Richard Roch Junior

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ CURSO DE HISTÓRIA – MEMÓRIA E IMAGEM – BACHARELADO TÓPICOS ESPECIAIS DE HISTÓRIA E SOCIABILIDADES Richard Helmuth Windfried Angert Roch Junior “Algumas Formas Primitivas de Classificação” pode não somente ressaltar a aplicação dos preceitos elencados por Émile Durkheim em “As Regras do Método Sociológico”, mas também dar premissas do caráter etnólogo empregado por Marcel Mauss ao longo de seus estudos. Através de uma abordagem que busca salientar, a partir de uma revisão histórica daquilo que se credita como “formas primitivas de classificação”, o trabalho realizado à quatro mãos emprega teor científico ao afirmar que as mais diversas organizações sociais têm sua origem vinculada às peculiaridades das relações de cada grupo; às maneiras específicas com que cada grupo passa a classificar os elementos de seu entorno não como uma função inerente da individualidade humana, mas sim resultante dos mais diversos engendramentos que permeiam sua cultura. O indivíduo, assim, se faz posicionado pelo social. Para Lanna (2000), Marcel Mauss (Épinal, 10 de Maio de 1872 — Paris, 10 de Fevereiro de 1950) valorizou análises comparativas ao extrair resultantes advindas de pesquisas etnológicas de grupos definidos como “primitivos” por conta de suas baixas complexidades classificatórias. Ainda que suas conclusões partissem do esmiuçar de relatos não totalmente verossímeis, os feitos de Mauss inclinaram a antropologia

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Análise dos trabalhos classificatórios de Durkheim e Mauss

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

CURSO DE HISTÓRIA – MEMÓRIA E IMAGEM – BACHARELADO

TÓPICOS ESPECIAIS DE HISTÓRIA E SOCIABILIDADES

Richard Helmuth Windfried Angert Roch Junior

“Algumas Formas Primitivas de Classificação” pode não somente ressaltar a

aplicação dos preceitos elencados por Émile Durkheim em “As Regras do Método

Sociológico”, mas também dar premissas do caráter etnólogo empregado por Marcel

Mauss ao longo de seus estudos. Através de uma abordagem que busca salientar, a

partir de uma revisão histórica daquilo que se credita como “formas primitivas de

classificação”, o trabalho realizado à quatro mãos emprega teor científico ao afirmar

que as mais diversas organizações sociais têm sua origem vinculada às

peculiaridades das relações de cada grupo; às maneiras específicas com que cada

grupo passa a classificar os elementos de seu entorno não como uma função

inerente da individualidade humana, mas sim resultante dos mais diversos

engendramentos que permeiam sua cultura. O indivíduo, assim, se faz posicionado

pelo social.

Para Lanna (2000), Marcel Mauss (Épinal, 10 de Maio de 1872 — Paris, 10 de

Fevereiro de 1950) valorizou análises comparativas ao extrair resultantes advindas

de pesquisas etnológicas de grupos definidos como “primitivos” por conta de suas

baixas complexidades classificatórias. Ainda que suas conclusões partissem do

esmiuçar de relatos não totalmente verossímeis, os feitos de Mauss inclinaram a

antropologia subsequente ao desfazer de ideais etnocentristas.

Parte-se do pressuposto de que “Algumas Formas Primitivas de

Classificação” foi um ensejo da delimitação daquilo que seria “fato social” para

Durkheim. Para este, existe um complexo corolário de instamentos sociais que tiram

do indivíduo a gênese de seu comportamento. Ainda que existam consciências

individuais, estas estão fadadas a um sem fim de inferências de ordem social que

tendem a coagir seus componentes às mais diversas normas. Dessa maneira, até

mesmo o livre agir do indivíduo não o isenta de obedecer regulamentações. Quando

a falta de coesão dicotomiza o movimento social x indivíduo, “crenças, tendências e

práticas regulamentadoras do grupo”(p. 32) fazem com que “se o indivíduo tentar se

opor a uma dessas manifestações, os sentimentos que ele nega se voltam contra

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ele” (p. 34). Tanto a inconsciência frente a tais processos, como o enfrentamento

deles, indicam que o movimento formador parte sempre do corpo social.

