S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 ›...

179
1 p ANAIS DO GRUPO DE TRABALHO POLÍTICA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Transcript of S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 ›...

Page 1: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

1

p

ANAIS DO GRUPO DE TRABALHO POLÍTICA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Page 2: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

2

Índice A Formação E Expansão Industrial Da Coreia Do Sul: Uma Discussão Sobre Sua Origem E Mudanças Ao Longo Dos Anos 1990 E 2000 ...................................................................................3 China X África: A Influência Da China Sobre O Continente Africano E As Transformações Políticas De Sustentabilidade ............................................................................................................18 Convergência Dos Emergentes: O Papel Das Novas Instituições Financeiras Internacionais Para A Projeção Internacional Da China E Da Índia ....................................................................................25 Liderança E Personalidade: Do Culto À Personalidade De Deng Xiaoping Ao Sucesso De Xi Jinping ...............................................................................................................................................36 O Debate Sobre O Processo De Desenvolvimento Econômico Da Coreia Do Sul: Uma Linha Alternativa De Interpretação .............................................................................................................53 Política Internacional E A Dinâmica Dos Processos De Integração Regional Na Ásia....................69 As Relações Sino-Sudanesas E Sua Intensificação A Partir Da Década De 1990............................79 Um Panorama Geral Da Diplomacia Do Petróleo Da China Na África............................................95 Forging Alignments: Understanding Chinese And Indian Balancing Strategies............................108 Velho Dragão Agora Idoso..............................................................................................................125 ASEAN: Um Jogo Com Política.....................................................................................................138 As Relações Atuais Da Asean: Internas E Externas........................................................................156 Políticas Públicas Para A Redução Das Desigualdades: O Caso Dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China E África Do Sul)...................................................................................................................166

Page 3: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

3

A FORMAÇÃO E EXPANSÃO INDUSTRIAL DA COREIA DO SUL: UMA DISCUSSÃO SOBRE SUA ORIGEM E MUDANÇAS AO LONGO DOS ANOS 1990 E 2000

Uallace Moreira Lima1 José Paulo Teixeira2

RESUMO: O artigo analisa o processo de transformação estrutural da indústria coreana, realizando uma análise histórico-estrutural ao discutir o avanço da economia coreana com o elevado crescimento econômico, a profunda transformação estrutural na indústria e o upgrading em seu comércio exterior com produtos mais intensivos em tecnologia dominando sua pauta exportadora a partir dos anos 1960 e até os anos 2000, afirmando que o sucesso logrado pela economia coreana só foi possível em decorrência da implementação de forma coesa de um conjunto de medidas de política interna pelo Estado através dos planos quinquenais que se diferenciou de outras economias de industrialização tardia nas questões como: a estrutura de propriedade do capital, organização empresarial, a centralização do capital e o processo de absorção e desenvolvimento tecnológico. ABSTRACT: The article analyzes the process of structural transformation of the Korean industry, performing a historical-structural analysis when discussing the advancement of the Korean economy with high economic growth, profound structural change in the industry and the upgrading of its foreign trade with more technology intensive products dominating its export basket from the 1960s and even the 2000s, saying that the success achieved by the Korean economy was only possible due to the implementation of cohesive form of a set of domestic policy measures by the State through five-year plans that differed other economies of late industrialization in issues such as: the capital ownership structure, business organization, the centralization of capital and the process of absorption and technological development.

1 Doutor em Desenvolvimento Econômico – Área de concentração em História Econômica - pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (IE/UNICAMP). Professor Adjunto, em regime de dedicação exclusiva da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal da Bahia (FCE/UFBA). Pesquisar Visitante do IPEA. 2 Graduando em Ciências Econômicas pela Escola Superior de Administração e Gestão – Certificada pela Fundação Getúlio Vargas – ESAGS/FGV. Bolsista de Pesquisa da ESAGS/FGV.

Page 4: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

4

Introdução Muitos analistas e pesquisadores têm realizado estudos para discutir o processo de desenvolvimento econômico da Coreia do Sul, particularmente levando em consideração o rápido crescimento econômico e transformação estrutural do seu parque industrial do período que vai dos anos 1960 até os anos 2000. Duas correntes se destacam nesse debate: 1) para os autores associados à corrente de cunho neoclássica, a hipótese principal para o sucesso da economia coreana é o fato de que esse país tem na sua origem uma economia orientada pelos princípios do mercado seguindo um modelo de desenvolvimento orientado para fora, o chamado export-led, sendo que o Estado tem uma presença ínfima apenas no sentido de criar um arcabouço institucional que promovesse o bom funcionamento do mercado; 2) por outro lado, existe outra corrente heterodoxa endogenista a qual interpreta o desenvolvimento econômico da Coreia colocando o Estado como elemento central e o principal ator desse processo, defendendo a ideia de que a condução da política econômica pelo Estado Coreano tem todo mérito do sucesso logrado pelo país, contrapondo-se completamente aos defensores dos princípios neoclássicos, afirmando que um dos principais erros dessa corrente é a não historicidade do seu arcabouço teórico que contradiz e torna irreal a sua interpretação sobre a Coreia.

Defende-se a hipótese de que, a partir dos anos 1980, ao mesmo tempo em que o governo coreano adotou medidas de austeridade como redução do deficit fiscal e o aperto monetário, ainda predominaram medidas que caracterizam o intervencionismo estatal e a política industrial coreana, tais como os incentivos e subsídios. Assim como política protecionista com a manutenção das barreias tarifárias e não-tarifárias elevadas quando comparada com os níveis internacionais. Além do mais, o processo de liberalização comercial e financeira dos anos 1980 foi, em certa medida, fictício, já que o Estado ainda controlava e direcionava o comércio externo e o setor financeiro da economia, como também os grandes chaebols permaneciam com forte influência e poder de mercado na economia coreana.

Para discutir essas ideias, este artigo está dividido em duas seções, além desta introdução. A primeira seção faz uma análise de desenvolvimento industrial coreano, assim com uma análise da transformação da estrutura industrial em suas etapas relacionadas aos planos quinquenais. Na segunda seção, faz-se uma análise sobre os principais acontecimentos econômicos, sociais e políticos dos anos 1990 e 2000. E na conclusão, faz-se uma síntese das principais ideias do artigo.

1. Os Planos Quinquenais e o Processo de Industrialização da Coreia do Sul

Page 5: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

5

Tensões internas causadas por essa divisão trouxeram a Guerra da Coreia no início de 1950, com apoio intenso dos EUA e da China, respectivamente ao sul e ao norte do país. Em 1953, foi celebrado o fim da guerra, através do tratado de Panmunjon, que culminou na divisão do país em Coreia do Sul e Coreia do Norte. Houve muita destruição durante a Guerra da Coreia, com a Coreia do Sul sendo amplamente destruída. Estima-se que somente 56% das instalações industriais construídas pelos japoneses durante o período de colonização não haviam sido destruídas e o nível de emprego caiu por volta de 41%, além da perda de 90% da capacidade de geração de energia e 75% da produção de minério de carvão e ferro para a Coreia do Norte. É importante mencionar que, na época, a distribuição da produção no país era altamente concentrada na agricultura, com uma concentração de participação por volta de 66% no total da produção3.

Apesar do cenário desastroso, alguns pontos positivos que surgiram durante esse período podem ser destacados, tais quais: a cultura de Chaebols, herdada da época de colonização japonesa através dos Zaibatsu, que fez com que a estrutura organizacional industrial coreana tivesse a aliança entre Estado e setor privado necessária para o processo de desenvolvimento da organização empresarial, a estrutura de propriedade do capital, a centralização do capital e o processo de absorção e desenvolvimento tecnológico; A reforma agrária, que redistribuiu as terras e a renda dos proprietários, além de enfraquecer toda uma classe de aristocratas resultante do período de colonização japonesa; e ainda a implementação de um sistema de formação educacional amplo, que fez aumentar o índice de alfabetização e formação futura de burocratas e engenheiros. Todos esses processos foram importantes para a construção do estado, com base no apoio dos agricultores que constituíam a maior parte da população Coreana.4

Durante esse período, o da Primeira República da Coreia, a relação externa com os EUA foi fundamental para a reconstrução de desenvolvimento do país. Essa reconstrução foi financiada principalmente pelos EUA, que, no começo da guerra do Vietnã, financiava recursos bélicos para a Coreia, o que permitia o investimento público atuar na reconstrução do país, já que o investimento privado ainda não era suficiente para o desenvolvimento da infraestrutura necessária5.

Inicialmente, a estratégia utilizada no desenvolvimento da economia coreana foi baseada em políticas de industrialização por meio de substituição de importação, com investimentos na indústria manufatureira. As principais indústrias na década de 1950, que ajudaram na recuperação da economia, foram as chamadas “três indústrias brancas”, que se baseavam na farinha de trigo, açúcar e algodão. A indústria de algodão, que havia perdido 66% de suas instalações durante a Guerra da 3 Ver Kim (2005) 4 Ver Lima (2013) 5 Ver Koh (2010)

Page 6: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

6

Coreia, recuperou-se rapidamente e até encontrou excesso de capacidade na segunda metade do ano de 1956. Além disso, o setor de construção foi destaque dado à necessidade de crescimento do setor para a reconstrução da infraestrutura necessária para o desenvolvimento dos setores relacionados à indústria manufatureira e seu crescimento contribuiu para a retomada de crescimento sul-coreano6.

Após meia década, apesar dos resultados não serem transformadores, a taxa média de crescimento entre 1954-1959 foi de 4,3%, acompanhado de uma reestruturação estrutural não muito profunda. A participação da agricultura, silvicultura e pesca em proporção do PIB diminui de 47,3% em 1953 para 33,8% em 1959. A principal variável no crescimento e desenvolvimento econômico era o financiamento e ajuda externa.

Já nos anos 1960, pode-se perceber uma mudança maior na estrutura econômica coreana. Caracterizado por uma forte política de intervenção de Estado para promoção da industrialização substitutiva de importação com caráter seletivo, principalmente da indústria leve, foi nos anos 1960 que começaram os planos quinquenais. O 1° plano quinquenal (1962-1966) teve como foco principal o desenvolvimento da indústria leve tal como a de cimento, fertilizantes, maquinário industrial, refinaria de petróleo entre outras. O investimento inicial foi de 34% de todo investimento bruto para a indústria, porém seu valor foi atualizado e aumentado em 1964 para que o setor industrial se modernizasse mais rapidamente.7

O 2° plano quinquenal (1967-1971) teve como meta, basicamente, o desenvolvimento da indústria química, aço e máquinas, buscando romper o círculo da pobreza e dependência externa, apontando em direção a uma economia mais moderna e competitiva no cenário internacional. O sucesso dos dois planos implementados na década de 1960 pode ser comprovado através da dinâmica dos indicadores macroeconômicos, já que a taxa média de crescimento do PIB foi de 9,3% entre 1962 e 1971, com um pico de crescimento de 14,1% em 1969.

Além do mais, a participação da indústria de manufaturados na produção total chega a 16,7% em 1970, um aumento considerável já que a participação dos manufaturados em 1955 era de 11,6%. Houve também um aumento significativo do valor adicionado das exportações em relação ao PIB, já que em 1962 a participação das exportações no PIB era de 4,9% e em 1962 a participação das exportações no PIB chega a um percentual de 14,1%, tendo como principais parceiros comerciais os EUA e o Japão. O crescimento da participação das exportações no PIB já aponta para a relevância que as exportações terão no processo de crescimento econômico da Coreia do Sul como resultante da estratégia de desenvolvimento econômico voltada para fora8. 6 Ver Hyeyoung Cho (2012) 7 Ver Chang (1994) 8 Ver Kim e Koh (2010)

Page 7: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

7

No processo de implementação dos planos quinquenais, o governo teve um papel primordial e central no desenvolvimento dessa política de substituição de importação e de promoção de exportação. Todo esforço era feito para que as metas dos planos quinquenais fossem alcançadas. Através do estreito relacionamento entre o sistema bancário e as grandes corporações, conhecidas como Chaebols, o governo financiava taxas de juros para alguns setores industriais específicos, subsidiando assim o desenvolvimento das indústrias consideradas relevantes para o desenvolvimento do país.

Nos anos 1970, foi implementado o 3º Plano Quinquenal (1972-1976), com foco em indústrias pesadas e químicas, que fomentavam a necessidade do desenvolvimento do ramo de bens de capital mais intensivo em tecnologia. O 3º plano foi importante para corrigir os desequilíbrios setoriais no parque industrial coreano, ou seja, como o setor de indústrias leves já estava mais bem estabelecido e maduro tendo em vista as políticas direcionadas para a sua consolidação nos planos quinquenais anteriores, era necessário agora o investimento e envolvimento do mercado interno para se estabelecer dentro da Coreia os setores pesado e química.

A taxa média de crescimento econômico entre 1972 e 1976 foi de 10,3% com pico de 14,8% em 1973. Também é importante ressaltar que em 1973, pela primeira vez, o valor adicionado da indústria, em relação ao PIB (27,4%), foi maior que o valor adicionado da agricultura (25%), e desde então se manteve maior, o que revela uma profunda transformação estrutural da economia coreana desde a implementação do primeiro plano quinquenal. O impacto do 3º plano quinquenal no avanço da indústria manufatureira é nítido quando se observa que a participação da indústria manufatureira no valor adicionado sai de 67,2% em 1965 para 70,6% em 1971, e em 1976 chega a 76,7%. Esse avanço da indústria manufatureira a partir dos anos 1970 tem como principal responsável a implementação do 3º plano quinquenal, promovendo o fortalecimento do parque industrial coreano, principalmente das indústrias pesadas e química durante o período.

Ainda nos aos 1970 o governo coreano dar início ao 4º Plano Quinquenal (1977-1981), um plano para dar seguimento ao desenvolvimento econômico, industrial e de inserção no mercado externo através da exportação. Durante o 4º plano, foi dada ênfase aos setores mais intensivos em tecnologia como o setor de eletroeletrônico, porém mantendo o foco em exportação e as mudanças estruturais da economia. O objetivo era diversificar a estrutura industrial e dar um upgrading na pauta exportadora e intensificá-la em bens de alto valor agregado de alta intensidade tecnológica.9

A taxa de investimento como proporção do PIB sai de 27% em 1977 e vai para 32% em 1979, caindo apenas no final do período em decorrência do agravamento da crise internacional. Além da 9 Ver Harvie e Lee (2003)

Page 8: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

8

transformação estrutural e do elevado nível de investimentos, a taxa média de crescimento econômico entre 1972 e 1981 foi de 8,9% com pico de crescimento de 14,8% em 1973. Mesmo com o, relativamente, baixo crescimento do ano de 1972 (6,5%), causado pelo cenário externo desfavorável, e com o baixo crescimento de 1980 (-1,9%), também devido ao momento de crise no cenário internacional, pode-se afirmar que a Coreia manteve e apresentou um desempenho econômico elevado, principalmente quando se observa que após a queda em 1980, há uma forte recuperação do crescimento econômico em 1981 com uma taxa de crescimento de 7,4%.

O processo de abertura da economia coreana esteve associado a implementação do 5º Plano Quinquenal (1982-1986), o qual tinha como objetivo estabilizar a economia, aumentar a competitividade dos chaebols no mercado internacional através do desenvolvimento de setores industriais mais intensivos em tecnologia, obter superavit comercial e aumentar a criação de empregos. Com o governo mais orientado para uma visão de mercado, a liberalização da economia foi acontecendo durante o período de forma gradual, ou seja, houve um planejamento para o processo de abertura, de modo que não aconteceu de forma abrupta e irresponsável.10

No setor industrial, apesar da tentativa de promoção de pequenas e médias empresas, com a exclusão do sistema de alocação de crédito preferencial, as empresas dos setores estratégicos ainda conseguiam benefícios exclusivos, mas isso fez com que fosse facilitada a modernização tecnológica para competição no mercado externo. O setor privado entra com um papel principal no país no desenvolvimento de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), com uma estratégia de imitação criativa, apoiado por um ambiente político que incentivava o setor privado.11

Mesmo com uma condução da política econômica mais contracionista, a economia coreana manteve um desempenho econômico relevante, principalmente quando se considera o cenário internacional desfavorável nos anos 1980 para as economias em desenvolvimento. A economia já apresentava sinais de estabilidade, com balança comercial superavitária, conta corrente superavitária e balanço de pagamentos apresentando superavit. A média de crescimento durante 1980 e 1986, com o final do 5º plano Quinquenal, foi de 7,9%. Os destaques são os anos de 1986 e 1987, que houve crescimento econômico de 12,2% e 12,3%, respectivamente. O alto crescimento econômico de 12,2% em 1983 também contribuiu para que a média de crescimento do PIB na década fosse de 8,6%, apesar da queda de 1,9% em 1980.

Outra questão fundamental a ser analisada é a continuidade no processo de transformação estrutural da economia, principalmente no parque industrial do país e na pauta exportadora. Foi durante esse período que o setor de máquinas e equipamentos de transporte foi o que mais 10 Ver Kyu-Uck, Shujiro e Inbom (1986) 11 Ver Koh (2010)

Page 9: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

9

contribuiu nas exportações em relação ao total exportado, passando de 22, 5% em 1980 para 36,4% em 1986. O setor de máquinas e equipamentos de transporte passou a ser o setor que mais contribuiu para as exportações com 40,4% das exportações em 1989, e que se mantém a mais relevante até o final dos anos 2010, lembrando que passou a ser a mais relevante em 1983 com 35,7% das exportações. O crescimento da participação das exportações de máquinas e equipamentos é uma resultante do processo de fortalecimento e amadurecimento da indústria de bens de capital na Coreia do Sul.

2. A indústria coreana na década de 1990 e nos anos 2000

O processo de liberalização da economia que teve início nos anos 1980 na Coreia do Sul teve continuidade nos anos 1990. O anúncio de reformas de taxa de juros, mais uma vez sinalizando o corte de subsídios para os setores primordiais, foi feito logo no início da década de 1990. Houve ainda uma maior oferta de crédito para todo o mercado de maneira mais igual, o que gerou certa instabilidade monetária uma vez que não havia rigidez na concessão de crédito, levando muitas grandes chaebols a criarem uma dívida gigantesca. Mais uma vez criou-se a necessidade de o governo intervir na regulação da quantidade de crédito oferecido. Isso indicava a influência política que o governo ainda exercia dentro do sistema financeiro do país, ainda que em processo de liberalização. Essas mudanças no sistema financeiro criaram instabilidade, e conforme o processo de liberalização se intensificava, a instabilidade financeira também crescia.12

Essas políticas se iniciaram no início da década de 1980 e se intensificaram na década de 1990, com objetivo bem estabelecido de melhorar a competitividade dos produtos domésticos por expor eles a competição internacional. Parte desse processo de abertura teve sua explicação política quando há a intenção dos governantes coreanos em fazer parte da OCDE, e existe claramente um apoio pela OCDE das políticas liberalizantes que a Coreia vinha realizando.13

No setor industrial o paradigma da estrutura industrial estava direcionado para fazer paralelo com a economia do conhecimento, e isso afetou as políticas industriais locais, ou seja, o direcionamento da política industrial passou a ter como prioridade os setores mais intensivos em tecnologia, fato este que já vinha acontecendo desde o 4º plano quinquenal nos anos 198014.

12 Ver Lim (2000) 13 Ver OECD Economic suveys (1994) 14 O desenvolvimento Coreano de uma economia baseada no conhecimento foi muito bem-sucedido. Os quatro pilares do modelo de implementação foram utilizados, sendo eles: Um quadro macroeconômico propício, uma infraestrutura moderna de informação, desenvolvimento de recursos humanos e de um sistema de inovação eficaz. Ver World Bank Korea as a knowledge economy.

Page 10: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

10

O desenvolvimento do setor manufatureiro, setor que teve destaque durante todo o período de crescimento industrial coreano, tinha como objetivo se modernizar e dar importância ao desenvolvimento de tecnologia. O desenvolvimento de parques industriais tecnológicos com orientação para inovação e promoção de indústrias de alta tecnologia e de tecnologia da informação aconteceu de forma mais intensa do que nos períodos anteriores. Vários parques equipados com varias funções de serviços, incluindo P&D, produção, logística e bem-estar foram instalados, fazendo crescer mais ainda a participação do setor de serviços na economia.

Os pacotes de abertura da economia fizeram as indústrias coreanas entrarem em um mercado mais competitivo e globalizado. Para que a melhora na competitividade dos parques industriais acontecesse, o governo teve papel crucial na concessão de alguns subsídios e na criação, integração, e abolição de leis, assim facilitando o procedimento de estabelecimento das fábricas, desenvolvimento dos parques industriais e melhora no sistema de vendas dos parques. As indústrias de alta tecnologia e baseada no conhecimento, incluindo a indústria de tecnologia da informação, emergiram como indústrias chaves da economia coreana, e os impactos na economia coreana foram positivos.

Em 1997 se iniciou uma crise de especulação da moeda tailandesa, o baht, quando foi anunciada sua flutuação, o que seguiu uma desvalorização de 15% na moeda. Depois de apenas 2 meses, Filipinas, Malásia e Indonésia não conseguiram segurar o preço de suas moedas e sofreram desvalorizações. A Coreia pode ser considerada o último estágio da crise de 1997, com uma queda de 25% em sua moeda durante o mês de novembro de 1997, e houve conseguintemente ondas de desvalorização da moeda. Podemos classificar a crise do mercado asiática sendo decorrência do processo fragilizado de abertura financeira e de especulação contra as moedas desses países.

A liberalização econômica contribuiu para que a Coreia sofresse mais com a crise que se alastrou no mercado asiático ao deixar o país exposto ao capital especulativo. Na Coreia, principalmente durante a industrialização orientada pelo governo, quando uma chaebol estava com dificuldades financeiras, para que a economia não sofresse e continuasse se desenvolvendo, o governo arranjava um resgate financeiro para que não houvesse impactos na economia. Devido a uma orientação econômica ortodoxa e mais voltada no mercado, a equipe de política econômica coreana se recusou a oferecer um resgate financeiro a primeira empresa que apresentou dificuldades, a Hanbo. Eles acreditavam que uma companhia deveria seguir os princípios do livre mercado, devendo, portanto, se auto sustentar sem nenhum incentivo ou ajuda de órgãos governamentais.

Com a implementação de uma política de caráter mais ortodoxo, aliado ao processo de abertura, a crise especulativa que passou a economia coreana tiverem impactos diretos em variáveis

Page 11: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

11

macroeconômicas. A economia coreana ao longo dos anos 1990 vinha apresentando um vigoroso crescimento econômico, fato este que representa um processo de continuidade do elevado crescimento que o país teve ao longo dos anos 1970 e 1980. Após a retomada de crescimento em 1989, o início dos anos 1990 é marcado por uma taxa de crescimento expressiva de 9,3% em 1990, e apresentando ligeira queda em 1992 e 1993, recuperando-se a partir de 1994. Com a crise em 1997, a economia coreana sofre com um declínio do PIB de -5,7% em 1998, mas assim como aconteceu no final dos anos 1980, mostra uma capacidade de recuperação muito rápida já no ano seguinte, com o ano de 1999 apresentando uma taxa de crescimento de 10,7%.

O processo de recuperação da economia coreana nos anos 1990 está associado a relevante presença e intervenção do Estado na economia, assim como aconteceu nos anos 1960, 1970 e 1980. Dos principais fatores indispensáveis para a rápida recuperação coreana, pode-se destacar a economia votada para as exportações, e seu bom desempenho de vendas para o mercado externo, especificamente dos produtos máquinas e equipamentos de transporte, no qual se incluem os produtos eletrônicos que tinham uma ótima infraestrutura e qualidade, particularmente os semicondutores. A pauta de exportação orientada por produtos de alto conteúdo tecnológico e dinamismo de mercado acima da média, beneficiou a economia coreana. É importante lembrar que a contribuição das exportações de produtos de alta intensidade tecnológica e competitividade no mercado internacional foi consequência da implementação por parte do governo coreano dos planos quinquenais que promoveram um upgrading no parque industrial e na pauta exportadora do país.15

Na verdade, o Estado presente e ativo na economia mais uma vez foi considerado fator preponderante para a reestruturação da economia e do setor financeiro coreano, impedindo que a base produtiva, setor que impulsionava o crescimento da economia coreana, sofresse maiores colapsos. A estabilização da economia se deu principalmente após a mudança de orientação na política econômica. Os pacotes de austeridade, impostos pelo FMI como condição de suporte de liquidez, apesar de estabilizarem a moeda, afundaram ainda mais a recessão e isso gerou uma critica publica contra as imposições do FMI. Entretanto, contrariando a lógica das medidas ortodoxas, o governo adotou uma política expansionista, a diminuição da taxa de juros e o déficit fiscal aumentado, sempre ajudado pela forte demanda por exportação de produtos de alta densidade tecnológico pelos países desenvolvidos, o crescimento foi retomado rapidamente, tendo um percentual de aumento do PIB de 10,7% em 1999.

Como já mencionado, uma das principais variáveis para o processo de recuperação da economia coreana foram as exportações de produtos mais intensivos em tecnologia. Nesse sentido, 15 Ver Koh (2010)

Page 12: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

12

o setor de máquinas e equipamentos de transportes, itens que compõem o setor de bens de capital e é intensivo em tecnologia, tinha uma participação de 35,7% no total das exportações em 1983 e em 1999 alcança o patamar de 59,7%, contribuindo assim fortemente para uma maior inserção da Coreia na economia mundial com produtos de alta intensidade tecnologia. O crescimento da participação nas exportações desses itens está associado as elevadas taxas de crescimento do setor, assim como ao seu poder de competitividade no mercado internacional.

Para elucidar a eficácia da modificação e modernização da infraestrutura da indústria coreana durante a década de 1990 os indicadores mostram o crescimento da participação de produtos de alta tecnologia na pauta de exportação da economia coreana. A participação dos produtos de alta tecnologia no total das exportações coreanas sai de uma participação de 18% em 1990 para 32,1% em 1999. Esses dados caracterizam bem a evolução dos parques indústrias coreanos, assim como o processo de transformação em uma indústria relacionada cada vez mais com o setor de alta tecnologia, que valoriza o conhecimento e a modernização de uma economia, assim como proporciona ao país maior competitividade no mercado internacional em produtos que agrega valor e tem maiores efeitos cadeias na economia.

Deve-se ressaltar o equilíbrio encontrado no crescimento econômico coreano desde a crise de 1997, fazendo com que a estabilidade na economia viesse através de uma maior dinâmica entre grandes chaebols e as novas PME que surgiram no início da década de 2000, além da melhor regularização no setor financeiro e o comando de um governo ativo, participante e com uma orientação de evolução em relação à exportação. Para exaltar este último período, podemos tomar o crescimento dos cinco anos finais da análise, entre 2000 e 2004, que teve média de 5,7%.

Deve-se estacar também uma crescente participação da China como pais de destino das exportações coreanas. A partir da década de 1990 a China começa a ter um papel importante como grande importador de produtos coreanos. Isso traz para a Coreia um cenário favorável de novos parceiros comerciais importantes para o desenvolvimento futuro da economia coreana. A China passa de uma participação como país importador de produtos coreanos de 0,9% em 1990 para o maior importador com 19% em 2004. Isso reflete a grande importância e crescimento chinês principalmente na segunda metade década de 1990 e começo dos anos 2000.

A política de investimento em setores industriais manufatureiros de alta tecnologia teve muito sucesso no começo da década de 2000, assim como ao longo da década de 1990. O setor manufatureiro ainda é o mais relevante do valor agregado gerado pela indústria, com percentual de 75,1% em 2004. Com uma reformulação na descrição dos setores industriais manufatureiros, porem com muita paridade com o anterior, o setor manufatureiro mais relevante passa a ser o designado

Page 13: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

13

manufatura de componentes eletrônicos, computador, rádio, televisão e equipamentos e aparelhos de comunicação, com uma participação em 2004 de 23,55% das indústrias manufatureiras na Coreia.

Na Coreia, o PIB encolheu em 4,5% no quarto trimestre de 2008, principalmente pela saída repentina de capital estrangeiro, porém a taxa de crescimento do PIB se manteve positiva durante todo o período. Ao contrário do que aconteceu com a maior dos países na economia mundial, a Coreia não apresentou taxa negativa de crescimento em 2008 e 2009, mas positivas de 2,8% e 0,7% respectivamente. O país teve uma forte recuperação em 2010 com uma taxa de crescimento de 6,5%, fato este que comprova mais uma vez a relevante capacidade de retomada de crescimento pela economia coreana, principalmente devido às políticas de estímulo ao crescimento econômico implementadas pelo governo coreano. A taxa média de crescimento da economia coreana ao longo dos anos 2000 foi de 4,8%, uma taxa de crescimento relevante quando considerado o cenário externo desfavorável a partir de 2007 e taxa de crescimento da economia mundial em declínio.

A indústria também sofreu um pequeno impacto com a redução do volume de exportação, mas esta crise não teve os mesmos impactos que a crise de 1997. A baixa vulnerabilidade dos setores financeiros e corporativos, resultado das reestruturações pós-crise de 1997, fez com que a economia coreana não fosse muito afetada pela crise. Um bom exemplo foi a pequena queda da participação da manufatura de componentes eletrônicos e de comunicação no valor agregado das indústrias manufatureiras em 2008 (20,82%) e a rápida recuperação do valor adicionado do setor nos anos seguintes, batendo recorde de participação, com o valor de 24,97% em 2010. Esses dados confirmam a consolidação da maturidade e força do parque industrial coreano, fato este que garante ao país uma maior competitividade em sua inserção no mercado internacional, principalmente considerando que sua inserção acontece com o predomínio de produtos mais intensivos em tecnologia.

Sempre atuando, o banco central coreano e o governo tomaram suas medidas, de cunho heterodoxo, contra crise e amenizaram a queda do produto interno bruto sul-coreano. Suas principais ações foram: a) providenciar US$ 55 bilhões de dólares para a devida recuperação do setor bancário; b) uma política monetária expansionista, que contava com a compra de títulos públicos e também com a queda na taxa de juros, que fizeram aumentar o crédito; e c) aumento nos gastos governamentais, principalmente aqueles relacionados a problemas diretos da crise mundial.

Essas medidas expansionistas não são apenas de caráteres anticíclicas diante de uma crise na economia mundial, mas sim medidas de política econômica que são uma constante no modelo de desenvolvimento da economia coreana, fato este que pode ser constatado ao longo do processo histórico de desenvolvimento da Coreia do Sul, como mostrado neste artigo. As políticas de

Page 14: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

14

intervenção através dos planos quinquenais entre os anos 1960 e 1980 sempre tiveram como objetivo promover o elevado crescimento econômico aliado a profundas transformações estruturais do país, tendo sequencia mesmo com o processo de abertura a partir dos anos 1990 e 2000. Ou seja, ao contrário do que defendem os ideários ortodoxos, não foi um modelo liberal que promoveu o sucesso da economia coreana, mas um modelo de desenvolvimento econômico que tem como principal ator o Estado.

A presença de um governo muito ativo na construção e desenvolvimento de uma infraestrutura e organização social na Coreia foi de extrema importância para que a grande crise mundial de 2008 não tivesse impactos profundos na economia coreana. A estratégia de crescimento liderado pelo governo foi e ainda é muito importante para o fortalecimento e consolidação da indústria coreana na cadeia de valores mundial. O desenvolvimento de um ambiente macroeconômico estável e o investimento em infraestrutura e educação para a “alimentação” dessa indústria também passa por uma forte liderança política que o governo coreano sempre teve. A transformação para uma indústria mais moderna e versátil, com a presença de startups e PME’s, vem construindo um desenvolvimento sustentável e deve manter a Coreia, por um bom tempo, como uma grande produtora e competidora no mercado mundial, principalmente de produtos de alta tecnologia e de alto valor agregado.

Conclusão

A partir dos anos 1990, muitos economistas e analistas passaram a estudar a economia coreana, apontando como principal fator do seu sucesso o fato de ter sido implementado nesse país um modelo de desenvolvimento econômico associado aos princípios de mercado, ou seja, as políticas associadas ao market-friendly são as responsáveis pelo sucesso da Coreia do Sul, já que as economias que seguiram as orientações do mercado têm conseguido criar um ambiente macroeconômico estável, com alta participação no comércio internacional e elevado crescimento econômico, com substancial investimento em pessoas e o estímulo ao ambiente competitivo entre as empresas. Adotando uma abordagem econômica histórico-estrutural, o presente artigo mostrou que, na verdade, a origem do sucesso da economia coreana está associada a um modelo de desenvolvimento econômico implementado na Coreia a partir dos anos 1960 através dos planos quinquenais que tem como principal ator nesse processo o Estado. O governo coreano foi fundamental na condução dos planos quinquenais, adotando uma estratégia de elevado crescimento econômico sempre associado a profundas transformações estruturais no parque industrial do país. Com isso, até o final dos anos

Page 15: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

15

1980, o parque industrial coreano estava em um patamar similar ao de países considerados desenvolvidos, fato este que é comprovado pelos indicadores apontados neste artigo. Além do mais, o avanço na estrutura industrial esteve sempre associado a um relevante upgrading na pauta exportadora do país, fato este de extrema importância tendo em vista que as exportações são uma das principais variáveis do crescimento econômico coreano.

O processo de abertura da economia coreana a partir dos anos 1980 com medidas liberalizantes, ao contrário do que defendem os economistas ortodoxos, não foi um fato que comprove que o sucesso do país esteve sempre associado a um modelo de desenvolvimento liberal. Pelo contrário, o que foi mostrado neste artigo é que o processo de abertura da economia coreana só aconteceu depois de ter consolidado seu parque industrial e suas empresas terem nível de competitividade internacional, ou seja, o processo de abertura foi gradual e seletivo, além de continuar contando com fortes estímulos na economia dados pelo Estado.

Nos anos 1990 essa mesma estratégia teve continuidade, fato este que foi comprovado principalmente com a crise que se abateu sobre a economia asiática em 1997. Na verdade, é relevante considerar que o processo de abertura e liberalização foram os principais fatores que deixaram a Coreia do Sul mais vulnerável a crises. Entretanto, a retomada das intervenções do Estado levaram o país a retomar o caminho do crescimento econômico e do fortalecimento do seu parque industrial, fato este que aconteceu também nos anos 2000, principalmente com a crise da economia mundial em 2008.

Em todo esse processo, a economia coreana sempre apresentou elevado crescimento econômico acompanhado de profunda transformação estrutural no seu parque industrial. Nos momentos de crises, o país também apresentou forte capacidade de reação a cenários desfavoráveis, como no final dos anos 1970, no início dos anos 1980, meados dos anos 1990 e agora com a crise mundial. Essa capacidade de reação está associada não apenas a medidas anticíclicas, mas a um modelo de desenvolvimento econômico em que o crescimento e o fortalecimento do parque industrial são peças chaves, com o Estado sempre exercendo papel principal, descontruindo assim os argumentos dos liberais que não se sustentam histórica e empiricamente.

Referências bibliográficas

AMSDEN. A. Asia’s Next Giant. South Korea and Late Industrialization. New York: Oxford University Press, 1989. BOHN-YOUNG, Koo. The Role of the Government in Korea’s Industrial Development. In: KYU-UCK, Lee. Industrial Development Policies and Issues. Seoul: Korea Development Institute (KDI), 1986. Disponível em: www.kdi.re.kr

Page 16: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

16

CANUTO, Otaviano. Processos de Industrialização Tardia: O "Paradigma" da Coréia do Sul, Campinas, 1991. _____________. A crise asiatica e seus desdobramentos. São Paulo: Economica, 2000. CHANG, Ha-Joon. The Political Economy Of Industrial Policy. London: Macmillan Press LTD, 1994. HARVIE, Charles.; LEE, Hyun-Hoon. Export Led Industrialization and Growth – Korea’s Economic Miracle 1962-89. (Economics Working Paper Series). Australia: University of Wollongong, 2003. Disponível em: ww.ro.uow.edu.au/commwkpapers/67 KIM, Dohoon; KOH, Youngsun.Korea’s Industrial Development. In: SAKONG, II; KOH, Youngsun. The Korean Economy. Six Decadesof Growth and Development. Seoul: Korea Development Institute (KDI), 2010. Disponível em: www.kdi.re.kr KIM, Linsu. Da Imitação à Inovação. A Dinâmica do Aprendizado Tecnológico da Coréia. Campinas: Editora da Unicamp, 2005. KYU-UCK, Lee; SHUJIRO, Urata; INBOM, Choi. Recent Development In Industrial Organization Issues in Korea. (Working Paper). Seoul: Korea Development Institute (KDI), 1986. Disponível em: www.kdi.re.kr KOH, Youngsun. The Growth of Korean Economy and the Role of Government. In: SAKONG, II; KOH, Youngsun. The Korean Economy. Six Decadesof Growth and Development. Seoul: Korea Development Institute (KDI), 2010. Disponível em: www.kdi.re.kr LEE, Junkyu; et al. International Economy Policy. In: SAKONG, II; KOH, Youngsun. The Korean Economy. Six Decadesof Growth and Development. Seoul: Korea Development Institute (KDI), 2010. Disponível em: www.kdi.re.kr LIMA, Uallace Moreira, Desenvolvimento capitalista e inserção externa na Coréia do Sul: A economia política da diversificação industrial e do comércio exterior de bens de capital (1974-1989). Campinas, 2013 WORLD BANK. Korea: Managing the Industrial Transaction. Vols. 1 and 2. Washington: World Bank, 1987. Disponível em: http://documents.worldbank.org/curated/en/ WORLD BANK. The East Asian Miracle. Economic Growth and Public Policy. (World Bank Policy Research Report), Vol. 1 and 2. New York: Oxford University Press, 1993. Disponível em: http://www.wds.worldbank.org/external/default/WDSContentServer/IW3P/IB/1993/09/01/000009265_3970716142516/Rendered/PDF/multi_page.pdf

Page 17: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

17

Page 18: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

18

CHINA x ÁFRICA: A INFLUÊNCIA DA CHINA SOBRE O CONTINENTE AFRICANO E AS TRANSFORMAÇÕES POLÍTICAS DE SUSTENTABILIDADE

Mayara Ranney Silva

(bacharelanda em Relações Internacionais, FADIC – PE) [email protected]

Prof. Orientador: Gustavo de Andrade Rocha (doutorando

PPGCP-UFPE) [email protected]

RESUMO: Este artigo propõe um estudo mais histórico /econômico sobre a atual situação da China no cenário contemporâneo como um global player da economia mundial. As amplas transformações estruturais decorrentes do fenômeno da globalização, ocorridos nas últimas décadas, tem gerado grande impacto sobre a economia e a geopolítica mundiais, como é o caso da transformação econômica da China. A RPC (República Popular da China) é hoje detentora da maior parte das importações de matéria primas e grande consumidora de petróleo, sendo também a maior importadora da África, que atualmente mantém um vínculo forte de ‘’ provedor autêntico’’ do continente africano. Na primeira parte deste trabalho, será argumentada a expansão chinesa sobre a África, e em particular seu processo de urbanização e industrialização sobre esses continentes em troca de commodities, ao qual vem gerando críticas e elogios sob a ótica dos africanos. Todavia, este trabalho será desenvolvido para um esclarecimento assimétrico, servindo de instrumento de contribuição para o conhecimento científico do caso China e África. PALAVRAS-CHAVE: China; economia; transformação econômica; África; desenvolvimento. ABSTRACT: This article proposes a more historical / economic study on the current situation of China in the contemporary scene as a global player in the world economy. The large structural changes arising from the phenomenon of globalization, in the past decades, has generated great impact on the economy and global geopolitics, such as the economic transformation of China. The PRC (Popular Republic of China) is now holding the majority of imports of raw material and big oil consumer, is also the largest importer of Africa, which currently holds a strong bond of '' authentic provider '' of Africa. In the first part of this work, it will be argued China's expansion into Africa, and in particular its process of urbanization and industrialization on these continents in exchange for commodities, which has generated criticism and praise from the perspective of Africans. However, this work will be developed for an asymmetrical clarification, serving as a contribution instrument for scientific knowledge of China and Africa case. KEYWORDS: China; economy; economic transformation; Africa; development.

Page 19: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

19

1. Configuração sistêmica da China como potência em ascensão a partir do conceito histórico A China é tida como uma das mais antigas civilizações do mundo, a terceira maior em território, ocupando uma parte considerável da Ásia, e vem se posicionando novamente como um importante agente político e econômico mundial. Aspirante a superpotência, trazendo no seu contexto histórico o título de “a mais avançada civilização do mundo”, onde, dadas tais características, temos um evidente paralelo entre o desenvolvimento de uma nação e a sua capacidade de exercer poder sobre as demais, assim é colocada a China no processo histórico de ascensão e queda do seu império. Se analisarmos a história da civilização chinesa, com os aparatos e características de uma grande potência nos dias atuais, vemos que a China hoje seria uma nação imperialista, de fato, uma grande potência e se manteria como tal. Da ascensão ao declínio drástico do imperialismo chinês diante das transformações das novas estruturas econômicas e produtivas no cenário internacional, invertem-se os papéis na economia mundial: a Europa ascendendo com o declínio da China e a explosão da Revolução Industrial em sua acelerada mudança tecnológica, na qual a grande potência asiática perde sua vitalidade, se estagna e se subjuga a um continente que se desenvolveu tão tardiamente. Essa fragilidade leva a potência desenvolvida a uma decadência por quatro séculos seguidos, se tornando uma nação pobre do ponto de vista econômico, atrasada no ponto de vista social e instável no ponto de vista político. Muitos estudiosos acreditam que se houvesse no período da dinastia Song (969-1279) motivação econômica suficiente, a China poderia ter levado adiante uma ampla expansão marítima, o que consequentemente levaria à colonização da América pelos chineses, e não pelos europeus. A China se tornou um Estado em que houve a sobrevivência do sistema tradicionalista com o pensamento voltado para a manutenção do clássico, no qual era mais forte do que a integração de novas ideias e contextos em suas estruturas. Não havia, no entanto, uma classe burguesa comercial preocupada com os lucros, porque a elite chinesa se recompensava com a terra e o Estado, em vez de colocar sua fé no comércio e nos mercados. Em boa medida, toda essa compreensão é entendida também através do viés religioso e cultural, com o desprezo confuciano aos lucros e empreendimentos privados individualistas. O confucionismo pregava a modernização do país sob a desvalorização do mercado e do comércio, definindo que aqueles que não fizessem circular seus bens apenas pelo interesse dos lucros, assim não o faziam circular de maneira certa. A religião desenvolve um grande entrave exposto pelo mandarinato confuciano, que desestimulou a indústria e disseminou desconfiança no comércio, desestimulando a aplicação das

Page 20: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

20

práticas inovadoras dos seus avanços. Não foram modelos e regimes políticos específicos nem formas particulares de organização social que permitiram a ascensão dos Estados – houve de tudo um pouco, no que se refere à orientação política e à estrutura social dos países que se diferenciaram, mas sim a relação entre o âmbito econômico e o militar, a capacidade de desenvolvimento econômico e tecnológico de um Estado. (KENNEDY, 1988, p. 53). Kennedy faz uma hipótese natural entre as casualidades e os nexos históricos com as mudanças ocorridas ao longo do tempo sobre o contexto de produção econômica e variações militar e política no sistema global. No entanto, o que é importante afirmar é a velocidade com que um país se desenvolve do ponto de vista econômico e tecnológico, sendo a China ainda um país considerado terceiro mundo ou um país que perfaz o perfil sul, de países que estão em desenvolvimento. Consequentemente, se altera a posição e o papel da China na divisão internacional do trabalho. Como Kennedy (1988, p. 197) afirma, os pesos relativos entre as nações mais poderosas nunca se mantém estáveis, principalmente pelo diferencial de taxas de crescimento econômico e de inovação organizacional e tecnológica, que favorece determinadas sociedades em detrimentos de outras. A capacidade de inovação tecnológica e de produção econômica tornou-se, ao longo da história, componente vital de demonstração de poder de uma nação. Uma nação poderosa manterá um poder militar a seu nível econômico, o que podemos perceber no plano estratégico de crescimento chinês. A China hoje é a segunda maior potência econômica do mundo, e a segunda também em poderio militar, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, acreditando que seja por pouco tempo, pois a previsão é que a China se iguale aos Estados Unidos brevemente. O triunfo de uma grande nação e o colapso de outra é representada pelo uso eficiente de seus recursos produtivos. Contudo, esse exame parece muito relevante à análise do caso da China, que engloba uma série de fatores que demostram sua ascensão à potência, sendo esses aspectos as características populacional e territorial e capacidade de organizar sua política moral e nacional, o que na cena internacional influencia no seu status de potência (LYRIO, 2012). Os fundamentos materiais que também devem ser colocados em pauta é o status da economia chinesa e as perspectivas de continuidade do seu rápido crescimento. Outras três questões são alvo dos estudiosos, como o progresso científico e tecnológico, o acesso a energias e matérias primas, e a preservação do meio ambiente. As últimas décadas revelaram o enorme potencial de produção e crescimento da China, se tornando o maior centro de manufatureiros do mundo. Arthur Kroebe, economista especializado em China, afirma que se houve momentos ruins na economia chinesa foi porque houve instabilidade política doméstica ou crise externa econômica. “O

Page 21: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

21

crescimento chinês tem se baseado fundamentalmente na utilização extensiva de fatores subutilizados, mais do que em ganhos de produtividade de fatores já devidamente incorporados a economia formal” (apud LYRIO, 2012). A China não se diferencia de outras potências em seu processo de desenvolvimento. A exemplo da Inglaterra no século XIX, que em decorrências de suas transformações internas acarretou um sistema de mudanças, principalmente em produção com a Revolução Industrial, agravamento da desigualdade econômica e social, assim como a China está enfrentando atualmente, porém, não impediram a capacidade de ascensão econômica no país a época. Da mesma maneira que a Inglaterra não deixou de ascender como potência no século XIX apesar da poluição londrina ou das condições aviltantes de trabalho a que se submetia grande parcela da população do país, tampouco parece provável que a China pare de crescer por dificuldades relacionadas a fatores estritamente materiais. Ajustará, sim, o ritmo de crescimento aos gargalos tecnológicos, energéticos e ambientais que se mostrarem inibidores do desenvolvimento (KENNEDY, 1988, p. 454). Não há dúvidas ao fato de que o país reúne condições favoráveis à ascensão como grande potência – território amplo, população vasta e laboriosa, importante legado civilizacional, capacidade de crescimento econômico, ausência de graves cisões culturais, raciais e religiosas. O que talvez impeça a capacidade de desenvolvimento da China é a recorrente instabilidade política no país desde a dinastia Qing (1644-1912). A China hoje, apesar de ser uma potência econômica e política, ainda é um país em desenvolvimento. É, aliás, o principal país emergente, seguindo como aspirante a principal potência mundial, estando como a segunda maior economia do mundo e importadora da maior parte de matérias primas usadas em sua economia, inclusive petróleo e seus derivados. Atualmente, a China é o maior provedor do continente africano16, mantendo um vínculo forte com o continente, no qual assinou inúmeros tratados de cooperação que vêm dando resultado para o desenvolvimento e ascensão da África no cenário político internacional. (LYRIO, 2012). Diante dessa realidade, a China busca executar seus planos de desenvolvimento e expansão econômica junto aos países de mesmo perfil, ou seja, aqueles que também estão em desenvolvimento, entretanto, buscando um “desenvolvimento pacífico” e uma “sociedade internacional harmoniosa”. A política externa chinesa tenta evitar, assim, qualquer alusão a políticas de competição, inclusive no campo militar com as potências hegemônicas. 16 Atualmente é nítida a presença chinesa no contente africano por conta de matérias primas. Informação tirada da revista de agronegócios da FGV de fevereiro de 2012.

Page 22: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

22

2. A China na África como uma política de sustentabilidade a longo prazo As relações entre a China e a África se firmaram a partir do final dos anos 1990, sobretudo após a criação do Focac (Forum on China-Africa Cooperation), onde começou a se desenvolver iniciativas entre o governo chinês e o governo africano. O processo de aproximação entre os dois países diz respeito a uma política de sustentabilidade a longo prazo, implantando uma nova política de Pequim. Essa nova política implementada pela China faz jus a uma diplomacia econômica, cooperação, juntando iniciativas de Soft Power. O mundo está, portanto, acompanhando com a máxima atenção a reinserção africana na política internacional. Senhora de recursos minerais globais, a África é fonte de cobiça devido a cerca de 66% do diamante do mundo, 58% do ouro, 45% do cobalto, 17% do manganês, 15% da bauxita, 15% do zinco e 10% a 15% do petróleo. São aproximadamente 30 os recursos minerais do mundo que a África guarda em seu subsolo. Mas só participa de 2% do comércio mundial e possui apenas 1% da produção industrial global. Há, portanto, um enorme desafio de elevação desses itens (SARAIVA, 2008). O contexto formado atualmente, tendo a África com elevado índice de crescimento econômico, permitindo tirar uma boa parcela da população da pobreza extrema, além de conseguir criar emprego e renda para essas famílias e a população jovem, que a cada ano começa a ingressar no mercado de trabalho, afetando assim sua demanda por empregabilidade. No entanto, se forma um cenário de “estabilidade” até certo ponto social e política no país. Tanto a África como a China se inserem no jogo internacional como dois países em desenvolvimento, tendo em vista que ambos mantêm renda per capita ainda baixa. Nesse sentido, a sustentabilidade das políticas sino–africanas se dá aos investimentos chineses em primeiro lugar, que deverão promover progressivamente a criação de pequenas empresas na África e novas oportunidades de emprego. É de fato bastante interessante para o continente africano manter uma relação durável e de longo prazo com a China, dado o balanço positivo dessa integração dos dois países, em vários episódios de cooperação técnica, econômica, comercial e tecnológica. Embora haja diferença entre os benefícios de ganhos auferidos de cada uma, a China se coloca como uma “fonte alternativa de recursos financeiros”17, assim como a África é o refúgio de suprimentos naturais para a China. O continente africano assiste transição positiva para um novo patamar de inserção internacional no início do novo século. Três conceitos centrais alimentam o exame dessa hipótese: a) o avanço gradual dos processos de democratização dos regimes políticos e a contenção dos conflitos 17 Opção apresentada por Menezes em seu livro sobre as Relações sino-africanas, desenvolvimentos e implicações para o Brasil (2013).

Page 23: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

23

armados; b) o crescimento econômico associado a performances macroeconômicas satisfatórias e alicerçadas na responsabilidade fiscal e preocupação social; e c) a elevação da autoconfiança das elites por meio de novas formas de renascimentos culturais e políticos. (SARAIVA, 2008, p. 4). Complementando as hipóteses de Saraiva, Menezes (2013) afirma que a China contribui, dessa maneira, para a revalorização do continente africano, dado o dinamismo dos intercâmbios promovidos para o continente. Ou seja, a China se coloca como ajudadora da África a superar o “afropessimismo”18, mostrando que há alternativas para o progresso dos países africanos. A ajuda da China tem levantado receio e preocupações entre as antigas potências colonizadoras, que veem seus interesses sob influência constante dos novos padrões chineses. Segundo Saraiva (2008, p. 5): “A África subsaariana, ou África negra, considerada a região mais pobre do mundo, cresce entre 5% e 6% ao ano desde 2003. Adaptações macroeconômicas à globalização moveram as economias de todo o continente para equilíbrios na área da gestão dos negócios dos Estados”. A preocupação dos antigos colonizadores só levam a reconhecimento das manobras políticas da China no cenário internacional. Menezes (2013) também menciona outros ramos de cooperação, ou seja, os níveis de cooperação chinesa foram se tornando mais amplos, saindo da cooperação econômica e comercial e abrangendo atualmente novas áreas de enfoque, como a cooperação na educação, agricultura, medicina, qualificação de recursos humanos, envolvendo não somente os segmentos governamentais, como também as empresas privadas e a sociedade civil como um todo. Há razão para o otimismo em toda a região da África, animando a confiança dos mercados e investidores externos. Saraiva (2008) complementa que, na África, os investimentos internos equivalem a 19,4% do PIB, percentual muito próximo do Brasil, embora considerado baixo para a sustentabilidade do crescimento econômico. O vetor da elevação do crescimento interno é visível desde 2002 e tende a crescer nos próximos anos. Há preocupações, no entanto, no campo social, que varia de país a país, por meio de políticas de construção de metas de redução da pobreza. Mas há, sobretudo, o sentimento de que nos últimos sete anos, justamente os primeiros do novo século, a África vem superando o drama histórico das guerras internas e internacionais. A institucionalização da cooperação sino-africana por meio da Focac é um elemento forte de continuidade da elevação do crescimento e do aprofundamento das relações entre a China e a África. As reuniões são administradas por chefes de estado e governo, seguindo em os encontros o plano de metas, contendo as principais iniciativas e compromissos assumidos nas diferentes áreas de atuação da cooperação. 18 Termo utilizado por Menezes (2013), designando que a raça sempre foi um divisor de águas quanto o progresso e atraso do continente africano frente o século XIX.

