Risco - ufmg.br · Aline Cantia e Chicó do Céu, "OIE”, ... “Eu já estou me alongando....

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Risco

Leitura dramática Projeto Música e Poesia

Centro Cultural da UFMG Proponente – Luísa Bahia

“A lágrima é o átomo do mar.”

Sinopse

Dora está com os pés firmes em cima do casco de uma tartaruga. Ela viaja em pensamento

enquanto se esforça para ver o mar. Ela quer atravessar o atlântico, mas antes precisa cumprir

4 tarefas. Risco é uma odisseia, um quadro, um blues, um pequeno ritual.

Apresentação

Risco é uma odisseia contemporânea. Dora é uma narradora que tenta, a cada instante, não

perder o fio da sua própria história. Entre páginas, pinta um quadro, dança, canta e filosofa

sobre o tempo, a existência de deus, da solidão, do amor e o desejo de partir. A narradora

brinca com as figuras mitológicas de Penélope e Ulisses enquanto devaneia só, diante do mar,

em cima do casco de uma tartaruga.

Histórico

Risco é um texto dramático, escrito e apresentado por Luísa Bahia na 3ª edição do Projeto

Janela de Dramaturgia (mostra da produção inédita de dramaturgos contemporâneos mineiros).

Desde a apresentação no Projeto, Luísa vem realizando diversas leituras dramáticas com a

direção do cineasta Ricardo Alves Jr., em diferentes contextos como: a Mostra dos 16 anos do

Curso de Teatro da UFMG, a ocupação de fim de ano do Teatro Espanca!, o Festival de Verão

do Grupo Boca de Cena, além de Saraus e outros eventos em BH, SP e interior de MG. As

leituras propõem o compartilhamento da dramaturgia em espaços pequenos, nos quais seja

possível um contato próximo entre a atriz e o público. A criação do trabalho vem se realizando

in process, em constante diálogo com os espectadores e artistas envolvidos. A proposta é que o

espectador seja participante e co-autor da obra, pelo exercício imaginativo das paisagens e

narrativas postas pela palavra em cena.

O projeto teve início a partir do desejo da artista Luísa Bahia em experimentar o ofício da

dramaturgia e de realizar um encontro artístico com integrantes de outras áreas. Como ponto

de partida para a pesquisa, Luísa se utilizou de princípios contemporâneos de criação como o

hibridismo de linguagens e a fricção entre arte e vida. Outro elemento norteador do processo

foi a ideia do “narrador contemporâneo”, desenvolvida pelo dramaturgo e pedagogo Luis

Alberto de Abreu. A partir dos estudos de Walter Benjamin, Abreu analisa o papel do narrador

hoje, apresentando-o como uma possibilidade de aproximação entre artistas e espectadores.

Além disso, a narrativa, por levar o público ao exercício imaginativo constante, provoca uma

atitude ativa dos espectadores. Diante da era da informação, como narrar experiências na

contemporaneidade? De que instrumentos o narrador-artista lança mão para contar suas

histórias? Movida por esses questionamentos, Luísa experimentou criar uma odisseia, na qual

uma mulher viaja em pensamento e filosofa sobre sua condição, entre descrições de um quadro

e o canto de várias canções.

FICHA TÉCNICA

Atuação e dramaturgia: Luísa Bahia

Direção: Ricardo Alves Jr.

Direção de Arte: Marina RB

Assessoria vocal: Amanda Prates

Iluminação: Lucas Pradino

Fotografia: Ethel Braga

Arte gráfica: Espaço Lampejo

SOBRE OS ARTISTAS

Luísa Bahia

Artista multidisciplinar, Luísa Bahia transita entre o teatro, a música e a poesia. Atriz formada

no Cefar/Palácio das Artes e graduanda em Teatro/Licenciatura pela UFMG. Participou em 2010

do Laboratório A Arte Secreta do Ator com Eugênio Barba e Júlia Varley e, desde 2011, realiza

estudos vocais com Francesca Della Monica. Assistente de direção do espetáculo Sarabanda,

com direção de Grace Passô e Ricardo Alves Jr., atriz do espetáculo ADEUSÀMORTE, com

direção de Cristiano Peixoto, dramaturga participante da 3ª edição do projeto Janela de

Dramaturgia com o texto Risco, colaboradora artística da cena curta e do espetáculo Anã

Marrom, autora do blog Traço Falciforme e vocalista da Banda Pedra Bruta. No Grupo Boca de

Cena dirigiu os espetáculos O Prato Azul-Pombinho e Um Sonho de Carnaval, no qual assina

também a dramaturgia. Atuou nos espetáculos De Perfumes e Sonhos (teatro, música e dança),

com direção de Rosa Antuña, Fanfalhaça do Teatro Terceira Margem e Eu Sou Alice! da Cia.