Assim, a sociologia intenta o caráter científico quando isola fatos que não

podem – ao menos não com o mesmo êxito – ser explicados a partir de

considerações orgânicas ou físicas. Todas as coisas exteriores ao indivíduo e livres

de ruídos que intuam à reflexões pessoais em busca de aceitações passam a ser

objetos de estudo da sociologia. Tais desvios se dão, segundo Durkheim, pela

recorrente tentativa humana de harmonizar o binômio existência x realidade através

de soluções que não carregam em seu cerne os caracteres fidedignos da ciência.

Atrela, dessa maneira, a necessidade do distanciamento para com aquilo que se

busca analisar. Fundir sentimento com o que se pretende esmiuçar seria realizar

uma ciência que “só pode satisfazer os espíritos que preferem pensar com sua

sensibilidade do que com seu entendimento, que preferem as sínteses imediatas e

confusas da sensação às análises pacientes e luminosas da razão” (p. 56). Distante

de tais subjetividades filosóficas, da impossibilidade de domínio real de tais

preceitos, é a partir da análise de dados concretos que a sociologia poderia dar o

tom do social que molda componentes e delimitações do grupo..

Na intenção de exemplificar as conclusões a seguir elucidadas do trabalho de

Durkheim e Mauss, a respeito do caráter comum que as mais diversas organizações

sociais tendem a apresentar, é possível perceber elementos de Pascal organizados

de forma polida nas regras até então elucidadas. Para o pensador francês, a

impossibilidade do ser humano dominar os aspectos mínimos e máximos da

existência – função possível apenas a Deus – o coloca num papel voltado ao centro

desses dois opostos. A verdade, imbuída na compreensão destas grandezas e

assim inalcançável ao seu humano, deveria ser substituída pela retidão de espírito e

afastamento de intentos imaginativos que afastariam o homem do discernimento.

Tolhidos os aspectos divinos, Durkheim parte do mesmo pressuposto do não

domínio de tais extremos, encontrando nos fatos sociais o afastamento das

“sínteses imediatas e confusas” e se fazendo valer de um campo de ação real para o

emprego de análises.

Outro exemplo, seria o uso da expressão “niilismo” empregada pela primeira

vez pelo romancista russo Ivan Turguêniev ao ilustrar o personagem Bazárov no

romance “Pais e Filhos”. Este, em espécie de desconformidade com as instituições

que lhe permeiam, adotada uma postura de descrença e não representação

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daquelas para com aquilo que ele atribuí como existência. A obra, de 1862,

antecedeu em dezesseis anos “O Anticristo” do filósofo Friedrich Nietzsche. Aqui, o

termo ganha o aspecto de englobar aqueles que passam a acreditar em viver

“verdades” que não vão de encontro com aquilo que levaria o ser humano à busca

de si; uma espécie de engendramento social que tem como premissa o

sustentamento de valores que perpetuam um afastamento de toda a bagagem

humana voltada ao desenvolvimento de suas razões.

Mesmo que amplamente distintos, a comparação destes dois pensamentos

emerge similaridades que entram na percepção de Mauss a cerca das culturas de

diferentes povos primitivos: a independência alcançada por um grupo em relação à

sua fratria surge de novas significações dadas aos elementos classificados da

realidade, sendo ainda assim possível ver na reorganização social a continuação de

preceitos base. Cabe ao método sociológico a possibilidade de perpassar os mais

diversos âmbitos se fazendo valer de sua postura científica, a partir de que, retiradas

às “imaginações” do que quer que seja, o fato social tende a se fazer visível naquilo

que compete ao indivíduo.

Isto posto, é possível transpor tais intentos da obra durkheimiana de 1894

para a análise feita por ele e Mauss, nove anos mais tarde, referente a tendência

classificatória humana voltada à apreensão da realidade, aderindo, porém,

protagonismo nas formulações sociais em detrimento de aspectos lógicos e

individuais, resultantes de uma “elaboração na qual entraram todos os tipos de

elementos estranhos” (p. 403). Partindo da premissa de que as sociedades

modernas têm uma estrutura altamente complexa – sendo difícil divisar a partir das

resultantes finais quais são os elementos que compõem os mais variados aspectos

do grupo social –, Durkheim e Mauss remontar a partir de revisão bibliográfica uma

série de grupos de baixa complexidade classificatória buscando justificar que 1) se é

possível enxergar a transposição dos elementos culturais primários que se ramificam

em consequentes organizações mais complexas, e mesmo nestas condições

simplórias o indivíduo não passa a classificar seu entorno por conta de uma pré

disposição própria; 2) as sociedades modernas não poderiam negar, racional e

cientificamente, o fato de que as suas mais diversas características não são obra do

pessoal ou instintivo ou natural, mas sim de todo cabedal social que é terreno fértil

do que quer que se manifeste em seus integrantes.