Page 24: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

24

O FOCAC, em seus dez anos de existência, apresentou uma linha de continuidade de trabalho condizente com a importância e prioridade que ambas as partes atribuem ao mecanismo. [...] O FOCAC é, entretanto, instrumento relevante por sua capacidade de sintetizar as relações de cooperação entre uma potência emergente, de um lado, e um conjunto de quase cinquenta países de outro. (MENEZES, 2013, pp. 210-211).

Contudo, o fator central das relações sino-africanas é a complementariedade econômica-comercial entre as duas partes, mesmo com a diversificação da cooperação em seu diálogo político. A importância dessa relação é um fenômeno que tende a ampliar-se e perpetuar-se no longo prazo. Tal questão está ligada à continuidade do crescimento da economia chinesa e, do outro lado, ao enorme potencial de crescimento das economias africanas, pela exploração de seus recursos naturais ricos e a formação de centros consumidores. Entretanto, esses centros consumidores são formados por um grupo de países que faz parte do processo de exportação, não abrangendo a todos. . Após cinco décadas de independência africana, a região passa por uma análise de seus desafios e a sua nova partilha na construção da nova ordem mundial 19 administrada pela China. Logicamente, faz surgir novas perspectivas quanto a essa manobra política nunca ocorrida na história internacional de antes. Pode-se dizer que a África caminha mais autoconfiante nos dias que seguem, iniciativas políticas e culturais convocam a comunidade internacional para o compartilhar do renascimento africano, embora não mais aquele das independências em fins dos anos 1950 e início da década de 1960, povoada por rancores anticoloniais, romantismos revolucionários e jargões de libertadores ingênuos. Hoje, a comunidade internacional não prevê mais a África como o continente sem esperanças. Ela se reposiciona na economia mundial, demostrando dados e taxas de crescimento bem acima das observadas nas nações em desenvolvimento. Os BRICS também foram uma locomotiva do desenvolvimento das nações africanas, haja vista que a África deu início a uma estreita relação com novos parceiros, se destacando a China como o principal deles. Há uma valorização da política econômica do continente africano. A China é um novo ator significativo no novo contexto africano, ampliando e intensificando cada vez mais sua presença, como mencionado. Em resumo, o desenvolvimento econômico alcançado pela África nos últimos anos, direta ou indiretamente, decorre em princípio das novas relações com a China, colocando o continente africano em posição melhor para poder participar da economia internacional, ampliar seu comércio com outras regiões e países, captar investimento de

19 Referência feita em todos os artigos lidos para a confecção deste trabalho, em que basicamente todos os autores afirmam que a China está manobrando essa suposta nova ordem mundial pautada na esfera de interdependência externa, na paz e não-intervenção.

Page 25: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

25

terceiros numa base mais sólida, formando um ciclo virtuoso de crescimento econômico e social para o continente. Referências bibliográficas KENNEDY, Paul. The Rise and Fall of the Great Powers. Londres: Unwin Hyman, 1988. LYRIO, Mauricio Carvalho. A Ascensão da China como potência: Fundamentos políticos internos. Brasília: Funag, 2010. MENEZES, Gustavo Rocha. As Novas Relações Sino-Africanas: Desenvolvimento e implicações para o Brasil. Brasília: Funag, 2013. SARAIVA, José Flávio Sombra. A África na ordem internacional do século XXI: Mudanças epidérmicas ou ensaios de autonomia decisórias. In: Revista Brasileira de Política Internacional. Volume 51, n 1, 2008.

Page 26: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

26

CONVERGÊNCIA DOS EMERGENTES: O PAPEL DAS NOVAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS INTERNACIONAIS PARA A PROJEÇÃO INTERNACIONAL DA CHINA

E DA ÍNDIA Gustavo de Andrade Rocha

(doutorando, PPGCP-UFPE) [email protected]

RESUMO: Este artigo investiga, como o título sugere, o papel do Novo Banco de Desenvolvimento, do Acordo Contingente de Reservas e do Banco Asiático para Investimento em Infraestrutura para a projeção internacional de seus membros, em especial para este trabalho, da China e da Índia. Através de uma análise dos respectivos projetos de cada uma dessas estruturas, e da análise dos últimos movimentos da política externa desses dois atores, este trabalho discutirá os possíveis objetivos particulares que possam ter ao participar de cada uma das estruturas e os benefícios que poderão conquistar. Por fim, o artigo trará ao debate a futura composição de forças entre esses dois países nos respectivos órgãos. PALAVRAS-CHAVE: Novo Banco de Desenvolvimento; Acordo Contingente de Reservas; Banco Asiático para Investimento em Infraestrutura; Projeção Internacional; China; India. ABSTRACT: This paper investigates, as the title suggests, the role of the New Development Bank, the Contingent Reserve Arrangement and the Asian Infrastructure Investment Bank for the international projection of its members, especially for this work, China and India. Through an analysis of the respective projects in each of these structures, and analysis of the latest movements of the foreign policy of these two actors, this paper will discuss the potential particular objectives they may have to participate in each of the structures and the benefits they can achieve. Finally, the article will bring to debate the future composition of forces between these two countries in their bodies. KEYWORDS: New Development Bank; Contingent Reserve Arrangement; Asian Infrastructure Investment Bank; International Projection; China; India.

Page 27: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

27

Introdução Desde antes da criação dos BRICS, seus membros, entre eles Índia e China, manifestavam interesse em reformar as instituições financeiras de Bretton Woods. Essa intenção, inclusive, está manifesta nos textos das reuniões de cimeiras do próprio grupo, e frequentemente em atas de reuniões bilaterais desses países com diversos outros parceiros estatais (BRICS, 2015). China e Índia têm, ambos, um potencial grande demais para aceitar as condições desiguais que o atual sistema internacional, especialmente para este artigo de sua vertente financeira, podem oferecer. O fato de a China já reunir as condições para ser considerada uma potência, sob várias perspectivas, dá um peso ainda maior para essa insatisfação (CARLETTI, 2013). Não é surpresa para acadêmicos da área de Relações Internacionais que as instituições de Bretton Woods são caracterizadas por um profundo deficit de representatividade entre os países em desenvolvimento. Entretanto, a Ásia é especialmente sub-representada, especialmente no que se refere ao Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional (FMI). Essa situação se reflete em uma dificuldade especial para os países da região, especialmente os menores, conseguirem se beneficiar dos recursos dessas instituições (CHANG, 2002). Nesse contexto, ao perceber forte resistência das instituições e dos Estados que detêm o poder de aprovação das possíveis reforma dessas instituições em fazê-lo, torna-se uma alternativa viável para esses dois países, e potencialmente benéfica para toda a região, servindo como um complemento às organizações financeiras internacionais tradicionais, e como forma de pressionar essas instituições a mudar suas regras e reformar sua estrutura. Essa pressão se dá naturalmente, com a possibilidade de perder sua influência e legitimidade perante a sociedade internacional. Com destaque, com a criação do Asian Infrastructure Investment Bank (AIIB), e a adesão de vários aliados de primeira hora dos Estados Unidos nas instituições de Bretton Woods, ficou claro que existe a possibilidade de influenciar fortemente o cenário das finanças internacionais através dessas novas estruturas. O Banco Asiático para Investimento em Infraestrutura teria a liderança da China, e a Índia como segundo ator em termos de capacidade de decisão. Essa configuração demonstra com clareza a necessidade mencionada anteriormente desses atores terem maior capacidade de influenciar as relações internacionais. O Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), por outro lado, tem um caráter mais universalista que o AIIB, de fomentar o crédito internacional de longo prazo sem restrição regional. Porém possibilitam à China e a Índia, junto com seus parceiros de BRICS, ampliar e projetar seu poder brando para outras regiões, como por exemplo, a possibilidade sinalizada pelo chefe de governo russo do NBD agir na crise grega. Não aconteceu, até porque a instituição está em fase de

Page 28: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

28

início de operações, mas uma atitude desse tipo, vinda de uma instituição como o NBD, será um marco histórico para o cenário das finanças internacionais, e para a balança de poder. É verdade que ainda não está tão claro qual o verdadeiro potencial do NBD para esse fim, em face da novidade que ainda representa, e de ainda estar, como mencionado, em suas fases iniciais. O Arranjo Contingente de Reservas (ACR), por outro lado, tem aparentemente um papel diferente para os seus fundadores. Trata-se de um fundo, composto por compromissos de depósito de um valor limite por cada um dos membros, e pretende garantir maior estabilidade macroeconômica para seus membros. Mesmo que haja a possibilidade de ampliação da composição da estrutura, o ACR menciona em seu texto constitutivo ser fechado e sua atuação é restrita aos seus membros. Mesmo tendo isso em vista, o arranjo contingente tem potencial para prover aos cinco países maior credibilidade, e garantir em certa medida, a estabilidade macroeconômica do grupo. O que por si só, atualmente, é um elemento para o fortalecimento desses países como Global Players (BRICS, 2015). Historicamente, esse potencial do ACR encontra fundamento tanto no período da Pax Britânica, quanto no período pós-Segunda Guerra. Com a diferença que o instrumento utilizado para estabelecer a estabilidade macroeconômica era o padrão monetário. Padrão Ouro, para o período de hegemonia britânica, e Padrão Dólar-Ouro para o período americano. Não havendo no momento a possibilidade do estabelecimento de um padrão monetário internacional que beneficie a China, o melhor cenário possível é exatamente esse tipo de arranjo de contingência, que garanta aos seus membros a capacidade de manobra para gerenciar crises monetárias. Sejam elas sistêmicas ou provocadas pelas manobras de países com grande capacidade de influência no cenário financeiro internacional, como é o caso de mudanças na política monetária norte-americana (PAULINO, 2014). A literatura sobre as novas instituições financeiras mencionadas é ainda escassa, em função da novidade que são. Já existe algo mais consolidado a respeito do BRICS, e do déficit de representação no sistema financeiro de Bretton Woods dos países em desenvolvimento. Por isso, esse artigo visa contribuir para o debate a respeito do papel das instituições, trazendo argumentos e questões a serem discutidas a respeito de seu papel e seu potencial. Tendo o que foi exposto acima em vista, se torna necessário analisar cada uma das estruturas, com base nos textos que os estabeleceram, e nos documentos que os constituem, das análises sobre as políticas externas de ambos, China e India, além de uma breve revisão da literatura sobre tais instituições e a atuação internacional dos dois países. Com isso, o texto procurará explorar os potenciais dessas instituições financeiras para a projeção dos membros asiáticos dos BRICS.

Page 29: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

29

Por fim, o artigo apresentará, ainda que de forma preliminar, a composição de tais estruturas, para discutir em que medida essas instituições irão suprir o deficit de representatividade dos países em desenvolvimento (e dos asiáticos, no caso do AIIB) no sistema financeiro internacional, e se essas estruturas serão suficientes para influenciar de forma contundente a balança de poder vigente. 1. O caso da China A República Popular da China provavelmente será um dos atores internacionais mais estudados no futuro próximo. Já é hoje um tema relevante para os estudantes das Relações Internacionais, mas é nítido que como objeto de estudo está em franca ascensão na academia. Além disso, ainda é um ator subcompreendido, tanto com relação às suas configurações socioeconômicas, quanto com relação a suas potencialidades como ente do cenário internacional (ARRIGHI, 2008). O principal sinal dessa subcompreensão é o clima de receio que se estabeleceu após a “Segunda-feira Negra”, episódio em que os ativos negociados na principal bolsa de valores chinesa se desvalorizaram de forma catastrófica, impactando todas as bolsas do mundo no mesmo dia. Isso aconteceu no dia 24 de agosto de 2015. Surgiram imediatamente perguntas sobre o que estaria acontecendo com o Cisne da economia asiática. Numa análise mais próxima, percebe-se que o problema está associado ao descompasso entre o crescimento chinês e a falta de dinamismo das economias tidas como desenvolvidas. Apesar de o governo chinês ter encontrado meios de manter esse crescimento, mesmo em face do baixo crescimento continuado na Europa e dos EUA, a China não está situada em um universo paralelo. Ela é influenciada pelo, e influencia, o cenário internacional (apesar de óbvio, passa batido em algumas análises) (VADELL, 2014). Outro elemento importante, o país está em um ponto de transição. O país reduziu sua meta de crescimento para realizar reformas internas profundas, para garantir a internalização do desenvolvimento, fruto do longo período de crescimento apresentado recentemente. Esse freio de certo, frustra alguns investidores, que estavam acostumados a taxas de crescimento, que se sustentaram de uma forma sem qualquer precedente (CARLETTI, 2013). Como resposta aos primeiros sinais de crise, Pequim anunciou desvalorizações do câmbio, para beneficiar os exportadores. Porém uma velha pauta do governo chinês retoma força agora. A adoção do Yuan como uma das moedas da cesta de moeda para opções de saque no FMI. Apesar de o pleito ser antigo, os EUA bloqueiam a discussão, por receio de enfraquecer o Dólar Americano como moeda de circulação global.

Page 30: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

30

A inclusão do Yuan na cesta de opções de saque do FMI daria à China uma maior capacidade de influenciar o mercado internacional, através de suas políticas monetárias. Apesa dessa recusa norte-americana, provavelmente o Yuan não teria um peso tão grande de imediato no mercado internacional. Mas daria a China a possibilidade de servir como porto seguro, em caso de crise nos EUA, por exemplo. Aumentando a credibilidade e estabilidade do crescimento chinês (PAULINO, 2014). Nesse contexto, as três novas instituições cumprem o papel de servir como canal para o Yuan ocupar um papel de maior destaque nas finanças internacionais. Possibilita, inclusive, a utilização como moeda de transações de comércio internacional e balanço de pagamentos. Com a atuação da AIIB, por exemplo, o leste asiático terá fortes incentivos práticos para a adoção do Yuan em suas transações internacionais. Tanto para o Balanço de Pagamentos, Balanço de Serviços, e Balança Comercial. Obviamente não se espera uma transferência completa e absoluta. Mas o dólar deixará, progressivamente, de ser a única opção majoritária, perdendo cada vez mais espaço. Esse cenário poderá evoluir até o ponto em que haja um embate político entre os dois países. É importante lembrar que o Euro, ao ser criado, se propunha a servir como alternativa ao Dólar nas transações internacionais. Entretanto, poucos países adotaram a moeda europeia, e com as instabilidades criadas após a crise de 2008, acabou por ser praticamente abandonada nas transações internacionais. Além disso, o Euro não é uma moeda nacional, e sim uma moeda comum, criada em consórcio pelos membros da União Europeia. O Yuan é a primeira moeda nacional a ensaiar ser uma ameaça à hegemonia da moeda norte-americana. 2. O caso da Índia A Índia tem um papel um pouco menos claro que a China no cenário internacional. Entretanto é um país emergente, que em breve terá a maio população do mundo, apresenta taxas de crescimento impressionantes nos últimos anos. Além disso, está entre os países mais importantes da Ásia, como dito anteriormente, uma região sub-representada no sistema financeiro internacional. Se a China é subcompreendida, como dito acima, a Índia está próxima de ser um mistério para os analistas de Relações Internacionais, já que há muita desinformação, e são poucos os analistas com maiores conhecimentos a respeito do país. Semelhante ao Brasil, a Índia sofreu com seu processo de colonização e descolonização. Após sua independência, manteve vínculos de dependência que limitaram seu desenvolvimento e não permitiram que o país reduzisse seu fosso social. Uma das amarras que manteve a Índia dependente foi o endividamento externo. Além de comprometer uma parte considerável do

Page 31: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

31

orçamento com pagamento de juros, o endividamento tornou o país ainda mais vulnerável às flutuações do mercado internacional (CHANG, 2002). Entretanto a Índia possui algumas vantagens, tais como a mão de obra qualificada, resultado de uma política de mobilidade estudantil para o ensino superior. Permitindo à Índia formar profissionais nos grandes centros educacionais do mundo, e tendo se beneficiado ao longo do tempo com a volta da maioria de seus estudantes. A fuga de cérebros, um elemento que merece ainda muito estudo, não parece ser um fator particularmente preocupante para a Índia. Visto que trata-se de um problema comum em sociedades menos desenvolvidas, mas no caso da Índia, não parece ser muito diferente de países que investem muito menos em mobilidade estudantil (WANG, 2011). O país já colhe alguns frutos dessa política pública bem sucedida. O país é referência em produção de softwares, exportação de serviços, que vão do telemarketing a serviços administrativos especializados. Ambos os setores são fruto da existência de mão de obra qualificada, mas que necessitam de pouca infraestrutura. Além disso, algumas de suas empresas já adquiram status de multinacional, como o Grupo Tata (com atuação em vários setores industriais), com destaque para a Tata Motors, que já adquiriu marcas ocidentais tradicionais como a britânica Jaguar. Mantendo o atual padrão de crescimento (taxa de crescimento real do PIB), que foi de 5,1% em 2012, 6,9% em 2013 e 7,2% em 2014, e que já é o quarto maior PIB do globo em paridade de poder de compra (PPC), a India será alçada a uma posição em que será impossível ignorá-la na análise internacional, especialmente sobre a Ásia. Não é por acaso que foi concedido ao país o segundo maior poder decisório no AIIB, além de sua provável contribuição para a instituição internacional, o seu papel como um dos líderes na região (BRICS, 2014). 3. O papel do NBD e do AIIB É importante que analisar o papel das três novas instituições para a projeção internacional da China e da Índia tem duas dimensões. A primeira, como forma de projeção de poder. E a segunda, como instituições que estabeleceram regras para o crédito internacional, inclusive para esses dois países. Em relação à questão de servir como forma de projeção de poder, não há mais tanto a se discutir, visto que o benefício que esses países terão com a participação nas instituições financeiras mencionadas é claro. Outros países com menos recursos que dependem de crédito internacional para investimento em infraestrutura terão mais opções, e se mantidas as promessas de regras mais claras e objetivas, terá impacto positivo em sua imagem, e em sua capacidade de influenciar o cenário internacional.

Page 32: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

32

Antes da criação dessas novas instituições, o Banco Mundial tinha um papel dominante como credor internacional de projetos de investimento de longo prazo. Porém com o NBD e o AIIB, surgirão novas regras para os empréstimos. Ao que se pode imaginar, as regras deverão ser mais voltadas à capacidade de pagamento, do que regras direcionadas a difusão de princípios, como tem feito o Banco Mundial (PAULINO, 2014). Nesse caso, pode haver alguns reflexos negativos, já que o Banco Mundial limitava a utilização de energias poluidoras em projetots financiados por ele. Entretanto, crédito mais abundante, e regras mais flexíveis terão provavelmente mais impactos positivos do que negativos. 4. Composição de forças Essas instituições recentemente criadas tem como um dos papéis fundamentais suprir o déficit de representação no sistema financeiro internacional, e complementar a atuação das instituições de Bretton Woods. Entretanto, cada um das três instituições em uma composição diferente de membros, fontes de recursos e divisão de poder de decisão. O NBD fundado pelos cinco países do grupo BRICS, deverá futuramente ser aberto a entrada de novos membros. Segundo o acordo constitutivo do NBD, os cinco países contribuirão em partes iguais com um capital inicial de 50 bilhões de dólares. Essa divisão igual das contribuições para o capital inicial se reflete na divisão dos votos. Assim sendo, os cinco membros fundadores têm igual capacidade de decisão na estrutura do banco (BRICS, 2014). O Acordo de Contingente de Reservas não é um banco propriamente dito. Na realidade não possui sequer Personalidade Jurídica. Trata-se de um arranjo de compromissos entre Bancos Centrais, compostos por instrumentos denominados Swaps Cambiais20. Composto por um total de US$ 100 bilhões, divididos entre os membros de maneira que a China se comprometeu em contribuir com US$ 41 bilhões, Brasil, Rússia e Índia comprometeram-se a contribuir com US$ 18 bilhões cada, e a África do Sul com US$ 5 bilhões. A sua estrutura decisória será composta por um Conselho de Governadores, que tomará as decisões executivas relativas ao Acordo, composto por um representante permanente de cada país, e um Comitê Permanente, que tratará das questões administrativas da estrutura (BRICS, 2014). Os limites de saque são determinados pelo multiplicador de cada país. A China, maior contribuinte do grupo, terá multiplicador de 0,5. O que significa que seu limite de saque é de metade da sua contribuição. Brasil, Rússia e Índia terão multiplicador 1,0, o que significa que 20 Transação realizada entre Bancos Centrais, sendo um Banco Central o provedor de recursos, e o segundo Banco Central o Requerente. Havendo um pedido de saque, após aprovação das partes do ACR, os Bancos Centrais provedores farão a transferência dos recursos para o Banco Central Requerente.

Page 33: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

33

poderão sacar até um montante igual à de sua contribuição, US$ 18 bilhões. E por fim, a África do Sul terá multiplicador 2,0, podendo então sacar até US$ 10 bilhões (BRICS, 2014). Em seu documento constitutivo, não fica claro como será a divisão do poder decisório. Restando duas possibilidades, a divisão equitativa de poder de voto ou o respeito ao montante das contribuições. Porém o documento dá a entender que a decisão ficará a cargo do país que disponibilizará os recursos, dentro de seu limite. Já no Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura, o poder de decisão não será equitativo. Composto inicialmente por 57 membros fundadores, com diferentes níveis de contribuição para o capital inicial do banco, o poder de decisão será proporcional à contribuição de cada país. Entre os três principais contribuidores para o capital inicial estão inversamente a Rússia, com uma contribuição de US$ 6,54 bilhões, Índia com US$ 8,37 bilhões e a China com US$ 29,78 bilhões. Ainda entre os dez principais membros estão o Brasil, a França, Inglaterra e Alemanha, como membros não regionais, porém com valores de contribuição bem menores que os três líderes da lista (AIIB, 2014). Porém a divisão de poder de decisão ainda não foi oficializada. Sabe-se que será proporcional ao capital investido, como mencionado anteriormente. Houve, na ocasião da criação do banco, algumas especulações a respeito. Porém é certo que China e India terão um papel fundamental nas decisões do AIIB. Com o tempo, contribuirá para diminuir a deficiência de crédito internacional para investimento em infraestrutura na Ásia. Assim como os outros membros também contribuirão para a diminuição da dependência em relação às instituições de Bretton Woods e aumentarão a capacidade do sistema financeiro internacional. Considerações finais Para que não se faça futurologia, esse artigo não pôde, e não vai em suas considerações, prever o papel que as três instituições financeiras terão no sistema financeiro internacional em alguns anos, ou nas próximas décadas. Entretanto, com base na história do sistema financeiro, especialmente do século XX, é possível fazermos algumas projeções com o mínimo de acurácia, sobre o que poderemos esperar delas. Ao observar a histórica das relações internacionais, percebe-se com tranquilidade, o papel de um sistema econômico/financeiro para a consolidação de uma ordem mundial. Entretanto, é a primeira vez em que são criadas instituições financeiras novas, como forma de questionar a ordem mundial, e servir como alternativa ou mesmo concorrência às instituições existentes. No passado, a criação de novas estruturas se dava sobre o esqueleto de sua antecessora, ou após o total

Page 34: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

34

desmantelamento da ordem anterior. Essa transição precisava de um evento catastrófico, como uma guerra ou a derrocada de um império. A China e a Índia, a atual potência global asiática e o ator mencionado como maior potencial para ser uma nova potência global entre todos os seus pares, são Estados com enormes aspirações e variadas demandas para o atual sistema internacional. É impensável que aceitem passivos um sistema internacional onde as estruturas financeiras conspirem contra o seu sucesso. Portanto, é de se esperar de ambos, alto grau de comprometimento com o sucesso das estruturas financeiras construídas sob sua influência. Por último, esse artigo lança uma provocação. Até que ponto o gigantismo da China e o potencial da Índia vão operar de forma cooperativa e sem atritos, mesmo tendo em vista sua atual aproximação política. Levando em consideração aspectos geopolíticos, é de se esperar que também no âmbito econômico e financeiro surjam algumas diferenças de interesse, que levem a embates diplomáticos em fóruns multilaterais, como as três instituições analisadas. Ainda não foi criada, em suas estruturas, nenhum mecanismo para solução de controvérsias entre seus membros. Referências bibliográficas AIIB. Articles of Agreement. Disponível em: <http://www.aiib.org/uploadfile/2015/0814/20150814022158430.pdf> Acessado em: 23/07/2014. ABDENUR, Adriana Erthal; ESTEVES, Paulo; GAMA, Carlos Frederico. BRICS and Global Governance Reform: A Two-Pronged Approach. Papers of Fifth BRICS Academic Forum, 2013. ARRIGHI, Giovanni. Adam Smith em Pequim: Origens e Fundamentos do Século XXI. São Paulo: Boitempo Editorial, 2008. ________. O Longo Século XX. São Paulo: Editora UNESP, 1995. BRICS. VI Cúpula: Declaração e Plano de Ação de Fortaleza. Fortaleza, 15 de julho de 2014. Disponível em: <http://brics6.itamaraty.gov.br/pt_br/categoria-portugues/20-documentos/224-vi-cupula-declaracao-e-plano-de-acao-de-fortaleza> Acessado em: 18/06/2015. BRICS. 5ª Publicação Estatística Conjunta dos Países BRICS. Brasília: IBGE, 2014. CARLETTI, Anna. A China, os BRICS e os países em desenvolvimento. Carta Internacional, Vol. 8, n. 2, 2013. CHANG, Há-Joon. Kicking Away the Ladder: Development Strategy in Historical Perspective. London: Anthem Press, 2002. PAULINO, Luiz Antonio; SOUZA, Luiz Eduardo de; PIRES, Marcos Cordeiro. Economia Política Internacional: Os desafios para o Século XXI. São Paulo: Editora Saraiva, 2014.

Page 35: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

35

VADELL, Javier; RAMOS, Leonardo; NEVES, Pedro. The international implications of the Chinese model of development in the Global South: Asian Consensus as a network power. Revista Brasileira de Política Internacional, n. 57 (special edition), 2014. VELLOSO, João Paulo dos Reis. A Crise Global e o Novo Papel Mundial dos Brics. São Paulo: Editora José Olympio, 2009. VISENTINI, Paulo G.F. A dimensão política-estratégica dos BRICS: entre a panaceia e o ceticismo. Mesa Redonda: o Brasil, os Brics e a agenda internacional. Brasília: FUNAG, p. 187-204. WANG, V.W. “Chindia” or Rivalry? Rising China, Rising India, and Contending Perspectives on India-China Relations. Asia Per, 2011.

Page 36: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

36

LIDERANÇA E PERSONALIDADE: DO CULTO À PERSONALIDADE DE DENG XIAOPING AO SUCESSO DE XI JINPING

Rafael de Paiva Cabral Tristão graduando em Relações Internacionais pela PUC-Rio

[email protected] Stella Maria Vargas Resende

graduanda em Relações Internacionais pela PUC-Rio [email protected]

Orientação: Adriana Erthal Abdenur [email protected]

RESUMO: O presente artigo analisa, de forma comparada, os cultos à personalidade criados em torno de Deng Xiaoping (1904-1997) e Xi Jinping (1953-), investigando como características individuais dos líderes foram mobilizadas no sentido de avançar programas de reforma econômica. A hipótese levantada no trabalho é a de que Xi Jinping e seu maquinário político resgataram estrategicamente o culto à personalidade de Deng Xiaoping como modelo de gestão bem-sucedida a ser continuada, como forma de legitimar a crescente abertura econômica chinesa, que vem se consolidando sob influência da cultura ocidental. O artigo se utiliza de pesquisa bibliográfica e estudo de caso, tendo como base a teoria da Autoridade Carismática de Weber e estudos sobre o mesmo tópico de Marquez (2013) e Rees (2004). PALAVRAS-CHAVE: China, Deng Xiaoping, Xi Jinping, Culto à personalidade, Legitimidade ABSTRACT: This paper analyzes, in a comparative way, the personality cults created around Deng Xiaoping (1904-1997) and Xi Jinping (1953-), investigating how individual characteristics of this leaders were mobilized in order to advance economic reform programs. The hypothesis made by this article is that Xi Jinping and his political machinery strategically rescued the personality cult of Deng Xiaoping as the successful management model to be continued as a way to legitimize China's growing economic openness, which has been consolidated under influence of Western culture. The article uses literature review and case study based on Weber’s Charismatic Authority Theory and studies on the same topic by Marquez (2013) and Rees (2004). KEYWORDS: China, Deng Xiaoping, Xi Jinping, Personality cult, Legitimacy

Page 37: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

37

Introdução Xi Jinping assumiu o cargo de presidente da República Popular da China em 2013. Desde então, ele vem se destacando por suas posturas assertivas em relação ao combate à corrupção e na reestruturação da economia chinesa. Xi tem se apresentado como o líder chinês a concentrar a maior quantidade de poder em relação ao aparelho estatal desde Mao Zedong, diferenciando-se da tendência observada nos últimos governos de uma liderança menos centralizada na figura do governante. Com esse artigo, nós buscamos identificar se é possível observar o surgimento de um culto à personalidade do atual líder chinês, a partir de uma análise de novas políticas de propaganda em torno da figura de Xi Jinping. Além disso, demonstraremos que isso não apenas está acontecendo, como também ocorre um resgate da imagem de Deng Xiaoping, líder chinês de 1978 a 1992, período durante o qual se iniciou a liberalização da economia chinesa, que propiciou o gigantesco crescimento da mesma pelas duas décadas seguintes. Esse resgate teria como objetivo buscar legitimidade para a valorização da figura do líder atual, Xi Jinping. Devido ao fenômeno que nos propomos a analisar ser relativamente recente, e ainda estar em desenvolvimento, deparamo-nos com relativa dificuldade em encontrar análises acadêmicas sobre os paralelos entre Xi Jinping e Deng Xiaoping. Por essa razão, grande parte das fontes de pesquisa concentram-se no meio jornalístico. A primeira parte deste artigo está voltada para a definição teórica do que consiste o culto à personalidade. Abordaremos como o assunto é tratado comumente, através da perspectiva da “autoridade carismática” de Weber e argumentar que esta sozinha não compreende tudo o que o culto à personalidade representa. Adotaremos então uma definição com base nos estudos de Marquez (2013) e Rees (2004). Em seguida abordaremos separadamente se e como se manifestam elementos caracterizadores de um culto à personalidade em relação à Deng Xiaoping e Xi Jinping. Nesse momento, será feita uma análise de suas histórias de vida, e como isso influenciou na personalidade e no posicionamento político dos dois enquanto numa posição de liderança. Para isso utilizaremos fontes como: documentários, biografias, entrevistas e reportagens que ajudem a esclarecer aspectos distintos de cada um deles. Finalmente, discutiremos como Xi Jinping pode estar buscando resgatar e fortalecer a imagem de Deng Xiaoping de maneira distinta à promovida por este, e como isso se revela uma articulação para auto-promoção de Xi. Assim, o presidente, que tenta se encaixar como um novo

Page 38: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

38

reformador da China, daria a entender um processo de continuidade, em que reproduziria o sucesso das medidas adotadas por Deng em suas próprias políticas reformadoras. 1. O culto à personalidade No presente artigo, buscamos analisar o culto à personalidade sobre as figuras de Deng Xiaoping e Xi Jinping. Para isso, é necessário estabelecer antes o que já foi falado por outros autores sobre o tema para, a partir deles, definir a que estamos nos referindo quando utilizamos esse conceito. Grande parte dos estudos já feitos sobre o assunto liga o culto à personalidade a ideia de autoridade carismática de Max Weber. No livro “Economy and Society” (1968), ele afirma que a autoridade, isto é, a capacidade de se fazer obedecido, pode se apresentar de três maneiras. A primeira delas é a Autoridade Tradicional, onde o líder ou chefe de determinada sociedade é obedecido devido à obediência consistir o costume, a tradição desse grupo. A segunda forma definida por Weber é a Racional-Legal, onde a autoridade de determinado governante reside num conjunto de regras ou leis preestabelecidas, que os governados reconhecem como legitimadora da posição que ele ocupa. Nesse tipo de autoridade, as ações do governante são limitadas pelo que está estabelecido nessas regras, podendo ele ser visto como aquele que as aplica. Para o propósito esse artigo, o terceiro tipo de autoridade weberiana é o mais importante: a Autoridade Carismática. Ela se dá quando a autoridade de um líder está baseada na sua capacidade de convencimento, de atrair pessoas para apoiar seu comando. Mais ainda, ela é totalmente dependente dos sentimentos exercidos pela população em relação ao líder, devido à autoridade carismática ser baseada nas características do governante, como a personalidade, que o faz ser visto como alguém acima da lei, que tem uma missão a cumprir. Aqueles que estão sob essa autoridade se identificam muitas vezes como seguidores ou discípulos, que tomam a devoção ao líder como algo que os une formando, para Weber, uma comunidade emocional, ou Vergemeinschaftung. Porém, o fenômeno do culto à personalidade não pode ser explicado tomando como base apenas o terceiro tipo de autoridade. Em seu artigo “A model of cults of personality” (2013), o cientista político Xavier Marquez defende que a utilização apenas do carisma como explicação é incompleta, pois se baseia na noção de que o líder consegue estabelecer o sentimento de idolatria em toda a população. Marquez define o culto à personalidade como “uma série de rituais de interação, ligados em cadeia, cujos símbolos focais fazem referência a um líder político em particular, e que ocupam uma parte considerável, ou até saturam, o espaço público”. Ainda sobre o culto à personalidade, ele afirma que este pode gerar diferentes níveis de lealdade naqueles sob seu efeito.

Page 39: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

39

A principal tese que Marquez defende é que a existência e funcionalidade do culto à personalidade não depende do seu poder de convencimento, do quanto os participantes do culto realmente veem o líder como alguém a ser idolatrado. O culto funciona como um conjunto de ações coletivas que legitimam a autoridade do mesmo. Dentro das sociedades onde ele ocorre, muitos dos recursos e privilégios são distribuídos de acordo com os desejos do líder e isso faz com que, na ânsia esses privilégios, muitos exibam ações cada vez mais exageradas de apoio e devoção a ele. Outro ponto importante é que a crença no carisma do líder deve ser entendida não como uma causa, mas como um efeito do culto à personalidade (MARQUEZ, 2013). São os mecanismos de propaganda, por exemplo, que levam grupos de pessoas a acreditar no status divino ou semidivino de um líder. Desses grupos, que podem ser denominados entusiastas, realmente podem emanar manifestações legítimas de adoração a ele. Com medo de represálias, e ainda devido a busca por privilégios já mencionada, os não-entusiastas acabam emulando as ações dos entusiastas, mesmo sem concordar com elas. Muito do que já foi escrito sobre como se desenvolvem cultos à personalidade é relacionado a um ou outro caso específico. Diante dessa dificuldade em encontrar um modelo teórico a partir do qual estabelecer nossa análise, a alternativa que encontramos foi utilizar esses estudos específicos, em especial o estudo sobre Mao feito por Marquez (2013) e sobre Stalin feito por Rees (2004), para estabelecer um common ground dos fenômenos de culto à personalidade. Em primeiro lugar, pode se afirmar que eles se desenvolvem mais plenamente em regimes autoritários, onde o governante controla ou censura os meios de comunicação, de forma que estes apresentem a liderança apenas de forma positiva, e têm na propaganda um importante aliado. É possível distinguir também diversas práticas, como manifestações públicas em honra ao líder e a proliferação de objetos que remetem a ele, como retratos e livros (Mein Kampf de Hitler e o Livro Vermelho de Mao Zedong são bons exemplos). Em seguida, podemos destacar a questão da legitimidade. Para isso, utilizaremos a questão como definida por E. A. Rees em “Leader Cults: Varieties, Preconditions and Functions” (2004). Ele destaca três estratégias básicas de legitimação. A primeira delas é a simbólica, quando o regime busca basear sua autoridade em figuras centrais como o partido ou o líder, e de acordo com a identificação popular em relação a eles. A segunda estratégia é a que ele define como ideológica, quando o regime encontra legitimação baseada nos seus objetivos ideológicos, no quanto a população se identifica com eles. Por fim, a terceira estratégia é baseada no desempenho do Estado de acordo com a percepção que a população tem sobre a capacidade dele de satisfazer as necessidades básicas da comunidade em geral e dos indivíduos. Apesar de não ser mencionado por

Page 40: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

40

Rees, achamos pertinente incluir nessa 3ª categoria a questão de como o desempenho econômico é percebido no âmbito doméstico. Ainda de acordo com Rees (2004), um regime que se depara com dificuldades em estabelecer legitimidade pelas estratégias ideológica e de desempenho, acaba recorrendo à estratégia simbólica através do estímulo ao culto à personalidade, por exemplo. Dentre as causas para o seu uso podemos destacar: um cenário de crise ou dificuldades econômicas; fortalecimento de grupos de oposição ideológica ao regime; ou até mesmo o descrédulo gerada por políticas públicas mal desenvolvidas. Outra questão importante a ser ressaltada é a cooptação de gerações mais jovens, como base de apoio e principais propulsores do culto a imagem do líder. Esses grupos normalmente são aqueles já criados dentro do sistema de ideologia e propaganda do regime e que, em estágios futuros, acabam tendo grande importância em fortalecer e até mesmo radicalizar o culto à personalidade. É interessante notar que em muitos casos de culto a personalidade, há um resgate histórico feito para fortalecer a propaganda em torno do líder. Isso pode ser feito através da exaltação de feitos passados do mesmo, elaboração de narrativas biográficas hiperbólicas, ou mesmo a exaltação de figuras de líderes passados ao mesmo tempo em que se cria um elo entre ambos, exaltando o passado para fortalecer o presente. O culto à personalidade pode ser objetivado também por um líder que deseja concentrar cada vez maiores parcelas de poder em suas mãos. No começo, o investimento na imagem do líder pode contar com o apoio do grupo político que o suporta, que no caso dos regimes comunistas é a cúpula central do partido. Porém, conforme o culto a personalidade vai sendo estabelecido, a tendência é uma concentração cada vez maior do poder decisório na mão desse líder, com ele inclusive se vendo capaz de substituir os integrantes dos mais altos cargos políticos a seu bel prazer e sem levar em conta a hierarquia pré-existente no partido. 2. Deng Xiaoping – O homem por trás do líder Muito é falado sobre como Deng Xiaoping assumiu a liderança da República Popular da China, modificou rápida e eficazmente sua política econômica, transformando um país saído de uma Revolução Cultural (1949-1976) mal sucedida com graves problemas de miséria e com a economia desajustada, numa potência mundial industrializada e estabilizada. Porém, nessa seção do presente artigo, propomos uma análise distinta de como essa mudança radical foi possível sob o comando de Deng. Analisaremos mais profundamente sua história e constituição política,

Page 41: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

41

relacionando com a existência ou não a um culto a sua personalidade, e a sua maneira de liderar o país. A história de Deng Xiaoping começa em 22 de Agosto de 1904, na província de Sichuan, parte ocidental da China. Segundo o documentário “Deng Xiaoping – The Making of a Leader” (2007), dirigido por Barbara Necek, na época de seu nascimento, o Estado ainda vivia num contexto medieval. Seu pai, Deng Wenming, era proprietário de terras e possuía a melhor casa da vila onde a família vivia. Em 1911, Sun Yat-Sen organiza uma revolução nacionalista que põe fim ao regime feudal, a qual o pai de Deng, um grande patriota, participa. Na época com sete anos e recebendo educação particular em casa, impressionado pela luta de seu pai, o menino já cultivava entusiasmo revolucionário. Mais tarde, com quatorze anos, Deng Xiaoping é levado a Chongquing, a maior cidade da região, para participar de um programa educacional que o prepara para estudar e trabalhar na França. Segundo a mesma fonte, no ano seguinte, já na França, o programa pelo qual Deng estuda vai à falência e o jovem necessita trabalhar para sobreviver. Exerceu as funções de metalúrgico, em uma fábrica da Renault, bombeiro e assistente de cozinheiro em Paris. É na França que tem seu primeiro contato com o marxismo, após vivenciar as péssimas e insalubres condições de trabalho nas cidades em que esteve. Pouco tempo depois, em 1920, o Partido Comunista da França é criado, seguido pelo Partido Comunista Chinês em 1921 numa concessão francesa na China, liderado por Mao Zedong. Simultaneamente, o jovem Zhou Enlai, que veio para França no mesmo contexto de Deng, cria uma filial europeia dos jovens comunistas da China, grupo ao qual Deng ingressa imediatamente. Nessa época, Deng Xiaoping se dedica exclusivamente a política, tendo uma ascensão rápida na filial europeia. Deng assume o cargo de editor de imprensa do principal jornal da filial, que chamava à revolução. É nessa época que Deng escreve:

Os maus tratos, infligidos pelos patrões, esses tubarões capitalistas, e os camaradas, me ajudaram a desenvolver consciência de classe. Nenhuma outra doutrina que não o comunismo, já fez sentido em minha cabeça. (DENG X., apud Necek, B, 2007. Tradução nossa.) Ainda segundo o documentário, em 1922 Deng é detectado pelo Partido Comunista Chinês e

mandado até a URSS, onde os bolcheviques tinham tomado o controle. O objetivo do Partido com a ida de Deng a União Soviética era reportar aos comunistas chineses as estratégias feitas pela URSS, para que o Partido usasse de exemplo. Porém, nessa época, a União Soviética passava por uma mudança radical sob o comando de Lênin: industrialização e abertura da economia, numa tentativa de recuperar o país saído da guerra civil.

Page 42: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

42

Deng Xiaoping se encanta com a situação da URSS. Devido a mescla de sua educação no exterior quando jovem e a ideologia comunista adquirida posteriormente, lhe parecia um paraíso na terra o fato de ser possível unir características do capitalismo ocidental com o comunismo do Partido (NECEK, 2007). Os ganhos da União Soviética ao se utilizar da industrialização e da abertura econômica eram tangíveis. É nesse episódio na URSS que Deng faz da economia seu principal interesse junto ao Partido Comunista. De volta a China, nesse momento dominada por Chiang Kai-shek numa atmosfera extremamente violenta, teve seu primeiro encontro com Mao Zedong em 1927, quando foi incumbido de ajudar os comunistas na disputa contra o Kuomintang, e finalmente juntou-se a Longa Marcha em 1935. Segundo o autor Ezra Vogel, na biografia intitulada “Deng Xiaoping and the Transformation of China” (2011), Mao valorizava a capacidade organizacional de Deng e sua habilidade de se conectar com pessoas comuns devido ao seu estilo de discurso direto. Servindo Mao por quase duas décadas, Deng ganhou visão política, econômica e de governo, sendo responsável tanto por questões militares quanto de relações exteriores, se comunicando com partidos comunistas estrangeiros visando o alcance de novas tecnologias. Sua mente prática, determinação e eficiência, eram admiradas por grandes nomes do Partido Comunista, inclusive Mao Zedong, que concedeu a Deng o cargo de vice-primeiro-ministro, encarregado de questões econômicas (NECEK, 2007). Ocorre que as políticas praticadas por Mao durante o Grande Salto a Diante (1958-1960) e a Revolução Cultural, fizeram Deng Xiaoping duvidar da eficácia do regime, devido ao grande fracasso dessas campanhas. O Grande Salto Adiante, campanha lançada por Mao que pretendia tornar a República Popular da China uma nação desenvolvida e socialmente igualitária em tempo recorde, acelerando a coletivização do campo e a industrialização urbana, teve consequências desastrosas para a população chinesa, que morria de fome e trabalhava em péssimas condições. Já a Revolução Cultural, que tinha como objetivo neutralizar a crescente oposição à Mao, em decorrência do fracasso do plano econômico do Grande Salto, foi responsável pelo fechamento de todas as universidades e pela destruição de patrimônios históricos e culturais chineses, numa tentativa desesperada de firmar a ideologia comunista em demérito do crescimento econômico. Deng sabia que o sistema de coletivização implantado por Mao estava atrás de outros Estados comunistas, a exemplo da URSS, no que diz respeito ao desenvolvimento econômico. O pragmatismo de Deng, o fez sofrer duras consequências pois fazia uma série de críticas ao regime imposto por Mao e às suas campanhas desastrosas. Devido a isso, Mao começa a atacá-lo em 1966, considerando-o um “perseguidor do capitalismo”.

Page 43: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

43

Assim, Deng e sua família são levados a campos de trabalho forçado e seus cinco filhos são assediados pela Guarda Vermelha, especialmente Deng Pufang, que acaba ficando paraplégico após tentar fugir da tortura (algumas versões da história dizem que ele foi empurrado de uma janela, outras, que ele simplesmente caiu). A situação só muda anos depois, na década de 1970, quando Mao fica doente e Deng Xiaoping é escolhido para ocupar seu lugar. Deng é escolhido justamente pelo fato da China ter passado pelo período conturbado da Revolução Cultural, em que o culto a personalidade de Mao era não só evidente, mas obrigatório. Nesse momento, a própria cúpula do Partido Comunista começou a enxergar que o culto a imagem de Mao estava sendo prejudicial. Para afastar a China do desastre resultante do culto a Mao, precisavam de um novo líder, mais reservado e controlado, que tivesse como única preocupação o avanço no desenvolvimento do país, e governasse coletivamente ao Partido Comunista, sem almejar o monopólio de poder. Sobre o assunto, a jornalista Clarissa Sebag-Montefiore (2011) nos diz:

Enquanto Mao se mantinha no governo graças a criação de seu próprio culto à personalidade, Deng não desejava fama imortal. Não há registros extensos de seus pensamentos ou sentimentos e deixou claro que ele não deseja ter pessoas comuns a adorá-lo. As portas para o seu mundo interior permanecem, infelizmente, fechadas.

O governo de Deng Xiaoping foi baseado no intitulado “Socialismo com Características Chinesas”: medidas como a descoletivização da agricultura; planificação econômica; industrialização e o estabelecimento das Zonas Econômicas Especiais (ZEEs) foram adotadas. Apesar das medidas implantadas em seu governo terem sido extremamente benéficas para a população como um todo e, segundo Ress (2004), a percepção dos benefícios trazidos pelo governo representar um dos motivos pelos quais há o surgimento do culto à personalidade, não foi o que ocorreu no caso de Deng Xiaoping, justamente pelo fato da população ainda estar abalada emocionalmente com as consequências recentes do culto a imagem de Mao. Além disso, após um período de grande crescimento econômico da China (chegando a 10% ao ano), iniciou-se uma onda crescente de corrupção e inflação, gerando a desaceleração do crescimento, mesmo que desaceleração pequena se comparada a outros Estados na época, provando manifestações por maior liberdade em todo o país, particularmente em Pequim. Ocorre que essas manifestações, nas quais universitários clamavam para que liberdades políticas fossem concedidas, culminaram no não surpreendente Massacre de Tiananmen, já que Deng claramente acreditava que, se necessário, o governo deveria usar a força para manter o poder. Esse fato histórico colaborou para que Deng fosse visto não apenas como o bem feitor que implantou a economia socialista de mercado, mas também como o homem que provocou o maior massacre da história da juventude chinesa.

Page 44: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

44

Ocorre que o Massacre levou a China a um período de isolamento econômico, já que a conduta do governo em relação aos protestos não foi aprovada pela comunidade internacional. Porém, devido ao crescimento econômico ainda consideravelmente significativo da China, se comparado a outras Nações, eventualmente as relações econômicas internacionais do país se reestabeleceram. Assim, Deng Xiaoping ainda é lembrado pela maioria da população chinesa, como o líder que trouxe prosperidade para o país, apesar das condutas díspares do seu governo. 3. Xi Jinping – História de vida e liderança No que concerne a vida privada de Xi Jinping, anterior a sua carreira política, é um verdadeiro desafio encontrar informações consistentes. Isso ocorre pois o departamento de propaganda do Partido Comunista está determinado a controlar a biografia oficial de Xi Jinping e é muito protetor quanto a vida privada de seus líderes, como confirmam a jornalista Melissa Chan, correspondente do Al Jazeera na China, e Patrick Chovanec, professor na universidade de Tsinghua em Pequim, na época da matéria de 25 de Janeiro de 2012, para o jornal Al Jazeera. Apesar desses obstáculos, tentaremos nessa seção do artigo, assim como na seção sobre Deng Xiaoping, dissertar sobre a vida de Xi e relacionar sua história de vida com o modo como governa e analisar se há ou não algum tipo de culto à sua personalidade. O homem que seria futuro líder do Partido Comunista chinês nasceu em 15 de Junho de 1953, em Pequim. De acordo com o site chinese-leaders.org, administrado por The International Tibet Network, seu pai, Xi Zhongxun, foi um revolucionário e um dos fundadores do partido comunista. Tinha relação estreita com Mao Zedong e Deng Xiaoping, uma vez que participou tanto da filial européia do Partido Chinês com Deng, quanto da Longa Marcha com os dois líderes, tendo assumido altos cargos durante sua vida política. Xi Zhongxun tinha uma visão progressista de ideais, inclusive admitindo reforma política, o que o levou a denunciar publicamente o Massacre de Tiananmen; ser perseguido durante a campanha das 100 Flores, depois do fracasso da política de autocrítica implementada por Mao; e ainda o levou a ser expurgado do cargo de vice-premiê em 1962 e, eventualmente, preso. Por ter vindo de uma família de elite, aos quinze anos, durante a Revolução Cultural, Xi Jinping foi enviado para trabalhar no campo na vila de Liangjiahe, província de Shaanxi. Segundo a entrevista de Xue Yubin, 84, concedida ao NPR (National Public Radio, organização sem fins lucrativos dos Estados Unidos), os moradores do vilarejo se impressionavam com Xi pelo fato dele ser filho de um oficial de alto escalão e mesmo assim conversar com as “pessoas comuns” (YUBIN, apud NPR). Yubin o compara a seu pai, Xi Zhongxun, dizendo que ambos gostavam de estar perto

Page 45: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

45

das massas. Na aldeia, Xi vivia em uma caverna e trabalhava mais de doze horas por dia. Começou a trabalhar como secretário do Partido, na realização de sessões de estudo e direcionando o trabalho comunal. Ele também organizou os moradores na escavação de 60 poços de geração de metano. Após os sete anos em que trabalhou na vila, Xi Jinping estudou engenharia química na Universidade Tsinghua, em Pequim, que tem produzido muitos dos atuais líderes na China, incluindo seu antecessor, Hu Jintao. De acordo com a matéria “Profile: Xi Jinping”, disponibilizada pela BBC News (2013), sabemos que ele tentou se juntar ao Partido Comunista por, pelo menos, nove vezes, mas foi rejeitado devido aos problemas políticos de seu pai, sendo aceito no partido somente em 1974. A mesma fonte afirma que Xi Jinping serviu como secretário local do Partido na província de Hebei e então passou a assumir papéis cada vez mais altos em Fujian e depois na província de Zhejiang. Dentre os principais cargos adquiridos por Xi, que o conduziram à liderança do Partido, podemos citar: Secretário-geral do Partido Comunista e Comandante-Chefe das forças armadas da China. Desde 14 de Março de 2013, quando assumiu o cargo de presidente da República Popular da China, seu governo tem apontado características singulares, como o foco no combate a corrupção, subornos e burocracia, heranças do governo de Deng Xiaoping, que aumentaram muito depois da abertura econômica como vimos na seção anterior; e a maior abrangência do socialismo de mercado por meio da inserção de um novo conceito de desenvolvimento, o chamado “Sonho Chinês”, segundo o a matéria “China's new President Xi Jinping: A man with a dream” (2013). Muito se discute no meio acadêmico sobre o significado do Sonho Chinês, porém nesse artigo utilizamos a noção de que cada cidadão deve trabalhar e dar o seu melhor para o desenvolvimento da nação, nos níveis que lhe competem, transformando-a em um poder dominante: um universitário, ao estudar muito; o governo ao fazer investimentos; cidadãos comuns exercendo suas funções empregatícias. Ao assumir o governo da China, Xi Jinping logo despontou como uma liderança carismática, forte e popular entre a comunidade chinesa. Com apenas dois anos de governo, a imagem de Xi vem se propagando na China, num grande culto a sua personalidade a partir de imagens, livros, reprodução de discursos e outras estratégias. O Vice-Presidente Executivo da CELAP (China Executive Leadership Academy Pudong), Feng Jun analisa a origem do culto a personalidade de Xi:

Em primeiro lugar, a partir de seus primeiros trabalhos entre as pessoas comuns; em segundo lugar, de ler livros para aprender sobre a história; em terceiro lugar, a partir de sua própria autoconfiança; em quarto lugar, a partir de sua persistência para buscar a verdade; e, finalmente, a partir de sua força emocional. (FENG, J. apud Women of China).

