrato. A empresa poderá solicitar também a prévia
aprovação do projeto.
O art. 161 prevê a interdição no estabelecimento ou embargo de obra, importante
modificação introduzida na CLT pela Lei 6.514/77, que dá poderes ao Superintendente
Regional do Trabalho de, através de laudo técnico que demonstre grave e iminente risco
para o trabalhador, de interditar o estabelecimento, setor de serviço, máquina ou
equipamento, ou de embargar a obra, dizendo que providências deveriam ser tomadas
para a prevenção. Significativa norma é a que estabelece o pagamento normal dos
salários dos empregados, durante a interdição ou embargo.
A competência da JT está estabelecida no art. 114, VII da CF (as ações relativas
às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização
das relações de trabalho).
PROCEDIMENTO DAS MULTAS ADMINISTRATIVAS (TERMOS DE
COMPROMISSO; FISCALIZAÇÃO, AUTUAÇÃO E IMPOSIÇÃO DAS
MULTAS; RECURSOS; DEPÓSITO; INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA;
COBRANÇA JUDICIAL).
Ver valor das multas, fiscalização e penalidades (NR28)
Art. 201 - As infrações ao disposto neste Capítulo relativas à medicina do
trabalho serão punidas com multa de 3 (três) a 30 (trinta) vezes o valor de referência
previsto no artigo 2º, parágrafo único, da Lei nº 6.205, de 29 de abril de 1975, e as
concernentes à segurança do trabalho com multa de 5 (cinco) a 50 (cinqüenta) vezes o
mesmo valor. (Redação dada pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)
40
Parágrafo único - Em caso de reincidência, embaraço ou resistência à
fiscalização, emprego de artifício ou simulação com o objetivo de fraudar a lei, a multa
será aplicada em seu valor máximo.
PRINCIPAIS NORMAS REGULAMENTADORAS
Nesse sítio se encontram as normas regulamentadoras. Fonte: www.mte.gov.br
NR-1 (Disposições gerais);
NR-2 (Inspeção prévia);
NR-3 (Embargo e interdição);
NR-4 (Serviço especializado em Segurança e Medicina do Trabalho – SSMT);
NR-5 (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA);
NR-6 (Equipamento de Proteção Individual – EPI);
NR-7 (Exames médicos);
NR-9 (Riscos ambientais);
NR-12 (Proibição de fabricação e venda de equipamentos que não observem a NR);
NR-15 (Atividades e operações insalubres);
NR-16 (Atividades e operações perigosas);
NR-17 (Ergonomia);
NR-18 (Obras de construção, demolição e reparos);
NR-19 (Explosivos);
NR-20 (Combustíveis líquidos e inflamáveis);
NR-24 (Condições sanitárias dos locais de trabalho);
NR- 28 (Fiscalização e penalidades);
NR-31 (Segurança e saúde no trabalho na agricultura, pecuária silvicultura, exploração
florestal e aquicultura).
PROGRAMA TRABALHO SEGURO
O Programa Trabalho Seguro – Programa Nacional de Prevenção de Acidentes
de Trabalho é uma iniciativa do Tribunal Superior do Trabalho e do Conselho Superior
da Justiça do Trabalho, em parceria com diversas instituições públicas e privadas,
visando à formulação e execução de projetos e ações nacionais voltados à prevenção de
acidentes de trabalho e ao fortalecimento da Política Nacional de Segurança e Saúde no
Trabalho.
41
Desse modo, o principal objetivo do programa é contribuir para a diminuição
do número de acidentes de trabalho registrados no Brasil nos últimos anos.
O Programa volta-se a promover a articulação entre instituições públicas
federais, estaduais e municipais e aproximar-se aos atores da sociedade civil, tais como
empregados, empregadores, sindicatos, Comissões Internas de Prevenção de Acidentes
(CIPAs), instituições de pesquisa e ensino, promovendo a conscientização da
importância do tema e contribuindo para o desenvolvimento de uma cultura de
prevenção de acidentes de trabalho.
Conclama-se, assim, a permanente participação de empregados, empregadores,
sindicatos, instituições públicas, associações e demais entidades da sociedade civil para
tornarem-se parceiros do Programa Trabalho Seguro e unir forças com a Justiça do
Trabalho para a preservação da higidez no ambiente laboral.
As diretrizes e os Enunciados para perícia judicial, elaborados pelo Programa
Trabalho Seguro, estão no site do TST, e são importantes ferramentas para uma
adequada produção da prova pericial e melhor avaliação do nexo causal ou concausal.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Decreto-Lei n. 5452, de 1. de Maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis
do Trabalho.
CARRION, Valentin. Comentários à consolidação das Leis do Trabalho. 35ª ed. São
Paulo: Saraiva, 2010.
COLUSSI, Luiz Antonio. Direito, estado e regulação social: O papel do contrato de
trabalho numa sociedade em transformação. São Paulo: LTR, 2009.
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença
profissional. 8 ed. São Paulo, LTr, 2014.
19
LOS DERECHOS DE SEGURIDAD Y SALUD DE LOS
TRABAJADORES DISCAPACITADOS
Jorge Torrents Margalef1
INTRODUCCIÓN
En la reciente Ley 51/2003 se logra una formal convergencia de la corrien- te de
la accesibilidad con la de no discriminación. Como discursa su Exposición de Motivos,
la no accesibilidad de los entornos, productos y servicios constitu- ye una forma sutil
pero muy eficaz de discriminación indirecta, pues genera una desventaja innegable a las
personas con discapacidad en relación con las que no Io son. Una manifestation de
aquélla confluência es la nueva regulación que esta Ley aporta en forma de condiciones
básicas de accesibilidad y no discrimina- ción, o también lo es la aproximación de los
respectivos Planes de Accesibilidad Universal y de Acción para las personas con
discapacidad aprobados en el mismo ano 2003. Su repercusión en el âmbito laborai se
traduce en la aproba- ción del RD 170/2004, que, insistiendo en la necesidad de adoptar
medidas de acción positiva, introduce una importante modificación en la regulación
relativa a las ayudas para la adaptación de los puestos de trabajo, con el fin de que se
eliminen barreras u obstáculos que impidan o dificulten la prestación de servidos de los
trabajadores con discapacidad. También cabe que estas subvenciones se destinen a
mejorar la situación de seguridad dei trabajador frente a los ries- gos laborales, bien con
la adaptación específica dei puesto de trabajo, bien por medio de la dotación de equipos
de protección personal especiales.
Con la perspectiva de aquélla primera concurrencia, seria fácil situar en el
mismo plano que estas dos corrientes la obligación de la adaptación dei puesto de
trabajo para el trabajador discapacitado que, como se verá, exhala de la regulación
sobre prevención de riesgos laborales. Sin embargo, no es así, ya que la prioridad de
actuación reside en las normas de no discriminación y la accesibilidad universal, tal
como se recuerda desde los organismos especializados de la Union Europea. Queda
preservada, para la prevención de riesgos laborales, una función subsidiraria. La lógica
de esta relación es sencilla, ya que de la previa actuación de los requerimientos de la
1 Universidade Complutense de Madrid
43
accesibilidad (dominio jurídico intimamente vinculado al de la no discriminación)
resultarán eliminados riesgos laborales específicos que afectan a los trabajadores
discapacitados. Por lo tanto, lo que se pasa a analizar en este capítulo es el contenido de
la protección especial que el conjunto de disposiciones protectoras de la seguridad y
salud en el trabajo confiere a estas personas.
1. LA GARANTÍA JURÍDICA DE LA SEGURIDAD Y LA SALUD DE LOS
TRABAJADORES DISCAPACITADOS
1.1. LOS MECANISMOS JURÍDICOS PRESERVADORES DE LA SEGURIDAD Y
SALUD DE LOS TRABAJADORES DISCAPACITADOS
La obligación de los poderes públicos de velar por la seguridad y salud de los
trabajadores derivada de la Constitución se plasma, para aquéllos que sufren una
discapacidad, en un doble reconocimiento legal; a saber, un âmbito protector de
carácter genérico y otro específico.
1.1.1. Protección genérica
Se trata dei reconocimiento jurídico que se contempla para todos los traba-
jadores, de forma que se proteja ia seguridad y la salud en sus respectivas relaciones
laborales. Así, el Estatuto de los Trabajadores dispone expresamente que uno de sus
derechos básicos es el de la integridad física y a disfrutar una adecuada política de
seguridade higiene (art. 4.2.d. ET), determinando posteriormente el art. 19.1 ET que tal
protección debe ser eficaz. El artículo 14 de la Ley de Prevención de Riesgos Laborales
(LPRL) recoge esta formulación, otorgán- dole un extenso contenido, al indicar que
forman parte dei derecho a una protección eficaz de los trabajadores un amplio aunque
no exhaustivo abanico de derechos que también se desarrollan en la propia Ley, como
son los concernientes a la información, consulta y participación, a Ia formación en
materia preventiva, a la paralización de la actividad en caso de riesgo grave e inminente
y, en fin, a la vigilancia de su estado de salud. A su vez, este mismo precepto senala que
aquel derecho supone la existencia de un correlativo deber dei empresário de proteger a
los trabajadores frente a los riesgos laborales.
A la hora de materializar el cumplimiento de dicho deber general, el empresário
aplicará las medidas que sean oportunas, teniendo en cuenta, entre otros, el principio de
adaptación del trabajo a la persona, en particular en lo que respecta a la concepción de
44
los puestos de trabajo, así como a la elección de los equipos y métodos de trabajo y de
producción, con miras, en particular, a atenuar el trabajo monótono y repetitivo y a
reducir los efectos dei mismo en la salud (art. 15.1.d. LPRL). Por tanto, queda
establecido en nuestro ordena- miento el principio general de que el trabajo se adapte a
la persona, y que deberá tenerse siempre presente en los principales factores
configuradores de la ejecución de la prestación de servidos por parte dei trabajador, en
cualquier relación laborai. Sin que llegue a erosionar lo más mínimo la relevancia que
debe concederse a este principio, se puede afirmar, empero, que esta prevision de la
Ley de Prevención no es, en absoluto, original. Y ello por varios motivos. En primer
lugar, porque se trata de una traslación literal de la disposición prevista, a nivel de la
Comunidad Europea, en el art. 6.2.d) de la Directiva Marco relativa a la aplicación de
medidas para promover la mejora de la seguridad y de la salud de los trabajadores en el
trabajo. Pero hay que anadir que se puede identificar en nuestra legislación laborai otro
antecedente normativo con respecto a la adaptación dei trabajo, si bien de alcance más
reducido, establecien- do el Estatuto de los Trabajadores que aquéllas empresas en las
que se organice el trabajo según un cierto ritmo deberán tener en cuenta el principio
general de adaptación dei trabajo a la persona, especialmente de cara a atenuar el tra-
bajo monótono y repetitivo en función dei tipo de actividad y de las exigencias en
materia de seguridad y salud de los trabajadores (art. 36.5 ET). De nuevo, conviene no
desmerecer la influencia que proviene dei ordenamiento comunitário, puesto que este
precepto vino a transponer el art. 13 de la Directiva 93/104/CE. Es decir, el origen dei
paralelismo que existe entre el art. 15 de la LPRL y el art. 36 del ET debe localizarse en
el âmbito europeo, más que en la voluntad dei legislador espanol. Pero en fin, lo que
interesa destacar es que puede considerarse que en aquél principio están incluidos todos
los trabajadores con algún rasgo subjetivo que afecte a la seguridad en la prestación de
su trabajo, como pudieran ser, a modo de ejemplo, las personas con una estatura o
complexion fuera de lo comente, o, por qué no, las personas zurdas.
Uno de los atributos que más se pone de relieve de la LPRL es su carácter
universalista, derivándose de ello multiples acepciones. En este caso, lo que atane a este
estúdio es la amplitud con la que dicha Ley contempla a los sujetos comprendidos en el
término «trabajador», por lo que su âmbito de protección se extiende más allá de lo
estrictamente laborai, pues también abarca a los funcionários y a todos aquellos que
prestan servicios en la economia social’ cooperativas, etc. Siguiendo la pauta marcada
por la Directiva Marco cuyo art.
45
2.1. reza que «la presente Directiva se aplicará a todos los sectores de actividades,
publicas o privadas (actividades industriales, agrícolas, comerciales, administrativas, de
servicios, educativas, culturales, de ocio, etc.», el âmbito de aplicación de la LPRL
alcanza a las empresas de todos los sectores, incluida la Administración Pública.
También es irrelevante el tamano de la empresa o unidad productiva; esto es, la
normativa en materia de prevención se aplicará a las pequenas empresas y a las
microempresas, sin que tan siquiera se pueda desprender una moderación en la
intensidad de su cumplimiento debido a alega- ciones por la situación económica de la
empresa. Igualmente, la LPRL llega a imponer obligaciones específicas para
fabricantes, importadores, suministradores y trabajadores autónomos.
1.1.2. Protección específica
El derecho a la protección eficaz que de manera indiferenciada se dispensa a
todos los trabaj adores serviria, de por sí, para garantizar la salud y la seguridad
laborales de aquéllos que sufren una discapacidad. Así, se puede apelar a la aplicación
de los preceptos anteriormente senalados, para rectificar la situación derivada dei hecho
de que, como se recoge oficialmente, «la mayor parte de las personas con discapacidad
desempenan tareas manuales y rutinarias». Es más, el art. 15.2 LPRL impone al
empresário la obligación de tomar en consideración las capacidades profesionales de
los trabajadores en materia de seguridad y salud en el momento de encomendarles las
tareas. No obstante, junto a aquélla protección general, la LPRL guarda un tratamiento
selectivo para los trabajadores con alguna especial sensibilidad a determinados riesgos;
concretamente, determina que «el empresário garantizará de manera específica la
protección de los trabajadores que, por sus propias características personales o estado
biológico conocido, incluidos aquellos que tengan reconocida la situación de
discapacidad física, psíquica o sensorial, sean especialmente sensibles a los riesgos
derivados dei trabajo», sin que, además, puedan ser empleados en aquéllos puestos de
trabajo en los que ellos u otras personas puedan ponerse en situación de peligro (art.
25.1 LPRL).
Esta protección específica en caso de riesgo para Ia salud se concede a dichos
trabajadores bajo el presupuesto de que, por sus características personales, pueden tener
más posibilidades de sufrir accidentes de trabajo y enfermedades profesionales que
otros trabajadores. Ahora bien, de lo que no cabe duda alguna es que la prevision del
art. 25.1 supone una manifestación o expresión de la exigencia dei principio general de
46
la adaptación dei trabajo a la persona que se recoge en el art. 15.1.d) de la propia Ley,
dotándole de un verdadero contenido obligatorio para el empresário de garantizar la
protección de la seguridad y salud de los trabajadores sensibles a determinados riesgos
laborales.
Tras la aprobación de la LPRL en 1995, se ha dicho que el contenido de su art.
25-1 no resulta nuevo en nuestro derecho positivo, pues ya en la antigua Ley General de
Seguridad Social de 1974 se disponía explicitamente un pre- cepto de seguridad e
higiene, el art. 189, con el siguiente tenor:
... sin perjuicio de las normas especificas sobre trabajos
prohibidos a mujeres y menores, las personas que
sufran defectos o dolências físicas, tales como epilepsia,
calambres, vértigos, sordera, vista defectuosa o
cualquier otra debilidad o enfermedad de efectos
análogos, no serán empleados en máquinas y trabajos
en los cuales ellos o sus companeros de trabajo puedan
ponerse en especial peligro.
Esta disposición normativa respalda la creencia de la doctrina especializada de
que el «artículo 25 no es, sino la traslación al âmbito de la Ley de Prevención de
Riesgos Laborales de este precepto de clara naturaleza preventiva, que, en todo caso,
ayuda considerablemente a su interpretación». Sin negar completamente la existencia
de vínculos de antecedencia dei art. 189 LGSS 74 con respecto al art. 25.1 LPRL,
merece la pena, sin embargo, detenerse brevemente en una ligera pero importante
matización. Empezando por el nexo de unión, cabe decir que el art. 189 marcaba la
prohibición de emplear en determinados puestos a los trabajadores que, debido a alguna
de esas afecciones personales, no pudieran desempenar el trabajo sin que se pusieran
ellos mismos u otras personas en una situación de especial riesgo. En otras palabras, la
protección que encierra el art. 189 LGSS 74 tiene su base en el principio de la
«adecuación dei trabajador al trabajo», en cuyo diseno el puesto de trabajo juega la
función de plantilla, de forma que la ley no permite que sea ocupado por un trabajador
que no se amolde a las condiciones de seguridad requeridas. El vigente Texto
Refundido de la Ley General de la Seguridad Social de 1994 (LGSS) guarda varios
supuestos más en los que se contiene este principio de la adecuación al trabajo. Uno de
ellos es el art. 196, que obliga a todas las empresas que vayan a cubrir puestos de
trabajo que entranen riesgo de enfermedades profesionales a que practiquen
47
reconocimientos médicos a los trabajadores que los ocupen o hayan de ocuparlos, de
manera que queda prohibido que desempenen dichos puestos si dei resultado de los
reconocimientos no se desprendiera su aptitud. Otra referencia se encuentra en el art.
123.1 LGSS, en virtud dei cual se deberá aplicar un aumento de entre un 30 y un 50 por
100, según la gravedad de la falta, en las prestaciones económicas que tengan su causa
en accidente de trabajo o enfer- medad profesional, cuando el trabajador sufra una
lesión y en la empresa no se hubieran observado las medidas «de adecuación personal a
cada trabajo, habida cuenta de sus características y de la edad, sexo y demás
condiciones dei trabajador». En ambos casos se aprecia que el puesto de trabajo es un
elemento estático, y que sólo deben ser empleados en ellos personas que reúnan las
aptitudes psicofísicas suficientes para que su trabajo no suponga un riesgo para la
seguri- dad o la salud.
Retornando al art. 25 LPRL, hay que reconocer que existe cierto nexo con el
principio de adecuación dei trabajador al trabajo, ya que parte dei contenido de este
artículo está dirigido a prohibir la ocupación de un puesto de trabajo por parte de
personas que, debido a su especial sensibilidad frente a determinados riesgos laborales,
puedan ponerse en situación de peiigro ellos mismos o a ter- ceros. Ahora bien, la
identidad con los otros preceptos citados no es absoluta, por cuanto el alcance dei art.
25 LPRL va más allá, al materializar otro principio general cuya esencia es mucho más
amplia: el «principio de la adaptación dei trabajo a la persona». En él los elementos
trabajador y puesto de trabajo vuelven las tornas en su función, de forma que ahora los
trabajadores son la horma sobre la que deben amoldarse los puestos de trabajo. Puede
afirmarse, por tanto, que bajo la influencia dei Derecho Comunitário se ha producido un
cambio trascendente en el ordenamiento jurídico espanol, en el cual el principio de la
«adecuación dei trabajador al trabajo» (recogido en los arts. 123 y 196 LGSS) ha sido
desplazado, pasando a jugar un papel meramente complementario con respecto al
principio de la «adaptación dei trabajo a la persona» (presente en los art. 25 y 15.1.d)
LPRL). De ahí que la aceptación plena de la eventual función interpretadora dei art. 189
LGSS 74 sobre el art. 25 LPRL deba ser observada con cierta cautela; y se debe ser
cuidadoso porque la redacción dei art. 25 no está exenta de problemas. En definitiva, no
debe olvidarse como a veces ocurre que el art. 189 de la antigua LGSS 74 continua
estando en vigor en la actualidad, por lo que conviene determinar que su aplicación
debe quedar subsumida en el espíritu dei art. 25 LPRL, al que pasa a complementar.
Hay que ser consciente de las dificultades que puede entranar, como ha resaltado algún
48
autor, la puesta en práctica por parte dei art. 25 dei principio preventivo definido en el
art. 15 LPRL de adaptar el trabajo a la persona. Al respecto, y antes de entrar a un
análisis más pormenorizado de su conteni- do, cabe aludir dos someras apostillas.
1) El art.. 25 LPRL responde a la necesidad de transponer el art. 15 de la
Directiva Marco, según el cual, «los grupos expuestos a riesgos especialmente sensibles
deberán ser protegidos contra los peligros que les afecten de manera específica». Basta
un simple cotejo para valorar que el texto dei art. 25 LPRL ha cumplido sobradamente
su cometido, pero se aprecia un cambio sustancial: mientras que en la Directiva se
enfatizaba el carácter objetivo de la especialidad (riesgos especialmente sensibles), el
art. 25 LPRL le confiere un valor subjetivo (se refiere a trabajadores especialmente
sensibles). El cambio es significativo, por cuanto la especial sensibilidad se halla en el
trabajador y no en el trabajo a desempenar; esto es, se trata de trabajadores a los que,
por sus características personales, les afectan potencialmente más los riesgos laborales
que a los demás trabajadores. De ahí que lo que debe primar es la atención hacia esas
características subjetivas, adoptándose todas las medidas necesarias que conduzcan a
que estos trabajadores estén protegidos igual que el resto de la plantilla de la empresa,
ya que el riesgo no se deriva, en sí, dei puesto de trabajo. Ello equivale a que si el
trabajador no tuviera tales connotaciones personales, ese mismo puesto de trabajo no
entranaría ningún riesgo para él.
17 Para garantizar que se protege a los trabajadores más sensibles que los demás
hacia los riesgos laborales, el art. 25 LPRL establece una serie de obligaciones cuya
formulación, cierto es, adolece de ser inconcreta. Pero ello es debido a que las medidas
necesarias para conseguir la adaptación dei trabajo a las características de estas
personas no se realizan por sí solas, sino que la efectividad del contenido del art. 25
LPRL necesita dei concurso de otras disposiciones de la Ley. En otras palabras, el
obligado cumplimiento dei principio de especial protección de este precepto debe
tenerse en cuenta en el desarrollo de las demás actividades preventivas de la empresa;
conjugándose o interrelacionándose plenamente, entre otros, con el art. 14 (la
protección tiene que ser eficaz), el art. 16 (se integra en el sistema general de gestión de
la empresa), el art. 17 (de manera que los equipos de trabajo se adapten a estos
trabajadores), el art. 18 (recabando su participación y dotándoles de la información
necesaria), el art. 19 (así como la formación adecuada), el art. 22 (y garantizando la
vigilancia de su salud).
1.2. Los TRABAJADORES DISCAPACITADOS Y LA ESPECIAL SENSIBILIDAD
49
A LOS RIESGOS DEL ART. 25.1 LPRL
Como se acaba de ver, la atención protectora que prevé la Ley no se fundamenta
en un elemento objetivo, cual seria el puesto o las condiciones de trabajo, sino que se
sustenta en un elemento subjetivo, la especial incidência que los riesgos pueden tener
sobre unos trabajadores particularmente considerados. Pero a su vez, la sensibilidad
tampoco es una condición objetivamente determinable, sino que surge de la relación
entre un trabajador singular y las tareas que le han sido encomendadas a realizar en la
empresa. Por tanto, la amplitud que comprendería la susceptibilidad hacia los riesgos
laborales seria descomunal si se atuviera a las características individuales de todos los
trabajadores, pues el recurso al término «personales» no deja de ser algo de muy difícil
alcance y prácticamente imposible de determinar. Algunos de los muchos supuestos que
se podrían anotar son: los trabajadores con alguna discapacidad, sea temporal o
permanente; las trabaj adoras en estádios vinculados con la maternidad, como los
períodos de embarazo, posparto o lactancia; trabajadores menores de edad o los de edad
avanzada; trabajadores sometidos a tratamientos médicos o conva- lecientes, etc. En fin,
la gama de vulnerabilidad continuaria derivándose de otros muchos factores
relacionados con el estado biológico del trabajador (enfermedades,
inmunodeficiencias,...), con ciertas predisposiciones (hacia el vértigo o alergias) o
incluso con aspectos no físicos, como seria el nivel de for- mación (analfabetismo,
inexperiencia profesional) y el hecho de estar sometido a unas condiciones
contractuales precarias (alta rotación de contratos temporales en distintas empresas,
etc.).
Todas estas personas deben tener la protección adecuada frente a los riesgos
laborales, pero lo que cabe cuestionarse es si es con la misma extension en todos los
casos. La LPRL recoge un tratamiento específico para algunas de las categorias de
trabajadores antes senaladas; cuales son las trabajadoras embarazadas o de parto
reciente, los menores de 18 anos, así como los trabajadores con relación laborai
temporal y los contratados por empresas de trabajo temporal, cuyas peculiaridades en
materia de riesgos cuentan con una protección específica regulada en artículos
privativos (respectivamente, arts. 26, 27 y 28 LPRL, que a su vez transponen las
correspondientes Directivas comunitarias). El resto queda circunscrito al art. 25.1
LPRL, que aporta una norma genérica para el modelo de protección de las personas
especialmente sensibles a los riesgos. Pero está claro que esta norma no puede ser
exhaustiva en el elenco de sujetos protegidos, por lo que interesa averiguar los
50
parâmetros en los que se basa para determinar la inclusion en su campo de aplicación.
Para esta misión, no está de más reproducir los dos párrafos del art. 25.1. El primero de
ellos se corresponde con la siguiente transcripciôn:
El empresário garantizará de manera específica la
protección de los trabajadores que, por sus propias
características personales o estado biológico cono- cido,
incluidos aquellos que tengan reconocida la situación de
discapacidad física, psíquica o sensorial, sean
especialmente sensibles a los riesgos derivados del
trabajo. A tal fin, deberá tener en cuenta dichos aspectos
en las evaluacio- nes de los riesgos y, en función de
estas, adoptará las medidas preventivas y de protección
necesarias.
Mientras que el segundo párrafo dispone:
Los trabajadores no seran empleados en aquéllos
puestos de trabajo en los que, a causa de sus
características personales, estado biológico o por su
discapacidad física, psíquica o sensorial debidamente
reconocida, puedan ellos, los demás trabajadores u otras
personas relacionadas con la empresa ponerse en
situación de peligro o, en general, cuando se encuentren
manifiestamente en estados o situaciones transitórias
que no respondan a las exigencias psicofísi- cas de los
respectivos puestos de trabajo.
Transcurridos varios anos desde la entrada en vigor de la LPRL, son numerosas
las especulaciones exegéticas encaminadas a determinar los sujetos incluidos en el
âmbito de aplicación dei art. 25.1 LPRL. Y su resultado clasificatorio es
moderadamente dispar. Así, mientras que en unas ocasiones se agrupan por igual todos
los supuestos de este art. 25.1 contrapuesto a la situación que se recoge en el art. 25.2,
que da resguardo a la procreación, en la mayoría de las veces se conmutan los
presupuestos de hecho de ambos párrafos para alcanzar una combinación de tres grupos
de trabajadores, que, en substancia, distingue la especial sensibilidad en función de: a)
características personales y/o estado biológico; b) discapacidad reconocida; c) estados o
situaciones transitórias. Sin ninguna pretensión de vaciar de interés esos esfuerzos
aclaratorios, se puede decir que soslayan la diferente naturaleza de cada uno de los
párrafos, que se corresponden, a su vez, con cada uno de los dos princípios preventivos
51
más arriba comentados. Así, el primer párrafo recoge el principio de «adaptación dei
trabajo a la persona», mientras que la esencia dei segundo responde al principio de
«adecuación al trabajo». Hay, simultáneamente, coincidências y divergencias entre los
sujetos incluidos en cada uno de los dos supuestos. Sus derechos y las recíprocas
obligaciones de actuación dei empresário también son claramente distintas. En ambos
párrafos aparecen contemplados, sin embargo, los trabajadores discapacitados.
1.2.1. Obligación de garantizar una protección específica
Todo lo anteriormente visto evidencia que el principio general de adaptación dei
trabajo a la persona se configura como obligación concreta en el primer párrafo dei art.
25.1 LPRL. Es así que el empresário debe garantizar de manera específica la protección
de los trabajadores que sean especialmente sensibles a los riesgos laborales debido a
alguna de estas dos circunstancias: sus propias características o su estado biológico
conocido. El campo delimitado por la aplicación de tan dilatados critérios da lugar,
como se ha dicho, a un repertorio sinfín de hipotéticos sujetos protegibles. Sin dar
ninguna otra senal dei posible repertorio, el legislador sí quiso dejar claro, a través de
una mención explícita, que en todo caso están contempladas las personas que «tengan
reconocida la situación de discapacidad física, psíquica o sensorial». Esta alusión es
meramente expresiva, en el sentido de que aunque no se hubiera realizado, los tra-
bajadores con este tipo de discapacidades estarían igualmente incluidos, bien por su
estado biológico conocido discapacidad física bien por sus características personales
discapacidad psíquica o sensorial. En cualquier caso, la intensidad de la obligación
protectora del empresário se limita sólo con atender a aquéllos discapacitados
formalmente declarados, sino que continúa estando vigente para aquellos trabajadores
que, sin llegar al grado mínimo de disfuncionalidad para obtener el estatus de
discapacitado con reconocimiento oficial, su estado biológico le puede convertir en
especialmente sensible a sufrir los riesgos laborales. Y ello es así porque la causa a
valorar es la situación de necesidad de protección en que se halle cada trabajador. Pero
el hecho de que el art. 25.1 LPRL tome como referencia el elemento subjetivo frente al
objetivo no implica que haya optado por aferrarse a categorias de trabajadores o grupos
prefijados de riesgo, como ocurre con el amparo de la maternidad y de los menores de
edad; sino que la protección vendrá fijada por los aspectos o características que
concurran en el trabajador. No se trata de una presunción legal iuris et de iure en virtud
de la cual todos los trabajadores discapacitados son automàticamente sensibles a los
52
riesgos laborales, sino que lo que la ley sugiere es que dichos trabajadores son
potencialmente más sensibles que los demás, por lo que el empresário habrá de tener en
consideración este rasgo particular para ver si son necesarias medidas protectoras
adecuadas. Como se verá más adelante, estas medidas se ajustarán a la capacidad
psicofísica dei trabajador, a través dei estúdio de datos biológicos y tecnológicos
aplicados a problemas de mutua adaptación entre el hombre y el medio de trabajo, es
decir, de la ergonomia.
Ahora bien, puede ocurrir que, una vez que se ha procedido a dicha evaluación,
resulte que el trabajador discapacitado no sufra ningún riesgo en su puesto de trabajo
distinto dei que pueda afectar al resto de trabajadores. Incluso al contrario, que una
persona sin discapacidad pase a tener la consideración de especialmente sensible
cuando, con la introducción de una medida de protección por ejemplo, una máscara,
aparezcan sintomas de claustrofobia.
1.2.2. La planificación de medidas preventivas
En el segundo párrafo del art. 25.1 LPRL pervive el principio de adaptación al
trabajo, que impone la prohibición de emplear en ciertos puestos de trabajo a aquéllos
trabajadores que puedan ponerse en situación de peligro ellos mismos o bien a otras
personas, sean los demás trabajadores o terceros relacionados con la empresa. Para
demarcar los sujetos concernidos, se distinguen dos tipos de causas que pueden inferir
el peligro:
a) Las características personales, estado biológico conocido o discapacidad
de los trabajadores. Como puede apreciarse, se vuelve a congregar a los mismos
trabajadores que se habían contemplado en el párrafo anterior; lo que repercute en que,
en adición a la obligación de adaptar para ellos los puestos o condiciones de trabajo
cuando sea necesario para garantizar su seguridad, también recae sobre el empresário la
prohibición de emplearlos en los puestos de trabajo en que puedan generar riesgo. La
diferencia es clara, pues, mientras que en el principio de adaptación a la persona se
concibe que estos trabajadores están virtualmente necesitados de protección especial
con indiferencia de la actividad productiva que realicen, en este caso es el puesto de
trabajo el que potencialmente puede producir los riesgos en función de quién los ocupe.
Es en esta parcela dei precepto donde se halla la concordancia con el art. 189 LGSS 74,
al encerrar ambos una idêntica prohibición que, con indiferencia de los arquétipos que
cada uno sugiere, parece ir dirigida hacia afecciones permanentes. Así, un trabajador no
53
podrá ser empleado nunca en los puestos de trabajo de la empresa en los que su
discapacidad pueda suscitar cualquiera de aquéllos riesgos.
b) Los trabajadores que se encuentren en estados o situaciones transitórias
en las que no puedan responder a las exigencias psicofísicas de los respectivos puestos
de trabajo. Aqui se anuncia una cláusula de carácter general. Afecta a todos los
trabajadores de la empresa que, si bien en un contexto de normalidad su prestación de
servidos no provoca ningún peligro, se hallen temporalmente bajo un estado físico o
psíquico por el que la continuidad en su puesto de trabajo arriesgue su seguridad o la de
las demás personas.
Los resultados de concatenación de los supuestos de hecho de ambos tipos de
causas son ilimitados. Baste citar el de los trabajadores que, sin que su discapacidad les
impida el desarrollo de un determinado puesto de trabajo es decir, que no quedan
comprendidos en las causas de prohibición permanente, sin embargo los efectos
derivados de la ingestión de medicamentos, alcohol, drogas, enfermedad temporal,
convalecencia, etc., les incluya en el segundo de los apartados.
Dada la lógica diferenciada de la prohibición de este segundo párrafo con res-
pecto al primero, no seria nada desatinado si el legislador hubiera optado por con-
figurado como un apartado propio dei art. 25 LPRL24. Por último, como se apun- tará
oportunamente, son varias las normas reglamentarias específicas que recogen esta
prohibición emanada dei principio de la adecuación al puesto de trabajo.
2. LA EXTENSION MATERIAL DE LA PROTECCIÓN DE LA SEGURIDAD Y
LA SALUD DE LOS TRABAJADORES DISCAPACITADOS.
Se ha tildado al art. 25 LPRL de ser demasiado vago en su redacción,
calificativo que, sin dejar de ser cierto, no equivale a que no sea nítido. Todo lo
contrario, se distingue con mucha claridad cuáles son los resultados a los que la lógica
de este precepto quiere llegar. Así, en su contenido se perfilan dos conductas
principales impuestas al empresário con respecto a los trabajadores con discapacidad.
La primera es una obligación «de hacer», que se desprende dei principio de adaptar el
trabaj o a la persona, y que consiste en valorar si es necesario emprender medidas
específicas para proteger a dichos trabajadores y, en caso afirmativo, acometerias. La
segunda es una obligación «de no hacer», y es la prohibición recién vista que proviene
dei principio de adecuación al trabaj o. Lo que ocurre es que para materializar la
efectividad de estas dos metas es precisa la concurrencia aplicativa de otras previsiones
54
de la LPRL, puesto que, al fin y al cabo, la protección privativa otorgada a los
colectivos del art. 25 es una especificación de la obligación general de protección eficaz
de la seguridad y la salud de los trabajadores del art. 14 LPRL. De ahí se desprende que
la plasmación de la fuerza protectora del art. 25 LPRL a cada caso concreto se verá
modulada por los mismos principios generales que afectan a Ia obligación de com-
plejo tenor del art. 14, en la cual se incardina, y que son: a) primero, evitar los riegos; b)
evaluar aquellos riesgos que no se puedan evitar; c) combatir los riesgos en su origen;
d) sustituir lo peligroso por lo que entrane poco o ningdn peligro; e) planificar toda la
actividad preventiva; f) anteponer las medidas de protección colectiva a la individual;
g) tener en cuenta la evolución de la técnica; h) dar las instrucciones pertinentes a los
trabajadores. Estos principios generales están forjados por el art. 15 LPRL como unos
patrones estándar o modelos de referencia de la diligencia dei empresário en su deber
de prevención de los riesgos laborales, con lo que la norma es capaz de servir de
instrumento útil a la inconmensurable diversidad de supuestos que la realidad esboza.
En función de ellos se individualizará el contenido de la protección que deba recibir
cada trabajador discapacitado.
Respondiendo a esta proposición, nace una serie de obligaciones para el
empresário con respecto a los trabajadores discapacitados que van más allá de las dos
citadas en el art. 25.1 LPRL (no obstante ser éstas, la de evaluar los riesgos y adoptar
las medidas necesarias, las más importantes). Igualmente acarrea unas obligaciones
específicas para esos trabajadores.-
2.1. La INTERVENCIÓN PROTECTORA DEL EMPRESÁRIO
El derecho básico del trabajador a su integridad física y a una adecuada pro-
tección de su salud reconocido por el Estatuto de los Trabajadores (en los ya relatados
arts. 4 y 19 ET) y por la LPRL supone la existencia de un correlativo deber del
empresário de protección frente a los riesgos laborales, tal como expresamente
prescribe el art. 14.1 LPRL. Esa correlación entre derecho y deber «pone de manifiesto
que la protección a dispensar por el empresário trae causa de una autêntica obligación y
no de un mero deber»; es decir, el comportamiento del empresário no se desprende sólo
de la existencia de un deber marcado por la ley, sino que es exigible por efecto del
contrato de trabajo. En otras palabras, el trabajador tiene un derecho que le permite
reclamar un determinado comportamiento del empresário para que haga efectiva la
protección contra los riesgos derivados del trabajo.
55
Ahora bien, a pesar de que tenga un origen contractual, la obligación del
empresário de proteger la seguridad y salud de los trabajadores reviste un carácter
autónomo e independiente de las otras obligaciones que se derivan del contrato
principalmente la que tiene el trabajador de prestar servidos y la del empresário de
retribuirlos; y eso es así porque lo que hace aquella obligación es trasladar a la sede de
la relación laborai el derecho constitucionalmente reconocido de la protección de la
vida e integridad física del trabajador. Esta razón es la que explica que la obligación de
tutela de la que se está hablando también pueda operar para el empresário con respecto
de personas que están al margen de la relación laborai.
El art. 25 LPRL viene a afiadir a aquélla obligación general otro mecanismo de
tutela anunciado por el art. 49 de la Constitución: el empresário deberá prestar a las
personas con discapacidad la atención especializada que requieran, de manera que
disfruten de las mismas condiciones de protección de la salud y la seguridad que el
resto de trabajadores. Se configura, así, una suerte de discriminación positiva, que
implica una garantia reforzada para los trabajadores discapacitados y, al mismo tiempo,
una obligación adicional para el empresário. A su vez, el precepto esboza la forma de
proceder para estos casos. Los reproches vertidos hacia el art. 25 LPRL por fijar con
bastante inconcreción el modo en que ha de obrar el empresário, quedan ponderados si
lo que realmente se reputa es que sí marca con rotundidad el resultado al que se ha de
llegar. El ver- dadero objeto de la obligación no son, pues, las actividades preventivas a
desarrollar por el empresário, sino que lo es la garantia de que el trabajador disca-
pacitado no sufra ningán riesgo a causa de su peculiaridad personal. Por eso, un efecto
derivado será que al trabajador le bastará con acreditar que sufre un dano laborai,
mientras que el empresário deberá probar que actuó con la diligencia exigida por la
obligación. Ahora bien, no se puede demandar dei empresário un esmero que trascienda
lo previsible, por lo que el cumplimiento de sus deberes debe ser valorado con critérios
razonables, leídos a través de la idea de proporcionar la máxima seguridad
tecnologicamente posible. En definitiva, se estará a si el empresário ejecuta el conjunto
de actividades preventivas con los esfuerzos suficientes para asegurar, hasta donde sea
posible, la protección de los trabajadores discapacitados. La mera observancia formal
de los deberes no basta si la intervención protectora dei empresário no toma en
consideración, junto a las condiciones de trabajo, las características y capacidades de
aquellos trabajadores; que es lo que pretende la obligación dei art. 25 LPRL. Antes de
analizar sucintamente los aspectos principales que de ella se desprenden, se apuntan
56
tres escuetas precisiones. i) La regulación de las medidas sustantivas de seguridad y
salud se contienen en los reales decretos de desarrollo de la LPRL, que a su vez han
transpuesto las denominadas Directivas específicas europeas. ii) En la aplicación de
esta legislación se puede producir algún supuesto de colísión normativa, incluso con
disposiciones de otras ramas dei ordenamiento jurídico. En estos casos, como principio
general, prevalecerá la más favorable para la seguridad y salud de los trabajadores
discapacitados. iii) Compartiendo la tónica general de las normas laborales, las
disposiciones en esta matéria suelen marcar mínimos de derecho necesario, lo que
significa que podrán ser mejoradas por negociación colectiva. Al fin y al cabo, en la
prevención no hay máximos.
2.1.1. La evaluación de los riesgos con potencial afección a los trabajadores discapacitados
La Directiva Marco dejó sentado con claridad la función clave que en el
conjunto de la actividad preventiva reviste la evaluación de los riesgos que puedan
existir en las unidades productivas, marcando su art. 6.3 que, una vez efectuada, las
actividades preventivas deberán integrarse en el conjunto de actividades de la empresa
y en todos los niveles jerárquicos. El art. 9.1 DM reitera que es obligación dei
empresário disponer de una evaluación que incluya los riesgos para la seguridad y salud
que se refieran a los grupos de trabajadores con riesgos especiales.
