ROTAS E ATORES DO CONTRABANDO DE CIGARRO NA … · no Programa de Pós-Graduação em Geografia da...

12
ROTAS E ATORES DO CONTRABANDO DE CIGARRO NA FRONTEIRA PARAGUAI-BRASIL: SALTO DEL GUAIRÁ (CANINDEYÚ) E GUAÍRA (PARANÁ) Lília Alvares Mestranda do PPGG da UNIOESTE - Campus M. C. R. [email protected] Maristela Ferrari Professora do PPGG (UNIOESTE) - Campus de M. C. R. [email protected] INTRODUÇÃO Este trabalho tem por objetivo analisar a estrutura e a atuação das redes ilegais, na fronteira Paraguai-Brasil, sobretudo a rede do contrabando de cigarro entre as cidades de Salto Del Guairá (Canindeyú) e Guaíra (Paraná). O mesmo faz parte de uma pesquisa muito mais ampla que é a pesquisa de mestrado que vem sendo desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Unioeste Campus Marechal Cândido Rondon. Para consecução do objetivo proposto, a metodologia consistiu em levantamento teórico-bibliográfico e informações preliminares da pesquisa de campo nas cidades de Salto Del Guairá e Guaíra na fronteira Brasil-Paraguai. As primeiras pesquisas de campo indicam que o contrabando de cigarro se desenvolve na lógica das redes, pois envolve técnicas e atores tanto da escala local quanto de outras escalas regionais e internacionais. Assim, a noção de rede surge como um instrumento teórico de pesquisa e também como um método analítico para compreender as atividades econômicas ilegais transfronteiriças. Na fronteira Brasil/Paraguai, os atores que participam da rede do contrabando, dentre eles muitos adolescentes, mudam constantemente os caminhos ou descaminhos da travessia do cigarro oriundo do Paraguai para o Brasil. Mesmo com toda a atuação de organismos de controle e repressão aos fluxos ilegais, como, Polícia Federal e o Batalhão de Polícia de Fronteira (BPFRON), os atores que participam do contrabando de cigarro se tornem cada vez mais ousados e criativos e desafiam constantemente a lei

Transcript of ROTAS E ATORES DO CONTRABANDO DE CIGARRO NA … · no Programa de Pós-Graduação em Geografia da...

ROTAS E ATORES DO CONTRABANDO DE CIGARRO NA FRONTEIRA

PARAGUAI-BRASIL: SALTO DEL GUAIRÁ (CANINDEYÚ) E GUAÍRA

(PARANÁ)

Lília Alvares

Mestranda do PPGG da UNIOESTE -

Campus M. C. R. [email protected]

Maristela Ferrari

Professora do PPGG (UNIOESTE) - Campus de

M. C. R. [email protected]

INTRODUÇÃO

Este trabalho tem por objetivo analisar a estrutura e a atuação das redes ilegais,

na fronteira Paraguai-Brasil, sobretudo a rede do contrabando de cigarro entre as

cidades de Salto Del Guairá (Canindeyú) e Guaíra (Paraná). O mesmo faz parte de uma

pesquisa muito mais ampla que é a pesquisa de mestrado que vem sendo desenvolvida

no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Unioeste – Campus Marechal Cândido

Rondon. Para consecução do objetivo proposto, a metodologia consistiu em

levantamento teórico-bibliográfico e informações preliminares da pesquisa de campo

nas cidades de Salto Del Guairá e Guaíra na fronteira Brasil-Paraguai. As primeiras

pesquisas de campo indicam que o contrabando de cigarro se desenvolve na lógica das

redes, pois envolve técnicas e atores tanto da escala local quanto de outras escalas

regionais e internacionais. Assim, a noção de rede surge como um instrumento teórico

de pesquisa e também como um método analítico para compreender as atividades

econômicas ilegais transfronteiriças.

