Rumo a Damasco

download Rumo a Damasco

of 58

Transcript of Rumo a Damasco

  • 7/23/2019 Rumo a Damasco

    1/58

    RUMO A DAMASCORUMO A DAMASCO

    AUGUST STRINDBERG

    TRADUO DO INGLS: ELIZABETH R. AZEVEDO

    (a partir da verso inglesa de Michael Meyer)

  • 7/23/2019 Rumo a Damasco

    2/58

    PERSONAGENSPERSONAGENS11

    O DESCONHECIDOA DAMA

    O MENDIGOO DONO DO CAF

    PRIMEIRO CONVIDADO DO FUNERAL

    SEGUNDO CONVIDADO DO FUNERALO MDICOA IRM

    UM LOUCOUM CARREGADOR DE HOTEL

    O FERREIROA MULHER DO MOLEIRO

    O VELHOA ME DA SENHORA

    A ABADESSAO CONFESSOR

    PERSONAGENS MENORES E SOMBRAS

    PARTE IPARTE I(1898(1898

    CENASCENASATO I: Na esquina

    Na casa do mdico

    ATO II: Um quarto de hotel beira mar

    Na estradaNo desfiladeiroNa coinha

    ATO III: ! quarto rosa! asilo! quarto rosa" coinha

    ATO IV: No desfiladeiro

    Na estrada # beira$mar! quarto de hotel

    ATO V: Na casa do mdico" esquina

    ATO IATO I

    %&sta alista efetiva de personagens' &la difere consideravelmente da que consta na pea de trindberg e que relacionaapenas O DESCONHECIDO* A DAMA* O MENDIGO* O MDICO* a +rma* O VELHO* A ME* A ABADESSA*o ,onfessor e -.ersonagens menores e ombras/' No * ali0s* a 1nica -2ista de .ersonagens/ de trindberg que difereda lista correta' (Nota do tradutor ingl3s)'

    4

  • 7/23/2019 Rumo a Damasco

    3/58

    CENA 1CENA 1NA ES!UINA

    UMA ESQUINA COM UM BANCO SOB UMA RVORE. PORTAIS LATERAIS DE UMAIGREJA GTICA, UMA AGNCIA DO CORREIO E UM CAF COM CADEIRAS NACALADA. A AGNCIA DO CORREIO E O CAF ESTO FECHADOS.

    O SOM DE UMA MARCHA FNEBRE SE APROIMA E DEPOIS SE PERDE NADIST!NCIA.O DESCONHECIDO EST PARADO NA BEIRA DA CALADA PROCURANDO DECIDIRQUE CAMINHO DEVE TOMAR. O RELGIO DA IGREJA TOCA" PRIMEIRO QUATRO

    NOTAS, OS QUARTOS, NUM TOM AGUDO" DEPOIS, BATE TRS HORAS EM TOMGRAVE.

    A DAMA ENTRA, SADA O DESCONHECIDO COM A CABEA" VAI PASSAR POR ELE,MAS PRA.O DESCONHECIDO$ "5 est0 voc3' .ensei que no viesse'A DAMA

    $ &nto* voc3 me chamou6 im* eu senti' Mas porque voc3 est0 paradoaqui* na esquina6O DESCONHECIDO$ No sei' &u preciso ficar em algum lugar enquanto espero'A DAMA$ ! que voc3 est0 esperando6O DESCONHECIDO$ e pelo menos eu soubesse' 7urante quarenta anos eu tenho esperado por alguma coisa' "cho quese chama felicidade* ou deve ser apenas o fim do sofrimento' !ua8 aquela m1sica f1nebre de novo'!ua9 No v0' .or favor* no v0* eu ficarei com medo se voc3 for'A DAMA$ Ns nos encontramos ontem pela primeira ve' ;alamos a ss por quatro horas' &u sinto muito porvoc3* mas isso no significa que voc3 possa se aproveitar da minha bondade'O DESCONHECIDO$ < verdade' &u no deveria' .orm eu peo: no me dei=e soinho' &u sou estranho na cidade* notenho amigo* e as poucas pessoas que eu conheo so piores do que estranhos > so quase inimigos'A DAMA$ +nimigos por toda parte* soinho em todo lugar' .or que voc3abandonou sua mulher e seu filho6O DESCONHECIDO$ e pelo menos eu soubesse' e eu soubesse* pelo menos* por que eu e=isto* porque estou aqui*

    para onde eu devo ir* o que devo faer' ?oc3 acha que algumas pessoas esto amaldioadas antesmesmo de morrer6A DAMA$ No* eu no acho'O DESCONHECIDO$ !lhe para mimA DAMA$ ?oc3 nunca encontrou a felicidade na vida6O DESCONHECIDO$ No' & quando eu pensei que tivesse* era apenas um truque para me tentar a prolongar meutormento' @oda ve que o fruto dourado ca5a na minha mo* estava sempre envenenado ou podre'

    A DAMA$ Aual sua religio6

    B

  • 7/23/2019 Rumo a Damasco

    4/58

    O DESCONHECIDO$ omente esta: quando a vida se torna insuport0vel* eusigo meu caminho'A DAMA$ .ara onde6O DESCONHECIDO

    $ Cumo # aniquilao' " consci3ncia de que eu carrego a morte em minha mo me d0 um incr5velsentimento de poder'A DAMA$ anto 7eus* voc3 fala da morte como de um brinquedo'O DESCONHECIDO$ Dem* a vida um brinquedo > para ns* escritores' &u nasci melanclico e ainda no sou capa delevar nada a srio* nem mesmo meus sofrimentos' E0 momentos em que at duvido de que a vida mais real do que as coisas que escrevo' (O"#$%&$ ' ')*+' ,-$/)$0 &' &'2&3D# P$%&'()*+)&les voltaram' .or que eles precisam andar pelas ruas desse Feito6A DAMA$ ?oc3 tem medo deles6

    O DESCONHECIDO$ No* mas eles me irritam* um pensamento que F0 me ocorreu antes' &u no temo a morte' asolido' .ois quando se est0 s h0 sempre mais algum' &u nunca sei se sou eu mesmo ou outra

    pessoa8 mas na solido nunca se est0 s' ! ar engrossa* comea a brotar* criar coisas que voc3 nov3 mas que esto l0* e vivas'A DAMA$ ?oc3 percebeu6O DESCONHECIDO$ im' &u tenho notado tudo ultimamente' No apenas coisas e incidentes* formas e cores''' agora euveFo pensamentos e o que as coisas significam' " vida costumava ser um grande nonsense' "goraela tem um sentido* e eu veFo um propsito no que antes eu via apenas um Fogo do acaso' &ntoquando eu te encontrei ontem* pensei que voc3 tivesse sido enviada para me salvar ou para medestruir'A DAMA$ .or que eu te destruiria6O DESCONHECIDO$ .orque o seu destinoA DAMA$ &u no quero te destruir' &u tenho pena de voc3' Nunca tinha visto antes algum cuFa simplesapar3ncia me fiesse chorar' ! que te pesa na consci3ncia6 ?oc3 fe alguma coisa que no tenhasido descoberta* ou punida6

    O DESCONHECIDO$ ?oc3 tem rao de perguntar' &u no tenho mais crimes em minha consci3ncia do que qualquer umque esteFa livre' im* uma coisa' No estive disposto a ser um Foguete da vida'A DAMA$ " gente deve se dei=ar enganar em alguma medida para poder viver'O DESCONHECIDO$ .arece ser quase uma obrigao* uma da qual eu ficaria feli de ser isento' !u deve haver algunsoutros segredos na minha vida* dos quais eu no sei nada' E0 uma histria na minha fam5lia de queeu sou um changeling'4

    A DAMA$ ! que isso6

    O DESCONHECIDO$ Uma criana que provavelmente foi dei=ada em troca de um humano'

    4,hangeling > criana trocada pelas fadas ao nascer8 feia* boa ou de mau g3nio' N' da @'

    G

  • 7/23/2019 Rumo a Damasco

    5/58

    A DAMA$ ?oc3 acredita6O DESCONHECIDO$ No' Mas pode ser que haFa alguma verdade nisso' Auando eu era criana* eu choravaconstantemente e sentia que no pertencia a esta vida' !diava meus pais tanto quanto eles a mim'Me ressentia com as disciplina e as convenHes' "nsiava somente pela floresta e pelo mar'

    A DAMA$ ?oc3 sempre teve visHes6O DESCONHECIDO$ Nunca' Mas senti muitas vees que dois poderes regulavam minha vida' Um me d0 tudo o quequero* enquanto o outro fica ali e macula toda d0diva com suFeira' &nto as coisas se tornamimprest0veis e eu no quero mais toc0$lo' &u tive tudo o que quis nessa vida* e tudo pareceuimprest0vel'A DAMA$ ?oc3 teve tudo e ainda est0 descontente6O DESCONHECIDO$ < o que eu chamo ser amaldioado'

