Richard Palmer - Hermenêutica

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Richard E. Palmer  HEDMENÊUTICA O SABER DA FILOSOFIA

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Richard E. Palmer 

HEDMENÊUTICA

O SABER DA FILOSOFIA

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Uma visão histórica, sintética e densa, do problema e da constituição da Hermenêuticae das implicações filosóficas fundamentaisda interpretação. R. Palmer analisa e expõe

com argúcia as linhas básicas do pensamentode alguns dos principais hermeneutas:Scheleiermacher, Dilthey, Heidegger eGadamer.

O SABER DA FILOSOFIA

edições 70' 'm

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Richard E. Palmer 

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O SABER Q \ FILOSOFIA

edições 70

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QO SABF.R DA FILOSOFIA

1 — A EPISTEMOLOG IAGaston Bacheland

2 - I DEOLOGIA E R AC IONALIDADE NA S CIÊ N CIA S DA VIDA

Georgcs Canguilhem

3 - A FILOSOFIA CRÍTICA DE KANTGillcs Deleuze

4 — 0 NOVO ESPÍRITO CIENTÍFICOGaston Bachclard

5 — A FILOSOFIA CHINESAMax Kaltenmark

6 - A F I LOS OF IA DA M ATEM ÁTI CAAmbrosio Giacomo Manno

7 - PROLEGÓMENOS A TODA A METAFÍSICA FUTURAImmanuel Kant

8 - ROUSSEAU E MARXGalvano Dclla Volpe

9 — BREVE HISTÓRIA DO ATEÍSMO OCIDENTALJames Thrower

10 — FILOSOFIA DA FÍSICA

Mario BungeII — A TRADIÇÃO INTELECTUAL DO OCIDENTEJ. Bronowski c Brucc Mazlish

12 - A LÓGICA COMO CIÊNCIA HISTÓRICAGalvano Dclla Volpe

13 — A HISTÓRIA DA LÓGICA — DE ARISTÓTELESA BERTRAND RUSSEL

Robert Blanché14 — A RAZÃO

Gilles-Gaston Granger15 - HER M ENÊUTI CA

Richard E. Palmcr16 — A FILOSOFIA ANTIGA

Emanu ele Severino17 - A FILOSOFIA MODERNA

Emanuele Severino

18 — A FILOSOFIA CON TEMPO RÂNE AEmanuel Severino

19 — EXPOSIÇÃO E INTERPRETAÇÃODA FILOSOFIA TEÓRICA DE KANT

Felix Grayeff20 - TEOR IAS DA LINGUAGEM ,TEORIAS DA APRENDIZAGEMMassimo Piattelli-Palmarini (org.)

21 — A REVOLUÇÃO NA CIÊNCIA 1500-1700A. Rupert Hall

1— INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA HISTÓRIA DE HEGELJean Hyppolite

23 — AS FILOSOFIAS DA CIÊNCIARom Harre

24 - GALILEU E NEWTON LIDOS POR EINSTEIN

Françoise Balibar25 — AS RAZÕES DA CIÊNCIALudovico Geymonat/Giulio Giorello

26 — A FILOSOFIA DE DESCARTESJohn Cottingham

27 — INTRODUÇÃO A HEIDEGGER Gianni Vattimo

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HERMENÊUTICA

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Título original: HERMENEUT1CS - INTERPRETATION  THEORY in Schleiennacher, Dilthey, Heidegger and Gadamer 

© Northwestern University Press, 1969

Tradução de Maria Luísa Ribeiro Ferreira

Capa de Edições 70

Todos os direitos reservados para língua portuguesa por Edições 70, Lda.

Depósito legal n° 96840/96

ISBN: 972-44-0340-8

EDIÇÕES 70, LDA.Rua Luciano Cordeiro, 123 - 2.” Esq.° - 1069-157 LISBOA / Portugal

Telefs: (01) 3158752 - 3158753Fax: (01) 3158429

Esta obra está protegida pela lei. Não pode ser reproduzidano todo ou em parte, qualquer que seja o modo utilizado,incluindo fotocópia e xerocópia, sem prévia autorização do Editor.Qualquer transgressão à lei dos Direitos do Autor será passível de

 procedimento judicial.

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Richard E. Palmcr

HERMENÊUTICA

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PREFÁCIO

Poderíamos ter chamado a este livro: «O que é a hermenêutica?» ou «O significado da hermenêutica», pois ele é, entre outrascoisas, um registo da busca feita pelo seu autor no que respeitaà compreensão de um termo imediatamente desconhecido para amaior parte das pessoas cultas e ao mesmo tempo potencialmentesignificativo para uma série de disciplinas relacionadas com a inter pretação, especialmente com a interpre tação de textos.

Este estudo emergiu de um projecto mais específico, que diziarespeito ao significado que a teoria de Bultmann sobre a interpretação bíblica teve para a teoria literária: durante este estudo tor-nou-se evidente a necessidade de uma clarificação fundamental doque fossem o desenvolvimento, significado e âmbito da própriahermenêutica. Uma clarificação desse tipo tornou-se de facto num

 pré-requisito para o projecto original. À medida que prosseguia nessetrabalho preliminar, as possibilidades ricamente sugestivas de umahermenêutica geral e não teológica (que, de facto, constituem a

 base da teoria de Bultmann e da «nova hermenêutica») levaram-mea focar apenas uma forma pré-teológica de hermenêutica, enquantodiz respeito à teoria da interpretação literária.

Porque as fontes primitivas neste campo relativamente desconhecido são essencialmente em alemão, vi-me obrigado a expô-lasde um modo bastante extenso. E porque a própria definição dotermo hermenêutica se tornou tema de uma acerba controvérsia,foi necessário abordar com certa profundidade o problema da definição, antes de discutir os quatro teóricos de maior nome nestecampo.

Por fim, reservou-se para um segundo volume o exame detalhado das implicações da hermenêutica na teoria literária, facto queconstituíra em primeiro lugar a justificação deste projecto, emborao primeiro e os dois últimos capítulos deste trabalho possam dar aoleitor interessado uma sugestão do que em seguida virá.

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Talvez seja bom acrescentar uma nota técnica a explicar aminha escolha do termo hermeneutics  (hermenêutica) (*). JamesM. Robinson em The New Hermeneutic  sugeriu que. não há qualquer justificação filológica para colocarmos um s no fim da palavra;

nem «aritmética» nem «retórica» requerem um 5  e ambas designamum campo geral. Mais ainda, «hermeneutics» é um feminino singularnou tras línguas modernas — hermeneutik   em alemão; herméneu- tique em francês — e vem do latim hermeneutica. Robinson aventouque a queda do s  (no termo inglês) poderia também sugerir umanova orientação na teoria hermenêutica, aquilo que veio a designar-se por a Nova Hermenêutica.

 Não ponho em causa a irrefutabilidade filológica do argumentodefendido por este eminente teólogo americano. A minha utilização

do s em «hermeneutics» também não deve ser encarada como umarejeição da posição hermenêutica representada pela Nova Hermenêutica. Pelo contrário, os contributos de Heidegger e de Gadamer para a hermenêutica (hermeneutics) constituem os fundamentos da Nova Herm enêutica e proponho afastar-me de uma abordagemhermenêutica estritamente filológica, realçando o carácter frutíferoda perspectiva mais fenomenológica que estes autores defendemface ao problema hermenêutico. Contudo, por razões meramente práticas, decidi-me a deixar o term o hermeneutics  no seu estado

de pecado filológico: a palavra é já de si suficientemente estranha e desconhecida, sendo desnecessário acrescentar-se-lhe maisesta dificuldade.

Também ao reter o s há uma maior flexibilidade na utilizaçãodo termo. Podemos, por exemplo, referir genericamente o campo dahermenêutica (hermeneutics) e a teoria específica de Bultmann,designando-a como a hermenêutica de Bultmann (Bultmann’s hermeneutic).

Para além disto, há o facto de a forma adjectiva poder ser

«hermenêutica» («hermeneutic or hermeneutical») como na teoriahermenêutica ou na teologia hermenêutica. Porque «hermenêutica»tende a soar como um adjectivo, a menos que seja acompanhadodo artigo «a» ou de qualquer outro modificador, e porque o s sugere «regras» e «teoria», continuei a utilização estandardizada.

Agradeço ao American Council of Learned Societies a bolsaque me concedeu (Post — Doctoral Study Fellowship) e que me permitiu passar o ano de 1964-1965 no Institut fü r Herm eneutik,na Universidade de Zurique e na Universidade de Heidelberg. Os

meus especiais agradecimentos vão para o Professor Gerhard Ebeling,

(*) O autor utiliza o termo hermeneutics  e não hermeneutic.  A notavisa justificar esta distinção. Optámos em português pela designação genéricade hermenêutica. (N. da T.)

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então director do Instituto, e para o seu assistente Fricdricli IIntel, pelo facto de me terem permitido estudar e dactilografar o trubalhoa qualquer hora, não falando já da sua constante ainabilidudc cassistência. Em Heidelberg, o Professor Gadamer permitiu amavel-

mente que eu assistisse ao seu «Hegelkreiss» e que apresentasse umacomunicação «Die Tragweite von Gadamers Wahrheit und Methude  fü r die Literaturauslegung»; as críticas e reflexões pessoais feitas pelo Professor Gadamer nessa ocasião foram da maior utilidade.Também gostaria de lhe agradecer o facto de me ter apresentadoa Heidegger e de agradecer ao Professor Heidegger a reacção favorável que teve à minha ideia de utilizar a sua teoria da compreensãocomo a base de uma abordagem fenomenológica da interpretaçãoliterária.

Os meus agradecimentos vão também para os administradoresdo Mac Murray College, pelo subsídio suplementar que me concederam e que permitiu que a minha família se deslocasse comigo para a Europa. Tam bém lhes agradeço a recente ajuda no querespeita às despesas de dactilografia do manuscrito final.

Os colegas que se seguem tiveram a amabilidade de ler e criticar partes do manuscrito: Lewis S. Ford (Raymond College),Severyn Bruyn (Boston College), William E. Umbach e WilliamW. Main (Universidade de Redlands), John F. Smolko (CatholicUniversity of America), Gordon E. Michalson (School of Theology,Claremont), Karl Wright, J. Weldon Smith, Gisela Hess, PhilipDecker e Ruth O. Rose (todos do Mac Murray College) e JamesM. Eddie (Northwestern University). Os meus especiais agradecimentos vão para os colegas que leram integralmente o manuscritoem qualquer das suas fases de elaboração: Calvin Schrag (Universidade de Perdue), Theodore Kisiel (Canisius College), Ruth Kovacs(Mac Murray College) e de um modo especial Roger Wells (jubi-lado de Bryan Mawr e actualmente em Mac Murray), cujas sugestões editoriais muito apreciei. O autor deseja agradecer a MissVictoria Hargrave e a Mrs. Glenna Kerstein, da biblioteca de MacMurray, a sua assistência incansável. Também agradece aos seguintes estudantes de Mac Murray College pelas sugestões prestadas e

 pelo trabalho de dactilografia: Jackie Menefee, Ann Baxter, ShaminLalji, Sally Shaw, Peter Brown e Ron Heiniger.

Por fim, minha mulher e os meus filhos suportaram sem umaqueixa todo o tempo que roubei à sua companhia. A minha mulher

fez a revisão de provas de todo o manuscrito. Também estou gratoa Edward Surovell, da Northwestern University Press, pela leituracriteriosa que fez do meu manuscrito.

R. E. P.Mac Murray CollegeJaneiro, 1968

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PRIMEIRA PARTE

SOBRE A DEFINIÇÃO, ÂMBITO E SIGNIFICADODA HERMENÊUTICA

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INTRODUÇÃO

Hermenêutica é uma palavra que cada vez mais se ouve noscírculos teológicos, filosóficos e mesmo literários. A Nova Hermenêutica emergiu como um movimento dominante na teologia protestante europeia, defendendo a hermenêutica como o pontocentral dos actuais problemas teológicos f). Houve três conferênciassobre hermenêutica de âmbito internacional, na Drew University O

e é possível encontrar várias obras recentes em inglês sobre hermenêutica num contexto teológico (3). M artin Heidegger, num conjuntode ensaios recentemente publicados, discute o carácter persistentemente hermenêutico do seu próprio pensamento, no que respeitatanto ao primeiro como ao último Heidegger (*). A própria filosofia, afirma Heidegger, c (ou devia ser) «hermenêutica». E, em1967, o esplêndido isolamento da crítica literária americana no querespeita à hermenêutica foi destruído pela obra de E. D. HirschValidity in Interpretation.  O tratado de Hirsch é um ensaio com

 pleto sobre hermenêutica, constituindo um desafio às ideias dominantes da crítica actual. Segundo Hirsch, a hermenêutica pode e

(') Ver a posição de Gcrhard Ebeling, que defende ser a hermenêuticao  Brennenpunkt   (ponto central) dos problemas teológicos de hoje.

O Em 1962, 1964 e 1966. As comunicações da Conferência de 1962foram publicadas em NH. Os encontros de 1966 foram publicados — « Inler- 

 pretation: The Poetry of Meaning»,  ed. Stanley R. Hooper and David L. Millcr.A obra «The later Heidegger and Theology»,  ed. James M. Robinson e John

B. Cobb, Jr. está intimamente relacionada com as conferências.(3) Acrescentando-se a NH, e mais recentemente a Robert W. Funk,nLanguage, Hermeneutic and Word of God », veja-se o « Journal of Theology»e as «Church series of books» editadas por Robert W. Funk e Gerhard Ebeling,especialmente «The Bultmann School of Biblical Interpretation: New Direc-tions»?  e « History and Hermeneutics».

(') «Aus einem Gesprãch von der Sprache»,  US esp. 95-99, 120-32, 136,150-55.

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deve servir de disciplina fundamental, preliminar a toda a inter pretação literária.

Com estas reivindicações contemporâneas da importância central de hermenêutica em três disciplinas humanísticas — teologia,filosofia e in terpretação literária — torna-se cada vez mais evidentea importância que este domínio assumirá nas fronteiras do pensamento americano nos próximos anos. Mas o termo não é uma palavra usual quer na filosofia quer na crítica literária; e mesmoem teologia o seu uso aparece muitas vezes num sentido restritoque contrasta com um uso largamente feito na «nova hermenêutica» teológica contemporânea. Daí o colocar-se frequentementea questão: que é a hermenêutica? O Webster Thircl New International Dictionary  define-a como: o estudo dos princípios metodológicos de interpretação e de explicação; hermenêutica específica:o estudo dos princípios gerais de interpretação bíblica. Uma definição deste tipo poderá satisfazer aqueles que apenas pretendamuma compreensão operatória da própria palavra; os que pretendamalcançar uma ideia do campo da hermenêutica exigirão muito mais.Infelizmente, não há por enquanto em inglês nenhum tratamentocompleto de hermenêutica enquanto disciplina geral, não teológica.

 No entanto, há um a necessidade prem ente no sentido de uma

abordagem introdutória à hermenêutica num contexto não teológico, orientado para a clarificação do sentido e do âmbito do termo.O presente trabalho pretende ir ao encontro desta necessidade.

Dar-se-á ao leitor uma ideia da fluidez da hermenêutica e dos problemas complexos que se ligam à sua definição. Discutir-se-Soos problemas básicos que preocuparam quatro dos maiores pensadores sobre este tema. Também rerão dadas referências bibliográficas básicas para uma exploração ulterior.

Contudo, para o seu autor, este livro situa-se no contexto deum outro projecto — o de se orientar numa abordagem mais adequada da interpretação literária. Na teoria hermenêutica alemã, podemos encontrar as bases filosóficas para um conhecimento radicalmente mais amplo dos problemas da interpretação literária.Assim, o objectivo de explorar a hermenêutica subordina-se nestelivro a uma outra finalidade: delinear a matriz das razões no âmbitodas quais os teóricos literários americanos poderão significativamente retomar a questão da interpretação, num nível filosófico

anterior a todas as considerações de aplicação a técnicas de análiseliterária. Pondo a questão de um modo programático, a finalidadedeste livro é apelar para que a interpretação literária americanareexplore num contexto fenomenológico a pergunta: o que é inter

 pretação? Por fim, este estudo aponta um a orientação específica para o problema: a abordagem fenomenológica. Vê na herm enêu

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tica fenomenológica, contra outras formas, o contexto mais adequado para a questão ser explorada.

 Na perspectiva da finalidade program ática deste estudo relativamente à interpretação literária, as duas secções que se seguem

apresentam algumas observações preliminares sobre a situação dacrítica literária americana e sobre a necessidade de uma reavaliaçflofilosófica do pensamento literário americano.

Algumas conseqüências do senso comum. A objectividade na critica literária americana

Filosoficamente falando, a interpretação literária em Inglaterra

e na América actua de um modo geral num contexto realista (*).Tende a pressupor, por exemplo, que a obra literária está simplesmente «lá fora», no mundo, essencialmente independente daquelesque a captam. A percepção que cada um tem da obra é consideradaseparadamente da própria obra, e a interpretação literária temcomo tarefa falar da «própria obra». De igual modo, as intenções doautor são consideradas enquanto rigidamente separadas da obra;a obra é em si mesma «um ser», um ser com os seus próprios

 poderes e a sua dinâmica. Um intérpre te moderno típico defende

geralmente a obra literária como «um ser autônomo» e vê a suatarefa como a de alguém que penetra nesse ser autônomo por meioda análise textual. A separação preliminar de sujeito e objecto, tãoaxiomática no realismo, torna-se o fundamento filosófico e o contexto da interpretação literária.

Os frutos extraordinários de um contexto deste gênero tor-nam-se patentes na arte altamente desenvolvida das recentes análisesde texto. Esta arte não tem ponto de comparação na história dainterpretação literária ocidental, no que respeita a poder técnico

e a subtileza. Chegou, no entanto, a hora de pôr em causa o fundamento dos pressupostos sobre os quais assenta. E isto faz-semelhor, não do interior da própria perspectiva realista, mas saindodela e inspeccionando-a. A fenomenologia é uma orientação do pensamento europeu que subm eteu as concepções realistas da percepção e da in terpretação a uma crítica radical. Ao fornecera chave para uma reavaliação dos pressupostos sobre os quais se baseia a interp retação literária inglesa e americana, a fenomenologia poderia fornecer o ímpeto para um próximo e decisivo avanço

na teoria e na prática da interpretação americana.Um estudo da fenomenologia toma especialmente visível a

semelhança essencial entre o realismo e a perspectiva «científica»

(s) Ver Neal Oxenhandler, «Ontological Criticism in America and France», HLR, LV (1960) 17-18.