Sin embargo, cuando se aprobó la LPRL, la regulación de la obligación de
evaluación de riesgos contenida en su art. 16 sólo tenía en cuenta los factores objetivos
que afectaban a las condiciones de trabajo (lugares y equipos de tra- bajo, sustancias),
omitiendo cualquier referencia al factor subjetivo dei trabajador. Esta carência ha sido
suplida en la nueva redacción que la Ley 54/2003 ha operado, recogiéndose ahora en el
art. 16.2.a) LPRL que con carácter general se atenderá «la naturaleza de la actividad, las
características de los puestos de trabajo existentes y de los trabajadores que deban
desempenarlos». Eludiendo comentar la merecida relevancia que a efectos positivos
pedagógicos hay que achacarle, lo cierto es que esta reciente modificación normativa
no viene a ana- dir nada nuevo desde un punto de vista de efectividad sustantiva para la
pro- tección de los trabajadores discapacitados; puesto que, por un lado, el art. 4.1 dei
Reglamento de Servidos de Prevención (RSP) ya viene obligando a que en la
evaluación inicial de aquellos concretos puestos de trabajo sujetos a riesgos que no se
hayan podido evitar, el empresário deberá cuidar «la posibilidad de que el trabajador
que lo ocupe o vaya a ocuparlo sea especialmente sensible, por sus características
57
personales o estado biológico conocido, a alguna de dichas condiciones». Por otro, la
presencia dei tan aludido art. 25.1 LPRL (que permanece inalterado) obliga a que en la
evaluación se tengan en cuenta las especiales condiciones de las personas
discapacitadas; es decir, que, con lã impronta dei principio ergonómico, implica que los
riesgos no se deben medir de forma «aséptica», sino en función de las características
particulares dei trabajador dis- capacitado que los ocupa. Véase a continuación un
esquema dei procedimiento protocolario a través dei cual se personaliza la evaluación.
La nueva redacción dei art. 16 LPRL se cimienta en dos pilares estructurales:
que la prevención deberá integrarse en el sistema general de la empresa y que el punto
de partida de la salud laborai de la empresa sea la implantación y aplicación de un plan
de prevención de riesgos laborales. Si bien ya existia una regulación sustantiva
suficientemente amplia en esta última matéria en el art. 2 RSP, ahora el art. 16.2 LPRL
establece que Ia evaluación de riesgos es uno de los dos instrumentos esenciales para la
gestión y aplicación de ese plan, siendo el otro Ia planificación de la actividad
preventiva.
De los presupuestos de la evaluación, son destacables las siguientes ideas: a) no
es indiferente cualquier procedimiento de evaluación, sino que debe pro porcionar
confianza sobre los resultados que de él se desprendan; b) debe rea- lizarse por expertos
de alguna de las modalidades preventivas definidas en el RSP, por lo que, sean
concertados con servidos ajenos o propios de la empresa, recaerá sobre el empresário la
comprobación de que dicho personal es competente para efectuar las valoraciones de
los riesgos en función de la actividad de la empresa y el estado de los trabajadores
discapacitados; c) la práctica generalizada de la preocupación centrada en un mero
cumplimiento formal de las obligaciones ha llevado a la profusión por parte de las
entidades especializadas de, como se les ha calificado, «librillos» y de formulários
trasformados en abigarrados repertorios de impresos fotocopiados, todo lo cual parece
abocar a la conclusión de que esta dinâmica dificilmente casará con la necesidad de
estimar adecuadamente las peculiaridades de cada individuo perteneciente a la amplia
gama de supuestos dentro dei colectivo de trabajadores discapacitados; d) durante todo
el curso de la evaluación es primordial la participación de los trabajadores, tanto
directamente a los afectados como a sus representantes (especializados Delegados de
Prevención y órganos de representación colectiva).
58
2.1.1.1. «La evaluación inicial»
Para poder llevar a cabo la evaluación inicial es necesario conocer en qué
puestos de trabajo existen riesgos que no se hayan podido eliminar. Para ello, el paso
general, previo y lógico a seguir será recabar información acerca de cuái es la
organización, características y complejidad de los trabajos que se realizan en la
empresa, así como los equipos de trabajo y matérias primas que se emplean en cada uno
de ellos. Es aqui cuando, junto a las concretas condiciones de trabajo, se considerará a
los trabajadores que deben desempenarlas, para lo que se deberá conocer su estado de
salud. El resultado deseado es determinar cuáles son los elementos peligrosos en la
empresa e identificar a los trabajadores que están expuestos a ellos. Ahora bien, para
llegar a esta consecuencia, se podrá acudir si no ha bastado la apreciación profesional
directa a las mediciones, análisis o ensayos que se juzguen pertinentes y, en todo caso,
se debe tomar información de los trabajadores atanidos sobre su visión con respecto a
cuestiones como los riesgos a los que están expuestos, la forma que tienen de operar al
trabajar, etc. (arts. 16 LPRL y 5 RSP). El análisis de todos estos datos, que en función
de critérios objetivos valore e identifique los riesgos existentes y personas afectadas, se
consignará por escrito en un informe que sobre todo en los casos en que se realicen por
servidos ajenos a la empresa, que son los más numerosos deberá ser validado por el
empresário.
Es importante apreciar el efecto que sobre este procedimiento tiene la
importancia que el art. 25 LPRL concede a la protección de los trabajadores
discapacitados, ya que ante su presencia se invierte la correlación de pasos a seguir.
Así, el carácter central de la evaluación no radicará en indagar los riesgos de los puestos
de trabajo en la empresa en función de las condiciones de los trabajadores que
posiblemente los ocupen, sino que habrá que verificar cuáles son los riesgos que
afectarían al trabajador discapacitado en los distintos puestos de trabajo de la empresa
que pueda ocupar (y en general, los riesgos que puedan emanar de las condiciones de
trabajo subsistentes en la empresa ). Puede ocurrir que un determinado riesgo no exista
o se haya eliminado para el resto de la plantilla dei centro y que, sin embargo persista
para un trabajador debido a su particular discapacidad; o que, habiéndolo para todos, las
secuelas de ese riesgo se vean incrementadas por la especial sensibilidad de dicha
persona. En esta evaluación también deberá analizarse el grado en que la discapacidad
dei trabajador, en conjunción con determinados puestos o condiciones de trabajo,
constituye un factor creación de riesgos para él mismo o para otras personas.
59
La trascendencia dei quehacer de los expertos que identifican y evalúan los
riesgos, al igual que la de la aportación de los propios trabajadores afectados, se
proyectan en dos cauces distintos. Por un lado, es necesario conocer fielmente los
pormenores precisos para que las personas discapacitadas puedan gozar de la misma
efectividad que los demás trabajadores en las condiciones de seguridad y protección de
la salud. Y, a la vista de la diversidad de situaciones que afectan al colectivo de sujetos
que cuentan con una discapacidad, ese conocimiento debe tener tanto un alcance
técnico-preventivo como real y personal. Se trata, por tanto, de materializar el trato
protector de favor o discriminación positiva que antes se ha mencionado que se deriva
dei art. 25 LPRL. Sin embargo, por otro lado, la pericia en este terreno de los expertos y
la opinión de la persona son capitales para evitar un efecto de reacción contraria por
parte de las empresas. Es decir, a la vista de la sintomática desnaturalización en que se
ha ido encauzando la práctica de las evaluaciones de riesgos en los últimos anos, se
corre el peligro de que esta mayor protección legal se perciba como un puro elemento
generador de más obligaciones y complicaciones en la gestión empresarial, con lo que,
sufriendo las consecuencias inherentes a todos los tópicos, se opte de antemano por no
contratar a trabajadores con alguna discapacidad.
2.1.1.2. La actualización de la evaluación
La evaluación no puede ser un proceso estático, sino que debe estar cons-
tantemente actualizándose como respuesta ante la eventual aparición de riesgos
laborales. Cualquier evaluación inicial de concepción inalterable quedará pronto
obsoleta. Es así que la ineludible cualidad dinâmica que aquélla debe tener está
estipulada normativamente, tal como se desprende de la LPRL (la evaluación será
actualizada cuando cambien las condiciones de trabajo, art. I4.2.a) y dei RSP. Este
obliga a que se vuelvan a evaluar los puestos de trabajo que sean afectables por, amén
otros aspectos objetivos ligados a las condiciones laborales, la incorporación de un
trabajador cuyas características personales o estado biológico conocido lo hagan
especialmente sensible a las condiciones dei puesto (art. 4.2 RSP).
La actualización prescrita ante la aparición de câmbios subjetivos no sólo
alcanzará a aquellos trabajadores discapacitados de nueva incorporación en la empresa,
sino que se extenderá a tres tipos de novedades vinculadas a personas que ya venían
prestando servidos en la empresa. Una, la de aquellos trabajadores que ya tenían
discapacidad conocida y que pasan a ocupar un puesto de trabajo que no entraba en la
60
previsión de puestos evaluados incialmente (por ejemplo, por ascender a una categoria
que requiere una titulación que antes no poseía el trabajador discapacitado). Otra enlaza
con la verosímil imposibilidad de detectar en la evaluación inicial todos los casos en los
que concurre la indeterminada «especial» sensibilidad a los riesgos provocada por la
discapacidad, y que se diagnostica con posterioridad. La tercera será en los casos en que
la discapacidad es sobrevenida.
En función de lo que hubieran revelado los resultados de la evaluación inicial, y
con la finalidad de detectar situaciones potencialmente peligrosas brotadas de la
especial situación de discapacidad, el empresário realizará controles periódicos de las
condiciones de trabajo y de la actividad dei trabajador en la prestación de sus servidos
(art. I4.2.b LPRL). Esta obligación debe ser entendida en ambas direcciones: que el
presunto peligro suscite repercusiones para la seguridad o salud dei trabajador
discapacitado, o bien que repercuta hacia otros trabajadores a otras personas
relacionadas con la empresa.
Una cuestión diferente es la revisión de la evaluación inicial, que está recogida
en la nueva redacción dei art. 16 LPRL tras la Ley 54/2003, aunque continúa regulada
con mayor detalle en el art. 6 RSP; según el cual deberá revisar- se, con independencia
de lo que establezcan otras disposiciones específicas o los acuerdos de empresa, «la
evaluación correspondiente a aquéllos puestos de trabajo afectados cuando se hayan
detectado danos a la salud de los trabajadores o se haya apreciado a través de los
controles periódicos, incluidos los relativos a la vigilancia de la salud, que las
actividades de prevención pueden ser inadecuadas o insuficientes». Esto equivale a que,
cuando un trabajador discapacitado sufra un accidente o su salud se vea perjudicada
como consecuencia de su trabajo, se ha de observar si hubo algún fallo en la valoración
que inicialmente se había hecho de la interrelación de los riesgos con sus circunstancias
personales. La revisión no presupone intrinsecamente que se tenga que modificar la
evaluación inicial, pues es posible que de las comprobaciones realizadas se deduzca que
la causa originadora dei dano para la salud dei trabajador no fuera previsible o no
estuviera relacionada con la discapacidad. Sea o no necesaria una rectificación, sí
quedará constancia escrita dei informe de los resultados de la revisión, así como de las
actuaciones específicas que de ella procedan, lo que además podrá ser de utilidad para
un posterior seguimiento de la salud dei trabajador discapacitado.-
61
2.1.2. La planificación de medidas preventivas
Cuando a la luz de los resultados de la evaluación se pongan de manifiesto
situaciones de riesgo, el empresário debe realizar todas las actividades preventivas que
sean precisas para eliminar esos riesgos o, en caso de no poder ser así, reducirlos y
controlarlos. El renovado texto dei art. 14.2.b) LPRL exige, cabalmente, que estas
actividades estén planificadas por el empresário, «incluyendo para cada actividad
preventiva el plazo para llevarla a cabo, la designación de responsables y los recursos
humanos y materiales necesarios para su ejecución». Además, deberá efectuar un
seguimiento continuo de la ejecución de tales actividades, de manera que se asegure la
efectiva ejecución de las mismas.
En análoga línea se sitúa el mandato dei art. 25 LPRL, y no es de extranar que el
contenido de esta norma, a la hora de marcar las medidas concretas que se deben tomar
para asegurar la prevención y protección de los trabajadores, adolezca de cierta
indeterminación al no fijar los critérios sobre «lo necesario». Huelga reincidir en la idea
de que, ante la ampiitud de rasgos particulares que se desatan dei universo subjetivo a
proteger, lo más factible es marcar el resultado al que hay que llegar. Pero no implica
que exista una plena discrecionalidad en la aplicación de las medidas, sino que éstas
deben guardar coherencia con la conclusión que se haya extraído sobre los efectos de la
conjugación dei factor condiciones de trabajo que provocan el riesgo con el de la
«circunstancia personal del trabajador discapacitado». Lo anterior no denotará, en
ningún caso, el silogismo acerca de que cuando la prevención se proyecte sobre
personas con discapacidad «las medidas a prever o adoptar tendrán que ir más allá de
las que pudieran resultar precisas si entre el personal trabajador no hubiera personas de
[ese] tipo». Sin dejar de ser probable, esta conclusion no es indefectible. Habrá de
estarse a cada caso concreto para atender a la necesidad de introducir o no medidas
específicas en la actividad preventiva de la empresa. Lo indubitable es que, ante la
presencia de un trabajador con discapacidad, siempre deberá el empresário evaluar los
posibles riesgos que existan entre sus características per- sonales y el entorno laborai,
mientras que la adopción de medidas de protección estarán en función de los resultados
de la evaluación. No obstante, entre la regulación sustantiva de la prevención de riesgos
laborales se pueden localizar ciertas medidas directamente dirigidas a los trabajadores
discapacitados.
62
2.1.2.1. Lugares de trabajo
En el RD 486/1997 se establecen las disposiciones mínimas de seguridad y salud
que deben aplicarse en los lugares de trabajo. Concretamente, ordena que:
Los lugares de trabajo y, en particular, las puertas, vias
de circulación, escaleras, servidos higiénicos y puestos
de trabajo, utilizados u ocupados por trabajadores
minusválidos, deberán estar acondicionados para que
dichos trabajadores puedan utilizarlos.
Para analizar el alcance de esta disposición deben conocerse cuáles son los
parâmetros en los que se plantea. Primero, es de destacar que se encuentra ubicada en el
anexo I de este RD, que acopia los requisitos mínimos de seguridad que recaen
principalmente sobre las condiciones constructivas. Segundo, esta obligación tiene que
ver con todos los lugares de trabajo, tanto los que fueran utilizados por primera vez a
partir de la entrada en vigor dei RD como los anteriores. Tercero, parece que estas
particularidades sólo inciden en aquellos trabajadores discapacitados que sufren una
minusvalía física, incluso se podría aventurar que de carácter motriz. Por último, no
será de aplicación en: a) los medios de transporte utilizados fúera de la empresa o
centro de trabajo, así como a los lugares de trabajo situados dentro de los medios de
transporte; b) las obras de construcción temporales o móviles; c) las industrias de
extracción; d) los buques de pesca, ni e) los campos de cultivo, bosques y otros terrenos
que formen parte de una empresa o centro de trabajo agrícola o forestai pero que estén
situados fúera de la zona edificada de los mismos. Lo que no obsta a que la LPRL
continue siendo plenamente vigente para estos sectores.
El contenido de la obligación dei acondicionamiento para los trabajadores
discapacitados se refiere, a modo general, a los «lugares de trabajo». A tal efecto, el art.
2 los define como «las áreas dei centro de trabajo, edificadas o no, en las que los
trabajadores deban permanecer o a las que puedan acceder en razón de su trabajo. Se
consideran incluidos en esta definición los servicios higiénicos y locales de descanso,
los locales de primeros auxilios y los comedores.» También considera que las
instalaciones de servido o protección anejas a los lugares de trabajo son parte integrante
de los mismos. En realidad, más que dar una definición, la intención de esta regulación
es declarar la aplicación universal de estas normas mínimas a todos los lugares donde
haya o pueda haber trabajadores. Por otro lado, el RD 486/1997 enumera de manera
63
particular el acondicionamiento de los elementos de acceso y movilidad a las distintas
dependen- cias de los lugares de trabajo (puertas, vias de comunicación y escaleras), así
como los servicios higiénicos y los puestos de trabajo. Todos ellos cuentan con una
regulación detallada, bien sea en el mismo anexo, en otros anexos dei mismo decreto o
en otras normas reglamentarias.
Con todo, en ningán caso el RD 486/1997 da referente alguno con respecto a
cuándo se entiende alcanzado el grado de la adecuación, en términos de seguridad, para
el uso de las instalaciones por los trabajadores discapacitados; mientras que sí es
riguroso al estipular valores mensurables en lo afín a las condiciones generales de
seguridad. Por ejemplo, sobre la anchura de las puertas (80 centímetros para las
exteriores y 1 metro para las de pasillo), las pendientes máximas de las rampas (12%
cuando su longitud sea menor que 3 metros, dei 10% cuando su longitud sea menor que
10 metros o dei 8% en el resto de los casos), etc. Esta ausência de una mayor
concreción podría sorprender si se observa que este RD otorga previsiones mínimas
algo más concretas a otros colectivos, como ocurre con los lugares de descanso para los
no fumadores o las trabajadoras embarazadas y madres lactantes (si bien en este caso es
manifestación de la directiva europea sobre la mujer embarazada).
Sin embargo, baste un simple esbozo de dos reflexiones para alejar cualquier
semblante de perplejidad sobre la cuestión que se está tratando. Primeramen- te, si se
comparan las respectivas condiciones mínimas, se apreciará una concomitancia básica
entre ambas normativas. Se puede concluir que la indeterminación reglamentaria en
cuanto al concepto de adecuación, no es óbice para mantener la plena virtualidad de la
obligación encaminada a que el empresário garantice las condiciones de seguridad en el
uso de los lugares de trabajo por parte de los trabajadores discapacitados.
En segundo lugar, los aspectos que se han relatado dei RD 486/1997 tienen la
naturaleza de norma específica que afecta a la seguridad de los lugares de trabajo, pero
no debe olvidarse que en matéria de eliminación de barreras arquitectónicas existe otra
regulación también específica sobre accesibilidad universal, cuyas disposiciones son las
que prevalecerán en lo que respecta a los trabajadores discapacitados. Un componente
altamente notable para la sobrecarga económica que esta previsión normativa pueda
suponer para las empresas, y simultáneamente una medida positiva para el fomento de
la incorporación de las personas con discapacidad al mundo laborai normalizado, son
las subvenciones destinadas a la adaptación de puestos de trabajo necesaria para evitar
accidentes laborales al trabajador minusválido, en los nuevos términos establecidos por
64
el art. 12 dei RD 1451/1983 tras su modificación de princípios de 2004. Hay que
destacar, obviamente, al margen de la ayuda económica en sí, que el propio trabajador
está legitimado para solicitaria si no lo hiciera la empresa. Pero como requisito previo a
la procedencia de la subvención, se establece que la necesidad de la adaptación deberá
contar con el informe favorable de la Inspección de Trabajo y Seguridad Social.
2.1.2.2. Equipos de trabajo
Se ha visto profusamente cómo el art. 25 LPRL acredita a los trabajadores
discapacitados una protección de su seguridad y salud adaptada a sus condiciones.
Sobra decir que para desempenar su trabajo necesitarán usar, en mayor o menor
medida, uno o varios equipos de trabajo, cuyas condiciones mínimas de seguridad están
reguladas por el RD 1215/1997. Pues bien, como elemento común de esas dos
proposiciones, destaca la presencia en ambas providencias normativas dei principio de
«la adaptación dei trabajo a la persona». Es así que para la aplicación de las
disposiciones mínimas de seguridad y salud previstas en él, este RD exhorta al
empresário a tener en cuenta «los principios ergonómicos, especialmente en cuanto al
diseno dei puesto de trabajo y la posición de los trabajadores durante la utilización dei
equipo de trabajo». Como obligación general del empresário, su art. 3.1 persiste en ello:
El empresário adoptará las medidas necesarias para que
los equipos de trabajo que se pongan a disposición de
los trabajadores sean adecuados al trabajo que deba
realizarse y convenientemente adaptados al mismo, de
forma que garanticen la seguridad y la salud de los
trabajadores al utilizar dichos equipos de trabajo.
Una de las propiedades de este reglamento es la universalidad de su alcance
aplicativo, que se demuestra llanamente de las definiciones que maneja. Así, un equipo
de trabajo es «cualquier máquina, aparato, instrumento o instalación utilizado en el
trabajo». Y se considera que se está utilizando cuando haya cualquier actividad referida
a él, «tal como la puesta en marcha o la detención, el empleo, el transporte, la
reparación, la transformación, el mantenimiento y la conservación, incluida en
particular la limpieza». Operador del equipo será «el trabajador encargado de la
utilización de un equipo de trabajo». En definitiva, no hay actividad productiva ni
sector económico que se escapen de las amplias nociones de este RD, y por tanto de las
obligaciones que impone. Es por eso que se afirma que todo el conjunto de bienes
65
muebles de la empresa sean máquinas o no y las instalaciones aunque estén
inconcluidas están afectados por aquélla obligación general, lo que deberá tenerse en
cuenta a la hora de planificar la prevención, primordialmente en lo que atane a la
evaluación de los riesgos laborales. Efectivamente, el antedicho art. 3.1 prosigue, una
vez que ha asentado la prioridad de la elección de equipos inocuos, que:
Cuando no sea posible garantizar de este modo
totalmente la seguridad y la salud de los trabajadores
durante la utilización de los equipos de trabajo, el
empresário tomará las medidas adecuadas para reducir
tales riesgos al mínimo.
Al respecto, entiende que es peligrosa «cualquier zona situada en el interior o
alrededor de un equipo de trabajo en la que la presencia de un trabajador expuesto
entrane un riesgo para su seguridad o para su salud»; en tanto que está expuesto
«cualquier trabajador que se encuentre total o parcialmente en una zona peligrosa» (art.
2). La utilización de los equipos de trabajo debe acomodarse a las condiciones
generales establecidas en el Anexo II del Real Decreto, aunque el art. 3.4 contempla
que, cuando, a fin de evitar o controlar un riesgo específico para la seguridad o salud de
los trabajadores, la utilización de un equipo de trabajo deba realizarse en condiciones o
formas determinadas, que requieran un particular conocimiento por parte de aquéllos, el
empresário adoptará las medidas necesarias para que la utilización de dicho equipo
quede reservada a los trabajadores designados para ello.
Pese a que estas referencias generales son suficientes para conformar la
protección de todos los trabajadores y así no resulten afectados por el manejo de un
equipo de trabajo, el RD 1215/1997 va más allá e impone otras obligaciones al
empresário, que son limitativas de su libertad de decision en la selección de los equipos
de trabajo. En especial, redobla la protección de los trabajadores discapacitados, al
obligar a que para la elección de los equipos de trabajo el empresário deberá tener en
cuenta, entre otros factores: «en su caso, las adaptaciones necesarias para su utilización
por trabajadores discapacitados» (art. 3.2).
2.1.2.3 Equipos de protección individual
Un equipo de protección individual es cualquier equipo destinado a ser llevado o
sujetado por el trabajador para que le proteja de uno o varios riesgos que puedan
66
amenazar su seguridad o su salud, así como cualquier complemento o accesorio
destinado a tal fin. Cuando el RD 773/1997 concibe esta definición, lo hace también
con vocación universal, pues se dirige hacia todos los sectores de actividad económica.
En contra, lo que sí excluye de ella, y por tanto quedan fuera de la aplicación de este
Reglamento, son, por voluntad de su art. 2.2: a) la ropa de trabajo corriente y los
uniformes que no estén especificamente destinados a proteger la salud o la integridad
física dei trabajador; b) los equipos de los servidos de socorro y salvamento; c) los
equipos de protección individual de los militares, de los policias y de las personas de los
servidos de mantenimiento del orden; d) los equipos de protección individual de los
medios de transporte por carretera; e) el material de deporte; f) el material de
autodefensa o de disuasión; y g) los aparatos portátiles para la detección y senalización
de los riesgos y de los factores de moléstia.
No aparece en el articulado dei Reglamento una mención expresa a los tra-
bajadores discapacitados; dato que no es trascendental para desatender la repercusión
que para ellos tiene una adecuada elección de un medio de protección adecuado, y
menos cuando éste ya lo es un simple guante, gafas o tapones. De ahí que incumba
averiguar, bien que muy por encima a la vista dei marcado carácter técnico de esta
matéria, las circunstancias, critérios y condiciones que influyen en la elección de un
equipo de protección individual.
Como punto de partida, hay que aclarar que estos equipos deberán utilizar- se
cuando existan riesgos para la seguridad o salud de los trabajadores después de que
haya fracasado su eliminación o limitación suficiente por alguna de estas dos vias: i)
diseno de medidas, métodos o procedimientos de organización dei trabajo; ii) la
aplicación de medios técnicos de protección colectiva. Este último recurso es reflejo dei
principio preventivo de la LPRL apuntado más arriba, por el que se prefíeren las
medidas que antepongan la protección colectiva a la individual. No obstante y a título
orientativo, el mismo RD aneja una lista indicativa y no exhaustiva de actividades y
sectores de actividades que pueden requerir la utilización de equipos de protección
individual.
De lo visto hasta ahora se puede decir que, antes de que los trabajadores dis-
capacitados tengan que usar un medio de protección individual, se habrá tenido que
aplicar (o habrán resultado ineficientes), en primer lugar, una adaptation de sus
condiciones de trabajo de manera que elimine los riesgos y, en caso de que éstos
persistan, disponer medidas de protección colectiva. Pero reconociendo la amplitud dei
67
concepto de equipo de protección individual, es muy plausible el frecuente uso real de
alguna de sus modalidades.
El procedimiento de elección se iniciará, una vez analizados y evaluados los
riesgos existentes que no pueden evitarse o limitarse suficientemente por otros medios
es decir, después de la evaluación inicial, con la definition de «las características que
deberán reunir los equipos de protección individual para garantizar su función, teniendo
en cuenta la naturaleza y magnitud de los riesgos de los que deban proteger» (art. 6.1.b
RD 773/1997). Luego, se considerarán dos factores. Por un lado, de acuerdo con lo
anterior, se compararán las características de los equipos de protección individual
existentes en el mercado. Por otro, que los equipos de protección que se vayan a elegir
no ocasionen de por sí riesgos adicionales ni moléstias. En todo caso, antes de que la
elección sea definitiva de acuerdo con todos estos critérios, el empresário deberá
verificar la conformidad dei equipo escogido con las «condiciones anatómicas y
fisiológicas y el estado de salud dei trabajador» (art. 6 en conjunción con el art. 5).
La determinación del uso de un equipo de protección individual adaptado al
trabajador discapacitado no es una action puntual o estática. Al contrario, sus
características deberán revisarse en función de las modificaciones que se produzcan en
cualquiera de las circunstancias y condiciones que motivaron su elección, para lo que se
ajustarán a «las modificaciones significativas que la evolution de la técnica determine
en los riesgos, en las medidas técnicas y organizativas, en los médios de protección
colectiva para su control y en las prestaciones funcionales de los equipos de protección
individual» (art. 6.3 dei RD 773/1997). Y cómo no, a la evolución que pueda
experimentar el estado de la discapacidad dei trabajador.
De nuevo hay que llamar la atención sobre la posibilidad, en los términos
descritos, de obtener una subvención para hacer frente al aumento de costes adi-
cionales que suponga la dotación de estos equipos de protección especiales para los
trabajadores discapacitados, cabiendo la alternativa de que lo solicite el mismo
trabajador cuando no lo ha hecho la empresa. También es preceptivo el informe
favorable de la Inspección.
2.2. LOS EFECTOS DEL ART. 25.1 LPRL EN RELACIÓN CON LOS PODERES
DEL EMPRESÁRIO
Las amplias obligaciones que emanan dei art. 25.1 LPRL están ligadas directa o
indirectamente con los poderes dei empresário. Expresándose aqui tal relatividad, bien
68
en el sentido de que la solución que se habrá de aplicar para alcanzar el resultado
querido por aquel precepto necesitará alguna manifestación de los poderes contractuales
empresariales, bien porque jueguen un rol contrario, es decir, que la conducta prescrita
por la normativa limite o impida el habitual ejercicio de estos poderes. Conviene
abordar este planteamiento desde cada uno de los dos princípios incluidos en el art.
25.1.
2.2.1. La obligación de adaptar las medidas preventivas al trabajador
Radicada en el primer párrafo dei art. 25.1 LPRL, como se ha visto, la nece-
saria adaptación de las condiciones de seguridad y salud a las particularidades dei
trabajador discapacitado desvela una autêntica obligación de hacer que, a su vez, genera
un haz de deberes para el empresário. A grandes rasgos, se ha trazado el proceder que
debe seguir el empresário para asegurar que las actividades preventivas en la empresa
tengan en cuenta aquellas características, y se ha resaltado cómo, en la ejecución dei
conjunto de todas las acciones realizadas dentro de la planificación de la prevención, el
empresário tiene que seguir unas pautas prefijadas por las normas a la hora de tomar sus
decisiones. Seria el caso de la recién aludida limitación en su libertad de decidir qué
equipos de trabajo o de protección son más adecuados para su empresa.
Sin que se presenten en este apartado grandes complicaciones entre la colisión
de los deberes y las potestades generales dei empresário, parte de la doctrina científica
ha intentado dilucidar qué ocurre cuando el trabajador muestra una discapacidad
sobrevenida y que el mismo afectado desconocía; postulado al que también se podría
acompaííar en este estúdio la conjetura acerca de las consecuencias de la aparición de
especiales sensibilidades mostradas por trabajadores discapacitados ante la introduction
de las medidas de prevención o protection. En pocas palabras: se trataria de virtuales
imposibilidades de acomodar las medidas preventivas del puesto de trabajo ada persona
de manera que se eviten riesgos para su seguridad y salud.
Uno de los alegatos, figurado sobre el ejemplo de una persona que empieza a
trabajar en un recinto cerrado o a grandes alturas y empieza a mostrar sintomas de
claustrofobia o vértigo, no duda en mantener la idea de que habrá que asignarle a dicho
trabajador otro puesto en el que no muestre tal sensibilidad. Sin embargo, opina que, de
haber sido contratado ese individuo para la específica realización de las tareas del
puesto para el que más tarde resulto inadecuado, «deberia ser posible y admisible la
rescision del contrato de trabajo aun a pesar de que hubiera transcurrido el período de
69
prueba». Compartiendo plenamente la primera régla de asignación de otro puesto de
trabajo, hay que senalar que, antes de llegar a la décision resolutoria del contrato, el
empresário deberá usar otras facultades modificativas de la relation laboral. Llegados a
este punto y para evitar redundancias, es más apropiado revisar tales posibilidades en el
apartado que viene a continuation, salvando las divergencias que entre ambos existen.
2.2.2. Los puestos de trabajo peligrosos
De la evaluación de riesgos llevada a cabo en la empresa, se tendrá que conocer
cuáles son los puestos de trabajo que entranan peligro para los trabajadores
discapacitados que los ocupen o que, ante determinadas circunstancias transitórias de
estas personas, se tornan peligrosos. Como bien puede suponerse, el critério
identificador de la conocida prohibición del segundo párrafo del art. 25.1 LPRL es la
presencia de peligrosidad, tanto para el propio trabajador discapacitado como para otras
personas. En el análisis sobre qué se entiende por peligro en este precepto legal, la
doctrina suele hacer a menudo diferentes graduaciones, incluso se afirma que no se
corresponde automàticamente con la inminencia. Sin entrar en más detalle, hay que
advertir que justamente esta última cualidad es la que califica y separa al peligro de un
mero riesgo. Es decir, por su propia naturaleza, un peligro es un riesgo inminente. Así,
puede ocurrir que un puesto de trabajo entrane riesgos no evitables para un trabajador
discapacitado (ante el que se tendrán que tomar las medidas preventivas y protectoras
precisas, y que se corresponde con el presupuesto de hecho del apartado anterior), que
es muy diferente de cuando un puesto comporta peligro, en cuyo caso la reacción a
tomar debe ser presurosa; tal como lo es la drástica veda dei art. 25.1 LPRL, con un
carácter absoluto.
Los efectos de la prohibición son claros en el momento de la contratación de un
trabajador, de modo que no procederá emplearle si se aprecia que es racionalmente
probable que de la interacción de su discapacidad con el puesto de trabajo a ocupar se
materiaiice un riesgo en un futuro inmediato, y pueda suponer un dano grave para la
salud dei mismo trabajador o de otras personas.
Tampoco encierra ningún dilema la incompatibilidad entre la discapacidad dei
trabajador y aquéllos puestos de trabajo o tareas detectadas al evaluar los riesgos de la
empresa que tiene el potencial resultado peligroso que se viene comentando. El
veredicto legal será la interdicción de adscribir al trabajador discapacitado a dichos
puestos de trabajo o a encomendarle aquéllas tareas. En este sentido, los efectos de esta
70
previsión dei art. 25.1 LRPL encarnan una limitación ex ante al ejercicio de los poderes
de dirección dei empresário (en cuanto al dere- cho que tiene a asignar concretas tareas
a sus empleados) y a su derecho de variar las condiciones de trabajo (a través de las
figuras jurídicolaborales de la movilidad funcional o la modificación sustancial de
condiciones de trabajo).
Las dudas se presentan sobre la conducta que debe seguir el empresário ante la
incompatibilidad sobrevenida en dos escenarios distintos.
i) Cuando el empresário, haciendo uso de la movilidad funcional dei art. 39
ET, destina al trabajador discapacitado a otro puesto de trabajo distinto dei habitual, sin
que la situación de peligro resultante hubiera sido detectada o esperada tras los procesos
de evaluación de riesgos seguidos en la empresa. Aqui, la prohibición actuará con
efecto posterior a la decisión tomada por el empresário, debiéndose actualizarse en lo
necesario la evaluación inicial de los riesgos que se hubiera hecho en la empresa. En
todo caso, se recuerda que el art. 39.3 ET no permite «invocar las causas de despido
objetivo de ineptitud sobrevenida o de falta de adaptación en los supuestos de
realización de funciones distintas de las habituales como consecuencia de la movilidad
funcional».
ii) El otro será cuando los trabajadores minusválidos se encuentren
transitória y manifiestamente en estados o situaciones que no respondan a las exigencias
psi- cofísicas de los respectivos puestos de trabajo. Si esto apareciera de improviso,
operará inmediatamente la prohibición legal de que el trabajador continue ocupando su
puesto de trabajo. Desde el punto de vista de la planificación preventiva, se tendrá que
efectuar una revisión de la evaluación de riesgos y la toma de medidas oportunas. Pero
lo que no explicita el art. 25.1 LPRL es cuáles son los critérios de la separación dei
puesto de trabajo. Aunque algunos autores reclamaron desde el principio la
conveniencia de un desarrollo reglamentario de esta previsión legal, lo cierto es que no
se ha producido. Para cubrir este vacío se han propuesto varias referencias analógicas,
unas más controvertidas art. 26 LPRL sobre protección a la maternidad que otras art. 36
ET con respecto a los trabajadores nocturnos.
Lo importante es que el empresário está obligado a desplegar todas las
posibilidades que le ofrecen sus poderes contractuales para que el trabajador
discapacitado no continue en el puesto de trabajo que provoca el peligro. Ahora bien,
hay que remarcar que el objetivo de esta prohibición es garantizar la seguridad y la
salud dei trabajador, sus companeros y otras personas, y no para perjudicarle; por lo que
71
un efecto no deseado seria el recurso a la extinción dei contrato de trabajo por la vía dei
despido objetivo dei art. 52.a) ET. Antes de llegar a ella, cabrán alternativas tales como
la movilidad funcional, la modificación sustancial de las condiciones de trabajo, incluso
la movilidad geográfica dei trabajador discapacitado.
2.2.3. La sanción por el incumplimiento
En los dos apartados anteriores se ha visto que el empresário debe hacer o no hacer
determinados comportamientos para garantizar la seguridad y salud de los trabajadores
discapacitados, y que esas obligaciones pueden tener un alcance muy variado sobre los poderes que
tiene en relación a la prestación de servidos de sus empleados. Por ejemplo, respecto a la tan citada
movilidad funcional. Por una parte, el empresário no podrá usaria libremente cuando intente
destinar al trabajador discapacitado a un puesto cuyas medidas preventivas no hayan sido adaptadas
a él (contravendría la obligación dei primer párrafo dei art. 25.1 LPRL), ni tampoco cuando la
ocupación dei puesto pudiera crear un peligro (prohibición dei segundo párrafo). De otra, el
empresário se verá abocado a recurrir a la movilidad funcional si no son más aptas otras fórmulas
para salvar, precisamente, esa prohibición de mantener al trabajador discapacitado en su puesto de
trabajo habitual cuya ocupación se ha vuelto peligrosa.
La inactividad o ausência de respuesta ante alguno de los deberes impuestos por el art. 25
constituirá un incumplimiento objeto de sanción, que variará en función de que la infracción sea
calificada de grave o muy grave
Es infracción grave la adscripción de trabajadores discapacitados a puestos de
trabajo cuyas condiciones sean incompatibles con sus características personales, así
como su dedicación a la realización de tareas sin tomar en consideración sus
capacidades profesionales en matéria de seguridad y salud en el trabajo (art. 12.7
LISOS). Y estos mismos hechos se tipifican como muy graves cuando, además, de ello
se derive un riesgo grave e inminente para la seguridad y salud de los trabajadores (art.
13.4 LISOS).
2.3. La PREVENCIÓN DE LOS RIESGOS EN EL MEDIO LABORAL PROTEGIDO
2.3.1. Referencias normativas
Sin entrar en más detalles sobre la naturaleza de las diferentes modalidades de
trabajo protegido, la reflexión más significativa que debe extraerse es que el carácter
universal dei âmbito de aplicación de la LPRL engloba enteramente a aquéllas
relaciones laborales cenidas a las personas discapacitadas. Así se desprende dei art. 3
72
LPRL, tal como se ha acentuado en las primeras páginas de este comentário; por lo que
les serán de aplicación todos los aspectos que se han ido desarrollando posteriormente.
Dicho esto, hay que hacer hincapié en que en la normativa específica dei trabajo
protegido se procuran unas mínimas acomodaciones.
En la línea acabada de exponer, el RD 1368/1985, al regular la relación laboral
especial de los minusválidos que trabajan en los centros especiales de empleo, dispone
que será de aplicación en dichos centros «con carácter general la normativa vigente en
matéria de salud y seguridad en el trabajo». Concreta- mente alude a la LPRL y los
reglamentos que la desarrollan (art. 8.3). Junto a esta remisión general, el RD estipula
dos referencias con contenido preventivo.
La primera de ellas está en su art. 6.2, que provee una revisión al menos bianual
encaminada al doble objetivo de, por un lado, garantizar que el trabajo que realiza el
trabajador minusválido se adecue en todo momento a sus características personales y
profesionales y, por otro, valorar el grado de adaptación profesional que haya
alcanzado. Si, como consecuencia de las revisiones, los equipos multiprofesionales
observan que el trabajo que está siendo realizado por el trabajador supone un riesgo
grave para su salud, deberán declarar la inadecuación dei mismo.
Se detecta aqui la clara presencia dei principio de adaptación dei trabajo a la
persona y su dinamismo, al tener que chequearse periodicamente el mantenimiento de
esa adecuación. Pero debe entenderse que si se llega al limite de la maleabilidad dei
puesto de trabajo, y se constata que éste envuelve la posibilidad de que el trabajador
sufra un dano grave para su salud en caso de permanecer en él, entonces aparece el otro
principio: el que impone la prohibición de que el trabajador minusválido continue
ocupando dicho puesto. Los efectos para el titular dei centro de empleo son los mismos
que antes se han visto. Primero, remover al trabajador afectado a otro puesto de trabajo
que sea adecuado a sus características. Luego, cuando no quepan otras modificaciones
de las condiciones de trabajo como variación de la jornada, etc. se llegará a la solución
limite de la extinción dei contrato en los términos dei art. 16 dei mismo RD; es decir,
con la aplicación de las normas dei despido objetivo.
La otra referencia se ubica en la matéria salarial, ordenándose que, si se van a
utilizar sistemas de incentivos para estimular el rendimiento en el trabajo, «no podrán
establecerse aquéllos que puedan suponer, a juicio de los equipos multiprofesionales,
un riesgo para la salud dei trabajador o su integridad física o moral» (art. 12.a. RD
1368/1985). En este caso el objeto de la prohibición no es el puesto de trabajo, sino una
73
determinada forma de desarrollar las funciones y tareas que, en condiciones de
normalidad, no implican ningún riesgo para la seguridad y salud dei trabajador. Aunque
el RD 1368/1985 se cine a los incentivos salariales, deben extenderse los efectos de esta
regulación a cualquier sistema de cálculo de rendimiento dei que se puedan derivar este
tipo de alteraciones en la salud dei trabajador.
Sobre los enclaves laborales constituídos entre un centro especial de empleo y
una empresa colaboradora, el art. 9 del reciente RD 290/2004 no permite su creación
para realizar actividades peligrosas recogidas en el Anexo I dei Reglamento de Servidos
de Prevención (RSP). Además, ese mismo artículo dei RD 290/2004 recuerda el
especial deber de cooperación entre aquéllas empresas y el centro especial de empleo;
deber que se deriva de la normativa específica de coordinación de actividades
empresariales. Acerca de este tema, hay que remitirse a lo ya analizado en el capítulo
correspondiente.
