ROTAS E ATORES DO CONTRABANDO DE CIGARRO NA … · no Programa de Pós-Graduação em Geografia da...
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ROTAS E ATORES DO CONTRABANDO DE CIGARRO NA FRONTEIRA
PARAGUAI-BRASIL: SALTO DEL GUAIRÁ (CANINDEYÚ) E GUAÍRA
(PARANÁ)
Lília Alvares
Mestranda do PPGG da UNIOESTE -
Campus M. C. R. [email protected]
Maristela Ferrari
Professora do PPGG (UNIOESTE) - Campus de
M. C. R. [email protected]
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem por objetivo analisar a estrutura e a atuação das redes ilegais,
na fronteira Paraguai-Brasil, sobretudo a rede do contrabando de cigarro entre as
cidades de Salto Del Guairá (Canindeyú) e Guaíra (Paraná). O mesmo faz parte de uma
pesquisa muito mais ampla que é a pesquisa de mestrado que vem sendo desenvolvida
no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Unioeste – Campus Marechal Cândido
Rondon. Para consecução do objetivo proposto, a metodologia consistiu em
levantamento teórico-bibliográfico e informações preliminares da pesquisa de campo
nas cidades de Salto Del Guairá e Guaíra na fronteira Brasil-Paraguai. As primeiras
pesquisas de campo indicam que o contrabando de cigarro se desenvolve na lógica das
redes, pois envolve técnicas e atores tanto da escala local quanto de outras escalas
regionais e internacionais. Assim, a noção de rede surge como um instrumento teórico
de pesquisa e também como um método analítico para compreender as atividades
econômicas ilegais transfronteiriças.
Na fronteira Brasil/Paraguai, os atores que participam da rede do contrabando,
dentre eles muitos adolescentes, mudam constantemente os caminhos ou descaminhos
da travessia do cigarro oriundo do Paraguai para o Brasil. Mesmo com toda a atuação de
organismos de controle e repressão aos fluxos ilegais, como, Polícia Federal e o
Batalhão de Polícia de Fronteira (BPFRON), os atores que participam do contrabando
de cigarro se tornem cada vez mais ousados e criativos e desafiam constantemente a lei
2
e os limites territoriais de cada Estado nacional. (MACHADO, 1998). Que fatores
determinam a estruturação de redes transfronteiriças ilegais num segmento específico de
fronteira? Os diferentes sistemas e normas entre Estados nacionais contribuem para a
organização de redes ilegais? Além desses e outros questionamentos o trabalho foi
dividido em duas partes: a primeira parte aborda em que medida a noção de rede pode
nos auxiliar a compreender a dinâmica espacial dos fluxos ilegais transfronteiriços; a
segunda parte mostra como vem se desenvolvendo o contrabando de cigarros num
segmento de fronteira do Brasil com o Paraguai.
COMO A REDE ENQUANTO FERRAMENTA TEÓRICO-METODOLÓGICA
PODE NOS AUXILIAR A COMPREENDER A DINÂMICA E ATUAÇÂO
ESPACIAL DOS FLUXOS ILEGAIS TRANSFRONTEIRIÇOS?
A noção de rede parece ser relativamente recente: ela nasce com a
modernidade capitalista e sua origem está ligada à escola de Saint Simon, no século
XVIII, embora recente, sua difusão tem sido bastante aceita para explicar diversos
fenômenos, principalmente na fase atual, chamada de pós-modernidade (HARVEY,
2001), ou período “técnico-cientifico-informacional”, (SANTOS, 1999). Portanto, o
termo rede tem sido hoje empregado em vários campos de investigação com diferentes
objetivos e seu significado tem sido bastante diverso. A noção de rede aceita no mundo
científico parece estar ligada aos avanços da ciência, da informática e dos sistemas de
telecomunicação. No entanto, a rede não se limita somente à demonstração de objetos
concretos e casos particulares: deve-se também à representação da ação à distância, ou
seja, associada à extensão territorial.
Ao abordar a noção de rede num estudo sobre fronteira deve-se considerar
também que há inúmeras redes geográficas e nesta direção Machado (1998) indica que a
diversidade das redes geográficas pode ser entendida a partir da seguinte classificação:
“redes naturais (rede fluvial; rede de caminhos), redes infra-estruturais ou técnicas,
(transporte; comunicação), redes transnacionais (poder econômico-político), redes
informacionais (cognitivas)”. É nesse sentido que pretendemos empregar a rede não
apenas como pensar um conceito, mas igualmente como uma ferramenta metodológica
3
capaz de nos auxiliar a explicar determinada problemática num espaço de fronteia.
