Saude Brasil 2030
Transcript of Saude Brasil 2030
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Presidente da Repblica
Dilma Rousseff
Ministro da Sade
Alexandre Padilha
Ministro Chefe da Secretaria de Assuntos Estratgicos
da Presidncia da Repblica
Moreira Franco
Presidente da Fundao Oswaldo Cruz
Paulo Gadelha
Presidente do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada
Marcio Pochmann
O projeto Sade Brasil 2030 foi conduzido pela Fundao
Oswaldo Cruz (Fiocruz) mediante um acordo de cooperao
tcnica com a Secretaria de Assuntos Estratgicos da Presidncia
da Repblica (SAE), contando com a participao do Instituto de
Pesquisa Econmica Aplicada (Ipea) e o apoio financeiro do Fundo
Nacional de Sade do Ministrio da Sade e da SAE.
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Copyright dos autores
Todos os direitos desta edio reservados
Fundao Oswaldo Cruz
Reviso
Irene Ernest Dias
Normalizao bibliogrfica
Monique Santos
Projeto grfico, capa e diagramao
Robson Lima Obra Completa Comunicao
Apoio tcnico
Renata Macedo Pereira
Catalogao na fonte
Instituto de Comunicao e Informao Cientfica e Tecnolgica
Biblioteca de Sade Pblica
F981s Fundao Oswaldo Cruz
A sade no Brasil em 2030: diretrizes para a prospeco estratgica do sistema
de sade brasileiro. / Fundao Oswaldo Cruz... [et al.]. Rio de Janeiro : Fiocruz/Ipea/
Ministrio da Sade/Secretaria de Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica,
2012.
323 p. : il. ; tab. ; graf.
ISBN: 978-85-8110-001-2
1. Sistemas de Sade-organizao & administrao. 2. Poltica de Sade.
3. Financiamento em Sade. 4. Perfil de Sade. 5. Fora de Trabalho. 6. Servios de Sade.
7. Estratgias. 8. Brasil. I. Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada. II. Ministrio da
Sade. III. Secretaria de Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica. IV. Ttulo.
CDD - 22.ed. 362.10680981
Fundao Oswaldo Cruz
Avenida Brasil, 4.365
Pavilho Mourisco, Manguinhos
21040-900 Rio de Janeiro, RJ
Tel. (21) 3885 1616
www.fiocruz.br
Apoio editorial
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Equipe de Preparao
Coordenao geralPaulo Gadelha
OrganizaoJos Carvalho de Noronha
Telma Ruth Pereira
Colaboradores
Alosio Teixeira
Ana Maria Costa
Andra Barreto de Paiva
Andr Codo Jakob
Antnio Tadeu Ribeiro de Oliveira
Assis Mafort Ouverney
Carlos A. Grabois Gadelha
Celia Almeida
Clia Regina Pierantoni
Cristiane Quental
Cristiani Vieira Machado
Danielle da Costa Leite Borges
Edvaldo Batista de S
Expedito J. A. Luna
Inessa Laura Salomo
Isabela Soares Santos
Jarbas Barbosa da Silva Jr.
Jos Carvalho de Noronha
Jos Lus Fiori
Jos Maldonado
Las Silveira Costa
Luciana Dias de Lima
Luciana Mendes Santos Servo
Marco Antonio Vargas
Maria Alcia Domnguez Ug
Maria Angelica Borges dos Santos
Maria Mnica Vieira Caetano ONeill
Mario R. Dal Poz
Maurcio Barreto
Natlia Aurlio Vieira
Ricardo Carneiro
Sbado Nicolau Girardi
Salvador Werneck Vianna
Srgio Francisco Piola
Sheyla Maria Lemos Lima
Telma Maria Gonalves Menicucci
Telma Ruth Pereira
Esta publicao foi elaborada com base em estudos originais
preparados no contexto do projeto Sade Brasil 2030.
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Sumrio
Prefcio ......................................................................................................................................... 9
Apresentao ............................................................................................................................. 11
DIRETRIZES PARA A PROSPECO ESTRATGICA
DO SISTEMA DE SADE BRASILEIRO PARA 2030
I Desenvolvimento, Estado e Polticas de Sade
1. Desenvolvimento como Eixo e os Eixos para o Desenvolvimento ................. 25
2. A Sade na Poltica Nacional de Desenvolvimento ......................................... 39
3. Determinantes Sociais, Econmicos e Ambientais da Sade ......................... 43
4. Princpios do Sistema de Sade Brasileiro ........................................................ 57
5. Gesto Pblica ....................................................................................................... 65
6. Governana Global na Sade, Insero Soberana, Integrao Continental e Cooperao Sul-Sul .................................................. 71
II Populao e Perfil Sanitrio
7. Cenrio Sociodemogrfico em 2022-2030 .......................................................... 85
8. Perfil Epidemiolgico em 2022-2030 ................................................................... 91
9. Doenas Transmissveis, Endemias, Epidemias e Pandemias ........................ 97
III Organizao e Gesto do Sistema de Sade
10. Gesto Federal do Sistema de Sade ............................................................... 111
11. A Coordenao Federativa do Sistema Pblico de Sade no Brasil ............. 125
12. Modelos de Organizao e Gesto da Ateno Sade: redes locais, regionais e nacionais ................................................................... 139
13. Participao e Controle Social ........................................................................... 151
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IV Fora de Trabalho em Sade
14. Formao, Regulao Profissional e Mercado de Trabalho em Sade ......... 157
V Estrutura do Financiamento e do Gasto Setorial
15. Estruturas do Financiamento e do Gasto Setorial ......................................... 171
16. A Composio Pblico-Privada no Financiamento de Unidades Assistenciais: repercusses sobre a oferta de servios ................................. 195
17. Sistemas de Alocao de Recursos a Prestadores de Servios de Sade .......................................................................................... 203
VI Desenvolvimento Produtivo e Complexo da Sade
18. A Dinmica de Inovao e as Perspectivas do Complexo Econmico-Industrial da Sade para a
Sustentabilidade do Sistema de Sade ............................................................ 211
19. Subsistema de Base Qumica e Biotecnolgica ............................................... 217
20. Subsistema de Base Mecnica, Eletrnica e de Materiais ............................. 223
21. Subsistema de Servios em Sade .................................................................. 231
22. Infraestrutura Cientfica e Tecnolgica para Apoio ao Complexo Econmico-Industrial da Sade .................................................... 237
CENRIOS PROSPECTIVOS
I Cenrios Macroeconmicos no Horizonte 2022-2030
Cenrio Macroeconmico Atual: breve descrio ............................................249
1. Cenrio Otimista e Possvel ............................................................................... 277
2. Cenrio Pessimista e Plausvel ......................................................................... 289
3. Cenrio Inercial e Provvel ................................................................................ 297
Referncias ............................................................................................................................... 307
CGARealce
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Prefcio
A Fundao Oswaldo Cruz (Fiocruz), em sua condio de instituio pblica estratgica para a Sade, agente da dinmica do desenvolvimento do Estado brasileiro e assim se apresenta ao governo e sociedade. Essa dimenso estratgica referncia para seu planejamento, sua insero nas polticas governamentais e seus compromissos com a sociedade.
Este livro fruto do projeto Sade Brasil 2030, desenvolvido no bojo do acordo de co-operao tcnica assinado pela Fiocruz com a Secretaria de Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica (SAE) e o Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (Ipea) e de convnio pactuado com o Ministrio da Sade. O projeto Sade Brasil 2030 tem como principal objetivo a constituio de uma rede permanente de prospectiva estratgica no campo da sade. Os textos resultantes dessa iniciativa especulam sobre a probabilidade de futuros para a Sade em 2030, com referncia ao ano de 2022, quando se comemora o bicentenrio da Independncia do Brasil.
Diante dos desafios que o futuro traz, cabe ao Estado articular e induzir polticas econ-micas e sociais, no interesse do desenvolvimento com equidade, fomentando o acesso e a incluso de camadas excludas, expandindo e assegurando direitos sociais s parcelas significativas da populao ainda marginalizadas e sem os ganhos advindos do progresso e da riqueza.
O setor Sade contribui de forma crescente para o dinamismo econmico das socieda-des, e sua integrao com outros setores, como Cincia e Tecnologia, Educao, Comrcio Exterior e Poltica Industrial, entre outros, pode influir decisivamente no modelo de de-senvolvimento de nosso pas.
imperioso planejar em prazos mais longos, dada a complexidade do setor Sade e dos ntidos processos de transformao e inovao em curso nas suas diversas reas de atua-o. No se trata apenas de criar imagens de futuro, mas, especialmente, de auxiliar na gesto estratgica, mediante diretrizes para o alinhamento das aes com um cenrio de
futuro desejvel para nosso pas.
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Os textos aqui apresentados so o ponto de partida do esforo prospectivo, e no seu
resultado. So lanados a debate pblico por especialistas a partir de sua concluso. Com
isso a Fiocruz contribui para a formulao de polticas pblicas em sade, educao, cin-
cia e tecnologia e inovao em sade, reafirmando sua posio na defesa e fortaleci-
mento do Sistema nico de Sade (SUS), por seu desenvolvimento e alcance de padro
sustentvel, assegurando a realizao plena de seus princpios e possibilitando as neces-
srias conquistas sociossanitrias.
Paulo Gadelha
Presidente da Fiocruz
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Apresentao
O esforo inicial do projeto Sade Brasil 2030 consistiu em percorrer os temas mais
relevantes para o desenho de horizontes futuros do sistema de prestao de cuidados
sade no Brasil, tendo como ano de referncia 2030. Nesta primeira etapa, esses temas
foram organizados em blocos e, para cada um deles, identificados com base no conhe-
cimento j produzido e acumulado os elementos essenciais que os compem e que per-
mitem o desenvolvimento do exerccio prospectivo, bem como as lacunas de conheci-
mento a serem preenchidas. O produto desta etapa publicado e divulgado para debate
pblico, orientando a conformao de redes de conhecimento que sero constitudas
para as etapas subsequentes do projeto.
Adotou-se como metodologia a chamada prospeco estratgica, que teve suas origens,
nos anos 1980, no campo da administrao e foi empregada, posteriormente, no domnio
das polticas pblicas (HABEGGER, 2010).1 Para esse autor, a prospeco estratgica pode
ser definida como uma tentativa deliberada de alargar as fronteiras da percepo e ex-
pandir a capacidade de ateno em relao a temas e situaes emergentes.