2.3.2. Problemas constatados
Se acaba de ver que en el ordenamiento espanol, y siguiendo la tónica general a
nivel internacional, la reglamentación de seguridad y salud en el medio de trabajo
protegido es el mismo que en el ‘ordinário’. Sin embargo, en cuanto a la aplicación de
esta normativa, se han detectado dos problemas relacionados con los centros especiales
de empleo.
Uno, es la no dei todo infrecuente coexistencia dei centro especial de empleo
(CEE) con un centro ocupacional de empleo para minusválidos (COE). Este último
tiene una función básicamente de terapia ocupacional, dirigida a personas que, por su
grado de minusvalía, no pueden integrarse en una Empresa o en un CEE. A diferencia
de lo que ocurre en un gran número de países, en los que se aplican igualmente las
normas preventivas comunes de riesgos laborales aunque no se dé una relación salarial
en este tipo de centros, las personas discapacitadas que ejercen labores en los centros
ocupacionales de empleo espanoles no están cubiertas por el paraguas protector de la
LPRL. Eso es así porque formalmente no están vinculados al centro por un contracto de
trabajo, por más que algunas de las labores que llevan a cabo pueden tener una
exteriorización productiva. Sin embargo, a la vista de dicha actividad se desprende que
estas personas no están exentas de riesgo, y más cuando, por las propias carac terísticas
de su discapacidad, requieren de medidas específicas para evitar situa- ciones de riesgo
grave.
74
El otro problema, desvelado por los agentes sociales, se trata de la presunta
irregularidad cometida por algunos emprendedores que, usando la fórmula que
permiten los centros especiales de empleo, crean una infraestructura productiva en la
que no se eliminan los riesgos de afectación general para los trabajadores según las
pautas de la LPRL, sino que la solución que se adopta es componer la totalidad de la
plantilla ocupada en la zona de riesgos con trabajadores discapacitados inmunes a ellos.
Un ejemplo es el caso de un taller o fábrica en la que, frente al fuerte ruido que
provocan las máquinas, se contratan a trabajadores sordos. Este tipo de prácticas puede
tener una doble lectura. Una positiva, al permitir la integración laborai de
discapacitados, siempre y cuando la ocupación de ese puesto de trabajo suponga una
etapa de trânsito hacia la posterior inserción en el mercado ordinário de trabajo. Eso sí,
desde el punto de vista de la garantia de la seguridad dei trabajador, se tendrá que
afianzar un oportuno seguimiento de su estado de salud, que demuestre que el hecho de
que el ruído mejor dicho, el riesgo sea aparentemente inocuo no provoca otro tipo de
menoscabo contra la integridad física o psíquica para el trabajador discapacitado. Para
esta comprobación, tendrán que extremarse tanto las medidas preventivas gene- rales
que emanan de la LPRL como la apuntada función revisora que el art. 6 dei RD
1368/1985 confíere a los equipos multiprofesionales.
La perspectiva negativa acaece cuando el uso dei recurso a trabajadores dis-
capacitados para salvar las obligaciones empresariales en matéria de prevención de
riesgos laborales es un ardid legal en pos dei logro de una competencia ventajosa en el
mercado. El grado de deslealtad de esta ventaja es, sin dejar de serio, graduable. Ya de
por sí lo es cuando va a suponer que la adquisición de los equipos de trabajo serán de
menor coste que para el resto de trabajadores pues no es necesario que incluyan
medidas de seguridad contra ese riesgo, que en el ejemplo figurado seria contra el ruido
que el propio mecanismo de la máquina genera, más el ahorro adicional por la
innecesidad de equipos de protección, tanto colectivo como individual, para los
trabajadores. Pero el culmen se alcanza cuando, además de estos hechos, la actividad
productiva se cobije bajo la apariencia de un CEE, es decir, que lo que se busca
realmente no es contribuir a la finalidad social de la integración de las personas
discapacitadas, sino conseguir mano de obra menos onerosa. Al fin y al cabo, son muy
denunciadas las bajas remuneraciones que de costumbre perciben los trabajadores
discapacitados.
75
TRABALHOS SELECIONADOS
PELA COMISSÃO CIENTÍFICA
19
APLICAÇÃO PRÁTICA DA NORMA REGULAMENTADORA NR
31 EM EMPRESAS RURAIS NA REGIÃO DE SANTA MARIA, RS
José Fernando Schlosser 1* Fernando Nicoloso Schlosser 2 Alfran Tellechea
Martini ³
INTRODUÇÃO
A Norma Regulamentadora de Segurança e Saúde no Trabalho na Agricultura,
Pecuária, Silvicultura, Exploração Florestal e Aquicultura, NR 31, foi aprovada pela
Portaria no 86 de 03 de março de 2005, pelo Ministério de Estado do Trabalho e
Emprego. Foi baseada no Inciso II do parágrafo único do art. 87 da Constituição Federal
do Brasil e desenvolvida pelo Grupo de Trabalho Tripartite Rural. A abrangência do
campo de aplicação da norma estende-se, além das atividades fixadas no título, também
a aquelas empresas industriais, desde que a atividade seja desenvolvida em ambiente
agrário.
31.2 Campos de Aplicação
31.2.1 Esta Norma Regulamentadora se aplica a
quaisquer atividades da agricultura, pecuária,
silvicultura, exploração florestal e aquicultura,
verificadas as formas de relações de trabalho e
emprego e o local das atividades (em vigor - 90 dias da
sua publicação (04/06/05)) (MTE, 2005a).
O conceito de empregador rural está no Art. 3º § 1º da Lei 5.889 de 1973 e pelo
Decreto 73.626 de 1974, que o definem como a pessoa física ou jurídica, proprietário ou
não, que explore atividade agro-econômica, em caráter permanente ou temporário,
diretamente ou através de prepostos e com o auxílio de trabalhadores (BRASIL, 1973;
BRASIL, 1974). O parágrafo primeiro desta lei inclui nesta atividade econômica a
1 Professor Titular do Curso de Agronomia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM);
Engenheiro Agrônomo e Advogado, Especialista em Planejamento de frotas de Máquinas Agrícolas;
Especialista em Direito Processual Civil; Mestre em Engenharia Agrícola (UFSM); Doutor em Energia,
Maquinaria e Irrigação (Universidad Politécnica de Madrid); Coordenador do Laboratório de
Agrotecnologia; Diretor do Núcleo de Ensaios de Máquinas Agrícolas. * Autor para correspondência.
[email protected] 2 Advogado da AFS Advogados Associados. 3 Engenheiro Agrônomo; Mestre em Fitossanidade pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel);
Doutorando do programa de Pós-Graduação em Engenharia Agrícola, Universidade Federal de Santa
Maria (UFSM), Santa Maria, RS, Brasil.
77
exploração industrial desde que estejas no âmbito do estabelecimento agrário, como o
beneficiamento primário dos produtos agrícolas e o aproveitamento dos resíduos. Sendo
este o campo de aplicação da NR 31 (BRASIL, 1973).
EQUIPAMENTOS E TREINAMENTO PARA PRIMEIROS SOCORROS,
REMOÇÃO E VACINA
As Comissões Permanentes de Segurança e Saúde no Trabalho Rural (CIPATR)
foram instituídas pela Portaria SIT/TEM no 18/2001 e tem como objetivo a prevenção
dos acidentes e doenças relacionados ao trabalho, de modo a tornar compatível
permanentemente o trabalho com a preservação da vida do trabalhador, sendo
obrigatória nos estabelecimentos que mantenham número igual ou superior a 20
trabalhadores. Para estabelecimentos entre um e 19 trabalhadores não necessita
constituir CIPATR, porém, o trabalhador deve cumprir uma das duas alternativas: a) o
empregador ou preposto deve ter formação exigida para o tipo de trabalho executado ou,
b) contratar um técnico de segurança externo.
Quanto à exposição do trabalhador aos riscos à sua saúde pela atividade, tem
relação às normas regulamentadoras 9, 15 e 17. Há diversas formas de alertar os
trabalhadores dos riscos inerentes da sua atividade, sendo a melhor e mais eficaz
relacionada ao treinamento formal.
Para de aplicação de agrotóxicos e afins, a regulamentação divide os
trabalhadores em duas classes, os expostos diretamente e os expostos indiretamente. Os
que sofrem exposição direta são aqueles que manipulam os produtos em qualquer uma
das etapas do processo, como por exemplo, os tratoristas aplicadores. Os trabalhadores
de exposição indireta são aqueles que desenvolvem suas atividades em ambiente onde
se utilizam estes produtos, envolvendo-se com o processo em, ao menos uma das
etapas, sendo que, podemos citar como exemplo a pessoa que realiza a descontaminação
dos EPIs. O treinamento das pessoas envolvidas deve ser feito aos trabalhadores
expostos diretamente em atividade formal de 20 horas de carga horária, com um
máximo de oito horas por dia, durante o expediente de trabalho, contendo informações
sobre formas de exposição da pessoa aos produtos, sinais de intoxicação, noções de
primeiros socorros, rótulos, sinais, medidas higiênicas e equipamentos de proteção
individual (MTE, 2005b). Os empregadores têm por obrigação fornecer, exigir a
utilização e descontaminar os EPIs após a utilização dos trabalhadores em suas
atividades. Para garantia de prova deste fornecimento, o empregador deve armazenar os
78
recibos de entrega, especificando nestes as características do equipamento fornecido e a
data de entrega.
Outra questão importante é a guarda dos produtos tóxicos e a eliminação de
resíduos, após o uso. Para o armazenamento dos produtos deve ser construída uma
edificação sólida, de preferência em alvenaria, com acesso restrito aos trabalhadores
capacitados, com ventilação, identificada com símbolos de advertência, situadas a mais
de 30 metros das habitações e com facilidade de limpeza e descontaminação (MTE,
2005b). A norma não refere, mas é evidente que o piso deve impedir que os produtos
possam contaminar o solo, em caso do extravasamento dos agrotóxicos.
MÁQUINAS AGRÍCOLAS
A Norma regulamentadora exige que o empregador forneça capacitação aos
trabalhadores em matéria de saúde e segurança, sendo que deve ser realizada uma coleta
das assinaturas dos trabalhadores em ficha de controle, com informações dos
trabalhadores treinados, carga horária, temas abordados e informações dos instrutores,
de forma que fique documentado.
O item 31.12.2 da NR 31 exige que os manuais das máquinas e equipamentos
devam estar disponíveis para a consulta dos trabalhadores no local de trabalho (MTE,
2005b).
Também é compulsório o uso de estrutura de proteção do operador em caso de
capotamento, as chamadas ROPS ou similares. Exige-se que além da existência, a
estrutura deva ser homologada, prova do atendimento mínimo de condições exigidas,
sendo que, quando se fizer presente nas máquinas, o uso de cinto de segurança é
obrigatório.
Para verificação das condições do uso das máquinas agrícolas é exigido um bom
estado de funcionamento de faróis, luzes, sinais sonoros e espelho retrovisor, além de
um dispositivo que impeça o acionamento involuntário da máquina por pessoa que não
seja o operador.
Quanto ao local de trabalho são necessárias várias medidas, entre as quais as
mais importantes são as relacionadas à saúde e segurança do trabalhador no ambiente de
trabalho. Exige-se um mínimo de condições sanitárias, em função do número de
trabalhadores, como lavatório, vaso sanitário, mictório e chuveiro (MTE, 2005b).
Com isso, o presente trabalho teve por objeto verificar o atendimento à NR 31
nos estabelecimentos rurais relacionados às atividades de agricultura e pecuária.
79
METODOLOGIA
O levantamento a que se refere esta pesquisa foi desenvolvido pelo Laboratório
de Agrotecnologia do Núcleo de Ensaios de Máquinas Agrícolas da Universidade
Federal de Santa Maria.
Delimitou-se um campo de aplicação para empresas rurais localizadas na região
da Depressão Central do estado do Rio Grande do Sul, de dimensão entre 10 a 50
trabalhadores, sem SESTR (Serviço Especializado em Segurança e Saúde no Trabalho
Rural).
Foram vistoriados 19 estabelecimentos rurais, da região central do RS, nas
cidades de Santa Maria, São Gabriel, Dilermando de Aguiar, São Sepé, Cruz Alta,
Caçapava do Sul e Santiago. O tamanho das empresas rurais vistoriadas oscilou entre os
150 e 1.800 hectares de área total e 130 e 1.600 hectares de superfície agrícola útil.
Quanto à análise da estrutura física, foram analisados 13.860 hectares de área total e
10.459 hectares de área efetivamente utilizada para a agricultura.
Cada unidade amostral era formada por um estabelecimento rural, tomado ao
acaso dentro de uma listagem fornecida pelo Sindicato Rural, entre seus associados e
em contato com o empresário, solicitava-se a disposição de participar de uma pesquisa
de cunho técnico científico, esclarecendo o compromisso do sigilo individual e
identificação das informações.
Após a confirmação da possibilidade de participação do empresário, marcava-se
uma visita ao local do empreendimento, esclarecendo que algumas respostas deveriam
ser acompanhadas por uma inspeção in loco da situação.
Inicialmente se fazia uma identificação do respondente em três classes,
empresário, gerente ou encarregado. Registrava-se a dimensão, a localidade do
empreendimento e a posição geográfica.
O pesquisador explicava o propósito da pesquisa e obtinha do respondente a
declaração de que havia sido informado sobre os objetivos da referida pesquisa e
confirmava que havia dado as informações de livre consentimento. O pesquisador
reafirmava neste momento, o compromisso de não dar divulgação do nome da empresa
e nem dos proprietários durante a fase de publicação dos resultados.
A primeira parte do questionário tinha o propósito de obter informações sobre a
estrutura física da empresa, sobre o número e a condição de vínculo dos trabalhadores,
assim como a existência de equipamentos de primeiros socorros, o treinamento para
80
estas ocasiões, o uso de agrotóxicos, forma da aplicação, uso de equipamentos de
proteção individual e cuidados durante a aplicação destes produtos. A segunda parte do
questionário foi dedicada a levantar informações a respeito do uso de máquinas e
implementos agrícolas, diagnosticando as questões referentes ao treinamento e
capacitação dos trabalhadores, as condições e as práticas de segurança utilizadas. Na
última seção do questionário foram levantadas condições do local de trabalho.
O questionário foi realizado de forma que as respostas fossem do tipo fechado,
com a leitura ao respondente das alternativas tidas como respostas.
RESULTADOS
No total do levantamento foram encontrados 155 trabalhadores fixos (75%) e 51
trabalhadores temporários (25%), sendo que das dezenove empresas amostradas, apenas
três tinham trabalhadores menores de idade.
Na questão relacionada aos primeiros socorros em caso de acidente de trabalho,
apenas 63% das empresas possuía algum tipo de equipamento de primeiros socorros a
disposição dos trabalhadores, sendo que destes, 53% eram do tipo básico, insuficiente
para acidentes mais graves e que envolvessem algum tipo de fratura de membros. Sete
empresas não possuíam qualquer equipamento, nem que fossem pequenos
medicamentos. Neste sentido, ao analisar a existência de pessoa treinada para o
atendimento, verificou-se que apenas 26% das 19 empresas tinham alguém
minimamente treinado para estas situações. Quanto ao veículo indicado para a remoção
de acidentados estava designado apenas em quatro estabelecimentos. Na verificação de
aplicação de vacina antitetânica contabilizaram-se oito propriedades com vacinação dos
trabalhadores, geralmente aplicada quando do exame admissional e duas informaram ter
vacina antitetânica apenas dos trabalhadores que a haviam recebido quando por ocasião
de acidente de trabalho com perfuração da pele. Quando da busca de informação pela
CIPATR, não foi possível aplicar efetivamente esta questão, pois nenhuma empresa
vistoriada empregava mais de 14 trabalhadores, assim mesmo 13 respondentes do
questionário não sabiam o que significava esta sigla.
Ainda no tocante à estrutura física do estabelecimento, verificou-se que em
apenas 37% dos estabelecimentos, havia um local adequado para a guarda da roupa dos
trabalhadores e em apenas uma empresa havia um armário metálico com chave
individual para cada trabalhador. No que se refere à disponibilização de material para a
81
higiene pessoal, oferecida aos trabalhadores pelo empregador, dos 19 estabelecimentos
vistoriados, 18 ofereciam água, 11 ofereciam sabão, 10 disponibilizavam papel
higiênico e nenhum oferecia as toalhas previstas na regulamentação.
Na segunda parte do questionário aplicado, que tratava do uso de agrotóxicos,
verificamos que dos 206 trabalhadores analisados, 43% tinham exposição de forma
direta á aplicação dos agrotóxicos e 41% de forma indireta, isto é, somente 16% de
todos os trabalhadores não tinham qualquer contato com este tipo de produto. Como já
era de se esperar, 11 das 19 empresas vistoriadas informaram utilizar agrotóxicos não
autorizados no Brasil, por certo comprados de forma ilegal, aproveitando-se a pequena
distância de países vizinhos que comercializam livremente produtos que não são
homologados para o uso em nosso país. Felizmente não encontramos informação de uso
de agrotóxicos por menores de 18 anos, porém sabe-se que este não é a única exposição
de perigo a que estão sujeitos os trabalhadores rurais.
Na aplicação de agrotóxicos, mesmo com o grande progresso tecnológico dos
equipamentos utilizados na aplicação, ainda se faz uso de mão de obra para a marcação
da passagem dos pulverizadores agrícolas, neste sentido, encontramos seis propriedades
que declararam utilizar seus trabalhadores nesta tarefa.
No que se refere ao treinamento obrigatório sobre a prevenção de acidentes com
agrotóxicos, somente 10% informaram ter algum tipo de formação dos trabalhadores,
sendo que esta ficou a cargo de fabricantes dos agrotóxicos e pelo SENAR. Resta saber
se este treinamento fornecido pelos fabricantes não reside somente em promoção de
venda para a aplicação de produtos da empresa.
Um ponto importante da regulamentação é a questão relacionada ao uso de
equipamentos de proteção individual, sendo que procuramos conhecer a realidade
através de questões sobre a existência na empresa, a exigência de uso e a prática de
métodos de descontaminação. Quando os empresários foram questionados sobre o
fornecimento de equipamentos de proteção individual aos trabalhadores, 26%
informaram negativamente e 74% informaram que fornecem os equipamentos de
proteção, sendo que destes, 32% de forma individual e 42% de forma que todos os
trabalhadores utilizem o mesmo equipamento. Quanto à exigência de uso por parte do
empresário, apenas 37% deles exigem o uso. Foi citada a expressão “não é minha
responsabilidade” e constatou-se que dois empresários obrigam aos trabalhadores que
receberam o equipamento à assinatura de um termo de responsabilidade de uso. No que
82
se refere à aplicação de processo de descontaminação do EPI após o uso, 89% não o
executam, demonstrando não conhecer a necessidade.
No tocante à marcação de áreas tratadas com agrotóxicos, apenas em duas
propriedades foi constatada esta prática e quanto à indicação do período de re-entrada
de pessoas nas áreas tratadas, contatou-se que nenhuma propriedade executa esta prática
de prevenção de acidentes por intoxicação. Neste quesito foi muito comentado o
desconhecimento sobre tal necessidade.
Um ponto muito importante que pensávamos mais organizado é com respeito ao
local de armazenamento dos agrotóxicos necessários ao controle de doenças, insetos e
plantas daninhas em lavouras. Em apenas duas das 19 empresas encontramos locais
específicos para a guarda destes produtos, porém em todos estes casos, nenhum deles
era feito da forma tecnicamente recomendada. A maioria dos empresários que utilizam
local específico, o localiza em área contígua ao galpão principal, o que não se coaduna
com técnica. Quinze empresas guardam estes produtos dentro do galpão, onde se
armazenam as máquinas ou os fertilizantes para a lavoura e em um caso o empresário
comentou que por diversas vezes já guardou em casa por questões de segurança, pois
pelo alto valor destes produtos, há casos de roubo e assalto.
Analisando a questão da eliminação de resíduos e limpeza dos equipamentos de
aplicação (pulverizadores), 10% têm local específico para a eliminação de resíduos,
32% elimina os restos no mesmo local em que faz a limpeza e 58% elimina os restos
diretamente na lavoura antes de retornar às instalações. Quanto à limpeza ou lavagem
dos equipamentos antes de guardá-los, 26% demonstrou ter um local específico de
lavagem com coleta dos resíduos e que evita que estes contaminem o lençol freático,
63% limpa os equipamentos no mesmo local em que lava os veículos e 10% relata a
limpeza ainda na lavoura, não discriminando de que forma o faz.
Nas respostas a última seção do questionário de vistoria, relativo às máquinas e
implementos agrícolas em que foram avaliados oito quesitos, verificou que 53% relatam
ter fornecido treinamento aos seus operadores para a capacitação, a maioria com cursos
ministrados pelos fabricantes, seguidos do SENAR e dos revendedores ou
concessionários das marcas, outros 47% não forneceram qualquer instrução que seja aos
trabalhadores que operam máquinas agrícolas.
Uma questão importante dentro da regulamentação é a disponibilidade dos
manuais de operação das máquinas agrícolas aos trabalhadores. Neste quesito, 53%
demonstraram ofertar este material informativo e em um caso constatamos a colocação
83
na própria máquina, os demais no galpão. Um percentual de 16% informou tê-los na
casa da fazenda e um proprietário informou que os deixava na casa da cidade, que era
mais seguro. Já 26% relataram desconhecer onde os manuais técnicos haviam sido
colocados.
Finalmente foram analisadas as máquinas propriamente ditas. Nas máquinas em
geral, um dos pontos mais problemáticos quanto aos acidentes de trabalho é a chamada
tomada de potência (TDP), sendo que foram encontradas 49 máquinas com este tipo de
acionamento, afora as roçadeiras que foram avaliadas em separado. Deste total, apenas
22% possuía algum tipo de proteção e os outros 78% não possuíam qualquer tipo de
resguardo ou barreira física, para o acidente relacionado ao aprisionamento por esta
arvore cardânica. Na análise em separado das roçadoras, as quais são máquinas
destinadas ao corte raso da vegetação, encontradas em um total de 25 espécimes, em
nenhuma foi constatada a existência desta proteção. Em duas empresas não foi
constatada a existência desta máquina.
Na análise dos 132 tratores agrícolas encontrados nas 19 empresas, apenas 24%
possuíam o arco de proteção contra o capotamento acidental e 34% apresentam cintos
de segurança, alguns totalmente inutilizados pela falta de uso e manutenção.
Quando arguimos sobre a forma de transporte de pessoas desde as instalações,
casa e galpões, às áreas de lavoura, 53% informaram que as pessoas eram transportadas
no próprio trator, de uma forma não recomendada e perigosa. Outros 37% transportam
as pessoas em reboques de serviço, quando o utilizam e em duas propriedades, os
empresários informaram não transportar pessoas nas máquinas, como é recomendado.
Finalmente, analisando o estado de conservação dos tratores, foram
diagnosticados os funcionamentos de faróis, luzes de freio, buzina, espelhos retrovisores
e luzes intermitentes (pisca-pisca), todos os equipamentos de uso obrigatório segundo a
regulamentação do Ministério do Trabalho. Do total de 132 tratores avaliados, 85%
tinham faróis em funcionamento, 55% tinham luzes de freio em ordem, 53%
apresentavam funcionamento considerado normal da buzina, 63% possuíam pelo menos
um espelho no local indicado e apenas 27% apresentavam as luzes intermitentes em
funcionamento normal. No tocante ao mecanismo de acionamento involuntário da
máquina, o qual pode ajudar a prevenir acidentes, principalmente de pessoas
despreparadas para a operação, em 93% dos casos, este mecanismo estava em
funcionamento por pressão do pedal da embreagem ou por colocação de uma das
alavancas de marcha e regime da transmissão em posição neutra.
84
CONCLUSÕES
Analisando os dados da pesquisa aplicada a campo na região de Santa Maria e
que objetivou levantar informações sobre o estado de cumprimento e aplicação da
Norma Regulamentadora NR 31 do Ministério do Trabalho, pode-se concluir que a
totalidade das 19 empresas rurais avaliadas, carece de condições mínimas de trabalho,
no que se refere principalmente aos aspectos relacionados para o registro de
empregados, disponibilidade de materiais e treinamento pessoal para enfrentar os
acidentes relativos ao trabalho.
Quanto às condições de manuseio de agrotóxicos e ao uso de máquinas
agrícolas, as condições em geral são precárias.
Apenas nas questões estruturais quanto ao local de trabalho, as condições
avaliadas encontram-se em geral adequadas, principalmente pelo pequeno número de
trabalhadores encontrados nos estabelecimentos.
85
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Lei nº 5.889, de 8 de junho de 1973. Estatui normas reguladoras rural.
Presidência da República. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5889.htm. Acesso em: 15 de setembro de
2014.
BRASIL. Decreto-lei nº 73.626, de 12 de fevereiro de 1974. Aprova regulamento da lei
número 5.889, de 8 de junho de 1973. Presidência da República. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1970-1979/d73626.htm. Acesso em: 29 de
setembro de 2014.
MTE – Ministério do Trabalho e Emprego. Portaria N° 86, de 03 de março de 2005a.
Disponível em:
http://portal.mte.gov.br/data/files/FF8080812BE914E6012BF91BAE4A6A38/p_20050
303_86.pdf. Acesso em 05 de outubro de 2014.
MTE – Ministério do Trabalho e Emprego. Instrução Normativa n° 31, de 03 de
março de 2005b. Disponível em:
http://portal.mte.gov.br/data/files/8A7C816A4295EFDF0143067D95BD746A/NR-
31%20(atualizada%202013).pdf. Acesso em: 01 de outubro de 2014.
86
19
ACIDENTES COM TRATORES AGRÍCOLAS
José Fernando Schlosser1; Henrique Debiasi 2; Gustavo Oliveira dos
Santos 3
INTRODUÇÃO
Ao mesmo tempo em que se iniciou a produção de tratores na década de 60, o
trabalho manual foi sendo progressivamente substituído pelo trabalho mecanizado. O
trator agrícola neste contexto passou a ser um importante elemento servindo de fonte de
potência a diversos tipos de implementos e equipamentos podendo, por isto ser utilizado
na execução de inúmeras tarefas. O crescente emprego dos conjuntos tratorizados em
substituição ao trabalho manual e à tração animal pode ser caracterizado como um
evento que trouxe várias conseqüências positivas. Entre elas, convém destacar que o
trator agrícola colaborou para diminuir o esforço físico necessário para a execução de
determinadas tarefas (MÁRQUEZ, 1986). Por outro lado, trouxe alguns aspectos
negativos, entre os quais se destacam o surgimento de uma nova fonte de acidentes de
trabalho, na maioria dos casos de risco superior aos que ocorriam anteriormente.
Considerando que há uma carência de estatísticas oficiais bem como de
trabalhos de pesquisa nesta área, não é difícil de verificar na prática a importância dos
acidentes de trabalho envolvendo tratores agrícolas, o que pode ser comprovado pela
elevada freqüência e gravidade dos mesmos. Neste sentido, o presente artigo pretende
trazer alguns elementos básicos a respeito de como os acidentes com tratores agrícolas
se processam, de forma a embasar medidas de caráter específico e global que
minimizem a ocorrência e a gravidade dos acidentes.
1Professor Titular do Curso de Agronomia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM); Engenheiro Agrônomo e
Advogado, Especialista em Planejamento de frotas de Máquinas Agrícolas; Especialista em Direito Processual Civil;
Mestre em Engenharia Agrícola (UFSM); Doutor em Energia, Maquinaria e Irrigação (Universidad Politécnica de
Madrid); Coordenador do Laboratório de Agrotecnologia; Diretor do Núcleo de Ensaios de Máquinas Agrícolas. E-
mail: [email protected]
2Dr.Engenheiro Agrônomo, Pesquisador do Centro Nacional de pesquisa da Soja (Embrapa Soja). E-mail: [email protected] 3Engenheiro Agrônomo, Mestre em Agronomia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Agrícola (UFSM). E-mail: [email protected]
88
DESENVOLVIMENTO
Ao se referir a qualquer estudo relacionado aos acidentes de trabalho, torna-se
necessário primeiramente defini-los. A definição é dada pelo Decreto no 2.172, de 05 de
março de 1997, no Regulamento dos Benefícios da Previdência Social” (BRASIL,
2014).
A importância dos acidentes de trabalho que envolve tratores agrícolas pode ser
expressa em função de seu risco. O risco, por sua vez, é uma variável bidimensional,
resultado do produto entre a freqüência e a gravidade das suas conseqüências
(prejuízos).
Ante as dificuldades conceituais, pesquisas realizadas tanto no exterior como no
Brasil, embora escassas, têm demonstrado que o tipo de acidente com tratores agrícolas
de maior freqüência constitui-se no capotamento, ocorrido em 50 a 60% dos casos. O
segundo tipo de acidente mais freqüente engloba as quedas de pessoas do trator com
este em movimento que, em conjunto com os atropelamentos, respondem por 12 a 17%
dos eventos. Outros tipos de acidentes envolvendo tratores agrícolas, de ocorrência
comum, são as colisões do trator contra outros veículos ou obstáculos (5 a 14%), o
contato com a tomada de potência (TDP) (MASSOCO, 2008) e outras partes ativas do
trator (3 a 10%) e outros tipos (10 a 15%).
Além do tipo, outras características relacionadas aos acidentes com tratores
agrícolas são importantes. A tendência de maior ocorrência de acidentes com tratores
em estradas e rodovias em economias subdesenvolvidas pode ser explicada em função
do uso do trator em atividades extra campo, principalmente como veículo de transporte
de passageiros, em substituição aos meios convencionais de transporte, inacessíveis à
maioria dos produtores. Alia-se o fato de que as condições do trator para o tráfego em
rodovias, especialmente no que se refere à iluminação e sinalização que são precárias.
As causas dos acidentes com tratores agrícolas são definidas como sendo as
condições ou atitudes inseguras que, se corrigidas a tempo, teriam evitado o acidente.
Com o intuito de delinear estratégias efetivas para a prevenção dos acidentes
com tratores agrícolas, torna-se necessário conhecer as causas propriamente ditas. Em
outras palavras, deve-se determinar com precisão quais condições e/ou atitudes
inseguras que, se eliminadas, não teriam provocado o acidente-meio (ou evento
perigoso). Cabe salientar que de acordo com os dados obtidos pelo NEMA/UFSM,
aproximadamente 75% dos acidentes que envolvem tratores agrícolas na região central
89
do Rio Grande do Sul são frutos de 6 causas principais: operação do trator em condições
extremas: refere-se ao uso do trator em situações além dos limites para os quais foi
projetado. Dentre estas situações, destacam-se o trabalho em terrenos de declividade
acentuada e a aproximação excessiva da máquina em relação a valos, barrancos ou
outros obstáculos; perda de controle em aclives/declives que pode ser desdobrada, nas
seguintes causas: insucesso na mudança de marcha com o trator em movimento, tração
de carretas agrícolas com excesso de peso e sem sistema próprio de freios, acionamento
do freio de apenas uma das rodas traseiras do trator e a descida em declives acentuados
com o trator em marcha neutra; ingestão de bebidas alcoólicas; permissão de
passageiros junto ao posto de operação dos tratores agrícolas; falta de proteção das
partes móveis do trator e do implemento a ele conectado, entre as quais se destacam o
eixo da TDP, cardãs e dispositivos do tipo rosca sem-fim, muito comum em carretas
graneleiras.
As pesquisas conduzidas pelo NEMA/UFSM têm mostrado que mais de 80%
dos operadores de tratores agrícolas nunca participaram de cursos de treinamento
operacional referente a esta máquina. Apesar disso, os operadores demonstram conhecer
as regras de segurança mais importantes (SEIFERT & SANTIAGO, 2009), relacionadas
às causas majoritárias anteriormente citadas. Porém, na prática, os próprios operadores
confessam não adotar as referidas medidas de segurança.
CONCLUSÃO
A maneira de minimizar o risco de acidentes de trabalho envolvendo tratores
agrícolas deve abranger três aspectos principais. Em primeiro lugar, é necessário que
sejam oportunizados com maior freqüência cursos de treinamento na operação de
tratores agrícolas, que abordem também o tema segurança, dando ênfase, sob este
aspecto, à conscientização do operador.
Outro aspecto de fundamental importância centra-se na melhoria dos projetos
dos tratores no que se refere às condições de ergonomia e segurança.
Por último, mas não menos importante, está a formulação e aplicação de
legislação específica sobre assunto, que cobre, tanto dos fabricantes quanto dos
proprietários e operadores, a observação de medidas que visem à redução da freqüência
e gravidade dos acidentes. Um exemplo desta legislação é o Código de Trânsito
Brasileiro; porém, a parte referente às máquinas agrícolas ainda não foi regulamentada,
de forma que ela, na prática, não vem sendo aplicada.
90
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Decreto 2.172, de 5 de março de 1997. Aprova o Regulamento dos
Benefícios da Previdência Social. Disponivel em
http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/112047/regulamento-dos-beneficios-da-
previdencia-social-de-1997-decreto-2172-97. Acesso em 30 de outubro de 2014.
MÁRQUEZ, L. Maquinaria agrícola y seguridad vial. Madrid: Boletim Salud y
Trabajo, n.56. 1986. 6p.
MASSOCO, D. B. Uso da metodologia árvore de causas na investigação de acidente
rural. 2008. 82 f. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Santa Maria, Santa
Maria, 2008.
RODRIGUES, V. L. G. S., SILVA, J. G. Acidentes de trabalho e modernização da
agricultura brasileira. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, v. 14, n.
56. 1986. p. 28-39.
SEIFERT, A. L., SANTIAGO, D. C. Formação dos profissionais das áreas de ciências
agrárias em segurança do trabalho rural 2009. Ciência Agrotécnica, v.33, n.4. Lavras,
2009. p. 1131-1138.
19
A INDÚSTRIA GAÚCHA DE MÁQUINAS AGRÍCOLAS FRENTE À
NORMATIVA DE SEGURANÇA IMPOSTA PELA UNIÃO
EUROPÉIA
Luis Márquez1 José Fernando Schlosser2 Juan Paulo Barbieri3
INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, a indústria mundial de máquinas agrícolas, teve que enfrentar
diferentes situações conflituosas. A mais importante sem dúvida: a contração da
demanda, pela perda da importância relativa da agricultura nos países mais
desenvolvidos e ao estabelecerem-se limitações nas áreas cultivadas para evitar a
produção de excedentes agrícolas a preços superiores aos do mercado internacional.
A outra, que tem afetado especialmente aos departamentos de projetos e à
própria fabricação das máquinas agrícolas, foi à colocação em vigor da normativa de
“Segurança nas máquinas” aplicável em todos os países da União Europeia. Esta, que
aparentemente é somente mais uma norma, das muitas que devem ser implantadas
quando se tenta estabelecer um “mercado comum” entre países com regulamentações,
em principio diferentes, está sendo um fator chave em um mercado tão “multinacional”
como é o de máquinas agrícolas.
Ao longo das linhas que seguem se tentará explicar os princípios fundamentais
da normativa europeia conhecida genericamente como de “Segurança nas máquinas” na
sua aplicação à maquinaria agrícola e seu efeito sobre o mercado mundial de máquinas
para a agricultura e de uma maneira especial às produzidas no Rio Grande do Sul.
DESENVOLVIMENTO
O PONTO DE PARTIDA
Desde que, na União Européia, se estabeleceu o acordo conhecido como do
“Novo Enfoque” está aparecendo um conjunto de Diretivas que são de cumprimento
1 Professor Titular da Escuela Técnica Superior de Ingenieros Agrónomos da Universidad Politécnica de
Madrid, Espanha. Engenheiro Agrônomo. Doutor. 2 Professor Titular do Centro de Ciências Rurais da Universidade Federal de Santa Maria, RS, Brasil,
Diretor do Núcleo de Ensaios de Máquinas Agrícolas. Engenheiro Agrônomo. Doutor. 3 Acadêmico do Curso de Agronomia da Universidade Federal de Santa Maria, RS, Brasil.
92
obrigatório em toda a Comunidade Europeia, fazendo com que os países membros
tenham que sobrepor à sua legislação.
Um exemplo claro disto é o que se conhece como Diretiva de “Segurança nas
máquinas”, (89/392/CEE, 91/368/CEE, 93/44/CEE e 93/68/CEE) que afeta, de maneira
direta qualquer coisa que se possa entender como “máquina” e que a própria Diretiva
define como: “Conjunto de peças ou órgãos unidos entre si, dos quais um pelo menos
haverá que ser móvel e, neste caso, de órgãos de acionamento, circuitos de comando e
de potência, ou outros, associados de forma solidária para uma aplicação determinada,
em particular para a transformação, tratamento, deslocamento e acondicionamento de
um material”, e que se aplica de maneira obrigatória em todos os países da União
Europeia.
Isto significa que qualquer máquina agrícola, rural ou florestal, assim como das
indústrias de transformação, está afetada, de maneira obrigatória, por uma normativa do
tipo “geral”, mas que se aplica a cada caso particular, com clara responsabilidade para o
fabricante ou comerciante que não a cumpra.
Os limites da obrigatoriedade relacionada com a segurança aparecem no artigo 2
da Diretiva, que indica que somente poderão comercializar e colocar em serviço as
máquinas “se não comprometem a segurança nem a saúde das pessoas, nem, no caso,
dos animais domésticos, nem dos bens, quando estejam instaladas e mantidas
convenientemente e se utilizem de acordo com seu destino”.
Por outro lado, não existe uma “homologação” administrativa que se tenha que
cumprir antes de colocar a máquina no mercado. Somente em determinadas máquinas
consideradas como “muito perigosas” se carece um “exame de tipo”, mas, em geral,
basta que o fabricante, no momento da venda, entregue assinada uma “declaração de
conformidade” com o que estabelece a Diretiva em relação aos requisitos essenciais de
“segurança” e que distinga a máquina com as letras “CE”, para que tenha livre
comercialização em todo o mercado europeu.
Isto pode parecer simples, já que “somente” haverá de “marcar” a máquina e
emitir o correspondente certificado, sem que seja necessária uma “homologação”. No
entanto, a própria Diretiva estabelece ações legais contra aquele que realizar a
certificação de maneira indevida, obrigando ao infrator a retirar o produto do mercado, e
impedindo sua comercialização.
AS EXIGÊNCIAS DE “SEGURANÇA”
93
Para que um fabricante possa assegurar que seu produto cumpre os requisitos
essenciais de segurança e saúde, em principio, deverá seguir o indicado no Anexo I da
Diretiva, que ainda limita a responsabilidade do fabricante à condição técnica. A
Diretiva assinala, desde o começo, que a segurança deve estar integrada no próprio
projeto da máquina, de maneira que seja apta para sua função sem risco para as pessoas,
inclusive em situações de trabalho anormais, estabelecendo como princípios de atuação:
A eliminação ou redução dos riscos dentro do possível;
A adoção de medidas de proteção;
A necessidade de informar ao usuário dos riscos residuais.
Tudo isto deve completar-se com instruções para o uso normal e anormal da
máquina e com a entrega de tudo o que seja necessário para sua utilização sem riscos. O
mesmo Anexo I da Diretiva analisa outros aspectos, os quais se relacionam com:
comandos, medidas de segurança contra perigos mecânicos, caracterização de
dispositivos de proteção, medidas de segurança contra outros perigos (energia elétrica,
ruídos, vibrações, emissão de pó ou de gases, etc.), manutenção, e indicações e
advertências informativas, além do conteúdo do manual de instruções para o operador.
Há outros requisitos complementares que afetam determinadas categorias de
máquinas. Assim, em relação às máquinas “agroalimentares”, a Diretiva, no capítulo 2.1
do Anexo A, particulariza que este tipo de máquinas deve cumprir com os requisitos
essenciais de segurança e saúde que afetam a qualquer outro tipo de máquina, além de
ter um projeto “que evite os riscos de infecção, enfermidade e contágio”, para o que se
estabelece um conjunto de normas de higiene que afetam aos materiais em contato com
os alimentos, o estado das superfícies e a facilidade de limpeza.
Desde o ponto de vista teórico, seguindo os diferentes capítulos estabelecidos na
Diretiva, poderia construir-se uma máquina “segura”, com o que o fabricante estaria em
disposição de “marcá-la” e assinar a correspondente “declaração de conformidade”.
A realidade, por infortúnio, é bastante diferente. De um lado, a dificuldade em
aplicar os princípios estabelecidos pela Diretiva aos casos particulares de cada tipo de
máquina, por outro, o fabricante deve elaborar um “expediente técnico”, que guardará
nas suas instalações e que estará disponível frente a qualquer controle eventual das
autoridades responsáveis, que pode ser necessário, primeiro, porque pode ocorrer um
acidente, ou pelo rotineiro controle do mercado que realizam os organismos
responsáveis da segurança.
