SANTOS, Telma João. Matematica e Movimento Em Performance Um

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    I Colquio Interdisciplinaridade e Transdisciplinaridade

    nas Artes Performativas e Audiovisuais

    Matemtica e Movimento em Performance:

    um estudo de caso

    Telma Joo Santos

    A matemtica, preciso diz-lo, muito bonita. Tem afinidades com a esttica, com

    o corpo, com tudo. (Jos Gil)

    Introduo

    Conceitos como conjunto, sucesso, funo, continuidade, limite, bem como

    turbulncia, so apenas alguns exemplos de noes matemticas que so, de alguma

    forma, parte tambm do vocabulrio usado em processos de criao artstica. So de

    alguma forma porque de facto estas noes no esto ainda formalmente assentes ou

    definidas no contexto dos estudos em performance. Proponho aqui usar alguns destes

    conceitos em diversas camadas atravs de um estudo de caso.

    Apresento neste artigo um modelo aberto em processos artsticos onde alguns dos

    conceitos so apresentados como uma base terica para um processo de construo

    onde est presente a interdisciplinaridade entre matemtica e performance com a

    utilizao de uma reformulao (ou remediation1) desses conceitos, e onde outros

    conceitos pertencem a outras camadas no contexto da construo, sendo ferramentas

    concretas com as quais se manipulam e constroem novas interpretaes possveis

    relativamente ao objecto final, e onde surge um trabalho transdisciplinar a partir das

    relaes entre a matemtica, as tcnicas de dana, a performance, a multimdia (e

    tambm a antropologia visual).

    Neste artigo apresento tambm um estudo de caso, a performance On a Multiplicity,

    onde a matemtica usada em vrias direces no seu processo de construo e que,

    juntamente com a improvisao de movimento onde so usadas tcnicas de dana e

    1Para mais detalhes relativamente ao conceito de remediatione seu enquadramentono contexto da arte e dos estudos da performance ver (Santos 2013).

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    de performance, permitem um conjunto de conexes intersubjectivas atravs da

    multimdia. Proponho ainda a performance On a Multiplicitytambm como um

    ambiente onde a questo como que me apresento ao exterior ou ao mundo

    essencial2, referindo-me s formas actuais de comunicao e performance do

    indivduo nas redes sociais e profissionais onde vrias variveis esto presentes, bem

    como diferentes noes do que o real e o virtual.

    Na primeira seco este artigo vou apresentar algumas relaes interdisciplinares e

    transdisciplinares j conhecidas entre a matemtica e a dana ou entre a matemtica e

    a performance. Na segunda seco vou abordar em geral como se relacionam a

    matemtica, o movimento e a multimdia na construo de uma performance, usando

    conceitos gerais, bem como um modelo e uma abordagem bastante generalizados para

    que o estudo de caso On a Multiplicity seja no final visto como um exemplo concreto

    desta mesma abordagem. Na terceira seco vou reflectir sobre o que esta nova

    abordagem nos traz de novo nas perspectivas interdisciplinar e transdisciplinar. Na

    quarta e ltima seco vou apresentar a performance On a Multiplicity, descrevendo-a

    e apresentando-a tambm como um exemplo concreto do modelo abordado

    anteriormente bem como exemplo das relaes inter e transdisciplinares entre a

    matemtica, o movimento e a multimdia, tendo em conta ainda uma perspectiva

    autoetnogrfica e documental.

    1. Algumas relaes interdisciplinares e transdisciplinares conhecidas entre a

    matemtica e a dana ou entre a matemtica e a performance

    Tradicionalmente a Matemtica e a Dana so olhadas como elementos dualistas, no

    sentido em que a Matemtica est naturalmente associada a um lado lgico-racional

    do indviduo, e a Dana, ou o Movimento num sentido mais geral, associada a um

    lado sensrio-emocional. Alguns trabalhos tm sido realizados entre a Matemtica e a

    Dana, o que nos permite afirmar que o dualismo racional/emocional atravs da

    relao Matemtica/Dana tem sido abandonado nestas ltimas dcadas, com o

    trabalho de vrios Matemticos, Coregrafos, Performers, como por exemplo a dupla

    Erik Stern & Karl Schaffer, Katarzyna Wasilewska e Esther Ferrer.

