CÂMARA TÉCNICA DE EXTENSÃO “EXPERIÊNCIAS DE CREDITAÇÃO NA EXTENSÃO”
S. de Extensão UFPI_Lucas.coelho.pereira
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Mulheres do Poti: Artesanato Cermico, Identidades e Rede Sociotcnica no
Bairro Poti Velho em Teresina-PI.
Lucas Coelho Pereira (Graduando em Cincias Sociais- UFPI. Bolsista PIBIC/ CNPq);
Maria Dione Carvalho de Moraes (Orientadora. Prof. Dr. do DCIES/CCHL/UFPI).
RESUMO
A presente pesquisa tem como objeto o artesanato cermico produzido por
mulheres ceramistas na Cooperativa de Artesanato do Poty Velho-Cooperart- Poty, no
Bairro Poti Velho, na cidade de Teresina-PI, bem como a presena/ao do mesmo na
rede sociotcnica da qual faz parte. Assim, tomamos, como fonte de evidncias
empricas, sentidos e significados atribudos ao processo de concepo e produo da
coleo de cinco bonecas de cermica intitulada Mulheres do Poti. Na pesquisa, as
peas em argila so tomadas como textos culturais que narram crenas, mitos, ritos,
vises de mundo, memrias, identidades. Neste contexto, observa-se, para alm das
artess, a presena/ao de atores diversos humanos e no humanos como o
SEBRAE, a Prefeitura Municipal de Teresina, dentre outros.
Palavras-Chave: Artesanato. Gnero. Identidade. Teoria do Ator Rede
INTRODUO
A produo da arte cermica no mundo, no raro, confunde-se com a prpria
histria da humanidade. Neste contexto, peas feitas em barro apontam para como
sociedades diversas vivem, organizam-se e simbolizam o mundo. O artefato cermico,
portanto, constitui-se em um quase-objeto/quase-sujeito (BRANQUINHO &
NOGUEIRA, 2012) capaz de narrar aos olhos sobre mitos, ritos, crenas e vises de
mundo de uma comunidade. Pode, ento ser visto como textos culturais, na perspectiva
de Geertz (1989). Todavia, convm acrescentar que as artes, quando vistas como
sistemas culturais (PORTO ALEGRE, 2000), no simplesmente refletem/espelham este
ou aquele aspecto da realidade sociocultural, poltica e econmica de um grupo, mas
tambm agem dialeticamente com relao a esta. Nesta perspectiva, a arte cermica
abre-se para o estudo de sociabilidades diversas. A pesquisa (MORAES, 2011) possui
como objetivo geral: compreender, no dilogo entre ceramistas e demais atores da rede
sociotcnica da qual fazem parte, como se expressam identidades, memrias, saber-
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fazer e gnero na coleo de bonecas Mulheres do Poti. E como objetivos especficos:
1/ Apreender os sentidos e prticas do ofcio oleiro na trajetria social e no mundo da
vida das ceramistas do Poti e sua relao com projetos de vida. 2/ Identificar como atua
a rede sociotcnica e os significados sobre a arte das ceramistas em seu interior.
3/Assimilar o processo de construo da coleo Mulheres do Poty e os mltiplos
sentidos agenciados em sua elaborao, sobretudo, saberes, prticas e vinculaes
simblicas do grupo de ceramistas com esta produo.
METODOLOGIA
A pesquisa, de cunho etnogrfico, empregou como aparato terico-metodolgico
a Teoria Ator-Rede, com base em Bruno Latour e Steve Woolgar, analisando a tessitura
da rede sociotcnica do artesanato cermico produzido no Poti Velho, na qual sujeitos
humanos e no-humanos so observados simetricamente (MATTEDI, 2006). Nesta
perspectiva, actante tudo aquilo que age, deixa rastros, produz efeitos. Mas, sem
perder de vista as relaes de poder (LAW, [s/d]), no ignoramos a dinmica
assimtrica e no-linear existente entre os polos tcnico e social (FREIRE, 2006). Na
pesquisa de campo, a cada observao direta e/ou participante, realizamos anotaes em
dirio de campo (BRANDO, 1998; OLIVEIRA, 2002); entrevistas (BORDIEU, 1997;
MICHELAT, 1987) individuais ou com mais de uma pessoa ao mesmo tempo, semi-
estruturadas, com tpicos-guia (GASKEL, 2003). Utilizamo-nos tambm de conversas
no cotidiano (SPINK, 2000), bem como da produo de imagens fotogrficas
(BITENCOURT, 1998).