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mostrando até que ponto a interpretação literária caiu num modocientífico de pensar: a sua objectividade operatória, a sua concep-tuulização estática, a sua ausência de sentido histórico, o seu amorl>ela análise. Porque, com todas as suas pretensões humanísticas

e a defesa inflamada que faz da poesia «numa era de tecnologia»,a crítica moderna literária tornou-se cada vez mais tecnológica.Imitou-se cada vez mais a abordagem do cientista. O texto de umaobra literária (mau grado a sua «existência autônoma») tende a serencarado como um objecto — um «objecto estético». O texto éanalisado numa total separação relativamente a qualquer sujeito percepcionante, e a «análise» é considerada como sendo virtualmente sinônima de «interpretação».

Mesmo a recente aproximação com a crítica social, numa

espécie de formalismo iluminado, apenas alarga a definição doobjecto, incluindo na análise o seu contexto social (*). A interpretação literária de um modo geral é ainda essencialmente encaradacomo um exercício de «dissecação» conceptual (é uma imagem biológica) do objecto (ou «ser») literário. É claro que como este serou objecto «estético», pensamos que dissecá-lo é sempre muito mais«humanizante» do que dissecar um sapo num laboratório; no entanto, a imagem do cientista, que isola um objecto para ver comoele é feito, tornou-se o modelo dominante na arte da interpretação.

 Nas aulas de literatura, diz-se mesmo aos estudantes que a experiência pessoal que têm de um trabalho extraliterário é uma espéciede falácia irrelevante para q análise da obra Ç).  Os professores, unidos em convênio gigantesco, lamentam ritualmente o facto de osseus alunos acharem a literatura «irrelevante»; mas a concepçãotecnológica que têm da interpretação, com a sua metafísica de umrealismo envolvente, promove realmente a própria irrelevância queeles tão ineficazmente lamentam. «A ciência manipula as coisas edesiste de viver nelas», diz-nos o falecido fenomenologista francês

Maurice Merleau-Ponty (!). Isto resume numa frase o que aconteceuà interpretação literária americana. Esquecemos que a obra literárianão é um objecto manipulável, completamente à nossa disposição;é uma voz humana que vem do passado, uma voz à qual temos decerto modo que dar vida. O diálogo, e não a dissecação, abre ouniverso da obra literária. A objectividade desinteressada não é ade-quávcl à compreensão de uma obra literária. É claro que o críticomoderno defende a paixão — e mesmo a capitulação perante «a existência autônoma da obra» —, mas, não obstante, vai trabalhando a

(*) í>, precioso o capítulo final da obra de Walter Sutton « Modem American Crillcism» (a crítica como um acto social).

(’) listou a pensar na bem conhecida «falácia afectiva» como foi, pormrmplo, apresentada na obra de William K. Wimsatt Jr., «The Verbal Icon».

(') «liyr and Mind », tradução Carleton Dallery, in Merleau-Ponty «The 1'rlriiin v nI 1‘trctption and other Essays»,  ed. James M. Edie, pág. 1S9.

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obra, considerando-a como um objecto de análise. Contudo, itiobras literárias serão consideradas mais perfeitamente não enquantoobjectos de análise mas como textos que falam, criados por sereshumanos. Há que arriscar o nosso «mundo» pessoal se queremos

 penetrar no mundo vivo de um grande poema lírico, de um romanceou de uma obra. E para isso, não precisamos de qualquer métodocientífico disfarçado, ou de qualquer «anatomia de uma crítica»,com tipologias e classificações muito brilhantes e subtis f), mas simde uma compreensão humanística daquilo que implica a interpretação de uma obra.

Interpretação literária, hermenêutica e Interpretação 

de obras

A tarefa da interpretação e o significado da compreensão sãodiferentes (uma mais indefinível, outra mais histórica) no que res peita a um a obra e no que respeita a um «objecto». Um «objecto»é sempre selado com um toque humano; a própria palavra o sugere, porque uma obra é sempre a obra de um homem ou de Deus. Poroutro lado, um «objecto» pode ser uma obra ou pode ser um objectonatural. Usar o termo «objecto» relativamente a uma obra é tornar

obscura uma distinção importante, pois temos necessidade de encarar a obra não como objecto mas como obra. A crítica literária

 precisa de procurar um «método» ou «teoria» especificamente adequados à decifração da marca humana numa obra, ao seu «significado». Este processo de «decifração», esta «compreensão» do significado de uma obra, é o ponto central da hermenêutica. A hermenêutica é o estudo da compreensão, é essencialmente a tarefa decompreender textos. As ciências da natureza têm métodos paracompreender os objectos naturais; as «obras» precisam de uma hermenêutica, de uma «ciência» da compreensão adequada a obrasenquanto obras. É certo que os métodos de «análise científica» podem e devem ser aplicados às obras, mas ao proceder deste modoestamos a tratar as obras como objectos silenciosos e naturais. Namedida em que são objectos, são redutíveis a métodos científicos deinterpretação; enquanto obras, apelam para modos de compreensãomais subtis e compreensíveis. O campo da hermenêutica nasceucomo esforço para descrever estes últimos modos de compreensão,

mais especificamente «históricos» e «humanísticos».Como veremos nos próximos capítulos, a hermenêutica chega àsua dimensão mais autêntica quando deixa de ser um conjunto deartifícios e de técnicas de explicação de texto e quando tenta vero problema hermenêutico dentro do horizonte de uma avaliação

(") Especialmente a obra de Northorp Frye «Anatomy of Criticism».

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geral da própria interpretação. Deste modo, implica dois pólos deatenção, diferentes e interactuantes: 1) o facto de compreenderum texto e 2) a questão mais englobante do que é compreender einterpretar.

Um dos elementos essenciais para uma teoria hermenêutica adequada e, consequentemente, para uma teoria adequada da interpretação literária, é uma concepção da própria interpretação que sejasuficientemente lata (” ). Consideremos por um momento a ubiqui-dade da interpretação e a generalidade da utilização da palavra:O cientista chama «interpretação» à análise que faz dos dados;o crítico literário chama interpretação à análise que faz de umaobra. Chamamos intérprete ao tradutor de uma língua estrangeira;um comentador de notícias «interpreta» as notícias. Interpreta

mos — por vezes erradamente — uma observação de um amigo, umacarta de familiares, ou um sinal da estrada. Na verdade, desde queacordamos de manhã, até que adormecemos, estamos a «interpretar». Ao acordar, olhamos para o despertador e interpretamos oseu significado: lembramos em que dia estamos e ao compreendero significado desse dia estamo-nos já a lembrar do modo como nossituamos no mundo e dos planos de futuro que temos; levantamo-nose temos que interpretar as palavras e os gestos das pessoas que contactamos na nossa vida diária. A interpretação é, portanto, talvez

o acto essencial do pensamento humano; na verdade, o própriofacto de existir pode ser considerado como um processo constantede interpretação.

A interpretação ultrapassa o mundo lingüístico em que o homemvive, pois a própria existência dos animais depende dela. Estes sentem o modo como se situam no mundo. Um pouco de comida emfrente de um chimpanzé, de um cão ou de um gato será interpretado pelo animal em termos das suas próprias necessidades e dasua própria experiência. Os pássaros conhecem os sinais que os

levam a voar em direcção ao Sul.É claro que há uma interpretação constante a muitos níveis lin

güísticos, tecidos pela convivência humana. Joachim Wach diz-nosque podemos conceber a existência humana sem linguagem, masnão a podemos conceber sem uma compreensão mútua de umhomem para outro — ou seja, não a podemos conceber sem inter pretação. No en tanto, a existência humana (“ ) tal como a conhecemos implica sempre a linguagem e, assim, qualquer teoria sobreinterpretação humana tem que lidar com o fenômeno da linguagem.

E entre os mais variados meios simbólicos de expressão usados pelohomem, nenhum ultrapassa a linguagem quer na flexibilidade e

(“ ) Ver o meu artigo «Toward a Broader Concepl of Interpretation» ISN(Novembro 1967), 3-14, e a minha resenha de VII in JAAR, XXXVI (Setembro1968) 243-46.

O1) V I, 1.

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 poder comunicativos, quer na importância geral que desempenha (” ).A linguagem molda a visão do homem e o seu pensamento — simultaneamente a concepção que ele tem de si mesmo c do seu mundo(não sendo estes dois aspectos tão separados como parecem).

A própria visão que tem da realidade é moldada pela linguagem (1J).Muito mais do que pensa, o homem veicula através da linguagemas várias facetas da sua vida — aquilo que venera, aquilo que ama,os comportamentos sociais, o pensamento abstracto; mesmo a formados seus sentimentos é conforme com a linguagem. Se considerarmos este tema em profundidade, torna-se visível que a linguagem éo «medium» no qual vivemos, nos movemos e no qual temos o nossoser (“ ).

A interpretação é, portanto, um fenômeno complexo e universal.

E no entanto até que ponto o crítico literário compreende este fenômeno de um modo complexo e profundo? Temos que nos interrogarse os críticos não tenderão a equacionar análise e interpretação.Temos que nos interrogar se acaso as asserções realisticamente metafísicas e as suposições que estão na base de quase todas as formasda crítica moderna não apresentarão uma visão da interpretação,simplificada e mesmo distorcida. Uma obra literária não é umobjecto que compreendemos através da conceptualização ou da análise; é uma voz que devemos ouvir, e «ouvindo-a» (mais do quevendo-a) comprendemo-la. Como sugeriremos nos capítulos seguintes, a compreensão é simultaneamente um fenômeno epistemológicoe ontológico. A compreensão literária tem que se enraizar em modosde compreensão mais latos e primordiais que têm a ver com onosso próprio ser-no-mundo. Portanto, compreender uma obraliterária não é uma espécie de conhecimento científico que fogeda existência para um mundo de conceitos; é um encontro históricoque apela para a experiência pessoal de quem está no mundo.

A hermenêutica é o estudo deste último tipo de conhecimento.Pretende juntar duas áreas da teoria da compreensão: o tema daquilo que está envolvido no facto de compreender um texto e otema de o que é a própria compreensão, no seu sentido mais fun-dante e «existencial». Enquanto corrente de pensamento alemão, ahermenêutica acabou por ser profundamente influenciada pela feno-mcnologia alemã e pela filosofia existencial. E é claro que- o significado que tem para a interpretação literária americana é realçado

 pela aplicação desse pensamento aos problemas da in terpretação

dc textos.O esforço constante de lidar com o fenômeno da compreensãonaquilo em que ele ultrapassa a mera interpretação textual, dá à

(IJ) Ver Ernst Cassirer, «Philosophy of Symbolic Forms»  e o capítulo sobrelliiKUUKcm na sua obra «Essay on Man*.

(•*) Ver Benjamin Whorf, « Language, Thoughl and Reality».(“) Ver mais adiante os capítulos sobre Heidegger e sobre Gadamer.

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hermenêutica um significado potencialmente lato no que se referea todas as disciplinas habitualmente designadas por humanidades.A hermenêutica, enquanto se define como estudo da compreensãodas obras humanas, transcende as formas lingüísticas de interpre

tação. Os seus princípios aplicam-se não só a obras escritas, mastambém a quaisquer obras de arte. Visto isto, a hermenêutica éfundam ental em todas as humanidades — em todas as disciplinasque se ocupam com a interpretação das obras  do homem. É maisdo que meramente interdisciplinar, porque os seus princípios incluem um fundamento teórico para as humanidades (“ ); os seus princípios deviam colocar-se como um estudo essencial para todasas disciplinas humanísticas.

O contraste acima feito entre uma compreensão científica e

aquilo a que chamámos uma compreensão histórica ou hermenêutica, torna mais claro o carácter distinto da tarefa interpretativanas humanidades. E, por contraste, também clarifica o carácter deinterpretação nas ciências. Através de um estudo da teoria hermenêutica, as humanidades alcançam uma medida mais cheia de auto-conhecimento e uma melhor compreensão do carácter da sua tarefa.

O presente estudo'tenta, no entanto, lançar os fundamentos filosóficos para explorar o significado da hermenêutica na interpretaçãoliterária. Esses fundamentos deverão ser uma compreensão ade

quada do que é a própria hermenêutica. Na busca dessa compreensão, este livro começa com as raízes grçgas da moderna palavra«hermenêutica», traçando depois o desenvolvimento de certas concepções da teoria hermenêutica (tanto quanto se chamou a si pró

 pria hermenêutica) nos tempos modernos. Finalmente, explora comcerto pormenor os problemas que inquietaram quatro dos principais pensadores dessa área. A busca não é de modo algum exaustiva,mas preliminar; não entra na utilização da hermenêutica na teologia contemporânea O , nem tenta discutir o incremento deste

tema que actualmente ocorre em França (17). Os capítulos finais dãorealmente algumas indicações sobre o significado da hermenêuticafenomenológica no que respeita à interpretação literária, mas o presente estudo é encarado essencialmente como uma introdução filosófica à hermenêutica, podendo servir simultaneamente de fundamento para um segundo volume que discuta a hermenêutica na suarelação com a teoria literária.

C“ ) Ver HAMG e AAMG.C*) A nota 3 acima mencionada faz uma listagem de referências nesse

campo.(,T) Com uma pequena excepção que é a discussão no capitulo cinco

de D. I. de Ricoeur; ver também a sua «Exislence et Hermeneutique»  Dialogue,IV (1965-6) 1-25, e a sua obra «La Structure, Le Mot, VEvènement », M EWI, (1968), 10-30.

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HERMENEUEIN E HERMENEIA:O SIGNIFICADO MODERNO DO SEU ANTIGO USO

As raízes da palavra hermenêutica residem no verbo grego her- meneuein, usualmente traduzido por «interpretar», e no substantivoliermeneia,  «interpretação». Uma exploração da origem destas duas palavras e das três orientações significativas básicas que elas veicula-vam no seu antigo uso esclarece consideravelmente a natureza dainterpretação em teologia e em literatura e servirá no actual contexto de introdução válida para a compreensão da hermenêuticamoderna.

 Herm eneuin   e hermeneia,  nas suas várias formas, apareceminúmeras vezes em muitos dos textos que nos vieram da Antiguidade.Aristóteles no Organon  considerou que o tema merecia um tratado importante, o famoso Peri hermeneias,  «Da interpretação», (’).A palavra aparece na sua forma substantiva em «Édipo em Co

lono», e muitas vezes em Platão. Encontram-se inúmeras forrnas dotermo na maior parte dos escritores antigos mais conhecidos, comoXenofonte, P lutarco, Eurípedes, Epicuro, Lucrécio e Longino (J).Poder-se-ia consagrar um estudo frutífero ao contexto de cada ocorrência, para determinar em cada caso os matizes de significado;neste capítulo, apenas notaremos a associação das palavras com odeus Hermes, apontaremos três vertentes essenciais do seu significado e sugeriremos algo sobre o seu actual sentido, especialmente

no que respeita à interpretação literária e bíblica.

(') Aristóteles. The Basic Works, págs. 40-61. Tem interesse uma traduçãoroccnte do tratado: Aristóteles, «Da interpretação», com comentário de S. Tomásdo Aquino e de Caetano, tradução e introdução de Jean T. Oecterle.

(a)  Hermeneia e hermêneuein,  G E L . Ver também Johannes Bhem, Er- mrncuo, ermeneia  in TDNT II, 661-66.

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 As   origens e as três orientações significativas  de «hermeneuein» e «hermeneia»

A palavra grega hermeios  referia-se ao sacerdote do oráculo

de Delfos. Esta palavra, o verbo hermeneuein  e o substantivo hermeneia,  mais comuns, remetem paar o deus-mensageiro-aladoHermes, de cujo nome as palavras aparentemente derivaram (ouvice-versa?). E é significativo que Hermes se associe a uma função de transmutação — transform ar tudo aquilo que ultrapassaa compreensão humana em algo que essa inteligência consigacompreender. As várias formas da palavra sugerem o processode trazer uma situação ou uma coisa, da inteligibilidade à com

 preensão. Os Gregos atribuíam a Hermes a descoberta da linguagem

e da escrita — as ferram entas que a compreensão humana utiliza para chegar ao significado das coisas e para o transm itir aos outros.

Martin Heidegger, que vê a própria filosofia, enquanto «inter pretação», relaciona explicitamente a filosofia-como-hermenêuticacom Hermes. Hermes «traz a mensagem do destino; hermeneuein é esse descobrir de qualquer coisa que traz uma mensagem, namedida em que o que se mostra pode tornar-se mensagem. Umatal descoberta torna-se numa explicação do que já fora dito pelos

 poetas, que são eles próprios, segundo Sócrates no diálogo platônico« Ion» (534 e) «mensageiros ( Botschafter)  dos deuses», hermenes eisin tòn tehon  (J). Assim, levada até à sua raiz grega mais antiga, a origem das actuais palavras «hermenêutica» e «hermenêutico» sugere o processo de «tornar compreensível», especialmente enquanto tal processo envolve a linguagem, visto ser a linguagem o meio por excelência neste processo.

Este processo de «tornar compreensível», associado a Hermesenquanto ele é mediador e portador de uma mensagem, está implí

cito nas três vertentes básicas patentes no significado de hermeneuein  e hermeneia,  no seu antigo uso. As três orientações, usandoa forma verbal (hermêneuein) para fins exemplificativos, significam:1) exprimir em voz alta, ou seja, «dizer»; 2) explicar, como quandose explica uma situação, e 3) traduzir, como na tradução de umalíngua estrangeira C).

Os três significados podem ser expressos pelo verbo português

«interpretar», e no entanto cada um representa um sentido inde-

(») U S 121-122.(') Relativamente a estas três orientações significativas, ver o precioso

artigo de Gerhard Ebeling « Hermeneutik»  R G G III, 242.

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 pendente e relevante do term o interpretação. A interpretação ptule pois referir-se a três usos bastante diferentes: uma recitaçflo oral,uma explicação racional e uma tradução de outra língua quer para grego quer para português. Podemos, no entanto, nota r que

o «processo Hermes» originário, está em acção: nos três casos, háalgo de diferente, de estranho e de separado no tempo, no espaçoou na experiência, que se torna familiar, presente e compreensível;há algo que requer representação, explicação ou tradução e que é,de certo modo, «tornado compreensível», «interpretado».