Page 46: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

46

De acordo com a matéria intitulada “Xi Jinping: the growing cult of China's 'Big Daddy Xi'”, publicada no jornal The Telegraph, com autoria de Tom Phillips (2014), Xi é considerado o terceiro líder chave da China pós-Revolução, depois dos governos de Mao Zedong e Deng Xiaoping, e tem chamado atenção por ter sido o líder chinês a consolidar seu poder de forma mais abrangente e rápida do que provavelmente qualquer outro líder depois de Deng Xiaoping (OBAMA, B. apud PHILLIPS, T.). Xi Jinping é tido como um líder que não se sustenta em protocolos, numa clara alteração se comparado a líderes passados. A população em geral o vê como alguém fácil de lidar, de se ter como amigo. A comunidade o chama de “Xi Dada”, ou “Tio Xi”, numa clara demonstração de popularidade da sua figura. Em meio ao culto à sua personalidade, foram criadas músicas (recentemente a música intitualada “Xi Dada Loves Peng Mama” obteve quase 25 milhões de acessos na internet), desenhos animados, figuras de ação, artigos acadêmicos e até odes ao atual presidente chinês (PHILLIPS, T. 2014). Outra forma de popularização da figura do presidente, foi a publicação em 24 de Novembro de 2014, do entitulado “Approachable: The Charm of Xi Jinping's Words”, pela Shanghai Jiao Tong University Press. A obra consiste em um compêndio de metáforas, gírias e antigos poemas chineses, com frases de discursos de Xi, conversas informais, endereços, respostas a perguntas da imprensa, aprovações e cartas de congratulações que datam de 2012 a 2014. É interessante notar que o livro amarelo vem sendo comparado frequentemente ao Livro Vermelho da Era Zedong, já que ambos tinham o propósito de exaltar a liderança do momento. A partir do momento em que encontramos todas essas evidências de culto a personalidade, é importante explicitar e aplicar os conceitos e teorias abordadas no início do artigo por Ress (2014) e Marquez (2013) no caso específico de Xi Jinping. Primeiramente, é importante ressaltar que o culto a personalidade de Xi está inserido num regime autoritário, em que o governo tem total controle sobre os meios de comunicação e usa da censura como um meio de selecionar as notícias e propagandas que só exaltem as boas qualidades de seu líder. Como já mencionado no artigo, para Marques (2013), o culto a personalidade é um ritual de interação em cadeia (entre o líder e os entusiastas) cujos símbolos focais exaltam um líder em particular, chegando até a saturar o espaço público. Assim, a propaganda entusiástica é de extrema importância para a manutenção de uma imagem benéfica do líder: as medidas tomadas pelo governo ao distribuir pela China a imagem de Xi, o faz ser cultuado, e por causa disso seu carisma fica em evidência. Podemos dizer que Xi foi escolhido como alvo dessa campanha propagandística pois desde os primórdios de sua carreira

Page 47: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

47

política e até mesmo antes dela, ele já era visto como carismático, como nos mostram as entrevistas contidas no artigo. Dessa forma o processo de culto a sua personalidade se iniciou utilizando estratégias que exaltassem essa característica. Também é importante resgatar a questão da legitimidade e a soma de fatores empregados pelo governo para garanti-la. Dentre esses fatores temos a forma como Xi Jinping tenta demonstrar para a população chinesa ser um “homem do povo”, (questão a ser abordada com mais detalhes posteriormente) que se identifica com as mazelas sofridas pela população, e pelo destaque da parte da sua história em que o mesmo viveu uma vida simples, morando em uma caverna no vilarejo de Liangjiahe. Essa estratégia serviria então, para que a população legitimasse as ações de seu governo, ao se identificar com o líder que os representa. Outro ponto é a questão ideológica que, nesse caso, está amplamente atrelada à capacidade do governo de satisfazer a população. Isso ocorre pois, como já visto, Xi Jinping priorizou em seu governo dois objetivos principais: o combate a corrupção e a extensão e abrangência da economia socialista de mercado, ou seja, o Socialismo com Características Chinesas. Nesse contexto, o governo deve preservar a ideologia socialista e fazer com que a população se identifique com ela, mas também deve adicionar a essa ideologia características de uma economia capitalista. Desse modo, é essencial que a China possua um líder capaz de coordenar a economia em seu processo de ampliação da abertura para o internacional, sem perder a característica socialista que é um dos maiores definidores da sociedade chinesa. Além disso, é importante que essa mesma comunidade não perca seu elo de identificação com o governo e suas intervenções pois, uma vez que se isso ocorresse, poderia acarretar uma desestabilização geral da população e da aparelhagem governamental como um todo. Somada a essas estratégias de legitimidade, podemos mencionar a questão da figura simbólica, que busca basear a autoridade em figuras centrais de acordo com o nível de identificação que a população tem com os mesmos. Um exemplo disso é a ideia de “Sonho Chinês” levantada por Xi, popularizada a partir da construção dos “Muros de Sonhos” na China (BBC, 2013), que consiste em espaços específicos nas cidades, em que a população é encorajada a escrever seus sonhos e metas. Segundo a mesma fonte, a ideia de “Sonho Chinês”, já definida por nós anteriormente, também pode ser considerada uma campanha propagandística do Partido Comunista para ganhar carinho do público, sendo o Partido, a figura central pela qual se almeja obter a identificação da população, tanto por meio do Partido em si, quanto pelo seu principal representante, Xi. Ainda, outra questão já mencionada, é o atual uso de figuras de ação e desenhos animados com alusão à Xi, que tem como alvo as gerações mais jovens da população chinesa que, tendo

Page 48: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

48

crescido no contexto de culto a personalidade de Xi, serve de base e meio de propulsão para o culto a imagem do líder, fortalecendo e até mesmo podendo radicalizar esse movimento no futuro. Dessa forma, podemos ver que o culto à figura de Xi Jinping é frequente e muito mais forte, pelas razões já expostas nesse artigo, enquanto que no governo de Deng Xiaoping, sua imagem não era tão propagada. Porém, falaremos a seguir especificamente de uma das maneiras de culto à Xi: a do resgate de personalidades históricas anteriores, e tentaremos comprovar o fenômeno do resgate à personalidade de Deng Xiaoping como forma de fortalecimento da popularidade de Xi Jinping. 4. Resgate da personalidade

Algumas pessoas definem como reforma as mudanças para os valores universais do Ocidente, o sistema político ocidental. Esta é uma adulteração furtiva do conceito e um mal-entendido da nossa reforma. A nossa reforma é a reforma que nos mantém a avançar no caminho do Socialismo com Características Chinesas. (XI, J. apud Grammaticas, D. Tradução nossa).

Desde que assumiu o poder, Xi Jinping tem procurado legitimar suas reformas políticas e econômicas evocando o passado histórico de Deng Xiaoping, visto por ele como “o chefe arquiteto da reforma socialista na China, abertura econômica e modernização” (apud LI, L. 2014). Durante seu mandato, Xi tem intensificado tanto a abertura econômica para bens manufaturados como a industrialização, sem abrir mão da ideologia socialista de governo. Assim, podemos dizer que a política adotada por Xi Jinping em seu mandato é uma continuação do Socialismo com Características Chinesas, implantado por Deng Xiaoping. Para reforçar essa mensagem, Xi fez, logo que assumiu o cargo de presidente, uma série de visitas em locais ao redor China cuidadosamente escolhidos, tendo a cobertura total da televisão estatal. Seu destino inicial foi a Zona Econômica Especial de Shenzhen, no sul, o berço da revolução econômica da China. A mensagem passada pela visita, é a de que Xi Jinping quer ser visto como um reformador nos moldes de Deng, homem que criou a economia da China livre, mas manteve seu sistema político sob controle apertado (GRAMMATICAS, D. 2013). Além disso, para legitimar seu governo, Xi tem utilizado como estratégia o resgate a própria personalidade de Deng, fazendo referências ao líder, exaltando seus méritos e qualidades durante discursos e, mais ainda, utilizando a mídia para reviver as conquistas de seu antecessor. Um exemplo disso foi o discurso proferido por Xi no dia 20 de Agosto de 2014, em homenagem ao 110º aniversário do nascimento de Deng, em que disse a palavra “grandeza” e derivados 23 vezes durante sua fala, como nos confirma o jornalista Chris Burkley, em seu artigo “Xi Jinping the Hidden Star of a TV Series About Deng Xiaoping” (2014) para o jornal The New York Times.

Page 49: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

49

Outro dos principais exemplos do uso da mídia é o recente lançamento de uma série de televisão com 48 episódios intitulada “Deng Xiaoping at the Turning Point of History”. O seriado é transmitido pela CCTV (Circuito Fechado de Televisão da China) e conta a história de Deng Xiaoping entre outubro de 1976, quando a Gangue dos Quatro 21 foi purgada, e 1984, na implementação completa da política de reforma e abertura econômica. Seguindo a mesma fonte, as ênfases do seriado e relatos hiperbólicos das vivências de Deng, refletem os esforços de Xi para abraçar seu antecessor como justificativa para novas políticas. Também é possível notar o novo culto à personalidade que circunda Deng, por meio da grande campanha de marketing feita em comemoração aos cento e dez anos de aniversário do líder. A campanha inclui uma série de republicações de obras biográficas e seu próprio trabalho escrito, dentre elas a “Coleção Deng Xiaoping” que compõe três livros com o somatório de quatrocentos e seis artigos com mais de oitocentos mil caracteres, em que o ex-líder expunha seus pensamentos sobre a construção do Partido Comunista, economia, política e cultura (ALEXANDRE, 2014). Dentre outras publicações, igualmente se destaca o artigo nomeado “Promoção da Grande Causa do Socialismo com Características Chinesas”, disponibilizado pela revista chinesa Qui Shi, que descreve os trabalhos de Deng como influenciadores do desenvolvimento mundial e essenciais para a mudança na vida do povo chinês. O artigo discorre sobre a persistência de Deng em desenvolver a china da maneira mais adequada com a realidade do país; “de forma independente, a serviço do povo” (CRI Online, 2014). É importante ressaltar que, a caracterização de Deng como um homem que está a serviço do povo, trabalhando para seu bem-estar, também é recriada em Xi Jinping, uma vez que, sendo um líder carismático e considerado por muitos uma pessoa acessível, como lembra o título do livro já mencionado anteriormente “Approachable: The Charm of Xi Jinping's Words”, é um dos objetivos de Xi também ser vinculado a essa parte da memória de Deng. Assim, as ações de Xi também o levam a ser lembrado como “um homem do povo”: em suas visitas as áreas pobres da China em que costuma conversar com os camponeses, visitar suas casas e comer de sua comida. Desse modo, Xi espera passar uma imagem de estar em contato com as preocupações e dificuldades da população pobre da China (GRAMMATICAS, D. 2014). Dessa forma, é possível comprovar que ao longo do presente governo chinês, têm havido um resgate da figura histórica e personalidade de Deng Xiaoping por parte de Xi Jinping para sua autopromoção. Dessa maneira, Xi espera legitimar suas políticas reformadoras, dando a entender 21 É a designação atribuída ao grupo de quatro oficiais, membros do Partido Comunista da China, responsáveis pela implementação da Revolução Cultural: Jiang Qing, esposa de Mao Tse-tung; Zhang Chunqiao, prefeito de Xangai na época; Wang Hongwen e Yao Wenyuan, crítico literário que denunciou os “inimigos culturais”.

Page 50: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

50

que existe um processo de continuidade entre esses mandatos e de reprodução do sucesso das medidas adotadas por Deng em seu período no cargo de presidente. Conclusão O presente artigo se estruturou de forma a investigar a existência ou ausência de cultos às personalidades de Deng Xiaoping e Xi Jinping, analisando-as comparativamente, percebendo como as características pessoas desses líderes foram utilizadas em prol do avanço dos programas de reforma econômica. A análise histórica da vida política e pessoal dos presidentes chineses, por meio de conteúdo jornalístico em sua maioria, demonstra que suas personalidades foram utilizadas como meio de aproximação com a população, gerando seus respectivos cultos. Porém, percebemos que o culto à Deng Xiaoping não acontece plenamente em seu período de governo, mas sim posteriormente durante a presidência de Xi Jinping, como forma de legitimação de políticas reformadoras. Podemos evidenciar portanto, a partir da apresentação de dados e posterior análise dos mesmos, com base na teoria da Autoridade Carismática de Weber e estudos semelhantes de Marquez (2013) e Rees (2004), que o atual presidente da China e seu maquinário político, tem procurado exaltar e relacionar características positivas desses dois líderes, num esforço para criar a imagem de continuidade das políticas econômicas bem-sucedidas implantadas por Deng, como o Socialismo com Características Chinesas, e legitimar a crescente abertura econômica chinesa. Referências bibliográficas ALEXANDRE, José Carlos. Coleção e Biografia de Deng Xiaoping publicados na China nas comemorações de seu 110* aniversário de nascimento. José Carlos Alexandre News. 18 de Agosto de 2014. Disponível em: <http://josecarlosalexandre.blogspot.com.br/2014/08/colecao-e-biografia-de-deng-xiaoping.html>. Acesso em: 10 de Dezembro de 2014. BROWN, Kerry. Deng Xiaoping: Economist, Diplomat, Reformer. Beijing Review, China, 30 de Agosto de 2014. Disponível em: <http://www.bjreview.com/quotes/txt/2014-08/30/content_637680_2.htm>. Acesso em: 9 de Dezembro de 2014. BUCKLEY, Chris. Xi Jinping the Hidden Star of a TV Series About Deng Xiaoping. The New York Times, Estados Unidos, 27 de Agosto de 2014. Disponível em: <http://mobile.nytimes.com/blogs/sinosphere/2014/08/27/xi-jinping-the-hidden-star-of-a-tv-series-about-deng-xiaoping/>. Acesso em: 9 de Dezembro de 2014. CHAN, John. China’s new personality cult surrounding Deng Xiaoping. World Socialist Web Site, 10 de Setembro de 2004. Disponível em: <http://www.wsws.org/en/articles/2004/09/deng-s10.html>. Acesso em: 9 de Dezembro de 2014.

Page 51: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

51

CHEN, Zhuang. Xi Jinping: The heir to Deng Xiaoping? BBC News, Reino Unido, 22 de Agosto de 2014. Disponível em: <http://m.bbc.com/news/world-asia-28892043>. Acesso em: 9 de Dezembro de 2014. CHINA’S Leadership Change Signals More Reforms Ahead. Beijing Review, China, 31 de Dezembro de 2012. Disponível em: <http://www.bjreview.com/special/2012-12/31/content_509952.htm>. Acesso em: 9 de Dezembro de 2014. DENG Xiaoping: A Great Person with Charming Character. News Guandong, China, 19 de Agosto de 2004. Disponível em: <http://www.newsgd.com/specials/deng100thbirthanniversary/news/200408190040.htm> Acesso em: 9 de Dezembro de 2014. DENG Xiaoping’s legacy: The great stabiliser. The Economist, Reino Unido, 22 de outubro de 2011. Disponível em: <http://www.economist.com/node/21533354>. Acesso em: 9 de Dezembrod e 2014. DENG XIAOPING: The Making of a Leader. Dirigido por Barbara Necek, produzido por Daniel Leconte. 2007. 52 minutos, colorido, sonoro. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=zuzplkJkwww>. Acesso em: 9 de Dezembro de 2014. GRAMMATICAS, Damian. China's new President Xi Jinping: A man with a dream. BBC News, Reino Unido, 14 de Março de 2013. Disponível em: <http://m.bbc.com/news/world-asia-china-21790384>. Acesso em: 9 de Dezembro de 2014. KALLIS, A. Fascism, ‘Charisma’ and ‘Charismatisation’: Weber’s Model of ‘Charismatic Domination’ and Interwar European Fascism. Totalitarian Movements and Political Religions, Vol. 7, No. 1, p. 25–43, Mar. 2006. KILLINGSWORTH, M; STRONG. C. Stalin the Charismatic Leader?: Explaining the ‘Cult of Personality’ as a Legitimation Technique. Politics, Religion & Ideology. Vol. 12, No. 4, p. 391–410, Dezembro de 2011. KURLANTZICK, Joshua. After Deng: On China's Transformation. The Nation, Estados Unidos, 27 de Setembro de 2011. Disponível em: <http://www.thenation.com/article/163669/after-deng-chinas-transformation#>. Acesso em: 9 de Dezembro de 2014. LI, Li. Reform-Driving Journey. Beijing Review, China, 17 de Dezembro de 2012. Disponível em: <http://www.bjreview.com/nation/txt/2012-12/17/content_507295.htm>. Acesso em: 9 de Dezembro de 2014. ______. Remembering a Reformer. Beijing Review, China, 30 de Agosto de 2014. Disponível em: <http://www.bjreview.com/quotes/txt/2014-08/30/content_637674.htm>. Acesso em: 9 de Dezembro de 2014. MARQUEZ, Xavier. A Model of Cults of Personality. APSA 2013 Annual Meeting Paper; American Political Science Association 2013 Annual Meeting

Page 52: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

52

MOORE, Malcolm. Xi Jinping: profile of the man born to lead China. The Telegraph, Reino Unido, 15 de Novembro de 2012. Disponível em: <http://www.telegraph.co.uk/news/worldnews/asia/china/9679847/Xi-Jinping-profile-of-the-man-born-to-lead-China.html>. Acesso em: 9 de Dezembro de 2014. PROFILE: Xi Jinping. BBC News, Reino Unido, 5 de Junho de 2013. Disponível em: <http://m.bbc.com/news/world-asia-pacific-11551399>. Acesso em: 9 de Dezembro de 2014. REES, E. A. Leader Cults: Varieties, Preconditions and Functions. In: APOR, B., et al (Eds.). The leader cult in communist dictatorships: Stalin and the Eastern Bloc. New York: Palgrave Macmillan, 2004. p. 3-29 REVISTA chinesa divulga artigo em comemoração a Deng Xiaoping. China Radio International, China. 1 de Setembro de 2014. Disponível em: <http://portuguese.cri.cn/1721/2014/09/01/1s188724.htm>. Acessado em: 10 de Dezembro de 2014. SEBAG-MONTEFIORE, Clarissa. Deng Xiaoping And The Transformation Of China, By Ezra F Vogel. The Independent, Reino Unido, 2 de Dezembro de 2011. Disponível em: <http://www.independent.co.uk/arts-entertainment/books/reviews/deng-xiaoping-and-the-transformation-of-china-by-ezra-f-vogel-6270418.html>. Acesso em: 9 de Dezembro de 2014. SZELÉNIY, Iván. Foundations of Modern Social Theory: Weber on Charismatic Autority. Disponível em <http://oyc.yale.edu/transcript/937/socy-151>. Acesso em: 10 de Dezembro de 2014. THEME of Party Congress Defines CPC's Path, Goal: Xi. Beijing Review, China, 9 de Novembro de 2012. Disponível em: <http://www.bjreview.com/special/2012-11/09/content_498463.htm>. Acesso em: 9 de Dezembro de 2014. WEBER, Max. Economy and Society: An outline of interpretative sociology. New York: Bedminster Press Incorporated, 1968. WHAT does Xi Jinping's China Dream mean? BBC News, Reino Unido, 5 de Junho de 2013. Disponível em: <http://m.bbc.com/news/world-asia-china-22726375>. Acesso em: 9 de Dezembro de 2014. XI JINPING. Chinese Leaders, Tibete. Disponível em: <http://chinese-leaders.org/xi-jinping/>. Acesso em: 9 de Dezembro de 2014. XINZHEN, Lan. Advancing Economic Reforms. Beijing Review, China, 24 de Dezembro de 2012. Disponível em: <http://www.bjreview.com/business/txt/2012-12/24/content_508669.htm>. Acesso em: 9 de Dezembro de 2014.

Page 53: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

53

O DEBATE SOBRE O PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO DA COREIA DO SUL: UMA LINHA ALTERNATIVA DE INTERPRETAÇÃO

Uallace Moreira Lima22

RESUMO: A Coreia do Sul apresentou alto e rápido crescimento econômico, principalmente, entre os anos 1960 e 1980, associada a um upgrading em seu parque industrial, assim como uma forte inserção no comércio internacional. Três correntes teóricas têm destaque na interpretação dos motivos que levaram a Coreia ao sucesso, quais sejam: 1) os defensores do mainstream economics, defensores dos princípios de mercado; 2) a corrente heterodoxa endogenista que defende o papel do Estado como elemento central; 3) a terceira linha defende a ideia de que o cenário externo é o principal motivo para o sucesso da Coreia. Neste artigo, defende-se a hipótese de que o processo de industrialização dos países de caráter tardio considerando suas peculiaridades interna e externa em cada momento em seu contexto histórico, com os fatores internos sendo determinantes em primeira instância, para compreender o processo de industrialização das economias tardias e os fatores externos em última instância. PALAVRAS-CHAVe: Desenvolvimento Econômico, Industrialização Tardia, Estado

ABSTRACT: South Korea showed high and rapid economic growth, particularly between the years 1960 and 1980, together with an upgrading of its industrial park as well as a strong presence in international trade. Three theoretical perspectives have highlighted in the interpretation of the reasons Korea to success, namely: 1) the defenders of mainstream economics, market principles defenders; 2) the current heterodox endogenist defending the state's role as a central element; 3) the third line supports the idea that the external environment is the main reason for the success of Korea. In this article, the hypothesis is argued that the process of industrialization of the late character of countries considering its internal and external peculiarities in each moment in its historical context, the internal factors and determinants in the first instance, to understand the process of industrialization of Late economies and external factors ultimately. 22 Uallace Moreira Lima é Doutor em Desenvolvimento Econômico – Área de concentração em História Econômica - pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (IE/UNICAMP). Professor Adjunto em regime de dedicação exclusiva da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal da Bahia (FCE/UFBA). Pesquisador Visitante do IPEA.

Page 54: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

54

KEYWORDS: Economic Development, Late Industrialization, State Introdução

A Coreia do Sul apresentou alto e rápido crescimento econômico, principalmente, entre os anos 1960 e 1980. A conjunção dessas transformações promoveu relevantes mudanças estruturais profundas fazendo com que a Coreia passasse a ser um país visto como referencial de desenvolvimento econômico para outros países em desenvolvimento. As razões e origens do chamado “sucesso” coreano foram objeto de amplo debate. Neste artigo, identifica-se três linhas de interpretação, quais sejam: a) a corrente de cunho neoclássica que defende a hipótese de que o sucesso da economia coreana tem origem numa economia orientada pelos princípios do mercado seguindo um modelo de desenvolvimento orientado para fora, o chamado export-led. Entre os principais autores defensores desse pensamento estão Balassa (1982), Westphal e Kim (1982), e o Banco Mundial (1987) e (1993); b) a linha de pensamento heterodoxa endogenista a qual interpreta o desenvolvimento econômico da Coreia com ênfase em condições locais e, especialmente, no Estado desenvolvimentista, defendendo a ideia de que a condução da política econômica tem o mérito pelo sucesso logrado pelo país. Entre os principais autores dessa linha estão Alice Amsden (1989) e Ha-Joon Chang (1993) e (1994); c) a terceira linha de interpretação defende que o sistema capitalista mundial sempre se mostrou favorável ao país desde a década de 1950, criando assim as condições necessárias para que a Coreia traçasse um caminho de “desenvolvimento a convite” do Estado norte-americano e das corporações estadunidenses e japonesas. Entre os autores selecionados nesta tese que seguem essa conduta de interpretação estão Medeiros (1997) e Cho (2001).

Page 55: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

55

A hipótese defendida aqui é que o avanço da economia coreana com profunda transformação estrutural e upgrading em seu comércio exterior foi possível, dentro de um contexto externo, inicialmente favorável, em decorrência de um conjunto de características históricas que a diferenciaram de outras economias de industrialização tardia, nos aspectos como: 1) estrutura de propriedade do capital; 2) centralização financeira; 3) organização empresarial; 4) e absorção/desenvolvimento tecnológico. Nesse sentido, o cenário externo favorável à Coreia do Sul foi importante, mas não exclusivamente determinante para que o Estado conduzisse políticas de forma coesa com os interesses da burguesia nacional. O artigo é dividido em duas seções, além desta introdução. A primeira seção discute-se as principais ideias das três principais correntes teóricas que têm destaque na interpretação dos motivos que levaram a Coreia do Sul ao rápido crescimento econômico e às mudanças estruturais: 1) os defensores do mainstream economics; 2) a corrente heterodoxa endogenista; 3) e a corrente exogenista. Na segunda seção, a fim de justificar e fortalecer a hipótese do artigo, se discute a condução da política econômica levando em consideração a estrutura de propriedade do capital, organização empresarial, centralização do capital e o processo de absorção e desenvolvimento tecnológico. Na conclusão apresenta-se uma síntese das principais ideias do artigo e reafirma-se a hipótese defendida. 1. Uma revisão do entre as principais correntes teóricas debate sobre o desenvolvimento econômico da Coreia do Sul

Entre os principais autores defensores desse pensamento estão Balassa (1982), Westphal e Kim (1982) e o Banco Mundial. Dois estudos do Banco Mundial têm destaque no debate acerca do sucesso da Coreia do Sul: a) o primeiro estudo foi publicado em 198723 e o estudo mais recente publicado em 199324; Entre os estudos da corrente neoclássica, um dos principais estudos que se destaca no debate acerca da economia coreana é o de Balassa (1982). O autor analisa as estratégias de desenvolvimento de economias que ele chama de semi-industriais sob duas óticas: outward-looking - expor-led e inward-looking- import-substitution. Essa classificação é realizada a partir da análise da política de incentivos e subsídios tanto para o mercado interno como para o comércio exterior. 23 World Bank. Korea: Managing the Industrial Transaction. Vols. 1 and 2. Washington: World Bank, 1987. 24 World Bank Policy Research Reports. The East Asian Miracle: Economic Growth and Public Policy. Vol. 1 and Vol. 2 Summary. New York: Oxford University Press, 1993.

Page 56: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

56

Nesse sentido, o autor atribui uma política de incentivos e subsídios para o estímulo ao mercado interno como uma política contrária às exportações. Na verdade, o modelo de orientação para fora está associado a uma política de promoção das exportações, enquanto o modelo de orientação para dentro está associado ao modelo de substituição de importações. Para o autor, ambos os modelos se contrapõem já que têm objetivos completamente diferentes. A Coreia do Sul, segundo Balassa (1982), está inserida em um conjunto de países que adotaram a estratégia de substituição de importações e mercado protegido em um período muito curto, adotando, posteriormente, o modelo de desenvolvimento para fora, ou seja, a estratégia política de promoção das exportações. Para o autor, a Coreia do Sul, em meados dos anos 1960, adotou a estratégia de substituição de importações para completar o processo de industrialização fácil de bens de consumo não duráveis e de outras cadeias da produção responsáveis para oferta de insumo para esse ramo. Ao contrário, entretanto, de outros países que adotaram como estratégia única a substituição de importações como modelo de desenvolvimento, na Coreia houve, já nos anos 1960, a adoção a políticas orientadas para fora, fato este explícito na oferta de incentivos às exportações similares aos incentivos dados aos setores de substituição de importações. Isso coloca em evidência que na Coreia, quando adotado modelo de substituição de importações, não houve uma exclusão ou aversão às exportações, como aconteceu em outros países. Para Westphal e Kim (1982) em meados dos anos 1960, principalmente, a partir de 1964, com o governo Park, houve o início do processo de liberalização da economia coreana que favoreceu a implementação de um novo modelo de desenvolvimento econômico, com as exportações passando a ser um elemento-chave para o crescimento da economia. Uma das principais alterações provocadas pelas políticas de liberalização foi na política cambial com o fim do regime múltiplo de câmbio. Além da reforma cambial, outras reformas alinhadas com o processo de liberalização foram sendo implementadas como o relaxamento do controle das importações com a redução das quotas e licenças para as importações. Aliada às reformas liberais, passa a predominar um consenso de que para o rápido crescimento da economia coreana era necessário aderir a uma nova direção na política industrial orientada pelas exportações, implementando medidas de política de estímulo para as exportações de manufaturados. Nesse sentido, afirmam os autores, a Coreia passou a adotar várias medidas para promover as exportações tais como taxa de câmbio desvalorizada, política de tratamento preferencial para as exportações, crédito preferencial, além de subsídios e incentivos para as grandes empresas exportadoras com a exigência de metas de desempenho.

Page 57: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

57

Dois estudos do Banco Mundial têm destaque no debate acerca do sucesso da Coreia do Sul: o primeiro estudo foi publicado em 198725 e o estudo mais recente publicado em 199326. O Banco Mundial (1993) reconhece que o sucesso dos países do Leste Asiático que tem sido motivo de grande debate, levanta questões sobre a relação entre governo, mercado e empresas. Entretanto, em ambos os estudos do Banco Mundial, os argumentos que ficam em evidência sobre o motivo do sucesso da Coreia é que o elevado crescimento econômico superior ao crescimento da acumulação do capital físico e capital humano não foi resultado de um “milagre”, mas sim da existência de uma estratégia de política econômica que foi orientada segundo os princípios do mercado que proporcionaram a ótima alocação e eficiência dos recursos, ou seja, o fator preponderante para o sucesso da Coreia foi ter implementado as políticas “corretas” de acordo com as orientações do mercado. No estudo do Banco Mundial de 1987, o argumento principal para afirmar que a Coreia seguiu as políticas “corretas” é que, ao aderir ao regime de livre comércio, as várias medidas de incentivos da política intervencionista se auto-cancelavam produzindo uma estrutura de incentivos neutra27, ou seja, as intervenções do Estado por meio de incentivos não alteraram o funcionamento do livre mercado na medida em que uma medida anulava a outra, fazendo com que predominasse uma estrutura de incentivos neutra que não sufocava os mecanismos de mercado. Portanto, afirma o estudo, não foi uma política de intervenção do Estado de caráter desenvolvimentista por meio da política de substituição de importações que gerou o elevado crescimento da Coreia do Sul, mas sim uma política orientada segundo os mecanismos do livre mercado em que o Estado exerceu apenas um papel suplementar e complementar no funcionamento do mercado.

No estudo mais recente publicado em 1993, o Banco Mundial mantém a mesma linha de interpretação sobre o sucesso dos países do Leste Asiático, inclusive sobre a Coreia do Sul. Nesse estudo, o Banco Mundial reconhece o papel do Estado no sucesso da economia coreana, mas afirma 25 World Bank. Korea: Managing the Industrial Transaction. Vols. 1 and 2. Washington: World Bank, 1987. 26 World Bank Policy Research Reports. The East Asian Miracle: Economic Growth and Public Policy. Vol. 1 and Vol. 2 Summary. New York: Oxford University Press, 1993. 27 Para o estudo, a política de proteção de importações tinha efeito nulo e gerava um sistema de incentivos neutro na medida em que havia a política de subsídios para as exportações, isto é, a política de proteção às importações (que gerava distorção de preços) resultante do modelo de substituição de importações, era neutralizada pela política de subsídios às exportações (que gerava o equilíbrio no sistema de preços) através do modelo de desenvolvimento de industrialização exportadora de manufaturas. Esse mecanismo de auto anulação garantia o predomínio dos mecanismos de mercado para o sucesso da economia coreana, deixando claro, segundo os estudos neoclássicos, que não foi a intervenção do Estado a responsável por esse feito.

Page 58: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

58

que esse papel foi limitado e no sentido de fortalecer o perfeito funcionamento dos mecanismos do livre mercado. Na verdade, afirma o estudo do Banco Mundial (1993), as políticas associadas ao market-friendly são as responsáveis pelo sucesso dos países do Leste Asiático, particularmente a Coreia do Sul, já que as economias que seguiram as orientações do mercado têm conseguido criar um ambiente macroeconômico estável, com alta participação no comércio internacional e elevado crescimento econômico, com substancial investimento em pessoas e o estímulo ao ambiente competitivo entre as empresas. A segunda corrente teórica que debate o desenvolvimento econômico da Coreia do Sul é a heterodoxa endogenista e coloca o Estado como elemento central e o principal ator desse processo. Essa corrente tem como principais representantes Alice Amsden e Ha-Joon Chang.

Em sua principal obra28, Amsden (1989) afirma que a interpretação de cunho liberal sobre a Coreia do Sul não passa de uma nota de rodapé que distorce por completo e apresenta ideias errôneas sobre o real entendimento do processo de desenvolvimento da economia coreana, assim como de outros países de industrialização tardia, já que no caso da Coreia, não foram os mecanismos de mercado responsáveis pelo avanço da sua economia, mas sim uma forma peculiar de atuação do Estado. A autora afirma que o fato de ter sido um Estado forte o principal ator do sucesso da Coreia, coloca em evidência que o discurso dos teóricos neoclássicos é mentiroso e frustrante na medida em que não encontra fundamentos na própria história do desenvolvimento da economia coreana. Segundo a autora, a compreensão de uma economia de industrialização tardia, como é o caso da economia coreana, exige a percepção de que o Estado intervencionista é um agente fundamental como promotor do desenvolvimento econômico na medida em que, deliberadamente, distorce os preços relativos com o objetivo de estimular o crescimento econômico, assim como estimular grupos empresariais a diversificar em todos os setores da economia com expansão da produtividade para tornar o país competitivo. Nesse sentido, a autora afirma que é necessário entender três dimensões básicas da condução da política econômica nos países de industrialização tardia, quais sejam: 1°) a política para promover a diversificação e as decisões empresariais para a entrada em novas indústrias; 2°) a política macroeconômica para manter a atividade econômica e 3°) o crescimento em si mesmo, isto é, a relação entre o crescimento econômico e a expansão da produtividade. A análise dessas três dimensões deixa nítido que a política de intervenção do Estado na economia coreana distorcendo os preços relativos de forma deliberada foi primordial para o sucesso desse país, contrariando assim as interpretações neoclássicas. 28 “Asia’s Next Giant: South Korea and Late Industrialization”, 1989.

Page 59: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

59

O segundo autor da corrente heterodoxa endogenista é Chang. Para Chang (1993) e (1994), os argumentos dos defensores do mainstream economics, ao desqualificar e negar o papel do Estado no sucesso da economia coreana, tem bases teóricas e empíricas frágeis e irreais. Do ponto de vista teórico, quando os estudos neoclássicos defendem a existência de um sistema de incentivos neutro na Coreia, não é nítido em seus argumentos como o sistema de incentivos para as exportações (em um modelo orientado para fora) pode anular as medidas protecionistas em relação às importações (em um modelo de substituição de importações), pois, se as estruturas de preços sob os dois regimes são diferentes, não se pode afirmar que a estrutura de incentivos sob a o modelo de orientação para fora é neutro, já que o que importa na determinação da atratividade relativa das exportações e produção para o mercado doméstico é a estrutura de preços relativos e não a média de incentivos, como acreditam os neoclássicos. Assim como Amsden (1989), Chang (1993) e (1994) defende a hipótese de que o objetivo de promover o desenvolvimento industrial em um país de industrialização tardia apresenta riscos por ser algo “novo” do ponto de vista nacional. Sendo assim, com o objetivo de criar uma indústria ou promover a sua estrutura industrial, um país de desenvolvimento tardio tem que, por exemplo, importar tecnologia. A importação de tecnologia como mecanismos de aprendizado tecnológico exige um espaço de tempo para a construção do processo de “aprendizagem” que, em geral, é uma atividade onerosa que apresenta retornos substancialmente incertos e arriscados. Logo, esses riscos em uma economia de desenvolvimento tardio têm que ter como contrapartida mecanismos de compensação como barreiras à entrada e medidas de incentivos. Em um contexto de desenvolvimento tardio, os mecanismos de mercado não oferecem tais compensações, mesmo porque as empresas que estão emprestando tecnologia de alguém não podem, por definição na concepção da teoria da concorrência perfeita, criar uma barreira de entrada por meio da tecnologia, como os inovadores são capazes de fazer. Nesse sentido, o Estado, como regulador dos direitos de propriedade, tem que criar algumas "restrições de comércio" e proporcionar mecanismos de estímulo para aqueles que estão desenvolvendo novas indústrias ou promover o upgrading do seu parque industrial.

A terceira linha de interpretação sobre o desenvolvimento econômico coreano defende que o cenário externo se mostrou sempre favorável ao país, criando assim as condições necessárias para que a Coreia encontrasse sempre alternativas viáveis para a continuidade do caminho do crescimento elevado e da profunda transformação estrutural. Os principais autores selecionados nessa tese foram Medeiros (1997) e Cho (2001).

Page 60: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

60

Para Medeiros (1997), o processo de desenvolvimento econômico coreano deve ser entendido a partir da compreensão da predominância de um contexto externo completamente favorável aos países do Leste Asiático, entre eles a Coreia do Sul. Ou seja, a explosão do crescimento da Coreia do Sul deve ser entendida como parte de um contexto de economia regional favorecida por um ambiente externo favorável. Os principais fatores que comprovam tal afirmação são: 1) como resultado da estratégia dos EUA do pós-guerra de ampliação de seus interesses econômicos e políticos na Ásia, houve uma constante ampliação do superávit comercial dos países da região asiática com os países da OCDE exportando manufaturados; 2) expansão dos investimentos dos EUA e do Japão na região, com os EUA colocando-se como mercado das exportações dos manufaturados dos países asiáticos, e o Japão como um dos principais países responsáveis pela transferência de tecnologia via importação de bens de capital; 3) e expansão do financiamento externo. Essas três variáveis explicam o diferencial de performance dos países da Ásia, particularmente a Coreia do Sul, quando comparado com os países da América Latina, como é o caso do Brasil, principalmente quando consideramos os anos 1980. Outro autor que segue essa mesma linha de interpretação sobre o desenvolvimento coreano é Cho (2001). O autor considera que a maioria dos estudos sobre o desenvolvimento da Coreia do Sul não leva em consideração o aspecto principal e determinante: o cenário externo favorável. Para o autor, é inegável que o ambiente econômico internacional em torno da Coreia teve um impacto significativo não apenas nos negócios de curto prazso, mas em todas as fases de desenvolvimento do país, como as constantes ajudas financeiras e empréstimos dos EUA, o fluxo de recursos direcionados do Japão para a Coreia como reparação e empréstimos preferenciais, a importância da participação da Coreia na Guerra do Vietnã que trouxe benefícios na medida em que a Coreia passou a ser considerada uma região estratégica para os EUA, a expansão do Euromercado após o primeiro choque do petróleo que ampliou os recursos externos para a Coreia e a retomada de relações políticas e comerciais com o Japão que foi essencial nos anos 1980 para a Coreia do Sul. Em seu trabalho, Cho (2001) deixa nítido que todos os acontecimentos na economica internacional favoráveis à Coreia do Sul foram condições sino qua non para que o país lograsse o estágio de desenvolvimento econômico, sem esse cenário externo favorável, a Coreia seria apenas mais um país em desenvolvimento com vários problemas estruturais sem conseguir superá-los. A interpretação adotada neste trabalho é o de se considerar tanto o cenário externo, como também as condições internas as quais estão associadas à condução da política econômica do país, ou seja, adota-se uma postura de interpretação a qual defende a hipótese de que o elevado

Page 61: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

61

crescimento econômico e a profunda transformação estrutural apresentada pela Coreia foram resultantes de um cenário externo favorável ao país em diferentes momentos históricos, aliado a uma condução da política econômica que permitiu ao país lograr seus objetivos consubstanciados nos planos quinquenais. O que nos leva a adotar essa linha de interpretação e defender essa tese é a de que o cenário externo favorável gerou condições para que a Coreia construísse um conjunto de medidas de política interna que se diferenciou de outras economias de industrialização tardia nas questões como: 1) a estrutura de propriedade do capital; 2) organização empresarial; 3) a centralização do capital; e 4) o processo de absorção e desenvolvimento tecnológico. Consideram-se essas relações entre cenário externo e interno, tomando como princípio de que em primeira instância e mais determinante, é entender a estrutura socioeconômica coreana através da condução da política econômica interna nas medidas citadas logo acima e, em última instância, as condições externas favoráveis. 2. Os Quatro Elementos Fundamentais da Política Econômica Coreana para o Seu Processo de Desenvolvimento Econômico A evolução do contexto histórico entre os anos 1940 e 1980 deixa nítido que o cenário externo foi favorável para que a Coreia do Sul pudesse lograr o desenvolvimento econômico com elevadas taxas de crescimento e profunda transformação estrutural. Entretanto, isso não significa afirmar que o cenário externo foi o fator determinante para tal fato, mas sim importante na medida em que o governo coreano utilizou de forma estratégica esse ambiente externo benéfico, adotando um modelo de desenvolvimento econômico em que a presença do Estado foi peça-chave na condução da política econômica que promovesse o crescimento e a transformação estrutural. Entre os elementos do modelo adotado pela Coreia que deixam evidentes uma política Estatal-industrialista contrária a um modelo de desenvolvimento orientado pelos princípios do mercado, aponta-se aqui como determinantes: 1) a estrutura de propriedade do capital; 2) a organização empresarial; 3) a centralização do capital; e 4) o processo de absorção e desenvolvimento tecnológico. Em primeiro lugar, a estrutura de propriedade do capital na economia coreana tem como uma das características principais a presença dos chaebols, grandes conglomerados empresariais privados nacionais familiares que atuam em diversos setores da economia, e tem uma importante relação com o governo no processo de implementação do modelo de desenvolvimento econômico

Page 62: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

62

do país. Essa relação vai implicar em uma estrutura de propriedade do capital em que as empresas estatais e os chaebols irão ser elementos fundamentais no processo de diversificação industrial orientado para as exportações, além de uma política de restrições ao investimento estrangeiro direto (IED). Se no início dos anos 1960 predominava uma política menos restritiva para o ingresso de qualquer forma de capital estrangeiro, permitindo assim a entrada de subsidiárias estrangeiras no país sem grandes restrições, nos anos 1970 o governo adotou uma política mais restritiva, com maior controle sobre a entrada de investimento estrangeiro direto. Essa política de controle sobre o IED foi marcada nos anos 1970, principalmente, pela imposição de critérios tais como a proibição de empresas estrangeiras que concorressem com as empresas nacionais tanto no mercado interno como no mercado externo, exigência de performance exportadora aos IEDs que entrassem no país e o índice de participação estrangeira era limitado a aproximadamente 50%. Com isso, as empresas subsidiárias estrangeiras tiveram um papel complementar, em setores pontuais, já que os grandes grupos nacionais chaebols atuaram nos setores considerados mais estratégicos da economia coreana (KIM, 2005). Com essa política de controle sobre o IED, o governo coreano conseguiu montar uma estrutura de propriedade do capital com forte presença de grandes empresas nacionais, os chaebols, e as empresas estatais, ambas seguindo a lógica da orientação exportadora e diversificação das suas atividades. Essa centralização da propriedade dos ativos produtivos nos chaebols e nas empresas estatais está associada ao reconhecimento de que a Coreia tinha um mercado interno pequeno, de modo que a política de diversificação industrial estaria entrelaçada a uma política de desempenho exportador das grandes empresas, fortalecendo assim o ganho de economia de escala inerente às tecnologias maduras, com o país adquirindo ganhos de produtividade e se inserindo no comércio internacional através de grandes corporações multinacionais de forma mais competitiva. Em segundo lugar, a política de estrutura de propriedade vai convergir com a política de organização industrial que predominou na Coreia do Sul na medida em que os chaebols serão considerados aliados estratégicos e fundamentais. Os chaebols estarão presentes em todas as fases da industrialização coreana, como na fase da expansão da indústria leve nos anos 1960, nos anos 1970 com a construção das indústrias pesadas e químicas, e nos anos 1980 os chaebols foram decisivos na expansão e intensificação dos setores mais intensivos nas atividades de P&D. Na verdade, o governo coreano enxerga nos chaebols uma importante fonte de acumulação de capital e tecnologia, ou seja, como um elemento central que poderia possibilitar um processo de industrialização com ganhos de economia de escopo com upgrading tecnológico, associado à

Page 63: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

63

interiorização do processo de desenvolvimento tecnológico, dando assim ao país potencial para a inserção no comércio internacional com maiores vantagens competitivas (KIM, 1997; 2005). A expansão dos chaebols esteve associada a uma política de diversificação e direcionamento para o comércio exterior. A amplitude da diversificação se torna clara quando observamos que a atuação das grandes empresas coreanas é direcionada para diversos setores, tais como o setor de serviços financeiros, construção, as indústrias leve e pesada, assim como nos setores mais intensivos em tecnologia e em P&D. Em terceiro lugar, a política de centralização do capital será um aspecto chave na trajetória de desenvolvimento da Coreia do Sul. Primeiro porque quando se considera a política de aprofundamento industrial ficava evidente que seria necessário uma elevada taxa de investimento, exigindo assim um alto volume de crédito. Com isso, considerando que a Coreia do Sul é um país de industrialização tardia dependente dos recursos externos, o governo coreano adota uma estratégia de vincular o crédito externo com o crédito interno para financiar os planos de desenvolvimento. Nesse sentido, o governo coreano implementou uma política de controle das instituições financeiras, controle sobre as taxas de juros e sobre a distribuição dos recursos financeiros para direcionar o crédito de acordo com as estratégias de cada momento histórico do país. Essa política de distribuição de recursos sempre esteve associada aos objetivos dos planos de desenvolvimento econômico, de modo que os setores eram selecionados estrategicamente e sempre voltados para a orientação exportadora. Em quarto lugar, a estrutura de propriedade, a organização industrial e a política de centralização do capital quando articuladas de forma estratégica irá resultar em uma estratégia de absorção e desenvolvimento tecnológico imprescindível para o modelo de crescimento orientado para fora da Coreia do Sul. Isso é comprovado quando observamos que na estratégia de internalização de tecnologia se fazem presente os mesmos agentes que fizeram possível a construção de uma estrutura de propriedade, organização industrial e centralização do capital singular no contexto dos países de industrialização tardia, ou seja, a estratégia de absorção de tecnologia vai ter a presença da articulação entre o Estado, os grandes conglomerados chaebols e o sistema financeiro nacional, construindo assim todo um aparato institucional necessário para o upgrading tecnológico do país, já que no modelo de desenvolvimento orientado para fora adotado pela Coreia estava explícita a necessidade de uma inserção no comércio internacional em produtos com maior valor agregado.

Page 64: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

64

Na literatura sobre o processo de internalização da tecnologia na Coreia predomina a ideia de que o país adotou um modelo de imitação29 associado à engenharia reversa nos anos 1960 e nos anos 1970. Nos anos 1980, o país transita para um modelo de imitação criativa30, com atividades de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). A Coreia foi capaz de criar uma infraestrutura que possibilitou ao país trilhar uma trajetória tecnológica de um país de industrialização tardia, iniciando seu processo de absorção de conhecimento tecnológico pela imitação por engenharia reversa e depois por imitação criativa intensiva em P&D. Para isso, a trajetória de desenvolvimento coreano foi essencial: a) ao adotar uma estratégia de industrialização export-driven industrialization, o governo obrigou as empresas nacionais, como condição de sua sobrevivência, a intensificarem seus investimentos em setores mais intensivos em tecnologia, assim como implementar técnicas de produção que promovessem economia de escala, para que essas empresas tivessem condições mais competitivas de concorrerem em um mercado mundial cada vez mais competitivo; b) o governo exerceu um impacto substancial no processo de aprendizado tecnológico através da implementação de medidas diretas e indiretas 29 Segundo Kim (2005), a imitação é uma atividade de cópias ou clonagens de produtos originais, considerados legal que não envolve violação de patentes nem é pirataria de propriedade intelectual, criados na ausência de patentes, direitos autorais e marcas registradas que protejam os produtos originais, ou quando elas expiram. Esses produtos são comercializados com suas próprias marcas pelas empresas que adotam a imitação a um preço mais baixo. A imitação não exige investimento especializado em P&D, apenas um baixo nível de aprendizagem tendo em vista que não é necessário gerar novos conhecimentos. A imitação pode ser uma nova combinação de elementos tecnológicos altamente padronizados, que pode ser aplicada através da engenharia reversa. A Engenharia Reversa consiste em uma atividade que trabalha com um produto existente, identificando seu funcionamento, o que ele faz exatamente e como ele se comporta em todas as circunstâncias. A engenharia reversa é adotada quando se deseja trocar, modificar uma peça por outra, com as mesmas características ou entender como esta funciona e não se tem acesso a sua documentação. A imitação pode ser implementada a partir de uma política de assistência técnica oferecida pela empresa pioneira, mas para isso é necessário que o país que adota a imitação tenha uma infraestrutura básica para absorver todo conhecimento específico para depois ser aplicado as necessidades específicas do mercado. A imitação não oferece ao imitador vantagem competitiva sustentável em termos de tecnologia, mas apenas vantagens nos preços se os custos de produção do imitador forem mais baixo do que os custos de produção do criador do produto. Esse tipo de estratégia pode ser adotada nos momentos iniciais do processo de industrialização, quando o país está criando a infraestrutura básica para o catching-up em sua economia. 30 Já a imitação criativa, Kim (2005) afirma que está associada a cópias de projetos, adaptações criativas, saltos tecnológicos e adaptações. As cópias de designs imitam o estilo dos produtos líderes de mercado, mas levam sua própria marca e tem especificações exclusivas. As adaptações criativas são inovadoras no sentido de fazer melhoras criativas e o salto tecnológico quando o imitador supera o criador do produto. As imitações criativas visam a geração de cópias dos produtos, mas com novas características de desempenho, envolvendo, assim não apenas parcerias de transferência de tecnologia, mas também um aprendizado específico por meio de grandes investimentos em atividades de P&D para criar imitações, cujo desempenho pode superar o do produto original. A imitação criativa é uma estratégia de internalização de tecnologia no momento em que o país logra um estágio mais maduro no seu processo de industrialização, principalmente quando tem instituições dedicadas a Ciência e Tecnologia (C&T) e Pesquisa e Desenvolvimento (P&D).

Page 65: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

65

para a promoção do avanço industrial, do comércio e do desenvolvimento da ciência e tecnologia; c) a estrutura e a qualidade do sistema educacional coreano ofertando mão-de-obra qualificada e disciplinada foi essencial para fomentar a acumulação de capacidade tecnológica empresarial; d) e o ambiente sociocultural, abrangendo as normas e valores da sociedade, como o respeito a hierarquia e a disciplina no trabalho, promoveram um ambiente de formação ética do trabalho que influenciou a mentalidade e o comportamento das pessoas nas empresas. O desempenho dos chaebols na internalização e absorção de tecnologia fica constatado quando é analisado a expansão do ramo de bens de capital no país. Segundo Lee (2005), os chaebols lideraram o processo de aprendizado através da aquisição de bens de capital estrangeiro para, posteriormente, produzir internamente com o intuito de atender as demandas crescentes de aquisições por encomendas de máquinas locais e a fabricação direta de bens de capital para satisfazer as necessidades internas. Com isso, se ao final dos anos 1970 o índice de autossuficiência ficou em torno de 30% a 40%, deixando nítido que a as empresas locais ainda não estavam aptas a produzir bens de capital avançados para atender o mercado interno, nos anos 1980 o índice de autossuficiência chega a 60%, mostrando que os chaebols corroboraram de forma crucial para a internalização da tecnologia, fato este que fica em evidência na estrutura produtiva do país, nas exportações e na expansão da aptidão tecnológica do país. Pode-se observar que o cenário externo favorável para a Coreia do Sul foi importante ao longo do seu processo de desenvolvimento. Entretanto, não se pode afirmar que foi determinante desconsiderando fatores internos que foram essenciais. Estes fatores internos estão inseridos na condução da política econômica do país com os planos de desenvolvimento econômico discutidos neste artigo, principalmente nos fatores aqui considerados como: 1) a estrutura de propriedade do capital; 2) a organização empresarial; 3) a centralização do capital; 4) e o processo de absorção e desenvolvimento tecnológico. Conclusão

O elevado crescimento econômico e a profunda transformação estrutural da economia coreana entre os anos 1960 e 1980, provocou um amplo debate e estudos sobre os motivos/razões desse considerado “sucesso”. Nesta tese, foram apresentadas três linhas de interpretação:

Page 66: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

66

1) Os teóricos defensores de uma interpretação de cunho neoclássico que tem como principais representantes nesta tese os trabalhos de Balassa (1982), Westphal e Kim (1982), e o Banco Mundial (1987) e (1993).

2) A segunda corrente de pensamento sobre o desenvolvimento econômico da Coréia do Sul é a heterodoxa endogenista que tem como principal argumento a essencialidade do papel do Estado como elemento central e o principal ator desse processo. Os principais representantes destacados nessa conduta de interpretação foram Alice Amsden (1989) e Chang (1993) e (1994). Para esses autores, a interpretação de cunho neoclássico não deverá ser levada em consideração, pois, essa corrente tem bases teóricas e empíricas frágeis e irreais, além de ser a-histórica, não mostrando o que, de fato, promoveu o chamado sucesso da economia coreana.