A prospeco estratgica, de acordo com Habegger, citando uma proposta de Mller, in-
tegra as perspectivas, procedimentos e ferramentas tanto das pesquisas de tendncias
quanto dos estudos de futuros. De um lado, a pesquisa de tendncias lida com a deteco
precoce e interpretao nos campos econmico, poltico, social e tecnolgico e objetiva
avaliar o impacto das mudanas tanto na sociedade como nos indivduos. Os estudos de
futuro, por outro lado, capturam e antecipam desenvolvimentos futuros nesses dom-
nios, de modo a gerar vises de como a sociedade evolui e das opes de polticas que
esto disponveis para se modelar um futuro desejado.
Para Habegger, o processo de prospeco estratgica pode ser conceituado e implemen-
tado de vrias maneiras, mas a maioria dos estudiosos segue uma lgica bastante seme-
lhante que divide tal processo em trs fases:
1 HABEGGER, B. Strategic foresight in public policy: reviewing the experiences of the UK, Singapore, and the Netherlands. Futures, v. 42, n. 1, p. 49-58, 2010.
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a deteco precoce e a anlise da informao; a gerao de conhecimento prospectivo; o desenvolvimento das opes (de polticas) futuras.
A primeira fase envolve a identificao e o monitoramento contnuo dos temas, tendn-
cias, desenvolvimento e mudanas dos processos em estudo. A segunda fase implica a
avaliao e entendimento dos desafios para a implementao das diferentes polticas. E a
terceira assenta-se na formulao dos futuros desejados e das aes polticas necessrias
para alcan-los. Isso implica explorar diversos futuros ou cenrios alternativos.
Neste contexto prospectivo, assumimos trs cenrios alternativos:
cenrio desejvel e possvel; cenrio inercial e provvel; cenrio pessimista e plausvel.
Imps-se s categorias de futuros desejveis a condio de possibilidade, isto , a ca-
pacidade de concretizao no horizonte temporal contemplado. Este esquema (Figura 1),
em que os horizontes possveis foram estabelecidos apenas como diretrizes de polticas
desejveis, inspirado por Voros.
Figura 1 Cone de futuros
Tempo
Agora
Potencial
Provvel
Prefervel
Plausvel
Possvel
Fonte: VOROS, J. A generic foresight process framework. Foresight, v. 5, n. 3, p. 10-21, 2003, citado por HABEGGER, B. Strategic foresight in public policy: reviewing the experiences of the UK, Singapore, and the Netherlands. Futures, v. 42, p. 49-58, 2010.
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Nos estudos procurou-se especular, com razovel fundamentao, sobre a probabilidade desses futuros. Consistem em textos de partida para o esforo prospectivo, e no o seu resultado. Devem ser considerados, assim, como termos de referncia em torno dos quais se prolongar a prospeco estratgica para cada um dos domnios abordados, atravs da constituio de uma rede de conhecimento para ampliao e amplificao do debate e dos estudos futuros que sero desencadeados a partir desta aventura inicial.
Este volume est divido em dois grandes blocos, o primeiro denominado Diretrizes para a Prospeco Estratgica do Sistema de Sade Brasileiro para 2030 e o segundo, Cenrios Prospectivos. O primeiro bloco dividido em seis partes, conforme o roteiro delineado a seguir.
Na Parte I Desenvolvimento, Estado e Polticas de Sade , objetivamos desenhar um pano de fundo para os outros captulos diretamente voltados para a questo da sade. Esta parte abrange os seguintes temas: alinhamento estratgico e cenrios de desenvolvimento para 2022-2030, com recomendaes para um novo modelo de desen-volvimento; e fundamentos da sade e das polticas de sade, com anlise dos seus determinantes sociais, econmicos e ambientais, dos princpios do sistema de sade brasileiro, de sua insero na poltica nacional de desenvolvimento, da gesto pblica e da integrao continental e cooperao Sul-Sul em sade.
Na Parte II Populao e Perfil Sanitrio , aborda-se o cenrio sociodemogrfico em 2022 e 2030, a distribuio territorial da populao, traando-se um diagnstico do comportamento atual dos fenmenos demogrficos no pas e refletindo-se a respeito das tendncias futuras desses processos. E examina-se o perfil epidemiolgico no hori-zonte temporal proposto, assinalando-se os problemas de sade que vm se agravando, como a violncia, a dengue, o diabetes, a obesidade, ao lado das doenas transmissveis, endemias, epidemias e pandemias que configuram riscos sanitrios para o pas no fu-turo prximo.
Na Parte III so tratados temas relacionados Organizao e Gesto do Sistema de Sa-de, enfocando-se a gesto do nvel federal do sistema (administrao direta, agncias reguladoras, fundaes nacionais, empresas pblicas nacionais) na conduo da poltica nacional e na gesto do sistema de sade no Brasil, com o propsito de identificar os principais desafios para a reconfigurao estratgica da atuao do Executivo federal na sade nas prximas dcadas. No captulo A coordenao federativa do sistema pblico de sade no Brasil, so examinados os mecanismos de coordenao federativa adota-dos na poltica de sade brasileira. Considerados o marco regulatrio, as estruturas e instrumentos de pactuao e gesto intergovernamental e o modelo de transferncias intergovernamentais no financiamento do SUS, so apresentadas propostas para o apri-moramento de sua coordenao federativa nos prximos vinte anos segundo cada um
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desses trs eixos. No captulo sobre os Modelos de organizao e gesto da ateno sade: redes locais, regionais e nacionais, so explorados os arranjos na diversidade territorial brasileira diante das mudanas demogrficas e epidemiolgicas projetadas e a modelagem de solues integradoras horizontais e verticais. O fomento e a instituio de estratgias de integrao, tanto no mbito sistmico quanto no de aes e servios, so considerados condies para se ampliar o desempenho do sistema de sade em termos de acesso, equidade, eficincia econmica, eficcia clnica e sanitria e, consequente-mente, a satisfao dos usurios. No captulo Participao e controle social analisam-se a participao social institucionalizada em conselhos e conferncias de Sade ao longo
dos 22 anos de implementao do Sistema nico de Sade (SUS). Entre os desafios para os prximos vinte anos est o de no reproduzir a paralisia hiperativa, ou seja, a pletora de demandas geradas pela priorizao de interesses de cunho paroquial e particularis-ta que, em detrimento dos temas nacionais, obstrui a capacidade de representao e vocalizao de projetos necessria ao delineamento de rumos claros para a consolidao
do SUS como expresso institucional da efetivao do direito sade.
Na Parte IV Fora de Trabalho em Sade , explora-se um conjunto de temas que en-volvem a evoluo do mercado de trabalho em sade e desenvolvimento social, a forma-o e qualificao para o trabalho em sade e profisses e regulao profissional.
Na Parte V Estrutura do Financiamento e do Gasto Setorial , trs textos abordam os problemas e perspectivas do financiamento da Sade no Brasil, bem como as estruturas do financiamento e do gasto setorial, o papel do financiamento pblico e privado na prestao dos servios de sade, suas repercusses sobre a oferta de servios e os modos de pagamento e compra de servios. No captulo sobre Estruturas do financiamento e
do gasto setorial analisam-se a evoluo do financiamento e gasto do SUS, nos ltimos anos, mais precisamente a partir de 2000; perspectivas para o financiamento do sistema e a viabilidade de que os trs nveis de governo mantenham ou ampliem a alocao de recursos para a Sade (volume) e sua participao na riqueza nacional (participao no
PIB). No captulo A composio pblico-privada no financiamento de unidades assis-tenciais: repercusses sobre a oferta de servios, procura-se investigar o modo como os arranjos pblicos e privados afetam a oferta de servios de sade, interferindo na susten-tabilidade do setor e refletindo, ainda, sobre a formulao de polticas de investimento e de melhorias do SUS, bem como sobre as perspectivas de regulao das relaes entre os diferentes segmentos que compem o setor Sade. No captulo Sistemas de alocao de recursos a prestadores de sistemas de sade, apresentado um histrico das mo-dalidades de pagamento de servios predominantes no pas e suas implicaes para as decises de investimento, incorporao de tecnologia e qualidade da assistncia sade. A sistematizao das formas de remunerao dos prestadores de servios em vigor na
experincia internacional, abordando-se tanto os sistemas tradicionais como sistemas
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mistos e experincias mais recentes, permite discutir a aplicabilidade dessas experin-
cias ao sistema brasileiro.
Finalmente, a Parte VI Desenvolvimento Produtivo e Complexo da Sade abrange a
dinmica de inovao e perspectiva do Complexo Econmico-Industrial da Sade (CEIS)
para a sustentabilidade estrutural do sistema de sade; o subsistema de base qumica e
biotecnolgica; o subsistema de base mecnica, eletrnica e de materiais; o subsistema
de servios em sade e a infraestrutura cientfica e tecnolgica para apoio ao CEIS.
No captulo A dinmica de inovao e perspectiva do CEIS para a sustentabilidade es-
trutural do sistema de sade so caracterizados o CEIS, sua dinmica de inovao e sua
relao com a proposta de modelo de desenvolvimento para o perodo. Em Subsistema
de base qumica e biotecnolgica e Subsistema de base mecnica, eletrnica e de ma-
teriais so apresentados um panorama global; diagnstico dos principais elementos
do subsistema mundial (os padres de concorrncia, dinmica de inovao, de investi-
mento, nvel de concentrao, agentes empresariais, entre outros); panorama nacional
e diagnstico dos principais elementos do macroambiente poltico-institucional (rela-
o entre sade e desenvolvimento, institucionalizao da poltica, marco regulatrio,
programas de financiamento, subveno econmica). E as perspectivas para 2030, com
anlise da estrutura produtiva, gargalos, concentrao, agentes empresariais, dinmica
de inovao, arcabouo regulatrio, tendncias. O captulo Subsistema de servios em
sade segue a mesma estruturao (panorama global e nacional), apresentando como
perspectivas futuras uma anlise do sistema de sade no Brasil, regionalizao, com-
posio de financiamento, infraestrutura de servios, gargalos, agentes empresariais,
dinmica de inovao, arcabouo regulatrio e tendncias. No captulo Infraestrutura
cientfica e tecnolgica para apoio ao CEIS discorre-se sobre o investimento de Pesqui-
sa e Desenvolvimento em sade no Brasil, a identificao e composio dos agentes, a
produo cientfica, os ensaios pr-clnicos, clnicos e gargalos; e indicam-se as poten-
cialidades e debilidades da infraestrutura cientfico-tecnolgica que impactam o CEIS,
a interao entre a academia e o setor produtivo, o marco regulatrio e a ambientao
para gerao de inovao.
No segundo bloco, Cenrios Prospectivos, apresenta-se sucinta explorao de cenrios
futuros para cada um dos temas abordados, precedidos por um marco geral para o seu
desenho.