Para começar, podemos notar que a interpretação literária envolve dois desses processos e muitas vezes um terceiro. A literaturaapresenta algo que deve tornar-se compreendido. O termo do texto

 pode estar longe de nós no tempo, espaço, linguagem e pode haveroutros obstáculos à sua compreensão. Isto também se aplica àcompreensão de um texto bíblico. A tarefa da interpretação deveráser tornar algo que é pouco familiar, distante e obscuro em algoreal, próximo e inteligível. Os diferentes aspectos deste processointerpretativo são vitais e essenciais quer para a literatura quer para a teologia. Examinemos, pois, cada um deles no que respeitaao seu significado na interpretação literária e teológica. (É interessante notar como a maior parte dos críticos literários ignoram as

abordagens interpretativas existentes na teologia cristã contem porânea.)

Hermeneuein como «dizer»

A primeira orientação fundamental do sentido de hermeneuein é «exprimir», «afirmar» ou «dizer». Isto relaciona-se com a funçãoanunciadora de Hermes. Do ponto de vista da teologia, tem signi

ficado uma polêmica etimológica que nota estar a forma inicialherme  próxima do latim sermo,  «dizer», e do latim verbum,  palavra (’)• Isto sugere que o sacerdote ao apresentar a Palavra estáa «anunciar» e a «afirmar» algo; a sua função não é meramenteexplicar, mas sim proclamar. O sacerdote, tal como Hermes, e talcomo o sacerdote de Delfos, traz notícias fiéis da divindade. Naquilo que diz ou proclama, ele é, tal como Hermes, um- mensageiro de Deus para com o homem. Mesmo o simples dizer, afirmar

ou proclamar é um acto importante de interpretação.Ainda dentro desta primeira orientação significativa, há ummatiz vagamente diferente, sugerido pela frase «expressar», queainda mantém um sentido de «dizer», mas que é um dizer que é

(’)  Ibidem.  James M. Robinson nota, N H 2-3, que hermêneia  era tam bém usado antigamente para designar um trabalho de formulação lógica oude elocução artística, aquilo a que hoje se chama «interpretação oral».

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cm si próprio interpretação. Por esta razão, somos orientados pelomodo como uma coisa se exprime — o «estilo» de uma «performance». Usamos este cambiante da palavra «interpretação» quandonos referimos à interpretação que um artista faz de uma canção

ou que um maestro faz de uma sinfonia. Neste sentido, a interpretação é uma forma de dizer. De igual modo, a dicção oral ou ocanto são interpretações. No tempo dos gregos, hermeneia  podiareferir-se por exemplo a uma recitação oral de Homero.

 No  Ion  de Platão, o jovem intérprete recita Homero e atravésdas suas entoações «interpreta-o», exprimindo-o e mesmo expli-cando-o subtilmente, transmitindo mais do que ele próprio constata ou compreende. Assim, torna-se tal como Hermes, num veículoda mensagem homérica.

É certo que Homero era ele próprio um intermediário entre osdeuses e o homem, um «intérprete» que nas palavras de Milton,«justificava os caminhos de Deus para o homem». Assim, Homeroera um intérprete, no sentido mais primitivo da palavra, pelo factode que antes dele as palavras não tinham ainda sido ditas. (É óbvioque as lendas já existiam; daí poder-se dizer que ele apenas «inter pretava» e enunciava as lendas.) Dizia-se que o próprio Hom erofora inspirado pelos deuses; no seu «dizer», era um intérprete deles.

O dizer e a recitação oral enquanto «interpretação» recordam

aos literatos um nível que muitos deles tendem a desprezar oumesmo a esquecer. E, no entanto, a literatura faz derivar muito doseu dinamismo, do poder da palavra falada. Desde tempos imemoriais que as grandes obras da linguagem são feitas para serem ditasem voz alta e para serem ouvidas. Os poderes da linguagem faladadeveriam recordar-nos um importante fenômeno: a fraqueza dalinguagem escrita. A linguagem escrita não tem a «expressividade» primordial da palavra falada. Todos sabemos que a passagem deuma língua a escrito a vai fixar e conservar, dando-lhe estabilidade,

constituindo as bases da história (e da literatura), mas ao mesmotempo sabemos que a enfraquece. Na sua Carta Sétima  e tambémno Fédro,  Platão enfatiza a fraqueza e inutilidade da linguagemescrita. Toda a linguagem escrita apela para uma reconversão na suaforma falada; apela para um poder perdido. Escrever uma línguaé «uma alienação da língua» relativamente à sua vivacidade — é umaSelbstentfremdung der Sprache (*), um autodistanciamento da fala.(A palavra alemã para língua, Sprache,  é sugestiva dessa forma primordial da linguagem que é a de ser falada.)

As palavras orais parecem ter um poder quase mágico, mas aotornarem-se imagens visuais perdem muito desse poder. A literaturausa palavras de modo a tirar o máximo partido da sua «eficácia»,mas, no entanto, muito do seu poder se esgota quando a audição

(•) Ver W M 370-71.

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se converte num processo visual de leitura. Naturalmente que não podemos hoje recuar para uma transmissão oral da lite ra tura (e hávantagens numa transmissão escrita), mas não deveríamos esquecerque a linguagem na sua forma originária é mais ouvida do quevista e de que há boas razões que fazem com que a linguagem oralseja mais facilmente «compreendida» do que a linguagem escrita.

Consideremos o facto da leitura em voz alta. A interpretaçãooral não é uma resposta passiva aos signos no papel, à maneira deum fonógrafo que toca um disco; é um tema criativo, 6 uma «performance», semelhante à de um pianista que interpreta uma peçamusical. Qualquer pianista poderá dizer-nos que uma partiluramusical é como uma casca. Para interpretar a música é precisochegar ao «sentido» das frases. O mesmo se passa com a leitura dalinguagem escrita. Um intérprete oral tem apenas um envólucro dooriginal — «contornos» de sons sem indicação do tom, ênfase ouatitude, e no entanto tem que reproduzir sons vivos. Mais umavez, aquele que reproduz tem que chegar ao sentido das palavras,de modo a exprimir, mesmo que seja uma só frase. Mas como se passa esta misteriosa apreensão de sentido? O processo é um paradoxo confuso: para lermos algo torna-se necessário compreender

 previamente o que vai ser dito e, porém, esta compreensãodeverá vir da leitura. O que aqui começa a emergir é um complexo processo dialéctico implicado em toda a compreensão, na medida

em que torna uma frase significativa e, de certo modo, numa orientação oposta, lhe fornece o alvo e o relevo. Só estes conseguirãotornar significativa a palavra escrita. Assim, a interpretação oraltem duas vertentes: é necessário compreender algo para o podermosexprimir e, no entanto, a própria compreensão vem a partir de umaleitura-expressão interpretativa.

Para quem profissionalmente esteja ligado à «interpretação literária», particularmente para os professores de literatura, que sentido terá o facto da linguagem falada ser considerada em si mesma

como um fenômeno interpretativo? Fundamentalmente torna-se necessário reexaminar o papel da interpretação oral em todo o ensinoda literatura. Pois não será a leitura de produções literárias (peloestudante) uma «performance» análoga à interpretação musical?Precisamos de nos interrogar sobre quantas produções literáriasforam escritas directamente para serem lidas em silêncio. Os romances foram-no nitidamente e alguns poemas recentes assentam ocasionalmente sobre efeitos visuais; no entanto, mesmo nestes casos,não é verdade que muitas vezes (e com toda a justiça) imaginamos

os sons à medida que os lemos?Por exemplo, ao ler um romance de Dostoiévsky, não é que ou

vimos o diálogo por meio de uma «audição interna?» Não será poiso sentido inseparável das entoações auditivas fornecidas de acordocom «o círculo do sentido contextual» que se construiu no processo

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de leitura da obra? (Isto, como veremos, é na realidade o «círculohermenêutico».) Aqui está novamente a vertente oposta da dia-léctica: o leitor fornece a «expressão» de acordo com a sua com preensão do texto. A ta refa da in terp re tação ora l não é de modo

algum uma mera técnica que exprima um sentido totalmente co piado; é uma tarefa filosófica e analítica e nunca pode divorciar-sedo problema da própria compreensão. Mais especificamente, «o

 problema da compreensão», especialmente o da compreensão dalinguagem, é intrínseco a toda a «interpretação literária». É este

 problema que constitui o tema da hermenêutica.Tomemos isto como princípio: Toda a leitura silenciosa de um

texto literário é uma forma disfarçada de interpretação oral. E os princípios de compreensão que se aplicam numa boa in terpretação

oral também se aplicam à interpretação literária como um todo.Uma crítica literária que aspira a ser um «Enabling Act» (*), coloca-se em parte como um esforço para compensar a fraqueza e atotal debilidade da palavra escrita; tenta devolver à obra as dimensões do discurso oral. Consideremos a segunda questão: Não é verdade que um crítico literário avaliará diferentemente uma versãooral de um soneto e uma versão escrita do mesmo? No caso dainterpretação oral, não estará ele na verdade a oferecer uma inter

 pretação rival, uma comparação imaginária com a sua própria in te r pretação? No caso de ser escrita, não es tará à procura de outras palavras escritas (e por conseguinte igualmente castrantes, retendoo seu conteúdo básico conceptual, visual e não auditivo) para substituir o que se perdeu com o som das palavras? Não estará elenum certo sentido a fornecer aquilo que uma boa interpretaçãooral fornece por meio da pura sonoridade?

Especialmente na «nova crítica», é habitual imaginar que o textofala por si, sem a ajuda de dados biográficos, históricos ou psico

lógicos. O próprio texto tem o seu «ser» nas palavras, no seuarranjo, nas suas intenções, e nas intenções da obra enquanto serde uma determinada espécie. Se assim é, não será que o crítico — que idealmente não domina mas que antes se rende ao serda obra (e é assim que deverá ser) — ajuda a res taurar a perdaimplícita nas palavras escritas? Quando o crítico toma patentes oselementos conceptuais (as suas ferramentas) não estará a construirum contexto significativo (um «círculo hermenêutico») a partir doqual sairá uma «performance» oral mais apropriada, mesmo que

disfarçada de leitura silenciosa mais profundamente interpretativa?Isto ainda cumpre a intenção da Nova Crítica que é preservar aintegridade da existência da própria obra, da «heresia da paráfrase»,

 pois ela trabalha para que o texto fale por si mesmo. A esta luz, a

(*) Decreto que conferiu à Igreja Estabelecida (Established Church) umacerta autonomia. (N. da T.)

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 Nova Crítica sem dúvida que concordaria que uma crítica verdadeira, «autônoma», é a que se orienta para uma leitura oral maisadequada do próprio texto, de modo a que o texto possa existiroutra vez como um acontecimento significativo no tempo, um serque irradie pela sua verdadeira natureza e integridade.

A interpretação oral ajuda a crítica literária a lembrar-se dasua intenção secreta, quando considera (de um modo mais consciente) a definição da «existência» de uma obra, não como umacoisa estática e conceptual, não como uma «essência» atemporalque se coisificou enquanto conceito expresso por palavras, masantes como uma existência que realiza o seu poder de existir enquanto acontecimento oral no tempo. A palavra tem que deixar

de ser palavra (i. e. visual e conceptual) e tornar-se «evento»; aexistência de uma obra literária é uma «palavra evento» que acontece enquanto «performance» oral O- Um a crítica literária adequada orienta-se para a interpretação oral da obra na qual seconcentra. Nada há na «autonomia existencial» da obra literáriaque contradiga este princípio; pelo contrário, a autonomia da existência está de acordo com ele (').

O poder da palavra oral é também significativo nessa religiãocentrada no texto que é o Cristianismo. Tanto São Paulo como Lu-

tero são famosos por dizerem que a salvação vem pelos ouvidos. Asepístolas de São Paulo foram compostas para serem lidas em voz altae não silenciosamente. Lembremo-nos que a leitura rápida e silenciosa é um fenômeno moderno trazido pela Imprensa. A nossa erade velocidade fez da «leitura rápida» uma virtude; é-nos extremamente custoso imprimir a semivocalização das palavras numacriança que aprende a ler. E, no entanto, isto era perfeitamentenormal em épocas passadas. Santo Agostinho afirma que era assimque lia. A teologia cristã tem que se lembrar de que a «teologia da

Palavra» não é uma teologia da palavra escrita mas sim da palavrafalada, a Palavra que nos confronta na «linguagem evento» das

 palavras faladas. As Escrituras (especialmente na teologia de Bultmann) são Kerygma,  uma mensagem que deve ser proclamada.É certo que a tarefa da teologia é explicar a palavra na língua e nocontexto de cada época, mas deverá também exprimir e proclamara Palavra no vocabulário da época. O esforço de propagação daBíblia impressa, auto-anular-se-á se a Bíblia for vista basicamentecomo um contrato, como um documento legal ou como uma expli

cação conceptual do mundo. A linguagem bíblica actua de ummodo totalmente diferente de um manual de construção ou de uma

O Usei aqui intencionalmente o vocábulo familiar de teologia do «eventodiscursivo» (speech-event theology); ver W F 295 n.° 313, 318-9 e passim.

(*) Algumas teorias modernas da interpretação oral orientam-se para acentração numa palavra evento. Ver Don Geiger, «The Sound, Sense and Per formance of Literature».

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folha informativa; «Informação» é uma palavra significativa aponta para uma utilização da linguagem diferente da que se encontra naBíblia. Apela para a faculdade racional e não para a personalidadeno seu todo; para compreendermos uma informação não temos que

recorrer à nossa experiência pessoal nem que tomar qualquerrisco — e a informação não é muito afectada por uma leitura silenciosa. Mas a Bíblia não é informação; é uma mensagem, uma «proclamação», e é suposto lê-la em voz alta e ouvi-la. Não é umconjunto de princípios científicos; é uma realidade de uma ordemdiferente da verdade científica. É uma realidade que deve ser com preendida como um rela to histórico, é um acontecimento para serouv ido.' Um princípio é científico; um acontecimento é histórico.A racionalidade de um princípio não é a de um evento. Neste sen

tido mais profundo da palavra «histórico», a literatura e a teologiasão, enquanto disciplinas, mais estritamente «históricas» do que«científica» (9). Os processos interpretativos adequados à ciência,são diferentes dos processos interpretativos adequados aos acontecimentos históricos, ou dos acontecimentos que a teologia e aliteratura pretendem compreender.

A presente abordagem da primeira orientação significativa doantigo uso de hermeneuein  — interpretação como dizer e como ex primir — levou à afirmação de alguns princípios fundamentais de

interpretação, quer em literatura quer em teologia. Levou-nos àforma e função primordiais da linguagem como som vivo, detentordo poder de uma fala significativa. A linguagem, enquanto emergede um não ser, não é signo mas som. Perde algum do seu poderexpressivo (e por conseguinte do seu significado) quando se reduza imagens visuais — o mundo silencioso do espaço. Por conseguinte,a teologia e a interpretação literária devem reconverter a escritaem discurso. Os princípios de compreensão que permitem esta conversão constituem uma preocupação dominante da moderna teoria

hermenêutica.

Hermeneuein como «explicar»

A segunda orientação significativa de hermeneuein  é «explicar».A interpretação como explicação dá ênfase ao aspecto discursivoda compreensão; aponta para a dimensão explicativa da interpretação, mais do que para a sua dimensão expressiva. No final de

contas, as palavras não se limitam a dizer   algo (embora também ofaçam e isso seja um movimento fundamental da interpretação);elas explicam, racionalizam e clarificam algo. Podemos exprimir 

(s) Ver Car! Michalson «The Rationality of Failh».

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uma situação sem a explicar; exprimi-la é interprctá-la, mas cxplicá-la é também uma forma de «interpretação». Consideremos h Iku mas das dimensões desta segunda e mais óbvia forma de interpretação e o seu significado actual.

As mensagens crípticas do oráculo de Delfos não interpretavamum texto preexistente; eram «interpretações» de uma situação. (As próprias mensagens precisavam de ser interpretadas.) Levavam algoa exprimir-se (o que é a primeira e primordial orientação significativa) mas o que levavam a exprimir-se era ao mesmo tempo aexplicação de algo — algo previamente inexplicado. Levavam o «significado» de uma situação à sua formulação verbal; explicavam-no, por vezes, por meio de palavras que escondiam tante quanto revelavam. Diziam em palavras, algo sobre uma situação, sobre a realidade.

O significado não estava escondido no estilo ou na maneira de dizer;não era isso que constituía a sua preocupação dominante. Tratava-seantes de uma explicação, no sentido de dizer algo sobre qualqueroutra coisa. Asskn, enquanto que num sentido os oráculos apenasdiziam ou enunciavam, enquanto explicação orientavam-se paraum segundo momento interpretativo — explicar ou dar conta dealgo.

O tratado de Aristóteles «Peri hermeneias» define a interpretaçãocomo «enunciação». Uma definição deste tipo sugere a primeira

orientação significativa, «dizer» ou «anunciar». No entanto, se otexto for aprofundado, como actualmente o podem fazer aquelesque lêem inglês, devido a uma recente tradução com um extensocomentário de S. Tomás (’°), a segunda orientação também se podeaplicar.

Aristóteles define hermeneia  referindo-se à operação da menteque formula juízos que têm a ver com a verdade ou falsidade dascoisas. Neste sentido, a «interpretação» é a operação fundamentaldo intelecto quando formula um juízo verdadeiro sobre uma coisa.Um pedido, uma ordem, uma pergunta ou uma imprecação não são

 juízos, segundo Aristóteles, mas derivam de juízos. Constituem formas secundárias de frases que se aplicam a situações que o intelectooriginalmente percebeu sob a forma de juízo. (É típico em Aristóteles o facto do intelecto se aperceber do significado sob a forma de juízo.) O juízo originário «a árvore é castanha» precede qualquer juízo que exprima um desejo ou uma utilização da mesma. Porconseguinte, as «interpretações» não são juízos que tendam para

uma utilização — como é um pedido ou uma ordem — mas antes juízos sobre algo que é verdadeiro ou falso. Aristóteles define-oscomo «um discurso onde há verdade ou falsidade» (17 a 2). Umaconseqüência desta definição de interpretação é que tanto a retó

(” ) Ver a nota (I).

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rica como a poética estão fora do âmbito do tratado de interpretação, visto que tendem a comover o ouvinte (17 a 5).