    A DAMA$ No blasfeme9 Mas por que voc3 no procura por alguma coisa alm dessa vida* num lugar ondeno haFa torpea6O DESCONHECIDO$ .orque eu nunca acreditei em nada fora dela'A DAMA$ & as fadas6O DESCONHECIDO$ !h* isso s uma fantasia' Ns podemos sentar6A DAMA$ &st0 bem' Mas pelo que voc3 est0 esperando6O DESCONHECIDO$ Cealmente* pela abertura da agencia do correio' E0 uma carta que sempre me procura sem nuncame encontrar (E2$& &$ &$4') Me fale um pouco de voc3'A DAMA(C$5' ' 4)6*4'))$ No h0 nada a dier'O DESCONHECIDO$ < estranho* mas eu gosto de pensar em voc3 como algum sem nome' &u s sei o seu sobrenome'&u gostaria de eu mesmo te dar um nome' 7ei=e$me pensar' ,omo posso chamar voc36 im* vou techamar de &va' (C " 7$&4 ')' & )4'6&) @rombetas9 (O"#$%&$ ' ')*+' ,-$/)$) &ssamarcha f1nebre de novo9 &u devote dar um a idade tambm* porque eu no sei quantos anos voc3

    tem' ?oc3 tem trinta e quatro > o que significa que voc3 nasceu em %IJG* e uma personalidade*porque no sei que tipo de pessoa voc3 ' Dom* eu acho' ua vo como a da minha falecida me'Auero dier* minha idia de me''' minhame real nunca me beiFou* mas me lembro de que me

    bateu' ;ui criado no dio' Kdio''' olho por olho* dente por dente' &sta vendo esta cicatri na minhatesta6 Meu irmo a fe com um machado porque eu arranquei um dente dele com uma pedra' &uno fui ao funeral de meu pai porque ele me e=pulsou do casamento da minha irm' "lm disso eunasci ileg5timo8 o filho de um falido* enquanto a fam5lia estava de luto por um tio que se suicidara'"gora voc3 F0 conhece minha fam5lia' ,omo a 0rvore* assim o fruto' ,onsegui* com dificuldade*escapar a quatore anos de trabalhos forados' .ortanto* seno feli* acho que devo ser realmenteagradecido aos poderes'A DAMA

    $ &u gosto de ouvir voc3 falar* mas voc3 no deve se meter com eles8 por favor'

    L

  • 7/23/2019 Rumo a Damasco

    6/58

    O DESCONHECIDO$ .ara ser honesto eu no acredito neles* ainda que sempre voltem # minha mente' ?oc3 no achaque eles so lamas perdidas que falharam em encontrar a pa6 .ois eu acho' &nto eu devo ser umtambm' Uma ve pensei que encontraria a pa atravs de uma mulher' Mas acabou sendo o piorinferno de todos'A DAMA

    $ ?oc3 di coisas muito estranhas'

  • 7/23/2019 Rumo a Damasco

    7/58

    A DAMA$ No sou'O DESCONHECIDO$ @anto melhor' "ssim voc3 pode vir a ser alguma coisa' !h* eu gostaria de ser seu pai cego* quevoc3 levaria ao mercado para cantar* mas minha tragdia que eu no posso envelhecer''' assimque acontece com as crianas dei=adas pelas fadas* ela no envelhecem* somente ficam com

    cabeas enormes e gritam gostaria de ser o cachorro de algum que eu pudesse seguir para nuncaficar soinho''' um pouco de comida de ve em quando* um chute de ve em quando* um agrado deve em quanto* uma surra'''A DAMA$ &u preciso ir agora' "deus'A DAMA(D6&4)'6'$4$)$ "deus'ELA O DEIA SENTADO NO BANCO. ELE TIRA O CHAPU, ENUGA A TESTA.

    DESENHA COM BASTO NA AREIA. ENTRA O MENDIGO. SUA APARNCIA MUITOESTRANHA. ELE VASCULHA A SARJETA.O DESCONHECIDO

    $ ! que voc3 est0 revirando a5* mendigo6O MENDIGO$ ! que que voc3 est0 pensando6 &u no sou um mendigo' "lm do mais no te pedi nada'O DESCONHECIDO$ 7esculpe$me' No se deve Fulgar pelas apar3ncias'O MENDIGO$ No* no se deve' "divinhe quem eu sou'O DESCONHECIDO$ No me interessa'O MENDIGO$ ,omo voc3 pode saber de antemo6 "s pessoas nunca se interessam at que seFa muito tarde8Virtus post nummos9O DESCONHECIDO$ ?oc3 fala latim6O MENDIGO$ ?iu6 "final voc3 est0 interessado' Omne tulit punctum qui miscuit utile dulci' &u tive 3=ito emtudo o que fi porque nunca me esforcei para nada' &u me chamo .olicrates* aquele com o anel'@ive tudo o que quis na vida' Mas nunca quis nada de verdade e* entediado com o sucesso* Fogueimeu anel fora' "gora estou velho* sinto falta dele e o procuro pelas sarFetas' &* se no cacho umanel de ouro* no desdenho uma bituca de cigarro'O DESCONHECIDO

    $ No tenho certea se isso sabedoria ou bobagem'O MENDIGO$ Nem eu'O DESCONHECIDO$ "s pessoas nunca se interessam at > no* maldio* voc3 est0 me transformando num papagaio' no* l0vou eu de novo' ;ora9O MENDIGO

    $ &u irei' Mas voc3 me deu demais' @ome tr3s$quartos de volta' &nto s um emprstimo entreamigos'O DESCONHECIDO$ &u sou seu amigo6O MENDIGO$ .elo menos eu sou seu' & quando um homem est0 soinho no mundo* ele no pode ser muitoseletivo'O DESCONHECIDO$ ?oc3 se ofenderia se eu dissesse que isso um atrevimento6O MENDIGO$ 7e Feito nenhum* de Feito nenhum' Auando ns nos encontramos de novo* terei um apelido para

    voc3' (S'6)O DESCONHECIDO(S$4' $ $&$+' * /'&4;)$ @arde de domingo' 2onga* cina* melanclica tarde de domingo' @odos dirigindo seus assados*repolhos e batatas coidas' !?elho dorme* o Fovem fuma e Foga =adre > os empregados foram

    para a rea da noite e as loFas esto fechadas' !h* essa longa* mort5fera tarde8 dia de descanso*quando o pulso cessa de bater* quando to imposs5vel encontrar um rosto amigo quanto ir a um

    bar'''A DAMA ENTRA. ELA USA UMA FLOR NO DECOTE.-

    O DESCONHECIDO$ !l0' EoFe no posso abrir boca sem passar por mentiroso'A DAMA$ ?oc3 ainda est0 sentado aqui6O DESCONHECIDO$ & o que importa onde eu desenho na areia* aqui ou l0* contanto que eu desenhe na areia6A DAMA$ ! que voc3 est0 escrevendo6 7ei=e$me ver'O DESCONHECIDO$ .arece que escrevi: &va* %IJG' No pise'A DAMA$ ! que aconteceria6O DESCONHECIDO

    $ M0 sorte' .ara voc3 e para mim'A DAMA$ ?oc3 acha6O DESCONHECIDO$ im* e tambm acho que a flor que voc3 est0 usando no decote uma mandr0gora' imboliamal5cia e inF1ria8 acho que usada como remdio para curara a loucura' ?oc3 vai me dar6A DAMA(H$&64')$ ,omo remdio6O DESCONHECIDO$ ,laro' ?oc3 leu os meus livros6A DAMA

    $ ?oc3 sabe que sim8 e quero agradece por ter$me mostrado a liberdade e a crena nos direitos edignidades humanos'

    I

  • 7/23/2019 Rumo a Damasco

    9/58

    O DESCONHECIDO$ &nto no leu meu 1ltimo livro'A DAMA$ No' & se for diferente dos primeiros* nem quero'O DESCONHECIDO$ .rometa$me que nunca mais abrir0 um de meus livros

    A DAMA$ 7ei=e$me pensar primeiro' &st0 bem* eu prometo'O DESCONHECIDO$ Ktimo' Mas no quebre essa promessa' 2embre$se da mulher do Darba "ul que* tentada pelacuriosidade* abriu o quarto proibido'A DAMA$ ?oc3 F0 est0 comeando a falar como um Darba "ul' &squeceu que sou casada* que meu marido mdico e admira seu trabalho* e portanto sua casa permanece aberta para quando voc3 deseFarentrar6O DESCONHECIDO$ ;i o poss5vel para esquecer' 2impei de minha cabea de tal maneira que dei=ou de seu uma

    realidade para mim'A DAMA$ Nesse caso* quer vir para casa comigo6O DESCONHECIDO$ No' Auer vir para casa comigo6A DAMA$ !nde6O DESCONHECIDO

    > &m qualquer lugar' &u no tenho casa' 7inheiro* #s vees* muito raramente' < a 1nica coisa que avida no negou em dar* talve porque eu Famais o quisesse realmente'A DAMA$ Em9O DESCONHECIDO$ No que voc3 est0 pensando6A DAMA$ &stou surpresa por no estar ofendida com seu senso de humor'O DESCONHECIDO$ Eumor e seriedade so a mesma coisa para mim' "h9 ! rgo comeou a tocar* quer dier que oscafs vo abrir'A DAMA$ < verdade que voc3 bebe6

    O DESCONHECIDO$ Muito' ! vinho aFuda minha alma a viver nesta cela' &scapo para o espao* veFo o que os homensno viram e escuto o que nenhum outro ouviu'''A DAMA$ & no dia seguinte6O DESCONHECIDO$ @enho lindas crises de consci3ncia* um sentimento libertados de culpa e remorso* um praer notormento do corpo enquanto minha alma paira* como fumaa* sobre minha cabea' < como umlimbo entre a vida e a morte8 quando o esp5rito sente que pode esticar suas asas e voar se quiser'A DAMA$ ?enha um pouco comigo at a igreFa' No precisa ouvir o sermo* s escutar a m1sica das

    vsperas'