    Erik Stern & Karl Schaffer tm desenvolvido um trabalho em torno da

    divulgao do movimento do corpo como parte da aprendizagem de conceitos

    2Esta pergunta tem a sua origem em (Noe 2012).

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    Refiro aqui tambm a performer do pas basco Esther Ferrer devido sua

    relao com o corpo enquanto ferramenta essencial de todo o seu trabalho, bem como

    a questo recorrente do infinito que Esther Ferrer trabalha atravs dos nmeros

    primos, ou atravs da existncia de nmeros irracionais ou dzimas infinitas no

    peridicas como o !, ou seja, a sua relao com conceitos matemticos.

    Relativamente aos nmeros primos, e como no se sabe no infinito se estes se

    mantero como nmeros primos ou se no infinito todos os nmeros sero divisveis

    por outros nmeros que no eles prprios e a unidade. Relativamente a !, impe-se a

    questo de saber se algum dia se chegar ao ltimo decimal de !. Para Esther Ferrer

    os nmeros primos esto de alguma forma relacionados com o cosmos no sentido em

    que o cosmos est em expanso, e por outro lado quanto mais se avana na srie de

    nmeros primos, mais distncia existe entre eles, como se respirassem e se

    ampliassem.

    2. Como se relacionam a Matemtica, o Movimento e a Multimdia na

    construo de uma Performance

    Nesta seco vamos abordar alguns conceitos mais gerais onde a matemtica, o

    movimento e a multimdia so utilizados na construo de uma performance. De uma

    forma geral, temos o esquema:

    Performer

    Movimento

    Tcnicas deImp

    (Laban)Corpo-Instrumento

    Multimedia

    Tcnicas de Edio

    Corpo-Memria

    Matemtica

    Conceitos-ConstruoFoco no Movimento

    Performance

    MultiplicidadedeAuto-Representaes

    IdentidadeMedia/Redes Sociais

    Construo contra-

    exemplos para oDualismo

    Cartesiano

    Processo documental

    autoetnogrfico

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    Existem vrias direces nas quais a matemtica, o movimento e a multimdia se

    relacionam. Na construo da performance On a Multiplicity est implcita uma

    estrutura: so apresentadas projeces de multimdia a partir de vdeos como registo

    de improvisao de movimento bem como sobre vrios discursos sobre a construo

    da performance e sobre o trabalho de pesquisa que se est a desenvolver. A esta

    primeira camada chamamos o trabalho autoetnogrfico que depois transformado em

    material visual e sonoro. Os discursos podem ser tambm sobre a investigao em

    Matemtica desenvolvida ao longo da construo da performance propriamente dita.

    A performance final composta por projeces de vdeo e som, bem como

    improvisao de movimento e som em tempo real.

    Assim, temos 4 direces especficas:

    1. Foco na investigao (em curso) em matemtica antes ou durante a improvisao

    em movimento que filmada e depois projectada na performance;

    2. Utilizao na performance dos discursos de apresentao de resultados da

    investigao em matemtica em conferncias som editado e som trabalhado em

    tempo real;

    3. Utilizao de alguns conceitos de matemtica na construo de paradigmas nos

    processos de criao em performance;

    4. Performance como matriz intersubjectiva resultante de investigao e

    experimentao em matemtica, movimento e multimdia.