Jos Carvalho de Noronha
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Siglas
ABDI Agncia Brasileira de Desenvolvimento Industrial
Abimo Associao Brasileira da Indstria de Artigos e Equipamentos Mdicos, Odontolgicos, Hospitalares e de Laboratrios
ADCT Ato das Disposies Constitucionais Transitrias
Aids Sndrome da Imunodeficincia Adquirida
AIH Autorizao de Internao Hospitalar
Alba Alternativa Bolivariana para as Amricas
Alca rea de Livre Comrcio das Amricas
ANS Agncia Nacional de Sade Suplementar
Anvisa Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria
ASPS Aes e Servios Pblicos de Sade
BID Banco Interamericano de Desenvolvimento
BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social
BPL Boas Prticas de Laboratrio
Brics Brasil, Rssia, ndia, China e frica do Sul
C&T Cincia e Tecnologia
CDC Centers for Disease Control and Prevention
CDES Conselho de Desenvolvimento Econmico e Social
CEIS Complexo Econmico-Industrial da Sade
CIB Comisso Intergestores Bipartite
Cide Contribuio de Interveno no Domnio Econmico
Cievs Centro de Informaes Estratgicas em Vigilncia em Sade
CIT Comisso Intergestores Tripartite
CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico
CNS Conselho Nacional de Sade
Compom Comit de Poltica Monetria
Conasems Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Sade
Conass Conselho Nacional dos Secretrios de Sade
Cosems Conselho de Secretrios Municipais de Sade
CPLP Comunidade de Pases de Lngua Portuguesa
CPMF Contribuio Provisria sobre Movimentao Financeira
CSS Conta-Satlite de Sade
CSS Contribuio Social para a Sade
DCNT Doenas Crnicas No Transmissveis
DCV Doena Cardiovascular
DF Distrito Federal
DNA cido Desoxiribonucleico
DPOC Doena Pulmonar Obstrutiva Crnica
DRU Desvinculao das Receitas da Unio
DST Doenas Sexualmente Transmissveis
DTA Doenas Transmitidas por Alimentos
EC Emenda Constitucional
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Embrapa Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria
EOB Excedente Operacional Bruto
Episus Programa de Epidemiologia Aplicada aos Servios de Sistema nico de Sade
ESF Estratgia Sade da Famlia
Espin Emergncias de Sade Pblica de Importncia Nacional
EUA Estados Unidos da Amrica
FAO Organizao das Naes Unidas para Agricultura e Alimentao
FAP Fundao de Amparo Pesquisa
FAT Fundo de Amparo ao Trabalhador
FBCF Formao Bruta de Capital Fixo
Finep Financiadora de Estudos e Projetos
Fiocruz Fundao Oswaldo Cruz
FMI Fundo Monetrio Internacional
FNDCT Fundo Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico
FNO Febre do Nilo Ocidental
FPM Fundo de Participao dos Municpios
FSE Fundo Social de Emergncia
Hemobrs Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia
HIV Vrus da Imunodeficincia Humana
HPV Vrus do Papiloma Humano
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
ICMS Imposto sobre Operaes relativas Circulao de Mercadorias e sobre Prestaes de Servios de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicao
Inamps Instituto Nacional de Assistncia Mdica da Previdncia Social
Inca Instituto Nacional do Cncer
INCL Instituto Nacional de Cardiologia
INCT Institutos Nacionais de Cincia e Tecnologia
Ipea Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada
IPI Imposto sobre Produtos Industrializados
IPMF Imposto Provisrio sobre Movimentao Financeira
IRPF Imposto de Renda de Pessoa Fsica
IRPJ Imposto de Renda de Pessoa Jurdica
LDO Lei de Diretrizes Oramentrias
LFT Letras Financeiras do Tesouro Nacional
MCT Ministrio da Cincia e Tecnologia
Mercosul Mercado Comum do Sul
MS Ministrio da Sade
Noas Norma Operacional de Assistncia Sade em 2001
NOB Norma Operacional Bsica
NPM New Public Management
OCDE Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico
ODM Objetivos de Desenvolvimento do Milnio
OMC Organizao Mundial do Comrcio
OMS Organizao Mundial da Sade
ONG Organizao No Governamental
ONU Organizao das Naes Unidas
OSS Oramento da Seguridade Social
P&D Pesquisa e Desenvolvimento
PAC Programa de Acelerao do Crescimento
Paeg Plano de Ao Econmica do Governo
PDP Poltica de Desenvolvimento Produtivo
PEA Populao Economicamente Ativa
PEC Proposta de Emenda Constituio
Pepfar Presidents Emergency Plan for Aids Relief
PIA Populao em Idade Ativa
PIB Produto Interno Bruto
PITCE Poltica Industrial, Tecnolgica e de Comrcio Exterior
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Pnad Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios
PNB Produto Nacional Bruto
PND Plano Nacional de Desenvolvimento
POF Pesquisa de Oramentos Familiares
PPA Plano Plurianual
PPP Parceria Pblico-Privada
Rais Relao Anual de Informaes Sociais
RCB Receita Corrente Bruta
RCL Receita Corrente Lquida
Rename Relao Nacional de Medicamentos Essenciais
Renases Relao Nacional de Aes e Servios de Sade
RMI Regime de Metas de Inflao
RSI Regulamento Sanitrio Internacional
SADT Servios de Apoio Diagnstico e Teraputico
SAE Secretaria de Planejamento Estratgico
Safe Surgery, Antibiotics, Facial Cleanliness, Environmental Improvement
SIA Sistema de Informaes Ambulatoriais do Sistema nico de Sade
SIH Sistema de Informaes Hospitalares do Sistema nico de Sade
Selic Sistema Especial de Liquidao e de Custdia
Senai Servio Nacional de Aprendizagem Industrial
SIH Sistema de Informaes Hospitalares
Siops Sistema de Informaes sobre Oramentos Pblicos em Sade
SM Salrio Mnimo
SRAG-CoV Sndrome Respiratria Aguda Grave pelo Coronavrus
SRF Secretaria da Receita Federal
SUS Sistema nico de Sade
TIC Tecnologias de Informao e Comunicao
TMI Taxa de Mortalidade Infantil
Trips Trade-Related Aspects of Intellectual Property Right
Tunep Tabela nica Nacional de Equivalncia de Procedimentos
Unasul Unio de Naes Sul-Americanas
Unicef Fundo das Naes Unidas para a Infncia
UTI Unidade de Terapia Intensiva
VAB Valor Adicionado Bruto
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DIRETRIZES PARA A PROSPECO ESTRATGICA DO
SISTEMA DE SADE BRASILEIRO PARA 2030
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IDesenvolvimento, Estado e Polticas de Sade
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1Desenvolvimento como Eixo e os Eixos para o Desenvolvimento
Contextualizando o Debate em Curso1
Em tempos como os que estamos vivendo, de largo predomnio das ideias de uma mun-
dializao sem fronteiras da economia (sobretudo a financeira) e de crescente questio-
namento em relao operatividade (em termos da efetividade e eficcia) dos sistemas
democrticos de representao, torna-se crucial voltar a discutir o tema da natureza, al-
cances e limites do Estado, do planejamento e das polticas pblicas no capitalismo brasileiro
contemporneo.
Esse tema se torna particularmente relevante agora, uma vez passada a avalanche neoli-
beral das dcadas de 1980 e 1990 e suas crenas em torno de uma concepo minimalista
de Estado. Diante do malogro do projeto macroeconmico neoliberal (baixas e instveis
taxas de crescimento) e suas consequncias negativas nos planos social e poltico (au-
mento das desigualdades e da pobreza, e o enfraquecimento dos mecanismos democr-
ticos), evidencia-se j na primeira dcada do novo sculo certa mudana de opinio a
respeito das novas atribuies dos Estados nacionais.
O contexto atual de crescente insegurana internacional (terrorismos, fundamentalis-
mos, guerras preventivas etc.) e de grande incerteza econmica no sentido keynesiano
forte tem ensejado, nos crculos conservadores da mdia e da intelectualidade dominan-
te, bem como nas agncias supranacionais (Fundo Monetrio Internacional, Banco In-
teramericano de Desenvolvimento, Banco Mundial, Organizao Mundial do Comrcio
etc.), um discurso menos hostil s aes dos Estados nacionais nos seus respectivos es-
paos territoriais. Tal discurso se mostra favorvel a maior controle sobre a segurana
interna, mas tambm sobre seus sistemas econmicos e sociais. Embora a nfase das
1 Esta introduo uma verso ligeiramente modificada da Introduo escrita para o livro Desafios ao desenvolvimento brasileiro: contribuies do Conselho de Orientao do Ipea, organizado por J. Celso Cardoso Jr., Ipea, 2009.
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A SADE NO BRASIL EM 203026
polticas domsticas ainda esteja na harmonizao e homogeneizao das estruturas de
produo e distribuio, nos controles oramentrios e na inflao, comea a haver certo
espao para aes mais abrangentes e ativas dos Estados visando tanto recuperao do
crescimento econmico como ao combate degradao das condies de vida. Tais aes
dizem respeito viabilidade e sustentabilidade dos sistemas ambientais, de produo e
de proteo social em geral.
Essas questes recolocam necessariamente o tema do Estado no centro da discus-
so sobre os rumos do desenvolvimento, em sua dupla perspectiva, global-nacional. Por
mais que as economias nacionais estejam internacionalizadas em termos das possibili-
dades de valorizao dos capitais individuais e do crescimento nacional ou regional agre-
gado, parece evidente, hoje, que ainda restam dimenses considerveis da vida social
sob custdia das polticas nacionais, o que afiana a ideia de que os Estados nacionais
so ainda os principais responsveis pela regulao da vida social, econmica e poltica
em seus espaos fronteirios. O tempo das crenas ingnuas em favor das teses ligadas
irrelevncia da atuao estatal em geral parece estar chegando ao fim.
Com isso, recupera-se nas agendas nacionais a viso de que o Estado parte constituinte
(em outras palavras: no exgeno) do sistema social e econmico das naes, sendo em
contextos histricos tais como o do Brasil particularmente decisivo na formulao e condu-
o de estratgias virtuosas de desenvolvimento. Desenvolvimento, por sua vez, entendi-
do em inmeras e complexas dimenses, todas elas socialmente determinadas, portanto
mutveis com o tempo, os costumes e as necessidades dos povos e regies do planeta.
Ademais, o desenvolvimento de que aqui se fala tampouco fruto de mecanismos au-
tomticos ou determinsticos, de modo que, na ausncia de induo minimamente co-
ordenada e planejada (e reconhecidamente no totalizante), muito dificilmente um pas
conseguir combinar satisfatria e simultaneamente aquelas inmeras e comple-
xas dimenses do desenvolvimento. Mas que dimenses so essas?