Assim podemos questionar: que tipo de redes geográficas o contrabando de cigarro
mobiliza? A partir desse questionamento podemos pensar que o rio Paraná não é
somente o limite internacional entre Salto Del Guairá e Guaíra na fronteira Brasil-
Paraguai, ele é também uma rede natural, isto é, é uma rede fluvial dada pela natureza,
assim não é uma rede geográfica, mas quando atores utilizam esse rio para a navegação
esse se torna uma rede fluvial, assim essa rede fluvial de navegação passa a ser uma
rede geográfica. Mas, o contrabando de cigarro pode também utilizar outras redes
geográficas, como as redes de infra-estruturas, redes técnicas e redes sócias, daí a
importância da rede não somente como conceito, mas igualmente como instrumento
metodológico em pesquisas que aborde fluxos ilegais transfronteiriços.
Assim, a rede como instrumento teórico-metodológico permitirá também
abordar questões ligadas ao território e compreender como as redes ilegais rompem o
poder do território. Para Raffestin (1993, p. 204) as redes constituem um meio de
produzir o território “[...] a rede faz e desfaz as prisões do espaço, [...] tanto liberta
quanto aprisiona”. Nessa mesma linha de pensamento Machado (1998, p. 06) argumenta
que as redes podem hoje,
[...] transpassar fronteiras nacionais e internacionais sem obedecer ao
principio de contigüidade espacial que define, em geral, o território-base da
soberania de um estado nacional. As redes não só permitem a representação
cartográfica das conexões entre microespaços e outros níveis de organização
escalar como constituem, em si mesmas, a forma preferencial de
organização das operações de tráfico de drogas e de lavagem de dinheiro.
Milton Santos (1999, p. 215) explica que “a mundialização das redes
enfraquece as fronteiras e compromete o contrato, mesmo se ainda restam aos Estados
numerosas formas de regulação e controle das redes”. De fato, com o avanço das
telecomunicações e a globalização neoliberal as fronteiras entre Estados nacionais
parecem estar perdendo seu caráter de controle do território que delimitam, cooperando
na formação de redes econômicas transfronteiriças pela continuidade territorial dos
fluxos que elas organizam e veiculam e que tanto podem ser fluxos legais como ilegais.
Para Haesbaert e Porto-Gonçalves (2006, p.60) “a desregulamentação dos mercados,
que é característica central da globalização neoliberal, veio acompanhada também pela
4
proliferação de redes ilegais ou ilícitas da economia, [...] esses circuitos ilegais
avançaram com muita força durante as últimas décadas”. Não há dúvida de que as redes
ilegais tem se multiplicado neste começo de século XXI, Salto Del Guairá e Guairá, na
fronteira Brasil Paraguai é uma pequena amostra quando se trata da proliferação de
redes ilegais ou circuitos ilegais, especialmente nas últimas décadas.
Nesse sentido, e a partir de nossas primeiras leituras teórico-metodológicas
(ainda muito preliminares) partimos da idéia de que o contrabando de cigarro se
constitui numa rede de caráter econômico ilegal, uma rede ilegal transfronteiriça entre
as cidades de Salto Del Guairá e Guaíra que pode estar combinada com outras redes de
ordem nacional e internacional podendo também estar articuladas em várias escalas e
em relações diversas. Assim, a mobilidade transfronteiriça gerada pelo comércio de
cigarro estaria desenhando uma rede ilegal entre as cidades de Salto Del Guairá e
Guaíra cujos atores se defrontam ao menos com duas faces respectivamente da rede,
uma delas mais material e a outra mais imaterial: a rede de circulação, que mobiliza
homens e bens, e a rede social de comunicação (por trabalhadores, aqueles que
atravessam a mercadoria na fronteira) pela informação.
Portanto, tendo em vista que a rede é normalmente definida em função da
mobilidade ou transporte entre pelo menos dois pontos no espaço, o uso da rede como
categoria e ferramenta metodológica permitirá analisar também até que ponto os
espaços fronteiriços hoje contribuem ou não de forma organizacional na dinâmica
espacial do comércio ilegal. Desse modo, pensamos que a noção de rede contribuirá
para o entendimento e a análise das interações transfronteiriças ilegais, como, por
exemplo, o contrabando de cigarro entre as cidades de Salto Del Guairá e Guairá, na
fronteira Brasil-Paraguai.