    Relativamente ao ponto 1, temos ento 2 sentidos ou camadas de relao entre a

    investigao em matemtica a que o intrprete se dedica no decorrer do processo de

    criao como foco de pensamento: uma delas diz respeito a pelo menos 5 horas de

    investigao em matemtica (seguidas) e no mximo 10 minutos de pausa entre o

    final destas 5 horas e a improvisao em movimento filmada. A outra o foco nainvestigao em matemtica (em curso) durante a improvisao em tempo real na

    apresentao pblica da performance. Nesta direco estamos ento a referir-nos

    relao entre a matemtica e a improvisao de movimento, seja a que se segue a

    vrias horas de foco na investigao em matemtica e que filmada, seja a que

    acontece durante a apresentao pblica da performance. Aqui apenas nos referimos

    ao foco de pensamento e ateno na investigao em matemtica, seja porque o

    intrprete passou vrias horas com esse foco de ateno e em seguida improvisamovimento, no com o foco na investigao em matemtica mas com a influncias

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    que as vrias horas com esse foco deixaram, seja o foco de ateno enquanto

    improvisa movimento em tempo real. H assim uma relao interdisciplinar entre a

    matemtica e a improvisao de movimento, e portanto entre a matemtica e a dana

    no sentido em que se tenta de alguma forma relacionar a matemtica e a dana,

    usando a matemtica como foco de pensamento e as tcnicas de dana como

    instrumentos concretos. No entanto h tambm uma relao transdisciplinar entre a

    matemtica e a improvisao de movimento no sentido em que a improvisao de

    movimento aps vrias horas de foco na investigao em matemtica deixa de ser

    apenas improvisao de movimento com o foco de ateno noutro tema qualquer e

    passa a ser um intrprete especfico a criar um novo ambiente de improvisao de

    movimento a partir de estados de percepo especficos consequentes das vrias horas

    de investigao em matemtica. A transdisciplinaridade est tambm presente quando

    existe o foco de ateno na investigao em matemtica enquanto o intrprete

    improvisa movimento em tempo real na apresentao da performer, no sentido em

    que, tambm pelo facto de a investigao em matemtica se debruar sobre problemas

    novos e ainda por resolver, permite o aparecimento de um conjunto de novas

    abordagens nos estudos da performance.

    No que respeita o ponto 2, ou seja, a utilizao na performance dos discursos de

    apresentao de resultados da matemtica em conferncias som editado e som

    trabalhado em tempo real, temos presentes a utilizao de raciocnio matemtico

    associado investigao que decorre no contexto e ao longo do processo de criao

    artstica, bem como a forma como ela partilhada em contexto de conferncias de

    matemtica como uma das ferramentas multimdia na performance. Ou seja, so

    gravadas o som apenas - rplicas das apresentaes feitas, ou a fazer no futuro, em

    conferncias de matemtica, e em especial de Clculo das Variaes, que so depois

    editadas e reformuladas como material sonoro a utilizar na performance concreta.Tambm em tempo real so executados alguns excertos dessas apresentaes ou

    preparaes das mesmas como material performtico, e portanto como objectos. A

    utilizao dos discursos de matemtica como objectos na criao artstica um

    elemento transdisciplinar desta proposta para processos de criao artstica, pois

    pretende gerar-se um conjunto de multiplicidades onde estejam presentes a

    matemtica, a multimdia e a autobiografia no contexto da performance. O som

    gravado e manipulado usado como banda sonora dos vdeos de improvisao demovimento gravados aps vrias horas de estudo e foco de ateno sobre os

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    problemas sobre os quais os discursos se debruam. O som em tempo real est

    associado a discursos relativos investigao em curso na altura da apresentao

    pblica. Ou seja, se existir um intervalo suficientemente grande entre duas

    apresentaes, existiro excertos de discursos diferentes em tempo real. Isto acontece

    pelo facto deste trabalho ser auto biogrfico e tambm autoetnogrfico, e assente na

    improvisao e na relao com o tempo real como tcnicas principais.

    Esquematicamente, temos:

    Relativamente ao ponto 3, ou seja, a utilizao de alguns conceitos de matemtica na

    construo de paradigmas nos processos de criao em performance, vamos

    apresentar um pouco melhor uma proposta de modelo de criao artstica, que assenta

    em alguns conceitos matemticos na sua base, mas que pode na verdade ser vistocomo um modelo bastante geral. Comeamos ento por introduzir alguns conceitos e

    em seguida descrever o modelo e a forma como ele pode ser entendido e aplicado.