Ao longo do processo de planejamento estratgico, o Instituto de Pesquisa Econmica
Aplicada (Ipea) identificou sete grandes dimenses ou eixos estruturantes para o de-
senvolvimento brasileiro: 1) insero internacional soberana; 2) macroeconomia para o
pleno emprego; 3) infraestrutura econmica, social e urbana; 4) estrutura tecnoprodutiva
avanada e regionalmente articulada; 5) sustentabilidade ambiental; 6) proteo social,
garantia de direitos e gerao de oportunidades; 7) fortalecimento do Estado, das insti-
tuies e da democracia.
Embora no esgotem o conjunto de atributos desejveis de um ideal amplo de desenvol-
vimento para o pas, essas dimenses certamente cobrem uma parte bastante grande do
espectro que seria necessrio para garantir nveis simultneos e satisfatrios de sobera-
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Desenvolvimento como Eixo e os Eixos para o Desenvolvimento 27
nia externa, incluso social pelo trabalho qualificado e qualificante, produtividade sist-
mica elevada e regionalmente bem distribuda, sustentabilidade ambiental e humana,
equidade social e democracia civil e poltica ampla e qualificada.
Mas somente se essa vontade for coletivamente organizada que haver alguma chance
de sucesso. Da a importncia estratgica do Estado para induzir ou catalisar essa von-
tade em mbito nacional. No h por que esperar que algo desse tipo e dessa dimenso
seja obtido por obra das circunstncias. bastante improvvel que o simples realizar-se
de vidas atomizadas consiga produzir, em nvel coletivo, os atributos acima mencionados
de forma simultnea e satisfatria para a garantia de condies de vida e de reproduo
social justas e equilibradas.
Por outro lado, o Estado pode muito, mas no pode tudo. Ele no como muitas vezes
se sups em teorias um ente externo e coercitivo aos movimentos da sociedade e da
economia, dotado de racionalidade nica, instrumentos suficientes e capacidade plena
de operao. , sim, parte integrante e constituinte da prpria sociedade e da economia,
que precisa se relacionar com outros agentes nacionais e internacionais para construir
ambientes favorveis implementao de suas aes.2
, ento, diante da constatao acima enunciada que se parte para a recuperao analti-
ca de alguns pontos importantes para o debate atual sobre o Estado e o desenvolvimento
brasileiros. A fragmentao dos interesses articulados em torno do Estado e a frouxido
das instituies burocrticas e processuais em termos da canalizao e resoluo dos
conflitos limitam a autonomia efetiva das decises estatais cruciais e fazem com que o
Estado seja ao mesmo tempo o lcus de condensao e processamento das disputas por
recursos estratgicos (financeiros, logsticos, humanos etc.) e o agente decisrio ltimo
por meio do qual, de fato, se materializam ou se viabilizam os projetos polticos dos gru-
pos dominantes vencedores.
No texto que se segue levantam-se questes e apontam-se perspectivas que permitam
proporcionar as condies necessrias para a retomada do debate sobre o papel que o
Estado, o planejamento pblico governamental e as polticas pblicas de corte federal
devem e podem ocupar no cenrio atual, como indutoras do desenvolvimento nacional.
2 Um detalhamento mais terico dessa discusso pode ser visto em Estado e economia no capitalis-mo, de Adam Przeworski (1995), ou no artigo Autonomia versus interesses: consideraes sobre a natureza do Estado capitalista e suas possibilidades de ao, de J. Celso Cardoso Jr. (2006).
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A SADE NO BRASIL EM 203028
Desenvolvimento: requalificando e ressignificando o conceito e o debate no Brasil3
Quais so, hoje, os qualificativos mais pertinentes ideia de desenvolvimento, dos quais
se possa fazer uso corrente para avanar na construo de um entendimento comum
desse conceito?
Desde o fim da Segunda Guerra Mundial at aproximadamente o comeo dos anos 1970,
desenvolvimento se confundia com o conceito crescimento econmico, pois era en-
tendido, fundamentalmente, como o processo pelo qual o sistema econmico criava e
incorporava progresso tcnico e ganhos de produtividade no nvel, sobretudo, das firmas.
Entretanto, com a constatao de que projetos de industrializao, por si ss, haviam
sido insuficientes para engendrar processos socialmente includentes, capazes de elimi-
nar a pobreza estrutural e combater as desigualdades, foi-se buscando terica e poli-
ticamente diferenciaes entre crescimento e desenvolvimento, e ao mesmo tempo a
incorporao de qualificativos que pudessem dar conta das ausncias ou lacunas para o
conceito. No Brasil, um exemplo sintomtico desse movimento foi a incluso do S na
sigla do BNDE, que passou ento a se chamar Banco Nacional de Desenvolvimento Eco-
nmico e Social, em 1982, mais de trs dcadas aps a sua fundao.
Esse estratagema amenizava, mas no resolvia totalmente o problema. Estavam ainda de
fora do conceito de desenvolvimento outros qualificativos importantes, que desde aque-
la poca j cobravam passagem pelos crivos tericos e polticos pertinentes. O mais pa-
tente desses qualificativos de ento, no contexto brasileiro da dcada de 1970, referia-se
questo democrtica: seria possvel chamar de desenvolvimento um processo de cres-
cimento econmico sem democracia, ainda que matizada, poca, to somente pelos
seus prprios qualificativos democracia civil e democracia poltica?
A incorporao de direitos civis e polticos, num contexto de crescimento com autori-
tarismo, passava a ser uma demanda social e um desafio poltico imensos para melhor
qualificar o sentido do desenvolvimento brasileiro na dcada de 1970. Mesmo isso, no
entanto, no resolvia totalmente a questo, e veio, ento, com todo vigor, no bojo do
processo de redemocratizao do pas nos anos de 1980, um momento dos mais impor-
tantes para a histria republicana e civilizatria brasileira: o movimento de conquista
e constitucionalizao de direitos sociais, como condio para melhor qualificar tanto
3 O restante deste texto uma verso modificada da Introduo escrita para o livro Brasil em de-senvolvimento: Estado, planejamento e polticas pblicas, produo institucional do Ipea (2009) coordenada nesse ano por J. Celso Cardoso Jr.
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Desenvolvimento como Eixo e os Eixos para o Desenvolvimento 29
a incipiente democracia nacional como o prprio sentido do desenvolvimento aqui praticado.
No entanto, a dimenso social da democracia e do desenvolvimento no est, ainda hoje, definitivamente inscrita no imaginrio pblico brasileiro, sendo, portanto, um ponto de embate terico e poltico ainda muito vivo no Brasil, talvez o motivo pelo qual ainda se tem, na estrutura organizacional de diversos nveis e reas de governo (e mesmo em or-ganizaes privadas), o social como qualificativo explcito de reivindicao.
Alm do social, outras dimenses igualmente relevantes de qualificao do desenvol-vimento esto j h algum tempo cobrando seus espaos no significado implcito do desenvolvimento, para uma inteligibilidade coletiva mais homognea do conceito. Tra-tando-se, bem entendido, de um processo histrico e social mutvel e condicionado, no o caso, aqui, de pretender exaurir os inmeros qualificativos que poderiam ainda ser alinhavados para conferir um entendimento totalizante ao conceito de desenvolvimento.
Por outro lado, , sim, possvel e necessrio elencar algumas outras dimenses a compor, hoje no Brasil, o espectro de qualificativos indispensveis para uma compreenso con-tempornea, civilizada e civilizante do desenvolvimento. Esto todas elas ainda no plano das reivindicaes tericas, num estgio de maturao poltica ainda bastante incipiente, e muito distantes tambm do imaginrio coletivo. Mas j se avizinham e frequentam os debates pblicos e j interessam classe poltica, aos governantes e aos cidados comuns.
Nem todas so questes exatamente novas, mas todas so igualmente urgentes. Sem pretender esgot-las ou hierarquiz-las, possvel, no entanto, identificar algumas das mais relevantes.
Espaos de Soberania
Em primeiro lugar, num contexto de crescente internacionalizao dos fluxos de bens, servios, pessoas, smbolos e ideias pelo mundo, est posta para as naes a questo dos espaos possveis e adequados de soberania (econmica, poltica, militar, cultural etc.) em suas respectivas inseres e relaes externas. Este tema especialmente caro a qualquer projeto de desenvolvimento que se pretenda ou se vislumbre para o Brasil, devido, entre outras coisas, a suas dimenses territorial e populacional, suas riquezas naturais estratgicas, sua posio geopoltica e econmica na Amrica Latina e suas pre-tenses recentes em mbito global.
Esta importante dimenso de anlise est, portanto, ordenada sob o entendimento anal-
tico de que o movimento das foras de mercado, por si s, no capaz de levar economias
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A SADE NO BRASIL EM 203030
capitalistas a situaes socialmente timas de emprego, gerao e distribuio de renda. Ademais, em economias em desenvolvimento, como a brasileira, emergem problemas tais como altos patamares de desemprego e de precarizao do trabalho, heterogeneida-de estrutural, degradao ambiental, inflao e vulnerabilidade externa.
Da que o pleno emprego dos fatores produtivos (como a terra, o capital, o trabalho e o conhecimento) se converte em interesse e objetivo coletivos, apenas possvel por um ma-nejo de polticas pblicas que articule virtuosamente os diversos atores sociais em torno de projetos de desenvolvimento includentes, sustentveis e soberanos.
Nessa perspectiva, uma nao, para entrar em rota sustentada de desenvolvimento, deve necessariamente dispor de autonomia elevada para decidir acerca de suas polticas in-ternas e tambm daquelas que envolvem o relacionamento com outros pases e povos do mundo. Para tanto, deve buscar independncia e mobilidade econmica, financeira, poltica e cultural; ser capaz de fazer e refazer trajetrias, visando a reverter processos antigos de insero subordinada, para assim desenhar sua prpria histria.
Infraestrutura Produtiva e Tecnolgica Regionalmente Articulada e Integrada
Em segundo lugar, no plano estritamente interno, outras questes igualmente relevantes se manifestam. Os temas que sempre estiveram no centro das discusses sobre o cres-cimento econmico ganham novos enfoques, demandando que sejam atualizados em seus prprios termos e diante das demais dimenses cruciais do desenvolvimento. Est se falando dos aspectos propriamente (micro)econmicos do crescimento, ligados s es-feras da produo (primria, secundria e terciria), da inovao e da competitividade sistmica e dinmica das firmas e do prprio pas.
