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VOLUME 1 • 2016 • Rio de JaneiRo - RJ

organização Jéssica do NascimeNto RodRiguesRaquel cRistiNa de souza e souza

Publicação bianual do Grupo de Estudos em Ensino de Português e Literaturas.

Textualidades em Aula, v.1, 2016: Anais do II Simpósio do Geepol e III Oficinada LiteráriaISSN 2525-9296

Comissão editorialAna Paula FerreiraAntônio José dos Santos JúniorFabiana dos Anjos PintoJéssica do Nascimento RodriguesLuiz Felipe Andrade SilvaLuiz Guilherme Ribeiro BarbosaMarcos Rogério Ribeiro PoncianoMaria Cecília de Lima SousaPriscila Bezerra de MenezesRaquel Cristina de Souza e SouzaRenata Calheiros Alves

Contínuo editorialLuiz Felipe Andrade

Colégio Pedro II - GeepolRua Bernardo de Vasconcelos, 941Realengo/RJ - CEP 21710-261Telefone: (21) 2406-6800https://geepolcp2.wordpress.com/email: [email protected]

Capa e diagramaçãoZellig | www. zellig.com.br | Priscila Andrade e Renata Ratto

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EXPEDIENTE

Comissão Organizadora

Ana Paula FerreiraAntônio José dos Santos JúniorFelipe de Andrade ConstancioFabiana dos Anjos PintoJéssica do Nascimento RodriguesLuiz Felipe Andrade SilvaLuiz Guilherme Ribeiro BarbosaMarcos Rogério Ribeiro PoncianoMaria Cecília de Lima SousaPriscila Bezerra de MenezesRaquel Cristina de Souza e SouzaRenata Calheiros Alves

Presidente da Comissão Organizadora

Jéssica do Nascimento Rodrigues

Líder da GEEPOL

Raquel Cristina de Souza e Souza

PROMOÇãO

REALIzAÇãO

PATROCÍNIO

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EDITORIAL 8

RESUMOS DAS COMUNICAÇÕES | GRUPO 1

Compartilhar, resistir: uma roda de leitura 14 contra a violência de gênero na escolaMariana Quadros Quem tem medo da poesia? Desafios na formação 15docente inicial e na formação do leitor literárioAndré Luís Mourão de Uzêda e Thais Siqueira Lima

Cinema e Literatura: diálogos possíveis 16Margareth Andrade Morais, Erica Sousa de AlmeidaRafael Guimarães Nogueira

RESUMOS DAS COMUNICAÇÕES | GRUPO 2

O modernismo em (anti)movimentos: 18 antropofagia, tropicália e tribalismoMárcio Vinícius do Rosário Hilário

Lima Barreto e a contemporaneidade: 19diálogos em sala de aulaMarta Rodrigues

Feira medieval: um projeto transdisciplinar 20favorecendo o ensino de LiteraturaJorge Marques

RESUMOS DAS COMUNICAÇÕES | GRUPO 3

Porque meus alunos acreditam que eles não são 22 capazes de aprender inglês na escola?Ana Claudia Leoni

Reflexão linguística: uma perspectiva necessária 23 para o ensino e a aprendizagem de língua portuguesaAnderson Ulisses Nascimento

SUMÁRIO Projeto de dizer e projeto de autoria 24na produção textual escolarFelipe de Andrade Constancio

Ensino e variação: uma experiência didática 25segundo a concepção de gramática em três eixosLuiz Felipe da Silva Durval

TRABALHOS COMPLETOS Experiências e contribuições do projeto “cinema e literatura: 28diálogos possíveis” na formação estética e crítica de leitoresErica Almeida Margareth Morais Rafael Guimarães Nogueira

Entrecruzando linguagens: 45música e literatura em Conta Raul!Aline Gonçalves de Brito

Projeto de dizer e projeto de autoria na produção textual escolar 62Felipe de Andrade Constancio

O modernismo em (anti)movimentos: 73antropofagia, tropicália e tribalismoMárcio Vinícius do Rosário Hilário

Por que meus alunos dizem que não são capazes de aprender 92inglês na escola? – Relato de uma experiência com prática exploratóriaAna Claudia dos Santos Leoni

Aula de português: reflexões acerca do ensino de gramática 106Mônica Tavares Orsini

Iniciação científica júnior: um caminho 117para o letramento acadêmico na educação básicaJéssica do Nascimento Rodrigues

Quem tem medo da poesia? Desafios na formação 132docente inicial e na formação do leitor literárioAndré Luís Mourão de Uzêda Thais dos Santos Siqueira Lima

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APRESENTAÇãO

Parte da equipe de professores do Colégio Pedro II, Campus Realengo II, instituição federal de Educação Básica, Técnica e Tecnológica (EBTT), instituiu, no final de 2014, o Grupo de Es-tudos em Ensino de Português e Literaturas (GEEPOL), visan-do à pesquisa permanente em ensino de Língua Portuguesa e Literaturas. O GEEPOL objetiva a pesquisa na área de Língua, Linguística e Literaturas com fins à produção de saberes e de novas metodologias e práticas pedagógicas na educação básica. Pretende, também, baseado na reflexão teórico-prática desses estudos, produzir material didático, desenvolver pesquisas, pro-mover eventos e publicar artigos em revistas especializadas. Em última análise, intenciona propiciar a oportunidade de formação continuada no trabalho docente e contribuir para o desenvolvi-mento da competência comunicativa e do ler-escrever discente, campo que necessita de constante investigação. Como parte dos trabalhos do GEEPOL, organiza-se o simpósio intitulado Tex-tualidades em aula, para o qual são convidados especialistas da área de Língua Portuguesa, Linguística, Literaturas e Educação, com os quais seja possível estabelecer uma interface entre o fa-zer pedagógico da educação básica e as pesquisas mais recentes. São realizadas, também, atividades que propiciam diferentes experiências com textos literários e outras formas artísticas por meio de atividades diversificadas (exibição de filmes seguido de debate, contação de histórias, ciranda de livros, oficina literária, dentre outros), voltadas para os alunos dos ensinos fundamen-tal, médio regular ou técnico e PROEJA.

ediToRiaL

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HISTÓRICO

Em 2015, realizou-se a primeira edição do evento Textualidades em aula, por iniciativa dos membros do GEEPOL, com apoio dos professores do Departamento de Português e Literaturas do Co-légio Pedro II. Nessa ocasião, visando às atividades pensadas para o corpo discente da instituição, foi planejada uma série de ações pedagógicas no espaço escolar que possibilitaram a participação dos estudantes em caráter afinado com a proposta de inserção em diferentes experiências de textualidade. Dentre elas: mesa--redonda mediada por alunos (Os saberes e as vidas: feminismo na escola); exibição de filme seguida de debate (Notícia de uma guerra particular); compartilhamento de experiências de leitura; sarau (Ato Zero); oficinas literárias (Retrato Colorido e Ato Zero); apresentação teatral de contadores de histórias (Grupo Mosaicos) e apresentação de pôsteres sobre trabalhos desenvolvidos em pro-jetos extracurriculares de estímulo a práticas de escrita (Projeto Jornal Online e Projeto Argumentação nas Modalidades Oral e Escrita), bem como em projetos de Iniciação Científica Júnior e Iniciação Artística.

Quanto às atividades de formação continuada docente, foram organizadas mesas-redondas compostas por professores pesqui-sadores de diversos campos do saber relacionados às grandes áre-as dos estudos linguísticos e literários. A oportunidade de reunir docentes representantes de diferentes instituições de ensino bá-sico e superior viabilizou a construção de um diálogo que muito enriqueceu as reflexões e as propostas encaminhadas para o tra-balho com o texto na sala de aula da educação básica, as quais cul-minaram na organização do livro Textualidades em aula, lançado em dezembro de 2016, durante a segunda edição do evento.

O I Textualidades em aula contou com a presença de renoma-dos professores dedicados à docência e à pesquisa, são eles: Gio-vanna Dealtry (Literatura Brasileira/UERJ), José Carlos Azeredo (Língua Portuguesa/UERJ), João Camillo Penna (Teoria Literária/UFRJ), Gustavo Bernardo (Teoria da Literatura/UERJ), Ana Sout-to Mayor (Português e Literaturas/EPSJV-Fiocruz), Helena Feres Hawad (Língua Portuguesa/PUC-RJ, UERJ e CAp-UERJ), Marcos Scheffel (Faculdade de Educação/UFRJ), André Uzeda (CAp-UFRJ), Jorge Marques (Português e Literaturas/CPII-Engenho Novo) e Maria Teresa Gonçalves Pereira (Língua Portuguesa/ UERJ).

A dupla motivação para a realização do Simpósio fica clara, pois, na programação detalhada acima. Por um lado, interessa ao GEEPOL o viés acadêmico do evento, dada a oportunidade ímpar de interlocução com especialistas renomados nas áreas de inte-resse destes campos de atuação: Língua, Literatura e Educação. Além disso, a inserção na instituição de professores-pesquisado-res encontra no Textualidades em aula um espaço para divulgação de experiências didáticas, fruto da pesquisa teórica aplicada ao ensino. Por outro lado, é imprescindível a participação dos alunos no evento, não só como colaboradores, mas como protagonistas de uma iniciativa que tem na relação ensino-aprendizagem sua justificativa principal.

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EXPECTATIVAS

Com o II Simpósio do GEEPOL e III Oficinada Literária, pre-tendem-se aprimorar as práticas pedagógicas desenvolvidas pe-los professores de Português e Literaturas no Campus Realengo II e desenvolver recursos para a sua melhor aplicação, além de promover a divulgação de tais práticas nos âmbitos acadêmico e social. É de interesse do Grupo que a periodicidade do evento garanta um intercâmbio permanente entre a teoria e a prática de sala de aula, com vistas a buscar estratégias de ensino adequadas às diversas demandas pedagógicas. Além disso, espera-se que o simpósio crie, paulatinamente, a cada edição, um contexto espe-cífico de interlocução entre os docentes do Campus Realengo II e a comunidade docente externa para troca de materiais e experi-ências e discussão de temas e questões referentes aos conteúdos ministrados e às práticas docentes adotadas, no sentido de refle-tir (constantemente) sobre as abordagens escolhidas e suas resso-nâncias no contexto escolar e social. Dessa forma, aproximando a reflexão acadêmica da práxis escolar, espera-se contribuir para a formação continuada do docente (pertencente à instituição ou não) e possibilitar ao corpo discente a oportunidade de divulgar suas iniciativas no âmbito acadêmico e artístico.

As reflexões levadas a cabo nos dias do evento serão organizadas e publicadas no formato de anais (resumos dos relatos de experiên-cia) e de livro (artigos dos especialistas), de modo que as discussões sejam registradas para posterior referência e possam ganhar maior repercussão fora do âmbito estritamente institucional.

COMUNICAÇÕES | GRUPO 130 DE JUNHO DE 2016

HORÁRIO: 13H àS 14H30

BLoCo C

MEDIAÇãO PROf.ª RAqUEL SOUzA

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qUEM TEM MEDO DA POESIA? DESAfIOS NA fORMAÇãO

DOCENTE INICIAL E NA fORMAÇãO DO LEITOR LITERÁRIO

André Luís Mourão de Uzêda (CAp UFRJ)Thais Siqueira Lima (UFRJ)

A seguinte comunicação tem como intuito apresentar um relato de experi-ência de trabalho desenvolvido com a poesia de Manoel de Barros em tur-mas de 7º ano no Colégio de Aplicação da UFRJ em diálogo com a formação docente inicial. A proposta de se trabalhar o gênero poesia defronta-nos com um triplo desafio: inicialmente, considerando as dificuldades na for-mação do jovem leitor de poesia no Ensino Básico, processo que o abre para o universo da leitura da palavra pela abstração. O segundo desafio consiste na superação de abordagens didático-metodológicas aplicadas no ensino formal de literatura que pouco contribuem para uma efetiva mediação da leitura do texto poético visando à formação do leitor de poesia (Cf. GE-RALDI, 2011; Cf. REZENDE, 2013). Por fim, o terceiro desafio é marcado por uma especificidade do professor do CAp UFRJ, campo de estágio voltado para a formação docente inicial: na mediação das práticas aplicadas pelos licenciandos visando, para além da formação dos alunos-leitores, à sua pró-pria formação como leitores e mediadores do texto literário, em especial o texto poético. Problematizados esses pontos, apresentam-se os resultados do trabalho de mediação desenvolvido por uma licencianda em Letras com a leitura paradidática adotada para o 3º trimestre de 2016, o livro de poesia Menino do mato (2015), de Manoel de Barros. Uma vez expostas as estraté-gias inovadoras de mediação desenvolvidas sob a orientação do professor regente e da professora de prática de ensino que culminaram em sua bem sucedida regência de aula, abrimo-nos ao debate com o coletivo para refle-tirmos sobre a necessidade de se colocar em prática novas formas de media-ção de leituras para a formação do leitor do texto literário.

Palavras-chave formação do leitor de poesia; formação docente inicial; ensi-no de literatura.

COMPARTILHAR, RESISTIR: UMA RODA DE LEITURA

CONTRA A VIOLêNCIA DE GêNERO NA ESCOLA

Mariana Quadros (Colégio Pedro II)

Múltiplas variáveis concorrem nas concepções de leitor e de leitura. A mais comum nos discursos acerca da importância da formação de leitores na es-cola diz respeito às capacidades de interpretação, que abrangem desde a simples decodificação e paráfrase dos textos até a análise e a crítica do que é lido. A especificidade do texto literário demandaria, segundo essa perspec-tiva mais ou menos generalizada, especial atenção à competência de análise dos diversos níveis do texto devido à ênfase no eixo linguístico-formal em obras valorizadas pelo cânone moderno. Outra importante capacidade de leitura fica, porém, recalcada em tais visadas da leitura literária: a “utiliza-ção” dos textos, a qual se refere, segundo Rouxel (2013), à “esfera privada” e à “pesquisa de uma significação para si”. Neste trabalho, buscamos com-preender de que forma a consideração da leitura subjetiva pode favorecer a formação de leitores pelas escolas. Para tanto, relataremos a experiência re-alizada com um círculo de leitura no campus Humaitá II, do Colégio Pedro II, parte da rede federal de ensino. Composto por alunas do ensino médio, o círculo privilegiou a leitura de autoras, problematizando o cânone nacio-nal, em que as vozes femininas são muitas vezes silenciadas (Cf. Schmidt, 2008). Além disso, favoreceu os debates acerca das identificações e das pro-jeções das jovens leitoras, cujas respostas pessoais aos textos foram sempre levadas em consideração. O resultado parece demonstrar que a leitura pes-soal é indispensável não só para o desenvolvimento do prazer e do hábito de ler, como pode favorecer interpretações aprofundadas das obras literárias.

Palavras-chave leitura literária; subjetividade leitora; cânone; gênero.

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CINEMA E LITERATURA: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Margareth Andrade Morais (IFRJ)Erica Sousa de Almeida (IFRJ)Rafael Guimarães Nogueira (IFRJ)

Partindo do pressuposto de que ler o mundo é, fundamentalmente, compre-

ender os variados discursos que o compõem, compreende-se que o cinema nos

permite reinterpretar e transformar a realidade. Nessa perspectiva, a partir da

multiplicidade da arte cinematográfica, pensou-se, dentro do IFRJ, uma pro-

posta de trabalho que realizasse análises comparativas entre filmes e obras

literárias. Discutiram-se produções que contribuíram para a formação acadê-

mica da comunidade escolar no que se refere a pontos convergentes e divergen-

tes entre o cinema e a literatura. Dentre os objetivos centrais deste trabalho,

destacam-se, principalmente: ampliar o conhecimento das relações humanas,

históricas e sociais e, paralelamente, demonstrar como os recursos literários

são recriados pela sétima arte. Em outras palavras, interessa saber, por exem-

plo, como, em produções de grande representatividade social, se comportam o

narrador e as personagens e de que forma se utilizam diferentes estratégias de

recriação do real. Quanto à metodologia de trabalho, cumpre salientar, pri-

meiramente, que foram selecionados conceitos literários centrais, como a pers-

pectiva do narrador, a construção das personagens, o fio condutor da narrativa.

Além disso, como critério para a seleção dos filmes, foram observados não só o

interesse do público jovem e jovem-adulto por determinados temas, mas tam-

bém os conteúdos trabalhados nas aulas de literatura do Ensino Médio, Técni-

co e Tecnológico. Buscou-se, através das exibições dos filmes, investigar a sua

relação temática com estéticas literárias do final do século XIX, e sobretudo, os

recursos de transposição do texto literário para a linguagem cinematográfica

– considerando as atualizações nesse processo. Logo, por meio deste trabalho,

foi possível ampliar o acesso a produções literárias e cinematográficas, possibi-

litando o desenvolvimento crítico e cultural, na tentativa de que a comunidade

escolar - inclui-se aqui alunos, docentes e técnicos - pudesse correlacionar essas

formas de arte à sua realidade social.

Palavras-chave cinema; obras literárias; interdisciplinaridade.

COMUNICAÇÕES | GRUPO 230 DE JUNHO DE 2016

HORÁRIO: 14H30 àS 16H

BLoCo C

MEDIAÇãO PROf.ª MARIA CECÍLIA SOUSA

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O MODERNISMO EM (ANTI)MOVIMENTOS:

ANTROPOfAGIA, TROPICÁLIA E TRIBALISMO

Márcio Vinícius do Rosário Hilário (Colégio Pedro II)

Tradicionalmente alocada na última série do derradeiro ciclo da Educação Básica nos currículos escolares, a Semana de Arte Moderna e seus des-dobramentos parecem continuar incompreendidos pela maior parte dos brasileiros, tal qual em 1922. Preso à perspectiva diacrônica dos chama-dos estilos de época, o trabalho com Literatura Brasileira no Ensino Médio muitas vezes se limita ao acúmulo informações, justapostas numa progres-são contínua de datas para a memorização de nomes e características apa-rentemente desconexas. Diante dos percalços do calendário escolar e da dificuldade em cumprir o programa, os conteúdos vão se acumulando ao longo da trajetória e, entulhados no último ano, acabam, quando muito, sendo vistos a toque de caixa. Por conseguinte, tudo parece estar preso a um passado distante e não se consegue perceber a atualidade dos concei-tos e das formas preconizadas por aquele movimento. Sendo assim, para o jovem de hoje – fruto de era digital –, o quase centenário Modernismo está tão morto quanto os outros tantos ininteligíveis estilos e princípios estéti-cos anteriores a ele. O relato de experiência que apresentaremos, portanto, nasceu da tentativa de estabelecer as conexões necessárias para que os alu-nos percebessem a vivacidade daqueles ideais modernistas na atualidade, mais especificamente na MPB. As influências do “Manifesto Antropófago” (1928), de Oswald de Andrade, no projeto que culminou no lançamento do álbum Tropicália ou Panis et Circencis (1968) foram devidamente expli-citadas por Caetano Veloso (1997). A partir daí, não foi difícil perceber as marcas desses dois no anti-movimento dos Tribalistas (2002). Divididos em dois grupos, os alunos produziram vídeos-documentários que alcançaram conexões para além daquelas prescritas: a deles com a literatura e com a música; a deles entre si.

Palavras-chave modernismo; antropofagia; tropicália; tribalistas.

LIMA BARRETO E A CONTEMPORANEIDADE:

DIÁLOGOS EM SALA DE AULA

Marta Rodrigues (Colégio Pedro II/NUPELL)

Muito se discute a respeito da função da leitura de textos literários no con-texto escolar, tanto como forma de humanização quanto como formação de repertório cultural. Esse processo se reveste, muitas vezes, de uma série de percalços. Algumas das razões de afastamento do leitor/aluno diz respei-to, por exemplo, à diversidade linguística, à descontextualização, à falta de identificação com o conteúdo narrado. No entanto, efetuando uma contex-tualização adequada e conseguindo fazer da leitura uma reflexão sobre o mundo atual e suas demandas, o afastamento se transforma em aproxima-ção, e a leitura ecoa não só como algo obrigatório, mas também como possi-bilidade de construção crítica da realidade. Constatei esse fato ao longo dos anos, especialmente ao trabalhar com o Ensino Médio, quando efetivamen-te os clássicos se tornam “leituras obrigatórias”. Ao trabalhar com o roman-ce “Recordações do escrivão Isaías Caminha”, do escritor pré-modernista Lima Barreto, em turmas de 3ª série do Ensino Médio, do Colégio Pedro II, a partir da influência do jornal na construção das verdades sociais no ro-mance, e de sua forte influência para a remodelação da linguagem literária, em comparação à influência midiática nos dias de hoje, essa aproximação se tornou evidente. O trabalho em questão é, desse modo, uma reflexão a respeito dessa leitura, desenvolvida em sala de aula, enfatizando as seme-lhanças e as diferenças lexicais, e a atualidade da linguagem utilizada por Lima Barreto, que lhe conferiu um viés contemporâneo.

Palavras-chave lima barreto; linguagem; jornalismo; ensino.

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fEIRA MEDIEVAL: UM PROJETO TRANSDISCIPLINAR

fAVORECENDO O ENSINO DE LITERATURA

Jorge Marques (Colégio Pedro II)

Dentro de um currículo no qual o ensino de Literatura ainda é estruturado sob o viés da historicidade, a 1ª série costuma ser vista como o “patinho feio” do Ensino Médio. Via de regra, seu conteúdo é considerado árido e distanciado dos adolescentes que, em média, com seus 14-15 anos de idade, efetivamente, parecem pouco afeitos a ler novelas de cavalaria ou estudar cantigas de amor e de amigo. Esta comunicação pretende relatar a experiên-cia da Feira Medieval como um bem-sucedido projeto de cunho transdisci-plinar, estruturado a partir de recursos cênicos produzidos artesanalmente pelos próprios alunos. A Feira Medieval transforma (transtorna?) a escola, esse espaço ainda encastelado em si próprio, e a torna permeável à criativi-dade do improviso e da imaginação, os quais, algo paradoxalmente, possi-bilitam aos alunos retomarem hábitos milenares. Nesse sentido, a ativação dos conhecimentos relativos à História do Cotidiano e das Mentalidades mostra-se absolutamente indispensáveis. O projeto caminha ainda lado a lado com a disciplina de Biologia, na medida em que os singulares hábitos de higiene e de alimentação do Medievo são resgatados, e tem ainda a seu favor o privilégio de contar com a colaboração dos conhecimentos advin-dos dos saberes filosóficos circundantes na época. Transformar um estudo de Literatura em um estudo de mentalidades é o principal resultado que a Feira Medieval pode trazer para o conhecimento do aluno, ampliando sua vivência, sedimentando sua formação e, principalmente, proporcionando uma construção holística do saber. Sejamos reis, cavaleiros, damas, servos, bruxas, comerciantes!

Palavras-chave ensino de literatura; idade média; transdisciplinaridade.

COMUNICAÇÕES | GRUPO 330 DE JUNHO DE 2016

HORÁRIO: 16H àS 17H30

BLoCo C

MEDIAÇãO PROf.ª JéSSICA DO NASCIMENTO RODRIGUES

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POR qUE MEUS ALUNOS ACREDITAM qUE ELES NãO

SãO CAPAzES DE APRENDER INGLêS NA ESCOLA?

Ana Claudia Leoni (PUC-RJ)

Apesar da vastidão de estudos existentes sobre a aprendizagem de línguas estrangeiras no Brasil, ainda há muito para ser investigado quando o assun-to é o ensino de Língua Inglesa voltado para escolas que abrigam alunos oriundos das classes minoritárias. Usando algumas estratégias recomenda-das pela Prática Exploratória, definida por seu precursor Allwright (2014) como uma maneira sustentável ilimitada para que professores e alunos desenvolvam entendimentos sobre aspectos da vida dentro da sala de aula enquanto engajados em atividades pedagógicas de rotina e acreditando em conceitos da Pedagogia Crítica, defendida por Educadores como Freire (2000, Apud CITOLIN, 2001), lutador por uma “escola em que se pensa, em que se atua, em que se cria, em que se fala, em que se ama, se adivinha, a escola que diz sim à vida”, a experiência aqui relatada tentará verificar algu-mas das razões pela qual alguns jovens pertencentes à classe social menos favorecida acreditam que não são capazes de aprender Inglês na escola. Esse relato de experiência revela algumas condições históricas, sociais e psico-lógicas que podem influenciar a vida acadêmica desses estudantes. Obser-vando a rotina escolar de tais alunos e analisando alguns pôsteres por eles produzidos, é possível inferir o quanto questões como - baixo autoestima, violência e identidade podem ser cruciais quando o assunto é o desenvolvi-mento acadêmico de um indivíduo. A experiência a ser relatada aconteceu numa ONG denominada Solar Meninos de Luz, local onde além de traba-lhar como Professora de Língua Inglesa de março até dezembro de 2016, eu consegui realizar um humilde projeto voluntário a fim de aplicar teorias da Prática Exploratória visando observar sua eficácia como possível caminho para uma Prática Pedagógica mais otimista quando o público alvo é for-mado por meninos e meninas que convivem diariamente com a pobreza e possível exclusão social na vida adulta futura.

Palavras-chave prática exploratória; pedagogia crítica; ensino de língua inglesa.

REfLEXãO LINGUÍSTICA: UMA PERSPECTIVA NECESSÁRIA

PARA O ENSINO E A APRENDIzAGEM DE LÍNGUA PORTUGUESA

Anderson Ulisses Nascimento (Colégio Pedro II)

Este trabalho pretende apontar rumos e exemplos concretos em uma pers-pectiva de ensino e de aprendizagem verdadeiramente reflexivos de Língua Portuguesa. Hoje, o ensino e a aprendizagem de Língua Portuguesa tran-sitam entre dois grandes polos. Por um lado, a sombra sempre presente do “gramatiquismo”, profundamente difundida socialmente, palpável na visão de “certo” e “errado”, na postura midiática em relação ao uso linguístico, na tradição de tantas gramáticas escolares e compêndios afins. Na outra ponta, uma visão de Língua Portuguesa, como meramente instrumental, um conhecimento voltado tão somente ao letramento, sem caracterização de objeto de estudo, como se vê, claramente, em tantas secretarias muni-cipais e estaduais de Educação e no próprio Enem, símbolo máximo de tal perspectiva. Em meio a isso, é que surge esta proposição de uma abordagem reflexiva para o estudo de Língua Portuguesa. Tal perspectiva é tantas vezes citada e pouco concretizada. Aqui, a intenção é justamente apontar prin-cípios, procedimentos e exemplário concreto do que seria, enfim, a adoção de uma ótica reflexiva para se lidar com a nossa língua em sala de aula. Tal proposta surge tanto da vivência efetiva em salas de aula quanto de contato teórico com visões que apontam possibilidades de estudo e análise do fun-cionamento da língua em si. Nessa perspectiva reflexiva, são pontos rele-vantes: a variação/mudança linguística, a interação com a língua padrão, a instauração de uma perspectiva científica para a abordagem da língua.

Palavras-chave reflexão linguística; ensino de língua portuguesa; aprendiza-gem de língua portuguesa; variação linguística.

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PROJETO DE DIzER E PROJETO DE AUTORIA

NA PRODUÇãO TEXTUAL ESCOLAR

Felipe de Andrade Constancio (UERJ)

A experiência do vestibular e as práticas de engessamento de produção textual mostram-nos o quão prejudiciais tornam-se as relações com a(s) textualidade(s), na medida em que se apagam os respectivos projetos de dizer (não existe planejamento na produção textual escolar) e de autoria (os textos da escola básica anulam a relação enunciado-enunciador-enun-ciação). Considerando a produção textual pelo viés de um continuum, este trabalho explora a prática de redação a partir da perspectiva de um processo em construção (ANTUNES, 2003), o que implica dizer que, do rascunho à versão final, os textos materializados em gêneros caminham sempre em direção à sua progressão temática e à sua teia de relações significativas. Na perspectiva do continuum e do processo, temos trabalhado, recentemen-te, com aparato teórico-prático da reescritura, entendida não como mera higienização textual mas como prática que enseja a retextualização e a re-flexão sobre os itens linguísticos (FARACO, 2014), a saber: predicação, co-nexão, referenciação e modalização. Para este trabalho, adotamos o aparato teórico-metodológico da gramática em perspectiva funcional, na medida em que essa teoria reivindica a noção de que os usos subjazem o sistema que organiza a linguagem (NEVES, 2013). Para o funcionalismo, a modalização implica, grosso modo, os níveis de comprometimento do enunciador com o seu enunciado, de modo a construir proteção de face, sobretudo, na escrita, já que esta é monitorada em sua essência. Cotejamos, neste trabalho, uma carta de leitor de um aluno do Colégio Pedro II e a sua respectiva reescrita.

Palavras-chave textualidade; reescritura; modalização.

ENSINO E VARIAÇãO: UMA EXPERIêNCIA DIDÁTICA

SEGUNDO A CONCEPÇãO DE GRAMÁTICA EM TRêS EIXOS

Luiz Felipe da Silva Durval (UFRJ)

Este trabalho, que se insere no Projeto Gramática, variação e ensino: diag-nose e propostas pedagógicas, tem como objetivos: (i) aplicar, a título ex-perimental, uma sequência didática que permita propor uma abordagem eficiente de temas morfossintáticos e de fenômenos variáveis da língua para as práticas cotidianas em sala de aula e; (ii) analisar os resultados de expe-riências, em sala de aula, com atividades de leitura e produção de textos, de diferentes gêneros das modalidades oral e escrita, para se pensar a gra-mática. Quanto à sequência didática, a atividade preliminar que se experi-mentou em intervenção na aula de Língua Portuguesa da Escola Municipal Thomé de Souza, no Rio de Janeiro, pautou-se na concepção de ensino de gramática em três eixos, conforme Vieira (2015), quais sejam: (i) abordagem reflexiva da gramática por meio de atividades linguísticas, epilinguísticas e metalinguísticas (FRANCHI, 2006); (ii) manifestação de regras variáveis, de acordo com os pressupostos da Teoria da Variação e Mudança (WEINREI-CH, LABOV, HERZOG, 1968); e (iii) matéria para a produção de sentidos no texto. A partir de textos, abordou-se de forma reflexiva a gramática, abrindo espaço, ainda, para a discussão acerca das variedades usadas pelos alunos e as não dominadas por eles, até chegarmos, no momento oportuno, à sis-tematização do conteúdo gramatical. A aplicação de sequências didáticas permitirá testar a hipótese de que a reflexão sobre temas gramaticais e o contato com a variação linguística nas aulas, integrados às atividades textu-ais, sempre que possível, permite cumprir melhor os objetivos do ensino de Língua Portuguesa, como os de ampliar a competência nas áreas de leitura e produção de textos escrito e falado. Acredita-se que a tentativa de articular os três eixos da gramática, já referidos, possa colaborar para tornar o ensino de gramática mais dinâmico, produtivo e próximo da realidade do aluno.

Palavras-chave ensino; variação; gramática; sociolinguística.

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TRABALHOS COMPLETOS

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EXPERIêNCIAS E CONTRIBUIÇÕES DO PROJETO

“CINEMA E LITERATURA: DIÁLOGOS POSSÍVEIS”

NA fORMAÇãO ESTéTICA E CRÍTICA DE LEITORES

Erica Almeida1

Margareth Morais2

Rafael Guimarães Nogueira3

RESUMO Este artigo tem por objetivo apresentar um relato de parte do tra-balho desenvolvido no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (campus Rio de Janeiro) a partir do o projeto de iniciação científica “Cinema e Literatura: diálogos possíveis”, coordenado pelos autores deste texto. Re-tomando, especificamente, as duas últimas apresentações do projeto, nas quais analisamos transposições de romances para o cinema, demonstrare-mos como a comparação entre obras literárias e cinematográficas pode se constituir em um meio eficaz de trabalhar a Literatura de um modo mais proveitoso para os discentes. Desse modo, verificaremos que o projeto pôde aproximar os alunos das características do discurso cinematográfico e, pa-ralelamente, servir como ponte para um caminho cada vez mais frutífero de produções de sentido e ressignificações da (e na) arte literária.

Palavras-chave cinema; literatura; interdisciplinaridade.

