Safira e a Luta Contra o Cancro - pré-publicação

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    PATRCIA FONSECA

    SAFIRAe a luta contra o cancro

    * Os direitos de autor deste livro revertem a favor do PROJETO SAFIRA, Associao de Divulgao, Apoio e Preveno do Cancro

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    ANTES DE TUDO

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    Este livro, antes de nascer, foi uma reportagem. Uma his-tria narrada em dez pginas, na revistaViso, e contadaem quarenta minutos no espao da Grande Reportagem, daestao televisiva SIC.

    Como jornalista, ao longo dos meus dezassete anos de pro-fisso, entrevistei centenas de pessoas que, dos Aores a Trs--os-Montes, da Faixa de Gaza ao Haiti, me deram a honra departilhar comigo as suas experincias de vida. Sempre senti

    que tinha de existir um objetivo para expor algumas passa-gens delicadas das vivncias que me eram relatadas. No tmconta as vezes que escrevi e reescrevi episdios por vezes ex-cessivamente ntimos, por vezes demasiado expostos quasesempre dolorosos , buscando equilibrar-me nessa linha tnuee movedia que separa a informao til e necessria com-preenso da dimenso humana da histria que irei publicar,daquela que apenas matriavoyeurista, que serve somente acuriosidade do pblico.

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    Nesse aspeto, este foi, at data, o desafio mais difcil queenfrentei. A histria de Safira tem ingredientes nicos, que jlanaram, e podero aprofundar no futuro, importantes de-bates na sociedade portuguesa.

    Devem os pais ter o direito de escolher os tratamentos dosseus filhos?

    Podem os tribunais forar um internamento, retirandouma criana da guarda dos seus pais?

    Devem explicar-se detalhadamente s famlias todos osefeitos secundrios envolvidos em tratamentos to agressivoscomo os que se aplicam na rea da oncologia?

    Estar a prtica do consentimento informado institudaapenas para desculpabilizar mdicos e hospitais, no caso de

    alguma coisa correr mal?Que espao podem ter as teraputicas no-convencionais

    nos tratamentos mdicos de menores?

    As perguntas no tm fim e todas foram intensamente de-batidas pela famlia de Safira, ao longo dos ltimos dois

    anos. A sua determinao, levando-a at a desafiar os tribu-nais, constituindo um processo legal sem paralelo no nossopas, profundamente invulgar.

    A norma que um pai e uma me, colocados perante umadoena to grave e to fulminante como pode ser o cancro,fiquem completamente arrasados psicologicamente. A maio-ria no teria foras para lutar por qualquer outra coisa queno as necessidades bsicas sobrevivncia do seu filho. Essa

    j uma batalha herclea.

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    Os pais de Safira fogem norma. Se a filha chorava dedor, eles no se lamentavam com ela: riam at a fazer sorrir.Se as autoridades de sade e de justia ameaavam abanartodas as fundaes da sua existncia at quebrar a sua von-tade, eles uniam foras e mantinham a posio, sem vergar.Se lhes diziam que era preciso falar com todos os grandes es-pecialistas mundiais na rea da oncologia para terem alguma

    possibilidade de salvar a menina, eles passavam dia e noite aestabelecer contatos, procurando uma sada do buraco negroque, por vrias vezes, ameaou engoli-los.

    Quem so estes pais? Tentando responder a esta questo,foram includos neste livro alguns detalhes biogrficos deGabriela e Gabriel que, partida, poderiam no acrescentar

    muito histria da sua luta pelo direito escolha dos proge-nitores, quando esto em causa tratamentos mdicos comefeitos adversos na vida dos filhos. Foi precisamente porquealguns setores da sociedade tentaram desvalorizar a sua causa,desconsiderando-a por partir de gente alternativa e meio--hippie , que entendi ser necessrio revelar, de forma aberta etransparente, a postura desta famlia perante a vida.

    Espero que, chegados ao final deste livro, fique claro paratodos que as suas opes no tiveram por base crenas reli-giosas ou outras razes filosfico-espirituais. Eles no recusa-ram um tratamento para a filha esperando que um milagre asalvasse. Eles foram, contra tudo e contra todos, procuradesse milagre. Esta a histria de como o encontraram.