    P

  • 7/23/2019 Rumo a Damasco

    10/58

    O DESCONHECIDO$ No* na igreFa no' &la me fa sentir suFo* sentir que no meu lugar* ainda mais porque no

    posso voltar as ser criana'A DAMA$ ?oc3 F0 est0 se sentindo assim6O DESCONHECIDO

    $ < o m0=imo que consigo ir' .arece$me como se eu tivesse sido cortado em pedaos no caldeirode Media* sendo fervido lentamente' 7evo me dissolver at o anda ou renascer renovado' @udodepende da per5cia de Media'A DAMA$ ?oc3 fala como um or0culo' No poderia voltar a ser criana novamente6O DESCONHECIDO$ ,omecei F0 no bero' 7everia ter sido a criana certa numa poca'A DAMA$ &=atamente' Mas espere um enquanto eu vou # capela de anta &liabeth' e o caf abrir no

    beba* estou pedindo' ;elimente est0 fechado' O DESCONHECIDO SENTASE NOVAMENTE E DESENHA NA AREIA. SEIS HOMENS

    ENLUTADOS VESTIDOS DE MARROM ENTRAM JUNTO COM OS CONVIDADOS DOFUNERAL. UM CARREGA UM ESTANDARTE COM A INS/GNIA DA GUILDA DOSCARPINTEIROS, E CREPE MARROM. OUTRO, UM MACHADO GRANDE DECORADOCOM GALHOS DE ESPRUCE 0" UM TERCEIRO CARREGA UMA ALMOFADA COM UM

    MARTELO DE LEILOEIRO. ELES PARAM DO LADO DE FORA DO CAF E ESPERAM-O DESCONHECIDO$ 7esculpem$me' 7e quem era o funeral6PRIMEIRO CONVIDADO$ 7e um carpinteiro (,'< /')"2+ $ )$2=76)O DESCONHECIDO$ Um carpinteiro de verdade6 !u um tipo de inseto que vive na paredes e fa tic$tac6&UN7! ,!N?+7"7!$ "mbos' .orm mais o inseto' ,omo voc3 disse que se chama6O DESCONHECIDO(P')' $2$ $&)$ .atife' &st0 tentando me tapear imitando um besouro de velrio' Mas eu vou dier outra cosa paraaborrec3$lo' ("lto) Auer dier um ourives6SEGUNDO CONVIDADO$ No* no quis dier isso' (F'< #'$4$ & $ 46*%4'*)O DESCONHECIDO$ ?oc3 est0 querendo me assustar6 !u o defunto est0 operando milagres6 &u no tenho medo e noacredito em milagres' &stranho* todavia* que voc3s enlutados esteFam vestidos de marrom' .or que

    no de preto6 < barato* bonito e pr0tico'TERCEIRO CONVIDADO$ .ara nossos olhos tolos preto* mas se ua &=cel3ncia determinar* marrom'O DESCONHECIDO$ ?oc3s so um grupo estranho* e eu sinto um desconforto que gostaria de atribuir ao vinho que bebia noite passada' Mas se eu disser que so galhos de espruce em torno do machado* suponho quevoc3s me diriam que eles so''' bom* o que so eles6PRIMEIRO CONVIDADO$ &stes so galhos de videira'O DESCONHECIDO$ @eria apostado que no eram galhos de espruce' ?eFam* o caf est0 aberto' ;inalmente'

    B&spruce > .lanta da fam5lia das pin0ceias* espontQnea na &uropa ,entral e etentrional' < uma espcie de abeto cuFamadeira aproveitada em marcenaria'

    %R

  • 7/23/2019 Rumo a Damasco

    11/58

    O CAF EST ABRINDO. O DESCONHECIDO SENTASE 1 MESA E SERVESE DEVINHO. OS CONVIDADOS SENTAMSE EM MESAS VA2IAS-O DESCONHECIDO$ ?oc3s devem ter ficado felies por se livrarem de seu falecido companheiro* F0 que correm paramolhar a garganta'PRIMEIRO CONVIDADO

    $ Dom* ele no valia nada' No levava a vida a srio'O DESCONHECIDO$ & bebia* sem d1vida'SEGUNDO CONVIDADO$ Debia'TERCEIRO CONVIDADO$ & dei=ou para os outros sustentar sua mulher e seu filho'O DESCONHECIDO$ "h* isso foi uma fraquea da parte dele' Mas sem d1vida disseram lindas palavras sobre seucai=o' ?oc3s se importariam de no empurrar minha mesa enquanto estou bebendo6PRIMEIRO CONVIDADO

    $ @enho direito quando estou bebendoO DESCONHECIDO$ Auando voc3 est0* sim' E0 uma grande diferena entre mim e voc3'

    OS ENLUTADOS MURMURAM. O MENDIGO ENTRA-O DESCONHECIDO$ !l0* a5 est0 o Mendigo fuando de novoO MENDIGO(S$4'%&$ > $&')$ ,hefe9 Uma garrafa de vinho branco9DONO DO CAF(V$ * " *"$4)$ ;ora9 No vai conseguir nada aqui' ?oc3 no pagou seus impostos' "qui est0 o seu prontu0rio* seunome* sua idade e seu car0ter'O MENDIGO$ Omnia serviliter pro dominatione' &u sou um homem livre* com educao universit0ria e recusei$me a pagar impostos porque no deseFo me engaFar na sociedade' Uma garrafa de vinhos branco'DONO DO CAF$ e voc3 no sumir daqui* vai ganhar uma estadia gr0tis na cadeia'O DESCONHECIDO$ er0 que voc3s dois no podem resolver essa questo em outro lugar6 &sto incomodando afreguesia'DONO DO CAF$ Auero voc3 como testemunha de que estou agindo dentro da lei'''

    O DESCONHECIDO$ "cho a coisa toda uma idiotice' er0 que um homem no pode aproveitar os pequenos praeres davida s porque ele no pagou os impostos6DONO DO CAF$ 0 vi tudo9 ?oc3 um desses que andam por a5 diendo ao povo que esqueam suasresponsabilidades'O DESCONHECIDO$ No* isso F0 ir longe demais' ?oc3 sabe que eu sou famoso6

    O DONO DO CAF E OS ENLUTADOS RIEM-DONO DO CAF$ ;amoso* mas que nada9 &spere um pouco' 7ei=e eu ver' &sta descrio pode servir' ( L?

    *"$4) @rinta e oito anos de idade* cabelo castanho* olhos auis* sem ocupao definida*abandonou a mulher e os filhos* tem posio subversiva sobre questHes sociais e d0 a impresso deno estar de posse de seus sentidos' No se aFusta6

    %%

  • 7/23/2019 Rumo a Damasco

    12/58

    O DESCONHECIDO(L$#'4' @26 $ '6"62')$ ! que isto6DONO DO CAF$ 7eus me aFude* mas isto serve'O MENDIGO$ @alve seFa ele e no eu'

    DONO DO CAF$ .arece mesmo' "gora* por que voc3 no se manda6O MENDIGO(')' D$&*+$*6)$ < melhor a gente ir'O DESCONHECIDO$ " gente6 +sso est0 parecendo uma conspirao'O SINO DA IGREJA TOCA. O SOL ATRAVESSA A ROSCEA COLORIDA, ACIMA DA

    PORTA DA IGREJA, QUE SE ABRE REVELANDO SEU INTERIOR. MSICA DE RGO3AVE MARIS STELLA.-A DAMA(S'6 ' 67)$')$ !nde voc3 est0* o que est0 faendo6 .or que me chamou de novo6 er0

    que precisa ficar agarrado # barra da saia de uma mulher como se fosse uma criana6O DESCONHECIDO$ im* agora estou com medo' &sto acontecendo coisas aqui que no podem ser e=plicada de formanatural'A DAMA$ .ensei que voc3 no tivesse medo de nada* nem mesmo da morte'O DESCONHECIDO$ 7a morte no' Mas de outras coisas' 7o 7esconhecido'A DAMA$ &scute* meu amigo' 73$me sua mo que eu vou lev0$lo ao Mdico' ?oc3 est0 doente' ?enha'O DESCONHECIDO$ @alve' Mas primeiro me diga uma coisa' +sto tudo um carnaval* ou essas pessoas so reais6A DAMA$ &las parecem reais'''O DESCONHECIDO$ Mas* o Mendigo''' < uma criatura horr5vel' &le se aprece mesmo comigo6A DAMA$ e voc3 continuar bebendo vai acabar como ele' ?0 at o correio e pegue sua carta' 7epois venhacomigo'O DESCONHECIDO$ No* no quero ir ao correio' .rovavelmente uma convocao'

    A DAMA$ Mas suponha que no seFa6O DESCONHECIDO$ eria uma m0 not5cia'A DAMA$ ,omo voc3 achar melhor* mas ningum escapa de seu destino' into como se poderes tivessemconferenciado sobre ns e decidido nosso destino'O DESCONHECIDO$ ?oc3 tambm6 abe* eu cabo de ouvir o bater do martelo* as cadeiras arrastadas e os empregadosgritando' Aue tortura9 No* eu no quero ir com voc3'A DAMA