RESULTADOS OBTIDOS
O bairro Poti Velho comunidade, tradicionalmente, pesqueira, oleira, e
ceramista na cidade de Teresina, capital do Piau. Ao referirem os incios da atividade
ceramista no bairro, artesos/s referem o nome de Raimundo Camburo, como era
conhecido o arteso Raimundo Nonato da Paz, ceramista maranhense que, de acordo
com alguns, migrara para o Piau pelos anos de 1960, em busca por melhores condies
de vida. Mas tal narrativa controversa: h quem afirme que Camburo era teresinense
e fora para o Maranho (municpio de Rosrio) a fim de aprender as artes do barro,
voltando em seguida para a cidade natal. De todo modo, a figura deste arteso aponta
para uma importante caracterstica nas relaes de gnero presentes na atividade
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ceramista artesanal no bairro, onde a modelagem e a moldagem de artefatos cermicos
sempre fora de domnio do masculino. s mulheres, cabia transportar as peas e
organiz-las para a venda, depois de pint-las, quando necessrio. A pintura era trabalho
marcadamente feminino. Desta forma, eram reproduzidos esteretipos de gnero em
uma diviso sexual do trabalho. Tal diviso social do trabalho pauta-se, sobretudo, em
dois princpios organizadores: o da separao, atravs do qual existem trabalhos de
homem e traballhos de mulheres e o da hierarquizao, pelo qual um trabalho de
homem vale mais que um trabalho de mulher. (MORAES & PEREIRA, 2013, p. 9 ).
Todavia, a partir do final dos anos 1990, mulheres do bairro passam a se apropriar de
tcnicas diversas do artesanato cermico.
Esta apropriao deu-se por meio de cursos de capacitao oferecidos pelo
Programa de Apoio ao Trabalho Informal-PETI, pelo Programa de Artesanato do Piau-
Prodart, pelo Servio Nacional de Aprendizagem Industrial-Senai, e pelo Servio
Brasileiro de Apoio s Micro e Pequenas Empresas SEBRAE. Assim, ex-oleiras e
ajudantes-de-oleiros, donas-de-casa, moradoras do bairro Poti Velho e adjacncias,
passam a dominar progressivamente, uma srie de tcnicas de moldagem e modelagem
de peas em cermica. Os primeiros cursos ocorrem no incio dos anos 2000. Em 2004,
as artess participam pela primeira vez da Feira Piau Design, evento onde ocorrem
mostras e vendas de produtos artesanais. Na ocasio expuseram colares e bijuterias em
cermica. Depois disso, novos cursos foram oferecidos tanto pela Prefeitura Municipal
de Teresina, atravs da Fundao Wall Ferraz, quanto pelo SEBRAE. Neste nterim, o
grupo foi ganhando identidade prpria, nos termos das prprias artess. E, assim, a
presena de mulheres artess no Poti Velho alcana maior visibilidade at que, em
2006, as ceramistas congregam-se na Cooperativa de Artesanato do Poti Velho, hoje,
composta por trinta mulheres. Na presidncia da Cooperart, a artes Raimunda Teixeira
da Silva, Raimundinha, que, a fim de assumir tal cargo, deixa a liderana administrativa
da Associao de Ceramistas do Poti Velho, composta sobretudo por homens. A
criao da cooperativa, portanto, marca o incio de um protagonismo feminino na feitura
de peas cermicas, no bairro.
Desde a fundao da Cooperart- Poty, as artess cooperadas passam a criar, em
parceria com arquiteto/as/designers agenciado/as pelo SEBRAE colees temticas
de peas em argila para serem expostas em feiras e eventos nacionais e internacionais.
Seguindo esta trilha, foi lanada em 2007 a coleo Mulheres do Poti, composta por
cinco bonecas em argila que, de acordo com as artess, representam tipos femininos e
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identidades locais. Na anlise, atentamo-nos para a natureza da interlocuo entre
ceramistas e arquiteto/as. Sem colocarmos de um lado saberes locais das artess e, do
outro, saberes tcnicos-cientficos de arquitetos/designers, interessou-nos, sobretudo,
entender como tais saberes se inter-relacionam, entre dilogos e tenses, na tessitura da
rede sociotnica do artesanato cermico do Poti Velho.