    Assim, temos:

    Definio 1.1 Um axioma uma proposio que no demonstrada, mas

    considerada como auto-evidente ou sujeita a deciso necessria. Assim, a sua

    verdade tomada como certa e serve como ponto de partida para a deduo de

    outras verdades (estas j dependentes de uma teoria).

    Utilizao de raciocnio matemtico associado investigao e forma como

    ela partilhada em contexto de conferncias como uma das ferramentas

    multimdia na performance.

    Som Editado a partir darplica de uma apresentao

    pblica

    Som em tempo real a partir

    das questes que esto a serinvestigadas

    Gerador de multiplicidades no contexto

    da performance

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    A noo de axioma refere-se naturalmente ao que no demonstrado ou

    questionado no que respeita a sua origem, dentro de um processo de criao. Por

    exemplo, a ideia inicial ou conceito de partida de uma performance concreta tem uma

    origem axiomtica. Reflecte-se sobre ela, mas no se questiona o seu aparecimento. A

    partir deste conceito deduzem-se e encontram-se outros conceitos, mas considero

    neste trabalho o primeiro conceito inquestionvel na origem.

    Neste modelo so usadas definies como as de Imagem Axiomtica, Sub-Imageme

    Dinmica que introduziremos mais frente. Para tal, vamos primeiro introduzir o

    conceito de imagem como entendida neste artigo e neste contexto. Em (Damsio,

    The Feeling of What Happens: Body, Emotion and the Making of Consciousness

    1999) Antnio Damsio afirma que o termo imagens significa os padres mentais

    com uma estrutura construda usando a moeda corrente de cada uma das modalidades

    sensoriais: visual, auditiva olfactiva, gustativa, somatosensorial. De forma muito

    simples, podemos dizer que a forma como entendemos e lidamos com o mundo que

    nos rodeia traduz-se no crebro como um conjunto de imagens pertencentes a

    diferentes nveis de conscincia. Este conceito de imagem o que vou seguir neste

    trabalho, ainda que se entendam aqui as modalidades sensoriais de forma no-

    dualista, ou seja, tambm relacionadas com as imagens abstractas.

    Os padres mentais tm uma natureza organizada e estruturada, ainda que no

    tenhamos conhecimento total sobre o que acontece no crebro. Os neurocientistas

    ainda procuram uma resposta definitiva para a forma como gerimos estas imagens e

    as transformamos em conceitos. Neste processo de conscincia e gesto das imagens

    no crebro, tambm autores como Alva No discutem e argumentam a importncia da

    experincia do corpo, a forma como o mundo se nos mostra/apresenta/representa e

    como ns nos mostramos/apresentamos/representamos ao mundo (ver por exemplo

    (No 2002)). Neste trabalho sigo a ideia defendida por Alva No de que a conscinciano algo que acontece, algo que fazemos, indo para alm da ideia de que a

    conscincia algo que est dentro de ns, separada do mundo exterior, o que

    podemos ainda considerar uma outra forma de dualismo.

    Uma ferramenta muito importante o valor atribudo s imagens e padres

    mentais. Uma abordagem mais abrangente s noes de imagem e o seu valor

    fornecida em (Damsio, Self Comes to Mind: Constructing the Conscious Brain

    2010): o autor defende que o dualismo cartesiano no faz sentido pois a partir doscasos estudados, emoo tambm razo e razo tambm emoo, corpo tambm

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    mente e mente tambm corpo, em diferentes propores, dependendo das

    circunstncias e respectivo valor que lhes atribumos. Assim,

    Definio 2.1 Uma Imagem Axiomtica (IA) uma imagem inicial que surge

    axiomaticamente, tendo como condies suficientes a criao de conscincia e de

    padres mentais relativamente ao que rodeia um indivduo, e que permitem que tal

    acontea.