Claramente, no se trata mais de priorizar diante de outras dimenses igualmente relevantes do desenvolvimento estratgias ou polticas que representem ganhos de produtividade com vistas apenas (ou primordialmente) apropriao e acumulao em-presarial (seja de controle privado ou estatal, seja ao nvel individual ou setorial das fir-mas). Ao contrrio, j se compreende mais terica que politicamente, bem verdade que ganhos sistmicos e dinmicos de produtividade s podem ser obtidos (e s fazem sentido nesta nova conceituao de desenvolvimento que se busca construir) se as res-pectivas polticas ou estratgias de produo, inovao e competitividade estiverem con-cebidas e relacionadas satisfao tambm das condies postas por outras dimenses: a soberania externa; a coerncia macroeconmica; a regulao pblica (no sentido de
estatal, institucional e democrtica); a sustentabilidade ambiental, a convergncia regio-
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Desenvolvimento como Eixo e os Eixos para o Desenvolvimento 31
nal, o equilbrio campo-cidade; a incluso e sustentao humana e social, dentre outras
dimenses e qualificativos a se explicitarem.
Em outras palavras, as atividades de cincia, tecnologia e inovao, territorialmente ar-
ticuladas, so concebidas como fundamentais para a reduo das desigualdades e para
o prprio desenvolvimento nacional. Refora-se a ideia de que as polticas de desen-
volvimento produtivo e tecnolgico precisam ser econmica, social e ambientalmente
sustentveis, alm de aderentes s diferentes realidades regionais do pas. necessrio
que a agenda pblica priorize polticas de fomento, incentivo e regulao em favor da
articulao de atores e regies.
Dessa maneira, a compreenso de que polticas e estratgias para a estruturao de
um Sistema Nacional de Inovao devem ser regionalmente articuladas e integradas
faz com que temticas ligadas territorializao e regionalizao do desenvolvimento
adquiram centralidade na agenda pblica. Por isso, essa dimenso do desenvolvimento
abrange a estrutura produtiva e tecnolgica, a inovao e a competitividade como condi-
cionantes de trajetrias de desenvolvimento que enfrentem as desigualdades regionais
existentes no pas.
Sustentabilidade Ambiental no Territrio e na Regio
Em terceiro lugar, portanto, est a compreenso de que temticas ligadas territoriali-
zao e regionalizao do desenvolvimento tenham maior centralidade na agenda pro-
dutiva. Aqui abordada gama ampla de velhas e novas questes que se fazem repercutir
sobre as perspectivas do desenvolvimento nacional hoje, diante dos riscos crescentes
ligados fragmentao regional brasileira, com suas implicaes diretas e indiretas sobre
os espaos urbanos e sobre a sustentabilidade ambiental.
A reduo de desigualdades entre os diferentes espaos territoriais do pas, de um lado,
e a configurao minimamente planejada das cidades e de sua infraestrutura social, com
complementaridade entre habitao, saneamento e transporte pblico, de outro, so al-
gumas das questes discutidas. A elas se agregam os temas da reduo dos impactos
ambientalmente degradantes da atividade econmica e da regulao do avano sobre o
territrio em busca de suas riquezas, os quais se apresentam como igualmente desafia-
dores para o pas.
Dito de outro modo, algumas das questes diretamente relacionadas s dimenses regio-
nal, urbana e ambiental so abordadas com base em ideias segundo as quais a reduo
de desigualdades espaciais, a complementao, em espaos urbanos, dos componentes
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A SADE NO BRASIL EM 203032
sociais da infraestrutura (habitao, saneamento e transporte pblico) e a concomitante
reduo de impactos ambientais em diversas ordens so imperativos categricos do de-
senvolvimento.
Adicionalmente, a adequao e a logstica de base da infraestrutura propriamente eco-
nmica so outra dimenso fundamental do desenvolvimento, mas que precisa estar
permeada e orientada pelas dimenses do regional, do urbano e do ambiental, acima
enunciadas. Assim, ganham destaque: a discusso sobre atualizao da matriz energ-
tica brasileira, com nfase em fontes renovveis e segurana energtica; e a discusso
sobre reviso, expanso e integrao adequadas das infraestruturas de telecomunicaes
e de transportes, considerada esta ltima em todos os modais pertinentes ao Brasil. O
desenvolvimento nacional depende, portanto, tambm de infraestrutura econmica, so-
cial e urbana tudo em perspectiva conectada e de arranjos institucionais capazes de
satisfazer e compatibilizar, em conjunto, os reclamos por crescimento econmico, equi-
dade social e sustentabilidade ambiental.
No por outra razo, ento, que sustentabilidade ambiental aqui afirmada como di-
menso transversal inseparvel das demais (social e econmica), devendo os ativos am-
bientais ser preservados, geridos e recuperados de forma harmnica e complementar
quelas. As polticas pblicas devem dispensar especial ateno criao de oportunida-
des para populaes tradicionais e grupos socioambientalmente mais vulnerveis.
O acesso gua potvel e a condies sanitrias adequadas so ativos fundamentais na
concepo de desenvolvimento que j se faz imperativa entre os povos do mundo. A con-
servao das bacias hidrogrficas, portanto, deve ser compatibilizada com as atividades
econmicas em geral e com os processos em curso de urbanizao no mundo.
A gesto dos biomas, da biodiversidade e da biotecnologia brasileira representa aspecto
econmico e poltico essencial ao desenvolvimento do pas, motivo pelo qual este deve
ser pensado considerando-se uma realidade de recursos naturais exaurveis.
As mudanas climticas e o fenmeno do aquecimento global devem receber ateno
especial e tratamento prospectivo para que se conheam seus efeitos sobre os biomas
e sobre a prpria humanidade, e para que se formulem polticas preventivas em tempo
hbil. Um novo modelo de desenvolvimento, enfim, deve incorporar inovaes sociais,
institucionais e tecnolgicas que conduzam ao uso estratgico e sustentvel desses ati-
vos, traduzido no aumento da eficincia produtiva, no reaproveitamento de rejeitos e no
estabelecimento de padres de produo e consumo que respeitem as capacidades do
ambiente.
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Desenvolvimento como Eixo e os Eixos para o Desenvolvimento 33
Garantia de Direitos, Novas Frices e Interaes Democrticas
Finalmente, h uma quarta questo de extrema relevncia na discusso sobre o desenvol-vimento: garantir direitos, promover a proteo social e gerar oportunidades de incluso so no apenas objetivos plausveis, mas tambm condies necessrias a qualquer pro-jeto nacional. Visto esse movimento em perspectiva histrica, percebe-se que a civilizao ocidental constituiu um conjunto de parmetros fundamentais de convvio e sociabili-dade em torno dos quais passaram a se organizar certos direitos civis, polticos e sociais, balizadores da condio humana moderna. Condensados na ideia forte de cidadania, o acesso a esse conjunto de direitos passa a operar como critrio de demarcao para a in-cluso ou excluso populacional em cada pas ou regio, portanto, como critrio adicional de demarcao para se aferir o grau de desenvolvimento nacional em cada caso concreto.
Esses temas so, por sua vez, aqui incorporados segundo a compreenso do Estado como ator estratgico fundamental em qualquer processo que se queira de desenvolvimento, pois esse ente, em ltima instncia, o responsvel por garantir a segurana interna, por ordenar o uso sustentvel do territrio, por regular, enfim, a atividade econmica e promover polticas pblicas.
Entende-se que, por mais que as economias e alguns processos sociopolticos estejam in-ternacionalizados, importantes dimenses da vida social permanecem sob custdia das polticas nacionais, afianando a ideia de que o Estado ainda a principal referncia em termos de regulao de diversas dinmicas sociais que se desenrolam em seu espao ter-ritorial. Em suma, cidadania, incluso e proteo social so elementos constitutivos cru-ciais para estratgias e trajetrias de desenvolvimento com maior equidade. A expanso e a consolidao dos direitos civis, polticos e sociais, reunidos sob a ideia de cidadania, devem, portanto, orientar o planejamento, a implementao e a avaliao das polticas pblicas em geral. Esse processo requer participao e engajamento do poder pblico, em todas as suas esferas e dimenses, bem como da sociedade civil e dos setores produtivos.
Isso tudo posto, percebe-se, portanto, que as dimenses de anlise acima apresentadas como qualificativos hoje inescapveis da moderna concepo de desenvolvimento visam a conferir um sentido agregado ao esforo institucional.
Estado e Planejamento Governamental
Esse sentido agregado de que se fala um processo em construo, necessariamente
contnuo, cumulativo e coletivo. O esforo de reflexo aqui realizado visa, portanto, a
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A SADE NO BRASIL EM 203034
institucionalizar e sistematizar uma prtica de acompanhamento, anlise, avaliao e
prospeco das diversas polticas, programas e aes governamentais de mbito, sobre-
tudo, federal. Com isso pretende-se obter, ao longo dos anos, capacitao tcnica e viso
institucional abrangente e aprofundada acerca dos problemas nacionais e da capacida-
de das polticas pblicas para enfrent-los adequadamente. Adicionalmente, espera-se,
como resultado dessa estratgia institucional, um incremento analtico gradual no que
se refere a uma compreenso coletiva teoricamente mais inter-relacional dos diversos
temas e assuntos em pauta, como tambm metodologicamente mais transdisciplinar em
termos de tcnicas e alternativas de pesquisa.
E, embora o objetivo declarado seja como explorado at aqui identificar e construir,
terica e politicamente, os qualificativos do desenvolvimento de forma que deles se pos-
sa fazer uso corrente para melhor caracterizar e simbolizar um entendimento coletivo
comum do termo e do conceito, sabe-se que essa tarefa passa, necessariamente, pelo es-
tudo do Estado, do planejamento e das polticas pblicas, como instncias inescapveis
de mediao entre os qualificativos at aqui sugeridos para uma nova compreenso de
desenvolvimento, e o prprio desenvolvimento como projeto poltico em construo.
Realizar esse esforo de maneira ordenada e sistemtica , portanto, algo que visa a gerar
acmulo de conhecimento e massa crtica qualificada para um debate pblico bastante
caro e cada vez mais urgente s diversas instncias e nveis de governo no Brasil no sen-
tido de responder a questes do seguinte tipo:
Em que consiste a prtica de planejamento governamental hoje e que caractersti-cas e funes deveria possuir, diante da complexidade dos problemas, das deman-
das e necessidades da sociedade?
Quais as possibilidades de redesenho e revalorizao da funo planejamento go-vernamental hoje?
Quais as caractersticas (as existentes e as desejveis) e quais as possibilidades (as existentes e as desejveis) das instituies de governo e de Estado pensadas ou for-
matadas para a atividade de planejamento pblico?