INTRODUÇãO

1 Professora Dra. em Língua Portuguesa (Sociolinguística, UFRJ) do IFRJ (campus Rio de Janeiro). Email: [email protected]. 2 Professora Mestre em Língua Portuguesa do IFRJ (campus Rio de Janeiro) e doutoranda em Língua Portuguesa (Linguística Textual, UFRJ). Email: [email protected]. 3 Professor Mestre em Língua Portuguesa do IFRJ (campus Rio de Janeiro) e doutorando em Língua Portuguesa (Semiolinguística, UFF). Email: [email protected].

O projeto “Cinema e literatura: diálogos possíveis”, iniciado no ano de 2015, foi pensado com objetivo de tornar o espaço escolar um lugar de ampla dis-cussão, um lugar dinâmico que permita o aluno trocar experiências e se tornar um cidadão mais engajado nas questões do mundo. O projeto é co-ordenado por três professores e conta com o auxílio de duas alunas bolsistas dos cursos técnicos de nível médio do IFRJ.

Nesse sentido, a escolha do cinema para compor esse diálogo com a lite-ratura justifica-se por inúmeros fatores – dentre os quais, destacamos o fato de a cinematografia ser uma forma de entretenimento agradável e popular entre os discentes. O projeto visa trazer para o ambiente escolar, por meio de pesquisa e exposição, a reflexão sobre o cinema e sobre os aspectos temá-ticos a que ele se pode vincular, de modo a ampliar o repertório cultural dos discentes. Pretendemos, assim, facilitar o acesso a produções cinematográ-ficas que contribuam para a formação crítico-reflexiva dos educandos. Pa-ralelamente, objetivamos expandir o diálogo entre o currículo escolar como um todo e as questões socioculturais mais amplas.

Para fundamentar o trabalho e as pesquisas, adotamos como pressupos-tos teóricos básicos os conceitos de intertextualidade e dialogismo. Como partimos da comparação entre objetos semióticos distintos, torna-se um primeiro conceito chave da nossa pesquisa a intertextualidade, conforme delineada por Koch (2006). Dessa relação de (re)criação de sentidos através da relação entre textos, proposta básica do nosso trabalho, também sur-ge a necessidade de trabalhar com o conceito de dialogismo proposto por Bakhtin (2006). Entendemos que essas relações fundamentais entre as dife-rentes linguagens constituem os pilares do nosso trabalho. De todo modo, a cada filme e obra literária escolhidos são somados outros conceitos teóricos que possibilitem uma melhor análise das obras selecionadas, como poderá ser visto neste artigo.

A metodologia do projeto consiste na seleção de conceitos literários cen-trais, como a perspectiva do narrador, a construção das personagens, o fio condutor da narrativa. Além disso, como critério para a seleção dos filmes e das minisséries, foram observados não só o interesse do público jovem e jovem-adulto por determinados temas mas também os conteúdos traba-

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lhados nas aulas de literatura do Ensino Médio, Técnico e Tecnológico. Após essas definições, o grupo de trabalho se reúne, discute as obras, acrescen-ta outros textos e/ou teorias, caso seja necessário, para análise das obras. Depois dessa etapa, selecionamos os aspectos seriam mais interessantes e produtivos a serem apresentados à comunidade escolar e, por fim, prepara-mos a exposição/debate das obras. As apresentações quase sempre ocorrem no auditório da escola, duram em torno de duas horas e são abertas a todos estudantes, professores e técnicos. Sempre que possível, tentamos correla-cionar com algum outro componente disciplinar, convidando professores de outras áreas para compor o debate.

Acreditamos que, dessa forma, estaremos promovendo, para além de dis-cussões teóricas sobre recursos estéticos, um debate e uma constante troca de ideias, contribuindo para aumentar o repertório cultural dos alunos.

PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

Como foi dito anteriormente, as atividades do projeto se fundamentam na análise e na comparação de obras literárias e cinematográficas; sendo as-sim, torna-se imprescindível discutir os textos a partir de sua perspectiva dialógica e intertextual. Vale ressaltar, no entanto, que não nos aprofun-daremos nessas questões teóricas. Entendemos que a teoria constitui um instrumento para iniciar as discussões do projeto; portanto, não é nosso objetivo aprofundá-la, visto que as ações do projeto, ainda que busquem atividades mais elaboradas conceitualmente, visam, em última instância, tornar a literatura e o cinema acessíveis, transpondo a barreira da sala de aula e de um discurso hermético.

O termo dialogismo foi cunhado por Bakhtin para demonstrar que todo discurso constitui-se perante o discurso de outrem e não sobre si mesmo. Nas palavras do filósofo russo, sempre encontramos a voz do outro, pois é “o outro” que nos define e nos completa. Cada enunciado é pleno de ecos e ressonâncias de outros enunciados com os quais está ligado pela identidade da esfera de comunicação discursiva. Logo, todo enunciado deve ser visto como uma resposta aos enunciados precedentes de um determinado campo

(cf. BAKHTIN, 2006). Em outras palavras, à luz do dialogismo bakhtiniano, postula-se que:

Toda compreensão de um texto [...] implica [...] uma responsividade e, por conseguinte, um juízo de valor. O ouvinte ou leitor, ao receber e com-preender a significação linguística de um texto, adota, ao mesmo tempo, em relação a ele, uma atitude responsiva ativa: concorda ou discorda, total ou parcialmente; completa; adapta; etc. Toda compreensão é carre-gada de resposta. (FIORIN, 2006: 06).

Desse modo, o dialogismo é a característica do funcionamento discur-sivo em que se encontram presentes várias instâncias enunciadoras. É a presença destas várias instâncias que constitui a dimensão polifônica do discurso. Portanto, todo discurso dialoga com outro discurso, manifestan-do-se em enunciados reais e concretos.

O conceito de intertextualidade possui uma estreita relação com o de dialogismo proposto por Bakhtin, sendo, no entanto, mais específico. Isso porque, o dialogismo, em sentido amplo, considera não apenas a relação entre diferentes textos mas também o cruzamento de diferentes vozes que não remetem a um intertexto particular. Logo, a intertextualidade é um subconjunto do que se entende por dialogismo.

Koch (2006) assevera que a intertextualidade, em sentido amplo, é uma condição necessária para a existência de qualquer discurso. Assim, a autora assume o ponto de vista de que o texto é perpassado por diferentes vozes so-ciais, que se confrontam a partir de relações intertextuais de convergências e dissonâncias que constroem a argumentação do discurso, mantendo uma relação de semelhança com o pensamento de Ducrot (1987) de que a lingua-gem é, em sua essência, argumentativa. Essa prerrogativa da linguagem é de suma importância no exame dos textos literários e cinematográficos, pois o interessante é observar a os sentidos que podem ser inferidos a partir da relação intertextual entre as obras.

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O PROJETO EM AÇãO

Considerando a versatilidade e as especificidades do cinema, no primeiro ano deste projeto, 2015/2016, analisamos as seguintes obras: (i) Relatos Sel-vagens, de Damián Szifron; (ii) La Jetée (A plataforma), de Chris Marker; (iii) Capitães da Areia, de Cecília Amado; e (iv) Capitu, minissérie produzi-da pela Rede Globo, dirigida por Luiz Fernando Carvalho.

Em uma abordagem interdisciplinar, o debate acerca do primeiro filme focalizou a sua relação temática com estéticas literárias do final do século XIX (em especial, o Realismo e o Naturalismo). No curta A plataforma, ob-servamos a construção do narrador por expressivas estratégias imagéticas. Por fim, a análise da adaptação dos romances de Jorge Amado e de Machado de Assis investigou, sobretudo, os recursos de transposição do texto literá-rio para a linguagem cinematográfica – considerando as atualizações nesse processo.

A seguir, apresentamos, brevemente, a dinâmica de duas sessões realiza-das pelo projeto, a saber: os debates sobre o filme Capitães da Areia e sobre a minissérie Capitu.

IMAGENS DOS CAPITãES DA AREIA

A adaptação de uma obra literária para o cinema não se encerra ou se esgota na transposição de um para outro meio; representa um processo permanen-te e extremamente dinâmico, que permite uma infinidade de inferências, referências, ajustes, adequações, para moldar as (re)interpretações e postu-lar a observância de significados desejados.

Partindo desse pressuposto, na comparação entre o romance Capitães da Areia e sua adaptação para o cinema, focalizamos, quanto aos aspectos temáticos, os pontos de vista semelhantes ou divergentes acerca dos perso-nagens centrais da trama e, quanto aos aspectos formais, os distintos recur-sos linguístico-discursivos por meio dos quais cada obra veicula efeitos de sentidos para a construção de um simulacro de realidade.

Desse modo, observamos, incialmente, que o romance apresenta uma

narrativa construída a partir de memórias, recurso comum na segunda fase do Modernismo. As ações são descritas por meio da evocação dessas me-mórias, como se não houvesse um enredo baseado nas relações de causa--consequência. Consequentemente:

O narrador que finge múltiplas vozes ou que realiza a mimesis de várias atitudes nada tem de volúvel. Pelo contrário, cumpre a sublime função dramática de legítimo mediador dos sentidos culturalmente consentidos pelos diversos estratos sociais da comunidade histórica. (SOUZA, 2005).

Nesse sentido, investigando como, no livro, essas diferentes vozes sociais caracterizam o grupo dos Capitães da Areia, destacamos dois fragmentos: a reportagem fictícia que abre o romance, publicada no Jornal da Tarde, na página de Fatos Policiais; e a carta do Padre José Pedro à Redação desse jor-nal. Tal escolha foi motivada pelo fato de, já em uma análise inicial, termos observado que esses textos evidenciam, num movimento explicitamente dialógico, uma disputa de ideologias: o primeiro faz ecoar a voz da socie-dade baiana, que repudia os meninos marginalizados; o segundo apresenta um olhar de compaixão para com esses jovens.

Quanto aos mecanismos linguísticos utilizados em cada texto, detive-mo-nos ao uso dos mecanismos de referenciação. Koch, Morato & Bentes (2005), sob a perspectiva teórica da Linguística Textual, ao descreverem a multifuncionalidade das estratégias de referenciação, destacam que as ca-deias correferenciais, além de contribuírem para a progressão referencial e a manutenção tópica, apontam categorizações sobre os objetos de discurso, as quais evidenciam a orientação argumentativa do enunciador. A referen-ciação é, pois, definida como um processo coesivo-argumentativo.

Na exploração linguístico-discursiva da reportagem, reproduzida abaixo, verificamos, portanto, que todas as expressões referentes ao grupo de me-ninos (marcadas em itálico) apresentam uma conotação negativa – como, evidenciam, por exemplo, os substantivos “malta”, “malandros” e “crimi-nosos” e as expressões adjetivas “que tão cedo se dedicaram à tenebrosa carreira do crime” e “tão jovens e já tão ousados”. Tais termos sublinham a

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ação maléfica dos Capitães sobre a sociedade baiana e, ao mesmo tempo, caracterizam-nos como pragas e seres malignos – o que pode ser observado pelo uso do verbo “infestam” (geralmente, utilizado para se referir a insetos, doenças ou vegetais daninhos) e pelo do sintagma “bando de demônios”.

Crianças ladronasAs aventuras sinistras dos “Capitães da Areia” - A cidade infestada por crianças que vivem do furto – urge uma providência do Juiz de Menores e do chefe de polícia – ontem houve mais um assalto

Já por várias vezes o nosso jornal, que é sem dúvida o órgão das mais legítimas aspirações da população baiana, tem trazido noticias sobre a atividade criminosa dos “Capitães da Areia”, nome pelo qual é conhecido o grupo de meninos assaltantes e ladrões que infestam a nossa urbe. Es-sas crianças que tão cedo se dedicaram à tenebrosa carreira do crime não têm moradia certa ou pelo menos a sua moradia ainda não foi localizada. Como também ainda não foi localizado o local onde escondem o produto dos seus assaltos, que se tornam diários, fazendo Jus a unia Imediata pro-vidência do Juiz de Menores e do dr. Chefe de Polícia. [...]

O assaltoNão tinham passado ainda cinco minutos quando o jardineiro Ramiro ouviu gritos assustados vindos do interior da residência. Eram gritos de pessoas terrivelmente assustadas. Armando-se de uma foice o jardineiro penetrou na casa e mal teve tempo de ver vários moleques que, como um bando de demônios na expressão curiosa de Ramiro, fugiam saltando as janelas, carregados com objetos de valor da sala de jantar. A empregada que havia gritado estava cuidando da senhora do comendador, que tivera um ligeiro desmaio em virtude do susto que passara. O Jardineiro dirigiu--se às pressas para o jardim, onde teve lugar a luta. [...]

Urge uma providência Os moradores do aristocrático bairro estão alarmados e receosos de que os assaltos se sucedam, pois este não é o primeiro levado a efeito pelos “Capitães da Areia”. Urge uma providência que traga para semelhantes malandros um justo castigo e o sossego para as nossas mais distintas fa-

mílias. Esperamos que o ilustre chefe de polícia e o não menos ilustre doutor Juiz de Menores saberão tomar as devidas providências contra esses criminosos tão jovens e já tão ousados.(Reportagem publicada no Jornal da Tarde, na página de Fatos Policiais, com um clichê da casa do comendador e um deste no momento em que era condecorado.)

Tais expressões referenciais possuem, portanto, uma evidente função preditiva e argumentativa: dentre uma multiplicidade de formas para ca-racterizar o grupo dos Capitães, a seleção lexical feita pelo jornal aponta a avaliação que reflete “as mais legítimas aspirações da população baiana”. Se, na utilização de formas simbólicas, como as expressões linguísticas, mani-pulamos a percepção do real, construindo, sociocognitivamente, os objetos de discurso, verificamos que o uso das formas nominais destacadas acima atribui traços específicos ao objeto de discurso “Capitães da Areia”, cujas marcas mais relevantes são, sob o ponto de vista do jornal, a “vilania” e a “nocividade”. Na obra cinematográfica, a mesma imagem acerca dos Capitães é veiculada, principalmente, a partir das falas dos personagens que represen-tam instituições sociais responsáveis por garantir a ordem pública: um guar-da e o diretor do reformatório, cujos discursos comentamos a seguir.

Nesta primeira cena, o guarda – ao observar uma conversa entre alguns membros dos Capitães da Areia e um senhor que lhes oferecia ajuda – sus-peita que os meninos estão prestes a praticar um roubo e, por isso, corre até o senhor advertindo-o: “Mas, se eu não chego, tinha dado o bote. O doutor

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precisa abrir o olho, que, às vezes, parece que é criança, mas não é não.”. Como um representante da segurança pública, o militar reforça a ideia de que o grupo de meninos representa uma ameaça para a sociedade baiana e, para isso, os destitui da sua infância.

De forma semelhante, nesta segunda cena, em que Pedro Bala é levado para o reformatório, a fala intimidadora do diretor “Eu gosto assim: de fa-lar no olho para ver como você se ajeita. [...] Se bem que não adianta ficar de preocupação, porque gente ruim como você nasce ruim e morre ruim. Às vezes, é melhor ter morrido.” explicita, numa perspectiva determinista, sua descrença na possível correção do infrator. Desse modo, não só o líder dos Capitães como também todos os marginalizados representados por esse personagem são caracterizados como algo a ser banido da sociedade – como também sugerem as expressões referenciais metafóricas presentes na repor-tagem analisada acima.

tonimicamente, o traço de martirizados aos meninos e, simultaneamente, releva a compaixão do padre para com eles.

Sr. Redator do Jornal da Tarde. Saudações em Cristo.

[...] As crianças no aludido reformatório são tratadas como feras, essa é a verdade. Esqueceram a lição do suave Mestre, sr. Redator, e em vez de conquistarem as crianças com bons tratos, fazem-nas mais revoltadas ainda com espancamentos seguidos e castigos físicos verdadeiramente desumanos. Eu tenho ido lá levar às crianças o consolo da religião e as encontro pouco dispostas a aceitá-lo devido naturalmente ao ódio que estão acumulando naqueles jovens corações tão dignos de piedade. O que tenho visto, sr. Redator, daria um volume.

Muito grato pela atenção.

Servo em Cristo, Padre José Pedro(Carta publicada na terceira página do Jornal da Tarde, sob o título Será Verdade?)

Já no filme, destacamos a cena em que o personagem Sem Pernas, longe do grupo e num momento de profunda tristeza, refugia-se num bar. Ou-vindo a canção “É proibido sonhar / Então, me deixa o direito de sambar”, o menino projeta-se num carrossel. Em sua fantasia, o jovem, com roupas sofisticadas, acena, alegremente, para possíveis pais adotivos, os quais re-tribuem com acenos e sorrisos. Desse modo, embora se destaquem, ao lon-go da narrativa, os crimes praticados pelos meninos, eles também ganham uma perspectiva humanizada, tal como no livro. Como em outras cenas em que se veem os meninos correndo pela cidade, brincando e jogando capo-eira, nesta evidencia-se o fato de Sem Pernas, assim como muitos outros meninos do grupo, desejar, sobretudo, sentir-se acolhido por uma família e, nela, viver a inocência de sua infância.

Buscando sistematizar nossa análise, verificamos, portanto, que, do pon-to de vista temático, o filme, com menos personagens e com uma narrativa mais enxuta, recupera as questões sociais abordadas no livro, denunciando

Opondo-se à imagem essencialmente negativa acerca dos Capitães, eleva-se, no romance, a voz da Igreja, que, pela Carta do Padre José Pedro à Redação do Jornal da Tarde, apresenta uma denúncia social. No trecho abaixo, verificamos que – além da posição de vítima/alvo de ações negativas (como evidenciam as funções sintáticas das expressões que se referem aos menores: “sujeito” da voz passiva analítica estruturada pela locução “são tratadas como feras” e “objeto direto” da expressão “fazer revoltadas”) – a forma referencial “aqueles jovens corações dignos de piedade” atribui, me-

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o processo de marginalização de menores, ocorrido durante a primeira me-tade do século XX: com forte apelo emocional, tanto o livro quanto o filme apontam uma humanização das crianças.

Do ponto de vista formal, no entanto, observamos o uso de diferentes recursos linguístico-discursivos. No romance, as diferentes vozes se expres-sam em gêneros textuais distintos, como a reportagem e a carta analisadas, nas quais as imagens dos Capitães são construídas, sobretudo, pelas formas de referenciação. No filme, ao contrário, os diferentes discursos sobre os Capitães são explicitados a partir dos papeis sociais exercidos pelos perso-nagens (“defensor da segurança pública”, no caso do guarda e do diretor do reformatório, e “propagador dos ensinamentos cristãos”, no caso do padre, por exemplo), e a inocência dos meninos é construída a partir das cenas que os apresentam como crianças ingênuas e/ou vitimadas.

A MINISSéRIE CAPITU E O CLÁSSICO MACHADIANO DOM CASMURRO

Outra atividade do projeto consistiu na exibição de dois capítulos da mi-nissérie Capitu. A obra, uma releitura da obra Dom Casmurro de Machado de Assis, foi exibida pela rede Globo no ano de 2008 e dirigida por Luís Fernando Carvalho. A minissérie dividiu-se em quatro capítulos que englo-bavam as divisões contidas no livro de Machado de Assis. Em cada capítulo, apresentavam-se os capítulos do livro, mantendo o título e a ordem, com exceção de alguns capítulos que foram cortados.

Nesta exibição, verificamos se a transposição de Dom Casmurro para Ca-pitu manteve os estados de consciência díspares e o registro das sensações de Bentinho/Dom Casmurro. É sabido, conforme nos explica Bosi (2006: 180), que, em Machado, fica demonstrado que “o estatuto da personagem na ficção não depende, para sustentar-se, da sua fixidez psicológica, nem da sua conversão em tipo, já que Machado era mestre em veicular, de modo exemplar, algo que está aquém da persona: o contínuo da psique humana”. Investigamos, assim, como Luiz Fernando Carvalho conseguiu obter efeitos aproximados a partir de uma adaptação para a televisão buscando imprimir a dúvida e os questionamentos existenciais dos personagens – o que, possi-velmente, suscitou no telespectador a percepção de seus dinâmicos estados de consciência.

Para tanto, partimos da concepção de dialogismo para discutir como o personagem Bentinho tem a sua personalidade moldada por outras duas personagens centrais no livro, D. Glória e Capitu. Escolhemos o segundo capítulo da minissérie para demonstrar como as questões, os conflitos e as ações de Bentinho acontecem em resposta aos ecos das mulheres que o cer-cam, sua mãe e sua namorada – como podemos ver na figura abaixo, em que sintetizamos essas relações dialógicas:

O segundo capítulo da minissérie, intitulado Olhos de ressaca, corres-ponde aos seguintes capítulos do livro: Olhos de ressaca, O penteado e Sou

CAPITU DOM CASMURRO

Narrador

D. Glória Bentinho Capitu

Matriarcatradicional do séc. XIX

ObedienteDependente

Inocente

DecididaIndependentePersonalidade

Cativante

“Sou a partir do diálogo que estabeleço com o outro.” (cf. FIORIN, 2005)

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homem. Além dos conflitos por quais passam Bentinho e Capitu, nestes trechos está evidenciado o contexto de sua ida para o seminário e todo o seu sofrimento por afastar-se de Capitu.

Também nos debruçamos sobre o capítulo Olhos de ressaca. A famosa metáfora, emblemática no livro, mereceu destaque na minissérie e, ainda que de modo breve, procuramos ressaltar para os alunos os recursos cine-matográficos que compuseram a cena na televisão. O mais interessante foi a técnica do close up, que consiste em enquadrar o plano enquadrado de uma maneira muito próxima do assunto. Por meio desse recurso, a figura humana é enquadrada do ombro para cima, mostrando apenas o rosto da atriz e, com isso, não só o cenário é praticamente eliminado como também as expressões se tornam mais nítidas para o telespectador.

As duas primeiras falas do narrador no capítulo XXXII do romance fo-ram substituídas por imagens e ações dos personagens. Muitas das falas do narrador são resumidas em imagens, a exemplo da descrição dos olhos de Capitu por Dom Casmurro. O diretor deu atenção especial aos olhos, cujos movimentos aparecem em primeiro plano. Ele conseguiu, pois, buscar a expressão desses olhos com a técnica do close up, mostrando todo mistério e o poder enérgico de Capitu. O rosto duplica-se em duas imagens, depois em três, rodopiando e deixando Bentinho tão tonto que, para não ser arras-tado e tragado, agarra-se aos cabelos de Capitu, com o pretexto de penteá--los – como sugere a imagem abaixo:

Na cena do beijo, também a fala do narrador é quase toda substituída pela cena e há mais imagens do que falas. Na verdade, o narrador fala bem

pouco. A vertigem de Bentinho é demonstrada pelo jogo de reflexo no es-pelho e luzes. A importância do beijo é demonstrada pelo entusiasmo de Bentinho, que diz ser homem três vezes, isso para resumir a ideia central do capítulo XXXIV: ele se descobrir homem e a experiência inesquecível do beijo, já que outras experiências não o deslumbraram tanto. A imagem abai-xo sugere apenas o início da cena, cujo efeito provocado pelo jogo de luzes não poderia aqui ser reproduzido.

A partir da relação intertextual entre as obras, avaliamos, ainda, como se deu a construção do narrador na minissérie, pois esse aspecto chama bas-

tante atenção na obra de Luis Fernando Carvalho. No livro, a independência entre o narrador Dom Casmurro e o personagem Bentinho é encoberta atra-vés da projeção conjunta no espaço da narração e da falsa aproximação entre ambos. Já na minissérie, essa distinção é clara, uma vez que foram emprega-dos alguns recursos para separação dessas vozes. O narrador Dom Casmurro é maquiado com uma pintura de traços fortes do bigode e ao redor dos olhos, veste roupas escuras e assiste ao desenrolar das cenas por trás do cenário ou em uma posição que não se encaixa dentro da cena, mostrando, visualmente, como as ações vistas são descritas a partir da sua perspectiva.

No romance Dom Casmurro, o narrador utiliza a primeira pessoa e fala de si mesmo. Além disso, podemos dizer que é um narrador intruso, pois ele faz comentários sobre a vida, os costumes, os caracteres, a moral, que podem ou não estar entrosados com a história narrada, e procura fazer li-

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gações entre diferentes momentos do livro, falando diretamente aos leito-res. Em Capitu, mantém-se esse mesmo narrador, só que materializado por meio de um personagem:

Cabe ressaltar que abordamos as questões dialógicas e intertextuais, não para afirmar que a minissérie confirma ou não o que está no livro, mas sim para mostrar a ressignificação dos sentidos estabelecida por esse diálogo. Analisamos, principalmente, a construção do narrador e do personagem Bentinho. Além disso, mesmo que de forma bem genérica, também pon-tuamos recursos cinematográficos presentes na minissérie. Embora tanto o livro como a minissérie sejam materiais muito ricos, por questões meto-dológicas e estruturais, como o tempo, por exemplo, concentramos nossa apresentação somente nesses tópicos.

CONSIDERAÇÕES fINAIS

Por meio do desenvolvimento desse projeto, foi possível ampliar o acesso a produções literárias e cinematográficas, possibilitando o desenvolvimento crítico e cultural, na tentativa de que o educando pudesse correlacionar es-sas formas de arte à sua realidade social.

Enfrentamos dificuldades que limitaram a execução do projeto, a saber: a locação do auditório, a disponibilidade dos recursos audiovisuais, a falta

de espaço para reuniões periódicas da equipe e a restrição para aquisição – com a verba do PRÓCIÊNCIA – de bens, como projetores, computadores, caixas de som para exibição dos filmes. Comprovamos, todavia, a poten-cialidade do projeto, a partir, sobretudo, da adesão da comunidade e dos resultados obtidos.

Destacamos a relevância de, por meio deste projeto, despertar, nos alu-nos, o interesse para os códigos e as tecnologias da linguagem audiovisual – o que poder suscitar a emergência de novas pesquisas no âmbito escolar e acadêmico.

Com este trabalho, pudemos promover o debate e a participação da comunidade escolar, levando o grupo de alunos a refletir sobre os filmes apresentados. Acreditamos, assim, que trabalhar na interface cinema--literatura-outra área do conhecimento pode levar os alunos a produzir textos mais reflexivos e argumentativos. E, paralelamente, a ampliação do repertório cultural dos educandos tornou o processo de ensino-aprendi-zagem mais produtivo, no que diz respeito às competências e habilidades linguístico-discursivas.

REfERêNCIAS

BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

BOSI, A. História concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix, 2006.

DUCROT, O. O dizer e o dito. Trad. Eduardo Guimarães. São Paulo: Pontes, 1987.

FIORIN, J. L.. Introdução ao pensamento de Bakhtin. São Paulo: Ática, 2006.

KOCH, I. O texto e a construção dos sentidos. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2006.

_____; MORATO, E. M. & BENTES, A. C. (Orgs.). Referenciação e discurso. São Paulo: Contexto, 2005.

SOUZA, R. M. O romance tragicômico. In: Colóquio de Literaturas da UERJ. Rio de Janeiro, 2005.

Obras analisadas:

AMADO, J. Capitães da Areia. São Paulo. Companhia dos livros, 2002.

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ENTRECRUzANDO LINGUAGENS: MÚSICA E

LiTeRaTURa eM ConTa RaUL!1

Aline Gonçalves de Brito2

RESUMO O livro Conta Raul! consiste na reunião de contos produzidos por alunos da 1ª série do Ensino Médio, inspirando-se livremente em letras do cantor e compositor Raul Seixas.

Palavras-chave literatura; música; produção textual; intertextualidade.

O projeto Conta Raul! nasceu da experiência dos professores Aline Brito, Camila Brito e Jorge Marques com turmas de 1ª série do Ensino Médio do Colégio Pedro II, campus Engenho Novo II, no 1º trimestre de 2015. O traba-lho foi realizado em etapas distintas, cada uma delas visando ao desenvolvi-mento de uma competência específica no que concerne ao estudo da Língua Portuguesa. A leitura da coletânea de contos “Como se não houvesse ama-nhã” configurou o ponto de partida do processo, que teve sua culminância com a publicação do livro contendo a produção dos alunos.

A escolha da obra Como se não houvesse amanhã, organizada pelo escri-tor carioca Henrique Rodrigues, deveu-se ao fato de representar, de manei-ra bem-sucedida, a transposição da poesia das letras de músicas do grupo de rock brasiliense Legião Urbana para o gênero narrativo. Reunindo jovens autores que em comum apresentavam o desejo de escrever a partir de suas canções preferidas, o livro promove um passeio sentimental pela discogra-fia da banda, através de 20 contos baseados em grandes sucessos como “Pais e filhos”, “Eduardo e Mônica” e “Faroeste Caboclo”, por exemplo. Ao longo da leitura, torna-se evidente o caráter universalizante das letras, já que a te-mática e as reflexões suscitadas transcendem os limites espaço-temporais, ao abordar questões como o amor, a tristeza, a indignação social, as relações

1 Artigo completo referente a apresentação do pôster.2 Professora de Língua Portuguesa, Literatura e Produção Textual (Colégio Pedro II – campus Engenho Novo II), Mestre em Língua Portuguesa (UERJ), Especialista em Literatura Brasileira (UERJ), Bacharel em Letras – Português/Literaturas (UERJ). E-mail: [email protected].

ASSIS, M. de. Dom Casmurro. São Paulo. Companhia dos Livros, 2005.

CAPITÃES DA AREIA. Direção Cecília Amado. Brasil, 2011. 96min.

CAPITU.[Minissérie-vídeo]. Direção de Luiz Fernando Carvalho. Rio de Janeiro: TV

Globo, Projeto Quadrante, 2008-2009. 02 DVDs, 118 minutos e 112 minutos.

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interpessoais, entre outros. Na voz de Renato Russo, o verso “Temos nosso próprio tempo”, da canção “Tempo perdido”, aponta para a contemporanei-dade da poesia que inspirou tantos jovens nas décadas de 1980 e 1990, man-tendo sua força e atualidade até os dias atuais.

Em consonância com o filósofo italiano Giorgio Agamben, observa-se que o contemporâneo

(...) é aquele que, dividindo e interpolando o tempo, está à altura de transformá-lo e de colocá-lo em relação com os outros tempos, de nele ler de modo inédito a história, de “citá-la” segundo uma necessidade que não provém de maneira nenhuma de seu arbítrio, mas de uma exigência à qual ele não pode responder. (AGAMBEN, 2009)

Dessa forma, foi possível observar, no decorrer do projeto, a identifi-cação dos alunos tanto com as letras das músicas, quanto com os contos produzidos a partir delas, comprovando que o olhar do poeta contemporâ-neo reflete, concomitantemente, a adesão e a distância com relação a seu próprio tempo, imprimindo à obra um caráter intermitente de novidade. Cabe destacar, ainda, o papel relevante da arte como instrumento de sen-sibilização no ambiente escolar, levando em consideração que: “Uma mú-sica, um filme, uma pintura ou quaisquer outras manifestações artísticas são importantes não quando os descobrimos, mas quando, por meio deles, também nos redescobrimos.” (RODRIGUES, 2010)

Dando continuidade ao projeto, após ler os contos e ouvir as músicas que os inspiraram, os estudantes compararam ambos os textos, analisando suas diferenças e semelhanças, tanto no nível da forma quanto no conteúdo. Sa-lienta-se, portanto, que o projeto Conta Raul! apresenta-se em consonância com o que os Parâmetros Curriculares Nacionais propõem como diretrizes para o ensino de Linguagens, códigos e suas tecnologias, visto que o traba-lho realizado objetivou estabelecer diálogos não só entre diferentes tipos de linguagens, mas também entre gêneros textuais distintos.

Enfatizando que o trabalho com a linguagem verbal deve constituir o foco do professor de Língua Portuguesa, e que o texto é a unidade básica desse tipo de linguagem, os PCN esclarecem ainda que:

O aluno deve ser considerado como produtor de textos, aquele que pode ser entendido pelos textos que produz e que o constituem como ser hu-mano. O texto só existe na sociedade e é produto de uma história social e cultural, único em cada contexto, porque marca o diálogo entre os in-terlocutores que o produzem e entre os outros textos que o compõem. O homem visto como texto que constrói textos. (PCN, 2000)

Considerando o protagonismo do aluno e a importância do desenvol-vimento de sua competência como produtor de textos, a etapa seguinte do projeto “Conta Raul!” consistiu na escritura de contos baseados em letras em músicas. Para atender a tal finalidade, a escolha de letras de músicas do cantor e compositor baiano Raul Seixas se deveu não só ao caráter contem-porâneo de sua poesia, mas também pelo valor inquestionável de sua obra. Afinal, Raul foi/é um artista múltiplo, com um gênio criador que permitiu o rompimento com paradigmas estéticos, não se vinculando, desse modo, a nenhum movimento artístico, mas dialogando com alguns deles – seja rejeitando, seja incorporando criativamente seus elementos.