QUE FATORES CONTRIBUÍRAM E CONTRIBUEM PARA A
ESTRUTURAÇÃO DO CONTRABANDO DE CIGARRO ENTRE SALTO DEL
GUAIRÁ E GUAIRÁ NA FRONTEIRA BRASIL-PARAGUAI?
Salto Del Guairá (Canindeyú) e Guaíra (no Oeste do Paraná) são duas
pequenas cidades localizadas próximas ao limite internacional do Brasil com o
Paraguai. O limite internacional entre os dois países é ali formado pelo rio Paraná.
5
Segundo dados do IBGE (2010), Guaíra (PR) possui aproximadamente 30.861
habitantes, enquanto que Salto Del Guairá tem aproximadamente 16 mil habitantes,
conforme dados oficiais do Censo Paraguaio (2015)1. Até o final da década de 1970,
Guaíra e Salto Del Guairá tinham poucas interações transfronteiriças, ambas as cidades
tinham como uma das funções econômicas o turismo pela presença das Sete Quedas2.
Com a construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu (1980) e o consequente
desaparecimento das Sete Quedas a função turística naquelas cidades decaiu
sensivelmente. Já no final da década de 1990, com a finalização da construção da Ponte
Airton Sena sobre o rio Paraná, (localizada entre as cidades de Guaíra no Paraná e
Mundo Novo no Mato Grosso do Sul), as interações transfronteiriças entre a cidade
brasileira de Guaíra e a cidade paraguaia Salto Del Guairá foram facilitadas e
começaram a se tornar mais densas.
Salto Del Guairá passou a investir no setor terciário, (lojas shoppings etc.) a
exemplo da Ciudad Del Leste tornando-se hoje uma cidade do turismo de compras. Isso
permitiu o desenvolvimento de inúmeras interações transfronteiriças entre as duas
cidades inclusive interações informais de trabalho. Já na cidade de Guaíra (PR), os
investimentos foram poucos ou quase nenhum, permanecendo a cidade com funções
terciária pouco expressiva e dependente de outros centros maiores. Como Guaíra não é
uma cidade geradora de empregos, quando as compras estão favoráveis em Salto Del
Guairá, muitos brasileiros vão trabalhar informalmente nos comércios e shoppings de
Salto Del Guairá gerando fluxos informais de trabalho entre as duas cidades. Quando
ocorre variação cambial com a alta do dólar o turismo de compras em Salto Del Guairá
acaba sendo afetado e com isso ocorre a demissão de muitos trabalhadores brasileiros da
1DGEEC.<http://www.dgeec.gov.py/Publicaciones/Biblioteca/proyeccion%20nacional/Proyeccion%20Di
strital.pdf>. Acesso em 03 de jun. 2016. 2
Sete Quedas: localizava na fronteira entre o Brasil e o Paraguai, mas especificamente entre Salto Del
Guairá (Canindeyú) e Guaíra (Paraná), possuía 7 quedas e 19 saltos e fazia parte do Rio Paraná, e era
maior cachoeira do mundo em volume de água. As Sete Quedas eram o principal atrativo turístico da
cidade de Guaíra, era um dos destinos turísticos no Brasil mais visitado por estrangeiros. Seu afogamento
se deu pela construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu, a inundação começou no em 13 de outubro de
1982 com o fechamento das comportas da Usina, seu sepultamento durou apenas 14 dias, pois ocorreu em
uma época de cheia do rio Paraná, e todas as usinas hidrelétricas acima de Itaipu abriram suas comportas,
contribuindo com o rápido enchimento do lago. Portanto, em 27 de outubro de 1982 o lago estava
formado e as quedas submersas, formando assim um grande lago artificial.
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cidade de Guaíra. Um problema que se reflete nesta cidade paranaense como em outras
cidades fronteiriças.
Além da construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu e da Construção da Ponte
Airton Sena obras infra-estruturais que facilitaram a comunicação e as interações
transfronteiriças entre Salto Del Guairá e Guaíra, outro fator que permite compreender
a densidade das interações entre essas duas cidades foi à intensa fiscalização sobre o
contrabando e o comércio informal de sacoleiros entre as cidades de Foz do Iguaçu e
Ciudad Del Leste a partir do começo da década de 2000. Com a intensa fiscalização
muitos fluxos legais e ilegais que se desenvolviam entre Ciudad Del Leste e Foz do
Iguaçu passaram a ser direcionados e estruturados pelas cidades de Salto Del Guairá e
Guaíra. As primeiras pesquisas de campo indicam vários indícios de redes legais e
ilegais entre as cidades de Salto Del Guairá e Guaíra dentre eles o contrabando de
cigarros que vem crescendo de forma vertiginosa, segundo informações da Polícia
Federal de Guaíra. Para se ter uma ideia, entre janeiro de 2009 a junho de 2012 o
Núcleo Especial de Polícia Marítima (NEPON) de Guaíra apreendeu 300 barcos dos
quais 90% deles eram usados para o transporte de cigarros enquanto que os outros 10%
eram usados para o transporte de maconha e cocaína.