3) a terceira corrente teórica de interpretação defende a hipótese de que, ao longo de todo o processo histórico de desenvolvimento econômico da Coreia do Sul, o cenário externo se mostrou sempre favorável ao país, criando, assim, as condições necessárias para que a Coreia encontrasse sempre alternativas viáveis para a continuidade do caminho do crescimento elevado e da profunda transformação estrutural. Entre os autores selecionados nesta tese que seguem essa conduta de interpretação selecionamos Medeiros (1997) e Cho (2001). A hipótese defendida neste trabalho foi a de que o entendimento do processo de desenvolvimento da economia sul-coreana pode ser entendido a partir do princípio de que o processo de industrialização dos países de caráter tardio considerando suas peculiaridades interna e externa em cada momento em seu contexto histórico, com os fatores internos sendo colocado em primeira instância como fatores determinantes para compreender o processo de industrialização das economias tardias, enquanto os fatores externos serão determinantes em última instância. Para sustentar essa hipótese, analisamos ao longo dos anos 1970 e 1980 a condução da política econômica da Coreia, que através dos Planos Quinquenais articulou-se virtuosamente com características históricas da estrutura de propriedade do capital, centralização financeira, organização empresarial e do processo de absorção e desenvolvimento tecnológico. Analisamos a evolução dos indicadores da estrutura industrial coreana e do seu comércio exterior, levando em consideração principalmente o ramo de bens de capital, mostrando que a elevada performance sempre esteve associada à forma como foi conduzida esse conjunto de medidas da política interna coreana.

Page 67: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

67

Referências Bibliográficas AMSDEN. A. Asia’s Next Giant. South Korea And Late Industrialization. New York: Oxford University Press, 1989. BALASSA, Bela. Development Strategies and Economic Performance: A Comparative Analysis of Eleven Semi-Industrial Economies. In: BALASSA, Bela (org). Development Strategies in Semi-Industrial Economies. London: World Bank – The Johns Hopkins University Press, 1982. CANUTO, Otaviano. Brasil e Coréia do Sul: os (des)caminhos da industrialização tardia. São Paulo: Nobel, 1994. _____________. O Padrão de Financiamento na Industrialização Coreana. Revista de Economia Política, volume 14, n° 3 (55), julho-setembro, 1994. CHANG, Ha-Joon. The Political Economy Of Industrial Policy. London: Macmillan Press LTD, 1994. ____________. Political Economy of Industrial Policy in Korea. Mimeo, 1993. CHO, Yoo Je. The International Environment and Korea’s Economic Development During 1950s-1970s. Research Series on International Affairs, vol 2, 2001. Disponível em: www.sokang.ac.kr Acesso: 10/08/2012 KIM, Linsu. Da Imitação à Inovação. A Dinâmica do Aprendizado Tecnológico da Coréia. Campinas: Editora da Unicamp, 2005. __________. O Sistema Nacional de Inovação Sul-Coreano em Transição. In: KIM, Linsu; NELSON, Richard R. (orgs.). Tecnologia, Aprendizado e Inovação. As Experiências das Economias de Industrialização Recente. Campinas: Editora da Unicamp, 2005.

Page 68: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

68

MEDEIROS, Carlos Aguiar. Globalização e a Inserção Internacional Diferenciada da Ásia e da América Latina. In: TAVARES, Maria C; FIORI, José L. (orgs.). Poder e Dinheiro. Uma Economia Política da Globalização. Rio de Janeiro: Vozes, 1997. WESTPHAL, Larry E.; KIM, Linsu. Korea. Incentive Policies and Economic Development. In: BALASSA, Bela (org). Development Strategies in Semi-Industrial Economies. London: World Bank – The Johns Hopkins University Press, 1982. WORLD BANK. Korea: Managing the Industrial Transaction. Vols. 1 and 2. Washington: World Bank, 1987. Disponível em: http://documents.worldbank.org/curated/en/ Acesso em: 09/10/2011 WORLD BANK. The East Asian Miracle. Economic Growth and Public Policy. (World Bank Policy Research Report), Vol. 1 and 2. New York: Oxford University Press, 1993.Disponívelem:http://www.wds.worldbank.org/external/default/WDSContentServer/IW3P/IB/1993/09/01/000009265_3970716142516/Rendered/PDF/multi_page.pdf Acesso em: 09/10/2011

Page 69: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

69

POLÍTICA INTERNACIONAL E A DINÂMICA DOS PROCESSOS DE INTEGRAÇÃO REGIONAL NA ÁSIA

Ana Beatriz da Costa Mangueira31 Maria Gabriela Galindo de Oliveira

Orientação: Jan Marcel de Almeida Freitas Lacerda

RESUMO: O presente artigo procurará analisar as características e o como surgiram os processos de integração no continente asiático, principalmente após a Guerra Fria, momento em que esses movimentos se intensificaram. Para tanto, é necessário um breve apanhado histórico acerca da região, para melhor entender as particularidades dos blocos formados na Ásia, estes frutos das guerras de conquista no continente. Estas configurações históricas contribuíram para que os processos de integração se tornassem mecanismos de cooperação ou coordenação. A presença dos Estados Unidos na região também influencia na formação desses blocos, tendo em vista a sua importância comercial e política, mas também o receio de que o país utilize seu poder para impor medidas em benefício próprio. Todo este cenário contribui para a diversificação e particularidades da Ásia e das relações entre os países, adicionando a isso a crescente importância da região para o mundo, principalmente devido ao seu desenvolvimento econômico. PALAVRAS-CHAVE: Ásia; processo de integração regional; pós-Guerra Fria; Estados Unidos. ABSTRACT: This article aims to analyze the characteristics and how happened the processes of integration of the Asian Continent, especially at post Cold War, a period in which these activities grew. Therefore, it is necessary to make a historical view about the region for a better comprehension of the particularities of the Asian blocs, those product mainly of the conquer wars in the continent, which generate suspicion and resentments among neighbor countries. These historical configurations contribute for the processes of integration to become mechanisms of cooperation or coordination. The presence of United States in the region also influences in the formation of these blocs, in view of its political and commercial relevance, but also the fear that the country utilizes its power to impose measure in its own benefit. This entire scenario contributes to the diversification and particularities of Asia’s relations with other countries, adding to that the growing importance of the region to the world, especially due to its economic development. KEYWORDS Asia; processes of regional integration; post Cold War; United States. 31 Graduandas em Relações Internacionais pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB).

Page 70: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

70

Introdução O continente asiático sempre foi alvo de curiosidade por parte dos outros países do mundo. O seu isolacionismo durante grande parte da história da humanidade garantiu que ele conservasse suas particularidades históricas, causando grande impacto quando em contato com a civilização ocidental. Esta evolução histórica pode ser vista até os dias atuais, nas relações entre os países asiáticos e outros. No pós-Guerra Fria, a Ásia novamente chamou a atenção do mundo, devido ao seu rápido crescimento econômico, chegando ao ponto de especulações acerca do século XXI ser asiático. As novas configurações econômicas, as transformações sofridas na região durante os conflitos do século XX e no próprio cenário mundial, refletem no modo de fazer política asiática. No entanto, percebe-se que estes países ainda estão presos em um passado histórico conflituoso. As diversas guerras de conquista ao longo dos séculos geraram receio e suspeitas entre os Estados, o que limita suas relações a um nível muito mais superficial. Contudo, a grande dependência dos países asiáticos em relação uns aos outros e aos países ocidentais os impele a continuar em diálogo, mesmo que para apenas assuntos econômicos. Sendo assim, o objetivo principal deste artigo é analisar a complexidade da política internacional da Ásia, focando na influência dos processos de integração regional na realidade das relações internacionais da região. Para tanto, utiliza-se do método de abordagem dedutivo, a partir de uma análise histórica e da observação das configurações de poder e cada sub-região asiática. Além disso, para melhor compreensão do texto, serão abordados quatro tópicos: o primeiro diz respeito à uma revisão histórica da Ásia e os demais tópicos abordam as sub-regiões asiáticas – Ásia do Sul, Ásia Central e Ásia do Leste. 1. Background regional Segundo Vizentini (1998), durante o ciclo colonial, o qual fora estruturado em um período de cinco séculos de expansão e hegemonia europeia, a Ásia sofreu um tipo de dominação que era tanto direta quanto indireta, além de conhecer a estagnação e retrocesso nas suas diversas esferas da vida social. Assim, a China imperial é um exemplo dessa influência, pois até o século XV destacou-se em muitas áreas, sendo a nação mais avançada do mundo, entrando posteriormente, no entanto, em uma fase de isolamento e consecutivo declínio32. Apesar das barreiras desse momento da história de relação ocidental-asiática, os países asiáticos vêm sendo, há algumas décadas, reconhecidos como economias com crescimento 32 VIZENTINI, 1998, p.2.

Page 71: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

71

“milagroso” sem precedentes. Enquanto a chamada crise asiática provocou um sério atraso em 1997/1998, a maioria das economias da região parecia ser capaz de superar essa profunda crise durante esses anos. No mesmo momento em que se buscava formas de passar pela crise, o sudeste asiático voltou-se decididamente para a regionalização. Um exemplo é o surgimento da ASEAN (Association of Southeast Asian Nations), na qual tem como prioridade a integração econômica33. Os países asiáticos conseguiram manter seus padrões históricos, mesmo que tenham sido colonizados por potências ocidentais34 . Por isso de seu processo de integração ser demasiado complexo, tendo em vista ainda sua extensão territorial e grandes diferenças entre os países, já que estes constituem dinâmicas muito particulares. Para Reis (2012), na Ásia, os fóruns e organizações se fundamentavam no apoio à construção estatal, reeditando as ideias westfalianas de soberania, combinando-as com elementos próprios das condições e crenças locais35. Segundo Oliveira (2006), o imediato pós-Guerra Fria observa-se, de um lado, o ressurgimento dos conflitos regionais e de outro uma redefinição dos papeis dos principais atores regionais. Além disso, houve o surgimento de integração, mais no sentido de cooperação, a qual tinha o objetivo de encarar questões transnacionais comuns. Na perspectiva militar, Oliveira afirma que:

A Ásia compreende a maior concentração de Estados Nucleares do mundo (China, Índia, Paquistão, Rússia e provavelmente Coreia do Norte), sendo que estrutura de segurança regional, tida atualmente como uma das mais instáveis, decorre ainda de acordos bilaterais estabelecidos durante a guerra fria, não se vislumbrando qualquer cenário de descontinuidade durante a guerra fria. (OLIVEIRA, 2006, p. 83).

De acordo com Reis (2012), comparando as características do sistema interestatal asiático e dos Estados europeus nota-se significativas diferenças. Pode-se, dessa forma, relacionar três elementos: primeiramente, a guerra de independência deu-se contra a metrópole colonial, e não entre um estado e outro. Assim, o surgimento dos Estados se deu a partir do momento em que existiu um tipo de “solidariedade anticolonial”, como comprova a Conferência de Bandung em 1955. Em segundo lugar, o passado de civilização tributária dos principais estados asiáticos (Rússia, China, Índia, Turquia, entre outros) constituiu uma sólida referência de sua história, e portanto alicerce de sua identidade atual. Por fim, os processos de integração na Ásia deram-se por arranjos que visavam a segurança na região, os quais, antes de conduzir ao compartilhamento de soberania

33 LINDBERG, 2008, p.191 34 Com exceção da China, do Japão e da Tailândia 35 REIS, 2012, p.211 apud ACHARYA 2005, p. 14

Page 72: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

72

(como ocorreu na Europa, com a criação da Comunidade Europeia), paradoxalmente conduziram à efetivação da soberania nacional36. Os processos de integração na Ásia, dessa forma, são mais focados em questões de segurança, contudo nota-se o crescente interesse por cooperação econômica como também diálogos relacionados à política, apesar da existência de dissensos nas sub-regiões. Um os blocos que servem de modelo pela busca por cooperação com os vizinhos regionais é a SAARC (sigla em inglês), bloco formado na Ásia do Sul, seguinte tópico que será abordado. 2. Ásia do Sul A Ásia do Sul é constituída pela Península Indiana e especificamente pelos Estados de Bangladesh, Butão, Índia, Maldivas, Nepal, Paquistão e Sri Lanka. Nessa região, sobretudo concernente à região da Caxemira37, é caracterizada por diversos conflitos envolvendo políticas e disputas de fronteiras, além das rivalidades que surgiram em resposta aos testes nucleares a partir de 1998, que possibilitaram que o Paquistão se tornasse potência nuclear38. Segundo Tavares (2007), a Ásia do Sul é considerada a região do mundo onde existe menor grau de integração, tendo em vista os obstáculos que existem no Sul da Ásia para uma integração profunda39. Por isso a importância da SAARC, bloco que será melhor explanado posteriormente, o qual é considerado como um meio para se alcançar a paz entre as nações da região. Para Vizentini (1998), a hipótese de se estudar essa região é a de que a Ásia Oriental vive um processo de integração informal, caso diferente da União Europeia, do Mercosul e do NAFTA, os quais são baseados em acordos institucionais entre os Estados, na medida em que funda-se na cooperação comercial, produtiva e financeira gerida prioritariamente por empresas privadas40. De acordo com Oliveira (2006):

Apesar do clima de rivalidades e conflitos muito presentes na região, com a primeira reunião de cúpula dos governantes dos sete países da região, em 1985, tiveram início as atividades da Associação da Ásia do Sul para Cooperação Regional (South Asian Association for Regional Cooperation – SAARC), com o objetivo de buscar mecanismos que possibilitem a ampliação das relações comerciais e econômicas na região diante de um mundo que cada vez mais apresenta novos blocos regionais. (OLIVEIRA, 2006, p. 87).

A Associação Sul Asiática para Cooperação Regional foi proposta pelo presidente de Bangladesh, Gen Zia-ur-Rahman, em maio de 1980 e foi constituída na Conferência de Daka em 1985. A Associação abarca sete países da região, que são: Bangladesh, Butão, Índia, Maldivas, 36 REIS, 2012, p. 210. 37 Região pela qual é localizada ao norte da Índia, leste ao Paquistão e a oeste da China. 38 OLIVEIRA, 2006, p.86. 39 TAVARES, 2007, P. 59. 40 VIZENTINI, 1998.

Page 73: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

73

Nepal, Paquistão e Sri Lanka. Nesse contexto, acreditou-se amplamente que os Estados-membros da SAARC seriam fortemente beneficiados pelo desenvolvimento econômico a longo prazo. No entanto, o processo foi lento, principalmente por causa de hostilidades existente entre Índia e Paquistão (SIDDHARTHAN, 2008, p. 214). Devido a tais hostilidades, as propostas para a cooperação econômica e comercial não foram iniciadas até julho de 1991. Contudo, a Índia teve papel importante no que tange às Áreas de Livre Comércio bilaterais com os países da SAARC, o que possibilitou um crescimento tanto intra quanto extrarregional. As principais problemáticas para a integração seriam as situações políticas que envolvem Índia e Paquistão, além do contencioso no que diz respeito à Caxemira. Considera-se ainda um obstáculo os aspectos econômicos, principalmente devido ao fraco desenvolvimento interno dos países da Ásia do Sul, e ainda a questão de muitos dos países locais serem dominados pela potência da região: a Índia, a qual chega a representar 79% do PIB da Ásia do Sul (TAVARES, 2007, P. 62). Outro problema que envolve o processo de integração na Ásia do Sul é o interesse da União Europeia na cooperação da SAARC, sendo uma forma de impedimento para os países atuarem de forma independente, pois o primeiro bloco ambiciona a liberalização do comércio do segundo em função dos próprios interesses. Além disso, os países da SAARC não conseguem acompanhar as mudanças que a globalização provoca no mundo. Tudo isso gera uma problemática para os países da região, os quais não conseguem se desenvolver eficazmente, mas que não os impedem de ir em busca da perspectiva de uma melhor cooperação entre os seus vizinhos. 3. Ásia Central A sub-região denominada Ásia Central corresponde à área onde se encontram as cinco ex-repúblicas soviéticas, sendo elas o Quirguistão, Tajiquistão, Turcomenistão, Uzbequistão e Cazaquistão. Após a queda da União Soviética, estes territórios adquiriram sua independência, gerando um clima desagradável entre as mesmas e a Rússia. No entanto, as relações entre esses Estados ainda é forte, seja por conta da proximidade geográfica e cultural, seja pela desvantagem que esses novos Estados apresentam, apesar de possuírem reservas significativas de petróleo e gás natural41. Até o final do século XX, a Rússia ainda possuía a vantagem na região. Porém, o crescimento exponencial da China e o interesse dos Estados Unidos no Afeganistão e Irã, próximos à Ásia Central, representaram ameaças ao plano russo. Enquanto a Rússia e os EUA mantinham 41 FRICKENSTEIN, 2010, pag.66

Page 74: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

74

seus objetivos voltados para a segurança, a China diversificou e levou suas relações com a Ásia Central para o âmbito econômico, investindo em infraestrutura e energia, tornando-se o principal parceiro comercial de três dos cinco países da área (GENTÉ, 2014). Na Ásia Central destaca-se a formação da Cooperação de Shanghai, organização formada por China, Rússia, Cazaquistão, Quirguistão, Tajiquistão e Uzbequistão, e contando também com Mongólia, Irã, Paquistão e Índia como observadores. Este grupo traz números impressionantes para a organização: contando com os observadores, representa metade da população mundial; quatro nações nucleares, caminhando para cinco (Irã); 3/5 do território da Eurásia; consideráveis exportadores e importadores de armas e energia, contando também com alguns dos maiores e mais bem preparados exércitos do mundo42. Criado em 1996, o grupo era conhecido como “Shanghai Five”, e havia sido criado para diminuir as tensões nas fronteiras entre os países participantes (China, Rússia, Cazaquistão, Quirguistão e Tajiquistão) através do chamado “Shanghai Five mechanism”: reforçar o relacionamento entre os vizinhos através da confiança mútua, amizade e cooperação. Em 2001, agora com a presença do Uzbequistão, os países assinaram uma declaração para estabelecimento oficial da Organização de Cooperação de Shanghai, acrescentando aos seus objetivos a luta contra o terrorismo, separatismo e extremismo43. A Organização, por fim, tornou-se palco para as disputas de poder entre China, Rússia e Estados Unidos. A China pode ser considerada o pilar de sustentação do grupo, e seus interesses se estendem ao campo econômico, principalmente o uso do petróleo e gás da região, e também de segurança, como forma de conter as forças rebeldes nas regiões de Xinjiang, Tibete e Mongólia (HAAS, 2007, pag. 32). A Rússia também possui interesses estratégicos, como o comércio de armas, e divide com a China a intenção de utilizar o grupo para afastar a influência estadunidense na região (HAAS, 2007, pag. 41). A presença dos Estados Unidos no Afeganistão já foi expressa com descontentamento pela Organização de Shanghai. O interesse do Estado americano na região próxima, no combate ao terrorismo e, é claro, nos recursos naturais, representa a maior ameaça aos países da Ásia Central. As tensões se estendem também para o campo militar, com o receio de que as forças da Cooperação de Shanghai possam superar as forças da OTAN44. 4. Ásia do Leste 42 HAAS, 2007, pp. 5,6 43 Idem, pp.7,8 44 GERMANOVICH, 2008, pag. 20

Page 75: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

75

Usualmente, separa-se o leste asiático em sudeste e nordeste, ou extremo leste, isto por conta das grandes disparidades entre os Estados que formam esta região, um total de dezenove países45. No entanto, o processo histórico de formação de cada uma delas contribui para que as relações continuem, sejam elas harmônicas ou não. A herança histórica garante um processo não de integração per se, mas sim de cooperação. Observando a movimentação mundial em torno de criação de blocos regionais, o leste asiático tentou a mesma abordagem, com a primeira proposta partindo de um professor japonês em 1965, para criação da Área de Livre Comércio da Ásia Pacífico. A presença de países como Estados Unidos, Canadá, Austrália e Nova Zelândia desinteressou os países do sudeste asiático pela proposta. Percebia-se neste momento a necessidade de focar-se mais na cooperação, especialmente no âmbito econômico, criando-se logo após a Pacific Trade and Development Conference (PAFTAD), a Pacific Basin Economic Council (PBEC) e a Pacific Economic Cooperation Conference (PECC). A Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN – sigla em inglês) surgiu em 1967 por meio da declaração assinada por cinco países da sub-região: Indonésia, Malásia, Filipinas, Singapura e Tailândia, com o intuito de abordar questões relacionadas à segurança e à política. No entanto, ao longo dos anos, a integração dos países da Asean se intensificou com a adesão de novos países, facilitando discussões acerca de diversos temas, como a criação de uma zona de livre comércio, maior cooperação entre os países-membros, tanto em questões econômicas ou socioculturais (ASEAN official website). Atualmente a ASEAN é considerada como estando no centro de ‘hotspots’46 de segurança ou tensões internacionais, como a disputa do Mar do Sul da China. Apesar de alguns Estados-membros da ASEAN estarem envolvidos nessa disputa, o bloco tem feito esforços notáveis na tentativa de pacificar região, buscando estabelecer um código regional de conduta. Não obstante, há um crescimento de turbulência política no leste asiático, e o papel da ASEAN nessa questão tem crescido significativamente ao longo da última década. Dessa forma, o grupo facilita o diálogo entre as grandes potências (China, Índia, Japão e EUA) a partir do momento em que se utiliza de uma política na qual todos os atores têm voz igual, e nenhum dos países são apontados ou excluídos. A partir dos fóruns de cooperação econômica iniciados anteriormente, foi possível a criação da Cooperação Econômica da Ásia Pacífico, a APEC. Atualmente configurando-se como maior bloco de cooperação econômica regional do mundo, a ideia surgiu em 1989, e contava apenas com 45 República Popular da China, Japão, Coreia do Norte, Coreia do Sul, Hong Kong, Taiwan, Macau, Mongólia, Filipinas, Indonésia, Tailândia, Malásia, Singapura, Vietnã, Myanmar, Brunei, Camboja, Laos e Timor Leste. 46 Tradução literal: ponto de acesso. Um local de grande potencial para conflitos ou insegurança.

Page 76: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

76

12 membros originais. Hoje, este número já chega a 21, sendo composto por Estados da Ásia, Oceania e América. Da APEC, esperava-se o funcionamento de um fórum negociador econômico, o qual, contando com a participação de países como China, Estados Unidos e Japão, também deveria apaziguar as tensões entre eles. Para a China, o plano é alcançar maior projeção mundial e regional; quanto ao Japão, acredita-se que a APEC será uma ferramenta para sua restauração como líder regional; e para os Estados Unidos, esta é uma oportunidade de reestabelecer sua influência no leste asiático, ameaçada pela presença de potências como China e Rússia (OLIVEIRA, 2002, pag. 6-7). A partir de 1993, levanta-se a ideia de transformar a APEC em uma área de livre comércio e investimentos. No entanto, os Estados Unidos encabeçavam este projeto, sendo eles os maiores beneficiados caso a APEC se tornasse uma zona de livre comércio. Contra a proposta estavam todos os membros asiáticos, com Japão como maior oposicionista. Dessa forma, a proposta terminou por ser derrubada na reunião de 1995 em Osaka (OLIVEIRA, 2002, pag. 8-9). Ao final do século XX, a crise asiática demonstrou a fragilidade e interdependência das nações asiáticas. Foi necessário repensar os processos de cooperação, focando na participação apenas de países da região, e não mais países ocidentais. A formação da ASEAN +3, as novas propostas de uma zona de livre comércio asiática, sem a presença dos Estados Unidos, todos estes atos demonstram a tendência para maior cooperação. Infelizmente, estas propostas ainda esbarram nos ressentimentos históricos, o que restringem as discussões apenas ao nível econômico47. Conclusão Pode-se concluir que a integração na Ásia é privilegiada no sentido de que consegue influenciar a construção de uma Nova Ordem Mundial, ao ponto de considerar-se este novo século como sendo asiático. Embora ainda existam ressentimentos de contenciosos passados entre os países da Ásia, os Estados conseguem ultrapassá-los e desenvolver processos de integração que diferem em certos aspectos do padrão ocidental e neoliberal. Mais do que isso, a presença da China na integração da Ásia representa um fenômeno estratégico devido às dimensões do país e ao fato dele possuir uma importante margem de autonomia dentro do sistema mundial. Assim, estabelecendo como prioridade o interesse pelo desenvolvimento, os países asiáticos optam por uma maior cooperação, pelo menos em âmbito econômico, cessando em partes as hostilidades e desconfianças uns com os outros. Deve-se às configurações históricas peculiares do continente asiático a construção de processos de integração prioritariamente de cooperação ou 47 OLIVEIRA, 2002, pp. 14-16

Page 77: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

77

coordenação, sem o real desejo de uma conexão profunda, principalmente em respeito às questões políticas entre os países asiáticos. Dessa forma, observou-se que o pós-Guerra Fria foi de suma importância quando se pensa em processos de integração e cooperação, por conta da movimentação mundial por maior proximidade entre Estados vizinhos, não sendo a Ásia uma exceção. Interessante notar também o fortalecimento dos blocos asiáticos internamente. Em muitos casos, os Estados Unidos e outros países ocidentais possuem o anseio de não só participar desses grupos, como também de opinar dentro dos mesmos, mas esbarram muitas vezes nos mecanismos de tomada de decisões formuladas pelos países asiáticos, assim como no seu próprio desejo de crescer sem a dependência do Ocidente. Uma total exclusão dos países ocidentais nos blocos asiáticos não é viável, mas uma neutralização de sua influência e sobrepujança das potências do Oriente é desejável e possível. Referências ASEAN official website. Disponível em: <www.asean.org>. Acesso em 27 de junho de 2015 ASIAN DEVELOPMENT BANK INSTITUTE. ASEAN 2030: Toward a Borderless Economic Community. 2014. FRICKENSTEIN, Ten-Cel Scott G. O ressurgimento do Interesse da Rússia na Ásia Central. Air and Space Power Journal, v. 24, n. 1. mar. 2010. pp. 65-73. GENTÉ, Régis. Jogos de influência em uma Ásia Central desunida. Le Monde Diplomatique Brasil. 01 de dezembro de 2014. Disponível em: < http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=1778> Acesso em 01 jul. 2015. GERMANOVICH, Gene. The Shanghai Cooperation Organization: a threat to American interests in Central Asia? China and Eurasia Forum Quarterly. v. 6, n. 1, 2008. pp. 19-38. HAAS, Marcel de. The Shanghai Cooperation Organization: towards a full-grown security alliance? Netherlands Institute of International Relations. Clingendael. Nov. 2007. KHANDEKA, Gauri. EU-ASEAN Relations: Time for a strategic partnership. Pp. 4-15 S.a.. Disponível em:< http://fride.org/descarga/Mapping_EU_ASEAN_Relations.pdf> Acesso em 02 de jul. de 2015. LINDBERG, Lena. A evolução da integração na ASEAN: aprofundamento e ampliação. In.: Processos de Integração Regional e cooperação internacional desde 1989. Porto Alegre Editora, 1ª ed. Rio Grande do Sul, 2008. OLIVEIRA, Henrique Altemani. A Ásia na Atual Conjuntura Mundial. In.: LESSA, Antônio Carlos; OLIVEIRA, Henrique Altemani. Política Internacional Contemporânea: mundo em transformação. Saraiva Editora, 2006, pp.83-99.

Page 78: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

78

OLIVEIRA, Henrique Altemani. Japão como país normal e ator internacional? In: SEMINÁRIO SOBRE O JAPÃO. Rio de Janeiro, 7 e 8 de dezembro de 2000. _____. Processos de cooperação e integração na Ásia-Pacífico. Revista Cena Internacional, v. 4, n.1, jul. 2002. pp 2-22. REIS, João Arthur da Silva. Asean Way: O Conteúdo ético da Integração Asiática. In: SEMINÁRIO BRASILEIRO DE ESTUDOS ESTRATÉGICOS INTERNACIONAIS SEBREEI. Porto Alegre/RS, Brasil, junho de 2012. SIDDHARTHAN, N.S. “SAARC e a Comunidade Econômica Asiática: problemas e perspectivas”. In.: WIESENBRON, Marianne; GRIFFITHS, Richard (Org.). Processos de Integração Regional e cooperação internacional desde 1989. Porto Alegre Editora, 1ª ed. Rio Grande do Sul, 2008. TAVARES, Rodrigo. Integração regional na Ásia do Sul obstáculos e oportunidades. Relações Internacionais, v. 15, setembro 2007. pp. 059-072. VIZENTINI, Paulo G. Fagundes. Tensões e desafios da cooperação regional na Ásia Oriental. In.: Paper apresentado ao Grupo de Trabalho em Relações Internacionais na ANPOCS, Outubro de 1998. pp. 1-22.

Page 79: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

79

AS RELAÇÕES SINO-SUDANESAS E SUA INTENSIFICAÇÃO A PARTIR DA DÉCADA DE 1990

André Wiltgen Domingues Machado Nogueira (PUC-Rio)

Maiara Folly (PUC-Rio)

Orientação: Adriana Erthal Abnedur

RESUMO: O presente artigo propõe uma análise das relações sino-sudanesas ao longo da história. Em um primeiro momento, abordaremos o histórico da política externa chinesa, exibindo sua formulação e a adoção, a partir dos anos 90, da retórica de ascensão pacífica. Evidenciaremos que o sustento desta retórica e a promoção do desenvolvimento econômico e tecnológico chinês depende de uma série de reformas, incluindo a formulação de uma política de diversificação de fornecedores de petróleo. Nesse contexto, abordaremos aproximação com o Sudão, que se vê interessante e conveniente para a China. Argumentamos que “a adoção da retórica de ascensão pacífica na década de 90 pela China, tendo como componente diminuir a sua dependência energética através da diversificação de fornecedores, intensificou as relações sino-sudanesas, principalmente através da indústria petrolífera PALAVRAS-CHAVE Sudão, China, petróleo, ascensão pacífica

ABSTRACT: In this paper, we analyze Sino-Sudanese relations throughout history. First, we offer a historical approach on Chinese foreign policy, from its formulation until the adoption of the peaceful rise rhetoric in the 90’s. Next, we underline that the maintenance of such rhetoric depends on a number of reforms, including the formulation of a policy aimed at diversifying oil suppliers. In this context, China’s rapprochement to Sudan will be illustrated, since it seems both convenient and beneficial to China. We argue that China’s adoption of the peaceful rise rhetoric in the 90’s -- having as one of its components the reduction of China’s energetic dependency by diversifying oil suppliers— contributed to intensify Sino-Sudanese relations, mainly through the oil industry. Keywords: China, Sudan, oil, peaceful rise

Page 80: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

80

Introdução e Metodologia Esse artigo tem como objetivo analisar o impacto da adoção da retórica de ascensão pacífica chinesa e, consequentemente, a política de diversificação de importação de petróleo por parte da China durante a década de 90, além das relações desse mesmo país com o Sudão. A China, a partir da década de 90, passa a ter um papel cada vez mais importante no sistema internacional, tornando-se o principal parceiro comercial de diversos países. O Sudão se insere neste contexto, pois foi um dos países que mais se beneficiou do fortalecimento da China em termos geopolíticos e econômicos. Analisaremos ao longo deste trabalho, de forma geral, as relações sino-sudanesas desde seu início, demonstrando que apesar de já serem constantes até a década de 90, a partir desta data, houve um fortalecimento significativo. Assim sendo, será possível observar através deste estudo, a forma na qual a China buscou intensificar seus laços com o Sudão – um país de amizade tradicional; sobretudo no âmbito econômico, uma vez que essa passou a articular uma política externa mais ávida, no intuito de se consolidar como grande potência, ou até mesmo como a potência hegemônica. O tema é relevante para a área das Relações Internacionais, na medida em que possibilita compreender melhor a adoção de uma política externa chinesa mais ambiciosa na década de 90 e suas consequências práticas no relacionamento com o Sudão. Ikenberry (2008), em um de seus artigos sobre China, discorre sobre a ascensão chinesa nos dias de hoje, acredita que vivemos em um período de transição da hegemonia americana para a chinesa. O autor argumenta que tal transição não se dará da maneira tradicional, ou seja, uma guerra hegemônica, mas sim através do fortalecimento geopolítico e econômico chinês dentro da ordem internacional já existente. Bijan (2005) também articula sobre a ascensão chinesa nos dias de hoje, contudo, diferentemente de Ikenberry, argumenta que a China não visa se consolidar como ator hegemônico, seu objetivo seria atingir um posicionamento melhor e de primazia justo com as potências já consolidadas na ordem internacional vigente. Este artigo endossará o ponto de vista de Bijan, pautado na crença de que a retórica de ascensão pacífica busca manter a ordem internacional já estabelecida, melhorando somente o posicionamento chinês na mesma. Em termos da atuação chinesa na África, Alden (2007) profere acerca dos diferentes pontos de vista existentes sobre a inserção da China em diversos países do continente africano. Uma das visões existentes enxerga a China e os países africanos como competidores econômicos; há também quem analise a atuação chinesa como um tipo de neoimperialismo - por último, há quem interprete a China como uma parceira dos países africanos, constituindo-se uma auxiliadora no desenvolvimento dos mesmos. Concordamos com a terceira visão apresentada por Alden, e

Page 81: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

81

defendida também pelo autor Li Anshan, que é firme ao expor a importância da parceria econômica entre a África e a China, que se consolida como uma das maiores, se não a maior investidora no desenvolvimento do continente. O artigo visa assim, articular o ponto de vista de Bijan com o de Alden e Anshan, à luz da corrente teórica do realismo neoclássico, na tentativa de traçar uma correlação entre a adoção da política de ascensão pacífica com a intensificação do relacionamento da China com a África, tendo escolhido o Sudão como estudo de caso para evidenciar essa proposta. Deste modo, a questão que este artigo busca responder é: que motivos levaram a China a intensificar sua presença no Sudão a partir da década de 90, principalmente na indústria petrolífera do país? O objetivo aqui é responder a pergunta acima através de uma análise do contexto doméstico e internacional da década de 90 a partir da ótica chinesa. Assim sendo, testaremos a hipótese de que a adoção da retórica de ascensão pacífica na década de 90 pela China, tendo como componente diminuir a sua dependência energética através da diversificação de fornecedores, intensificou as relações sino-sudanesas, principalmente através da indústria petrolífera. Para testar esta hipótese utilizaremos a corrente teórica do realismo neoclássico como marco teórico, exemplificado por Gideon Rose (1998) para explicar a formulação da política externa chinesa e como isto afeta a sua atuação no âmbito internacional. Essa corrente teórica foi escolhida devido ao fato dela partir do pressuposto de que a interpretação dos incentivos sistêmicos (dinâmica de poder do sistema internacional) por parte dos fatores domésticos (coalizão política no poder e as dimensões institucionais doméstica do Estado em questão) é o que permite a formulação de fato da política externa de um Estado. A hipótese deste trabalho tem como variável independente a adoção da retórica de ascensão pacífica na década de 90 pela China, e como esta mudança afeta a variável dependente, as relações sino-sudanesas, tendo como variável interveniente a busca por parte da China de diversificar seus de fornecedores de petróleo. Em termos metodológicos, o método utilizado é uma pesquisa qualitativa, tendo como meios de pesquisa fontes bibliográficas e documentais tanto em termos de informação primária, quanto secundária. Dado a inserção de fatores domésticos no trabalho, como a política externa da China, este artigo adota um nível de análise sistêmico, quanto subsistêmico, podendo ser classificada assim como uma análise teórica (os motivos para a intensificação das relações sino-sudanesas). As relações sino-sudanesas, apesar de constantes desde seu estabelecimento, se intensificaram ao longo da década de 90, sendo o término da Guerra Fria o recorte temporal utilizado neste artigo (contudo, uma análise histórica tanto da política externa chinesa quanto das

Page 82: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

82

relações sino-sudanesas será apresentada com o intuito de embasar a hipótese escolhida). Desta forma, o recorte temático é as relações sino-sudanesas, e, portanto o recorte espacial é a China e o Sudão. Este trabalho será dividido em duas seções: a primeira parte buscará traçar o histórico da política externa chinesa, com foco em demonstrar as mudanças ocorridas durante a década de 90. E por fim, a última sessão discorrerá sobre as relações sino-sudanesas, sendo dividida em três subseções: suas raízes, seu desdobramento e sua intensificação. 1. Histórico da Política Externa Chinesa: sua formulação, a política de ascensão pacífica e de diversificação de petróleo Desde a sua formação em 1949, a China48 apresentou um posicionamento externo muito volátil, ora aliado da URSS, ora do lado americano: sendo isso um feito realizado por poucos dentro do rígido sistema de alianças da Guerra Fria. O alinhamento sino-soviético se rompeu em 1964 por diversos motivos, dentre eles: a promessa não cumprida por parte da URSS de fornecimento de protótipos nucleares para a China, a divergência entre o comunismo soviético (Leninismo) e o chinês (Maoísmo) e por último o fortalecimento da China, que passou a buscar novas esferas de influência49, contestando a URSS. A partir da quebra de aliança com a URSS, a China buscou a se aproximar dos EUA, um alinhamento desejado e benéfico para ambos. Pelo lado americano, seu maior objetivo era colocar a China sob sua esfera de influência, implicando na perda de um aliado de peso da URSS, mas também tinha interesses econômicos e comercias com o país. A China buscava primeiramente se desprender da URSS, permitindo-lhe ter uma maior liberdade na esfera internacional, contudo, seu maior objetivo era obter o reconhecimento americano, que na época reconhecia Taiwan como o legítimo governo chinês. O sucesso da mudança de lados por parte da China na Guerra Fria é marcado pela visita do então Presidente americano Richard Nixon à China em 1971, a chamada Diplomacia do Ping-Pong, onde por intermédio de Henry Kissinger (secretário de política externa durante governo Nixon) e Zhou Enlai, as seleções de tênis de mesa americana e chinesa se enfrentaram em um jogo amistoso, dando pretexto para reativação das relações diplomáticas (Ross, p. 265-299, 1989). Desta forma, a década de 80 é marcada por uma nova alteração na política externa chinesa, que adota uma posição cada vez mais autônoma, demonstrando buscar uma posição “neutra” dentro do contexto da Guerra Fria e dando grande ênfase ao pragmatismo e à flexibilidade de forma geral. Uma divergência de interesses da China e EUA, iniciado por complicações acerca de Taiwan, 48 Neste artigo, ao dizer “China”, estaremos nos referindo à República Popular da China. 49 A África, por exemplo, que será ilustrado no capítulo seguinte através do “safári de Zhou Enlai.

Page 83: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

83

culminou num esfriamento das relações entre os dois países. Ao mesmo tempo, a China buscou reativar seus vínculos com o bloco soviético e os demais países de ideologia comunistas, no início, principalmente através do intercambio cultural e cooperação técnica, contudo, o fez de forma cautelosa, reafirmando sua posição de neutralidade e independência. Houve também, uma busca por uma melhora de relacionamento com seus vizinhos problemáticos, dentre eles o Japão, o Vietnã e a Índia, além de reafirmar seu apoio aos países tradicionalmente amigos, como a Romênia, o Paquistão e a Coreia do Norte. Em termos econômicos, desde que Deng Xiaoping assumiu a liderança da China em 1978, o desenvolvimento econômico foi colocado em foco, desta vez, de uma forma mais estruturada e organizada se comparada com o plano de Mao Zedong, o “Grande Salto Adiante”. (Hamrin, p. 209-231, 1983). O término da Guerra Fria no início da década de 90, marca a adoção e intensificação da retórica chinesa de ascensão pacífica em sua política externa, pois seus líderes políticos, com destaque de Jiang Zemim (que assumirá a liderança do país em 1992), deslumbravam amplas oportunidades para a China no mundo pós-bipolar. A política de ascensão pacífica consiste em tornar a China uma grande potência através do seu desenvolvimento econômico e tecnológico, sem a utilização de meios militares. Jiang Zemim, o líder da China durante 1992 até 2003, pertence a uma geração mais cosmopolita, fazendo com o que a China passasse a intensificar as reformas econômicas iniciadas por Deng Xiaoping, e endossasse uma postura de abertura comercial e integração global mais agressiva. Todavia, apesar de que durante a década de 90, a China tenha dado maior importância ao internacional, o doméstico ainda continuou a ser seu foco. A busca por uma melhor posição no sistema internacional deriva dos objetivos estipulados para 2050 de que a China seja autossuficiente em termos de recursos, economicamente ativa, próspera e com uma sociedade estável e igual. A China aposta que o caminho para isso seja o desenvolvimento econômico amplo e irrestrito do país e sua abertura para o mundo globalizado; contudo, se depara com três grandes problemas. O primeiro advém de seus recursos limitados, que não são bastante para sustentar de maneira autossuficiente a produção chinesa, fazendo com o que a China se torne refém das importações, inclusive de matrizes energéticas como o petróleo. O segundo problema é que seu crescimento econômico vem se dando de maneira insustentável ao longo prazo, pois produz poluição e lixo de forma excessiva, inibindo o crescimento sustentável do país. Por último, a disparidade de crescimento entre o PIB econômico e o PIB per capta, demonstrando uma grande discrepância entre o desenvolvimento econômico e o social.

Page 84: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

84

A China busca solucionar tais problemas através da estipulação de três estratégias, que juntas consolidam o plano de ascensão pacífica chinesa. A primeira é modernização do modelo arcaico de industrialização, baseado na produção em massa, no alto consumo de energia e produção de poluição, em um mais moderno, tendo como base uma indústria tecnologicamente avançada, economicamente eficiente, com baixo consumo de recursos naturais (proporcional ao tamanho da China) e com um alto grau de sustentabilidade. Para atingir tais objetivos, a China vem investindo massivamente na produção de tecnologia e na modernização de suas indústrias, além de tentar reverter sua situação de importadora de matrizes energéticas, buscando ser autossuficiente neste quesito. A segunda parte da sua grande estratégia refere-se ao âmbito político, no qual a China buscará se consolidar como potência, mas de uma maneira pacífica, transcendendo diferenças ideológicas com todos os países, em prol do desenvolvimento, cooperação e por último a perpetuação de uma paz longínqua. E a última diz respeito ao plano doméstico, em termos sociais, buscando construir uma sociedade socialista estável e harmoniosa, sem que seja necessária a utilização de meios de controle da mesma. O plano de ascensão pacífica da China é esperado que seja concretizado até 2050, caso todas as estratégias supracitadas tenham êxito (Bijan, p. 18-24, 2005). Dado o interesse de análise deste estudo, que busca compreender a intensificação das relações sino-sudanesas, resultado de um fortalecimento da interação econômica entre os dois países, focaremos principalmente na primeira grande estratégia da China, em seu plano de ascensão pacífica. Como demonstrado, a primeira grande estratégia visa modernizar a matriz industrial chinesa de forma generalizada, sendo um dos requisitos para tal, a redução do consumo de recursos naturais e a autossuficiência, principalmente em termos energéticos. Para melhor ilustrar esse ponto, ofereceremos a seguir um breve panorama histórico que apontará algumas das medidas tomadas pela China para alcançar tal pretensão. Especialmente após a crise do petróleo de 1973, o mundo passou a concentrar maior atenção na questão energética. Desde tal evento, pôde-se observar uma progressiva mobilização dos países para tentar evitar que ficassem submissos aos detentores de recursos energéticos. No entanto, à época de tal ocasião, a diversificação das matrizes energéticas não era uma preocupação da China, uma vez que seu crescimento econômico era baixo, bem como sua demanda por energia. Contudo, tal quadro começou a ser alterado a partir de 1990, quando observou-se o início de um período de prosperidade econômica, aliado a uma grande expansão da classe média e a um processo de urbanização da sociedade chinesa. Diante desse cenário, e tendo em mente a tendência de um alto grau de consumo energético, o

Page 85: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

85

governo chinês passou a tomar uma série de medidas que pudessem garantir tal ascensão de uma maneira mais segura, isto é, visando paralelamente reduzir a vulnerabilidade do país no que diz respeito à energia. Um dos caminhos utilizados para atingir esse objetivo, conforme mencionado anteriormente, foi o incentivo à modernização da matriz industrial chinesa e um forte investimento em projetos de infraestrutura. Aliado a isso, percebeu-se então, uma necessidade de criação de um aparato com certo grau de formalidade que pudesse auxiliar o processo de implementação de políticas no setor. Desde 1949, já havia uma tentativa de estruturação de uma burocracia energética chinesa. O resultado disso, conforme argumenta Downs (2006), foi a produção de uma série de instituições carecidas de autoridade, autonomia e recursos para lidar com o problema. Em março de 2008, a crescente preocupação com a redução da dependência energética chinesa ficou ainda mais clara, e, por fim, houve o estabelecimento de uma instituição à nível nacional para tratar da questão, a denominada National Energy Administration (NEA), que tem a proposta de manejar as indústrias energéticas do país, elaborar planos e políticas, negociar com agências internacionais de energia e aprovar investimento externo no ramo. Bem como as instituições criadas anteriormente a NEA têm suas limitações, mas ainda assim, através dela o governo chinês conseguiu estabelecer uma maior coordenação de decisões na âmbito interno no que diz respeito à implementação de políticas que contribuíssem para o fortalecimento da matriz energética chinesa. Após havermos apresentado um panorama das políticas de segurança energéticas da China de uma forma geral, pretendemos analisar mais a fundo e especificamente as atitudes tomadas pelo país com relação ao petróleo. A China até 1993 era exportadora de petróleo, contudo, a partir dessa data, dado a crescimento econômico extremamente acelerado (média de 9% do PIB/ano), o país passou a demandar cada vez mais petróleo, chegando à situação crítica em 2009, quando 55% do consumo do mesmo provinha de importações, tornando-se assim o segundo maior importador desta commodity do mundo, atrás somente dos Estados Unidos. Contudo, estimativas alegam que até 2020, caso a China mantenha o ritmo de importação, é provável que essa venha a passar os EUA, tornando-se o maior importador de petróleo do mundo. A dependência chinesa em termos de petróleo significa uma grande vulnerabilidade do país, algo que pode a vir complicar seu plano de ascensão pacífica. Desde a metade da década de 90, com o intuito de reduzir a sua vulnerabilidade, a China viu tal dificuldade como uma oportunidade para expandir suas empresas petrolíferas, financiando-as em grande escala para que elas pudessem se projetar internacionalmente e assim passarem a desempenhar um papel de maior importância na indústria petrolífera mundial. Uma das políticas chinesas para mitigar essa dependência de petróleo externo é justamente buscar variar as

Page 86: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

86

importações, ou seja, adquirir tal commodity de diversos países ao redor do globo para não tornar-se refém de um determinado país (Dannreuther, 2011). Segundo as estatísticas da Organização Mundial do Comércio, a China gastou em 2010, 18,8 bilhões de dólares na compra de petróleo, contra o 1,2 bilhão de dólares que eram gastos em 1990. A dependência chinesa do petróleo externo é clara, contudo a China vem conseguindo administrar tal dependência de forma eficaz, ampliando o número dos países cujos quais ela importa petróleo. Dados de 2010 indicam que a Arábia Saudita lidera a classificação de maior exportador de petróleo para China, representando 13% de todo petróleo importado pelo país. Em segundo vem a Angola, com 12%, seguida pelo Irã com 6%. O Sudão ocupa a nona posição, representando 3,5% do petróleo importado para a China. Os 10 maiores exportadores de petróleo para a China representam menos de dois terços do total (cerca de 64%), demonstrando a efetivação da política de diversificação de fornecedores do mesmo. Os outros 36% são distribuídos entre diversos países ao redor do mundo, principalmente na África e Ásia. Desta forma, a China consegue mitigar sua dependência e vulnerabilidade, pois tem uma ampla gama de fornecedores de petróleo para recorrer caso um país venha a apresentar problemas e dificuldades, ou empecilhos50 . 2. As Relações Sino-Sudanês: suas raízes, seu desdobramento e sua intensificação 2.1. Suas raízes e oficialização O estabelecimento oficial das relações diplomáticas entre a República Popular da China e a República do Sudão51 se deu no dia 4 de Fevereiro de 1959. Entretanto, historiadores e arqueólogos alegam que o início do contato entre os povos das duas nações supracitadas datam por volta do ano 450, quando uma delegação núbia, ancestral dos sudaneses, foi dita ter visitado a China. Desde então, acredita-se que, apesar de esporadicamente, os chineses e os sudaneses mantiveram-se em contato constantemente, principalmente por meio do comércio. Durante o século 19, a China e o Sudão compartilharam o mesmo destino, a dominação europeia, em particular a britânica52. Apesar de ambos terem sido explorados pelo imperialismo europeu, as relações sino-sudanesas se intensificaram nesse período, por intermédio do Reino Unido, que promoveu uma aproximação comercial e econômica entre suas duas colônias de maneira indireta. O porto de Suaquém, localizado na costa sudanesa do Mar Vermelho, tornou-se novamente um polo econômico importante, servindo como ponto de reabastecimento estratégico para os navios 50 Disponível em: http://www.wto.org/english/res_e/statis_e/its2011_e/its2011_e.pdf 51 Com fins analíticos, ao mencionar “Sudão”, estaremos nos referindo tanto a República do Sudão quanto a República do Sudão do Sul, que após um referendo popular, se dividiram em julho de 2011. 52 Diferentemente do Sudão, a China não foi dominada somente pelos britânicos durante do século 19, outras nações europeias compartilharam com o Reino Unido o controle dos portos chineses. Para informação acerca do tema, consultar o livro East Asia: Tradition and Transformatio de J. Fairbank (1976, p. 558 – 596).

Page 87: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

87

que faziam a rota entre a Europa e o Oriente passando pelo Canal de Suez. As interações entre a China e o Sudão ao longo do século XIX e a primeira metade do século XX, apesar de terem aumentado, continuaram relativamente periféricas e pouco substanciais para a balança comercial de ambas as regiões. Após a vitória do Partido Comunista e a formação da República Popular da China em outubro de 1949, o líder do país, Mao Tse-Tung, foi incumbido de uma tarefa extremamente complicada: reestruturar socialmente, economicamente e politicamente um país de dimensões continentais e demograficamente denso, destruído por uma longa guerra civil, sob as premissas do comunismo. Dado as dificuldades encontradas, o foco da política de Mao era o âmbito doméstico, deixando o internacional de certa forma em segundo plano (NAUGHTON, 2007, p. 55-84). Contudo, graças ao vanguardismo de Zhou Enlai, o Primeiro-Ministro chinês ao longo do governo Mao, a China começou a projetar-se gradativamente no exterior a partir da década de 50. Zhou Enlai, dotado de um brilhantismo diplomático, sabia que era de suma importância para o seu país manter relações diplomáticas ativas com demais países do mundo, principalmente aqueles que compartilhavam interesses e objetivos com a China. Assim sendo, Mao Tse-Tung e o Partido Comunista concederam ampla liberdade de ação a Zhou para que ele formulasse e articulasse os interesses chineses no exterior, todavia, a decisão final ainda continuava nas mãos de Mao. A política externa definida por Zhou era pautada amplamente na defesa do “não alinhamento” chinês dentro da lógica bipolar da Guerra Fria, buscando certa independência diante das duas grandes potências. Desta forma, Zhou Enlai adotou um pragmatismo no qual ele buscava apoio de outros países que também defendiam o não alinhamento. A Conferência de Bandung (1955) e as várias visitas oficiais feitas por Zhou a países asiáticos, africanos53 e até mesmo do leste europeu, demonstram o comprometimento do Primeiro-Ministro chinês na busca de novos aliados para China sob as premissas da política de não alinhamento. A Conferência de Bandung, de 1955, foi o primeiro esforço de aproximação dos países africanos e asiáticos, onde mais de 15 nações desses dois continentes participaram, inclusive a China e o Sudão. Os “Cinco Princípios de Coexistência” 54 , definidos por Zhou Enlai, foram defendidos pela primeira vez em Bandung, e a partir deste momento, tornaram-se os pilares básicos que guiariam a política externa chinesa feita por Zhou. Os cinco princípios ilustram claramente a 53 Disponível em: http://www.fmprc.gov.cn/eng/ziliao/3602/3604/t18001.htm 54 Os 5 princípios são: 1 – respeito mútuo pela integridade territorial e soberania; 2 – não agressão mútua; 3- não intervenção mútua nos assuntos domésticos de cada país; 4 – igualdade e beneficiamento mútuo; 5 – coexistência pacífica.