Profético, existencialista, debochado, melancólico, brega, romântico, pes-simista, visionário, provocativo – são muitas as facetas do Maluco Beleza Raul-zito. Do livro indiano sagrado Bhagavad-Gita ao ocultista britânico Aleister Crowley, de Elvis Presley a Luiz Gonzaga – diversas são as influências em sua obra, recheada de referências e plurissignificações, que desafiam a interpre-tação do público até os dias de hoje. Há quem identifique nas letras traços de satanismo, mensagens implícitas e até mesmo previsões apocalípticas. Es-peculações à parte, o fato é que, como diz a canção, Raul Seixas se apresenta como o “início, o fim e o meio”, localizando-se – assim como Renato Russo e as composições da Legião Urbana – na esfera da contemporaneidade. Assim:

Pertence verdadeiramente ao seu tempo, é verdadeiramente contempo-râneo, aquele que não coincide perfeitamente com este, nem está ade-quado às suas pretensões, e é, portanto, nesse sentido, inatual; mas, exatamente por isso, exatamente através desse deslocamento e desse anacronismo, ele é capaz, mais do que os outros, de perceber e apreender seu tempo. (AGAMBEN, 2009)

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Já na fase de produção das narrativas, os alunos receberam uma lista com 15 músicas de Raul Seixas, selecionadas previamente pelos professo-res. É importante esclarecer que essa listagem continha apenas sugestões, sendo totalmente permitida a livre escolha de outros títulos. O objetivo, nessa fase do projeto, foi apresentar às turmas algumas das canções mais conhecidas do autor, bem como aspectos de sua biografia, a fim de des-pertar a curiosidade e o desejo de pesquisa. Assim, algumas letras menos conhecidas, como “A lei” e “Metrô linha 743” aparecem ao lado de grandes sucessos como “Ouro de tolo” e “Maluco Beleza”, sendo ressignificadas de acordo com a sensibilidade e o olhar de cada um de nossos alunos-escrito-res, configurando um exercício de retextualização.

Nessa etapa do processo, sendo evidente o diálogo estabelecido entre o conto produzido e a letra de música escolhida, entra-se no campo da inter-textualidade stricto sensu, a qual

(...) ocorre quando, em um texto, está inserido outro texto (intertexto) anteriormente produzido, que faz parte da memória social de uma co-letividade ou da memória discursiva (...) dos interlocutores. Isto é, em se tratando de intertextualidade stricto sensu, é necessário que o texto remeta a outros textos efetivamente produzidos, com os quais estabelece algum tipo de relação. (KOCH, 2007)

Koch salienta, contudo, que “toda e qualquer retextualização de um tex-to prévio implica uma mudança de clave, uma alteração em sua força ilocu-cionária e em seu efeito perlocucionário – ou seja, no que ele vale (counts as) e no que ele faz”. (KOCH, 2007) Essa diferença torna-se ainda mais per-ceptível no projeto Conta Raul! se levarmos em consideração que, apesar de apresentarem semelhanças temáticas, os textos que dialogam pertencem a gêneros distintos.

Ainda na fase de produção dos contos, é interessante observar a ques-tão da recepção da obra de arte – no caso, da música escolhida – e o papel do receptor no processo interativo de construção de sentidos. Afinal, uma mesma música, escolhida por vários alunos, suscitou impressões distintas e, consequentemente, levou à produção de narrativas diferentes. Veja-se o

caso, por exemplo, da música “Tente outra vez” (anexo 1), escolhida pelos alunos Daniella da Silva Moreira e Lucas Bulhões, que produziram os con-tos “Não diga que a canção está perdida” (anexo 2) e “O toque” (anexo 3), respectivamente. Na primeira narrativa, o enredo gira em torno das des-venturas amorosas do jovem Lucas, às voltas com um amor platônico pela colega Rosa, por quem é apaixonado há 4 anos. Em meio a questionamentos sobre o futuro e a melancolia que por vezes cerca o universo adolescente, o protagonista, que também é o narrador da história, aborda seu relaciona-mento com os pais e com o irmão mais velho, Caio (que coincidentemente se veste como Raul Seixas e toca numa banda de reggae).

É possível perceber, ao longo do texto, referências ao universo “raul-seixista”, como no delicioso trecho em que Lucas descobre que seu amor por Rosa é correspondido: “A menina que perturbava meu sono, que voava sempre em minha cabeça, como uma pequena mosquinha, era apaixonada por mim. E nem adianta dedetizar, porque essa mosquinha vinha pra ficar.” No fim do conto, a canção “Tente outra vez” aparece como a trilha sonora perfeita para homenagear a conquista do jovem, que tantas vezes pensara que “a canção estava perdida”. Assim, a mensagem positiva transmitida pela letra aparece reforçada no conto, que, no entanto, transpõe a temática da persistência e da luta por um sonho para o típico cotidiano escolar de um ado-lescente brasileiro, refletindo, desse modo, o olhar e a experiência da autora.

Por outro lado, no conto “O toque”, um homem que sofre grave acidente automobilístico alterna momentos de reflexão sobre a própria vida enquan-to tenta desesperadamente livrar-se do toque de um anjo negro que o cerca e o apavora. Também narrado em primeira pessoa, o texto mantém o leitor em permanente clima de tensão e incerteza sobre o destino do protagonis-ta em sua luta solitária contra a morta iminente. Por fim, contrariando a expectativa otimista sugerida pela música “Tente outra vez”, as inúmeras tentativas do personagem se revelam inúteis: “Apesar de eu tentar e tentar, e tentar outra vez, algo tinha acontecido. Não podia mais ignorar, o inevitável tinha acontecido. O anjo tinha me tocado.” Tem-se, enfim, um olhar pessi-mista (ou realista?) acerca da existência humana, e da fragilidade diante da sombra onipresente da morte. Segundo o autor do texto, sua intenção foi

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justamente demonstrar que, na vida, mesmo agindo e pensando de forma positiva, há uma enorme possibilidade de algo fugir a nosso controle.

Diante da qualidade de textos como os de Daniella e de Lucas, os profes-sores envolvidos no projeto decidiram estendê-lo, dando início a uma nova etapa: a publicação de um livro contendo os melhores contos produzidos. Cada um dos organizadores se encarregou de selecionar, revisar e, quan-do necessário, orientar a reescritura dos textos escolhidos, os quais, ao fim do processo, foram reduzidos ao número de dezessete. Cabe salientar que, contagiados pelo entusiasmo dos jovens escritores, os docentes também se sentiram desafiados a contribuir com suas produções literárias, inspirando--se em suas canções preferidas de Raul Seixas.

É indiscutível, portanto, que o entrecruzamento das linguagens musical e literária demonstrou ser uma experiência prazerosa e bem-sucedida nas aulas de produção textual. Ao proporcionar um ambiente de liberdade e incentivo à expressão subjetiva do imaginário dos alunos, foi possível alcan-çar um resultado superior aos previstos inicialmente. Destaca-se, além da parceria entre professores e alunos, o comprometimento dos idealizadores do projeto, que vislumbraram em Conta Raul! a possibilidade de valorizar a escrita dos jovens autores, presenteando-os com a publicação do livro. Sobre o resultado dessa jornada afetivo-literária, pode-se, por fim, afirmar: “Trata-se, em essência de um mergulho estético em processos de leitura, análise e percepção de letras, seguidos de autofabulação e recriação com voz literária. Essas etapas, complexas e lúdicas, fazem de Conta Raul! uma culminância legítima de experiência artística.”3

3 RODRIGUES, Henrique. “A metamorfose revisitada”. In: BRITO, Aline; BRITO, Camila; MARQUES, Jorge (org.). Conta Raul! Rio de Janeiro: Ar Editora, 2015.

Anexo 1

Tente outra vez (Raul Seixas/ Paulo Coelho/ Marcelo Motta)

VejaNão diga que a canção está perdidaTenha fé em Deus, tenha fé na vidaTente outra vezBebaPois a água viva ainda está na fonteVocê tem dois pés para cruzar a ponteNada acabou, não não não nãoTenteLevante sua mão sedenta e recomece a andarNão pense que a cabeça agüenta se você parar, não não não nãoHá uma voz que canta, uma voz que dança, uma voz que giraBailando no arQueiraBasta ser sincero e desejar profundoVocê será capaz de sacudir o mundo, vaiTente outra vezTenteE não diga que a vitória está perdidaSe é de batalhas que se vive a vidaTente outra vez

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Anexo 2

Não diga que a canção está perdida

(Daniella da Silva Moreira)

E o despertador tocou.Engraçado, coloquei essa música justamente pois queria ter uma mo-

tivação para acordar cedo e ir para escola. Quem sabe, um dia, todo esse esforço valha a pena. Talvez eu fique rico, talvez algum dia venha a morar numa mansão.

E não é bem assim.Quando a gente é criança, a gente tem a ilusão de que vai conquistar

tudo o que a gente quiser quando crescer, que crescer é a melhor coisa do mundo. É, eu acreditei nisso um dia.

Levantei da cama e fui tomar meu banho, afinal, não é para qualquer um estudar no Colégio Pedro II. Em compensação, tinha que acordar às seis todos os dias. Mesmo assim chegava atrasado.

Comecei a pensar em todos os motivos que me ajudam a não largar de mão a escola.

Um dia eu vou ser um profissional de sucesso.Eu vou ter muito dinheiro.Eu vou ser realizado profissionalmente.Eu vou ver a Rosa.Eu vou ter uma casa enorme.A Rosa deve estar com aquele perfume maravilhoso.Eu vou ter muito dinheiro.O bom dia da Rosa de cada dia.Já falei dinheiro? É um pensamento mesquinho, eu sei. Mas, infelizmente, vivemos em

um mundo capitalista. Muita gente diz que o dinheiro não traz felicidade, que não traz amor, que não traz saúde.

Sinto informar, mas para mim o dinheiro paga comida, paga a saída com os amigos. E isso pra mim é felicidade.

E o amor. Ah, o amor.

Rosa Santos Ferreira. A menina mais linda que já vi em toda minha vida. Cinquenta por cento da minha motivação para ir à escola era ela. Sempre será ela. Ela parece aquela mosquinha que, por mais que você bata, não para de voar pela sua cabeça.

Meu devaneio passou quando meu despertador tocou pela segunda vez, indicando que eu chegaria no segundo tempo. Pela segunda semana con-secutiva.

Droga.Desci para tomar café. Meus pais e meu irmão já estavam na cozinha.

Meus pais são advogados e trabalham no mesmo escritório. E o meu irmão, Caio. Bem, o que dizer do Caio? Ele é dez anos mais velho que eu. Largou a faculdade para tocar numa banda de reggae e se veste como se fosse a reen-carnação de Raul Seixas. Meus pais ficaram decepcionados, mas já que ele estava conseguindo se bancar sozinho, eles nem ligaram, só queriam ver o filho feliz.

- Qual é, Lucas. – Caio falou – Tá todo cheirosinho por que, hein? – Ele provocou.

- Porque, ao contrário de você, eu ainda tomo banho. – Falei comendo meu cereal.

- Ouch, irmãozinho, essa doeu bem aqui. – Ele disse naquela forma ler-da de falar, botando a mão no coração.

- Tanto faz.- Vai querer carona hoje? – Ele disse pegando as chaves do carro – Vou

para a casa dos mano fazer um som animal, brô. – Ele disse devagar.Antes essa forma dele de falar me irritava, mas agora eu já estava até

acostumado. Eu até ria de vez em quando. - Beleza então. – Acabei meu cereal – Tchau, pai. Tchau, mãe. – Me

despedi.- Tchau, meus amores. - Mamãe disse enquanto terminava o café. – Vou

chegar tarde hoje com o seu pai, vamos sair. – Ela disse animada.- Esse tipo de coisa só acontece uma vez ao ano – Papai disse feliz. Sorri

com a animação dos dois e fui para o carro.

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Caio entrou e botou logo seu CD do Rappa para tocar. Ficou batucando no volante.

- Acho que vou te buscar hoje. – Ele disse abaixando o som – Devo sair da casa dos mano na hora da sua saída, espera uns dez minutos.

- Tudo bem, obrigado Caio. – Ele deu de ombros e aumentou a música.Tive um dos meus devaneios de novo e me vi rabiscando meu nome jun-

to com o da Rosa no vidro.LUCOSA. Não, parece nome de uma micose. ROSALUCA. Parece que eu estou chamando a Rosa de maluca.ROCAS. Parece o nome de um porquinho. - O QUE É ISSO, HEIN!!! – Escutei Caio gritar, ótimo, vai começar. –

QUEM É ESSA TAL DE ROSA? ELA É BONITA? É ALTA? BAIXA? LOIRA? MORENA? – E me bombardeou de perguntas.

- É só uma menina da escola, não esquenta. – Disse indiferente, implo-rando mentalmente para que ele mudasse de assunto.

- NÃÃÃÃÃO! NÃO VOU DEIXAR PRA LÁ. MEU MANINHO TÁ APAI-XONADUUUUUU! – Ele não gritava, ele urrava.

- Caio, por favor, menos. – Disse enquanto tirava meu cinto, agradecen-do a Deus pelo trânsito estar bom. Meu irmão não batia bem.

- Amigo, você não me engana – Ele disse tirando um óculos do porta--luvas, colocando-o. – Sabe por quê?

- Não, Caio, eu não sei por quê. – Eu disse emburrado, esperando ele acabar para entrar na escola.

- Porque, eu – Ele fez uma pausa. – NASCI, HÁ DEZ MIL ANOS ATRÁS – afinou a voz - EU NASCI HÁ DEZ MIL ANOS ATRÁS - E NÃO TEM NADA NESSE MUNDO QUE EU NÃO SAIBA DEMAIS!

Eu assisti àquela cena chocado. Como duas pessoas totalmente opostas poderiam ser irmãos?

- Caio – Disse massageando a têmpora. – Obrigado pela carona, obriga-do pelo show, agora, por favor, me deixa ir. – Implorei.

-Tá legal – Ele disse abrindo o pino da porta pelo botão. – Mas quero saber mais depois, brô. – Ele disse com seu jeito típico de ser.

- Beleza. – E saí.

Não cheguei tão atrasado assim. Fui até meu grupo de amigos e conver-samos durante uns dez minutos até que o sinal tocou, informando que nós teríamos de ir para a sala.

Sentei no meu lugar de sempre, nem na frente, nem atrás, sempre no meio termo.

Estava arrumando meu material quando eu senti aquele perfume. Inspi-rei todo ar possível, queria que aquele cheiro ficasse em mim.

- Bom dia, gente! – Disse aquela voz suave e bela. - Bom dia, Rosa – Gaguejei.- Para de babar, Lucas – Senti um tapa nas minhas costas. - Me erra, Paulo. – Disse irritado.As aulas se passaram e eu continuava com a ideia fixa de misturar meu

nome com o nome da Rosa. ROSACAS – Credo, parecia ressaca.ROSALUCAS – Isso nem é uma mistura!!!!!A professora de Física estava fazendo a chamada e logo depois chamou

meu nome: Lucas Pinto dos Santos Costa.Levantei a mão com uma preguiça extrema e falei um presente desani-

mado. Pra quê! Assim que levantei minha mão, Paulo pegou a folha em que eu fazia as combinações de nome.

- NÃO ACREDITO! – Ele gritou. Isso mesmo, ele gritou. – QUE LINDO, LUCAS, VOCÊ FAZENDO UMA COMBINAÇÃO DE NOMES!!!

Eu não sabia onde enfiar minha cara. Pra que inimigos se você tem um amigo como o Paulo?

Peguei o papel com força e o enfiei na minha mochila. Ainda bem que ele não citou nomes, por esse motivo eu não o mataria hoje.

- Qual é o seu problema, seu babaca? – Disse mais vermelho que um pimentão.

- Você tá apaixonado pela Rosa faz quatro anos! QUATRO ANOS! – Ele gritou e recebeu uma bronca da professora, eu ri. Depois sussurrou. – Você tem que ser homem, cara! Daqui a um ano a gente vai embora daqui. Isso tudo vai acabar. Você vai mesmo passar o resto da vida arrependido por não

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ter dito a verdade a Rosa? Hein, hein? Vou admitir que, além de amigo da onça, o Paulinho era um amigo de

verdade. - E se ela me rejeitar? - TE REJEITAR? – Ele gritou – Oh, Caroline! - Ele chamou a menina loira

– O que você acha do Luquinhas aqui? Fiquei vermelho de novo.Ah - Ela enrolou as pontas do cabelo nos dedos. – Ele é uma gracinha.Paulo se virou com uma cara de “Eu não te disse?”- Mas não vale. - sussurrei – Ela ficaria com qualquer um dessa sala. Ou

dessa escola. Paulo me olhou com uma cara de “me poupe” e decidiu me humilhar

mais ainda.- Oh, Rosinha do meu coração – Eu gelei – Uma menina deu um toco no

nosso Luquinhas, o que você diria para consolar ele?Eu queria socar o Paulo. Até a morte. Mas depois desse dia eu fui eter-

namente grato a ele.- Ela é idiota em não querer ele – Ela disse com aquela voz suave – Perdeu

um partidão. Forte, bonito, inteligente, cavalheiro. Homens que nem você estão em falta, Luquinhas. Eu não perderia essa chance.

E depois dessa eu não parei de sorrir. Paulo me deu um soquinho no braço e disse um “Aí, rapaz, o que você está esperando?’’ e fez uma dancinha comemorativa.

Eu não escutava mais nada, não tinha ninguém naquela sala. Só eu e ela.Meu coração estava descompassado e eu estava suando. Passei quatro

anos da minha vida sonhando com uma menina que também me queria. Eu estava eufórico, feliz, assustado. Eu nunca tinha me sentindo assim antes. Minhas bochechas doíam de tanto eu sorrir.

Rosa olhou para trás e cravou seus olhos castanhos em mim. Passou um bilhete para Caroline que passou para o Paulo.

“Espero que você tenha entendido minha pequena indireta. Amor, Rosa’’ MEU DEUS DO CÉU. EU ESTAVA SURTANDO. Respirei fundo e preparei minha resposta.

“Vamos conversar depois da aula? Tem tanta coisa que eu quero falar...’’ Assim que ela recebeu o recado, fez um sinal positivo com a mão e eu

esperei, ansiosamente, a professora acabar sua aula. Depois de quinze minutos, o sinal tocou e meu coração foi a mil. Todos

levantaram esbaforidos para chegar em casa e eu continuei sentado, não tinha nenhuma pressa.

- Oi – Disse uma voz tímida atrás de mim, enquanto eu guardava o ma-terial.

- O-oi Rosa. – Disse, meio idiota.- Então, você queria conversar comigo... O que foi? - Eu... Eu – E eu travei. “Vamos lá Lucas, você esperou quatro anos. Você pode fazer melhor do

que isso’’. Puxei todo o ar possível. É agora ou nunca.- Meu nome é Lucas Pinto dos Santos Costa, eu sou apaixonado por uma

garota dos olhos castanhos mais lindos do mundo faz quatro anos. Eu que-ria tanto dizer pra essa garota o quanto ela é especial pra mim, que o simples fato dela existir já me faz um homem feliz. – Disse rápido. – Eu não quero ser seu amigo, Rosa. Eu não quero ter que voltar pra casa hoje e perceber que eu nunca fui sincero com você. Que eu fui covarde, de novo. Se você soubesse quantas vezes eu tentei te dizer, mas eu nunca tive a hora certa... – Ela ia falar, mas eu a interrompi – Não, deixa eu falar, senão eu explodo. – Ela balançou afirmativamente a cabeça e ficou quieta. – Eu sou apaixonado por você. Desde a primeira vez que eu te vi, me apaixonei. E a cada dia que te vejo, me apaixono mais ainda. Você nem tem que aceitar isso, nem tem que me dar bola. Mas o simples fato de você saber disso já me tira o peso de quatro anos de frustrações. – Parei para pegar ar. – E era isso.

Rosa me encarava com os olhos marejados, me assustei.Rosa, você tá legal? – Perguntei pegando-a pelos braços.Aí ela deu aquele sorriso lindo que faz o meu estômago dar voltas.- Você é o homem mais idiota desse mundo – Meu sorriso se desfez.

Droga, uma parte de mim sabia que eu não devia ter feito isso.- Como assim? Mas e o seu bilhete? Eu pensei que... – Shhhh – Ela fez,

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colocando o dedo sobre meus lábios. – Eu não acabei ainda.Fiquei calado.- Você é idiota por ter guardado isso durante tantos anos, eu sempre

gostei de você. Sempre. Eu sempre pensava que você nem me dava bola, eu sempre colocava tanto perfume só pelo fato de você sempre me explicar Matemática no recreio, queria que você me achasse cheirosa – Disse, fican-do corada - Eu adoro o seu cheirinho de banho. – Ela cheirou meu pescoço. Senti muitos arrepios. – E eu estou completamente apaixonada por você.

Foi como se fogos de artifícios saíssem pelo meu corpo todo. A menina que perturbava meu sono, que voava sempre em minha cabe-

ça, como uma pequena mosquinha, era apaixonada por mim. E nem adian-ta tentar dedetizar, porque essa mosquinha vinha pra ficar.

- Qual é, brô! – Caio disse abrindo a porta. –Hum, seu safado, que cari-nha é essa de apaixonado?

- Ah, mano... – Disse maravilhado – Eu tô é amando! – Imitei sua manei-ra devagar de falar e ele mostrou um sorriso.

- Ah, hein, isso aí. Essa é a vibe! – Ele disse. Meu irmão cheirava a um odor suspeito, mas eu nem ia perguntar porque eu já tinha certeza do que era. Eu deixei pra lá, todo mundo merece ser feliz do seu jeito.

- Em comemoração, vamos escutar o Rei. Não o Roberto, mas o Raul. Em homenagem ao amor, vamos escutar “Tente Outra Vez”.

Eu nunca me identifiquei tanto com uma música. E dias depois lá estávamos nós, no meio do pátio, pernas e mãos cruzadas.- Lucosa parece um nome de uma micose – Rosa fez careta, dei um beijo

nela e olhei para o caderno.- Que tal Pintosa? – Sugeri e ela se debulhou em gargalhadas. – Ei, é o

meu sobrenome.-Eu sei, amor, mas é engraçado! – Ela falou apertando meu nariz. -Será que a gente vai chegar num meio termo? – Desabafei, bufando. -Quem sabe? Temos muito tempo ainda. – Disse Rosa, entrelaçando

seus dedos aos meus.

Anexo 3

O toque(Lucas Bulhões)

E então o mundo girou.E o anjo negro apareceu.Enquanto o carro cortava o ar com seus intensos rodopios, tive certeza de que iria morrer.O anjo tentava me tocar.Vi toda a minha vida passar pelos meus olhos. Dos momentos felizes aos melancólicos, dos grandiosos aos mais intimistas, dos duradouros aos mais rápidos, do primeiro beijo no banheiro do Colégio Pedro II ao dia em que recebi a notícia que meu avô morrera. Não importava quando e como acon-teceram. Todos estavam lá.E o anjo tentou me tocar outra vez.Pensei em minha mãe, Dona Lúcia. Já conseguia imaginar sua voz em minha mente, seu sofrimento, seu desespero ao saber de minha morte, seu choro in-tenso e incansável ao pensar em seu filho morto. O filho que ela tinha criado sozinha depois de meu pai nos abandonar logo que nasci. O filho pelo qual ela fizera de tudo para ter a melhor vida possível. O filho que ela sempre tinha sonhado ver como um grande médico, sempre quisera ver as pessoas me cha-mando de Dr. Ricardo, e agora nós cumpríamos esse sonho.O anjo tentou outra vez.O carro parou de rodar. Percebi que ainda estava vivo, e uma esperança cresceu em mim. Precisava continuar vivo, precisava seguir minha vida, precisava viver. Pela minha mãe.O anjo agora apenas observava.De repente faíscas surgiram, e o carro começou a pegar fogo. Tentei me soltar do cinto, mas não conseguia, estava preso naquele carro todo quebrado.E o anjo só observava.O fogo veio chegando mais perto, e o meu desespero só aumentava. Fazia de tudo pra me soltar, porém não conseguia. Mas não podia desistir. Não podia me render tão facilmente.

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Faíscas. Fogo. Desespero. Click.Em um momento de total desespero consegui me soltar e rapidamente

me joguei para fora do carro pelo lugar do para-brisa, que a essa altura já não existia.

O anjo ainda observava.Meu corpo estava imóvel e ensanguentado, minha respiração ofegante,

e a voz de minha mãe ainda ecoava em minha mente.O anjo se aproximou. Me olhou de cima a baixo e novamente tentou me

tocar, mas não conseguia, como se uma barreira impedisse seu movimento. Ele me dava medo. Tinha asas negras e longas, sua pele era acinzentada,

seus olhos eram pretos como a escuridão. E usava uma longa túnica cinza--escura. Ele cheirava a lamentação, cheirava a dor, cheirava a morte.

Não sabia o que fazer. Meu corpo doía e no meio daquela estrada escura ninguém poderia me ajudar. E, para piorar tudo, aquele anjo negro não pa-rava de tentar me tocar, e a cada vez que ele voava pra longe e voltava em alta velocidade em minha direção, me sentia pior, como se a simples presença dele me matasse aos poucos. Como se ele estivesse sugando toda minha alma.

Mas apesar disso ele simplesmente era impedido de realizar qualquer movimento comigo. Algo o impedia. Não sei exatamente o quê, talvez mi-nha vontade de viver, talvez a voz da minha mãe que gritava na minha ca-beça pedindo pra eu não desistir, pedindo pra eu não me entregar. Pedindo pra eu tentar outra vez.

E foi em um dos voos dele que decidi que iria levantar e sair daquele lugar. Não podia simplesmente desistir. Se alguma força maior me fizera resistir a um grave acidente, é porque não era minha hora. Não poderia ser.

Ele voltou. Ainda não conseguia me tocar. E novamente voou para longe.Aproveitei o momento, levantei minha cabeça, reuni todas as minhas

forças restantes e então corri.Minhas pernas queimavam, meus olhos doíam, minha boca estava seca,

meu corpo pedia pra eu parar, sentia calafrios, sentia como se minha ener-gia fosse acabar e eu simplesmente morreria ali. Mas não desisti, continuei minha corrida. Não podia acabar assim.

E o anjo novamente voltava. E logo depois ia embora.Continuei correndo.Dor. Choro. Arrepio.Até que senti algo estranho no meu corpo. E simplesmente adormeci.

Quando acordei já me sentia bem melhor. Meu corpo não doía, já estava limpo e, melhor de tudo, não via mais anjo algum.

Mas esse bem-estar durou bem pouco. Durou até eu perceber que as pessoas não falavam mais comigo, que agiam como se não me vissem, como se estivessem me ignorando.

E em alguns minutos percebi o porquê disso. Apesar de eu tentar, e ten-tar, e tentar outra vez, algo tinha acontecido.

Não podia mais ignorar, o inevitável tinha acontecido. O anjo tinha me tocado.

REfERêNCIAS

AGAMBEN, G. “O que é o contemporâneo?”. In: O que é o contemporâneo? e ou-tros ensaios. Chapecó: Argos, 2009.

BRAIT, B. Literatura e outras linguagens. São Paulo: Contexto, 2010.

BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Parâmetros Curriculares Nacionais. Língua Portuguesa. Ensino Médio. 2000.

BRITO, A.; BRITO, C.; MARQUES, J. (Org.). Conta Raul! Rio de Janeiro: Ar Editora, 2015.

ESSINGER, S. (Org.) O baú do Raul revirado. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005.

GARCIA, R. L. (Org.). Múltiplas linguagens na escola. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.

KOCH, I. Intertextualidade: diálogos possíveis. São Paulo: Cortez, 2007.

MARTINS, L. Escrever com criatividade. São Paulo: Contexto, 2001.

RODRIGUES, H. “Apresentação”. In: Como se não houvesse amanhã. Rio de Janei-ro: Record, 2010.

_______. “A metamorfose revisitada”. In: BRITO, Aline; BRITO, Camila; MAR-QUES, Jorge (Org.). Conta Raul! Rio de Janeiro: Ar Editora, 2015.

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PROJETO DE DIzER E PROJETO DE AUTORIA

NA PRODUÇãO TEXTUAL ESCOLAR

Felipe de Andrade Constancio1

RESUMO A prática de reescritura de textos produzidos em escola básica pública tem dado a sustentação necessária para que falemos de alguns eixos norteadores de nossa intervenção pedagógica a nível de ensino de Língua Portuguesa, a saber: a prática de reescritura permite-nos abordar com mais segurança o deslocamento teórico operado de uma linguística do enunciado a uma linguística da enunciação; a prática de reescritura trilha o caminho do rascunho e da rasura, de modo a acentuar a importância do planejamen-to textual; a prática de reescritura dialoga com uma perspectiva funcional no ensino da linguagem; e, por fim, como resultado de todas essas trilhas, a prática de reescritura aponta resultados efetivos na produção textual de alunos do Ensino Fundamental.

Palavras-chave reescritura; funcionalismo; textos de alunos.

PRODUÇãO TEXTUAL: DE UMA LINGUÍSTICA

DO ENUNCIADO A UMA LINGUÍSTICA DA ENUNCIAÇãO

Falar de reescritura na perspectiva da linguística da enunciação é nosso ob-jetivo neste trabalho. Antes de rascunhar a efetividade das práticas de pla-nejamento em produção textual, antes de sugerir caminhos da gramática funcional para a produção de textos e antes de analisar um texto de aluno do 9º ano do Ensino Fundamental, valemo-nos de uma distinção breve e produtiva no terreno da(s) linguagem(ens): os territórios de abordagem de uma linguística do enunciado em contraponto aos estudos empreendidos pela linguística da enunciação.

1 É Professor Efetivo de Língua Portuguesa da Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro e é Professor Substituto do Colégio Pedro II. Pós-Graduado em Língua Portuguesa pela UERJ, Pós-Graduado em Literatura Brasileira pela UERJ e, atualmente, cursa o Mestrado em Língua Portuguesa pela UERJ. Contato: [email protected].

Uma linguística do enunciado é, em linhas gerais, uma teoria do conhe-cimento de base gerativista. Compreender o Gerativismo implica compre-ender os trabalhos de Noam Chomsky empreendidos em torno da sintaxe, no alcance dos sintagmas, das orações e dos períodos, o que nos permite chegar à conclusão inicial de que uma linguística do enunciado é uma lin-guística da frase. A categoria frase passa a ser, portanto, o objeto de estudo da perspectiva estruturalista, na medida em que todo o aparato do contexto de produção das frases é anulado.

Embora nosso enfoque, neste trabalho, não seja a acusação gratuita e agressiva em direção a este enfoque dos estudos linguísticos e embora o con-teúdo ou a extensão não seja nosso objeto de análise em relação aos enuncia-dos/frases, vale ressaltar que, dentro dos estudos das condições de produção ou, em linhas gerais, dos estudos do contexto/pragmática, essa abordagem isolada parece não dar conta de um trabalho efetivo com produção textual.

Sem retirar o mérito das abordagens estruturalistas (que nos deram le-gados valiosos, desde os estudos fonológicos aos estudos formais em relação à análise rigorosa dos enunciados), optamos por trilhar os caminhos da lin-guística da enunciação como um possível percurso à interpretação e à pro-dução de textos em nível de escola básica. Vejamos o porquê dessa escolha.

Adotar a abordagem da enunciação nos estudos da linguagem significa somar ao estudo da língua as contribuições que a semântica e a pragmática portam no âmbito de uma análise enunciativa (CASTILHO, 2002: 12). Em linhas gerais, os estudos em torno da enunciação ocupam-se dos significa-dos/significações, na medida em que os componentes semânticos, pragmá-ticos e contextuais são acionados na produção/recepção dos textos orais ou escritos. Neste sentido, uma linguística da enunciação não se ocupa da extensão dos textos, sendo o sentido um “ingrediente” a mais que medeia a circulação dos textos.