Na fronteira Brasil/Paraguai, os atores que participam da rede do contrabando,

dentre eles muitos adolescentes, mudam constantemente os caminhos ou descaminhos

da travessia do cigarro oriundo do Paraguai para o Brasil. Mesmo com toda a atuação de

organismos de controle e repressão aos fluxos ilegais, como, Polícia Federal e o

Batalhão de Polícia de Fronteira (BPFRON), os atores que participam do contrabando

de cigarro se tornem cada vez mais ousados e criativos e desafiam constantemente a lei

2

e os limites territoriais de cada Estado nacional. (MACHADO, 1998). Que fatores

determinam a estruturação de redes transfronteiriças ilegais num segmento específico de

fronteira? Os diferentes sistemas e normas entre Estados nacionais contribuem para a

organização de redes ilegais? Além desses e outros questionamentos o trabalho foi

dividido em duas partes: a primeira parte aborda em que medida a noção de rede pode

nos auxiliar a compreender a dinâmica espacial dos fluxos ilegais transfronteiriços; a

segunda parte mostra como vem se desenvolvendo o contrabando de cigarros num

segmento de fronteira do Brasil com o Paraguai.

COMO A REDE ENQUANTO FERRAMENTA TEÓRICO-METODOLÓGICA

PODE NOS AUXILIAR A COMPREENDER A DINÂMICA E ATUAÇÂO

ESPACIAL DOS FLUXOS ILEGAIS TRANSFRONTEIRIÇOS?

A noção de rede parece ser relativamente recente: ela nasce com a

modernidade capitalista e sua origem está ligada à escola de Saint Simon, no século

XVIII, embora recente, sua difusão tem sido bastante aceita para explicar diversos

fenômenos, principalmente na fase atual, chamada de pós-modernidade (HARVEY,

2001), ou período “técnico-cientifico-informacional”, (SANTOS, 1999). Portanto, o

termo rede tem sido hoje empregado em vários campos de investigação com diferentes

objetivos e seu significado tem sido bastante diverso. A noção de rede aceita no mundo

científico parece estar ligada aos avanços da ciência, da informática e dos sistemas de

telecomunicação. No entanto, a rede não se limita somente à demonstração de objetos

concretos e casos particulares: deve-se também à representação da ação à distância, ou

seja, associada à extensão territorial.

Ao abordar a noção de rede num estudo sobre fronteira deve-se considerar

também que há inúmeras redes geográficas e nesta direção Machado (1998) indica que a

diversidade das redes geográficas pode ser entendida a partir da seguinte classificação:

“redes naturais (rede fluvial; rede de caminhos), redes infra-estruturais ou técnicas,

(transporte; comunicação), redes transnacionais (poder econômico-político), redes

informacionais (cognitivas)”. É nesse sentido que pretendemos empregar a rede não

apenas como pensar um conceito, mas igualmente como uma ferramenta metodológica

3

capaz de nos auxiliar a explicar determinada problemática num espaço de fronteia.

Assim podemos questionar: que tipo de redes geográficas o contrabando de cigarro

mobiliza? A partir desse questionamento podemos pensar que o rio Paraná não é

somente o limite internacional entre Salto Del Guairá e Guaíra na fronteira Brasil-

Paraguai, ele é também uma rede natural, isto é, é uma rede fluvial dada pela natureza,

assim não é uma rede geográfica, mas quando atores utilizam esse rio para a navegação

esse se torna uma rede fluvial, assim essa rede fluvial de navegação passa a ser uma

rede geográfica. Mas, o contrabando de cigarro pode também utilizar outras redes

geográficas, como as redes de infra-estruturas, redes técnicas e redes sócias, daí a

importância da rede não somente como conceito, mas igualmente como instrumento

metodológico em pesquisas que aborde fluxos ilegais transfronteiriços.

Assim, a rede como instrumento teórico-metodológico permitirá também

abordar questões ligadas ao território e compreender como as redes ilegais rompem o

poder do território. Para Raffestin (1993, p. 204) as redes constituem um meio de

produzir o território “[...] a rede faz e desfaz as prisões do espaço, [...] tanto liberta

quanto aprisiona”. Nessa mesma linha de pensamento Machado (1998, p. 06) argumenta

que as redes podem hoje,

[...] transpassar fronteiras nacionais e internacionais sem obedecer ao

principio de contigüidade espacial que define, em geral, o território-base da

soberania de um estado nacional. As redes não só permitem a representação

cartográfica das conexões entre microespaços e outros níveis de organização

escalar como constituem, em si mesmas, a forma preferencial de

organização das operações de tráfico de drogas e de lavagem de dinheiro.