    Uma Imagem Axiomtica uma proposio que no demonstrada, o que em

    qualquer performance especfica pode ser visto como um conceito, ideia ou universo

    conceptual limitado, que no pode ser demonstrado, sendo a sua validade tomada

    como certa. A origem axiomtica da Imagem Axiomtica quase sempre no lgica,

    no sentido em que no contexto de uma qualquer performance especfica lidamos

    principalmente com ideias, conceitos e aces subjectivos e que derivam de outras

    mais simples. Assim, no tem que ser verdadeira universalmente, apenas considerada

    certa no contexto de alguma perspectiva de vida e arte, com teoria e conceitos

    matemticos associados.

    Qualquer processo de criao tem o seu incio efectivo quando a IA surge e

    comea a ser modelada no processo de construo de padres mentais e conscincia

    dos mesmos. Obviamente, determinamos o momento do seu aparecimento como

    aquele em que nos apercebemos da sua origem e pertinncia. Podemos tambm

    afirmar que a IAdefine o universo de pesquisa em que o performer est envolvido.

    Podemos tambm dizer que temos umaIAque surge como um conjunto de conjuntos

    de padres mentais. Depois de um processo de improvisao e compreenso das

    capacidades de percepo, considerando-as teoricamente, obtemos vrias funes

    quase-contnuas, cada uma delas associada a um conjunto de padres mentais nos

    quais todas essas tcnicas de improvisao, percepo e teoria se juntam. O passo

    essencial considerar e analisar os limbos de cortes destas funes quase-contnuas,pois estes pontos so aqueles em que podemos mudar de direco ou criar novos

    universos multidimensionais.

    Em seguida temos ento a definio de Sub-Imagem:

    Definio 2.2 UmaSub-Imagem(SI) uma imagem que um corte no processo de

    disseminao quase contnua da IA.

    Claro que existem muitas podem at ser infinitas possibilidades de

    considerar e definir Sub-Imagens, dependendo das funes quase-contnuas, etambm dos cortes considerados ao longo do processo de criao. Existe um ponto

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    ponto limite neste processo de gerar as SI no sentido em que, quanto mais SI

    gerarmos, mais tendemos a distanciarmo-nos da IA, pois um universo limitado.

    Assim, existe um momento em que paramos, pois atingimos ou aproximamo-nos

    com uma distncia infinitesimal - do ponto limite que pertence fronteira do conjunto

    mais geral definido pela IA. Se no pararmos, passamos a fronteira e atingimos o

    exterior daIA, o que j no nos interessa neste trabalho.

    Cada SIpode ser vista como um conjunto onde podemos considerar uma funo que

    representa todas as aces dentro da SI. Tambm podemos considerar subconjuntos

    onde as funes diferentes so definidas. No contexto da criao de Dinmicadentro

    de cada SI, estas funes esto associadas a aces concretas. Como criar esta

    Dinmica? Consideramos um primeiro movimento ou aco ou ainda estado de

    presena/ausncia como axiomtico. Em seguida seguimos a metodologia j

    introduzida - em que geramos SIa partir daIA usando tcnicas de improvisao e

    percepo tal como abordagens tericas associadas neste contexto especfico. Estas

    tcnicas e abordagens tericas levam-nos a gerar funes quase-contnuas com pontos

    de descontinuidade que sero os cortes que analisamos e nos quais podemos parar ou

    continuar o percurso associado funo utilizada, ou ainda mudar de direco e este

    corte torna-se um ponto de mudana para outras direces possveis. Ou seja,

    Definio 2.3 A Dinmica dentro de uma SI um conjunto de funes quase

    contnuas do conjunto de tcnicas de improvisao e percepo, bem como de

    abordagens tericas num ricochetear entre cortes e continuidade.

    Assim, tendo em cada SIum subconjunto e uma funo quase-contnua em

    que podemos parar, analisar e mudar de direco nos seus cortes, tambm possvel

    criar subconjuntos de aces, movimentos multidireccionais que faro parte da

    narrativa. Isto significa que criamos a partir de um conjunto e de uma funo quase

    contnua em cada SI vrias funes quase-contnuas, tendo em conta as possveismudanas de direco em cada ponto de descontinuidade ou corte.