Page 88: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

88

busca por um posicionamento não alinhado da China e foram amplamente acolhidos pelos demais países da conferência. A Conferência de Bandung foi um marco decisivo na formulação da política externa chinesa por dois motivos: primeiramente, foi o embrião do movimento dos não alinhados que foi consolidado em 1961 em Belgrado, e segundo, por marcar o início das relações chinesas com os demais países africanos, e para o interesse desta análise, um prelúdio da oficialização das relações sino-sudanesas (Pang Yang, 2009). W. A. C. Adie, em seu artigo “The China Quarterly”, descreve o “Safári” feito por Zhou Enlai em 1963-1964, alegando que o primeiro-ministro visitou diversos países do continente africano55 com o intuito de fortalecer as recém-estabelecidas56 relações das nações africanas com a China. Adie alega que Zhou visitou os países africanos portando duas imagens: a revolucionária e a diplomática. Do lado revolucionário, tendo em mente o contexto do rompimento oficial do alinhamento sino-soviético, a China identificou os países africanos potenciais receptores do Maoísmo, dando uma alternativa ao modelo soviético leninista. Sendo assim, em seus discursos oficiais, Zhou constantemente afirmava a necessidade dos países africanos de se libertarem, tanto do neoimperialismo praticado pelos EUA e por outros países europeus, quanto da dominação soviética, adotando assim política do não alinhamento. Enquanto no âmbito diplomático, Zhou tinha como objetivo estabelecer relações diplomáticas fortes e estáveis para que futuras negociações tanto no âmbito governamental, quanto no extra-governamental (principalmente empresas), pudessem ocorrer com mais facilidade e fluidez. Zhou Enlai alcançou seus objetivos através da utilização da retórica de que a China e a África compartilham a mesma história de dominação estrangeira e que naquele momento precisavam se unir para enfrentar as novas ameaças de dominação. Com relação à visita oficial feita por Zhou Enlai especificamente ao Sudão, Adie alega que Zhou nas discussões com o Presidente Abboud utilizou-se muito do argumento de que ambos os países compartilham de uma amizade tradicional, tendo mantido vínculos e trocas constantes há séculos. O comércio entre os dois países já apresentava em 1964 números positivos, tendo a China como um dos maiores importadores do algodão sudanês. Adie afirma que tais negociações tiveram poucos frutos em comparação ao sucesso de Zhou ao visitar os demais países africanos, todavia, acreditamos que em termos absolutos, o encontro teve sim resultados positivos, pois Zhou deixou o Sudão com a garantia do apoio sudanês para a entrada da China no Conselho de Segurança da

55 Dentre os países africanos visitados por Zhou Enlai estavam: a República Árabe Unida (hoje em dia Egito e Síria), Argélia, Marrocos, Tunísia, Gana, Mali, Guiné, Sudão, Etiópia e Somália. 56 As relações diplomáticas da China e os países africanos visitados por Zhou Enlai foram todas estabelecidos entre 1956 e 1960, com exceção da Tunísia, cujas relações foram estabelecidas oficialmente com a visita de Zhou durante o seu “safári”.

Page 89: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

89

ONU 57 . Além disso, a visita de um importante membro do partido comunista demonstrou o interesse chinês em aprofundar suas relações com o Sudão (ADIE, 1964, p. 192). 2.2. Seu desdobramento Li Anshan58 adota o ponto de vista de que as relações em geral entre China e o Sudão se mantiveram, de forma geral, constantes, crescentes e relativamente tranquilas desde 1959. O intercâmbio no âmbito cultural e educacional é um exemplo disso. Desde o início das relações sino-sudanesas, técnicos, professores e artistas foram cambiados de forma frequente. Do ponto de vista econômico, a parceria entre a China e o Sudão apresentou um crescimento progressivo, diretamente relacionado ao crescimento econômico da China em si e de seu investimento líquido externo. Em termos políticos no âmbito internacional, a China e Sudão convergiam em opiniões, tendo de certa forma um alinhamento constante em questões internacionais, como por exemplo, a adoção da política de não alinhamento. Em 1962, a China e o Sudão assinaram um acordo de Cooperação Econômica e Técnica, vigente até hoje. Após a visita de Zhou Enlai, a China começou a entrar gradativamente na economia sudanesa através da concessão de crédito e investimentos diretos na área de infraestrutura e industrial. Em 1970, a China emprestou cerca de 40 milhões de dólares para o financiamento de duas estradas, totalizando 410 km, e uma fábrica têxtil no Sudão. No ano seguinte, um novo empréstimo de 40 milhões foi concedido pelo governo chinês para a modernização da agricultura e pesca sudanesa. Em 1974, a China forneceu ajuda humanitária ao Sudão e a outros países africanos, principalmente no fornecimento de alimentos, dado a escassez causada por uma grande seca (Fernando, 2007). Suliman e Badawi 59 (2008) concordam com Anshan afirmando que as relações sino-sudanesas se mantiveram estáveis desde seu estabelecimento, entretanto, houve momentos de intensificação mas também de estagnação. Apesar das diversas mudanças de regimes políticos, a China se manteve firme em seu posicionamento de não intervenção e respeito da soberania sudanesa, conseguindo assim manter seu relacionamento com o Sudão estável. Suliman e Badawi apresentam números semelhantes ao de Fernando, ao alegarem que o investimento chinês no Sudão se manteve crescente, totalizando 100 milhões de dólares em empréstimos sem juros, entre 1970 e 1990. Durante estes vinte anos, o investimento chinês foi direcionado principalmente à área de 57 O apoio dos países pertencentes ao movimento dos não alinhados, em específico os países africanos, foram de suma importância para que a China conseguisse se tornar membro permanente do Conselho de Segurança da ONU com o poder de veto, em 1971. 58 Professor de História e de Relações Internacionais da Universidade de Pequim. 59 Professores de Economia da Universidade de Khartoum.

Page 90: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

90

infraestrutura (pontes, estradas e construção civil), industrial (têxtil) e agrária (pesca, arroz e algodão). 3.3. Sua intensificação A partir da década de 1990, observa-se um crescimento e intensificação da atuação chinesa na África como um todo, inclusive no Sudão. Tal intensificação é atribuída a esse crescimento drástico das relações sino-africana, decorrente em sua maioria da intensificação do comércio entre esses. A China enxerga a África como um continente de oportunidades: primeiramente, contém amplas reservas de matérias primas necessárias para a sustentação da economia chinesa, e segundo porque o continente apresenta um mercado consumidor potencial muito promissor. Esses dois motivos fizeram com que a China buscasse se inserir cada vez mais no continente a partir da década de 90. Em 2008, o comércio China-África já representava cerca de 60 bilhões de dólares, enquanto que em 1995, eram cerca de 3 bilhões somente, tanto em termos de importação e exportação. O Sudão é o terceiro país de maior comércio com a China, representando 8% do total, e perdendo somente para a Angola (24%) e a África do Sul (17%) (LUTZ, 2011, pp. 202-208,). A intensificação do investimento e ajuda chinesa no Sudão é tão rápido e intenso que em 1999, o investimento direto chinês no Sudão representava 17% do total investido no Sudão, e em 2007, a porcentagem sobe para 73%. Contudo, o investimento chinês é amplamente direcionado (cerca de 70% do total) para o setor de infraestrutura e da indústria petrolífera sudanesa. Desta forma, torna-se duvidosa até que ponto a inserção chinesa no Sudão é de fato benéfica e promovedora do desenvolvimento do país. A intensificação do investimento chinês no Sudão é benéfica para o país porque fornece meios alternativos de capital para o financiamento de projetos domésticos visando o desenvolvimento, contudo, negativa, pois aumenta as obrigações externas e as dívidas do Sudão frente a China, aumentando a dependência do mesmo (NOUR, 2010, pp. 1-50). Segundo Lutz (2011), o comércio sino-sudanês aumentou drasticamente entre 1995 e 2008, sendo de extrema importância para ambos. O comércio entre os dois países limita-se a importação de produtos manufaturados chineses pelo Sudão, e a importação de petróleo bruto do Sudão pela China. A exportação de petróleo sudanês para a China representa 11% do seu PIB anual em 2008, enquanto que em 1999, era somente 0,5%, demonstrando a importância do comércio com o país asiático para o Sudão. Em contrapartida, o petróleo sudanês representa somente 3,5% do total importado pela China. É de se esperar que o Sudão seja muito mais dependente da China, do que a China dependente do Sudão. Contudo, tendo em mente a política de diversificação de fornecedores de petróleo, a relação de quem tem mais dependência sobre o outro fica mais restrita.

Page 91: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

91

Desde a separação do Sudão em dois países (Sudão e Sudão do Sul), em 2011, a partilha da produção de petróleo já teve entraves, pois ambos os países têm suas indústrias de petróleo muito interligadas. Além disso, ao longo do processo de independência, não houve acordos acerca da divisão da produção do petróleo, somente a divisão de fronteiras, que ainda tem regiões disputadas, como a região rica em petróleo Abyei. A atual divisão de fronteiras delimitou que praticamente 75% da antiga produção do país ficasse para o Sudão do Sul, contudo este se vê dependente frente ao Sudão (do norte) para o escoamento de sua produção, já que é um país sem litoral e a maneira mais prática de escoar sua produção é através do gasoduto que atravessa o Sudão até Porto Sudão, cidade portuária no Mar Vermelho. Enquanto o Sudão quer cobrar entre US$ 32 e US$ 36 por barril de petróleo que passa pelo seu gasoduto, o Sudão do Sul visa uma tarifa mais párea com os preços internacionais (U.S. Energy Information Administration)60. Segundo Khalid Sidding61, a separação já diminuiu em 20% o PIB do Sudão, que vem buscando novas alternativas, como a agricultura para sustentar seu desenvolvimento. Além disso, a disputa pela tarifa do gasoduto para o transporte do petróleo está sabotando a exportação do petróleo do Sudão do Sul e consequentemente a sua produção. A disputa entre o Sudão e o Sudão do Sul acerca do seu petróleo vêm afetando a sua produção, que desde 2007 se encontra em constante queda, em 2007 eram produzidos 500 mil barris por dia, e em 2011 beirava a 425 mil barris ao dia. Segundo Tim Daiss62, a China se vê numa situação de ter um dos seus maiores fornecedores de petróleo entrando em crise. Apesar de sua política de não intervenção, o país vem pressionando ambos para resolução pacífica do conflito e para que a produção de petróleo volte ao seu potencial o mais rápido possível. A China pode até mesmo vir a financiar um gasoduto alternativo para o Sudão do Sul, como ele vêm buscando construir em parceria com a Etiópia e o Quênia. Desta forma, o jornalista acredita que a China tem tido um papel essencial na manutenção do equilíbrio e a paz na região em discussão. Conclusão Segundo a visão realista neoclássica, a interpretação doméstica dos líderes chineses sobre a posição da China no pós-Guerra Fria, resultou em uma política externa chinesa mais agressiva e ambiciosa. Os líderes chineses acreditavam que o país tinha capacidade de conquistar uma posição melhor dentro do novo sistema internacional que estava se formando ao longo da década de 90. Assim sendo, formularam um plano de metas que, caso concretizado, levariam a China à posição de 60 Disponível em: http://www.eia.gov/countries/cab.cfm?fips=SU 61 Professor da Universidade de Kahrtoum, Sudão. 62 Tim Daiss é um jornalista que acompanha a crise do Sudão e analisa a influência da China em seu blog, disponível em: http://www.energytribune.com/75329/chinas-balancing-act-forging-policy-with-sudan-and-south-sudan

Page 92: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

92

grande potência, contudo através de meios pacíficos, como o crescimento econômico e o fortalecimento político, formulando-se assim a política de ascensão pacífica. Um dos componentes da política de ascensão é o crescimento e fortalecimento econômico da China, que inclui o plano de diversificação de fornecedores de petróleo. Como apresentado, a China ao longo da década de 90 passou de exportador de petróleo para o segundo maior importador da commodity no âmbito mundial, criando-se assim uma ampla dependência nas importações, logo, uma grande vulnerabilidade chinesa e uma possível ameaça para o sucesso do plano de ascensão pacífica no longo prazo. A China ciente disto, buscou mitigar sua dependência do petróleo ao diversificar os seus fornecedores. Em paralelo, ao longo da década de 90, como foi demonstrado, a China passou a investir de forma massiva na economia sudanesa, principalmente na sua indústria petrolífera. Este artigo buscou articular essas duas atuações da China, demonstrando que a adoção da política de ascensão pacífica gerou indiretamente a intensificação das relações sino-sudanesas. Através da política de diversificação de fornecedores de petróleo, a China buscou primeiramente ampliar o número de países de onde importa petróleo. Em seguida, identificamos que a China recorreu a países de amizade tradicional (relações estáveis e constantes desde seu estabelecimento), como o Sudão, para investir em sua indústria petrolífera, ampliando assim sua capacidade produtiva e por fim as exportações deste país para a China. Desta maneira, através desta política, a China buscou diminuir sua vulnerabilidade em relação a sua dependência externa de petróleo. Podemos afirmar, portanto, que a adoção da política de ascensão pacífica por parte da China na década de 90 (incluindo a política de diversificação de fornecedores de petróleo) promoveu a intensificação das relações sino-sudanesas, principalmente através do aumento das transações comercias derivadas da exportação de petróleo sudanês para a China. Desta forma, a hipótese de que “a adoção da retórica de ascensão pacífica na década de 90 pela China, tendo como componente diminuir a sua dependência energética através da diversificação de fornecedores, intensificou as relações sino-sudanesas, principalmente através da indústria petrolífera” foi corroborada totalmente. Sugerimos, para trabalho futuro, uma pesquisa sobre como a adoção da política de ascensão pacífica na década de 90 por parte da China afetou seu relacionamento com outros países, principalmente com outros países da África, para que um paralelo possa ser traçado com os impactos nas relações sino-sudanesas. Além disso, propomos um estudo que esclareça de que forma a separação em 2011 do Sudão, entre Sudão e Sudão do Sul, afetou ou poderá a vir a afetar as relações da China com estes, principalmente no âmbito comercial de petróleo.

Page 93: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

93

Referências Bibliográficas ADIE, W. A. C. Chou En-lai on Safari. The China Quarterly, n. 18, p. 174-194, apr/jun 1964. ANSHAN, Li. China and Africa: Policy and Challenges. China Security, v. 3 n. 3, p. 69-93, versão, 2007. ANSHAN, Li. China-Sudan Relations: Past and Present. Symposium on Chinese-Sudanese Relations, capítulo 1, p. 4-12, 2007. BIJAN, Zheng. ‘Peacefully Rising’ to Great Power Status. Foreign Affairs, volume 84:5, p. 18 -24, 2005. DANNREUTHER, Roland. China and Global Oil: vulnerability and opportunity. The Royal Institute of International Affairs, volume 87, número 6, p. 1345-1364, 2011. DOWNS, Erica. China's "New" Energy Administration. The Brookings Policy Studies – Energy Security Series, 2006. FAIRBANK, John. China’s Response to the West. East Asia: Tradition and Transformation, Houghton Mifflin Company, 1976. FERNANDO, Shitara. Chronology of China-Africa Relations. China Report, cap. 3, p. 363-373, 2007. IKENBERRY, John. The Rise of China: Power, Institutions, and the Western Order. China’s Ascent: Power, Security, and the Future of International Politics, cap. 4, p. 89-114, Cornell University Press, 2008. LUTZ, Mina. Growth by Destination (Where you export matters): Trade with China and Growth in African Contries. African Development Review, volume 23, n. 2, p. 202-218, 2011. NAUGHTON, Barry. The Socialist Era, 1949-1978: Big Push Insdustrialization and Policy Instability. The Chinese Economy: Transitions and Growth, cap. 3, p. 55-84, 2007. NOUR, Samia. Impact of China-Africa Relations: The Case of Sudan. Collaborative Research Project on the Impact of China-Africa Relations, p.1-50, 2010. PANG YANG, Huei. The Four Faces of Bandung: Detainees, Soldiers, Revolutionaries and Statesmen. Journal Of Contemporary Asia, 39.1, p. 63-86, Academic Search Premier, 2009. ROSE, Gideon. Neoclassical Realism and Theories of Foreign Politics. World Politics, volume 51, p. 144-172, 1998. ROSS, Robert. From Lin Biao to Deng Xiaoping: Elite Instability and China’s U.S. policy. The China Quarterly, n. 118, p. 265-299, jun 1989. SIDDING, K. H. A. Oil and Agriculture in Post-Separation Sudan. Agricultural Economics Working Paper Series, volume 1, p. 1-22, University of Sudan, 2012.

Page 94: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

94

SULIMAN, Kabbashi; BADAWI, Ahmed. An Assessment of the Impact of China’s Investments in Sudan. Collaborative Research Project on the Impact of China-Africa Relations, p.1-41, 2008. ZHANG, Jian. China's Energy Security: Prospects, Challenges, and Opportunities. The Brookings Institution – Center for Northeast Asian Policy Studies, 2011.

Page 95: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

95

UM PANORAMA GERAL DA DIPLOMACIA DO PETRÓLEO DA CHINA NA ÁFRICA63

João Ricardo Cumarú Silva Aves64

RESUMO: O recente processo de crescimento chinês vem se colocando como um tema central nas relações internacionais do início do século XXI. O artigo se propõe a analisar a grande política da República Popular da China para os países do continente africano delineando as suas principais características, com um olhar especial voltado para a política energética do país e sua atuação na África. Nesse sentido, será feita uma análise da chamada Diplomacia do Petróleo em Angola, um dos países de maior relevância e mais representativos da atuação chinesa no setor petrolífero. PALAVRAS-CHAVE: China, África, Cooperação Sul-Sul, Desenvolvimento; Petróleo; Angola ABSTRACT: The recent Chinese growth process has been as a central theme in international relations of the early 21st century. The article aims to analyze the major policy of the PRC for the African countries outlining its main features, with a special focus toward energy policy of the country and its activities in Africa. In this sense, there will be an analysis of the so called Oil Diplomacy in Angola, one of the most relevant countries and most representative of Chinese operations in the oil sector. KEYWORDS: China, Africa, South-South Cooperation, Development; Oil; Angola

Introdução O surgimento da República Popular da China (RPC) como potência econômica está entre os principais acontecimentos do início do século XXI. O impacto disso na economia dos Estados Unidos da América (EUA) provocou transformações na política econômica e nas práticas do 63 Esse artigo trata de uma reflexão inicial que deverá resultar no Trabalho de Conclusão de Curso do autor. 64 Graduando em Ciência Política∕Relações Internacionais pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas Regionais e do Desenvolvimento (D & R) e do Instituto de Estudos da Ásia (IEASIA) – UFPE.

Page 96: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

96

comércio regional e global. O continente africano hoje é visto pelos chineses como o “catalisador” que permitirá que a China, já a segunda maior economia do mundo, mantenha seu ritmo de crescimento nas próximas décadas e supere a economia americana. O interesse da China pela África é consequência do enorme crescimento econômico do país e do aumento da procura por matérias-primas. Entre outras, uma das principais demandas chinesas na África está nas fontes de energia, sobretudo no petróleo, devido à dificuldade de acesso aos países produtores do Oriente Médio, cuja produção destina-se prioritariamente à Europa e aos EUA. 1. A ascensão da China65 nas relações internacionais do século XXI O recente crescimento chinês, que em três décadas transformou a China na segunda potência econômica mundial, fez com que o país também se projetasse em nível global e se tornasse um ator relevante no âmbito das relações internacionais. Desde a Revolução Comunista de 1949, a China iniciou um processo de transição de sua condição de império estático para um país economicamente dinâmico. Com um crescimento anual médio de seu PIB de 10% até o ano de 2010 e diante da crise financeira mundial iniciada nos EUA, principal parceiro comercial chinês, o país pode vislumbrar tornar-se a grande potência econômica do século XXI. Alguns especialistas (LYRIO, 2010; LEONARD, 2012; BENACHENHOU, 2013) destacam que nos últimos 30 anos o país passou a guiar-se por uma política de abertura e modernização da economia, também conhecida como “Going Global Estrategy”, caracterizada pelo aumento de exportações, investimentos e gradual liberalização das mercadorias. A integração da China na economia global está sendo dirigida por quatro pontos-chave: rápido crescimento econômico; comércio mundial em expansão; investimento direto estrangeiro na China; e investimento externo chinês (Institute for Bussiness Value, 2006). Não obstante a crise de 2008, chamada subprime, e seus desdobramentos em escala internacional, as lideranças chinesas estão cientes de que precisam fazer ajustes para o futuro, notadamente nos setores vinculados ao drive-exportador agressivo e caminhar na direção de fortalecimento do mercado interno e das políticas de infra-estrura, sobretudo em áreas e regiões de menor capacidade de desenvolvimento. 2. A política externa da RPC e a cooperação sul-sul 65 Alguns autores (FAIRBANK e GOLDMAN, 2007; LYRIO, 2010; VISENTINI, 2011) discutem e questionam a ideia de “ascensão” da China enquanto potência. O crescimento explosivo chinês marcou a segunda metade do século passado e início do século XXI, porém uma regressão histórica deixa clara a supremacia do país no continente asiático até meados do século XIX. Logo, como afirmam alguns especialistas, a “ascensão” da China deve representar um “retorno à normalidade histórica”, e não ser considerada uma anomalia.

Page 97: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

97

Atualmente, o princípio maior da política externa chinesa é a não interferência nos assuntos internos de outros países (MENDES, 2008; AMARAL, 2011). Alguns autores têm o entendimento das relações internacionais chinesas apoiado em ideais confucionistas66. Ainda, numa busca pela estabilidade regional, os chineses tentam evitar conflitos armados com vizinhos cujas relações são mais hostis, como o Japão e Taiwan (temerosos de uma retaliação norte-americana); e uma fragmentação territorial de regiões como o Tibete, e Xinjiang. Nesse sentido, a Novíssima China, como cognominou Visentini (2011), e sua ambição em tornar-se uma potência mundial fez com que este país recorresse à cooperação internacional, no sentido de uma ação conjunta para alcançarem um objetivo em comum, neste caso o desenvolvimento. A política externa chinesa tem como uma de suas prioridades internas assegurar o acesso a recursos energéticos para garantir os atuais níveis de desenvolvimento (MENDES, 2010). Nesse sentido, a China procura direcionar sua política externa para os países do hemisfério sul, baseando-se numa imagem pacífica, assim como em princípios nacionalistas. Mendes (2010) defende ainda que, “ao apresentar o seu modelo de desenvolvimento econômico dissociado da democratização política, como uma solução viável nas regiões onde o modelo ocidental não tem apresentado os resultados esperados, e posicionando-se como um parceiro e não como um guia que dita as regras do relacionamento, a China constitui uma alternativa aos doadores ocidentais na África e na América Latina”. 3. As relações sino-africanas As relações da China com o continente africano não são tão recentes como alguns podem pensar; remontando a tempos antigos e progredindo gradualmente dentro de contextos históricos peculiares67. Desde as primeiras relações diplomáticas formais com o Egito em 1956 até o boom atual, as conexões entre a RPC e os governos africanos passaram por diversas mudanças influenciadas pelo contexto internacional da segunda metade do século passado. A partir do estabelecimento da abertura econômica da RPC (1949 – 1978), sua política para a África foi fortemente influenciada pela ideologia da Guerra Fria. Nesse momento, a China apoiou as lutas políticas pela independência africana, bem como forneceu alguma ajuda para a África. A 66 Sobre isso Mendes (2008) afirma: “A China tem uma concepção muito própria das relações internacionais: enquanto no Ocidente o sistema internacional é visto como palco de competições entre Estados juridicamente iguais, a tradicional concepção chinesa da ordem internacional não é igualitária. As cinco grandes relações confucionistas - imperador/súdito, pai/filho, irmão mais velho/irmão mais novo, marido/mulher e amigo/amigo – são transpostas para a sociedade internacional, vista como uma família tradicionalmente liderada pela China”. 67 Já por volta do século XV, antes dos europeus, o explorador Zheng He foi enviado pela dinastia Ming ao continente africano para realizar viagens de exploração de onde surgiriam as primeiras relações comerciais (LYRIO, 2010; VISENTINI, 2010).

Page 98: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

98

Conferência de Bandung68 foi importante nesse contexto bipolar mundial e tornou-se um marco para o processo de descolonização, além de trazer Pequim, de certa maneira, ao convívio internacional, permitindo-lhe ganhar notoriedade. Segundo Li Anshan (2007), o fim da Revolução Cultural marcou uma mudança na política da China para a África e desde que foram estabelecidas as primeiras relações diplomáticas em 1956, a política chinesa passou de uma abordagem insustentável e ideologicamente motivada, para o relacionamento atual com base no pragmatismo econômico e político. Durante os anos 1980 houve um retrocesso da cooperação, pois os chineses acreditavam não precisar de apoio externo para levar adiante seu projeto de crescimento e desenvolvimento econômico. Entretanto, essas relações tomaram um novo rumo após a repercussão negativa do “Massacre de Tianamen”, tendo sido bastante criticada pelos países do Ocidente69. A partir de então, e somando-se ao fim da autossuficiência chinesa em petróleo, as relações sino-africanas cresceram significativamente ao longo da década de 1990, “com um aumento na complexidade e abrangência das relações e da cooperação” (VISENTINI, 2012). No contexto atual da globalização, as interações sino-africanas nas relações internacionais vêm ganhando destaque crescente. A presença da China na África vem progredindo significativamente em termos econômicos, políticos e sociais ao longo desta década (KLARE, 2012). Em 2000, o governo chinês lançou o Fórum de Cooperação China-África70, congregando a maioria dos países africanos. Este fórum recupera os “5 Princípios que Regem o Desenvolvimento das Relações com Países Árabes e Africanos”71 estabelecidos nos anos 1963-64 pelo então Ministro de Relações Exteriores, Zhou Enlai. No século XXI, esses princípios são reafirmados não mais se referindo à coexistência pacífica, mas sim como fatores de desenvolvimento. Com base nesses princípios, a China compromete-se em respeitar o direito de cada país africano a dirigir sua política econômica de forma independente. Além disso, incentiva esses países 68 Conferência ocorrida em abril de 1955, em Bandung, Indonésia, com o objetivo de se construir uma cooperação afro-asiática em oposição ao chamado “neo-colonialismo”. Contou com a participação dos seguintes países: Afeganistão, Birmânia (atual Myanmar), Camboja, Ceilão (atual Sri Lanka), China, Egito, Etiópia, Costa do Ouro (atual Gana), Índia, Indonésia, Irã, Iraque, Japão, Jordânia, Laos, Líbano, Libéria, Líbia, Nepal, Paquistão, Filipinas, Arábia Saudita, Sudão, Síria, Tailândia, Turquia, Vietnã do Sul (atual Vietnam) e Iêmen. 69 Segundo Visentini (2010), “A repercussão desse episódio nos países africanos, entretanto, foi bastante diferente. [...] houve um entendimento, tanto dos africanos, quanto dos chineses, de que as críticas ocidentais eram uma tentativa de desestabilizar o crescimento chinês”. 70 Fórum oficial entre a República Popular da China e os países da África. Já foram realizadas cinco reuniões, a mais recente tendo ocorrido no ano de 2012, em Beijing, China. Encontros anteriores foram realizados em outubro de 2000, em Beijing; dezembro de 2003, em Adis Abeba, Etiópia; novembro de 2006, em Beijing; e novembro de 2009, em Sharm El-Sheikh, Egito. A próxima cúpula ocorrerá na África do Sul em dezembro de 2015. 71 1) respeito mútuo acerca da soberania e integridade territorial, 2) não agressão mútua, 3) não interferência nos assuntos internos, 4) igualdade e benefício mútuo e 5) coexistência pacífica (ANSHAN, 2007; SARAIVA, 2008; CARVALHO JUNIOR, 2011)

Page 99: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

99

a terem o direito de participar na competição internacional e terem acesso ao mercado chinês para benefício mútuo em prol do sucesso econômico (CARVALHO JUNIOR, 2011). É característica da política externa da RPC sempre buscar parcerias e evitar a intervenção em assuntos internos de cada nação; esse tipo de comportamento é bem visto pelos africanos já que organismos internacionais de ajuda financeira, entre eles o FMI, sempre submeteu os países a cumprirem metas onerosas de implantação de ajuste orçamentário, corte nos gastos públicos, entre outros (VISENTINI, 2010; 2012). Na busca pelo aumento de sua influência política e econômica no continente, os chineses têm financiado obras de infraestrutura e reestruturado serviços básicos em países que, em troca, fecham acordos com empresas chinesas ou tornam-se fornecedores de recursos naturais. A atuação da RPC vai desde o chamado “financiamento oficial” do Estado chinês em diversos projetos e iniciativas como obras de infraestrutura, investimentos em petróleo e outras fontes de energia, bolsas de estudo, programas de cooperação militar, extração de recursos naturais, demanda por mercados consumidores, além de diversos outros setores, por exemplo, saúde, educação e cultura. Fornecendo dinheiro para o continente africano, a China não só tem acesso a seus recursos naturais, mas também estende para lá a sua influência política. Em 2012 o volume total do comércio China-África atingiu US$198,49 bilhões, o que equivale a um crescimento anual de 19,3%. Destes, US$85,319 bilhões consistiram de exportações chinesas para o continente africano, com crescimento de 16,7%, e US$113,171 bilhões de importações chinesas da África, o que equivale a um crescimento de 21,4% (Gráfico 1).

Gráfico 1 (“Importações e exportações China-África”, State Council, "China Africa Ec. and Trade Coop. 2013) De 2000 a 2012, a proporção do volume de comércio China-África como parte do total do comércio externo da China aumentou de 2,23% para 5,13%. Isso mostra que apesar do grandioso

Page 100: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

100

crescimento da presença chinesa no continente, a África é ainda uma pequena parte do comércio global da China.72 (Gráfico 2)

Gráfico 2 (“Volume de comércio China-África 2000-2012”, State Council, China Africa Ec. and Trade Coop. 2013) Em paralelo à expansão das relações sino-africanas, o comércio dos EUA com os países africanos tem aumentado expressivamente, principalmente depois dos atentados de 2001. Carmody e Owusu (2011) afirmam que “as estratégias de comércio e investimento da China e dos Estados Unidos moveram a África para o centro do palco das políticas globais de petróleo e segurança”. Nesse sentido, a seguir, será abordada a política energética da China para os países do continente africano, com destaque para os casos de Angola, Nigéria e Sudão. 4. A política energética e a questão do petróleo A questão energética talvez seja fundamental para melhor entendimento das relações entre China e África. Alguns autores argumentam que a procura de recursos naturais tem sido o grande condutor da política energética chinesa (HANSON, 2008; MENDES, 2009), o que coloca o país numa dependência externa cada vez maior. Embora boa parte da base energética do país seja o carvão73, o “boom” econômico chinês e o processo de industrialização associado à urbanização, que alcançou grandes taxas de crescimento anual nas últimas décadas, requer altas quantidades de energia para sustentar seu desenvolvimento. Com o fim da autossuficiência de petróleo chinesa, e 72 China-Africa Economic and Trade Cooperation White Paper (2013) 73 Devido à dependência pelo petróleo e as altas taxas de poluição provocadas pelo uso do carvão, a RPC começa a dar sinais de possíveis mudanças no seu modelo desenvolvimentista, não só priorizando as energias alternativas como também buscando um modelo de desenvolvimento baseado nos princípios da sustentabilidade. “Governo chinês deve reduzir ritmo de investimentos”. Disponível em http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,governo-chines-deve-reduzir-ritmo-dos-investimentos,1137689,0.htm

Page 101: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

101

uma vez já o maior exportador na Ásia (HANSON, 2008; MENDES, 2009), a China se tornou um importador líquido de petróleo em 1993, e hoje, já é o maior importador de petróleo do mundo74 e segundo maior consumidor75(Gráfico 3).

Gráfico 3 (“A crescente demanda da China aumenta as importações de petróleo”. FONTE: US Energy Information

Administration Statistics and Shor-Term Energy Outlook (August 2012) Nesse sentido, à medida que a China cresce mais energia é necessária para suprir os altos níveis de demanda. Nesse processo de rápida ascensão da China, Bo Kong (2011) destaca três fatores principais que conduzem a demanda chinesa por energia: a expansão da indústria pesada que é responsável por mais de 70% do consumo energético; a expansão das exportações após a entrada do país na Organização Mundial do Comércio (OMC); e o crescente consumo de energia de bens intensivos, como aparelhos elétricos e veículos a motor e serviços de uso intensivo de energia, como viagens, seja por via aérea, rodovias ou hidrovias, em uma China cada vez mais urbanizada. Esses fatores fizeram com que a demanda chinesa por petróleo dobrasse no período entre 1995 e 2005 alcançando os 6,6 milhões de barris por dia, o equivalente a quase um terço da demanda estadunidense. As previsões apontam que, no curto prazo, a China será responsável por 20% da demanda por energia no mundo; e, em 2035, se tornará o maior consumidor de petróleo do globo (LOPES, 2014). Entretanto, segundo Daojing (2006), há um consenso entre os especialistas de que, não importa a maneira que Pequim planeje e cuide das suas políticas energéticas, a dependência nas importações de petróleo irá continuar e a produção doméstica alcançará um momento de estagnação. 74 “China se transforma no primeiro importador mundial de petróleo”. Disponível em http://www.em.com.br/app/noticia/internacional/2013/10/09/interna_internacional,458118/china-se-transforma-no-primeiro-importador-mundial-de-petroleo.shtml 75 VISSERS, 2013 apud LOPES, 2014.

Page 102: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

102

A partir da política do “going global”, as petrolíferas chinesas passaram a buscar adquirir os direitos de exploração de campos em diversos países. Desde então, essas petrolíferas têm entrado em uma matriz de vastos investimentos em petróleo no exterior. Essa evolução na demanda por energia fez com que a indústria petrolífera do país passasse por uma rápida evolução num curto espaço de tempo. Em 1998, o governo resolveu racionalizar as operações no setor de combustíveis, submetendo aos cuidados da State Energy Administration (TAYLOR, 2006). Segundo Lopes (2014), a estruturação da atual indústria petrolífera chinesa vai surgir de uma cadeia de três fatores: reformulação administrativa, aumento do interesse de exploração offshore, e parcerias com companhias estrangeiras no início dos anos 1980. A primeira das empresas criadas, em 1982, foi a China National Offshore Oil (CNOOC) cuja função, além de lidar com explorações offshore, era administrar contratos em conjunto com outras petrolíferas estrangeiras. No ano seguinte, a união dos Ministérios da Indústria do Petróleo, da Química e do Têxtil fez surgir a China Petroleum & Chemical Corporation (Sinopec), responsável pelo refino e produção de artigos petrolíferos, supervisão da “construção e operação de usinas de refino e petroquímica, além da comercialização destes produtos na China” (FRANCISCO, 2013 apud LOPES, 2014). E, por fim, em 1988, o Ministério da Indústria do Petróleo passa por uma reestruturação e é renomeado como China National Petroleum Corporation (CNPC), com a transmissão de todas as funções administrativas e de exploração e produção de gás e petróleo. Hoje, as três continuam a ser de domínio estatal e tornaram-se atores globais estratégicos. Até antes da invasão do Iraque em 2003, mais da metade das importações de petróleo chinesas eram provenientes do Oriente Médio, devido a sua farta oferta (DAOJING, 2006). Com o reforço da presença americana na região e o receio pelo futuro do abastecimento de petróleo e de outras fontes energéticas surgiu a necessidade de uma política de diversificação das fontes fornecedoras de petróleo. Segundo Mendes (2009), é possível identificar três zonas preferenciais: Ásia Central, América Latina e África. A estratégia chinesa voltou-se a mercados onde os EUA tivessem dificuldades de inserção (VISENTINI, 2012), e procura estreitar laços e abrir mercados com regiões periféricas do globo, onde a ameaça à sua segurança energética não exista ou não represente perigo, entre eles a África. Segundo Taylor (2006), a diplomacia chinesa do petróleo na África tem dois objetivos principais: no curto prazo, garantir o abastecimento para alimentar a crescente demanda interna; e no longo prazo, posicionar a China como um ‘player’ global no mercado internacional de petróleo. Como o que move majoritariamente a China tem sido a dependência de fontes energéticas, é na procura por parceiros que garantam condições privilegiadas de acesso a recursos energéticos que a

Page 103: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

103

RPC tem apostado (MENDES, 2009). Segundo Montenegro (2013), em 1994 a África correspondia a apenas 4% das importações totais de petróleo para a China. Hoje, esses valores se aproximam dos 20%76. A estruturação do setor petrolífero chinês somente ocorreu depois da CNPC ter demonstrado sucesso no Sudão (como parte do Great Nile Petroleum Operating Company), em 1999, em que Pequim aprovou uma estratégia mais agressiva para a compra de ativos de produção de petróleo (VINES, 2007). Angola – que nos anos 2000, ultrapassou a Arábia Saudita como maior fornecedor de petróleo para Pequim - é o principal parceiro da China na área do petróleo, mas o Sudão é considerado o país com os maiores recursos petrolíferos a serem explorados; apesar de enfrentar graves instabilidades políticas, além de sanções e embargos; ambos estariam entre os parceiros africanos mais importantes, em termos energéticos para Pequim (HANSON, 2008; MENDES, 2009; VISENTINI, 2012). Visentini (2012) ressalta ainda que:

outros países produtores de petróleo – como Nigéria e Gabão –, apesar de contarem com investimentos e participação chinesa no setor, ainda têm as potências ocidentais como principais parceiros, o que ocorre, em todos os países africanos, em diversos outros setores. Isso se deve, em grande parte, ao fato de os investimentos chineses serem muito mais diversificados que os do Ocidente, sendo estes focados especialmente no setor petrolífero.

A seguir, será abordada brevemente a situação de Angola. 5. Angola Uma das economias que mais cresce no continente africano, Angola é hoje o segundo maior produtor e fornecedor de petróleo para a China, atrás apenas da Arábia Saudita. Estima-se que o país possua 13,5 bilhões de barris em reservas e 1,8 milhão de barris de produção diária. As relações sino-angolanas vão muito além dos acordos comerciais, uma vez que as empresas chinesas instaladas em Angola estão envolvidas em diversos projetos de infraestrutura nas áreas de saúde, educação, transportes, e outros. Apenas a partir da institucionalização do FOCAC, em 2000, e o fim da sangrenta guerra civil angolana, em 2002, é que as relações com a China foram fortalecidas. O comércio bilateral sai dos US$ 2,3 bilhões em 2003 atingindo US$ 25,4 bilhões em 2008 (LOPES, 2014). Uma vez que a economia angolana é fortemente dependente das exportações de petróleo, a base principal que guia as relações sino-angolanas é a segurança energética. Como pode ser observado no Gráfico 4, o petróleo correspondeu em 2010 a quase 96% do total de produtos exportados por Angola. Hoje, o petróleo angolano corresponde em torno de 14% o total que a China 76 É importante salientar que embora o petróleo seja a principal fonte de interesse da China na África, está longe de ser o único; pois o país está à procura de recursos de todos os tipos: cobre, bauxita, urânio, manganês, ferro, entre outros.

Page 104: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

104

importa no mundo (Gráfico 5). Algumas estatais chinesas, como a Sinopec e a CNOOC, vêm participando da exploração de campos de petróleo em terras angolanas. Entretanto, em algumas ocasiões, a presença chinesa gerou conflitos em tentativas de criar joint-ventures com a Sonangol (Sociedade Nacional de Combustíveis de Angola), por exemplo, na província de Lobito.

Gráfico 4 (“Exportações de Angola”. FONTE: EIU Angola Fact Sheet, 2010

Gráfico 5 (“Importações chinesas de petróleo bruto por origem”. FONTE: US Energy Information Administration,

2014. O principal mecanismo de atuação dos chineses em Angola é através do investimento em infraestrutura, principalmente, a recuperação e construção de ferrovias para a extração de minérios. Em 2002, por exemplo, logo após o estabelecimento de novas relações, os chineses deram início à construção da rede ferroviária e elétrica da capital Luanda (LOPES, 2014). Essa forma de agir dos chineses passou a ser chamada de Angola Mode, e consiste em empréstimos para financiamento de obras em infraestruturas enquanto que o pagamento é realizado através de recursos naturais, principalmente petróleo. Esse método, também conhecido como Infraestructure for oil normalmente é usado por países que não conseguem fornecer garantias financeiras para o pagamento dos empréstimos realizados e, por isso, autoriza que o país financiador explore seus recursos naturais em troca dos investimentos em infraestrutura (TAKAHASI, 2012; LOPES, 2014). Assim como em outros países, o investimento da China em Angola viabilizou a reestruturação da infraestrutura do país. Como afirma Takahasi (2012):

Page 105: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

105

Os recursos financeiros emprestados pela China são eficazes, porque são pouco passíveis de serem desviados para outros fins. Todo empréstimo tem que passar pelo Banco Chinês, e é transferido diretamente para as empresas de construção chinesas. Tais empréstimos chineses contam com a vantagem de serem atraentes para os países africanos, pois outras fontes de empréstimos, como o Banco Mundial ou o Fundo Monetário Internacional impõem condicionalidades para a concessão de empréstimos.

Conclusão Como apontado no trabalho, é sabido que a República Popular da China busca primordialmente benefícios econômicos e, em particular, o acesso a fontes de energia e matérias-primas. Os recursos naturais e a necessidade por novos mercados para escoar seus produtos, são fatores que explicam a consolidação progressiva da presença chinesa na África, e em outras regiões periféricas do globo, como a América Latina. Importante observar a necessidade que a China tem de estabelecer políticas de segurança energética, o que antes não se via nos planos do Estado, pois até 1993, quando ainda era autossuficiente em petróleo, não havia uma preocupação por parte das autoridades. O Angola Mode (oil for instructure), no caso angolano, é um exemplo bastante significativo do modo de atuação da China no continente africano, principalmente no que se refere à área energética. Ao oferecer grandes investimentos em infraestrutura em troca da concessão de exploração de petróleo por suas empresas a China garante seu suprimento energético e a manutenção de seu desenvolvimento econômico. Em contrapartida, o que se percebe é que a economia africana está se erguendo e em estado crescente não só em Angola, mas também em diversos outros países do continente. Ainda que seja uma política de ganhos mútuos, a relação da China com os países do continente tem resultados assimétricos. Obviamente as relações sino-africanas têm seus pontos positivos e negativos. No entanto, é ilusória a insistente afirmação veiculada por parte da mídia ocidental, principalmente europeia e norte-americana de que a presença da China traz apenas “mais do mesmo” e aspectos prejudiciais, deve-se ter em conta os interesses políticos subjacentes à crítica. Além do que, é de extrema importância lembrar que tais elementos negativos também caracterizaram as relações entre África e suas ex-metrópoles. À medida que os negócios da China com os países africanos são expandidos, também surgem importantes questionamentos e dúvidas a respeito das estratégias e táticas do governo chinês para obter recursos energéticos; dos impactos ambientais e sociais das grandes obras; do uso de mão-de-obra chinesa em detrimento d africana; dos conflitos existentes nos países do continente; da diversificação da matriz energética chinesa; entre outras questões. Tais tópicos são possíveis temas de abordagens futuras.

Page 106: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

106

Referências bibliográficas AMARAL, Gabriela Granço do. A política externa da China para o século XXI: ascensão pacífica? In: Anais Seminário Nacional Sociologia e Política UFPR, 2011. ANSHAN, Li. China and Africa: policy and challenges. China Security. v. 3, n.3 p. 69-93, 2007. BENACHENHOU, Abdellatif. A China molda o mundo. In: Países Emergentes, Brasília, FUNAG, p.17-57, 2013. CARMODY, Padraig; OWUSU, Francis. A expansão da China para a África: interesses e estratégias. in LEÃO, Rodrigo Pimentel Ferreira; PINTO, Eduardo Costa; ACIOLY, Luciana;Alves (orgs.) In: A China na Nova Configuração Global: impactos políticos e econômicos. IPEA, p. 235–267, 2008. CARVALHO JUNIOR, Mario Cordeiro de. A presença da China na África e as ameaças ao Brasil. Informativo de Comércio exterior AEB. ano XII, n.108, 2011. DAOJIONG, Zha. China’s Energy Security Domestic and International Issues. In: Survival. vol.48 no. 1 pp. 179 – 190, 2006. FAIRBANK, John King; GOLDMAN, Merle. China. Uma Nova História. Porto Alegre: L&PM, 469 pp, 2006. HANSON, Stephanie. China, Africa, and Oil. Council on Foreign Relations. p. 1-5, 2008. INSTITUE FOR BUSINESS VALUE. Going Global: Prospects and challenges for chinese companies on the world stage. pp. 1-18, 2006. KLARE, Michael. A China é imperialista? In: Le Monde Diplomatique Brasil. São Paulo. ano 6 n.62 p. 20-21, 2012. KONG, Bo. Governing China’s Energy in the Context of Global Governance. Global Policy. vol. 2, Setembro, 2011. LEONARD, Mark. What does the new China think. In: China 3.0. European Council on Foreign Relations. London, p. 9-11, 2012. LOPES, Bárbara. China’s Oil Diplomacy in Africa. Dissertação de Mestrado, PUC-MG, 2014. LYRIO, Maurício Carvalho. A Ascenção da China como Potência: fundamento políticos internos. Brasília, FUNAG, p. 7-13, 2010. MENDES, Carmen Amado. Política Externa Chinesa: um jogo em vários tabuleiros. Revista de Estudos Chineses. vol. XXVII p. 231-242, 2008. ________. Dinâmicas regionais da política energética chinesa: Ásia Central, África e América Latina. Revista de Estudos Chineses. Vol. XXVIII p. 141-159, 2009.

Page 107: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

107

________. A China e a Cooperação Sul-Sul. Ásia, segurança e poder. Relações Internacionais. n. 26 p. 39-46, 2010. MONTENEGRO, Renan Holanda. Relações sino-africanas, reações norte-americanas: Pequim entre a cooperação e o interesse. Anais 4° Encontro Nacional da ABRI, 2013. SARAIVA, José Flávio Sombra. A África no ordenamento internacional do século XXI: uma interpretação brasileira. Anos 90, Porto Alegre. v. 15, n. 27 p. 86-89, 2008. TAKAHASI, Raysa Kie. Cooperação Sul-Sul: África e China em busca do desenvolvimento. Conjuntura Internacional. PUC Minas Gerais, ano 9 n.2 p. 1-4, 2012. ___________. A ação chinesa em Angola. Conjuntura Internacional. PUC Minas Gerais, 2012. Disponível em: https://pucminasconjuntura.wordpress.com/2012/07/24/a-acao-chinesa-em-angola/ Acesso: dia 02 de setembro de 2015. TAYLOR, Ian. China’s oil diplomacy in Africa. International Affairs. p. 937-959, 2006. VINES, Alex. China in Africa: A Mixed Blessing? Current History. p. 213-219, 2007. VISENTINI, Paulo Fagundes. A China e a Índia na África: imperialismo asiático ou Cooperação Sul-Sul? Ciências & Letras. Porto Alegre, n. 48, p. 13-28, jul∕dez. 2010. ______. A Novíssima China e o Sistema Internacional. Revista de Sociologia e Política. V. 19, n. suplementar, pp. 131-141, nov. 2011. VISENTINI, Paulo Fagundes; OLIVEIRA, Guilherme Ziebell de. As relações sino-africanas: (muitos) mitos e (algumas) realidades. Século XXI, Porto Alegre, v. 3, n. 1, jan-jun. 2012.

Page 108: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

108

FORGING ALIGNMENTS: UNDERSTANDING CHINESE AND INDIAN BALANCING STRATEGIES

Antonio H. Lucena Silva77 Augusto W. M. Teixeira Jr.78

ABSTRACT: This paper aims to explain the dynamics of balance of power between China and India. We shall conduct case studies to demonstrate how China and India seek to counterbalance each other in three strategic geographical areas: South Asia, Southeast Asia and at the Indian Ocean Rim. We will examine variables such as arms transfers, military spending, bilateral and multilateral agreements, joint military exercises, and the role of non-Asian actors. KEYWORDS: Balance of Power, China, India. 77 Antonio H. Lucena Silva is PhD. In Political Science (Fluminente Federal University, UFF, Brazil) and Professor of International Relations at Damas College (FD, Brazil). Member of the Brazilian Defense Studies Association (ABED). 78 Augusto W. M. Teixeira Jr. is PhD. in Political Science (Federal University of Pernambuco, UFPE, Brazil) and Professor of International Relations at Federal University of Paraíba (UFPB, Brazil). Member of the Brazilian Defense Studies Association (ABED).

Page 109: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

109

Introduction Due to the rise of China and India in the 1990s, many academics agree that the twenty first century will be dominated by Asian countries79. The relative decline of the United States in the first decade of the new century, and the unfulfilled expectations that this ‘lonely superpower’80 would bring peace and prosperity has paved the way both to new powers to emerge and to the possibility of an alternative framework of global security and defense. Despite Brazil’s membership of the emerging ‘BRIC’ group of countries, Asian studies in Brazil have been conducted at a slow pace. With that in mind, this paper hopes to address that deficit by contributing an assessment of the dynamics of Asian security and defense. International structures of power and wealth are subject to change. Asia is consolidating itself as the main hub for commercial and economic activity, as well as it starts to play an increasingly important role in international security. Using International Relations Alliance Theory as a starting point, and in particular drawing on the work of Russett81, we will attempt to identify the key balancing and counterbalancing dynamics between China and India. A review of existing literature will shed light on different forms of security cooperation and levels of institutionalization and commitment between partners. This paper will address the following questions: what are the main patterns of security and defense cooperation of Beijing and New Delhi? What are the patterns of China and India’s relationship with their neighboring countries? How can political and diplomatic cooperation – including arms transfers – shed light on the prevailing balance of power? In order to answer these questions, we will begin by examining the existing literature on several forms of alignments as alliances and ententes. We shall establish which of these phenomena is more present. In the second section, we will develop an analysis of the dynamics of security between China and India from the Cold War to nowadays. This section will make clear how patterns of cooperation have changed over time within those countries and their partners. In the third and final section, we will describe and analyze the patterns of alliances and the shifting balances of power that Beijing and New Delhi has experienced. A historical lack of trust between these regional actors, combined with a tradition of weak regional institutions, leads us to postulate

79 Andrew Hurrell, “Hegemonia, liberalismo e ordem global: qual e o espaço para potências emergentes,” in Andrew Hurrell et al., eds., Os Brics e a Ordem Global (Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009). For a more recent representation of this claim, see Fareed Zakaria, O mundo pós-americano (São Paulo: Companhia das Letras, 2008). 80 Samuel Huntington, "The Lonely Superpower," Foreign Affairs, Essay, No. 2, (March/April, 1999). 81 Bruce Russett, "An Empirical Typology of International Military Alliances," Midwest Journal Of Political Science, vol. 15, No. 2 (May, 1971), pp. 262-289.

Page 110: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

110

that China and India view ententes in a more favorable light than alliances, which have an impact in how balancing is done. 1. Alliances and Ententes: A Literature Review This section of the paper explores the differences between alliances and ententes. Can we describe Indian and Chinese relationship with other countries as an alliance, an entente or an alignment? The focus of this paper is to understand Sino-Indian balancing strategy using the analytical framework of the theory of alliances. It is important to clarify certain terms in alliance theory. An alliance is a component of a state’s foreign policy. States have been forming – and dissolving – alliances for many years and have proved fundamental in the realization of their interests82. Influential studies have asked the question, ‘what is an alliance?’ Olson & Zeckhauser’s seminal study83 is an example of how economists and political scientists have applied economic theory to help improve our understanding of military alliances. They see a military alliance as ‘a group of nations that are bound to provide protection to all members from aggression by common enemies’84 ). An alliance of this nature fosters military security or deterrence and therefore could be considered a ‘public good’. Diverging from Olson & Zeckhauser’s definition of alliances, Stephen Walt85 describes an alliance as ‘a formal or informal relationship of security cooperation between two or more sovereign states’. In International Relations, ‘alignment’ suggests a degree of harmony between two or more states. The interests, policies or particular issues in these states are therefore congruent. Glenn Snyder examines the level of support that a state can expect in its future interactions. He argues that (formal) alliances ‘are one simply behavioral means to create or strengthen alignments. Thus, alliances are a subset of alignments those that arise from or are formalized by an explicit agreement, normally in the form of a treaty’86. That being the case, an entente can be seen as a form of alignment. The use of the term ‘entente’ was more common in former days; however it is still used to describe a kind of short-term alignment (and therefore different from a full alliance). Robert A.

82 John Duffield, Alliances. Security Studies: An Introduction (New York: Routledge, 2008), pp. 292 83 Mancur Olson and Richard Zeckhauser, "An economic theory of alliances," Review of Economics And Statistics, vol. 48, No. 3 (August, 1966), pp. 266-279. 84 Olson and Zeckhauser, "An economic theory of alliances," 1966. 85 Stephen Walt, The Origins of Alliances (Ithaca: Cornell University Press, 1987), pp. 1. 86 Glenn Snyder, Alliance Politics (New York: Cornell University Press, 1997), pp. 6.