Mesmo com toda a atuação de organismos de controle e repressão aos fluxos
ilegais, como, Polícia Federal e o Batalhão de Polícia de Fronteira (BPFRON), os atores
que participam do contrabando de cigarro estão se tornando cada vez mais ousados e
criativos e desafiam constantemente a lei e os limites territoriais de cada Estado
nacional. (MACHADO, 1998). Segundo Horii (2014, p. 89), o desaparecimento das
Sete Quedas, a construção da Hidrelétrica de Itaipu com a consequente formação do
Lago de Itaipu que permite fácil navegação colabora muito para o aumento do
contrabando em toda a zona fronteiriça do Paraná (Brasil) com o Paraguai. Este autora
explica também que:
[...], a grande extensão do Lago de Itaipu tem dificultado a fiscalização
policial, facilitando as atividades ilegais que criam territorialidades sobre esse
espaço, condicionados por uma relação temporal com identidades distintas,
resultando em uma fronteira conhecida no presente como espaço da
ilegalidade. (HORII, 2014, p. 89).
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De fato desde a formação do Lago da Itaipu, as rotas ou descaminhos do
contrabando vêm se multiplicando. Em 2011, o jornal Gazeta do Povo fez uma
reportagem apontando mais de 200 pontos clandestinos na fronteira Brasil Paraguai,
pontos que são utilizados para o contrabando na região Oeste do Estado do Paraná com
o Paraguai. Alguns desses pontos clandestinos podem ser visualizados na Figura 1. Em
2011, numa reportagem do Jornal Nacional, o diretor da Associação Brasileira de
Combate a Falsificação, Luciano Barros afirmou em sua entrevista que:
O Paraguai produz 65 bilhões de cigarros e consome apenas 03 bilhões, nós
temos esse diferencial todo despejado no mercado brasileiro. É pela água que
70% de todas as muambas cruzam a fronteira do Paraguai para o Brasil. Em
uma faixa de 200 quilômetros, já foram mapeados 3 mil pontos de travessia,
os chamados portos clandestinos.(Jornal Nacional. 2011)3
Na fronteira, os atores que participam desse contrabando mudam
constantemente suas rotas ou descaminhos e mobilizam inúmeras tecnologias muitas
vezes mais eficazes que aquelas utilizadas no controle dos territórios dos Estados
nacionais. Os constantes investimentos em tecnologias de comunicação, tais como,
aparelhos celulares, rádio-amador e até mesmo GPS (sistema de Posicionamento
Global) são objetos técnicos para assegurar a rápida informação e o sucesso da travessia
do cigarro na fronteira Brasil-Paraguai. Os atores desta rede ilegal atuam de diferentes
modos no crime transfronteiriço, distribuição clandestina, falsificação de documentos,
roubos de carros, corrupção social e aliciamento de crianças e adolescentes de baixa
renda nesse tipo de crime organizado. Que impactos causa o contrabando de cigarro na
escala local, regional e nacional? Esse é um questionamento importante que precisa ser
considerado.
3http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2011/05/corrupcao-facilita-acao-de-criminosos-nas-
fronteiras-brasileiras.html. Edição de 31/05/2011. Segunda Reportagem da série As fronteiras do Brasil.
Acessado em 21/04/2016.
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Figura 1. Pontos do contrabando na região fronteiriça Oeste
do Paraná com o Paraguai. Fonte: Gazeta do Povo (2011)
As primeiras pesquisas de campo indicam que os impactos na escala local são
inúmeros, desde a inserção de crianças e adolescentes nas redes ilegais até o aumento da
violência na cidade. Guaíra-PR vem se destacando na escala nacional como uma das
cidades mais violentas do Brasil. Entre 2008 e 2010 o índice de homicídios em Guaíra
(PR) foi de 112,8%, um índice de criminalidade que elevou a cidade a 4ª posição de
cidade mais violenta do Brasil. Segundo dados empíricos tal índice de criminalidade
está ligado, sobretudo, ao contrabando que vem se desenvolvendo e estruturando do
Paraguai para o Brasil. No Estado do Paraná, a cidade de Guaíra ocupa o 1º lugar como
cidade mais violenta do Estado4. O combate ao crime transfronteiriços na escala local
vem se tornando cada vez mais difícil frente ao crescente desemprego nesta cidade.