Conceber o ensino de Língua Portuguesa e, mais especificamente, o ensi-no de produção textual no âmbito da escola básica de modo reflexivo implica considerar todo o aparato teórico de uma linguística da enunciação: a) a lin-guística da enunciação opera reflexiva e funcionalmente a abordagem das categorias gramaticais circunscritas em textos concretos; b) a linguística da

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enunciação empreende esforços na formação do professor tanto em uma base sólida das principais correntes linguísticas quanto em uma base sólida nos estudos do significado.

Adotar a abordagem da enunciação constitui a agenda de compromis-sos dos estudos da linguagem nos cursos de formação de professores e nas práticas pedagógicas nas salas de aula da escola básica. Infelizmente, ainda vigora nas aulas de Língua Portuguesa a noção de que a compreensão da estrutura e do funcionamento da língua deve caminhar sozinha, sem o apa-rato oportuno das teorias do sentido. Compete às teorias que lidam com o sentido a missão de carrear um ensino de Língua Portuguesa pautado na ex-ploração do significado, sendo que, dentro do ensino de produção textual, o sentido é uma ferramenta essencial, sobretudo na prática de reescritura.

PRODUÇãO TEXTUAL: A PRÁTICA DO PLANEJAMENTO

Tão válida quanto a busca pelos sentidos em produção textual é a prática do planejamento. Os empecilhos colocados ante os sujeitos no momento da produção textual são velhos conhecidos nossos: a falta de tempo, entendida como um fator preponderante nos exames vestibulares, traz para nossos alunos e para nós, professores, traumas irreparáveis (em alguns casos); a produção textual “burocratizada” não cede espaço à elaboração criteriosa e a um rigor do qual, a nosso ver, todo texto necessita, já que aciona ouvinte/leitor e falante/ escritor no processo eficaz da compreensão.

Muitos são os esforços acadêmicos atuais para “irrigar” o ensino de pro-dução textual na escola básica. Um direcionamento fundamentado e coe-rente nesta direção tem sido dado por Antunes (2003), para quem a produ-ção textual envolve necessária e implicitamente critérios bem delimitados e planejamento. De acordo com a autora, três etapas podem ser viabilizadas no processo da escrita, a saber: planejar, escrever e reescrever (ANTUNES, 2003: 57-58).

A etapa do planejamento constitui um processo muitas vezes sonegado na sala de aula da escola básica, na medida em que a escolha do gênero tex-tual âncora do processo de organização do dizer e a escolha do registro de

linguagem âncora da adequação nas condições de produção são colocadas em segundo plano, e o resultado é, como bem sabemos, a escrita de textos sem leitor definido e, para piorar, sem produtor presente. Parece que os textos da escola têm marcas autorais/identitárias apagadas.

Planejar, portanto, implica incorporar um sujeito histórico (de carne e osso, com lugar de fala delimitado) na produção textual. Desde a década de 1980, as pesquisas em torno de textos de alunos de escola básica vêm avançando, no sentido de pontuar paulatinamente a presença de um sujeito histórico marcado nos diversos gêneros textuais e nos seus respectivos do-mínios discursivos. Geraldi (2002: 17-23) faz uma relevante distinção entre os atos de redigir e produzir textos e chega à conclusão de que, por muito tempo, o ato de redigir apagou a noção de sujeito histórico nas produções textuais escolares.

A etapa da escrita também é sonegada. Qualquer escritor ou profissional que tenha de lidar com o objeto de estudo texto trava com a produção um verdadeiro “cabo de guerra”, por meio do qual é permitido (parece haver um contrato firmado entre o produtor e o texto) o uso de muitos recursos: consulta ao dicionário e à internet, leitura atenta de meios variados como enciclopédias, livros e outros textos que viabilizam o ter o que dizer e a produção de muito rascunho (antes de chegar à folha oficial, parece que os textos são muito rasurados).

A noção de texto definitivo precisa, portanto, ser negociada de modo a tra-zer para o produtor a consciência das muitas versões necessárias a um exer-cício amadurecido da estruturação de um texto. Se a folha oficial é o último aparato para que alguém sinta-se competente na produção escrita, então está explicado o baixo índice de organização textual em nossas escolas. O insuces-so da produção textual escolar parece residir no caráter unidimensional do processo: o aluno produz para um único leitor específico do seu texto, o aluno tem de produzir um texto em uma hora, o aluno tem de escrever um texto em uma folha oficial, e os resultados, como sabemos, não são satisfatórios.

A etapa da reescritura geralmente é compreendida pelo aluno como a mera correção (estão aí fatores, tais como: ortografia, pontuação, concor-dância, regência e colocação) dos erros apontados pelo professor. A reescri-

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tura deve valer-se, sim, dos aparatos práticos e eficazes de uma gramática de norma padrão (não esqueçamos que isso é cobrado dos nossos alunos no ENEM e em outros exames da vida escolar), mas não só. A reescritura preci-sa ser compreendida como uma oportunidade de (re)leitura do produtor de um texto. É como se ao produtor fosse atribuída a tarefa de transformar-se em leitor atento do seu próprio texto, à procura de incompletudes e à pro-cura dos intervalos vazios de significações.

No âmbito da escola básica, esta tem sido a nossa trajetória em torno da árdua tarefa de produzir textos. Se todos nós precisamos de orientadores para projetar saídas e fornecer subsídios no momento de socialização do conhecimento, nossos alunos também necessitam. O ensino de produção de textos tornou-se efetivamente uma prática que engendra reflexões na academia, com repercussões muito produtivas em nível de escola básica. Hoje, o professor de Língua portuguesa (pelo menos o que se qualifica) tem acesso a instrumentais teórico-metodológicos fundamentos em critérios de ensino de produção textual. O que parece faltar na sala de aula de português é a efetividade de critérios (bem delimitados) para que os nossos alunos produzam textos aceitáveis, nos planos da lógica e do discurso.

PRODUÇãO TEXTUAL EM PERSPECTIVA fUNCIONAL

Qual deve ser, portanto, a teoria gramatical que dá o suporte necessário para que falemos de enunciação, de uma concepção aplicada de gênero textual e, sobretudo, do monitoramento da linguagem no texto escrito? Filiamo-nos à gramática de perspectiva funcional pelo fato de ela trazer-nos algumas das respostas à pergunta genérica feita há pouco.

Interessamo-nos pela abordagem funcional pelo fato de ela caracterizar--se como uma gramática de usos:

Eu já escrevi um artigo com o título ‘A gramática de usos é uma gramática funcional’. E para dizer o quê? Que colocar como foco de observação a construção do sentido do texto é desvendar o cumprimento das funções da linguagem, especialmente entendido que elas se organizam regidas pela função textual. (NEVES, 2013: 15)

O ensejo teórico do funcionalismo oportuniza a integração dos estratos gramaticais, na medida em que fonemas, morfemas, palavras, sintagmas, orações e períodos estão a serviço de textos. Nesta medida, uma gramática de usos, a nosso ver, cumpre o papel de dar visibilidade ao(s) sentido(s) porque ancora o significado em relação ao língua e porque nos mostra que o significado corporifica-se na língua em uso.

Muitas são as demandas de uma gramática de cunho funcional. Apon-temos algumas delas: a referenciação tem sido estudada no funcionalismo pelo fato de os sentidos serem itens motivacionais à coesão textual; a junção tem sido estudada pelo funcionalismo pelo fato de a articulação de itens na ordem da sentença ser fator discursivo e argumentativo; a modalização tem sido estudada pelo funcionalismo pelo fato de os enunciados terem graus diferenciados de comprometimento empregados pelos seus respectivos enunciadores; a gramaticalização tem sido estudada pelo funcionalismo pelo fato de os fatores textuais interferirem no significado das categoriais gramaticais na ordem das palavras.

Uma gramática de cunho funcionalista, em linhas gerais, compreende que as escolhas lexicais (vocabulares) e a organização dos itens lexicais em textos materializados em gêneros textuais são resultados da intencionali-dade da qual falante e escritor valem-se na complexa tarefa de textualizar.

Para observarmos como um olhar da linguagem em perspectiva funcional abre caminhos para a desautomatização dos sentidos, vejamos o exemplo de um trecho de campanha publicitária veiculada pelo Ministério da Saúde:

(1) Se o mosquito da dengue pode matar, ele não pode nascer.

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Uma análise desatenta e automática deste enunciado diria que, pelo fato de o período iniciar-se pelo conector “se”, ele abarcaria o viés semântico da condicionalidade. O que não é verdade, em termos de veiculação sintático--semântica. Trata-se de um período iniciado por uma oração que expõe e engendra a causalidade. A explicação para o valor semântico da causalidade reside no fato de que a oração posterior comporta a consecutividade, o que pela ordem da lógica e da coerência implica a relação causa-consequência. Não adiantaria, neste e em tantos outros casos, decorar “a listinha” dos co-nectores e os seus supostos valores semânticos.

A perspectiva funcional observa, portanto, a constituição dos itens lé-xico-gramaticais presentes em um enunciado, para depois fazer juízos na esfera dos sentidos negociados e compartilhados pelos enunciados. No enunciado (1), por exemplo, o deslocamento sintagmático (a oração causal é deslocada para o início do período), confere ao todo enunciativo a marca pontual da argumentatividade. Neste sentido, deslocamentos, apagamen-tos e substituições são fatores expressivos e intencionais, conferidos aos textos que se pretendem ser argumentativos, na medida em que tais textos visam ou ao convencimento ou à persuasão. No enunciado (1), os leitores são incitados a exterminar o mosquito causador da doença, já que o mos-quito também pode exterminar.

Além de disseminar um olhar atento aos mais variados registros pre-vistos na esteira da linguagem, o funcionalismo fornece um aporte seguro para que se observe a linguagem na esfera do monitoramento. É óbvio que monitoramento, aqui, diz respeito a um uso consciente de uma norma dita padrão, mas não é só. Para o funcionalismo, todo registro de linguagem ancora-se em uma norma, pelo fato de os registros serem “contratos assi-nados” entre os falantes e os escritores. Para este trabalho, entendemos o monitoramento da linguagem como uma possível oportunidade para construir textos nos quais haja deslocamentos, apagamentos e substitui-ções de modo a conferir, tanto ao texto escrito quanto ao texto falado, um viés argumentativo da linguagem.

Em linhas gerais, ficamos com o que Neves (2010: 173) ressalta: “o que se traz neste tópico é um exemplo significativo de criação de oportunidade

para que o aluno, em sala de aula, seja instado a refletir sobre o uso lingüís-tico”. Em outras palavras, o funcionalismo pode vir a ser uma práxis.

RESULTADOS EfETIVOS: ANÁLISE DE TEXTO DE ALUNO

A seguir, temos dois textos produzidos por um aluno de 9º ano de uma es-cola pública estadual do Estado do Rio de Janeiro. Os dois textos são, res-pectivamente, Produção Textual I e Produção Textual II (ou Reescritura):

PRODUÇÃO TEXTUAL ILei nº 2450Artigo: 5Eu proponho que em todas as escolas sirvão: café da manhã, almoço e lanche na saída, no café poderiam servir: biscoitos amanteigados com suco ou pão com mortadela e queijo com suco ou até talvez guarana e no almoço servirem: arroz, feijão, bifé a milanesa com batata frita, macarão com salchisa e de sobremesa: lasanha, pudim e fatias de pizza, musse de maracujá, e sorvete e as aulas não deveriam ser com cadernos e canetas deveriam ser com notbook e video aula.

PRODUÇÃO TEXTUAL II – REESCRITURADe acordo com a lei de Nº 2450 Art. 3, todas as escolas devem servir esses seguintes alimentos: pizza, lasanha, bifé com batata frita, amburguer, macarão com salxicha e essas seguintes bebidas: Coca-Cola, Ise, antarti-ca, suco de manga etc.Essa lei deve entrar em processo no dia 03/07/2017. E também deve dar de café da manhã: misto quente, pão com mortadela e sucos ou refrigerante. E ao sair servir lanches como: biscoitos com manteiga, pão com queijo,

cachorro quente e suco.

Deixemos clara a condição de produção deste gênero textual, que chamamos de “lei utópica”. No segundo bimestre letivo, trabalhamos, na escola do Estado do Rio de Janeiro já mencionada, com a leitura adaptada de Triste fim de Policarpo Quaresma, texto de Lima Barreto. Como todos sabemos, trata-se de um texto que veicula a ideologia da

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utopia, na medida em que o personagem protagonista, o major Policar-po Quaresma, quer (re)criar um mundo de utopias para o povo brasilei-ro, a saber: deseja que o tupi-guarani volte a ser falado pelos brasileiros, deseja que as comemorações e festas populares tenham como expres-são única a música brasileira e, além de todas essas projeções utópicas, consegue vislumbrar a imagem de um cidadão patriota (veste adereços indígenas e patrióticos).

A missão dos alunos, após a leitura atenta do romance adaptado em três aulas, seria a de comportar-se como o major quaresma e produzir um texto, um marco legal, para as utopias que vislumbrassem. Vale ressaltar que a lei-tura do texto adaptado (ressalte-se: adaptado!) trouxe problemas variados de interpretação, na medida em que, mesmo o texto modificado, trouxe muitas dúvidas em relação à seleção vocabular e à sintaxe do início do sécu-lo XX, período em que o texto foi escrito.

Passada a etapa da leitura, os alunos fizeram em uma aula a produção textual, a lei utópica. Como podemos perceber nas Produções Textuais I e II acima, há diferenças significativas em relação a aparência, a organização de cada bloco de texto. Passemos a uma breve análise destes dois textos (feitos pelo mesmo aluno!).

O primeiro texto é organizado em torno de um único parágrafo. O aluno intitula a Produção I como “Lei nº 2450” e, logo abaixo, atribui o subtítulo “Artigo: 5”. O parágrafo visivelmente não foi planejado, na medida em que é extenso e não apresenta progressão temática coerente: o aluno abandona e retoma temas internos sem prestar atenção em sua ocorrência redundante. Um aspecto positivo da Produção I está no fato de que o aluno vale-se niti-damente da estratégia da catáfora, já que o texto pretende a todo momento projetar o que se vai dizer.

O segundo texto é organizado em todo de dois parágrafos. Agora, não há título nem subtítulo. Tudo foi condensado no interior dos dois pará-grafos. Todo o primeiro parágrafo ancora-se no segmento “De acordo com a lei de Nº 2450 Art: 3”, que, neste caso, torna-se um adjunto adverbial de conformatividade, ou seja, tudo o que o aluno escreve depois desse adjunto está respaldado discursiva e argumentativamente. O aluno só pode pensar

e corporificar as utopias que anseia por que está respaldado na e pela lei. Puro monitoramento.

A Produção Textual II ou Reescritura foi planejada, na medida em que apresenta mais nitidamente tópicos frasais internos nos parágrafos. Neste sentido, a progressão textual observada torna-se um fator de planejamento, já que o texto II sequencia-se e organiza-se a partir de subitens: i) a instau-ração da lei; ii) a exigência dos alimentos na escolas (note-se a presença dos verbos “devem servir”, de caráter modalizante); iii) o período em que a lei entrará em vigor; iv) a ressalva das outras exigências. Todo o texto é organi-zado em tópicos frasais que projetam a coerência global.

Note-se, ainda, que a catáfora é uma projeto de dizer, uma vez que é incidente nos dois textos pela marca gráfica dos dois-pontos. No entanto, a catáfora acentua-se em seu grau de monitoramento no texto II: há a inci-dência de palavras que engendram o projeto de dizer – “seguintes” no pri-meiro parágrafo e “como” no segundo parágrafo”. Enunciados e enunciador convergem para uma grau acentuado de monitoramento. São as escolhas lexicais e organizacionais que atribuem a este segundo texto planejamento.

Embora haja ainda problemas de natureza grafofônica nos dois textos (o aluno parece projetar no texto escrito os vícios de linguagem da fala menos monitorada), pode-se dizer que o aluno cumpriu o propósito comunicativo exigido pelo gênero “lei utópica”. Diríamos que ele foi mais utópico que o próprio major Quaresma. Em meio a todo este projeto de utopias, diríamos que houve a distopia da linguagem, na medida em que o aluno corporificou a enunciação, o planejamento e o monitoramento da linguagem.

UM ConviTe

A reescritura na escola básica pública pode ser um instrumento eficaz para a desautomatização da linguagem. Novos projetos de dizer e novas configura-ções de autoria podem ser rascunhadas e rasuradas na prática de reescrita. A organização tópica e sequenciada de textos (FARACO, 2014: 278-295) mostra--se uma ferramenta produtiva na análise de textos de alunos.

O convite: tomar os textos de alunos como corpus no ensino de Língua

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Portuguesa implica a inclusão dos sujeitos no processo de aprendizagem e a revisão de utopias, na medida em que o que todos almejamos é a tão sonhada cidadania; ainda é desestimulante saber que um aluno sabe pla-nejar bem um texto, mas ainda passa necessidade.

REfERêNCIAS

ANTUNES, I. Aula de português: encontro e interação. São Paulo: Parábola, 2003.

CASTILHO, A. T. de. A língua falada no ensino de português. 4.ed. São Paulo: Contexto, 2002.

FARACO, C. A.; TEZZA, C. Oficina de texto. 11.ed. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2014.

GERALDI, J. W. Aprender e ensinar com textos de alunos. 5.ed. São Paulo: Cortez, 2002.

NEVES, M. H. de M. Ensino de língua e vivência de linguagem: temas em confron-to. São Paulo: Contexto, 2010.

______. Texto e gramática. 2.ed. São Paulo: Contexto, 2013.

O MODERNISMO EM (ANTI)MOVIMENTOS:

ANTROPOfAGIA, TROPICÁLIA E TRIBALISMO

Márcio Vinícius do Rosário Hilário1

RESUMO Tradicionalmente alocada na última série do Ensino Médio nos currículos escolares, a Semana de Arte Moderna parece ainda hoje tão in-compreendida quanto em 1922. Preso à perspectiva dos chamados Estilos de Época, o trabalho com Literatura Brasileira na escola muitas vezes se limita ao acúmulo de informações para a memorização de nomes, datas e tópicos aparentemente desconexos. Diante dos percalços do calendário e da dificuldade em cumprir o programa, os conteúdos vão acumulando-se ao longo dessa trajetória e, entulhados no último ano, acabam, sendo pouco ou mal vistos. Por conseguinte, tudo o que poderia dialogar com a contem-poraneidade permanece distante no tempo. Sendo assim, para o jovem de hoje – fruto de era digital –, o quase centenário Movimento Modernista está tão morto quanto os outros tantos ininteligíveis estilos e princípios estéti-cos anteriores a ele. O relato de experiência que apresentaremos, portanto, nasceu da tentativa de estabelecer as conexões necessárias para que os alu-nos percebessem a vivacidade daqueles ideais antropófagos na atualidade, mais especificamente na MPB, com os Tropicalistas e Tribalistas.

Palavras-chave ensino médio; modernismo; antropofagia; tropicália; tribalismo.

1 Graduou-se em Letras (Português-Literaturas), com Bacharelado (1998) e Licenciatura (1999), pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde também concluiu o Mestrado em Letras Vernáculas (Literatura Brasileira), defendendo a dissertação Ironia poética e conflito de caracteres em “Ressurreição”, de Machado de Assis (2003), e o Doutorado na mesma área, com a tese A desconstrução do romanesco nos primeiros romances de Machado de Assis (2012), sempre sob a orientação do Professor Doutor Ronaldes de Melo e Souza. Lecionou em diversas instituições da rede privada de educação do Rio de Janeiro e atua há mais de vinte anos como voluntário no projeto social Pré-vestibular para Negros e Carentes/Pastoral da Juventude, em Duque de Caxias. Desde 2005, é professor concursado do Colégio Pedro II - do qual é orgulho-samente ex-aluno -, ministrando cursos regulares de Literatura Brasileira, Língua Portuguesa e Produção Textual no Ensino Médio. Em 2013, passou também a trabalhar na pós-graduação do Colégio Pedro II como Supervisor/Orientador de Língua Portuguesa do Programa de Residên-cia Docente. E-mail: [email protected].

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“Só a Antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.”

(ANDRADE, Oswald de. Manifesto Antropófago, 1928.)

O presente artigo trata-se do relato de uma prática pedagógica realizada na 3ª série do Ensino Médio do Colégio Pedro II no ano letivo de 2013. Antes, porém, de entrarmos propriamente na descrição da atividade, seus objeti-vos e desdobramentos, gostaríamos de contextualizar o universo no qual ela se inseriu, a fim de problematizar um pouco mais e melhor a questão. Primeiramente, é preciso reconhecer que todos os desdobramentos pos-síveis para o trabalho pedagógico dependem da própria compreensão do que se deseja daquele conhecimento específico ou do que se espera dele. Sendo assim, por mais que muitos textos já tenham sido publicados a esse respeito e que a própria vivência em sala de aula nos diga constantemente que repetições esquemáticas e acúmulo de informações não cabem mais para o aluno de uma sociedade na qual toda a informação do mundo pode ser acessada da palma da mão, é a perspectiva cronológica dos chamados estilos de época que ainda domina a prática docente. Mais do que isso, as leituras obrigatórias passadas única e exclusivamente com o intuito de gerar respostas prontas para perguntas feitas há muito e requentadas às vésperas do fechamento de notas são um desestímulo à leitura, não colaboram para a formação do leitor e ainda colocam em vias de esquecimento todo o patri-mônio cultural literário já produzido em nossa língua.

Em um contexto como esse, cabe perguntar: o que deseja o currículo de Literatura para o Ensino Médio? O que pretende o profissional das Letras no seu trabalho cotidiano com o texto literário? Se desejamos estimular a leitura, contribuir para a formação crítica ou minimamente trazer nossas grandes obras para degustação dos nossos alunos, não estamos chegando nem perto disso na maioria dos casos. Daniel Penac afirma que existe uma enorme distância entre aquilo que praticamos na escola e aquilo que pode-ríamos fazer para de fato despertar em nosso aluno o gosto pela leitura. Em muitos casos, nem sequer mergulhamos na singularidade dos textos e tão

somente ensinamos a “rodear o assunto” com longas e substanciosas consi-derações que só terão eco em nossas próprias avaliações formais:

Entre aqueles que não leem, os mais espertos saberão aprender, como nós, a rodear o assunto: serão excelentes na arte inflacionária do comen-tário (leio dez linhas, produzo dez páginas), na prática jívaro da ficha (percorro 400 páginas, reduzo a cinco), na pesca à citação judiciosa (nesses pequenos manuais de cultura congelada disponíveis em todos os comerciantes de sucesso), eles saberão manejar o escapelo da análise li-near e se tornarão especialistas na sabida cabotagem por entre os “textos escolhidos” que levam seguramente ao vestibular, à graduação, mesmo à admissão aos concursos... mas não necessariamente ao amor pelos livros. (PENNAC, 1993: 93.)

As raízes desse pragmatismo pedagógico têm a ver com as imposições institucionais e/ou com a má formação dos profissionais de literatura: mui-tos ou não gostam de ler, ou não podem ler do que gostam, ou não conhe-cem o que leem, ou não podem ler o que conhecem, e assim por diante. Com esse quadro, fica muito difícil imaginar que alguém que não construiu uma relação afetuosa, subjetiva, com o texto literário possa desempenhar um papel tão importante na formação de novos leitores.

Diante dessas primeiras questões, percebe-se a necessidade de que o professor de literatura estabeleça, não apenas com o conhecimento teórico, mas, em especial, com o texto literário um vínculo afetivo que lhe confi-ra ao discurso legitimidade e que lhe garanta autonomia e segurança para descobrir no sistema as frestas pelas quais sua prática encontrará o cami-nho da liberdade criativa. Aquilo que metaforizamos informalmente como “pedagogia da fresta”, nada mais é do que a tentativa de imprimir uma nota de singularidade na condução dos conteúdos, mesmo diante de sistemas fechados, nos quais o engessamento pedagógico já se tornou uma regra.

No caso do Colégio Pedro II, ainda que tenhamos condições estruturais e humanas que nos coloquem como privilegiados no contexto da educação pública brasileira, esbarramos nas problemáticas específicas da nossa rea-lidade. A primeira delas é o calendário: em geral, além de não ficar pronto

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com uma boa antecedência, a qual nos permita planejar as atividades com relativa tranquilidade, ele está sempre sujeito a uma série de alterações no decorrer do ano letivo. É dispensável dizer que, sem as datas das avalia-ções formais que fecham o trimestre, fica muito difícil definir a quantidade de aulas necessárias para a construção daquele conhecimento específico dentro do qual será estabelecida a forma de avaliação. Com isso, cortes ou acréscimos, antecipações ou aprofundamentos de conteúdos relativos ao programa ficam à mercê do acaso.

Em termos objetivos, quando pegos praticamente de surpresa no que se refere à data da prova, diante da necessidade de haver pelo menos mais uma avaliação e de um calendário que acaba de se revelar comprimido, os professores acabam dispondo de pouco tempo para executar uma atividade mais complexa e que fuja do pragmatismo dos roteiros de leitura. Assim, o ideal é sempre pensar em ações que sejam propostas o quanto antes e que nos permitam acompanhar seu andamento sem que isso prejudique a dinâmica das aulas.

Outra consequência negativa advinda de um calendário volúvel é o não-cumprimento do programa, delegando para o ano seguinte e para a próxima série essa incumbência. É óbvio que isso terá consequências di-retas no planejamento dos outros anos, deixando para a 3ª série a difícil decisão de ser ou não ser. Cabe ressaltar que, diante das pressões dos exa-mes vestibulares, o fechamento do programa de conteúdos tem de ser um compromisso inalienável. Afinal, ainda que a natureza da nossa escola não seja a mesma de um curso preparatório, não se pode negar que temos uma enorme responsabilidade social para com o nosso aluno, sobretudo o mais desassistido. Desse modo, não pode existir conteúdo que fique para depois na 3ª série, porque esse depois não existe. Só que, receber uma quantidade extra de tópicos que não foram abordados como deveriam na 2ª série torna essa tarefa ainda mais penosa.

Dentro da nossa especificidade também não se pode desconsiderar o fato de que, mesmo sendo cheia de encantos e de possibilidades, a atividade a ser desenvolvida como complementação da nota da prova trimestral só pode representar até 30% do valor total da média daquele período. Logo,

ainda que neste relato direcionemos o foco apenas para o trabalho criativo, na realidade do cotidiano da sala de aula, a preocupação com prova infeliz-mente não pode ser deixada de lado. Em vista disso, reafirmamos que o ide-al é, sempre que possível, propor a atividade logo no início daquele período e fazer o acompanhamento progressivo ao longo do tempo até chegar a data de culminância do projeto.

Baseando-se na ideia de que o processo precisa de um acompanhamen-to constante, o método de trabalho com os conteúdos programáticos deve equacionar a seguinte demanda: seguir a perspectiva cronológica determi-nada pelo currículo sem que as múltiplas informações surgidas nessa se-quência deixem de ter um fio temático condutor. Para tanto, acreditamos que a adoção de um tema transversal possa garantir a coesão e a coerência necessárias. A perspectiva temática oferece ainda a possibilidade de estabe-lecer diálogos com a contemporaneidade e, desse modo, aproximar aque-le conteúdo do cotidiano do aluno. Dentro dessa perspectiva, não são as fases do estilo que dão sentido ao texto, mas é a abordagem do texto que estabelece a significação para aquelas fases, as quais, no fundo, na aborda-gem tradicional, servem apenas para reafirmar meras convenções formais ou agrupamentos de autores unidos apenas pelo fato de terem escrito no mesmo período histórico.

Antonio Candido e Aderaldo Castello (1975) afirmam que não se pode pen-sar em Modernismo sem antes de tudo considerar três referências essenciais: o momento histórico no qual ele se insere; a estética que o representa; e o mo-vimento por ele proposto. Olhando por esse prisma, nota-se com clareza que, enquanto movimento, o evento da Semana de Arte Moderna funciona apenas como marco simbólico referencial de início de um processo, que, todavia, como uma atitude estética que dialoga com a vida moderna na sociedade capitalista pós-II Revolução Industrial, o Modernismo continua ecoando em nossos dias.

Para um jovem que lida diariamente com as redes sociais, a comunicação instantânea e seus códigos específicos, os poemas-pílula de Oswald de An-drade não deveriam ser tão distantes ou sem sentido. Os cento e quarenta caracteres que limitam uma postagem no Twitter, por exemplo, seriam mais do que suficientes para o poeta escrever a maior parte do seu “Manifesto

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Antropófago” (1928). Mais ainda, para expressar surpresa quando se co-municam pelo WhatsApp, nossos alunos utilizam frequentemente aquele rostinho amarelo (emoticon) que faz a paródia do célebre quadro “O grito” (1893), do pintor expressionista Edvard Munch. Em vista disso, com o ob-jetivo de despertar a curiosidade e provocar alguma inquietação na turma para motivar ao trabalho, elaboramos uma apresentação em Power Point com o título “O Modernismo no Brasil: uma semana para sempre”.

Nessa aula expositiva, tivemos a oportunidade de discutir algumas questões, anteriores mesmo ao próprio Movimento Modernista, relativas à própria inquietação do artista diante da vida moderna, como a questão da perda da identidade e da subjetividade no contexto dos grandes centros urbanos, onde a multidão transforma a todos os indivíduos em massa. Em um ambiente como esse, tão bem descrito nos versos da canção “Rodo Coti-diano”, do CD O silêncio que precede o esporro, lançado em 2003 pelo grupo O Rappa, a paixão também perde sua identidade e torna-se algo completa-mente efêmero: “Não se anda por onde gosta / Mas por aqui não tem jeito / Todo mundo se encosta / Ela some no ralo de gente / Ela é linda mas não tem nome / É comum e é normal / Sou mais um no Brasil da Central / Da minhoca de metal que corta as ruas” (O RAPPA, 2003, faixa 4.). Esses versos contemporâneos abriram o caminho para que estabelecêssemos um diálogo com a transição do século XIX para o XX, quando o poeta francês Charles Baudelaire parecia relatar o mesmo drama no poema “A uma passante”, pu-blicado em As flores do mal no ano de 1853: “Um relâmpago e após a noite! – Aérea beldade, / E cujo olhar me fez renascer de repente, / Só te verei, um dia e já na eternidade? // Bem longe, tarde, além, jamais provavelmente! / Não sabes aonde vou, eu não sei aonde vais, / Tu que eu teria amado – e o sabias demais!” (BAUDELAIRE, 2002: 107.).

Foi justamente por meio do estabelecimento dessas conexões inusita-das, que partimos da Semana de Arte Moderna, realizada na cidade de São Paulo em 1922, para a “Semaninha de Arte Moderna”, de Belo Horizonte, em 1944. O evento ocorreu um ano depois de o então prefeito Juscelino Kubits-chek haver concluído e inaugurado o conjunto arquitetônico, projetado por Oscar Niemeyer. Simbolicamente, a arquitetura brasileira estrava em con-

sonância com outras manifestações artísticas que já haviam consolidado seu espírito moderno revolucionário desde o evento paulista. O encontro de JK com Niemeyer ocorreria novamente anos depois, quando o político mineiro tornou-se Presidente da República e implementou a mudança da capital federal do Rio de Janeiro para o Centro-Oeste, construindo a cidade de Brasília, (1956-1960). Naquele mesmo período, Niemeyer também par-ticipou como cenógrafo do projeto teatral que marcou o início de uma das mais importantes parcerias da nossa música popular: Tom e Vinícius. O espetáculo “Orfeu da Conceição” estreou, portanto, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, em 25 de setembro de 1956, com texto e poesia de Vi-nícius de Moraes, música de Tom Jobim, cenário de Oscar Niemeyer e, pela primeira vez na história, pisava aquele palco um elenco integralmente composto por atores negros e atrizes negras, do Teatro Experimental do Negro de Abdias do Nascimento.

Todo o simbolismo de “Orfeu da Conceição”, que também estabeleceu suas próprias conexões, ao unir o erudito e o popular, trazendo a tragédia mitológica grega para o ambiente do samba dos morros cariocas, além de por si só já conter o espírito antropofágico de Oswald, gerou ainda mais consequências para a cultura brasileira. A parceria Tom e Vinícius foi grava-da em 1957 por Elizeth Cardoso no LP Canção do amor demais. Na equipe de musicistas dessa obra, estava aquele que, no ano seguinte, revolucio-naria a música popular brasileira com seus acordes dissonantes, os quais dariam origem à Bossa Nova e com ela início da modernidade desse gênero artístico em nossa cultura: em 1958, João Gilberto lançava o LP Chega de saudade, título de outra canção composta pelo Poetinha e pelo Maestro. É claro que toda essa efervescência cultural teria influência direta na juventu-de que despontaria no cenário musical da próxima década.