A enunciação (interpretação) não pode, segundo Aristóteles confundir-se com a lógica, porque a lógica provém da comparação de

 juízos formulados. A enunciação é a form ulação dos próprios juízos,não é um processo de raciocínio que parte do conhecido para odesconhecido. De um modo geral, Aristóteles divide as operações básicas da mente em 1) compreensão simples dos objectos 2) operações de composição e de divisão, 3) operações de raciocínio partindo do conhecido para o desconhecido. A enunciação, talcomo é discutida na obra  Da interpretação  é apenas lida com osegundo sentido: a operação construtiva e divisiva de formular juízos susceptíveis de verdade ou falsidade. A enunciação não é por

tanto lógica, retórica ou poética, mas mais fundamental; é aenunciação da verdade (ou falsidade) de uma coisa enquanto juízo.O que fazer com esta definição específica de interpretação, restritamas contudo frutífera? Em primeiro lugar, é significativo o factode a enunciação não ser «a compreensão simples dos objectos» masde lidar com os processos implicados na construção de um juízoverdadeiro. Actua ao nível da linguagem mas ainda não é lógica;a enunciação alcança a verdade de uma coisa e incorpora-a como juízo. O telos  do processo não é agir sobre as emoções (a poética)ou provocar uma actuação política (retórica) mas sim tornar com preensível o juízo.

A enunciação, ao procurar exprimir a verdade de algo tal comoum juízo proposicional, inclui-se nas operações da mente mais altase puras, na teoria mais do que na prática; preocupa-se mais coma verdade e falsidade do que com a utilidade. Não se tratará entãoda primeira orientação significativa e não da segunda? Ou seja,mais do que exprimir ou dizer, não se tratará antes de explicar?Talvez assim seja; mas temos que ver que a expressão diz respeitoao estilo, temos que notar que dizer era quase como que umaoperação divina: anunciava o divino mais do que enunciava oracional. A enunciação para Aristóteles, não é uma mensagem dadivindade mas uma operação do intelecto racional. E como tal,começa imperceptivelmente a transformar-se em explicação. Começamos já a compor e a dividir para encontrar a verdade de um juízo; porque o dizer é pensado como juízo, começa já a afirmar-se oelemento racional, a verdade torna-se estática e informativa, é um

 juízo sobre um a coisa que corresponde à sua essência. Já a verdadeé «correspondência» e o dizer é «juízo»; imperceptivelmente, a verdade do «acontecer» transforma-se na verdade estática de princípiose de juízos.

E, no entanto, Aristóteles teve razão ao situar o momento dainterpretação mais cedo do que os processos de análise' lógica. Istochama a atenção para um erro do pensamento moderno, que tende

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demasiado depressa a fixar automaticamenle a interpretação nomomento da anáüse lógica. Os processos lógicos são também inter pretação, mas a «interpretação» prioritária e fundante tem que serlembrada. Por exemplo, um cientista chamará interpretação às

análises de dados que faz; também seria correcto chamar inter pretação à sua visão dos dados. Mesmo no momento cm que osdados se tornaram juízos, ocorreu interpretação. Do mesmo modoum crítico literário chamará interpretação à análise que faz de umaobra; seria igualmente correcto chamar interpretação ao modocomo ele vê a obra.

Todavia, a «compreensão» que serve de base à interpretação já molda e condiciona a in terp re tação — é uma interpretação preliminar, mas uma interpretação que provocará toda a diferença

(mudança) porque coloca o palco para uma interpretação subsequente. Mesmo quando um intérprete literário se volta para um poema e diz: «Isto é um poema, vou compreendê-lo fazendo istoou aquilo», ele iá interpretou a sua tarefa e consequentemente jámoldou a sua visão do poema ("). E com o seu método, já moldou0 significado do objecto. Na verdade, método e objecto não podemseparar-se: o método já delimitou o que  veremos. Já nos disse oque o objecto é enquanto  objecto. Por este facto, todo o métodoé já interpretação; é, no entanto, apenas uma interpretação e oobjecto, visto com um método diferente, será um objecto diferente.

Portanto, a explicação tem que ser vista no contexto de umaexplicação ou interpretação mais funda, a interpretação que jáocorre no modo como nos voltamos para o objecto. A explicaçãoapoiar-sc-á certamente nas ferramentas da análise objectiva, masa selecção das ferramentas relevantes é já uma interpretação datarefa compreensiva. A análise é interpretação; sentir a necessidadede análise é também uma interpretação. Assim, a análise não é

realmente uma interpretação básica mas sim uma forma derivada;montou primeiro o palco com uma interpretação essencial e primária, antes mesmo de começar a trabalhar com os dados. E istoinfelizmente é tão verdade no que respeita à «análise noticiosa»que interpreta os acontecimentos do dia, como para a análise científica de laboratório ou para a análise literária feita na sala deaula. O carácter derivado da lógica, enquanto dependente de proposições, é suficientemente claro; o carácter caracteristicamente derivado da explicação ou análise não é tão óbvio, mas não é menos

real.Um uso interessante da palavra hermenêutica aparece no Novo

1cstamento, em Lucas 24, 25-27. Jesus ressuscitado aparece:

(“ ) Isto é uma fraqueza inerente ao gênero crítica, por exemplo à tra- b iIIh. Hü observações brilhantes sobre este tipo de crítica, aplicadas a Ésquilo,nrn H. D. F. Kitto, «Form and Meaning in Drama» e mais recentemente namm «Poit si s».

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E disse-lhes: «Ó homens loucos, lentos em acreditar no queos profetas disseram! Então não era necessário que Cristosofresse tudo isto antes de ser glorificado?» E começando pelos livros de Moisés e por todos os profetas interpretou--lhes (diermeneusen)  tudo o que acerca dele se dizia nas

Escrituras.

Repare-se que Cristo apelou para as faculdades dos discípulos:«Então não era necessário?» Depois desvendou o significado dostextos colocando-os no contexto do seu sofrimento redentor e colocando esse sofrimento no contexto das profecias do Antigo Testamento. Embora a utilização que o Novo Testamento faz do AntigoTestamento tenha interesse em si mesma, deixemos de parte o

 problem a teológico e interroguemo-nos sobre o que o exemplo sugere

sobre a interpretação enquanto explicação. A citação é nitidamenteum exempio de explicação, porque Jesus estava a fazer algo maisdo que repetir ou reafirmar os textos antigos; explicou-os  e expli-cou-se a si mesmo em função deles. Aqui a interpretação envolvea busca de um factor externo,  Cristo, para designar o «sentido» dostextos antigos. Só na presença deste factor é que os textos se tornam significativos. Por outro lado, Cristo é também visado paramostrar que só à luz dos textos o seu sacrifício se torna significativo enquanto cumprimento histórico do profetizado Messias.

O que é que isto sugere do ponto de vista hermenêutico? Sugereque o significado tem a ver com o contexto; o processo explicativofornece o palco da compreensão. Um acontecimento só se tornasignificativo dentro de um contexto específico. Mais ainda: Cristoao relacionar a sua morte com a esperança num Messias, relacionaeste acontecimento histórico com as esperanças pessoais e intençõesdos seus ouvintes. O seu significado torna-se o de um Redentor pessoal e histórico. O significado está numa relação com os pró prios projectos e intenções dos ouvintes; não é algo que Jesus pos

sua em si próprio, fora da história e fora da relação que tem comos ouvintes. Podemos dizer que um objecto não tem sentido forade uma relação com alguém e que a relação determina o significado. Falar de um objecto independentemente de um sujeito que o

 perceba é um erro conceptual causado por um conceito realistica-mente inadequado, quer da percepção quer do mundo; mas mesmoaceitando esse conceito, será pertinente falar de sentido e de signi-fado fora de sujeitos que percepcionem?

Os teólogos gostam de realçar o aspecto  pro nobis  (para nós)de Cristo, mas podemos afirmar que em princípio todas as explicações são «para nós», toda a interpretação explicativa assume intenções naqueles a quem a explicação se dirige.

Outro modo de dizer isto é afirmar: a interpretação explicativatorna-nos conscientes de que a explicação é contextual, é «horizontal», (horizonal). Deve processar-se dentro de um horizonte de sig

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A interpretação como «dizer», relembra a natureza da leitura como«performance»; contudo, mesmo na «performance» que é ler umtexto literário, o actor tem que o «compreender». Isto implica explicação; mas aqui, mais uma vez a explicação se fundamenta numa

 pré-compreensão, de modo a que anteriorm ente a qualquer explicação significativa ele tem que entrar no horizonte do tema e dasituação. Ele tem que, na própria compreensão do texto, agarraresse texto e ser agarrado por ele. A sua posição neste encontro,a pré-compreensão do material e da situação a que tem que chegar,numa palavra, todo o problema da fusão do seu horizonte com

 preensivo com o horizonte compreensivo que vem ao encontro deleno texto, nisto consiste a complexa dinâmica da interpretação.É o «problema hermenêutico».

Considerar os elementos acima indicados do problema interpre-tativo, não é, como alguns poderiam pensar, cair no «psicologismo».Porque a perspectiva em que a acusação de «psicologismo» e aatitude de antipsicologismo (pressuposta na acusação) ganham algumsentido, pressupõe de base uma separação e um isolamento doobjecto e depois considera depreciativamente a reacção «subjectiva»como se ela estivesse no campo intangível dos «sentimentos». Noentanto, a discussão aqui apresentada não lidou com sentimentosmas com a estrutura e a dinâmica da compreensão, com as condi

ções em que o significado pode surgir na interacção do leitor como texto, com o modo como qualquer análise pressupõe já umadefinição formada da situação. Dentro do enquadramento destasconsiderações, vemos como é verdadeira a observação de GeorgesGurvitch — que objecto e método nunca podem separar-se (“ ).É claro que isto é uma verdade estranha ao modo realista de ver.

Hermeneuein como «traduzir»

As implicações da terceira orientação do significado de hermeneuein  são quase tão sugestivas para a hermenêutica e para a teoriada interpretação literária como as outras duas. Nesta orientação,«interpretar» significa «traduzir». Quando um texto é na próprialíngua de um autor, o choque entre o mundo do texto e o do seuautor pode passar despercebido. Quando o texto é numa línguaestrangeira, o contraste de perspectivas e horizontes não pode serignorado. No entanto, como veremos, os problemas daquele que

interpreta línguas não são estruturalmente diferentes dos do críticoliterário que trabalha com a sua própria língua. Permitem-nos vermais claramente a situação presente em qualquer interpretaçãode texto.

(1J) Georges Gurvitch, «Diatectique el Sociologie».

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logização. Bultmann nota que a mensagem bíblica se coloca nocontexto de uma concepção cosmológica em que os céus são colocados em cima, a terra no meio e o mundo subterrâneo em baixo —é um universo de três níveis. A resposta a tal situação é afirmarque a mensagem do Novo Testamento não está dependente da suacosmologia. Esta é apenas o contexto de uma mensagem sobre aobediência pessoal e a transformação num «homem novo». A desmi-tologização é uma tentativa de separar a mensagem essencial da«mitologia» cosmológica na qual nenhum homem moderno podeacreditar.

Sejam quais forem os méritos teológicos da desmitologizaçãoenquanto solução para este dilema interpretativo, o próprio projecto

aponta para um problema profundo: Como devemos «compreender»o Novo Testamento? O que é que estamos a tentar compreender?Até onde temos que penetrar no mundo histórico do pensamentoe da experiência próprios do Novo Testamento antes de o podermosinterpretar? Será de algum modo possível encontrar equivalentes

 para a «compreensão» do Novo Testam ento? Será que o nossomundo mudará tanto num século que o Novo Testamento se tornará ininteligível? Já hoje é mais difícil para os jovens dos centrosurbanos compreender Homero, devido aos componentes da vida

homérica — barcos, cavalos, charruas, lanças, machados, odres devinho — serem artigos que eles apenas conhecem de livros ou demuseus. Isto não é sugerir que Homero esteja fora de moda massim que o esforço para o compreendermos se torna cada vez maisdifícil à medida que mecanizamos o nosso modo de vida.

Desmitologizar não é um problema meramente teológico; ocorrecom menos mas ainda significativa premência quando tentamos

 perceber qualquer obra antiga. A actual teologia da «morte deDeus» é uma outra forma de desmitologizar, mas clarifica um pouco

mais o problema da compreensão moderna da antiga tragédia grega:Como é que por exemplo podemos considerar significativa uma peça de Sófocles, se o antigo Deus da metafísica morreu e se oDeus vivo das relações entre os homens ainda não nasceu? Seráessa peça de teatro um monumento a um Deus morto ou a umconjunto de deuses mortos? Será, tal como disse o crítico Raleighacerca do Paraíso Perdido,  um «monumento a ideias mortas»?Como é que uma peça grega deverá ser traduzida para uma línguamoderna? Ou como é que devem ser compreendidos os antigos

termos? Como devemos evitar que as obras antigas se assemelhema meras comédias? O que muitos professores de clássicas têm feito,é verdadeiramente desmitologizar quando defendem a relevânciade um trabalho na base do seu perene significado humano.

Mesmo assim, este «significado humano» tem que ser interpretado em termos de auditores modernos (a fase explicativa de inter pretação), e para proceder deste modo temos que ser mais precisos

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na determinação de como é que uma coisa é   significativa. Umaabordagem da interpretação literária que se concentre na enumeração de imagens de um ou de outro tipo, ou que se focalize naforma de uma obra. ou que faça uma análise temática de umaobra ou de várias, deixa passar de facto o problema da «significação». Uma abordagem literária que encare a obra como umobjecto afastado dos sujeitos que a percepcionam, automaticamentefoge ao problema daquilo que na verdade constitui o significadohumano de uma obra. No entanto, é possível que a crítica literáriaamericana acorde uma manhã, descobrindo que, ao pôr de ladoa questão de tornar humanamente relevante uma grande obra através da interpretação da mesma, os exercícios complicados que faz

no domínio da imagem, da forma e da análise temática, acabaram por se transform ar num passatempo insípido para professores deinglês. As suas dissecações perderam interesse; tal como Deus, a«literatura morreu»; morreu porque os seus intérpretes estão maisinteressados em conhecer a sua estrutura e a sua função autônomado que em mantê-la viva e humanamente significativa. A literatura(ambém pode morrer, morrer de fome pela ausência de uma relação com o leitor. As interpretações teológica e literária terão queser humanamente significativas para os dias de hoje, caso contrário

 perderão todo o valor.Os professores de literatura têm que se tornar peritos em «tra

dução», mais do que em «análise»; a sua tarefa é transformar oque é estranho, pouco comum e obscuro, em algo que tenha significado, que «fale a nossa língua». Isto não significa pressionar osclássicos e apresentar Chaucer num inglês do século XX: significareconhecer o problema da existência de um conflito entre horizontes, significa prepararmo-nos para lidar com ele, mais do quevarrê-lo para debaixo do tapete, concentrando-nos em jogos analíticos. A visão do mundo implícita num poema ou pressuposta porele e portanto essencial para a sua compreensão, não devia sertratada como uma espécie de falácia de uma crítica histórica ultra passada.

Por exemplo, um pré-requisito essencial para compreender aOdisséia  é o reconhecimento básico de que as coisas naturais sãodotadas de vida e de intenções, de que o universo é uma questãode terra e de água até onde o podemos enxergar, de que cada

 processo natu ra l é o resultado da vontade de um ser sobrenatural,c de que os deuses são chefes sobre-humanos com todas as fraquezas dos seres humanos, sendo, no entanto, seres que actuammima versão mais elevada do código do herói grego, centrado nahonra. Só quando avançamos neste mundo que já não é o nossomundo real, é que nos centramos no homem dos estratagemas ilimitados, esse herói que se aventura arrojadamente nas garras damorte, esse inventor de contos que conseguia contar uma história

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de modo a (quase) enganar a sua protectora Atena, esse pesquisadorinsaciável de conhecimentos perigosos, Odysseus. O génio das análises textuais de Erich Auerbach (lidando por exemplo com a cicatriz de Odysseus) não reside apenas na sua lealdade e capacidadede resposta ao modo como a história é contada, mas também noseu reconhecimento de que o sentido de realidade subjacente  é umachave para a compreensão (“ ). Assim, o sentido de realidade e omodo de estar no mundo patente na obra devem ser um pontocentral para uma interpretação literária «capaz», a base para umaleitura da obra que pode «agarrar-nos» (e «ser agarrada») pela significação humana da sua acção. A metafísica (definição da realidade) 'e a ontologia (característica de estar no mundo) de uma obrasão fundantes para uma interpretação que torna possível uma

compreensão significativa.A tradução consciencializa-nos, pois, do choque entre o nosso

universo de compreensão e aquele em que a obra actua. Enquantoque a barreira da língua torna mais visíveis estes dois universoscompreensivos, eles estão presentes em qualquer interpretação deuma obra escrita na nossa própria língua, e em qualquer diálogoautêntico, especialmente entre interlocutores separados por diferenças geográficas. Na literatura inglesa, mesmo um espaço de cemanos produz algumas transformações na língua, de modo que os

 problemas de in terp re tar Wordsworth, Pope, Milton, Shakespeareou Chaucer implica o encontro de dois mundos contrastantes, no plano histórico e no plano lingüístico, e para americanos que nuncavisitaram Inglaterra a separação é ainda maior.

É-nos necessário um esforço de imaginação histórica e de «tradução» só para considerarmos o mundo da Inglaterra de Wordsworth, na orla da industrialização mas ainda essencialmente rural.Ver a Itália de Dante e mudar-nos para esse mundo ao compreendermos a  Divina Comédia   não é só uma questão de mera tradução

lingüística (embora a tradução nos diga muito); é uma questão detradução histórica. Mesmo com a melhor tradução inglesa, o pro blema da compreensão implicado no encontro com um horizontedistinto da compreensão da existência humana está sempre presente.A desmitologização é um reconhecimento deste problema em termos de interpretação bíblica; mas em princípio, como se observou,a desmitologização deve ocorrer com qualquer leitura de documentoshistóricos ou textos literários, mesmo que a desmitologização nãotente roubar a originalidade da sua imediatez dramática. Resu

mindo, uma explicação da visão do mundo implícita na próprialinguagem, c depois na utilização da linguagem numa obra literária,é um desafio fundamental para a interpretação literária.

(H) «Odysseus Scar»,  Mimcsis, págs. 1-20.

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A hermenêutica moderna encontra na tradução c na teoriada tradução um reservatório imenso para explorar o «problemahermenêutico». Na verdade, a hermenêutica no seu estádio histórico primitivo sempre implicou a tradução lingüística, quer comohermenêutica filológica clássica quer como hermenêutica bíblica.O fenômeno da tradução é o próprio cerne da hermenêutica: nelese confronta a situação básica da hermenêutica, de ter que comporo sentido de um texto, trabalhando com instrumentos gramaticais,históricos e outros para decifrar um texto antigo. E, no entanto,tal como dissemos, esses instrumentos apenas são formalizaçõesexplícitas de factores implicados em qualquer confrontação comum texto lingüístico, mesmo na nossa própria língua. Há sempre

dois mundos, o mundo do texto e o mundo do leitor, e por conseqüência há sempre a necessidade de que Hermes «traduza» de um para o outro.