Milton Santos (1999, p. 215) explica que “a mundialização das redes

enfraquece as fronteiras e compromete o contrato, mesmo se ainda restam aos Estados

numerosas formas de regulação e controle das redes”. De fato, com o avanço das

telecomunicações e a globalização neoliberal as fronteiras entre Estados nacionais

parecem estar perdendo seu caráter de controle do território que delimitam, cooperando

na formação de redes econômicas transfronteiriças pela continuidade territorial dos

fluxos que elas organizam e veiculam e que tanto podem ser fluxos legais como ilegais.

Para Haesbaert e Porto-Gonçalves (2006, p.60) “a desregulamentação dos mercados,

que é característica central da globalização neoliberal, veio acompanhada também pela

4

proliferação de redes ilegais ou ilícitas da economia, [...] esses circuitos ilegais

avançaram com muita força durante as últimas décadas”. Não há dúvida de que as redes

ilegais tem se multiplicado neste começo de século XXI, Salto Del Guairá e Guairá, na

fronteira Brasil Paraguai é uma pequena amostra quando se trata da proliferação de

redes ilegais ou circuitos ilegais, especialmente nas últimas décadas.

Nesse sentido, e a partir de nossas primeiras leituras teórico-metodológicas

(ainda muito preliminares) partimos da idéia de que o contrabando de cigarro se

constitui numa rede de caráter econômico ilegal, uma rede ilegal transfronteiriça entre

as cidades de Salto Del Guairá e Guaíra que pode estar combinada com outras redes de

ordem nacional e internacional podendo também estar articuladas em várias escalas e

em relações diversas. Assim, a mobilidade transfronteiriça gerada pelo comércio de

cigarro estaria desenhando uma rede ilegal entre as cidades de Salto Del Guairá e

Guaíra cujos atores se defrontam ao menos com duas faces respectivamente da rede,

uma delas mais material e a outra mais imaterial: a rede de circulação, que mobiliza

homens e bens, e a rede social de comunicação (por trabalhadores, aqueles que

atravessam a mercadoria na fronteira) pela informação.

Portanto, tendo em vista que a rede é normalmente definida em função da

mobilidade ou transporte entre pelo menos dois pontos no espaço, o uso da rede como

categoria e ferramenta metodológica permitirá analisar também até que ponto os

espaços fronteiriços hoje contribuem ou não de forma organizacional na dinâmica

espacial do comércio ilegal. Desse modo, pensamos que a noção de rede contribuirá

para o entendimento e a análise das interações transfronteiriças ilegais, como, por

exemplo, o contrabando de cigarro entre as cidades de Salto Del Guairá e Guairá, na

fronteira Brasil-Paraguai.

QUE FATORES CONTRIBUÍRAM E CONTRIBUEM PARA A

ESTRUTURAÇÃO DO CONTRABANDO DE CIGARRO ENTRE SALTO DEL

GUAIRÁ E GUAIRÁ NA FRONTEIRA BRASIL-PARAGUAI?

Salto Del Guairá (Canindeyú) e Guaíra (no Oeste do Paraná) são duas

pequenas cidades localizadas próximas ao limite internacional do Brasil com o

Paraguai. O limite internacional entre os dois países é ali formado pelo rio Paraná.

5

Segundo dados do IBGE (2010), Guaíra (PR) possui aproximadamente 30.861

habitantes, enquanto que Salto Del Guairá tem aproximadamente 16 mil habitantes,

conforme dados oficiais do Censo Paraguaio (2015)1. Até o final da década de 1970,

Guaíra e Salto Del Guairá tinham poucas interações transfronteiriças, ambas as cidades

tinham como uma das funções econômicas o turismo pela presença das Sete Quedas2.

Com a construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu (1980) e o consequente

desaparecimento das Sete Quedas a função turística naquelas cidades decaiu

sensivelmente. Já no final da década de 1990, com a finalização da construção da Ponte

Airton Sena sobre o rio Paraná, (localizada entre as cidades de Guaíra no Paraná e

Mundo Novo no Mato Grosso do Sul), as interações transfronteiriças entre a cidade

brasileira de Guaíra e a cidade paraguaia Salto Del Guairá foram facilitadas e

começaram a se tornar mais densas.