Em Santo Amaro nós cultuávamos João Gilberto em frente a um boteco modesto que chamávamos “bar do Bubu”, por causa do nome do preto gordo que era seu dono. Ele comprara o primeiro LP de João, Chega de saudade – o disco inaugural do movimento –, e tocava-o repetidas vezes. Primeiro, porque ele próprio gostava, e, depois, porque sabia que nós íamos ali para ouvi-lo. Éramos um grupo pequeno: quatro ou cinco gina-

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sianos sem dinheiro para comprar o LP. (...) Bubu gostar de João Gilberto era apenas o primeiro sinal que eu, Chico Motta, Dasinho e Bethânia não estávamos sós no entusiasmo da nossa descoberta: breve a bossa nova teria um peso considerável mesmo no mercado de discos do país e, o que é de fato mais revelador, ainda hoje, se qualquer um de nós cantar “Chega de saudade” – a canção-hino do movimento – num espetáculo para grande multidão num estádio de qualquer cidade brasileira, será indubitavelmente acompanhado por um coro de dezenas de milhares de pessoas de todas as faixas etárias, que cantarão cada sílaba e cada nota da longa e rica melodia. (VELOSO, 1997: 41.)

Depois de expor o relato de Caetano Veloso a respeito da importância que João Gilberto e a Bossa Nova tiveram para a sua formação e demons-trar como anos depois ele mesmo foi precursor de um movimento cultural tão representativo da brasilidade como a Tropicália, fomos costurando essa ideia de continuidade dos movimentos e trazendo para mais perto da rea-lidade dos alunos um universo que, até então, só era composto por gente morta. Os grandes nomes da Música Popular Brasileira (MPB) são conhe-cidos pelo grande público, ainda que nem sempre ele consiga dimensionar qual o tamanho ou a intensidade dessa importância dentro da nossa cultu-ra. Em todo caso, é muito mais cativante e, sobretudo, mais palpável para os nossos jovens trabalhar com artistas que podem ser escutados diariamente nas rádios ou mesmo a respeito de quem possam buscar mais informações e arquivos de áudio e vídeo na internet. É muito interessante demonstrar como um movimento cultural traz no seu íntimo um posicionamento polí-tico: afinal, os tropicalistas recusavam-se a aceitar a polarização entre o que seria a cultura popular brasileira “de verdade” e as influências estrangeiras da cultura de massas.

Os grupos da MPB, que eram no final dos anos de 1960 a favor ou contra o uso da guitarra elétrica em suas composições, tinham uma compreen-são de cultura e brasilidade tão diferentes e antagônicas entre si quanto às que defendiam os movimentos posteriores à Semana de 1922: o purismo Verde-Amarelo versus o pluralismo Antropófago. Para uma garotada que acompanhou de perto as manifestações de junho de 2013 e viu as pessoas

tomarem as ruas supostamente protestando contra o aumento das tarifas de ônibus, o terreno para fazer comparações com a passeata de 1967 era mais do que fértil: se no caso deles não era só pelos vinte centavos que se protes-tava, muito provavelmente os jovens dos anos 60 talvez quisessem resistir a algo maior do que simplesmente o uso da guitarra elétrica. De qualquer maneira, para os tropicalistas essa radicalização xenofóbica não era inte-ressante nem representava nossa identidade cultural. Portanto, dentro do mais puro espírito antropofágico, eles desejavam devorar tudo o que existia em termos culturais:

O encontro com as ideias de Oswald se deu quando todo esse processo já estava maduro e o essencial da produção já estava pronto. Seus poemas curtos e espantosamente abrangentes, a começar pelos ready-mades ex-traídos da carta de Caminha e de outros pioneiros portugueses na Amé-rica, convidavam a repensar tudo o que seria sobre literatura brasileira, sobre poesia brasileira, sobre arte brasileira, sobre o Brasil em geral, so-bre arte, poesia e literatura em geral.Oswald de Andrade, sendo um grande escritor construtivista, foi também um profeta da nova esquerda e da arte pop: ele não poderia deixar de in-teressar aos criadores que eram jovens nos anos 60. Esse “antropófago in-digesto”, que a cultura brasileira rejeitou por décadas, e que criou a utopia brasileira de superação do messianismo patriarcal por um matriarcado pri-mal e moderno, tornou-se para nós o grande pai. (VELOSO, 1997: 256-7)

A percepção cultural dos tropicalistas materializou-se no LP Tropicá-lia ou Panis et Circenses (1968), no qual já na capa figuravam ecléticos e descontraídos os precursores do movimento: Caetano Veloso, segurando o retrato de Nara Leão, que não pode estar presente para a foto; Gilberto Gil com uma fotografia de Capinan quando formando no Curso Normal; o maestro Rogério Dupra segurando um penico como se fosse uma xícara; Gal Costa sentada ao lado de Torquato Neto; Tom Zé, de terno azul claro e valise na mão; e de pé ao fundo, Rita Lee e os outros Mutantes simbolica-mente empunhando um contrabaixo e uma tão polêmica guitarra elétrica. Para introduzir a turma nessa ideia, usamos não somente a imagem, mas

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obviamente os sons e versos dos tropicalistas, que já entregavam seu cartão de visitas naquela que seria considerada sua canção-manifesto, “Tropicália”, gravada por Caetano Veloso um ano antes em seu primeiro LP individual: “Sobre a cabeça os aviões / Sob os meus pés os caminhões / Aponta contra os chapadões / Meu nariz // Eu organizo o movimento / Eu oriento o carnaval / Eu inauguro o monumento / No planalto central do país” (Caetano Veloso. LP. 1967, lado A, faixa 1.)

A canção “Tropicália” – como toda a simbologia que expunha das contra-dições brasileiras, apresentando Brasília como uma espécie de monumento dadaísta – serviu-nos para ajudar a compreender a natureza e os princípios do movimento e para que dela pudéssemos extrair palavras ou imagens que se conectassem a outro agrupamento de artistas, que mais contemporane-amente, em atitude ainda mais emblemática, inaugurassem em 2002 aqui-lo que eles próprios chamaram de “anti-movimento”: os Tribalistas. Se em “Tropicália”, Caetano orientava o carnaval, a canção de abertura do CD dos já consagrados Arnaldo Antunes, Marisa Monte e Carlinhos Brown, além de se chamar “Carnavália”, funcionava como uma espécie de convite para que o ouvinte entrasse naquele universo: “Vem pra minha ala / Que hoje a nossa escola vai desfilar / Vem fazer história / Que hoje é dia de glória nesse lugar / Vem comemorar / Escandalizar ninguém / Vem me namorar / Vou te namorar também / Vamos pra avenida / Desfilar a vida / Carnavalizar” (Tribalistas. CD. 2002, faixa 1.)

De fato, numa aparente discrição, os Tribalistas pareciam não querer escandalizar como os seus antecessores, Tropicalistas, mas isso não signifi-cava a adoção de atitudes convencionais ou menos originais, que não lhes conferissem uma identidade própria e marcante. A dessacralização artís-tica da capa do disco, por exemplo, não vinha da empunhadura de instru-mentos musicais da contracultura ou do uso de um penico como xícara, mas de uma pintura-retrato do trio, feita com calda de chocolate pelo ar-tista plástico contemporâneo Vik Muniz, conhecido justamente por fazer experimentos com novas mídias e materiais. A heresia tribal também se fez presente na utilização de objetos comuns do cotidiano, com os quais se misturavam os instrumentos musicais convencionais para fazer os arranjos

para as canções. Complementando tudo isso, os diálogos intertextuais tam-bém chegavam ao campo imagético, com a cena dos primeiros dois versos de “Tropicália” (“Sobre a cabeça os aviões / Sob os meus pés os caminhões”) praticamente se repetirem também no início de “Passa em casa” (“Passam pássaros e aviões / E no chão os caminhões” – Tribalistas. CD. 2002, faixa 4.), como se posicionassem seus sujeitos poéticos no mesmo ponto de ob-servação. Para além dessas coincidências, há obviamente a questão da ati-tude: é claro que os Tribalistas igualmente fizeram sua canção-manifesto, que foi brevemente trabalhada em sala de aula para provocar ainda mais os alunos. A primeira estrofe apresenta o projeto: “Os tribalistas já não que-rem ter razão / Não querem ter certeza / Não querem ter juízo nem religião // Os tribalistas já não entram em questão / Não entram em doutrina, em fofoca ou discussão / Chegou o tribalismo no pilar da construção”. O refrão desconstrói a perspectiva histórica oficial e faz uma paródia profana recom-binando ditados populares: “Pé em Deus e Fé na Taba”. Na última estrofe, a conclusão é solene: “O tribalismo é um anti-movimento / Que vai se desin-tegrar no próximo momento / O tribalismo pode ser e deve ser o que você quiser / Não tem que fazer nada basta ser o que se é / Chegou o tribalismo, mão no teto e chão no pé” (Tribalistas. CD. 2002, faixa 13.).

“Tribalistas”, além de bem didática para explicar aquela atitude estética, preconizava a ideia de um “anti-movimento” que logo se desintegraria. De fato, aquela era a última estrofe da última canção do primeiro e único disco do trio. Depois desse encontro singularíssimo, cada um continuou a cuidar de suas carreiras individuais, tal como já o faziam antes, ainda se encon-trando, mas não mais como um grupo, salvo um ano depois, em 2003, pela ocasião da cerimônia de entrega do Grammy Latino-americano, na qual eles foram premiados como melhor álbum pop contemporâneo brasileiro. As conexões do tribalismo com o tropicalismo e, por extensão, com a antro-pofagia foram explicitadas pelo próprio Arnaldo Antunes em entrevista dada ao produtor musical Nelson Motta e publicada na página do grupo no site UOL.

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O que eu sinto é assim. Tem duas coisas que são felizes nesse disco. Uma é a coincidência do nome tribo, trazer em si o tri, o disco coletivo de três artistas. Então tem uma graça nisso tudo. E aí tem todas as associações que podem ser feitas, pode remeter a isso, pode remeter a Oswald de An-drade, às comunidades hippies, à ideia de aldeia global do MacLuhan... coisa de aldeia, de tribo... Acho que a letra de “Tribalistas” fala de uma coisa que é muito clara, que é trocar essa coisa das certezas, dos dogmas, das instituições, de Deus, por uma alegria cotidiana de estar vivendo em comunhão daí essa ideia de tribo. Sem certeza, juízo, religião, nada disso, só a alegria de estar fazendo a coisa juntos.(...)Eu acho que os movimentos se fazem quando as pessoas se reúnem para dar uma resposta comum a um determinado contexto cultural. Aconte-ce que a gente hoje vive num contexto multifacetado. Não existe mais a ilusão de um futuro com um caminho único. Acho que esse estado de diversidade cultural com o qual a gente convive hoje em dia vem um pou-co do tropicalismo. Que de certa forma depois daquilo tudo fazer um movimento ficou meio forçado. Não acho que o rock dos anos 80 tenha sido um movimento como foram a bossa nova, a jovem guarda e o tro-picalismo. Acho muito mais interessante que seja dessa forma, que as pessoas venham de muitos lados, que você tenha sempre que reavaliar os seus parâmetros críticos em função do que está acontecendo em vez de uma solução que fala: “não, o futuro é por aqui”. Uma coisa que eu acho muito significativa que a gente falou, mas falou muito rapidamente é isso de Carlinhos da Bahia, Marisa do Rio, Arnaldo de São Paulo, isso é uma coisa bem interessante como motivo de reflexão. (Arnaldo Antunes, http://www2.uol.com.br/tribalistas/entrevistas6.htm - grifos nossos.)

Encerrada, então, essa exposição que mostrava as ramificações do movi-mento modernista e sua vivacidade até os dias de hoje, chegava o momento da provocação final: a proposta do trabalho trimestral. Como contávamos com uma turma de 36 alunos, eles foram divididos em dois grupos de 18, os quais deveriam pesquisar sobre a Tropicália e sobre os Tribalistas, escu-tando suas canções, analisando suas letras, estabelecendo pontes entre eles e os fundamentos do Manifesto Antropófago etc. Ao final dessa pesquisa,

eles precisariam elaborar, produzir, encenar, gravar e editar um vídeo de no máximo 20 minutos, apresentando essas manifestações artísticas. O gênero era aberto, ou seja, eles estariam livres para fazer ficção, documentário ou um pouco de cada. Marcamos a data das apresentações para não muito mais do que um mês à frente e iniciamos os trabalhos.

Com o advento da internet e a popularização do uso das redes sociais, a quantidade de informações circuladas aumentou consideravelmente. Sen-do assim, o que antes já fora ausência e, em alguns momentos históricos, até mesmo proibição, hoje circula livremente e em excesso. Isso faz com que tenhamos de exercer outra forma de orientação, indicando ou forne-cendo para os alunos as fontes confiáveis para as suas pesquisas. Muitas tur-mas costumam criar e-mails coletivos para que os professores e os próprios alunos enviem listas de exercícios e outros materiais didáticos. Particular-mente, temos preferência por usar o Facebook como ferramenta para esse contato. Nele é possível criar um grupo fechado como o “Hilário CPII/2013 – 3ª série” e adicionar os alunos de todas as nossas turmas da mesma série naquele ano. Assim, ampliam-se as possibilidades de trocas e diálogos, por-que mais pessoas podem participar daquela conversa, que ficará ali exposta como em um mural. Nesse contexto, o professor não é o único interlocutor, mas um dos tantos que existirão naquela pequena comunidade. Foi, por-tanto, por meio do grupo de Facebook que pudemos enviar links de várias fontes de pesquisa para que os grupos enriquecessem seus trabalhos.

Cabe aqui ressaltar que essa turma – que, até então, segundo o progra-ma, estaria fadada a ler apenas um único livro, a fim de, quem sabe, fazer depois um odioso questionário-roteiro de leitura –, tendo sido devidamen-te provocada até mesmo pela curiosidade, ampliou consideravelmente seu repertório sócio-cultural e, em termos práticos, leu muito mais e melhor. Postando regularmente links de filmes, reportagens, matérias de jornais e revistas, vídeos e aúdios, não deixávamos que a empolgação inicial morresse com o passar do tempo. Desse modo, os alunos tiveram a oportunidade de assistir a filmes como Meia-noite em Paris (Woody Allen, 2011) – comédia--romântica em que um escritor iniciante viaja no tempo e encontra vários artistas dos movimentos de vanguarda –; Uma noite em 67 (Renato Terra e

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Ricardo Cali, 2010) e Tropicália (Marcelo Machado, 2012) – documentários que falam, respectivamente, sobre o festival da canção de 1967, em que os tropicalistas apresentaram seus primeiros trabalhos, e sobre as etapas do próprio movimento em si; Tribalistas (Guilherme Ramalho, 2002) – DVD lançado junto com o CD, mas que apresenta, além das canções o making off das gravações, em que se pode ver, dentre outras coisas, Carlinhos Brown fazendo arranjos musicais com um aspirador de pó portátil; Lixo Extraordi-nário (Lucy Walker e João Jardim, 2010) – documentário que relata o trabalho do artista plástico Vik Muniz com catadores de material reciclável em um dos maiores aterros controlados do mundo, o Lixão de Jardim Gramacho, em Du-que de Caxias – RJ. Todos esses vídeos estavam disponíveis no site YouTube.

Decorrido um mês da proposição feita – tendo as aulas seguido nor-malmente sua rotina para dar conta dos outros 70% da nota trimestral –, finalmente chegamos ao dia da apresentação. Para uma ocasião como essa, ter proposto trabalhos para serem apresentados em vídeo tem lá suas van-tagens em comparação ao que pode ocorrer com outros trabalhos lúdicos: como material já está pronto, cabe ao grupo apenas exibi-lo sem que o ner-vosismo habitual possa prejudicar de algum modo seu desempenho. Um outro detalhe igualmente merecedor de destaque é o seguinte: como esses (anti)movimentos não são propriamente opostos ou rivais, mas, pelo con-trário, acabam complementando-se, o clima de cooperação entre os grupos foi enormemente saudável, fazendo com que, inclusive, toda a turma tenha participado de ambos os trabalhos. Enfim, como normalmente acontece quando se propõem trabalhos que, embora complexos, oportunizam a li-berdade criadora dos alunos, os resultados foram divinos, maravilhosos.

O grupo da Tropicália surpreendeu logo de início ao entregar um DVD que parecia ser do filme de Marcelo Machado, mas que, na verdade, era de-les próprios. Ao invés dos retratos de Gilberto Gil, Rita Lee, Caetano Veloso e Tom Zé, estavam estampados na capa os rostos de quatro alunos que ali figuravam como os verdadeiros artistas. Com esse pequeno-grande gesto, já nos detalhes, podíamos observar a atitude parodística, a heresia poética, que tão bem caracterizava aquele movimento de raízes antropófogas. No lugar da célebre frase dita por Caetano no Festival Internacional da Canção

de 1968, no discurso que antecedeu sua execução de “É proibido proibir” – “Vocês não estão entendendo nada” –, o grupo decretou: “Agora vocês entenderão tudo”. Simulando um comentário da crítica e fazendo um tro-cadilho com o nome do professor, estampava-se na parte de trás da capa: “Hilário e esclarecedor!”. E, por fim, também na parte traseira e repetida dentro da capa em tamanho maior, brilhantemente reproduzida, de manei-ra idêntica à original, estava a emblemática foto que ilustrava a capa do LP Tropicália ou Panis et Circenses. Só que cada aluno do grupo assumiu o pa-pel de um daqueles tropicalistas: com a riqueza de detalhes de tomarem os lugares de Capinan e Nara Leão, que, na foto original, estavam em quadros nas mãos de Gil e Caetano. Fenomenal. No documentário, entrevistas com os artistas, clipes das canções, tudo com muita alegria e descontração, sem perder, com isso, a profundidade do conteúdo. É importante ainda ressaltar que, no meio dessa festa tropical, pulava, dançava e cantava uma de nossas alunas cegas, oriundas do convênio que tem o Colégio Pedro II com o Insti-tuto Benjamin Constant. Perfeito!

Por sua vez, os Tribalistas não fizeram por menos e, embora não tenham reproduzido a capa com calda de chocolate do CD original, fizeram não apenas um documentário, mas uma grande paródia da grade de programa-ção televisiva do Brasil e seu público fiel. Como se houvesse alguém com um controle remoto na mão, mudando de canal constantemente, o vídeo estava editado alternando fragmentos de comerciais, programas, filmes etc. O nú-mero indicativo do canal selecionado aparecia no canto superior direito da tela. Em dois momentos, o inquieto telespectador resolveu parar e assistir ao que se passava. No primeiro deles, exibia-se o programa “Casos de Famí-lia”, do SBT, no qual se debatia o polêmico tema “Minha filha é moderninha”. Ironizando, portanto, esses programas de auditório que abrem ao público as discussões que pertenceriam ao ambiente privado do lar, os alunos promove-ram o embate entre as posturas conservadoras e progressistas, relacionando as atitudes comportamentais aos princípios estéticos modernistas, a partir do caso de uma jovem fã dos Tribalistas, incompreendida e considerada inadequada pelo ponto de vistas dos pais tradicionalistas. Com o fim do programa, o suposto telespectador continuou mudando de canal até encon-

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trar um programa de entrevistas que, por mera coincidência e para a sorte desse agora intrigado ser, recebia ali como convidados Arnaldo Antunes, Marisa Monte e Carlinhos Brown. Daquele modo, seria possível entender um pouco mais a respeito desse movimento pelo qual aquela “filha moder-ninha” era tão apaixonada. O que se pode dizer? Absolutamente fantástico!

Trabalhos tão bem realizados como esses dois aqui relatados revelam--nos a grande injustiça que nosso sistema de notas representa: os meninos aprenderam muito mais, porém isso se refletiu em menos da metade da nota estampada no boletim. Ou seja, apresentações que mereciam nota 10,0 com louvor, só puderam receber até, no máximo, 3,0. Infelizmente, o peso da avaliação formal escrita ainda é o elemento determinante dos rumos da relação ensino-aprendizagem na escola. No entanto, apesar de tudo isso, a melhor resposta que um professor pode ter, quando se propõe a construir e defender uma prática pedagógica inovadora, lúdica e criativa é o feedback dos alunos. Avaliações em geral provocam medo, pavor e trau-mas. Essa resultou em aumento de autoestima e agradecimentos. Depois das apresentações, o grupo de Facebook não parou quieto e na postagem de uma fotografia na qual os alunos apareciam comemorando e se confraterni-zando em uma lanchonete, lia-se o seguinte:

Lucas: (...) Se muitos dos professores se inspirassem no senhor e adotas-sem metodos propios e dinamicos em suas aulas, cativaria muitos alunos a entenderem e aprenderem aquela materia, buscando ir alem da escola e pesquisando por fora, abrindo seus conhecimentos, e trazendo a escola um pouco mais perto do q ela deveria ser: um lugar onde se formam men-tes ciritcas q possuem pensamento propio, nao alienados q seguem um padrao arcaico de ensino e possuem mentes fechadas. (Facebook - 25 de agosto de 2013 às 13:59)

Jamila: Ook, Hilário, desculpa por essas falhas no conteúdo :(Mas fiquei muito feliz com o resultado do trabalho, como um todo, que foi feito com a participação de todos (mesmo! o que acontece muito ra-ramente), com ideias, sugestões, dedicação e muitas risadas. Já estamos muito animados pro trabalho do 3º trimestre, que eu imagino que vá ser ainda melhor do que esse. (Facebook - 25 de agosto de 2013 às 14:04)

Carol: Confesso que nunca fui amante da literatura, pelo contrário, exa-tas é minha verdadeira paixão. Com isso e com muitos boatos que rolam por aí, já comecei o ano desanimada. Admito que gostei de ter começado dessa maneira, porque não tem nada melhor do que ser surpreendida! Me peguei dizendo que uma das melhores aulas que tenho é de literatura e que acho uma pena ser uma vez só na semana. Compartilhando isso, vi que não era a única que tinha esse pensamento. Ficamos MUITO felizes de ver o quanto nosso trabalho foi reconhecido! Não tem nada mais gra-tificante e motivador, como a Jenny disse. É super chato quando damos tudo de nós e só recebemos críticas. Sei que são construtivas, claro! Mas não deixa de ser um tanto desanimador. Então professor, nós é que te agradecemos e MUITO pelo reconhecimento que nos foi dado e pela aula sensacional que temos toda quarta-feira. Acredito que eu esteja falando por todos, então 35x Muito Obrigado!(Facebook - 25 de agosto de 2013 às 14:11)

O que nos parece fundamental nessa experiência é que, mesmo diante de um programa engessado, com avaliações formais castradoras e de pesos desproporcionais, tal qual Carlos Drummond de Andrade (1973) em “A flor e a náusea”, pudemos ver que “Uma flor nasceu na rua!”. E, assim como aquela forma insegura, feia e sem nome foi capaz de encontrar o caminho por onde romper o asfalto, nós também buscamos nas frestas do sistema o espaço para desenvolver uma pedagogia lúdica e criativa. Como Oswald propôs no Manifesto Antropófago, deixemos as catequeses de lado e façamos o car-naval: “A alegria é a prova dos nove”. Enquanto nas outras salas as pessoas estão apenas ocupadas em nascer e morrer, nossa juventude não quer mais ser audiência para a solidão. Precisamos abrir os caminhos para uma escola

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mais viva, que dialogue com a contemporaneidade e com seus dramas, sem que isso signifique abrir mão do nosso patrimônio histórico-cultural, mas, pelo contrário, atribuir-lhe um novo sentido, um novo sabor. Aliás, aqui vai uma crítica que não poderia ficar de fora deste relato de experiência: essa atividade foi uma prática pedagógica desenvolvida numa turma regular e, portanto, esteve ao alcance de todos, ao invés de ser realizada num projeto extraclasse, que, embora obviamente tenha muito valor e mérito, sempre se limitará a um seleto grupo de alunos. Esse aprendizado só é possível se houver troca, envolvendo, assim, todos aqueles que estejam inseridos nesse processo. É colocar em prática, portanto, aquilo sobre o qual falou Marisa Monte a Nelson Motta: “Acho que na vida alguns resultados mais interes-santes são os frutos da coletividade, com transformação mesmo da vida”.

REfERêNCIAS

ANDRADE, C. D. de. Reunião: 10 livros de poesia. 3.ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1973.

ANDRADE, O. Manifesto Antropófago. Revista de Antropofagia, Ano I, nº 1, maio de 1928.

BAUDELAIRE, C. As flores do mal. Texto Integral. São Paulo: Martin Claret, 2002.

CANDIDO, A. & CASTELLO, J. A. Presença na literatura brasileira – modernismo. São Paulo – Rio de Janeiro: Difel, 1975.

O RAPPA. O silêncio q precede o esporro. CD. Warner Music Brasil LTDA, 2003.

PENNAC, Daniel. Como um romance. Rio de Janeiro: Rocco, 1993.

TRIBALISTAS. Cd. EMI, 2002.

TROPICÁLIA OU PANIS ET CIRCENCIS. LP. Phillips Records, 1968.

VELOSO, C. Caetano Veloso. LP. Polygram, 1967.

_____. Verdade tropical. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

www2.uol.com.br/tribalistas/entrevistas.htm

ANEXOS

Capa do DVD produzido em 2013 pelos então alunos da turma 1307 do Colégio Pedro II – São Cristóvão III

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POR qUE MEUS ALUNOS DIzEM qUE NãO

SãO CAPAzES DE APRENDER INGLêS NA ESCOLA?

RELATO DE UMA EXPERIêNCIA COM PRÁTICA EXPLORATÓRIA

Ana Claudia dos Santos Leoni1

RESUMO Este artigo tem por objetivo primeiramente apresentar de forma resumida o que é Prática Exploratória (PE) e quais são seus benefícios quan-do adotada como abordagem de ensino de língua inglesa. Em seguida, será relatada a experiência de um projeto voltado para o ensino de língua inglesa realizado com jovens carentes estudantes de uma escola mantida por uma ONG localizada numa comunidade do Rio de janeiro, Brasil. Esse projeto serviu como uma oportunidade para colocar em prática algumas das teorias da PE visando o entendimento sobre as dificuldades que jovens das classes minoritárias enfrentam por não acreditarem que são capazes de aprender inglês na escola.

Palavras-chave prática exploratória; ensino de língua inglesa; jovens carentes.

UM BREVE ESCLARECIMENTO SOBRE

O qUE é PRÁTICA EXPLORATÓRIA

A vida na pós-modernidade muitas vezes parece estar caracterizada pelo au-tomatismo. Os seres humanos convivem não raramente com a falta de tempo para dedicar alguns preciosos momentos à reflexão sobre o porquê de simples ações cotidianas. Por isso, antes do relato de experiência em si, há uma bre-ve introdução sobre o que é Prática Exploratória e algum de seus benefícios ao buscar entendimento para conflitos ou situações rotineiras ocorrentes nas

salas de aula. Fatos que às vezes por ausência de estratégias pedagógicas apro-priadas para serem pesquisados, infelizmente, acabam se tornando parte do currículo oculto.

A Prática Exploratória (PE) é uma abordagem de ensino, principalmente de Língua Inglesa, que vem sendo divulgada mais ou menos há duas déca-das internacionalmente e no Brasil, onde é desenvolvida por pesquisadores da PUC-Rio. A PE propõe-se a promover entendimentos sobre questiona-mentos emergentes nas salas de aula. Partindo de uma simples atividade pe-dagógica2 como a leitura e interpretação de um poema ou letra de música, os “practitioners” – quase sempre professores e estudantes, pois esse é o nome dado aos participantes das investigações propostas pela PE – buscam diferen-tes formas de pesquisa para responder questões elaboradas por eles mesmos associando o tema abordado num simples texto ou numa conversa informal às situações pertinentes da sala de aula. Normalmente, essas questões come-çam com “Porque”, como por exemplo: “Por que meus alunos acreditam que eles não são capazes de aprender Inglês na escola?”, pergunta que nesse relato servirá para ilustrar a funcionalidade da PE numa situação prática.

Na Inglaterra, a Prática Exploratória tem como criador e mentor o Professor Dick Allwright, dedicado aos estudos de Linguística Aplicada. Allwright define PE como sendo: “uma forma indefinidamente sustentável para professores e alunos nas salas de aula de línguas, enquanto envolvidos com seus ensinos e aprendizagens, desenvolverem seus próprios entendi-mentos sobre a vida na sala de aula de língua”. (ALLWRIGHT, 2014: 9) Atra-vés da experiência que será relatada a seguir, será possível verificar como os exercícios propostos pela Prática Exploratória são capazes de promover o diálogo e com isso, diminuir a distância que separa professores e alunos. Esses últimos sendo avaliados por Allwright e Hanks como “pessoas únicas que aprendem e se desenvolvem melhor quando o fazem à sua maneira” e “quando estão em um ambiente de apoio mútuo”. (ALLWRIGHT e HANKS, 2009: 7)

As questões e os “porquês” investigados tendem a ser do interesse dos estudantes e desta forma, a aprendizagem passa a ser mais significativa. Ain-da de acordo com Allwright e Hanks (2009) os/as estudantes são capazes

1 Ana Claudia dos Santos Leoni é graduada em Letras- Português/Inglêse suas respectivas Literaturas pela Faculdade CCAA e concluintedo Curso de Especialização em Língua Inglesa pela PUC-RJ.Atua como professora de inglês na SME-RJ.

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de considerar sua aprendizagem com seriedade adquirindo mais liberdade para terem autonomia sobre as formas de pesquisa e organização de dados para responderem os questionamentos em foco. Como resultado, esses in-divíduos podem ficar cada vez mais responsáveis pelo seu aproveitamento acadêmico e vão aos poucos se tornando pesquisadores desenvolvendo-se “como construtores do seu processo de aprendizagem”. (ALLWRIGHT e HANKS, 2014: 7) Com todas essas vantagens, os exercícios da PE acabam promovendo um bem estar na sala de aula, muitas vezes diminuindo o es-tresse e o risco de “burn out” docente e discente.

A seguir com o relato de experiência, essas concepções teóricas sobre a PE, poderão ser expostas através de um exemplo prático.

“Por que meus alunos dizem que não são capazes de aprender Inglês na escola?”

Na minha carreira profissional tive a oportunidade de trabalhar com al-guns projetos pedagógicos socioeducativos. A experiência com ensino de lín-gua inglesa que será aqui relatada aconteceu numa ONG situada no Morro do Pavão-Pavãozinho, comunidade da Zona Sul do Rio de Janeiro. Essa insti-tuição abrigava na época crianças, a maioria em risco social, da creche até o nono ano do ensino fundamental.

A instituição funcionava em ritmo de escola integral. Pela manhã, as crianças e jovens tinham as aulas regulares determinadas pelo currículo na-cional. No turno da tarde, diversas atividades extracurriculares eram ofereci-das, entre elas: yoga, capoeira, basquete, além de consultas com psicólogos. É importante salientar que os/as estudantes também recebiam reforço escolar porque havia no turno da tarde um horário determinado para realização das tarefas de casa passadas pelos professores no turno da manhã.

Cheguei a essa escola em março de 2015 sendo contratada para trabalhar remuneradamente, como professora de Língua Inglesa. Na época, estava fazendo o curso de especialização em Língua Inglesa na PUC-Rio e decidi me dedicar voluntariamente para trabalhar com alguns adolescentes dando aulas extras de Língua Inglesa, aplicando as estratégias da Prática Explora-

tória, às terças-feiras, no turno da tarde. O desafio seria trabalhar voluntariamente com os alunos do 8° ano.

Como o maior objetivo da Prática Exploratória é promover entendimento seria uma boa ideia investigar as razões pelas quais esses alunos repetiam declarações do tipo: “não falo nem português, imagina inglês”. Mesmo com as tentativas de motivá-los conversando muito sobre preconceito linguísti-co, provocando-os para refletir sobre o porquê de acharem que não falavam “nem português” e negociando para saber o que poderia ser feito para tornar as aulas mais interessantes para eles, as afirmativas desagradáveis continua-vam: “desista de nós, ninguém aprende inglês na escola”.