Quais os instrumentais e tcnicas existentes (e qui aqueles necessrios ou de-sejveis) para as atividades de planejamento governamental condizentes com a
complexidade dos problemas, das demandas e necessidades da sociedade?
Que balano se pode fazer das polticas pblicas nacionais mais importantes em operao no pas hoje?
Que diretrizes se pode oferecer para o redesenho (quando for o caso) dessas pol-ticas pblicas federais, nesta era de reconstruo dos Estados nacionais, e como
implement-las?
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Desenvolvimento como Eixo e os Eixos para o Desenvolvimento 35
Planejamento: requalificando e ressignificando o conceito e o debate no Brasil
A atividade de planejamento governamental hoje no deve ser desempenhada como
outrora, de forma centralizada e com vis essencialmente normativo. Em primeiro lu-
gar, h a evidente questo de que, em contextos democrticos, o planejamento no
pode ser nem concebido nem executado de forma externa e coercitiva aos diversos
interesses, atores e arenas sociopolticas em disputa no cotidiano. No h, como talvez
tenha havido no passado, um cumpra-se que se realiza automaticamente de cima
para baixo pelas cadeias hierrquicas do Estado, at chegar aos espaos da sociedade e
da economia.
Em segundo lugar, com a multiplicao e complexificao das questes em pauta nas
sociedades contemporneas hoje, ao mesmo tempo que com a aparente sofisticao e
tecnificao dos mtodos e procedimentos de anlise, houve uma tendncia geral, tam-
bm observada no Brasil, sobretudo aps a Constituio de 1988, a pulverizar e a reduzir,
por meio de processos no lineares nem necessariamente equilibrados de institucionali-
zao de funes tpicas e estratgicas ao nvel do Estado, o raio de discricionariedade (ou
de gesto poltica) da ao estatal, portanto, de planejamento no sentido forte do termo,
de algo que precede e condiciona a ao.
Em outras palavras, pode-se dizer que, no Brasil, ao longo das duas ltimas dcadas, em
paralelo decadncia da funo planejamento governamental em geral, num ambiente
ideologicamente hostil presena e atuao do Estado, esta funo pblica foi adquirin-
do feies muito diferentes daquelas com as quais, no passado, costumava geralmente
se identificar.
Hoje, na estrutura e forma de funcionamento, a funo planejamento governamental
operante no pas est, em grande medida, esvaziada de contedo poltico, robustecida de
ingredientes tcnico-operacionais e de controle e comando fsico-financeiros de aes
difusas, diludas pelos diversos nveis e instncias de governo, cujo sentido de conjunto
e movimento, se houver, mesmo setorialmente considerado, no nem fcil nem rpido
de identificar.
Ento, se as impresses gerais, logo acima apontadas, sobre a natureza e algumas carac-
tersticas gerais do planejamento governamental hoje estiverem corretas, ganha sentido
teoricamente diferenciado e politicamente importante uma busca orientada a dar res-
posta s questes aqui suscitadas. Afinal, se planejamento governamental e polticas
pblicas so instncias lgicas de mediao prtica entre Estado e desenvolvimento, en-
to no assunto menor ressignificar e requalificar tal como sugerido acima para a
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A SADE NO BRASIL EM 203036
prpria categoria desenvolvimento os prprios termos pelos quais, atualmente, deve
ser redefinido o conceito de planejamento pblico governamental.
Tal como no caso da categoria desenvolvimento, tambm aqui preciso um esforo teri-
co e poltico de grande flego para ressignificar e requalificar o sentido de inteligibilidade
comum ao termo/conceito de planejamento.
E tal como no caso da categoria desenvolvimento, tambm aqui no se pode fazer isso
sem um trabalho cotidiano de pesquisa, investigao e experimentao; portanto, sem as
perspectivas de continuidade e de cumulatividade por meio das quais, ao longo do tem-
po, se consiga ir dando novo sentido terico e poltico a ambos os conceitos.
Ao se caminhar nessa direo, espera-se obter maior maturidade e profundidade para
ideias ainda hoje no muito claras, nem terica nem politicamente, para a tarefa de re-
definio e ressignificao do planejamento pblico governamental. Dentre tais ideias,
quatro binmios aparecem com fora no bojo desta discusso.
Em primeiro lugar, o binmio planejamento engajamento, isto , a ideia de que, hoje,
qualquer iniciativa ou atividade de planejamento governamental que se pretenda eficaz
precisa aceitar (e mesmo contar com) certo nvel de engajamento pblico dos atores
diretamente envolvidos com a questo, sejam atores da burocracia estatal, polticos e
acadmicos, sejam os prprios beneficirios da ao que se pretende realizar. Em outras
palavras, a atividade de planejamento deve prever uma dose no desprezvel de horizon-
talismo em sua concepo, vale dizer, de participao direta e envolvimento prtico de
(sempre que possvel) todos os atores pertencentes arena em questo.
Em segundo lugar, o binmio articulao coordenao, ou seja, a ideia de que grande
parte das novas funes que qualquer atividade ou iniciativa de planejamento governa-
mental deve assumir est ligada, de um lado, a um esforo grande e muito complexo de
articulao institucional e, de outro lado, a um esforo igualmente grande mas pos-
svel de coordenao geral das aes de planejamento. O trabalho de articulao ins-
titucional a que se refere necessariamente complexo porque, em qualquer caso, deve
envolver muitos atores, cada qual com seu pacote de interesses diversos, e cada qual com
recursos diferenciados de poder, de modo que grande parte das chances de sucesso do
planejamento governamental hoje depende, na verdade, da capacidade que polticos e
gestores pblicos tenham de realizar a contento esse esforo de articulao institucional
em diversos nveis. Por sua vez, exige-se, em paralelo, um trabalho igualmente grande e
complexo de coordenao geral das aes e iniciativas de planejamento, mas que, neste
caso, embora no desprezvel em termos de esforo e dedicao institucional, algo que
soa factvel pelo Estado.
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Desenvolvimento como Eixo e os Eixos para o Desenvolvimento 37
Em terceiro lugar, o binmio prospectivo propositivo, vale dizer, a ideia de que, cada
vez mais, ambas as dimenses aludidas a prospeco e a proposio devem com-
por o norte das atividades e iniciativas de planejamento pblico na atualidade. Trata-se,
fundamentalmente, de dotar o planejamento de instrumentos e tcnicas de apreenso
e interpretao de cenrios e de tendncias, e ao mesmo tempo de teor propositivo para
reorientar e redirecionar, quando pertinente, as polticas, programas e aes de governo.
Em quarto lugar, o binmio estratgias trajetrias, que significa, claramente, dotar a
funo planejamento do poder de aglutinar propostas, diretrizes, projetos, enfim, estra-
tgias de ao tais que anunciem, em seus contedos, as potencialidades implcitas e
explcitas, vale dizer, as trajetrias possveis e/ou desejveis para a ao ordenada e pla-
nejada do Estado, em busca do desenvolvimento nacional.
O debate e o enfrentamento de todas as questes aqui enunciadas seguramente reque-
rem a participao e o engajamento dos mais variados segmentos da sociedade brasileira,
a includos os setores produtivos e os movimentos organizados da sociedade civil. fun-
damental, contudo, reconhecer que o Estado brasileiro desempenha um papel essencial
e indelegvel como forma institucional ativa no processo de desenvolvimento do pas.
Em suma, o desenvolvimento que se busca passa a ser, ento, um processo contnuo de
aprendizagem e conquistas, cujas dimenses ou qualificativos se agregam terica e
politicamente tanto simultaneamente como em patamares equivalentes de importn-
cia estratgica, pois hoje, finalmente, sabe-se que ou assim, ou no se est falando de
desenvolvimento.
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2A Sade na Poltica Nacional de Desenvolvimento
A seguridade social um fator bsico de cidadania, e a sade, que a integra, parte ine-
rente e estratgica da dimenso social do desenvolvimento. O setor Sade tem caracte-
rsticas, cada vez mais evidenciadas, que o colocam como rea destacada de um projeto
de desenvolvimento nacional em outras dimenses, alm da social, como por exemplo:
(i) a econmica e tecnolgica, uma vez que alavanca mais de 8% do Produto Interno Bruto
(PIB) brasileiro e articula a gerao e difuso de tecnologias de futuro; (ii) a democrtica,
por ser um dos campos mais institucionalizados de participao social em sua gesto;
e (iii) a territorial e regional, visto que a organizao dos servios de sade no territrio
condiciona o desenvolvimento regional (GADELHA e COSTA, 2011).
Assim, as relaes entre sade e desenvolvimento podem ser entendidas como um pro-
cesso dinmico e virtuoso que combina, ao mesmo tempo, crescimento econmico, mu-
danas fundamentais na estrutura produtiva e melhora do padro de vida da populao
(VIANA e ELIAS, 2007, p. 1.766).
Destaca-se a importncia social da sade (com forte impacto sobre as condies de vida
e bem-estar da populao), que um bem pblico, um direito social e elemento estrutu-
rante do Estado de Bem-Estar Social brasileiro, conforme determinado na Constituio de
1988, pela desmercantilizao do acesso.
No que tange ao seu impacto no emprego, no somente as ocupaes diretas em sade
cresceram 22% no perodo entre 2003 e 2007 chegando a 4,2 milhes, enquanto as ocupa-
es totais da economia cresceram 12% no mesmo perodo (IBGE, 2009) , como tambm
10% do total de empregos qualificados esto ocupados pelo sistema produtivo do setor.
A sade tem particular relevncia para a gerao de inovao, por ser um dos maiores
focos de investimento de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) no mundo, em um contex-
to em que a inovao se configura como grande diferencial na capacidade competitiva
nacional em ambiente globalizado (GUIMARES, 2006). Guimares (2005) afirma que a
sade responsvel por um quarto do esforo nacional em pesquisa, o que a situa em
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A SADE NO BRASIL EM 203040
posio de liderana, no que tange ao investimento em P&D para a gerao de conheci-mento (GADELHA e COSTA, 2007; DRAIBE, 2007).
, portanto, da conceituao mais ampla tanto de desenvolvimento (que pressupe sua sustentabilidade e uma relao intrnseca entre as variveis econmicas e sociais) quanto de sade (observadas suas dimenses e impactos alm daqueles tradicionais circunscritos ao setor social) e da anlise dos setores que pautam a competitividade e desenvolvimen-to em um ambiente geopoltico marcado por um processo de globalizao assimtrico e intenso que se parte para analisar o estgio evolutivo do reconhecimento macropoltico do carter estratgico do Complexo da Sade na agenda de desenvolvimento nacional.
