Saga
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“Saga” É um texto narrativo de Sophia
de Mello Breyner Andresen.
Meu rosto se mistura com o dia
Nuvens telhados ramagens e Dezembro
Apaixonada estou dentro do tempo
Que me abriga com canto e com imagens
Tão abrigada estou dentro da hora
Que nem lamento já a tarde antiga
Tudo se torna presente e se demora
Será que o dia me pede que eu o diga?
A civilização em que estamos é tão errada que
Nela o pensamento se desligou da mão
Ulisses rei da Ítaca carpinteirou seu barco
E gabava-se também de saber conduzir
Num campo a direito o sulco do arado
Vem do mar azul o marinheiro
Vem tranquilo ritmado inteiro
Perfeito como um deus,
Alheio às ruas
Há um intenso orgulho
Na palavra Açor
E em redor das ilhas
O mar é maior
Como num convés
Respiro amplidão
No ar brilha a luz
Da navegação
Mas este convés
É de terra escura
É de lés a lés
Prado agricultura
É terra lavrada
Por navegadores
E os que no mar
pescam
São agricultores
Por isso há nos homens
Aprumo de proa
E não sei que sonho
Em cada pessoa
As casas são brancasEm luz de pintorQuem pintou as barrasAfinou a cor
Aqui o antigoTem o limpo do novoÉ o mar que trazDo largo o renovo
E como num convésDe intensa limpezaHá no ar um brilhoDe bruma e clareza
É convés lavradoEm plena amplidãoÉ o mar que trazAs ilhas na mão
Buscámos no mundoMar e maravilhasDeslumbradamenteSurgiram nove ilhas
E foi na TerceiraCom o mar à proaQue nasceu a mãeDo poeta Pessoa
Em cujo poemaRespiro amplidãoE me cerca a luzDa navegação
Em cujo poemaComo num convésA limpeza extremaLuz de lés a lés
Poema onde estáA palavra puraDe um povo cindidoPor tanta aventura
Poema onde estáA palavra extremaQue une e reconhecePois só no poema
Um povo amanhece