RQS 2006 - Sistema Carcerário - Um Novo Caminho

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AÇÃO SOCIOAMBIENTAL Sistema Carcerário Um novo caminho REPORTAGEM E FOTOS DE ADRIANE BALDINI QUALITÁ SOCIOAMBIENTAL Ano 2 N5

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AÇÃO SOCIOAMBIENTAL

Sistema CarcerárioUm novo caminho

reportagem e fotos deadriane baldini

QUALITÁ SOCIOAMBIENTAL

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entre tantos problemas existentes no país, o sistema penitenciário é o que mais tem se destacado ultimamente na mídia. Problemas

com rebeliões muita das vezes é reflexo de super-lotação; “a maioria dos detentos, por não ter com que se ocupar, acabam por pensar em besteiras”, revela o diretor da Colônia Penal Agrícola (CPA) de Piraquara-PR, Lauro Luiz de César Valeixo.

Há quase quatro anos, quando foi diretor do presídio do Ahú, em Curitiba, capital do Paraná, o diretor elaborou um programa de “ressocializa-ção”, ou seja, fazer com que o detento volte a ter um convívio social. Incentivado pelo secretário estadual de Segurança da época, que sugeriu que cada diretor penitenciário procurasse uma forma alternativa para a ocupação de seus respectivos presos – afinal, a grande maioria da massa carcerária estava (e ainda é) ociosa. A existente marcenaria interna não ofertava mais do que 200 vagas por falta de recursos, ou então, em outras épocas, as alternativas encontradas para ocupação era o so-mente estipulado pela Lei (claro, não prevendo a mesma, superlotações). Então, partiu o diretor para um “laboratório”, que foi aplicado em dez homens que não conviviam de forma alguma com outros cárceres, até ser implantadas aulas voluntárias de pintura. Depois de três semanas de aulas, nove voltaram ao convívio normal. “Como tudo depen-de de recursos dos governos estadual e federal, e quase tudo é limitado, porque não partir para algo voluntário?”, questiona o diretor. E, pensando nesta filosofia de regenerar o preso não apenas do convívio social - mas também o moral - foi que ele buscou outras parcerias, fundando o projeto “Bem Viver”.

Aberta esta necessidade, surgiram então parceiros como a Escola de Belas Artes do Para-ná, que ministrou aulas de artesanato, mosaico, restauração de móveis antigos dentre outras ocu-pações que foram surgindo. Segundo ele, pouco tempo depois, dos 800 internos, TODOS estavam entretidos em alguma forma de atividade. “Sempre existiu, em convênio com a Secretaria de Educação, a formação de Ensino Fundamental e Médio dos presos por módulos, mas a procura começou a ser muito maior, todos estimulados pela descoberta do talento que tinham”, relata. O resultado de tudo isso foi a diminuição dos problemas de disciplina, além da consciência de que os internos estavam contribuindo, de alguma forma, para a formação pessoal.

Lauro foi transferido pouco tempo depois para a Colônia Penal Agrícola, (CPA), localizada na Região Metropolitana de Curitiba, na cidade de Piraquara. Lá estão presos do sexo masculino sob o regime semi-aberto, a maioria entre 25 e 45 anos e que estão em média, a dois anos da liberdade. Em parceria com o Governo do Estado, o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) sempre ofertou os cursos de agricultura e pecuária –

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dentre elas o de cultivo de grãos e oleaginosas, fruti, flori, api e olericultura, bovinocultura de leite e corte, juntamente com a ovino, suíno e piscicultura, dentre outros voltados para benefícios pessoais, como iridologia (estudo a saúde através da íris), florais de Bach, Reiki e yoga; a maioria com duração máxima de duas semanas. Mas, em um estudo interno, notificou-se que a maioria dos presos não era proveniente de áreas rurais, mas sim de grandes cidades do interior do Paraná; “porque então todos os presos tinham de lidar com a terra?” questionou o diretor.

PEQUENAS INDUSTRIAS Com a ajuda de uma equipe, Lauro bus-

cou outros parceiros para implantar um simbólico parque industrial dentro da CPA. Hoje, uma mé-dia de cinco a dez presos trabalha em pequenos barracões na fabricação de móveis para banheiro, escritório, pré-moldados de manilhas e calçadas, colchões, piso laminado, sapataria (conserto), cadeiras de rodas com a reciclagem de bicicletas dentre outros. Mas, de todas estas formas de ocupação, juntamente com os cursos ofertados existentes, ainda não é suficiente para a ocupação de todos os quase mil internos. “Se uma pessoa

sair da penitenciária sem uma formação de Ensino Fundamental ou Médio e principalmente sem um curso profissionalizante, ele está fora do mercado”, disse o diretor. Cursos no Senai de Mecânica de Au-tomóveis e Injeção Eletrônica; Tratorista, Mecânica de Trator na empresa New Holland dentre outros, foram grandes méritos conquistados, mas ainda é pouco. “Tudo isso que é conseguido não gera ônus para o Estado, e com certeza, é uma colaboração da sociedade. Nós não vamos conseguir reabilitar ninguém se a mesma não fizer parte deste proces-so”, complementa.