    $ ! que voc3 me fe6 Auando entrei nessa capela* nem podia rear' Uma vela se apagou no altar eum vento gelado soprou no meu rosto quando ouvi voc3 me chamar'

    %4

  • 7/23/2019 Rumo a Damasco

    13/58

    O DESCONHECIDO$ &u no chamei voc3* s a deseFei'A DAMA$ ?oc3 no a criana fraca que quer parecer' eu poder e=traordin0rio' @enho medo de voc3'O DESCONHECIDO$ Auando estou soinho sou fraco como um paral5tico* mas quando me ligo a algum fico forte'

    "gora quero ser forte* ento vou com voc3'A DAMA$ @alve voc3 possa me livrar do meu ogro'O DESCONHECIDO$ &=iste isso6A DAMA$ &u o chamo assim'O DESCONHECIDO$ &st0 bom' ?ou com voc38 lutar contra trolls G* libertar a princesa* matar os ogros''' isto que viver9A DAMA

    $ ?enha* meu libertador9ELA TIRA O VU, BEIJAO RAPIDAMENTE NA BOCA E SAI APRESSADAMENTE. O

    DESCONHECIDO PERMANECE POR UM MOMENTO CONFUSO E ESTUPEFATO. UMCORO DE VO2ES FEMININAS AGUD/SSIMAS, QUE PARECEM GRITOS, VEM DA

    IGREJA. A ROSCEA AT ENTO ILUMINADA SE PAGA" A RVORE SOBRE O BANCOSE AGITA. OS ENLUTADOS LEVANTAM DE SEUS LUGARES E OLHAM O CU COMOSE VISSEM ALGO INUSITADO E ALARMANTE. O DESCONHECIDO CORRE 1PROCURA DA DAMA.-

    CENA CENA NA CASA DO MDICO

    UM PTIO FECHADO POR TRS FILEIRAS DE CASAS 4 SIMPLES DEPSITOS EMMADEIRA COM TELHADO E JANELAS PEQUENAS. 1 DIREITA, PORTAS DE VIDRO EUMA VARANDA. 1 ESQUERDA, ALM DAS JANELAS, UMA CERCA DE ROSAS E

    ALGUMAS COLMIAS. NO CENTRO DO PTIO H UM PILHA DE MADEIRA,FORMANDO UMA CPULA ORIENTAL, AO LADO DELA UM POO. SOBRE O CENTRO

    DA PAREDE DO MEIO SURGE A COPA DE UMA NOGUEIRA. NO CANTO DA DIREITA HUM PORTO QUE LEVA AO JARDIM. PERTO DO POO H UMA GRANDE TARTARUGA.

    1 DIREITA, A PORTA DO PORO. UMA ESPCIE DE GELADEIRA E UMA LIEIRA.FORA, A VARANDA COM CADEIRAS E MESAS.A IRM(V6 ' #')'' * " 4$2$7)'')

    $ @enho m0s not5cias* irmo'O MDICO$ & quando no tem6A IRM$ 7essa ve pior9 +ngeborg est0 voltando* adivinhe com quem6O MDICO$ &spere um pouco' &u sei8 durante muito tempo pressenti que isso iria acontecer' "t deseFei' &sseescritor''' eu o admirei* aprendi com ele* queria ser como ele' "gora* voc3 avisa que ele vem vindo6!nde +ngeborg o encontrou6A IRM$ .arece que na cidade' .rovavelmente no salo liter0rio que ela freqSenta'

    G@rolls > igantes ou anHes perversos e travessos' Na mitologia escocesa* um esp5rito maligno que habita as montanhase representado sob a forma humana'

    %B

  • 7/23/2019 Rumo a Damasco

    14/58

    O MDICO$ empre quis saber se esse homem seria um antigo colega de escola' ! nome o mesmo' &speroque seFa > era um menino que tinha alguma coisa de funesto e* agora que um homem* pode terdesenvolvido essa tend3ncia'A IRM$ No dei=e que ele entre na sua casa' aia* finFa que precisa ver algum

    O MDICO$ No' " gente no foge do destino'A IRM$ ?oc3 nunca se acovardou com nada' ?ai se prostar diante disso que chama de destino6O MDICO$ " vida me ensinou' .erdi muito tempo e esforo lutando contra oinevit0vel'A IRM$ Mas por que dei=ou que sua mulher andasse por a5* comprometendo$se e tambm a voc36O MDICO$ ?oc3 sabe por que' .orque quando a afastei de seus votos* prometi$lhe uma vida de liberdade* ao

    contr0rio daquela que ela achava que era uma priso' 7e todo Feito* no a teria amado se ela meobedecesse* ou se eu pudesse control0$la'A IRM$ &nto voc3 se tornou amigo de seu inimigo'O MDICO$ !ra* ora9A IRM$ & voc3 dei=ou que ela trou=esse para dentro de casa o homem que iria destru5$lo' e soubessequo infinitamente odeio esse homem9O MDICO$ &u sei* eu sei' eu 1ltimo livro repugnante' Mas ele insinua que sofre de uma doena mental'A IRM$ &nto eles devem t3$lo mandado embora'O MDICO$ "lgumas pessoas diem que sim* mas no acho que tenham ido to longe'A IRM$ +sso porque voc3 um pouco e=c3ntrico tambm e tem uma mulher que louca varrida'O MDICO$ No posso abandonar essa gente louca que sempre e=erceu uma estranha atrao sobre mim' .elomenos* a e=centricidade nunca banal. (O"#$%&$ '64 $ " /')* ' #')) ! que isso6"lgum gritou9

    A IRM$ ?oc3 est0 nervoso' < s o vapor'''&u peo* v09O MDICO$ "cho que eu gostaria'' mas no posso' abe* parado aqui posso ver o retrato no meu gabinete' & alu do sol cria sombras que o faem parecer''' horr5vel9 ?oc3 v3 com o que ele parece6A IRM$ .arece$se com um demTnio9 ?0 embora9O MDICO$ No posso'A IRM$ .elo menos defenda$se'''

    %G

  • 7/23/2019 Rumo a Damasco

    15/58

    O MDICO$ &u me defendo' Mas dessa ve parece como uma tempestade que se apro=ima' Auantas vees nodeseFei fugir* mas fui incapa9 < como se a terra fosse de ferro e eu um 5m' e acontecer algumdesastre no ser0 por minha vontade' "cabaram de passar pelo porto'A IRM$ No escuto nada'

    O MDICO$ Mas eu* eu os ouo' & agora tambm os veFo' < ele* meu antigo colega de escola' Uma ve* ele feuma coisa na escola''' pela qual eu fui repreendido e punido' &le ganhou o apelido de ,sar8 no sei

    por qu3'A IRM$ & esse homem'''O MDICO$

  • 7/23/2019 Rumo a Damasco

    16/58

    O MDICO$ Dem vindo # minha casa'O DESCONHECIDO$ !brigado'O MDICO$ ?oc3 trou=e bom tempo' Ns precis0vamos'''@em chovido h0 seis semanas'''

    O DESCONHECIDO$ No seriam sete6 eralmente chove durante sete semanas antes do dia t' ithin' Mas* eu meesqueci* ainda no o dia' ,omo eu sou est1pido' Em9O MDICO$ @emo que nossa vida simples* de cidade pequena* vai parecer chata para voc3 que est0 acostumadocom as diversHes da capital'O DESCONHECIDO$ !h* no''' &stou to pouco em casa l0 como aqui' 7esculpe perguntar* mas F0 no nos encontramosantes6 Auando ramos moos6O MDICO$ Nunca'

    A DAMA SENTASE 1 MESA E TRICOTA.-O DESCONHECIDO$ @em certea6O MDICO$ ,ertea' @enho seguido sua careira liter0ria desde o in5cio e* como minha mulher deve ter$lhe dito*com grande interesse' &nto* se F0 o tivesse encontrado eu teria me lembrado* pelo menos do seunome' 7e todo Feito''' agora pode ver como vive um mdico do interior'O DESCONHECIDO$ e voc3 soubesse como os assim chamado libertados vivem* no os inveFaria'O MDICO$ .osso imaginar''' &u veFo como as pessoas amam as correntes que as prendem' @alve seFa tocomum por ter de ser mesmo assim'O DESCONHECIDO(E&*"4')$ &stranho* quem est0 tocando piano na sala ao lado6O MDICO$ No sei quem possa ser' ?oc3 sabe +ngeborg6A DAMA$ No'O DESCONHECIDO$ < Marcha ;1nebre de Mendelssohn' &la me segue por toda parte' No sei se est0 s na minhacabea ou'''

    O MDICO$ ?oc3 tem alucinaHes sonoras6O DESCONHECIDO$ "lucinaHes no* mas pequenas coisas que realmente aconteceram me perseguem' ?oc3s no estoouvindo6A DAMA& O MDICO$ ,laro que sim'A DAMA$ & Mendelssohn'O MDICO$ &le est0 na moda'

    O DESCONHECIDO$ im* eu sei* mas que algum esteFa tocando isso Fustamente agora* aqui''' (L$#'4'%&$)

    %J

  • 7/23/2019 Rumo a Damasco

    17/58

    O MDICO$ ;ique tranqSilo* eu vou ver o que ' (S'6 $2' #')'')O DESCONHECIDO(')' ' D'')$ &stou sofrendo aqui' No posso passar nenhuma noite sob esse teto' eu marido parece um ogro* ena presena dele voc3 virou uma est0tua de sal' Um assassinato F0 foi cometido nesta cassa' E0fantasmas aqui' ?ou embora assim que tiver uma chance