Salto Del Guairá passou a investir no setor terciário, (lojas shoppings etc.) a

exemplo da Ciudad Del Leste tornando-se hoje uma cidade do turismo de compras. Isso

permitiu o desenvolvimento de inúmeras interações transfronteiriças entre as duas

cidades inclusive interações informais de trabalho. Já na cidade de Guaíra (PR), os

investimentos foram poucos ou quase nenhum, permanecendo a cidade com funções

terciária pouco expressiva e dependente de outros centros maiores. Como Guaíra não é

uma cidade geradora de empregos, quando as compras estão favoráveis em Salto Del

Guairá, muitos brasileiros vão trabalhar informalmente nos comércios e shoppings de

Salto Del Guairá gerando fluxos informais de trabalho entre as duas cidades. Quando

ocorre variação cambial com a alta do dólar o turismo de compras em Salto Del Guairá

acaba sendo afetado e com isso ocorre a demissão de muitos trabalhadores brasileiros da

1DGEEC.<http://www.dgeec.gov.py/Publicaciones/Biblioteca/proyeccion%20nacional/Proyeccion%20Di

strital.pdf>. Acesso em 03 de jun. 2016. 2

Sete Quedas: localizava na fronteira entre o Brasil e o Paraguai, mas especificamente entre Salto Del

Guairá (Canindeyú) e Guaíra (Paraná), possuía 7 quedas e 19 saltos e fazia parte do Rio Paraná, e era

maior cachoeira do mundo em volume de água. As Sete Quedas eram o principal atrativo turístico da

cidade de Guaíra, era um dos destinos turísticos no Brasil mais visitado por estrangeiros. Seu afogamento

se deu pela construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu, a inundação começou no em 13 de outubro de

1982 com o fechamento das comportas da Usina, seu sepultamento durou apenas 14 dias, pois ocorreu em

uma época de cheia do rio Paraná, e todas as usinas hidrelétricas acima de Itaipu abriram suas comportas,

contribuindo com o rápido enchimento do lago. Portanto, em 27 de outubro de 1982 o lago estava

formado e as quedas submersas, formando assim um grande lago artificial.

6

cidade de Guaíra. Um problema que se reflete nesta cidade paranaense como em outras

cidades fronteiriças.

Além da construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu e da Construção da Ponte

Airton Sena obras infra-estruturais que facilitaram a comunicação e as interações

transfronteiriças entre Salto Del Guairá e Guaíra, outro fator que permite compreender

a densidade das interações entre essas duas cidades foi à intensa fiscalização sobre o

contrabando e o comércio informal de sacoleiros entre as cidades de Foz do Iguaçu e

Ciudad Del Leste a partir do começo da década de 2000. Com a intensa fiscalização

muitos fluxos legais e ilegais que se desenvolviam entre Ciudad Del Leste e Foz do

Iguaçu passaram a ser direcionados e estruturados pelas cidades de Salto Del Guairá e

Guaíra. As primeiras pesquisas de campo indicam vários indícios de redes legais e

ilegais entre as cidades de Salto Del Guairá e Guaíra dentre eles o contrabando de

cigarros que vem crescendo de forma vertiginosa, segundo informações da Polícia

Federal de Guaíra. Para se ter uma ideia, entre janeiro de 2009 a junho de 2012 o

Núcleo Especial de Polícia Marítima (NEPON) de Guaíra apreendeu 300 barcos dos

quais 90% deles eram usados para o transporte de cigarros enquanto que os outros 10%

eram usados para o transporte de maconha e cocaína.

Mesmo com toda a atuação de organismos de controle e repressão aos fluxos

ilegais, como, Polícia Federal e o Batalhão de Polícia de Fronteira (BPFRON), os atores

que participam do contrabando de cigarro estão se tornando cada vez mais ousados e

criativos e desafiam constantemente a lei e os limites territoriais de cada Estado

nacional. (MACHADO, 1998). Segundo Horii (2014, p. 89), o desaparecimento das

Sete Quedas, a construção da Hidrelétrica de Itaipu com a consequente formação do

Lago de Itaipu que permite fácil navegação colabora muito para o aumento do

contrabando em toda a zona fronteiriça do Paraná (Brasil) com o Paraguai. Este autora

explica também que:

[...], a grande extensão do Lago de Itaipu tem dificultado a fiscalização

policial, facilitando as atividades ilegais que criam territorialidades sobre esse

espaço, condicionados por uma relação temporal com identidades distintas,

resultando em uma fronteira conhecida no presente como espaço da

ilegalidade. (HORII, 2014, p. 89).