Page 111: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

111

Kann defines an entente as “a flexible agreement of cooperation between two foreign powers”87. Bruce Russett (1971) adds that in an entente states consult or cooperate in political matters. Russett sees an entente as a type of alliance, albeit on a larger scale. Ententes can be understood as alignments that comprise military cooperation, non-military activities or humanitarian cooperation. Russett and Snyder interpret ‘alliances’ in much the same way. Russett defines an alliance as “a formal agreement among a limited number of countries concerning the conditions under which they will or will not employ military force” 88 . Snyder (1997) describes alliances as formal agreements, orchestrated by states and focusing on military matters and relationships with other states or groups of states outside the alliance. John Mearsheimer89 also recognizes institutions – and alliances – as part of a state’s efforts to maintain or increase their power. Balance of Power theory can also contribute to our understanding of the formation of alliances. States form alliances as a ‘balancing’ strategy to reduce the power of a hegemonic state or to provide a weaker state with security. T.V. Paul90 identifies three forms of ‘balancing’: hard, soft and asymmetric. Hard balancing strategy constitutes an overt build-up of arms and the creation and maintenance of a formal alliance. Soft balancing implies a tacit agreement that can include a more limited build-up of arms. In this instance, states would develop ententes and/or limited security to counteract a threatening state or a rising power. Finally, asymmetric balancing comprises both state and non-state actors. In the South and Southeast Asia, threat perception leads to balancing rather than bandwagoning. When a state acquires significant military power within a region, its neighbors will engage in a strategy of balancing. Thus T.V. Paul91 argues that ‘the objective of a regional balancing is to generate a stable distribution of power with the aim to prevent a war’. Commonly, a strategy of balancing will include an alignment, entente or alliance with an extra-regional power to acquire weapons, modernize or gain military advantage. The next section aims to shed light on the present-day security arrangements in Asia. We will begin with an examination of Chinese regional security, followed by an analysis of the situation from Indian perspective. 2. A Historical Perspective of the Chinese Security Dynamics in Asia

87 Robert Kann, "Alliances versus Ententes," World Politics. No. 28 (1976), pp. 611. 88 Bruce Russett, "An Empirical Typology of International Military Alliances," 1971, 262. 89 John Mearsheimer, "A Realist Reply," International Security, Vol. 20, No. 1 (Summer,1995), pp. 2. 90 T.V. Paul, “Introduction,” in T.V. Paul, James Wirtz and Michael Fortman, eds., Balance of Power: Theory and Practice in the 21st century (Stanford: Stanford University Press, 2004), pp. 3. 91 T.V. Paul, Introduction, 2004, 7.

Page 112: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

112

In February 1950, just after the establishment of the Popular Republic of China (PRC), an alliance was declared between China and the USSR. Soviet support was essential for the preparation of war and the rebuilding of its defense industry92. Shortly after the establishment of a Communist regime in China, the country found itself embroiled in the Korean War. China’s desire to become a major power in the region – and the War itself – led to the development of an indigenous defense industry. The alliance with the USSR was paramount in modernizing Chinese military capabilities. China’s alliance with the USSR was short-lived. The death of Stalin in 1953 changed the dynamics of the Sino-Soviet relationship. The USSR entered into a period of ‘collective leadership’; Khrushchev being the most prominent followed by Malenkov in the Council of Ministers and Beria in the Ministry of Foreign Affairs. Up until this period, bilateral cooperation between the USSR and China was strong. By the end of 1953, China accounted for 20% of Soviet exports; the amount of Chinese exports to the USSR was of 55.6%. From 1949 to 1961, China received tanks, airplanes, helicopters, frigates and submarines. Specific weapons acquisitions included 150 Tu-2 bombers, 500 IL-28, 1,500 MIG-15 fighters, 300 MIG-17, 20 MIG-21, 2,500 T-34/85 tanks, 4 Gordy Class destroyers, 4 Whisky and 4 Romeo Class submarines93. Khrushchev’s denunciation of Stalin’s crimes at the 20th Congress of the Communist Party in the Soviet Union in 1954 and the puncturing of the ‘cult’ of Stalin created malaise in Beijing and a thawing of the Sino-Soviet partnership. The Chinese pressed ahead with their communist revolution which combined the principles of Marxist-Leninism and Maoism. Other events, including the ‘pacific coexistence’ of USSR and United States, Soviet refusal to support the Chinese attacks on Kuomintang troops on the Quemoy Strait, Soviet concessions to the Americans after the 1962 Cuban Missile Crisis, the lack of support to ‘Third World’ revolutions and the end of technology transfer to China’s nuclear program generated much embarrassment to Sino-Soviet relations. China started to send supplies to support the revolutions in North Korea, North Vietnam, Pakistan, Cambodia and Laos. In addition, the Chinese Communist Party sent weapons to the ‘wars of liberation’ in Indonesia, Myanmar, Thailand, Malaysia, Philippines, Algeria, Republic of Congo, Somalia and Tanzania94. The USSR began to criticize China for jeopardizing internal peace and provoking the Americans into a potential nuclear showdown. The USSR subsequently suspended any further 92 Yitzhak Schichor, “Conversion and Diversion: The Politics of China´s Military Industry after Mao” in Efraim Inbar and Benzion Zilberfarb, eds., The Politics and Economics of Defence Industries (London: Frank Cass Publishers, 1998), pp. 140. 93 Ming Yen Tsai, From Adversaries to Partners? Chinese and Russian Military Cooperation after the Cold War (London: Praeger Publishers, 2003). 94 Ming Yen Tsai, From Adversaries to Partners, 2003, 30.

Page 113: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

113

cooperation with the Chinese. In April 1960, China released papers that condemned Moscow for abandoning Leninist practices. In retaliation, the Soviets cut off all military cooperation and ordered home the 1,300 technicians and specialists based in China. This decision impacted heavily on Chinese plans for military rebuilding; many programs were canceled or suspended. However, China continued its research in nuclear technology and in 1964 detonated its first nuclear bomb. Chinese ruling elites continued their quarrels with Moscow, particularly during the Brezhnev era and after the invasion of Czechoslovakia in 1968. The rise of Deng Xiaoping in 1970 instigated a closer relationship with the US, with President Nixon visiting the country in 197295. The deterioration of Sino-Soviet relations was illustrated by other events: the USSR supported the Vietnamese invasion of Kampuchea that removed a pro-Beijing government; shortly after, Moscow sent a military force to help the Babrak Kamal regime in Afghanistan. At the same time as the Soviet invasion of Afghanistan, China began to cooperate militarily with the West; arms transfers to China included helicopters from France, aviation engines from the UK, missiles from Italy, radars and helicopters from United States and advanced computers and electronics from Japan96. President Ronald Reagan’s decision to sell 150 F-16 fighters to Taiwan – and to deepen ties with that country – exacerbated relations between China and the US. However, after Mikhael Gorbachev became leader of the Communist Party in 1985, the USSR began to improve relations with the Chinese. Sino-Soviet relations were changed by the events of Tiananmen Square in 198997. The massacre by the People’s Liberation Army provoked the US government into canceling the ‘Pearl Peace’ Program, thus frustrating China’s desire to modernize its armed forces with American advanced military equipment and returning its efforts do Russia as a supplier. The fall of the Berlin Wall also brought about change in the Sino-Soviet relationship. In 1991, Jiang Zemin visited Russia to buy helicopters and order Sukhoi Su-27 aircraft. From 1992, during Boris Yeltsin’s administration, Russia sought to improve its relationship with Asian countries. The new international and political environment saw China and Russia return to bilateral military cooperation and ‘birth’ of the ‘Strategic Partnership’. Russia understood Chinese aspirations for modern weaponry and decided to establish ties once again with the objective of increased weapons sales. It is worth noting that in order to protect its own weapons technology,

95 Joan Hoff, Nixon Reconsidered (New York: Basic Books, 1994), pp. 182. 96 Yitzhak Schichor, Conversion and Diversion, 1998. 97 The New York Times reported 400 to 800 deaths. The Chinese Red Cross put the figure of the number of student deaths at 2,600. Also see: Nicholas Kristoff, "A Reassessment of How Many Died In the Military Crackdown in Beijing," The New York Times, June 21, 1989, http://www.nytimes.com/1989/06/21/world/a-reassessment-of-how-many-died-in-the-military-crackdown-in-beijing.html?pagewanted=2&src=pm.

Page 114: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

114

Russia did not sell China cutting-edge defense equipment. Russian arms transfers to India, on the other hand, were recent versions98. Arms transfers are a thorny issue for Chinese-Indian relations. The Himalayan War of 1962 was a turning point for the nation´s defense policy, especially for India. Between 1950 and 1960, India received military aid from the United States in order to contain communist China. However from 1960 to 1990, US-Indian relations froze because of US efforts to placate China and the strengthening of relations with Pakistan. The transfer of hardware and technology was virtually non-existent until 1990, when the Americans attempted to countervail Chinese ascendency 99 . During the period of the 1962 War and after, the Soviets began to provide assistance to the Indian defense industry. Soviet-design but Indian-manufactured arms took place into the scenario of the military context of Asia-Pacific. Almost 70% of defense agreements were Soviet100, the remainder being British and French. Although Pakistan was armed by the US in the 1950s, arms transfers to Pakistan ceased in the early 1960s. This meant that Pakistan could only count on Chinese help to build an arms industry necessary for its security needs. In 1965, China became Islamabad’s main supplier of military equipment. In the 1970s, Pakistan received 300 fighters and 1,000 T-59 Chinese tanks; by the 1980s transfers to Islamabad included missile assistance which helped Pakistan keep pace with India´s nuclear program. As a consequence, Pakistan had the capability to detonate six nuclear devices in 1998, matching India’s nuclear tests of 1974 and 1998101. After the Soviet Union invaded Afghanistan in the 1980s, Pakistan received military aid from the Reagan administration to the tune of three billion dollars, aid that included F-16 fighters, attack helicopters, tanks and howitzers. More recently, as a result of the 9/11 terrorist attacks and America’s reliance on Pakistan in the hunt for members of Al-Qaeda and the Taliban in Afghanistan, the Bush administration approved a 3.2 billion aid package beginning in 2004. An additional aid package of five billion dollars was approved by the American Senate that will come into effect from 2012 to 2016102. Countries in the South Asia region continue to spend highly on defense and military equipment. According to US 98 Jurgen Brauer and Paul Dunne, Arms Trade and Economic Development: Theory, Policy and cases in arms trade offsets (New York: Routledge, 2004). 99 Stephen P. Cohen, India: Emerging Power (Washington: The Brookings Institution, 2010), pp. 136-137; 268-298. 100 Angathevar Baskaran, “The role of offsets in Indian defense procurement policy,” in Jurgen Brauer and Paul Dunne, eds., Arms Trade and Economic Development: Theory, Policy and cases in arms trade offsets (New York: Routledge, 2004). 101 Angathevar Baskaran, The role of offsets in Indian defense procurement policy, 2004, 184-187. 102 “EUA concederão US$ 2 bilhões em ajuda militar ao Paquistão,” Estadão, Octuber 22, 2010,http://www.estadao.com.br/noticias/internacional,eua-concederao-us-2-bilhoes-em-ajuda-militar-a-paquistao,628341,0.htm.

Page 115: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

115

Department of State103 figures, South Asian military expenditure in proportion to global expenditure rose from 0.8% to 2% over the last decade. Most notably, China and India unsuccessfully pursued a self-sufficiency policy that attempted to eliminate the technological gap between East and West. However, China and India continue to rely on foreign procurement to maintain the balance in the region. For a better understanding about how India’s actions impacts on Chinese decision making and regional strategy, in the next section we shall analyze New Delhi’s security environment and how China helps to shape it. 3. A Historical Perspective of India’s Security Environment In the 1940s and early 1950s, colonial and imperialist powers posed the greatest threat to India and other post-colonial states104. Consequently, from 1947 to 1962 Indian foreign policy and security concerns were characterized by the philosophies of Gandhi and anti-imperialism. The socialist identity of the government in the same period would shape the evolution of India’s state and economy for the ensuing decades105. India’s rise as an independent state affected its relationship with Britain as well as other polities of the old Indian Union, most notably Pakistan. Located in South Asia, India has land and sea borders with Pakistan, Bangladesh, Nepal, Bhutan, Myanmar, China, the Maldives and Sri Lanka. Although India’s conflict with Pakistan is better known, New Delhi has security issues with nearly all of its neighbors. Issues surrounding the Indian-Pakistan split remain unresolved, and terrorist activity has given the conflict a multidimensional identity. According to Sood106, Pakistan poses a threat to Indian security in the form of a conventional military competitor, a nuclear power and a provider of logistics, intelligence and resources for terrorists and other subversive activity in Indian Territory. In the late 1990s and 2000s, the exacerbation of Pakistan’s problems has seen it slide towards becoming a failed state; this has had a disadvantageous effect on India’s security and regional stability. In this relation, from hard to asymmetrical, diverse types of balancing are in play. Sood107 also sees Bangladesh foreign policy towards India as problematic. During the India-Pakistan split in 1971, Bangladesh enjoyed a better relationship with India; however that country – 103 For further information see http://www.state.gov/t/avc/rls/rpt/wmeat/1999_2000/index.htm. 104 K. C. Dash, Regionalism in South Asia: Negotiating cooperation, institutional structures (New York: Routledge, 2008). 105 Vivek Chibber, Locked in Place: State-Building and Late Industrialization in India (New Jersey: Princeton University Press, 2006). 106 Vikram Sood, “India and regional security interests,” in Alyssa Aires and Raja Mohan, eds., Power realignments in Asia: China, India and the United States (New Delhi: Sage Publications, 2009). 107 Vikram Sood, India and regional security interests, 2009.

Page 116: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

116

as well as Nepal – has since developed a deep fear of Indian hegemony108. But neither of them poses threats in a conventional manner. On a broader level, the numbers of Bangladesh refugees in India, combined with an increasing level of Islamic activity in the country, are problems in their own right. Nepalese terrorist supporters and the externalities of that country internal conflict are a problem to India. This issue links to China when Nepal uses the “Chinese card” when bargaining with India109. Another potential threat emanates from Sri Lanka. That country civil war and its repercussions in the South of India have been a problem for the government in New Delhi since the 1970s, culminating in military intervention in the 1980s. These events seriously compromised the Indian government objectives at the time. In addition to Islamic terrorists linked to Pakistan, the country has suffered Maoist revolts, especially in the northeast of the country. Therefore we can say that threats from South Asian neighbors do exist for Indian security, and none of them is more important as the threat posed by Pakistan. Since India’s independence in 1947, India and Pakistan have been in a state of constant competition and conflict. The period has witnessed four major conflicts: Kashmir in 1947 and 1965, the dispute over Bangladesh independence in 1971 and Kashmir again in 1999 (also known as the Kargil War). Authors such as Mohan110, Sood111and Roy112 agree that India’s foremost security issue is Pakistan, and this has shaped the country’s foreign policy and strategy for Asia. Although the main reason for India-Pakistan conflict has been regional and territorial competition, we can point to other causes for the continuation of hostilities. Thomas113 suggests the conflict can be understood by studying three levels of balancing. In the first level (regional), balancing and competition exist between India and Pakistan; in the second, a balance existed between India/Afghanistan and Pakistan/China. The third and final level sees India siding with the Soviet Union and Pakistan with the US. India’s staunchest ally in this period was the Soviet Union. Despite never being a formal aligned member of the socialist bloc, India’s foreign policy guaranteed close ties with the Soviet Union. The struggle for independence in China and India was supported by Soviet logistic, intelligence and military resources (as was the case in India during 108 K. C. Dash, Regionalism in South Asia, 2008. 109 Raja Mohan, “The evolution of Sino-Indian relations: implications for the United States,” in Alyssa Aires and Raja Mohan, eds., Power realignments in Asia: China, India and the United States (New Delhi: Sage Publications, 2009). 110 Raja Mohan, "India and the Balance of Power," Foreign Affairs, Essay, June/August 2006, https://www.foreignaffairs.com/articles/asia/2006-07-01/india-and-balance-power. 111 Vikram Sood, India and regional security interests, 2009. 112 Nabarun Roy, “In Pursuit of Prestige: A Theoretical Insight into India’s Expansionist Foreign Policy” paper presented at the International Studies Association (ISA) Annual Convention, New York City, New York, February15th – 18th, 2009. 113 Raju Thomas, “The South Asian Security Balance in a Western Dominant World,” in T.V. Paul, James Wirtz and Michael Fortman, eds., Balance of power: theory and practice in the 21st century (Stanford: Stanford University Press, 2004).

Page 117: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

117

British rule). Independence for China and India resulted in a strengthening of ties between those countries and the Soviet Union, especially in the realms of trade, technology transfers and arms dealing. From 1947 to the collapse of the Soviet Union, the bulk of Indian military equipment was Soviet-supplied. After the Sino-Indian War of 1962 and the deterioration of Soviet-Chinese relations in the 1950s and 1960s, ties between India and the Soviet Union grew stronger. The logic of balancing took effect in the 1970s, once the US started engaging with China. The relationship between India and the USSR, especially after the death of Nehru in 1964, was strategic but pragmatic; different to the formalized alliance typified by the Warsaw Pact and NATO. The worsening relationship between the USSR and China (the latter playing a key role in the formation of India’s foreign policy), and the US policy of containment in the region, made explicit the USSR’s need for allies in the region. Sood114 highlights the high regard that Indian policy-makers had for China and its role on a regional and global level. This high regard was shattered after the brutal invasion of Tibet in 1962. As this historical review shows, China is regarded as a rational actor that tends to maximize its wealth and power through the adoption of a realist mindset. However until 1962, India’s foreign policy is seen as idealistic115. The strategic relations described above show clearly India’s main alliance and balancing structures during the Cold War era. The collapse of the USSR and domestic reforms in India in the 1990s have revised India’s foreign policy; Indo-US cooperation and the relevance of the Indian Ocean as energy sources are now take precedence. 4. China and India Post-War Defense and Security Cooperation in Asia -Pacific The historical landscape presented in previous sections helps to understand the geopolitical landscape that influences China and India, in particular the balance of power that exists between then in the twenty first century. In this section of the paper, we will examine India and China’s strategic alignments, particularly their alliances and ententes. Historical processes are key in understanding the contemporary balance of power between China and India. The rigid bipolar structure was complicated by China’s withdrawal from the Soviet bloc and India’s non-aligned foreign policy. In this sense, India and China’s alignment with

114 Vikram Sood, India and regional security interests, 2009. 115 Raju Thomas, The South Asian Security Balance in a Western Dominant World, 2004. Nabarun Roy, In Pursuit of Prestige, 2009.

Page 118: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

118

Russia and the US during the Cold War has created a flexible pattern of cooperation, different from a formal alliance or an ad hoc coalition116. If the Cold War was marked by a structure of trilateral relations between China, US and Pakistan against India, USSR and Afghanistan, two macro-events have induced a structural change in this pattern. Firstly, the collapse of the Soviet Union has left only one superpower on the world stage. The distribution of power has shifted in an unexpected way, leading to changes in alignments and other forms of military and political cooperation. During the 1990s, the world witnessed the rapid rise of China and its march towards being a global power. At the same time, China has opened its economy and improved its relations with the West. India, on the other hand, maintained a close relationship with Moscow, and in doing so became its main strategic partner in Asia. India’s nuclear tests in 1998 precipitated a serious diplomatic impasse with the US and its allies, a situation worsened by Pakistan’s own nuclear tests in the same year. The second macro-event that would affect the Asian landscape was Al-Qaeda’s attack on American soil on the 11th September 2001. Terrorism became the principal security issue for the US, and central Asia was judged to be one of the main roots of the problem. In this context, US-PAK relations and United States strategic evaluation of India rapidly shifted. The White House under Bush administration fastened its approximation with New Delhi, initiated during Clinton years ahead the US government. Steadfast security and defense cooperation exists between India and Russia. Since the breakup of the former USSR, arms and technology have played a key role in Indo-Russian relations. Russia and the UK have supplied a high percentage of India’s arms imports from ground forces equipment to navy submarines and a Carrier. One of the most impressive cooperation projects between India and Russia is the PAK FA T-50, a fifth generation fighter. In order to counteract the strategic challenge posed by China, South Asia is the main stage for Indian maneuvering. The South Asian Association for Regional Cooperation (SAARC) is an initiative created by Nepal and Bangladesh to foster technical and economic cooperation and integration in South Asia. Although created in 1985, it wasn’t until the 1990s that India sat up and took notice; SAARC was actually part of India’s strategy for securing its nearest region from external influences. Economic cooperation has grown since the implementation of SAPTA

116 Devin Hagerty, “Are we present at the creation? alliance theory and the Indo-US strategic convergence,” in Sumit Ganguly, Brian Soup and Andrew Scobell, eds., Us–Indian strategic cooperation into the 21st century: More than words (New York: Routledge, 2006).

Page 119: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

119

(SAARC Preferential Trade Agreement) and SAFTA (SAARC Free Trade Agreement), albeit at a slow pace. Soft power has been followed by greater proximity and military cooperation, in particular by the Maldives. As a result of closer cooperation with India, this country ‘[agreed] to set up a network of 26 radars across the Maldives atolls to be networked to the Indian coastal radar system, along with the establishment of an air station to conduct surveillance flights and coordinate naval patrols in the Maldives Exclusive Economic Zone.’117. After the fall of the Liberation Tigers of Tamil Eelam (LTTE) in 2009, Sri Lanka has increased defense cooperation with India. Both countries took part in joint naval exercises in 2011 (SLINEX II) in order to consolidate lines of communication and security in the Indian Ocean118. India continues its quest for partners in the realms of diplomatic approximation and military cooperation. The need to have geographical influence that extends beyond the Indian Ocean, and India’s desire to secure energy and trade routes, has led to see Japan and South Korea as relevant partners. More importantly, Japan and South Korea are deemed essential for balancing China and its territorial claims in the East Asian Seas. In 2007, India embarked on a series of joint naval exercises with Japan and South Korea, the US, Russia, the Philippines, Vietnam, New Zealand and China. The participation of Japan, South Korea, Vietnam, New Zealand and Philippines illustrates India’s inclination towards the US and its allies in the Asia-Pacific region. The Indo-US approximation is the most important novelty in the Asiatic alignment system. However, as Hagerty119 states, US-India relations are more of an entente than an alliance. India still maintains rhetoric of ‘strategic autonomy’ a issue in the core of its strategic culture120. The late US recognition of India as a nuclear power and their technology transfer proposals may be valuable in India’s efforts in balancing China; it may also be relevant to the US’s containing strategy. As Indo-US relations improve, the United States can also become an important arms supplier to India. How will China act – and react – towards India in the Asian strategic landscape? Until the late 1970s, China enjoyed strong cooperation in politics and military affairs with the USSR. In the meantime, Russia never ceased to be an important arms supplier and source for technology. China and Russia are currently the principal actors in the Shanghai Cooperation Organization (SCO), a regional organization focused on defense cooperation in central Asia. SCO may well develop into an important political dialogue forum, not least because it has India and Iran as Observer States. 117 International Institute for Strategic Studies (IISS), The Military Balance 2010 (London: IISS, 2010). pp. 336. 118 R. K. Radhakrishnan, "India, Sri Lanka conduct naval exercises," The Hindu, September 24, 2011, http://www.thehindu.com/news/international/india-sri-lanka-conduct-naval-exercises/article2478888.ece. 119 Devin Hagerty, Are we present at the creation? 2006. 120 V.P. Malik, "India’s strategic culture and security challenges,"ORF Discourse. no. 1 (2010).

Page 120: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

120

Along with weapons systems, Russia is a key energy provider to China; gas and oil are important factors in Russia’s GNP therefore the ties between the two countries are consolidated. South Asia is fast becoming a key strategic front for China; it often attempts to capitalize on India’s sometimes strained relations with its neighbors. Pakistan is China’s strongest ally in the region. In addition to that Beijing is also trying to consolidate its relationship with Bangladesh, Nepal and Sri Lanka. Despite the historically cordial relations between India and Bangladesh, problems have always arisen. Water resources have been a point of contention between the two states, as has the volume of Bangladesh immigrants in India and ethnic change in the country. Following these problems, China seeks to embrace South Asian countries. Chinese economic relations with South Asian countries are bigger than India’s, despite of Bhutan. Sood121 and General V. P. Malik122 state that India’s prime area of influence is being seriously engaged by China, especially through the strengthening of military and logistics in Tibet. This problem is increased if we take in account the relations between Nepalese Maoists and Indian communist Naxalite with China. Nevertheless, it is the ‘string of pearls’ that concerns most Indian analysts,. Several Chinese naval bases in the Indian Ocean may pose future threats to India, a situation that would not be possible without South Asian countries cooperating with China. The Maldives have allowed China to build a base in Marao and China is helping Sri Lanka to build port and bunker facilities at Hambantota. Those facilities will add to the existing Chinese functioning ports in Gwadar (Pakistan), Chittagong (Bangladesh) and Sittwe (Myanmar), crucial to Chinese sea lines of communication.

Figure 2. Chinese Sea lines of Communication in Indian Ocean

121 Vikram Sood, India and regional security interests, 2009. 122 V.P. Malik, "India’s strategic culture and security challenges.", 2010.

Page 121: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

121

Source: John Lee and Charles Horner, “China faces barriers in the Indian Ocean,” Asia Times online, January 10,

2014, http://www.atimes.com/atimes/China/CHIN-02-100114.html.123 There are also plans to build military installations in Myanmar. Another state aligned with China is North Korea, crucial to Chinese naval policy and avoiding South Korea and the US possessing a beachhead in South China. In accordance with the theoretical and conceptual background of this paper, one can state that the predominant form of defense and security cooperation in South and East Asia varies from ententes to some limited informal alliances. Based on definitions from Russett124 and Hagerty125, the relations that India and China establish with South Asian and Southeast Asian countries may be characterized as highly flexible, non- or low-institutionalized, based on pragmatic alignment of interests (not only military) and without serious commitment towards collective defense. Interestingly, the kind and pattern of security and defense cooperation found in this area of the world seems to validate the neo-realist hypothesis that security cooperation only occurs in order to maximize power and wealth126. In the next section, we demonstrate how power maximization in terms of arms transfers and building military capabilities occurred in China and India. 123 Also see: Christopher J. Pehrson, "String of pearls: meeting the challenge of China’s rising power across the Asian littoral," U.S. Army Strategic Studies Institute, July 25, 2006, http://www.isn.ethz.ch/Digital-Library/Publications/Detail/?lang=en&id=27007. 124 Bruce Russett, "An Empirical Typology of International Military Alliances,” 1971. 125 Devin Hagerty, Are we present at the creation? 2006. 126 See: Harald Müller, “Security Cooperation,” in Walter Carlsnaes, Thomas Risse and Beth Simmons, eds., Handbook of International Relations (London: Sage Publications, 2003).

Page 122: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

122

5. China and India Interconnectedness of the Military Build-up Both China and India are extremely keen to increase their weapons capabilities. Despite efforts to become self-sufficient vis-a-vis defense, they are still dependent on foreign technology and weapons. Since the 1962 War, both countries have sought to develop modern armed forces. India’s humiliating defeat resulted in a modernization program of its defense industry and armed forces. In order to possess state-of-the-art weapons systems, foreign procurement was necessary. According to SIPRI (see table 1), from 1990 to 2009 India and China were the world’s biggest arms importers. Although China is considered the largest importer, recent advances in the development of their defense industry have enabled the country to become the sixth largest exporter of defense equipment. The United States (30%), Russia (19.7%), Germany (10.9%), France (8.2%), United Kingdom (4.5%) and Israel (3.4%, just behind China in the list) are the main export countries. Together they represent 76.7% of all global transfers. The US and Russia have an important role for India and China. During the Cold War, power dynamics between countries changed as a consequence of arms transfers from the USSR and the United States. The USSR played a substantial role in providing China and India with advanced technological weaponry. A new strategic partnership emerged in the 1990s that enabled the Chinese to equip themselves with advanced weaponry. India purchased weapons from the USSR/Russia to counteract US and Chinese weapons transfers to Pakistan; in total India purchased 70% of its arms from the USSR/Russia. Committed to a policy of diversifying its strategic partners, India views the United States as an important arms supplier. In 2004 President Bush and Prime Minister Vajpayee signed the Next Steps for Strategic Partnership (NSSP). From a US point of view, an armed Pakistan, and efforts to improve relations with India, is important instruments in counteracting China for a ‘strategically stable Asia’127. Compared to Soviet/Russian exports totaling 37.336 billion dollars, US trade to India in the same period amounted to just 2.744 billion dollars. The NSSP can be seen as a bureaucratic structure to change this imbalance and improve Indian-US relations. As an innovative and cooperative instrument, the agreement includes civilian nuclear activities, civilian space programs, advanced technological trade and missile defense. The context of an Asian regional security dynamic makes India and the United States ‘natural allies’, an expression coined by Douglas

127 Stephen P. Cohen and Sunil Dasgupta, Arming without Aiming: Indias Military Modernization (Washington: The Brookings Institution, 2010), pp.166.

Page 123: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

123

Feith128. On the other hand, since the Tiananmen crackdown, an American on China embargo resulted in the end of “Pearl Peace” program. Chinese armed forces continue to rely on foreign-made weapons despite considerable efforts to create an indigenous arms industry. From 1990 to 2014, Chinese imports of American components totaled 39 million dollars, while USSR/Russian arms amounted to more than 32 billion. The interconnected nature of Indian and Chinese arms transfers constitute a complex web incorporating the United States, Russia, Pakistan, Israel, France, United Kingdom, and others. Sino-Pakistan relations cause concern in India, primarily because China is accused of clandestine provision of nuclear and missile technology to Pakistan. China sees the strengthening of Pakistan’s military capability as paramount in efforts to counteract India (see table 4). A similar policy is used by the United States to increase Taiwan´s military capability. Taipei and Beijing relations have been strained since the Taiwan Strait Crisis (1995-6), and after the Chinese approved the Anti-Secession Law in March of 2005. According to SIPRI Arms transfers database 2015, China continues to be heavily dependent on Russian exports and technology transfers. After years of development, China still lacks a reliable engine model, relying instead on Russian support for the J-10 fighter, its 63 submarine fleet only had a dozen patrols in 2009. China accounted for almost half of all Russian military exports. Likewise, India is dependent on foreign powers. The Light Combat Aircraft (LCA) has been in development since 1980 and is still a long way from production. New partnerships with Israel will guarantee technology transfers and should lead to the development of the industry. Most of the key projects rely on Russian cooperation, for example the BraHmos cruise missile, the Glonass satellite, and technology transfers for a nuclear submarine. According to SIPRI Chinese military expenditure increased by 194% from 1998 to 2008; Indian expenditure increased by 44.1% in the same period. Since 2000, China has heavily invested in its defense industrial base. One of the overarching issues is whether China`s growing defense technological capabilities are fundamentally transforming the nature of the military balance in the Asia-Pacific region, igniting arms spirals and intensifying security dilemmas. Countries such as Vietnam, Japan, and the United States have been taking steps to beef up their regional defense capabilities through weapons acquisitions or adjusting their military strategies and force deployments. Conclusion 128 Stephen P. Cohen and Sunil Dasgupta, Arming without Aiming, 2010.

Page 124: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

124

This paper has analyzed the contemporary balance of power dynamics in South and Southeast Asia. China and India are crucial to a better understanding of these dynamics, as is their relationship with foreign powers, in particular the United States and Russia. In order to shed light on the complex web of relationships involving New Delhi and Beijing, the strategic context of the region was analyzed: agreements with other countries, arms transfers, security dynamics and their relationships with other countries outside the region. Using alliance theory as a reference, we demonstrated how China and India reacts to the counterbalancing movements of each other. Attempts to maximize the power of agreements led China and India to adopt a flexible system of dealing with other countries, particularly vis-a-vis agreements and arms transfers. A flexible approach allows countries to obtain maximum advantage from their different partners. This is particularly apparent in arms and technology transfers, the two countries enjoying relations with countries from different regions of the world. The United States and the USSR/Russia played an important role in Indian and Chinese foreign relations, but we also showed how both countries are trying to expand their network of relationships in Europe, the Middle East and Africa. For this reason, New Delhi and Beijing balance each other, not through formal alliances, but through alignments, depending on the situation. The US-Pakistan-China alignment forged during the Soviet invasion in Afghanistan, reinforced Russia and India relations. The current American Global War on Terrorism – and the importance of containing an increasingly powerful China – have resulted in the development of ‘affinities’ between the US and India in the form of the NSSP alignment. Nowadays, evidence suggests the reinforcement of India and United States alignment and a China-Pakistan partnership. The death of Osama Bin Laden in Pakistani soil in May 2, 2011, worsened US relationship with the Islamic country. Thence, Islamabad is making efforts to reduce American influence and the increase on military buys to Beijing is a clear movement in this way. In this sense, China strengthens Pakistan in a soft balancing strategy to India, whose New Delhi rise in the international system could be considered a challenge to the Chinese preponderance in East Asia. Sino-Indian relations are not excellent actually. Confidence building measures are necessary to improve the bilateral relations to attenuate an eventually attrition about divergences in the political arena. A repeat of a conflict similar to the Himalayan War of 1962 is unlikely to happen in the context of the strength of Chinese and Indian economies. However, cooperation is unlikely while the prevailing balance of power persists.

Page 125: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

125

UM VELHO DRAGÃO AGORA IDOSO Gabriel Ralile (PUC-Rio)

Orientação: Adriana Erthal Abnedur

Introdução

A China, podemos dizer, desde a guerra das Coreias em que seu contingente populacional se destacou, vem mostrando ao mundo o porquê de se temer tamanha nação grande em territorialidade, enorme em população e imensa em crescimento. A segunda economia do mundo, ultrapassando o Japão em 2010, espantou o mundo com seu potencial gerando medo, boas esperanças e muita controvérsia. O fator principal é, certamente, o tamanho exorbitante de sua população: quase 1,4 bilhões de habitantes, a maior do mundo. Esse dragão que vem despertando nas últimas décadas amedronta, sobretudo, por essa população. Não em vão a própria China instituiu a política do filho único no fim da década de 1970 para amenizar a situação, mas o tiro vem demonstrando poder sair pela culatra. A China faz parte agora do grupo de países cuja população se encontra envelhecida, majoritariamente na terceira idade, e isso certamente implica em fortes impactos e mudanças.

A análise do problema vem crescendo por já se tratar de realidade em importantes países com Rússia, Japão e grande parte da Europa. Nesses países já se há políticas de incentivos a mais filhos, entre outras medidas para tentar contornar a situação e garantir melhor bem-estar para a população. Analistas vêm estudando a questão no nordeste asiático e Europa, observando também o crescente envelhecimento, portanto algo que parece ser tendência mundial.

Em meu artigo, irei analisar possíveis impactos desse eminente problema na China em plano internacional e a postura do novo governo sob a liderança de Xi Jinping. O novo presidente no poder desde 14 de março de 2013 será responsável por mudanças internas necessárias para adaptabilidade à nova situação. Filho de político e há longo tempo na carreira, Xi Jinping tem revisado antigas políticas nos últimos tempos mesmo sendo considerado mais conservador. Grande parte disso pode ser associada à necessidade de mudanças que o presente vem nos empregando.

Meu argumento é de que a questão do envelhecimento populacional deve entrar como um fator de análise da China nos próximos anos por afetar diretamente a parte social num dos fatores

Page 126: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

126

mais delicados, o nível demográfico. A pressão demográfica é um risco crescente, principalmente com a ascensão da terceira idade, além de que setores como economia e a área militar não se sustentarão sem medidas adotadas desde já, uma vez que precisam da massa jovem.

Esquematizo meu trabalho em cinco partes. Inicio com um breve histórico de posturas do atual líder chinês e sobre o fenômeno observado. As três partes seguintes procurarão trazer material empírico para análise, dividindo-se em uma abordagem sobre a questão militar, seu desenvolvimento e foco nos casos de Taiwan, Coreia do Sul, Japão; a necessidade de um crescente cuidado com a saúde da população em relação ao elevado grau de poluição presente no país, indicando um eminente gasto com cuidados à terceira idade e um possível afloramento do setor geriátrico, também explorando a questão ambiental chinesa; o problema que enfrentará o desenvolvimento da economia e dos setores internos devido ao envelhecimento da população. Concluo na quinta e última parte que as questões internas tenderão a tomar protagonismo na pauta chinesa e que por isso vemos uma tendência do país a se voltar para si, com isso também se tornando um ponto fundamental para estudos futuros sobre o país. Usarei uma aproximação sob o olhar realista, utilizando-me principalmente da obra de Mearsheimer para entender a situação geopolítica chinesa, assim como trabalharei em partes com Hardin e Ostrom quanto ao problema ambiental e uma possível solução e Keohane na necessidade de cooperação econômica. Falarei também do papel de Xi Jinping, usando para isso Morgenthau e seu conceito de política e a prudência na mesma quanto à postura do novo líder e da China como nação, enquanto falarei dos dilemas de segurança presentes no país. Completando, irei abordar o dever do líder em atender as necessidades do estado em risco a ser deposto, ao mesmo tempo em que o temor em relação ao estado leva à obediência da população (MAQUIAVEL, 1513). O trabalho ainda se usufrui de variados artigos para apresentar informações e analisá-las. Desenvolvimento O desafio do novo presidente

Reportagens governamentais demonstram que a China terá a população mais idosa em 2030. Yangzong Huang é membro do Programa Mundial da Saúde no Counsil of Foreign Relations e nos mostra que isso se deve majoritariamente a três fatores: um robusto crescimento econômico que impactou numa elevação da expectativa de vida nas últimas décadas, fazendo uma média de 68 anos, em 1981, subir para 74 atualmente; a geração dos Baby Bommers, chineses nascidos entre as

Page 127: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

127

décadas de 50 e 60, passaram a fazer parte da população mais idosa; a política do filho único adotada na década de oitenta diminuiu a fertilidade da população chinesa.

O presidente Xi Jinping, em um discurso para um fórum internacional em 03 de novembro de 2013, afirmou a questão social como a prioridade número um do governo. Podemos notar a veracidade de tal afirmação com as várias reformas e mudanças implantadas nos últimos tempos. Dentre elas, a famosa política do filho único foi alvejada. De acordo com a Xinhua News Agency, pais de filhos únicos poderão ter um segundo filho caso desejado (2013). A antiga política que já era impopular entre os chineses agora se demonstra um risco para a mão-de-obra e um problema de gastos com a terceira idade para o estado. No campo já se é possível conceber um segundo filho caso o primeiro seja do sexo feminino, dado que também nos mostra outro problema populacional. No fim da década, devido à preferencia ao filho homem, estima-se que 24 milhões de homens chineses não terão como arranjar parceiras, o que se demonstra um risco social e que já vem trazendo efeitos colaterais como o tráfico de mulheres. Outra projeto de abolição importante vindo em meio ao pacote de reformas do novo presidente foi o fim dos campos de reeducação pelo trabalho.

Muito se debate o porquê dos recentes afrouxamentos da poderosa mão de ferro chinesa. O mais provável é a emergente necessidade da China voltar novamente os olhos a si. Após décadas de abertura ao exterior, principalmente ao ocidente e ao avanço na África, a China precisa conter seu maior gigante, o contingente populacional. A demanda interna por consumo e a necessidade de manutenção do grande território e dos recursos são objetivos constantes na pauta. As manifestações do ano passado em Hong Kong mostraram ao Partido Comunista que abrir mão de um diálogo pode resultar futuramente em sérios problemas para o controle estatal.

O clássico O Príncipe de Maquiavel nos mostra o lado da moeda que se refere ao medo, ele sendo uma forma de por a população em obediência ao governante. A força de repressão chinesa impõe medo à população. O episódio de Praça Celestial ainda é recente na história chinesa. Mas o mesmo Maquiavel escreve que um líder deve atender às necessidades da população. Se ele não garantir os recursos necessários para a sobrevivência do estado, não souber controlar sua população, esta se revoltará contra o primeiro, derrubando-o. O mesmo princípio é visto no conceito de leviatã de Hobbes (HOBBES, 1651). Cabe então a Xi Jinping a prudência, saber impor o domínio do Partido e ao mesmo tempo abranger políticas reformistas. Com a ascensão dos meios de comunicação e a maior abertura chinesa nas últimas décadas, o mundo pôde parar e observar o grande dragão e, como consequência, os modelos sociais e principalmente a onda de direitos

Page 128: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

128

humanos puderam adentrar o país. Pressões internacionais precisaram ser atendidas e está agora, por mais que relutante, precisando ceder mais e mais como moeda de troca. Nas próprias manifestações de 2014 em Hong Kong, os jovens se comunicavam pelos seus celulares de ponta, bravejavam ideias democráticas antes inconcebíveis e havia o acompanhamento em tempo real de qualquer lugar do mundo.

Mas essa abertura também implicou na via contrária, uma maior influência da China no mundo. A segunda maior economia do mundo está presente em quase todos os lugares com suas empresas, seus produtos com etiquetas “made in China”, estabelecimentos e até na ONU. Membra permanente do Conselho de Segurança, utiliza-se cada vez mais do poder de veto. A guerra civil na Síria ilustra bem, uma vez que mantém uma postura de não intervenção, por mais que muitas vezes contraditória, e vem vetando qualquer resolução. O dilema militar

Mas o que isso nos leva a refletir na questão do envelhecimento populacional? A maior questão a ser abordada são os dilemas militares. Como visto, o país já lida com situações como a de Hong Kong, o domínio do precioso Tibet, seus glaciais e sua posição estratégica, ou o Xinjiang que ilustra a questão das minorias e suas reivindicações no território. Mas o plano internacional se sobressai nesse aspecto. Antigas rivalidades militares sempre foram questões de risco à China e uma população idosa pode alterar esse cenário.

O professor de Segurança Internacional e Leste Asiático Seong-ho Sheen analisa a questão e conclui que China, Coreia do Sul e Japão, em 2030, estarão com grande parte da população idosa, impossibilitando um conflito, o que chama de “Paz Demográfica”. Sheen aponta que Japão e Coreia do Sul sustentam as últimas colocações de taxa de fertilidade mundial, conseguindo se inferiorizarem a países europeus. A China já consegue uma posição inferior à França e ao Reino Unido, mesmo tendo entrado no grupo de países com nível de fertilidade abaixo do necessário para manutenção do número de população jovem apenas duas décadas depois. O autor vê que tudo indica ser uma característica de países industrializados.

O que impressiona, continua Sheen, foi a tamanha velocidade em que os fatos ocorreram. A Europa levou quarenta e três anos para chegar a uma população majoritariamente no topo da pirâmide etária, enquanto os três mencionados países asiáticos levaram apenas dez. Ao processo de envelhecimento, foram cento e dez anos para Europa contrapostos a apenas trinta e dois desses países asiáticos.

Page 129: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

129

O autor relata que a China sempre optou por uma política de preferência ao crescimento econômico em relação aos gastos militares. A política era de subordinar a área militar à área econômica. Nos últimos anos isso vem mudando. O investimento militar vem aumentando à medida que a economia cresce. Um primeiro ponto que se observa nisso é que com um envelhecimento da população, o crescimento cai e, dessa forma, a força militar também o faz. Não haverá a falta de jovens em si para preencher os quartéis, mas a massa intelectual e de produção tecnológica também cairá, assim como os recursos para se investir (SHEEN, 2013).

Xi Jinping passa pelo dilema de Maquiavel: com o déficit eminente num setor militar, como defender a nação? Morgenthau já apontava o dilema que a incerteza cria. China, em plano internacional, mantém um medo persistente com Taiwan, Coreia do Sul e principalmente a uma possível militarização do Japão. Um déficit militar significa riscos à segurança nacional, uma vez que nada garante o não contornar do problema pelas suas nações rivais, além do fato do país viver em constantes contraposições que obrigam o uso da força. As forças de influência interna chinesas podem e irão cobrar atitudes do novo presidente para minimizar os riscos da situação.

O que tem sido feito foram políticas instauradas pelo Partido Comunista visando suprir o risco de um confronto bélico ao armar-se e desenvolver a diplomacia na região. Mearsheimer, como um autor contemporâneo baseado nas ideias de Waltz, dá a nós uma bela lente para interpretar a situação, uma vez que seu realismo é ótimo para se fazer premissas iniciais e observações (KEOHANE, 86). O autor conclui que não é possível determinar o mínimo necessário de poder acumulado para garantir a sobrevivência, por isso busca-se maximizá-lo (MEARSHEIMER, 2001). A China então busca sua maximização de poder em relação aos seus desafios internos e ameaças externas justamente para garantir sua sobrevivência. Mearsheimer aborda dois tipos de poder, o militar e o latente, ou seja, o tamanho do exército e o tamanho da população e riqueza capaz de se converter em forca militar. Com isso vemos a necessidade do país desenvolver seu exército e o peso de sua população nele, inclusive explicando a mudança de postura de uma maior preferência de alocação de recursos a esse setor em relação à economia. A diplomacia age como meio fundamental para se evitar conflitos diretos e garantir alianças necessárias ao cenário.

A rápida modernização do exército chinês impõe muitas dúvidas. Sheen, em seu trabalho, e o artigo “The Dragon’s new teeth” do The Economist compilam dados e resultados de pesquisa do SIPRI. Nos últimos dez anos houve um aumento de 30 milhões gastos em defesa para 120 milhões, o que leva a se pressupor que em 2035 os gastos superarão os da América. Os investimentos se concentraram, acredita o Pentágono, em mísseis de alvos localizados e de anti-navios, submarinos,

Page 130: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

130

cyber equipamento e armas anti-satélite em prol de desarmar ou neutralizar o equipamento de inimigos em distância, o que se identifica com uma futura impossibilidade do uso da população, incluindo o fato de que Taiwan, a Coreia e o Japão serem imersos em território marítimo. Entre 2011 e 2012 houve muitos conflitos em alto-mar entre China e Japão, Vietnã, Coreia do Sul e Filipinas em áreas repletas de recursos.

O programa militar chinês começou com a parceria sino-soviética na década de cinquenta, interrompendo-se uma década depois na Revolução Cultural de Mao e se finalizando com o teste nuclear bem-sucedido chinês. O general Chen Zhou, autor de quatro dos mais recentes papers sobre defesa na China, afirmou que a RMA dos EUA é alvo de estudos exaustivos, chegando mesmo a afirmar que Andy Marshall do Pentágono era um grande herói (THE ECONOMIST, 2012). O desenvolvimento seguiu o modelo norte-americano e agora o projeto de até 2020 é focar na mecanização e informatização dos exércitos. Para isso, conta como maior parceira a Russa devido ao embargo em vigor desde 1989 realizado após o episódio da Praça da Paz Celestial (ROZMAN, 2014).

Ao abordarmos a situação regional chinesa o primeiro exemplo que tomamos é Taiwan. Sendo a maior motivação para o desenvolvimento militar chinês, provavelmente em pouco poderia se demonstrar um estopim para um conflito, uma vez que sabe não terá apoio caso declare independência. Pesa ainda para a província rebelde o fato de ter perdido muita legitimidade nos últimos anos, somando também o corriqueiro problema do envelhecimento populacional. Com um sistema rigoroso de alistamento militar obrigatório, Taiwan possui sérios problemas no futuro. Mesmo assim, seus desenvolvimentos de mísseis permitem que portos chineses sejam atingidos, o que é uma preocupação.

A Coreia do Sul ainda se mantém em extremo estado de alerta com sua vizinha no norte. Sheen indica que o país vem criando um programa de defesa crescente, mais baseado em tecnologia devido ao baixo índice de natalidade. Paralelamente, o governo vem desenvolvendo a chamada “visão 2030”, com isso aumentando o sistema de pensão, melhorando o de saúde, educacional, apoiando a terceira idade, entre outras reformas. Pesquisas vêm demonstrando um aumento na segurança social e um pequeno decréscimo na defesa interna, apesar do crescimento do PIB. Uma hipótese talvez seja o apoio norte-americano, o que simboliza também uma saída para a China: Xi Jinping pode vir a procurar reduzir alguns gastos futuros com alianças locais, a mais possível sendo a Rússia.

Page 131: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

131

O recente encontro entre o líder chinês e o primeiro ministro japonês, Shinzo Abe, chamou a atenção do mundo. Japão e China, antigos rivais, há dois anos vêm disputando ilhas desabitadas no leste asiático. A China vem ganhando um status quo na região, pertencente ao Japão até a Segunda Guerra, e vem procurando também domínio marítimo para a passagem de petróleo, principalmente rotas vindas da África e Oriente Médio.

O Japão vem tomando uma postura pacifista, remetendo-se muito a um apoio dos EUA e a um movimento contra a China (CAVANAUGH, 2014). O que vem pondo medo no imaginário global, especialmente ao do povo chinês, é a remilitarização japonesa, algo que em alguns pontos se compara ao caso da Alemanha no período do entre guerras até o eclodir da Segunda Guerra Mundial. O país nunca esteve tão armado, mas para especialistas isso não seria um risco uma vez que seria tendência do país continuar sob o guarda-chuva americano e se voltar para políticas sociais. O que se demonstra um risco é o que pode vir a fazer o Japão hoje, visto que a faixa etária compatível para o trabalho e manutenção do país nunca foi tão fraca numericamente. Também não seria de um interesse norte-americano um Japão que abalasse a ordem local. A questão ambiental e o problema com a saúde

Outro cenário no plano internacional que tem um forte clamor interno é a questão do meio ambiente. A China é um dos países mais poluente do mundo e sofre com constantes pressões internacionais por isso, além de estar tendo altos gastos com problemas de saúde internos. A tendência é uma maior preocupação, visto que uma população idosa implica maior cuidado e gastos bem superiores, além do clamor interno que se elevará em prol do bem-estar da terceira idade.

A China sempre se absteve de responsabilidades na maior parte dos protocolos de meio ambiente. Porém, no ano de 2014 surpreendeu o mundo junto com os EUA ao anunciar um acordo histórico. Segundo informações da Casa Branca, até 2025 os Estados Unidos pretendem reduzir suas emissões de gases poluentes, uma média entre 26% e 28% em relação a 2005 (BRANIGAN; TAYLOR, 2014). Por sua vez, a China calcula que por volta de 2030 o país atingirá o ápice das emissões de gases estufa, neste ponto pretendendo estancar ou iniciar um processo de redução de suas emissões.

O trabalho de Beina Xu no Council of Foreign Relations faz uma boa descrição situacional. Atualmente, o país encara grandes crises de saúde pelos gases poluentes. Os níveis de câncer pulmonar aumentaram e em certas cidades já não se é possível respirar direito sem auxílio de aparelhos. A limpeza por meio da tecnologia se torna obrigatória. Grande parte dessas

Page 132: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

132

consequências vem da acelerada industrialização ao longo das últimas décadas. É responsável por um terço das emissões de gases globais e possui dezesseis das vinte cidades mais poluídas do mundo. Mas a raiz desses problemas vem de séculos, uma vez que os líderes dinásticos, em muito embasados nas ideias confucionistas de uso da natureza, nunca regularam um controle ambiental, apenas em 1972 formando as primeiras instituições ambientais após a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Mesmo assim, o legado da política descentralizadora de Deng Xiaoping e os costumeiros incentivos dados às indústrias pela não fiscalização ambiental, impedem um policiamento efetivo nos dias de hoje, algo que veremos estar-se tentando combater. Xu menciona Jennifer Turner, diretora do Centro Woodrow Wilson, que alegou a poluição chinesa estar numa escala e velocidade antes nunca vista pelo mundo.

O consumo chinês de energia cresceu 130% entre 2000 e 2010. A capital Beijing sofre com a constante smog que encobre toda a cidade, efeito não exclusivo do local. O mais famoso vilão é o carvão, produto em que a China é a primeira do mundo em produção e é responsável por consumir metade da quantidade mundial. Isso leva a uma grande emissão de dióxido de enxofre, responsável pela chuva ácida e um grande contribuinte para o efeito estufa. Cerca de 75% das áreas chinesas são urbanizadas e a maior parte da população idosa vive nessas áreas, geralmente sendo sustentada por instituições, uma vez que as famílias não possuem recursos, tempo ou simplesmente interesse. Os idosos das áreas ricas sofrem mais do que aqueles em zonas mais suburbanas, visto que a concentração de tóxicos no ar é maior nos grandes centros.

Outro problema, e para muitos analistas o principal, é a questão da água, visto que grande parte das reservas aquíferas se encontra poluídas e escassas pelo extremo gasto, fato que levou a se intensificar a extração das fontes no Tibet. Com certeza essa questão será uma grande moeda de negócios com a China, mas também pode significar uma radicalização da postura regional.. A situação em si cai na famosa Tragédia dos Comuns (HARDIN, 1968) onde o bem comum, os recursos naturais no caso, é explorado além dos limites pelos interesses de atores racionais, agravando-se ainda mais pela superpopulação chinesa.

Não à toa, em fevereiro de 2013, o governo central pôs a questão ambiental entre um dos problemas principais do estado. Em dezembro do mesmo ano, a Comissão Nacional de Reforma e Desenvolvimento da China produziu uma lista com metas ambientais para serem realizadas até 2020. Em janeiro de 2014, o governo de Xi Jinping anunciou o requerimento de que 15000 empresas, incluindo estatais de grande porte, fizessem relatórios em tempo real sobre emissão de gases e uso da água. O governo também planeja nos próximos cinco anos gastar 275 bilhões em

Page 133: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

133

limpeza atmosférica. Por fim, foi emendada à lei ambiental a possibilidade de punição às empresas que não cumprirem com o plano de segurança ambiental. A solução se aproxima da proposta por Ostrom (OSTROM, 2014), criando-se restrições de acesso a recursos naturais, usando tecnologia como apoio de curto prazo aos problemas de saúde e participando mais de instituições internacionais para o meio ambiente. Essas por si só já vem criando incentivos para a adesão como o fundo multilateral para o regime de controle de CFCs (YOUNG, 2010). A principal pergunta: e a economia?