Esta discussão sobre a origem de hermeneuein  e hermeneia e as três orientações significativas do seu antigo uso ocorreu nocontexto do problema hermenêutico em geral. Assim serve deintrodução a alguns dos problemas essenciais e alguns dos conceitosde hermenêutica que aparecerão nos capítulos seguintes. As definições modernas de hermenêutica darão ênfase quer a uma quer

a outra orientação do rico manancial de significado existente nasraízes gregas das quais derivou o termo «hermenêutica». É bom queo campo da hermenêutica volte constantemente ao significado dastrês orientações significativas da interpretação como dizer, comoexplicar e como traduzir.

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SEIS DEFINIÇÕES MODERNAS DE HERMENÊUTICA

Porque evoluiu nos tempos modernos, o campo da hermenêuticatem sido definido pelo menos de seis maneiras diferentes. Desdeó começo que a palavra significou ciência da interpretação, refe-rindo-se especialmente aos princípios de uma exegese de textoadequada. Mas o campo da hermenêutica tem sido interpretado

(numa ordem cronológica pouco rigorosa) como: 1) uma teoriada exegese bíblica; 2) uma metodologia filológica geral; 3) umaciência de toda a compreensão lingüística; 4) uma base metodológica dos Geisteswissenschaften;  5) uma fenomenologia da existência e da compreensão existencial; 6) sistemas de interpretação,simultaneamente recolectivos e inconoclásticos, utilizados pelohomem para alcançar o significado subjacente aos mitos e símbolos.

Cada uma destas definições é mais do que um estádio histórico;cada uma delas indica um «momento» importante ou uma abordagem ao problema da interpretação. Podiam ser chamadas deênfase bíblico, filológico, científico, geisteswissenchaftliche,  existencial e cultural (*). Cada uma representa essencialmente um pontode vista a partir do qual a hermenêutica é encarada; cada uma

(') Todos estes adjectivos classificativos são de certo modo inadequadose não satisfatórios; uso-os de um modo experimental e provisório para indicara alteridade entre as seis diferentes abordagens. A hermenêutica bíblica tem

muitas orientações diferentes; só no século dezoito incluía a gramática, a história, o pietismo e outras escolas, e continuou a ser maximizada até aos diasde hoje. A hermenêutica «Filológica» também gozou de um desenvolvimentocomplexo no século dezoito. A «científica» é de certo modo ilusória no quese refere a Schleiermacher pretendendo apenas sugerir a tentativa feita por esteautor de dar à hermenêutica uma base universal e sistemática. A geisteswissen- schaflliche  refere-se ao projecto de Dilthey A «existencial» cobre as concepçõeshermenêuticas de Heidegger e de Gadamer. Por último a «cultural» sugereimperfeitamente a riqueza das aplicações que Ricoeur faz da hermenêuticana sua procura de uma filosofia mais adequada, centrada na interpretação dossímbolos. A hermenêutica jurídica é, de um modo geral, omitida.

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esclarece aspectos diferentes mas igualmente legítimos do acto dainterpretação, especialmente da interpretação de textos. O próprioconteúdo da hermenêutica tende a ser remodelado com estas mudan

ças de perspectiva. Um esboço destes seis momentos ilustrará estetema e servirá de breve introdução histórica à definição da hermenêutica.

Hermenêutica como teoria da exegese bíblica

O significado mais antigo e talvez ainda o mais difundido da pala vra' «hermenêutica» refere-se aos princípios da in terpre tação bíblica. Há uma justificação histórica para esta definição, visto quea palavra encontrou o seu uso actual precisamente quando surgiua necessidade de regras para uma exegese adequada das Escrituras.Provavelmente, o primeiro registo da palavra enquanto título deum livro foi a obra de J. C. Danhauer,  Hermeneutica sacre sive rnethodus exponendarum sacrarum litterarum , publicada em1654 f).

Mesmo só pelo título do livro, percebemos que a hermenêuticase diferencia da exegese enquanto metodologia da interpretação.A distinção entre o comentário real (exegese) e as regras, métodosou teoria que o orientam (hermenêutica) data desta utilização primitiva e permanece fundamental para uma distinção da hermenêutica, quer na teologia quer, quando a definição foi ulteriormentealargada, relativamente à literatura não bíblica.

Depois do aparecimento da obra de Danhauer, o termo pareceter surgido cada vez mais frequentemente, especialmente na Alemanha. Aí, houve círculos protestantes que sentiram vivamente anecessidade de manuais de interpretação que ajudassem os sacerdotes na exegese das Escrituras, dado que os sacerdotes estavam

desligados de qualquer recurso à autoridade da Igreja para decidiremsobre questões de interpretação. Assim houve um ímpeto forte nodesenvolvimento de padrões viáveis e independentes para interpretara Bíblia; entre 1720 e 1820, não passava um ano que não aparecessealgum novo manual para ajudar os pastores protestantes (’)•

 Na Inglaterra e mais tarde na América, a utilização da palavra«hermenêutica» seguiu a tendência geral de referência a uma exe-gcsc especificamente bíblica. O primeiro uso registado no Oxford  Enulish Dictionary  remonta a 1737: «Tomar tais liberdades com as

Sagradas Escrituras, que não são de modo algum permitidas por 

(”) F.bcling, « Hermeneutik », R G G III, 243.(J) Ver Ibid., 242; Heinrici, «Hermemeutik»,  R P T K VII, 719; e E.

I lolwrhül/., « Interprctation», ERE VII, 390-95.

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quaisquer regras de uma hermenêutica sóbria e justa.» (*) Umséculo mais tarde, Longfellow, no  Hyperion,  põe o Irmão BcrnunU)a falar sobre «os meus papéis e a minha grande obra dc ílcrmcnêutica Bíblica» (5).

Quando a utilização da palavra se alargou para se referir a textos não bíblicos, repare-se que os textos são obscuros, como se precisassem de métodos especiais para deles extrair um significadooculto. Por exemplo, a referência a uma «aprendizagem da musahermenêutica» num caso (W. Taylor, 1807) (6), sugere uma intervenção deste gênero, tal como «o método hermenêutico de umsignificado profundo e oculto» (D. Hunter, traduzindo a obra dcReuss,  Historical Canon,  1884) (7). De igual modo, a firmação dcEdward Burnett Tylor em Primi:ivc Culture  (1871): «Nenhuma

lenda, nenhuma alegoria ou rima infantil está a salvo da hermenêutica de um teórico radical da mitologia» (*). Portanto, no seuuso em inglês, a palavra pode referir-se a uma interpretação não bíblica, mas nesses casos, o texto é de um modo geral obscuro ousimbólico, requerendo um tipo especial de interpretação para quese alcance o seu significado escondido. A definição mais geral dehermenêutica manteve-se como sendo a de uma teoria da exegesedas escrituras.

Enquanto que o próprio termo «hermenêutica» apenas data

do século XVI], as operações de exegese textual e as teorias dainte rpretação— religiosa, literária, legal — remontam à antiguidade.Assim, uma vez aceite a palavra como designando uma teoria daexegese, o campo que cobre estende-se geralmente (poderíamos dizerque retroactivamente) na exegese bíblica, aos tempos do AntigoTestamento, quando havia regras para se interpretar adequadamentea Torah (9). Existe uma relação hermenêutica importante entre o Novo e o Antigo Testam ento pois Jesus explica-se a si próprio aosJudeus, em termos de profecia bíblica. Os estudiosos do Novo

Testamento detectam nos Evangelhos (especialmente no Evangelho de S. João) (10) e nas epístolas de S. Paulo, operações para

(*) V, 243.(’) Henry Wadsworth Longfellow, «Prose Works»,  II, 309. « Hyperion» é

um romance em prosa, uma das duas únicas obras de ficção em prosa queLongfellow pretendia conservar.

(•) O E D V, 243.

C) Ibid.(*) «Primitive Culture», I, 319.(“) O artigo final de Ebeling, acima citado, divide o desenvolvimento da

hermenêutica biblica em sete períodos históricos: Pré-cristão, Cristão Primitivo,Patrística, Medieval, Reforma e Ortodoxo, Moderno, Contemporâneo. Tambémnos dá referências bibliográficas abundantes para cada período.

(*“) Ver Frederik W. Herzog, «Historico-Ontological Hcrmeneutic in thcFourth Gospel», «Understanding God»,  págs. 65-68.

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Isto aumenta grandemente o âmbito da hermenêutica blblun, < de imediato a tarefa de escrever, por exemplo, uma histórlu tiahermenêutica bíblica alarga-se da consideração dc fontes relativamente controláveis que discutem o problema hermenêutico, m>

exame dos sistemas de interpretação implícitos em todos os grandescomentadores da Bíblia, desde os tempos antigos até aos nossosdias (13). Uma história deste tipo, transforma-se essencialmente emhistória da teologia (“).

Levando as implicações deste âmbito mais lato da hermenêutica(enquanto sistema simultaneamente implícito e explícito de interpretação) para uma definição de hermenêutica que se aplique à literatura bíblica e não bíblica, o perímetro da hermenêutica não-bíblica

torna-se historicamente tão vasto que fica incontrolável. Quem porexemplo poderia pensar em escrever uma história da hermenêuticaassim definida? O sistema interpretativo implícito em todo o comentário de texto (jurídico, literário, religioso) no pensamento ocidenta l— de resto porque não incluir também os sistemas Orientais? —teria que ser incluído. Na sua obra-prima de dois volumes (“) EmílioBetti deu uma contribuição essencial para a apresentação de um cruzamento de várias disciplinas interpretativas numa perspectivaactual de interpretação; no entanto, este esforço possante é ape

nas uma fracção daquilo que uma tal «história da hermenêutica»implicaria.Podemo-nos ainda interrogar se, quer uma história completa da

hermenêutica quer uma síntese inclusiva das muitas diferentes teorias disciplinares da interpretação (partindo do princípio que ambasas perspectivas seriam possíveis) constituiriam, na verdade, uma res posta adequada ao problema hermenêutico actual. Ambos os pro jectos olham para o que já foi realizado, no passado ou no presente,e como tal, representam um esforço de conservação e de consolida

ção. Mas para inovar e para avançar com perspectivas ainda inexistentes, é preciso mais do que uma perspectiva histórica, ou científica.Tão necessário como cada uma das perspectiva referidas (e ninguém

(ls) Há vários e excelentes estudos sobre hermenêutica bíblica que nos dão pormenores históricos, como por exemplo: E. C. Blaokman, « Biblical Interpre- tation»; Frederic W. Farrar, «History of Inlerpretalion»; Robert M. Grant,«A Short History of lhe Inlerpretation of lhe Bible»; Stephen Neill, «The Inter- 

 pretation of lhe New Testament»; 1861-1961-,  B. Smalley, «The Study of lhe 

 Bible in the Middle Ages»\   e James D. Wood, «The Inlerpretation of lhe Bible». Em alemão, há a obra recente de Lothar Steiger, «Die Hermeneutik ais dogmatische Problem» recomendável pelo tratamento que faz da hermenêuticateológica desde Schleiermacher.

(14) Ver Gerhard Ebeling, «Kirchengeschichte ais Geschichte der Ausle- gung der Heiligen Schrift ».

(“ ) T G I, traduzido para alemão pelo seu autor e reduzido a um terçocomo AAMG. Ver também o contributo de Joachim Wach para este projecto,V, uma história da hermenêutica no século dezanove, em três volumes.

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nega o valor que têm) é uma compreensão mais funda do fenômenoda própria interpretação, uma compreensão que seja filosoficamenteadequada, quer epistemológica quer ontologicamente. As históriasda teoria da interpretação em disciplinas específicas são certamente

vitais para a busca contínua de uma compreensão mais funda dainterpretação, como são as sínteses das várias abordagens discipli-nares; mas não são em si mesmas, suficientes.

A hermenêutica como metodologia filológica

O desenvolvimento do racionalismo e, concomitantemente, oadvento da filologia clássica no século dezoito teve um efeito pro

fundo na hermenêutica bíblica. Surgiu então o método histórico-crí-tico na teologia (>s); tanto a escola de inte rpretação bíblica «gramatical» como a «histórica», afirmavam que os métodos interpreta-tivos aplicados à Bíblia, eram precisamente os que se aplicavam àsoutras obras. Por exemplo, Ernesti, no seu manual de hermenêuticade 1761, defendia que «o sentido verbal das Escrituras deve serdeterminado do mesmo modo como é considerado noutroslivros» (”). Com o aparecimento do racionalismo, os intérpretes sentiram-se obrigados a tentar ultrapassar juízos prévios. «A norma da

exegese bíblica, segundo Spinoza, consiste na luz da razão, comuma todos os homens» (” ). «As verdades acidentais da história nuncase poderão transformar em provas de verdades necessárias da razão»disse Lessing (’*); assim é um desafio à interpretação tornar a Bíbliarelevante para o homem racional do Iluminismo.

Este desafio, tal como Kurt Frõr observou no seu livro sobrehermenêutica bíblica, levou à «intelectualização das afirmações bí blicas» (20). Porque as verdades acidentais da história eram encaradas como inferiores às «verdades de razão», os intérpretes bíblicos

defendiam que a verdade das Escrituras estava acima do tempo eda história; a Bíblia não diz ao homem nenhuma verdade que ele

(*•) Ver Hans-Joachim Kraus, «Geschichte der historisch-kritischen Er-  forsehung der Alten Testaments von der Reformation bis zur Gegenwarth», esp. cap. 3, págs. 70-102.

(H)  F. W. Farrar, «History of Interpretation»,  pág. 402, citando JohanAugust Ernesti IINT. Fizeram-se duas traduções inglesas do tratado, no começo do século xix (Ver Bibliografia).

(**) «Traclatus iheologico-policitus», (1670) cap. VII; citado em Ebeling

« Hermeneutic», RGGIII, 245.('•) Ober den Beweis des Geistes und der Kraft » (1777): « Zufãllige Ges- chlchtswahrheiten kõnnen der Beweis von notwendingen Vernuftswahrheiten nie wrrden», citado cm Kurt Frõr,  Biblische Hermeneutik: Zur Schriftauslegung in Predlgt und llnterricht,  pág. 26. Ver «On the Proof of the Spirit and of  Power»,  In  Lessing's Theological Writings,  ed. Henry Chadwick, págs. 51-56.

(,0) Ibid.

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não pudesse te r reconhecido pelo uso da razão. Trata-se npcniis >l<uma verdade racional e moral, revelada antes dc tempo. A titrrfuda exegese era pois entrar profundamente no texto, usando as friramentas da razão natural e encontrando aquelas grandes verdades

morais que os escritores do Novo Testamento pretendiam, verdadesescondidas sob diferentes termos históricos. Essas escrituras defendiam a suficiência de uma compreensão histórica manifesta, susceptível de captar o espírito (Geist) subjacente à obra e dc o traduzir em termos aceitáveis para uma razão esclarecida. Podemoschamar a isso uma forma esclarecida de «desmitologização», emborao termo no século vinte signifique interpretar e não simplesmente purgar os elementos míticos no Novo Testamento.

Para além da fé Iluminista nas «verdades morais» que levou aoque hoje parece uma distorção da mensagem bíblica, d e um modo ; t c - 

ral, as conseqüências na hermenêutica e na investigação bíblica foramsalutares. A interpretação bíblica fez desenvolver tccnicas de análisegram atical de grande requinte (**), e os intérpretes comprometeram-se mais do m;e nunca rum conhecimento teta! do contextohistórico das narrações bíblicas. J. S. Semler defende por exemploque o intérprete «deve ser capaz de falar sobre esses temas (bíblicos)de um modo adaptado às diferentes épocas e às diferentes circuns

tâncias» (” ). A verdadeira tarefa do intérprete torna-se uma tarefahistórica.Com todos estes progressos, os métodos da hermenêutica bíblica

tornaram-se essencialmente sinônimos de uma teoria secular dainterpretação — isto é, da filologia clássica. E. pelo menos, desdeo Iluminismo até aos nossos dias os métodos de investigação bíblicatêm estado sempre ligados à filologia. Assim a designação «Hermenêutica Bíblica» substituiu a de hermenêutica enquanto referência àteoria da exegese bíblica. O termo «hermenêutica», inalterável, tor

nou-se virtualmente idêntico a uma metodologia filológica. Numoutro capítulo exploraremos mais especificamente o conteúdo dafilologia no começo do século dezanove, discutindo dois grandesfilólogos do tempo de Schleiermacher, Friedrich August Wolf eFriederich Ast. Aqui basta-nos simplesmente dizer que a concepçãode uma hermenêutica estritamente bíblica, se transformou gradualmente na de uma hermenêutica considerada como conjunto deregras gerais da exegese filológica, sendo a Bíblia um objecto entreoutros de aplicação dessas regras.

(” ) Ernesti, IINT, é um exemplo excelente.(” ) Ver H.-J. Kraus, op. cit., págs. 93-102, sobre Semler. O sentido das

Escrituras é satisfeito, dizia Semler, quando «der historisch Verstehende nunauch imstande ist, von diesen Gegenstànden auf eine solche Weise jetzt zureden, ais es die verànderte Zeit und andere Umstande der Menschcn nebenuns erfordem».

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A hermenêutica como ciência da compreensão lingüística

É característica de Schleiermacher ter repensado a hermenêu

tica como «ciência» ou «arte» da compreensão. Visto que lhe dedicámos todo um capítulo, aqui apenas notaremos que uma tal concepção de hermenêutica implica uma crítica radical do ponto devista da filologia, pois procura ultrapassar o conceito de hermenêutica como conjunto de regras, fazendo uma hermenêutica sistematicamente coerente, uma ciência que descreve as condições da com preensão,. em qualquer diálogo. O resultado não é simplesmente umahermenêutica fiíológica mas uma «hermenêutica geral» (allgemeine 

 Hermeneutik)  cujos princípios possam servir de base a todos os

tipos de interpretação de texto.Esta concepção de uma hermenêutica geral marca o começo da«hermenêutica» não disciplinar, tão importante para a presentediscussão. Pela primeira vez a hermenêutica define-se a si mesmacomo estudo da sua própria compreensão. Quase podemos dizer queo que aqui é típico da hermenêutica emerge historicamente do seu parentesco com a exegese bíblica e com a filologia clássica.

A hermenêutica como base metodológica para as «geisteswissenschaften»

Wilhelm Dilthey foi um biógrafo de Schleiermacher e um dosgrandes filósofos do século passado. Dilthey viu na hermenêutica adisciplina central que serviria de base a todas as Geisteswissenscha ften   (i. e. todas as disciplinas centradas na compreensão da arte,comportamento e escrita do homem).