    O MDICO(V6 $ ,)')$ " carteira est0 tocando'O DESCONHECIDO(N$)#&'$4$)$ !h' &st0 bem* ento' ! senhor tem uma casa muito estranha* 7outor' @udo incomum' " pilha delenha* por e=emplo'O MDICO$

  • 7/23/2019 Rumo a Damasco

    18/58

    PAUSA-O MDICO$ Auem sabe6O DESCONHECIDO$ < horr5vel aqui' ?oc3 tem cad0veres tambm6O MDICO

    $ @enho' &sto aqui na geladeira' "lguns belos pedaos e peas que eu devo colocar na mesa' (P$7'"' $)' $ " /)'5) ?eFa'O DESCONHECIDO$ .arece o castelo do Darbaul'O MDICO(A&$)'$4$)$ ! que voc3 quer dier com isso6 (O2+' )$$46'$4$ ')' ' D'') ?oc3 acha que eu matominhas mulheres6 Eein6O DESCONHECIDO$ .elo amor de 7eus* no8 claro que no' Mas'''voc3s t3m fantasmas aqui* no t3m6O MDICO$ Ceconheo que temos9 .ergunte para minha mulher'

    ELE PASSA PARA TRS DA PILHA DE LENHA ONDE NO PODE SER VISTO PELADAMA E PELO DESCONHECIDO.-A DAMA(P')' D$&*+$*6)$ .ode falar normalmente' Meu marido um pouco surdo* se bem que possa ler l0bios'O DESCONHECIDO$ &nto vou aproveitar para dier que nunca tive uma meia hora mais torturante na minha vida';icamos aqui falando das coisas mais absurdas porque ningum tem coragem de dier o que est0

    pensando' &stava num tal estado ainda agora que pensei em pegar a minha faca e cortar uma veia eme esvair8 mas agora me sinto mais inclinado a falar francamente e arremess0$lo numa fogueira'er0 que devemos dier$lhe diretamente que pretendemos partir Funtos e que voc3 F0 se encheu daloucura dele6A DAMA$ e voc3 falar assim vou acabar te odiando' < preciso agir sempre como um cavalheiro'O DESCONHECIDO$ ?oc3 di isso lindamente'

    O MDICO VOLTA 1 VISTA DELES. ELES CONTINUAM.-O DESCONHECIDO$ ?oc3 vai partir comigo antes do sol bai=ar6A DAMA$ enhor'''O DESCONHECIDO

    $ .or que me beiFou ontem6A DAMA$ enhor'''O DESCONHECIDO$ +magine se ele pudesse nos ouvir9 &le parece to dissimulado'O MDICO$ Dem* +ngeborg* como vamos divertir nosso convidado6A DAMA$ Nosso convidado no espera ser divertido' No est0 acostumado comdiverso'O MDICO ASSOBIA. O LOUCO VEM SENTARSE NO JARDIM. USA UMA COROA DE

    LOUROS NA CABEA E VESTE DE MANEIRA BI2ARRA.-O MDICO$ ,sar9 ?enha aqui9

    %I

  • 7/23/2019 Rumo a Damasco

    19/58

    O DESCONHECIDO(P$)4")/')$ ! nome dele ,sar6O MDICO$ No* um apelido que dei por causa de um garoto que ia # escola comigo'''O DESCONHECIDO(C 6,6*"2'$)$ ! que isso6

    O MDICO$ Uma histria estranha' Mas eu fui repreendidoA DAMA(A D$&*+$*6)$ Auem F0 ouviu falar de uma criana destru5da por causa disso6

    O DESCONHECIDO RECUA. O LOUCO ENTRA.-O MDICO$ ?enha e sa1de o grande escritor'O LOUCO$ &ste o grande escritor6A DAMA(P')' M6*)$ .or que voc3 tem de traer o 2ouco para c0 e aborrecer nosso convidado6

    O MDICO$ &nto* ,sar* no seFa grosseiro* ou vai apanhar'O LOUCO$ &le ,sar* certo* mas no grande' No sabe o que vem primeiro* o ovo ou a galinha' .orm eusei'O DESCONHECIDO(P')'' D'')$ ?ou embora' ?oc3 me atraiu para uma emboscada* ou o qu36 2ogo ele vai acabar soltando asabelhas para me divertir'A DAMA$ ?oc3 deve confiar irrestritamente em mim* apesar do que as coisas possam parecer' & no fale to alto'O DESCONHECIDO$ Mas ele nunca vai nos abandonar* esse ogro horr5vel' Nunca'O MDICO(O2+' &$" )$2=76)$ Dom* se voc3 me desculpar* preciso visitar um paciente' ?olto em uma hora8 espero que voc3 nose aborrea enquanto espera'O DESCONHECIDO$ &stou acostumado a esperar o que nunca chega'O MDICO(P')' L"*)$ ,sar* seu canalha* venha aqui' ?ou trancar voc3 no poro (ai com o 2ouco)O DESCONHECIDO(P')'' D'')$ ! que isso6 Auem me persegue6 ?oc3 garante que seu marido amistoso comigo' "credito em

    voc3* mesmo assim ele no pode abrir a boca sem me ferir' ,ada palavra dele uma agulhada' &essa marcha f1nebre de novo''' est0 sendo realmente tocada' & as rosas de Natal novamente' .or quetudo se repete6 Mortos e mendigos e loucos e destinos humanos e lembranas de infQncia' ?oembora' 7ei=em$me libert0$los deste inferno'A DAMA$ .or isso eu trou=e voc3 aqui' & tambm por que ningum seria capa de dier que voc3 roubou amulher de outro homem' .orm* eu preciso perguntar$lhe uma coisa' .osso confiar em voc36O DESCONHECIDO$ Auer dier* nos meus sentimentos6A DAMA$ Ns no falaremos sobre eles8 ns os e=clu5mos' & eles duraro enquanto durarem'

    O DESCONHECIDO$ Auer dier materialmente* ento6 Dem* tenho muito dinheiro que me devido' preciso escreverou mandar um telegrama'''

    %P

  • 7/23/2019 Rumo a Damasco

    20/58

    A DAMA$ &nto eu confio em voc3' Muito bem' (P$ 4)6* /2&) .asse pelo porto' iga a cerca delilases at encontrar o porto de madeira' "bra$o estar0 na estrada' & voc3 se achar0 na estrada'&ncontre$me na pr=ima vila'O DESCONHECIDO(H$&64')$ No gosto de portas do fundo' .referiria enfrent0$lo abertamente'''

    A DAMA(C " 7$&4)$ ,orra9O DESCONHECIDO$ ?enha comigo'A DAMA$ Muito bem' Mas ento eu vou primeiro. (V6)'%&$ $ '' " /$6 ' #')'') meu pobre ogro9

    ATO IIATO IICENA 1CENA 1

    UM !UARTO DE HOTEL! 7&,!NE&,+7!' UM ,"CC&"7!C' " 7"M"'

    O DESCONHECIDO(C "' '2' ' ;)$ ?oc3s no t3m outro quarto6CARREGADOR$ Nenhum'O DESCONHECIDO$ Mas eu no quero dormir nesse quarto'A DAMA$ &les no t3m outro* querido* e todos os outros hotis esto cheios'O DESCONHECIDO(P')' *'))$7'))$ aia'A DAMA DEIASE CAIR SOBRE UMA CADEIRA SEM TIRAR O CASACO OU OCHAPU.-O DESCONHECIDO$ ?oc3 gostaria de alguma coisa6A DAMA$ im' Aue voc3 me mateO DESCONHECIDO$ No entendo' Cecusados em todos os lugares por no sermos casados8 perseguidos pela pol5cia*acabamos nesse hotel* o 1ltimo no mundo que eu teria escolhido''' e esse quarto* n1mero oito' E0algum lutando contra mim' E0 algum'

    A DAMA$ < o n1mero oito'O DESCONHECIDO$ ?oc3 tambm F0 esteve aqui antes6A DAMA$ & voc36O DESCONHECIDO$ 0'A DAMA$ ?amos embora daqui''' para a rua* para a floresta* para qualquer lugar'''O DESCONHECIDO

    $ Dem que eu gostaria' Mas estou to cansado quanto voc3* depois de toda essa caada' abe* sintoque essa viagem deveria acabar aqui''' &u resisti* tentei ir para um outro lugar* mas os trens se

    4R

  • 7/23/2019 Rumo a Damasco

    21/58

    atrasavam* no vinham* e ns tivemos que vir para c0* para esse quarto' +sso obra do diabo8 masns nos enfrentaremos* ele e eu9A DAMA$ .arece que ns nunca ficaremos em pa nesta terra'O DESCONHECIDO$ < espantoso como nada mudou por aqui' " rosa de Natal permanentemente murcha''' aqui est0

    outra ve' & aquele quadro* o Eotel Dreuer em Montreu=* eu fiquei l0 tambm'A DAMA$ ?oc3 foi ao correio6O DESCONHECIDO$ &stava esperando eu voc3 perguntasse isso' sim* eu fui' em resposta a cinco cartas e tr3stelegramas que eu mandei* havia s um telegrama* diendo que meu editor viaFou para o e=terior

    por quine dias'A DAMA$ &nto ns estamos acabados'O DESCONHECIDO$ Dem arranFados'