    Para mais detalhes relativamente aos vrios conceitos matemticos aqui utilizados,

    ver (T. J. Santos, On a Multiplicity: deconstructing Cartesian dualism using

    mathematical tools in Performance 2015)

    Relativamente ao ponto 4, temos que de facto, e utilizando este modelo lgico

    de construo de processos artsticos, uma performance pode efectivamente ser vista

    como uma matriz intersubjectiva resultante de investigao e experimentao emmatemtica, movimento e multimdia, tendo em conta a pesquisa autoetnogrfica

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    associada. Como refere Daniel N. Stern em (Stern, The Present Moment in

    Psychotherapy and Everyday Life 2004), our mental lide is cocreated. This

    continuous cocreative dialogue with other minds is what I am calling the

    intersubjective matrix, referindo ainda no mesmo livro que obviamente a cocriao

    pode ser com a sua prpria mente. Ou seja, o dilogo intersubjectivo entre conceitos,

    ideias e disciplinas o que permite a construo de uma matriz intersubjectiva, mas

    ela pode envolver apenas o dilogo de uma mente consigo prpria, tendo em conta

    que cada indivduo em si uma multiplicidade. No nosso caso, a matriz

    intersubjectiva cocriada por trs elementos: matemtica, movimento e multimdia

    nas suas vrias interelaes e interdependncias possveis. Por outro lado, esta matriz

    intersubjectiva tem um comportamento rizomtico com tendncia a lquido, onde

    rizoma um conceito de G. Deleuze e F. Guattari e introduzido em (Deleuze e

    Guattari 2008), e lquido um conceito de Z. Bauman definido em (Bauman 2000).

    Temos ento que o nosso modelo pode ser descrito de forma esquemtica da seguinte

    forma:

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    3. A Interdisciplinaridade e a Transdiciplinaridade

    Nesta seco queremos referir-nos ao que defendemos neste trabalho ser

    Interdisciplinar e Transdisciplinar, referindo a importncia de ambas para que o

    trabalho e a performance sejam vlidos de vrias perspectivas, seja na perspectivacientfica e respectiva importncia que cada disciplina nos traz, bem como as novas

    formas de fazer e pensar sobre o que a transdisciplinaridade nos permite. Temos que,

    esquematicamente,

    O que neste modelo e nesta abordagem interdisciplinar e transdisciplinar? Existemaqui 3 disciplinas ou reas de estudo que so centrais: matemtica, movimento e

    multimdia. Por um lado existe um trabalho interdisciplinar entre elas no sentido em

    que so usadas como ferramentas com o objectivo de fornecerem mais informao e

    mais capacidade de compreenso das outras disciplinas. No entanto, o que mais

    interessante e inovador neste trabalho e nesta abordagem efectivamente a

    transdisciplinaridade, no sentido em que estas trs reas geram nas suas relaes

    intersubjectivas novas formas de fazer performance, bem como novas formas destas

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    disciplinas se descreverem, apresentarem, bem como de serem vistas como novas

    possibilidades de si. Temos ento:

    4. A performance On a Multiplicity

    Nesta seco final vamos ento descrever a performance On a Multiplicity e

    argument-la como exemplo de aplicao do modelo descrito na seco 2.

    On a Multiplicity , na sua forma final, uma performance multimdia, onde a

    projeco de vdeo e som, bem como o trabalho de movimento e criao de som em

    tempo real, formam uma ideia de multiplicidade. Surgiu da Imagem Axiomticamais

    geral de pensar a nossa multiplicidade enquanto seres humanos, com a capacidade de

    sermos conscientes das nossas existncias e aces, a partir de uma perspectiva

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    pessoal; ou seja, usei a minha experincia pessoal como exemplo de multiplicidade.

    Assim, restrinjo o universo da IA para a minha experincia pessoal, para a minha

    prpria multiplicidade, usando uma abordagem autoetnogrfica.