    Patrcia FonsecaLisboa, maro de 2012

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    VOLTA AO MUNDO

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    Safira estava a ser acompanhada, desde julho de 2010, portrs terapeutas diferentes: uma mdica convencional, demedicina familiar, que tambm homeopata; um perito emhomotoxicologia1, medicina biolgica2 e nutrio, que recei-tava suplementos naturais e recomendava a alimentao maisindicada para a criana; e um outro mdico, especializado emimunoterapia, que estudava quais os grupos celulares do sis-tema imunitrio de Safira que estavam mais debilitados, refor-

    ando-os de forma a melhor combaterem possveis recidivas. A mdica assistente do Instituto Portugus de Oncologiaestava a par de tudo isto e, no final do primeiro ciclo de qui-mioterapia, at comentou com os pais que os resultados das

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    1 Segundo a homotoxicologia, conceito desenvolvido nos anos 50 pelo mdico ale-mo Hans H. Reckweg, a doena a expresso do esforo do organismo para eli-minar, ou limitar, a ao nefasta das toxinas.

    2 A medicina biolgica trata o corpo como um sistema global, holstico, ou seja,trata a mente, o corpo e o esprito, e procura que o organismo se cure atravs daativao dos seus prprios mecanismos de defesa.

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    anlises da menina eram surpreendentemente bons. As me-dicinas alternativas, afinal, at poderiam estar a ajud-la nal-guma coisa.

    Contudo, quando Gabriel comunicou que a famlia tinhadecidido no fazer mais quimioterapia, o corpo clnico da-quele instituto entendeu que o caso da menina iria ficar ape-nas entregue a homeopatas o que, no seu entender, seriaigual a no fazer absolutamente nada.

    Nunca me passou pela cabea tratar um tumor s comhomeopatia, isso no faz sentido nenhum e por isso queaceitmos os primeiros tratamentos no Instituto Portugusde Oncologia e a cirurgia no Hospital Dona Estefnia, cla-rifica Gabriel. A homeopatia era, e , um meio complemen-

    tar de promover a sade da Safira. Ns estvamos ativamente procura de outra soluo. Acontece que, naquele momento,ainda no a tnhamos encontrado.

    A busca por essa sada de emergncia intensificou-se nosdias que se seguiram. Gabriel agarrou-se ao computador e,dia e noite, procurava saber mais sobre os tratamentos de

    ponta que estavam a desenvolver-se em todo o mundo.Enviou e-mails para os mais reputados cientistas, que assi-navam estudos promissores nas revistas cientficas. Escreveucartas emocionadas aos diretores dos grandes centros de tra-tamento de cancro do mundo, desde a portuguesa Fundao

    Antnio Champalimaud at ao Centro MD Andersen e Clnica Mayo, nos Estados Unidos da Amrica.

    Embrenhou-se nos sites de associaes de doentes, nosblogues de sobreviventes de cancro, nos arquivos dos maiores

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    jornais mundiais. At que encontrou um artigo, sobre o casode uma menina australiana, que viria a revelar-se a boa not-cia por que tanto ansiavam.

    Gabriel cavalgou em segundos as linhas que contavam ahistria de Laura Boomsma, a quem tinha sido diagnosti-cado o mesmo tumor de Safira, no mesmo rim e exatamentecom a mesma idade. Os seus pais tinham assistido a uma pa-lestra do jornalista britnico Phillip Day, que se transformounum ativista anti-quimioterapia, correndo o mundo a exporos efeitos secundrios deste tipo de tratamentos. Foi entoque decidiriam que Laura no faria a quimioterapia ps-ope-ratria sugerida (no caso, a proposta dos seus mdicos eraque realizasse doze sesses).

    A famlia foi processada pelo Hospital Peditrico de Bris-bane, mas, depois de uma emotiva batalha, envolvendo umgrande debate pblico, ganharam no Supremo Tribunal deQueensland o direito a escolher o tratamento da filha umcaso nico no mundo.

    Na notcia contava-se que a australiana tinha viajado para

    Inglaterra para ser seguida pelo mdico Julian Kenyon, ondeteria sido submetida a um tratamento inovador, que reforao sistema imunitrio. Uma dcada depois do diagnstico, amenina continuava bem de sade.

    Havia mesmo um caminho a seguir, um outro caminhoque no aquele que o Instituto Portugus de Oncologia pro-punha. Nessa noite, depois de muitas madrugadas de pes-quisa, Gabriel conseguiu pousar a cabea na almofada edormir algo que no fazia h muito, muito tempo.

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