Sapiencia11

12
TERESINA - PI, MARÇO DE 2007 O ‘anjo torto’ da Tropicália tem sido tema de tese de vários pesquisadores Págs. 8 e 9 Poeta é motivo de estudos que revelam a sua importância como guardião da memória Págs. 11 e 12

description

Literatura Piauiense

Transcript of Sapiencia11

TERESINA - PI, MARÇO DE 2007

O ‘anjo torto’ daTropicália tem sido temade tese de váriospesquisadoresPágs. 8 e 9

Poeta é motivo deestudos que revelam asua importância comoguardião da memóriaPágs. 11 e 12

TERESINA - PI, MARÇO DE 2007

O processo civilizatório estáintimamente ligado aodesenvolvimento de práticas deleitura e de escrita. A invenção deGutemberg trouxe ao Ocidente umarevolução extraordinária no campocientífico e intelectual,possibili tando a laicização doconhecimento, antes ummonopólio da Igreja e da

aristocracia.Se o advento da imprensa

promoveu as atividades de ler e escreverà condição de prática social, uma outratransformação ocorreu em decorrênciado incremento da escrita: a leitura deixoude ser apenas uma forma de propagaçãodo conhecimento científico ou filosófico,se tornando também uma opção deentretenimento ou lazer. A partir daí,

2 OPINIÃO

100 anos de literatura piauiense

ISSN - 1809-0915

Informativo produzido pelaFundação de Amparo à

Pesquisa do Estado do PiauíFone: (86) 3216-6090Fax: (86) 3216-6092

Presidente da FAPEPIAcácio Salvador Véras e Silva

Conselho Editorial:Acácio Salvador Véras e Silva

Francisco Laerte J. MagalhãesWelington Lage

Editora-Chefe:Márcia Cristina

Textos:Márcia Cristina (Mtb-1060)Roberta Rocha (Mtb-1856)

Revisão:Assunção de Maria S. e Silva

Editoração Eletrônica:Cícero Gilberto(86) 8801.9069

Impressão:Grafiset - Gráfica e editora Rêgo

Ltda. - (99) 3212.2177

Tiragem: 6 mil exemplares

Críticas, sugestões e contatos:

Agradeço as mensagens que têm enviado com freqüência, sempre informando sobre notícias e eventos científicos. Sobreo último informativo científico Sapiência, consultei o material disponível, na página da Fapepi e achei um ótimo material dedivulgação científica. A Fapepi e todos os professores-pesquisadores estão de parabéns pela qualidade das pesquisasque vêm sendo desenvolvidas, em alguns casos há décadas.

Prof. Guilherme MedeirosCoordenador do Colegiado de Arqueologia e Preservação PatrimonialUniversidade Federal do Vale do São Francisco – Univasf / Campus Serra da Capivara-PI

Recebemos

começam a desaparecer antigas práticas,calcadas na oralidade e próprias do meiorural, como a prática de ouvir e contarhistórias.

À medida que a leitura seconsolida como prática social, passandoa penetrar no espaço doméstico, comoentretenimento para toda a família, aliteratura – um tipo especial de escrita,valorizada por seus recursos estéticos– até então acessível apenas ao deleitedas elites, passa a fazer parte docotidiano das populações urbanas.

Esse grande surto civilizatórioprovocado pela imprensa, no continenteeuropeu, durante o século XVIII,repetiu-se no Brasil a partir da segundametade do século XIX. No Piauí, porém,somente veio a ocorrer, na entrada doséculo XX, quando se formou uma classe

média urbana e letrada o suficiente parao consumo de produtos culturais.

Não obstante algumas obrasesparsas publicadas por autorespiauienses ainda no século XIX, a nossaliteratura veio a ganhar um público locale a ter repercussão na crítica literáriasomente nos primeiros anos do séculopassado. Podemos, portanto, nesteinício de século XXI, festejar ocentenário da nossa literatura.

Esta edição do Sapiênciapretende homenagear os cem anos daliteratura piauiense, focalizando apesquisa acadêmica voltada ao estudoda obra de H.Dobal, Assis Brasil eTorquato Neto, que são, sem dúvida,autores que muito bem representam oelevado nível estético alcançado pornossa literatura.

Socorro MagalhãesUm outro lugar para se nascer no Japão - As casas de parto

N operíodo de 9 defevereiro a 25 deabril de 2004, deze n f e r m e i r a so b s t e t r a sbrasileiras - entreelas duaspiauienses -estivemos noJapão, fazendo o treinamentoASSISTÊNCIA AO PARTOHUMANIZADO EM CASAS DEPARTO DO JAPÃO, através de umprojeto da JICA (Agencia de CooperaçãoInternacional do Japão), que tem comofinalidade treinar enfermeiras obstetraspara a assistência ao parto humanizadono Brasil. Segundo a OrganizaçãoMundial de Saúde (OMS), são essesprofissionais que se enquadram nomelhor perfil da humanização do parto enascimento com o objetivo de reduzir astaxas de mortalidade materna e neonatalno Brasil.

Tivemos a oportunidade deconhecer a realidade de um paísdesenvolvido que acredita nahumanização do parto e para que isso

ocorra não se faz necessário o usoindiscriminado da tecnologia. Em dadoscomparativos, a mortalidade materna noJapão é de 6,5/100 mil nascidos vivos; noBrasil, 74,5 óbitos maternos para 100 milnascidos vivos. A mortalidade infantil até1 ano de vida corresponde a 3 por milnascidos vivos no Japão, enquanto que,no Brasil, este índice é de 31 óbitos infantispara mil nascidos vivos. A taxa de partoscesarianos no Japão é de aproximadamente13% do total de partos; no Brasil, esseprocedimento representa 45% nasinstituições publicas, chegando a índicesalarmantesde 90% nas instituições privadas.

No Japão, existem 300 casas departo. A casa de parto é uma instituição desaúde de nível primário cujas atividadesconsistem em assistência à mãe, durante agestação, parto e puerpério; ao recém-nascido, apoio ao aleitamento materno atéo desmame e apoio ao planejamentofamiliar e educação sexual.

As casas de parto do Japão sãolugares onde a mulher é assistida somentepor enfermeiras obstetras (Midwife). É umespaço em que a mulher se sente protegidae segura, compartilha a experiência comoutras mulheres e tem a participação diretada família. A mulher aprende a viver o seu

Ivanilda Sepúlveda Gomes* cotidiano, adequando-se às mudançasde seu próprio organismo, onde oautoconhecimento supera a expectativada dor, na hora de parir. Um outro fatorimportante para o alívio da dor é opreparo da mulher para o parto, momentoem que mulher mesma faz os seus planosde parto. O prazer de ser mãe,acompanhado do apoio familiar, éfundamental para a diminuição daansiedade do parto com conseqüentealívio da dor. Na casa de parto, ocorre oaumento do vínculo mãe-filho e família,pois a mulher e seu filho são valorizadoscomo atores principais de um espetáculoda natureza.

Com este curso realizado noJapão, ficou claro que é possível arealização do parto por enfermeiras,visto que o mesmo é fenômeno natural efisiológico e carece do mínimo possívelde intervenções.

Está faltando à mulher brasileirao estímulo ao parto normal e ela precisaencontrar o seu próprio instinto de parir,regatando assim uma tradiçãoexclusivamente feminina.

Em nome da Diretora da Biblioteca Central da UFPA, Bibliotecária Sílvia Maria Bitar de Lima Moreira, acusamos orecebimento do Jornal SAPIÊNCIA nº 10. Nesta oportunidade, apresentamos nossos agradecimentos pela doação queenriquecerá, sobremaneira, nosso acervo e proporcionará aos nossos usuários uma fonte de informação histórica valiosapara suas pesquisas.

Maria Hilda de Medeiros GondimDiretora da Divisão de Desenvolvimento de Coleções - Biblioteca Central/UFPA

[email protected] •Fones: (86) 3216.6090 / 3216.6091

Fax: (86) 3216.6092 •www.fapepi.pi.gov.br

Nº 11 * Ano IV * Março de 2007

* Enfermeira [email protected]

TERESINA - PI, MARÇO DE 2007

ARTIGO 3

Wa l t e rBenjamin (1985),no ensaio ONarrador, declaraque a arte denarrar está emvias de extinção,uma vez que ohomem pareceestar privado dafaculdade de intercambiar experiências,as quais passam de pessoa a pessoa econstituem a fonte dos narradores.Logo, se não existe experiência não háo que contar, pois a narrativa provémda experiência. Esse experienciar temcomo suporte a oralidade, o que dá àhistória oral caráter de modeloexemplar da narrativa. A predileção portal modalidade é reforçada, quando sereporta à narrativa escrita e afirma queesta deve se distinguir o mínimopossível das histórias orais contadaspelos inúmeros narradores anônimos.Para o autor, a arte de narrar estápautada na cultura oral em que onarrador é anônimo, a experiência e amemória são coletivas.

Partindo dessa perspectiva, aOdisséia , de Homero, apresenta-secomo exemplo defendido pelo autor. Talexemplaridade se manifesta , aprincípio, por ser uma epopéia, que épara Benjamim a representação domundo oral. Além disso, esse gêneroconta sempre a história de um povo oude uma nação, assumindo um carátercoletivo, visto que não há a noção deindivíduo, ou seja, o retorno do heróiUlisses não tematiza a história de umindivíduo e sim a do povo grego. Valeressaltar que ocorre a representação daguerra, através das personagens, o querepresenta a materialização dacoletividade e não da individualidade,muito embora, na superfície do texto, aação esteja a cargo de uma personagemcomo, por exemplo, Ulisses.

É uma narrativa marcada pelaoralidade, tendo em vista a fortepresença do ato de narrar para umouvinte, como se observa nos momentosem que Ulisses relata as suas aventuraspara poder retornar até Ítaca, contandosempre com um interlocutor. Essaestratégia comprova a concepção denarrativa, enquanto lembranças de umaexperiência vivida que pressupõe apresença de um público. Tais relatostambém se configuram como umesforço de recuperação da memória, oque justifica a quebra da seqüêncialinear do enredo em que o narradortrabalha com a técnica denominada inmedia res e uma perspectiva temporalnão cronológica.

Outro aspecto que aproxima aOdisséia da narrativa oral postulada porBenjamim é o que diz respeito aoanonimato do narrador, porquanto nãose sabe, com certeza, quem foi o sujeitoque escreveu essa epopéia, havendouma convenção em torno do autor,

Homero. Isso reforça igualmente a idéiade ausência de individualidade, isto é,não há um sujeito-narrador, mas umacoletividade-narradora e se é a voz deum grupo/povo/cultura que vem à tona,por conseguinte, a memória também écoletiva.

Para Benjamim, o surgimentodo romance sinaliza o primeiro indícioda morte da narrativa porque esserepresenta o mundo da escrita. Tem-seuma ruptura entre o mundo da oralidadee o da escrita que se manifesta numprocesso de produção e recepção daescrita, pautado no isolamento doescritor e do leitor, isto é, na segregaçãodo romancista e na leitura individual esilenciosa. O autor afirma ainda que “aorigem do romance é o indivíduoisolado, que não pode mais falarexemplarmente sobre suaspreocupações mais importantes e nãorecebe conselhos nem sabe dá-los”(p.201).