No que diz respeito aos desdobramentos concretos da nova institucionalizao do elo entre sade e desenvolvimento, merece nfase a retomada da poltica industrial para a rea da sade, expressa no estmulo produo nacional de frmacos no Brasil. Para se alcanar esse objetivo, tm sido dados passos significativos em direo ao uso mais abrangente do poder de compra do Estado para o desenvolvimento tecnolgico em sa-de, por meio da criao de parcerias pblico-privadas entre empresas farmoqumicas nacionais e laboratrios oficiais que tm acesso ao mercado pblico.
Um exemplo da participao indita de instituies da rea econmica e de Cincia e Tecnologia (C&T) na priorizao da produo e inovao em sade a criao, pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social (BNDES) em articulao com a rea da sade, de um programa para a rea farmacutica em 2004 (Profarma I) e sua ampliao, trs anos mais tarde, quando passou a incorporar o Complexo Industrial como um todo (Profarma II). At julho de 2009 a carteira de investimento em sade, incluindo as contra-partidas, era de R$ 2,54 bilhes. J no campo de C&T, os fundos de subveno canalizaram para as empresas inovadoras em sade o valor de R$ 800 milhes em 2007 e 2008, de acordo com informaes coletadas no Ministrio da Cincia e Tecnologia.
Essas mudanas, em conjunto com o novo contexto de renascimento da poltica indus-trial para a rea da sade, tiveram forte impacto no aumento da participao do capital nacional na indstria farmacutica, cujas empresas j atingem 45% do faturamento total, contra um patamar histrico no superior a 20% (AGUILAR, 2009; GARRIDO, 2009), embora esse processo corra o risco de reverso por falta de uma base endgena de inovao (GA-DELHA e COSTA, 2010).
Observa-se que apesar da retomada de uma poltica industrial e produtiva para a sade em novas bases e do crescente reconhecimento do papel central da inovao neste setor, permanecem lacunas estruturais que limitam o alcance de seus resultados. Assim, a des-peito de a rea ter sua importncia reconhecida, no se observam ainda condies polti-cas e institucionais reais para o enfrentamento de entraves estruturais, o que sugere que a sade ainda no obteve, de fato, centralidade na poltica nacional de desenvolvimento.
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A Sade na Poltica Nacional de Desenvolvimento 41
Tal centralidade na agenda de desenvolvimento pauta tambm desafios que precisam ser ultrapassados, destacando-se entre eles a necessidade de superao de falsas polari-dades no mbito do Sistema nico de Sade (SUS).
A primeira dessas falsas polaridades a estabelecida entre a promoo e assistncia e a base produtiva da sade. O preconceito relativo ao segmento produtivo da sade no al-tera o fato de que quanto melhor a qualidade e maior a expectativa de vida da populao, mais se pressionar a demanda por produtos oriundos da base produtiva de inovao em sade. Assim, justamente uma poltica eficiente de preveno e promoo que levar ao aumento da demanda do Complexo da Sade, ou seja, do segmento que envolve inte-resses privados na prestao de servios de sade. Logo, no h dicotomia entre aes de preveno e fomento produo de insumos de sade.
De forma anloga, os princpios do SUS, que ao incorporar pessoas e regies antes ex-cludas do direito sade implicam a expanso da base de ateno, tambm levaro ao aumento da demanda dos produtos desse Complexo da Sade. Assim, a segunda pola-rizao a ser superada a observada entre a incorporao tecnolgica e a prestao de servios de sade (em seus diversos nveis de complexidade), pois tal incorporao pode justamente pautar um padro de inovao compatvel com o modelo de Bem-Estar brasi-leiro. Assim, a incorporao e a prestao de servios de sade so partes indissociveis em um sistema que se pretenda universal e integral.
Por fim, a terceira falsa polaridade aquela entre o Estado e o mercado. Uma vez que a base produtiva da sade essencial para o cumprimento dos preceitos constitucionais do SUS se d no mbito do mercado, a discusso deve se voltar para a necessidade de que o desenvolvimento econmico seja guiado pelas necessidades sociais. Em outras pa-lavras, o ponto central da discusso deve ser a busca de mecanismos para que o Estado e a sociedade pautem a dinmica de mercado, e no por ele sejam pautados.
A complexidade da questo sugere que a superao das tenses inerentes ao confronto entre os interesses pblicos e privados na sade demanda uma atuao estruturada e coordenada por parte do Estado. A relao entre esses interesses tende a se manter de-sequilibrada se no houver a devida interveno estatal. Esta se daria por meio da qua-lificao de seu aparato regulatrio, da acentuao do uso de seu poder de compra, do aumento dos aportes financeiros e redefinio das fontes de financiamento do SUS, da adequao de seu modelo de gesto e do fortalecimento da institucionalizao do Com-plexo da Sade em todas as suas dimenses.
Os custos decorrentes de uma atuao no efetiva por parte do Estado no so sustent-veis ao longo do tempo, ameaando a poltica de sade e, consequentemente, o sistema
de Bem-Estar Social brasileiro.
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3Determinantes Sociais, Econmicos e Ambientais da Sade1
Convidados pela Organizao Mundial da Sade (OMS), chefes de governo, ministros e
representantes dos governos se reuniram em outubro de 2011, no Rio de Janeiro, para ex-
pressar sua determinao de promover a equidade social e em sade por meio de aes
sobre os determinantes sociais da sade e do bem-estar, implementadas mediante uma
ampla abordagem intersetorial. No documento Declarao Poltica do Rio sobre Deter-
minantes Sociais da Sade (OMS, 2011), as autoridades presentes:
reafirmaram que a equidade em sade uma responsabilidade compartilhada e demanda o engajamento de todos os setores governamentais, de todos os segmen-
tos da sociedade e de todos os membros da comunidade internacional em uma
ao global de todos pela equidade e sade para todos;
sublinharam o valor essencial da equidade em sade constante nos princpios e dis-posies contidos na Constituio da OMS assinada em 1946 e na Declarao de Alma
Ata de 1978, e na srie de conferncias internacionais sobre promoo da sade;
reconheceram que o gozo do mais alto nvel de sade que se possa atingir consti-tui um dos direitos fundamentais de todo ser humano, sem distino de raa, reli-
gio, credo poltico e condio econmica ou social;
declararam que os governos tm uma responsabilidade pela sade de seus povos, a qual s pode ser cumprida por meio da promoo de medidas sociais e sanitrias
adequadas, e que os esforos nacionais precisam ser apoiados por um ambiente
internacional favorvel;
reiteraram que as desigualdades em cada pas e entre os pases so poltica, eco-nmica e socialmente inaceitveis alm de injustas e, em grande parte, evitveis
1 Texto baseado no documento da OMS, Reduo das desigualdades no perodo de uma gerao: igualdade na sade atravs da ao sobre os seus determinantes sociais. Relatrio final da Comisso para os Determinantes Sociais da Sade. Genebra: OMS, 2010, e nos documentos elaborados para a Conferncia Mundial sobre Determinantes da Sade, realizada no Rio de Janeiro em outubro de 2011.
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A SADE NO BRASIL EM 203044
e que a promoo da equidade em sade fundamental ao desenvolvimento
sustentvel e melhoria da qualidade de vida e bem-estar para todos, o que, por
sua vez, contribui para a paz e a segurana.
As condies econmicas e sociais influenciam decisivamente as condies de sade de
pessoas e populaes. A maior parte da carga das doenas assim como as iniquidades
em sade, que existem em todos os pases acontece por conta das condies em que
as pessoas nascem, vivem, trabalham e envelhecem. Esse conjunto denominado de-
terminantes sociais da sade, um termo que resume os determinantes sociais, econ-
micos, polticos, culturais e ambientais da sade.
Nem todos os determinantes so igualmente importantes. Os mais destacados so aque-
les que geram estratificao social os determinantes estruturais que refletem as con-
dies de distribuio de riqueza, poder e prestgio nas sociedades, como a estrutura de
classes sociais, a distribuio de renda, o preconceito com base em fatores como o gne-
ro, a etnia ou deficincias, e estruturas polticas e de governana que alimentam, ao invs
de reduzir, iniquidades relativas ao poder econmico. Entre os mecanismos que geram
e mantm essa estratificao esto as estruturas de propriedade dos meios de produo
e a distribuio de poder entre as classes sociais, e as correspondentes instituies de
governana formais e informais; sistemas de educao, estruturas de mercado ligadas ao
trabalho e aos produtos; sistemas financeiros, o nvel de ateno dado a consideraes
distributivas no processo de formulao de polticas; e a extenso e a natureza de pol-
ticas redistributivas, de seguridade social e de proteo social. Esses mecanismos estru-
turais, que alteram o posicionamento social dos indivduos, so a causa mais profunda
das iniquidades em sade. So essas diferenas que com seu impacto sobre determi-
nantes intermedirios como as condies de vida, circunstncias psicossociais, fatores
comportamentais e/ou biolgicos e o prprio sistema de sade do forma s condies
de sade dos indivduos.
Esse conceito abrangente de determinantes sociais da sade, visualizado na Figura 1, foi
adotado pela OMS em seu relatrio Diminuindo diferenas: a prtica das polticas sobre
determinantes sociais da sade, discutido na Conferncia Mundial sobre Determinan-
tes da Sade, no Rio de Janeiro (OMS, 2011). Neste modelo, os determinantes estruturais
compreendem a distribuio de renda, o preconceito baseado em valores relativos a g-
nero e etnia, e os determinantes intermedirios configuram-se nas condies de vida,
nos aspectos psicossociais, nos elementos comportamentais e/ou biolgicos e no prprio
sistema de sade.
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Determinantes Sociais, Econmicos e Ambientais da Sade 45
Figura 1 Marco conceitual dos determinantes sociais da sade
Coeso social & capital social
IMPACTOSOBRE A
EQUIDADE EMSADE E OBEM-ESTAR
CONTEXTOSOCIOECONMICOE POLTICO
Governana
Polticas macroeconmicas
Polticas sociais Mercado de trabalho, habitao, terra
Polticas pblicas Educao, sade, proteo social
Cultura e valores sociais
DETERMINANTES ESTRUTURAIS DASINIQUIDADES EM SADE
Posio socioeconmica
Classe socialGnero
Etnia (racismo)
Educao
Ocupao
Renda
Circunstncias materiais(Condies de moradia etrabalho, disponibilidadede alimentos etc.)Fatores comportamentaise biolgicosFatores psicossociais
Sistema de sade
Fonte: SOLAR e IRWIN, 2010.