Dilthey defendia que a interpretação das expressões essenciais

da vida humana, seja ela do domínio das leis, da literatura ou dasSagradas Escrituras, implica um acto de compreensão histórica, umaoperação fundamentalmente diferente da quantificação, do domíniocientífico do mundo natural; porque neste acto de compreensão histórica está em causa um conhecimento pessoal do que significa sermos humanos. Acreditava ser necessário nas ciências humanas umaoutra «crítica» da razão, crítica que faria para a compreensão histórica o que a crítica kantiana da razão pura tinha feito para asciências naturais — «uma crítica da razão histórica».

 Num estádio primitivo do seu pensamento, Dilthey procuroufundamentar a sua crítica numa versão transformada da psicologia;mas, como a psicologia não era uma disciplina histórica, os seusesforços foram dificultados desde o começo. Dilthey encontrou nahermenêutica — disciplina centrada na interpretação, e especificamente na interpretação de um objecto sempre histórico, um

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texto — a base mais humana e histórica para o seu próprio esforçode formulação de uma metodologia verdadeiramente luimanísticadas Geisteswissenschaften.

A hermenêutica como fenomenologia do Dascine da compreensão existencial

Martin Heidegger, ao tratar do problema ontológico, voltou-se para o método fenomenológico do seu mentor, Edmund Husscrl, eempreendeu um estudo fenomenológico da presença quotidiana dohomem no mundo. Esse estudo Ser e Tempo  (1927), é hoje reconhecido como a sua obra-prima, como a chave para toda a com

 preensão adequada do seu pensamento. Chamou à análise apresentada em Ser e Tempo  uma «hermenêutica do  Daseim>.

 Neste contexto, a hermenêutica não se refere à ciência ou àsregras da interpretação textual nem a uma metodologia para asGeisteswissenschaften  mas antes à explicação fenomenológica da

 própria existência humana. A análise de Heidegger indicou que a«compreensão» e a «interpretação» são modos fundantes da existência humana. Assim a hermenêutica heideggeriana do  Dasein, transforma-se também em hermenêutica, especialmente na medida

em que apresenta uma ontologia da compreensão; a sua investigaçãoé de carácter hermenêutico, quer nos conteúdos quer no método.

O aprofundamento que Heidegger faz da hermenêutica e dascaracterísticas hermenêuticas em Ser e Tempo  é um outro pontode viragem no desenvolvimento e na definição quer da palavra querdo campo da hermenêutica. A hermenêutica é relacionada de umasó vez com as dimensões ontológicas da compreensão (e com tudoaquilo que isso implica) e simultaneamente com a fenomenologiaespecífica de Heidegger.

O professor Hans-Georg Gadamer, seguindo a liderança deHeidegger, desenvolveu as implicações do contributo de Heidegger

 para a hermenêutica (tanto as do Ser e Tempo,  como as de ulte-riores obras) num trabalho sistemático sobre hermenêutica filosófica(Wahrheit und Methode  1960). Gadamer traça detalhadamente odesenvolvimento da hermenêutica, de Schleiermacher até Diltheye Heidegger, fornecendo o primeiro relato histórico adequado dahermenêutica englobando a perspectiva do contributo revolucionário

de Heidegger e reflectindo sobre ele. Mas Wahrheit und Methode é mais do que uma história da hermenêutica; é um esforço dcrelacionação da hermenêutica com a estética e com a filosofia doconhecimento histórico. Apresenta de uma forma bem estruturadaa crítica heideggeriana da hermenêutica, no velho estilo dc Dilthey,c retrata parte do pensamento hermenêutico de Hegel c dc llci-dcgger, no conceito de consciência «historicamente operativa»,

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actuando dialecticamente com a tradição enquanto transmitida através do texto.

A hermenêutica avança ainda mais um passo entrando na suafase lingüística, com a controversa afirmação de Gadamer de que

«um ser que pode ser compreendido é ilnguagem.» A hermenêutica é um encontro com o Ser através da linguagem. Ultimamente,Gadamer defendeu o caracter lingüístico da própria realidade humana, e a hermenêutica mergulha nos problemas puramente filosóficos da relação da linguagem com o Ser, com a compreensão, ahistória, a existência e a realidade. Ela coloca-se no centro dos problemas filosóficos de hoje; não pode fugir às questões episte-mológicas e ontológicas pois a própria compreensão é defendidacomo um tema epistemológico e ontológico.

A hermenêutica como um sistema de interpretação: recuperação de sentido «versus» iconoclasmo

Paul Ricoeur em  De 1'Imerprétaiion  (1965) adopta uma definição de hermenêutica que remonta a uma centração na exegese textual considerando-a o elemento distinto e central na hermenêutica.«Por hermenêutica entendemos a teoria das regras que governam

uma exegese, quer dizer, a interpretação de um determinado textoou conjunto de sinais susceptíveis de serem considerados comotextos» (”). A psicanálise, e particularm ente a interpre tação dossonhos, é muito obviamente uma forma de hermenêutica; todos oselementos de uma situação hermenêutica estão nela contidos: osonho é o texto, um texto cheio de imagens simbólicas, e o psicanalista usa um sistema interpretativo para produzir uma exegeseque traga à superfície o significado oculto. A hermenêutica é o processo de decifração que vai de um conteúdo e de um significado

manifestos para um significado latente ou escondido. O objecto deinterpretação, i. e., o texto no seu sentido mais lato, pode ser constituído pelos símbolos de um sonho ou mesmo por mitos e sím

 bolos sociais ou literários.O estudo de Ricoeur distingue entre símbolos unívocos e equí

vocos; os primeiros são signos de sentido único, como os símbolos

(” ) «Ainsi, dans la vaste sphère du langage, le lieu de la psychanalysese précise: c’est à ia foi le lieu des simboles ou du double sens et celui ous’affrontent les diverses manières d’interpréter. Cette circonscription plus vasteque la psychanalyse, mais plus étroite que la théorie du langage total qui luisert d‘horizon, nous 1’appellcron désormais le ‘champ herméneutique’; nousentendrons toujours par herméneutique la théorie des règles qui président àune cxégèse, c’est à dire à 1’interprétation d’un texte singutier ou d’un ensemblede signes susceptible d’être considéré comme un texte» (Dl 18).

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da logica simbólica, enquanto os últimos são o verdadeiro ccnlroda hermenêutica. Porque a hermenêutica tem a ver com textossimbólicos com múltiplos significados; estes podem constituir uma

unidade semântica que tem (como os mitos) um significado superficial totalmente coerente, tendo ao mesmo tempo uni significadomais fundo. A hermenêutica é o sistema pelo qual o significadomais fundo é revelado, para além do conteúdo manifesto.

Contudo, a operação de encontrar um sentido oculto em sonhose em lapsos de linguagem, demonstra na realidade uma desconfiançana superfície, ou realidade manifesta; o empreendimento de Freudfoi tornar-nos desconfiados do conhecimento consciente que temos

de nós mesmos, e em última instância pedir-nos que destruíssemosos nossos mitos e ilusões. Mesmo as nossas crenças religiosas, comoFreud pretende demonstrar em O Futuro de uma Ilusão,  são defacto ilusões infantis. A função da hermenêutica freudiana é portanto iconoclástica.

Isto leva Ricoeur a sustentar que nos nossos dias há dois síndro-mas muito diferentes da hermenêutica; um, representado pela des-mitologização de Bultmann, lida amorosamente com o símbolo esforçando-se por recuperar o significado que nele se oculta; o outro

 procura destruir o símbolo enquanto representação de uma realidade falsa. Destrói máscaras e ilusões num esforço racional e incessante de «aesmitificação». Ricoeur destaca como exemplo destaúltima forma de hermenêutica, três grandes desmitificadores: Marx, Nietzsche e Freud. Cada um destes três homens interpretou comofalsa a superfície da realidade e avançou com um sistema de pensamento que destruiu essa realidade. Os três combateram activa-mente a religião; para os três, o pensamento verdadeiro era umexercício «de suspeita» e de dúvida. Minaram a confiança piedosaque o indivíduo depositava na realidade, nas suas próprias crençasc motivações; cada um defendeu uma transformação de pontos devista, um novo sistema interpretativo do conteúdo manifesto dosnossos mundos — uma nova hermenêutica.

Devido a estas duas abordagens antitéticas da actual interpretação dos símbolos, Ricoeur defende que não pode haver regrasuniversais para a exegese, apenas teorias separadas e opostas, relativas às regras de interpretação. A desmitologização trata o símbolo

ou o texto como uma abertura para uma realidade sagrada; osdesmitificadores tratam os mesmos símbolos (ou seja, os textos bíblicos) como uma falsa realidade que deve ser destruída.

A abordagem que Ricoeur faz de Freud é ela própria um exercício brilhante do primeiro tipo de interpretação, pois recupera eInterpreta o significado de Freud de um modo inovador para omomento histórico actual. Ricoeur tenta contemplar tanto a racionalidade da dúvida como a fé de uma interpretação passada, numa

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filosofia reflexiva que não se refugia em abstracções nem degeneracm simples exercício de dúvida, uma filosofia que aceita o desafiohermenêutico de mitos e símbolos e que tematiza reflexivamentea realidade que está por detrás da linguagem, do mito e do símbolo.A filosofia hoje já se centra na linguagem; já é, num certo sentido,hermenêutica; o desafio é fazê-la criativamente hermenêutica.

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A LUTA CONTEMPORÂNEA SOBRE HERMENÊUTICA:BETTI «VERSUS» GADAMER 

As seis definições de hermenêutica atrás abordadas, inter-rela-cionadas e muitas vezes sobrepostas, transpcrtam-nos de 1654 atéaos nossos dias. As seis ainda se encontram, em graus variáveis, nospectrum   do pensamento hermenêutico contemporâneo; no entanto,hoje há uma nítida polarização. Temos, por um lado, a tradição deSchleiermacher e de Dilthey, cujos partidários encaram a hermenêutica como um corpo geral de princípios metodológicos que

subjazem à interpretação. E temos, por outro, os seguidores de Heidegger que vêm a hermenêutica como uma exploração filosóficadas características e dos requisitos necessários a toda a compreensão.

Os representantes mais conhecidos destas duas posições básicassão Emílio Betti, autor de uma obra sobre teoria da interpretação (’)e Hans-Georg Gadamer cuja Wahrheit und Methode  foi brevemente discutida no capítulo anterior. Betti, na tradição de Dilthey,

 pretende dar-nos uma teoria geral do modo como «as objectivações»da experiência humana podem ser interpretadas; defende veemente

a autonomia do objecto de interpretação e a possibilidade de uma«objectividade» histórica na elaboração de interpretações válidas.Gadamer, na seqüência de Heidegger, orienta o seu pensamento paraa questão mais filosófica do que é a interpretação em si mesma;defende de um modo igualmente convincente que a compreensão éum acto histórico e que como tal está sempre relacionada com o

 presente. Sustenta que é ingênuo falarmos de «interpretações objec-tivamente válidas», pois fazê-lo implicaria ser possível uma com

 preensão que partisse de um ponto de vista exterior à história.

Os teólogos da desmitologização — Rudolf Bultmann e os doislíderes da Nova Hermenêutica, Gerhard Ebeling e Ernst Fuchs

 podem associar-se enquanto aliados da abordagem de Gadamer,

(■) T G I e A A M G.

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essencialmente heideggeriana e fenomenológica. Esta identificaçãoda Nova Hermenêutica com Gadamer é explícita e recíproca; nasua obra C)  Gadamer cita aprovadoramente Ebeling e Fuchs, e osteólogos aconselham os seus discípulos a que estudem cuidadosa

mente a obra de Gadamer (’). Também os teólogos e filósofos quecriticam a Nova Hermenêutica, tal como Wolfhart Pannenberg ('), a relacionam explicitamente com a posição de Gadamer. Betti atacou Bultmann, Ebeling e Gadamer como sendo inimigos da objec-tividade histórica no seu panfle'o de 1962,  Die Hermeneutik ais allaemeine Methodik der Geisteswissenschaften,  e E, D. Hirsch, posteriorm ente, repetiu e de certo modo ampliou o protesto numartigo sobre a teoria da interpretação em Gadamer (5).

Certamente que é um problema discutível saber quem ataca equem defende, ou saber quem é que iniciou o ataque. Poderia parecer que Betti e Hirsch criticam toda a visão hermenêutica de Heidegger e da Nova H ermenêutica ('). E, no entanto, há vozes deataque e de defesa, apelando para um retorno à «objectividade»,reafirmando que o estudo da história implica o abandono do pontode vista actual do historiador; a hermenêutica, alegam, deve funcionar de modo a fornecer os princípios de uma interpretaçãoobjectiva. Gadamer sustenta, em autodefesa, que está simplesmenteligado à descrição do que é,  a cada acto de compreensão; está afazer ontologia e não metodologia O-

O problema surge pelo facto da ontologia de Gadamer pôr emcausa a possibilidade de um conhecimento histórico objectivo. Do ponto de vista de Betti, Heidegger e Gadamer são cs críticos destrutivos da objectividade, que pretendem mergulhar a hermenêutica num pântano de relatividade, sem quaisquer regras. É a in‘e-gridade do próprio conhecimento histórico que está a ser atacadae é preciso defendê-la com firmeza.

(’) W M 313.(3) O Professor Ebeling orientou um seminário semestral sobre esta obra

na Universidade de Zurique, pouco depois de ela ter sido publicada. Guardou-seo protocolo habitual do curso (actas). Este terá interesse numa avaliação darelação Ebclins/Gadamer.

(4) Ver «Hermeneutics and Universal History»  H H 222-5; originalmenteZT hK LX (1963) 90-121.

(5) HAMG; e Hirsch «Gadamer’s Theory of Interpretation»  RM XVIII(1965), 488-507, reimpressa em VII 245-64.

(•) Betti discute Bultmann, Ebeling e Gadamer em HAMG, e Hirsch

refere-se á WM de Gadamer como a «summa» da Nova Hermenêutica emteologia.

Õ) Carta a Betti, incluída cm HAMAG 51 n. Esta carta é posteriormentecitada no artigo de Gadamer, « Hermeneutik und Historismus»,  PhR IX (1962),248-9. O assunto é clarificado no Prefácio da segunda edição dc WM. Vertambém a discussão de Robinson sobre sobre esta importante carta em NH 76.Ver Niels Thulstrup, «An Observation Concerning Past and Present Hermeneutics» OL XXII 24-44, para uma comparação entre Gadamer e Betti.

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Para compreendermos os ataques das objecções de Betti e deHirsch à hermenêutica de Bultmann, Ebeling c Gadamer, tornu nc necessário esboçar muito ao de leve as abordagens feitas porBultmann e por dois dos seus discípulos, Gerhard Ebeling c lirnstFuchs.

A hermenêutica em Bultmann, Ebeling e Fuchs

Rudolf Bultmann é sobejamente conhecido como um dosmaiores teólogos protestantes deste século. Embora o seu nomeesteja as mais das vezes associado ao controverso projecto de des

mitologização, a sua fama como eminente estudioso do Novo Testamento estava já confirmada muito antes de publicar o seu famosoensaio  Jesus Chríst and Mythology,  em 1941 (*).

Contudo, as linhas essenciais da sua orientação existencialistaem teologia, eram já patentes desde 1926, no seu  JesusC)  e continuaram desde então. Esta orientação é ela própria um esforçoque pretende confrontar de um modo mais significativo o problemahermenêutico da interpretação do Novo Testamento com o homemdo século xx.

«Desmitologizar» é talvez um termo infeliz. Pode sugerir queo Novo Testamento, tal qual está, é encarado como falso (i. c.mítico) e que a sua mensagem terá que ser acomodada à nova visãodo mundo pós-deística. Traça-sé demasiado facilmente o retrato deum teólogo engenhoso, pronto a deitar fora os elementos míticoscomo não sendo significativos e a apresentar uma Bíblia resumidaonde só se manteriam os elementos mais dignos de crédito. Oranão é isto que se passa. Pelo contrário, a desmitologização não pretende apagar nem ignorar os elementos míticos do Novo Testamento, mas sim realçar neles o seu significado original e salvífico.Longe de ser um esforço de acomodação dos Evangelhos a umamentalidade moderna, a desmitologização ataca a literaüdade superficial patente num ponto de vista moderno, ataca a tendência queos leigos, e mesmo os teólogos têm de considerar a linguagem comomera informação e não como o meio pelo qual Deus confronta oshomens com a possibilidade de um autoconhecimento radicalmentenovo (não grego, não naturalista, não moderno). A desmitologização

(*) As obras mais importantes de Bultmann estão traduzidas em inglês,como por exemplo «The History of the Synoptic Tradition  (1921); «Jesus and  lhe Word   (1926); e «Theology of lhe New Testament»,  I (1941) e II (1951).11;\ também duas colecções de artigos: «Essays: Philosophical and Theological»;o «Exislence and Faith»,  trad. e ed. Schubert M. Ogden. (As datas entre parfin-lc»ls são das edições alemãs e não das traduções.)

(*) Ver especialmente págs. 11-19; « Introduction, Viewpoinl and Mcthod».

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não 6 um instrumento de desmitificação racionalista e iconoclásticoà maneira de Freud, Nietzsche ou Marx (para mencionarmos a distinção de Ricoeur entre desmitificação e desmitologização); não procura ata car e destru ir o símbolo mítico, antes o encara comoabertura para o Sagrado. Interpretar o símbolo é relembrar o seusentido original e autêntico, agora escondido.

A tônica da desmitologização de Bultmann reside na transformação do conhecimento de cada um. No que respeita ao auto-conhecimento existencial, Bultmann está nitidamente em dívida para com Heidegger, a quem esteve estreitamente ligado em meadosde 1920 na Universidade de Marburgo, quando este coligia Ser  e Tempo.  A influência que Heidegger teve sobre Bultmann é tãoconhecida que por vezes é mesmo vista de um modo exagerado.Contudo, enquanto que a tentativa de construir uma analogia totalentre os conceitos de Heidegger e os de Bultmann (como JohnMacquarrie fez) (10) pode ser devida tanto ao carácter inconscientemente religioso do modelo ontológico de Heidegger, como à dívidade Bultmann, é justo dizer-se que Heidegger foi uma força decisivano pensamento de Bultmann no que respeita ao problema hermenêutico. Isto reflecte-se na desmitologização, que é essencialmenteum projecto hermenêutico da interpretação existencial.