Em vista disso, o romance nãorepresenta uma coletividade, haja vistaa entrada em cena da noção deindividualidade, que privilegia a análisepsicológica detalhada em detrimento daconcisão característica da narrativaoral, pois “quanto maior a naturalidadecom que o narrador renuncia àssutilezas psicológicas, mais facilmentea história se gravará na memória doouvinte, mais completamente ela seassimilará à sua própria experiência emais irresistivelmente ele cederá àinclinação de recontá-la um dia”(p.204). Essa posição do autor revela aconcepção da memória como tradição,já que só se preserva aquilo que épossível de ser lembrado. Por isso, asnarrativas para serem perenes precisamconter apenas a essência que é deinteresse do coletivo e não o detalhe,tendo em vista que a memória não écapaz de guardá-lo e porque eleindividualiza.

O Ateneu, de Raul Pompéia,enquadra-se como texto exemplar dacategoria romance caracterizada porBenjamim. Têm-se não mais uma obracoletiva e sim individual, visto que onarrador é em 1ª pessoa e possui umcaráter autobiográfico porque estácalcada na vida do autor, ou seja, anarrativa remete para um sujeito combiografia, a qual interfere na obra. Talindivíduo que constitui o narrador(Sérgio), na verdade, desdobra-se emtrês: Sérgio/criança – personagem,Sérgio/adulto – narrador, e Sérgio/Dr.Cláudio – alter ego de Sérgio,reforçando a concepção deindividualidade, porque advém dosconflitos da personagem Sérgio, quenão procura “a moral da história”, mas“o sentido da vida”. Afinal, paraBenjamim, é o que o romance pretendeser, haja vista não ter uma dimensãoutilitária, isto é, o texto apresenta umaconsciência da frustração de que nãoensina nada. Com essas características,a obra de Pompéia é uma recuperaçãode uma memória psicológica

diferentemente da obra de Homero queé uma memória de ações.

Fica evidenciado também queessa memória psicológica revela umindivíduo que quer falar para si e,portanto, não precisa de um público.Traz à tona a solidão do narrador noperíodo vivido num internato, queassume características de prisão e dedor. Ao apresentar uma crítica à culturaburguesa, o narrador apresenta umindivíduo que se expressa em oposiçãoà sociedade. Para tanto, utiliza omicrocosmo escolar para representar asociedade, apresentando uma espécie de

Homero e Pompéia: literatura e memória

* Doutor em Letras - PUC-RSProfessor Adjunto do Departamento deLetras – CESC/[email protected]

A Bruxa má de Teresina

Diógenes Buenos Aires de Carvalho*

E s t eartigo é umasíntese dadissertação dem e s t r a d o ,defendida noMestrado emPolíticas Públicas– UFPI, em 30 denovembro de 2005, sobre o estudo doestigma de “lugar violento”, logo, de“gente perigosa”, sobre a comunidadeda Vila Irmã Dulce, construído pelodiscurso oficia l midiatizado. Essetrabalho teve como privilégio àorientação da Profª. Dra. D’AlvaMacedo e co-orientação do Profº. Dr.Fabiano Gontijo.

No contexto contemporâneoda reconfiguração urbana de Teresina,entre a verticalização e a favelização,a Vila Irmã Dulce surgiu como partede uma forma de organizaçãoterritorial dos pobres – as ocupaçõescoletivas de terras.

Sociologicamente, o estigma éuma categorização de a tributosconsiderados comuns e naturaisconstruído pela sociedade para rotular/caracterizar um indivíduo, ou gruposde indivíduos, como um ser inabilitadopara a aceitação social plena – umaespécie de “ identidade social” oumarca identitária. Na realidade, umestigma trata-se de um tipo especial derelação entre atributo e estereótipo,que, no caso da Vila Irmã Dulce, apolícia construiu o atributo –“violento”, os programas policiaisderam o estereótipo – “lugar”, e ambos,cada qual com o seu modo discursivo,disseminaram a relação entre oatributo e o estereótipo na sociedadeteresinense – “lugar violento”.

Contudo, o estigma de “lugarviolento” para a Vila Irmã Dulce nãofaz jus à comunidade. Já que aconvivência social na localidade nãose expressa em função de práticas deviolência, como induz o discursooficial midiatizado que impregnou oimaginário teresinense.

O estigma de “lugar violento”sobre a Vila Irmã Dulce tem relação

com a condição social de seusmoradores, pois a ideologia policiala inda associa crime à pobreza. Adiscriminação e a desqualificaçãosocial de seus moradores é o maiorcastigo imposto pelo estigma sobre acomunidade.

Os moradores da Vila IrmãDulce, pela própria dinâmica dacondição humana, desejam ealmejam por reconhecimento,valorizaçã o, acolhimento,visibilidade, significado, distinção epoder, que revigorem sua auto-estimae permita m-lhes a lcançaracessibilidade como um grupo socialde identidade e apreço próprios.

Eles têm na resistência umfator primordial para desencadear oprocesso de mudança e naconsciência políti ca da forçacoletividade, o elemento essencialpara articu lar a organizaçãocomunitária e superar os desafiospostos pelas discriminações, ospreconceitos de classe, as exclusões,as intoler âncias, a vio lência e acondição de pobreza.

Com o estudo foi possívelperceber que a história dos pobres emTeresina, no caso da Vila Irmã Dulce,é constituída de trajetórias incertas,onde a intensa mobilidade espacialsó cessa, quando encontram refúgionuma área desocupada, no afã desuperarem a longa experiência denegação do direito à moradia e àcidadania por parte do Estado.

As interpretações sobre asrelações sociais estabelecidas pelacomu nidade e a consta taçã o daexistência de redes de solidariedadee de reciprocidade demonstraram quea localidade não é um “ lugarviolento”, ou de “incivilizados” emque a violência é uma marcaidentitária, já que o seu convíviosocial não é, essencialmente,esta belecido em fu nção de umasuposta prática de sociabilidadeviolenta construída pelo discursooficial.

Arnaldo Eugênio*

totalidade.A odisséia e O Ateneu

configuram, por conseguinte, exemplosmodelares da concepção de WalterBenjamim acerca da narrativa oral e doromance, respectivamente. Sendo queessa distinção passa pelodesdobramento da memória em coletivaou individual.

* Professor de Sociologia da UFPIMestre em Políticas Pú[email protected]

TERESINA - PI, MARÇO DE 2007

REPORTAGEM4

Estudo aponta que literatura piauiense se manifestaa partir do início do século XX

Foto

: Arq

uivo

pes

soal

Socorro Magalhães* pesquisou o surgimento histórico da literatura piauiense

*Maria do Socorro Rios MagalhãesDrª. em Letras pela PUC-RSProfª. do Mestrado em Letras da UFPIProfª. Adjunta de Letras da UESPI

[email protected]

O incremento da pesquisa científica,graças ao fortalecimento dos programasde pós-graduação em todo o país e tambémem nosso estado, produziu umconsiderável volume de trabalhos que vêmcolaborando na recuperação da memóriacultural do Piauí. Atualmente, não mais sepõe em dúvida a existência de umaliteratura piauiense, reconhecendo-se umconjunto notável de autores e obras, bemcomo a existência de um público de leitorese de uma crítica literária, instânciasindispensáveis ao enraizamento social deuma literatura.

Autora de uma tese dedoutorado, defendida na PUC-RS,intitulada Horizontes de Leitura e CríticaLiterária: a recepção da literatura piauiense(1900-1930), a Profª Maria do Socorro RiosMagalhães afirma que o período de 1900 a1930 constitui o momento decisivo naformação do sistema literário piauiense eque “somente a partir de circunstânciasfavoráveis, como a melhoria da escola, odesenvolvimento da imprensa e ainstalação das primeiras tipografias emTeresina, tornou-se possível ofuncionamento de um sistema literário, nosmoldes preconizados por AntonioCandido, autor do clássico A formação daliteratura brasileira: momentos decisivos,onde aponta a tríade autor-obra-leitorcomo indispensável à formação de umaliteratura propriamente dita, ou seja, umsistema literário”.

Ainda segundo a Profª SocorroMagalhães, as primeiras produçõesliterárias consideradas como literaturapiauiense datam dos primórdios do séculoXIX, com o aparecimento de obrasesparsas, produzidas e publicadas fora doPiauí e até mesmo fora do Brasil. Oshistoriadores da literatura piauiensedivergem ao apontar autores e obras quemarcariam a origem dessa literatura, unsapontam Ovídio Saraiva, com Poemas,livro publicado em Coimbra, em 1808;outros defendem que a literaturapiauiense começa com a publicação de Acriação universal, de Leonardo CasteloBranco, impresso no Rio de Janeiro, noano 1856, período em que o poeta viveunaquela cidade; para outros, Flores danoite, de Licurgo de Paiva, publicado nacidade do Recife, em 1866 seria a obrainicial da literatura piauiense; há ainda osque afirmam a primazia de Impressões egemidos, obra póstuma de José Coriolano,publicada em 1870, por intervenção deamigos, que reuniram trabalhos do poeta,escritos na década anterior, quandoacadêmico de Direito na cidade do Recife.

Na sua tese de doutorado, SocorroMagalhães lembra que os sujeitos dessaprodução literária, embora nascidos noPiauí, radicaram-se, de forma permanenteou temporária, em outros centros, ondeencontraram condições favoráveis àedição de suas obras, o que não era,naquele momento, possível em sua terranatal.

“As obras desses autorespermanecem, em grande parte,

desconhecidas do leitor contemporâneo.Dessas, apenas Poemas, de OvídioSaraiva, teve uma segunda edição, graçasa um projeto financiado pelo CNPq eexecutado por um grupo de professoresdo Departamento de Letras daUniversidade Federal do Piauí”, diz aprofessora.

Na realidade, a maior parte daprodução literária de autores piauiensesdo século XIX encontra-se dispersa emperiódicos. Ainda conforme apesquisadora , “dentre aqueles quechegaram a publicar em livros, raros foramreeditados, com exceção de dois autoresmuito populares, cultores da chamadapoesia sertaneja,cujos versos foramt r a n s m i t i d o soralmente por váriasgerações depiauienses. Trata-sedas obras Lirasertaneja , deHermínio CasteloBranco e A harpa docaçador, de TeodoroCastelo Branco, quetiveram reediçõespatrocinadas por órgãos culturais doGoverno do Estado do Piauí e doMunicípio de Teresina, em temposrecentes, mais precisamente, nos anos de1988, o primeiro e 1996, o segundo. SobreA harpa do caçador, até a recente segundaedição, além dos versos preservados pelamemória popular, só havia o registro deClodoaldo Freitas em Vultos Piauienses:apontamentos biográficos, de 1903.”

Seguindo a classificação deAntonio Candido, Socorro Magalhãesprefere chamar as obras de autorespiauienses datadas do século XIX demanifestações literárias. Essas obras sãofruto do gênio, do talento individual dosescritores, mas não mantém entre siqualquer relação de continuidade,

condição indispensável para a criação deuma tradição literária, no sentido queAntonio Candido confere a esse termo.

“Só a partir das primeiras décadasdos novecentos, é que o Piauí começou acontar com um razoável número de autoresreunidos, de forma consciente, em tornodo projeto de construção de uma literaturapiauiense”, diz a Profª Socorro Magalhães.

Por sua vocação agro-pastoril, oPiauí manteve, até a entrada do século XX,uma população rural, formada, na suamaioria, por vaqueiros e lavradores. Aemergência de uma classe média, urbana eletrada, apta a consumir bens culturaismais sofisticados só veio a ocorrer após a

implantação daRepública, a partirdas mudançaspromovidas ao longodos primeirosg o v e r n o s ,sobretudo no que serefere à educação.