7

De fato desde a formação do Lago da Itaipu, as rotas ou descaminhos do

contrabando vêm se multiplicando. Em 2011, o jornal Gazeta do Povo fez uma

reportagem apontando mais de 200 pontos clandestinos na fronteira Brasil Paraguai,

pontos que são utilizados para o contrabando na região Oeste do Estado do Paraná com

o Paraguai. Alguns desses pontos clandestinos podem ser visualizados na Figura 1. Em

2011, numa reportagem do Jornal Nacional, o diretor da Associação Brasileira de

Combate a Falsificação, Luciano Barros afirmou em sua entrevista que:

O Paraguai produz 65 bilhões de cigarros e consome apenas 03 bilhões, nós

temos esse diferencial todo despejado no mercado brasileiro. É pela água que

70% de todas as muambas cruzam a fronteira do Paraguai para o Brasil. Em

uma faixa de 200 quilômetros, já foram mapeados 3 mil pontos de travessia,

os chamados portos clandestinos.(Jornal Nacional. 2011)3

Na fronteira, os atores que participam desse contrabando mudam

constantemente suas rotas ou descaminhos e mobilizam inúmeras tecnologias muitas

vezes mais eficazes que aquelas utilizadas no controle dos territórios dos Estados

nacionais. Os constantes investimentos em tecnologias de comunicação, tais como,

aparelhos celulares, rádio-amador e até mesmo GPS (sistema de Posicionamento

Global) são objetos técnicos para assegurar a rápida informação e o sucesso da travessia

do cigarro na fronteira Brasil-Paraguai. Os atores desta rede ilegal atuam de diferentes

modos no crime transfronteiriço, distribuição clandestina, falsificação de documentos,

roubos de carros, corrupção social e aliciamento de crianças e adolescentes de baixa

renda nesse tipo de crime organizado. Que impactos causa o contrabando de cigarro na

escala local, regional e nacional? Esse é um questionamento importante que precisa ser

considerado.

3http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2011/05/corrupcao-facilita-acao-de-criminosos-nas-

fronteiras-brasileiras.html. Edição de 31/05/2011. Segunda Reportagem da série As fronteiras do Brasil.

Acessado em 21/04/2016.

8

Figura 1. Pontos do contrabando na região fronteiriça Oeste

do Paraná com o Paraguai. Fonte: Gazeta do Povo (2011)

As primeiras pesquisas de campo indicam que os impactos na escala local são

inúmeros, desde a inserção de crianças e adolescentes nas redes ilegais até o aumento da

violência na cidade. Guaíra-PR vem se destacando na escala nacional como uma das

cidades mais violentas do Brasil. Entre 2008 e 2010 o índice de homicídios em Guaíra

(PR) foi de 112,8%, um índice de criminalidade que elevou a cidade a 4ª posição de

cidade mais violenta do Brasil. Segundo dados empíricos tal índice de criminalidade

está ligado, sobretudo, ao contrabando que vem se desenvolvendo e estruturando do

Paraguai para o Brasil. No Estado do Paraná, a cidade de Guaíra ocupa o 1º lugar como

cidade mais violenta do Estado4. O combate ao crime transfronteiriços na escala local

vem se tornando cada vez mais difícil frente ao crescente desemprego nesta cidade.

4 Dados obtidos a partir do Mapa da Violência no Brasil (2012).

9

Segundo informações empíricas, o contrabando de cigarro, na escala local, tem

envolvido desde adultos até crianças e adolescentes, os próprios indígenas guaranis

estão sendo utilizados como atores do contrabando de cigarro.

O contrabando passa a ser naturalizado como uma atividade de trabalho que

gera renda complementar para famílias de baixa renda ou para aqueles que estão

desempregados. É nesse sentido que o contrabando vai, em parte, sendo estruturado

com a ajuda dos atores fronteiriços que articulados com atores de outras escalas

nacionais e internacionais, vão fortalecendo a rede ilegal e constituindo um poder

econômico paralelo ao Estado Nacional. Há indícios de que essa rede ilegal mobiliza

não apenas o poder econômico, mas também o poder político na medida em que o

contrabando é facilitado por agentes de organismos de controle territorial dos Estados

Nacionais. Em outros termos, o contrabando envolve atores econômicos (empresários

da produção de tabaco), atores políticos (polícias, agentes aduaneiros e políticos) e

atores sociais (moradores da fronteira e outros), esses últimos, normalmente em situação

de vulnerabilidade, desempregados ou com baixa renda familiar.