94
O fato de não se apresentar a documentação em resposta a um requerimento
devidamente motivado das autoridades competentes, poderá ser razão suficiente para
duvidar da presunção de conformidade com a Diretiva. Ainda menciona que a
documentação deverá conservar-se por até dez anos depois de que a máquina tenha sido
deixada de fabricar, podendo estar elaborada em qualquer das línguas oficiais da UE
(Espanhol e português).
VENDER MÁQUINAS NA EUROPA
No mercado mundial, cada vez mais aberto, a comercialização de máquinas
agrícolas não pode ser uma exceção. Já existem fabricantes brasileiros que
comercializam máquinas agrícolas na Europa e europeus que a fazem no Mercosul.
Frente a está nova situação, qualquer fabricante procedente do conjunto fora da
Europa que pretenda comercializar máquinas na União Europeia deve adaptar-se ao
procedimento comum estabelecido pela Diretiva de “Segurança nas máquinas”.
De acordo com a normativa vigente, devem-se cumprir os mesmos requisitos
que se impõem aos fabricantes europeus, nomeando, além disto, um representante legal
na União Europeia, conhecido como “procurador”, que pode ser único para toda a UE,
independentemente de que existam vários importadores do mesmo fabricante nos
diferentes países da Comunidade.
Este representante é o que elabora o “expediente técnico”, sendo responsável,
pelo cumprimento dos requisitos estabelecidos pela Diretiva, devendo encarregar-se de
que todas as máquinas sejam marcadas com as letras CE (ainda que não tenham sido
fabricadas na Europa) e de emitir a correspondente “declaração de conformidade”
segundo o modelo recomendado pela Diretiva, quando se considera que as máquinas
estão de acordo com os níveis de “segurança” estabelecidos.
O procedimento para realizar o “expediente técnico” é livre, mas, assim como os
fabricantes europeus, se torna vantajoso elaborá-lo conforme as informações disponíveis
nas Normas Técnicas “Harmonizadas”, publicadas pelo Comitê Europeu de
Normalização (CEN) como Normas Européias (EN), que são de aplicação ao tipo de
equipamento que se fabrica.
AS NORMAS TÉCNICAS “HARMONIZADAS”
A aplicação direta dos princípios de segurança que inclui a Diretiva se torna
muito difícil por não ter confiança de que tenham sido interpretados corretamente para o
caso particular do tipo de máquina considerada.
95
Esta dificuldade se está tentando resolver mediante um conjunto de Normas
Técnicas que recebem uma aceitação especial da Administração Comunitária, dando
lugar ao que se conhece como Norma Europeia (EN) “Harmonizada”.
Quando uma máquina ou instalação se adapte ao que estabelece a “Norma
harmonizada” que é de sua aplicação, fica estabelecida uma “presunção de
conformidade” com a Diretiva de “Segurança nas máquinas”.
Isto fez que algumas associações profissionais de fabricantes, como o CEMA
(Agrupação Européia de Fabricantes de Maquinaria Agrícola), tomem uma posição
ativa participando intensamente na elaboração deste tipo de Normas.
LIVRE COMÉRCIO DE MÁQUINAS AGRÍCOLAS NO MERCOSUL
A integração que se está produzindo nos países do Mercosul, manifesta a
necessidade, a curto prazo, de implantar uma normativa de segurança no projeto de
máquinas, similar à que já se aplica nos países da União Européia.
As razões para isto são abundantes. Pequenas variações na legislação dos países
integrados em uma comunidade extra nacional, utilizando barreiras técnicas
substitutivas das aduaneiras, para dificultar a livre circulação de mercadorias. Quando
estas leis afetam a segurança no trabalho e incidem nos custos de produção, ou se
unificam com rapidez ou se convertem em bloqueios para a integração.
Já se está aplicando em países como Argentina, uma normativa específica na
qual se relaciona o valor da cota de seguro de acidentes no trabalho com o “nível” de
segurança disponível na empresa. Além disto, as máquinas com baixo nível de
segurança são mais “baratas”, mesmo que não sejam tanto, quando se contabiliza o
custo que ocasionam para a sociedade quando ocorrem acidentes.
Para tudo o que afeta a segurança das pessoas, no que se relaciona com os
“meios de produção” (Equipamentos mecânicos para a agricultura) pode-se seguir
diferentes modelos: o “norte-americano” baseado na plena responsabilidade do
fabricante, sendo os tribunais de justiça os que têm a última palavra frente aos
processos, por danos, de qualquer usuário prejudicado, ou o “europeu” no qual a
responsabilidade do fabricante está limitada sempre que se submeta a uma normativa
contida no que se definiu como “normas técnicas harmonizadas”.
Para evitar conflitos, avançando com rapidez e custos razoáveis, a opção
“européia” parece mais conveniente, já que se torna independente à “segurança” da
96
habilidade dos “advogados” implicados nos processos judiciais. Mas cada país, ou
conjunto de países, deve tomar sua própria opção.
De qualquer maneira, a indústria de máquinas agrícolas do Rio Grande do Sul,
deve preocupar-se em contar com normas técnicas apropriadas (preferencialmente na
linha com as normas Internacionais ISO como o vem fazendo as Normas Europeias -
EN) para realizar as auditorias de segurança de seus produtos, de maneira que possa
competir no plano internacional, evitando, por outro lado, que máquinas que não são
aceitas, por contar com níveis insuficientes de segurança, nos países de origem se
convertam em competidores de vantagem no mercado local.
CONCLUSÕES
Portanto, a indústria de máquinas agrícolas do Mercosul, em especial a indústria
gaúcha, deve atentar em contar com normas técnicas apropriadas, tomando como base
modelos existentes como o “norte-americano” ou o “europeu”, sendo este o mais
adequado a realidade do Rio Grande do Sul. Assim as máquinas produzidas e
comercializadas no mercado local terão condições de competir no mercado
internacional, evitando que não sejam aceitas por estas contarem com níveis
insuficientes de segurança.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CEN - European Committee for Standardization. Normas Europeias.2014. Disponível
em: < https://www.cen.eu/Pages/default.aspx>. Acesso em: 23 de out. 2014.
DIRECTIVA EUROPEA. Diretiva “CE” 93/44/CEE: Aproximación de las
legislaciones de los Estados membros sobre máquinas.Comunidades Europeas. 9p. 1993
UNIÃO EUROPEIA. Norma Europeia (EN) “Harmonizada. 1985. Disponível em: <
http://europa.eu/legislation_summaries/internal_market/single_market_for_goods/techni
cal_harmonisation/l21001a_pt.htm>. Acesso em: 23 out. 2014, 10:27.
19
O REGIME REGULATÓRIO BRASILEIRO DE SAÚDE E
SEGURANÇA NO TRABALHO: COMENTÁRIOS SOBRE SUA
EFETIVIDADE
Shaiana Ocom Fernandes1 Teresa Leopoldina dos Santos Ribeiro2
INTRODUÇÃO
No que tange ao Brasil, mediante o último anuário de estatísticas publicado,
foram registrados 705.239 acidentes de trabalho, o número de trabalhadores mortos foi
de 2.731, restando permanentemente incapacitados para o trabalho 14.755 trabalhadores
(MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL, 2012).
Os setores mais atingidos, pelos acidentes envolvendo seus trabalhadores, são: a
indústria, serviços e agricultura. Ainda, de acordo com Franco (2006), o fato
mencionado decorre, dentre outros, da linha de produção não conseguir acompanhar o
crescimento dos respectivos setores, sobrecarregando-os.
Por conseguinte, quem sofre com tal situação, também, é a sociedade, a qual
arcará com essa conta, devido aos longos prazos de afastamento do trabalhador para
tratamento médico, com pagamentos de auxílios doenças, aposentadorias por invalidez e
as pensões por morte, todos motivados pelo labor realizado de maneira irregular.
Pelas razões, brevemente, expostas demonstra-se a importância da discussão do
tema ora proposto. Para tanto, o presente artigo articular-se-á inicialmente com a
exposição das informações mais relevantes sobre o direito do trabalho, de caráter social
e fundamental ao trabalhador, no que tange à saúde e segurança no trabalho;
perpassando pelos respectivos princípios. Após a referida base, será tratado sobre o
regime regulatório no âmbito da Saúde e Segurança no Trabalho, enfocando a realidade
brasileira, finalizando com a análise da efetividade, ou não, do sistema abordado.
DIREITO À SAÚDE E SEGURANÇA NO TRABALHO
A Carta Magna, em seu capítulo II, artigo 6º, elenca o trabalho como um dos
direitos sociais fundamentais, sendo a ordem econômica fundada na valorização deste
(art. 170). O aludido direito está consagrado na Declaração Universal dos Direitos
1 Advogada. Tupanciretã - RS. 2 Advogada. Pós- Graduação em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, em andamento. Santa
Maria – RS.
98
Humanos e em diversos tratados e declarações de direito internacional, ressaltando-se a
Resolução n.º 34/46, de 1979, da Assembleia Geral da ONU, que enuncia claramente
que: “a fim de garantir cabalmente os direitos humanos e a plena dignidade pessoal, é
necessário garantir o direito ao trabalho”.
Realmente, como bem define a Resolução citada, o trabalho deve ser
considerado o elemento central na vida do homem, pois, dele pode decorrer o pior, em
função de eventual adoecimento e acidentes, a perda da dignidade, exploração, como,
por outro lado, o trabalho é indispensável para que se possa extrair o melhor, em relação
ao desenvolvimento humano, tanto individual como coletivamente, à saúde psíquica, às
relações de solidariedade, entre outros âmbitos sociais.
Assim, os direitos sociais integram o conjunto dos direitos fundamentais e, estes,
no âmbito global dos direitos humanos. A expressão direitos humanos é utilizada para
designar a proteção jurídica outorgada a esses direitos no plano do Direito Internacional,
sem limitações de tempo e espaço, mas presente uma pretensão de validade universal;
por sua vez, a expressão “direitos fundamentais” define a dimensão interna e nacional
desses direitos, sendo contemplados, material e formalmente, pelo direito constitucional
positivo brasileiro vigente (AMORIM JÚNIOR, 2011 apud SARLET, 2005).
O Direito Tutelar da Saúde e Segurança do Trabalhador, como um ramo jurídico
especializado, constitui um sistema, composto de princípios, categorias e regras
organicamente ligadas em si. Sua unidade sela-se em função de um elemento básico,
sem o qual seria impossível a razão de ser do próprio sistema. Nesse segmento jurídico
a categoria básica fundamenta-se na intensidade da cogência, como são tratadas as
normas concernentes à saúde e segurança do trabalhador, definindo-se como
mandamentos imperativos, indeclináveis e inderrogáveis. (AMORIM JÚNIOR, 2011
apud BARRETO, 1964).
2.1 Princípios Específicos do Direito à Saúde e Segurança no Trabalho
Não se pode analisar o tema, ora em tela, sem que se refira, mesmo em linhas
gerais, sobre os princípios basilares do direito à saúde e segurança do trabalhador. Dessa
forma, seguir-se-á a apresentação dos princípios mais atuantes no referido segmento
jurídico.
2.1.1 Princípio da Indisponibilidade da Saúde do Trabalhador
99
Consoante o artigo 196 da Constituição da República, a saúde, à qual está ligada
diretamente à segurança e à medicina do trabalho, é direito de todos e dever do Estado
promovê-la, mediante ações preventivas e reparadoras, se for o caso (BRASIL, 1988).
Já, a Convenção n. 155 da OIT, ratificada pelo Brasil, no artigo 3º, alínea "e",
esclarece a extensão do conceito de saúde, em relação ao trabalho: “o termo "saúde",
com relação ao trabalhado, abrange não só a ausência de afecção ou de doenças, mas
também os elementos físicos e mentais que afetam a saúde e estão diretamente
relacionados com a segurança e a higiene no trabalho.” (OIT, 1983).
2.1.2 Princípio do Risco Mínimo Regressivo
O aludido princípio possui origem constitucional, no artigo 7º, inciso XXII, que
prevê "a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene
e segurança". É Importante mencionar que a segurança visa proteger a integridade física
do trabalhador; e a higiene objetiva o controle dos agentes prejudiciais do ambiente
laboral para a manutenção da saúde no seu amplo sentido (BRASIL, 1988).
Assim, o primeiro propósito é a redução máxima dos riscos, a eliminação do
agente prejudicial. Entretanto, quando for impossível tecnicamente, o empregador terá
que, ao menos, reduzir a intensidade do agente prejudicial para o mínimo tolerável.
Com o intuito de encontrar o ponto de equilíbrio, o art. 4º da Convenção n. 155
da OIT, ratificada pelo Brasil, estabeleceu que se deve "[...] reduzir ao mínimo, na
medida do razoável e possível, as causas dos riscos inerentes ao meio ambiente de
trabalho.
No mesmo diapasão, apresenta-se o artigo 189 da Consolidação das Leis do
Trabalho - CLT, que define como “[...] atividades ou operações insalubres aquelas que,
por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados a
agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e
da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos.” (BRASIL, 1943).
2.1.3 Princípio da Retenção do Risco na Fonte
A interpretação deste princípio ocorre mediante a análise dos artigos. 9º e 10,
ambos da Convenção n. 148 da OIT, ratificada pelo Brasil, os quais apresentam uma
ordem de preferência, a serem adotadas para a eliminação de todo risco. Dessa forma,
visa-se à aludida eliminação, em relação à contaminação do ar, ao ruído e às vibrações
no lugar de trabalho, através de planejamento no momento da construção de novas
100
instalações ou adaptações já existentes. Se não for possível, devem ser adotadas
medidas complementares de organização do trabalho. Se, ainda assim, não houver a
redução dos referidos malefícios, o empregador deve fornecer e conservar o
equipamento de proteção pessoal apropriado (OIT, 1979).
2.1.4 Princípio da Adaptação do Trabalho ao Homem
A posição mais recente é no sentido de que o homem que deve ser considerado
primeiramente no ambiente de trabalho, depois se deve acrescentar os equipamentos às
condições de trabalho e os métodos de produção, conforme o art. art. 5º da Convenção
n. 155 da OIT. Tal princípio tomou lineamentos mais concretos com o aparecimento
efetivo da ergonomia, a partir da segunda metade do século XX (OIT, 1983).
2.1.5 Princípio da Instrução
O princípio, ora apresentado, nasceu das principais convenções da OIT que
tratam da saúde do trabalhador. Dentre elas, ressalta-se a Convenção n. 148 da OIT,
"[...] os trabalhadores ou seus representantes terão direito a apresentar propostas, receber
informações e orientações e a recorrer a instâncias apropriadas, a fim de assegurar a proteção
contra riscos profissionais devidos à contaminação do ar, ao ruído e ás vibrações no local de
trabalho." (OIT, 1983).
REGIME REGULATÓRIO DA SAÚDE E SEGURANÇA NO
TRABALHO
Um grupo presidido por Lord Robens, nomeado em maio de 1970, por 2 anos,
dedicou-se ao estudo de um grande volume de materiais, revisões de literatura, e à
realização de debates e consultas a diversas pessoas, dentre elas: inspetores,
administradores, trabalhadores e oficiais do governo local e do exterior. O resultado
dessa ação conjunta originou o relatório, conhecido como Robens Report – o qual
criticou o modelo tradicional de leis e regulamentos prescritivos, propondo a
substituição deste por um sistema em que a legislação estabeleceria somente os deveres
gerais que os empregadores deveriam ter para com os empregados e com os cidadãos, e
aqueles que os empregados deveriam ter consigo e com seus colegas (SPINDLER, 2013
apud CSHW).
101
O supracitado modelo de legislação, que propõe os objetivos e os deveres gerais,
favorecendo a utilização, sempre que possível, de códigos de boas práticas não
estatutários, ao invés de regulamentos legais, dá maior liberdade à elaboração de
soluções técnicas, proporcionando padrões diferentes. Desse modo, a gestão da SST
tornar-se-ia mais dinâmica e proativa, considerando que este modelo estimularia a
melhoria cíclica.
De acordo com Hellebust e Braut (2010):
um regime regulatório deve ser caracterizado pela avaliação do que eles
descrevem como componentes de controle (no original: control components)
relacionados ao levantamento de informações, estabelecimento de padrões e
modificação de comportamento, a partir de uma perspectiva contextualizada
e em relação ao conteúdo dos atuais componentes de controle.
Sob a ótica da interação e interdependência desses elementos, quais sejam: as
falhas de mercado, a opinião pública e os grupos de interesses, que, por muitas vezes se
misturam, a regulação deve ser analisada. Todavia, ressalta-se que este não é um
conjunto fechado, pois outros elementos podem ser adicionados (SPINDLER, 2013).
3.1 Regime Regulatório no Brasil
O regime regulatório brasileiro de Saúde e Segurança no Trabalho – SST é
definido, basicamente, por um conjunto de regras interligadas, denominadas Normas
Regulamentadoras, que são aplicadas em todo o território brasileiro por um órgão da
administração federal direta, e por demais atos normativos relacionados, como
resoluções, instruções normativas, entre outros (SPINDLER, 2013).
Corroborando com a definição supramencionada, apresenta-se o conceito de
sistema regulatório brasileiro de Hellebust e Braut (2010), senão vejamos:
O sistema brasileiro tem como característica uma estrutura regulatória típica
do direito escrito. As normas são expressas em textos claros, são bastante
previsíveis e o seu cumprimento é controlado por autoridades que interferem
com os instrumentos legais, em casos de não observância às normas vigentes.
Em geral, as agências não se envolvem com a organização interna das
empresas em relação aos assuntos de saúde e segurança do trabalho. As
companhias, assim como os órgãos fiscalizadores, têm como foco o
resultado, mais do que o processo para alcançá-lo.
102
Em razão de existirem leis esparsas versando sobre segurança e higiene do
trabalho, e como muitos princípios legais relacionados eram regulamentados por
portarias, o assunto, além da legislação pretérita, ganhou inovações. Assim, o Capítulo
V do Título II da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, intitulado “Da Segurança e
da Medicina do Trabalho”, que abrange os artigos 154 a 201, constitui, com status de lei
ordinária, a principal fonte de regulação do tema (SÜSSEKIND, 2003).
Conseguintemente, ocorreu a alteração do Capítulo V do Título II da CLT,
mediante a publicação da lei n. 6.514/1977 (BRASIL, 1977). Nesta mudança, delegou-
se competência normativa ao Ministério do Trabalho e Emprego - MTE para
regulamentar e completar as normas do aludido capítulo. Em virtude desta delegação, as
disposições legais concernentes à SST que constavam na CLT foram detalhadas pela
Portaria do MTE n. 3.214, de 08 de junho de 1978, que estabeleceu as Normas
Regulamentadoras (NR) relativas à segurança e medicina do trabalho (BRASIL, 1978).
As competências do MTE são as seguintes: promoção de políticas e diretrizes
para a geração de emprego, renda e apoio ao trabalhador, bem como; para modernização
e fiscalização das relações do trabalho, inclusive do portuário, e a aplicação das sanções
previstas em normas legais ou coletivas; política salarial; formação e desenvolvimento
profissional; segurança e saúde no trabalho; política de imigração; cooperativismo e
associativismo urbanos (BRASIL, 2004).
Em relação à fiscalização, propriamente dita, os auditores fiscais do trabalho
realizam procedimento que envolve, basicamente, a verificação física nos ambientes de
trabalho e análise de documentos. A primeira fiscalização visa identificar e avaliar os
perigos e riscos existentes no local fiscalizado, inclusive, mediante entrevistas com os
empregados, a fim de apurar as medidas preventivas necessárias a serem implantadas e
mantidas A análise documental objetiva averiguar o cumprimento de algumas
determinações regulamentares, bem como, a explicação técnica para outras (SANTOS,
2011).
Se o art. 628 da CLT e o Regulamento da Inspeção do Trabalho fossem
observados de maneira rigorosa, excetuando as situações onde é aplicável o critério da
dupla visita (o qual versa sobre o dever de orientar antes de autuar) e dos procedimentos
especiais de fiscalização, seria lavrado um auto de infração para cada violação de
preceito legal constatada pelo auditor fiscal do trabalho (BRASIL, 1943), conforme a
redação do artigo mencionado:
103
Art. 628. Salvo o disposto nos arts. 627 e 627-A, a toda verificação em que o
Auditor-Fiscal do Trabalho concluir pela existência de violação de preceito
legal deve corresponder, sob pena de responsabilidade administrativa, a
lavratura de auto de infração. § 1º Ficam as emprêsas obrigadas a possuir o
livro intitulado "Inspeção do Trabalho", cujo modêlo será aprovado por
portaria Ministerial. § 2º Nesse livro, registrará o agente da inspeção sua
visita ao estabelecimento, declarando a data e a hora do início e término da
mesma, bem como o resultado da inspeção, nêle consignando, se fôr o caso,
tôdas as irregularidades verificadas e as exigências feitas, com os respectivos
prazos para seu atendimento, e, ainda, de modo legível, os elementos de sua
identificação funcional. § 3º Comprovada má fé do agente da inspeção,
quanto à omissão ou lançamento de qualquer elemento no livro, responderá
êle por falta grave no cumprimento do dever, ficando passível, desde logo, da
pena de suspensão até 30 (trinta) dias, instaurando-se, obrigatòriamente, em
caso de reincidência, inquérito administrativo. § 4º A lavratura de autos
contra emprêsas fictícias e de endereços inexistentes, assim como a
apresentação de falsos relatórios, constituem falta grave, punível na forma do
§ 3º. [grifou-se].
Entretanto, em virtude de a discricionariedade ser um atributo do poder de
polícia da administração pública, as realidades das inspeções podem não condizer com a
conduta prevista pelos regramentos jurídicos. Dessa forma, na prática, esse fato
contribui para que os auditores fiscais do trabalho promovam a aplicação das normas
regulamentadoras, diferentemente, fazendo com que as empresas respondam às
incitações governamentais, de forma desigual, para casos semelhantes (SPINDLER,
2013).
3.2. Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho
A OIT, mediante a aprovação da Convenção n. 187, procurou promover a SST,
ressaltando a necessidade da promoção contínua de uma cultura preventiva e de um
comprometimento dos Estados-Membros, com a melhoria cíclica da segurança e saúde
no trabalho. Para tanto, priorizou o desenvolvimento, a implantação e a revisão
periódica, a fim de propiciar as condições necessárias à adoção da política e de um
plano nacional de segurança e saúde no trabalho. Todavia, deve-se ressaltar que a
aludida Convenção não foi ratificada pelo Brasil, o que deve ocorrer, em atendimento
ao art. 19 da Constituição da Organização Internacional do Trabalho (OIT, 2006).
104
Por sua vez, a Organização Mundial de Saúde – OMS aprovou o “Plano de Ação
Mundial sobre a Saúde dos Trabalhadores”, a qual destacou a necessidade de seus
Membros elaborarem uma política de saúde do trabalhador, que considere o disposto
nas convenções da OIT, estabelecendo mecanismos de coordenação intersetorial das
atividades na área.
Ato contínuo, os Ministérios do Trabalho e Emprego, da Saúde e da Previdência
Social voltam a destacar a necessidade de continuidade da construção de uma Política
na área, concentrando as atenções na articulação entre as ações dos diversos órgãos,
bem assim na necessidade do enfoque tripartite, de acordo com os princípios e diretrizes
da OIT. Dessa forma, instituiu-se a Comissão Tripartite de Saúde e Segurança no
Trabalho CTSST, a qual detém as seguintes competências: revisão e ampliação da
proposta da Política Nacional de Segurança e Saúde do Trabalhador – PNSST;
promover o aperfeiçoamento do sistema nacional de segurança e saúde no trabalho, por
meio da interlocução permanente entre seus componentes; a elaboração de um
Programa Nacional de Saúde e Segurança no Trabalho, com definição de estratégias e
planos de ação, monitoramento, avaliação e revisão periódica, no âmbito das
competências do Trabalho, da Saúde e da Previdência Social (BRASIL, 2012).
3.3 Efetividade do Regime Regulatório da Saúde e Segurança no Trabalho
Segundo Colussi (2013), muito embora o Brasil tenha um sistema importante de
proteção à saúde e à segurança do trabalhador, este não está cumprindo com a sua
finalidade. Por mais que tenha a CLT, que complementa o texto constitucional, trazendo
normas e regras que protegem o trabalho e o trabalhador e, mais recentemente, a
elaboração da Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho, Isso tudo,
entretanto, é insuficiente.
A Fiscalização deixou de ser eficiente pela estrutura carente de fiscais, surgindo
a necessidade de se ampliar o diálogo social, para que mais pessoas e entidades se
integrem, objetivando à prevenção dos acidentes e doenças no trabalho. Outrossim,
Colussi (2013) chama a atenção para a responsabilidade e o compromisso dos
empregados, das empresas, inclusive, dos Sindicatos, os quais devem ser os primeiros a
iniciarem a busca pela prevenção de acidentes e doenças profissionais.
Por outro lado, não raras vezes, os textos legais são imprecisos, dos quais
decorrem diversas normas em branco, que necessitam de regramento complementar,
frequentemente, de natureza administrativa, a exemplo das referidas Normas
105
Regulamentadoras. Tal mecanismo tende a aumentar, em virtude da evolução dos
tempos e por questões de ordem prática, pois é impossível a lei ordinária acompanhar e
reger todas as situações existentes, o que confere maior efetividade ao sistema
regulatório em questão.
A importância dos regramentos administrativos não tem passado despercebida
pelos tribunais superiores. A jurisprudência sumulada do Supremo Tribunal Federal
vem garantindo a autoridade do Ministério do Trabalho para atuar em matéria de
segurança do trabalho, assim como o Tribunal Superior do Trabalho - TST, que
reconhece a autoridade da fiscalização, bem como a incidência do princípio protetor em
matéria de prova, ou de suas orientações jurisprudenciais (ROCHA, 2006).
A título de exemplo do referido acima, faz-se pertinente colacionar a Orientação
Jurisprudencial nº 345 da Sessão de Dissídios Individuais do Tribunal Superior do
Trabalho:
TST - SDI nº 345 – Adicional de periculosidade. Radiação Ionizante ou
Substância Radioativa. Devido. DJ. 22.06.2005. A exposição do empregado à
radiação ionizante ou à substância radioativa enseja a percepção do adicional
de periculosidade, pois a regulamentação ministerial (Portarias do Ministério
do Trabalho ns. 3.3393, de 17.12.1987, e 518, de 07.04.2003), ao reputar
perigosa a atividade, reveste-se de plena eficácia, porquanto expedida por
força de delegação legislativa contida no art. 200, caput, e inciso VI, da CLT
(BRASIL, 2005).
Ainda, consoante Rocha (2006), pode-se afirmar que a concretização do
princípio da máxima efetividade na prestação jurisdicional, em matéria de segurança do
trabalho, exige atuação simbiótica entre a Justiça do Trabalho, o Ministério Público do
Trabalho e o Ministério do Trabalho, para viabilizar tutelas preventivas, de natureza
inibitória, despersonalizando o autor da ação e se privilegiando a coletivização das
demandas.
Ao finalizar, Spindler (2013) alerta que o não comprometimento dos
profissionais e a falta de acompanhamento e de avaliações constantes das práticas
usuais, fazem com que estas percam o seu real sentido; considerando que, apesar de a
legislação estar sendo (aparentemente) cumprida, a saúde dos trabalhadores pode não
estar sendo efetivamente resguardada.
Por fim, ao analisar os vários posicionamentos contemplados, constata-se que o
Brasil possui um vasto acervo de disposições legislativas e administrativas, bem assim
106
boas iniciativas e práticas jurídicas, que buscam a proteção à saúde e segurança do
trabalhador; todavia, a aplicação prática resta ineficiente, considerando que o ambiente,
ora estudado, é extremamente complexo, exigindo a ação interdisciplinar de vários
órgãos, de todos os âmbitos, tanto do Estado, como da sociedade em geral.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho trouxe à baila um tema delicado e complexo, que demanda a
atenção de toda a sociedade, considerando que a saúde e segurança do trabalhador
trazem reflexos de grande espectro social, atingindo o trabalhador, sua família, as
empresas, a economia, o sistema previdenciário, Judiciário, entre outros.
A mudança será efetiva, se a consciência da prevenção contra acidentes e a
manutenção da saúde forem trabalhadas em todos os indivíduos envolvidos, começando
pelos jovens trabalhadores, incutindo-lhes o pensamento de boas práticas laborais.
Com certeza, através de medidas simples, acessíveis e claras ao trabalhador é
que a responsabilidade de todos aflorará, repercutindo de maneira positiva em toda a
sociedade. Enfim, o caminho a ser tomado é o do comportamento proativo, inclusive, do
Estado. Assim, colheremos bons frutos, que promoverão a saúde e segurança no
trabalho de maneira digna a todos.
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saúde e segurança do trabalhador. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3095, 22
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19
BASE DE CÁLCULO DO ADICIONAL DE INSALUBRIDADE:
UMA INSEGURANÇA JURÍDICA
Jenifer Ponce Navarro1 Clênio Denardini Pereira2
INTRODUÇÃO A insalubridade, que deveria ser motivo de benefício indiscutível no âmbito
judicial, hoje, é uma insegurança pautada no conflito de normas do ordenamento
jurídico.
O que se observa é a falta de coerência com a desenvoltura dos princípios
trabalhistas aplicados desde o primórdio da consolidação dos direitos trabalhistas. O
princípio da norma mais benéfica ao empregado vem caindo no desuso, pois o que se
entendia por benéfico agora é motivo para discussão processual.
Presentes os agentes nocivos e comprovada atividade insalubre desenvolvida
pelo obreiro, lhe é devido adicional insalubridade com percentual sobre o salário. Mas
qual salário? Assim temos a CLT em seu artigo 192, deferindo como parâmetro o salário
mínimo.
Não obstante a súmula vinculante n°4 do STF garante que nenhuma vantagem
seja acrescida com base de cálculo o salário mínimo, mas sim o salário base. Ainda no
mesmo âmbito, a súmula n° 228 do TST reafirma que o cálculo para acréscimo de
benefício, vantagem, gratificação, dar-se-ia sob o valor do salário base.
Portanto, estamos diante de um problema hierárquico? Teoricamente, não. Afinal
o direito trabalhista garante que a norma mais benéfica ao empregado seja aplicada em
discussões judiciais, não importando se ela é infraconstitucional ou supralegal.
Sendo assim notoriamente a ambivalência de decisões sobre o mesmo tema
demonstra a fragilidade do Poder Judiciário, ficando mais clara a insegurança jurídica.
1 Acadêmica do 4° semestre do curso de Direito na Faculdade de Direito de Santa Maria –FADISMA- E-mail: [email protected] 2 Mestrando em Ciências Jurídicas-Privatísticas na Faculdade de Direito Universidade do Porto - Portugal. Especialista em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito Universidade do Porto - Portugal (2014). Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade de Santa Cruz do Sul (2011). Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Anhanguera/Uniderp (2011). Bacharel em Direito pela Universidade Luterana do Brasil (2009). Professor do Instituto Blumenauense de Ensino Superior - IBES, em parceria com a SOCIESC. Revisor de periódico da Revista Quaestio Iuris (ISSN 1516 - 0351) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Advogado Trabalhista na empresa Teka Tecelagem Kuehnrich S/A - em recuperação judicial. E-mail: [email protected]
110
ASPECTOS GERAIS DA INSALUBRIDADE
Com a compilação de direitos trabalhistas em uma mesma fonte, a Consolidação
das Leis do Trabalho – CLT se configurou numa considerada proteção aos direitos dos
trabalhadores, fincando estes melhores assegurados e os empregadores mais assistidos
para obtenção de maior eficácia normativa.
Passados 71 anos da promulgação do Decreto-Lei n° 5.452 ainda podemos
considerá-lo como um guardião dos trabalhadores regulares. No entanto ainda assim,
mesmo com o advento de emendas constitucionais, súmulas, orientações
jurisprudenciais e outras fontes do direito norteadoras, as infrações às normas
trabalhistas são evidentes e necessitam ser fiscalizadas.
Com efeito, a fim de introduzir a matéria, não podemos deixar de citar o
Doutrinador Amauri Mascaro Nascimento com a seguinte passagem que segue infra3:
A lei assegura ao empregado que trabalha em ambiente insalubre uma
determinada proteção através das normas de segurança e higiene do trabalho
voltadas para a proteção da vida, da saúde e da integridade física do
trabalhador.
Neste sentido, inúmeros são os trabalhadores laborando em condições
degradantes e insalubres, sem utilização de equipamentos de proteção individual ou
ineficiente e insuficiente, depreciando assim com a sua saúde sem sequer haver uma
compensação para tal exposição aos agentes nocivos.
Para tanto, aqueles que labutam expostos aos agentes nocivos, sem que haja a
devida neutralização pelos equipamentos de proteção individual, perecem no adicional
de insalubridade como uma recompensa, gratificação salarial em decorrência das
condições danosas a sua saúde e bem estar. É uma forma de amenizar os danos futuros
ou imediatamente ocasionados por algum tipo de atividade. Pois, como não há como
erradicar alguns trabalhos operados em condições insalubres, visto que em muitos casos
se faz necessária atuação por não haver hodiernamente outro método de execução,
então, deve-se prevenir ou riscos e compensar os corajosos obreiros.
A insalubridade está diretamente ligada ao método/condições com que se dá o
trabalho, expondo o empregado a situações com agentes nocivos à sua saúde acima dos
limites toleráveis, seja por natureza intensidade ou tempo de exposição. Estes limites
3 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Teoria Jurídica do Salário. 2ª ed. São Paulo: LTr, 1997. p. 246-247.
111
toleráveis estão expressamente citados na Norma Regulamentadora (NR) n° 15 e em
seus anexos.
Além disso, a própria CLT em sua seção XIII Das Atividades Insalubres ou
Perigosas, prevê nos artigos 189 a 192 em quais momentos poderão ser consideradas
atividades insalubres, ampliando esse benefício a algumas categorias extras e
mencionando órgãos responsáveis por esta fiscalização.
O artigo 189 por sua vez define as atividades insalubres4:
Serão consideradas atividades ou operações insalubres aquelas que, por sua
natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados a
agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da
natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos.
No entanto, o citado monitoramento é um pouco dificultoso nos ambientes de
trabalho em virtude da demanda abusiva.
Não obstante, a CLT aponta nos artigos 166 e 167, normas que asseguram
equipamentos indispensáveis para a proteção do trabalhador com o fito de prevenção à
fadiga, medidas preventivas de medicina do trabalho, obrigatoriedade da existência de
órgãos de segurança e medicina na empresa.
Em que pese existir casos em que os aparelhos protetores aprovados pelos
órgãos competentes eliminam a insalubridade em virtude da sua eficiência, tal qual
consta da súmula 80 do TST, em outros casos esta condição não se coaduna.
Sendo assim, sempre que houver, portanto, exposição do obreiro aos agentes
nocivos sem que ocorra sua total proteção adequada, será devido a este o adicional de
insalubridade.
Para Alice Monteiro de Barros, o trabalho em condições insalubres, ainda que
intermitente, envolve maior perigo para a saúde do trabalhador e por isso mesmo,
ocasiona um aumento na remuneração do empregado. Em consequência, o trabalho
nessas condições, acima dos limites de tolerância estabelecidos pelo Ministério do
Trabalho, assegura ao empregado o direito ao recebimento de um adicional de 10%,
20% ou 40% sobre o salário mínimo ou mínimo profissional5, conforme se classifique a
insalubridade, respectivamente, no grau mínimo, médio ou máximo, segundo apurado
4 BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. Decreto-lei nº 5452/43. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm Acesso em: 29 Out 2014. 5 Não contrariando o entendimento da autora, mas com o fito de alargar a temática, devemos salientar que o artigo 192 da CLT ainda dispõe que o adicional incidirá sobre o salário mínimo da região em virtude de redação dada pela Lei 6514/77.
112
por perito médico ou engenheiro do trabalho registrado no Ministério do Trabalho6.
Portanto, apurado um ambiente insalubre, após a suposição da existência de
nocividade, a insalubridade é caracterizada com a avaliação de uma autoridade regional
competente em matéria de segurança e saúde do trabalhador. Esta insalubridade será,
portanto, expressa através de um laudo técnico por um engenheiro de segurança do
trabalho ou médico do trabalho, ambos devidamente habilitados.
Uma vez caracterizada a insalubridade por algum dos motivos elencados nos
anexos da NR n° 15, avalia-se qual a intensidade deste dano ao trabalhador. Assim o
adicional poderá ser acrescido de percentual já abordado, podendo variar entre 10%,
20% ou 40%, sobre o salário. Mas qual salário?
Dada esta sucinta abordagem acerca de alguns pontos basilares do adicional de
insalubridade, carece o presente da necessidade justamente de se enfocar sobre qual
salário será apurado o devido adicional, sobre o salário base do funcionário ou sobre o
salário mínimo.
SALÁRIO BASE E SALÁRIO MÍNIMO. BREVE DISTINÇÃO.
À luz da Constituição Federal de 1988 em seus direitos e garantias previstas pelo
artigo 7° aos trabalhadores, o salário mínimo é parte fundamental deste composto. O
salário ocupa algum de seus incisos (art. 7°, incisos IV, V, VI, VII, VIII, IX, X, XI e XII,
CF), tornando esta remuneração direito de todos que desempenham alguma relação de
emprego.
Como bem ressalta Maurício Godinho Delgado7:“o salário no Direito brasileiro
pode ser conceituado como o conjunto de parcelas contraprestativas pagas pelo
empregador ao emprego em decorrência da relação de emprego.”
Observa-se que salário mínimo é a menor prestação que pode ser paga a um
empregado no país uma vez que há fixação de preços mínimos estipulados pelo
governo, com o intuito de se tentar aferir maior dignidade ao trabalhador brasileiro. Este
salário corresponde a um parâmetro, um indicador. A partir dele o salário base poderá
ser interposto através de comum acordo, patrão/ empregado ou sindicatos. Tem-se por
ponto de partida a base horária trabalhada por dia ou por mês do empregado chegando-
se a um salário denominado: Salário Mínimo Legal. Usa-se a expressão “Legal”, pois
6 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 3.ed. São Paulo: LTr, 2007. p. 767. 7 DELGADO, Maurício Godinho. Salário Teoria e Prática. Belo Horizonte: Del Rey, 1997. P. 24-25.
113
com a promulgação da Constituição de 1988 este salário passou a ser fixado através de
Lei, e não mais decretado pelo Presidente da República.
Não obstante, a título ilustrativo, é importante ressaltar que a súmula vinculante
n°6 do STF, traz uma categoria que pode receber remuneração inferior ao mínimo legal,
as praças prestadoras de serviço militar inicial, que por sinal percebem soldos e não
salário.
No que tange ao salário base, sua definição pode ser atribuída ao salário mínimo
contratual. Basicamente temos uma contraprestação econômica fixada pelo empregador
ao empregado mediante acordo prévio para a fixação do contrato de trabalho. Ou seja,
esta prestação acordada desfaz-se das demais parcelas salariais que lhes são somadas, o
que conhecemos por adicionais, gratificações, prêmios e etc.
Vale ressaltar que nem toda parcela paga ao empregado tem caráter contra
prestativo, posto que quando se trata de indenizações de despesas estas não compõem o
salário. Além disso, existem casos em que não há a existência de prestação de serviço e
ainda assim a parcela contraprestativa continua a ser paga. Exemplos típicos é a época
de férias, licenças médicas, feriados, repouso semanal, licença maternidade/paternidade.
Estas situações são conhecidas como interrupção da prestação de serviços ou
interrupção contratual.
Dito isto, cabe, portanto, se analisar a base de cálculo para fins de adicional de
insalubridade. Será o salário mínimo ou o salário base?
DA BASE DE CÁLCULOS DO ADICIONAL DE INSALUBRIDADE: SALÁRIO
MÍNIMO OU SALÁRIO BASE?
É notório o risco elevado que uma atividade insalubre exerce sobre o
empregado. Desta forma o adicional de insalubridade surge para amenizar os danos que
ela traz consigo. Porém depois de uma longa discussão sobre o que é e o que não é
insalubre adentra-se em outra questão - não menos importante – o cálculo do adicional
de insalubridade.
A discussão aqui entra no mérito de qual salário usar como ponto de partida.
Cumpre ora aduzir que a CLT em seu artigo 192, aduz a base de cálculo sobre o
salário mínimo da região, já a Súmula Vinculante n° 4 do STF, garante que o salário
mínimo não possa ser usado como indexador de base de cálculo de vantagem.
114
Assim dispõe a importante súmula do STF8:
Salvo nos casos previstos na Constituição, o salário mínimo não pode ser
usado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou
de empregado, nem ser substituído por decisão judicial.
Em consequência, o Tribunal Superior do Trabalho – TST, editou a súmula n°
228 que reforça a ideia da súmula vinculante do STF, tornando, assim, o cálculo de
insalubridade a partir do salário básico e não do salário mínimo por não poder este ser
indexador de base de cálculo de vantagem.
Todavia, a súmula recém-citada do TST está suspensa por decisão liminar do
Supremo Tribunal Federal Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012,
conforme podemos observar no próprio sítio eletrônico daquela Corte9.