    O processo de construo de On a Multiplicity foi dividido em duas fases.

    Numa primeira fase, a que decidi chamar Srie de Improvisaes, documentei-me em

    vdeo a improvisar movimento usando algumas tcnicas de dana contempornea, em

    especial improvisao a partir da tcnica de Laban, e com regras bastantes restritas no

    que respeita o espao e o foco mental. Na segunda fase editei e manipulei estes

    vdeos, juntamente com investigao em voz sobre possveis discursos volta de

    vrios assuntos relacionados com matemtica e performance, e a partir da foram

    criados dois vdeos com som a serem projectados e com eles constru a performance

    concreta, com movimento e som em tempo real. Estas duas fases deste projecto

    podem ser vistas como independentes no sentido em que podem ser consideradas

    individualmente como objectos artsticos e/ou materiais de investigao.

    Fotografia de Filipe Oliveira

    Fotografia de Tiago Frazo

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    A performance On a Multiplicity pode tambm ser vista como uma

    experincia visual e performativa autoetnogrfica, em especial por trs razes: em

    primeiro lugar, porque este trabalho tem uma srie de experincias visuais

    documentais onde estou essencialmente interessada em mim como um ser com

    multicamadas contextualizado num tempo, num espao e num lugar. Em segundo

    lugar, acredito que esta performance produz efectivamente objectos que questionam

    as fronteiras entre o visual como ferramenta de construo de objectos artsticos, e

    tambm como ferramenta para investigar em etnografia visual, a partir de vrias

    perspectivas diferentes. Em terceiro e ltimo lugar, considero esta performance na sua

    forma final como um exemplo concreto de como Tami Spry define performing

    autoethnography em (Spry 2001), dado que estou a ser performer de mim prpria a

    partir de uma perspectiva contextualizada em multicamadas.

    Em Srie de Improvisaes decidi registar-me em vdeo aps pelo menos 5

    horas de investigao em clculo das Variaes Matemtica, dentro de algum

    espao especfico de cada uma das casas em que vivi entre o final de 2010 e Setembro

    de 2011, tempo em que desenvolvi o processo de registos em vdeo ou filmagens. Ao

    longo deste tempo mudei de casa/residncia regular 3 vezes, definindo aqui

    casa/residncia regular como o lugar onde vivo, onde desenvolvo a maior parte do

    meu trabalho e consequentemente onde estou a maior parte do tempo. Em cada casa

    escolhi alguns espaos especficos relacionados com a ideia de que o espao

    escolhido seria um dos espaos onde passava a maior parte do tempo ou com a qual

    sentia bastante empatia.

    Uma parte da essncia da construo desta performance a escolha de estar

    sozinha e portanto filmei-me sozinha, procura de um ambiente onde fosse possvel

    reconfigurar-me a um nvel infinitesimal em espaos ou circunstncias restritos.

    tambm desenvolvida, naturalmente, uma relao com a cmara neste processo.I want a corner, I want a wall, I want to feel the machine and to know that I cannot

    move too much in order to fit inside the screen (excerto de registos escritos ao longo

    do processo de registo de Srie de Improvisaes).

    Assim, foi aceite uma primeiraImagem Axiomtica: Eu e os Meus Eus. Defini

    tambm cinco Sub-Imagens: Corredor, Sala de Estar, Espao Entre, Casa de Banho,

    Cozinha. Observemos que as SI no so mutuamente exclusivas ou independentes

    umas das outras. Elas pertencem a uma matriz intersubjectiva de eus (como j foireferido, matriz intersubjectiva foi um termo introduzido por Daniel N. Stern em