Para melhorar a situao da sade e reduzir iniquidades, considerando essa abordagem
dos determinantes sociais, necessrio que intervenes coordenadas e coerentes entre
si sejam implementadas nos setores da sociedade que influenciam seus determinantes
estruturais. Por sua vez, a boa sade contribui para outras prioridades sociais como o
bem-estar, a educao, a coeso social, a preservao do meio ambiente, o aumento da
produtividade e o desenvolvimento econmico. Isso gera um crculo virtuoso no qual a
sade e os seus determinantes se retroalimentam e se beneficiam mutuamente.
Portanto, adotar a abordagem dos determinantes sociais significa compreender o valor
que a sade tem para a sociedade e admitir que ela depende de aes que, muitas vezes,
no tm relao com o setor Sade.
A abordagem dos determinantes sociais reconhece o fato de que as iniquidades em sa-
de no podem ser combatidas sem que as iniquidades sociais tambm o sejam. Para que
a economia permanea forte e a estabilidade social e a segurana global sejam mantidas,
essencial que aes coordenadas em prol da sade sejam implementadas. Enfatizar os
determinantes sociais significa, portanto, apoiar aes coerentes sobre algumas priorida-
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A SADE NO BRASIL EM 203046
des, tais como, por exemplo, a proteo social e as mudanas climticas. Ademais, essa abordagem leva em considerao a desigualdade intergeracional, que vinha sendo igno-rada, mas hoje central para essas questes que desafiam as polticas pblicas. As mu-danas climticas um smbolo da degradao ambiental como um todo ameaam o bem-estar das geraes futuras. O aumento da incidncia de doenas no transmissveis e a perda de oportunidades econmicas e benefcios da previdncia social que se obser-vam em pases de todos os nveis de renda j vm causando iniquidades intergeracio-nais, reduzindo a expectativa de vida e causando insatisfaes na populao.
A sade um fator-chave para um amplo espectro de metas da sociedade. A abordagem dos determinantes sociais identifica a distribuio da sade medida pelo grau de de-sigualdade em sade como um importante indicador no s do nvel de igualdade e justia social existente numa sociedade, como tambm do seu funcionamento como um todo. Portanto, as iniquidades em sade funcionam como um indicador claro do suces-so e do nvel de coerncia interna do conjunto de polticas de uma sociedade para uma srie de setores. Sistemas de sade que reduzem as iniquidades em sade oferecendo um melhor desempenho e, assim, melhorando mais rapidamente as condies de sade de grupos carentes acabaro por oferecer um desempenho mais eficiente tambm para todos os estratos sociais.
Assim, a lgica dos determinantes sociais da sade coloca trs imperativos. Primeiro, re-duzir as iniquidades em sade um imperativo moral. Segundo, tambm fundamental melhorar a sade e ampliar o bem-estar, promover o desenvolvimento e, de forma geral, alcanar as metas de sade. Terceiro, acima de tudo, para que uma srie de metas priori-trias da sociedade que dependem de uma distribuio igualitria da sade sejam alcanadas, preciso realizar aes sobre os determinantes sociais.
O escopo das recentes crises financeira, alimentar, ambiental e de sade pblica, entre ou-tras, que o mundo vem enfrentando desde 2008 deixaram ainda mais claro que a interco-nectividade do mundo moderno faz com que os pases no possam enfrentar esses desa-fios sozinhos ou por meio de aes sobre setores isolados. Ao invs disso, preciso realizar esforos consistentes em todos os nveis, do local ao global. Essas emergncias revelaram falhas de regulao e uma nfase excessiva em indicadores superficiais de crescimento econmico, demonstrando a necessidade de aes coordenadas e de um Estado forte.
Abrindo espao real para o debate de polticas e objetivos, as crises criaram condies sem precedentes para a adoo de abordagens ligadas aos determinantes sociais da sa-de. Ao mesmo tempo e paradoxalmente, essas crises intensificaram, em alguns pases, o desafio poltico que implementar uma abordagem ligada aos determinantes sociais,
especialmente no que tange a redistribuio, direitos e regulao. Em resposta reduo
do espao fiscal, foram demandadas redues em servios sociais que influenciam forte-
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Determinantes Sociais, Econmicos e Ambientais da Sade 47
mente os determinantes sociais. H o risco de que essa tendncia faa com que erros do
passado que produziram impactos negativos srios e extensos sobre a equidade em
sade se repitam. preciso aprender com os pases que mantiveram ou at mesmo
aumentaram os gastos nos principais determinantes sociais em tempos de crise.
Trs Princpios de Ao
O relatrio da OMS confirmado na Conferncia Mundial sobre Determinantes da Sade,
ocorrida no Rio de Janeiro, reafirmou os trs princpios de ao:
1. Melhorar as condies de vida cotidianas as circunstncias em que as pessoas nascem, crescem, vivem, trabalham e envelhecem.
2. Abordar a distribuio desigual de poder, dinheiro e recursos os motores estrutu-rais das condies de vida referidas nos nveis global, nacionais e locais.
3. Quantificar o problema, avaliar a ao, alargar a base de conhecimento, desenvolver um corpo de recursos humanos formado sobre os determinantes sociais da sade e
promover a conscincia pblica sobre o tema.
Melhorar as condies de vida cotidianas as circunstncias em que as pessoas nascem, crescem, vivem, trabalham e envelhecem
As desigualdades na organizao da sociedade implicam que a liberdade para gozar de
uma vida prspera e de boa sade esteja distribuda de forma desigual dentro e entre
sociedades. Essa desigualdade pode ser constatada nas condies vigentes na primeira
infncia e idade escolar, na natureza das condies laborais e de emprego, nas caracte-
rsticas fsicas do ambiente de trabalho e na qualidade do ambiente natural em que as
pessoas habitam. Do mesmo modo, a estratificao social determina o acesso e uso dife-
renciado de cuidados de sade, com consequncias para a promoo desigual de sade e
bem-estar, preveno e recuperao de doenas e sobrevivncia.
O Desenvolvimento na Primeira Infncia (DPI) tem influncia determinante nas possibili-
dades subsequentes de vida e sade, atravs do desenvolvimento de conhecimentos, da
educao e de oportunidades profissionais. De forma direta, a primeira infncia afetada
pelos riscos de obesidade, m nutrio, transtornos mentais, doenas cardiovasculares e
criminalidade.
As crianas precisam de ambientes seguros, saudveis, acolhedores, educativos e din-
micos em que viver. Os programas de educao pr-escolar e as escolas, como parte do
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A SADE NO BRASIL EM 203048
ambiente alargado que contribui para o seu desenvolvimento, podem ter um papel vital
na construo das capacidades das crianas.
Para tanto necessrio o compromisso e implementao de uma abordagem abrangente
da infncia, baseada nos programas de sobrevivncia infantil existentes, que alargue a
interveno na infncia ao desenvolvimento social, emocional, lingustico e cognitivo
e expanda a prestao de servios e o mbito da educao para incluir os princpios do
desenvolvimento na primeira infncia (fsico, social e emocional, lingustico e cognitivo).
O local onde as pessoas vivem tambm afeta a sua sade e possibilidade de gozar de uma
vida prspera. Abrigo, habitao de qualidade, gua limpa e condies sanitrias so di-
reitos humanos e necessidades bsicas para uma vida saudvel.
O modelo corrente de urbanizao coloca desafios significativos, particularmente os re-
lacionados com as alteraes climticas. Atualmente, as emisses de gases de efeito es-
tufa so determinadas principalmente pelos padres de consumo de cidades do mundo
desenvolvido. A interferncia e esgotamento dos sistemas climticos e a tarefa de redu-
o das desigualdades na sade em nvel global esto estreitamente relacionados.
So essenciais, para a igualdade na sade, comunidades e vizinhanas que assegurem o
acesso a bens bsicos, sejam socialmente coesas, concebidas para promover bem-estar
fsico e psicolgico e protejam o ambiente natural. preciso colocar a sade e a igualdade
na sade no centro das atenes da administrao e do planejamento urbano, garantin-
do a disponibilidade de habitao de custo suportvel, investindo na requalificao de
bairros degradados, incluindo como prioridade o abastecimento de gua e condies de
saneamento, eletricidade e pavimentao das vias de comunicao para todos os lares,
independentemente da sua capacidade financeira. E assegurar que o planejamento urba-
no promova comportamentos equitativos saudveis e seguros, mediante: investimento
em transportes ativos; planejamento do mercado de consumo de forma a controlar o
acesso a produtos alimentares insalubres ou menos saudveis; regulamentos de controle
e planejamento ambiental de qualidade, inclusive com a restrio do nmero de postos
de venda de bebidas alcolicas.
Do mesmo modo, necessrio promover a igualdade na sade entre zonas rurais e ur-
banas mediante o investimento sustentado no desenvolvimento rural, abordando-se as
polticas e processos de excluso que conduzem pobreza rural, ausncia de proprie-
dade e migrao.
As condies de emprego e trabalho tm efeitos dramticos sobre a igualdade na sade.
Quando boas, podem assegurar estabilidade financeira, estatuto social, desenvolvimento
pessoal, relaes sociais, autoestima e proteo contra riscos fsicos e psicossociais.
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Determinantes Sociais, Econmicos e Ambientais da Sade 49
Na rea do trabalho se desenvolvem muitas das influncias importantes sobre a sade, o que inclui tanto as condies de seu exerccio como a natureza do trabalho em si. Uma fora de trabalho flexvel entendida como uma vantagem para a competitividade eco-nmica, mas traz consigo efeitos sobre a sade. Condies laborais adversas podem ex-por os indivduos a uma srie de riscos para a sua sade fsica e tendem a se apresentar em profisses de baixo estatuto.
Por meio da garantia de emprego justo e condies de trabalho dignas, governos, empre-gadores e trabalhadores podem contribuir para a erradicao da pobreza, minimizar as desigualdades sociais, reduzir a exposio a riscos fsicos e sociais e melhorar as oportu-nidades para a sade e o bem-estar.
Todos os indivduos precisam de proteo social ao longo de todo o ciclo de vida en-quanto crianas, durante a sua vida ativa e em idade avanada. Tambm necessitam de proteo caso sofram eventos especficos, tais como doena, incapacidade e perda de rendimento ou trabalho. A pobreza infantil e a transmisso da pobreza de gerao em gerao so obstculos relevantes melhoria da sade da populao e reduo da de-sigualdade na sade.
Os sistemas de proteo social redistributivos, em combinao com a capacidade das pessoas para levar uma vida prspera no mercado de trabalho, influenciam os nveis de pobreza. Os sistemas generosos de proteo social universal esto associados com uma melhor sade da populao, incluindo menores ndices de mortalidade excessiva entre os idosos