Destarte voltamos ao estatus quo ante da presente temática, posto que não se há
um consenso acerca da base de cálculo a se apurar.
De outra sorte, a súmula vinculante n° 307 do STF permite a interpretação do
cálculo de insalubridade com base no salário mínimo. Ou seja, independentemente se o
trabalhador for remunerado com valor acima do mínimo (regional ou nacional), seu
acréscimo percentual será sobre o mínimo. Como exemplo tomemos um trabalhador
com renda no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) que exposto à situação insalubre é
beneficiado com 20% (vinte por cento). Se este acréscimo for sob o valor do salário
base, teremos um bônus de R$ 400,00 (quatrocentos reais), por outro lado, se for sob o
valor do salário mínimo o bônus será de R$ 144,80 (cento e quarenta e quatro reais com
oitenta centavos).
Neste sentido, percebemos que a diferença salarial é relevante posto que a falta
de uma norma regulamentadora definindo e unificando o cálculo para não deixar essas
lacunas é de extrema importância, com o objetivo de evitar a multiplicidade de
interpretações.
A controversa que norteia o adicional de insalubridade não é de hoje. Notemos
que a Constituição Federal de 1988, já aduzia no seu artigo 7°, inciso XXIII, que o
adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres e perigosas, deve se dar
8 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante nº4. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumario.asp?sumula=1195 Acesso em: 29 Out 2014. 9O texto atualizado da Súmula 228 do TST pode ser visualizado no seguinte endereço eletrônico: http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_201_250.html#SUM-228
115
na forma da lei.
Assim Maurício Godinho Delgado há algum tempo defende que a tendência era
de mudança com esse enunciado supramencionado do artigo 7º inciso XXIII da CF/88,
para tornar mais onerosa economicamente à presença de insalubridade. Sendo assim,
desta forma o empregador tomaria mais cuidado com as medidas de segurança e de
alguma forma eliminaria a presença desses riscos. Assim dispôs em sua obra no ano de
199710:
Contudo, a jurisprudência ainda não tem se encaminhado nessa direção
interpretativa, preservando a antiga ideia de que os percentuais do adicional de
insalubridade se calculem sobre o salário mínimo legal. É o que transparece pela
manutenção do Enunciado 228, TST (elaborado antes da Constituição de 1988) e
do Precedente jurisprudencial n.1 da Seção de Dissídios Individuais do Tribunal
Superior do Trabalho. Na mesma linha, a antiga súmula 307, do Supremo
Tribunal Federal.
O que se pode analisar é que nos últimos tempos tem ocorrido uma inquietude,
insegurança jurídica que se dá com as súmulas 228 do TST e a súmula vinculante n°4
do STF, além da própria constituição.
Data vênia, em virtude da inconstância jurídica ora abordada, denota-se que a
súmula 228, que defende a apuração sobre o salário base, está suspensa pelo STF
justamente porque, em que pese a súmula vinculante nº4 afirmar que o salário mínimo
não pode ser utilizado como indexador, a CF/88 afirma que depende de Lei para a
determinação da base de cálculo, lei esta que por ora não existe.
Neste ínterim, não se existe um consenso de aplicabilidade no feito, o que se tem
é a suspensão da súmula 228 do TST, e em virtude, por não haver lei específica regendo
o assunto, em tese, deve ser aplicado o salário mínimo. Esta de fato é a tese das
empresas, hipersuficientes na relação laboral.
Por outro viés, o próprio STF indica que o salário mínimo não pode servir como
indexador de base de cálculo. Assim existem magistrados que priorizam, mesmo
estando suspensa a súmula 228 do TST, pela utilização do princípio da norma mais
favorável, e do in dubio pro operário, ensinamentos estes que os mestres lecionam para
os acadêmicos em sala.
Singelamente falando, no direito do trabalho não se existiria pirâmide kelseniana
10 DELGADO, Maurício Godinho. Salário Teoria e Prática. Belo Horizonte: Del Rey, 1997. p. 157.
116
para estipular qual norma deverá ser aplicada. A hierarquia por aqui não se manifesta,
podendo qualquer Lei Ordinária, Decreto Lei, Emenda Constitucional ou qualquer outra
forma de direito positivado ser usado em benefício ao empregado, garantindo-lhe assim
a segurança por ser tão hipossuficiente em sua maioria.
Neste sentido ventila Leone Pereira ao conduzir em sua obra os princípios
recém-explanados11:
Uma determinada norma trabalhista poderá ser dúbia, comportando várias
interpretações. Neste caso, aplicando-se o princípio em comento (in dubio
pro operário), o interprete deverá optar, entre duas ou mais interpretações
possíveis, pela mais favorável ao empregado.
O princípio da norma mais favorável estabelece que, em havendo mais de
uma norma trabalhista igualmente aplicável ao caso concreto, deverá ser
aplicada a norma mais favorável, independentemente da sua posição na
escala hierárquica.
Não obstante os ensinamentos colhidos pelos doutrinadores no que tange a
fragilidade do operário, inúmeras são as demandas que apontam para a base de cálculos
no salário mínimo e outras tantas que favorecem o funcionário considerando o salário
base.
O fato é que enquanto não houver uma lei regulamentadora sobre o feito ambos
os polos, empregados e empregadores, ficarão a mercê da distribuição do processo e
contando com a sorte para que os autos recaiam sobre os ombros daqueles magistrados
que mais lhes favorecem, empresas ou funcionários.
Logo, notadamente nos deparamos com uma extremada insegurança jurídica
decorrente de tal temática. Enquanto se aguarda uma lei para regulamentar o abordado,
seguem trabalhadores e patrões se digladiando na esfera jurídica para se determinar algo
que não pode ser substituído por decisão judicial12.
DA INSEGURANÇA JURÍDICA
Uma das garantias mais respeitáveis do ordenamento jurídico aos cidadãos é a
segurança jurídica prevista no artigo 5°, inciso XXXVI da Constituição Federal de
1988. Segurança esta que é o princípio básico que rege um Estado, segundo os
contratualistas, afinal o povo concedeu parte de sua liberdade em face deste órgão
11 PEREIRA, Leone. Direito do Trabalho. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p.31-32. 12 Notemos que a Súmula Vinculante nº 4 do STF infere que o salário mínimo não pode ser indexador para base de cálculo de vantagem de empregado, mas ao mesmo tempo não pode ser este substituído por decisão judicial. Logo, o que poderá se aplicar?
117
máximo com o intuito de praticar o bem comum e trazer a organização para as
sociedades.
Outrossim, Thaumaturgo, insurgindo-se dos ensinamentos de Celso Antônio
Bandeira de Mello, “o Direito propõe-se a ensejar certa estabilidade, um mínimo de
certeza na regência da vida social”, e acrescenta que “esta segurança jurídica coincide
com uma das mais profundas aspirações do homem: a da segurança em si mesma”. Ou
seja, a confiança de outorgar poderes a um terceiro para solucionar conflitos é tamanha
que qualquer lacuna existente é motivo para descrença neste meio13.
A segurança jurídica pode ser percebida por dois âmbitos, a objetiva e subjetiva.
Uma ligada diretamente à função estatal, a proteção que este poder desenvolve sobre
seu povo, principalmente ao tocante político. E outra com respaldo entre os particulares,
assegurando assim, que contratos sejam cumpridos sem o intervencionismo de alguma
norma que venha a prejudicar estes negócios.
Aproximando essa segurança jurídica ao tema abordado neste artigo, temos o
lado oposto do princípio básico. A garantia de um salário e trabalho digno estão
assegurados na Constituição Federal, porém a execução destas normas garantidoras e a
elaboração de novas leis inconstitucionais andam descompassadamente. Vemos aqui
claramente o descumprimento desta segurança jurídica.
Dois trabalhadores com o mesmo salário base ingressam com reclamatória
trabalhista pedindo adicional de insalubridade. Ambos ganham 20% (vinte por cento) do
benefício, porém calculados sobre salários distintos, um sobre o base e outro sobre o
mínimo.
Ora, aonde se encontra a tal da segurança jurídica, que permite a ambivalência
de decisões a cerca do mesmo tema? Por que ainda não fora revogado o artigo 192 da
CLT por flagrante inconstitucionalidade?
A resposta é simples, cada poder é uno. No entanto, o sobrecarregamento de
alguns faz com que outros assumam responsabilidades que não competem a sua alçada.
Ocasionando, assim, o que conhecemos por desvio de função. Enquanto isso, os
13THAUMATURGO, Felner Assis; LIMA, Roberto Vieira Sathler; SABINO, Francisca Vânia Sabino. Princípio
da Legalidade e o Princípio da Segurança Jurídica nos Atos Administrativos. Disponível em:
http://www.tce.ac.gov.br/portal/index.php/artigos/104-principio-da-legalidade-e-o-principio-da-
seguranca-juridica-nos-atos-administrativos
Acesso em 26 de Outubro de 2014.
118
trabalhadores expostos a situações insalubres sofrem com as divergências decisórias14.
RECURSO DE REVISTA. BASE DE CÁLCULO DO ADICIONAL DE
INSALUBRIDADE. SALÁRIO MÍNIMO (CLT, ARTIGO 192). O Supremo
Tribunal Federal, ao apreciar o RE-565.714-SP, sob o manto da repercussão
geral da questão constitucional, referente à base de cálculo do adicional de
insalubridade, editou a Súmula Vinculante nº 4, reconhecendo a
inconstitucionalidade da utilização do salário mínimo como parâmetro, mas
vedando a substituição deste por decisão judicial. Assim decidindo, a
Suprema Corte adotou técnica decisória conhecida, no direito constitucional
alemão, como -declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia da
nulidade-, ou seja, a norma, não obstante ser declarada inconstitucional, ela
continua a reger as relações obrigacionais, em face da impossibilidade de o
Poder Judiciário substituir o legislador, a fim de definir critério diverso para a
regulação da matéria. Portanto, ainda que reconhecida a inconstitucionalidade
do art. 192 da CLT, tem-se que a parte final da Súmula Vinculante nº 4 do
STF não permite criar critério novo por decisão judicial, razão pela qual, até
que se edite norma legal ou convencional estabelecendo base de cálculo, para
o adicional de insalubridade, distinta do salário mínimo, continuará a ser
aplicado esse critério para o cálculo do referido adicional. Decisão do
Tribunal Regional contrária ao entendimento desta Corte Superior e da
Súmula Vinculante nº 4 do Supremo Tribunal Federal. Recurso de revista de
que se conhece e a que se dá provimento. (TST - RR:
153154201150900691531-54.2011.5.09.0069, Relator: Valdir Florindo, Data
de Julgamento: 06/11/2013, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 14/11/2013)
Enquanto isto, as demandas tem que chegar ao Tribunal Superior do Trabalho
para dirimir tal controversa, haja vista que não se tem interpretação concreta das varas
do trabalho e dos tribunais regionais, restando ao TST, buscar no direito alemão a
inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade, para que enquanto não haja norma
regulamentadora, siga mantendo a utilização do salário mínimo, mesmo não sendo a
norma mais favorável no caso em comento. Ou seja, dada tamanha insegurança jurídica,
mal maior não há.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não podemos olvidar que o Direito nunca está adiante dos fatos ocorridos na
14 TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO - TST- RR: 153154201150900691531-54.2011.5.09.0069, Relator: Valdir Florindo, Data de Julgamento: 06/11/2013, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 14/11/2013Disponível em: http://tst.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/24634218/recurso-de-revista-rr-15315420115090069-1531-5420115090069-tst Acesso em: 29 Out 2014.
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sociedade. Ele se sustenta com os atos já ocorridos, com os costumes, e a toma como
base para a construção das normas positivadas. Então, o Direito sempre está um passo
atrás da sociedade.
Talvez nessa turbulência alguns fatos passem despercebidos. Normas infringem
a Constituição Federal e para isso servem os remédios constitucionais. E curiosamente
enquanto as lacunas vão se tornando mais frequente, outras se colidem a respeito do
mesmo assunto.
Notadamente a discussão acerca da base de cálculos do adicional de
insalubridade não é recente, contudo não podemos negligenciar ao assunto de extrema
importância e relevância no que concerne ao tema segurança e saúde do trabalhador.
Não bastasse o desgaste de ingressar no judiciário para resolver litígios não
solucionados na esfera extrajudicial, mesmo após laudo pericial conclusivo positivo
quanto a presença de agentes nocivos a saúde e o respectivo deferimento do adicional de
insalubridade, a controversa não se encerra em decisão terminativa de primeiro grau,
tendo que se chegar até o Tribunal Superior do Trabalho, em regra, para fins de dirimir a
lide.
Isto tudo, pois, ainda não existe uma norma regulamentadora para se fixar a base
de cálculo do adicional de insalubridade, algo que se vem requerendo há muito tempo
pelos profissionais do direito, sejam advogados, magistrados, tudo para que se atenda
com melhor ênfase a constância da credibilidade no judiciário, trazendo à tona a tão
desejada segurança jurídica, que data vênia se encontra escassa nos dias atuais.
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120
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Atos Administrativos. Disponível em:
http://www.tce.ac.gov.br/portal/index.php/artigos/104-principio-da-legalidade-e-o-
principio-da-seguranca-juridica-nos-atos-administrativos
Acesso em 26 de Outubro de 2014.
TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO - TST- RR: 153154201150900691531-
54.2011.5.09.0069, Relator: Valdir Florindo, Data de Julgamento: 06/11/2013, 7ª Turma,
Data de Publicação: DEJT 14/11/2013Disponível em:
http://tst.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/24634218/recurso-de-revista-rr-
15315420115090069-1531-5420115090069-tst Acesso em: 29 Out 2014.
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DA VIOLÊNCIA PSIQUICA NO AMBIENTE DE TRABALHO: AS
CONSEQUENCIAS DA SINDROME DE BURNOUT NA SAÚDE
MENTAL DO TRABALHADOR1
Jeano Saraiva Corrêa2
O homem passa a maior parte da sua
vida útil no trabalho, exatamente no período da
plenitude de suas forças físicas e mentais, daí
porque o trabalho, freqüentemente, determina o
seu estilo de vida, influencia nas condições de
saúde, interfere na aparência e apresentação
pessoal e até determina, muitas vezes, a forma de
morte. (OLIVEIRA)
INTRODUÇÃO
Indene de dúvidas, a saúde laboral é uma preocupação mundial e ainda apresenta
pontos obscuros diante da evolução empresarial e dos meios de produção. Há uma
crescente preocupação com a saúde obreira na qual se busca a promoção do bem-estar e
uma melhoria da qualidade de vida.
É cediço que existe influência significativa do ambiente laboral na saúde mental
do empregado, na concepção do capitalismo onde há excessiva valorização do trabalho
intelectual e imaterial, a sanidade do trabalhador entra em foco e nos faz refletir acerca
do aspecto tutelar do direito do trabalho e a preocupação com as péssimas condições
laborais; infringência das normas de segurança e higiene do trabalho, setores
deprimentes a poeira, calor, instalações sanitárias ineficazes, pressões psicológicas,
insultos, brigas constantes, nas quais concorrem para degradação do local de trabalho
em total desprezo à dignidade do trabalhador.
Deste modo, o roteiro do artigo direciona para análise da legislação atual e os
princípios que regem o meio ambiente de trabalho.
1 Advogado regularmente inscrito na OAB/RS sob nº.: 79.982, pós graduado em Direito e Processo do
Trabalho “lato sensu”, técnico em segurança do trabalho, o presente artigo foi elaborado com intenção de
mostrar a importância da sadia qualidade de vida no ambiente laboral, analisando a legislação atual e os
princípios que regem o meio ambiente que se não observados poderão trazer sérias doenças a saúde
pessoal e em especial as doenças de ordem psíquica.
122
Seu foco principal será a investigação das agressões psíquicas ocasionadas pelas
empresas que para suprirem as necessidades de consumo populacional tendem a
aumentar a produção de mercadorias e serviços repercutindo diretamente na saúde física
e mental dos trabalhadores que terão que realizar maiores esforços, por vezes em
jornadas excessivas.
Propõe-se para o enfrentamento da problemática, o resgate da discussão dos
valores do poder empregatício que exsurge na qualidade de vital de seu empregado,
devendo manter o equilíbrio entre direitos e deveres no que tange a responsabilidade
social onde sensivelmente repercutirá no sentido de crescimento pessoal e qualitativo de
vida obreira que atualmente encontra-se sobrecarregada por artefatos tecnológicos que
subtraem o seu tempo, por vezes ocasionando seqüelas de ordem psíquicas nas quais
será analisado a Síndrome de Burnout.
VISÃO ANTOPOCENTRICA DO MEIO AMBIENTE LABORAL:
Conceito de ambiente do trabalho e a relação com o poder empregatício
É sabido que a proteção ambiental do trabalho é um pilar de sustentação do
direito cidadão, intrinsecamente ligado a qualidade de vida humana, sendo o trabalho a
extensão do lar, o qual se desrespeitado pelo empregador, provoca agressão a toda
sociedade.
O poder diretivo do empregador não pode apenas focar nos valores hedonistas
da lucratividade devendo salvaguardar o direito fundamental à sadia qualidade, onde por
vezes, o ambiente se torna muito competitivo acarretando desgaste humano infinito,
Manuel Castells (1999, P. 120) afirma que “na verdade os caminhos específicos do
aumento da produtividade definem a estrutura e a dinâmica de um determinado sistema
econômico”, conceito característico da figura empresarial.
Basicamente, a mudança comportamental da sociedade empresarial
contemporânea segundo Domenico De Masi (2001 p. 07) a força de trabalho que na
época de Marx, era num contexto geral, formado por operários/trabalhadores braçais
com pouca introdução de técnicas científicas de administração, especialmente de
Taylor 3 (adotada por Henry Ford) as máquinas ditavam o ritmo do acelerado do
3 Sobre este assunto, o Taylorismo aperfeiçoou processo de divisão técnica do trabalho, sendo que o
conhecimento do processo produtivo era de responsabilidade única do gerente, que também fiscalizava o
tempo destinado a cada etapa da produção. Outra característica foi a padronização e a realização de
atividades simples e repetitivas. Taylor apresentava grande rejeição aos sindicatos, fato que desencadeou
diversos movimentos grevistas o trabalho industrial foi fragmentado, pois cada trabalhador passou a
exercer uma atividade específica no sistema industrial. A organização foi hierarquizada e sistematizada, e
123
trabalhador que apenas obedecia ordens alienadamente, dando origem à denominada
“sociedade industrial”, passando-se a intelectualizar, ou seja, a ênfase se desloca do
processo executivo ao ideativo, da substancia à forma, do duradouro ao efêmero, da
pratica a estética.
Se antes tínhamos modelos tradicionais e unilaterais da relação de trabalho, hoje
se impõe uma conduta leal de ambos, o empregador restringe-se apenas no controle de
suas diretrizes empresariais e não controle a pessoa do empregado, igualmente, o
empregado deve pautar pelo cumprimento da prestação de seus serviços.
Neste sentido, condensado pelo artigo 225, caput, da Carta Maior na qual
elevara à proteção jurídica do meio ambiente como direito fundamental, a doutrina
pátria criou sua classificação restando estabelecido como alicerce de sustentação, à
preservação da vida do trabalhador que na ótica vigilante da Suprema Corte Ministro
Celso de Mello4 menciona:
A incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses
empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica,
ainda mais se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina
constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que
privilegia defesa do meio ambiente.
Nomeadamente, a palavra meio ambiente compreende a totalidade de elementos
materiais e imateriais que nos circundam, num melhor conceito proposto como jaez do
meio ambiente artificial, não é necessariamente o local/ ambiente da empresa ou fábrica,
mas o local onde se há a força de trabalho.
Lembrem-se aqui, as palavras de Minardi que delineiam com precisão as
características do espaço laboral:
É cediço que, nos tempos atuais, o ambiente laboral é considerado uma extensão
do lar do trabalhador e, por tal razão, ainda lhe é imperioso garantir um ambiente
externo saudável e em condições para a efetiva fruição de períodos de descansos e de
o tempo de produção passou a ser cronometrado. Henry Ford (1863 – 1947), por sua vez, desenvolveu o
sistema de organização do trabalho industrial denominado fordismo. A principal característica do
fordismo foi a introdução das linhas de montagem, na qual cada operário ficava em um determinado local
realizando uma tarefa específica, enquanto o automóvel (produto fabricado) se deslocava pelo
interior da fábrica em uma espécie de esteira. Com isso, as máquinas ditavam o ritmo do
trabalho. 4 (STF - ADI-MC: 3540 DF , Relator: CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 01/09/2005, Tribunal
Pleno, Data de Publicação: DJ 03-02-2006 PP-00014 EMENT VOL-02219-03 PP-00528).
124
lazer, além de momentos de ginástica laboral nas próprias empresas. (MINARDI, Fabio
Freitas, 2010).
Ao transpor a premissa das características meio ambiente de trabalho, conclui-
se, fundamental assegurar à sadia qualidade de vida não se resumindo apenas as
dependências físicas do empregador e nem só ao aspecto físico, e sim emocional,
demonstrando que a evolução legislativa das normas de segurança e medicina do
trabalho deve ser seguida. Aliás, essa é a dicção do art. 3º da Convenção 155 da OIT5,
sensivelmente preocupada com o tema.
Oportunamente, convém trazer a observação de Sebastião de Oliveira Geraldo:
A força de trabalho exigida do operário está se deslocando rapidamente dos
braços para o cérebro especialmente com o ritmo acentuado da informatização. Com
isso percebe-se que vem ocorrendo uma diminuição efetiva na prevenção da fadiga
psíquica, cuja recuperação é muito mais lenta e complexa. Ademais, o trabalhador
dirige-se para a empresa carregando toda a carga de apreensões da sociedade moderna
em que está inserido, cujos problemas de moradia, segurança, trânsito, além dos
aspectos familiares, são fatores adicionais que completam as agressões psicossociais.
(GERALDO, Sebastião de Oliveira. 2005. Pág. 190).
Assim, evidente resta, que a medicina e segurança do trabalho são um dos mais
importantes aspectos do direito do trabalho, com abrangente proteção na legislação
nacional e na orbita internacional consoante diretrizes traçadas pela OIT.
O ELO DE CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS:
PONDERAÇÕES ENTRE A RELAÇÃO PÚBLICA E PRIVADA.
Após análise antropocêntrica do ambiente especialmente na seara laboral, o
liame de concretude do ambiente laboral equilibrado com vistas a saúde humana, está
arraigado nos direitos fundamentais previstos constitucionalmente vinculado ao
5 CONVENÇÃO nº.: 155 – Saúde e Segurança dos Trabalhadores:
Art. 3 — Para os fins da presente Convenção:
a) a expressão ‘áreas de atividade econômica’ abrange todas as áreas em que existam trabalhadores
empregados, inclusive a administração pública;
b) o termo ‘trabalhadores’ abrange todas as pessoas empregadas, incluindo os funcionários públicos;
c) a expressão ‘local de trabalho’ abrange todos os lugares onde os trabalhadores devem permanecer ou
onde têm que comparecer, e que estejam sob o controle, direto ou indireto, do empregador;
d) o termo ‘regulamentos’ abrange todas as disposições às quais a autoridade ou as autoridades
competentes tiverem dado força de lei;
e) o termo ‘saúde’, com relação ao trabalho, abrange não só a ausência de afecções ou de doenças, mas
também os elementos físicos e mentais que afetam a saúde e estão diretamente relacionados com a
segurança e a higiene no trabalho.
125
principio da dignidade humana. O Estado social (Estado conservacionista) revestido na
atuação do poder judiciário, Ministério Público do Trabalho, como legitimadores
(controlador) devem adotar postura que garanta ao empregado o efetivo cumprimento
de seus direitos.
Atualmente nos motes do novo contexto econômico mundial da globalização e
os resgates liberais, vislumbra-se a necessidade da efetivação e incidência imediata do
principio da dignidade da pessoa a toda sociedade e não somente ao Estado.
Com efeito, essa assertiva nos induz ao reconhecimento da necessidade de um
sadio meio ambiente de trabalho decorrente da função primordial de defesa do
trabalhador que não pode sucumbir em razão de leis de mercado, muitas vezes
encabeçadas e idealizadas por pequena parcela social da sociedade que não tem
interesse na expansão da solidariedade e que despreza a atuação do Estado quando
atinge seus objetivos mais egoísticos.
Com essa aprofundada percepção, é que devemos balizar que “a cultura
juslaboralista contemporânea tem-se mostrado sensível aos movimentos teóricos e às
construções normativas resultantes de transformações sociais recentes e, sobretudo, a
Justiça do Trabalho brasileira vem percebendo, com acuidade, os matizes
constitucionais com especificidade dos direitos fundamentais dos trabalhadores”.
(GEDIEL, José Antonio Peres. 2006)
No grau epistemológico de Habermas, é possível afirmar a importante igualdade
de condições entre a autonomia privada, melhor dizendo empresa e o obreiro:
O que parece ser uma limitação constitui apenas a outra face da implantação das
liberdades de ações subjetivas iguais para todos, pois a autonomia privada, no sentido
desse direito universal à liberdade, implica um direito universal à igualdade, ou seja,
mais precisamente o direito ao tratamento igual a todos conforme as normas que
garantem a igualdade do conteúdo do direito, se uma das partes sofrer de fato, restrições
para com a outra será incompatível com a distribuição legal das liberdades.
(HABERMAS, Jürgen. 1997).
A dicotomia entre Direito Público e o Direito Privado tem origem nos auspícios
da ideologia liberal dos anos oitocentistas, oriunda da Revolução francesa (laissez
faire)6, arraigado no patriotismo e individualismo, atualmente está superado em virtude
6 Para fins de esclarecimento a expressão Laissez-faire é expressão-símbolo do liberalismo econômico, na
versão mais pura de capitalismo de que o mercado deve funcionar livremente, sem interferência, apenas
com regulamentos suficientes para proteger os direitos de propriedade, filosofia que se tornou dominante
126
da compreensão de que o sistema jurídico é um só, estancado na base axiológica da
Constituição. (MINARDI, Fabio Freitas. 2010).
No vértice do direito privado e a relação com direito laboral, Amauri Mascaro
do Nascimento entende que o ramo do direito do trabalho é ramo do direito privado, vez
que regula interesses imediatos de particulares, é pluricêntrico, e tanto na convenção
coletiva de trabalho como o contrato individual não se desvinculam do âmbito do direito
privado (NASCIMENTO, Amauri Mascaro. 2006).
Como corolário dessas conjugações, Karl Marx em sua famosa expressão mais-
valia7 tendo por base a relação de particular e individuo, aduz que: trabalhando homens
uns para os outros as suas obras privadas revestem, por essa única razão, um caráter
social, porém essas obras têm também um caráter social pela sua semelhança no
conceito do trabalho humano em geral, não aparecendo essa semelhança mais que troca,
isto é, em uma relação social que os coloca frente e frente, sob base de equivalência,
não obstante sua diferença natural. (MARX, Karl).
Transpondo a idéia que o direito laboral investido num contrato entre
empregador e empregado com base nas diretrizes trabalhistas e estas de cunho geral,
abrange a todos empregados ordenados por este regime, na visão de Maria Beatriz
Oliveira da Silva8, “nos filiamos aos que entendem que à defesa da justiça social e da
valorização do trabalho, à luta contra a mercantilização do mundo, à defesa da vida com
qualidade.”
Portanto, o direito laboral se imiscui diante dessa nova roupagem, razão pela
qual o objetivo de proteção desse ramo do direito é a pessoa do trabalhador, alvo de
tutela permanente com base no principio da dignidade da pessoa humana.
Com efeito, as novas doenças psíquicas decorrentes do stress laboral adentram
na seara das doenças ocupacionais, lamentavelmente, se insere nos quadros de
recebimento de auxílios/benefícios previdenciários.
Contudo, o Estado em uma leitura proeminente da Constituição, de forma a
concretizar os objetivos do Estado Democrático de Direito, deve atentar as novas
nos Estados Unidos e nos países mais abastados da Europa durante o final do século XIX até o início
do século XX. 7 Sobre a terminologia da expressão mais-valia significa a diferença entre o valor final da mercadoria
produzida e a soma do valor dos meios de produção e do valor do trabalho, que seria a base do lucro
no sistema capitalista, em melhor comento, em sua obra condensada por Gabriel Deville o duplo aspecto
do trabalho demonstrando o gasto físico de força humana e o valor das mercadorias. 8 SILVA, Maria Beatriz Oliveira da. Direito ao Desenvolvimento e à Sustentabilidade Ambiental.
Direitos Emergentes na sociedade Global. In: Anuário do Programa de Pós Graduação em Direito da
UFSM. Ed. Unijui. Rio Grande do Sul, pag. 314
127
síndromes psíquicas ocasionadas no ambiente laboral, devendo sob forma de
campanhas, conscientização, fiscalização, punições, multas e outros meios eficazes
proteger o cidadão empregado.
SAÚDE MENTAL DO TRABALHADOR: CONCEITO E EFEITOS DA
SÍNDROME DE BURNOUT
A evolução mercadológica e as exigências por vezes excessivas impostas ao
trabalhador o oprimem, movidos pelos efeitos do capitalismo, nas quais se deixados
podemos estar diante de uma falência pessoal devendo a saúde ser preservada, em
especial a psicossocial. Como bem observa Busnello em seu artigo Lamento da
mercadoria força de trabalho e da natureza “o múltiplo e variado campo semeado pelas
doenças dos que necessitam trocar sua força de trabalho por meios de subsistência
(salário) sofrem males terríveis em conseqüência das atividades que exercem”
(BUSNELLO, Ronaldo, 2013).
O corpo se revela em sintomas, a exaustão profissional começa demonstrar
sentimentos de depressão, desesperança, raiva, impaciência, irritabilidade, solidão,
tensão, sensação de baixa energia, começam as ausências no trabalho, a baixa produção
intelectual e/ou física é visível, aumentam licenças laborais, há a necessidade da
empresa em readequar, repor, transferir, contratar funcionários novos, a qualidade dos
serviços prestados e o nível de produção são fatalmente afetados, assim como a
lucratividade.
As indicações são muitas, para literatura médica o paciente pode estar diante da
Síndrome de Burnout9 comportamento de estresse profissional crônico com situações
estressantes de origem laboral, fatores de risco para o desenvolvimento de desordens
relacionadas ao estresse. Segundo evidenciam os estudos, diagnosticados como
síndrome de burnout, demonstra a fadiga crônica e fibromialgia representados por
modos diferentes de reagir a uma situação opressiva, variando a cada ser.
Entretanto, não há como deixar de relacionar a síndrome aqui levantada ao dano,
ao assédio e ao psicoterrorismo, atos em sua maioria do empregador que levam a essa
patologia. No Brasil, inicialmente a expressão mais levantada foi de assédio moral10,
9 O termo Síndrome de Burnout traduzido literalmente, significa “perder o fogo” ou queimar para fora, é
definido no jargão inglês como aquilo que deixou de funcionar pela absoluta falta de energia,
metafisicamente é aquilo que chegou ao seu fim/limite, com grande prejuízo em seu desempenho físico
ou mental. 10 O termo “assédio moral” foi utilizado pela primeira vez pelos psicólogos e não faz muito tempo que
ingressou no mundo jurídico. O que se denominava assédio moral, igualmente conhecido como mobbing
128
base de referência para estudos e debates, as formas de constrangimento nas relações de
emprego não variaram muito, para Volia Bomfim Cassar - 2011, por exemplo, entende
como assédio ou psicoterrorismo “termo utilizado para designar toda conduta que cause
constrangimento psicológico ou físico à pessoa. Já o assédio moral é caracterizado pelas
condutas abusivas praticadas pelo o empregador direta ou indiretamente, sob o plano
vertical e horizontal, ao empregado, que afetem seu estado psicológico. Normalmente,
refere-se a um costume ou prática reiterada ao empregador.”
Para Sônia Mascaro do Nascimento o assédio moral já começa a existir
horizontalmente “caracterizado por uma conduta abusiva, seja pelo empregador, que se
utiliza de sua superioridade hierárquica para constranger seus subalternos, ou seja, dos
empregados entre si com a finalidade de excluir alguém indesejado do grupo, o que se
pode se dar, aliás muito comumente , por motivos de competição ou de discriminação
pura e simples”.11(grifei).
A pioneira Marie-France Hirigoyen com estudos publicados na comunidade
internacional com obras traduzidas em 24 países, o assédio moral pode ser
compreendido:
Como toda e qualquer conduta abusiva manifestando-se sobre tudo por
comportamento, palavras, atos, gestos, escritos que possam trazer dano à personalidade,
à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, pôr em perigo seu
emprego ou degradar o ambiente de trabalho (HIRIGOYEN, Marie –France, 2003).
Doutrinadora argentina, Maria Giuntoli explica que o acoso psicológico é
diferente do assédio moral, porquanto o segundo é mais amplo que o primeiro, “o acoso
moral é definido como cualquier conducta que manifeste comportamiento, palabras,
actos, gestos y escritos que degraden al trabajador, La relacion y el ambiente laboral”
(GIUNTOLI, María Cristina, 2006), já o acoso psicológico “é accion persistente de La
(Itália, Alemanha e Escandinava), harcèlemente moral (França), acoso moral (Espanha), terror
psicológico ou assédio moral entre nós, além de outras denominações o definiam como a situação que a
pessoa ou um grupo de pessoas exercem uma violência psicológica extrema, de forma sistemática e
freqüente e durante um tempo prolongado sobre outra, a respeito da qual mantém uma relação assimétrica
de poder no local do trabalho, com objetivo de destruir as redes de comunicação da vitima destruir sua
reputação, perturbar o exercício de seu trabalho e conseguir finalmente, que essa pessoa peça sua
demissão (CF. Heinz Leymann, médico alemão e pesquisador na área de psicologia do trabalho, na
Suécia falecido em 1999, cujos os textos foram compilados na obra de Noa Davenport e outras intitulada
Mobbing:Emotional ‘abuse in the american work place’). 11 NASCIMENTO, Sônia Mascaro. O assédio moral no ambiente de trabalho. jus navegandi, Teresina,
a. 8, 13 jul. 2004. Disponível em: http://jus2uol.com.br/doutrina/texto.aps?id=5433>. Acesso em: 19 de
jul. 2008.
129
hostilidad,malos, tratos, desprecio, amedrontamiento, humillacion, ataque a La
autoestima y a La percepción de si mesmo del trabajador”.12(idem, ibidem, p. 44).
O pioneirismo de Freudenberguer, médico americano, foi o primeiro a alertar os
demais colegas sobre a possibilidade da síndrome do esgotamento emocional (staff
burn-out), onde observou grupos de voluntários num processo gradual de desgaste de
humor e desmotivação. Até então, os estudos dessa síndrome estava adstrito a pessoas
da área médica, em estudos posteriores, verificou-se que a síndrome está relacionada ao
trabalho, podendo atingir diversas profissões.
De modo legal, a doença profissional está prevista no art. 20, inc. I da Lei
8.213/91, decorrente do exercício de determinada profissão, mesmo não possuindo
caráter taxativo, que por dicção do inc. II da mesma, equipara as doenças ocupacionais a
acidente de trabalho. Portanto, a síndrome de Burnout hipótese de acidente de trabalho
se infere do anexo II do decreto 3.048/99 no quadro de transtornos mentais (Grupo V da
CID-10)13. Uma vez constatada, faz-se necessário o afastamento do trabalhador de seus
afazeres cotidianos, o convívio é sensivelmente afetado, principalmente, daqueles que
convivem em ambiente de grande competitividade ou rígidas exigências de
produtividade. “A síndrome de Burnout ocasiona incapacidade para o trabalho, e por
isso, é mister o encaminhamento do empregado ao INSS, para apuração do estado
clínico e da incapacidade laboratícia e, via de corolário, receber o benefício auxílio-
doença acidentário (código B-91)”.14
Nesse sentido, a atividade empresarial não pode ser concebida como mecanismo
de interesse unilateral com intuito egoísta do empregador apenas almejar lucros,
tratando seu empregado como mero objeto para esse fim, a força produtiva não pode ter
sua subjetividade sufocada pela evolução empresarial, o trabalho como sendo um dos
pilares da sociedade que sem isso não há cidadania, o fator ambiente deve ser salutar
com fator de integração empregado – empregador e empresa, onde certamente
repercutirá no meio social seja âmbito familiar, seja multi-social, refletindo num ganho
para o empregador, devendo a atuação empresarial focar-se no respeito à dignidade
humana de vida e a empresa a seu turno, cumprir as finalidades sociais.
12 GIUNTOLI, Maria Cristina. Ob. cit., p.44. 13BRASIL. Decreto nº.: 3.048/99. Aprova o Regulamento da Previdência Social, e dá outras providências
XI- Sensação de Estar Acabado
XII - Sensação de Estar Acabado (“Síndrome de Burn-Out”, “Síndrome do Esgotamento Profissional”)
(Z73.0)
1. Ritmo de trabalho penoso (Z56.3) 2. Outras dificuldades físicas e mentais relacionadas com o trabalho (Z56.6) 14 MINARDI, Fabio Freitas. Ob cit. Pag. 150
130
Vaticina Mario De La Cueva:
Os velhos direitos dos homens foram a conquista da liberdade frente ao Estado;
os novos direitos dos trabalhadores são a defesa do ser humano e de sua dignidade
frente às forças econômicas; no primeiro aspecto, contra os poderes políticos; no
segundo, contra os poderes econômicos, que são também os autênticos poderes
políticos. (DE LA CUEVA, Mario, pág 209).
Assim, a tutela à saúde do trabalhador com a prevenção das agressões psíquicas
são corolários de uma postura compatível com a devida observância das normas
positivadas de segurança e medicina do trabalho e, principalmente, nos princípios que
integram a tábua axiológica da Carta da República de 1988.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com base em pesquisas e revisões literárias que se fundamenta o artigo, foi
possível compreender o quão é importante a defesa do meio ambiente laboral, a
preservação da dignidade humana, as limitações do poder empregador, os princípios
constitucionais norteadores de direitos como forma de assegurar um equilibrado meio
ambiente. O assédio moral, como espécie de violência psíquica que ocasiona muitas
baixas no trabalho, onde deverá ser observada com mais acuidade pelas empresas que
deverão, sob a ética empresarial refletir acerca da preservação de o seu empregado,
antes ser humano, em todas as suas dimensões.
Portanto, em que pese evidentes mudanças comportamentais da sociedade
empresarial e os métodos de produção nestas últimas décadas transportando doenças
que antes atingiam apenas o corpo, agora, atingem a mente, onde podemos estar diante
de um novo ramo do Direito: talvez Direito Ambiental do Trabalho.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. 42 ed. São Paulo: RT, 2014.
BRASIL. Decreto nº.: 3.048/99. Aprova o Regulamento da Previdência Social, e dá
outras providências.
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terras indígenas mediante trabalho escravo, apelação 0000968-19.2011.4.01.3900/PA,
131
Relator: CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 16/12/2013 PP-
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Graduação em Direito da UFSM, Ed. Unijui, Ijuí, 2013.
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São Paulo: Paz e Terra, 1999.
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da Organização Internacional do Trabalho convocada em Genebra pelo Conselho de
Administração do Departamento Internacional do trabalho, e congregada na citada
cidade no dia 3 de junho de 1981 em sua sexagésima sétima reunião; depois de ter
decidido adotar diversas propostas relativas à segurança, à higiene e ao meio ambiente
de trabalho, questão que constitui o sexto ponto da ordem do dia da reunião, e depois de
ter decidido que tais propostas revisam a forma de um convênio internacional, adota,
com data de 22 de junho de mil novecentos e oitenta e um, o presente Convênio, que
poderá ser citado como o Convênio sobre segurança e saúde dos trabalhadores.
DE LA CUEVA, Mario. Derecho mexicano del trabajo. 4 ed. México: Porrua, 1954.
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mental, Ed. Juruá, Curitiba-PR, 2010.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho: história e teoria
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OLIVEIRA, Sebastião. Indenizações por acidente de trabalho ou doença
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SILVA, Maria Beatriz Oliveira da. Direito ao Desenvolvimento e à Sustentabilidade
Ambiental. Direitos Emergentes na sociedade Global. In: Anuário do Programa de Pós
Graduação em Direito da UFSM. Ed. Unijui. Rio Grande do Sul.
19
O DIREITO FUNDAMENTAL À INFORMAÇÃO COMO FORMA
DE GARANTIA DA SEGURANÇA E SAÚDE DO TRABALHADOR
EXPOSTO À NANOTECNOLOGIA
Marcelo Barroso Kümmel1
INTRODUÇÃO
O presente ensaio tem por objetivo apontar o direito fundamental à informação,
decorrente de previsão constitucional e de normas internacionais, notadamente da
Organização Internacional do Trabalho, bem como inerente à boa-fé objetiva que
decorre do contrato de trabalho, como forma de garantia da segurança e saúde do
trabalhador exposto aos riscos decorrentes da nanotecnologia.
O trabalho busca demonstrar que sendo desconhecidos os efeitos da utilização de
novas tecnologias no processo produtivo, torna-se necessária a utilização do princípio
da precaução como meio de preservar a saúde e segurança dos trabalhadores.