Só a partir daconsolidação dei n s t i t u i ç õ e sbasilares para odesenvolvimento

sociocultural, como escola, imprensa,produção literária e aparelho tipográficotornou-se possível a existência de umsistema literário. No Piauí, a convergênciadessas instâncias permitiu não apenas ahabilitação dos indivíduos para o exercícioda leitura e da escrita, mas tambémconcedeu viabilidade material à literatura,criou mecanismos de incentivo à práticade leitura e à divulgação de obras literárias,possibilitando a constituição de umpúblico de leitores para a recepção daliteratura piauiense, que começava a serprojetada.

Segundo a Profa. SocorroMagalhães, o sistema literário piauiensepassou a funcionar, a partir do momentoem que intelectuais integrados à vida

cultural do Estado, se reuniram com aintenção de criar uma literatura deexpressão piauiense. São estes os mesmosque passaram a fazer a crítica literáriaatravés da imprensa, o que possibilitou adivulgação das obras para um públicomaior. Surgiram, nesse período, acirradaspolêmicas entre autores e críticos,empolgando os leitores de jornal. Astipografias começaram a imprimir além delivros, revistas literárias, ampliando ossuportes de leitura literária. O movimentocultural do Estado cresceu, e os literatoslocais passaram a alimentar o desejo deconstrução de uma identidade literária parao Piauí, um sonho que encontrou nafundação da Academia Piauiense deLetras, em 1917, a sua maior realização.

Entre os artífices do nosso sistemaliterário, a professora aponta vários nomes,abrangendo, pelo menos, duas geraçõesde piauienses que, no começo do séculoXX, assumiram a tarefa de criar, organizare divulgar, tanto as obras, como a críticareferente a essa literatura. A título deexemplo, podem ser citados: ClodoaldoFreitas, Higino Cunha, Arimatéa Tito, JoãoPinheiro, Cristino Castelo Branco, AntônioChaves, Fenelon Castelo Branco, CorintoAndrade, Antônio Bona, Matias Olímpio,Alfredo Castro, Jônatas Batista,Esmaragdo de Freitas, Celso Pinheiro, ZitoBatista, Alcides Freitas e Lucídio Freitas eainda muitos outros.

Quanto às obras produzidas noperíodo de iniciação da literatura piauiensecomo sistema, em sua tese de doutorado,a Profa. Socorro Magalhães analisou arecepção pela crítica, de dez livros,abrangendo poesia, romance e conto. Sãoos seguintes: Solar dos sonhos, de JoãoPinheiro; Almas irmãs, de Antônio Chaves,Celso Pinheiro e Zito Batista, Sincelos, deJônatas Batista; Ode a Satã, de AdalbertoPeregrino; Nebulosas, de Antônio Chaves;Um manicaca, de Abdias Neves; À-toa:aspectos piauienses e Fogo de palha, deJoão Pinheiro.

Socorro Magalhães faz, contudo,uma ressalva importante: autorespiauienses continuaram publicando suasobras fora do Estado, durante todo oséculo XX, mesmo aqueles que mantinhamrelações próximas com o movimentoliterário local, como Félix Pacheco, AméliaBeviláqua e Da Costa e Silva, este últimoo poeta mais conhecido e mais admiradodo público piauiense até os dias de hoje ecuja obra abrange as três primeirasdécadas do século XX, começando em1908, com Sangue, prossegue comZodíaco e Verharen em 1917, comPandora em 1919, culminando comVerônica, em 1927.

Socorro Magalhãesprefere chamar asobras de autores

piauienses datadas doséculo XIX demanifestações

literárias.

TERESINA - PI, MARÇO DE 2007

5REPORTAGEM

Entre 1965 e 1969, o escritorAssis Brasil inspirou-se na sua cidadenatal Parnaíba para produzir quatroimportantes pérolas da litera turabrasileira, conhecida como a Tetralogia.Embora Os que Bebem como Cães (1975)tenha sido bastante propagado pelosliterários e, assim, conhecido país afora,a Tetralogia, composta por: Beira RioBeira Vida (1965), A Filha do MeioQuilo (1966), O Salto do CavaloCobridor (1968) e Pacamão (1969), teveseu impacto entre alguns escritores erecentemente vem despertando ointeresse de pesquisadores no meioacadêmico piauiense e de outrosestados.

Entre esses estudos, aprofessora piauiense das redes municipale estadual de educação do Maranhão,Francigelda Ribeiro, fez uma análise dociclo ficcional sobre Parnaíba, na visãode Assis Brasil. Em sua dissertação demestrado intitulada ‘Tetralogiapiauiense: a interface entre o literário eo social’, defendida na UFPI, aprofessora teve como objetivo centralanalisar as relações sociais e osimpasses gerados pela divisão declasses e por outras formas deestratificação no contexto das obras quecompõem a Tetralogia. Além do estudo,ela produziu um documentário,transformado em DVD, com o próprioescritor, com o objetivo de registrarmemórias e focalizar a tetralogiapiauiense na visão do autor.

“Na minha dissertação, pesquiseicomo Assis Brasil refletiu artisticamenteo contexto da época. Observei nas obrasum colapso do momento áureo deParnaíba, quando começa a declinar aefervescência comercial da cidade, dametade do séc. XIX até metade do séc.XX”, informou a pesquisadora.

Francigelda Ribeiro explora aorganização interna dos romances,demonstrando que os aspectosestilísticos concorrem para realçar atemática social e reconhece os diversosdiscursos em conflito nos textos, cujarelevância demarca o embate entre asforças conservadoras e reformadores emum panorama social cerceado porvalores patriarcais. Para a pesquisadora,a Tetralogia situa os problemas sócio-

As marcas de uma sociedade na Tetralogia de Assis Brasilpolítico-culturais, que constituem olegado do nosso passado. Fatostransportados à ficção que vertem oamargo de forças repressivas epolarizadoras.

A pesquisadora buscou seaproximar da realidade onde os fatosocorreram e até buscar mais explicaçõesjunto ao próprio autor, que mora no Riode janeiro. “Estive com remanescentesde algumas famílias tradicionais dacidade, citadas nos romances, que muitorevelaram personagens reais mescladoscom nomes reais e também com históriasfictícias. Por mostrar a realidade em partede uma sociedade conservadora, AssisBrasil tornou-se, para muitos, na cidade,

Francigelda Ribeiro*

Assis Brasil em uma de suas últimas visitas à sua terra natal; no detalhe, ele faz pose no cais de Parnaíba, onde se passa o romance Beira Rio Beira Vida

um ser indesejável”, relatou FrancigeldaRibeiro.

Ela ressalta que Mundoca e Cota,respectivamente, personagens centraisde Beira Rio Beira Vida e A Filha doMeio Quilo, tiveram seus princípioscombatidos pelo corpo conservador dacidade. “Ambas empunham umprocesso de ruptura de valoresarraigados e, pelarigidez doso b s t á c u l o s ,contorcem-se naluta por um espaçorepresentativo. Cotaé contemporânea deCremilda, avó deM u n d o c a .Malgrado ointervalo de duasgerações, aspersonagens foramescolhidas pelo quetêm em comumquanto à luta porformas de inserção social. Cota, filha deNhôzinho, apelidado de meio-quilo, pelofranzino talhe do corpo, seguia,diariamente, com o pai e a madrasta parao mercado. Para Mundoca, os rumoresde vozes masculinas enchiam as noites

no barracão de madeira, no cais ondemorava juntamente com a avó e com amãe, Luíza – ambas prostitutas.Inclusive, Beira Rio Beira Vida centraos fatos nos moradores do cais e na partemarginalizada da cidade. A filha do MeioQuilo retrata a periferia, os trabalhadoresdo mercado e uma elite que não aceitaque esse grupo marginalizado ultrapassea barreira. Cota será foco de perseguiçãoporque ela não aceita estar circundadapor essas imposições. Ela desejatranscendência e começa a ser cerceadapor uma elite dominadora. Assis Brasilmostra que as barreiras são relativas”,esclarece.

No terceiro livro da Tetralogia, O

Salto do Cavalo Cobridor, apesquisadora observa que os fatos sedeslocam do centro urbano para umpovoado, uma fazenda, chamadaFrecheira da Lama (Norte do Estado),existente até hoje. Nessa obra, o autorretrata não o grande burguês, mas opequeno burguês e seus agregados, oespaço rural, mas fica clara também a

questão classista.“Os empregados sócomem bem quandoos patrões estão nacasa. Há umarelação de confiançae subserviência como patrão e este dedominação. Não háconflito, não háreflexão, hár e n ú n c i a ,s u b o r d i n a ç ã o ” ,descreve.

E mPacamão , é

fechado o ciclo e o leitor pode ter umavisão mais clara do conjunto. “Pacamãofecha o trabalho com muita coerência. Otipo de personagem que ele chama a essaobra consegue e muito sintetizar osoutros livros. Ocorre o ápice do desejo

de dominação, chegando a ter até morte,em razão da sede de domínio. O poderestá acima de todos os valores, acimado bem e do mal”, considera.

“Assis Brasil trouxe para aTetralogia nomes de pessoas reais, comoDarcy Marvinier. Nos livros, Pacamãoe Beira Rio Beira Vida , Darcy eraassíduo freqüentador do prostíbulo daCremilda. Para Assis Brasil, ele era umser inquieto, com sede de dominação,egoísta e orgulhoso. O autor demonstra,na sua obra, ações socialmenteinaceitáveis pela sociedade da época.Segundo informações de professores emoradores da cidade, Darcy se juntou aoutros membros da sociedade, que

chegaram a proibir até a pronúncia donome Assis Brasil, após a publicação doromance. Hoje, o escritor já é muito bemaceito e querido. Se antes ele foi motivode raiva, hoje é motivo de orgulho emvários setores da sociedade local”.

Em 1979, quando do lançamentode Pacamão, em comentário feito sobrea Tetralogia, o escritor afirmou: “nasceude uma necessidade urgente de voltaràs minhas raízes telúricas, e aexperiência de vida, principalmente ainfância, foi a matéria-prima para olevantamento de um mundo ficcional.Deixei de lado os contos e novelascerebrais, ideológicos, de teses, e mevoltei para o homem, para a suacondição, onde tudo está implícito:ideologias, teses e supostasmensagens”. E assim concluiu: “Sãoquatro romances e uma única intenção:a denúncia. E a denúncia não pode sercristalizada através de uma forma quecompactue com a estagnação social”.

“São quatro romances euma única intenção: adenúncia. E a denúncia

não pode ser cristalizadaatravés de uma formaque compactue com a

estagnação social”

Assis Brasil

Foto

: Arq

uivo

pes

soal

*Profª. Fracigelda RibeiroProfª. das redes municipal e estadual deeducação do MaranhãoMestranda em Letra na UFPI

[email protected]

Foto

: Arq

uivo

pes

soal

TERESINA - PI, MARÇO DE 2007

Sapiência - Foi difícil para o senhor,nascido numa província distante comoo Piauí, tornar-se um escritor de renomenacional? O que levou a deixar o Piauíe radicar-se no Rio de Janeiro?

Assis Brasil - Foi relativamentedifícil, mas eu, como jornalista,tive a sorte de ter acesso à área,passando a colaborarliteralmente nas chamadasfolhas. Eu estava morando eestudando em Fortaleza,Ceará, terra de minha mãe.Como eu já escrevia, acheique um centro maior seria

o ideal para mim, nãosó para continuaros estudos, comopara me tornar (eujá tinha

consciência disso)escritor.