Dessa forma, uma organização piramidal de atores na rede do contrabando de

cigarro vem sendo estruturada. Na base, estão os atravessadores da mercadoria, são

normalmente os fronteiriços residentes em Salto Del Guairá e Guaíra, são inseridos

nessa rede ilegal, pois conhecem todos os caminhos e descaminhos na fronteira Brasil-

Paraguai. Mas o cigarro contrabandeado não fica em Guaíra, ele vai para outras escalas

regionais do país. Assim, da fronteira para outras escalas do país, o cigarro é

transportado por diferentes atores, àqueles dedicados somente a essa atividade do

transporte da carga ilegal, até motoristas que trabalham no transporte de mercadorias

legais (importação/exportação). Cada grupo ou ator tem uma função específica dentro

dessa rede ilegal, mas segundo informações empíricas os atores da base desconhecem os

atores do topo da pirâmide.

Apesar de frequentes apreensões de cargas de cigarro contrabandeados do

Paraguai pela Polícia Federal e pela Polícia de Fronteira do Estado do Paraná, os atores

desse crime não são abalados pelas apreensões no combate ao contrabando. Se a polícia

fiscaliza uma área ou fecha um porto, logo os contrabandistas re-desenham novas rotas

10

ou descaminhos, pois esse tipo de contrabando, segundo informações empíricas, gera

lucros incalculáveis. Além disso, os atores aproveitam os canais do contrabando de

cigarros para contrabandear também armas e munições para algumas das facções

criminosas mais violentas do Brasil. Isso revela que o contrabando de cigarro mobiliza

atores, escalas e diversos tipos de redes ilegais fora da escala fronteiriça.

Para finalizar, embora esse trabalho não esteja concluído, pois faz parte de

nossa pesquisa de mestrado em andamento, a partir das primeiras pesquisas de campo,

podemos constatar que a estruturação da rede do contrabando de cigarros entre as

cidades de Salto Del Guairá e Guaíra é relativamente recente e foi facilitada pelas obras

de infra-estruturas desenvolvidas na região (formação do lago da Itaipu que permite

fácil navegação e construção da Ponte Airton Sena). Essa rede ilegal é também fruto do

desenho de novas rotas do contrabando transfronteiriço, contrabando que se fazia via

Ciudad Del Leste/Foz do Iguaçu, mas com o aumento da fiscalização naquele ponto da

fronteira Brasil-Paraguai, os contrabandistas passaram re-desenhar novas rotas via as

cidades de Salto Del Guairá e Guaíra. Além disso, pode-se constatar, ainda que de

forma preliminar, que o desemprego nas cidades de Guaíra e Salto Del Guairá têm

contribuído para a inserção de fronteiriços nas redes ilegais transfronteiriças, dentre eles

crianças, adolescentes e indígenas guaranis.

REFERÊNCIAS

CNM, Confederação Nacional de Municípios: O Crack Na fronteira na Fronteira

Brasileira. 2013.

CUNHA, Fábio César A. Redes técnicas e poder: a “relevância” dos agentes relevantes.

Geografia. Vol. 11, n. 2, jul./dez. 2002. (Universidade Estadual de Londrina).

DORFIMAM, Adriana. Marcos legais e redes de contrabando de agrotóxicos: análise

escalar a partir da fronteira Brasil-Uruguai. Revista Terra Plural. Ponta Grossa, v.8,

n.1, p.37-53, jan/jun. 2014

IPARDES – Fundação Édison Vieira. O Paraná Reinventado: Política e Governo.

Curitiba, 1999.

11

HAESBAERT, Rogério. O mito da desterritorialização: do “fim dos territórios” à

multiterritorialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.

HAESBAERT, Rogério; PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. A nova desordem

mundial. São Paulo: Editora Unesp, 2006.

HARVEY. David. Condição pós-moderna. 11ª ed. São Paulo: Edições Loyola, 2001.

HORII. Angélica Karina D. Redes Ilegais: O contrabando de agrotóxicos na

fronteira Paraná (Brasil)-Paraguai. 178f. Dissertação (mestrado em Geografia).

UNIOESTE: Marechal Cândido Rondon, 2014.

MACHADO, Lia Osorio. Fluxos financeiros e tráfico de drogas na Bacia

Amazônica. UNESCO / MOST - DISCUSSÃO DE PAPEL 22, Paris, v 1 , p. . 1-18,

1998.