Partindo da base organizacional de tribos australianas caracterizadas por

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fratrias, todas as coisas que cerceiam os indivíduos de tais grupos pertencem,

obrigatoriamente, a uma outra destas duas fratrias. Outras, ainda, possuem dentro

destas fratrias sistemas específicos de representação delimitados por classes

matrimonias. Dessa maneira, as mais diversas ações dos indivíduos tendem a ser

coagidas apenas por expressões que façam uso dos elementos destinados a fratria

a que pertence. “Assim, o feiticeiro que é da fratria malera na execução de sua arte

só pode servir-se de coisas que são igualmente malera” (p.407).

Derivadas destas classificações, percebe-se a maior complexidade de

organizações subsequentes que fazem uso de totens e clãs dentro das fratrias.

Sendo cada clã da fratria representado por um totem específico, os elementos de

ordem natural ficam sujeitos à denominações sociais específicas de cada um.

Levando-se em conta a relação entre gênero x espécie, Durkheim e Mauss

evidenciam que o processo de complexificação social mantém os dois grandes

gêneros (fratrias), estendendo sobre cada um deles um número de espécies que

especificam a organização de cada clã. O movimento de identificação dos grupos

para com seus respectivos totens tendem a coesão do grupo, ao passo que

subtotens ou totens secundários podem atender a segmentação desses clãs.

Mesmo que se organizem como espécies de novas fratrias, não deixariam de

carregar as premissas originárias dos troncos que serviram como base de sua

ramificação, levando a “uma repartição das coisas por cabeças, e não mais por

troncos. Mas, ao mesmo tempo, acabará incluindo quase o universo inteiro” (p. 421).

Perpassando ainda por outras tribos e mesmo pela civilização chinesa,

Durkheim e Mauss justificam a análise destas classificações por serem elas

decorrentes de finalidades “especulativas” que intentam compreender

inteligivelmente os vínculos entre os membros e àquilo que tem papel de

representação. “Tais classificações são, pois, destinadas, antes de tudo, a unir

ideias entre si, a unificar o conhecimento; a este título, pode-se dizer sem inexatidão

que são obra de ciência e constituem uma primeira filosofia da natureza” (p. 451).

Tal trabalho explicita a tendência aglutinadora da sociologia proposta por

Durkheim ao delimitar seus objetos de pesquisa, atribuir caráter científicos a tais

intentos, e de certa forma se fazer valer de caracteres precisos dentro de teorias

talvez não tão precisas. A partir dos trabalhos etnólogos do Mauss, fica explícita a

confluência entre escolas sociológicas e antropológicas que intentam a

compreensão dos mecanismos organizacionais do social a partir de premissas

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científicas que, assim, intentam a proximidade com aquilo que de real permeia o ser

humano.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. São Paulo: EDIPRO, 2012.

DURKHEIM, Émile e MAUSS, Marcel. Algumas formas primitivas de classificação –

contribuição para o estudo das representações coletivas. In: MAUSS, Marcel -

Ensaios de Sociologia. São Paulo: Editora Perspectiva, 1981.

LANNA, Marcos. Nota Sobre Marcel Mauss e o Ensaio Sobre a Dádiva. Revista de

Sociologia Política, Curitiba, nº 14: p. 173-194.

NIETZSCHE, Friedrich. O Anticristo. Porto Alegre: L&PM POCKET, 2009.

PASCAL, Blaise. Pensamentos - Coleção Os pensadores. São Paulo: Victor Civita,

1973.

TURGUÊNIEV, Ivan. Pais e Filhos – Os Imortais da Literatura Universal – Vol. 14.

São Paulo: Abril Cultural, 1971.