    A DAMA$ & em cinco minutos o carregador vir0 pedir nossos passaportes* e ento o gerente pedir0 para nssairmos'O DESCONHECIDO$ &nto s restar0 uma coisa a faer'''A DAMA$ 7uas'O DESCONHECIDO$ Mas a outra imposs5vel'A DAMA$ Aual a outra6O DESCONHECIDO$ +r para a casa de seus pais* no interior'A DAMA$ ?oc3 continua lendo meus pensamentos'O DESCONHECIDO$ No podemos mais ter segredos um para o outro'A DAMA$ &nto* nossos sonho acabou'O DESCONHECIDO$ @alve'

    A DAMA$ ?0 e mande mais um telegrama'O DESCONHECIDO$ &u deveria mesmo* mas no posso faer mais nada' No acredito mais que meu trabalho tenhaalgum futuro' "lguma coisa me paralisou'A DAMA$ & eu' Ns decidimos nunca falar do passado* mas ns o arrastamos conosco' !lhe o papel de

    parede' voc3 v3 a figura que essas flores formam6O DESCONHECIDO$ im* ele' &m todo lugar* em toda parte9 Auantas vees9 Mas eu vi mais algum na estampa datoalha de mesa9 < real6 No * deve ser um engano' 2ogo estarei ouvindo novamente a marcha

    f1nebre* ento tudo estar0 completo' (E&*"4') !uviu6A DAMA$ No estou escutando nada'

    4%

  • 7/23/2019 Rumo a Damasco

    22/58

    O DESCONHECIDO$ &nto''' vou embora'A DAMA$ .ara casa6O DESCONHECIDO$ ! 1ltimo e pior recurso' ,hegar como vagabundos* comomendigos'''' no imposs5vel'

    A DAMA$ Mas ''' no* demais' ,hegar envergonhados e desonrados* faendo$os sofrer' ?er voc3humilhado* e voc3 a mim' Nunca mais ter5amos respeito um pelo outro'O DESCONHECIDO$ < verdade* seria pior do que a morte' "inda assim sinto que de algum modo inevit0vel' &ucomeo a ansiar por isso* acabar com isso* como deve ser'A DAMA(P$7' 4)6*)$ Mas eu no quero ser insultada na sua frente' 7eve haver outro Feito' e ns fossemos casados'''

    poder5amos fa3$lo rapidamente* meu outro casamento no completamente legal segundo as leisdo estado em que foi realiado' Ns s precisamos ir e nos casar com o mesmo padre''' mas isso humilhante para voc3'

    O DESCONHECIDO$ < como tudo mais' &sta lua$de$mel est0 comeando a parecer uma peregrinao''' ou desafio'A DAMA$ @em rao' &m cinco minutos o gerente vir0 e nos e=pulsar0' ! 1nico Feito de terminar com essashumilhaHes engolir o final' Auieto9 &stou ouvindo passos'O DESCONHECIDO$ into que voc3 est0 certa' Dom'* estou pronto' .ronto para qualquer coisa* e F0 que no posso lutarcontra o invis5vel* vou te mostrar como eu enfrento a coisa' 73$me suas Fias''' eu as resgatareiquando meu edito voltar* isso se ele no se afogar na banheira ou morrer num acidente de trem'Auando se to ambicioso quanto a honra* como eu sou* a primeira coisa que se deve estar dispostoa sacrificar a honra de algum'A DAMA$ 0 que ns concordamos* voc3 no acha que seria melhor ns partirmos voluntariamente6 !h* meu7eus9 "5 vem ele' ! gerente'O DESCONHECIDO$ ?amos' ! desafio dos garons* das arrumadeiras* dos carregadores e do

    porteiro''' o rubor da vergonha e a palide da ira' "s feras da floresta t3m suas tocas* mas nsprecisamos ostentar nossa vergonha' .elo menos abai=e seu vu'A DAMA$ +sso liberdade'O DESCONHECIDO

    $ &u sou o libertador' (P')4$)CENA CENA

    BEIRA%MARUMA CABANA NUM PENHASCO PERTO DO MAR. FORA, UMA MESA COM CADEIRAS.O DESCONHECIDO E A DAMA VESTEM ROUPAS COLORIDAS E PARECEM MAIS

    JOVENS DO QUE NA CENA PRECEDENTE. A DAMA TRICOTA.O DESCONHECIDO$ @r3s dias de pa e felicidade com minha mulher' & ento a antiga inquietao retorna'A DAMA$ 7o que voc3 tem medo6

    O DESCONHECIDO$ 7e que isso no dure'

    44

  • 7/23/2019 Rumo a Damasco

    23/58

    A DAMA$ .or que voc3 pensa assim6O DESCONHECIDO$ No sei' into que tem determinar* subitamente* horrivelmente' E0 algode falso nesse sol brilhante e nessa calma' into que essa felicidade no fa parte do meu destino'A DAMA

    $ Mas tudo se resolveu' Meus pais aceitaram a situao* meu marido escreveu diendo que elecompreende''''O DESCONHECIDO$ Aual a utilidade6 Aual a utilidade6 ! fado tece sua teia* ouo novamente o martelo do leiloeiro

    bater* as cadeiras empurradas de volta para debai=o da mesa' " sentena pronunciada* mas ela deveter sido decidida antes de eu nascer* pois tenho cumprido minha punio mesmo durante a infQncia'

    No h0 um momento em minha vida que eu possa relembrar com alegria'''A DAMA$ ?oc3 teve tudo o que quis da vida'O DESCONHECIDO$ @udo' Mas esqueci de pedir ouro'

    A DAMA$ ?ai comear de novo6O DESCONHECIDO$ ;icou surpresa6A DAMA$ il3ncio9O DESCONHECIDO$ .or que voc3 sempre tricota6 .arece uma das .arcas tranando essa l entre os dedos' No* no

    pare' " viso mais bonita que eu conheo de uma mulher debruada sobre seu trabalho* ou seufilho' ! que que voc3 est0 tricotando6A DAMA$ < um =ale'O DESCONHECIDO$ .arece uma rede de nervos e ns* ou seus pensamentos' +magino que dentro do seu crebro devaser assim'''A DAMA$ e eu tivesse a metade dos pensamentos que voc3 acha que eu tenho' .orm eu no tenho nenhum'O DESCONHECIDO$ @alve seFa por isso que eu me alegre aos seu lado' "cho voc3 completa' No posso imaginar avida sem voc3' "s nuvens se foram* o cu est0 aul* a brisa c0lida'''' sinta como ela toca os rosto9+sso a vida8 sim* agora estou vivo* bem agora9 into$me formid0vel e e=agerado* purificado e

    infinito' &stou por toda parte* no mar que meu sangue nas montanhas* que so meu esqueleto* nas0rvores* nas flores' Minha cabea toca o cu' "visto universo que sou eu e sinto a energia do criadorFunto a mim' &u sou o criador' &u poderia tomar o globo nas minhas mos e moldar algo maiscompleto* mais duradouro* mais belo' .oderia ver toda a criao feli''' nascida sem dor* vivendosem pesar* e morrendo calma e alegremente' &va* voc3 morreria comigo* neste momento* pois numoutro a agonia voltar06A DAMA$ No* eu no estou pronta para morrer'O DESCONHECIDO$ .or qu3A DAMA

    $ "cho que ainda tenho algo a faer' @alve no tenha sofrido o bastante'''O DESCONHECIDO$ & voc3 acha que o propsito da vida6

    4B

  • 7/23/2019 Rumo a Damasco

    24/58

    A DAMA$ .arece ser' Mas* por favor* faa uma coisa por mim'O DESCONHECIDO$ im6A DAMA$ No blasfeme como voc3 acabou de faer* no se compare a 7eus' Auando o fa* me lembra de

    ,sar trancado em seu poro l0 em casa'''O DESCONHECIDO(P$)4")/')$ ,sar6 ,omo voc3 pode saber6 7iga$me9A DAMA$ e eu te magoei* foi sem querer' ;ui est1pida diendo -em casa/' 7esculpe$me'O DESCONHECIDO$ ?oc3 s pensava na blasf3mia quando relacionou ,sar a mim6A DAMA$ im'O DESCONHECIDO$ < estranho' "credito quando voc3 di que no quer me magoar' & mesmo assim voc3 magoa8

    como todo mundo que eu encontro' .or qu36A DAMA$ .or que voc3 super$sens5vel'O DESCONHECIDO$ ?em voc3 de novo' ?oc3 acha que eu sou paranico6A DAMA$ uro que no pensei isso' "gora* os demTnios da discrdia e da suspeita esto entre ns' Mande$osembora enquanto tempo9O DESCONHECIDO$ No precisa dier que eu blasfemo quando digo o que tantos outros disseram: -?eFa* ns somosdeuses9/A DAMA$ !h* verdade8 por que voc3 no consegue se aFudar e a ns dois6O DESCONHECIDO$ & eu no posso6 &spere' Ns s comeamos'A DAMA$ e o fim igual ao comeo* que os cus nos aFudem9O DESCONHECIDO$ &u sei do que voc3 tem medo' &u tinha uma surpresa guardada para voc3* mas no queroatorment0$la ainda mais. (T6)' "' *')4' )$76&4)'' $ &$2'') !lhe'A DAMA