RAFFESTIN, Claude. Por Uma geografia do Poder. Trad. Maria Cecília França. São

Paulo: Ática. 1993.

SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço: espaço e tempo, razão e emoção. 3ª ed.

São. Paulo: Hucitec, 1999. 384 p.

SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção / Milton

Santos. - 4. ed. 2. reimpr. - São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006. -

(Coleção Milton Santos; 1).

VANDERLINDE, Tarciso. Fragmentos de inconformidade: sociedade, territórios,

espaços. Cascavel: EDUNIOESTE, 2009.

WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2012: A Cor dos Homicídios no

Brasil. Rio de Janeiro: CEBELA/FLACSO; Brasília: SEPPIR/PR, 2012.

Fontes eletrônicas

BRASIL. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/topicos/10597241/artigo-334-

do-decreto-lei-n-2848-de-07-de-dezembro-de-1940>. Acesso em 26/05/2016.

BRASIL. Disponível em:< http://www.camara.leg.br/sileg/integras/561671.pdf>.

INDICAÇÃO Nº, DE 2008. Fiscalização, integral, intensiva e rotineira nas cidades de

faixa de fronteira brasileiras. Acesso em 19 abr. 2016.

DGEEC.<http://www.dgeec.gov.py/Publicaciones/Biblioteca/proyeccion%20nacional/P

royeccion%20Distrital.pdf>. Acesso em 03 de jun. 2016.

12

IBGE. Disponível em: <http://www.cidades.ibge.gov.br/>. Acesso em: 30 jan. 2016.

IBGE. Disponível em:

<ftp://ftp.ibge.gov.br/Estimativas_de_Populacao/Estimativas_2014/estimativa_dou_201

4.pdf>. 2014. Acesso em 20 abr. 2016.

IDESF. <http://www.idesf.org.br/noticias/item/60-paran%C3%A1-%C3%A9-a-

principal-porta-de-entrada-de-cigarros-contrabandeados-do-pa%C3%ADs.html>.

Acesso em 12 abr. 2016.

GAZETA DO POVO. Disponível em:< http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-

cidadania/especiais/imperio-das-cinzas/as-rotas-da-pirataria-

20cgpw9clw6b85wup625vsz0u>. Reportagem de Mauri König e Diego Antonelli- “As

Rotas da Pirataria” em 23/04/2014. Acesso em 28 abr. 2016.

G1. Disponível em:< http://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2015/09/no-am-pf-

instala-base-de-combate-ao-narcotrafico-em-triplice-fronteira.html> No AM, PF instala

base de combate ao narcotráfico em tríplice fronteira. Acesso em 25 abr. 2016.

G1. Disponível em:<http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2011/05/fronteiras-do-

brasil-sao-passagens-faceis-para-criminosos-de-dez-paises.htm>. Edição de 23/05/2011.

Primeira Reportagem da série As fronteiras do Brasil. Acesso em 20 abr. 2016.

G1. Disponível em:<http://g1.globo.com/hora1/noticia/2015/10/fragilidade-das-

fronteiras-brasileiras-facilita-o-trafico-de-drogas.html>. Edição do dia 14/10/2015.

Acesso em 20 abr. 2016

G1. Disponível em:<http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2011/05/corrupcao-

facilita-acao-de-criminosos-nas-fronteiras-brasileiras.html>. Edição de 31/05/2011.

Segunda Reportagem da série As fronteiras do Brasil. Acesso em 21 abr. 2016.

G1. Disponível em: <http://g1.globo.com/hora1/noticia/2016/05/policia-de-sp-prende-

quadrilha-que-falsificava-cigarros-do-paraguai.html> Acesso em 26/05/2016

G1. Disponível em:<http://g1.globo.com/pr/oeste-sudoeste/noticia/2015/03/parana-e-

principal-porta-de-entrada-do-contrabando-de-cigarros-no-pais.htm>. Reportagem de

Fabiula Wurmeister “Paraná é a principal porta de entrada do contrabando de cigarros

no país”. Acesso em 31 abr. 2016.

GUAÍRA. Disponível em:<http://www.portalguaira.com/guaira-r-24-milhoes-prf-faz-

apreensao-milionaria-de-cigarros/>. Acesso em: 30 abri. 2016.