Assim, por exemplo, não só o conceito que Bultmann tem dohomem como ser histórico orientado para o futuro, está muito pertodo que se defende em Ser e Tempo  como há também pelo menostrês aspectos específicos em que a teologia de Bultmann segue Heidegger: 1.° Na distinção entre a linguagem usada como mera informação que se deve interpretar objectivamente como um facto e alinguagem plena de contributos pessoais e de poder de impor obediência que se assemelha ao conceito heideggeriano do carácterderivativo das asserções (especialmente lógicas) ("). 2.° Na ideiade que Deus (o Ser) confronta o homem enquanto Palavra, enquantolinguagem, que se assemelha à tônica crescente dada por Heideggerao carácter lingüístico do Ser quando se apresenta ao homem, 3.9Também no conceito de que o Kerygma  como a palavra das palavras, fala por uma autocompreensão existencial. O Novo Testamento em si ríiesmo, diz Bultmann, visa um novo (autêntico) conhecimento de nós próprios; a função de proclamar o Novo Testamentoé trazer este novo conhecimento ao homem moderno a quem elehoje se dirige. A Palavra do Novo Testamento é, portanto, algocomo uma actualização da chamada de consciência que Heidegger

descreve em Ser e Tempo (1J).

C°) «An Existencialist Theology: A Comparison of Heidegger and Bultmann*.

(*>) S Z § 33.(») Ibid., § 60.

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Certamente que a chamada de atenção para uma nova maneirade nos conhecermos a nós próprios é uma afronta ao nosso modoactual de estar no mundo. Bultmann não tem qualquer desejo de

afastar «o escândalo» do Novo Testamento, pretende sim colocaresse escândalo no seu devido lugar: não é considerando literalmenteos mitos como verdades de fé, não é acreditando numa informaçãocosmológica manifestamente falsa, mas sim apelando para uma obediência radical, para uma abertura à Graça, à liberdade na fé.A discussão que Bultmann faz do problema hermenêutico indicaespecificamente que para ele a hermenêutica é sempre definida emtermos de exegese de um texto, transmitido historicamente. Pormuito que deva a Heidegger, continua a ver a hermenêutica mais

como uma filosofia que deve orientar a exegese, do que como umateoria da compreensão «per se». Em The Problem of Hermeneutics (1950), reafirma a insistência liberal dos Protestantes na total liberdade de investigação — o método histórico-crítico — e vai ao ponto de dizer novam ente que a Bíblia está sujeita às mesmas condições de compreensão, aos mesmos princípios filológicos e históricos aplicáveis a qualquer outro livro (“ ). O «problema herm enêutico» embora sempre relacionado com a exegese, é encarado nãoenquanto distinta e especificamente teológico mas como um pro blema existente em toda a interpretação de textos, seja ela dedocumentos jurídicos, obras históricas, literatura ou Escrituras.

É claro que a dificuldade do problema está em definir o queconstitui a compreensão histórica de um texto. Para Bultmann, aquestão hermenêutica é «como compreender os documentos históricos deixados pela tradição», que por seu lado assenta na questão:«Quais as características do conhecim ento histórico?» O'1) É a este

 problema que dedica a segunda parte das suas Gifford Lectures 

(1955) e é precisamente a análise que nelas apresenta que Bettimais tarde irá violentamente pôr em causa (1!).Bultmann assinala que toda a interpretação da história ou todo

o documento histórico é orientado por um certo interesse, que porsua vez se baseia numa certa compreensão preliminar do assunto.A «questão» molda-se a partir deste interesse e desta compreensão.Sem eles nenhuma questão se formularia e não haveria qualquerinterpretação. Por conseguinte, toda a interpretação é guiada pela«pré-compreensão» do intérprete (” )• [Mais uma vez esta análise da

(13) «Die Interpretation der biblischen Schriften unterliegt nicht anderen  Bedingungen des Verstehens ais jede andere Literatur».  G&V II, 231. O artigoapareceu como « Das Problem der Hermeneutik»  ZT h K XLVII (1950), 47-69,e mais tarde traduzido em «Essays: Philosophical and Theological»,  págs. 234-61.

(») HE 110.(1J) Ver HAMG 19-36.('•) HE 113. Ver a crítica de Betti a «essa palavra ambígua que é melhor

evitar». HAMG 20-21.

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compreensão se relaciona nitidamente com a delimitação feita porHeidegger de Vorhabe, Vorsicht e Vorgriff  (") em Ser e Tempo, como condições prévias de interpre tação.] Aplicado à história, istosignifica que o historiador escolhe sempre um certo ponto de vista,o que por seu lado significa que ele é essencialmente receptivo aoaspecto do processo histórico aberto às questões que surgem a partirdesse ponto de vista. Por muito objectivo que pretenda ser ao abordar um tema, o historiador não pode escapar à compreensão quedele tem: «Já na escolha de um ponto de vista está em acção aquiloa que posso chamar o encontro existencial com a história. A históriasó ganha sentido quando o próprio historiador está dentro da história e toma parte nela» ('*). Bultmann cita então R. G. Collingwood

 para o facto de que os eventos têm que ser refeitos na mentedo historiador. Eles são, portanto, objectivos e conhecidos apenas porque também são subjectivos (’*). Dado que o significado apenassurge da relação que o intérprete tem com o futuro, segundoBultmann torna-se impossível falar de um significado objectivo —quer dizer destituído de qualquer ponto de vista — e como hoje jánão se afirma que se sabe o fim e a meta da história «a questãodo sentido da história (como um todo) deixa de ter significado» (J0).

Podemos aqui ver como actua de um modo radical o «princípio

de Heisenberg» ou teoria de campo; isto é, que o objecto ao serobservado é subtilmente alterado, pela simples condição de estara ser observado. O historiador é uma parte do próprio campo queobserva. O conhecimento histórico é ele próprio um evento histórico; o sujeito e o objecto da ciência histórica não existem independentemente um do outro (”). Isto, de acordo com Bultmann temimplicações na fé cristã, especialmente porque através do momentoescatológico, o cristão é elevado para além da história e reingressanela com um novo futuro. Por conseguinte a história reveste-se de

um significado novo. Podemos aqui referir que Bultmann procurair mais longe que Collingwood no conceito que defende de escato-logia, usando uma abordagem teológica (escatológica) para a questão do sentido da história (” ). Mas a argum entação central deBultmann é clara (e é esse mesmo problema que Betti põe emcausa): em história não podemos falar de sentido objectivo porquea história não pode ser conhecida excepto através da subjectividadedo próprio historiador.

(lr) SZ § 32. Vorhabe, Vorsicht   e Vorgriff   podem ser traduzidos um pouco literalmente por posse prévia, visão e concepção.

(“ ) HE 119.(l9) R- G. Collingwood, «The Idea of History»,  pág. 218.(«) HE 120.(Jl) Ibid., 133.(” ) Ibid-, 136.

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Gerhard Ebeling e Ernst Fuchs seguem Bultmann quando colocam o problema hermenêutico no centro do seu pensamento. Tnlcomo ele continuam a agarrar-se à nítida disparidade entre a visflomoderna do real e a visão em que assenta o Novo Testamento.

Como Bultmann, opõem-se à visão literal da linguagem e continuama tentativa feita por este, de restaurar para a Palavra o seu poderoriginal. Como ele, centralizam-se no significado do Novo Testamento enquanto testemunho mais do que no seu carácter factual;acentuam que o intérprete está sempre no meio da história que elequer interpretar e que o sentido da história está em relação coma compreensão que o intérprete tem do futuro.

Ebeling e Fuchs levaram ainda mais longe as concepções de

Bultmann relativamente à história, à linguagem e à desmitologização, dando-lhes uma interpretação ainda mais radical. Se a hermenêutica de Bultmann se centra na autocompreensão existencial dohomem e vai directamente para a análise do que isso significa emtermos da Palavra revelada, Ebeling e Fuchs voltam-se para a pró pria linguagem e para a sua relação com a realidade. O problemahermenêutico nessa perspectiva não é simplesmente uma questão deajustar a proclamação da Palavra à realidade que ela veicula emtermos de uma autocompreensão existencial; é lingüístico, i. e..

«como é que uma palavra (palavra evento) que aconteceu, chega aser compreendida» (” ). Como Ebeling sustenta em Word of God  and Hermeneutics:  «a existência é existência através da palavra ena palavra; (...) a interpretação existencialista significaria interpretação do texto relativamente à palavra evento» C21).

Tanto Ebeling como Fuchs fizeram da palavra evento o centrodo seu pensamento teológico. Este foi designado por «teologia da palavra evento». A hermenêutica, dizem eles, tem que encontrar oseu apoio na palavra evento; «o objecto da hermenêutica» diz

Ebeling, «é a palavra evento enquanto tal» (” ). Contudo, a hermenêutica não procura compensar qualquer deficiência da PalavraBíblica através da paráfrase, antes tenta facilitar «a função hermenêutica» (de provocar a ocorrência da compreensão) da própria palavra. É a própria palavra que abre e mediatiza a compreensão:«O fenômeno primário no domínio da compreensão não é çi com

 preensão da  linguagem mas a compreensão através  da lingua-nem.» (” ) Ou ainda, para reavivar o carac ter lingüístico de tal teo

logia: «A hermenêutica enquanto teoria da compreensão deve portanto ser a teoria da palavra.» (” ) Fuchs põe a questão de

(") WF 313.(*) Ibid., 331.(” ) Ibid., 319.(") Ibid., 318; citado em HAMG 36.(”)  WF 319.

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um modo sucinto no começo da sua  Hermeneutik:  «A Hermenêutica no campo da teologia é a doutrina da fé da linguagem(Sprachlehre).» (” )

Do ponto de vista de uma definição de hermenêutica há duas

questões com interesse nesta abordagem. Primeiro, a referência à«função hermenêutica» das palavras remonta ao sentido mais primitivo de interpretação como mediação directa da compreensão,atribuindo assim à hermenêutica a finalidade de «remoção dosobstáculos à compreensão» ("). Isto é, uma focalização salutar dosobjectivos da hermenêutica, embora não altere o facto de tendermosa utilizar, consciente ou inconscientemente, sistemas de interpretação, mesmo nos actos de mediação mais directos. O segundo ponto

refere-se ao historicismo: a focalização na linguagem evento quecontinua a sustentar o «carácter lingüístico» da realidade, encara ahistória não como um museu de factos mas como uma realidadeque se exprime por palavras. Assim, as perguntas adequadas nãosão tanto «Quais eram os factos?» ou «Como podemos explicar estefacto?», mas «O que é que se exprimiu neste facto ou neste mito?»,«O que é que está a ser mediatizado?» (3°). O historicismo em teologia dá origem a um uso incorrecto da linguagem, a uma «visãofalsificada da palavra» que a abstrai do evento que é a palavra

viva e a trata como um mero enunciado. Daí resulta o falhanço dointérprete em compreender a palavra revelada, à luz das suas características de palavra evento (").

A ênfase dada em teologia à palavra evento, tem como conseqüência irazer a filosofia da linguagem para o centro da hermenêutica. A finalidade da hermenêutica ainda é uma finalidade prática, de remoção de obstáculos à palavra evento, mas a focalizaçãodo problema hermenêutico está sem dúvida na interconexão da

linguagem com o pensamento e com a realidade. Dado que a hermenêutica não pode ser considerada separadamente da modernaepistemologia, da metafísica e da filosofia da linguagem, ultrapassanitidamente os limites de um conjunto de meras regras práticas deinterpretação. Ao afastar-se da objectividade realista dos «factoshistóricos» chamou a crítica para o terreno da teologia, especialmente a partir de Wolfhart Pannenberg (”) e para fora da teologia,a partir de Emilio Betti.

(«) WF 318-19.(") WF 318-19.(” ) Ibid., 295.(>') Ibid.(” ) «Hermeneutics and Universal History» HH 122-152.

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A hermenêutica de Betti

Emílio Betti, historiador de Direito, fundou em 1955 um mstituto para a teoria da interpretação (” ). Publicou em 1962 um

livrinho com o título  Herm eneutik ais allgemeine Methodik der  Geiteswissenschaften.  Surgido pouco depois da obra-prima deGadamer, de 1960, este ensaio avança com uma crítica nítida einequívoca à abordagem que Gadamer fizera a este tema — talcomo às abordagens de Bultmann e de Ebeling. Em termos muitosimples, as objecções que Betti faz à obra de Gadamer são: cm primeiro lugar, que esta não serve como metodologia ou comoauxiliar de metodologia dos estudos humanísticos e, em segundolugar, que ela põe em risco a legitimidade de nos referirmos ao

estatuto objectivo dos objectos de interpretação e que portanto tornadiscutível a ob.iectividade da própria interpretação.

O livrinho começa com um lamento:

A hermenêutica como problemática geral da interpretação. essa grande disciplina geral que tão nobremente seoriginou no período Romântico" como preocupação comuma todas as disciplinas, que ocupou a atenção de muitos espíritos eminentes do século dezanove — como por exemploHumboldt na filosofia da linguagem, August Wilhelmvon Schlegel o grande historiador literário. Bõckh o filó-logo e enciclopedista, Savigny o jurista, e historiadores como

 Niebuhr, Ranke e Droysen — essa venerável forma maisantiga de hermenêutica parece estar a desaparecer damoderna consciência alemã (”).

 Num a sua primeira obra enciclopédica — Teoria' generale delia interpretazione (S!) — Betti procurou renovar a tradição alemã, jáantiga mas ricamente significativa.

Os leitores alemães tiveram acesso ao pensamento geral de Bettidesde 1954, quando ele publicou o seu curto «manifesto hermenêutico»— Zur Grundlegung einen allgemeinen A uslegungsleher  (!e),uma antecipação densamente documentada do seu magnus opus de 1955, do qual surgiu finalmente um a tradução em 1967 (” )•Esta obra de maior fôlego, produto de sete ou mais anos de tra

 balho, remonta à sua conferência inaugural de Maio de 1948. Defacto, o manifesto de 1954 é uma versão alargada desta primeiraapresentação. Em 1962, Betti escreveu com tristeza que, apesar 

(” ) Ver HAMG 6-7 n.(») HAMG.(” ) TGI.(") Apareceu originalmente em «lesischrijt für Ernst Rabel», II, 79-168,

 publicado no mesmo ano.(”) AAMG.

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da sua publicação de 1954, na Alemanha dera-se pouca importância ao seu trabalho (” ). Pelo contrário , o fascínio pela filosofiaheideggeriana continuou a exercer influência na teologia protestantee na filosofia, surgindo uma visão completamente diferente de

hermenêutica.Este desenvolvimento não estava na grande corrente da tra

dição que remonta a Schleiermacher passando por Humboldt, Stein-thal, Lazarus Bockh, Dilthey, Simmel, Litt, Joachim Wach e NicolaiHartmann. Foi esta corrente que ocupou a atenção de Betti na suaresolução de retomar o projecto de formulação de uma teoriametodológica geral da interpretação (” ). Foi a influência da fenomenologia e da ontologia heideggerianas, ligadas ao interesse geral pela filosofia da linguagem, que constituiu a força condutora do

interesse renovado que os alemães demonstraram pela hermenêutica(Gadamer afirma que um outro impulso dado ao seu pensamentofoi o profundo descontentamento que experimentou relativamenteà teoria estética dominante nos anos de 1930 e seguintes) O9).

Como vimos, em teologia, o desenvolvimento da hermenêuticaestava intimamente ligado à desmitologização. A desmitologizaçãoé a maneira de defrontar o problema profundo de tornar a Bíbliarelevante e significativa para os actuais ouvintes da Palavra.

Enquanto historiador de Direito, o interesse de Betti não partiu

do desejo filosófico de uma avaliação mais adequada da verdadede uma obra de arte (como aconteceu com Gadamer) ou de umdesejo de chegar a uma compreensão mais funda do Ser (comoaconteceu com Heidegger) ou da obrigação de alcançar a totalcompreensão da palavra bíblica (como em Bultmann e em Ebeling).Betti queria distinguir os diferentes modos de interpretação dasdisciplinas humanas e formular um corpo básico de princípios comos quais se interpretasse as acções do homem e os objectos.Se há que fazer uma distinção entre o momento de compreenderum objecto por si mesmo e o momento de ver o significado existencial do objecto através da nossa própria vida e do nosso futuro,então podemos dizer que este último ponto de vista é nitidamentea preocupação de Gadamer, de Bultmann e de Ebeling, enquantoa preocupação de Betti tem sido determinar a natureza da inter pretação «objectiva».

Betti de modo algum pretende omitir da interpretação o momento subjectivo ou mesmo negar a sua necessidade em toda ainterpretação humana. Mas o que pretende afirmar é que. qualquer 

(“ ) HAMG 6.(") Ibid.(w) Dc acordo cora observações feitas por Gadamer sobre a gênese de

WM, muna abordagem que segue a minha comunicação *Die Tragweile von Gadumrrs II'M fiir dir Literaiurauslegung». Heidelberg, 14 de Julho de 1965.

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que seja o papel da subjectividade na interpretação, o ohjalomantém-se objecto e podemos tentar fazer dele e realizar com clruma interpretação objectivamente válida. Um objecto fala, c podeser ouvido de um modo correcto ou incorrecto, precisamente por

que nele há um significado objectivamente verificável. Se o objectonão é diferente do seu observador, e se não fala por si mesmo, para quê então escutá-lo? (4I)

Betti defende que a recente hermenêutica alemã se tem dc talmodo ocupado com o fenômeno do Sinngebung  (a função do intér

 prete na atribuição de sentido ao objecto) que acabou por se equacionar com a interpretação. No começo de  Die Herm eneutik ais allgemeine Methodik der Geiteswissenschaften  (1962), Betti sus

tenta que é seu objectivo, em primeiro lugar clarificar a distinçãoentre  Auslegung   (interpretação) e Sinngebung.  Precisamente porqueesta interpretação é ignorada, diz Betti, toda a integridade de resultados objectivamente válidos nas humanidades (die Objectivitàt der   Auslegungsergebnisse)  é posta em risco.

A defesa que Betti faz da objectividade é ilustrada com algunsexemplos de regras de hemenêutica e com objecções à posição dcGadamer. Para Betti, o objecto a interpretar é uma objectivaçãodo espírito humano (Geist ) expressa de uma forma sensível. A inter

 pretação, portanto , é necessariamente um reconhecimento e umareconstrução do significado que o seu autor foi capaz de incorporar,usando um determinado tipo de materiais. Isto significa evidentemente que o observador tem que ser traduzido para uma subjectividade que lhe é estranha e, por meio da inversão do processocriativo, tem que voltar à ideia ou à «interpretação» que é incor porada no objecto O . Assim, como Betti observa, é perfeitamenteabsurdo falar de uma objectividade que não envolva a subjectividadedo intérprete. Porém, a subjectividade do intérprete deve pene

trar a estranheza e a alteridade do objecto, ou então o intépreteapenas consegue projectar a sua própria subjectividade no objectode interpretação. Assim é fundamental (é mesmo a primeira regrade toda a interpretação), afirmar a autonomia essencial doobjecto (“ ).