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    (Stern, The Present Moment in Psychotherapy and Everyday Life 2004)). ADinmica

    introduzida em cada SIda Srie de Improvisaes caracterizada pela investigao de

    movimento usando algumas tcnicas de improvisao de Laban, bem como

    referencias de Nicole Peisl e Alva No (ex-bailarina da companhia de Dana Forsythe

    e filsofo da Universidade de Berkeley) no que respeita algumas tcnicas de

    percepo em estados de presena/ausncia3. Gostaria tambm de referir os trabalhos

    de performers portugueses como Tnia Carvalho4e a dupla Sofia Dias & Vtor

    Roriz 5 . No trabalho de Tnia Carvalho inspiram-me os novos universos de

    movimento construdos, bem como a importncia da msica e do canto. O trabalho da

    dupla Sofia Dias & Vtor Roriz inspira-me pelo trabalho de percepo bastante

    meticuloso. Alguns vdeos sobre Srie de Improvisaespodem ser encontrados em

    http://telmasantos76.wix.com/onamultiplicity e que tambm podem ser encontrados

    no meu site pessoal http://www.telmajoaosantos.net.

    Para mais detalhes sobre a relao desta performance com o conceito matemtico de

    turbulncia, ver ainda (T. J. Santos, On turbulence: in between mathematics and

    performance 2014).

    Bibliografia

    Wasilewska, Katarzyna. Mathematics in the world of dance. Bridges 2012:

    Mathematics, Music, Art Architecture, Culture. 2012. 453-456.

    Bauman, Zygmunt. Liquid Modernity. Cambridge: Polity Press, 2000.

    3Ver, por exemplo, http://www.youtube.com/watch?v=zMT-pFHy3D0, uma conversaentre William Forsythe e Alva No sobre conscincia. Pode tambm consultar-sehttp://blip.tv/dancetechtvbliptv/dance-as-a-way-of-knowing-interview-with-alva-no%C3%AB-1003324para um aprofundamento das ideias de Alva No no querespeira a dana como forma de conhecer e explorar as expreincias na relao com o

    mundo atravs do movimento.4Tnia Carvalho uma bailarina/performer portuguesa que tem feito exploraesinteressantssimas no que respeita movimentos considerados diferentes, como

    podemos ver nos videos: http://www.youtube.com/watch?v=CNR7imd44N4,http://www.youtube.com/watch?v=0jylzf-tPis,http://www.youtube.com/watch?v=1VnPZ9Wy_9s. Ela faz tambm experincias e

    performances com voz e canto que podem ser vistas em:http://www.youtube.com/watch?v=lE6lfsU5bNc,http://www.youtube.com/watch?v=RoA9IYqwqW4.5O trabalho desenvolvido pela dupla Sofia Dias & Vtor Roriz um dos maisinteressantes desta gerao, na minha opinio, no que respeita ao trabalho sobre

    percepo e construo de ambientes que se metamorfoseiam ao longo das peas deforma extraordinria: http://www.youtube.com/watch?v=VNjhEbcEfOQ.

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    Damsio, Antnio. O Livro da Conscincia - A Construo do Crebro Consciente.

    Lisboa: Temas e Debates, 2010.

    . Self Comes to Mind: Constructing the Conscious Brain. Pantheon, 2010.

    . The Feeling of What Happens: Body, Emotion and the Making of Consciousness.

    London: Heinemann, 1999.

    Deleuze, G., e F. Guattari. Mil Planaltos - Capitalismo e Esquizofrenia 2. Lisboa:

    Assrio & Alvim, 2008.

    Noe, Alva. Varieties of Presence. Cambridge: HArvard University Press, 2012.

    No, Alva. Is the visual world a grand illusion? Journal of Consciousness Studies -

    Vol 9 - N 5/6, 2002: 1-12.

    Santos, Telma Joo. On turbulence: in between mathematics and performance.

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    Santos, Telma Joo. On a Multiplicity: deconstructing Cartesian dualism using

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    Santos, Telma Joo. Performance as remediation, where the concepts of immediacy

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    20-30. Lisboa: CIEBA - FBAUL, 2013.

    Spry, Tami. Performing auto ethnography: an embodied methodological praxis.

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    Stern, Daniel N. The Present Moment in Psychotherapy and Everyday Life. New

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    . The Present Moment in Psychotherapy and Everyday Life. WW

    Norton&Company, 2004.