Sapiência - O Piauí aindaé uma “província”

distante para quem temtalento na literatura?

Assis Brasil -Todas as

“províncias”brasileiras.Jornalista,

Assis Brasil: um piauiense que transformou a literatura brasileiraTERESINA - PI, MARÇO DE 2007

“...escrever para jovens, me faz mais jovem e descansodas engrenagens mais envolventes do meu cérebro.”

Francisco de Assis AlmeidaBrasil ou simplesmente Assis Brasil éum piauiense notável. Romancista,contista, ensaísta, crítico literário,jornalista, professor, com mais de cemlivros publicados (113 publicados) éum dos maiores poetas piauienses ebrasileiros, com diversos prêmiosliterários. Aos 75 anos e ainda emplena atividade, possui um legadoimportantíssimo para a literaturabrasileira.

Aos 11 anos, foi morar emFortaleza, Ceará, onde começou aescrever. Seu primeiro texto, aos 15anos, inspirado num apólogo deMachado de Assis, foi publicado naGazeta de Notícias, em 1948. Em 1949,aos 17, mudou-se para o Rio deJaneiro e atuou, entre outras funçõescomo redator de propaganda dasCasas Pernambucanas, quandocomeçou também a cursar jornalismona Pontifícia Universidade Católica.Em 1956, iniciou seu trabalho comocrítico literário profiss ional dosuplemento dominical do Jornal doBrasil, cargo que abandonou em 1961.A partir daí, escreveu para outrosjornais do país, traduziu ensaios, fezcrítica de cinema e lecionou na Escolade Comunicação da Universidade doRio de Janeiro. Seu reconhecimentocomo escritor, veio em 1956, com oPrêmio Nacional Walmap, por BeiraRio Beira Vida, considerada uma desuas mais importantes obras. Dez anosmais tarde, recebeu o mesmo prêmiopor Os que bebem como os Cães,tornando-se o único escritor brasileiroa ser consagrado duas vezes com essaexpressiva premiação. A partir de1956, passou a colecionar outrosprêmios por suas obras e passou adedicar-se exclusivamente à literatura.Seu primeiro romance, Verdes MaresBravios, publicado em 1953, no Riode Janeiro, é comercializado até hoje.O poeta atingiu a marca de 100publicações em 1998, com o volumede novelas O Sol Crucificado.

Em 1999, recebeu, no Rio, oDiploma de Personalidade Cultural da

União Brasileira de Escritores, pelosserviços prestados à culturabrasileira. Em vários estados, AssisBrasil recebeu prêmios e homenagens,em grande parte às antologias quepublicou. Em 1996, foi empossado naAcademia Piauiense de Letras e foicondecorado com a Ordem Estadualdo Mérito Renascença do Piauí, noGrau de Cavaleiro. Recebeu aindavárias condecorações do seu estadode origem e em Parnaíba existe umafundação cultural que leva seu nome,onde também é membro da AcademiaParnaibana de Letras. É aindamembro do Pen Clube do Brasil e doSindicato dos Escritores Profissionaisdo Rio de Janeiro. Em 2004, recebeuda Academia Brasileira de Letras amaior distinção literária nacional, oprêmio Machado de Assis, peloconjunto de sua obra.

Apesar da importantecontribuição à literatura brasileira,poucos críticos se dispuseram aestudar mais fundo sua produção, quepossui romances regionalistas,romances históricos, contos enovelas. As obras mais estudadas ecomentadas foram do chamadoCiclo do Terror, que reúne Os queBebem como os Cães (1975), OAprendizado da Morte (1976),Deus, O Sol, Shakespeare (1978) eOs Crocodilos (1980). Menosainda existem estudos sobre suafascinante Tetralogia Piauiense, quereúne os romances que retratam opovo e o contexto social de umaParnaíba dos anos 60: BeiraRio Beira Vida (1965), AFilha do Meio Quilo(1966), O Salto doCavalo Cobridor(1968) e Pacamão(1969). Op r e m i a d oBeira RioBeira Vidaé atéhoje umd o ss e u s

(Assis Brasil)trabalhos mais aclamados e um doslivros mais exigidos nos vestibularesdas universidades piauienses. Foraisso, é também bastante solicitadocomo gênio da literatura infanto-juvenil, com seus inúmeros títulosvoltados para esse tema, os quais sãobastante solicitados em escolas dopaís como lei tura paradidática.Yakima, o menino-onça (1995), umdos títulos da série, foi selecionadopara o Programa Nacional de Salasde Leitura do FNDE – Fundo Nacionalde Desenvolvimento da Educação – erecomendando pela FundaçãoNacional do Livro Infantil e Juvenil.

Talvez a mais ousada produçãode Assis Brasil seja a coleção “Poesiado Século XX” , uma série deantologias nas quais faz um panoramada poesiabrasileira

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

nos últimos cem anos em vários estadosda federação, entre elas a do Piauí.Inclusive, em 1995, quando dolançamento de sua antologia A poesiapiauiense no século XX, foi agraciadocom a Medalha do MéritoConselheiro José Antônio Saraiva, nograu de Oficial , da Prefei turaMunicipal de Teresina. Apesar da faltade interesse da mídia e de outrosescritores em aplaudir essa importantecontribuição, o piauiense pretendeainda completar as 20 antologias, comou sem apoio.

Diante de tamanha contribuiçãopara a l i teratura brasi leira, oSapiência resolveu entrevistar um dosmaiores poetas brasileiros nestaedição totalmente dedicada àliteratura piauiense.. . . . . . . . . . . . . . . . .

6 ENTREVISTA: Assis Brasil

TERESINA - PI, MARÇO DE 2007

críticos literários, historiadores, sóprestam atenção no que acontece no Rioe S. Paulo. Mesmo saindo a capital daquido Rio, esta cidade continua a ser o foconacional. Nas Faculdades a coisa é ruimporque os professores, seusconhecimentos são limitados às cidadescitadas. Quer dizer, o “provincianismo”é dessa gente responsável pela culturado país.

Sapiência - Os romances que compõema Tetralogia Piauiense constituem, dealguma forma, reminiscências da suainfância e juventude passadas emParnaíba?Assis Brasil - Sem dúvida. ConheciLuíza pessoalmente, que estil izei,através da criação para o romance. Ela,já velha, tinha se “aposentado” daprostituição e vivia lavando roupa parafora. Ela lavava lá para casa. Quando eladesaparecia, minha mãe me pedia para irprocurá-la no cais. Eu tinha uma bicicletae isso facilitou a minha ida aos subúrbiospobres de Parnaíba. Assim foi queconheci a vida como ela é...e me deu maisestofo para escrever. Além da Tetralogia,publiquei Histórias do Rio Encantado,que se passa no mesmo cenáriosocialmente marginal.

Sapiência - Muitos de seus romancespodem ser apontados como obras dedenúncia social, como por exemplo Osque bebem como os cães, além dos queintegram a Tetralogia Piauiense. Osenhor se considera um escritor“engajado” na lu ta pelas causaspolíticas e sociais?Assis Brasil - Claro que sim. Toda aminha obra, incluindo os livros infanto-juvenis, giram sob a essa ótica. Sempredefendi a tese de que todo escritor, todoartista, têm essa preocupação em suaobra, quer implícita ou explicitamente. Oconhecimento em nosso país é muitolimitativo. Fizeram a diferenciação entre“engajado” e ‘alienado” e pronto. Eainda hoje, quando as ideologiasdesapareceram, muitos continuam a“pastar” nesse simplismo. Uma vezdefendi Clarisse Lispector e SamuelRawet da acusação de serem escritores‘alienados”. A acusação foi feita peloPaulo Francis, que pertencia a umacorrente supostamente engajada, que

era conhecida como ‘esquerda festiva”.Ele era leitor da editora “CivilizaçãoAutorais” de seus editados.

Sapiência - O senhor foi no passado umgrande vencedor de prêmios literários.Atualmente ainda tem participadodesses concursos?Assis Brasil - Ganhei, não faz muito(2004), o Prêmio Machado de Assis(parte conjunto de obra), da AcademiaBrasileira de Letras. Em 1975, quandoganhei novamente o Prêmio NacionalWalmap, com o romance Os que Bebemcomo os cães o escritor “baiano” OsmarLins, deu uma entrevista para aquelarevista “norte-americana”, a Veja,dizendo que os escritores “tarimbados”não deviam participar de concursos;seria bom que eu desse o lugar para osmais novos. Depois descobri que ele,que era mais velho e mais “tarimbado”que eu, tinha concorrido ao mesmoconcurso. A história dos “bastidores”do WALMAP/75 é uma história dehorror: gente pressionando a comissãojulgadora para dar prêmio aos seus“afilhados”, inclusive, o “famoso” JoséOlympio, que estava para lançar umromance que concorria àquele prêmio equeria aproveitar a publicidade doWalmap. As pressões foram grandes que“mataram” o Walmap. Ele acabounaquele ano. Concorri com opseudônimo, “Jeremias” , nome dopersonagem central, e meu livro foipremiado por unanimidade (seismembros na Comissão Julgadora), cercade 300 concorrentes.

Sapiência - Ultimamente,com oincremento dos cursos de pós-graduação na área de Letras, sua obratem sido objeto de vários estudosacadêmicos. O senhor temacompanhado esses trabalhos?Assis Brasil - Tenho acompanhado, eisso em vários Estados. O primeirotrabalho saiu em Niterói (RJ) quase queem cima da publicação do Beira Rio BeiraVida. As teses são boas em modo geral.É bom que os estudantes de Letrassaibam da importância da literatura, poissem arte uma sociedade não sobrevive.Tomamos conhecimento de váriospaíses através de sua arte, e não da suapolítica ou economia...

Sapiência - Em 1912, o poeta LucídioFreitas, realizou, através do jornalDiário do Piauí, uma enquete arespeito da literatura piauiense. Umadas questões propostas era : “Quepapel representa o Piauí no momentoliterário do País?” Se a pergunta fossedirigida ao senhor, hoje, qual seria suaresposta?Assis Brasil - No momento literário doPaís, o nosso Piauí representa muito, etambém de um ponto de vista maisabrangente culturalmente. E sei quetenho participação ativa nesseprocesso. Tenho destacado, não só nosmeus livros como em conversa comintelectuais, a ação preponderante doEstado no complexo cultural do País. OPiauí edita revista, publica livros, aAcademia Piauiense de Letras temparticipação forte, como outrasentidades culturais. Só precisamoscobrar do Governo uma ação maisdinâmica. O que é isso? Melhoresverbas para essas entidades, que vivemde pires na mão. E a despeito disso,funcionam. Sei que a nossa AcademiaPiauiense sobrevive com dificuldade.Um país se faz com homens e livros,disse Monteiro Lobato, e Castro Alvesexaltou a sua importância. Sei que oPiauí se esforça para fazer o melhor,como esse Salão do Livro do Piauí, umaverdadeira bienal do livro, ao nível dasdo Rio e São Paulo. É comovedor veras crianças folheando e comprandolivros, como vi no ano passado emTeresina. Os governantes tambémprecisam se comover e abrir os cofres.Tomei conhecimento de que a Secretariade Cultura da minha terra, Parnaíba, nãotem dinheiro nem pra comprar águamineral...