4 Dados obtidos a partir do Mapa da Violência no Brasil (2012).
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Segundo informações empíricas, o contrabando de cigarro, na escala local, tem
envolvido desde adultos até crianças e adolescentes, os próprios indígenas guaranis
estão sendo utilizados como atores do contrabando de cigarro.
O contrabando passa a ser naturalizado como uma atividade de trabalho que
gera renda complementar para famílias de baixa renda ou para aqueles que estão
desempregados. É nesse sentido que o contrabando vai, em parte, sendo estruturado
com a ajuda dos atores fronteiriços que articulados com atores de outras escalas
nacionais e internacionais, vão fortalecendo a rede ilegal e constituindo um poder
econômico paralelo ao Estado Nacional. Há indícios de que essa rede ilegal mobiliza
não apenas o poder econômico, mas também o poder político na medida em que o
contrabando é facilitado por agentes de organismos de controle territorial dos Estados
Nacionais. Em outros termos, o contrabando envolve atores econômicos (empresários
da produção de tabaco), atores políticos (polícias, agentes aduaneiros e políticos) e
atores sociais (moradores da fronteira e outros), esses últimos, normalmente em situação
de vulnerabilidade, desempregados ou com baixa renda familiar.
Dessa forma, uma organização piramidal de atores na rede do contrabando de
cigarro vem sendo estruturada. Na base, estão os atravessadores da mercadoria, são
normalmente os fronteiriços residentes em Salto Del Guairá e Guaíra, são inseridos
nessa rede ilegal, pois conhecem todos os caminhos e descaminhos na fronteira Brasil-
Paraguai. Mas o cigarro contrabandeado não fica em Guaíra, ele vai para outras escalas
regionais do país. Assim, da fronteira para outras escalas do país, o cigarro é
transportado por diferentes atores, àqueles dedicados somente a essa atividade do
transporte da carga ilegal, até motoristas que trabalham no transporte de mercadorias
legais (importação/exportação). Cada grupo ou ator tem uma função específica dentro
dessa rede ilegal, mas segundo informações empíricas os atores da base desconhecem os
atores do topo da pirâmide.
Apesar de frequentes apreensões de cargas de cigarro contrabandeados do
Paraguai pela Polícia Federal e pela Polícia de Fronteira do Estado do Paraná, os atores
desse crime não são abalados pelas apreensões no combate ao contrabando. Se a polícia
fiscaliza uma área ou fecha um porto, logo os contrabandistas re-desenham novas rotas
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ou descaminhos, pois esse tipo de contrabando, segundo informações empíricas, gera
lucros incalculáveis. Além disso, os atores aproveitam os canais do contrabando de
cigarros para contrabandear também armas e munições para algumas das facções
criminosas mais violentas do Brasil. Isso revela que o contrabando de cigarro mobiliza
atores, escalas e diversos tipos de redes ilegais fora da escala fronteiriça.
Para finalizar, embora esse trabalho não esteja concluído, pois faz parte de
nossa pesquisa de mestrado em andamento, a partir das primeiras pesquisas de campo,
podemos constatar que a estruturação da rede do contrabando de cigarros entre as
cidades de Salto Del Guairá e Guaíra é relativamente recente e foi facilitada pelas obras
de infra-estruturas desenvolvidas na região (formação do lago da Itaipu que permite
fácil navegação e construção da Ponte Airton Sena). Essa rede ilegal é também fruto do
desenho de novas rotas do contrabando transfronteiriço, contrabando que se fazia via
Ciudad Del Leste/Foz do Iguaçu, mas com o aumento da fiscalização naquele ponto da
fronteira Brasil-Paraguai, os contrabandistas passaram re-desenhar novas rotas via as
cidades de Salto Del Guairá e Guaíra. Além disso, pode-se constatar, ainda que de
forma preliminar, que o desemprego nas cidades de Guaíra e Salto Del Guairá têm
contribuído para a inserção de fronteiriços nas redes ilegais transfronteiriças, dentre eles
crianças, adolescentes e indígenas guaranis.
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