A EVOLUÇÃO DO TRABALHO
O trabalho acompanha o ser humano desde o início dos tempos. A história da
humanidade confunde-se com a própria história da evolução dos modos de produção e,
por consequência, do modo como o trabalho é prestado. Ainda que se evolua, novos
riscos e problemas vão surgindo com o aparecimento das novas formas de produzir e
trabalhar.
A superação da escravidão e da servidão trouxe o abuso da exploração do
trabalho operário de massa, cujo limite resultou em ambientes de trabalho inadequados,
intensa utilização de mão de obra infantil, jornadas extensas, e parcos salários. A
revolução industrial causou severas transformações no mundo do trabalho, modificando
a forma de produzir e fazendo surgir o direito do trabalho, com o objetivo de coordenar
as relações entre capital e trabalho.
A revolução tecnológica, que colocou o computador no centro do controle dos
processos produtivos, atingiu profundamente o mundo do trabalho, exigindo um
trabalhador mais qualificado, ao tempo em que desmaterializou o trabalho. Hoje o
1 Mestre em Integração Latino-americana (UFSM) e Especialista em Direito do Trabalho (UNISINOS).
Professor de Direito do Trabalho do Centro Universitário Franciscano de Santa Maria (RS). Analista
Judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região.
134
trabalho pode ser feito à distância, fazendo com que as plantas industriais se desloquem
em busca de melhores ofertas de mão de obra e facilidades tributárias e operacionais.
Estas profundas transformações atingem também a sociedade. Alguns autores
identificam este conjunto de transformações como a passagem da primeira modernidade
para a segunda modernidade, onde surgiria uma sociedade de risco.
Dentre as várias transformações surgidas nos processos produtivos e que
impactam o mundo do trabalho, o uso da nanotecnologia é mais uma preocupação a
atingir os estudiosos dedicados ao direito do trabalho.
A NANOTECNOLOGIA E O MUNDO DO TRABALHO
Pois uma nova revolução está em curso, com a adoção da nanotecnologia no
processo produtivo, abrindo campos de pesquisa na física, química e biologia. A
utilização da técnica que trabalha próxima da escala atômica cria perspectivas de
aperfeiçoamento de produtos, preparação de novos fármacos, diagnóstico e tratamento
de doenças, desenvolvimento de cosméticos mais eficazes, etc., atingindo vários ramos
da indústria agrícola, automotiva, biomédica, aeroespacial, dentre outras.
Novamente o mundo do trabalho será diretamente atingido. Em primeiro lugar
porque a pesquisa desta área é pesquisa de ponta, que vem sendo explorada pelos países
desenvolvidos que, ao dominarem esta tecnologia, farão com que os países do terceiro
mundo tornem-se dependentes dos produtos fabricados com mais eficiência e mais
eficazes. Tal fato tende a extinguir empregos de qualidade nos países que não saírem à
frente no processo de domínio das novas tecnologias. Por outro lado, vai se exigir um
trabalhador ainda mais qualificado para intervir no processo produtivo, em uma
perspectiva de restrição do mercado de trabalho.
A nanotecnologia é uma realidade no mundo científico. Novos materiais, novas
experiências, no campo físico, químico e biológico, são desenvolvidos a partir da
utilização de nanopartículas. Nesse sentido Kümmel e Leal da Silva (2011, p. 490)
afirmam que “Muitos produtos já estão no mercado de consumo com a marca das
nanotecnologias. Por trás disso existe um processo produtivo que expõe os
trabalhadores a riscos, ainda sem maiores pesquisas capazes de garantir sua proteção.”.
Porém, no Brasil, pouco ou nada se escreveu sobre os impactos da
nanotecnologia no mundo do trabalho, mesmo que as pesquisas e a inserção de
nanotecnologias nos processos produtivos já sejam uma realidade. Os mesmos autores
defendem que (2011, p. 490): “[...] maior investimento na pesquisa acerca dos possíveis
135
efeitos deletérios que a manipulação de materiais em escala nanométrica pode causar
aos trabalhadores.”.
A palavra nano significa uma escala, uma medida, e não um objeto. Um
nanômetro, cuja representação é “nm”, equivale a um bilionésimo do metro.
Um fio de cabelo humano tem aproximadamente 80 mil nanômetros de
espessura. [...] Uma molécula de DNA tem aproximadamente 2,5 nm de
largura. [...] Tudo em nanoescala é invisível a olho nu e até mesmo a todo o
resto, exceto a microscópios muito poderosos. (GRUPO ETC, 2005, p. 13).
Outro dado interessante, para se compreender este novo mundo, é que
trabalhando em nanoescala, ao se reduzir o tamanho dos materiais, mesmo sem mudar
sua substância, suas propriedades podem ser modificadas, o que gera novos riscos
àqueles que manipulam as matérias primas e produtos agora em nanoescala (2005, p.
14).
Até hoje a preocupação quanto à saúde dos trabalhadores e a extensa legislação
protetiva e preventiva existente não foram eficazes a ponto de pôr termo aos acidentes
do trabalho e doenças profissionais, a situação pode ser piorada com o contato com
estruturas tão diminutas que nenhum equipamento de proteção individual será capaz de
evitar a intoxicação do homem. Apenas como exemplo,
As nanofibras de carbono têm sido comparadas a fibras de asbesto, por terem
formas similares. Estudos iniciais de toxicidade sobre algumas nanofibras de
carbono demonstraram inflamação em células. Um estudo feito pela NASA
encontrou que a inflamação dos pulmões é mais grave do que em casos de
silicose [...]” (GRUPO ETC, 2005, p. 57).
No mesmo sentido, afirma Melo (2007) que “A exposição a produtos de
Nanotecnologia pode também apresentar riscos para a saúde e segurança dos
trabalhadores”.
A União Européia trabalha sob esta perspectiva, reconhecendo a necessidade de
pesquisas para identificação dos riscos a que estão submetidos trabalhadores,
pesquisadores e consumidores de produtos nanoestruturados (TOMELLINI, 2006, p.
42-48).
Embora não se possa dar as costas para o desenvolvimento tecnológico, uma vez
que interessa à melhoria das condições de vida e de trabalho dos próprios trabalhadores,
não se pode olvidar a situação de vulnerabilidade das pessoas em geral e dos
136
trabalhadores em particular, pelo que vale a advertência de Engelmann (2008, p. 210):
“Embora se possa reconhecer a grande gama de alternativas muito interessantes a partir
das nanotecnologias, não se poderá esquecer que são o ser humano e o meio ambiente
os principais destinatários das consequências, sejam positivas ou negativas.”.
Quais os mecanismos jurídicos para enfrentar os problemas que derivam da
adoção desse novo modo de produzir, notadamente enquanto o tema não recebe a
regulamentação necessária no direito positivo?
A NECESSÁRIA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO
A forma de enfrentar os efeitos da nova tecnologia, priorizando a segurança das
pessoas e dos trabalhadores, é por meio da observância do princípio da precaução.
Elgelmann (2008, p. 215), inclusive, defende que o princípio da precaução é o primeiro
elemento a ser observado no desenvolvimento de um, ainda inexistente, marco
regulatório às nanotecnologias.
Assim, é necessária a aplicação do princípio da precaução, para evitar as
consequências que podem ser nefastas aos trabalhadores, enquanto não se esclarece o
alcance dos danos que a nova tecnologia pode gerar. A precaução foi reconhecida no
princípio 15 da Declaração do Rio (Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente
e Desenvolvimento de 1992), firmada por ocasião da Conferência das Nações Unidas
sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO-92), sediada no Rio de Janeiro em
2002 (SILVA, 2002, p. 331-332.):
[...] o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados,
de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou
irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada
como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para
prevenir a degradação ambiental.
Duas são as premissas caracterizadoras da precaução: 1) existência de ameaça de
danos sérios e irreversíveis (não é necessária a certeza desses danos); 2) a ausência de
certeza científica dos danos não pode servir de escusa para a não adoção de medidas
eficazes para evitar a degradação ambiental. A precaução não exige a certeza do dano,
significando que “[...] as pessoas e o seu ambiente devem ter em seu favor o benefício
da dúvida quando haja incerteza sobre se uma dada acção [sic] os vai prejudicar.”
(ARAGÃO, 2007, p. 41). Para a autora, o princípio funciona como uma espécie de “in
dubio pro ambiente”, o que, em relação ao meio ambiente de trabalho, cuja proteção
137
reflete-se na qualidade de vida e segurança dos trabalhadores, desvela o princípio da
proteção, alicerçado no “in dúbio pro operário”.
Como já afirmei em outro momento (KÜMMEL, 2009, p. 291):
Como se vê, o sentido do princípio da precaução está em não realizar
determinada atividade se a ciência ainda não identificou os riscos degradantes
do ambiente, decorrente desta atividade. Este sentido exclui a idéia de que
ainda não provado qualquer risco, é permitido que a atividade potencialmente
degradadora possa ser exercida.
O princípio da precaução exige o uso da melhor tecnologia e das melhores
práticas disponíveis (WOLFRUM, 2004, p. 21), de modo a evitar a degradação
ambiental por meio de processos superados. Isto força o próprio desenvolvimento da
tecnologia, mas com o objetivo de obter tecnologia limpa, não poluidora, e não de
simples redução de custos e maximização de eficiência, paradigma da modernidade.
Apesar do caráter interdisciplinar da abordagem da nanotecnologia, as ciências
humanas têm ficado de fora da discussão sobre o tema (MARTINS, 2006, p. 12-13). Os
financiamentos, em regra, não contemplam o aspecto do controle social sobre as
pesquisas. Martins (2006, p. 14) afirma que:
[...] os atores e agentes que contribuem e decidem os rumos do
desenvolvimento da nanociência e da nanotecnologia no Brasil não abarcam
os atores e agentes sociais tais como entidades de defesa do interesse difuso
da sociedade (meio ambiente, saúde e consumidor), entidades representativas
dos trabalhadores (como centrais sindicais, sindicatos e seus órgãos de
assessoria), entidades de defesa dos direitos humanos, entidades relativas ao
direito à saúde, entidades de defesa da participação popular, entidades
religiosas, etc. [grifo nosso].
Não é possível que simplesmente se deixe de realizar pesquisas ou que se
suprima toda e qualquer produção sob escala nanométrica nos locais de trabalho, até
porque o uso da nanotecnologia pode ser um divisor de águas no desenvolvimento
industrial dos países. A proibição das pesquisas ou do desenvolvimento de produtos
nanoestruturados irá apenas acentuar a profunda desigualdade e exclusão.
Porém, é necessário identificar as questões éticas envolvidas, assegurando o
direito à informação de trabalhadores e pesquisadores, identificando os riscos a que
138
estão submetidos e criando controles para identificação prematura das consequências
danosas à saúde (SCHULTE; SALAMANCA-BUENTELLO, 2007).
Nesse sentido, Schulte e Salamanca-Buentello (2007, p. 1326) afirmam, ainda, a
necessidade de os trabalhadores conhecerem os riscos e aceitarem a exposição a eles,
embora reconheçam não ser esta escolha absolutamente livre, em razão das condições
econômicas e sociais a que estão submetidos, o que reforça a necessidade de um marco
regulatório mínimo que identifique a extensão dos riscos e proteja trabalhadores e
pesquisadores vulneráveis aos efeitos deletérios do trabalho com produtos em escala
nanométrica.
Por essa razão, o direito à informação é o mínimo para que os trabalhadores
saibam os riscos a que estão expostos e quais as providência devem tomar para se
proteger dos efeitos deletérios da adoção das novas tecnologias no processo produtivo.
O DIREITO FUNDAMENTAL À INFORMAÇÃO COMO
GARANTIA DA SEGURANÇA E SAÚDE DO TRABALHADOR
O direito à informação está garantido na Constituição de 1988 em seu art. 5º,
XIV: “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte,
quando necessário ao exercício profissional;”. Embora genérico, este direito à
informação é operacionalizado por uma série de normas infraconstitucionais, inclusive
no âmbito das relações de trabalho.
O local de trabalho é parte integrante do meio ambiente (meio ambiente do
trabalho). Pode-se buscar na Política Nacional do Meio Ambiente fundamento de
garantia à informação, já que é seu instrumento a garantia da prestação de informações
relativas ao meio ambiente, obrigando-se o Poder Público a produzi-las, quando
inexistentes (art. 9º, XI, da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981). O art. 19, § 3º, da
Lei nº 8.213/91 dispõe que “é dever da empresa prestar informações pormenorizadas
sobre os riscos da operação a executar e do produto a manipular.”. Da mesma forma, a
CLT, em seus artigos 182, III, e 197, não desconhece o direito à informação.
No âmbito da Organização Internacional do Trabalho (OIT) o direito à
informação também é prestigiado. A Convenção 161 (Dec. nº 127/1991) prescreve que
“Todos os trabalhadores devem ser informados dos riscos para a saúde inerentes a seu
trabalho.” (art. 13).
A Convenção nº. 148 (Dec. nº 93.413/1986), em seu art. 7.2, dispõe que
139
Os trabalhadores ou seus representantes terão direito a apresentar propostas,
receber informações e orientação, e a recorrer a instâncias apropriadas, a fim
de assegurar a proteção contra riscos profissionais devidos à contaminação do
ar, ao ruído e às vibrações no local de trabalho.
E prosseguem em seu art. 13:
Todas as pessoas interessadas: a) deverão ser apropriada e suficientemente
informadas sobre os riscos profissionais que possam originar-se no local de
trabalho devido à contaminação do ar, ao ruído e às vibrações; b) deverão
receber instruções suficientes e apropriadas quanto aos meios disponíveis
para prevenir e limitar tais riscos, e proteger-se dos mesmos.
O direito à informação decorre, também, da boa-fé objetiva inerente aos
contratos (art. 422 do Código Civil: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na
conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.”,
aplicável ao direito do trabalho por força do art. 8º da CLT). Embora o dispositivo
civilista não distinga boa-fé subjetiva (um estado psicológico do agente) de boa-fé
objetiva (regra de conduta), conforme demonstra Novais (2000, p. 22), pode-se
conceituar esta como
[...] um dever de agir de acordo com determinados padrões, socialmente
recomendados, de correção, lisura e honestidade. Reduz-se a margem de
discricionariedade de atuação privada: o sujeito, para a consecução de seus
objetivos individuais, tem que agir com lealdade, observando e respeitando
não só os direitos, mas também os interesses legítimos e as expectativas
razoáveis de seus parceiros na aventura social. (LEWICKI, 2000, p. 57).
Clóvis do Couto e Silva (1976, p. 30) afirma que a boa-fé objetiva impõe que as
partes integrantes de um negócio jurídico bilateral conduzam seus interesses em
consideração ao interesse do outro figurante da relação jurídica. Assim, os direitos de
livre iniciativa do empresário, de propriedade, de obter o justo lucro decorrente de seu
investimento e assunção dos riscos da atividade econômica e de direção da relação de
emprego, não podem ignorar a proteção à saúde e integridade física do trabalhador,
notadamente vulnerável do ponto de vista técnico e econômico na relação de emprego.
Portanto, o dever de informação decorre da boa-fé objetiva emanente de
qualquer negócio jurídico bilateral, inclusive o contrato de trabalho. Nesse sentido,
afirma Araújo (1996, p. 249-250):
140
O princípio da boa-fé tem por função facilitar a interpretação da lei e do
contrato, completando suas lacunas e ampliando o alcance dos chamados
deveres anexos. Entre esses deveres anexos, está o dever de informação. [...]
Entre os deveres de informação, está a obrigação de o empregador avisar ao
empregado sobre quaisquer circunstâncias anormais que envolvem a
prestação de trabalho, ou que ponham em risco a remuneração devida,
incluindo a própria situação econômica da empresa, se for o caso.
Ora, se o empregado tem direito a ser informado dos riscos que corre de eventual
situação econômica da empresa, que lhe atinge do ponto de vista econômico, mais razão
ainda para ser informado dos riscos invisíveis que sua saúde corre, pela exposição a
agentes que sequer tem conhecimento, como o caso dos produtos que utilizam
nanoestruturas.
Verifica-se, portanto, que a única forma de enfrentar os riscos de uma nova
tecnologia, na intenção de proteger os trabalhadores que têm de a ela se expor, é
utilizando-se da prevenção e precaução, investindo-se fortemente na pesquisa para que
os riscos possam ser identificados e controlados.
Enquanto tais certezas não são alcançadas, os trabalhadores têm o direito de ser
informado dos riscos a que estão submetidos no processo produtivo, direito que lhes é
fundamental.
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19
O MEIO AMBIENTE E O AMBIENTE DE TRABALHO1
Raonny da Silva2 Bruno de Souza Corrêa3
INTRODUÇÃO
O homem é um ser que consegue transformar o ambiente que o rodeia,
produzindo alterações, sejam elas naturais ou artificiais. Tal capacidade de transmutação
permite a ele adaptar-se aos mais diversos fatores e, produzir novas cearas para
desenvolver suas atividades. Através da manipulação do mundo que o cerca, altera toda
a estrutura natural que o permeia, de modo a acompanhar o desenvolvimento por ele
imposto.
Ao manipular novas tecnologias o homem passou a dominar ainda mais o
ambiente natural, sobrevindo a desenvolver novos ambientes, com o intuito de
integralizar a sua experiência com os demais. Podemos citar como ambientes, além da
própria natureza, o ambiente cultural, aquele que diz respeito às interações interpessoais
e culturais de cada grupo social. Além desses há de se discorrer sobre o ambiente
artificial, aquele em que convivemos cotidianamente, na chamada “selva de pedra” que
abarca as cidades e todos os demais campos onde o homem utilizou de seu domínio para
criá-lo. E, por fim, temos o meio ambiente do trabalho, cujo teor será pormenorizado
nesse artigo.
É de grande valia destacar que, para adentrarmos ao mérito do ambiente de
trabalho, teremos de conhecer alguns conceitos basilares do Direito Ambiental, tais
como: o que é meio ambiente e as suas subdivisões. Dessa forma, poderemos discorrer
de modo salutar sobre o meio ambiente de trabalho e as suas características.
DEFINIÇÃO E CONCEITO DE “MEIO AMBIENTE”
O primeiro contato, das pessoas em geral, com a expressão “meio ambiente”, as
remete automaticamente para a visão de uma floresta recheada de árvores e arbustos,
1Este artigo foi desenvolvido como forma de avaliação da disciplina de Direito Ambiental, ministrada
pelo Professor Mestre Maurício Fernandes da Silva.
2Acadêmico do 6º Semestre do Curso de Direito da Faculdade de Direito de Santa Maria – FADISMA. E-
mail: [email protected].
3Acadêmico do 5º Semestre do Curso de Direito da Faculdade de Direito de Santa Maria – FADISMA. E-
mail: [email protected].
144
rodeada por inúmeros animais das mais diversas formas e tamanhos. De certo modo,
essa não deixa de ser uma visão correta sobre o que é o meio ambiente, todavia, tal
parâmetro abarca apenas uma ínfima parcela do real significado da expressão.
A visão romanceada, acima descrita, retrata um único pixel de uma imagem.
Meio ambiente, por mais que contenha as árvores e os animais, compreende muito além
disso. Essa visão é um desdobramento de algo muito maior, grandioso e que abarca
todos nós.
A expressão “meio ambiente”, propriamente dita, foi definida inicialmente, pelo
artigo 3º, inciso I da Lei 6.938 de 31 de agosto de 1981, como: “[...] o conjunto de
condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que
permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas;”
Todavia, o conceito fornecido pela lei supra, abarca o meio ambiente natural e,
por si só, torna-se deficiente.4 Preferível é o conceito de José Afonso da Silva, o qual
traz um alargamento a redação do artigo 3º: “É a interação do conjunto de elementos
naturais, artificiais e culturais que propiciam o desenvolvimento equilibrado da vida
humana.”5
Como pode-se observar, a expressão “meio ambiente” é lato sensu, abrange
todos os pontos, sejam eles individuais, materiais, orgânicos ou não, tanto criados pelo
homem, como os da própria natureza.
No mesmo entendimento, Lélio Braga Calhau apresenta os conceitos de Edis
Milaré sobre o meio ambiente, aduzindo:
“No conceito jurídico mais em uso de meio ambiente poderemos distinguir
duas perspectivas principais: uma estrita e outra ampla. Numa visão estrita, o
meio ambiente nada mais é do que a expressão do patrimônio natural e as
relações entre os seres vivos. Tal noção, é evidente, despreza tudo aquilo que
não diga respeito aos recursos naturais. Numa visão ampla, que vai além dos
limites estreitos fixados pela Ecologia tradicional, o meio ambiente abrange
toda a natureza original (natural) e artificial, assim como os bens culturais
correlatos. Em outras palavras, quer-se dizer que nem todos os ecossistemas
são naturais, havendo mesmo quem se refira a “ecossistemas naturais” e
4 Thomas de Carvalho Silva. p.03
5 SILVA, José Afonso da, sem indicação de ano ou página. apud DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico
Universitário. 2011. p.394.
145
“ecossistemas sociais”. Esta distinção está sendo, cada vez mais,
pacificamente aceita, quer na teoria, quer na prática.” (p.01-02)6.
Como se observa, o autor apresenta uma conceituação mais abrangente, trazendo
para o meio ambiente tudo aquilo que rodeia o homem, seja a cultura, os meios
artificiais e a própria natureza. Dessa forma, podemos dizer que o meio ambiente é tudo
aquilo que está ao nosso redor e que faz parte do nosso dia a dia, abarcando todas as
esferas de nossa convivência, desde nossa moradia, passando pelo trajeto ao nos
dirigirmos ao trabalho, bem como todo o organismo vivo e natural que nos rodeia.
SUBDIVISÕES DO MEIO AMBIENTE
Devido à amplitude conceitual de meio ambiente, convém separarmos suas
várias faces: Meio Ambiente Natural, Meio Ambiente Artificial, Meio Ambiente
Cultural e Meio Ambiente do Trabalho.
O meio ambiente natural comporta os recursos naturais, tais como a água, o solo
o ar atmosférico, fauna e flora. Tal conceito encontra-se explicitado mediatamente no
artigo 225 da Constituição Federal de 19887.
No que se refere ao meio ambiente artificial, Marcos Fernandes Gonçalves o
define como sendo “o conjunto de edificações particulares ou públicas, principalmente
urbanas (art.182; art.21, XX e art. 5º, XXIII da CF/88).”8 Entretanto, Dóris Tenório
salienta que “via de regra, o meio ambiente artificial tem seus olhos voltados para a
cidade, o que em absoluto, não quer significar aversão ao rural, posto que no conceito
de cidade está implícita a ideia relativa à espaços habitáveis, como um todo.”9
Tratando-se do meio ambiente cultural, podemos descrevê-lo nas palavras de
Natascha Trennepohl, da seguinte forma:
“[...] No meio ambiente cultural, estão inseridas as criações artísticas, os
objetos, os documentos históricos e tantas outras manifestações culturais,
como a dança, a literatura, a música, e outras expressões que fazem parte da
6 MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. 2ª ed. São Paulo. RT. 2011. p.64. apud CALHAU, Lélio Braga, sem
indicação de ano. p.01-02.
7 Dóris Tenório, 2008.
8 Marcos Fernandes Gonçalves, sem indicação de ano ou página.
9 Dóris Tenório, 2008.
146
cultura [...] podem ser matérias, como as construções históricas, ou até
mesmo imateriais, como os dialetos de algumas comunidades indígenas.”10
A respeito do ambiente do trabalho, que será objeto de maior detalhamento em
ponto próprio, convém adiantar o pensamento de Gonçalves acerca do tema, que o
entende como “[...] conjunto de condições existentes no local de trabalho relativos à
qualidade de vida do trabalhador (artigo 7, XXII e artigo 200, VIII da CF/88).”11
É mister destacar que os pontos apresentados sobre as subdivisões do meio
ambiente, correspondem a um universo maior do que abordado alhures. Todavia, não
serão alvo de maiores aprofundamentos, pois não correspondem ao tema central deste
trabalho.
MEIO AMBIENTE DO TRABALHO
Não importa onde estejamos ou com quem convivemos, certo é que o meio
ambiente como um todo, integraliza nossa realidade. Cotidianamente temos tarefas a
executar, trabalhos a realizar e não nos damos por conta da importância de convivermos
em um ambiente equilibrado e saudável. Dedicamos muitas horas do dia ao nosso
trabalho, centenas de horas mensais dedicadas ao labor e muitas vezes esquecemo-nos
de dar atenção ao ambiente em que a estamos desenvolvendo.
O local de trabalho, o ambiente de trabalho, também enquadra-se nas
subcategorias do meio ambiente e merece destaque por estar intimamente ligado ao
homem, seja ele um trabalhador urbano ou rural, ou esteja desenvolvendo uma atividade
unicamente intelectual. Certo é que, se estamos dedicados a determinada atividade,
estamos trabalhando, e este trabalho deve ocorrer em um ambiente saudável.
Na visão de Amauri Mascaro do Nascimento, o ambiente de trabalho pode ser
descrito como:
“[...] um complexo maquina-trabalho: as edificações do estabelecimento,
equipamentos de proteção individual, iluminação, conforto térmico,
instalações elétricas, condições de salubridade ou insalubridade, de
periculosidade ou não, meios de prevenção à fadiga, outras medidas de
proteção ao trabalhador, jornada de trabalho e horas extras, intervalos,
descansos, férias, movimentação, armazenagem e manuseio de materiais, que
formam o conjunto de condições de trabalho etc.” (p.739).
10 Natascha Trennepohl, 2009. 11 Marcos Fernandes Gonçalves, sem indicação de ano ou página.
147
Como pode-se observar o meio ambiente do trabalho não é apenas o espaço
físico objetivo onde desenvolve-se a atividade laborativa, mas também, todo o conjunto
de cuidados e questões de cunho subjetivo, que integralizam o ambiente onde a
atividade de trabalho é desenvolvida.
Convém destacar que o douto autor menciona o “conforto térmico”,
demonstrando o extremo subjetivismo ligado ao homem que executa a atividade, desse
modo o ambiente de trabalho extrapola as fronteiras objetivas e entra em um profundo
subjetivismo do ser, desenrolando-se pelas preferências pessoais de cada um.
Na mesma linha de subjetivismo ligado ao meio ambiente de trabalho,
destacamos as palavras de José Afonso da Silva, quando diz:
“[...] o meio ambiente do trabalho corresponde ao complexo de bens imóveis
e móveis de uma empresa e de uma sociedade, objeto de direitos subjetivos
privados, e de direitos invioláveis da saúde e da integridade física dos
trabalhadores que o frequentam.”12
Entretanto, o autor apresenta um enfoque profissional ao ambiente de trabalho,
destacando-o como um local empresarial, com a finalidade de produção e lucro.
Aborda, assim como Nascimento, o lado subjetivo, como os direitos privados. Todavia,
nos permitiremos discordar do referido autor, no que tange a profissionalidade estrita do
ambiente trabalhista.
Preferimos filiarmo-nos ao pensamento de Júlio Cesar de Sá Rocha, pois estende
o ambiente de trabalho não só ao convívio do local destinado exclusivamente ao fim de
labor, mas que se estende também, ao local de moradia ou ambiente urbano.13
Dessa feita, vê-se que o ambiente de trabalho é muito mais amplo do que o
possível de conceituar. Pode-se dizer que ele é todo e qualquer ambiente onde haja
produção, seja ela com a finalidade lucrativa, ou meramente artística, perfazendo desde
a dona de casa, em seus afazeres, ao profissional que dedica horas do seu dia ao
empregador.
No mesmo entendimento, Carla Teresa Martins Romar enfoca que o local de
trabalho tem de ter condições que visem assegurar a saúde, a integridade, tanto física
12 SILVA, José Afonso da, sem indicação de ano ou página. apud SILVA, Guilherme Oliveira Catanho da. O
Meio Ambiente do Trabalho e o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. p.09.
13 ROCHA, Júlio Cesar de Sá da, sem indicação de ano ou página. apud, SILVA, Guilherme Oliveira
Catanho da. O Meio Ambiente do Trabalho e o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. p.09.
148
como a psíquica e independe da condição pessoal, ou seja, não faz distinção entre
homens, mulheres, crianças ou idosos. (p.596).
Ainda nessa linha, a autora apresenta a posição de Raimundo Simão de Melo,
qual seja:
“A definição de meio ambiente do trabalho é a mais ampla possível e insere-
se “no contexto maior assecuratório do meio ambiente equilibrado para
todos, como estabelece a Constituição (art.225, caput), uma vez que a
definição geral de meio ambiente abarca todo o cidadão e, a de meio
ambiente do trabalho, todo o trabalhador que desempenha alguma atividade,
remunerada ou não, homem ou mulher, celetista, autônomo ou servidor
público de qualquer espécie, porque realmente todos recebem a proteção
constitucional de um ambiente de trabalho adequado e seguro, necessário à
sadia qualidade de vida”.14
Observa-se que o autor destaca o ponto principal de diferenciação entre o
tradicional meio ambiente e o meio ambiente de trabalho. Enquanto o primeiro ampara a
todos, sem distinção, o segundo está inserido no primeiro e prima por aqueles que
desenvolvem atividades mais específicas, independente de estarem ou não relacionadas
com a questão lucrativa.
Por fim, valendo-se novamente de Romar, cabe destacar que:
“o meio ambiente do trabalho é considerado como um dos mais importantes e
fundamentais direitos do trabalhador, razão pela qual constitui-se como
direito difuso fundamental inerente às normas sanitárias e de saúde do
trabalhador, devendo ter toda a proteção dos Poderes Públicos e da sociedade
organizada.” (p.597).
Tamanha é a importância do ambiente trabalhista que a autora o define como
“direito difuso fundamental”. É nada menos que isso poderia ser esperado, tendo em
vista que o ambiente onde ocorre a atividade de lavor deve fornecer meios e condições
adequados ao trabalhador, afinal, seu rendimento está intimamente ligado às condições
que o rodeiam, sendo assim, nada mais correto do que o olhar especial destacado ao que
permeia esse trabalhador e sua atividade, fornecendo a ele (trabalhador) subsídios e
estímulos para um melhor desenvolvimento.
14 MELLO, Raimundo Simão de. Direito Ambiental do Trabalho e a Saúde do Trabalhador. LTR. 3.ed. São
Paulo. 2008. p.27. apud ROMAR, Carla Teresa Martins. Direito do Trabalho Esquematizado. Saraiva.
1.ed. São Paulo. 2013. p.597.
149
Cabe lembrar, que esse lavor não fica restrito a relação empregatícia, mas
também a toda e qualquer atividade que tenha por objetivo a criação, seja ela a criação
intelectual, uma construção ou a simples organização doméstica. Todos que labutam
seja a forma que for, devem gozar de um ambiente de trabalho digno que lhes forneça
boas condições, tanto físicas como psicológicas.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
No decorrer da pesquisa e elaboração deste trabalho, ficou claro a confusão
normalmente realizada entre meio ambiente e meio ambiente de trabalho. Em um
primeiro momento poder-se-ia imaginar que nada tem em comum um com o outro.
Todavia, ao aprofundarmos o conhecimento sobre os temas, observou-se a
complexidade e intimidade que os rodeiam. Estando o meio ambiente de trabalho
inserido no contexto maior de meio ambiente.
Cremos que conseguimos apresentar de forma clara as similitudes e
diferenciações entre os dois institutos. Mesmo de forma sucinta não abrimos mão da
certeza técnica, da qual prezamos ao decorrer de todo o trabalho. Infelizmente, tal tema
não se faz valer de grandes bibliografias, todavia, os que se destinaram a escrever sobre
ele, o fizeram de forma aprofundada e clara.
CONCLUSÕES
O presente artigo tem grande valia para a compreensão e aprofundamento do
tema. Discorremos inicialmente pela definição e o conceito de meio ambiente, tentando
desmistificar seu entendimento, trazendo-o de forma mais próxima para o dia a dia do
leitor e demonstrando a complexidade que permeia o tema.
Posteriormente, apresentamos as subdivisões advindas do tema, conceituando-as
de forma sucinta, mas não leviana, de forma a desmembrar suas delicadas distinções e
expor a complexidade de sua abrangência. Em seguida adentramos no tema central, qual
seja, o meio ambiente de trabalho, desenvolvendo seus conceitos e o interligando ao
todo.
No tocante ao meio ambiente de trabalho, preocupamo-nos em apresentar as
suas distintas visões, objeto de nosso estudo, e filiamo-nos ao conceito apresentado por
Júlio Cesar de Sá Rocha, o qual trás uma definição muito mais abrangente,
demonstrando o meio ambiente de trabalho de forma mais acolhedora a realidade que
nos permeia.
150
Ademais, preocupamo-nos em esclarecer que o meio ambiente está intimamente
ligado ao homem, todavia, ele (meio ambiente) existe sem o homem, entretanto a
recíproca, neste caso, não é verdadeira. No tocante ao meio ambiente do trabalho, fica
claro a necessidade de um local adequado, que preze pela saúde, qualidade de vida e
dignidade de quem desenvolve suas atividades, independente de resultarem em
benefício financeiro.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília:
Senado, 1988.
BRASIL. Lei nº. 6.938. Brasília: Casa Civil, 31 de agosto de 1981.
CALHAU, Lélio Braga. Meio Ambiente e tutela penal nos maus-tratos contra
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Disponível em:
<http://sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/Meio%20Ambiente.pdf>.
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DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico Universitário. Saraiva. 3. ed. São Paulo,
2011.
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Jurídica. [direto da página oficial, sem indicação de ano ou número de páginas].
Disponível em: <http://www.juslaboral.net/2009/04/meio-ambiente-do-trabalho-
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NASCIMENTO, Amauri Mascaro do. Curso de Direito do Trabalho. Saraiva. 17. ed.
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ROMAR, Carla Teresa Martins. Direito do Trabalho Esquematizado. Saraiva. 1.ed.
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SILVA, Guilherme Oliveira Catanho da. O Meio Ambiente do Trabalho e o Princípio
da Dignidade Humana. [direto da página oficial, sem indicação de ano, 20 páginas].
Disponível em:
151
<http://www.calvo.pro.br/media/file/colaboradores/guilherme_catanho_silva/guilherme
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SILVA, Thomas de Carvalho. O Meio Ambiente na Constituição Federal de 1988.
[direto da página oficial, sem indicação de ano ou número de páginas]. Disponível em:
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TENÓRIO, Dóris. Classificação do Meio Ambiente. [direto da página oficial, 2008,
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<http://www.jfsc.jus.br/ambiental/opiniao/meio_ambiente.htm>. Acesso em 09 out.
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TRENNEPOHL, Natascha. Meio Ambiente Cultural do Brasil. [direto da página
oficial, 2009, sem número de páginas]. Disponível em:
<http://www.neomondo.org.br/index.php/artigos/505-meio-ambiente-cultural-no-
brasil>. Acesso em 09 out. 2013, 20:58.
152
19
AS IMUNIDADES DOS ESTADOS ESTRANGEIROS EM
QUESTÕES TRABALHISTAS
Marcelo Fanfa Pedroso1
INTRODUÇÃO
O presente artigo tem por finalidade permitir a compreensão das relações
existentes entre os Direitos Trabalhistas e o Direito Internacional sob a luz das
Imunidades Diplomáticas possuídas por Estados Estrangeiros frente à Justiça Brasileira,
bem como quanto às relações trabalhistas destes mesmos Estados para com empregados
brasileiros, enquanto tal relação é dispendida no próprio território brasileiro.
O trabalho busca demonstrar como houve a evolução dessas imunidades
diplomáticas frente às ideias e costumes do Direito Internacional. Tais imunidades
possuem um papel determinante quando da ligação com questões trabalhistas, pois
podem provocar graves alterações ao fim do processo, podendo deixar o trabalhador
brasileiro sem suas verbas rescisórias.
O envolvimento do Direito Trabalhista com o Direito Internacional evidencia-se
pelo latente fato de os empregados envolvidos neste tipo de relação, mostrarem-se
claramente hipossuficientes, possuindo pouco apoio se comparado com imunidades
criadas e utilizadas em plano internacional. Nesse sentido o Direito do Trabalho vem ao
auxilio do empregado demonstrando que os direitos e deveres inerentes ao mesmo
podem auxiliar na busca dos valores rescisórios, ainda que esses direitos/deveres não se
encontrem explícitos. Por outro lado, o Direito Internacional, através de seus costumes,
visa explanar os Tratados formados entre os países do globo e que de certa forma
mostram-se como reguladores de algumas partes das relações trabalhistas, foco deste
trabalho, expondo os pontos de intersecção entre os entendimentos mundiais frente a
esta importante questão.
O envolvimento de tais matérias, portanto, servirá para dar ênfase às relações
trabalhistas anteriormente expostas, buscando uma maior notoriedade quanto à parte
empregada ser pessoa física brasileira, laborando para um Estado Estrangeiro. Além
disso, o estudo também tem como finalidade realizar um aprofundamento no que se
refere à responsabilidade dos Estados Estrangeiros, enquanto detentores de imunidades
1 Acadêmico do 10º semestre do Curso de Direito do Centro Universitário Franciscano.
154
dentro do Território Brasileiro. Ademais, busca-se dar maior divulgação quanto a essa
relação trabalhista, mormente não haver grande publicidade sobre a matéria no meio
acadêmico, estando à mesma confinada às áreas de pesquisa, evidenciando-se que essa
relação está cada vez mais presente, com o aumento do que se passou a chamar de
Aldeia Global.
Através do método hipotético dedutivo, abordar-se-á as formas de Imunidades
Diplomáticas que os Estados Estrangeiros possuem, buscando denotar como as mesmas
lhes foram garantidas e como tais foram utilizadas com o passar dos anos. A partir
disso, proceder-se-á a avaliação de como tais Imunidades influenciam as relações
trabalhistas anteriormente citadas, foco deste artigo.
Além disso, com o uso do método monográfico, serão analisadas doutrinas
nacionais e internacionais, bem como jurisprudências da Justiça Brasileira e da Justiça
de outros países, buscando-se assim o total entendimento da questão proposta. Também
daremos ênfase à parte histórica, via método histórico, de tal matéria, ao atentar para a
gênese e evolução das Imunidades e das relações entre os Estados Estrangeiros, bem
como qual foi a influência dada pelo advento da Consolidação das Leis do Trabalho –
CLT e pelos princípios protetivos trabalhistas.
O artigo encontra-se ligado às linhas de pesquisa do 5° Congresso Internacional
de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho de Santa Maria, visto a abordagem de
questão jurídica voltada tanto para o Direito do Trabalho quanto para o Direito
Internacional ao se envolver na esfera social, tendo inclusive repercussões globais.
FORMAÇÃO E EVOLUÇÃO DAS IMUNIDADES DE JURISDIÇÃO
E EXECUÇÃO DOS ESTADOS
Nos anos de 1961 e 1963 em Viena, Áustria, foram celebradas as Convenções
sobre Relações Diplomáticas (1961)1 ratificada pelo Brasil em 25 de Março de 1965,
tendo entrado em vigor através do Decreto nº 56.435 de 8 de Junho de 1965 e sobre as
Relações Consulares (1963)2, também ratificada pelo Brasil em 11 de Maio de 1967,
entrando em vigor através do Decreto nº 61.078 de 26 de Julho de 1967 sendo ambas
1 BRASIL. Dec. nº. 61078, de 26 de Julho de 1967. Promulga a Convenção de Viena sobre Relações Consulares. Diário Oficial da União. Brasília, DF, DOFC 28/07/1967. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D61078.htm> Acesso em: 16 de Abril de 2014. 2 BRASIL. Dec. nº. 61078, de 26 de Julho de 1967. Promulga a Convenção de Viena sobre Relações Consulares. Diário Oficial da União. Brasília, DF, DOFC 28/07/1967. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D61078.htm> Acesso em: 16 de Abril de 2014.
155
Convenções, majoritariamente aceitas pelos doutrinadores. Entretanto, mesmo com o
advento de tais Convenções, não restaram determinadas normas que servissem de base
para a resolução de questões acerca das Imunidades possuídas por Estados Estrangeiros,
havendo apenas, o agraciamento destas pelo Direito Internacional Público e, também,
como salienta Mazzuoli3:
(...) ocorre é que ambas as Convenções de Viena (sobre relações diplomáticas
e sobre relações consulares) não disciplinam, em norma alguma, essa
imunidade do próprio Estado (na sua condição de pessoa jurídica de direito
público externo) à jurisdição (civil) de outro, tendo deixado para o costume
internacional (com o apoio da doutrina) a regulação da matéria.
(MAZZUOLI, 2012. p. 554)
Tais Imunidades dividem-se em de Jurisdição e de Execução. A primeira cuida
da possibilidade de Estados, órgãos, empresas estrangeiras ou afins, serem ou não
submetidas às cortes de outros Estados, enquanto a segunda, Imunidade de Execução,
trata da possibilidade ou não de tais agentes internacionais terem sentença contrária a si,
executada.