Lendo textos teóricos sobre a Prática Exploratória na especialização decidi investigar o meu “puzzle” – termo técnico usado para se referir às questões formuladas sobre os enigmas existentes na sala de aula. O puzz-le era: “Por que meus alunos dizem que eles não são capazes de aprender inglês na escola?”. O 8° ano foi escolhido porque era formado pelo grupo mais resistente à aprendizagem da língua inglesa. Na verdade, era o grupo mais problemático da escola em 2015. Indisciplina, além da falta de interes-se, respeito e compromisso com as tarefas eram características atribuídas a esses alunos pela maioria dos professores e professoras. Particularmente, nunca houve conflitos com nenhum dos alunos, mas muitos deles dormiam durante as aulas, outros insistiam em jogar bolinhas de papel e a maioria conversava paralelamente às explicações. Talvez essa indisciplina se tornas-se maior nas aulas de inglês porque sabiam que era evitado ao máximo re-tirar alunos da sala por causa do mau comportamento. Contudo, o tempo gasto com conversas sobre as atitudes de rebeldia da turma era muito gran-de, deixando-se sempre claro que conversar sobre “os porquês” de certas situações fazia parte da aula.

Era interessante observar que os/as próprios(as) alunos e alunas pediam para serem tratados com gritos e expulsões da sala. Quando perguntados sobre as razões pelas quais deveriam ser tratados dessa forma alguns respondiam: “nós não temos jeito”. As aulas regulares do 8° ano no mês de março acabaram consistindo em 90% do tempo de aula para conversas so-bre o mau comportamento da turma e 10% de conteúdo da matéria. Toda

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dificuldade para trabalhar com esse grupo, somado ao fato deles repetirem várias vezes que não tinham “oportunidades porque todas elas eram dadas ao 9ano” foram cruciais para se tornarem alvo de investigação.

Uma proposta de projeto foi entregue à direção da escola explicando o que era a Prática Exploratória e quais eram seus objetivos junto àqueles es-tudantes. A intenção inicial era trabalhar com um grupo pequeno de alunos, somente com os interessados pela proposta do projeto. Como não havia ne-nhuma outra opção de atividade extracurricular para o 8° ano na terça-feira à tarde, a coordenação pediu para que o trabalhado com a PE fosse realizado com todo o grupo. Seria um grande desafio, mas contando com o apoio de dois outros voluntários, estrangeiros em projetos de intercâmbio na PUC--Rio, no final de março, tivemos nosso primeiro encontro no turno da tarde.

Atendendo aos pedidos dos alunos e fugindo da tradicional sala de aula, usamos outro espaço para os encontros – uma sala parecida com um estúdio de dança. Num espaço tão grande, os adolescentes se viram livres e a indis-ciplina da sala de aula parecia ter redobrado. A maioria corria pela sala, dan-çava, cantava, faziam tudo, menos se engajarem nas atividades propostas. A frustração foi surgindo juntamente com a certeza de que tentar controlá--los seria em vão. Normalmente resistiam às tarefas, quando percebiam que eram interessantes e decidiam participar, o tempo já havia se esgotado.

Um dia, por exemplo, os alunos tinham que “escrever” um número com o dedo nas costas do colega para ser adivinhado. Poucos começaram a brincadeira, mas quando os resistentes sentiram que estava sendo diver-tido participaram de alguns minutos da atividade, inclusive dizendo os números em inglês. Contudo, o tempo já estava escasso. Ficava sempre a impressão de que poderíamos ter feito mais se não houvesse a indisciplina. Na verdade, todos estavam tendo liberdade para participar ou não. A opor-tunidade de desenvolver as tarefas estava sendo oferecida a todos, por isso, mesmo com o desapontamento, as atividades aconteciam com os poucos estudantes que queriam realmente participar. Os alunos do 8° ano estavam exercitando o livre arbítrio.

A convicção de não gritar ou punir foi mantida. Todavia, os encontros continuavam sendo estressante porque algumas vezes havia alunos que fu-

giam da sala para atrapalhar outros grupos em atividades extracurriculares acontecendo paralelamente as nossas aulas. Curiosamente, os alunos que se dedicavam às atividades pedagógicas sendo propostas surpreendiam. Uma vez o desafio proposto ao grupo foi fazer em cinco minutos uma lista com palavras estrangeiras que eles conheciam para tentar motivá-los a per-ceber que sabiam algo sobre outras línguas e refletirem sobre a influência da globalização no léxico da língua portuguesa. Palavras em inglês eram esperadas, mas nessa atividade um dos 4 meninos que aceitaram o desafio entregou uma lista com várias palavras em alemão. Com o fato inusitado, o menino foi questionado sobre como adquirira conhecimento sobre a língua alemã. Ele explicou que sabia aquelas palavras e o que elas significavam porque assistia aos jogos de basquete de times alemães e pouco a pouco foi se interessando pela língua e cultura desse país. Durante os encontros à tarde, esse jovem foi um dos que mais se destacou nas atividades propostas demonstrando comportamento muito diferente daquele aluno apático das aulas regulares nas quais quase sempre dormia 80% do tempo porque pas-sava a noite assistindo os tais jogos de basquete.

Nos últimos encontros antes das férias de julho, a situação foi ficando insustentável. Alguns dos alunos “fugiam” dos encontros deixando a preo-cupação sobre o que poderiam estar fazendo. Se a direção fosse comunica-da sobre o péssimo comportamento da turma, muito provavelmente eles seriam punidos. Conversamos muitas vezes sobre as consequências que tal falta de respeito e engajamento nas tarefas poderia causar para eles, caso a direção soubesse que ao invés de participarem das aulas, quando não fugiam, eles cantavam, dançavam, gritavam e se atracavam brincando como se fossem crianças com idade bem inferior a deles, que tinham em média de 13 a 15 anos.

Por volta do antepenúltimo encontro, os outros voluntários e eu está-vamos trabalhando com o pequeno grupo de interessados quando um dos inspetores apareceu de surpresa para averiguar como o 8° ano estava se comportando. Ao verem o inspetor se aproximar, todos correram e fingiram estar participando entusiasmadamente das atividades. Nesse dia, o inspetor foi embora acreditando que tudo estava bem. Quando ele saiu, conversa-mos mais uma vez sobre o comportamento deles e foram prevenidos sobre

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uma tomada de atitude diferente da próxima vez que o inspetor aparecesse para verificar como estava a aula. Alguns deles pareceram tocados ou ame-drontados por causa de uma possível punição, mas a desejável melhora do comportamento, não aconteceu.

No penúltimo encontro antes do nosso recesso de julho, o inspetor des-confiado passou novamente para ver como estava a aula. Dessa vez, apenas cinco meninos estavam participando, os outros estavam cantando, dançan-do, gritando e, inclusive, “fugindo” para quadra de basquete para implicar com alunos das turmas que estavam fazendo outras atividades. Nesse dia não houve perdão. Os alunos “fujões” já tinham feito besteiras pela escola, como por exemplo, jogar pedras na creche vizinha ou botar fogo no jardim, felizmente fatos que nunca ocorreram durante nossos encontros, mas que preocupavam, pois se uma atitude não fosse tomada, eles poderiam se en-volver nesses tipos de problema. Vendo o inspetor, quando os bagunceiros correram para fingir que estavam participando, foram impedidos de se jun-tar aos poucos alunos que estavam empenhados na tarefa proposta.

O inspetor ligou para a direção no mesmo momento, os voluntários e eu continuamos nosso trabalho com os meninos que queriam participar enquanto os “bagunceiros” ficaram quietos e tensos imaginando qual tipo de punição eles receberiam. Na semana seguinte veio a informação de que todos que não estavam participando das atividades receberam advertência na agenda. Além disso, a diretora pediu para que cada aluno preparasse um exercício escrito em inglês para que eles valorizassem o trabalho do profes-sor. Alguns pais entraram em contato para pedir desculpas e, mesmo sendo punidos, os alunos entenderam que a indisciplina da maioria do grupo nos encontros tinha sido abusivo.

Com toda confusão, me senti frustrada por não ter conseguido realizar nesses primeiros meses nenhuma atividade que me fizesse acreditar estar realmente trabalhando com as estratégias da Prática Exploratória, mas a sede pela busca de entendimento continuava. No nosso último encontro antes do recesso, os alunos responderam um questionário reflexivo sobre o insucesso do projeto. O resultado foi surpreendente. Antes mesmo de res-ponder as questões propostas, alguns disseram que não se comportavam por-

que tinham sido obrigados a participar e não gostavam dessa obrigatoriedade.Ao falarem sobre as atividades realizadas, alguns conseguiram lembrar

muitas das tarefas propostas e, mesmo sem saber o que é um planejamento pedagógico, juntos conseguiram inferir o objetivo de cada atividade, que quase sempre consistiam em fazer com que utilizassem seus conhecimen-tos prévios sobre a língua inglesa para desenvolver tarefas de autoconhe-cimento como a criação de um perfil para uma rede social. Infelizmente, durante esse debate, alguns alunos declararam novamente: “desista de nós, nós não vamos aprender inglês”.

Após o recesso do meio do ano foi tudo diferente. Parte da turma teria aula de instrumentos de percussão nos horário que realizávamos nossos encontros. Com isso, só 10 alunos ficariam com tempo vago de 14:00 até 16:30. O desafio continuaria sendo grande porque os alunos que ficaram para as aulas de inglês foram os mais apáticos e as meninas, aparentemente, não se interessavam por nada. A coordenação permitiu o prosseguimento do nosso projeto novamente sugerindo que o trabalho fosse realizado com todo o grupo por duas horas. Dessa vez, no entanto, foi possível argumen-tar em favor de um trabalho com grupos menores em dois horários - eram alunos que precisavam de muita motivação e a Prática Exploratória, por mexer com bases psicológicas, diante de estudantes tão carentes, talvez requeresse um tempo com atenção mais individualizada sobre as questões que poderiam vir a ser discutidas.

Os argumentos foram aceitos e nossos trabalhos recomeçaram com apoio de dois outros alunos de intercâmbio providenciados pela PUC: um português e um australiano, pessoas muito importantes para estabelecer uma relação de afeto com os alunos, que dessa vez também pareciam mais receptivos do que na nossa primeira tentativa. Com um ambiente mais intimista e favorável, finalmente as estratégias da Prática Exploratória conseguiram ser postas em ação.

Continuamos com as atividades pedagógicas trabalhando o conteúdo que os alunos estavam estudando nas aulas regulares. Um dia uma das alunas disse que poderíamos trabalhar com música. Então, fizemos uma votação para decidir qual seria o cantor ou cantora que agradaria se não a

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todos, pelo menos à maioria ali presente. A cantora Alicia Keys foi a esco-lhida. No final da aula, o voluntário australiano sugeriu uma música dessa artista cujo vídeo mostra a realidade de mulheres na África. O nome da canção era “Super Woman” e era apropriada para provocar nos alunos as questões de identidade étnica. Um fato curioso observado era ver alunos negros dando apelidos pejorativos a outros alunos negros como se eles não se vissem como iguais, ou bem parecidos fisicamente, no que diz respeito à cor de pele, estatura e tipo de cabelo. Essa música serviria tanto para tocar nas questões étnicas quanto nas feministas.

A Prática Exploratória parte quase sempre de uma atividade pedagógica comum. No nosso caso, a letra da música foi trabalhada de forma tradicio-nal para uma leitura de texto em outra língua: busca de palavras cogna-tas, uso do dicionário para procurar palavras, entendimento de elementos anafóricos ou catafóricos e interpretação. Fizemos também um exercício de intertextualidade usando um cartun dos Sympsons. No texto, Hommer pergunta à esposa onde estão suas cuecas e Marge, cozinhando e toman-do conta da filha mais nova ao mesmo tempo, pede ao marido que olhe para baixo, pois Hommer já estava vestindo a cueca procurada. Finalmente, um pequeno debate foi proposto sobre o tema apresentado nos dois textos. Os alunos tiveram a oportunidade de expor, entre algumas questões, suas opiniões sobre quem deveria ser o responsável pelas tarefas domésticas e o porquê dessa responsabilidade. Também explicaram as razões pelas quais as mães são Super Mulheres como defendia o cartun.

Após esse procedimento, seguimos com uma atividade um pouco mais exploratória sobre o universo daqueles alunos. Distribuímos um pedaço de papel para cada estudante e, individualmente, cada um poderia escre-ver quem, na opinião deles, era um Super Homem ou uma Super Mulher e o porquê dessa afirmação. Também pedimos que refletissem sobre suas características pessoais e completassem a lacuna da sentença: “I am a Su-per _________ because __________.” (“Eu sou um(a) Super ________ por-que_________.”) A produção dos alunos foi toda em língua inglesa e para tal, contaram com o auxílio dos voluntários e de ferramentas como o uso da Internet e do dicionário, pois dessa vez, por causa do número menor de

alunos em cada grupo, achamos melhor realizar nossos encontros na bi-blioteca justamente porque teríamos acesso a essas facilidades.

Conforme os alunos iam terminando a escrita de suas reflexões, eles eram convidados a colar seus papéis em uma grande folha de papel pardo colada na parede. Curiosamente, talvez por causa da carência, todos que-riam colar seus papéis no centro, mas como não era possível, tiveram que negociar. Com todos os papéis colados discutimos as ideias expostas na-quele primeiro pôster. Algumas delas bem intrigantes: um aluno disse que ele era um super gordo, apesar de estar aparentemente dentro da proporção altura e peso. Quando nós comentamos que ele não era “gordo”, ele expli-cou que sofreu muito com “bullying” na infância devido à obesidade. Uma menina surpreendeu escrevendo: “Eu sou uma super chata porque bato em todo mundo”. Durante as aulas regulares, essa aluna parecia ser a mais quie-ta, mas de vez em quando os colegas reclamavam das suas agressões, nunca percebidas por mim. Após nossa conversa, pedimos ao grupo que desse um nome para nosso primeiro pôster que foi intitulado “Super...”. Nesse encon-tro, a dinâmica da sala de aula e suas inúmeras facetas foram percebidas. Os alunos tinham seus “conflitos”, mas pareciam confortáveis para dialogar sobre eles. A necessidade de desenvolver práticas mais personalizadas com esses alunos carentes ficou clara, pois parecia que alguns deles não tinham com quem conversar.

Algumas aulas se passaram, até que recebemos um convite para par-ticipar do XVI Encontro Anual de Prática Exploratória que aconteceria na PUC-Rio. Como a PE é muito voltada para discutir conflitos da sala de aula, o primeiro pôster produzido foi revisitado. Dessa vez, a proposta se-ria motivar os alunos para participarem do evento e tentar fazer com que associassem as informações expostas no pôster “Super...” com situações vividas naquela escola. Os alunos deveriam formular perguntas começan-do com o pronome interrogativo “Por que”. Pedimos que fizessem um novo pôster com as perguntas sugeridas por eles e que o decorassem de acordo com a vontade deles sob o argumento de que o apresentaríamos num evento e era necessário caprichar naquele trabalho que seria exposto. Papel pardo, caneta hidrocor e dicionários foram distribuídos e nós nos colocamos dis-

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poníveis para auxiliar com a formulação das perguntas em Inglês. Esse dia foi surpreendente, os alunos se reuniram em uma das mesas

da biblioteca e começaram a “trabalhar”. Organizaram-se para ver quem faria a decoração e começaram a conversar sobre as possíveis questões. Fi-camos observando os detalhes do que estava acontecendo com aqueles ado-lescentes auxiliando quando requisitados. Um dos meninos foi eleito para fazer uma ilustração para o pôster, pois desenhar era o seu talento. Muito concentrado na tarefa ele começou a repetir que desenharia o seu pai, um Super Homem. Ao desenhar repetia que seu pai era “um negão fortão - um Super Homem”. Após repetir essas afirmativas por três ou quatro vezes foi interrompido por outro menino que perguntou: “Como seu pai pode ser um Super Homem se ele quase te matou com pancadas quando você era peque-no? O desenhista parou de falar, mas continuou desenhando.

Momentos de interação provenientes das atividades exploratória abrem espaços para reflexões como essa. Em alguns minutos e de forma espontâ-nea, o desenhista foi provocado a repensar sua relação com o pai violento. Mais tarde soube que, na verdade, seu pai o tinha abandonado na infância. Esse fato é doloroso e chocante, mas foi uma oportunidade para que o jovem repensasse sua relação com o pai violento. É impossível determinar como esse aluno processou esse momento vivido. Entretanto, foi possível lembrar de alguns momentos nas aulas regulares nos quais tal menino demonstrava muita apatia, parecia distante, quase sempre imerso nos desenhos que in-sistia em produzir durante as explicações. Talvez os desenhos fossem para ele uma forma de escapismo e tais questões psicológicas poderiam ser a causa do seu desenvolvimento acadêmico ruim. Por coincidência ou não, esse aluno ficou reprovado em muitas matérias no final do ano.

Após os comentários do desenhista que afirmava que seu pai era “um ne-gão”, outro aluno perguntou: “Por que as pessoas negras sofrem bullying?”. Em seguida, novas questões foram surgindo em torno desse mesmo assunto: “Por que as pessoas brancas e ricas são racistas? E ainda a pergunta do aluno que tinha sofrido com a obesidade infantil: “Por que os alunos gordos sofrem bullying?”. Os alunos escreveram as perguntas em Inglês em volta do desenho do Super Homem, produzindo assim um segundo pôster.

Após esse encontro ficou evidente que seria uma boa ideia levar uma proposta de pesquisa sobre “Bullying” para toda a turma, pois eles esta-vam em época de avaliação. Durante a aula regular seguinte, conversamos e a maioria dos alunos optou pela pesquisa ao invés de fazer uma prova tradicional. Eles organizaram-se em duplas e grupos, houve aqueles que preferiram trabalhar individualmente. Alguns tópicos de pesquisa foram elicitados, como: “O que é bullying e quais as razões para que ele aconte-ça?”; “Quais são as consequências do bullying?”; “Quais são as razões para o bullying contra negros e obsesos?”; “Quem foram algumas pessoas negras que mudaram a história?”. Os alunos receberam alguns links da Internet como fonte inicial segura de pesquisa, que poderia ser em inglês ou em por-tuguês, contanto que na produção final houvesse algo em inglês.

Os estudantes realmente se engajaram na pesquisa, mas disseram não estar com tempo para apresentações porque estavam em semana de provas. Com isso, ficou acordado que teriam uma aula para organização dos dados e apresentação. No dia determinado, a turma se separou em grupos e produ-ziram pôsteres em cartolina desenvolvendo alguns dos tópicos sugeridos. Até os poucos alunos que não se dedicaram à pesquisa, expressaram suas ideias sobre as questões propostas usando as suas vivências, pois a maioria dos alunos da turma eram afrodescendentes. Alguns alunos se destaca-ram assistindo filmes sobre ícones como Martin Luther King e Malcom X, ativistas pelos direitos dos negros nos Estados Unidos. Ver a eficiência da Prática Exploratória e o desempenho daquele grupo foi realmente muito recompensador. Entre erros e acertos, o dialogo entre docentes e discentes havia sido alcançado. Os aprendizes realmente pareciam ter se tornado pesquisadores autônomos responsáveis pela sua aprendizagem porque os assuntos discutidos eram dos seus interesses.

Os acontecimentos descritos até aqui seriam suficiente para tentar en-tender responder o “puzzle”: “Por que meus alunos acreditam que não são capazes de aprender Inglês na escola?”, pois percebe-se que há um blo-queio para aprendizagem dessa segunda língua devido a fatos históricos, econômicos, sociais, psicológicos e identitários que influenciam a auto es-tima dos estudantes oriundos das classes minoritárias. Mesmo ciente des-

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ses aspectos, numa das nossas últimas aulas regulares pedi aos alunos que respondessem o “puzzle” diretamente. Entre interessantes declarações ex-pressas em pôsteres produzidos pelos alunos em pequenos grupos ou indi-vidualmente estava a crença de que “Aprender Inglês é para ricos e brancos”; “Inglês se aprende em curso”, deduzindo-se então que só quem pode pagar pelo ensino em instituição especializada teria acesso à aprendizagem dessa segunda língua. Além disso, inesperadamente, a maioria dos alunos refletiu sobre o comportamento da turma apontando a conversa paralela e a indisci-plina como fatores que impediam um melhor rendimento nessa disciplina.

A experiência com Prática Exploratória realmente foi muito enriquece-dora, pois ela ilustrou exatamente o que defende Freire (1996, p.22) “ensinar não é transmitir conhecimento, mas criar as possibilidades para sua produ-ção ou a sua construção”. O diálogo promovido pelas atividades explorató-rias foi capaz de diminuir a distância que me separava daqueles discentes. Com isso, eles revelaram seus interesses possibilitando o desenvolvimento de atividades reflexivas e significativas para eles. As pesquisas sobre suas origens talvez tenham os ajudado a entender algumas das razões pela qual se encontram na posição social que ocupam hoje. Lembrar que as injustiças existem, mas que existem pessoas que optam por lutar contra o sistema pode ter feito com que aqueles alunos acreditassem mais nos seus poten-ciais aumentando sua autoestima, que talvez também tenha sido afetada positivamente pelos bons trabalhos produzidos numa segunda língua. Na verdade, nós, educadores, nunca saberemos a extensão do nosso trabalho no tocante aos nossos alunos e alunas, mas certamente, precisamos conti-nuar investindo em práticas pedagógicas capazes de formar seres humanos mais reflexivos carregando no coração este pensamento de Freire (1996, p.23): “quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender”. Nessa interação entre docentes e discentes somos todos eternos aprendizes na bus-ca de entendimento para os nossos “porquês”.

REfERêNCIAS

ALLWRIGHT, D. Teacher-Researchers in Action. Gediz University, Turkey, June 2014.

ALWRIGHT, D; HANKS, J. The Developing Learner: An Introduction to Exploratory Practice. Basingstoke, UK: Palgrave Macmillan, 2009.

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

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AULA DE PORTUGUêS: REfLEXÕES

ACERCA DO ENSINO DE GRAMÁTICA

Mônica Tavares Orsini1

RESUMO Este texto tem como objetivo discutir a gramática ensinada pelos professores de português na educação básica, tendo como pressupostos te-óricos conceitos amplamente discutidos pela Sociolinguística, como os de variação, norma, adequação e mudança linguística, e pela Teoria Gerativa, como o de gramática. Para tal, fornece dados de diferentes fenômenos mor-fossintáticos, extraídos de textos escritos cultos, produzidos por falantes cultos brasileiros, a fim de defender a tese de que a norma culta escrita ab-sorve, ainda que lentamente, as mudanças ocorridas numa língua ao longo do tempo. Tal fato torna imperativa a necessidade de rever a norma grama-tical ensinada pelas escolas, já que a norma culta praticada não reflete, na sua totalidade, a norma padrão, prescrita pelos compêndios gramaticais e livros didáticos. Palavras-chave português brasileiro; gramática; ensino; norma culta predica-da; norma culta praticada.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Há décadas os professores de língua portuguesa do ensino básico discutem metodologias mais eficazes para o ensino de gramática em suas aulas. Nes-te sentido, a questão permaneceu restrita ao como ensinar, sendo aponta-do como responsável pelo fracasso escolar o uso de métodos antiquados e ineficientes.

Mais recentemente, a Sociolinguística, área da Linguística que investiga

1 Professor Associado II do Departamento de Letras Vernáculas, Setor de Língua Portuguesa, da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professor Colaborador do Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da FL / UFRJ. Desenvolve pesquisa na área de sintaxe com vistas a incrementar as discussões acerca do ensino de Língua Portuguesa na educação básica. Endereço eletrônico: [email protected]

a relação intrínseca entre a língua e a sociedade, provou que as línguas são sistemas “heterogeneamente ordenados”, passíveis de variação pela ação de fatores linguísticos e sociais. Tal variação pode provocar mudanças grama-ticais ao longo do tempo, fazendo com que a(s) norma(s) de prestígio do passado não sejam mais a(s) do presente. O reconhecimento por parte dos professores de português da dinamicidade inerente a toda língua tem con-tribuído decisivamente para a inserção de novos temas para debate.

Sabendo que a variação é um fenômeno inerente a todo sistema linguís-tico e que esta pode provocar mudanças gramaticais nas línguas, que gra-mática deve ser ensinada pelos professores de Português? Deve-se ensinar a norma padrão, isto é, aquela descrita pelos livros e compêndios gramati-cais, imutável e estática, ou a norma culta praticada, isto é, o conjunto de regras fonomorfossintáticas efetivamente utilizadas pelos falantes cultos em situações de fala e de escrita formais?

Pressupondo como urgente a necessidade de discutirmos não só meto-dologias mais eficientes para o ensino de gramática, mas também os con-teúdos gramaticais a serem ensinados nas aulas de português, este artigo objetiva responder a seguinte questão, tendo como aporte teórico os con-ceitos de gramática, norma, variação, mudança e adequação linguísticas: que gramática o professor de português deve ensinar: aquela que reflete a norma padrão ou a que reúne as regras da norma culta efetivamente prati-cada pelo letrado brasileiro2?

A POLISSEMIA DO TERMO GRAMÁTICA

É comum entre os professores de português o consenso de que a gra-mática consiste em um “conjunto sistemático de normas para bem falar e escrever, estabelecidas com base no uso da língua consagrada pelos bons escritores” (FRANCHI, 2006: 16). Esta gramática, também denominada de

2 O termo letrado é aqui empregado para definir o indivíduo que passou por todo o processo de escolarização, tendo terceiro grau completo.

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norma padrão, é ensinada aos educandos durante o processo de letramento, estando presente nos materiais didáticos produzidos.

Contudo, é preciso considerar que o termo gramática é polissêmico e, portanto, não se define apenas como norma padrão. Além desta percepção, há a compreensão, entre os linguistas, de que todo ser humano, exposto a uma língua, desenvolve, a partir do input recebido, uma gramática, a gra-mática internalizada que lhe permite comunicar-se desde muito novo. Esta, diferentemente da norma padrão, decorre do processo de aquisição da lin-guagem, que é natural e espontâneo. (cf. KENEDY, 2013)

Segundo os pressupostos da Teoria Gerativa, o domínio desta gramática dá ao indivíduo a possibilidade de reconhecer como gramaticais estrutu-ras da sua língua e, ao mesmo tempo, interpretar como agramaticais cons-truções que não aplicam as regras por eles adquiridas. Assim, construções como (1a) e (1b) são gramaticais, enquanto (1c) é agramatical, isto é, não pertence à gramática do português.

(1a) Os meninos quebraram a vidraça.(1b) Os menino quebrou a vidraça. (1c) * vidraça os quebraram a meninos.

É preciso estabelecer a diferença entre os conceitos de gramatical / agra-matical e certo / errado. Respaldados pelos princípios que fundamentam a gramática normativa, os professores de português costumam confundir as noções de certo e errado com as de gramatical / agramatical, promovendo um ensino de gramática que trata como legítimo somente o que a tradição gramatical aponta como correto e excluindo inúmeras variantes linguísticas que são realizadas pelos falantes brasileiros.

Neste texto, tratamos as noções de gramatical / agramatical e certo / errado como diferentes. Se o binômio gramatical / agramatical remete ao modelo teórico gerativo de descrição da língua, o binômio certo / errado emerge do modelo clássico, que orienta a construção das gramáticas nor-mativas. Entendemos que é necessário que o professor de português, saben-do que nem toda forma gramatical é avaliada como correta pela gramática

normativa, como exemplificado em (1b), contemple, de forma comparativa, todas as formas linguísticas gramaticais, sejam elas pertencentes às varie-dades de prestígio ou não, uma vez que todo sistema apresenta uma plura-lidade de normas.

No âmbito do Português Brasileiro, é importante que se discuta a cons-tituição da norma eleita como padrão.

A norma culta predicada

A norma padrão, aqui denominada de norma culta predicada, reúne as regras gramaticais do padrão escrito lusitano, utilizado pelos escritores ro-mânticos no final do século XIX. Assim, a lusitanização da escrita reflete um “projeto político da elite brasileira pós-independência de construir uma na-ção branca e europeizada (...) o que significa distanciar-se (...) da população etnicamente mista e daquela de ascendência africana.” (FARACO, 2008: 110).

Pagotto (2013), ao desenvolver um estudo comparativo dos textos da Cons-tituição do Império, de 1824, e da Constituição da República, de 1891, observa que o Português normatizado, recomendado pelos manuais de gramática (cf. CUNHA e CINTRA, 1985) e ainda ensinado pela escola, incorporou as mu-danças decorrentes da passagem do Português Clássico para o Português Mo-derno à revelia dos processos de mudança em curso no Português Brasileiro.

Em outras palavras, enquanto em Portugal os falantes cultos conferiram às formas inovadoras o estatuto de forma de prestígio; no Brasil, as mudan-ças em curso no Português Brasileiro não foram tratadas como formas de prestígio e o fim do século XIX consolidou uma norma padrão, importada de Portugal, fruto das mudanças ocorridas no vernáculo europeu, não no vernáculo brasileiro.

No Brasil, observaram-se, portanto, dois movimentos no decorrer do século XIX: de um lado, em textos mais formais, escolhas linguísticas que refletiam a norma padrão do Português Europeu Moderno; de outro lado, em textos mais próximos do vernáculo falado, a presença de estruturas que refletiam as mudanças em curso no Português Brasileiro, como, por exem-plo, a preferência pela proclitização. Esta situação contribuiu para o maior

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distanciamento entre a norma prescrita pelas gramáticas tradicionais e a norma culta praticada, isto é, o conjunto de regras efetivamente emprega-das pelos falantes cultos em situações monitoradas de fala e de escrita.

Tendo apresentado a origem da norma padrão e a situação linguística do Brasil no final do século XIX, informações relevantes para as reflexões que se colocam neste texto, passamos a apresentar fatos linguísticos que revelam que a norma culta praticada na escrita brasileira contemporânea não reproduz fielmente a norma culta predicada pela gramática normativa.

A norma culta praticada

Nesta seção, objetivamos reunir exemplos de usos linguísticos utilizados por falantes cultos em textos monitorados a fim de reforçar a tese de que a norma culta praticada não reproduz fielmente as regras prescritas pela tradição gramatical. Para tal, serão abordados os seguintes fenômenos mor-fossintáticos variáveis: presença x ausência de concordância verbal, estraté-gias de indeterminação do sujeito, estratégias de representação do objeto direto e do objeto indireto anafórico, preenchimento x não preenchimento da posição do sujeito e a alternância entre as formas pronominais tu e você.

Quanto ao fenômeno da concordância verbal, encontramos, no Portu-guês Brasileiro culto escrito, uma variação sistemática em estruturas com-plexas com núcleo do sujeito singular, exemplificada em (2).

(2) Lembramos que a estipulação dos prazos acima decorrem de necessidade de melhor aproveitamento dos recursos disponíveis para o exercício de 1994. (Ofício Circular, n. 60, MEC; 17/03/1994. In: SCHERRE e NARO, 2014: 28).

Scherre e Naro (2014) apontam que o traço [- humano] do núcleo do sujeito aliado a um verbo cuja oposição singular / plural é [- saliente] favo-recem a concordância com o substantivo mais próximo ao verbo, apesar da norma predicada avaliar tal opção como um erro.

A variação entre presença x ausência de concordância verbal também se manifesta em contextos em que o sujeito se encontra posposto ao verbo, como na construção (3), tratada como uma construção irregular pela tradi-ção normativa.

(3) Falta ao governo Fernando Henrique decisões corajosas e firmes, principalmente contra os partidos que o apoiam. (SCHERRE, 2005: 105)

No que tange às estratégias de indeterminação do sujeito, constatamos na escrita culta a inserção de novas possibilidades, além das que são pres-critas pela gramática normativa. Assim, segundo a gramática tradicional, a indeterminação do sujeito só pode ser feita de duas formas:

Verbo na terceira pessoa do plural sem referente determinado.

(4) Roubaram minha carteira na praia.

(b) Verbo intransitivo ou verbo transitivo indireto acompanhado do pro-nome se (índice de indeterminação do sujeito)

(5) Vive-se bem aqui.

Contudo, inúmeros trabalhos revelam que a norma culta praticada apre-senta um se indeterminador com verbos transitivos diretos, decorrência do desaparecimento do se apassivador no Português Brasileiro (cf. DUARTE, 2007). Em (6), a inexistência de concordância entre o SN “as causas” e a forma verbal “ataca” viabiliza a interpretação de que estamos diante de uma construção ativa com sujeito indeterminado, e não de uma construção pas-siva, que apresenta erro de concordância, como defenderiam professores de português mais conservadores e desatualizados.