Sapiência - A partir dos anos 70, aprodução literária destinada aopúblico infanto-juvenil cresceu deforma extraordinária, no Brasil, nãosó pelo aparecimento de autoresnovos, mas também porque muitosautores já consagrados começaram apublicar literatura infanto-juvenil. Noseu caso, por que passou a escreverpara crianças?Assis Brasil - No meu caso comeceicom a publicação de um livro infanto-juvenil, Verdes Mares Bravios /

Assis Brasil: um piauiense que transformou a literatura brasileiraTERESINA - PI, MARÇO DE 2007

Aventura no Mar. E não poderia tersido o contrário, pois eu o escrevi comapenas 15 anos de idade. Muitos anosdepois fiz uma adaptação e a EditoraMelhoramentos o publicou. A “voltafoi curiosa” - além de receber, doseditores muitos pedidos de livros paraa área, uma noite tive um sonho, queera uma história completa paracrianças e jovens. Quando amanheceu,me sentei na máquina e escrevi oprimeiro episódio de uma sérienarrando as peripécias de umaventureiro e ecologista, amigo dosíndios. Chama-se, o personagemcentral, das narrativas infanto-juvenis,Gavião Vaqueiro, nascido emPiracuruca, no Piauí. Escrevi perto de30 histórias com o mesmo personagem,em episódios autônomos. A editoraMelhoramentos publicou 9 narrativas,sempre com ampla aceitação entreprofessores (1º e 2º graus) e alunos.Depois publiquei mais histórias porinúmeras outras editoras, creio que nototal mais de 20. O Herculano Moraesestá com uma dessas histórias inéditaspara publicar em Teresina. Depois osoutros livros para a área vieramautomaticamente – creio que, no total,publiquei mais de 40. Gosto de escreverpara crianças e jovens, me sinto bem.Quando estou trabalhando em livrosmais complexos (ensaios/romances),costumo dizer que volto de vez emquando a escrever para jovens me fazmais jovem e descanso dasengrenagens mais envolventes domeu cérebro.

Sapiência - Algumas de suasimportantes obras tem virado tese demestrado. Qual de suas tantaspublicações mais gosta e por que?Assis Brasil - Minha mente trabalhaem dois setores, um mais racional eoutro mais sensível. A minha TetralogiaPiauiense cobre as duas áreas. Masescrevi dois romances, passados noCeará , que me atingem muitoemocionalmente: A Volta do Herói e ZéCarrapeta, o Guia de Cego. Do pontode vista da técnica narrativa, destacoo romance histórico, Villegagnon,Paixão e Guerra na Guanabara e oromance O Prestígio do Diabo.

7ENTREVISTA: Assis Brasil

TERESINA - PI, MARÇO DE 2007

REPORTAGEM8

Para entender um pouco olegado do poeta , compositor,jornalista, cineasta , a tor, diretor,produtor cultural e escritor piauienseTorquato Pereira da Araújo Neto (1944-1972) só mesmo por meio de análiseaprofundada dalinguagem poéticapor ele deixada,entre os anos 60 e70. O professordoutor FelicianoBezerra Filhoexplorou osc ó d i g o slingüísticos dao b r a ,e s t a b e l e c e n d ocorrelação com aconjuntura e osespaços de atuaçãodo poeta nessecontexto. Apesquisa, resultadoda sua dissertação de mestrado na PUCde São Paulo, em 1998, foi publicadaposteriormente no livro A escritura deTorquato Neto (2004). O autor faz umaanálise de grande parte do legado

Torquato Neto desafinou o coro dos contentesartístico do piauiense e se detém nalinguagem. Assinalando a importânciado piauiense em uma nova redefiniçãoda cultura brasileira que resultou nomovimento tropicalista . FelicianoBezerra Filho, aprofundou essesestudos em sua tese de doutoradointitulada “Ressonâncias da Tropicália.Mídia e Cultura na Canção Brasileira”,defendida em 2005, também pela PUC.

Torquato Neto pode serconfundido com o próprio movimento.Ele queria o distanciamento dasconcepções impostas “por forçaspolítico-culturais a tuantes domomento”. “Os tropicalistas preferiamuma atuação mais artística, menosideologizada, articulando os temas daparticipação, do consumo e donacionalismo com uma desfiguraçãodos grandes discursos deengajamento político e estético,comumente empregados”, analisa oprofessor, que também ressalta odinamismo de Torquato, apropriando-se dos vários espaços de atuação, sejano jornalismo cultural, na poesia, na

música, no cinemaou na editoração.Quanto àc o n c e p ç ã opoética, opesquisador revelaque a linguagemde Torquato eranarrativa, versoscoloquiais, líricassubjetivas comp r o f u n d a sdemandas doíntimo. Poemasvisuais, curtos, emque se utilizava derecursos gráficos etipográficos, como

remontagem de palavras, entre outros.O único livro publicado do poeta, quepróprio não chegou a ver, Os ÚltimosDias de Paupéria, foi organizado pelaviúva Ana Maria Duarte e o poeta

Badalada era a suacoluna Geléia Geral,

no Jornal Última Hora,no Rio de Janeiro. Otítulo foi dado à letra

da canção musicada porGilberto Gil, outro

símbolo da Tropicália,ao lado de Caetano

Veloso e muitos outros.

Waly Salomão, em duas edições, aprimeira de 1973 e a segunda,ampliada, de 1982.

O forte traço que marca o poetaé a exposição de suas própriasvivências e conflitos, o que oprofessor chama de atitude estético-vivencial. Torquato se desnuda emostra angústia em seus versos. Apoesia se confunde com sua vida. Eleé crítico, grotesco, tem humor, alegoria,pessimismo. Badalada era a sua colunaGeléia Geral, no Jornal Última Hora, noRio de Janeiro. O título foi dado à letrada canção musicada por Gilberto Gil,outro símbolo da Tropicália, ao ladode Caetano Veloso e muitos outros.

O cinema foi uma das paixões deTorquato. Atuou em alguns filmescomo Helô e Dirce (1972), protagonista

em Adão e Eva no paraíso de consumo(dirigido em Teresina e sem paradeiro)e protagonista de Nosferato no Brasil,dirigido por Ivan Cardoso, em 1971.Pode-se afirmar que este ú ltimo otornou mais conhecido nacionalmente.Dirigiu apenas um filme: O Terror daVermelha, rodado em Teresina, suaterra natal. Também no cinema, o poetaapresenta-se contra as convenções,dando propostas inovadoras.Segundo Feliciano Bezerra, atecnologia em câmara de super-8 foidefendida por Torquato, que disse:“Cinema é um projetor funcionando,projetando imagens em movimentosobre uma superfície qualquer. É muitochato. O quente é filmar”.

A música foi uma marcaexpressiva e inesquecível do poeta.Segundo Feliciano Bezerra, ele exerceuinfluências e despertou interesse dasgerações posteriores, seja de músicos,seja do público consciente ou não. Atéhoje, compositores buscam na obramusical de Torquato inspirações parasuas produções. O pesquisador explicaque mesmo com o golpe militar de 64 ea perseguição a todas as formas deexpressão da arte e cultura no país,

Torquato Neto mostrou-se um grandepoeta e não apenas enquantovalidador do movimento tropicalista.“O nível de elaboração das letras dascanções, a inventividade com que tomaposse e se aproveita do mural dapoesia brasileira e as apropriaçõescria tivas devidamente colocadasconfirmam sua competência no manejopoético”.

O pesquisador Feliciano Bezerraressalta que Torquato não tocava enem cantava afinado, mas o seu talentonesse campo era tão incrível queelaborava poemas tota lmenteimbuídos de musicalidade, commelodia e harmonia, com tratamentoequilibrado de sons. Entre elas,Nenhuma Dor, Minha Senhora, Zabelê,Deus vos salve a casa santa, parcerias

com Caetano Veloso; Louvação, ARua, em parceria com Gilberto Gil;Todo Dia é Dia D, com Carlos Pinto,compositor carioca; Let´s play that,musicada por Jards Macalé; Pra dizeradeus e Veleiro, com Edu lobo. Opesquisador relata em seu livro,inclusive, a famosa Go Back, musicadana década de 80 pela banda Titãs,sucesso até hoje. Em 1973, Três damadrugada, parceria com Carlos Pinto,foi gravada por Gal Costa. Em 1997,Luiz Melodia lança a canção Começarpelo recomeço, música com poema deTorquato.

“Torquato continua sendorequisitado por cantores ecompositores. Seus vibrantes poemasmusicados celebram um tipo decriação que se firma, de formairrevogável, na cultura musicalbrasileira , com forte padrão deinvenção e qualidade”, considera opesquisador.

* Feliciano Bezerra Filho

*Prof. Dr. Feliciano Bezerra FilhoDepto. de Letras/Português UESPI

(86) 3213-7441 (ramal 341)[email protected]

Torquato Neto, Caetano Veloso e José Carlos Capinã: parceiros do movimento tropicalista

Torquato Neto em momento cinematografico

Foto

: Arq

uivo

pes

soal

Foto

s: D

ivul

gaçã

o

TERESINA - PI, MARÇO DE 2007

REPORTAGEM 9

Muito mais que o Anjo Torto da Tropicália

O professor da UFPI, doutor emHistória, Edwar de Alencar CasteloBranco, pesquisou a obra de TorquatoNeto, muito mais na sua vivência forado momento tropicalista. O título de suatese “Todos os Dias de Paupéria –Torquato Neto e uma contra-história daTropicália” retrata o outro lado do poeta.O professor ressalta que, apesar da fartaprodução discursiva sobre TorquatoNeto (1944–1972), boa parte de suamúltipla atividade intelectual permanecena sombra.

“Em boa parte, isso ocorre emrazão da ênfase dada aos textos reunidosem Os últimos dias de paupéria, os quaischegam ao exagero de serem vistos comouma espécie de síntese da obratorquateana. Em razão disso, textoslargamente importantes, como o ensaio“Arte e cultura popular”, permaneceminéditos e ofuscados pela intensidade

do foco que se projeta sobre o “Torquatotropicalista”, considera o professor, quefaz parte do Programa de Pós-Graduaçãoem História da UFPI. Dentro da sua linhade estudos relacionados ao poetapiauiense, publicou, em 2005, o livroTodos os dias de paupéria”: TorquatoNeto e a invenção da tropicália, comauxílio financeiro do CNPq.

Em seu estudo, o professor daUFPI explica que em “Arte e CulturaPopular”, monografia teórica publicadaem fascículos no jornal O Dia, Teresina,em 1964, o poeta é, ao contrário daquebra de barreiras da culturatropicalista, um defensor da culturaregionalista, de forma a protegê-la dasinfluências internacionais. Ele refletesobre a literatura brasileira, por um lado,procurando estabelecer conexões entrea sociologia de Gilberto Freyre e aliteratura regionalista de José Américode Almeida, Jorge de Lima, Rachel deQueiroz, José Lins do Rego e GracilianoRamos e, por outro, posicionando-sesobre movimentos literários já maduros– como o modernismo – mas tambémsobre aqueles ainda então inscritos noâmbito da novidade, como oconcretismo. “O material é interessantepara se pensar a trajetória intelectual deTorquato Neto, na medida em que permiteindagar como foi se constituindo umaidentidade que o marcaria como um dosidealizadores do Tropicalismo. Osfascículos revelam um Torquatoarmorialista, crente na existência de umadistinta cultura brasileira a qualprecisava, de seu ponto de vista, serprotegida e salvaguardada do contágioexterior”, descreve.