Faminta de Teatro.

Ricardo Alves Jr.

Ricardo Alves Jr (1982) é natural de Belo Horizonte. Com seus filmes "Material Bruto" (2006),

"Convite para Jantar com o Camarada Stalin" (2007), "Permanências" (2010) e "Tremor"

(2013), já participou de diversos festivais nacionais e internacionais como: Semana da Critica

do Festival de Cannes, Festival de Locarno, Oberhausen, Rotterdam, Havana, Bafici-Buenos

Aires, Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, Janela Internacional de Cinema do Recife,

Festival Internacional de Curtas de São Paulo, Festival Internacional de Curtas do Rio de

Janeiro, FestCurtasBH, Vídeo Zone - International Video Art Biennial em Israel, VideoBrasil -

Festival de Arte Eletrônica. Foi exibido no museus Centre Pompidou, e Rainha Sofia, através do

projeto Encontres Internationales. Em 2013 Ricardo teve uma retrospectiva de seus filmes na

Cinemateca Francesa de Paris (Cinéma de poche : La Collection brésilienne) e no Cine Esquema

Novo- Expandido em Porto Alegre. Ganhou o prêmio de melhor diretor de curta-metragem nas

edições 40º e 46º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. Montou os longas “Pinta”, de Jorge

Alencar, e “Avanti Popolo”, de Michael Wahrmann; prêmio de melhor filme no Cinema XXI-

Festival Internazionale del Film di Roma. No teatro dirigiu “Discurso do Coração Infartado” um

solo de Silvana Stein; contemplado com o prêmio Miryan Muniz da Funarte, realizando

temporadas nas cidades de Belo Horizonte, São Paulo e Brasília. Em 2014 co-dirigiu com Grace

Passô, “Sarabanda" realizado pela Mostra Bergman- Instante de Eternidade da Fundação Clovis

Salgado. Atualmente se prepara para filmar “Elon Rabin não Acredita na Morte” contemplado

pelo prêmio Hubert Bals Fund de desenvolvimento de roteiro, Prêmio Filme Minas de produção;

além de participar dos laboratórios Buenos Aires Lab (BAL), FIDlab- Plateforme Internationale

de Soutien à la Coproduction e New Cinema Network – Rome Film Festival’s International

Project Workshop.

Marina RB

Mestranda em Artes (EBA/UFMG), agosto/2013, Bacharel em Artes Visuais, habilitação em

Gravura (EBA/UFMG), janeiro/2007 a julho/2011. PRINCIPAIS EXPOSIÇÕES: 2015 Dupla-dobra

(exposição individual). Performance na abertura da exposição (27/01/15) Memorial Minas

Gerais Vale. Nuova Architettura (exposição individual). Performance Effigies/Figura/Fingere/

Effingere, no encerramento da exposição - Centro Cultural da UFMG. 2013 Mostra dos Núcleos

de Pesquisa (Figurino). Galpão Cine Horto. 2013 Memória da casa: de dentro e de fora. EXA

(Espaço Experimental de Arte). OUTRAS ATIVIDADES ARTÍSTICO-CULTURAIS: Fevereiro, 2014.

Ilustração para o livro “Para-me (Gritocão)”, de Assis Benevenuto. Outubro, 2012. Membro da

equipe de cenografia para realização do FESTIM (Festival de Teatro em Miniatura), realizado

pelo Grupo Girino. Agosto, 2012. Figurinista, em conjunto com Luísa Horta, do monólogo Diário

do último ano, de Júlia Branco. Março, 2011.Estagiária do cenógrafo e figurinista Márcio

Medina, no espetáculo do Grupo Galpão Tio Vânia, direção de Yara de Novaes Gomes. Janeiro,

2011. Estagiária do cenógrafo e figurinista Márcio Medina, no espetáculo Saltimbancos, direção

de Carlos Gradim. Dezembro, 2010. Cenógrafa e figurinista do espetáculo Xangô, integrante da

Mostra de Trabalhos da graduação em Teatro da EBA – UFMG, em conjunto com Cristiano Diniz

Aguiar e Ju Soares Co Figurados, respectivamente.