MEIO AMBIENTE A Colônia Penal Agrícola destaca-se por

ter 325 alqueires e por estar dentro da Área de Proteção Ambiental do Iraí - uma das mais impor-tantes do Estado do Paraná. Visando a consciência ambiental, ainda, dentro do parque industrial, os que se destacam com a filosofia da preservação são a “Ecolaria” e a Usina de Reciclagem de Plás-tico. Para trabalhar nesta última, é necessário ter o curso de Gerenciamento de Resíduos Sólidos: “Em um dia de Portaria (previsto por Lei, o preso que está em regime semi-aberto tem autorização do Juiz da Vara de Execuções Penais à visitar por

ao lado, uma pequena amostra da produção

orgânica que é produzida por presos,

através de empresas tercerizadas dentro da Colônia penal agrícola

do paraná. abaixo, o diretor lauro

Valeixo, ao lado de um dos pinheiros mais

antigos da Área de proteção ambiental.

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alguns dias a família) vi um preso na fila sem a mala. Eu perguntei à ele: “Ué, você não vai ver sua família?” E ele respondeu: “Olha doutor... nestes vinte anos que eu estou preso, eu só vi e ouvi coisas bárbaras. Vou falar e ensinar o quê para eles?”. Eu não falei então mais nada. Semanas depois inscrevemos ele em um curso de Ge-renciamento de Resíduos Sólidos, depois em outro semelhante, e assim foi. Tempos depois eu o vejo no dia de Portaria, mas agora com a mala. Novamente eu indaguei: “Agora você vai ver tua família?”, e com satisfação ele respondeu: “Agora diretor, eu tenho muito mais do que apenas falar. Agora eu sou um agente conscientizador sobre resíduos sólidos e, tenho que ensinar isso para meus filhos.”” Relembra Lauro.

Ainda em destaque ao meio ambiente, uma empresa de alimentação tem a meta de plantar 15 milhões de mudas do Pinheiro-do-Paraná em dez anos com mão-de-obra penitenciária. Até agora, 200mil mudas já foram destinadas à doação, e outras estão “eternamente a caminho nos berçários”, como diz Osmar Alves Lourenço, o “Mexicano”, de 39 anos, vindo do interior do estado e que aprendeu a ler e a escrever dentro da cadeia. Ele é um dos detentos responsáveis pelo cultivo e manutenção das pequenas mudas. Há também nos berçários mudas de Bracatinga, Angico Vermelho, Acará e Urucaia, para o replantio da Mata Ciliar, frutos de outro curso visando a consciência ambiental. Nele é ensinado não somente o plantio, mas também a preservação, corte e manejo de florestas exóticas, tendo um total de 240 detentos certificados até a publicação desta. A plantação de orgânicos também faz sucesso - destaque para os morangos e brócolis, extremamente viçosos. O processo para a implantação de serviços dentro da CPA não é difícil. Empresas que possuem a consciência de reintegração do preso entram em contato com a administração da Colônia; é pago um salário mínimo por trabalhador, juntamente com uma taxa de ocupação. O que é produzido é vendido normalmente pela empresa.

PROBLEMA DA SOCIEDADE – COM A SOCIEDADE Para o detento Clóvis da Cruz, com 53 anos e há 19 cumprindo pena,

é ainda muito complicado para o ex-preso se reintegrar à sociedade. “O interno sai daqui, vai para casa e encontra o filho doente. Como a Colônia deu a ele a oportunidade de fazer um monte de cursos, ele leva o currículo nas empresas e ela fecha as portas quando pede a certidão negativa na contratação. Se pedindo emprego da forma legal não ajuda, ele tem que se virar de alguma outra forma, a ilegal. O filho ainda continua doente e ninguém mais vai ajudar”, ressalta. Lembrando que o cidadão tem deveres e direitos: se infringiu a lei, tem o DEVER de cumprir o que lhe foi imposto: 20, 30, 40 anos de prisão, mas também tem o DEVER de se restabelecer a sociedade, que muita das vezes, não o vê com bons olhos. “A sociedade está engatinhando, é preciso uma grande reciclagem dos administradores de Recursos Humanos juntamente com os presidentes das grandes empresas, e claro, uma dose de boa fé... Afinal, quem nunca errou na vida que atire a primeira pedra”, declara a psiquiatra uruguaia Andrea Lima Simon, especializada na reabili-tação de adultos à sociedade. É necessário que associações de grupos religiosos, comunidades e autoridades como delegados, promotores e juizes recebam pessoas como estas, verificar o que precisam e o que tem a oferecer. “O que eu sempre falo é que não temos que devolver a pessoa que entrou como delinqüente sair da mesma forma. Ele passou por um processo de readaptação. É necessário que todos saibam – e acreditem! - que aquele indivíduo que está dentro de um presídio é passível de recuperação. Mas também não me iludo achando que tudo é um mar de rosas, porque ainda existe uma minoria que resiste a qualquer forma de ajuda”, complementa o diretor. Nestes casos, compete aos órgãos do Estado achar um regime adequado para este indivíduo.