O Dr. Edwar Castelo Branco disseque é possível perceber que o que fez

de Torquato uma espécie de ícone desua geração foi a sua capacidade de serao mesmo tempo único e plural. Em 1962,aos dezesseis anos, escreveria seuspoemas iniciais, entre os quais sedestaca “A explicação do fato”, espéciede inventário poético onde o poetaapresenta-se incrivelmente voltado paradentro de si. “É surpreendente constatarque um adolescente seja capaz de emitirimagens poéticas tão pessimistas enegativas, como em Sinto medo, e este éo meu pavor. Por isso a minha vida,como o meu poema, não é canto, é prantoe sobre ela me debruço, observando acorcunda precoce e os olhos banzos”.

O pessimismo era uma marca dopoeta piauiense, bem como a idealizaçãoda infância. Para Edwar Castelo Branco,Torquato tentava, com seus poemas,capturar um instante mágico, onde otempo não passasse. São constantes asreferências a uma infância ensolarada,distante e desejável. “Um bom meninoperdeu-se um dia, entre a cozinha e ocorredor”, escreveria em Deus vos salveesta casa santa. Que metáfora poderiaexpressar melhor a ânsia reativa dopoeta em relação ao tempo? Como sesabe, a cozinha – ainda mais do que oquarto – é, na cultura ocidental, o pontomais íntimo e nuclear da casa, o centrode onde emergem os cheiros, gostos ediálogos que parecem não se alterar notempo. O corredor, ao contrário, é umespaço de trânsito, “um ponto neutro eassignificado da casa”. Entre umacozinha/infância desejável e umcorredor/juventude assombroso, o poetaparece ver o tempo como uma entidadepavorosa, contra a qual acena com suapoesia, idealizando “meninos correndoatrás de bandas” (A rua) ou ouvindo uma

Pesquisador Edwar de Alencar Castelo Branco

*Prof. Dr. Edwar Castelo BrancoDepto. de História e Geografia da UFPI

Prof. do Mestrado na [email protected]

Torquato Neto em Teresina

“canção antiga ao pé do berço” (Aexplicação do fato III)”, explica em seuestudo.

Na fase mais intensa e regular daobra de Torquato, situada entre 1968 e1972, ele toma para si a tarefa de bater-se contra as linguagens predominantes

e idealizar novas formas de comunicação.O pesquisador afirma que é nessa faseque conclui que a linguagem vacila, poisas palavras são “poliedros de facesinfinitas”. “Isso torna mais fácil acompreensão do combate quecuriosamente Torquato, tendo sido oautor do manifesto tropicalista – Geléiageral – passou a fazer à própriaTropicália. Com as críticas dirigidas a ex-parceiros do grupo baiano,intensificadas a partir do momento emque ele se aproxima de intelectuais comoRogério Sganzerla e Júlio Bressane,Torquato procuraria catalisar em tornode si a permanência de um projetoexperimental para a cultura brasileira, oque o aproximaria especialmente do“cinema marginal” que se fazia naépoca”, contemporiza o pesquisador.

Para o Dr. Edwar Castelo Branco,a obra de Torquato ganha significadoespecial no contexto do Brasil dos “anosde chumbo”, quando a rebeldia juvenilse contrapunha às formas dominantes emais reacionárias de pensamento. EmLet´s play that, um de seus últimospoemas, inspirado em Carlos Drummondde Andrade, havia uma síntese dodiscurso jovem de então: “Quando eunasci/ um anjo louco muito louco/ veioler a minha mão/ não era um anjobarroco/ era um anjo muito louco, torto/com asas de avião/ eis que esse anjo medisse/ apertando a minha mão/ com umsorriso entre dentes/ – vai, bicho,desafinar/ o coro dos contentes.”Torquato Neto poderia desafiar até hojeo coro dos contentes, se não tivesse nosdeixado, após cometer suicídio, no dia 9de novembro de 1972. Contudo, até oseu último ato extremo, no dia quecompletara 28 anos, foi um manifesto aoconformismo e ao estado de violênciainstalado pela ditadura militar. TorquatoNeto não calou porque como ele mesmoescreveu: ‘mudo é quem só se comunicacom palavras’.

Foto

: Arq

uivo

pes

soal

Dois momentos do poeta piauiense

TERESINA - PI, MARÇO DE 2007

O estudo foi centrado na avaliação de amostras de águasuperficial coletadas na Região Hidrográfica do Guaíba(Rio Grande do Sul, Brasil) que sofrem influência deatividade antropogênica. Foram realizadas 4 coletas:setembro de 2000, agosto de 2001, fevereiro de 2002 emaio de 2003. Tais amostras foram avaliadas, atravésdo Teste para Detecção de Mutação e RecombinaçãoMitótica (SMART) em Drosophila melanogaster e doTeste de Micronúcleos com Bloqueio de Citocinese(CBMN) em cultura de linfócitos humanos. Os dadosobtidos caracterizaram os rios Caí, Jacuí, Taquari, Sinos,Gravataí, Lago Guaíba e Arroio Dilúvio, como indutoresde toxicidade genética. Estes achados sugerem que ospoluentes ambientais induzem uma pluralidade de lesõesno material genético. O conjunto destes dados demonstraq ue cerca de 5 0% d as amost ras test adas fo ramgenotóxicas em um ou em ambos os testes. Além disso,o maior número de respostas positivas foi observadonas águas provenientes do Lago Guaíba e do Caí, seguidopelos rios Jacuí e Taquari, rio dos Sinos e Arroio Dilúvioe rio Gravataí. Na verdade, a análise comparativa dosresultados demonstrou que o ensaio CBMN foi maissensível para a detecção de genotoxinas de origemambiental, já que das 11 amostras classificadas comoindutoras de mutação cromossômica neste teste somente3 - Jacuí e Caí (Setembro de 2000), assim como Guaíba(Fevere iro d e 2 00 2) foram diagn osticad as comopositivas no SMART. Desta forma, os dados obtidos,através destes ensaios, podem servir como um alertarel at ivo ao risco imp ost o pe las águ as d a RegiãoHid ro gráfica d o Guaíb a – o q u e co mp romet e oabastecimento de água potável para mais de um milhãode pessoas. De fato, os principais impactos ambientaisno Lago Gu aíba são (i ) o esco ament o de esgo to sdomésticos de Porto Alegre; (ii) as águas contaminadas,p rinc ip a lmen te , d os r io s Grava t aí e S ino s qu edesembocam no lago; (ii i) efluentes provenientes dasindústrias de produtos alimentares, metalurgia e celulose,localizadas nas suas margens; e (iv) grandes lançamentosde dejetos urbanos não tratados provenientes das águasdo Arroio Dilúvio.

RESUMO DE TESES

Envelhecimento do trabalhador no tempo do capital:problemática social e as tendências das formas deproteção social na sociedade brasileira contemporânea.

Solange Maria Teixeira - Professora daUniversidade Federal do PiauíDefesa: Universidade Federal do Maranhão, [email protected]

Com o objetivo de analisar tanto os determinantes daproblemática social do envelhecimento do trabalhador, naordem do capital, sob práticas temporais regidas por essalógica, quanto às formas de respostas do Estado e dasociedade, mediante as propostas e iniciativas pioneiras detrabalho social com idosos; de segmentos da burguesiabrasileira e do Estado, por meio de programas sociais paraa “terceira idade” e da legislação social contemporâneaque inclui Política Nacional do Idoso e Estatuto do Idoso,buscou-se configurar o desenho e as tendências da políticasocial contemporânea de resposta a esse problema social.Mediante procedimentos metodológicos essenciais àpesquisa documental, como a análise de conteúdo dedocumentos, sistematizações e análises de dados estatísticosoficiais, efetivaram-se os referidos objetivos. Os resultadosdo processo investigativo reforçam a centralidade doenvelhecimento do trabal hador na constituição da“problemática social”, da relação capital/trabalho comofundamento comum ou da exacerbação e agravamento daquestão social, materializadas nas determinações e naconfiguração das condições de vida de frações da classetrabalhadora que envelhece, em especial, os de baixa renda.Demonstram, ainda, o reforço da cultura privacionista nasformas de trato dessas mazelas sociais, corolário dosmecanismos de enfrentamento da questão social naatualidade e das novas simbioses entre “público” e“privado”, que o capital promove, de modo a ocultar essadimensão privacionista. Essa cultura se exterioriza tantonas formas de assunção ou divisão de responsabilidadessociais com a proteção social para a sociedade civil, quantono reforço do individualismo nos modos de intervençãosocial, que transmutam problemas sociais em problemasindividuais, expressos nas terapias de ajustamento, devalorização, de inserção social, dentre outras, cujo foco éo indivíduo; mantendo intactas as estruturas geradoras dedesigualdades sociais. Conclui-se que as formas de respostasà problemática social do envelhecimento mascaram acentral idade do envelhec imento do trabalhador naconstituição do problema social e reforçam o modelo liberalde trato dessas mazelas sociais.

Este trabalho é o resultado de duas pesquisas. A primeira,realizada em 1999, tem como “objeto de estudo” aobservação das manifestações subjetivas dos jovens de ruaem Teresina; a segunda, realizada em 2001, co-extensiva àprimeira, teve como estudo os educadores sociais de rua –profissionais que atuam junto a esses jovens. Nas duaspesquisas, ressalto a minha postura em estudá-los como“atores” capazes de produzir saberes e de atuar comproposição, criatividade e potência. Enfatizo a importânciados métodos utilizados: na pesquisa com os jovens, fiz doismovimentos: desterritorializei-me do que me era familiarquando adentrei e percorri Teresina, e reterritorializei-meentre estranhos quando fui aceita pelos jovens de rua, deixeide ser uma estrangeira. A partir disso, tracei imagens ecartografei corpos juvenis de rua: o território-movimento,o dissolvente, o excessivo e o garantido. Esta cartografiamostra que, ao contrário do que se pensa, um bando dejovens de rua expressa em seu corpo a multiplicidade,enquanto experiência, momentos de potência e de exercíciocriativo de acontecimentos. Na pesquisa com os educadoresde rua, utilizei o método sociopoético, onde se produzconhecimento com o corpo todo e em grupo. O grupo-pesquisador era constituído por mim (facilitadora) e por14 educadores de rua (co-pesquisadores). O tema escolhidofoi O desejo na convivência do grupo. A produção dedados deu-se em oficinas e com técnicas que utilizamdimensões do saber humano, especialmente da arte, parapotencializar a produção de conceitos sobre o tema. Aanálise destes conceitos permitiu-me analisar as dimensõesque permeiam o pensamento do grupo acerca dos desejosna sua convivência: na primeira dimensão os desejos se dãona convivência entre os educadores e os jovens; na segunda,entre eles mesmos, e na terceira, entre eles e as entidadesque trabalham com as crianças e os jovens. Todas essasdimensões são perpassadas pela problemática da práticapedagógica, são criações dos co-pesquisadores e constituemo pensamento do grupo, em sua multiplicidade, são campospossíveis e co-existem.