Amanda Prates

Formada no curso de Licenciatura em Educação Artística/Habilitação em Música pela Escola de

Música da UEMG. Estudou com Maud Robards, Francesca Della Mônica, Roberto Simioni,

Eduardo Guimarães, Arrigo Barnabé, entre outros. Foi coordenadora, cantora e compositora do

Grupo Girau no período de 2009 a 2014. Realizou trabalhos na área de Trilhas Sonoras: Direção

musical do espetáculo “Adeusàmorte”- Dir. Cristiano Peixoto, 2013; Compôs e dirigiu trilhas

sonoras para espetáculos, como: “A Casa de Lá”- Dir. Ricardo Gomes, e “Fausto (S!)” - Dir.

João Valadares, 2010; Em 2009, fez a direção musical, juntamente com Larissa Mattos, do

espetáculo “Via Crucis do Corpo”. Dir. Alexander de Moraes espetáculo “Rosa dos Tempos” -

Dir. Cristiano Peixoto e a direção musical da cena “Corpo Fechado”- Dir. Ricardo Gomes. Em

2008 compôs a trilha da cena “O Besouro e a Rosa” – Dir. Cristiano Peixoto; Realizou a criação,

direção e execução da trilha sonora do espetáculo “Moby Dick” – Dir. Fernando Montes, 2007.

Como preparadora vocal realizou os trabalhos: Assessoria vocal do monólogo " Risco", de Luísa

Bahia em andamento; Em 2014 realizou a preparação vocal dos espetáculos "Parada do Trem" -

Dir: Geraldo Octaviano e "Talvez eu me despeça" - Dir: Ludmilla Ramalho; Preparadora vocal

do espetáculo“Rei Lear” – Dir. Ricardo Martins- Cia Lúdica de Atores– 2012; Em 2010, foi a

preparadora vocal do espetáculo “Fausto (S!)” Dir. João Valadares; Em 2009, foi a responsável

pela preparação vocal da cena “Corpo Fechado” Dir. Ricardo Gomes.

Lucas Pradino

Iluminador formado pelo curso profissionalizante CEFAR - Centro de Formação Artística,

fundador e integrante da Cia dos Aflitos e integrante do Grupo Boneco de Pano. Criou e operou

a iluminação dos espetáculos, "Pagos Para delirar”, direção de Marina Vianna e Marina Artuzzi,

"Fábrica de Cimento”, direção de Lenine Martins, "Contos de lá nos cantos de Cá,” direção de

Aline Cantia e Chicó do Céu, "OIE”, direção de Odilon Esteves, “Denunciados pela linguagem”

direção de Sammer Lemos. Além de operar diversos espetáculos desde 2012.

CRÍTICAS DO TEXTO RISCO – 3ª EDIÇÃO DO PROJETO JANELA DE DRAMATURGIA |

2014

Quando a palavra (não) basta, por Gustavo Falabella

Prólogo

O papel de crítico é feito um par de sapatos novos. São bonitos, você chegou a namorá-los na

vitrine, mas, nos pés, eles são desconfortáveis, pegam aqueles dois calos simétricos que você

acumulou, ao longo da vida, nos dois calcanhares.

Eu conheço boa parte dessa gente que vai ao Espanca! acompanhar esse projeto, na primeira

terça de cada mês. Alguns são amigos, vários companheiros, contemporâneos de teatro.

Eu conheço esse menino e essa menina que vão apresentar seus textos hoje à noite. Eles

brincam e respeitam minha presença de “crítico” no local. Eu devolvo:“calma, nós somos

amigos”. E penso ainda: “Mesmo que eu não goste de tudo que eu ouça e veja aqui

hoje. A gente deve se tratar melhor, entender a riqueza de pensamentos e estéticas

diferentes. Que assim seja, amém”

Sigo na minha “breve” apresentação .

“Eu já estou me alongando. Demais? Talvez”

Eu sou do teatro, me fiz ator, já dirigi uma peça e escrevo algumas coisas. Filho de dois

artistas, convivo com a rotina do teatro, desde sempre. Sei o quanto ele é desafiador, catártico,

difícil e sei o quanto ele pode ser bom quando é bom. Como costuma ser em outras edições do

projeto em que estive presente.