Apesar de estas Imunidades não terem sido o enfoque principal das antigas
Convenções, as mesmas são motivos de julgamento e estudo a longo período, como
bem indica o caso The Schooner Exchange versus McFaddon o qual foi julgado ainda
no ano de 1812 pela Suprema Corte dos Estados Unidos, considerando-se este o
Leading Case quanto à arguição da Imunidade Estatal contra um terceiro. De forma
sucinta, tal caso apresentou-se à visão Mundial, quando em 1810 a escuna Exchange de
bandeira Norte-americana e utilizada para fins comerciais por duas grandes empresas
deste mesmo País, encontrou-se aprisionada a mando da Marinha Francesa. Foi movida
uma Ação Possessória por parte das duas Nacionais Norte-americanas a fim de reaver
sua antiga escuna, tendo o Governo Francês arguido o direito à Imunidade por se
constituir em longa manus do Império Francês5. Assim, restou estabelecido que:
A jurisdição das cortes é um ramo do que a nação possui como um Poder
soberano e independente. A jurisdição da nação dentro do seu próprio
3 MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público, 6º ed., São Paulo, RT, 2012. p. 554. 5 SALIBA, Aziz Tuffi. A imunidade absoluta de jurisdição de Estados: "sólida regra costumeira" ou mito?
Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1464, 5 jul. 2007. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/10107>.
Acesso em: 18 de Setembro de 2013.
156
território é necessariamente exclusiva e absoluta. Não é suscetível de
qualquer limitação, senão imposta por ela mesma. Qualquer restrição a ela,
que derive sua validade de uma fonte externa, implicaria na diminuição de
sua soberania, nos limites de tal restrição e uma investidura daquela
soberania, nos limites em que aquele poder que poderia impor tal restrição.
(MAZZUOLI, 2012. p. 554)6
Vê-se então, que esta imunidade, decretada pelos Estados Unidos frente à escuna
Exchange, foi delegada à pessoa do Imperador e que, após transferência de titularidade,
guiou-se para o Estado Francês (pessoa jurídica) formando-se assim, o pensamento de
Imunidade Jurisdicional Estatal7, mais notadamente a chamada Imunidade Absoluta,
baseada na ideia par in parem non habet judicium denotando o sentido de que nenhum
Estado soberano pode se submeter à Justiça de outro contra sua vontade.
Entretanto, essa ideia de Imunidade Absoluta, aos poucos passou a ser mitigada,
quando o Estado começou a exercer com mais afinco seu jus gestionii, em detrimento
de seu jus imperii. Isso implica dizer que os atos do Estado estavam agora priorizando
questões de cunho econômico (realizando investimentos no exterior, procurando novos
parceiros econômicos, etc...), assim, como discorre João Francisco Rezek8:
A ideia da imunidade absoluta do Estado estrangeiro à jurisdição local
começou a desgastar-se já pela segunda metade do século XX nos grandes
centros internacionais de negócios, onde era natural que as autoridades
reagissem à presença cada vez mais intensa de agentes de soberanias
estrangeiras atuando não em funções diplomáticas ou consulares, mas no
mercado, nos investimentos, não raro na especulação. Não havia por que
estranhar que ingleses, suíços e norte-americanos, entre outros, hesitassem
em reconhecer imunidade ao Estado estrangeiro envolvido, nos seus
territórios, em atividades de todo estranhas à diplomacia estrita ou ao serviço
consular, e adotassem assim um entendimento restritivo do privilégio, à base
da distinção entre atos estatais jure imperii e jure gestionis.( REZEK, 2011. p.
6 MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 6º ed., São Paulo: RT, 2012. p. 554. 7 MOSER, Claudinei. Imunidade de Jurisdição do Estado estrangeiro: a questão da (ir)responsabilidade
da União pelo pagamento do débito judicial trabalhista. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XI, n. 52, abr
2008.Disponível em:
<http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.phpn_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2678>.Ace
sso em 20 de Setembro de 2014.
8 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: Curso Elementar. 13. ed. rev. aumen. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 207 - 208.
157
207 – 208)
Assim vieram para esse fim, a Convenção Europeia sobre Imunidade do Estado,
finalizada na Basiléia em 1972, o Foreign Sovereign Immunities Act nos Estados Unidos
em 1976 e o State Immunity Act de 1978 na Grã-Bretanha, os quais derrubaram de tal
maneira as velhas bases da regra costumeira, anteriormente citada, passando essa
Imunidade Estatal de Absoluta, para a aceita nos dias de hoje qual seja, a Imunidade
Estatal Relativa.9
Em Dezembro de 2004, a Assembleia Geral da ONU, aprovou Convenção sobre
Imunidades Jurisdicionais dos Estados e de seus bens diante de um tribunal de outro
Estado, aprovação esta feita através da Resolução 59/38, Convenção essa que teve como
base um projeto da Comissão do Direito Internacional e procura ser instrumento básico
para que tal questão seja uniformizada no âmbito internacional. Entretanto, tal
aprovação da Assembleia Geral da ONU não pode ser totalmente festejada, pois,
conforme o Juiz do Trabalho do TRT da 10ª Região, Silveira10:
A vigência internacional da Convenção da ONU, por si só, não a tornará
aplicável no Brasil. Para tanto, ainda será necessária a sua ratificação pelo
nosso país, procedimento este que gera a internalização das normas de direito
das gentes. (SILVEIRA, 2009, p. 34-38)
Todavia, o mesmo autor explicita a benfeitoria dessa aprovação e o que ela
significa para os países do globo, ao dizer:
Mesmo não estando formalmente em vigor, interna ou internacionalmente, o
teor dessa convenção é de grande relevância para o estudo do tema, seja
porque resultou de um longo trabalho levado a efeito pela Comissão de
Direito Internacional das Nações Unidas, seja porque foi aprovada e
convertida em Resolução pela Assembleia da ONU, a indicar, no mínimo,
que reflete uma forte tendência internacional. (SILVEIRA, 2009, p. 34-38)
No Brasil, o caso demonstrativo dessa mitigação das imunidades estatais, deu-se
ainda no ano de 1976 com o processo movido pela Sra. Genny em face da República
Democrática Alemã (RDA), no qual pleiteava a anotação na Carteira de Trabalho e
9 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: Curso Elementar. 13. ed. rev. aumen. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 209.
10 SILVEIRA, Rubens Curado. O direito dos empregados de missões diplomáticas e consulares no Brasil. Anamatra. Brasília, ano XIX, nº 56, p. 34-38, Jan., 2009. disponível em: <http://www.anamatra.org.br/uploads/magazine/00000870.pdf> acessado em: 02/04/2014.
158
Previdência Social (CTPS) de seu falecido marido, dos dados do contrato entre este e a
representação do país acreditante. Apesar de a parte reclamada ter invocado sua
imunidade de jurisdição, em 1989 já tendo o feito sido remetido ao Superior Tribunal de
Justiça (STJ) o então ministro Francisco Rezek contrariou o pleiteado pelo Estado
acreditante ao dizer que essa determinada imunidade invocada pela República
Democrática Alemã era resultado de “uma antiga e sólida regra costumeira”.4
Com a relativização das imunidades dos Estados estrangeiros, os privilégios
antes invocados constantemente por tais entes, deixaram de ser totalmente válidos à
esses casos. Essa parcialidade se dá, pois:
(...) Privilégios diplomáticos não podem ser invocados, em processos
trabalhistas, para coonestar o enriquecimento sem causa de Estados
estrangeiros, em inaceitável detrimento de trabalhadores residentes em
território brasileiro, sob pena de essa prática consagrar censurável desvio
ético-jurídico, incompatível com o princípio da boa-fé e inconciliável com os
grandes postulados do direito internacional. (BRASIL,2002)5
Assim, com a evolução do pensamento acerca das Imunidades, os Estados
estrangeiros alegavam que essa mitigação iria contra a defesa de sua
extraterritorialidade (aos Estados pertence o território em que se encontram as
embaixadas) o que, no entanto, constitui-se de pensamento antiquado, advindo
unicamente do costume internacional, sendo uma ficção jurídica. Modernamente, esse
entendimento não vinga mais conforme lembra Madruga Filho:
Não obstante ser ainda comum ouvir o raciocínio de que as restrições de
acesso do poder público ao terreno da representação diplomática estrangeira
justificam-se por ser ali o 'território estrangeiro independente', a evolução do
direito internacional e da concepção de que suas normas impõem limites à
4 Aci 9696 SP. Relator: Sidney Sanches. Julgamento em: 31/05/1989. Publicado em DJ 12-10-1990 pp-
11045 ement-vol -01598-01 pp-00016 RTJ vol-00133-01 pp-00159. Acessado em: 23/09/2013.
Disponível em: http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/905776/apelacao-civel-aci-9696-sp. 5 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental em Recurso Extraordinário n. 222.368-4/PE.
Recorrente: Consulado Geral do Japão. Recorrido: Espólio de Iracy Ribeiro de Lima. Ministro Relator:
Celso de Mello. Abr. 2002. Supremo Tribunal Federal. Disponível em:
<http://sistemas.mre.gov.br/kitweb/datafiles/Cgpi/pt-br/file/seminarios/Ag-RE-222_368-4-PE.pdf>
Acesso em: 19/04/2014
159
soberania tornou desnecessário o recurso à ficção da extraterritorialidade.
(BEVILAQUA, 1939, p. 325 In MOSER)6
Conforme demonstrado anteriormente, as criações das Imunidades de Estado
deram-se de forma gradual tal qual sua aplicação nos conflitos internacionais, sendo
aplicadas a longo tempo e também se procurando dar uma base sistemática para o
entendimento das mesmas (vide os Atos e Convenções realizados na Europa e nos
Estados Unidos entre 1972 e 1978). Quanto ao Brasil, a aplicação da teoria mitigada
para a Imunidade de Jurisdição levou tempo considerável, mantendo-se imutável até
1989 com a já citada decisão do Supremo Tribunal Federal no caso Genny v. República
Democrática Alemã (RDA).
A APLICAÇÃO DAS IMUNIDADES DE ESTADO FRENTE AO
DIREITO BRASILEIRO
Como explicado anteriormente o Brasil, mudou seu entendimento sobre as
Imunidades longo tempo depois de outros países o terem realizado. O maior foco dado a
tal caso refere-se as prementes questões trabalhistas que se formam posteriormente à
dispensa do empregado pelas embaixadas ou então pelas representações de outros países
que estejam sediados no Brasil.
Apesar dos tratados existentes e também da mitigação das imunidades dos
Estados Estrangeiros, ainda hoje existe a controversa questão envolvendo a aplicação
das legislações dos países, em particular, no Brasil, vide que um dos ensinamentos
básicos do Direito Trabalhista brasileiro é de sua aplicação ser territorial, ou seja,
atrelada ao local na qual está inserido. Essa dificuldade é fomentada pelo fato de ser
necessário precisar o espaço (local no território brasileiro) em que se encontra a
representação do ente de Direito Público Externo, considerando-se este, território
estrangeiro ou não, vide a soberania existente entre os Estados do globo.
No entanto, tal dificuldade não mais se enquadra, vide a definição da própria
Constituição Federal, conforme discorre no seu artigo 114, inciso I, ao deixar claro que
a competência para julgar o litígio entre brasileiro e um ente de direito público externo é
da Justiça do Trabalho.
Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
6 BEVILAQUA, Clovis. Direito publico internacional. Tomo I. Rio de Janeiro. Freitas Bastos, 1939, p. 325 in MOSER, Claudinei. Imunidade de Jurisdição do Estado estrangeiro: a questão da (ir)responsabilidade da União pelo pagamento do débito judicial trabalhista.
160
I – As ações oriundas da relação de trabalho, os entes de direito público
externo e da administração pública direta e indireta da União, dos estados, do
Distrito Federal e dos Municípios (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA
FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988) 7
Dá-se foco ao dito pela Constituição, no que a Justiça do Trabalho será
competente para julgar os entes públicos de direito externo os quais, por definição, são
tanto os Estados Estrangeiros quanto aqueles que forem regidos pelo Direito
Internacional Público. Entretanto, salienta-se que tal artigo não joga nenhuma luz, no
sentido de afirmar ou negar que para tais Entes estrangeiros existam as imunidades,
cerne deste artigo.
Além do advento da nova Constituição, em 2004 foi promulgada a Emenda
Constitucional nº45, emenda essa que entre outras mudanças, alterou a redação do
artigo 114 da Constituição Federal. Com a nova redação deste artigo a EC nº45/04
buscou concentrar todas as questões trabalhistas na Justiça do Trabalho, algo muito
salutar para o judiciário brasileiro e que também já se encontrava realizado em outros
países.
Mesmo com essa mudança, tanto a antiga como a nova redação do art. 114,
mostravam claramente que a Justiça do Trabalho possuía e possui a competência para
processar, julgar e executar ações tendo um ente de direito público externo como polo
passivo. Com as mudanças do Artigo 114 da Constituição Federal, houve também uma
alteração no critério de competência da Justiça do Trabalho, conforme dita Mauro
Schiavi8:
O critério da competência da Justiça do Trabalho que era eminentemente
pessoal, ou seja, em razão das pessoas de trabalhadores e empregadores,
passou a ser em razão de uma relação jurídica, que é de trabalho. (SCHIAVI,
2009. p. 162)
Assim, restou esclarecido que a competência em razão das pessoas baseia-se na
qualidade desta enquanto parte, na relação jurídica. Cabe lembrar, que a já referida
Convenção sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e de seus bens diante de um
tribunal de outro Estado, estabeleceu que não há imunidade de jurisdição em litígios
relacionados a contratos de trabalho, no que informa seu artigo 11:
7 PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm acesso em: 05/05/2014 8 SCHIAVI, Mauro. Manual de Direito Processual do Trabalho 2. ed. São Paulo Ltr. 2009. p. 162.
161
Artigo 11.ºContratos de trabalho1 – Salvo acordo em contrário entre os
Estados em questão, um Estado não pode invocar a imunidade de jurisdição
num tribunal de outro Estado que seja competente para julgar o caso num
processo judicial que diga respeito a um contrato de trabalho entre o Estado e
uma pessoa singular para trabalho realizado ou que se deveria realizar, no
todo ou em parte, no território desse outro Estado. (BRASIL. 2006)9
No entanto, mesmo não havendo possibilidade de o Estado estrangeiro usufruir
da Imunidade de Jurisdição, o mesmo pode-se fazer valer da Imunidade de Execução,
vide essa não ser atrelada à primeira, sendo que, a já referida Emenda Constitucional nº
45/04, não realizou nenhuma mudança de paradigma, ou novo entendimento quanto a
imunidade de execução, deixando esclarecido o fato de a mesma ainda poder ser
levantada pelos Entes de Direito Público Externo. Dessa forma, a Justiça somente
poderá determinar que sejam executados os bens que não estejam atrelados à Missão
Diplomática pouco podendo ser feito para garantir os direitos a que o trabalhador
brasileiro possui e buscou. Rubens Curado Silveira, cita passagem de Francisco Rezek,
em que discorre:
A execução forçada de eventual sentença condenatória, entretanto, só é
possível na medida em que o Estado estrangeiro tenha, no âmbito espacial de
nossa jurisdição, bens estranhos à sua própria representação diplomática ou
consular visto que estes se encontram protegidos contra a penhora ou medida
congênere pela inviolabilidade que lhes asseguram as Convenções de Viena
de 1961 e 1963, estas seguramente não derrogadas por qualquer norma
ulterior. (SILVEIRA, 2009, p. 34-38)10
Existem hoje, diversos casos em que os pontos retratados nesse artigo se
interligam e, devido a certa “idade” possuída pela questão, é fácil notar a evolução da
aplicação das Imunidades de estado no judiciário brasileiro, afirmando assim as teses
desenvolvidas no meio internacional. No Brasil, as questões decididas no Tribunal
Superior do Trabalho que envolvem essas Imunidades apresentam-se de forma bem
definida em suas propostas, como será demonstrado adiante.
9 BRASIL. Res. Assembleia da República nº 46 de 20 de Junho de 2006. Aprova a Convenção das
Nações Unidas sobre Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos Seus Bens, aberta à assinatura
em Nova Iorque em 17 de Janeiro de 2005. Diário da República, DF, nº 117. 20/06/2006. Acesso em:
16/04/2014.
10 SILVEIRA, Rubens Curado. O direito dos empregados de missões diplomáticas e consulares no Brasil. Anamatra. Brasília, ano XIX, nº 56, p. 34-38, Jan., 2009. Acesso em: 02/04/2014.
162
ANÁLISE DO POSICIONAMENTO DO JUDICIÁRIO
BRASILEIRO FRENTE ÀS IMUNIDADES DE ESTADOS
LEVANTADAS EM QUESTÕES TRABALHISTAS
Em primeiro momento, demonstra-se que a pesquisa jurisprudencial realizada
para o presente trabalho, se deu no Tribunal Superior do Trabalho, buscando processos
que tiveram algum movimento recentemente. A partir do tema deste artigo, delineou-se
para a esta pesquisa a procura pela expressão “Imunidade de jurisdição não organização
internacional” a fim de delimitá-la, o que gerou um resultado de 102 acórdãos.
Após criterioso estudo de determinados resultados, três se destacaram por serem
casos basilares quando de reclamatórias trabalhistas contra Estados estrangeiros.
Tratam-se de dois Recurso de Revista, oriundos do Tribunal Regional do Trabalho 2ª
Região, de nºs: TST-RR-173900-27.2005.5.02.0015 datado de 07 de Março de 2012 e
interposto pela Embaixada Real da Tailândia, e TST-RR-170700-28.2006.5.02.0063,
datado de 20 de Fevereiro de 2013 e interposto pelo Consulado Geral do Chile em São
Paulo. Além desses dois Recursos de Revista, deu-se enfoque para o Agravo de
Instrumento em Recurso de Revista de nº TST-AIRR-18641-08.2005.5.10.0018,
proveniente do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região e interposto pelo Reino da
Arábia Saudita, o qual ganha enfoque agora.
Tem-se que a presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, negou
o Recurso de Revista interposto pelo Estado estrangeiro, o que ensejou o agravo de
instrumento feito pela mesma parte. Tanto o Ministério Público do Trabalho, quanto a 4ª
Turma do Tribunal Superior do Trabalho, conheceram o recurso, mas não o acataram,
sendo a decisão denegatória do recurso de revista fundamentada, pelo fato de que no
recurso já referido, o Ente de direito público externo alegou a Imunidade na fase de
execução, sendo por isso impossibilitada a penhora de qualquer bem seu.
Assim discorre o Exmo. Ministro Relator, Fernando Eizo Ono11:
(…) O Tribunal Regional consignou que “a tese central da contraminuta –
imunidade de execução condicionada à renúncia expressa – não está mais
em debate nesta fase recursal, visto que reconhecida na decisão agravada,” e
que “a discussão recursal limita-se à questão de estar ou não o bem
11 TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. 4ª Turma. AIRR nº 18641-08.2005.5.10.0018. Relator: Fernando Eizo Ono. Data do julgamento: 25/09/2013. DEJT de 18/12/2013. p. 496.
163
penhorado afeto à representação diplomática da Executada”.(TRIBUNAL
SUPERIOR DO TRABALHO, 2013)
O Reino da Arábia Saudita alegava que o imóvel penhorado ainda fazia parte de
sua Missão Diplomática e que apenas encontrava-se em reformas para adequação às
normas da mesma e, além disso, alegava omissões no sentido de ausência de
fundamentos quanto ao voto da Desembargadora que desempatou o julgamento.
Entretanto, tal entendimento não restou acatado pelo Tribunal Regional, pelo que se
transcreve o existente no acórdão:
(…) o bem penhorado está desocupado, não sendo utilizado para fins de
atividade consular ou diplomática há mais de dez anos, que foi cedido para
embaixada de outro país e que a Executada mantém outros imóveis em seu
nome.
(…) O imóvel foi penhorado porque, conforme certidão da Oficial a de
Justiça, não estava sendo habitado nem utilizado pelo embaixador ou pela
missão diplomática da Executada, o que levou à conclusão, pelo Juiz de que
não estava vinculado ao exercício das atividades da Executada imunes à
constrição judicial (…)
Entendeu o Juízo a quo que a existência de um projeto de reforma do imóvel,
datado de 10/10/2010, demonstra que o seu estado atual de desocupação
reflete apenas situação transitória (…)
(…) Contudo, entendo que o imóvel penhorado não está sendo utilizado há
muito pela missão, justamente quando perdeu o seu status de residência
oficial do embaixador da executada. Portanto, perfeita a constrição judicial e
a possibilidade de alienação pública.
Desse modo, o Exmo. Ministro Relator também não constou omissões no voto
ou nas fundamentações quanto ao bem penhorado, não verificando ofensa à
Constituição Federal e por fim, negando provimento ao Agravo de instrumento. Neste
mesmo recurso o Estado estrangeiro, reitera a nulidade da penhora por outro motivo, a
falta de intimação ao Executado, bem como sua Imunidade de execução e que a mesma
não foi renunciada expressamente.
Entretanto, entendeu o Ministro não haver necessidade de reforma da sentença,
posto a inexistência de manifestação acerca da nulidade da penhora do imóvel, vide a
reclamante (no caso, o trabalhador) ter questionado apenas a possibilidade ou não da
penhora do bem. O Estado estrangeiro também suscitou ofensa à Constituição Federal,
164
nomeadamente aos artigos 4º, inciso V, 5º, incisos II e LV e §2º, e 49, inciso I e XI, no
entanto o Ministro Relator tratou de esclarecer que esses artigos não versam sobre:
A possibilidade ou não de penhorar bens de representação diplomática
estrangeira, nem sobre a distinção feita entre bens afetos e bens não
relacionados com a função diplomática. (TRIBUNAL SUPERIOR DO
TRABALHO, 2013)12
Além disso, o Reino da Arábia Saudita indicou ter havido descumprimento dos
artigos 8º e 896 da CLT e 126 do CPC, o que não vinga, pois vide o processo em
questão estar em sua fase executória, o Recurso de Revista interposto pelo Estado
estrangeiro não se demonstra correta, pois o mesmo tem como pressuposto a ofensa
direta à Constituição, fato que já havia sido descartado anteriormente no voto do Exmo.
Ministro. Ainda tenta o País, indicar quebra de preceito legal das Convenções de Viena,
mas, como ditado no acórdão:
(…) Convenção de Viena sobre as relações diplomáticas trata de imunidade
dos agentes diplomáticos e nada dispõe sobre a possibilidade ou não de
penhora de bens de Estado estrangeiro não afetos à função diplomática ou
consular, que é a matéria em controvérsia.13
Por fim, o acórdão discorre que para ser provada a alegação do Ente de direito
público externo suscitado, deveriam ser reexaminados os fatos e as provas. Por se tratar
de Recurso de Revista, no entanto, tal reexame é inviável, tendo sido denegado o
recurso de Agravo de Instrumento impetrado pelo Reino da Arábia Saudita. Cumpre
salientar que o provimento desse recurso, foi negado pela maioria dos Ministros da
Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, em que teve voto contrário a Exma.
Ministra Maria de Assis Calsing, juntando voto convergente o Exmo. Ministro João
Oreste Dalazen.
Vê-se que, mesmo tendo o Estado estrangeiro sido executado, a questão foi
peculiar, pois somente houve a penhora do bem por este não ser usado há anos pela
embaixada do Reino da Arábia Saudita configurando-o no único caso em que poderá
haver a execução do bem, ou seja, como explicado durante esse trabalho, quando esse
bem ou valor, não estiver atrelado à missão diplomática do país.
12 45 TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. 4ª Turma. AIRR nº 18641-08.2005.5.10.0018. Relator: Fernando Eizo Ono. Data do julgamento: 25/09/2013. DEJT de 18/12/2013. p. 496. 13 Idem
165
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após ter realizado o estudo sobre as imunidades de estados em questões
trabalhistas, pode-se afirmar que as mesmas são a síntese do conceito de soberania.
Essas imunidades perfazem alguns dos maiores expoentes que existem quando da
relação entre dois estados notadamente, a capacidade de agir em seu interesse e de
proteger seu interesse, entretanto quando essas mesmas imunidades se chocam com o
Direito do Trabalho há ai uma particularidade, esta, criada pelo costume internacional, o
qual se cria através do entendimento de vários países acerca de um determinado fato
(nesse caso, a aplicação das imunidades).
Essa particularidade, criada após anos de evolução do entendimento, é a
mitigação dessas imunidades. Como discorrido, a evolução da arguição de imunidades
de estado saiu do antiquado princípio par in parem non habet judicium chegando até a
possibilidade de mitigação da imunidade de execução em caso de questão trabalhista,
isso posto, deve-se lembrar que essa forma de defesa da Soberania do Ente estrangeiro
ainda poderá ser arguida em um eventual processo mas que, devido ao moderno
entendimento, não haverá mais possibilidade de aplicação.
Apesar disso, há uma ressalva a ser feita; a imunidade de execução é mitigada,
mas só não será considerada nos casos em que fique comprovado que o(s) bem(ns) a
serem executados para que se dê o pagamento das verbas rescisórias devidas, não
estejam atrelados à Missão Diplomática do país executado. Essa mudança, evidenciada
pelas decisões do Tribunal Superior do Trabalho, é ocorrência direta de um dos muitos
resultados expressivos que vieram com a intensificação das relações comerciais e
jurídicas entre os Estados ao longo dos séculos.
As leituras e pesquisas realizadas ao longo da execução deste trabalho, revelam
de forma clara que a evolução do Direito Internacional decorre de novos olhares sobre o
que hoje se chama Aldeia Global. Assim fica evidenciado nas relações trabalhistas entre
pessoas físicas brasileiras e Estados estrangeiros, pois enquanto antigamente muitos atos
desses Entes estrangeiros fossem classificados como atos jus imperii, hoje esses
mesmos atos serão jus gestioni, em que o Estado estrangeiro nada mais vai ser do que
um agente econômico.
De forma clara, cita-se mais uma vez a tão referida relação entre pessoa física
brasileira e Estado estrangeiro. O empregado que labore em embaixada estrangeira ou
numa representação do país estrangeiro, claramente rege-se por um contrato entre essas
166
partes, sendo este contrato nada mais do que um ato de gestão feito pelo Estado
estrangeiro, ou seja, tendo o estado como empregador.
Toda essa evolução demonstrada anteriormente possui visão facilitada quando se
nota o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho em relação às imunidades. Fica
claro ao Tribunal que a imunidade de jurisdição não mais pode ser considerada, mas
que, no entanto, ainda será conhecida pelos Ministros. Esse conhecimento é hoje mera
formalidade no processo, pois tanto as doutrinas brasileiras, como o entendimento
jurídico brasileiro, como o costume internacional ditam que essa imunidade não exerce
mais nenhum efeito de proteção para o Estado estrangeiro que o arguir. A negativa dessa
imunidade, para o Direito Trabalhista, nada mais é do que a garantia do conhecimento
do Princípio Protetivo e da capacidade hipossuficiente do trabalhador frente a um Ente
de direito público externo.
Já quanto à imunidade de execução, o Tribunal Superior do Trabalho apresenta
exatamente o tipo de tratamento necessário à questão. Durante as pesquisas, notou-se
que a grande maioria dos casos, impossibilitava a execução de bens do Ente estrangeiro,
devido à ligação desses com a Missão Diplomática do país aqui estabelecido. No
entanto, em um dos casos o Reino da Arábia Saudita arguiu sua imunidade de execução
a qual, novamente foi conhecida, mas que por restar provado o não atrelamento do bem
penhorado à Missão Diplomática, restou negada.
Esse entendimento demonstra claramente a dificuldade existente quando da
execução de um Ente estrangeiro, pois, apesar de ser legítima a pretensão do trabalhador
brasileiro, a mesma esbarra na Soberania inerente ao outro polo do processo.
As imunidades de Estado frente a questões trabalhistas estão hoje bem
fundamentadas no meio jurídico, seja por entendimento doutrinário ou pela tentativa de
regulamentação através de Tratados e Convenções citados ao longo deste artigo. A
ressalva a ser feita, é que esse ponto está ligado diretamente ao costume internacional
logo, em constante evolução, podendo novamente modificar as relações entre
empregado brasileiro e Estado Estrangeiro.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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11/06/1965.
_____. Dec. nº. 61078, de 26 de Julho de 1967. Promulga a Convenção de Viena
167
sobre Relações Consulares. Diário Oficial da União. Brasília, DF, DOFC 28/07/1967.
BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Apelação Cível nº. 9696 SP. Relator:
Sidney Sanches. Julgamento em: 31/05/1989. Publicado em DJ 12-10-1990 pp-11045
ement-vol -01598-01 pp-00016 RTJ vol-00133-01 pp-00159.
_____. Agravo Regimental em Recurso Extraordinário n. 222.368-4/PE. Recorrente:
Consulado Geral do Japão. Recorrido: Espólio de Iracy Ribeiro de Lima. Ministro
Relator: Celso de Mello. Abr. 2002. Supremo Tribunal Federal.
BRASIL. TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. 2ª Turma. Recurso de Revista
nº 173900-27.2005.5.02.0015. Relator: Renato Lacerda Paiva. Data do julgamento:
07/03/2012. DEJT de 15/03/2012. p. 785
_____. 4ª Turma. Agravo de Instrumento em Recurso de Revista nº 18641-
08.2005.5.10.0018. Relator: Fernando Eizo Ono. Data do julgamento: 25/09/2013.
DEJT de 18/12/2013. p. 496.
_____. 5ª Turma. Recurso de Revista nº 170700-28.2006.5.02.0063. Relator: Caputo
Bastos. Data do julgamento: 20/02/2013. DEJT de 26/02/2014. p. 219.
BRASIL. Res. Assembleia da República nº 46 de 20 de Junho de 2006. Aprova a
Convenção das Nações Unidas sobre Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos
Seus Bens, aberta à assinatura em Nova Iorque em 17 de Janeiro de 2005. Diário
da República, DF, nº 117. 20/06/2006.
MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 6. ed. rev.,
atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012.
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(ir) responsabilidade da União pelo pagamento do débito judicial trabalhista. In: Âmbito
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Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/10107>. Acesso em: 23 de Out de 2013.
SCHIAVI, Mauro. Manual de Direito Processual do Trabalho. 2. ed. São Paulo: Ltr.,
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SILVEIRA, Rubens Curado. O direito dos empregados de missões diplomáticas e
consulares no Brasil. Anamatra. Brasília, ano XIX, nº 56, p. 34-38, Jan., 2009.
168
19
O TRABALHO E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Edineia Chaves Franz1, Mírian Verônica Franz2 Olinda Barcellos3
INTRODUÇÃO
“Sed dignitaten dicit principaliter retione formae.”
(São Boaventura)
A dignidade da pessoa humana é considerada intrínseca a todos os humanos.
Devido a isso, há quem alegue que esta pode ser conquistada por meio do trabalho;
entretanto, será que essa é realmente uma verdade universal?
Ainda, é inegável que as instituições jurídicas desempenham papel
imprescindível na promoção do desenvolvimento econômico do país. No entanto, para
que tal crescimento efetive-se, é mister transpor suas barreiras impeditivas. Dentre estas,
destaca-se a desobediência aos direitos fundamentais.
Nesse diapasão, este trabalho objetiva analisar se o trabalho de fato dignifica o
homem ou se isso é mera suposição. Além disso, busca vislumbrar a dignidade humana
tanto na perspectiva jurídica quanto na econômica.
Para tanto, a metodologia adotada é de cunho bibliográfico, ancorada na
Constituição Federal, nas doutrinas e em artigos que discorrem acerca desta temática.
Com isso, espera-se esclarecer alguns pontos que se encontram obscuros até então no
que se refere a este direito fundamental.
Cabe expor, também, que este texto está organizado da seguinte maneira:
primeiramente, apresenta-se os conceitos necessários para entendimento do assunto
abordado, tal como a dignidade; após, ilustra-se a dignidade na visão jurídica; em
seguida, a dignidade relacionada a alguns aspectos econômicos e ao trabalho; e, por fim,
os resultados e conclusões consideradas importantes.
CONCEITOS E ORIGENS DA DIGNIDADE HUMANA
1 Graduada em Letras (UFSM), aluna do curso de Especialização em Gestão Pública (UFSM);
acadêmica do sétimo semestre do curso de Direito (FAPAS), endereço eletrônico:
[email protected]; 2 Acadêmica do sexto semestre do curso de Direito (FADISMA), endereço eletrônico: [email protected]. 3 Professora orientadora (FADISMA). Endereço eletrônico: [email protected].
170
Inicialmente, releva esclarecer que a palavra “dignidade” provém do latim
"dignitas" que significa aquilo “que tem valor”; o termo "dignus", por sua vez, “é aquele
que merece estima e honra, aquele que é importante”. Desse modo, se dignidade é
honra, virtude ou consideração, esta é a razão do porquê se entender que dignidade é
uma qualidade moral inata e é à base do respeito que lhe é devido. Nessa perspectiva,
“a dignidade nasce com a pessoa. É-lhe inata. Inerente à sua essência” (RIZZATO
NUNES, 2002, p. 49).
Dessa maneira, considerar o outro como um fim e não como um meio é tratá-lo
dignamente. Enfim, dignidade é um valor intrínseco ao ser humano que nos faz
considerá-lo como algo diferente de uma coisa, de um objeto.
Além disso, essa dignidade refere-se à valorização da pessoa humana como um
todo. Nesse viés, Alexandre de Moraes, assevera que:
A dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente a
pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e
responsável da própria vida e que traz a pretensão ao respeito por parte das
demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo
estatuto jurídico deve assegurar, de modo que apenas excepcionalmente
possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas
sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas
enquanto seres humanos (2007, p. 60).
Assim, a compreensão de dignidade humana trata-se de um direito irrenunciável.
Nessa ideia, de acordo com Fábio Konder Comparato (2010, p. 226), “[...] a dignidade
humana não pode ser reduzida à condição de puro conceito”. Do mesmo modo, o
pensamento de Immanuel Kant vai ao encontro da visão de Comparato sobre o assunto.
Assim, Kant verbaliza:
No reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma
coisa tem um preço, pode-se por em vez dela qualquer outra como
equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e portanto
não permite equivalente, então tem ela dignidade (2011, p.1).
Como a dignidade é algo de valor intangível, ou seja, sem preço. Assim sendo, é
inaceitável que se faça qualquer distinção, posto que o valor está na pessoa em si,
independente de cor, credo, etc. A respeito disso, Moura defende que:
171
[...] a pessoa humana não pode ser objeto de humilhações ou de ofensas. Nem
de penas capitais ou de prisões perpétuas. Nem de torturas físicas ou morais.
É o que se extrai do principio geral inserto nos arts. 1º, III e art. 5º da Carta
Magna de 1988, ao proteger a dignidade da pessoa humana. Qualquer ato que
fira a sua dignidade, ou cerceie seus direitos [...] deve ser afastado totalmente
(2004, p. 18).
Reconhecendo-se a importância da dignidade humana enquanto um princípio
fundador, que garante o respeito dos demais direitos, torna-se necessário discutir a
questão desse princípio no âmbito jurídico. Essa questão é o foco do próximo item do
presente artigo.
A DIGNIDADE HUMANA NA VISÃO JURÍDICA
A priori, releva-se que a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão,
proclamada pela Organização das Nações Unidas de 1948, traz em seu artigo 1º o
seguinte: “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos”. Com isso,
infere-se que os direitos fundamentais pertencem a “todos os homens”.
Ademais, faz-se necessário destacar que a Dignidade da Pessoa Humana (DPH),
considerada como princípio fundamental pela Constituição Brasileira (CF/88, art. 1º,
III), apenas estará assegurada quando for possível ao homem uma existência que
permita o pleno uso de todos os direitos fundamentais (SANTOS, 1999).
Nessa medida, Direitos Fundamentais são definidos como conjunto de direitos e
garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito à sua dignidade, por
meio de sua proteção contra o abuso do poder do Estado e o estabelecimento de
condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana.
Nessa seara, releva esclarecer que a DPH, para a maioria dos autores, não é vista
como um direito, pois ela não é conferida pelo ordenamento jurídico. Trata-se de um
atributo que todo ser humano possui independentemente de qualquer requisito ou
condição, seja ele de nacionalidade, sexo, religião, posição social, entre outros. Ela é
considerada como um valor constitucional supremo, o núcleo axiológico da constituição
(ALVES, 2001).
A respeito disso, Tomás de Aquino, ao tratar da questão da imutabilidade do
direito natural, reconhecia ser este mutável, mas apenas por adição, mediante o
reconhecimento de novos direitos fundamentais. Nesse diapasão, seguiram as sucessivas
declarações dos direitos humanos fundamentais (a francesa de 1789 e a da ONU de
172
1948), desenvolvendo-se a ideia de diferentes "gerações" de direitos fundamentais: os
de 1ª geração, como a vida, a liberdade, a igualdade e a propriedade; os de 2ª geração,
como a saúde, a educação e o trabalho; e os de 3ª geração, como a paz, a segurança e o
resguardo do meio ambiente (AQUINO apud FILHO, 2008).
Outrossim, o respeito e a manutenção da DPH constituem a essência dos direitos
humanos. Devido a isso, ela está acima do Estado, ou seja, ele deve agir consoante à
DPH. Com isso, evita-se que uma tragédia como a do holocausto4 se reinstale.
DIGNIDADE HUMANA SOB O VIÉS ECONÔMICO
No que concerne a esta relação, o princípio da DPH é assim vislumbrado por
BASTOS (1992, p. 148) como “Este foi, sem dúvida, um acerto do constituinte, pois
coloca a pessoa humana como fim último de nossa sociedade e não como simples meio
para alcançar certos objetivos como, por exemplo, o econômico”.
Nesse sentido, no art. 170 da Constituição Federal, encontra-se estabelecido um
conjunto de princípios constitucionais de como a ordem econômica deve se pautar:
A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre
iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os
ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I – soberania nacional;
II – propriedade privada;
III – função social da propriedade;
IV – livre concorrência;
V – defesa do consumidor;
VI – defesa do meio ambiente;
VII – redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII – busca do pleno emprego;
4 “O Holocausto foi uma prática de perseguição política, étnica, religiosa e sexual estabelecida durante os anos de governo nazista de Adolf Hitler. Segundo a ideologia nazista, a Alemanha deveria superar todos os entraves que impediam a formação de uma nação composta por seres superiores. Segundo essa mesma idéia, o povo legitimamente alemão era descendente dos arianos, um antigo povo que – segundo os etnólogos europeus do século XIX – tinham pele branca e deram origem à civilização européia. (...) Dado o início da Segunda Guerra, o governo nazista criou campos de concentração onde os judeus e ciganos eram forçados a viver e trabalhar. Nos campos, os concentrados eram obrigados a trabalhar nas indústrias vitais para a sustentação da Alemanha na Segunda Guerra Mundial. Além disso, os ocupantes dos campos viviam em condições insalubres, tinham péssima alimentação, sofriam torturas e eram utilizados como cobaias em experimentos científicos.” Em um Estado onde não há respeito à DPH, a sociedade fica vulnerável à possibilidade de ocorrer novamente situação semelhante a do holocausto. A história muitas vezes se repete, por isso é importante lembrarmos ela e fazer este alerta para que possamos evitar tragédias como essa. Disponível em: <http://www.brasilescola.com/historiag/holocausto.htm>. Acesso em: 21 set. 2014.
173
IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas,
sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país.
Nesse prisma, Diógenes Gasparini (2001, p. 614), verbaliza que a intervenção do
Estado no domínio econômico pode ser conceituada como “todo ato ou medida legal
que restringe, condiciona ou suprime a iniciativa privada em dada área econômica, em
benefício do desenvolvimento nacional e da justiça social, assegurados os direitos e
garantias individuais”.
No que tange ao setor dos recursos humanos, o trabalho, por exemplo, só pode
ser digno se for seguro e saudável. A segurança e saúde no trabalho correspondem
exatamente à categoria da proteção social. E a existência de um diálogo social bem
sucedido é uma das principais ferramentas para tornar o trabalho seguro e saudável
(GASPARINI, 2001).
Nessa conjuntura, importa expor que o combate à pobreza é um fator
fundamental da Agenda do Trabalho Digno da Organização Internacional do Trabalho
(OIT) e a melhoria das condições de trabalho poderá contribuir para a realização desse
objetivo. Muitos dos trabalhadores mais pobres do mundo sofrem as condições de
trabalho mais insalubres e menos seguras. A melhoria desta situação irá fazer progredir
as condições desses trabalhadores e poderá contribuir também para grandes aumentos
de produtividade (OIT, 2007).
DIREITO AO TRABALHO
‘O trabalho dignifica’. Este trabalho não é qualquer trabalho. Deve ser um
trabalho decente, que mantenha os trabalhadores livres, cuja remuneração seja suficiente
para a sobrevivência do trabalhador. Como afirma Campos (2011, p. 18) ao definir o
Direito ao Trabalho:
O direito não se refere apenas ao trabalho, pura e simplesmente, mas sim ao
trabalho decente, que se caracteriza por ser realizado em condições de
liberdade, igualdade e segurança, bem como mediante remuneração capaz de
garantir existência digna aos trabalhadores e a suas famílias. Mais uma vez,
surge aí o atributo da dignidade, próprio dos direitos humanos e, mais
especificamente, do trabalho decente – que, dessa forma, deve ser promovido
por políticas diversificadas, articuladas, permanentes, universais e dotadas de
prioridade no rol de iniciativas estatais.