Na coleo, as peas so tomadas como textos culturais, so imagens prenhes de
significado que trazem tanto uma dimenso diacrnica (do passado nas olarias, por
exemplo) quanto uma dimenso sincrnica (das mulheres, hoje, ceramistas). Os tipos
femininos retratados na coleo Mulheres do Poti so os seguintes: 1/ Mulher
religiosa: intrinsecamente relacionada religiosidade de matriz catlica pulsante no
bairro, traz consigo um tero. No Poti Velho, anualmente, nos meses de Junho, ocorre
um festejo em louvor a So Pedro. Atividade que envolve todo o bairro, bem como boa
parte da Zona Norte da cidade em onze dias de festas, novenas e missas; 2/ Mulher do
Pescador: diferente de todas as outras bonecas, esta a nica que possui sua identidade
atrelada figura masculina, visto que no se trata de uma mulher pescadora, mas de
uma mulher de pescador. Todavia, no bairro, banhado por dois rios (Paranaba e
Poty), mulheres tambm pescam e ajudam diariamente seus maridos nas atividades
pesqueiras, desde a ida ao rio at o processo de tratamento e venda dos peixes; 3/
Mulher oleira: na pesquisa de campo, observamos que boa parte das ceramistas
vivenciaram o trabalho nas olarias da regio, trabalhando ativamente na feitura de
tijolos. Servio pesado!, como falam algumas. A boneca oleira representa este
passado e traz consigo um tijolo, objeto que a identifica; 4/ Mulher da continhas que, de
acordo com as artess, representa o incio de todas elas nas artes do barro: nos primeiros
cursos de artesanato que participaram, a feitura de pequenas contas em cermica
constituiu-se em dever de casa para as iniciadas no ofcio. 5/ Mulher Ceramista: esta
boneca traz consigo um pote e simboliza o atual estgio destas mulheres ex-oleiras e
pescadoras, hoje, artess do barro.
A anlise da rede sociotcnica evidenciou que o artesanato produzido na
Cooperart-Poty, envolve uma srie de actantes humanos e no-humanos: no: oleiros,
artesos, instituies (SEBRAE, SENAI, Prefeitura Municipal de Teresina),
arquiteto/as/designers, artess, ferramentas, barro, mquinas, fornos, etc. A feitura das
bonecas conta com auxlio de mo-de-obra masculina: na extrao, no transporte e no
tratamento da argila, a fim de que esta possa ser utilizada; na feitura dos bojos (corpo
das bonecas), na queima das peas (processo pelo qual as peas ainda frescas so
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colocadas em um forno lenha para serem queimadas. Etapa da produo que dura mais
de dois dias inteiros).
No processo, conflitos entre ceramistas e a arquiteta idealizadora da coleo em
torno dos cinco tipos de bonecas que, embora definidos a priori pela arquiteta,
tornaram-se objeto de um debate provocado pelas artess. Neste contexto, algumas
controvrsias fizeram-se presentes como, por exemplo, a deciso, por parte das
ceramistas, de colocar cabeas, rostos e cabelos nas bonecas que, no projeto original,
no deveriam ter nada disso, alm dos corpos.
Neste contexto, observamos que, longe de serem meras reprodutoras de modelos
idealizados por arquiteto/as/designers, as artess participam ativamente no processo de
concepo/execuo. Nesta interao, as controvrsias apontam para as ceramistas,
como sujeitos histricos concretos, que participam de universos ideacionais diversos e
cujas peas narram aos olhos sobre as maneiras como determinado grupo vive,
organiza-se e simboliza.
CONSIDERAES FINAIS
Constatamos que o artesanato produzido na Cooperart-Poty envolve uma srie
de atores humanos e no humanos. Assim, dilogos e controvrsias permeiam o fazer
ceramista das artess da Cooperart-Poty. Neste contexto, peas em argila constituem
textos culturais, imagens prenhes de significados que falam aos olhos sobre modos de
vida e costumes, enfim, porta de acesso para o estudo de sociabilidades diversas.
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