Eu gosto do “Janela”, acho essa gente forte, bacana, contemporânea, arrojada e brava.

A palavra.

A palavra é matéria-prima do texto e é por isso que a ela é atribuída um papel tão importante

nas leituras que acontecem no “Janela de Dramaturgia”. Na última terça-feira, a palavra

recebeu tratamentos diferentes pelos dois autores e pelas respectivas leituras de seus textos.

Se em “A Menina de Lá”, de Raysner de Paula, a métrica e o desenho – quase lembrando a

Poesia Concreta dos irmãos Haroldo e Augusto Campos e também de Arnaldo Antunes – das

palavras são pensados em detalhes, de maneira minuciosa; em “Risco”, de Luísa Bahia, a

palavra surge em um jorro criativo da atriz, dramaturga, personagem, leitora (e todas as

interseções possíveis) Dora em movimento de partida, de cima de um casco de uma tartaruga,

encarando o mar.

Eu disse: – “A Avezinha”. De por diante, Ninhinha passou a chamar o sabiá de

“Senhora Vizinha…” E tinha respostas mais longas: – “Eeu? Tou fazendo saudade”

O mérito de Raysner é causar estranheza pelo lirismo (distante de uma fala comezinha,

cotidiana) desse homem que fala de uma menina, um “Poço de Não”, e conta uma história que

flerta com o belíssimo conto original de Guimarães Rosa, de quem o autor toma o nome e o

mote de seu texto emprestados, se valendo, inclusive, de neologismos, o gosto pela palavra,

marcas de toda a carreira de Rosa.

A Ninhinha de Rosa “vira” Helena e ela, numa manobra esperta para despistar a Morte

(personagem com letra maiúscula), é escondida no coração da mãe e lá encontra um senhor

que despencou, de súbito, no coração materno. A narrativa fantástica de Raysner também

lembra o texto roseano, o realismo fantástico de Murilo Rubião e tantos outros autores.

Lembro-me de um professor que dizia que “Primeiras Estórias” (livro de onde vem “A Menina

de Lá”) era uma espécie de manual de metafísica de Rosa e uma porta de entrada para sua

complexa obra.

A narrativa entrecortada proposta em “A Menina de Lá”, no seu jogo de ir e vir, do tempo e

espaço, é complexa. Às vezes, até demais – mesmo para um ator experiente como Eduardo

Moreira, que, diga-se, dá um encanto especial ao lirismo de Raysner –, a ponto de correr o

risco de perder seu fio narrativo nas inúmeras portas que vão se abrindo. O texto é um

exercício mental estético também para quem o ouve.

Sempre me pego pensando, “e se esse texto fosse encenado?”. Daí, eu mesmo respondo

com outra pergunta: “essa já não é uma encenação?” e me acalmo.

(**)

“Eu me organismo, é um problema genérico”

Já em “Risco”, a dramaturga Luísa propõe um desafio para a personagem Dora, que é lida

(interpretada) pela mesma Luísa, aquela, a dramaturga. Ficou confuso? Talvez um pouco, mas

seguindo a linha de “eu tô te explicando pra te confundir”, o texto dela promove uma

sobreposição de narrativas que confunde quem ouve, confunde quem está em cena, confunde

a personagem confusa.

Traço da narrativa contemporânea, a metalinguagem se apresenta quando o processo da

escrita faz parte das quebras promovidas pelo texto e a atriz/personagem se dirige ao público

para contabilizar sua trajetória em páginas lidas/escritas.

O texto de Bahia, por vezes, se perde em tantas palavras e há um risco de perder a ótima

conexão que ela consegue estabelecer com suas tiradas engraçadas e metáforas bem

elaboradas, durante boa parte de sua leitura. Por outro lado, esse movimento de partida, que

está prestes, mas que nunca se inicia, permite à atriz criar um jogo com vários elementos,

vozes de personagens, músicas cantadas, referências à música instrumental tocada por um

potencial músico que a acompanharia e uma relação direta com o público.

A modo de encerrar.

Em ambos, o potencial de comunicação com a plateia é explorado. Os dois se preocupam com

coisas que não estão escritas nas páginas e, sim, na relação com quem está ouvindo/vendo a

leitura.

Os dois textos lidos têm outra coisa em comum: são para apenas um intérprete. O de Raysner

parece poder ser lido/interpretado por outra pessoa, tanto que o foi por Eduardo Moreira. É

impossível pensar em outra pessoa fazendo o texto de Luísa Bahia, que parece trazer

inquietações dela própria para compor sua personagem e suas histórias.