(6) Não se ataca as causas. (SCHERRE, 2005: 78)

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Outra forma inovadora de indeterminar o sujeito na escrita culta brasilei-ra é por meio do verbo na primeira pessoa do plural, como se verifica em (7).

(7) Realmente não existe mais ética neste país, nenhum princípio mo-ral, nenhum caráter, vivemos numa total inversão de valores. (DUARTE e FREIRE, 2014: p. 125)

Segundo Duarte e Freire (2014), o uso da primeira pessoa do plural, com o pronome preferencialmente nulo, alcança um percentual de 45%, sendo a segunda estratégia mais frequente na escrita culta brasileira.

No mesmo texto, Duarte e Freire mostram que, em relação à represen-tação do objeto direto anafórico, o clítico acusativo se encontra em variação com as demais variantes não estigmatizadas, que são o SN anafórico e o objeto nulo. Quanto ao emprego do pronome lexical ele como estratégia de retomada do objeto direto anafórico, os autores evidenciam que, ao contrá-rio do que prescreve a tradição gramatical, o pronome nominativo ocorre de forma expressiva em estruturas complexas em que o elemento marcado com caso acusativo é sujeito de um verbo causativo, ilustrado em (8).

(8) Uma pesquisa da Universidade do Estado de Oregon, nos Estados Unidos, mostrou que a maior concentração de polifenóis – um antioxidante – no chá branco [faz ele ser mais eficaz que o verde na inibição de mutações do DNA, fator causador de tumores.] (DUARTE e FREIRE, 2014: 127)

No que tange ao objeto indireto anafórico, as variantes ao pronome clí-tico lhe também se encontram plenamente implementadas na escrita culta, evidenciando que a escola não consegue recuperar de forma categórica o clítico na escrita.

A preferência do brasileiro em preencher a posição de sujeito, decor-rente da mudança ocorrido no Português Brasileiro quanto à marcação do Parâmetro do Sujeito Nulo (cf. DUARTE, 1995), permite-nos detectar na escrita do letrado brasileiro estruturas condenadas pela escola, como (9a) que coexiste com a estrutura padrão reformulada em (9b).

(9a) A fase religiosa do atacante Fred parece que veio mesmo para ficar. (Jornal O Dia, 29/07/15)

(9b) Parece que a fase religiosa de atacante Fred veio mesmo para ficar.

Normalmente, o verbo parecer não possui sujeito, projetando apenas um complemento oracional. Porém, o letrado brasileiro, influenciado pela mudança ocorrida no Português Brasileiro oral, insere na escrita culta uma estrutura que reflete o movimento do SN sujeito da oração subordinada para a posição de sujeito do verbo parecer.

Por último, mencionamos um fenômeno condenável pela tradição gra-matical: a mistura de pessoas do discurso. Este fenômeno é reflexo da in-serção do pronome você no paradigma pronominal brasileiro em variação com o tu, em algumas regiões do país. Esta alternância justifica, no slogan publicitário abaixo, a presença do verbo vir na segunda pessoa do impera-tivo afirmativo ao lado do pronome você, que deveria levar o verbo para a terceira pessoa do singular, segundo prescreve a norma padrão.

(10) Vem pra caixa você também. (slogan publicitário)

Num primeiro momento, podemos ser levados a pensar que todos os da-dos acima mencionados resumem-se a uma questão de adequação linguís-tica. Portanto, a escolha de uma forma não padrão se justificaria pelo grau de formalidade da situação de comunicação. Porém, o que se pretende aqui enfatizar é que as mudanças linguísticas também atingem a escrita culta, apesar da normatização imposta pelo processo escolar.

Assim, apesar da escola ensinar regras gramaticais do século XIX, o letrado brasileiro, ao redigir seus textos escritos formais, concilia formas conservadoras a formas inovadoras, decorrentes das mudanças em curso no Português Brasileiro, constituindo o que os linguistas denominam de gramática do letrado.

A criança, ao ingressar na escola, é exposta a regras desconhecidas, que não fazem parte da sua gramática internalizada. A competição entre a nor-ma padrão ensinada, que reúne regras do Português Europeu do final do

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CONSIDERAÇÕES fINAIS

Neste texto, procuramos apresentar evidências de que a gramática do letra-do brasileiro, ou seja, a norma culta praticada não é efetivamente a norma culta predicada e, portanto, não é a gramática que vem sendo ensinada nas escolas brasileiras e reproduzida nos livros didáticos. Tal realidade faz com que o aluno se sinta desmotivado durante as aulas, afirmando não saber português.

Os estudos sociolinguísticos referentes à fala e à escrita cultas do Portu-guês Brasileiro trazem uma descrição atualizada da norma culta e, por esta razão, precisam ser de conhecimento do professor de português. Acredita-mos que o domínio deste conteúdo aliado a uma prática pedagógica sensível às diferenças sociolinguísticas tornará a aula de português menos enfado-nha para os alunos, dando a eles a chance de verdadeiramente ampliar seu repertório linguístico, ao conhecer a gramática da escrita culta brasileira.

REfERêNCIAS

CUNHA, C. e CINTRA, L. Nova gramática do português contemporâneo. Rio de Janeiro: Lexikon, 5° Ed., 2008.

DUARTE, M. E. L. A perda do princípio “Evite Pronome” no português bra-sileiro. Tese de Doutorado. Campinas: IEL/UNICAMP, 1995.

______. Termos da oração In: VIEIRA, S. R. e BRANDÃO, S. F. (Orgs.). Ensino de gramática: descrição e uso. São Paulo: Contexto, 2007.

______. O papel da Sociolinguística no (re)conhecimento do Português Brasileiro e suas implicações para o ensino. In: BARBOSA, P. e RODRIGUES, V. V. (Orgs). Revista Letra: revista da Faculdade de Letras da UFRJ. Ano VIII. Vol 1 e 2. 2013.

______ e FREIRE, G. C. Como a escrita padrão recupera formas em extinção e implementa formas inovadoras. In: PAIVA, M. da C. e GOMES, C. A. (Orgs.). Dinâ-mica da variação e mudança na fala e na escrita. RJ: Contra Capa, 2014.

FARACO, C. A. Norma culta brasileira – desatando alguns nós. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.

FRANCHI, C. Mas o que é mesmo “gramática”? São Paulo: Parábola Editorial, 2006.

século XIX, e a gramática internalizada do falante leva a construção de uma gramática híbrida.

É uma mistura de traços da gramática lusitana de fins do século XIX, que serviu à codificação da norma escrita no Brasil, somada a traços do Portu-guês Brasileiro que se implementam aos poucos na escrita, substituindo ou competindo com formas conservadoras, e, finalmente, algumas es-truturas estranhas a ambas, certamente um subproduto da contradição entre a gramática da fala e um modelo anacrônico de escrita. (DUARTE, 2013: 15)

O qUE ENSINAR NAS AULAS DE GRAMÁTICA:

A NORMA CULTA PREDICADA OU A NORMA CULTA PRATICADA?

As pesquisas linguísticas apontam mudanças morfossintáticas em curso no Português Brasileiro, havendo, portanto, uma gramática, aqui denominada de gramática do letrado, que reflete estas mudanças.

Defendemos que o professor de português não pode “fechar os olhos” para a realidade linguística que o cerca, ou seja, não pode se eximir de mostrar ao seu aluno as regras efetivamente usadas na escrita culta brasileira. Comparti-lhamos da opinião de sociolinguistas renomados que defendem a revisão do que vem sendo efetivamente ensinado pelos professores nas aulas de portu-guês. E concluímos recorrendo às palavras de Duarte:

É imperativa a reunião das inúmeras descrições dessa gramática especial, peculiar, híbrida, mostrando não o que se pode e não se pode escrever, mas como é variável e quantas possibilidades existem na gramática da es-crita brasileira. Não se trata de querer impor todas as formas da gramática brasileira, mas levar ao aluno uma descrição realista daquilo que realmen-te já se implementou na escrita e o uso por indivíduos letrados consagrou. Apontar uma forma como melhor que outra seria cair no mesmo erro do passado. (DUARTE, 2013:14)

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KENNEDY, E. Curso básico de Linguística Gerativa. São Paulo: Contexto, 2014.

SHERRE, M. M. P. Doa-se lindos filhotes de poodle: variação, linguística, mídia e preconceito. SP: Parábola, 2005.

______ e NARO, A. J. A variação da concordância verbal na escrita monitorada. In: PAIVA, M. da C. e GOMES, C. A. (Orgs.). Dinâmica da variação e mudança na fala e na escrita. RJ: Contra Capa, 2014.

INICIAÇãO CIENTÍfICA JÚNIOR: UM CAMINHO PARA

O LETRAMENTO ACADêMICO NA EDUCAÇãO BÁSICA

Jéssica do Nascimento Rodrigues1

RESUMO Desenhou-se o Projeto de Iniciação Científica Júnior A argumen-tação nas modalidades oral e escrita, realizado no Colégio Pedro II, Cam-pus Realengo II, com o objetivo de levar os estudantes a pesquisar, debater e escrever sobre temas atuais, criticamente, com foco na argumentação. Ancorando-se em autores da Linguística Textual e dos Novos Estudos do Letramento, intenciona-se, então, relatar essa experiência como uma possi-bilidade de trabalhar o texto oral e escrito como iniciação às convenções da universidade. Selecionaram-se oito alunos da 1.ª série do Ensino Médio me-diante realização de entrevista e, de maio a dezembro de 2015, realizaram--se: análises de textos argumentativos disponíveis em periódicos, encontros semanais para a discussão e produção de textos acadêmicos, como resenhas e seminários. Os alunos demonstraram capacidade de operar os conceitos sedimentados no decorrer da pesquisa, compreendendo e explicitando al-gumas estratégias marcadoras dos gêneros em questão, além de demonstra-rem maior interesse em ingressar no ensino superior.

Palavras-chave letramento acadêmico; ensino do ler-escrever; textos argu-mentativos; educação básica.

INTRODUÇãO

1 Licenciada em Letras pela UEMG (2000), especialista em Educação pela UFLA (2002), mestre em Educação pela UFRRJ (2010) e doutora em Educação pela UFF (2014). Foi professora do Colégio Pedro II de 2013 a meados de 2016. Atualmente, é professora adjunta na Faculdade de Educação (SSE/FEUFF) da UFF e realiza o Estágio Pós-Doutoral na mesma instituição. Pesquisadora do Grupo Representação, Imaginário e Educação (UFF), do Grupo de Estudos em Ensino de Português e Literaturas (Colégio Pedro II) e do Grupo Ação Docente Continuada (UFF).

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O ensino do ler-escrever voltado para o universo acadêmico é, de fato, um desafio, sobretudo quando restrito à universidade. Após concluir a educa-ção básica, o aluno, tendo prestado o vestibular, ingressa no ensino supe-rior, em qualquer que seja o curso, sem nunca ter estudado textos acadêmi-cos. Nesse contexto, professores se queixam de que os alunos “não sabem escrever”, culpando, por consequência, a educação básica; e os alunos se queixam de “não saberem escrever” tais textos, embora isto lhes seja cobra-do. Esse paradoxo abarca as lacunas deixadas no processo de letramento acadêmico brasileiro, o qual muito pouco tem sido investigado, diferente do que ocorre em países do Reino Unido e nos Estados Unidos, por exemplo. Se se entende letramento como um continuum de letramentos outros, como inserção nas práticas sociais de leitura e escrita de um determinado contex-to social, defende-se, neste texto, que o letramento acadêmico em sentido estrito não precisa ser postergado para o ensino superior. É necessário sim um trabalho propedêutico e regular com textos orais e escritos típicos do ambiente universitário, até porque texto não é produto, e sim processo, que mobiliza regras formais e funcionais.

Com base na problemática apresentada, desenhou-se o Projeto de Ini-ciação Científica Júnior A argumentação nas modalidades oral e escrita: por uma educação crítica cujo objetivo foi o de levar estudantes do Ensino Médio a pesquisar, analisar, debater, refletir e escrever sobre temas atuais, de modo crítico, com foco na argumentação e com apoio em textos aca-dêmicos. No Colégio Pedro II, instituição federal de educação básica lo-calizada no município do Rio de Janeiro, desenvolvem-se muitos projetos no contraturno, em paralelo às aulas regulares. No ano de 2015, a Equipe de Português e Literaturas da Língua Portuguesa do Campus Realengo II1, composta predominantemente por professores que trabalham em regime de Dedicação Exclusiva, organizou um projeto para cada série procurando atender a demandas identificadas nos anos anteriores. Como no início de 2015, a Pró-Reitoria de Pós-Graduação, Pesquisa, Extensão e Cultura (PRO-PGPEC) do Colégio Pedro II publicou a Chamada Interna n.º 02/2015, de Apoio a Projetos de Pesquisa de Iniciação Científica Júnior, a professora--pesquisadora decidiu submeter o referido projeto voltado para práticas de

produção textual oral e escrita que abarcasse alunos da 1.ª série do Ensino Médio e os incentivasse a envolver-se com uma prática ainda não tão pre-sente na educação básica: a escrita e a leitura de textos acadêmicos. Na refe-rida Chamada Interna, formularam-se os seguintes objetivos:

1.1. Apoiar a realização de projetos de Iniciação Científica Júnior promo-vidos pelos Departamentos Pedagógicos do Colégio Pedro II concedendo bolsas aos alunos; 1.2. Propiciar à Instituição um instrumento de formulação de política de pesquisa para a Iniciação Científica Júnior na Educação Básica; 1.3. Despertar vocações científicas e tecnológicas e incentivar talentos potenciais para o desenvolvimento científico e tecnológico do país; 1.4. Ampliar as oportunidades de aprendizagem para o aluno da Educa-ção Básica mediante sua introdução no mundo da pesquisa científica. (COLÉGIO PEDRO II, 2015).

Então, uniram-se os trabalhos desenvolvidos pelo Grupo de Estudos em Ensino de Português e Literaturas (GEEPOL), do Departamento de Portu-guês e Literaturas do Campus Realengo II, do qual a professora-pesquisa-dora participa, a essa Chamada Interna e às necessidades apresentadas pe-los alunos, muito incipientes no mundo da leitura e da escrita acadêmica, embora já conheçam alguns gêneros predominantemente argumentativos. Portanto, o objetivo deste artigo é o de relatar a experiência do Projeto de Iniciação Científica Júnior, mesmo que sumariamente, como uma possibi-lidade de trabalhar a produção textual oral e escrita, dentro da sequência dissertativo-argumentativa, como iniciação mesmo a uma escrita de caráter acadêmico, quando a professora assume o papel de pesquisadora, orienta-dora e, claro, mediadora desse processo.

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REfERENCIAL TEÓRICO

A questão da educação bancária, discutida inicialmente por Freire (2006), volta e meia reaparece nos debates relativos ao ensino. Por muito tempo, o ensino-aprendizagem embasado na ideia de um professor detentor do saber e de um aluno (“sem luz”, para lembrar a origem do termo) que nada sabe, como um arquivo em que se inserem as informações julgadas relevantes, sem ao menos conhecer o contexto, foi dominante. Hoje, em tese, é sabido que esse modelo é falido, entretanto, na prática, ainda podem ser constata-dos muitos exemplos desse tipo de relação.

No que toca o ensino de Língua Materna, segundo Rojo (2006), somen-te na década de 90, e segundo Soares (2004), somente na década de 80, o letramento se tornou um novo desafio à escola em oposição ao modelo tradicional de alfabetização. Rojo (2006), em pesquisa realizada em uma escola pública de São Paulo-SP nos anos de 1999 a 2001, comprovou que, na maior parte do tempo, os professores transmitem e retransmitem con-teúdos a seus alunos, o que, sem dúvida, não prepara ou pouco prepara esses indivíduos para a vivência das práticas sociais letradas para além dos muros da escola. Mais recentemente, Rodrigues (2014) constatou que, nas escolas municipais de Niterói-RJ que atendem ao segundo segmento do En-sino Fundamental, o ensino da escrita ainda é reservado ao momento da produção de uma redação monológica, direcionada estritamente ao pro-fessor para sua conversão em nota. Ao contrário disso, o papel do professor deveria ser o de mediador que, com base na transposição didática, tornasse significativos os conhecimentos. Tratar-se-ia de um professor que auxilia, orienta e facilita o processo de ensino-aprendizagem da escrita, diferente daquilo que se entende como educação bancária.

Nesse debate, alfabetização e letramento – processos fundamentais para a formação integral dos estudantes − ganham relevo, confundindo--se ou valorizando-se um em detrimento do outro. Marcuschi (2010), para a definição do que vem a ser letramento e alfabetização, tece, a princípio, as diferenças (e não a dicotomia) entre a fala e a escrita. Para esse autor, ambas as modalidades são formas de produção textual discursiva para fins

comunicativos, no entanto, para a fala, que está na modalidade oral, não é necessária a tecnologia e, para a escrita, constituída graficamente, há a necessidade de certas especificidades materiais. A escolarização, “prática formal e institucional de ensino” (MARCUSCHI, 2010: 25), abarca, portan-to, a fala e a escrita como modalidades de uso a serem ensinadas. Embora foque a formação integral do ser humano, a escola, por muito tempo, prio-rizou a alfabetização em detrimento do letramento, o qual teve sua entrada no Brasil apenas na década de 1980 (SOARES, 2004) e, mesmo hoje, com a difusão acadêmico-científica veemente, é comum encontrar professores, como visto, que se sentem perdidos para tratar do tema, receosos da perda do objeto de ensino da Língua Materna.

Para Marcuschi (2010), existe um conjunto de práticas ou um conjunto de letramentos definido como processo de aprendizagem social e histórica da leitura e da escrita em contextos informais e para usos utilitários. Assim, “Letrado é o indivíduo que participa de forma significativa de eventos de le-tramento e não apenas aquele que faz um uso formal da escrita” (MARCUS-CHI, 2010: 25). Para exemplificar esse debate, toma-se o exemplo da leitura, reconhecida aqui como processo de produção de sentido. Assim, ler não é mera decodificação da palavra escrita, mas é também a leitura do mundo, a qual precede a leitura escrita (FREIRE, 2006). É importante inferir que a lei-tura do escrito estritamente também não se limita a decodificação, uma vez que, quando se lê, produz-se sentido, numa relação dialógica com o texto.

Assim, se a leitura é uma forma de encontro entre o homem e a realidade sociocultural e uma forma de encontro do homem consigo mesmo, ela é ex-tremamente importante não só para a compreensão da realidade, mas para a atuação sobre ela e para a criação de outros mundos (até porque a atividade criativa está presente no processo de leitura). A escola deve dar continuida-de ao ensino-aprendizagem de uma leitura que começou antes de a criança frequentar a escola. Se, como dito, a prática formal e institucional do ensino, a escolarização, visa à formação integral do aluno (MARCUSCHI, 2010), a lei-tura é uma de suas atribuições, enquanto apreensão da realidade, enquanto diálogo leitor-texto, enquanto expressão diferenciada e individual do leitor. Assim, como leitura e realidade se prendem dinamicamente, é importante

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focar os processos de letramento em sala de aula, movimentando o ensino--aprendizagem da leitura no caminho das práticas sociais letradas.

Kleiman (1995), com base nos estudos de Street (1984), descreve dois tipos de letramento: o letramento autônomo e o letramento ideológico. O primeiro se refere ao desenvolvimento cognitivo do sujeito, à dimensão in-dividual do letramento, e o segundo, à dimensão social do letramento, ao conhecimento dos fatores que o condicionam, considerando-se as necessi-dades e as práticas do uso da escrita dentro do contexto em que se desen-volvem. Dessa forma, por um lado, o chamado modelo autônomo enxerga a língua como autônoma, dependente de um processo sistemático e associa-da à “norma culta” ou à variedade de prestígio; por outro lado, o chamado letramento ideológico reconhece a diversidade de práticas letradas inseri-das em seus contextos de uso, como o caso do letramento acadêmico. Em síntese, letramento é:

[...] um conjunto de práticas sociais que usam a escrita, enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos específicos. As práticas específicas da escola, que forneciam o parâmetro de prática social segun-do a qual o letramento era definido, e segundo a qual os sujeitos eram classificados ao longo da dicotomia alfabetizado ou não-alfabetizado, passam a ser, em função dessa definição, apenas um tipo de prática – de fato, dominante – que desenvolve alguns tipos de habilidades mas não outros, e que determina uma forma de utilizar o conhecimento sobre a escrita. (KLEIMAN, 1995: 19).

Como Kleiman (2007) reforça, é fundamental discutir a relação entre oralidade e letramento, questão também apontada por Marcuschi (2010), já que ainda há uma visão dicotômica sobre tais termos, assim como há a atribuição à escrita de valores cognitivos intrínsecos ao uso da língua. De acordo com Marcuschi (2010), oralidade e escrita são práticas e usos da lín-gua não dicotômicos. Sua relação deve ser posta no eixo de um contínuo de relações sócio-históricas de práticas sociais, afinal porque justamente os usos é que são fundantes das práticas e “falar ou escrever bem não é ser capaz de adequar-se às regras da língua, mas é usar adequadamente a

língua para produzir um efeito de sentido pretendido numa dada situação” (MARCUSCHI, 2010: 9), como é o caso da inserção/atuação dos estudantes nas práticas do ler-escrever no universo acadêmico, as quais extrapolam o domínio do código stricto senso.

Jurado e Rojo (2006) falam ainda em letramentos múltiplos deman-dados pelas práticas cidadãs contemporâneas. Criticam a escolarização, a pedagogização ou o letramento escolar dos usos sociais da leitura e da escrita voltados para o controle, ou seja, como restrição do letramento a capacidades cognitivas e usos da leitura e da escrita fechados ao contexto escolar. Assim, o letramento escolar ou a “burocratização do letramen-to” obscurece o fenômeno social e amplo observável nas práticas sociais cotidianas determinantes do lugar, do papel e do grau de relevância das práticas de letramento (MARCUSCHI, 2010). Os processos de letramento são intrínsecos à linguagem assim como a linguagem é constituidora dos sujeitos. Daí a importância de se rever, todo o tempo, que práticas têm sido desenvolvidas com a linguagem na escola. Esse cuidado, portanto, com a escolarização do letramento já fora apontado por Street (1984), até porque não há apenas um único tipo de letramento, assim como nele não há neutralidade (não se pode afastar o fato de que a própria língua é um fenômeno heterogêneo, variável, histórico e social, indeterminado, para lembrar o debate bakhtiniano).

Nesse contexto, é possível apontar outras especificações de letramento, tais como o letramento digital, o letramento literário e, no caso deste artigo, o letramento acadêmico, para o qual, segundo Marinho (2010), é necessário um trabalho árduo e um tempo de convivência significativo. Ao chegar à universidade, é comum professores queixarem-se de que os estudantes não sabem ler-escrever textos acadêmicos e culparem a educação básica pelo problema, assim como é comum o próprio aluno queixar-se de que não sabe fazê-lo (MARINHO, 2010; CARVALHO, 2013; FIAD, 2014; KERCH, 2014). Além disso, ainda é deficiente a pesquisa sobre o tema no Brasil.

Nesse contexto, segundo Carvalho (2013), não é necessário esperar o aluno chegar ao ensino superior, após prestar um vestibular que pouco tem de acadêmico, para inseri-lo nesse universo oferecendo-lhe disciplinas

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propedêuticas e cursos compensatórios. O desafio, para ele, deve começar a ser enfrentado na educação básica de modo transversal e longitudinal, mediante mais produção do conhecimento e menos reprodução. É nesse sentido que o autor critica o fato de o livro didático e a internet serem as fontes mais utilizadas na escola, tomando-se o conhecimento como pronto e de acesso simplificado. É preciso, como feito na universidade, variar as fontes e as estratégias de leitura e escrita, incentivar a prática de tomar nota, por exemplo, e assumir que o ler-escrever é objeto de ensino-aprendizagem sim.

Consoante discutido por Kersch (2014), depara-se ainda com uma outra problemática: os próprios professores da educação básica não estão fami-liarizados com textos acadêmicos, pois estes não fazem parte de suas práti-cas sociais cotidianas. Se esse letramento é a fluência nas formas próprias ao contexto universitário, suas formas de produzir sentido, tanto professores quanto alunos da educação básica sentem dificuldade ao ingressarem nes-se contexto, seja para a graduação, seja para a pós-graduação. É por essa razão que Carvalho (2013), retomando Freire (2006), salienta ser a escola um ambiente de reprodução do conhecimento disponibilizado nos livros didáticos, por exemplo.

Conforme discute Fiad (2014), o conflito é aguçado quando se encon-tram na universidade estudantes com formações socioculturais diferentes, além claro de terem frequentado escolas diferentes. Obviamente, quando o professor universitário lhes solicita a escrita de uma resenha ou lhes solicita a leitura de artigos científicos, por exemplo, os alunos não correspondem às suas expectativas, o que é absolutamente compreensível, tendo em vista que a escola de educação básica não os preparou para isso. Acrescenta-se a esse debate o fato de muitos dos professores da educação básica não serem pesquisadores, o que vai ao encontro da constatação de Kerch (2014) – pro-fessor não familiarizado com a escrita acadêmica – e de Carvalho (2013) – escola transmissora e não produtora do conhecimento.

Segundo Marinho (2010), ter o domínio de um gênero é um comporta-mento social relacionado, portanto, à experiência, à prática. É possível o estudante dominar a variante mais formal da Língua Portuguesa, mas não

dominar o ler-escrever acadêmico. Por isso, como defende Carvalho (2013), pode-se preparar os alunos na educação básica para os desafios quando de seu ingresso no ensino superior, levando em conta que o ler-escrever pre-cisa ser ensinado também na universidade e não pode se restringir à disci-plina Língua Portuguesa, pois esta precisa articular-se às demais disciplinas numa perspectiva longitudinal, no percurso escola-universidade.

Pensando, então, na mudança das práticas na escola de educação básica, vislumbrou-se o Projeto de Iniciação Científica Júnior A argumentação nas modalidades oral e escrita como uma forma de propiciar ao aluno alguns momentos de mais produção e menos reprodução do conhecimento e o contato com textos do universo acadêmico. Acredita-se que essas práticas, se inseridas na educação básica, não só prepararão os estudantes para in-gressarem no nível superior com mais tranquilidade, mas sim lhes possibi-litarão uma formação mais crítica e lúcida, e este é o ponto fundamental.

RELATO DA EXPERIêNCIA

No Colégio Pedro II, o pressuposto teórico do ensino de Língua Portuguesa e Literaturas da Língua Portuguesa é a concepção de língua na perspectiva textual-discursivo-pragmática. Portanto, consideram-se fatores ligados às condições de produção de enunciados e aspectos sociointeracionais e lin-guísticos nos processos de ensino-aprendizagem do ler-escrever.

Nessa perspectiva, e levando em conta o referencial teórico adotado pela professora-pesquisadora no Projeto de Iniciação Científica Júnior em questão, propôs-se, como corpus, a produção oral e escrita de gêneros aca-dêmicos argumentativos, como artigos científicos, resenhas, fichamentos, resumos, seminário etc, mobilizada por debates sobre temas polêmicos e atuais, atividades realizadas sempre sob orientação em reuniões semanais.

O Projeto foi divulgado pela professora responsável nas salas de aula do Ensino Médio do Colégio Pedro II, Campus Realengo II, para que os alunos interessados pudessem se inscrever e participar da seleção. No dia e hora mar-cados, os alunos responderam a um questionário simples que questionava o interesse pelo projeto e as aspirações dos alunos em relação à vida acadêmica.

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Foram, então, selecionados 8 alunos: quatro bolsistas e quatro voluntários. A bolsa, no valor de R$150,00, foi paga ao longo de sete meses pela PROPGPEC, embora o projeto tenha se desenvolvido ao longo de 8 meses.

Tendo em vista o prazo estabelecido para a consecução do trabalho, para seu êxito, a primeira fase do Projeto consistiu de reuniões de orientação se-manais e de estudos dirigidos, de modo que o estudante pudesse desenvol-ver sua autonomia de pesquisar, estudar, elaborar e desenvolver as oficinas mediante suporte do professor orientador. Ao longo do projeto, além dessas reuniões semanais para o trabalho com os textos acadêmicos, os alunos da 1.ª série do Ensino Médio, selecionados, realizaram oficinas nas turmas de 9.º ano do Ensino Fundamental, já que é no 9.º ano que, pela primeira vez, o aluno se depara com o ensino formal da escrita de gêneros argumentativos, ao menos nesse colégio. Para tanto, englobaram-se os seguintes eixos:

1) Estudos de introdução à metodologia da pesquisa científica, com ênfase no método qualitativo, realizados no mês de maio. A professora-pes-quisadora, nesse momento, deu aulas expositivas aos alunos, usando o Datashow, e discutiu sobre o tema, fazendo algumas incursões sobre a problemática do letramento acadêmico.

2) Estudos de revisão bibliográfica, com aprofundamento sobre o texto ar-gumentativo e sua diversidade de gêneros, realizados no mês de junho. A professora-pesquisadora entregava os textos aos alunos para estudo em casa e, na reunião seguinte, incentivava e mediava os debates sobre os temas. Nessa etapa, os alunos leram alguns relatos de experiência e artigos científicos.

3) Análises de textos do gênero argumentativo disponíveis na mídia em ge-ral, destacando as estratégias discursivas e, nelas, obviamente, os dis-cursos, realizadas em julho. Agora, ora os alunos ora a professora es-colhiam os temas e os textos, principalmente artigos de opinião, e os analisavam em sala de aula.

Os textos trabalhados nessa primeira fase foram escolhidos, na maioria das vezes, pela professora-pesquisadora, sempre atenta às dificuldades en-

contradas pelos alunos. Logo, a ideia, portanto, para a fase seguinte, foi a realização de 4 oficinas planejadas pelos alunos da 1ª série sob orientação da professora-pesquisadora, além da continuidade dos estudos iniciados na primeira fase. Sistematizando, seguem as atividades desenvolvidas:

1) Seleção e análise de textos argumentativos disponíveis em revistas e jor-nais, impressos e online, realizadas do mês de agosto ao mês de novem-bro. Dessa vez, os alunos escolhiam os textos e os levavam aos encontros para discussão. A professora-pesquisadora lhes propôs a escrita de um relato de experiência parcial, que foi apresentado no evento Textualida-des em Aula: I Simpósio do GEEPOL & II Oficinada Literária, realizado no Colégio Pedro II, Campus Realengo II, no mês de outubro. Este foi o primeiro momento em que os alunos escreveram um texto acadêmico e apresentaram-no na modalidade oral para outros professores e alunos.

2) Planejamento e realização de oficinas de debate e escrita argumentativa com base nos textos analisados. As oficinas, que aconteceram nos meses de agosto, setembro, outubro e novembro, trataram dos seguintes te-mas, escolhidos pelos próprios alunos: cotas raciais, avanço tecnológico, censura, pena de morte e células-tronco. Essa proposta se baseou no fato de os alunos da 1.ª série já conseguirem observar elementos contex-tuais (como os aspectos históricos, sociais, de relações de poder, den-tre outros) e elementos cotextuais (como a estrutura composicional e a linguagem utilizada), inclusive trabalhados na primeira fase do projeto. Os alunos levaram cada um dos temas a uma turma de 9º ano do Ensino Fundamental para o debate, com base em textos dos mais diversos gê-neros, e lhes propuseram a escrita de artigos de opinião. Nos encontros semanais para a discussão sobre a seleção dos textos e as análises aferi-das e para a orientação do planejamento e da execução das oficinas, os artigos escritos pelos alunos do 9º ano eram analisados sob orientação da professora-pesquisadora.

3) Produção de um relatório final, realizada em dezembro, que serviu de base para a escrita de um último relato de experiência. Esse momento se

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deu muito mais via troca de e-mails e uso de chats que presencialmente em decorrência da finalização das atividades no Campus. Os alunos es-creviam e enviavam o texto à professora, que lhes devolvia com as corre-ções, em um processo de idas e vindas, de escrita e reescrita do texto. Por fim, os alunos transformaram o relato em um pôster e o apresentaram--no, na modalidade oral, na II Jornada de Iniciação Científica Júnior do Colégio Pedro II, em fevereiro de 2016, ocorrida no Campus São Cristó-vão. Este foi um momento ímpar do Projeto, pois, no evento, vários pôs-teres foram apresentados por alunos de todos os outros campi, os quais também estavam envolvidos em Projetos de Iniciação Científica Júnior das várias disciplinas escolares.