    $ ! dinheiro chegou9O DESCONHECIDO$ 7e manh' Auem pode me destruir agora6A DAMA$ No fale assim' ?oc3 sabe quem pode nos destruir'O DESCONHECIDO$ Auem6A DAMA$ "quele que pune o orgulho humano'O DESCONHECIDO$ & a coragem' &specialmente a coragem' &ra meu calcanhar de "quiles* tenho resistido a tudo

    e=ceto a essa maldita falta de dinheiro* o qual sempre me enganava'A DAMA$ 7esculpe minha pergunta* mas quanto foi que voc3 recebeu6

    4G

  • 7/23/2019 Rumo a Damasco

    25/58

    O DESCONHECIDO$ No sei* no a abri ainda' Mas eu sei apro=imadamente quanto deve ser' 7ei=e$me ver' ( A/)$ '*')4') ! que isso6 em dinheiro8 s um aviso do banco diendo que eu no tenho nada na minhaconta' er0 que est0 certo6A DAMA$ ,omeo a acreditar no que voc3 disse agora a pouco'

    O DESCONHECIDO$ Aue sou amaldioado6

  • 7/23/2019 Rumo a Damasco

    26/58

    A DAMA$ < a realidade' < a coinha da casa dos meus pais* onde voc3 nunca esteve' ! ?elho era meu avT*guarda$florestal8 a mulher* minha me' &la estava reando''' por ns' o seis horas''' quando osempregados l3em preces na varanda'''O DESCONHECIDO$ < horr5vel' &stou vendo o futuro tambm6 &ra bonito* todo branco como a neve* o visgo e as

    flores' Mas por que eles estavam reando por ns6A DAMA$ im* por qu36 Ns fiemos algo de errado6O DESCONHECIDO$ ! que errado6A DAMA$ &u ouvi que o &rrado no e=iste* entretanto''' &u deseFo tanto ver minha me novamente' No meu

    pai* ele me renegou* como renegou minha me'O DESCONHECIDO$ .or que a renegou6A DAMA

    $ Auem entende essas coisas6 "s crianas menos ainda' ?amos para casa' &u quero tanto'O DESCONHECIDO$ .ara a cova do leo* o ninho da cobra' Uma a mais ou a menos* por que no6 .elo seu bem* euirei8 mas no como um filho prdigo' .elo seu bem atravessei o fogo e a 0gua'''A DAMA$ ?oc3 no pode saber'O DESCONHECIDO$ Mas eu sempre adivinho'A DAMA$ < uma viagem dif5cil' &les moram na montanha' se pode chegar # casa a p'O DESCONHECIDO$ oa como um conto de fadas' Mas parece que eu F0 li ou sonhei com alguma coisa assim'A DAMA$ @alve voc3 tenha mesmo' Mas tudo o que voc3 ver0 real > um pouco estranho* talve* mas as

    pessoas soa estranhas #s vees' voc3 est0 pronto6O DESCONHECIDO$ .ronto* para tudo que puder acontecer'A DAMA(B$6'% ' 4$&4' $ ,'< &6'2 ' *)"< * &626*6'$ $ 466$< &$ ',$4'5;)$ ?enha9

    CENA CENA

    NA ESTRADAPAISAGEM DE MONTANHA. NO ALTO, NUM CUME, UMA CAPELA. A ESTRADA,MARGEADA POR RVORES FRUT/FERAS, SERPENTEIA NA FRENTE DO PALCO.ENTRE AS RVORES PODEMSE VER CALVRIOS, PEQUENAS CAPELAS DEEPIAO E CRU2ES COMEMORATIVAS DE ACIDENTES. NA FRENTE DO PALCO,UMA PLACA COM OS DI2ERES3 7 PROIBIDO ESMOLAR.8

    A DAMA E O DESCONHECIDOA DAMA$ ?oc3 est0 cansado'O DESCONHECIDO$ No posso negar' Mas o que me humilha estar com fome porque o nosso dinheiro acabou' Nunca

    pensei que isso iria acontecer comigo'

    4J

  • 7/23/2019 Rumo a Damasco

    27/58

    A DAMA$ 7evemos estar preparados para tudo* pois parece que ca5mos em desgraa' !lhe* minha botarasgou' 7evemos parecer mendigos'O DESCONHECIDO(A4' *')4'

  • 7/23/2019 Rumo a Damasco

    28/58

    O DESCONHECIDO$ Aue paisagem mais estranha9 @o inquietante9 .or que aquela vassoura e aquele chifre esto ali6.rovavelmente porque seu lugar usual8 mas eles me lembram bru=as' .or que a ferraria preta e omoinho branco6 .orque um fuliginoso e o outro farinhento' Mas quando eu veFo o ferreiro

    parado no brilho do seu fogo* encarando a mulher do moleiro penso num antigo poema'''9 mas voc3v3 l0 aqueles gigantes6 No* insuport0vel' ?oc3 no v3 seu ogro* aquele de quem eu te salvei6 h0 tantas > sonhei que eu via umcrucifi=o onde &le estava' & quando perguntei ao dominicano > havia um dominicano* entre muitosoutros > eu lhe perguntei o que aquilo significaria8 ele respondeu: -?oc3 no ir0 dei=0$lo sofrer porvoc38 sofrer0 voc3 mesmo'/ < por isso que a humanidade cresceu to sens5vel # sua prpria agonia'A DAMA$ & por que nossa consci3ncia se tornou to pesada* agora que ns devemos suportar o fardosoinhos'O DESCONHECIDO$ ?oc3 ''' chegou at a5 tambm6A DAMA$ "inda no' Mas estou nesse caminho'O DESCONHECIDO$ .onha sua mo na minha8 vamos embora Funtos'A DAMA$ .ara onde6O DESCONHECIDO$ 7e volta''' pelo caminho por onde viemos' &st0 cansada6A DAMA$ No estou mais'

    O DESCONHECIDO$ Muitas vees eu me senti' Mas ento* encontrei um estranho mendigo''' ser0 que voc3 se lembradele6'''"quele que diiam que era como eu' &le me disse que deveria pensar o bem sobre suasintenHes' @entei''' s para ver'''e'''A DAMA$ im6O DESCONHECIDO$ "s coisas melhoraram' 7esde ento encontrei a fora para continuar'A DAMA$ ?amos continuar Funtos'O DESCONHECIDO (V6)'%&$ ')' ')

    $ " escurido est0 aumentando e as nuvens esto se reunindo'A DAMA$ No olhe para as nuvens'

    L%

  • 7/23/2019 Rumo a Damasco

    52/58

    O DESCONHECIDO$ 20 embai=o8 o que aquilo6A DAMA$ um barco naufragado'O DESCONHECIDO (M")")'$ @r3s crues9 Aue novo lgota nos espera6

    A DAMA$ &las so brancas' < bom sinal'O DESCONHECIDO$ er0 que algo bom vai nos acontecer de novo6A DAMA$ im' Mas no F0DESCONHECIDO$ ?amos'

    CENA CENA O !UARTO DE HOTEL

  • 7/23/2019 Rumo a Damasco

    53/58

    O DESCONHECIDO$ Ceceio que devo' Dom* sonhei que vi'''seu e=$marido casado com minha e=$mulher' .ortanto*meus filhos o tinham como pai'''A DAMA$ voc3 poderia imaginar isso'O DESCONHECIDO

    $ &spero que voc3 tenha rao' (S"&6)') &u o vi maltrat0$los' (L$#'4') &nto eu o estrangulei*claro* e ''' no* no posso continuar' Mas no terei pa at saber' & para ter pa terei de ir v3$lo* nasua prpria casa'A DAMA$ ,hegou a esse ponto6O DESCONHECIDO$ entia$me a ponto disso h0 muito tempo* e agora no tem Feito' &utenho de v3$lo'A DAMA$ uponha que ele no queira te ver'O DESCONHECIDO

    $ +rei como paciente e lhe contarei sobre minha doena'A DAMA(A&&"&4'')$ No faa isso'O DESCONHECIDO$ &u entendo' ?oc3 acha que ele me e=pulsaria6 Dem* tenho de arriscar' @enho de arriscar tudo'''minha liberdade* minha vida* meu bem$estar' .reciso sofrer o suficiente para levar minha alma paraa lu do dia8 deseFo a tortura para restaurar meu sentido de igualdade com a sociedade' "ssim noficarei me sentindo em dbito' .ortanto* F0 para cova da serpente* quanto antes melhor'A DAMA$ e eu pudesse ir com voc3'''O DESCONHECIDO$ ?oc3 no precisa' Meus sofrimentos sero suficientes para ns dois'A DAMA$ e eu pudesse ir com voc3'''O DESCONHECIDO$ ?oc3 no precisa' Meus sofrimentos sero suficientes para ns dois'A DAMA$ &nto eu o chamarei de meu libertador* e a maldio que eu lancei sobre voc3 se transformar0 num

    b3no' ?iu que primavera novamente6O DESCONHECIDO$ .ercebi pela rosa de Natal' &sto comeando a murchar'

    A DAMA$ Mas voc3 no sente que h0 primavera no ar6O DESCONHECIDO$ im' "cho que o desalento est0 saindo do meu corao'A DAMA$ @alve o ogro seFa capa de cur0$lo completamente'O DESCONHECIDO$ ?eremos' &le no deve ser to perigoso* afinal'A DAMA$ &le no to cruel quanto voc3'

    O DESCONHECIDO$ Mas meu sonho9 +magine'''