O objetivo principal do presente estudo foi mapear regiõescromossômicas (QTLs) e detectar marcadores molecularesassociados à atividade das (1,3-1,4)-â-glucanases paraposterior uso em seleção assistida por marcadores emprogramas de melhoramento da cevada. Para isso foramcaracterizadas 18 variedades de cevada usadas no programabrasileiro de melhoramento da cevada cervejeira em relaçãoàs (1-3, 1-4)-b-glucanases no malte verde (antes doprocesso de secagem) e no malte seco (após o processo desecagem). Após esta triagem, foram escolhidas variedadesque apresentaram atividade divergente em relação à enzimaestudada: no malte verde (MN-698 e CEV-97047) e nomalte seco (Embrapa-127 e CEV-96025). Estas variedadesforam utilizadas como parentais na construção de duaspopulações de cevada duplo-haplóides (DH) segregantesem relação à atividade das (1-3, 1-4)-â-glucanases, atravésde cultura de anteras, obtendo-se assim as populações deestudo. A população referida como “malte verde” teve 97indivíduos utilizados na análise e a população referida como“malte seco” 56 indivíduos. As duas populações DHs foramsemeadas e colhidas em três locais distintos, com repetiçõesem dois destes locais. As sementes de cada linha DH forammicromalteadas e a atividade enzimática medida no malteverde e no malte seco. Pares de “primers” de microssatélitesque mostraram polimorfismos entre as variedades parentaisde cada cruzamento (16 e 17 pares de “primers” para apopulação do malte verde e do malte seco,respectivamente) foram analisados nas populaçõessegregantes. As regiões cromossômicas associadas àatividade destas enzimas foram detectadas por análises deregressão l inear simples. Foram detectados cincomarcadores associados a regiões cromossômicas envolvidascom a atividade das (1-3, 1-4)-â-glucanases no malte seco,sendo que o marcador de maior significância (HVM 36)está localizado no cromossomo 2. O alelo desta região foidoado pelo pai com alta atividade enzimática (Embrapa-127), mas a associação com a região cromossômica foisignificante apenas em um dos locais estudados. Esta faltade consistência faz com que este marcador não apresenteuso potencial para a seleção assistida em programas demelhoramento genético.

O trabalho investiga, na l iteratura piauiense, as obrascentradas na temática da seca, nos séculos XIX e XX,considerando as possíveis relações entre História e Ficção(l iteratura e seca), a partir do enfoque das estratégiasnarrativas e sua dimensão ideológica. A pesquisa, baseadaem investigação d e cun ho b iblio gráfico, tem comosuporte teórico as propostas de Bakhtin, Gérard Genettee Uspensky, que norteiam a perspectiva do narradorcomo voz manifesta, a serviço de uma ideologia inerenteao discu rso. Assim, ao se fazer o estu do d oentrecruzamento da História e da Ficção, mostra-se nodiscurso narrativo a marca do flagelo, elemento quepossibil ita a concretização de uma história l iteráriaseguindo o percurso da seca. A tese contém três capítulosseguidos pela conclusão. O primeiro, “História e ficção:camin ho s q ue se cru zam” , est á dividid o em t rêssubcapítulos. O segundo, “A representação da seca naliteratura do Piauí”, registra os modos como a seca seconfigura na ficção, mediante a análise das obras quecompõem a pesquisa e situando o respectivo ano a queelas se referem. São quatro subcapítulos que procuramdar conta da leitura analí t ica que se faz das obrasselecionadas, bem como da contextualização dos autorese de sua produção. O terceiro, “Para uma História daliteratura do Piauí: a literatura da seca”, faz-se a revisãoda produção literária piauiense cuja matéria é a seca,agrup ando-a sistematicamente. A conclusão retomacon ce it os e el emen t os d estacad os n os capítu lo sant eced ent es, pro cu rand o reafirmar os o b je tivo spropostos. Registra-se, portanto, o resultado de umapesquisa que pretende contribuir com a l iteratura doPiauí, na recuperação da memória cultural do Estado,buscando despertar o interesse de outros pesquisadores,pelos poetas, contistas e romancistas estudados, com ointuito de fazer surgir uma nova consciência literária.

E s t e t r a b a l h o t e m c o mo o b j e t o d e e s t u d o aa d a p t a ç ã o l i t e r á r i a p a r a c r i a n ç a s e j o ve n s n oB r a s i l e c o mo s u p o r t e t e ó r i c o a E s t é t i c a d eR ec e p çã o e a S o c io l o gi a d a L e i t u r a . A t e s e éc o mp o s t a d e d u a s p a r t e s , a o m e s mo t e m p oi n d e p e n d en t es e c o mp l e me n t a re s . N a p r ime ir ap a r t e , d i vi d i d a em d o i s c ap ít u l o s, a n a l is a - se ar e c e p ç ã o h i s t ó r i c a e c r í t i c a d a a d a p t a ç ã ol i t e r á r i a , a p a r t i r d a s h i s t ó r i a s d a l i t e r a t u r ai n fa n t i l b r a s i l e i r a e d e t e x t o s a n a l í t i c o s ; eapresen t a-se u m p ano rama da ad apt ação l i t erá r ia ,en fo can d o as o b ra s, o s au t o res , a t ip o l o gia , ascol eções, o s ad ap t ad o res e as edit o ras, com b asen u m l e van t a men t o b ib l io grá fi co q u e ab r an ge op e r í o d o d e 1 8 8 2 a 2 0 0 4 . N a s e gu n d a p a r t e ,igu a l men te , segmen tad a em d o is cap ítu l os, o fococen t ra l é a estu d o d as adap taçõ es da ob ra in gl esa ,A v i d a e a s a v e n t u r a s d e R o b i n s o n C r u s o e(1 7 1 9 ) , d e Dan ie l Defo e , rea l izad as p o r Ca r l o sJa n s en ( 1 8 8 5 ) , Mo n t e ir o Lo b a t o (1 9 3 1 ) e A n aMar ia Mach ado (1 9 9 5) , a par t ir de est ud o ext ra -t e x t u a l , e m q u e s e a n a l i s a a c i r c u l a ç ã o eed it o r aç ão d a o b ra n o Br as i l , o s c o n t e xt o s d ep r o d u ç ã o d o t e x t o o r i gi n a l / a d a p t a ç õ e s e o sp ar a t ex t o s d as a d a p t aç õ es , e d e e s t u d o i n t ra -t e x t u a l , n o q u a l s e i n ve s t i g a o p r o c e s s o d eadap tação, a p ar t ir d as no rmas l i t erá rias e ext ra -l i t e r á r i a s p r e s e n t e s n a s t r ê s a d a p t a ç õ e sse l ec io n ad as, p ara , em s egu id a , rea l iza r an a l isec o mp a ra t i va en t r e as t r ês a d a p t aç õ es e a o b r afo n t e , o b j e t i va n d o i d e n t i f i c a r e a n a l i s a r o sp r o c ed i men t o s n ar ra t ivo s n a ad ap t aç ão , p a ra aformu lação de u m con ceit o d e ad ap t ação l i te rá riai n fa n t o - j u ve n il .

Educadores e Jovens de rua: itinerários poiéticosque se cruzam pelas ruas de Teresina.

Shara Jane Holanda Costa Adad - Professora Adjuntada Universidade Estadual do Piauí - UESPIDefesa: Universidade Federal do Ceará, [email protected]

(1-3, 1-4)-β-glucanases na cevada (Hordeumvulgare ssp. vulgare L.): atividade enzimática,obtenção de populações duplo-haplóides e regiõescromossômicas associadas.

Janaína Endres Georg KraemerPesquisador DCR/CNPq/FAPEPIDefesa: Universidade Federal do Rio Grande do Sul,2004. - [email protected]

História e ficção: a representação da seca naliteratura piauiense nos séculos XIX e XX.

Raimunda Celestina Mendes da SilvaPesquisadora CNPq/UESPIDefesa: Pontifícia Universidade Católica do RioGrande do Sul, 2005. - [email protected]

A adaptação literária para crianças e jovens:Robinson Crusoe no Brasil

Diógenes Buenos Aires de Carvalho - sjdkjdsjdoisndss(PRINCIPAL VÍNCULO EMPREGATÍCIO) - Defesa:Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul– PUC-RS, 2006. - [email protected]

Toxicidade genética associada à Região Hidrográficado Guaíba, através de bioensaios de curta duração

Viviane Souza do Amaral - Pesquisador DCR/CNPq/FAPEPI - Defesa: Universidade Federaldo Rio Grande do Sul, 2005. - [email protected]

10

TERESINA - PI, MARÇO DE 2007

REPORTAGEM 11

Atualmente, a literatura do Píauí temmerecido a atenção de muitospesquisadores. Halan Kardec Silva, autordo livro ‘As formas incompletas:apontamentos para uma biografia’, assinaa biografia literária, acompanhada de longaentrevista com o poeta HindemburgoDobal Teixeira e ainda o documentário H.Dobal - Um Homem Particular, dirigidopelo cineasta Douglas Machado, quemuito tem divulgado o autor e sua obra.

Tanto o livro quanto o documentárioforam iniciativas do Instituto Dom Barreto,de Teresina, através da figura do seu diretor,o professor Marcílio Flávio Rangel de Farias,grande incentivador da cultura piauiense,falecido em maio 2006. O documentário, de70 minutos de duração, revela o amor dopoeta por sua terra e recupera, pelasconfissões despojadas do escritor, muito dasua vida.

O objetivo de Halan Kardec com olivro é preencher lacunas, num trabalhoconsistente sobre a obra e vida do poeta,já que não há muitos trabalhos acerca doescritor piauiense. O estudioso abordaaspectos sociais, políticos, filosóficos,econômicos e literários da geração de 45,inseridos no contexto e no levantamentominucioso da trajetória de Dobal, além detrazer os seus primeiros escritos como

H. Dobal - poeta telúricoe universal

Dobal, em recente registro, para ensaio da revista Poesia Sempre

Foto

: Luc

iano

Kla

us

Mais uma dissertação sobre aobra de H. Dobal está sendo elaborada,com defesa prevista para breve, nocurso de mestrado em Letras daUniversidade Federal do Piauí. Trata-se do trabalho da mestranda LilásiaChaves de Arêa Leão Reinaldo,

*Halan Kardec SilvaProf. de Filosofia do CEFETMestrando em Estudos Culturais [email protected]

Modernidade na lírica dobalinaintitulada A poesia de H. Dobal e alír ica moderna , que tem comoescopo sondar na lírica dobalina osvínculos expressos com amodernidade, identificando aincidência de tensões formais, taiscomo: a simplicidade em desafio àcomplexidade e a precisão que dáforma à absurdidade, tensões essasque permeiam toda a obra do poeta.Segundo Lilásia Arêa Leão, a poesiade H. Dobal preenche todos osrequisitos da lírica moderna, ou seja,auto-suficiência, significação plural eentrelaçamento de tensões.

O que mais chama atenção naobra de Dobal, conforme apesquisadora é “a ocorrência detransformações pictórico-imagéticas,um certo modo irreal de ver o mundo.Seus poemas criam cenários parametamorfoses que remetem às artes

surrealistas, através de imagens queprovocam choques no leitor, que sedepara com quadros absolutamente forados costumeiros referenciais poéticosdescritivos”.

A desrealização do real, exercícioproposto pela poesia moderna, aparecede forma significativa na lírica de Dobal,na visão da estudiosa, que afirma: “apoesia de H. Dobal se inscreve na líricamoderna na medida em que constróipoemas imagéticos desvinculados dereferenciais exatos, densamentepovoados por sonhos e memória e que,por natureza, não se revelam facilmente,a não ser após sistemáticas leituras”.

*Lilásia Arêa LeãoMestranda em Letras da UFPIProfª. do município de [email protected]

Prof. Halan Kardec Silva*

Profª. Lilásia Arêa Leão*

Foto

: Arq

uivo

pes

soal

poeta-aprendiz, entre 1944 a 1949.H. Dobal nasceu em Teresina em

27 de outubro de 1927, ou seja, este anocompletará 80 anos. Filho de agrimensore de professora é considerado, por algunsestudiosos, o maior poeta vivo do Piauí eum dos grandes contemporâneos daLiteratura de Língua Portuguesa,comparado, segundo o escritor IvanJunqueira, a Carlos Drummond deAndrade e a João Cabral de Melo Neto.Apresenta um extenso currículo: poeta,cronista, Doutor Honoris Causa pelaUniversidade Federal do Piauí, advogadoe funcionário do Ministério da Fazenda.Residiu em Brasília, Estados Unidos,Londres e Berlim. Pertence à AcademiaBrasiliense de Letras e à AcademiaPiauiense de Letras – APL.