No Projeto, importou muito mais favorecer ao estudante o desenvolvi-mento das modalidades oral e escrita em Língua Portuguesa, de modo crí-tico, do que, propriamente, elencar estatísticas de ocorrências desta classe de palavras ou daquele tipo de oração (a despeito de ser esse também um trabalho muito meritório), até porque, de fato, produzir um texto não se resume a uma atividade gramatical. Trata-se de uma atividade social que envolve elementos linguísticos, de textualização, do auditório e da situação em que o texto ocorre. Assim, com base em Koch (2010), para a produção das oficinas, desde a preparação da fala até a produção do material a ser uti-lizado, foram envolvidas as seguintes estratégias como os eixos principais no desenvolvimento desse trabalho:

Estratégias cognitivas - dependente dos objetivos do usuário, da quanti-dade de conhecimento disponível e de suas crenças, valores e atitudes;

Estratégias textuais - envolvendo a organização da informação, da for-mulação, da referenciação e do balanceamento do explícito/implícito;

Estratégias sociointeracionais - abarcando estratégias sociocultural-mente determinadas que estabelecem, mantêm e levam a bom termo a interação verbal.

Não foi possível, neste espaço, esmiuçar cada etapa realizada no projeto e, ainda, os contratempos, como as paralisações e as semanas de provas, questões que extrapolam a discussão neste caso. Esse trabalho, incipiente

que é, por fim, foi avaliado positivamente, embora, hoje, tenha uma nova configuração. O novo Projeto, em andamento desde maio de 2016, mais amadurecido, será tema para um próximo relato de experiência.

CONSIDERAÇÕES fINAIS

No Brasil, como visto, o ler-escrever acadêmico não recebe a merecida aten-ção, diferente da escrita na educação básica, a respeito da qual existem mui-tas pesquisas, as quais, muitas vezes, não chegam ao chão da escola. Essas práticas comuns ao universo acadêmico não têm sido objeto de ensino nem objeto de pesquisa, portanto. Por esse viés, ressalta-se que todas as práticas linguísticas são práticas sociais, e é aí que se encontra o letramento acadê-mico, que precisa ser propiciado aos alunos da educação básica de modo transversal e longitudinal, para lembrar a defesa feita por Carvalho (2013). Existem sim usos específicos do ler-escrever, e é por isso que a educação básica não ensina essa prática uma única vez e de uma vez por todas. Por isso, também é necessário o ensino sistemático desse ler-escrever na pró-pria universidade.

Dessa forma, o trabalho desenvolvido com o Projeto de Iniciação Cien-tífica Júnior A argumentação nas modalidades oral e escrita foi apenas uma tentativa incipiente e tímida que visou ao desenvolvimento dos conheci-mentos linguístico, enciclopédico e interacional dos alunos, no sentido de uma formação crítica que envolvesse não apenas o universo acadêmico, mas o questionamento acerca da produção e reprodução do conhecimento. Nes-se sentido, acredita-se que o Projeto tenha contribuído com a formação de um estudante mais atento que produz sentido no ler-escrever textos argumenta-tivos, preparando-se não só para provas de concursos e vestibulares e para a escrita acadêmica, mas também para as situações da vida cotidiana, quando o senso crítico e o posicionamento político-ideológico são necessários.

Ficou claro que o interesse desses alunos em ingressar na universidade se ampliou, assim como sua curiosidade por esse universo se intensificou. Ficou visível também o amadurecimento desses estudantes no trato com os textos acadêmicos orais e escritos, que, para eles, não pareceram difíceis,

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como imaginaram outrora, e no reconhecimento da não neutralidade dos posicionamentos. Toma-se, então, como principal apontamento a certeza de que podem sim ser trazidas para a educação básica algumas práticas so-ciais comuns à academia, até porque, com isso, o aluno tem mais ganhos no que toca a sua formação integral.

REfERêNCIAS

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NOTAS

1 O Campus Realengo II, localizado no bairro Realengo, no município do Rio de Janeiro-RJ, pertence ao Colégio Pedro II, que é composto por um total de oito campi. O CampuWWs Realengo II atende ao segundo segmento do Ensino Fundamental (6.º ao 9.º ano) e ao Ensino Médio (1.ª à 3.ª série).

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qUEM TEM MEDO DA POESIA? DESAfIOS NA fORMAÇãO

DOCENTE INICIAL E NA fORMAÇãO DO LEITOR LITERÁRIO

André Luís Mourão de Uzêda1

Thais dos Santos Siqueira Lima2

RESUMO O seguinte trabalho é um relato de experiência pedagógica de-senvolvido com a poesia de Manoel de Barros no Colégio de Aplicação da UFRJ em diálogo com a formação docente inicial. Destacam-se os desafios no trabalho de leitura literária a ser desenvolvido com a poesia no Ensino Básico considerando as dificuldades na formação do leitor literário, o que se dá em muitos casos em decorrência das dificuldades encontradas pelo profissional de Letras em sua própria formação inicial durante a graduação. Questionam-se as estratégias de mediação e de transposição didática tradi-cionais empregadas nas aulas de poesia, supondo-se que em muito contri-buem para um afastamento do leitor em formação com o objeto de leitura e interpretação em questão. Problematizados esses pontos, apresentam-se os resultados do trabalho de mediação desenvolvido por uma licencianda em Letras com a leitura do livro de poesia Menino do mato (2010), de Manoel de Barros, em uma turma de 7º ano do Ensino Fundamental do CAp UFRJ. Palavras-chave formação do leitor de poesia; formação docente inicial; ensino de literatura.

1 Mestre em Letras (Ciência da Literatura) e licenciado em Letras (Português-Literaturas) pela UFRJ. Pesquisador do grupo de pesquisa Literatura e ensino literário junto ao CNPq, é professor de Língua Portuguesa e Literatura do Colégio de Aplicação da UFRJ, onde atualmente ocupa o cargo de Diretor Adjunto de Ensino.2 Licencianda em Letras (Português-Literaturas) pela UFRJ, integra o corpo de estudantes do grupo de pesquisa Literatura e ensino literário junto ao CNPq.

Infantil

O menino ia no matoe a onça comeu ele.Depois o caminhão passou por dentro do corpo do menino e ele foi contar para a mãe. A mãe disse: mas se a onça comeu você, como é que o caminhão passou por dentro do seu corpo? É que o caminhão só passou renteando meu corpo e eu desviei depressa. Olha, mãe, eu só queria inventar uma poesia. Eu não preciso de fazer razão.(Manoel de Barros)

O PROBLEMA DA POESIA

A pergunta inicial que dá título a esse trabalho traz uma série de inquieta-ções que nos surgiram ao longo do ano de 2015 com a experiência de prepa-ração para uma regência de aula que tinha como base a leitura de um livro de poesia com turmas de 7º ano do Ensino Fundamental. Naquele momen-to, era grande a insegurança da licencianda que acompanhava durante um ano a mesma turma por assumir uma aula de leitura e interpretação de po-esia, o que nos fez passar por uma grande trajetória de desafios, angústias e por fim sucessos. Em virtude de tal processo de crescimento, sentimo-nos motivados a elaborar uma proposta de comunicação oral em evento organi-zado pelo GEEPOL no Colégio Pedro II – Campus de Realengo, a qual agora se materializa no seguinte texto.

O trabalho com a poesia em sala de aula parece-nos com certa frequ-ência gerar, entre professores e alunos, um incômodo generalizado, fato esse que nos acarreta uma série de questões. O seguinte artigo não tem por intuito esgotá-las, mas objetiva trazer algumas provocações que nos auxi-liem a pensar sobre os motivos que geram esse “incômodo”. Afinal, se de fato existe um medo da poesia, e se realmente o incômodo se encontra nas duas pontas do processo pedagógico (estudantes e professores), a quê ele se

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deve? Por que se perpetua? E como reverter esse processo? Esses são alguns questionamentos importantes que nos guiaram ao longo da elaboração des-se projeto de pesquisa didática ainda embrionário.

As experiências durante três anos seguidos no CAp UFRJ com as turmas de sétimo ano nas aulas de Língua Portuguesa foram muito parecidas no que diz respeito à recepção da proposta de trabalho com o livro de poesia Menino do Mato (2010), de Manoel de Barros. Primeiramente, predomina o incômodo generalizado com o gênero: “De novo poesia?”, “Poesia é chato!” ou “Poesia é difícil!” eram algumas das expressões que ouvíamos ser profe-ridas com certa frequência entre os estudantes. Essas proposições dialogam diretamente com um senso comum que nos parece predominar entre os jovens leitores em formação quando se trata de poesia e que muitas vezes são reforçadas por seus próprios professores. Não sendo o bastante, o con-tato com a poesia de Manoel de Barros, especificamente, gerou uma série de outros incômodos, sobretudo com relação à forma livre de construção dos versos, ao tamanho curto dos poemas (próximos muitas vezes do formato de haikai) e principalmente com relação à disposição dos poemas no livro, com seus espaços e silêncios.

Quebrar certos paradigmas (“poema tem rima”, “fala sobre amor” etc.) nesse sentido é fundamental para o processo de ensino-aprendizagem do leitor em formação, mas tal movimento requer ainda mais atenção e pre-disposição do professor quando a turma, de maneira geral, atrela o sen-so comum à desmotivação e ao desinteresse pelo texto a que estão sendo apresentados, como nos ocorreu com os estudantes do CAp. Daí surge a necessidade de se repensar a abordagem metodológica de mediação com uma poesia bastante abstrata e metalinguística, como é próprio da poética de Manoel de Barros, além de irmos à contramão de uma tradicional abor-dagem dada à poesia nas aulas de Literatura no Ensino Básico, na tentativa de reverter esse quadro.

UM PROJETO DE fORMAÇãO DO LEITOR DE POESIA

A proposta de trabalho que empreendemos com os estudantes de sétimo ano vai muito além do cumprimento dos conteúdos curriculares previstos para o ano letivo do seriado. Não nos parece o suficiente um trabalho com o gênero “poesia” que dê conta apenas de aspectos formais e temáticos que passem de maneira genérica sobre alguns nomes canônicos da poesia brasi-leira e universal, reunidos em antologias, dispostos com o objetivo único de servirem como ilustração para o plano conceitual abordado. Nosso desafio primeiro consiste em aprofundarmo-nos sobre a poética de um só autor e dele mesmo extrairmos as chaves de leitura que nos servirão de base para ela-borar os conceitos previstos para serem abordados ao longo do trimestre, se-jam eles na área de literatura, nos tópicos linguísticos ou na produção textual.

Tal estratégia metodológica e de mediação de leitura não é possível sem se adotar como leitura paradidática um livro de poesia para ser empreendi-da ao longo de todo um trimestre – o que raramente é realizado nas aulas de Literatura tanto do Ensino Fundamental quanto do Ensino Médio. Isso por-que não se promove, de fato, um projeto claro e definido a ser desenvolvido com o texto poético, o qual selecionará e explorará com maior profundidade a mundividência poética de um autor, de forma que se atente para as suas especificidades de linguagem e de leitura de mundo que nos leve ao en-tendimento do texto e do discurso literário como uma forma autônoma de apreensão do conhecimento para além da inserção do artista dentro de seu contexto histórico de produção e de recepção crítica. Assim, dialogamos com Todorov (2010) quando entendemos que o fundamental para a forma-ção inicial do leitor de poesia é a leitura interpretativa do texto literário em si, sem qualquer prévia análise do texto mediante determinada corrente te-órica ou crítica, bem como sem tomar o contexto histórico ou biográfico do autor como suporte material para justificar a construção do texto poético.

Evidentemente, os bônus trazidos por essa proposta carregam também os seus ônus, e nesse sentido é preciso considerar que as condições de tra-balho dos professores e professoras muito pouco contribuem para o em-preendimento de um projeto como o que aqui propomos, considerando o

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tempo que se leva para a sua efetivação bem sucedida. Mais do que nunca é preciso reivindicarmos nossa posição de professores-pesquisadores, em tempos que a prática docente cada vez mais é relegada à ideia de que somos meros “transmissores do conhecimento” por projetos de lei em andamento como o chamado “Escola sem partido” ou ainda a precariedade curricular da Base Nacional Curricular Comum.

Um trabalho com a poesia que leve em consideração a imersão no uni-verso poético do autor e no qual se encontrem as chaves de leitura que nor-tearão os conceitos formais e temáticos a serem trabalhados demanda uma pesquisa aprofundada da sua obra poética e de sua fortuna crítica, bem como nos exige a elaboração de material didático próprio que dê conta do alinhamento no trabalho a ser desenvolvido entre literatura, gramática e produção de texto. Se levarmos em conta a quantidade de tempos de aula que um professor cumpre semanalmente, em diferentes matrículas no ser-viço público ou no setor privado, muito em detrimento da desvalorização salarial dos profissionais da educação, pouco ou quase nada em termos de tempo nos facilita para a criação de novas estratégias metodológicas. Nesse sentido, o regime de dedicação exclusiva com 40 horas semanais, divididas entre ensino, pesquisa e extensão, como no caso do CAp UFRJ, permite-nos realizar um trabalho diferenciado na atuação docente.

E UM PROJETO DE fORMAÇãO

DO PROfESSOR-LEITOR DE POESIA?

Se nos parece evidente a necessidade de reformular as estratégias e abor-dagens de transposição didática no ensino de leitura de poesia – e de li-teratura, em geral –, reinventando-se os projetos curriculares a partir das chaves de leitura oferecidas pelo universo do próprio autor selecionado e na produção de materiais didáticos próprios, bem como persistirmos na luta pela garantia da valorização de nossa atuação enquanto professores--pesquisadores, tal como nos referimos no item anterior, necessário se faz, contudo, contrapor-se com o espaço que é dado durante a formação dos futuros professores de Literatura nos cursos de Letras. Afinal, quando pro-

pomos a pergunta “Quem tem medo da poesia?”, pensamos nessa via de mão dupla entre a inquietação tanto dos estudantes quanto dos professores frente ao desafio da travessia pelo texto poético. Afinal, qual é o espaço dado nos cursos de graduação em Letras à formação docente em seus currículos – em particular nas cadeiras de literatura?

O Colégio de Aplicação ocupa um lugar central nessa discussão no âm-bito da UFRJ. Sendo um colégio do Ensino Básico voltado para a formação inicial de professores, recebemos os licenciandos das mais diferentes licen-ciaturas da universidade para a realização do seu estágio curricular, mo-mento em que colocam em prática o aprendizado teórico desenvolvido ao longo de todo o curso. No caso específico do curso de licenciatura em Letras da UFRJ, o que observamos em geral é um distanciamento do universo da li-cenciatura com a prática cotidiana escolar. Nossos licenciandos com muita frequência nos relatam suas inseguranças e desconfortos com a sala de aula por não se sentirem “preparados” para assumir a regência de uma turma, pontuando a forte relação com a pesquisa acadêmica na área da linguística ou da literatura sem, contudo, desenvolverem um espaço de debate profí-cuo para pensar a aplicação do que há de mais recente sendo pesquisado na academia para dentro do contexto escolar.

Especificando ainda mais essa realidade, cabe-nos questionar qual o es-paço dado, em um cenário já restrito ao ensino de língua e de literatura, à formação do leitor literário e, o que é ainda mais especializado, à formação do leitor literário de poesia. Para além da relação de afinidade com o tex-to poético, enquanto desenvolvimento de uma leitura habitual e crítica de poesia em seu cotidiano – ou seja, o que chamamos aqui de um professor--leitor de poesia –, o professor de literatura precisa refletir sobre a sua pró-pria prática docente na hora de mediar a leitura a ser desempenhada pelos seus estudantes em sala de aula, debate do qual as licenciaturas em Letras não devem se furtar.

Partindo dessa constatação, portanto, o trabalho desenvolvido com a poesia de Manoel de Barros com as turmas de sétimo ano vem como uma possibilidade de contemplar não apenas a formação inicial dos estudantes--leitores de poesia, mas também como forma de contribuir com a formação

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do professor-mediador da leitura do texto poético, de maneira que consiga se reconhecer como um professor-mediador de leituras. Essa faceta do pro-jeto é importante sobretudo para reafirmar o papel do Colégio de Aplicação como um espaço de formação de professores que se configura na fronteira entre o ensino básico e o ensino superior. Por seu caráter de experimentação didática e pela relação intrínseca com o desenvolvimento de pesquisa aca-dêmica e de atuação extensionista, mostramos a esses futuros professores a importância de reivindicarem por sua posição de professores também pes-quisadores, que estão constantemente refletindo sobre a sua própria prática docente, em vez de se colocarem na posição passiva de meros reprodutores de saberes estagnados em livros ou compêndios didáticos apostilados.

A EXPERIêNCIA COM A REGêNCIA DE UMA

AULA SOBRE A POESIA DE MANOEL DE BARROS

Partimos enfim para a descrição do relato de experiência da professora em formação durante a realização de sua regência de aula com a poesia de Ma-noel de Barros realizada com uma turma de sétimo ano do Ensino Funda-mental do CAp UFRJ. Antes, contudo, é necessário esclarecer de que modo se dá esse processo no Colégio de Aplicação. O trabalho com a licenciatura no Setor de Língua Portuguesa do CAp UFRJ divide-se em três etapas cum-pridas ao longo do estágio realizado pelo licenciando alocado em uma úni-ca turma durante todo o ano letivo (embora lhe seja permitido frequentar como observador outras turmas).

A primeira delas consiste na etapa da observação, momento em que o licenciando, em uma posição menos ativa, coloca-se como observador da rotina de trabalho realizada durante as aulas conduzidas pelo professor re-gente que orienta o seu trabalho. Nesse momento ele entra em contato com os estudantes de modo mais próximo, acompanhando a resolução de ati-vidades e auxiliando-os nas tarefas escolares cotidianas. Na etapa seguin-te, de coparticipação, o licenciando começa a dividir momentos da aula com o professor regente, ainda dentro do planejamento de aula prepara-do por este. Aqui, cabem correções de exercícios, pequenas explicações,

até o planejamento de parte da aula pelo licenciando que possa durar um tempo inteiro, incluindo a produção de material didático autoral a ser desenvolvido com auxílio e orientação do professor regente. Por fim, a ter-ceira etapa consiste no momento da regência, quando o licenciando assume dois tempos de aula com um planejamento e materiais de aula autorais e é avaliado pelo professor regente e pelo professor de prática de ensino da Faculdade de Educação da UFRJ.

No nosso caso em questão, a licencianda passou por todas as etapas, tendo chegado à última do processo com excelente aproveitamento do ano letivo. Para sua prova-aula, aceitou o desafio de se apropriar do universo poético e temático do autor para nele encontrar as chaves de leitura que dialogariam com os conceitos previstos para serem trabalhados no programa curricular do sétimo ano do E.F. Para sua aula, selecionou os conteúdos de função conotati-va e denotativa da linguagem e densenvolveu o tema “A linguagem brincativa e a linguagem explicativa na poesia de Manoel de Barros”.

Uma vez que, em nossa avaliação, o currículo de Licenciatura em Letras não promover um aproveitamento de forma satisfatória do total de 400h de prática de ensino como componente curricular, renegando ao estágio supervisionado a responsabilidade pela maior parte da prática do curso, entendemos que o estágio desenvolvido no Colégio de Aplicação contri-bui com um papel diferenciado para a formação acadêmica do licenciando. Mesmo assim, sabemos que nem todos os graduandos têm a oportunidade de efetuar seu estágio obrigatório na instituição, pois além do número limi-tado de vagas não cobrir a necessidade de todas as licenciaturas em Letras, a carência na acessibilidade e as precárias condições de assistência estudantil acaba se colocando como o principal empecilho enfrentado pelos estudantes.

A aula desenvolvida no ano letivo em questão foi preparada com o in-tuito de abordar de forma integrada todas as vertentes da disciplina de Língua Portuguesa no Ensino Fundamental: leitura, interpretação, aná-lise e produção textual. Entendemos que o texto não deve ser utilizado de suporte para a abordagem de um ou outro conteúdo gramatical e que a tradicionalmente chamada de “aula de literatura” muitas vezes recai so-bre dados historicistas e biográficos, como mencionamos anteriormente.

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Além disso, pouco vemos o devido espaço para a literatura nos programas disciplinares do E. F., ficando a cargo e escolha pessoal do docente explorar ou não os mistérios da literatura em suas aulas de Português – como são geralmente conhecidas.

O trabalho que foi desenvolvido com Menino do Mato e outros textos de Manoel de Barros teve a intenção de promover o ensino amalgamado de língua e literatura, assim como tanto ouvimos falar nas salas da academia. Procurou-se mostrar aos alunos que o poeta escolhido desenvolve uma lin-guagem própria que percorre toda a obra observada. Agregado a isso, o foco é redirecionado para a apreciação da poesia em sua totalidade, retirando o protagonismo da análise gramatical e utilizando-a como aporte para com-preender de modo mais profícuo os textos lidos – neste caso, a análise nos serve de suporte e o texto ocupa a posição principal da aula ministrada, corroborando Santos (2013), que nos elucida que “para formar leitores, é necessário que, na escola, a leitura de textos escritos não se limite a adapta-ções ou fragmentos de textos” (SANTOS, 2013: 41).

O objetivo central da aula consistia em explorar os sentidos da lingua-gem não referencial (conotativa) no universo criado e imaginado na poética de Manoel de Barros. Para tanto, iniciamos a aula com a leitura do aponta-mento nove do poema “Caderno de aprendiz” de Menino do Mato, que diz: “Pra meu gosto a palavra não precisa significar – é só entoar” (BARROS, 2015: 30) e por ele começamos a mergulhar em outros poemas, tentando desmistificar por meio da observação da poética do autor o que o senso co-mum entende por “poesia difícil”, uma vez que demonstramos que as chaves de leitura para o autor estão contidas em seus próprios poemas. Passada esta etapa de leitura e interpretação do poema, passamos à leitura e inter-pretação de um trecho do poema “Sabiá com trevas” do livro Arranjos para assobio em que aliamos ao fato do poeta “transver” o gênero entrevista para observarmos as suas principais características em comparação a uma entre-vista real cedida pelo autor à Revista Palavra.

Como já explicitamos, a abordagem dos conteúdos curriculares não é feita de forma descolada da abordagem dada à leitura do texto poético, por isso optamos por nos apropriarmos de versos do poema “Escritos em verbal

de ave” para introduzirmos o conteúdo gramatical de conotação e denota-ção da linguagem. Associamos ao sentido conotativo o que o autor chama de “linguagem brincativa”, e ao sentido denotativo o que ele explicita como “linguagem explicativa”. Para exemplificar o uso das linguagens brincati-va e explicativa (conotativa e denotativa, respectivamente) utilizamos um trecho do poema “Glossário das transnominações em que não se explicam algumas delas (nenhumas) ou menos” (Cf. BARROS, 1998). Observamos, neste momento, que o autor transvê mais um gênero: o glossário. E, por isso, fizemos um jogo de preparar um glossário “verdadeiro” para o “Glossá-rio das transnominações” (Ver Anexo 1).

Como havia a preocupação com o trabalho integrado entre leitura, inter-pretação, análise e produção, a cada poema lido era feito um debate sobre possibilidades interpretativas em que compartilhamos nossas impressões sobre as leituras. Cabe ressaltar, neste momento, que o prefixo trans- é mui-to explorado pelo poeta Manoel de Barros e, como entendemos a poesia como uma nova forma de interpretar o mundo ao nosso redor, após ler o po-ema acima começamos a dialogar sobre o neologismo “transver”, momento em que outros vocábulos com o prefixo em questão surgiram. Destacamos, não ingenuamente, o fato de uma de nossas alunas ter interpelado então o significado do termo transexual, o que suscitou, de maneira não planejada, o debate sobre o tema durante a aula – exemplo de que a sala de aula é espa-ço plural de ideias e de construção no cotidiano de seu currículo.

Foram utilizados, além dos poemas citados, a projeção de parte da Revis-ta Palavra (2011) e o livro Mania de explicação, de Adriana Falcão (2001), que nos deu mais uma inspiração para a produção textual proposta aos alunos. Os objetivos que esperávamos alcançar eram os de ampliar a compreensão da poética de Manoel de Barros, diferenciar linguagem conotativa e deno-tativa sabendo identificá-las nos diversos textos e interpretar o uso da cono-tação, principalmente em poemas, distinguir os gêneros através do uso da linguagem e efetuar uma produção textual criativa de um cartão presente para um colega da sala em que se empregasse a linguagem brincativa.

A respeito da produção textual, que particularmente nos trouxe resulta-dos positivos e “fora da caixa”, foi proposto aos alunos a criação e confecção

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do que chamamos de “cartão-presente” para um colega de classe. Cada alu-no sorteou o nome de um colega e duas palavras – que previamente foram selecionadas – que ele precisava “levar ao delírio”, transver e assim utilizar a linguagem brincativa. Os cartões foram escritos primeiramente em forma de rascunho e, posteriormente, transcritos em papéis coloridos. Em tempos de tamanha intolerância e intransigência, presentear o outro com uma pa-lavra gentil e amiga nos pareceu ser de suma importância, principalmente no caso específico da turma em que a aula foi ministrada, que vinha apre-sentando algumas dificuldades de trato e relacionamento.

Cabe ainda salientar que a avaliação da aula foi contínua. Desde a leitura do primeiro poema, passando pela correção dos exercícios de interpretação e fixação dos conteúdos, chegando à observação e correção das produções escritas dos alunos, pudemos observar mais detalhadamente a assimilação dos conteúdos ministrados. Cabia a nós proporcionar aos estudantes a sen-sação de estar produzindo algo que efetivamente tivesse um destino e leitor final, tirando o estigma de que a produção textual é uma redação desinte-ressante que se destina única e exclusivamente ao professor com o mero intuito de ser avaliado.

CONSIDERAÇÕES fINAIS

A experiência com a leitura de poesia se mostrou muito enriquecedora no que entendemos como as duas pontas do processo pedagógico – estudan-tes e professor/professora. Uma vez diante de uma mediação de leitura que levasse em consideração uma experiência com o texto poético diferenciada, os estudantes do 7º ano do E.F. imergiram no universo poético de Manoel de Barros a partir da leitura na íntegra do livro de poesia Menino do Mato e puderam se apropriar dos conceitos previstos no conteúdo programático trimestral sempre à luz de chaves de leitura encontradas na própria poesia do autor – como no caso explicitado da linguagem “brincativa e explicativa”, em correlato ao conteúdo programático de conotação e denotação da linguagem.

Para o professor, a abordagem e a mediação do texto poético baseada em tal estratégia mostraram-se como um desafio no cotidiano do fazer pe-

dagógico, o que reafirma o compromisso do fazer docente com o trabalho intelectual e, sobretudo, com a posição de professor-pesquisador, constan-temente refletindo teoricamente a sua própria prática docente. Por esse mo-tivo, o trabalho docente do professor de literatura se afasta dos compêndios e apostilados ou das famosas antologias de poemas de vários autores ado-tados como livros didáticos e paradidáticos, instrumentos que contribuem para posicioná-lo de maneira passiva como um mero tutor e reprodutor de conhecimentos. Em outra via, o trabalho diferencia-se por colocá-lo como sujeito autor de seu próprio material didático, que experimenta e experiencia a partir da realidade prática de seu cotidiano pedagógico e se adéqua às ne-cessidades específicas de seu alunado – isto é, um modo de fazer como que o currículo seja construído constantemente no cotidiano da sala de aula.

No caso específico do CAp UFRJ, a experiência se mostra ainda mais en-riquecedora por atrelar o trabalho do professor-pesquisador à formação do-cente inicial com os licenciandos alocados no Colégio para a realização de seu estágio supervisionado. A realidade da formação teórica na Licenciatu-ra em Letras da UFRJ ainda se vê muito distanciada da prática docente, sen-do, portanto, o momento do estágio de grande importância para se efetivar o que a academia desenvolve de mais recente e moderno na área da pesquisa dentro da sala de aula. A experiência com a poesia de Manoel de Barros vai justamente ao encontro dessa proposta, e a licencianda alocada nas turmas de sétimo ano viu-se, ao final do seu processo de estágio, preparada para o desafio de desenvolver estratégias de mediação de leitura a partir de meto-dologias inovadoras que fogem aos modelos tradicionais – os quais, por sua vez, acabam por reforçar os estereótipos comumente associados à leitura de poesia no Ensino Básico.

Acima de tudo, a proposta do projeto de pesquisa didática aqui empe-nhado vem a contribuir e reivindicar a importância a ser dada à formação do leitor literário. Tomar a literatura como um discurso distinguido pelas suas especificidades e defendê-la como uma forma autônoma de apreensão do conhecimento é fundamental para que resgatemos o interesse de nossos jovens estudantes pela leitura literária. A formação de professores de litera-tura preocupada com esse entendimento é de extrema importância não só

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para a valorização de nossa área como sobretudo para a formação pessoal de nossos estudantes enquanto leitores críticos e autônomos da sua própria realidade circundante.

Resta-nos, por fim, retomar a provocação inicial desse trabalho e ques-tionarmos qual o lugar dado, nesse cenário, à leitura do gênero poesia no Ensino Básico. Se de fato o discurso poético é capaz de se colocar como uma forma autônoma de conhecimento e contribuir para a leitura crítica e emancipatória da realidade de mundo dos nossos estudantes, cabe-nos questionar por que motivos os alunos se veem desmotivados ou desinteres-sados frente ao trabalho de leitura desenvolvido com a poesia. Repensar as estratégias de mediação de leitura, de maneira lúdica, criativa e dinâmica, é o primeiro passo para a aventura do conhecimento pelo reino da palavra po-ética a que todos nós, professores e professoras de literatura, nos dispomos a trilhar em nosso dia a dia.

REfERêNCIAS

BARROS, M. Arranjos para assobio. Rio de Janeiro: Record, 1998.

______. Escritos em verbal de ave. São Paulo: Leya, 2011.

______. Menino do Mato. Rio de Janeiro: Alfaguara, 2015.

FALCÃO, A. Mania de explicação. Ilustrações de mariana Massarani. São Paulo: Moderna, 2001.

REVISTA PALAVRA SESC DE LITERATURA. Dossiê Manoel de Barros. Ano 3, nº 2. Rio de Janeiro: SESC; Rio de Janeiro: Record, 2011.

SANTOS, L. W. Análise e produção de textos. Org. Leonor Werneck Santos, Rosa Cuba Riche, Claudia Souza Teixeira. São Paulo: Contexto, 2013.

TODOROV, T. A literatura em perigo. Rio de Janeiro: Difel, 2010.

ANEXOS

Anexo 1 – Trecho extraído de material didático elaborado pela licencianda para a sua prova-aula (regência)

Exercícios de aplicaçãoTexto III – Glossário das transnominações em que não se explicam algumas delas (nenhumas) ou menos (trecho)

Poesia, s.f.Raiz de água larga no rosto da noiteProduto de uma pessoa inclinada à antro1

Remanso2 que um riacho faz sob o caule da manhãEspécie de réstia3 espantada que sai pelas frinchas4 de um homemDesigna também a armação de objetos lúdicos com emprego de palavras imagens cores sons etc.geralmente feito por crianças pessoas esquisitas loucos e bêbados

Árvore, s.f.Gente que despetala5

Possessão de insetosAquilo que resina6 de chãoDiz-se de alguém com resina e falenas7

Algumas pessoas em que o desejoé capaz de irromper sobre o lábiocomo se fosse a raiz de seu canto

1 Antro – caverna, habitação em caverna ou sítio medonho; masmorra.2 Remanso – tranquilidade; porção de água de mar ou rio cuja superfície parece estar ou está imóvel.3 Réstia – feixe tênue de luz que passa por uma abertura estreita.4 Frincha – abertura estreita; fenda.5 Despetalar – tirar as pétalas.6 Resina – matéria viscosa de mana de certos vegetais e em especial do pinheiro; indivíduo teimoso.7 Falena – borboleta noturna.

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1a edição Janeiro de 2017 impressão Alphagraphics papel de miolo Offset 75 g/m2

papel de capa Duo design 250 g/m2

tipografias Constantia e Uni Sans