Por um lado, o governo enfrentará a certeza de mais gastos, por outro, a dúvida mundial: será que a economia da China se manterá? Dentre vários outros fatores, o envelhecimento populacional será um grave problema ao crescimento da nação? O país vem atingindo o ponto de Lewis onde sai de um grande arsenal de trabalhadores jovens a baixo custo perdendo assim competitividade para países com crescentes níveis demográficos jovens (HUANG, 2013). Porém, diferentemente de seus rivais Coreia e Japão, a China ainda não sofreu contração nem diminuição de sua mão de obra, o que indica um bom período da manutenção do quadro atual, algo extremamente desejável ao país. O risco de uma alteração nesse esquema preocupa os líderes chineses. Como já vimos com Mearsheimer, o tamanho da população e a riqueza gerada pela mesma consistem no poder latente passível de câmbio para uma força militar que a China precisa. Não somente, a economia se faz como o principal incentivo à cooperação entre diversos atores internacionais e o país, ambos em prol de maximizarem seus ganhos próprios, inclusive sendo o principal fator pelo ingresso da China em diversos regimes, principalmente os comerciais, esses que são grande causa do crescimento chinês. Keohane (2005) escreve em seu livro After Hegemony justamente sobre tais incentivos à cooperação em prol de ganhos próprios e a utilização dos regimes para tal.

Apesar de uma previsão de aumento populacional absoluto de 1% em 2050, estima-se para a mesma data uma queda de 6% na PEA. Isso também significa menos jovens trabalhadores capazes de sustentar seus pais e avós, implicando diretamente em maiores gastos do governo. A China é a maior potência no que se trata de produção de artigos manufaturados, tendo superado os EUA desde 2010 (THE ECONOMIST, 2012). Além da questão que tratamos neste artigo, as leis de preservação do meio ambiente, o aumento do preço das terras, leis de segurança do trabalhador e diversas taxas vêm contribuindo para uma maior dificuldade da utilização da mão de obra e, por consequência, o trabalho em artigos manufaturados. Nos últimos quatro anos houve um aumento em 20% ao ano em relação ao custo de trabalho nesses tipos de empresas. As províncias costais vêm perdendo o poder

Page 134: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

134

de atração de trabalhadores e de investidores também. Shangai e Guangdong tiveram aumento de custos trabalhistas, respectivamente, em 14% e 12%, enquanto países com México e Filipinas tiveram de 1% e 8% cada um (THE ECONOMIST, 2012). O lado bom figura na qualidade da assistência dada nas fábricas chinesas, bem superior a de outros países com mão de obra barata, além de que a produtividade vem sendo ascendente.

E o que vem fazendo a China sobre isso? Muitas empresas vêm realocando suas fábricas para o interior. Uma boa saída, olhando do viés do PC, seria a garantia de alianças no momento. Buscar apoio mútuo com países que enfrentam problemas semelhantes facilita a cooperação, essencial para que se haja um planejamento que contorne futuros revezes. É o caso do recém acordo com a rival Índia que permite o estabelecimento de parques industriais chineses na região indiana do Gujarat.

Em meio a essa campanha de investimentos, uma nova modalidade pode vir a abrir portas para novas relações: o setor geriátrico. Stephanie Hsi, em seu trabalho para a Johnson Cornell University, ilustra o funcionamento desse setor. Ainda pouco desenvolvido e presente no país, o programa chinês de cuidado ao idoso foca no tratamento domiciliar do indivíduo, seguindo de um programa de base comunitária e por fim atingindo o nível institucional. Não com muito esforço se é possível notar uma falta de iniciativa privada no setor, o que não só desafogaria o governo, mas poderia impulsionar a economia. Há-se sim um incentivo no setor, mas a falta de profissionais e a desvalorização do cidadão de terceira idade se torna um empecilho, uma vez que esses se encontram discriminados, abusados e isolados. Conclusão

A China lidera a onda mundial de envelhecimento populacional. Xi Jinping hoje assume o que líderes de vários estados no mundo precisam se voltar. O grande dragão chinês sempre teve como sinônimo sua população e agora uma tremenda alteração na mesma significa um novo olhar para o mundo, em especial à postura chinesa no sistema internacional. Vemos que o século XXI se caracteriza pela ascendente questão social subjugando os demais interesses estatais e internacionais. É preciso acompanhar a questão que não só pode gerar previsibilidade, mas nos ajudará a entender os novos jogos a surgir. A questão militar na Ásia será fortemente influenciada pela situação, em paralelo aos constantes acontecimentos no local, investimentos, rotas de petróleo e disputas. A questão ambiental é vista de forma ambígua: talvez as motivações sociais impulsionem o maior

Page 135: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

135

diálogo, talvez apenas se tornem mais frágeis. As relações econômicas necessitam de análises específicas, identificando assim as novas tendências e interesses apresentados. Entender a China sempre foi uma tarefa árdua. Para nós ocidentais, a questão nos propicia uma visibilidade das intensões chinesas, pelo menos em certos pontos. Para a China, uma população mais idosa marca uma necessidade de se investir mais na segurança e bem-estar social e afrouxar a antiga mão de ferro comunista. Sua situação interna é crucial para sua existência e molda suas relações internacionais. A constante necessidade de manter a centralização política e territorial pede uma ação voltada para o mesmo em prol de garantir a sobrevivência do estado chinês, uma vez que qualquer política mal calculada sobre elas podem significar grandes perdas em uma região onde o conflito parece estar sempre eminente, tanto internamente como no meio externo. Vimos a complexidade chinesa e a importância de um olhar preferencial à política interna para manutenção do estado. Os trabalhos de Mearsheimer funcionam como uma bela lente para entendermos toda essa problematização. Elas ilustram o jogo de poder que a China busca ter na Ásia e sua projeção para o mundo. Junto a isso vemos que o líder chinês segue uma ótica maquiavélica em prol de manter um estado forte e manter-se no poder, atendendo as necessidades populacionais e tendo ainda uma postura dura em relação à sociedade. Os trabalhos de Ostrom e Keohane mostram possíveis soluções que o país pode procurar a seguir para se distanciar de uma política mais tensa que mantém com seus colegas regionais e demais nações que olham perplexas o crescimento chinês. Não se sabe ao certo que caminho a China seguirá, se um maior expansionismo ou isolamento. O que podemos inferir é que o envelhecimento populacional, portanto, é um dado crucial para entender essa postura e seus principais efeitos no futuro. Referências: MORGENTHAU, H. Politics among nations. New York: Knopf, 1948. SHEEN, Seongho. Northeast asia’s aging population and regional security: demographic peace. Asian Survey, California 2013. p. 292-318. MAQUIAVEL, N. O Príncipe. 2. ed. tradução: Roberto Grassi. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972.

Page 136: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

136

HUANG, Yangzhong. Population aging in china: a mixed blessing. The Diplomat, Tokyo, 2013. CHINA to ease one-child policy. Xinhua News Agency, Beijing, 2013. Disponível em: <http://news.xinhuanet.com/english/china/2013-11/15/c_132891920.htm>. Data de acesso: 13 de nov. 2014. HOBBES, T. Leviatã ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. Ed. Martin Claret, São Paulo, 2006. HATTON, C. China reforms: one-child policy to be relaxed. BBC News, Londres, 2013. Disponível em: < http://www.bbc.com/news/world-asia-china-24957303>. Data de acesso: 14 de nov. 2014. CHINA’S military rise: the dragon’s new teeth. The Economist, Beijing, 2012. Disponível em: <http://www.economist.com/node/21552193>. Data de acesso: 13 de nov. 2014. ROZMAN, G. Asia for the asians: why chinese-russian friendship is here to stay. Foreign Affairs, Nova York, 2014. GLASER, C. Will china's rise lead to war: why realism does not mean pessimism. Foreign Affairs, Nova York, 2011. HEMMINGS, J. China's Rise = Remilitarizing Japan. The Diplomat, Tokyo, 2011. Disponível em: <http://thediplomat.com/2011/01/chinas-rise-remilitarizing-japan/> Data de acesso: 14 de nov. 2014. CAVANAUGH, J. What japanese remlitarization means for asia and the world. Mint Press News, Minnesota, 2014. Disponível em: <http://www.mintpressnews.com/japanese-remilitarization-means-asia-world/193370/> Data de Acesso: 14 de nov. 2014. XU, B. China's Environmental Crisis. Council On Foreing Affairs, Nova Iorque, 2014. Disponível em: <http://www.cfr.org/china/chinas-environmental-crisis/p12608> Data de acesso em: 14 de nov. 2014. THE end of cheap China: What do soaring Chinese wages mean for global manufacturing. The Economist, Hong Kong e Shenzhen, 2012. Disponível em: <http://www.economist.com/node/21549956>. Data de acesso: 11 de dez. 2014. BRANIGAN, T; TAYLOR L. US and china strike deal on carbono cuts in push for global climate change pact. The Guardian, Londres, 2014. Disponível em:

Page 137: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

137

<http://www.theguardian.com/environment/2014/nov/12/china-and-us-make-carbon-pledge> Acesso em 11 dez. 2014. STEPHANIE H. Identifying potential opportunities in china’s geriatric care industries by reflecting upon current us models and future trends: the similarities and differences in the geriatric care between the us and china, a student's work on defining opportunities in the business model. Disponível em: < https://www.johnson.cornell.edu/Emerging-Markets-Institute/News-Events/Institute-at-Work-Detail/ArticleId/25743/Identifying-potential-opportunities-in-China-s-geriatric-care-industries-by-reflecting-upon-current-US-models-and-future-trends>. Acesso em: 11 de nov. 2014. RAHI G. Government to aid land acquisition for Chinese industrial parks in gujarat. The Hindu, Ahmedabad, 2014. Disponível em: <http://www.thehindu.com/news/national/chinese-president-xi-jinping-arrives-in-gujarat/article6419366.ece>. Acesso em: 11 de nov.2014 MEARSHEIMER, J. The tragedy of great power politics. New York: W. W. Norton & Company, 2001. HARDIN, G. The Tragedy of the Commons. Science, v. 162, n. 3859 p. 1243-1248, dez, 1968. OSTROM, E. Collective action and the evolution of social norms. Journal of Natural Resources Policy Research, v. 6, n. 4, p. 235-252, 2014. YOUNG, O. Institutional Dynamics. Emergent patterns in International Environmental Governance. Cambridge: MIT Press, 2010. Capítulo 2. KEOHANE, R. After hegemony. Cooperation and discord in the world political economy. Princeton: Princeton University Press, 2005. caps. 5 e 6. KEOHANE, R. Theory of world politics: structural realism and beyond. In: ______ (Ed.). Neorealism and its critics. New York: Columbia University Press, 1986. cap. 7, p.158-203.

Page 138: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

138

ASEAN: UM JOGO COM POLÍTICA

Autoras: Haína Coelho Pereira da Silva (bacharel em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco, lattes http://lattes.cnpq.br/2356911657962620, email [email protected]) e Mariana Barros de Albuquerque

Melo (graduanda em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco, lattes http://lattes.cnpq.br/2780157838077322, email [email protected]).

Resumo: Este artigo discorre da criação da Associação de Nações do Sudeste Asiático, ASEAN, como uma forma de regionalismo a ser estudada por uma perspectiva diferente. O bloco surgiu com características distintas das normalmente observadas nos processos de integração regional, marcadas pelos conflitos políticos, domésticos e internacionais, busca pela preservação da identidade asiática e pelo desenvolvimento social e econômico. Toma-se os Estados envolvidos – Singapura, Indonésia, Filipinas, Malásia e Tailândia – como atores racionais que lidaram com essas questões sob a forma de um jogo em dois níveis, representado por um protótipo de árvore desenhada pelas autoras. A grande base teórica desta análise é o intergovernamentalismo liberal, e como essa corrente explica o surgimento de blocos regionais. Palavras-chave: ASEAN, regionalismo, intergovernamentalismo, jogo em dois níveis. Abstract: This paper discourse about the creation of the Association of Southeast Asian Nations, ASEAN, as a form of regionalism to be studied from a different perspective. The bloc arised with distinct characteristics from those normally observed in the process of regional integration, featured by political conflicts, domestic and international, pursuit to preserve Asian identity and of social and economic development. Taking the involved States – Singapore, Indonesia, Philippines, Malasia and Thailand – as rational actors that toiled with these questions under the form of a two-level game, represented by a tree prototype designed by the authors. The great theoretical basis of this analysis is the liberal intergovernamentalism, and how this current explains the emergence of regional blocs. Keywords: ASEAN, regionalism, intergovernamentalism, two-level game.

Page 139: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

139

Introdução É extensa a literatura sobre os blocos de integração regional ocidentais, em especial a União Europeia. Entretanto, ao tratar dos aspectos que são inerentes à criação de um bloco regional é interessante investigar sobre aquele que teve como base não só o aspecto puramente econômico, mas, sobretudo, político. Portanto, o presente artigo tem o objetivo de expor as características essenciais presentes na criação da Associação de Nações do Sudeste Asiático (Association of Southeast Asian Nations) – ASEAN – que é, por vezes, esquecida pelos especialistas da área. A Ásia não corresponde apenas a uma localidade geograficamente diferente, seus aspectos políticos, econômicos e culturais distinguem-se do que se observa nos blocos regionais tradicionais. Ao realizar uma pesquisa exploratória, detectam-se circunstâncias peculiares deste processo de integração, os quais devem ser analisados mais a fundo. Assim, a pergunta central da pesquisa resume-se em: como se deu a criação da ASEAN considerando os aspectos políticos? A principal intenção é resgatar o contexto da criação da ASEAN, com a justificativa de que o mesmo se deu de forma diferente da concepção tradicional de surgimento de blocos regionais. O contexto histórico-institucional de cada Estado fundador (Singapura, Filipinas, Malásia, Indonésia e Tailândia) no começo da década de 60 será observado, a fim de, estabelecer os aspectos domésticos e os internacionais da criação do bloco, e analisar a criação do mesmo por um ponto de vista da escolha racional, através da perspectiva intergovernamentalista liberal e da teoria dos jogos. A análise será baseada em um modelo simples de jogo em dois níveis, criado para o propósito do artigo para simbolizar as decisões tomadas e as que poderiam ser tomadas pelos atores no momento de sua criação, baseando-se nos dados contextuais coletados e utilizando a metodologia de Kilgour e Wolinsky (2002). 1. Criação de blocos: ortodoxia vs heterodoxia Boa parte da literatura sobre processos de integração regional concentra-se nas explicações do surgimento de blocos, assim como a probabilidade ou não desse tipo de processo surgir. Considerando aqui a possibilidade concretizada da criação de um bloco regional, o foco vai exatamente para o fundamento do estabelecimento desse bloco. Parte da literatura se divide em concepções tradicionais e concepções divergentes das mesmas, ou seja, uma visão ortodoxa e uma heterodoxa do viés econômico no debate de integração regional (AMADO e MOLLO, 2004). O argumento ortodoxo está voltado para a liberalização de mercados como razão para conceber um bloco regional, advindo principalmente da 1 - crença no mercado como regulador da economia e causador da convergência econômica de países, 2 - da concepção de união monetária e

Page 140: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

140

3 - e também das ideias keynesianas (AMADO e MOLLO, 2004). A primeira ideia derivada da economia política clássica que nasceu com Adam Smith. A ordem econômica seria definida espontaneamente pela “interação de interesses privados e identificação das condições em que as demandas de todos os envolvidos pudessem ser satisfeitas” (CARVALHO, 1999, pp. 13). A integração ocorreria nessas circunstâncias, substituindo os atores privados por Estados. A segunda acredita que a integração ocorre para liberalizar mercados e estabilizar preços. Argumentar a estabilização econômica num cenário inevitável de dilema entre desemprego e inflação e também taxa de câmbio flutuante só faz sentido tratando de regiões e não países (MUNDELL, 1961). Para Mundell, a mudança de demandas em um país afeta a dinâmica inflação/desemprego em outros países, e políticas internas não resolveriam o problema – a questão não poderia ser resolvida de acordo com a economia, mas amenizada com a abrangência maior da moeda, que distribuiria os déficits na região. Taxas flutuantes entre regiões funcionariam melhor do que entre países. A integração regional se daria, portanto, em função da união monetária. Por último, as ideias keynesianas – que focam a questão per se de política econômica. Atores privados precisariam da intervenção do Estado para a economia ser explorada ao seu potencial máximo (CARVALHO, 1999). Para os novos keynesianos, os agentes racionalizam a ação monetária do Estado e se unem para disciplinar sua emissão (AMADO e MOLLO, 2004). A relação entre os agentes privados e os Estados formaria o mercado, regulador da economia, e realizaria a integração regional de forma profunda. Por outro lado para a visão heterodoxa, a integração regional profunda129 não é adequada em cenários (os mais comuns) de desigualdade econômica. A integração e seus anexos – apresentados aqui pela visão ortodoxa – como moeda, sistema bancário, regulação pelo mercado, só serviriam para fortalecer as desigualdades (AMADO e MOLLO, 2004). Essa concepção nasce do internacionalismo socialista. Tal concepção critica a ideologia neoliberal, em que o mercado mundial e seus sistemas secundários trazem somente uma falsa ideia de universalidade, criam dívidas que empobrecem os países periféricos, geram desemprego e ainda mais desigualdades, contrariando a ideia marxista de internacionalismo pelos operários (LÖWY, 1998). Assim, a integração para os heterodoxos não deve se basear no mercado, mas na intervenção estatal, deve respeitar as especificidades internas e complementaridades dos países, dando prioridade aos acordos 129 A expressão “integração regional profunda” foi utilizada por Amado e Mollo (2004), e por ser essencial ao argumento, a mantivemos. Estamos tomando seu significado como um bloco de mecanismos institucionalizados que estreitem ou unifiquem a economia política ou tomada de decisão dos países integrados. Pelos níveis de integração de blocos econômicos, por exemplo, seriam os tipos classificados como União Econômica Monetária ou Mercado Comum.

Page 141: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

141

do Estado com seus trabalhadores, o que não seria possível em processos mais avançado. Interpretando a posição heterodoxa semanticamente como divergente da ortodoxa, tradicional, este artigo toma a liberdade encaixar o caso da ASEAN na proposta heterodoxa, com adaptações. A visão heterodoxa apontava a importância de levar em conta as particularidades dos países e as desigualdades geradas pela integração profunda, o que é compatível com a situação dos países asiáticos na metade do século passado. Não vamos adotar a visão purista heterodoxa, pois o internacionalismo socialista não se aplica aqui, - já que a concepção de intervenção estatal pura não está presente na análise, pois aspectos econômicos ainda são intrínsecos ao bloco internacional tratado no presente artigo - mas sim o efeito da globalização e do acesso aos investimentos e finanças do sistema internacional, porém de forma menos catastrófica. A globalização pós-Guerra Fria afetou por certo os antes chamados países de Terceiro Mundo. A incorporação dos países mais pobres à economia mundial teve benesses e agravos para esses países. O impacto da concorrência internacional aos grupos econômicos domésticos obrigou essas nações a tomarem providências, dentre elas a busca-chave desenvolvimentista. Os Estados, tendo em mente (expressão a ser utilizada com cuidado pois humaniza e unitariza o ator-Estado) as condições frágeis em que se encontravam e a necessidade de aparecer no cenário internacional, criaram blocos de cooperação que preservam as diferenças, ao mesmo tempo em que buscaram o desenvolvimento. Entrar no cenário internacional, ambicionando desenvolvimento, mas respeitando as diferenças econômicas (o que por consequência impõe limites à integração), pede fortemente por ações e acordos políticos. O contexto do sudeste asiático pedia cooperação política. Antes de nos adiantarmos para esse feitio da integração asiática do século XX, devemos delimitar conceitualmente o novo campo conceitual em que entramos para classificar a integração regional da ASEAN, o regionalismo. 2. Tipos de regionalismo Ao utilizar o termo regionalismo, supõe-se um procedimento adotado pelos Estados que delimita sua forma de inserção internacional e controle do impacto econômico causado por essa inserção através de sua organização em blocos. A teoria regionalista presume, a princípio, três formas de regionalismo – aberto, fechado e desenvolvimentista (MARCHIORI, 2008). O regionalismo aberto alia os acordos internos a um bloco integrado de países e sua interdependência às políticas de liberalização comercial entre o bloco e os outros países, para fortalecer a competitividade internacional. Há abertura das economias regionais sem o desligamento de certo protecionismo, o que estimula a cooperação entre regiões e dentro das regiões (CORAZZA,

Page 142: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

142

2006). O regionalismo fechado é exatamente seu oposto, com isolamento do bloco para proteção de seus membros da globalização. O regionalismo desenvolvimentista se refere a atores próximos geograficamente que almejam o desenvolvimento da região como um todo. Esse conceito une argumentos clássicos para a integração, como interesses de atores relevantes, até pontos mais atuais, como gerenciamento de fontes de recursos, seguridade social, estabilidade e credibilidade, etc. O desenvolvimento quebraria o círculo retroalimentável de conflito e subdesenvolvimento e traria a paz, hoje intensamente almejada. Os novos fatores que acompanham o regionalismo desenvolvimentista são intimamente ligados às vontades e ações políticas (HETTNE e SÖDERBAUM, 1998).

A globalização entre os anos 50 e 70 repercutiu no pensamento político, em especial relacionado aos países de Terceiro Mundo. As desigualdades no sistema internacional eram vistas como obstáculo, o que estimulou o Estado desenvolvimentista – concebido para crescer com redistribuição, prover necessidades básicas e ter acesso facilitado ao comércio e finanças internacionais (MELLO, 1999). Foi no meio desse processo que surgiu a ASEAN. Portanto, estamos assumindo que o contexto no sudeste asiático (de forma conjuntural entre história, economia, estrutura e instituições) levou a uma cooperação de conjuntura heterodoxa, e também regionalismo de tipo desenvolvimentista. As características desse processo de integração, na época, eram marcados pela atuação e negociação entre Estados, representados pelos seus governos, seus líderes. Assim, a cooperação desses países se deu entre governos. Mais uma vez somos levados a um novo conceito que servirá de lente de estudo do caso da ASEAN: o intergovernamentalismo. 3. Estados, atores racionais? Integração e barganha não-coercitivas O intergovernamentalismo liberal é uma teoria de base para explicação da integração regional desenvolvida por Andrew Moravcsik ao longo de uma série de artigos e livros. Dentre as premissas básicas estão: 1 – os atores fundamentais são os indivíduos e grupos privados, que agem racionalmente em busca de seu bem-estar. 2 – a sociedade doméstica define as preferências do Estado, visto que os grupos o utilizam para atingir seus objetivos eficientemente e o governo é constrangido a fazer políticas que atendam esses interesses, admitindo diferenças de poder entre os grupos e as instituições estatais são relevantes no processo; 3 – o comportamento do Estado é determinado pela configuração das preferências interdependentes entre outros Estados, o que pode gerar conflito, cooperação ou convergência parcial. (MORAVCSIK, 1998).

Moravcsik (1998) dispõe três variações da teoria liberal baseadas em especificações desses

Page 143: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

143

pressupostos. Uma é o liberalismo comercial, para o qual o comportamento individual e coletivo é baseado nos incentivos do mercado para atores econômicos domésticos e transnacionais. O outro é o liberalismo republicano, em que as instituições agregam os interesses, a representação política é enviesada para alguns grupos de rent-seeking que influenciam nas políticas e comportamento internacional (como por exemplo, a paz democrática). A terceira variação é a que adotamos neste artigo, o liberalismo ideacional, em que a configuração da identidade social determina as preferências do Estado e como ele se relaciona com outros. As fronteiras geográficas, processos políticos de tomada de decisão e a regulação socioeconômica são os elementos dessa identidade social, e quando são incompatíveis com outros Estados, nasce conflito. Quando são compatíveis, há a cooperação. Essas preferências do Estado afetarão o comportamento intergovernamental quando as mesmas geram externalidades que ultrapassam suas fronteiras. É uma variação que se amolda delicadamente ao nosso objeto de estudo. Intuitivamente se espera que a cooperação surja no caso de externalidades positivas, mas o que Moravcsik alega é que não há incentivos se não há conflito, e a integração é considerada no caso de externalidades negativas. Entre 1962 e 1966 o Sudeste Asiático lidava com o Konfrontasi, conflito violento de oposição da Indonésia à criação da Malásia, o que também afetava Singapura e Filipinas. Em 1967 foi criada a ASEAN, entre esses quatro países mais a Tailândia. Assim, podem surgir dois questionamentos à aplicação dessa teoria ao caso asiático. Um seria o papel do líder de governo como atores principais das negociações não-coercitivas para a cooperação entre os países, e o outro seria o fato de que Moravcsik desenvolveu a teoria liberal pensando no caso da integração europeia. A seguinte citação responde a primeira pergunta: “Executivos centrais têm um papel especial na mediação de tensões domésticas e internacionais precisamente porque eles são diretamente expostos às duas esferas, não porque eles são unidos em todas as questões, nem porque eles são isolados da política doméstica.” (PUTNAM, 1988, pp. 432-433). O intergovernamentalismo pressupõe barganhas entre governos, e os representantes do governo são os líderes nesta barganha. A segunda pergunta é capciosa, mas previsível. Voltemos ao contexto asiático. A região buscava desenvolvimento e inserção no cenário internacional, e também fugia do fantasma da colonização e dominação na região. Os países tinham proximidade geopolítica e problemas mútuos, mas, ao mesmo tempo, desejavam respeito às especificidades internas.

A importância do intergovernamentalismo é que ele privilegia o Estado como porteiro contra a legislação supranacional. Neste sentido, dado o desejo dos países do Sudeste Asiático de aumentar sua soberania, a corrente teria mais utilidade explicativa na Ásia-Pacífico do que no contexto europeu (HIGGOT, 1998, pp. 49).

A desejada autonomia entre os Estados, a barganha encabeçada pelos líderes de governo e a

Page 144: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

144

ausência de uma entidade supranacional montam um quadro potencialmente melhor para a teoria do que o objeto que ela própria tentou explicar, pelo fato de ser mais cooperação entre governos do que integração.130

Entramos assim na parte final do artigo, que é a inserção da ASEAN no modelo de jogo em dois níveis. O intergovernamentalismo foi essencial nesse aspecto pelo seguinte motivo: a aplicação da teoria dos jogos no estudo de relações internacionais, com o pressuposto de racionalidade e estratégias, foi feita principalmente pelos neoinstitucionalistas. Entretanto, o jogo em dois níveis foi pouco otimizado porque esta corrente descartava a perspectiva doméstica nas barganhas internacionais, focando no agente supranacional (MELLO, 1997). O intergovernamentalismo, portanto, seria mais adequado para tratar de teoria dos jogos nos casos de integração ou cooperação regional. Desenvolveremos adiante um protótipo de jogo em dois níveis representando as ações e contexto da criação da ASEAN, baseando-nos na literatura. Embora o contexto tenha sido amplamente mencionado até aqui, o tópico a seguir sistematizará as informações para facilitar a compreensão do jogo. 4. A Ásia de 1960 O contexto histórico da Ásia na virada do século XIX para o século XX foi marcada por inúmeros movimentos anticoloniais e também pela consolidação do império Japonês, além da incisiva presença dos Estados Unidos como parceiro econômico de várias dessas ex-colônias. Em contra partida a Rússia perde ligações políticas com o Leste Asiático com a Guerra Russo-Japonesa. Desta forma a conjuntura corrobora para um sentimento cada vez mais regionalista e de integração dos países da Ásia, mesmo que em diferentes níveis. O fim do mundo colonial para os Estados do Sudeste Asiático culminaram do choque de três interesses principais: Do Império Japonês, que exercia grande influência devido ao seu poderio econômico, político e militar; do comunismo como vertente ideológica; e da influência do ocidente, liderado principalmente, pelos Estados Unidos. (BARIZON, 2011). Ideologicamente, a ocupação japonesa possibilitou a fomentação da ideia de Pan-Asianismo, como movimento político que tinha como objetivo a unificação da Ásia e a não interseção de países desenvolvidos nos assuntos internos. Diversos autores apontam a deturpação da ideologia do Pan-Asianismo como estratégia Japonesa para a manipulação dos países Asiáticos, fortalecendo o poder 130 Exatamente no sentido de integração profunda que mencionamos, pensando na institucionalização unificada das tomadas de decisão.

Page 145: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

145

do Japão na região na época da Segunda Guerra Mundial. Posteriormente, com a Guerra Fria a China emerge com um dos atores fundamentais do cenário mundial, principalmente na conjuntura que se instaurava os países asiáticos, sendo determinante sua influência e uma proposta semelhante ao Pan-asianismo.

Em 1961 houve a primeira tentativa de criação da Associação do Sudeste Asiático (ASA), entretanto com as disputas regionais entre os Estados, impossibilitaram seu êxito. Um exemplo marcante consistiu na disputa entre Indonésia e Malásia, ocasionada devido a recente independência da Malásia e a desconfiança da Indonésia quanto à influência da Grã-Bretanha (receio quanto aos países colonizadores). Diante desta perspectiva só apenas em 1967 emergiu a ASEAN, que foi concebida pela própria tentativa de apaziguar a disputa entre Indonésia e Malásia e as demais discordâncias entre os países do Sudeste Asiático. Por isto, a ASEAN tinha como um de seus objetivos principais a tentativa de criar condições favoráveis ao Sudeste Asiático para sanar disputas políticas e de segurança entre as nações da região de forma pacífica, havendo a abstenção do uso da força e consequentemente a solução para as controvérsias internacionais. Além disto, a opção dos países do Sudeste Asiático de se integrarem culminou do receito de voltarem à condição de colônias e também de se imporem no mercado internacional como potências capazes de se ressaltarem como soberanas e independentes. Em 1968 uma disputa entre Malásia e Filipinas colocou em risco, quase seis meses depois, a criação da ASEAN. A disputa foi ocasionada pela suposta invasão das Filipinas ao Estado de Sabah, membro da Federação da Malásia, apesar das Filipinas negaram a intenção de invasão, as negociações diplomáticas não surtiram efeito. Uma das tentativas de se apaziguar as relações entre os países foi a não integração de Sabah à ASEAN, mesmo assim o Estado da Malásia declarou que não participaria das reuniões da organização. Uma alternativa de conter a crise foi o pedido do Ministro da ASEAN para que se houvesse um momento de reflexão, assim como o pedido da Tailândia e Indonésia para que não houvesse mais disputa entre os países. Assim, apenas em 1969 a Malásia e as Filipinas concordaram em retomar as relações diplomáticas, devido ao valor de sucesso agregado a organização da ASEAN. A pressão da ASEAN no conflito de Sabah não foi como mediador de conflitos na tomada de decisão de quem possuía a razão, mas como utilizador de mecanismos de pressão, como a comunicação, a diplomacia e o discurso de trade-offs para os Estados envolvidos. Deste modo a Organização do Sudeste Asiático fez desta política diplomática sua ação para conter conflitos e impor as reais necessidades, a fim de garantir o sucesso da ASEAN como uma integração regional perante o cenário mundial. Com a necessidade de instaurar mecanismos institucionais formais que garantissem a

Page 146: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

146

harmonia e a paz diplomática entre os Estados-membros da ASEAN foi criado o Conselho Superior, composto por representantes de cada país. Mesmo que tal Conselho nunca tenha sido chamado a por em prática seus objetivos, sua criação foi um marco para um compromisso duradouro da diplomacia dos Estados da ASEAN. Um dos fatores de maior discordância entre os Estados do Sudeste Asiático consistia no fato de alguns países manterem fortes laços com países imperialistas, como a Tailândia e as Filipinas, que mantinham ligações com os EUA, e a Malásia e a Singapura com a Grã-Bretanha. A Indonésia, por exemplo, foi contra o não-alinhamento dos países Asiáticos às intervenções de demais países. O cenário, portanto, contribuiu para um sentimento de desconfiança entre os Estados. Neste contexto surge um princípio de autonomia regional, mesmo que de maneira controversa aos fatos estabelecidos. O desenvolvimento econômico e social da ASEAN se destacou por não encaixar-se nos padrões de organizações internacionais ocidentais, diferenciando-se também de organizações latino-americanos e africanos. As estratégias e as metas estabelecidas muitas vezes distinguiam-se das propostas das demais organizações, como, por exemplo, uma economia voltada ao exterior, tendo as exportações como foco de seu objetivo. Desconsiderou-se, desta forma, o discurso ocidental de importação para a industrialização. Além disto, a diferença crucial entre a Organização dos Estados do Sudeste Asiático e as demais organizações europeias, africanas ou latino-americanas, consistia na distinção das atuações dos governos internos de cada país e suas principais metas e concepções de prioridades.

O Estado, na concepção liberal de política doméstica, é uma instituição que representa a autonomia de seu país e principalmente os objetivos dos grupos de interesse que neles residem. Desta forma, o choque dos interesses sociais, políticos e econômicos traduzem-se na política do Estado, mesmo que limitada por grupos de interesses que pressionam o governo, a fim de conquistarem seus interesses. A maneira como o Estado molda as oportunidades de voz de cada cidadão corrobora para o entendimento do próprio país quanto ao reconhecimento desses interesses individuais. Desta forma, a maneira como um Estado lida com seus atores políticos e sociais, levando em consideração seus contextos históricos, reforçam a identidade de cada país, refletindo, portanto, em seu comportamento no cenário internacional. Por conseguinte, a diferenciação dos objetivos forjados pelos Estados-membros da ASEAN consistia na distinção da política doméstica de cada país envolvido que coincidiram entre si, fortalecendo suas relações e desempenhando um interesse não só econômico como também social e político.

A seguir serão exploradas as conjunturas de cada Estado-membro que estiveram inseridos na

Page 147: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

147

criação da ASEAN desde o princípio. • Singapura:

Singapura caracterizava-se por ser um país de “economia de entreposto”, além de não possuir um setor agrícola aquecido. Tornou-se independente da Inglaterra em 1963 e uniu-se a Malásia até 1965, quando o desenvolvimento industrial passou a ser o foco dos atores políticos do país. Tal decisão permitiria contar com o Mercado da Federação da Malaia que proporcionou a aceleração do desenvolvimento industrial. Lee Kuan Yen é conhecido como uma das figuras mais marcantes da história de Singapura e foi Primeiro-Ministro de 1959 até 1990. Suas principais preocupações e estratégias para um país mais desenvolvido se basearam no investimento da economia, da segurança nacional, e também das questões sociais. De 1960 a 1999 Singapura teve um crescimento econômico de 8% ao ano, deixando de ser um país subdesenvolvido para ser um país de primeiro mundo (FERREIRA, 2009).

Para a Singapura a ascensão da ASEAN viria para extinguir sua vulnerabilidade, já que sua ilha era minúscula comparada à quantidade de malaios que a cercava. Assim como Brunei que possuía a mesma sensação devido a sua vizinha Malásia.

Muitos autores consideram que o sucesso de Singapura está nitidamente ligado ao desempenho dos atores políticos que possuíam interesses não apenas econômicos, mas também estratégias sociais que possibilitaram o desenvolvimento da sociedade e a satisfação da sua população quanto os projetos implantados pelo governo. Outro aspecto que possibilitou o desenvolvimento do país foi a aliança com os Estados Unidos, proporcionando uma abertura do comércio exterior. Entretanto um grau significativo de repressão também foi utilizado pelo governo central da época, que se utilizava de mecanismos coercitivos para impor suas decisões. Dentro deste contexto político-econômico, Singapura, como ex-colônia herdou diversos aspectos e costumes. Contudo, a necessidade de se impor e solidificar a independência fez com que sua estratégia política fosse voltada para um regionalismo, proporcionando a aliança com outros países do Sudeste Asiático. • Indonésia:

A formação do Estado da Indonésia foi fruto de um acirrado debate exposto por diversas vertentes (Nacionalismo, Islamismo e Comunismo) que, no final das contas, tinham como objetivo a unificação e a independência das regiões sob domínio holandês. A ocupação Japonesa, em 1942, proporcionou a independência da República da Indonésia

Page 148: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

148

do julgo holandês até 1945; entretanto a população tinha ciência de que tal mudança não corroboraria para uma total independência do Estado da forma como se almejava. Contudo, tal mudança possibilitou uma independência administrativa muito mais marcante do que quando o país pertencia a Holanda. Em 1945, em meio a retirada japonesa, foi proclamada a independência da República Indonésia, pelos nacionalistas Sukarno e Hatta, entretanto os Holandeses não aceitaram tal documento. Assim, apenas em 1950 a Indonésia conquistou sua independência. A política doméstica depois da independência do julgo holandês se viu bastante conturbada pelas diferentes vertentes que almejavam o poder e a sobreposição de suas ideologias, ponde em risco a existência de um Estado Indonésio. A Criação da Federação da Malaia e posteriormente a criação da Malásia foi percebida como uma tentativa da Grã-Bretanha de renovar os laços coloniais, desta forma, durante muito tempo a Indonésia se viu rival da Malásia. Com o Movimento de 30 de Setembro e a derrubada do Presidente Sukarno, que possuiu um discurso anticolonialista e contra a Malásia o país passou a ter um diálogo internacional mais palpável com os demais países e começou a realizar acordos com outras regiões. Cinco motivos relevantes são analisados como motivos principais para a associação da Indonésia com a ASEAN: o forte sentimento antimperialista diante dos países mais desenvolvidos, herdado do antigo regime; a visão da ASEAN como um instrumento de órgão supranacional para legitimar o governo central; sinalizar para a comunidade internacional a nova postura do país a fim de conquistar novas parcerias no comércio externo; semelhança da ASEAN com a Indonésia, no sentido de que é composta por territórios e povos com histórias distintas; e a necessidade de países periféricos se juntarem para poderem negociar com países desenvolvidos (BARIZON, 2011). O esforço da Indonésia na criação da ASEAN é muitas vezes assemelhado ao esforço do Brasil na criação do MERCOSUL e na UNASUL. Mesmo com a turbulenta política do país é notório o empenho do Estado na criação de uma das organizações mais antigas de cooperação regional. • Malásia:

Os Estados Federados da Malaia eram formados por Pahang, Selangor, Perak e Negeri Sembilan e eram controlados pelos britânicos, formando a dependência do Sião até 1909, quando foram cedidos ao Reino Unido. Durante a Segunda Guerra Mundial a região foi dominada pelo Japão que devolveu a Tailândia os quatro Estados. Em 1946 criou-se uma Federação de nove Estados Malaios que recebeu o nome de união Malaia, controlados pelos britânicos. Alguns conflitos de poder quanto à extensão territorial ocorreram, como a “Emergência Malaia” em 1948.

Page 149: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

149

Um aspecto inerente à formação do Estado da Malásia foi a influência do comunismo na região, devido, principalmente, â grande quantidade de chineses na localidade. Apenas em 1957 o Reino Unido concedeu a independência à Federação da Malaia. Entretanto foi só em 1963 que houve a criação do novo país com o nome de Malásia. Mesmo assim a influência da Grá-Bretanha nos assuntos políticos e econômicos do país ainda eram bastante nítidos, o que provocou discordância com alguns países do Sudeste Asiático, como a Indonésia. • Tailândia: De 1941 a 1945 o exército japonês ocupou algumas zonas da Tailândia até a Segunda Guerra Mundial. Nesta época a Tailândia sustentou relações de amizade com países ocidentais, principalmente os Estados Unidos. A Tailândia passou por diversos momentos de instabilidade política devido aos golpes de Estado que ocorreram ao longo de sua história. • Filipinas: A primeira República das Filipinas foi proclamada em 1898. Entretanto, no mesmo ano os EUA adquiriam as Filipinas através do Tratado de Paris e o país foi dominado durante 48 anos. Na Segunda Guerra Mundial as Filipinas lutaram junto aos Estados Unidos contra o Japão. A autoridade americana no território das Filipinas foi bastante marcante. Desta forma, como os demais países integrantes da ASEAN o objetivo das Filipinas também se caracterizava pela ânsia de independência. 5. ASEAN: Um jogo em dois níveis Tendo definido que os dois níveis do jogo de integração regional são o doméstico e o internacional, devemos agora fixar os componentes do jogo. Estes são estabelecidos de acordo com aqueles presentes em Kilgour e Wolinsky (2002): os atores, as escolhas possíveis aos atores quando estes devem fazer uma decisão, a informação sobre decisões prévias no jogo que está disponível para o ator quando este faz uma decisão, os possíveis resultados e como eles são determinados pelas decisões feitas (e possivelmente por acasos) durante o jogo, e as preferências dos atores sobre os possíveis resultados (geralmente em forma de utilidade). Obviamente nossa própria informação para completar este jogo não é satisfatória, então minimizaremos esses fatores para um modelo mais simples, baseando-nos no próprio jogo em dois níveis estipulado por Moravcsik (1998), já considerando as características presentes no jogo apresentadas ao longo do artigo.

Page 150: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

150

Figura 1. A two-stage model state behavior

Fonte: Moravcsik, 1998, pp. 545

Para construir a árvore do jogo, representamos os atores nas caixas principais. O ator central é o governo do país. Para melhor visualização, o plano internacional está acima do ator central, e o plano doméstico abaixo dele, entendendo-se que o jogo começa do nível mais abaixo e influencia no processo de decisão do ator em contato com os dois níveis. Como já mencionado, a lógica do jogo começa do ator central, o governo. Como a teoria abordada previamente neste artigo argumenta, dentre as variáveis exógenas colocadas na Figura 1, os fatores liberais são de característica ideacional. As preferências dos Estados envolvidos na ASEAN estão ligados à identidade social, seria a preservação da identidade asiática de que tratamos. Os países também são geograficamente próximos, e a regulação socioeconômica existente era a formulada para a inserção internacional dos países, respeitando suas especificidades. Os conflitos internacionais entre esses países eram causados exatamente pelas questões políticas que ameaçavam a preservação da identidade asiática e a soberania dos países. A questão da Malásia é um exemplo claro que gerou incentivos para a busca da cooperação como solução para o conflito. O avanço de vertentes como o comunismo também entra nesta discussão. A distribuição de capacidades e informação consiste nos dados que não obtivemos, daí a simplicidade deste jogo criado para o propósito do artigo. Entretanto, com base na exploração contextual, podemos desenvolver a árvore com as próximas etapas: as interações estratégicas e os resultados obtidos. Como a teoria abordada previamente neste artigo argumenta, as questões e interesses do nível doméstico passam para o nível internacional, então tratemos dele. O jogo começa com um conflito que envolve o ator central e um segundo. A partir do conflito, são expressadas duas possíveis estratégias, e cada estratégia apresenta um payoff

Page 151: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

151

resultante. A partir desse payoff e do segundo ator envolvido, surge um novo conflito com um novo ator, gerando outras duas possíveis estratégias, e assim por diante. Nossa árvore é simples e envolve poucos conflitos e atores. Para representação da situação da ASEAN, escolhemos o país mais significativo, Singapura. As linhas em vermelho representam as escolhas de fato realizadas pelo país, conforme a Figura 2 abaixo. O primeiro conflito é o de como tratar a economia. Singapura não tinha um setor agrícola aquecido, então o foco passou para a indústria interna, nosso segundo ator deste conflito. O governo poderia tomar medidas protecionistas, mas decidiu pela abertura de mercado. O payoff desta estratégia foi o desenvolvimento interno que se tornou ascendente na época. A partir do desenvolvimento econômico, surge um novo conflito que é a busca do desenvolvimento social, envolvendo agora atores sociais: a população e a classe trabalhadora em específico. O governo poderia ter dado prioridade às questões econômicas, mas adotou estratégias sociais e implantou projetos direcionados à melhoria de vida da sociedade. Os payoffs dessas ações foram a extinção das greves de trabalhadores e o alto índice de satisfação da população. O governo também lidava com a hostilidade crescente no sudeste asiático. A animosidade entre Indonésia e Malásia afetava os países em proximidade, o que obrigaria porventura a escolha de lados. O forte sentimento de busca pela independência asiática impulsionava tal conflito. Por uma lógica hobbesiana e anarquista, esses países entrariam em desavença, e essa seria uma estratégia. A outra, a tomada, foi a cooperação regional entre os países, e criação da ASEAN. Por isso que na estratégia “não-cooperação” os países estão discernidos separadamente, pois esta seria sua atuação caso não houvesse a junção de preferências e estratégias em um único ator, que é o bloco. O payoff deste conflito foi a segurança nacional garantida pela criação do bloco. Figura 2. Singapura e ASEAN: jogo em dois níveis

Page 152: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

152

Page 153: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

153

A partir de então, o ator que toma as decisões passa a ser o bloco ASEAN. Os problemas tratados se referem à junção das questões domésticas em plano internacional. O desenvolvimento interno dos países gerou incentivos para participar do processo de globalização, já que permite condições de inserção no cenário internacional. Mais uma vez, o primeiro conflito é de cunho econômico: em que formato construir o mercado asiático? Há duas estratégias, mercado voltado para importação e o mercado voltado para exportação, sendo este último a escolha realizada pela ASEAN. Foi essa escolha que permitiu a almejada inserção internacional. O segundo conflito é mais político: como seria o posicionamento dos países nessa cooperação regional? As decisões poderiam ser guiadas por uma entidade supranacional, a exemplo da União Europeia, ou a autonomia interna dos países seria mantida para lidar com seus assuntos domésticos. A possibilidade de uma entidade supranacional foi descartada – as especificidades internas prevalecem mesmo sob presença de uma identidade asiática forte.

Diferenciamos os agentes finais como “bloco” e “regionalismo” com base na discussão feita ao longo do artigo sobre a diferença de cooperação e integração profunda – que segundo aqui colocamos se daría através de uma entidade supranacional para institucionalizar e unificar os mecanismos de tomada de decisão e a política econômica. Entendemos também que o jogo da ASEAN não é um jogo de soma-zero, pois envolve barganhas e diferentes payoffs para os países, não uma situação de uma vitória e uma derrota. Considerações Finais Num debate mais geral, é interessante registrar que a produção teórica de integração regional tenta colocar algo de novo ao tratar dos processos asiáticos. Nota-se que, para muitos, a política e as relações internacionais do oriente parecem “alienígenas” aos padrões ocidentais. Esses processos são marcados por especificidades, mas ao tratar de marco teórico, generalizações são necessárias. Todavia, neste trabalho, utilizamos somente perspectivas teóricas mais ocidentalizadas para lidar com o singular caso da ASEAN. O recente avanço do chamado "new regionalism approach" é deveras importante para os estudos em processos de integração regional, já que as formas de regionalismo mudaram. É também importante considerar as diferenças estruturais entre a Europa, domínio teórico, e outras regiões, como a Ásia e a América Latina. Mas não devemos descartar as teorias como sendo europeias ao tentar explicar os processos antigos. A comparabilidade não é impossível, pois a semelhança entre os tipos de agentes envolvidos é notória. A globalização também é um fator patente, tendo em vista que as relações internacionais entre os Estados afetam o mundo inteiro, que atualmente vive em um

Page 154: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

154

estado de interdependência complexa, e cada vez menos a premissa de anarquia internacional faz sentido, guiando-nos por esse aspecto. Não devemos sub-utilizar essas teorias. O NRA lida justamente com essa adaptação de teorias e contextos. A ASEAN, sendo um bloco bastante antigo, deve ser analisada nos dias de hoje pela perspectiva NRA, que valoriza ações e funcionamento. Mas para o caso de sua criação, quando não só o contexto como as teorias clássicas de surgimento dos processos de integração predominavam, ainda é substantivo apresentar um novo olhar, mesmo que ainda utilizando a abordagem antiga. Para analisar seu processo de continuidade, contudo, é altamente recomendável avançarmos para a NRA, como a história o faz, já que ele tem uma proposta revisionista das teorias realista e liberal (VÄERYNEN, 2003). Defendemos a integração das abordagens, pescando os pontos fortes de todas. Tratando agora especificamente deste artigo, entendemos que há lacunas de informação no jogo construído, e que essa mesma falta de informação impediu a construção de árvores para representar os outros países, o que teria sido extremamente construtivo para os nossos objetivos. Não podemos afirmar, contudo, que foi um detalhe crucial que impediu uma análise significativa. Os dados e contexto que obtivemos foram de grande serviço e possibilitaram uma compreensão do objeto bastante esclarecedora e válida. Resta agora a adoção de uma agenda que penetre no caso da ASEAN pelas novas perspectivas citadas, para que o conhecimento das novas etapas do processo de integração, ou regionalismo, se aprofunde. Referências Bibliográficas • AMADO, Adriana M.; MOLLO, Maria de Lourdes. Ortodoxia e Heterodoxia na Discussão

sobre Integração Regional: A Origem do Pensamento da CEPAL e seus Desenvolvimentos Posteriores. Est. Econômica., São Paulo, v. 34, n. 1, p. 129-156, janeiro-março 2004.

• BARIZON, Rômulo. Indonésia: Construção do e Estado e dinâmica regional. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2011.

• CORAZZA, Gentil. O “regionalismo aberto” da CEPAL e a inserção da América Latina na globalização. Ensaios FEE. Porto Alegre, v. 27, n. 1, p. 135-152 maio 2006. FERREIA, Rui. Relações Comerciais em contexto de crise: Caso prático Portugal-Singapura. Universidade de Aveio, 2009.

• CARVALHO, Fernando J. Cardim de. Mercado, Estado e teoria econômica: uma breve reflexão. Econômica. 1 (1), junho de 1999.

Page 155: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

155

• HETTNE, Björn and SÖDERBAUM, Fredrik, The New Regionalism Approach (1998). Politeia, Vol 17, No 3, pp. 6-21, 1998.

• HIGGOT, Richard. The International political economy of regionalism: The Asia-Pacific and Europe compared. In: COLEMAN, William D.; UNDERHILL, Geoffrey R. D. (edited by). Regionalism and Global Economic Integration: Europe, Asia and the Americas. New York : Routledge, 1998, pp. 42-67.

• KILGOUR, D. Marc; WOLINKSY, Yael. Game Theory and International Environmental Policy. In: SPRINZ, Detlef F.; WOLINSKY, Yael (edited by). Cases, Numbers, Models: International Relations Research Methods. REVISED, November 2002, pp. 339-369.

• LÖWY, Michael. Por um novo internacionalismo. Lutas Sociais. N. 5, Jul/Dez 1998, pp. 97-106.

• MARCHIORI, Frederico. Avanços e retrocessos no regionalismo asiático. Conferência Nacional de Política Externa e Política Internacional (2. :Rio de Janeiro : 2006) : O Brasil no mundo que vem aí. Seminário : Ásia. – Brasília : Fundação Alexandre de Gusmão, 2008.

• MELLO, Flávia de Campos. Teoria dos jogos e Relações Internacionais: Um Balanço dos Debates. BIB, n. 44, pp. 105-119, Rio de Janeiro, 2º semestre de 1997.

• MELLO, Valérie de Campos. Globalização, regionalismo e ordem internacional. Revista Brasileira de Política Internacional. Vol. 42 (1), 1999, 157-181.

• MORAVCSIK, Andrew. Taking preferences seriously: A Liberal Theory of International Politics. International Organization. Vol 51, n. 4, Autumn 1998, pp. 513-53.

• MUNDELL, Robert A. A Theory of Optimal Currency Areas. The American Economic Review. Vol. 51, Issue 4, Sep. 1961, pp. 657-665.

• PUTNAM, Robert D. Diplomacy and Domestic Politics: The Logic of Two-Level Games. International Organization, Vol 42, No. 3. (Summer, 1988), pp. 427-460.

• VÄYRYNEN, Raimo. Regionalism: Old and New. International Studies Review. Vol 5, 2003, pp. 25-51.