Antes, no entanto, um epílogo

O “Janela” se impõe como uma realidade sui generis no cenário teatral da cidade: textos

escritos para serem lidos, sem necessariamente ser encenados depois. Melhor: textos escritos

para serem lidos nas terças-feiras de “Janela”.

Há uma interessante e nova geração de atores/dramaturgos, dramaturgos/atores.

O projeto dá um empurrãozinho para gente que escrevia e guardava seus textos no fundo de

alguma gaveta. (Eu mesmo ando querendo revisitar as minhas).

Mas para encerrar: voltemos à palavra.

Ela é a ferramenta que leva tanta gente ao Espanca!

Mas ela basta?

Os textos não são apenas lidos. Há toda uma mise-en-scène (o termo é ultrapassado, talvez,

mas não encontrei outro) presente nas leituras. A própria ideia de leitura dramática ganha outra

dimensão.

O que seria da palavra sem o manejo cuidadoso de um ator experiente feito Eduardo Moreira

na leitura de “A Menina de Lá”? Ou sem a proliferação criativa de Luísa Bahia em “Em Risco”?

A palavra, ela basta ou não basta?

Gustavo Falabella é jornalista e ator, integrante da Zap 18.

Pela janela contos se fazem visíveis, por Carlos Mendonça

O encontro com o Janela de Dramaturgia trouxe a baila uma pergunta que me é velha

companheira: em que medida é possível vislumbrar na dramaturgia contemporânea uma

oportunidade para os sujeitos escaparem dos liames da experiência depauperada? O tempo de

permanência da questão nada tem a ver como sua impossibilidade de resposta. Pelo contrário,

ela permanece porque mostra a possibilidade de respostas multifacetadas. Ao me deter mais

atentamente aos textos “A menina de lá” e “Risco”, escolho, nesta galeria de possíveis, o

corredor reflexivo que permite agrupar os dois textos sob uma dentre suas qualidades

estéticas: o ato narrativo.

Estas qualidades são pontos de passagem nas conexões entre os objetos estéticos e os

espectadores, são condições para uma experiência estética. Penso, a esta altura, na tarefa

assumida por Raysner de Paula, Eduardo Moreira, Luísa Bahia e Ricardo Alves Jr.: criar um ato

narrativo atrator de forças. Uma cena que não seja forma, os contornos de um pretérito

representado; mas ato, local de onde procedem forças capazes de mover a sensação, os afetos.

Este afeto é distinto da emoção. A emoção é individual. O afeto é um fluxo impessoal, pré-

individual, existente antes de nos tornarmos indivíduos.

Em “A menina de lá” e em “Risco”, o ato narrativo delimita a leitura como objeto estético que

congrega, sem primazias, a palavra e a ação. Para aqueles que ouvem, a performance do corpo

que lê torna visível o imaginado pelo corpo que escreveu. O corpo em cena, ao mesmo tempo,

capta e distribui forças. O corpo que vê transforma estas forças corpóreas, estes afetos, em

conteúdos subjetivos e oferece novas forças ao outro.

Um objeto, a respiração, o tom da voz, o movimento ou a fixidez do corpo. Corpo, qual corpo?

Corpo que agora é boca, ora é gesto, depois expressão, um tempo mediação. Corpo em

partilha. Não é o corpo de Eduardo ou as palavras de Raysner, os gestos de Luísa ou as

imagens de Ricardo. Corpo feito texto. Um texto ampliado para além das linguagens oral ou

escrita. Musculatura significada, tornada frações de sentido, fragmentos da memória, restos de

imagens e sobras de afetos. Não se trata simplesmente da passagem do vivido de um lugar ao

outro e sim do exercício praticado, como nominou Antonin Artaud, pelo corpo afetivo que existe

em paralelo ao corpo orgânico do ator. É o lugar do jogo e da inspiração, espaço de encontro

onde a experiência toma fôlego. Seja a escrita Mallarmé de Raysner ou o jorro textual de Luísa,

as leituras ofereceram a oportunidade do enlace entre sensações desconhecidas. Cenas que

não querem representar a vida, querem ser vividas. Elas se fazem ali, no tempo presente,

precisam de todas aquelas forças. Cenas acontecimento.

Janela aberta para aos narradores.