O problema é que o sistema carcerário de todo o país está focado apenas na repressão interna, seja nas rixas de detentos, tráfico de drogas e armas de fogo e brancas, além dos comandos organizados que ditam ordens do próprio presídio, citando também a estrutura física, que, quando não é precária, é caríssima. Ainda segundo a psiquiatra Andréa: “A preocupação deve ser somente e focada no preso. É ele que dita as ordens, que mata, que morre. Isso se estende às famílias deles.

imagens dos barracões do pequeno parque industrial do local. os destaques são para a Usina de reciclagem (que separa apenas plásticos) e para a fábrica de móveis para escritório, onde as peças passam por processos de lixamento e pintura apenas. a maioria das fábricas usa mão-de-obra de de 10 a 20 detentos.

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“Eco” implantado na frente da palavra olaria, com certeza, é adequa-do. Simplesmente pelo fato dos tijolos serem compostos de cimento + solo + água + prensagem em até 12mil quilos de pressão, dispensando a queima dos mesmos. Esse projeto foi implantado na Colônia Penal Agrícola já há dois anos e tem dado bons resultados. Vito Milano, diretor do Instituto Internacional de Pesquisa e Responsabilidade Socioam-biental Chico Mendes, do qual a Ecolaria faz parte, diz que a intenção de se ter um estabelecimento dentro de uma penitenciária, além da boa qualidade da fabricação, é a de “ajudar a desenvolver a formação profissional, evitando que os presos não sejam utilizados apenas como mão-de-obra barata ou informal, além de contribuir muito para o meio ambiente”, relata.

O chamado “ecotijolo” tem quatro vezes mais resistência do que os comuns e é de 70% a 80% mais caro que um tijolo convencional; porém, economiza-se na utilização de cimento e argamassa entre outros materiais de acabamento devido ao formato do mesmo, que permite a passagem de dutos elétricos dentre outros. O material é específico para auto-construção por não exigir mão-de-obra especializada. Pensando nisso, o diretor da Ecolaria está estudando parcerias com a Cohab para que os presos recém-saídos da CPA possam trabalhar na construção de suas próprias casas. “Eles podem optar pelo pagamento do trabalho que exerceram na Ecolaria em tijolo mesmo. Porque não investir em uma casa nova?” ressaltou Vito. São idéias futuras que podem dar certo, visando benefícios para ambos lados.

ECOLARIA

serViÇo: Colônia penal agrícola do paraná - Cpa avenida brasília s/n 83301-970 piraquara-paraná fone: (41) 3673-2662 - fax.: (41) 3673-1321

parte da produção de mudas de pinheiros é destinado para doações, muitas à prefeituras locais e também no replantio da mata ciliar. todas as

mudas estão sob os cuidados do detendo “mexicano”, que entende tanto

da espécie quanto da terra. segundo ele, quando sair da Colônia penal agrícola, já tem seu emprego garantido, já que é assistido pelos

empresarios que investem no local.

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Nunca ninguém viu o filme “Estação Carandiru”, do Drauzio Varella? A situação real é mil vezes pior que a do filme. Para quê investir tanto em uma cadeia física sendo que poderia ser revertido em ocupação para estes seres humanos, que não são diferentes de nós?”, reflete a especialista.

A questão está apenas no modo de visão, ressalta Lauro. “Um preso que trabalha pela manhã, faz um curso profissionalizante pela tarde e estuda pela noite – pois, para se trabalhar em qualquer lugar na CPA é obrigatório que o detento esteja estudando -, então, qual é o tempo que ele tem para se envolver com facções criminosas e outro tipo de crime?”, indaga o diretor. Bem ou mal, este ainda é um grande exemplo para aqueles que deixaram de ter esperanças para a re-integração do detento à sociedade. Tudo é, apenas, uma questão de visão.