H. Dobal é um poeta totalmentecomprometido com a realidade social. Otempo conseqüente, publicado em 1966,revela a grandeza, a força da poesia eaprofunda a relação do poeta com a terranatal. No mesmo ano, esta obra ganhoumenção honrosa, no concurso “Porta deLivraria”, da Rede Globo. Sobre esse livro,Manuel Bandeira escreveu: “Só mesmoum poeta ecumênico como Dobal podiafixar sua província com expressão tãoexata, ao mesmo tempo tão fresca e tãoseca, despojada de qualquersentimentalidade, mas rica do sentimentoprofundo e visceral da terra”.

Já com O dia sem presságiosganhou, em 1969, o prêmio Jorge de Lima,do Instituto Nacional do Livro. A revistaPoesia sempre, da Biblioteca Nacional,dedicou seis páginas de sua publicaçãodo mês de fevereiro deste ano, parahomenagear o poeta.

O valor da poesia brasileiracontemporânea se deve não só aosgrandes poetas conhecidos e aplaudidos,mas, também, aos outros que, tão bonsquanto aqueles, são desconhecidos dogrande público. Junto a esses, encontra-se o piauiense H. Dobal, que, de acordo

com o escritor Halan Kardec, fora do âmbitodo Piauí, é mais conhecido por poetas eescritores.

Mesmo reconhecendo a dificuldadede aprisioná-lo em rótulos, há quemidentifique a obra dobalina, conforme acrítica institucional, com a geração de 1945(enquadramento nacional) e com o GrupoMeridiano (enquadramento próprio àhistória literária do Piauí). Contudo, a suapoesia é reconhecida por seu caráteruniversalista, como se o poeta fugisse umpouco dos motivos regionais, para proportemas de âmbito universal.

Para Halan Kardec, Dobal “é umadas vozes mais fecundas da modernapoesia brasileira” e acrescenta que “a obraem prosa, no âmbito universal eesteticamente falando, é mais intensa eelaborada como em Um homem particular.

Todavia, Roteiro sentimental e pitorescode Teresina, é, para a cidade, pelo temaabordado, bastante significativo”.

Apesar da boa recepção deescritores e críticos à poesia dobalina,Halan Kardec adverte sobre a necessidadeda incorporação de sua leitura pelo públicopiauiense, pois a história literária do Piauípassa pela poesia de H. Dobal.

• O Tempo Conseqüente (1966)• O Dia Sem Presságios (1970)• A Viagem Imperfeita (1973)• A Província Deserta (1974)• A Serra das Confusões (1978)• A Cidade Substituída (1978)• Os Signos e as Siglas (1986)• Uma Antologia Provisória (1988)• Cantiga de Folhas (1989)• Roteiro Sentimental e Pitoresco

de Teresina (1992)• Ephemera (1995)• Grandeza e Glória nos Letreiros

de Teresina (1997)• Lírica (2000)• Um Homem Particular (1987)• Gleba de Ausentes (2002 )

OBRAS

TERESINA - PI, MARÇO DE 2007

MATÉRIA12

Autor: Feliciano Bezerra72 páginasR$ 18,[email protected]

No livro, resultado de pesquisa do autor, ele aproveita a presença ímpar do poeta TorquatoNeto, fazendo dele o centro de sua obra. Descreve o seu legado literário seja na música,poesia, cinema, crônica, publicidade, revelando a natureza renovadora de criação de Torquatoem um movimento cultural brasileiro: a Tropicália. O autor desnuda poemas do ‘anjotorto’, de forma coerente, embasada em estudos e de forma simples, o que nos ajuda acompreender melhor esse poeta magnífico.

A Escritura de Torquato Neto

Autor: José Machado Moita NetoR$ 20,00146 pá[email protected]

“Arte, Ciência & Poesia” é um livro de crônicas, baseado em fatos do dia-a-dia, que traz umareflexão crítica sobre a sociedade atual. O autor tem uma formação eclética e fundamenta seupensamento no patrimônio cultural do cristianismo. O livro traz 55 crônicas e tem 146páginas no formato 14,7 x 20,4 cm.

Arte, Ciência & Poesia

Autor: Alan Kardec F. SilvaR$ 20,00220 pá[email protected] 

Trata-se de uma biografia espiritual de H. Dobal. Levantamento minucioso da vida e obrado escritor. Uma contribuição para os apreciadores do poeta e para a cultura piauiense,constituindo-se em uma série de apontamentos sob aspecto social, político, literário,filosófico e econômico da geração de 45, destacando Dobal. A obra apresenta os primeirosmanuscritos, quando ainda poeta-aprendiz no período de 1944 a 1949, e um álbumfotográfico.

As formas incompletas:apontamento para uma biografia

Autora: Teresinha QueirozR$ 20,00296 Pá[email protected]

O livro trata de múltiplas dimensões da sociedade e da cultura brasileira contemporâneas,evidenciando especialmente as transformações ocorridas nas últimas décadas do séculoXX. A história, a literatura, o teatro, a cidade, a produção recente dos jovens historiadorespiauienses e a cultura juvenil são alguns dos temas estudados.

Do singular ao plural

Autor: Kenard KruelR$ 50,00746 pá[email protected]

A obra analisa os principais fatos e acontecimentos políticos piauienses que ocorreram de1921 até o ano de 2005, ilustrada com fotos. O autor faz um relato da cena política piauiensereunindo entrevistas com o político Djalma Veloso que foi governador, vice-governador,secretário estadual, deputado estadual e conselheiro do Tribunal de Contas do Piauí. Olivro busca conhecer a história política do Estado, através do conhecimento coletivo deDjalma Veloso, não apenas nos aspectos de sua vida pública, mas apresentando registrosda vida pessoal do mesmo.

Djalma Veloso: o político e sua época

Organizadoras: Vera Teixeira de Aguiar e Alice Áurea Penteado MarthaR$ 35,00267 pá[email protected]

O livro é um painel com o resultado do trabalho de pesquisadores de diferentes instituiçõesuniversitárias sobre questões relativas à leitura, à literatura e aos leitores. Os textossublinham a importância da discussão e da reflexão sobre os caminhos percorridos pelacriação literária, considerando aspectos tanto de sua produção como de sua circulação erecepção. Entre os autores figuram Vera Teixeira de Aguiar (PUCRS), Alice Martha (UEM),João Luis Ceccantini (UNESP), Maria Teresa Pereira Gonçalves (UERJ) e Diógenes BuenosAires de Carvalho (UEMA).

Territórios da leitura: da literatura aos leitores

L I V R O S

As obras do poeta H. Dobaltambém despertaram o interesse dopesquisador Wanderson Lima*. Em 2006,ele concluiu sua pesquisa, resultando nadissertação de mestrado defendida naUniversidade Federal do Piauí. No mesmoano, ganhou o 1º lugar no concurso MárioFaustino e a pesquisa será publicada emlivro, em versão alterada.

O tema do estudo do professorWanderson Lima foi O fazedor de cidades:mímesis e poíesis na obra de H. Dobal. Eleinformou que o objetivo do estudo foianalisar os desdobramentos, na obra deDobal, de um jogo de forças entre oficcional e o histórico, através de trêslivros: A Serra das Confusões (1978), Acidade substituída (1978) e Os Signos eas siglas (1987). Para o pesquisador, aescolha do tema deve-se pelo valor literáriodo escritor e, apesar disso, a obra em si écolocada em segundo plano pelo fato deDobal ser um poeta circunspeto e osestudos produzidos em relação ao poetaconcentram-se no primeiro livro, O TempoConseqüente, ficando as outras obrasnegligenciadas.

As três obras analisadas formamuma trilogia, das quais o poeta tenta fazeruma radiografia poética: de uma cidade,em A Serra das Confusões; sobre amemória coletiva do patrimônio históricodo Maranhão, em A cidade substituída euma leitura poética sobre a cidade deBrasília, em Os signos e as siglas.

A pesquisa delineou dois conceitos,o de mímeses, ou seja, uma representaçãoda criação artística, uma concepção dememória e experiência que vem do filósofo

Dobal, em recente registro, para ensaio da revista Poesia Sempre

Foto

: Luc

iano

Kla

us

Walter Benjamim e, secundariamente,focalizou a modernidade e o racionalismoinstrumental das obras.

Para Wanderson Lima, a trilogiatripartida no sentido dantesco apresentaascensão espiritual, enquanto Dobalanalisa o senso coletivo, sendoconsiderado um poeta singular no quadroda literatura brasileira. Essa singularidadeé explicada em parte pelas influências querecebeu. Dobal tem influências dosingleses e ainda dos cantadoresnordestinos, tendo o poder de manter aforça comunicativa da poesia sem quedecaia a qualidade estética ou a densidadecognitiva. “Não partilhava das mesmasconcepções poéticas de Dobal e acreditavaque esse distanciamento me ajudaria noestudo, entretanto, o poeta transformouminhas concepções de linguagem,identidade e poesia para além do benefíciosocial, acrescentando na minha vidapessoal”, ressaltou o pesquisador.

Comparada com a trilogia de DanteAlighieri, A serra das confusões seria oparaíso através do senso comunitário. EmA cidade substituída estaria o purgatório,porque a memória social está seesfacelando, ainda que seja possívelresgatá-la. Por último, em Os signos esiglas, Wanderson Lima diz que o poetaretrata Brasília como o inferno, erguidaartificialmente, sem o aval de uma memóriacoletiva, mas contando apenas com umamemória burocrática.

“No estudo, Dobal é visto como umguardião da memória, só enxerga frieza,artificialidade e acaba perdendo suafunção de poeta, vendo, na modernidade

e tecnologia, formas de esvaziar ahumanidade”, declara Wanderson Lima.

Outro aspecto ressaltado nadissertação é o mérito das obrasanalisadas, o modo como conseguem oequilíbrio entre o documental e o ficcional,entre invenção e descoberta. ParaWanderson Lima, essas junçõespossibilitaram concluir que a poesia deDobal não recorre nem ao egocentrismo,que mata toda a poesia romântica, e nemao formalismo exagerado da poesia devanguarda. “A poesia do escritor émarcada pelo desejo de recuperar o sensocomunitário que o capitalismodesenvolveu, por isso é consideradaconservadora, não no sentido reacionário,mas por guardar o valor da sociedade”.

Wanderson Lima informou que

Dobal: o guardião da memória

pretende ainda traçar uma análise maisexaustiva de uma obra do poeta, estudar ainfluência do cinema na obra de H. Dobale ainda publicar junto a outros artigos umconfronto entre Dobal e Da Costa e Silva,como uma complementação dialética, oque irá permitir um novo olhar sobre a obrado escritor piauiense. Para ele, esta é umafase em que as pessoas conhecem aliteratura piauiense por obrigação.“Dificilmente alguém busca ler um autorpiauiense para se compreender melhor. Opiauiense lamenta sua identidade, mas nãobusca conhecê-la”, acredita.

*Wanderson LimaProf. Subst. do Departamento de LetrasMestre em Estudos Literários - [email protected]