No espaço, estes seres em ato estavam divididos, por uma lógica meramente hierárquica, em

atuante e espectador. E, sob os arcos da experiência do comum, foram agrupados como

tecelões das tramas palavra/corpo/imagem. O semiólogo francês Roland Barthes lembrou que

texto quer dizer tecido. Porém, esse tecido não é um produto acabado. Essa tessitura se faz

num “entrelaçamento perpétuo”, uma trama na qual os sujeitos se desfazem. Durante o bate-

papo, dizia Nina Caetano: “no texto de Luísa o autor se mistura à ‘personagem’ (leitora)”. Eu

que se torna outro. Somos transformados juntos.

Corpos, objetos da cena, uma paisagem sonora, um quadro projetado na parede, sombras, luz:

sob o véu do texto se faz a dramaturgia criadora de afetos. Ao descortinar o véu, o corpo que

lê oferece as passagens, as curvas por onde derrapam as lembranças. As palavras em jorro de

Luísa são como um rio turvo. No meio das águas escuras se reconhecem algumas sombras,

aquilo que me faz lembrar um “não sei o quê”, uma imagem desfocada na memória, mas com

forte presença no meu corpo. Eu sei que é um rio, percebo o rio e a forças das águas.

Entretanto, me é impossível definir o rio, me resta, então, sentir o rio.

Dora faz contas. Tem tarefas, tem tempo marcado. As marcas são de um tempo próprio que se

faz enquanto é contado. Tempo de narrar.

“- Deixa? Deus? Deixa ser amanhã? Deixa ser amanhã. As pessoas batem palmas. Deixa ser

amanhã, aí agora vem evaporar. Deixa ser amanhã o desafio do dia, deixa! Eu vou estar melhor

preparada! Mais bem. “O tempo é um ditador, o tempo é um ditador”. Amanhã, eu juro, eu

juro. 13 de 14. De 14? Não! A vida não tem página extra! Eu Juro que amanhã a tartaruga

deba…”

A Helena, de Raysner, se parece com a Alice, de Lewis Carroll. Gilles Deleuze encontrava na

história de Alice a metáfora para ilustrar o devir louco. Tal como Alice, Helena cresce e encolhe

para caber, para passar, para tornar-se. Raysner cuida da escolha das palavras, se preocupa

com os sentidos delas. Dessas escolhas vem o encontro consonantal que dita tempo: prólogos,

prólogo, prólogo. Consoantes pronunciadas como uma pausa explosiva. Se no país das

maravilhas o som do relógio do coelho é um tic-tac-tic-tac constante, o tempo em Raysner é

marcado pro-pausa-pro-pausa espiralado. Prólogo, centro da espiral. E tudo recomeça. Outro

recomeço. A volta ao início. As personagens permanecem, mas a história ganha um pouco mais

de caso a cada vez que é contada. Vai e volta. Ao modo de Helena/Alice, o texto cresce e

encolhe. O tempo não pertence, desconhece propriedade. É distinto, na qualidade e na

apresentação. Ainda que sejam similares, os tempos narrados não se comparam aos nossos.

“Porque tudo que é dito

Tudo que é grito

Não tem jeito!

Uma hora se cala.”

Nas duas narrativas, a invocação do absurdo fratura os limites da semelhança. As leituras

desinvestem na identificação, para concentrar-se no “vir-a-ser”.

Um ator, do lugar onde tudo pode vir-a-ser, contempla os que vieram.

(Epígrafe de “A menina de lá”)

A abertura para um “vir-a-ser”, a condução conjunta a um “tornar-se”, o tempo fraturado

posicionam, de um modo interessante, “A menina de lá” e “Risco” como textos

contemporâneos. Contemporâneos do quê: de um estilo, de um período? Tomo aqui o

contemporâneo a partir de suas dobras, de suas inflexões sobre o presente e seus passados.

Apreendo estas escritas como narrativas que dobram cronologias, criam tempos

descontinuados, oferecem novas imaginações para experiências passadas, encontram em

antigas imagens forças moventes dos afetos, enfim, singularizam as relações com seu tempo.

Nas leituras, descrever e narrar foram atos preocupados em acolher o espectador. E esse

acolhimento foi um convite para experimentar esse mundo do “vir-a-ser”.

Carlos Mendonça é jornalista e professor-doutor da UFMG.

FOTOS DAS LEITURAS DRAMÁTICAS | POR ETHEL BRAGA

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