Page 156: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

156

AS RELAÇÕES ATUAIS DA ASEAN: INTERNAS E EXTERNAS Autora: Renata Schmitt Noronha, graduanda, Universidade

Federal do Rio Grande do Sul [email protected] Orientador: Marcelo Milan

[email protected]

RESUMO O objetivo deste trabalho é analisar a situação atual das relações políticas e internacionais no

Sudeste Asiático, tanto entre os membros da ASEAN, quanto as relações com países extra regionais. O presente trabalho busca entender como as disputas territoriais no Mar do Sul da China interferem nas relações entre os países da região e no funcionamento da organização. Além disso, procura compreender a importância da presença de países como Estados Unidos, China, Índia e Japão nesses conflitos e como a própria ASEAN vem se relacionando com esses países de fora do Sudeste Asiático. Ademais, tenta analisar como isso se relaciona com o processo de integração dos países do Sudeste Asiático e se esses fatores estariam dificultando um maior avanço desse processo na região. PALAVRAS-CHAVE: ASEAN, Integração Regional, Sudeste Asiático, Mar do Sul da China ABSTRACT

The objective of this work is to analyze the current situation in the political and international relations in Southeast Asia, between the members of ASEAN and the relations with extra regional countries. The present work seeks to understand how the territorial disputes in the South China Sea interfere in the relations between the countries of the region and in the functioning of the organization. Besides, it tries to comprehend the importance of the presence of countries such as United States, China, India and Japan in these conflicts and how ASEAN itself is relating to these countries from outside Southeast Asia. Furthermore, it tries to analyze how this relates to the integration process of the countries of Southeast Asia and if these factors would be a difficulty in the advancement of this process in the region. KEY WORDS: ASEAN, Regional Integration, Southeast Asia, South China Sea INTRODUÇÃO O presente artigo trata sobre a atual conjuntura das relações políticas e internacionais no Sudeste Asiático e como elas interferem no processo de integração da região. As disputas territoriais entre os membros da ASEAN podem trazer riscos às boas relações entre os países e dificultar o andamento do processo. Assim, são analisadas as relações intrabloco, especialmente as disputas no Mar do Sul da China. Ademais, é importante tratar das relações da ASEAN com países de fora da região, que podem vir a influenciar as relações internas e o próprio processo de integração. Para isso, são analisadas as relações com Estados Unidos, Japão, China e Índia,

Page 157: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

157

fortemente presentes na região e atuantes nas disputas. O trabalho está dividido em duas partes, sendo que na primeira são tratadas as relações entre os membros da ASEAN e na segunda as relações externas da associação. 1 AS RELAÇÕES INTERNAS DA ASEAN Criada em 1967, em Bangkok, a Associação das Nações do Sudeste Asiático é hoje um dos mais importantes processos de integração regional. A organização é marcada pela diversidade entre os países, que gerou características específicas de comportamento nas negociações. O chamado “ASEAN Way” já é imitado por outros países asiáticos por ter apresentado sucesso em evitar conflitos e dar voz a todos os membros da associação. Baseada no consenso, a ASEAN vem, paulatinamente, consolidando sua integração regional. No entanto, as diversas disputas territoriais entre os membros criam um ambiente que dificulta o andamento desse processo (WEATHERBEE, 2005). As disputas na região do Sudeste Asiático são originadas dos tempos coloniais, quando as potências europeias buscavam expandir seus territórios. Estes eram divididos entre os ocidentais de acordo com seus interesses, sem considerar as divisões das populações e etnias locais. Dessa forma, muitos territórios foram divididos e passaram a ser parte de outra colônia. Além disso, por ser uma região composta majoritariamente por ilhas, o domínio dessas pequenas ilhas era sempre disputado. Com as independências, diversas áreas começaram a ser reivindicadas por povos que acreditavam ser os donos originais (MCGREGOR, 2008). Ademais, durante a Segunda Guerra Mundial, o Sudeste Asiático ganhou importância estratégica para as potências da época. As pequenas ilhas eram essenciais para o controle das rotas de comércio da região – chamadas de Linhas de Comunicação Marítima -, consideradas as mais movimentadas do mundo. Com o início da Guerra Fria e a presença de países comunistas na Ásia continental, os Estados Unidos consideravam muito importante manter influência na região (KANTER, RIBEIRO e FEDDERSEN, 2012). Controlando essas rotas marítimas, aquele que possui o domínio pode impedir a passagem de navios pelo Estreito de Malacca (um dos mais movimentados do mundo), cortando suprimentos. Com o tempo, também, foram sendo descobertas diversas reservas de petróleo e gás natural off-shore, ou seja, áreas no fundo do mar que possuíam recursos naturais capazes de gerar grande renda ao país que os possuísse. Assim, o controle de algumas pequenas ilhas pode aumentar a Zona Econômica Exclusiva de um país, permitindo que ele tenha mais território para explorar e mais recursos naturais a sua disposição. Por esses motivos, muitos países da ASEAN iniciaram disputas

Page 158: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

158

por pequenas regiões de importância estratégica para seus interesses nacionais (KANTER, RIBEIRO e FEDDERSEN, 2012). O Mar do Sul da China é a região mais disputada pelos membros da ASEAN. Os três conjuntos de ilhas, Scarborough, Paracel e Spratly, possuem grande importância estratégica e reivindicações de diversos países. Por serem áreas muito próximas da China, o país é um dos mais atuantes na região e possui uma das maiores reivindicações. O recife de Scarborough é disputado por Filipinas e China. As ilhas Paracel são disputadas pela China e Vietnã, e as Spratly por China, Vietnã, Malásia, Brunei, Taiwan e Filipinas. Enquanto a China e o Vietnã reivindicam os territórios por inteiro, os outros países desejam o domínio de apenas algumas pequenas ilhas para aumentar suas Zonas Econômicas Exclusivas. Os países buscam estabelecer o controle sobre as pequenas ilhas desses arquipélagos através da ocupação delas e pela presença constante de barcos para proteção da região (TOCCHETTO et al., 2014). A ação da ASEAN nesse sentido, atualmente, é de tentar trabalhar em conjunto para impedir que as ações chinesas ameacem a estabilidade da região. Historicamente, países como Malásia, Indonésia e Filipinas possuíam muitas disputas territoriais e estavam sempre envolvidos em tensões. Contudo, com o surgimento da ASEAN, essas disputas foram amenizadas e qualquer outro conflito foi sempre, preferencialmente, resolvido através da diplomacia, baseado no “ASEAN Way” de consulta e consenso (FRY, 2008). Os países da ASEAN concordaram em renunciar ao uso da força, porém a associação ainda não possui normatividade necessária para estabelecer punições aos que não cumprirem o acordado. Em relação às ocupações no Mar do Sul da China, as Filipinas já catalogaram 43 territórios, Vietnã ocupou 21 ilhas e recifes, Filipinas possui 9 locais registrados e Malásia tem 5 locais ocupados. Porém, a China vem agindo de forma assertiva quando se trata de suas reivindicações e já gerou fortes tensões com países como Filipinas e Vietnã. Esse comportamento chinês deveria unir os países da ASEAN em busca de uma solução conjunta para as instabilidades no Mar do Sul da China. No entanto, a associação não reagiu de forma unida e cada país teve que lidar com as disputas de maneira unilateral. Isso coloca em questão a ideia da harmonia e solidariedade da Comunidade Político-securitária da ASEAN e de como os países teriam sua segurança conectada a de seus iguais (WEATHERBEE, 2005). Uma das tentativas da ASEAN em lidar com as disputas do Mar do Sul da China é a criação de um Código de Conduta com a China. Essa iniciativa multilateral foi fruto da vontade da Malásia e Indonésia de resolver essas questões através de fóruns multilaterais. A elaboração do código não ameaçaria as relações da ASEAN com a China e manteria a estabilidade da região. Porém, o

Page 159: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

159

documento acabou sendo mais político do que obrigatório, e as disputas se mantiveram como antes (KANTER, RIBEIRO e FEDDERSEN, 2012). Assim, a saída foi garantir que pelo menos os países da ASEAN manteriam as diretrizes da Declaração da ASEAN sobre o Mar do Sul da China e seguir as discussões relativas ao Código de Conduta. O que a ASEAN conseguiu, pelo menos, foi uma Declaração de Conduta em conjunto com a China, que definia que os países deveriam seguir as leis da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. O problema para a ASEAN se mostrou quando, em 2012, os países se reuniram para discutir as questões da Declaração de Conduta e a possibilidade de um Código de Conduta. A China já estava exercendo influência sobre alguns países, como Camboja, que não aceitava que disputas bilaterais envolvessem a ASEAN. Como todas as decisões devem ser consenso dentro da associação, ficava claro que o Camboja era a voz chinesa dentro da organização, assim como o veto. Ele poderia vetar qualquer decisão que não fosse dos interesses chineses. Dessa forma, a ASEAN passa por um momento de crise e de questionamento sobre a eficiência dessa forma de decisão (WEATHERBEE, 2005). Essas disputas territoriais, por mais que algumas reivindicações de membros da ASEAN se sobreponham, não geram disputas graves entre eles, já que muitas vezes elas são resolvidas através da diplomacia. Porém, a presença chinesa e a influência que ela exerce sobre alguns países pode prejudicar o processo de integração regional em andamento, desestabilizando as relações e impedindo consenso em questões que a ASEAN deveria encontrar uma solução conjunta. 2 AS RELAÇÕES COM PAÍSES EXTRA REGIONAIS A ASEAN possui relações como bloco regional com diversos países. Esse processo de aproximação com países extra regionais levou a criação dos parceiros de diálogo da ASEAN, com quem a associação mantém diálogos políticos e parcerias. Hoje, a ASEAN tem 10 parceiros de diálogo: Austrália, Canadá, União Europeia, Japão, Nova Zelândia, Estados Unidos, Coreia do Sul, China, Índia e Rússia. A ASEAN e seus parceiros – também chamados de ASEAN+10 – acabaram se tornando um fórum para discussão de problemas como assistência para projetos, concessões para comércio, fortalecimento de relações políticas e da economia da ASEAN. Os princípios adotados pela ASEAN para as relações com os parceiros são os do Tratado de Amizade e Cooperação (HAMZAH, 1989). Outro grupo de ação da ASEAN é o ASEAN+3, formado pelos países da associação com China, Coreia do Sul e Japão. A principal razão da formação desde bloco foi a crise de 1997 e a falta de uma solução da ASEAN. Dessa forma, esses países passaram a organizar uma cooperação

Page 160: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

160

na área financeira, que pudesse evitar novas crises e criasse soluções para crises futuras. Essa iniciativa também foi uma forma de aproximar o Sudeste Asiático do Nordeste Asiático e começar a discutir a ideia de um Leste Asiático unido. A partir disso, a Malásia (que já havia iniciado esforços para a criação de uma Comunidade do Leste Asiático) incentivou a criação da Cúpula do Leste Asiático. Nessa nova iniciativa - que incluiria também China, Coreia do Sul e Japão -, os países da ASEAN teriam a chance de ser representados separadamente, não como a ASEAN, como ocorre no ASEAN+3. Existia a ameaça de que a China acabaria controlando a organização e países como a Indonésia e Japão exigiram que mais países fossem convidados a participar. Assim, Australia, Índia e Nova Zelândia foram incluídos na primeira reunião da Cúpula. Rússia e Estados Unidos somente se tornaram membros em 2010. Para a ASEAN, a Cúpula do Leste Asiático é uma oportunidade de afirmar sua importância na organização das relações na região (WEATHERBEE, 2005). Assim, podemos ver que, ao longo dos anos, a ASEAN veio se aproximando de diversos países como um bloco. Algumas dessas relações foram importantes para intensificar o processo de integração e desenvolvimento da região. No entanto, algumas também podem representar influências importantes nos comportamentos dos países e na maneira como os mesmos levarão o andamento da integração regional. A presença de países como Estados Unidos, China, Japão e Índia através de investimentos, acordos de defesa e, inclusive, utilização de portos e bases aéreas influencia fortemente o rumo da integração e da própria ASEAN. 2.1 Estados Unidos A presença dos Estados Unidos na região existe desde a época do imperialismo ocidental. Com a Guerra Fria, a importância da região cresceu, fazendo com que o país fosse mais presente e mantivesse o controle sobre algumas ilhas pequenas do Pacífico por questões logísticas e estratégicas. A proximidade com a Rússia e a China, os grandes países comunistas, exigia uma zona de influência norte-americana na região também, como forma de contrabalancear o expansionismo soviético. Assim, além de ter o controle de algumas áreas do Sudeste Asiático, os Estados Unidos começaram a criar parcerias de defesa a estreitar relações com alguns países da ASEAN (MCGREGOR, 2008). Com o crescimento da China, a maior potência mundial passou a dar mais importância para a região. Em 2011, o presidente Obama realizou um discurso em Darwin, na Austrália, anunciando que enviaria soldados para uma nova base no país. Esse foi o marco que iniciou o retorno dos Estados Unidos para o Pacifico, tanto com objetivos de conter a expansão chinesa, como para

Page 161: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

161

retomar sua influência na região (MARTINS et al., 2014). Dessa maneira, o país vem se reaproximando de alguns países do Sudeste Asiático para estabelecer novamente sua zona de influência e impedir que a região se desestabilize. Para os Estados Unidos, a escalada de uma tensão envolvendo as Filipinas em relação às disputas territoriais no Mar do Sul da China pode representar uma necessidade de ação por parte do governo estadunidense. O país possui um tratado de defesa mútua com as Filipinas e, considerando que qualquer disputa possa levar a um conflito armado, os Estados Unidos têm o dever de agir. De certa forma, isso protege as Filipinas de seus rivais, pois ter um país como esse como aliado representa capacidade. Por isso, o andamento das disputas no Mar do Sul da China é de suma importância para a política externa norte-americana. Ademais, a defesa do livre comércio em uma das rotas mais importantes do mundo, por onde grande parte do comércio estadunidense transita é uma das razões pelo grande interesse na região. Manter a estabilidade na região é de extrema seriedade para a economia norte-americana (DOLVEN, KAN e MANYIN, 2013). Além disso, a assertividade chinesa na região vem aumentando o interesse estadunidense nos acontecimentos. A construção de ilhas artificiais no Mar do Sul da China por parte dos chineses gerou algumas tensões entre os dois países, já que existiam dúvidas quanto ao objetivo das construções. Essas ilhas poderiam ser utilizadas pelas Forças Armadas como local de lançamento de mísseis, de modo a atingir zonas mais afastadas da China Continental. Essa estratégia difere da dos Estados Unidos, que busca construir bases militares em solo estrangeiro para aumentar a projeção de suas forças navais (KANTER, RIBEIRO e FEDDERSEN, 2012). Os Estados Unidos procuram incentivar as soluções multilaterais para as disputas, especialmente através das normas estabelecidas na Convenção das Nações Unidas do Direito do Mar. Além disso, apoiam fortemente os esforços da ASEAN em buscar a formação de um Código de Conduta em conjunto com a China, pois poderia diminuir a influência dos chineses na região e evitar qualquer instabilidade nas Linhas de Comunicação Marítimas. A busca por aliados diferentes no Sudeste Asiático também é importante para garantir que seus interesses sejam levados em conta nas decisões da região e que a China não siga aumentando sua influência no Mar do Sul. Para a ASEAN, por exemplo, os Estados Unidos são importantes no sentido em que agem como uma força para balancear a expansão chinesa (REIS et al., 2015; GOH, 2005). 2.2 China O acelerado crescimento econômico da China acabou gerando ambições de expansão marítima, algo comum na região se considerarmos que o desenvolvimento japonês também levou a

Page 162: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

162

uma fase expansionista. Assim, a China ainda é a maior preocupação dos países da ASEAN no Mar do Sul da China. O país vem apresentando um comportamento muito agressivo em relação às reivindicações, além de estar construindo ilhas artificiais. As diversas disputas existentes com os países da ASEAN, como Filipinas e Vietnã, por exemplo, já levaram a crescentes tensões na região (CHENG e PALADINI, 2014). O país se nega a utilizar tribunais internacionais para a resolução das disputas, como a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, e não aceita diversas possíveis normas que a ASEAN tenta estabelecer na criação do Código de Conduta. A China cada vez mais precisa de recursos naturais para manter sua demanda por energia e o domínio sobre essas pequenas ilhas repletas de reservas de petróleo e gás natural seria essencial para garantir seu desenvolvimento. Uma das poucas soluções possíveis para os países que disputam essas áreas com a China seria realizar Acordos de Desenvolvimento Conjunto, que escondem as disputas por soberania por garantirem a divisão dos benefícios (WEATHERBEE, 2005). Apesar das tentativas da ASEAN em criar um Código de Conduta em conjunto com a China, o país segue gerando tensões em algumas áreas disputadas. Em 2011, o Vietnã havia começado a colocar em circulação navios para exploração de petróleo no Mar do Sul da China, ação que foi vista com desconfiança pelos chineses. Assim, o exército chinês realizou ataques a esses navios, desencadeando diversas revoltas anti-China no Vietnã, que, inclusive, fizeram com que algumas fábricas chinesas no país fossem fechadas. Em 2012, a tensão foi com as Filipinas, que apreenderam diversos pescadores chineses. A China respondeu com retaliações econômicas, que até hoje afetam a economia filipina (KANTER, RIBEIRO e FEDDERSEN, 2012). A ASEAN, apesar das ações chinesas no Mar do Sul, procura manter boas relações com a China, já que o país é de grande importância para todas as economias da associação. Além disso, durante a luta dos Estados Unidos contra o terrorismo e a ascensão chinesa, os países da região encontraram um outro possível aliado para garantir seus interesses no cenário internacional. Buscam aproximações com outros países como forma de não depender apenas da China e de garantir que sua influência não se estenda mais (GOH, 2005). A China também procura investir muito na região, através de projetos de infraestrutura em países com quem mantém boas relações, o que fortalece a presença chinesa no Sudeste Asiático. 2.3 Japão No caso do Japão, a rivalidade com a China incentiva muito a participação do país nas questões do Sudeste Asiático. Com a ascensão da China, o Japão veio perdendo influência na região

Page 163: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

163

e tenta se aproximar dos países através de investimentos, especialmente de infraestrutura, nas áreas menos desenvolvidas. A aliança nipo-estadunidense se sente ameaçada pela China e acaba procurando novos parceiros nos países da ASEAN. Além disso, o Japão sempre foi visto como um exemplo para o desenvolvimento dos países da região, já que foi o primeiro país do Leste Asiático a ter um grande crescimento na economia e impulsionar o desenvolvimento dos vizinhos (CASTRO, 2013). A ASEAN possui uma parceria estratégica com o Japão para questões de segurança marítima, que mostram como as relações entre o país e o bloco são estreitas. Para o Japão, é de extrema importância que a segurança e livre passagem de navios nos estreitos do Mar do Sul da China, especialmente no Estreito de Malacca, seja garantida. A economia japonesa depende muito das rotas de comércio do Sudeste Asiático. Pelo menos 80% das importações de petróleo bruto são transportadas por essas rotas. Também segundo Son (2013), por ser uma ilha, o país se preocupa muito com a construção de instituições que assegurem a livre circulação nas Linhas de Comunicação Marítima. Ademais, a ameaça da pirataria também é razão para a grande preocupação japonesa com as disputas no Mar do Sul da China. Em especial, o Japão acaba sendo um bom aliado para a ASEAN, no sentido em que defende a centralidade da associação na resolução dos problemas marítimos da região. Para Sudo (2002), o Japão é um grande parceiro na construção do novo regionalismo asiático. O país incentiva a atuação do Fórum Regional da ASEAN, principalmente pelo papel essencial da ASEAN no Sudeste Asiático. Além disso, é importante para a associação ter um parceiro mais desenvolvido, que possa dar visibilidade às suas ações e apoio político. De qualquer maneira, para o autor, a presença do Japão e da ASEAN é o elemento necessário para qualquer cooperação asiática. 2.4 Índia Alguns países da ASEAN defendem uma maior participação da Índia nas questões da região, sobretudo em se tratando da maior assertividade chinesa. O país poderia agir para balancear a influência chinesa e equilibrar os parceiros da associação. Para Paulo Pereira Pinto (2007), a principal questão que envolve a Índia nos problemas do Mar do Sul da China e do Sudeste Asiático é a recente disputa por “soft power” com a China. Ambos países vêm influenciando os países através da exportação de sua cultura e apoiando iniciativas locais. A Índia também está passando por uma fase de grande desenvolvimento, o que gera mais demanda por fontes de energia. Os recursos naturais disponíveis no Sudeste Asiático são muito

Page 164: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

164

atraentes e a boa relação com estes países acaba se tornando essencial (WEIMAR, 2013). Pela proximidade, a Índia vem estreitando relações com Myanmar, Indonésia e Tailândia, principalmente para questões de segurança marítima. A cooperação indiana também toma caráter mais securitário, o que possibilita a presença do exército indiano nos estreitos do Mar do Sul da China, importantes para a economia do país (KHURANA, 2009). Para Khurana (2005), essa aproximação com os países da ASEAN faz parte da nova política de “olhar para o leste” da Índia, que procura aprimorar as relações políticas e econômicas com os vizinhos orientais. Para isso, Cingapura foi um grande aliado para incentivar o estreitamento das relações. A cooperação com a Índia acaba sendo facilitada pela convergência dos interesses com a ASEAN, sejam eles em relação à ameaça chinesa ou à segurança marítima da região. CONSIDERAÇÕES FINAIS Dessa forma, podemos ver que apesar das disputas existentes entre os países da ASEAN, a associação busca maneiras de resolver esses conflitos de forma pacífica e sem o uso da força. A organização ainda não possui uma posição comum em relação às questões do Mar do Sul da China, mas a criação de um Código de Conduta para os países membros já pode se configurar como um avanço. Ademais, a presença de países de fora da ASEAN nas disputas e em busca de influência na região também afeta o futuro da associação. Cada país possui objetivos específicos e tenta uma maior inserção nos problemas do Sudeste Asiático de maneira a garantir que seus interesses sejam cumpridos.

BIBLIOGRAFIA CASTRO, R. C. D. China and Japan in Maritime Southeast Asia: extending their geo-strategic rivalry by competing for friends. Philippine Political Science Journal, Manila, 2013. 150-169. CHENG, J.; PALADINI, S. China's Ocean Development Strategy and its Handling of Territorial Conflicts in the South China Sea. Philippine Political Science Journal, 2014. 185-202. DOLVEN, B.; KAN, S.; MANYIN, M. Maritime Territorial Disputes in East Asia: Issues for Congress. [S.l.]. 2013. FRY, G. W. The Association of Southeast Asian Nations. New York: Chelsea House Publishers, 2008. GOH, E. Meeting the China Challenge: The US in Southeast Asian Regional Security Strategies. Washington: East-West Center Washington, 2005. HAMZAH, B. A. ASEAN Relations with Dialogue Partners. Malásia: Pelanduk, 1989.

Page 165: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

165

KANTER, M.; RIBEIRO, E.; FEDDERSEN, G. Maritime Sovereignty in East Asia. In: MACHADO, I.; CRUZ, C.; SILVEIRA, I. UFRGSMUN - Exploring new possibilities: treasuring the past. Porto Alegre: Instituto Sul-Americano de POlítica e Estratégia (ISAPE), 2012. p. 263-282. KHURANA, G. S. Cooperation among Maritime Security Forces: Imperatives for India and Southeast Asia. Strategic Analysis, Abril-Junho 2005. 295-316. KHURANA, G. S. China-India Maritime Rivalry. Indian Defense Review, Outubro-Dezembro 2009. MARTINS, J. M. Q. et al. Nova Conjuntura da Ásia: da Comunidade do Leste Asiático à Competição Estratégica. Revista Conjuntura Austral, 2014. MCGREGOR, A. Southeast Asia Development. New York: Routledge, 2008. PINTO, P. A. P. China e Índia - a disputa por "Soft Power". Meridiano 47, Dezembro 2007. 9-11. REIS, J. A. et al. Cúpula do Leste Asiático: Disputas Territoriais na Ásia-Pacífico. Guia de Estudos 2015 UFRGSMUNDI: Transpondo Barreiras, Unindo Regiões, Porto Alegre, Agosto 2015. 101-122. SON, N. H. ASEAN-Japan Strategic Partnership in Southeast Asia: Maritime Security and Cooperation. In: SUKMA, R.; SOEYA, Y. Beyond 2015: ASEAN-Japan Strategic Partnership for Democracy, Peace and Prosperity in Southeast Asia. Tokyo: Japan Center for International Exchange, 2013. p. 214-227. SUDO, S. The International Relations of Japan and Southeast Asia: forging a new regionalism. Londres: Routledge, 2002. TOCCHETTO, J. et al. Maritime Connectivity in the Asia Pacific Region. UFRGSMUN, 2014. 13-80. WEATHERBEE, D. E. International Relations in Southeast Asia: the struggle for autonomy. United States: Rowman & Littlefield, 2005. WEIMAR, N. Sino-Indian power preponderance in maritime Asia: a (re)source of conflict in the Indian Ocean and South China Sea. Global Change, Peace & Security, 2013. 5-26.

Page 166: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

166

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A REDUÇÃO DAS DESIGUALDADES: O CASO DOS BRICS (BRASIL, RÚSSIA, ÍNDIA, CHINA E ÁFRICA DO SUL)

Autor: Sidney José Vasconcelos Rosendo da Silva

[email protected] Orientador: Marcos Ferreira da Costa Lima

[email protected] RESUMO Durante a primeira década do século XXI, os países representantes do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) apresentaram ao mundo indicadores notáveis no que dizem respeito ao seu papel como economias em ascensão, líderes políticos regionais e reorganizadores da ordem mundial. Juntos, os cincos países representam cerca de 40% da população mundial, 25% do PIB (Produto Interno Bruto131) do globo e alocam quatro dentre as dez maiores economias mundiais da atualidade (BRICS REPORT, 2012). Todavia, disparidades econômicas e sociais insistem em desafiar as populações destes países. Esta pesquisa tem o objetivo, então, de demonstrar a forma como os países do BRICS, nas últimas duas décadas, utilizaram-se de políticas públicas de transferência de renda para diminuir as desigualdades internas. Através de uma análise estatística e de uma revisão de literatura, este trabalho busca apresentar se há ou não relação entre a implementação de políticas públicas assistencialistas e a redução das desigualdades nestes países. Palavras-chave: BRICS, desigualdade, políticas públicas, política comparada. ABSTRACT The first decade of the 21st century announced the important role that the five BRICS’ representatives (Brazil, Russia, India, China and South Africa) have played in the economic, political and social framework. These five countries - which have been recognized as emerging economies, regional political leaders and actors of the resizing of the world politics - represent about 40% of the entire global population, own 25% of the world GDP (Gross Domestic Product) and place four of them on the top ten ranking of the richest economies in the world (BRICS REPORT, 2012). However, social and economic inequalities remain a big issue that these countries still have to struggle against. Thus, this study aims to elucidate the means by which these countries have worked during the past two decades in order to implement public policies whose 131 Uma definição mais completa do PIB pode ser enunciada como sendo correspondente ao valor monetário de todos os produtos finais, gerados em um período de tempo específico (ano, semestre, trimestre, mês), internamente dentro das fronteiras de uma região (país, estado, município, ou grupos de estados ou municípios). Fonte: Dicionário de Políticas Públicas, através do link http://pt.calameo.com/read/0016339049620b36a7dac, acessado em 24 de Agosto de 2015.

Page 167: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

167

objectives were designed to reduce inequalities within their own populations. A literature review and a statistical analysis have brought the sources to illustrate whether implementing social safety public policies might decrease inequality within these countries. Key words: BRICS, inequality, public policies, comparative politics. INTRODUÇÃO

O acrônimo BRIC foi pioneiramente usado pelo economista inglês Jim O’Neill em 2001, em um dos seus trabalhos intitulados como Building Better Economic BRICs, onde o Economista Chefe do Goldman Sachs - banco de investimentos sediado em Nova York, nos EUA - buscou apontar os holofotes do mundo financeiro para os países emergentes em questão: Brasil, Rússia, Índia e China (BRICS REPORT, 2012).

Logo após os atentados terroristas datados em 11 de Setembro de 2001, nos Estados Unidos, o mundo passou a questionar o então redimensionamento do poderio econômico e político daquele país, trazendo à cena global novos atores estatais cuja importância não só econômica, mas também política, vinha obtendo maior relevância por quebrar paradigmas no que dizia respeito à ordem global unipolar disseminada após o fim da Guerra Fria, na década de 1990. Michael Mann (2006) identificou os Estados Unidos como um país que, no decorrer da sua história, sempre exerceu influência de cunho imperial, variando na forma, tempo e espaço. Entretanto, a nova ordem econômica mundial (GILPIN, 2001), já identificada à época, trazia países como China e Rússia entre aqueles cujo desempenho econômico alcançava cifras significativas se comparadas com as de países da Europa Central e da América do Norte.

É a partir, então, do início do século XXI, que acadêmicos, líderes políticos e a sociedade civil buscam atribuir aos países de economias emergentes a responsabilidade de reivindicar uma nova distribuição da ordem mundial. Jim O’Neill (2001) já previa que os países pertencentes ao acrônimo BRIC representariam, pelos próximos anos, significante papel na conjuntura econômica mundial. As conquistas econômicas das décadas precedentes, entre alguns destes países, refletiam o papel relevante destes atores no século que se iniciava. Apresentando-se como alvo de investidores (FONTENELE REIS, 2014), obtendo um melhor posicionamento dos seus produtos no mercado externo, apresentando índices positivos de crescimento econômico e uma maior cooperação a níveis multilaterais, essas quatro nações foram levadas a estreitar suas relações diplomáticas e a buscar um remanejamento da arquitetura política do globo.

Page 168: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

168

Foi somente em 2006, cinco anos após o surgimento da sigla BRIC, que houve o primeiro encontro com representantes destas quatro economias emergentes. Os Ministros das Relações Exteriores do Brasil, Rússia, Índia e China reuniram-se em Nova York, num encontro paralelo à 61a Assembleia Geral das Nações Unidas, para dar início a uma cooperação diplomática mais robusta com o intuito de fortalecer os laços políticos entre os países. Em 2009, pela primeira vez, os Chefes de Estado dos países componentes do BRIC organizaram, na Rússia, um encontro que seria marcado pela consolidação do grupo como ator notável das relações político-econômicas da nova ordem mundial (STUENKEL, 2014).

Durante a primeira década do século XXI, não só os 4 países pertencentes ao aglomerado político-diplomático do BRIC tiveram papel relevante na conjuntura global. O reconhecimento da África do Sul, por exemplo, como uma das maiores economias do continente africano (BANCO MUNDIAL, 2010), bem como fiel representante da luta pelas liberdades civis, políticas e sociais nos anos posteriores ao período de segregação racial promovida pelo apartheid, levou o país a ser também reconhecido como uma das maiores economias emergentes do globo. Isto proporcionou ao país sul-africano a chance de integrar o grupo do BRIC quando, em 2010, como consequência da reunião de Chanceleres do grupo, a África do Sul passou a integrar o conglomerado político formado por esses países emergentes. Houve então um rearranjo da estrutura - e também da sigla - para acomodar o país recém ingresso. O grupo então passa ser chamado de BRICS, aglutinando as iniciais (em inglês) dos seus cinco países-parte: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul (FONTENELE REIS, 2014). Esta nova nomenclatura é, portanto, o caso de estudo tratado no decorrer deste trabalho.

Esses cinco países encaram desafios internos comuns (SARAN, SINGH E SHARAN, 2013) à sua prosperidade e ao desenvolvimento. Apesar de serem considerados economias emergentes em escala global, disparidades na distribuição de renda e riqueza, além da pobreza e precariedade de serviços públicos de saúde e educação, têm-se mantido como alguns dos entraves na promoção de crescimento inclusivo e sustentável para todas as camadas das suas populações. A pobreza existente - e profunda - nas comunidades à margem do desenvolvimento econômico das últimas duas décadas reflete as divergências encontradas internamente em cada um destes países.

A exemplo disso, dados do Banco Mundial (2015) demonstram que, na China, em 2010, os 20% (vinte por cento) mais ricos da população do país detinham cerca de 47% (quarenta e sete por cento) da renda total distribuída. Enquanto que na Índia, em 2011, cerca de 288 (duzentos e oitenta e oito) milhões de pessoas viviam abaixo da linha de pobreza, ou seja, viviam com menos de 1,25

Page 169: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

169

dólares por dia, de acordo com os padrões de indicadores internacionais. Estes dados corroboram o que Saran, Singh e Sharan (2013) expuseram sobre tais países, ao salientarem que, para manter o crescimento econômico e lutar contra as desigualdades, as nações do BRICS devem investir no aprendizado e compartilhamento de boas práticas de governança, incentivar a produção de capital humano qualificado através da educação e, ainda, promover cooperação intra-grupo para a criação de tecnologia e conhecimento cujos frutos venham a promover redução das desigualdades internas.

Ainda sobre as características dos países formadores do grupo, torna-se pertinente citar, também, os fatores que os distinguem perante seus enquadramentos sócio, político e econômico. Valdemar Carneiro Leão (2013) aponta que são veementemente diferentes o passado histórico de cada uma das nações, suas estruturas de organização social, a dispersão dos seus territórios e populações, além do histórico de desenvolvimento de cada um dos cinco componentes do BRICS. Ademais, o diplomata, ao fazer uma análise crítica sobre os interesses individuais dos membros do grupo, afirma que, em vez de uma perfeita complementaridade (2013, p.77), tais características expressam, na prática, disparidades que poderão influenciar as relações futuras intra-bloco. A exemplo disto, estão os strong points das economias formadoras do grupo. No caso do Brasil, tem-se a agricultura como preponderante; já na África do Sul, os serviços; na Rússia, é o setor energético que predomina, enquanto que na China, as manufaturas respondem por parte significativa da produção econômica.

Pode-se observar que, assim como fator inerente a cada país, a diversidade é também - no grupo político-diplomático - um atributo significante para o delineio e implementação de políticas de atuação no cenário nacional ou internacional. Sobre as políticas nacionais que objetivam a redução das desigualdades é que está baseado este trabalho. Diante disto, procurar entender o desenvolvimento dos países do BRICS nas últimas duas décadas através da sua atuação como combatentes das desigualdades é o intuito desta pesquisa. Estariam aliados, então, o crescimento econômico desses países com uma maior distribuição de renda e oportunidades para as diferentes camadas de suas populações? Programas de redistribuição de renda implementados nos últimos anos teriam apresentado resultados importantes no que concerne o aumento da distribuição de renda? Estas questões conduzem a uma profunda reflexão entre acadêmicos, lideres políticos e representantes da sociedade civil, além de permearem as demais seções deste artigo.

METODOLOGIA

Page 170: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

170

Esta seção descreve as linhas de pesquisa utilizadas na composição deste artigo que, baseado no conceito de Replication132, visa a replicabilidade das informações aqui apresentadas. King (1995) acredita que a ciência evolui ao passo que concede aos seus formadores e apreciadores a capacidade e a possibilidade de compartilhar, analisar, corroborar e até mesmo refutar a sua produção. A questão de pesquisa que fundamentou o desenvolvimento deste artigo é a seguinte: A implementação de políticas públicas de transferência de renda nas últimas duas décadas favoreceu a redução das desigualdades nos países do BRICS?

Para responder a essa pergunta, foi feita a análise da literatura existente no que concerne políticas públicas para a redução das desigualdades. A partir de então, foi realizada uma pesquisa focada nos países supracitados, com o intuito de tomar conhecimento sobre quais programas vêm sendo desenvolvidos nesses países cuja finalidade é reduzir as disparidades econômicas em suas populações. A posteriori, foi realizado o levantamento dos dados referentes aos índices de desigualdade e do PIB per capita (Produto Interno Bruto) apresentados por cada país durante as duas últimas décadas (1995 - 2004 e 2005 - 2014). A partir destes dados, foi utilizada a análise quantitativa descritiva para a comparação das médias apresentadas pelos indicadores durante as décadas estudadas na pesquisa. O software estatístico SPSS 2012 foi utilizado para a análise dos dados oriundos do Banco Mundial (2015).

A metodologia comparativa, neste artigo, traz um estudo de casos de universo fechado que, assim como definiu Caramani (2014), apresenta casos relevantes em períodos de tempo também relevantes. Uma abordagem mais aprofundada, seguindo o método da diferença (Most Similar Systems Design – MSSD) será utilizada no futuro a fim de oferecer maiores detalhes sobre os casos estudados nesta primeira versão do artigo. Por ora, este trabalho atem-se somente a descrever como cada um dos casos estudados (países formadores do BRICS) têm atuado, internamente, na implementação de politicas públicas para a redução das desigualdades.

Como variável dependente, tem-se a redução das desigualdades nos países formadores do BRICS (representada pela variação do índice de Gini133). As variáveis independentes aqui estudadas 132 King, Gary. 1995. Replication, Replication, PS: Political Science and Politics 28: 443–499 133 O Índice de Gini, criado pelo matemático italiano Conrado Gini, é um instrumento para medir o grau de concentração de renda em determinado grupo. Ele aponta a diferença entre os rendimentos dos mais pobres e dos mais ricos. Numericamente, varia de zero a um (alguns apresentam de zero a cem). O valor zero representa a situação de igualdade, ou seja, todos têm a mesma renda. O valor um (ou cem) está no extremo oposto, isto é, uma só pessoa detém toda a riqueza. Fonte: http://desafios.ipea.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=2048:catid=28&Itemid=23, acessado em 24 de Agosto de 2015.

Page 171: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

171

são 1) a implementação de políticas públicas de transferência de renda e 2) o aumento do valor médio do PIB per capita de cada país nas duas últimas décadas. A hipótese defendida aqui neste artigo é a de que políticas públicas de transferência de renda favorecem a diminuição das desigualdades nos países em que foram implementadas, proporcionando a diminuição da concentração de renda. Esta hipótese está baseada na literatura utilizada e explicitada no decorrer deste trabalho.

Por fim, foi feita, de maneira simples, uma análise em conjunto das mensuráveis oriundas dos indicadores estatísticos e das consequências produzidas pelas políticas assistencialistas implementadas em cada país, com o intuito de responder ao questionamento principal desta pesquisa, elucidando se, a partir das informações trazidas por esse estudo, políticas públicas nacionais de transferência de renda favoreceram a redução das desigualdades em cada um dos países do BRICS, diminuindo a concentração de renda em suas populações. Os resultados apresentados neste trabalho são resultados preliminares, tendo em vista o caráter incipiente desta pesquisa.

REVISÃO DA LITERATURA

Gallo (2002) afirma que um crescimento econômico indesejado é aquele que aumenta a desigualdade de renda e ocasiona disseminação da pobreza, gerando tensão social e descontentamento político que, juntos, afetam o bem-estar das sociedades. A favor desta posição, há a hipótese de que o aumento da desigualdade acarreta, cada vez mais, na manutenção de um gap entre os mais ricos e os mais pobres, fazendo com que estes apresentem dificuldades em desenvolver-se, ou fazer uso das oportunidades, tal como seria pelos mais abastados, detentores das condições, habilidades e qualificações para atingirem seus objetivos, ou prosperarem.

Ademais, Cavalcanti (2014) utiliza-se de Kuznets (1955) que faz uso da sua própria teoria para afirmar que, inicialmente, a concentração de renda é fruto do crescimento econômico quando há, neste caso, fluxo migratório populacional e de recursos entre o setor agrícola e o industrial, nesta ordem. Isto pôde ser evidenciado para o longo prazo, em países desenvolvidos, onde a desigualdade apresenta um aumento, estabiliza-se e, nas etapas finais do período de transição entre o setor agrícola e o industrial, passa a diminuir. Aliados aos fatores econômicos estão, também,

Page 172: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

172

ações de cunho político e social que passam a interferir no redimensionamento dos níveis de desigualdade dos países.

Cavalcanti (2014, p.6) apresenta ainda as evidências trazidas por Acemoglu e Robinson (2002) que admitem que o comportamento das instituições e as transformações sócio-políticas interferem nos padrões de desigualdade, provocando, a partir das medidas tomadas pelos decision makers, um decréscimo das disparidades na distribuição de renda da população. Portanto, tem-se como fundamental a tomada de politicas tributárias redistributivas para a redução das desigualdades. Entretanto, vale salientar que os resultados da análise de Kuznets (1955) são válidos para os dados oriundos de países da Europa Ocidental, enquanto que, para a América Latina e o Leste Asiático, estes resultados demonstram desacordo com a teoria, o que nos permitiria inferir que, para estas regiões, a desigualdade de renda não apresentaria decréscimo a partir de um crescimento econômico.

Em discordância com este ponto de vista, Mendes (2013), a partir de algumas teorias, aponta que crescimento econômico contribui para o aumento das desigualdades; isto devido a uma correlação negativa entre as variáveis, quando considerados países de renda baixa e média no longo prazo. Sobre a China, por exemplo, o autor observou que, mesmo o país tendo apresentado um crescimento econômico exponencial - evidenciado pelo aumento da renda per capita - nas últimas décadas, a variação do índice de Gini entre os anos de 1988 e 2003 indica um aumento na desigualdade. Isto pode ser melhor observado, e corroborado, na seção Resultados e Discussões deste artigo, em que, através da análise descritiva dos dados do Banco Mundial (2015), observa-se aumento da desigualdade na China, ilustrada pela variação da média do índice de Gini entre as décadas de 1995-2004 e 2005-2014.

Cavalcanti (2014, p. 10) lista os fatores apontados por Mendes (2013) que interferem no comportamento do crescimento e da desigualdade. São eles: a atuação do governo de forma favorável ou desfavorável ao crescimento; o mercado de crédito e a volatilidade presente no crescimento econômico de alguns países, tais quais a África do Sul e o Brasil. Este artigo, baseado na teoria de Mendes (2013), no que concerne a participação do governo como possível agente interventor do desenvolvimento econômico e da expansão ou redução das desigualdades, tentará apresentar a forma pela qual políticas públicas de transferência de renda podem contribuir para o combate das disparidades de distribuição de renda nos países do BRICS.

Um estudo divulgado pela OECD em 2011, intitulado como Divided We Stand: Why Inequality Keeps Rising, traz informações importantes sobre as principais causas das desigualdades

Page 173: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

173

nas economias emergentes, bem como, aponta algumas das estratégias a serem tomadas pelos países para buscarem a redução das desigualdades, diminuindo as disparidades entre as médias de renda da população, aumentando o acesso a serviços de educação e saúde, por exemplo, e, consequentemente, diminuindo a pobreza. Tal estudo aponta como precursores da desigualdade dentro de países como os do BRICS, fatores como a informalidade no setor empregatício, as divergências geográficas já existentes nos países, condições trabalhistas deploráveis, baixos índices educacionais e disparidades étnicas e de gênero.

Após apontar as influências para a existência de desigualdades, o estudo lista quatro diretrizes cujo resultado seria a diminuição progressiva das disparidades pertencentes a cada país. As diretrizes são estas: a) criar maiores incentivos para aumentar o número de empregos formais, b) destinar programas assistencialistas àquelas populações que se encontram em maior necessidade; c) compartilhar os ganhos oriundos do investimento em educação, d) preparar-se para maiores financiamentos de programas sociais no futuro.

No que concerne a atuação dos Estados traduzida na implementação de políticas de transferência de renda, de acordo com as sugestões advindas da OECD (2011), às economias emergentes são destinadas advertências para que venham a aprimorar seus mecanismos de arrecadação de impostos para, no futuro, destinar às camadas da população em vulnerabilidade programas mais estruturados de redistribuição de renda. A título de informação e exemplificação da situação da desigualdade de renda nos países do BRICS, dados mostram que, no Brasil, em meados da primeira década do século XXI, um quinto da população detinha cerca de 60% da renda total do país, enquanto que, na África do Sul, também um quinto de sua população detinha cerca de 75% da renda total do país. Números como estes ilustram as disparidades encontradas em cada uma das nações componentes do grupo.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Esta seção traz os resultados da análise estatística realizada a partir dos dados oriundos do Banco Mundial (2015). O Gráfico 1, abaixo, traz a média do PIB de cada país (em dólares) para as décadas de 1995 - 2004 e 2005 - 2014. Como pode ser observado, todos os países do BRICS, nas últimas duas décadas, em média, apresentaram aumento no PIB per capita. Esta crescente, observada nos cinco países, é fruto do desenvolvimento econômico fomentado por estas nações nos

Page 174: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

174

anos em que seu papel como líderes regionais foi salientando, passando, agora, a tornarem-se reorganizadores da ordem global.

O Brasil, por exemplo, país que possui o setor agrícola como preponderante e que, nos últimos anos, segundo o IBGE (2010), aumentou significativamente o número de habitantes no espaço urbano - apresentando uma taxa de urbanização de 84,8% em 2010, quase o dobro da observada em 1960 que era de 44,7% -, potencializou a produção de commodities e, segundo dados do Banco Mundial (2015), apresentou crescimento na taxa de exportação de bens e serviços nos anos que compõem o fim da primeira e o início da segunda década do século XXI.

A China, que representa hoje quase 15% da economia mundial, nos últimos anos, apresentou crescimento econômico de uma média aproximada a 9%. Sua entrada, principalmente a partir da década de 1990, na economia de mercado global foi, sem dúvida, fator de extrema relevância para o desenvolvimento do seu poderio econômico frente às outras nações não só do BRICS, mas também, do mundo. Os investimentos das últimas décadas em educação técnica, na infra-estrutura local, nas áreas de mineração e no setor tecnológico influenciaram, positivamente, no alcance de parte do mercado global.

Sobre a Índia, dados do Fundo Monetário Internacional sugerem que, no ano fiscal de 2015, o país irá crescer cerca de 7,5%. A diretora do FMI, Christine Lagarde, aponta que as recentes reformas políticas neste gigante asiático e o aumento da confiança empresarial produzem maior dinamismo que geram desenvolvimento econômico para o país. A Índia, em 2014, situava-se na 9a posição do ranking das maiores economias do mundo, segundo estimativa do FMI. Gráfico 1: Média do PIB per capita para os países do BRICS nas décadas de 1995 a 2004 e 2005 a 2014

Page 175: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

175

Fonte: próprio autor a partir dos dados oriundos do Banco Mundial (2015)

Ao fazer referência à teoria abarcada por Kuznets (1955), poder-se-ia inferir que este crescimento observado nos países do BRICS seria traduzido em redução das desigualdades nacionais de cada membro do grupo. Entretanto, de acordo com o que pode ser observado no Gráfico 2, abaixo, a diminuição da concentração de renda não aconteceu de forma homogênea entre os países membros do bloco político-diplomático. A utilização dos dados disponibilizados pelo Banco Mundial (2015) possibilitou a análise estatística representada aqui através do Gráfico 2, que traz a média do indicador Gini para cada um dos países em duas diferentes décadas (1995-2004 e 2005-2014). Gráfico 2: Média dos indicadores Gini para os países do BRICS nas décadas de 1995 a 2004 e 2005 a 2014

Page 176: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

176

Fonte: próprio autor a partir dos dados oriundos do Banco Mundial (2015)

Pode-se observar que, dentre os cinco países do bloco, apenas Brasil e Rússia apresentam redução da taxa de desigualdade média, expressa pela variação de 0,59 para 0,55 no caso do Brasil e, de 0,4 para 0,38 no caso da Rússia, no que diz respeito ao índice de Gini, que, numa escala de 0 a 1, mede o nível de desigualdade dos países, sendo um país menos desigual quando seu indicador se aproxima de 0.

Os demais países, segundo o Banco Mundial (2015), apresentam aumento da taxa de desigualdade. Apesar dos esforços destes países na implementação de políticas públicas cujo objetivo é reduzir a desigualdade em suas populações, os resultados da análise estatística mostram que, mesmo de maneira tímida, a média das taxas de desigualdade aumentou de uma década para a outra. Para os casos onde é possível constatar uma redução na desigualdade, cautelosamente, pode-se inferir que políticas públicas implementadas durante os últimos 20 anos têm obtido êxito, ocasionando uma queda nas disparidades sócio-econômicas destes países. No caso do Brasil, programas como o Bolsa Família foram responsáveis por tirar da extrema pobreza cerca de 22 milhões de brasileiros desde 2011, segundo estudo realizado pela FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) e divulgado em 2014.

Também em 2014, o Banco Mundial divulgou um report134 ressaltando a importância de alguns programas sociais no combate às desigualdades. Entre os destaques da publicação, estão programas implementados, nas ultimas décadas, no Brasil, na China e na Índia. 134 The State of Social Safety Net. World Bank, 2014.

Page 177: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

177

“India’s National Rural Employment Guarantee Scheme, India’s School Feeding Program, China’s Di Bao, Brazil’s Bolsa Familia and Programa de Alimentação Escolar have a combined reach of over 486 million people.” 135

Dados oriundos da OECD (2011) demonstram o quanto estes países têm investido em

programas de proteção social. Para o Brasil, a porcentagem do PIB, em 2005, gasto em programas sociais foi de aproximadamente 16%, valor também aproximado à porcentagem investida na Rússia. Na China, no ano de 2008, 8% do seu PIB foi destinado a programas de cunho social, enquanto que na Índia e na África do Sul, no asno de 2006 e 2007, as porcentagens do PIB destinadas aos programas assistencialistas foi de aproximadamente 5% e 8%, respectivamente. Estes dados demonstram o quão diverso é o tratamento dado por parte destes países no que se refere ao financiamento de programas sociais, em medidas do PIB.

Os próximos passos a serem percorridos por esta pesquisa estarão centrados em tentar explicar o porquê de, mesmo sob esforços por parte dos países, a desigualdade insiste em tornar-se um desafio na vida de suas populações. Será realizada ainda uma revisão de literatura mais aprofundada para buscar entender as estratégias sob as quais os países do BRICS organizaram-se nas duas últimas décadas no que se refere às políticas de transferência de renda para a redução da desigualdade, a fim de elucidar os resultados obtidos através da análise estatística dos dados disponibilizados pelo Banco Mundial e descrever detalhadamente os principais programas de transferência de renda implementados pelos países nas últimas duas décadas. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ainda durante a primeira e início da segunda década do século XXI, os países representantes do BRICS apresentaram ao mundo indicadores notáveis no que dizem respeito ao seu papel como economias em ascensão, líderes políticos regionais e reorganizadores da ordem mundial. Juntos, os cincos países representam cerca de 40% da população mundial, 25% do PIB (Produto Interno Bruto) do globo em termos de paridade do poder de compra (PPP, na sigla em inglês) e alocam quatro 135http://thebricspost.com/5-top-social-programs-in-india-china-brazil-world-bank/#.VeTdYFNViko, acessado em 24 de Agosto de 2015.

Page 178: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

178

dentre as dez maiores economias mundiais da atualidade (BRICS REPORT, 2012). Tais números refletem o poder de influência que tal grupo pode apresentar no que concerne a nova arquitetura das nações na Terra. Ainda, durante a mais recente cúpula do grupo que aconteceu em Fortaleza, Brasil, em 2014, o BRICS anunciou a criação do “Banco BRICS”, a mais nova plataforma mundial para cooperação e desenvolvimento, financiado, inicialmente, por quotas atribuídas a cada um dos cinco fundadores (BRICS POLICY CENTER, 2014).

Entretanto, apesar de significativo crescimento econômico e consolidação de poder político perante outros atores estatais no mundo, esses cinco países apresentam características comuns das quais não deveriam se orgulhar. Maria Silvério (2011) diz que as desigualdades econômicas e sociais ainda encontradas em cada um do BRICS levam a crenças de que esses países podem vir a tornar-se potências econômicas globais, no entanto, contrastadas com populações pobres e sem oportunidade de mobilidade social. É, portanto, sobre este viés, que esta pesquisa deseja traçar, mais profundamente, no futuro, os caminhos pelos quais os governos brasileiro, russo, indiano, chinês e sul-africano têm percorrido para proporcionar aos seus habitantes um maior acesso às riquezas produzidas nas últimas décadas. A fim de delinear o papel de certas políticas públicas para a redução das desigualdades, esta pesquisa buscou demonstrar em quais medidas a implementação de iniciativas governamentais, através de políticas públicas focadas no desenvolvimento econômico e social, tem trazido algum avanço significativo na diminuição dos índices de desigualdade desses países. REFERÊNCIAS OECD (2011), “Special Focus: Inequality in Emerging Economies (EEs)”, in Divided We Satand. Why Inequalities Keep Rising, Paris, OECD Publishing, pp. 47-82. PNUD (2011), Relatório do Desenvolvimento Humano 2011. CARDOSO, E., and SOUZA, A., P., (2004). The Impact Of Cash Transfers In Child Labor And School Attendance In Brazil. Working Paper No. 04-W07. Department of Economics Vanderbilt University Nashville, Tn 37235.Www.Vanderbilt.Edu/Econ1. O Brasil, os BRICS e a agenda internacional / Apresentação do Embaixador José Vicente de Sá Pimentel. – 2. ed. rev. ampl. -- Brasília : FUNAG, 2013. O'Neill, Jim (2001). "Building Better Global Economic BRICS," Global Economics Paper No. 6, November 30. The Brics Report : a Study of Brazil, Russia, India, China, and South Africa with Special Focus On Synergies and Complementarities. New Delhi: Oxford University Press, 2012.

Page 179: S $1$,6 '2 *5832 '( 75$%$/+2 32/Ë7,&$ ( 5(/$d®(6 ,17(51 ... › 2016 › 05 › anais-gt-polc3adti… · î ËQGLFH $ )RUPDomR ( ([SDQVmR ,QGXVWULDO 'D &RUHLD 'R 6XO 8PD 'LVFXVVmR

179

Immervoll, Herwig, and Linda Richardson. "Redistribution policy and inequality reduction in OECD countries: What has changed in two decades?." IZA Discussion, Paper n. 6030 (2011). RAVALLION, Martin. Targeted transfers in poor countries: revisiting the tradeoffs and policy options. World Bank Publications, 2003. Inequality Reduction Through the Income Tax. Peter J. Lambert. Economica New Series, Vol. 60, No. 239 (Aug., 1993), pp. 357-365. KUZNETS, S. Economic growth and income inequality. The American Economic Review, v. 45, n. 1, p. 1-28, 1955. CAVALCANTI, Giulia Maria Pereira. Desigualdade de renda e crescimento econômico nos BRICS. 2014. 79 f., il. Monografia (Bacharelado em Ciências Econômicas) - Universidade de Brasília, Brasília, 2014.