    LB

  • 7/23/2019 Rumo a Damasco

    54/58

    A DAMA$ e fosse s um sonho9 Minha l acabou* e essa tarefa in1til tambm' ;icou suFo'''O DESCONHECIDO$ Mas pode ser lavado'A DAMA$ !u tingido de uma cor nova'

    O DESCONHECIDO$ Cosa$vermelho'A DAMA$ Nunca9O DESCONHECIDO$ < como um pergaminho'A DAMA$ ,om nossa saga escrita nele'O DESCONHECIDO$ &scrita em lama* l0grimas e sangue'A DAMA

    $ Nossa saga logo estar0 acabada' ?0 e escreva o 1ltimo cap5tulo'O DESCONHECIDO$ &nto nos encontraremos na stima estao' !nde comeamos'

    ATO VATO VCENA 1CENA 1

    NA CASA DO MDICO: 9#+9: K '9 :(

  • 7/23/2019 Rumo a Damasco

    55/58

    O MDICO$ No se preocupe coma minha bondade' ,orra* desse modo eu no vou comear a ser mau' Masfeche as portas9

    A IRM SAI.-O MDICO$ ! que voc3 est0 faendo com essa cai=a de li=o de novo* ,sar (O L"* $4)') 7iga$me*

    ,sar: se seu inimigo viesse e colocasse sua cabea no seus Foelhos* o que voc3 faria6O LOUCO$ ,ortaria fora'O MDICO$ No foi isso que eu te ensinei'O LOUCO$ No* voc3 di que eu deveria empilhar carvo nela' Mas acho que isso perverso'O MDICO$ Cealmente* tambm acho' < cruel e mais dissimulado' Melhor uma pequena vingana' 7a5 elesente que fe uma reparao e que sua d5vida foi quitada'O LOUCO

    $ e voc3 entende dessas coisas mais do que eu* por que me pergunta6O MDICO$ ,alado* no estou falando com voc3' ,erto* vou tirar sua cabea fora' 7epois* veremos'O LOUCO$ @udo depende de como ele se comporta'O MDICO$ Muito certo' ,omo ele se comporta9 ;ora agora'O DESCONHECIDO (E4)'0 #6 ' #')''0 $)4")/' '& *" *$)4 ') $)$&67'5;)$ 7outorO MDICO$ im'O DESCONHECIDO$ em d1vida* est0 surpreso de me ver aqui'''O MDICO (S)6$ 7esisti de me surpreender muito tempo atr0s' Mas veFo que deveria comear de novo'O DESCONHECIDO$ ! senhor consentiria com uma conversa em particular6O MDICO$ obre qualquer assunto tido como apropriado entre gente civiliada' ?oc3 est0 doente6O DESCONHECIDO (H$&64'

    $ &stou'O MDICO$ .or que veio me ver6O DESCONHECIDO$ 7everia adivinhar'O MDICO$ No tenho vontade' ! que voc3 tem6O DESCONHECIDO (H$&64'4$$ No consigo dormir'O MDICO$ +sso no uma doena* um sintoma' 0 foi ao mdico por causa disso antes6

    O DESCONHECIDO$ &u era paciente num''' numa instituio' @inha febre muito estranha'

    LL

  • 7/23/2019 Rumo a Damasco

    56/58

    O MDICO$ &stranha como6

    O DESCONHECIDO$ .osso perguntar''' .ode$se andar durante um del5rio6O MDICO

    $ im* se for um louco' Mas s assim'O DESCONHECIDO LEVANTASE, MAS, DEPOIS, SENTASE NOVAMENTE.-O MDICO$ Aual era o nome do hospital6O DESCONHECIDO$ ! 2ar da Doa &sperana'O MDICO$ No e=iste um hospital com esse nome'O DESCONHECIDO$ < um monastrio* ento6O MDICO

    $ No' < um hosp5cio'O DESCONHECIDO LEVANTASE-

    O MDICO (O M6* 2$#'4'%&$ $ *+''$ +rm9 ;eche a porta da frente' & a portinha da estrada (P')' D$&*+$*6) .or favor* sente$se'@enho de fechar essas portas por causa dos vagabundos' ! bairro est0 cheio deles'O DESCONHECIDO(A*'2'%&$)$ 7outor* uma pergunta direta' ! senhor acha que eu sou louco6O MDICO$ Nunca se tem uma resposta honesta para essa pergunta* voc3 sabe''' ou acredita* se a resposta sim' .ortanto* no importa o que eu diga' Mas se voc3 acha que sua alma est0 doente* procure um

    padre'O DESCONHECIDO$ No cuidaria disso por um momento6O MDICO$ No' No tenho vocao'O DESCONHECIDO$ e'''O MDICO (I4$))$$ "lm disso* no tenho tempo' &stou prestes a me casar'O DESCONHECIDO$ Meu sonho'

    O MDICO$ "chei que pudesse aFud0$lo saber que me consolei* como se di''' deveria dei=0$lo feli''' seria areao normal''' mas estou vendo que seu sofrimento aumentou' 7eve haver uma rao' .recisoinvestigar' .or que o perturba saber que vou me casar com uma vi1va6O DESCONHECIDO$ ,om duas crianas6O MDICO$ Um momento' Um momento' "h9 &ntendi9 Aue idia diablica' Dem como voc3' e h0 uminferno* voc3 deve ser o encarregado' ua inventividade para encontrar novos mtodos de punioe=cede minha imaginao mais selvagem''' e as pessoas ainda me chamam de ogro'O DESCONHECIDO

    $ Mas poderia acontecer'

    LJ

  • 7/23/2019 Rumo a Damasco

    57/58

    O MDICO (I4$))$$ 7urante muito tempo eu o odiei* como voc3 talve saiba* porque voc3 fe algo de imperdo0vel quedestruiu o meu bom nome' Mas* conforme envelheci e me tornei mais sensato* percebi que se o meucastigo era inFustificado na poca* eu o tinha contudo merecido por outras coisas que tinha feito eno tinham sido descobertas' eFa como for* voc3 era uma criana e tinha consci3ncia suficiente

    para punir$se* portanto voc3 no precisa se preocupar com isso' ;oi por isso que voc3 veio6

    O DESCONHECIDO$ ;oi'O MDICO$ &nto ficar0 feli se eu disser: -?0 em pa/6 (O D$&*+$*62+'% 64$))7'46#'$4$) !uvoc3 achou que eu iria e=puls0$lo* ou serr0$lo com aqueles instrumentos6 !u mat0$lo* talve6 ?oc3disse uma ve: -.or que eles permitem tais infelies de viver6/( O D$&*+$*62+' ')' &$")$2=76) ?oc3 vai ter tempo de pegar o barco'O DESCONHECIDO$ "perta a minha mo6O MDICO$ No* eu no posso faer isso' No devo' 7e todo modo* o que importa se eu o perdoei* se voc3 no

    tem fora para perdoar$seY h0 situaHes onde a 1nica aFuda desfaer o que foi feito* e neste casono h0 aFuda ou esperana'O DESCONHECIDO$ -" Doa &speranaX/'O MDICO$ "s coisas no foram assim to ruim' ?oc3 desafiou o 7estino* e foi vencido' No h0 vergonhanuma boa luta' &u fi o mesmo* mas* como voc3 pode ver* diminu5 a pilha de lenha pela metade'

    No quero ter raios caindo na minha casa' No brinco mais com essas coisas'O DESCONHECIDO$ Uma estao a mais e minha Fornada estar0 completa'O MDICO$ Nunca* senhor' "deus'O DESCONHECIDO$ "deus'

    CENA CENA A ES!UINA

  • 7/23/2019 Rumo a Damasco

    58/58

    A DAMA$ "bra' & acredite que possa ter alguma coisa boa'O DESCONHECIDO(+ronicamente)$ Doa6A DAMA$ "credite' @ente imaginar'

    O DESCONHECIDO(V'6 ' *))$6)$ ?ou tentar'A DAMA ANDA PARA CIMA E PARA BAIO. O DESCONHECIDO SAI COM A CARTA.-A DAMA$ &nto6O DESCONHECIDO$ &stou envergonhado' @inha dinheiro'A DAMA$ &st0 vendo' @oda essa misria* todas essas l0grimas ''' # toa'O DESCONHECIDO toa* no' .arece horr5vel* esse Fogo* mas talve no seFa' &u ofendi o @odo$.oderoso quando

    suspeitei que &le'''A DAMA$ ,alado9 No tente inverter a culpa'O DESCONHECIDO$ No' ;oi tudo estupide minha' !u maldade' No queria ser um Foguete da vida e me tornei um'Mas os poderes'''A DAMA$ 7evolveram o desafio' ?amos embora'O DESCONHECIDO$ ?amos' ?amos voltar para a s montanhas e nos esconder com nosso desgostos'A DAMA$ im' "s montanhas escondem' Mas primeiro preciso acender uma vela para minha abenoada

    anta &liabeth'(O D$&*+$*6/'2'5' ' *'/$5' $&')#''$4$) ?enha'O DESCONHECIDO$ Dem* eu posso ir com voc3* mas no vou ficar'A DAMA$ ?oc3 no sabe' ?enha' 20 voc3 vai ouvir novas m1sicas'O DESCONHECIDO(S$7"$%' $ 6)$5; > )4' ' I7)$')$ @alve'A DAMA$ ?enha'