174
De acordo com o mesmo autor, esse direito também não tem caráter de
obrigatoriedade, ou seja, o indivíduo trabalha se quiser. Cabe ao Estado assegurar
oportunidades de trabalho e, ao cidadão, usufruí-las caso deseje.
Esse direito envolve também a ideia de remuneração suficiente para a
sobrevivência digna do trabalhador. Deve-se, no entanto, levar em conta que meramente
sobreviver não nos proporciona uma vida digna. Relacionada a isso, há uma situação
abordada por Maia (2014, s/p) que merece atenção:
Dos 40 maiores resgates de trabalhadores em condições análogas à
escravidão nos últimos quatro anos, 36 envolviam empresas terceirizadas,
segundo levantamento do cientista social Vitor Filgueiras, do Centro de
Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp.
Este dado demonstra que o trabalhador terceirizado muitas vezes sofre sérios
abusos. Desde baixos salários a doenças e mortes decorrentes da função, como também
elucida Maia (2014, s/p):
Hoje há 48,9 milhões de trabalhadores formais no País, segundo a Relação
Anual de Informações Sociais do Ministério do Trabalho em 2013. A parcela
de 25% de terceirizados recebe salários inferiores àqueles dos contratados
diretos para as mesmas funções, tem menos benefícios, está mais sujeita a
acidentes, à violação de direitos trabalhistas e ao trabalho em condições
análogas às da escravidão.
Apesar disso, o deputado peemedebista e empresário Sandro Mabel criou o
Projeto de Lei nº 4330 de acolhimento da terceirização em todas as atividades dos
setores privado e público, pois esta representa diminuição de custos salariais para as
empresas. Ora, como destaca a secretária da Central Única dos Trabalhadores (CUT),
Maria das Graças Costa (apud MAIA, 2014, s/p.): “o que está em debate é a destruição
ou a preservação de tudo o que construímos nos últimos cem anos de lutas trabalhistas
no Brasil”. Visando o lucro, muito do que foi conquistado com a Consolidação das Leis
Trabalhistas (CLT) é, por vezes, ignorado e quem perde é o trabalhador (MAIA, 2014).
No que se refere ao direito ao trabalho, também vale ressaltar que este tem
ligação com diversos aspectos da vida social, inclusive à classe social em que cada um
se insere. Existe, então, relação entre trabalho e identidade. Como diz a cultura popular,
o trabalho faz com que ‘sejamos alguém no mundo’. Essa ideia possui uma parcela de
sensatez. Porque, atualmente, o trabalho define o nosso lugar na sociedade, na medida
175
em que existem categorias trabalhistas melhor vistas e remuneradas, e outras
desprezadas, tornando o trabalhador alvo de preconceito e marginalização. Catadores de
lixo, dentre inúmeros exemplos, não são bem vistos, sofrem preconceito e não ganham
o suficiente. Dessa forma, este pode não ser considerado um trabalho decente, já que
não proporciona uma existência digna ao trabalhador, que será, possivelmente, excluído
do meio social.
Portanto, Direito ao Trabalho abarca a noção de trabalho decente, e não mera e
simplesmente trabalho. E trabalho decente é trabalho digno. Ou seja, livre, seguro,
igual, mediante remuneração suficiente para uma vida digna.
DIGNIDADE E CAPITALISMO
Para visualizarmos esta ideia, basta pensar na ‘correria’ da vida nas cidades:
trabalhamos para ganhar dinheiro, para logo consumir. E não ficamos satisfeitos,
queremos consumir mais e mais, e assim temos de trabalhar mais, em um ciclo vicioso.
A isso se dá o nome de alienação.
Percebam que essa alienação é tão profunda que o entendimento de que ‘o
trabalho dignifica o homem’ é quase inato, parece que o sabemos desde sempre. Pois é a
partir do trabalho que obtemos o que necessitamos para viver. É através dele que
podemos escalar os Everests da vida e nos desviar dos icebergs no mar agitado do nosso
dia a dia. Isso nos dizem.
No entanto, o trabalho assalariado por vezes é escasso. Há verdadeira
competição por vagas, visto que a maior parte das empresas vem trocando a mão de
obra humana por máquinas. O que tende a se agravar, conforme evolui a tecnologia.
Na realidade, em nossos dias o maior trabalho que o homem pode ter é o de
encontrar trabalho e, quando o encontra, este vem munido de um salário mesquinho e
miserável. Ao invés de dignificar o homem, escraviza-o, roubando-lhe todo o seu tempo
e suas energias, que poderiam ser dispensados em algo enriquecedor de verdade, como
o convívio familiar e a educação.
Disso se infere que o trabalho só dignifica o homem quando este pode usar seus
frutos a seu favor, quando pode tirar proveito dele. E não como vemos em nossos dias:
pessoas sendo ‘sugadas’ pelos seus empregos, que tiram sua liberdade de lazer e lhes
fecham a porta para a educação, mantendo-as prisioneiras e tornando-as apenas
sobreviventes, ao invés de possibilitá-las melhores condições de vida.
176
Para o trabalhador, a única dignidade que encontra no trabalho é a de não trocar
sua honra surrupiando o dinheiro alheio, mas, conservar sua consciência tranquila, a
ponto de poder dormir amparado pela certeza de que foi merecedor de cada centavo e de
muito mais, apesar da miopia egocêntrica de seus superiores não permitir que veja o
quanto seus funcionários são indispensáveis para continuarem a manter, por vezes, certa
arrogância.
A dignidade do trabalho nos tempos capitalistas também pode ser bem
vislumbrada a partir da explanação de Pereira:
[...] infelizmente na atualidade, vivemos numa sociedade de valores
invertidos. O imediatismo, o consumismo, o individualismo e a busca
desenfreada por lucros, tomaram conta da grande parcela da sociedade a
corrompendo. A busca pelas vantagens sobre o outro superam os limites
humanos, prova disto é o quadro de trabalhadores em situação de escravidão
ou análoga a esta, ainda existente no território brasileiro, situação que agride
profundamente a dignidade humana (2013, s/ p.).
Nesse sentido, pensavam Marx e Engels5. Para eles, em um princípio, o trabalho
proporcionava a inserção do homem no meio social e o humanizava. Entretanto, ao
5 Em meados do século XIX, ao formularem suas premissas acerca das mudanças da história Karl Marx e Frederich Engels, romperam com o que chamavam de idealismo, concepção pela qual o ponto de partida de toda a história seriam as idéias ou os conceitos. (...) Ao romperem com essa concepção formulam o Materialismo Histórico, como um método científico de análise da história, partindo não mais das idéias, mas da realidade concreta. A premissa de toda história dos homens é o fato da existência destes, enquanto seres vivos reais, nesta premissa funda-se o materialismo histórico. Dessa forma, os pensadores procuraram investigar quais as reais condições de existência da humanidade, para poderem explicar a realidade. Para compreender a história Marx e Engels precisavam descobrir a essência humana, o que o tornava um ser, distinto dos demais. Nesta investigação surge uma das categorias mais importantes do materialismo histórico, sobre a qual Marx e Engels desenvolveram todo o seu conceito de homem e de sociedade: o trabalho. (...) Para Marx e Engels, o trabalho era a forma de mediação entre o homem e a natureza, o que o leva a relacionar-se com a natureza e interagir-se com ela no sentido de consolidar a sua própria condição de existência. É através do trabalho que o homem se constitui enquanto ser social e relaciona-se com os outros homens. (...) Assim, entende-se que, o trabalho pode ser considerado como o momento crucial da vida humana, o ponto de partida do processo de humanização. Contudo, a sociedade capitalista o transforma em trabalhador assalariado, alienado, produto do trabalho fetichizado. O que era uma finalidade central do ser social converte-se em meio de subsistência. O que deveria ser uma libertação torna-se uma necessidade. A força de trabalho é considerada mercadoria - ainda que especial - cuja finalidade é produzir novas mercadorias e valorizar o capital. (...) Nesse sentido, percebe-se duas faces do trabalho. A que dignifica o homem, proporcionando-lhe realização e participação do projeto e realização do produto do seu trabalho. Como afirma Aristóteles, o trabalhador não é apenas a causa eficiente, ele participa também da destinação, da causa final do seu trabalho, além da escolha da causa material e formal. Sob esse prisma, o trabalho é uma atividade tipicamente humana, ou seja, o homem busca constantemente a perfeição, o trabalhador faz uso da sua razão. Por outro lado, tem-se a questão do trabalho que danifica o homem, ou seja, o trabalho que aliena o homem ou escraviza-o. O trabalhador perde o controle sobre o projeto do trabalho e sobre os seus benefícios: isto é alienação do trabalho, onde as tarefas, para o homem,
177
surgir o capitalismo, o homem seria ‘coisificado’, tornar-se-ia ‘um meio à mercê do
capital’ (HD ASSESSORIA, 2013). Esse é o trabalho que aliena e escraviza, no qual as
tarefas são repetitivas e monótonas.
Diante dos ideais de Marx e Engels, percebemos que o trabalho possui dois
lados, um que humaniza e outro que nos torna mero instrumentos da máquina
capitalista. É preciso, então, levarmos em conta que somos seres humanos, acima de
tudo, e que o lucro não deve ser a prioridade. O homem, quando alienado e escravizado,
perde o que lhe torna humano, deixando de aproveitar o que realmente importa na vida e
passando a viver em busca de dinheiro. Sobretudo, devemos amar uns aos outros, de
forma a não reduzir outros iguais a nós a escravo e impedir que o façam.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o presente trabalho, fica claro que todos os direitos sociais estão
intimamente ligados à Dignidade da Pessoa Humana. Ademais, percebe-se que cabe ao
Estado garantir que tais direitos sejam aplicados adequadamente para todos os cidadãos.
Entretanto, há um abismo entre a norma e a práxis governamental. Afinal, não é
falacioso afirmar que o os governantes não têm conseguido garantir esse ‘mínimo
constitucional’, basta observarmos os inúmeros trabalhos indignos (escravo, infantil,
sexual) que permeiam a sociedade atualmente. O trabalho, para ser digno, necessita
atender aos direitos constitucionalmente previstos.
Da mesma forma verificamos que a dignidade não é adquirida por meio do
trabalho. Ela é, para alguns pensadores, inata a todo ser humano, além de nos ser
garantida legalmente. Porém, mais uma vez, a prática é diferente da norma. Através da
ideia de que ‘o trabalho dignifica’, o capitalismo faz das pessoas meio para alavancar o
consumo, girando o capital e favorecendo uma minoria privilegiada. Em vez de tratá-las
como fim, trato de fato digno.
Ademais, destacamos dentre os trabalhos indignos a terceirização da qual resulta
a maioria dos resgates de trabalhadores em condições análogas à de escravo. E, apesar
disso, o Projeto de Lei nº 4330 pretende abrangê-la para todas as atividades dos setores
tornam-se repetitivas e monótonas. (...) A afirmação como a negação do trabalho é produzida pela práxis de sujeitos históricos concretos, criando assim uma cadeia temporal de alternativas, de escolhas e de determinações, que marcam tanto o processo de alienação, quanto de humanização dos homens.” Disponível em: <http://hdassessoriaacademica.blogspot.com.br/2010/11/trabalho-dignifica-ou-danifica-o-homem.html>. Acesso em: 21 set. 2014.
178
públicas e privadas, em busca de reduções de custo para as empresas. E, desse modo, o
trabalhador se torna mero meio.
Assim, investigar e divulgar pesquisas como esta pode servir de suporte para
esclarecer a sociedade acerca dos seus direitos, porque, ao contrário do que se diz, as
pessoas não sabem dos seus direitos. Então, os cidadãos precisam saber quais são os
seus direitos para perceberem quando estes estão sendo violados e tomarem as medidas
cabíveis.
Em suma, urge um poder judiciário atuante e eficaz, capaz de refrear decisões
administrativas da economia nacional, permitindo tanto o crescimento econômico como
o desenvolvimento social, o que resulta na obtenção da finalidade maior do Estado que
é o atendimento ao princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Assim, estar-se-á
valorizando o ser humano, e não os bens materiais que, presentemente, são buscados
maquiavelicamente6 pelos capitalistas.
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6 “Quando ouvimos alguém falar que certa pessoa é maquiavélica, acabamos deduzindo que o indivíduo referido é inescrupoloso e não mede consequências para conseguir realizar seus objetivos. Este fato tem origem no adjetivo em questão, que saiu do nome de Nicolau Maquivel, um dos mais importantes estudiosos políticos que já existiu. As ideias de Maquiavel vieram da prática e da observação, pois isso são consideradas de certa forma mais realistas e adaptáveis às condições do homem. Um das ideias de Maquiavel era de que os mais hábeis deveriam usar as ideias religiosas para governar o povo, arrancando dos homens a sua maldade intríseca e torná-los bons.” Disponível em: <http://www.infoescola.com/biografias/nicolau-maquiavel/>. Acesso em: 21 set. 2014.
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180
19
A MAIOR TRAGÉDIA TRABALHISTA DO RS: O INCÊNDIO DA
BOATE KISS
Diogo William Ferreira da Silva1 Edineia Chaves Franz2 Mírian Verônica
Franz3
INTRODUÇÃO
De início, releva expor que uma tragédia de grande proporção como esta que
ocorreu no dia 27 de janeiro deste ano, que ceifou 242 jovens vítimas, provoca os mais
diversos sentimentos. Nesse sentido, a partir da divulgação em veículos de massa,
estabeleceu-se na sociedade uma necessidade atroz de encontrar os culpados.
Entretanto, a mídia propagou bastante a respeito das vítimas que eram clientes do
estabelecimento e pouco ou nada se falou sobre os funcionários que lá perderam suas
vidas. Ocorre que este acidente está sendo classificado como o maior acidente
trabalhista do Rio Grande do Sul.
Diante disso, cabe perquirir quem responde legalmente pelo ocorrido. Devido a
isso, este trabalho busca descobrir qual a responsabilidade da União em relação ao caso
em questão e seus agentes Auditores Fiscais do Trabalho e Emprego. Então, pergunta-se
será que, se tivesse sido feita a fiscalização para verificar as condições do trabalhador
no local do trabalho, teria sido possível evitar a tragédia?
Assim, propõe-se, aqui, um estudo do nexo causal através responsabilidade dos
Agentes em relação o incêndio na boate. Para tanto, o método de pesquisa elegido é a
pesquisa bibliográfica e qualitativa. Dessa maneira, espera-se instigar a reflexão e
elucidação de alguns aspectos ainda obscuros a respeito do ocorrido, para evitar que
acidentes dessa grandeza jamais aconteçam novamente.
RESUMO DO OCORRIDO
Para melhor entendimento do assunto. Faz-se necessário relembrar o sinistro
evento que ocorreu na conhecida na rua dos Andradas, no centro da Cidade
Universitária, Santa Maria-RS, entre 2h e 3h da madrugada do dia 27 de janeiro de
2013. Naquela funesta noite, tudo parecia normal na balada, até que, durante o show ao
1 Acadêmico do Curso de Graduação em Direito (FAPAS), [email protected]. 2 Graduada em Letras (UFSM); Aluna do Curso de Especialização em Gestão Pública (UFSM); Acadêmica do Curso de Graduação em Direito (FAPAS), [email protected]. 3 Acadêmica do curso de Direito (FADISMA), endereço eletrônico: [email protected].
182
vivo da Gurizada Fandangueira, um dos músicos acendeu um artefato pirotécnico no
palco da recém reformada Boate Kiss. Tal objeto soltou fagulhas que atingiram as
esponjas do teto do palco, dando início ao incêndio da casa noturna que resultou 242
vítimas fatais até então, sendo que destas 22 eram trabalhadores que lá tentavam ganhar
a vida de forma honesta.
Como o incêndio foi de grande proporção, logo conquistou as manchetes da
mídia, tendo repercussão internacional. De acordo com dados, esta classifica-se como a
quinta maior tragédia da história do Brasil, a maior do Rio Grande do Sul, a de maior
número de mortos nos últimos cinquenta anos no Brasil e o terceiro maior desastre em
casas noturnas no mundo. E, de acordo com o CREA-RS, é também a maior tragédia
trabalhista da história do RS.
A Polícia Civil indiciou, na apresentação de seu inquérito policial, o 16 pessoas
criminalmente e responsabilizou outras 12, pois chegou a seguinte conclusão a respeito
da(s) causa(s):
- O vocalista segurou um artefato pirotécnico aceso no palco;
- As faíscas atingiram a espuma do teto e deram início ao fogo;
- O extintor de incêndio do lado do palco não funcionou;
- A Kiss apresentava uma série das irregularidades quanto aos alvarás;
- Havia superlotação no dia da tragédia, com no mínimo 864 pessoas;
- A espuma utilizada para isolamento acústico era inadequada e irregular
- As grades de contenção (guarda-corpos) obstruíram a saída de vítimas;
- A casa noturna tinha apenas uma porta de entrada e saída;
- Não havia rotas adequadas e sinalizadas de saída em casos de emergência;
- As portas tinham menos unidades de passagem do que o necessário;
- Não havia exaustão de ar adequada, pois as janelas estavam obstruídas.
De acordo com Toledo (et al. 2013), em dados coletados pelo Estadão Dados,
chegou-se à conclusão que, em poucos minutos, 12.412 é o número de anos que foram
impedidos de serem vividos pelos jovens que lá perderam a vida. O estudo apontou
ainda que
[...] as idades de 232 das 239 vítimas. O resultado mostra que a maioria dos
que morreram no incêndio não completara 22 anos de vida. O mais novo
entre eles, o estudante de Agronomia Pedro de Oliveira Salla, tinha 17 anos, e
a mais velha, Geni Lourenço da Silva, a monitora dos banheiros da boate,
tinha 55 anos. A idade mais frequente entre os que não sobreviveram ao
incêndio era de 18 anos.
183
Com isso, fica claro que morreram jovens frequentadores e funcionários do local
também. Acredita-se que todos estavam lá confiavam que o local oferecia a segurança
necessária para poder estar em funcionamento. No entanto, as perícias feitas revelam
que as condições do local não eram as mais adequadas, como se verifica no capítulo a
seguir.
LAUDO DO CREA-RS SOBRE A BOATE KISS
Primeiramente, antes de emitir qualquer opinião, é preciso tomar ciência do que
sucedeu naquela funesta noite de janeiro. Impossível negar que esta trata-se de uma das
maiores tragédias do país com base no número de vítimas fatais. Isso posto, importa
frisar que a maioria dos mortos eram clientes da boate Kiss, no entanto, 22 dos 242 que
faleceram eram funcionários do referido estabelecimento.
Para o Direito do Trabalho, tal acontecimento é de suma importância, uma vez
que, conforme publicação do jornal Diário de Santa Maria (2013, s.p.),
O incêndio na boate Kiss, em 27 de janeiro, é, provavelmente, o acidente de
trabalho com maior número de trabalhadores mortos da história do Estado,
segundo estudo recente feito pelo Ministério Público do Trabalho (MPT). No
total, 22 pessoas, entre funcionários da casa noturna, profissionais
terceirizados e músicos que se apresentavam naquela madrugada no local
morreram em decorrência da tragédia.
Na opinião do coordenador da comissão do Crea-RS (Conselho Regional de
Engenharia e Agronomia do Rio Grande do Sul, 2013), Luiz Carlos Filho, a tragédia
incidida na Boate Kiss deve-se a uma série de erros advindos da falta de prevenção e
defeitos sistêmicos de legislação e de normas imprecisas. Desse modo, tal coordenador
verbaliza que grande parte da sensação de segurança que existia no Brasil, até a noite
fatídica, devia-se ao sucesso das medidas adotas na década de 1970 quando ocorreram
grandes incêndios no país.
Nessa perspectiva, releva esclarecer que o referido relatório fora confeccionado
com base em informações colhidas junto à prefeitura de Santa Maria, Corpo de
Bombeiros de Santa Maria e, também, a partir de uma visita ao local no dia 31 de
janeiro deste ano. De acordo com o presidente do órgão, Luiz Alcides Capoani, a
tragédia foi causada por erros: "Prédio não cai sozinho. O que ocorreu em Santa Maria
foi uma sucessão de erros dos mais primários".
184
Além disso, de acordo com o relatório emitido pelo CREA-RS, um dos
principais problemas vislumbrados foi o despreparo dos funcionários para lidar com o
sinistro:
Essa falta de preparo foi um componente importante que agravou as
deficiências do sistema de evacuação. Ao contrário, ao demorar para liberar
as portas de saída, buscando verificar se pagamentos de despesas haviam sido
efetuados, a equipe de segurança acabou contribuindo para o aumento de
vítimas.
O treinamento deve ir além do já exigido pela legislação Estadual e
Resolução Técnica do Corpo de Bombeiros e Normas Brasileiras da ABNT.
Todo funcionário deve ter certificação e treinamento básico em gestão de
emergências e primeiros socorros. Medidas devem ser tomadas para fiscalizar
se o treinamento é dado de forma regular a toda as equipes, especialmente as
de segurança (CREA, 2013, p. 05).
Assim, fica evidente que faltaram muitas providências para evitar este evento
catastrófico, indo desde a preparação adequada dos trabalhadores até a fiscalização dos
órgãos governamentais que tinham o dever e, consequentemente, a responsabilidade de
evitar tal acontecimento. Afinal, é bem verdade que um sinistro de tal proporção,
indubitavelmente, sucede por uma série de falhas, indo desde a estrutura e material
inadequado até a falha humana, seja esta por omissão dos proprietários, inépcia dos
funcionários ou ainda pela falta de intervenção dos órgãos de fiscalização e
regulamentação de empresas.
Nesse sentido, conforme o relatório do Crea-RS (2013), inexiste registro de que
os donos da Boate Kiss tivessem contratado um profissional para fazer o Plano de
Prevenção Contra Incêndio (PPCI), que assumisse como responsável técnico do local.
Desse modo, fica evidente que a casa noturna atuava sem o mínimo de precauções
necessárias para evitar danos aos frequentadores ou funcionários daquele ambiente.
Ao analisar a legislação estadual do Programa de Proteção contra Incêndios,
teoricamente, o PPCI bastaria para as edificações estarem seguras para os trabalhadores
e clientes da boate.
No entanto, além de um bom projeto, é preciso segui-lo rigorosamente e ter
fiscalização permanente da pós-ocupação, principalmente em locais de
reunião de público. Toda vez que houver modificações na edificação que
possam comprometer a segurança contra incêndios, deve-se fazer um novo
PPCI, sempre com a assinatura dos responsáveis (SANTUCCI, 2013, p.20).
185
Nessa ótica, o relatório do CREA afirma que:
O interior do prédio apresentava vários ambientes interligados por passagens.
Além disso, havia barreiras físicas de guarda-corpos metálicos na frente dos
bares para organizar o seu acesso e antes da porta de saída da edificação. A
sinalização de emergência não era adequada para permitir uma saída
organizada com rapidez e segurança por ocasião de um incêndio (CREA-RS,
2013, p. 30).
No que concerne à preocupação com a segurança do local, o coordenador da
Comissão de Especialistas, Eng. Luiz Carlos Pinto da Silva Filho, asseverou que não foi
encontrado nenhum registro do projeto, que deveria ter um responsável técnico,
engenheiro ou arquiteto. Além disso, o coordenador assinalou como as causas do
incêndio: o revestimento acústico inflamável e o uso de material pirotécnico: “Na
realidade, uma série de falhas para que o sinistro tivesse tomado grandes proporções,
como a falha no extintor e ainda ausência de treinamento e de comunicação dos
trabalhadores, entre outros [...] (SANTUCCI, 2013, p. 24)”.
Quanto ao comportamento de risco, como resultante do relatório auferido pelo
CREA-RS, tem-se cinco condutas, as quais foram fundamentais para criar
circunstâncias propícias para o incêndio, proporcionando um verdadeiro massacre, são
elas:
a) Em torno de março de 2012, quando houve uma reforma com ART
registrada no CREA-RS, foi efetuada a incorporação de material inflamável,
sem que fossem notificadas as autoridades, em especial o Corpo de
Bombeiros. Isso seria uma demanda urgente, pois envolvia aumento da carga
de incêndio. Isto é uma negligência séria, pois qualquer reforma demanda
imediatamente a solicitação de novo Alvará, pedido que só aconteceu após a
perda de validade deste. Em outras palavras, um novo PPCI deveria ser
iniciado imediatamente após a reforma efetuada. Não existe ainda registro de
que isso tenha ocorrido até a perda de validade do alvará emitido em agosto
de 2011, que era válido até agosto de 2012;
b) A boate aparentemente operava com lotação acima da prevista no PPCI,
usada como referência para verificar a dimensão necessária das saídas de
emergência;
c) As rotas de fuga foram obstaculizadas com elementos metálicos, tanto
internamente quanto externamente, o que reduziu sua capacidade de
escoamento de pessoas, causou atrasos na evacuação e provocou quedas e
ferimentos aos usuários que tentavam escapar do incêndio;
186
d) Houve apresentação da banda com Show Pirotécnico sem que houvesse
licença específica das autoridades para tanto;
e) Não havia saídas alternativas de emergência na edificação.
No relatório do CREA-RS, consta que o Alvará de Prevenção e Proteção Contra
Incêndio do estabelecimento para a Boate Kiss foi emitido em 28/08/2009, válido por
um ano, isto é, antes da elaboração e análise do PPCI e da liberação do Alvará dos
Bombeiros, foi concedida Licença de Operação. Além disso, consoante indicações
verificada nos documentos obtidos pelo CREA-RS, o mesmo fora concedido com base
no PPCI 3106/1, de 26/06/2009.
No referido PPCI, utilizou-se uma metragem de 615 m2. A partir disso, o alvará
de Prevenção e Proteção contra Incêndio foi emitido em 28 de agosto de 2009, sendo
empregada a ferramenta de gestão de PPCI, denominada Sistema Integrado de Gestão
da Prevenção de Incêndio (SIGPI).
Com isso, o CREA-RS constatou que no caso da boate Kiss houve deficiência
que deve ser esclarecida e sanada. Comumente, para áreas inferiores a 750 m2 de
edificação, a legislação estadual vigorante isenta a apresentação de PPCI completo, com
ART emitida por profissional habilitado, para subsidiar a emissão do alvará. Isso ocorre
porque acredita-se que, nesses casos, pode ser usado o chamado Processo Simplificado
de Prevenção e Proteção contra Incêndio. Nesse sentido, releva trazer à luz um histórico
dos PPCIs da Boate Kiss
Porém, no caso de boate ou clube noturno, a edificação é automaticamente
enquadrada na Classe F-6 da norma NBR 9.077 (cujo atendimento é
explicitamente demandado nas Legislações Estaduais e Municipais). Nesses
casos, conforme regulamentação do Corpo de Bombeiros, é obrigatória a
apresentação de PPCI completo, independentemente da área. A Portaria nº
64/1999 do Corpo de Bombeiros estabelece que o PPCI completo deve ter
ART do responsável técnico. Ou seja, o proprietário deveria contratar um
profissional habilitado para elaborar o mesmo. Não foi localizada nenhuma
ART associada ao PPCI ou a qualquer Projeto de Segurança contra Incêndio
e Pânico nos bancos de dados do CREA-RS. Portanto, apesar de demandado
pela legislação vigente, o proprietário não contratou responsável técnico para
esse serviço.
Provavelmente foi aproveitada a facilidade do Sistema SIGPI, criado para
agilizar a emissão dos Alvarás de Prevenção e Proteção contra Incêndios, e
usado pela maioria dos municípios do RS, para gerar um PPCI sem que
fossem cumpridas todas as demandas legais (SANTUCCI, 2013, p. 24).
187
Atualmente, há muitas resoluções e normas ineficazes para a efetiva prevenção
de tragédias. Devido a isso, quando um acontecimento de tal esfera ocorre, uma das
primeiras soluções vislumbradas pelas autoridades é a reformulação ou criação de
normas.
A respeito disso, Luiz Carlos Pinto da Silva Filho afirma que tudo depende de
quanto a sociedade está disposta a se arriscar e assegura que essa decisão não é somente
de cunho técnico, mas social e política também, uma vez que esta engloba custos
econômicos. Entretanto, a que se ressaltar que “Santa Maria mostrou que não podemos
ser permissivos com a segurança (SANTUCCI, 2013, p. 24)”.
Falhas e Deficiências Sistêmicas foram apontadas também, na apreciação do
Engenheiro Civil Carlos Wengrover, coordenador do Comitê Brasileiro de Segurança
contra Incêndio da ABNT – Núcleo RS e membro do Conselho Consultivo da Ares.
Segundo o engenheiro, a combustão de materiais de revestimento à base de poliuretano
não tratado e outros origina gases tóxicos, cuja inalação próxima aos locais onde são
gerados, a altas temperaturas em torno de 400º, provoca morte quase instantaneamente.
Nesse diapasão, cabe destacar que não há regulamentação quanto ao controle de
fumaça em locais fechados. Isso pode ser verificado a seguir:
[...] a legislação estadual é claramente omissa quanto às exigências de
sistemas de controle de fumaça nos ambientes de reunião de público, quer
seja pela aplicação de materiais de revestimento com características de pouca
geração de fumaça, quer seja por sistemas naturais ou forçados de exaustão
desta. Em outras palavras, não existem requisitos específicos que garantam
altura mínima livre de fumaça nas rotas de fuga externas às escadas de
emergência, que neste caso não existiam (SANTUCCI, 2013, p. 27).
Perante o acidente ocorrido, a Associação Nacional de Engenharia de Segurança
do Trabalho (Anest) defende a criação de uma nova legislação nacional bem como
acredita que participação dos engenheiros de segurança nos projetos e sistemas de
proteção contra incêndio e pânico são condições essenciais para que tais acidentes não
se reproduzam.
Nessa ideia, tal associação chama a atenção da sociedade e exige das autoridades
competentes a célere conclusão dos inquéritos e laudos técnicos a fim de que os
responsáveis possam ser encontrados e que lhes seja aplicada a devida sanção. Nesses
moldes, a entidade sugere a criação de nova legislação nacional para que a proteção
188
contra incêndios incida de forma mais eficaz, algumas das modificações são
(SANTUCCI, 2013, p. 27):
a) Aprovação imediata de lei, no Congresso Nacional, que contemple a
obrigatoriedade de Códigos Estaduais de Segurança Contra Incêndio e
Pânico.
b) Incluir, no projeto de lei federal retromencionado, a obrigatoriedade da
exigência de profissional, habilitado no Conselho Regional de Engenharia e
Agronomia (CREA), nas fases de elaboração, execução e análise de projetos
e de sistemas de proteção contra incêndios e pânico, antes da liberação do
alvará de funcionamento da prefeitura, bem como o cumprimento das normas
da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).
c) Definir com clareza as responsabilidades da prefeitura e do Corpo de
Bombeiros no cumprimento das fiscalizações periódicas.
Com isso, fica evidente a falha de muitos profissionais no exercício de suas
profissões, além da omissão do Estado que tem o dever de garantir que os locais abertos
ao público sejam seguros e próprios para o uso humano. E isso não deve ocorrer apenas
com a criação de normas regulamentadoras, mas também com a fiscalização adequada.
Assim, no próximo capítulo, tratar-se-á da responsabilidade da União no caso em tela.
RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DA UNIÃO PELA
FISCALIZAÇÃO DO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO
Em casos de grande proporção em que vidas são ceifadas “num piscar de olhos”
de forma avassaladora, é impossível encontrarmos um só culpado. Assim, também
ocorre no caso em questão. Afinal, é inegável que há os donos da boate que não foram
precavidos o suficiente, os músicos que usaram material pirotécnico inadequado, os
seguranças que não tinham o devido treinamento, os usuários que se sujeitavam a
frequentar um local acima da capacidade de lotação e, também, os órgãos de
fiscalização que permitiram o funcionamento do estabelecimento mesmo sem estar de
acordo com o padrão estabelecido em lei.
Nessa linha de raciocínio, o defensor público geral do Estado Milton Arnecke
Maria (GLOBO, 2013, s.p.) assegura
A responsabilidade do Estado deriva da atuação falha do Corpo de
Bombeiros em relação à vistoria da casa noturna, e a prefeitura
aparentemente não fiscalizou da maneira adequada e concedeu o alvará para
um estabelecimento irregular.
189
Nessa perspectiva, importa esclarecer que, em entrevista para o jornal O Globo
On-line, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores no comércio hoteleiro, bares e
similares (SECOHTUR) afirmou que: “os funcionários eram expostos a condições
precárias de segurança e ruídos excessivos (2013, s.p.)”. Tal fala demonstra a falta de
fiscalização daquele espaço de trabalho. Com isso, evoca-se os direitos não só em
relação aos trabalhadores, mas também às pessoas que estavam naquele local,
especialmente, no que tange ao princípio da responsabilidade objetiva da União.
A responsabilidade civil estatal, neste caso, está prescrita na lei,
[...] as pessoas jurídicas de direito publico e as de direito privado prestadoras
de serviços públicos responderão por danos que seus agentes, nessa
qualidade, causarem a terceiros, assegurando o direito de regresso contra o
responsável nos casos de dolo ou culpa (art. 37 6° inciso, CF/88).
Os agentes que estarão em pauta nesse estudo serão os relacionados à
fiscalização do trabalho. Com isso, fazendo o nexo de responsabilidade, no que se refere
à omissão e à negligência, remetendo-se a uma estrutura que poderia ter amenizado os
danos ou até mesmo fazendo-o não existir, esse mecanismo estatal seria a relação de
trabalho que existiria naquele local onde a União deveria “organizar, manter e executar
a inspeção do trabalho (Art. 21, XXIV, CF/88)”.
Acerca da responsabilidade civil, no que se refere à indenização, Cavalieri Filho
assim pontua:
A violação de um dever jurídico configura o ilícito, que quase sempre
acarreta dano a outrem, gerando um novo dever jurídico, qual seja, o de
reparar o dano. Há, assim, um dever jurídico originário, chamado por alguns
de primário, cuja violação gera um dever jurídico sucessivo, também
chamado de secundário, que é o de indenizar o prejuízo (CAVALIERI
FILHO, 1998, p. 19-20).
Nessa esfera, cabe ilustrar com este excerto de uma jurisprudência do STJ
quando enfrentou a questão ao apreciar o Resp 1.101.213-RJ, da relatoria do Min.
Castro Meira, julgado em 02/04/2009. O caso dessa jurisprudência trata-se de avós que
pleiteavam indenização pela morte da neta, ocorrida nas dependências da escola
municipal onde a infante estudava. Em seu voto, o Ministro assim pontuou:
É inegável o abalo emocional sofrido por parentes da vítima em razão da
morte tão prematura, absolutamente evitável e em local em que se espera
proteção, dedicação e cuidado dispensados a crianças de tão pouca idade. O
190
sofrimento pela morte de parente é disseminado pelo núcleo familiar, como
em força centrífuga, atingindo cada um dos membros em gradações diversas,
o que deve ser levado em conta pelo magistrado para fins de arbitramento do
valor da reparação do dano moral. Assim, os avós são legitimados à
propositura de ação de reparação por dano moral proveniente da morte da
neta. A reparação, nesses casos, decorre de dano individual e particularmente
sofrido pelos membros da família ligados imediatamente ao fato (art. 403 do
CC/2002). Assim, considerando-se as circunstâncias do caso concreto e a
finalidade da reparação, a condenação ao pagamento de danos morais no
valor de R$ 114.000,00 para cada um dos pais, correspondendo à época a 300
salários mínimos, e de R$ 80.000,00 para cada um dos dois avós não é
exorbitante nem desproporcional à ofensa sofrida pelos recorridos pela perda
da filha e neta menor em tais circunstâncias” (Informativo de Jurisprudência
do Superior Tribunal de Justiça nº 0389).
Nesse viés, consoante Martins (2008, p. 123) “A fiscalização trabalhista costuma
fazer inspeção mesmo antes da entrada em funcionamento do estabelecimento do
empregador”, assim, com o comprimento dessa tarefa, asseguraria os direitos sociais,
previstos para “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde,
higiene e segurança (art. 7°, XXII, Constituição Federal/88)”. Ainda, na visão de
Martins (2008, 125), “A inspeção do trabalho é privativa dos agentes federais, e é
vedada a agentes do poder municipal ou estatal”.
Não houve falta de legislação em relação à matéria alvo da problemática, porque
“cabe ao Ministério do Trabalho estabelecer disposições complementares às normas
[...], tendo em vista as peculiaridades de cada atividade ou setor trabalho, especialmente
sobre (art. 200, caput, CLT/43)”, o que ocorreu na Boate Kiss, que na previsão legal, a
responsabilidade do Ministério do trabalho em regulamentar sobre a “proteção contra
incêndio em geral e as medidas preventivas adequadas, com exigências ao especial
revestimento de portas e paredes, construção de paredes contra fogo, diques e outros
anteparos, assim como garantia geral de fácil circulação, corredores de acesso e saídas
amplas e protegidas, com suficiente sinalização (art. 200, IV, CLT/43)”.
A regulamentação está expressa na Norma Regulamentadora 23 (NR 23), a
execução de fazer essa norma ter real utilidade prática, a sociedade, protegendo-a dos
males da não execução destas, “incumbe às autoridades competentes do Ministério do
Trabalho, ou àqueles que exerçam funções delegadas, a fiscalização do fiel
cumprimento das normas de proteção ao trabalho” (art. 626, caput, CLT/43).
191
Além do mais, no que se refere à competência da fiscalização dos
estabelecimentos a fim de garantir a segurança e, consequentemente, a vida dos
funcionários e clientes, importa esclarecer que: “Compete especialmente às Delegacias
Regionais do Trabalho, nos limites de sua jurisdição: promover a fiscalização do
cumprimento das normas de segurança e medicina do trabalho (art. 156, CLT/43)”. Essa
fiscalização ocorre através dos auditores-fiscais do trabalho, os quais são incumbidos de
fiscalizar as NR se estas estão sendo aplicadas no ambiente de trabalho.
A respeito disso, a Organização Internacional do Trabalho defende, na sua
Convenção 81, o Fiscal do Trabalho tem de impor algumas obrigações ao inspecionado
a fim de fazer cumprir as normas legais de proteção do trabalho ou, até mesmo, para
prevenir ou interromper atividades ou situações que estejam colocando em risco a
integridade física dos trabalhadores.
A ação de agir, nessas ocasiões, “não se satisfaz o Direto com o desempenho
incompleto ou a destempo da competência” (GASPARINI, 2010) com a falta da ação,
vindo a dar respaldo à responsabilidade civil do Estado, pela inoperância da
fiscalização.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da constatação dessa grave falha do governo, abre o campo da
responsabilização indenizatório em relação à União, em favor das vítimas da tragédia.
Afinal, com esta pesquisa fica evidente que “A responsabilidade civil do Estado é aceita
universalmente. Tal consenso é expressado pela doutrina, pela jurisprudência e pela
legislação dos povos civilizados (GASPARINI,2010)”.
Também, nesse entendimento, a Lei Maior brasileira assim assevera: “é
assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano
material, moral ou a imagem (art. 5°, V, CF/88)”. Essa garantia está intrinsecamente
ligada à responsabilidade da União, porque “o servidor público atua com culpa quando
age com imprudência, imperícia, negligência ou imprevisão e causa um prejuízo a
alguém (GASPARINI, 2010)”, esse “alguém” se refere diretamente às vítimas, que
trabalhavam no local e as que usufruiam dos serviços da casa noturna.
Por fim, a ligação do nexo de responsabilidade objetiva da União, expressa-se na
negligência de fiscalizar, a NR 23 e na liberação do funcionamento daquele local pelos
Auditores Ficais do Trabalho. Esse fato é de suma importância, pois, se tal fiscalização
tivesse sido realizada, certamente os funcionários estariam salvos e, consequentemente,
192
os frequentadores da boate também. É preciso analisar e estudar o caso para que os erros
sejam corrigidos e tragédias dessa magnitude não se repitam.
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193
PROMOÇÃO E REALIZAÇÃO
194
INICIATIVA
Foro Trabalhista de Santa Maria
Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 4ª Região – AMATRA IV
Universidade Federal de Santa Maria – UFSM
Centro Universitário Franciscano - UNIFRA
Faculdade de Direito de Santa Maria – FADISMA
Universidade Luterana do Brasil – ULBRA
Faculdade Metodista – FAMES
Faculdade Palotina – FAPAS
Faculdade Antonio Meneghetti - AMF
OAB – Subseção Santa Maria/RS
Ministério Público do Trabalho
Procuradoria Regional do Trabalho da 4ª Região
APOIO:
Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA
Associação de Magistrados Brasileiros (AMB)
Escola Judicial do TRT da 4ª Região
Organização Internacional do Trabalho - OIT
Fundação Escola da Magistratura do Trabalho – FEMARGS
Ministério do Trabalho e Emprego
AJETRA
PATROCÍNIO:
195