Uma segunda regra é a do contexto do sentido, ou seja, atotalidade no interior da qual as partes individuais são interpretadas.Há uma relação íntima de coerência entre as partes individuais de

um discurso devido a uma totalidade sobreposta, construída comas partes individuais C14). Numa terceira regra geral, Betti reconhece

(“ ) HAMG, 35.(«) Ibid., 11-12.(4>) Ibid., 14.(**)  «Kanon des slnnhaften Zusammenhanges (Grundsatz der Ganzholt)»

OU «Kanon der Totalitãt», ibid., 15.

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o «carácter tópico» ( Actualitã t)  do significado, isto é, a relaçãocom a própria posição e com os actuais interesses do intérpreteque toda a compreensão envolve. O intérprete de um acontecimento passado, necessariamente o interpretará em termos daquilo

que experienciou. Do lado subjectivo não há fuga possível àcompreensão e à experiência de cada um. Betti está longe de imaginar que a comprensão é uma questão de receptividade passiva;antes a considera sempre como um processo de reconstrução queenvolve a própria experiência que o intérprete tem do mundo (“ ).Pode-se mesmo dizer que Betti reafirma «em princípio» o conceitode compreensão prévia enunciado por Bultmann.

Para este, devido à historicidade da compreensão prévia, a ideiade que é possível ter um conhecimento histórico objectivo é uma

«ilusão do pensar objectivado» (die lllusion emes objektivierenden  Denkens) (“ ). Diz Betti: «O texto a que um pré-conhecimento dásentido não existe simplesmente para fortalecer a opinião que previamente sustentávamos; pelo contrário, temos que partir do princípio de que o texto tem algo a dizer-nos, que nós ainda ignoramosmas que existe, independentemente da acção de o compreendermos.É precisamente aqui que ganha luz a discutibilidade de uma focalização subjectiva; esta é obviamente influencida pela filosofia existencial contemporânea e luta pela junção de uma explicação

(Auslegung)  e de uma compreensão (Sinngebung),  tendo como conseqüência o facto de que a objectividade dos resultados do processointerpretativo nas humanidades, é to talmente posta em causa» (")•

As críticas de Betti a Gadamer levantam sérias objecções à«intersubjectividade» existencial e à historicidade da compreensão,defendendo que Gadamer não conseguiu produzir métodos normativos que permitissem distinguir uma interpretação certa de umainterpretação errada, e de que ele considera conjuntamente processos muito diferentes de interpretação (**). Betti defende que o

historiador não está muito preocupado com uma relação práticacom o presente, estando sim submerso contemplativamente no textoque está a estudar; por outro lado, o advogado na relação que sustenta com um texto, tem em mente a sua aplicação prática ao presente. Como conseqüência, os dois processos de in terpre taçãotêm características diferentes; a afirmação de Gadamer de quecada interpretação implica uma aplicação ao presente, é verdade

 para uma interpretação legal mas não para uma interpretaçãohistórica (“).

(") Ibid.. 19-22.('•) HE, 121.<‘r) HAMG, 35.(*■) Ibid., 43-44.(*•) Ibid., 45-49.

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Gadamer respondeu a estas objecções numa carta a llrltlDeclarou não estar a propor um método mas sim a tentar csnvvciaquilo que é...  «Procuro pensar os acontecimentos para além duconceito de método da ciência moderna, de um modo explicit»mente universal» (s0). Betti publicou a carta de Gadamer como notude rodapé do próprio panfleto onde ataca Gadamer. É evidente queBetti não ficou satisfeito com a resposta. Para ele, Gadamer perdeu-se numa subjectividade existencial sem quaisquer regras. No prefácio ã edição de Wahrheit und Methode  de 1965, Gadamermais uma vez responde a Betti, dando agora relevo ao carácternão subjectivo da compreensão. A tônica ontológica da sua obra(que Betti deplora) leva Gadamer a encarar o funcionamento da

«consciência historicamente operante» (” ) não como um processosubjectivo mas sim ontológico:«O significado da minha investigação não é, de modo algum,

apresentar uma teoria geral da interpretação com especificaçõesque avaliem os diferentes métodos das disciplinas particulares,como E. Betti tão excelentemente fez, mas sim procurar o que háde comum em todas as vias de compreensão e mostrar que elanunca é um procedimento subjectivo relativamente a um dado‘objecto’ mas que petrence à história operacional (Wirkungsgesch- 

ichte)  — quer dizer, ao ser daquilo que é compreendido» (”)•A questão visada por Gadamer será ulteriormente examinada

nos capítulos dez e onze, mas torna-se agora nítido o contrastefundamental entre Betti e Gadamer. Deparam-se-nos duas concepções, muito diferentes quanto ao âmbito e à finalidade da hermenêutica, quanto aos métodos e tipos de pensamento que lhesão próprios e quanto ao carácter essencial da disciplina comocampo de estudo. Mediante duas definições muito diferentes, assen-

tanto em fundamentos filosóficos distintos, os dois pensadoresdefinem a hermenêutica com vista a objectivos também muitodiferentes. Betti, seguindo Dilthey na busca de uma disciplina de base para as Geisteswissenschaften,  procura o que é prático e útil para o intérprete. Pretende normas que distingam uma interpretação certa de uma interpretação errada, que diferenciem um tipoe outro de interpretação. Gadamer, seguindo Heidegger, faz perguntas tais como: Qual é o carácter ontológico da compreensão?Que espécie de encontro com o Ser está implicado no processo

hermenêutico? Como é que a tradição e a transmissão do passado,entram no acto de compreensão de um texto histórico e o podemmoldar?

(” ) Ibid., 51 n.(’*) «Wirkungsgeschichtliches Bewusstsein»; ver WM 325-60.(” ) Ibid., Prefácio à 2.» ed., XVII.

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Que dizer deste conflito de definições? Como desenvolverei no próximo capítulo, as duas posições não são totalmente antagônicas.Pelo contrário, os dois pensadores trabalham em diferentes aspectos

do problema hermenêutico. Obviamente que há que fazer umaopção básica entre uma perspectiva realista e uma perspectivafenomenológica; no entanto, podemos admitir que para a hermenêutica como um todo, ambas as posições filosóficas permitemimportantes abordagens ao problema hermenêutico.

E. D. Hirsch — A hermenêutica como lógica da validação

Em 1967, E. D. Hirsch publicou Validade na Interpretação, o primeiro tratado completo de hermenêutica geral escrito eminglês. Sem dúvida que nos anos vindouros, este trabalho virá aocupar um lugar entre as obras americanas mais significativas sobreteoria da interpretação. De um modo sistemático e com uma argumentação cuidadosa, o livro põe em causa algumas das asserçõesmais apreciadas que desde há quatro décadas têm orientado a inter pretação literária. Por exemplo, Hirsch sustenta que a intençãodo autor deve ser a norma pela qual devemos avaliar a validadede qualquer «interpretação» (explicação do significado verbal deuma passagem). Argumenta ainda que essa intenção é uma determinada entidade sobre a qual podemos concluir uma evidênciaobjectiva e que, quando estamos seguros da evidência, podemosfazer uma delimitação do significado que pode ser universalmentereconhecida como válida. O sonho de Dilthey de uma interpretaçãoobjectivamente válida, parece ter-se realizado.

Evidentemente que «o significado verbal» de uma passagemenquanto determinada por uma análise filosófica intensiva (querda obra quer de toda a evidência interna patente na intenção doseu autor) e o significado que a mesma obra possa ter hoje, sãoduas coisas diferentes. Mas a posição de Hirsch é precisamente esta:criar-se-á uma confusão sem limites se identificarmos «sentido ver bal» e «significado» (significação para nós). Este é o pecado queele atribui a Gadamer, a Bultmann e aos teólogos da Nova Hermenêutica (**). Na linguagem usada por Betti ao abordar este tema,

 Bedeutung  (sentido) tem que ser considerado separadamente de Bedeutsamkeit   (significado) (’*)• Caso contrário a filosofia ruirá edesaparecerá a possibilidade de obtermos resultados objectivos eválidos. É nessa distinção que reside a integridade da filologia ea possibilidade da objectividade.

(” ) VII 246.(” ) HAMG 28-29.

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O objectivo da hermenêutica, diz Hirsch, nflo 6 cnconlrni o«significado» que uma passagem pode ter para nós, mas sim i'l«rificar o seu sentido verbal. A hermenêutica é a disciplina filosófica

que estabelece as regras com as quais podemos atingir determinuçflcsválidas do sentido verbal de uma passagem. Segundo Hirsch, Gadamer e os seguidores de Bultmann não só fizeram consideraçõeserradas, extrínsecas à tarefa real da hermenêutica, como também professaram uma posição filosófica que vai ao ponto de perguntarse é mesmo possível esperar um sentido objectivamente determi-nável.

Basicamente Hirsch argumenta que se defendemos que o sentido de uma passagem (o seu sentido verbal) pode mudar, então

não há qualquer norma fixa para avaliarmos se a passagem estáa ser correctamente interpretada. Só se alguém reconhecer o «sapa-tinho dc cristal» do primitivo sentido verbal pretendido pelo autor,haverá possibilidade de separar a «Gata Borralheira» das outrasraparigas (” ). Isto faz de novo lembrar a objecção de Betti aGadamer: que Gadamer não nos dá um princípio normativo estável pelo qual o sentido «correcto» de um a passagem possa ser validamente determinado. Hirsch toma como norma o sentido verbal pretendido pelo autor e chega ao ponto de caracterizar o sentido

verbal como imutável, reprodutível e fixo. Uma curta citação ilustrará o seu raciocínio, dando-nos também algo do sabor aristotélicoda sua exposição: «Quando portanto afirmo que um sentido verbalé fixo, quero dizer que ele constitui uma entidade idêntica a si própria. Mais, pretendo também dizer que é uma entidade que semantém sempre a mesma, de um m omento para o outro — que é

 portanto imutável. Na verdade, estes critérios estavam já implicadosna afirmação de que o sentido verbal é reprodutível, que ele é

sempre o mesmo nos diferentes actos de interpretação. O sentidoverbal é portanto aquilo que é e não qualquer outra coisa, mantendo-se sempre o mesmo. A isto chamo determinação (determi- nacy) (") .

Aqui a hermenêutica atribui-se a si própria a tarefa de fornecera justificação teórica para a determinação do objecto de interpretação e de colocar normas com as quais o sentido determinado,imutável e idêntico a si mesmo pode ser compreendido. Naturalmente que a tarefa é também dizer que bases temos para preferir

mos um sentido e não qualquer outro; é esta a questão da validade.Do ponto de vista de Hirsch, hermenêutica que não lide coma validade não é hermenêutica mas qualquer outra coisa. Tal comoBetti, levanta a objecção de que a corrente heideggeriana em her-

(*») VII 46.(") Ibid.

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im-néuticu põe dc lado o problema da validade sem o qual não pode de modo algum haver um a ciência da in terpretação e ummétodo de obtermos interpretações correctas.

À objecção de que a hermenêutica deveria lidar com o signi

ficado que o texto hoje tem para nós e com as estruturas ou mecanismos pelos quais o sentido verbal se torna significativo paranós, Hirsch responde que esse é o domínio da crítica literária edc outras áreas afins ("). De um ponto de vista restrito, a hermenêutica é «o esforço filológico, modesto e antiquado que visa encontrar o que um autor pretendia» ("). Este é o único fundamentoválido para a crítica (” ) mas não é crítica; é interpretação. A hermenêutica bem pode fazer uso da análise lógica, da biografia emesmo do cálculo de probabilidades (para determinar quais as mais

 prováveis entre várias interpretações possíveis), mas mantém-seessencialmente filologia. Contudo, mesmo com esta restrição, éainda largamente significativa e interdisciplinar; é ainda uma disci plina de base que enuncia princípios gerais de interpretação paraqualquer documento escrito, seja ele legal, religioso, literário oumesmo culinário.

Quer dizer desta última definição de hermenêutica como con junto de regras constitutivas do esforço, modesto mas no entanto básico, de determ inar o sentido verbal de uma passagem? O que

mais nos choca nesta definição é aquilo que ela deixa de fora; ahermenêutica não tem a ver com o processo subjectivo de com preensão, como em Schleiermacher e Dilthey, nem com a relaçãoque um sentido já compreendido possa ter com o presente (crítica)mas sim com o problema de uma arbitragem entre sentidos jácompreendidos, de modo a tomar posição entre possíveis interpretações conflituais. É um guia para o filólogo, que tem que decidirentre várias possibilidades qual é o sentido mais adequado de uma passagem.

Portanto para Hirsch, o problema hermenêutico não seria oda «tradução» — o de como preencher a distância histórica en tre,digamos, o Novo Testamento e os dias de hoje, de modo que otexto se possa tornar significativo para nós; o problema é simplesmente o problema filológico de determinar o sentido verbal pretendido pelo autor. Certamente que Hirsch aceitaria como problemareal, a relacionação do texto com o presente, mas negaria a per-

(” ) Ver especialmente a distinção crucial no capítulo 4 de VII, intitulado «Compreensão, interpretação c crítica». A hermenêutica enquanto lógicada validação, exclui por um lado a «compreensão» e por outro lado a crítica;é uma ciência ou um conjunto de princípios destinados a uma averiguaçãoválida do sentido verbal do texto; i. e. da sua interpretação.

(” ) Ibid., 57.(»•) Ibid.

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tença de tal problema ao campo da hermenêutica. É claro que paratomar esta posição ele tem que afirmar que o sentido verbal 6algo independente, imutável e determinado, que podemos estabelecercom uma certeza objectiva. Tal concepção de sentido verbal assenta

em pressupostos filosóficos específicos, essencialmente realistas,talvez os do primeiro Husserl das «Investigações Lógicas» que Hirschcita para justificar que o mesmo objecto intencional pode ser focode muitos actos intencionais diferentes (M). Neste caso, o objectomantém-se o mesmo, uma ideia ou uma essência independente.

Embora a crítica detalhada dos pressupostos de Hirsch ultra passe o âmbito deste trabalho, é necessário observar que, quandoo problema hermenêutico é definido simplesmente como problemafilológico, então todo o complexo problema do pensamento actual

sobre a compreensão histórica é posto de lado como irrelevante para a determ inação prática do sentido verbal. A hermenêuticatorna-se um conjunto de princípios filológicos de interpretação queo professor de línguas, o padre ou o advogado podem usar sem

 perder tempo com problemas actuais sobre filosofia da linguagem,fenomenologia, epistemologia ou antologia heideggeriana. Quemtem que se importar com Hegel, Heidegger ou Gadamer para coligirdados sobre a «verdadeira intenção», o «sentido verbal imutável»do  Lycides   de Milton? Que fazer do problema da compreensão do

que  Lycides  pode ou deve significar para nós hoje em dia? Isso éassunto para o crítico literário, diz Hirsch. Mas é claro que o crítico literário «não desdenhará» a tarefa técnica modesta, efectuada pelo «intérprete» — «a única base da crítica»— tal como o intér prete aprecia a pureza primitiva do sentido imutável, supra-histórico,isolado do seu significado actual.

De facto, o problema hermenêutico não é simplesmente um problema filológico, e não é possível relegar para o limbo a história e as definições aristotélicas, o grosso da teoria da compreen

são em Schleiermacher, Dilthey, Heidegger e Gadamer, para nãofalarmos já dos contributos (quer dentro quer fora da teologia)dados para uma definição da compreensão histórica. Hirsch defendeque o sentido verbal é de facto separável do significado, visto quel.!) podemos de facto distinguir o que a obra significou para o seuautor e o que ela significa para nós e 2.°) de outro modo, tornar--se-ia impossível um sentido objectivo e repetível. Mas até que

 ponto este argumento é satisfatório? O facto de um objecto mental podes ser encarado sob várias perspectivas não o torna historicamente imutável e eterno; e argumentar que de outro modo aobjectividade seria impossível, é um círculo vicioso, visto que o

(*•) Ver o interessante apendice III dc Hirsch «An Excursis on Typo.s»,ibid. 265-74.

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que está eni causa é a possibilidade de um conhecimento an-histó-rico e objectivo. Contudo, toda a validade do tratado de Hirschdepende da validade desta distinção entre sentido e significado.Contudo, será que a compreensão actua do modo mecânico que

Hirsch pretende? Ou será esta separação entre sentido e significadouma operação estritamente reflexiva, construída depois  do acto decompreensão? Não será talvez esta forma de hermenêutica umacrítica de texto disfarçada — uma metodologia para distinguir reflexivamente entre uma e outra forma de compreensão? Não seráapenas um sistema ou estrutura para o crítico ou o filólogo usarquando avalia se um dos poemas de Wordsworth a Lucy (para usaro exemplo citado por Hirsch) reflecte uma visão da vida sombriaou positiva?

Certamente que uma tal teoria hermenêutica não propõe masantes pressupõe uma teoria de como é que a própria compreensãoocorre. (E é preciso questionar até que ponto esta teoria da com preensão é adequada.) Digamos que ela só começa depois da com preensão. Como Hirsch nota: «O acto de compreensão é primeiramente uma adivinha genial (ou completamente errada), e não hámétodos para fazer adivinhar, como não há regras para produzirintuições. A actividade metodológica da interpretação começaquando começamos a testar ou a c riticar as nossas adivinhas.» O

Ou mais explicitamente: «A disciplina da interpretação compreendea produção de ideias e a verificação das mesmas... Baseia-se nãonuma metodologia da construção mas antes numa lógica da validação» (°). P ara Hirsch, a herm enêutica já não é teoria da inter pretação; é lógica de validação. É a teoria pela qual podemos dizer:«O que o autor pretendeu dizer foi isto e não aquilo.»

Hirsch alcançou brilhantemente o seu objectivo: construiu umsistema único de chegar a um sentido objectivamente verificável.Mas a que preço? Em primeiro lugar, para que o significado semantenha o mesmo, defende que a intenção do autor deve sersempre a norma ou a regra. Em segundo lugar, para que essesignificado seja objectivo, terá que ser reprodutível e imutável.Assim, Hirsch defende que o sentido verbal, enquanto sentido, ésempre o mesmo, sendo separado e separável do sentido que tem para nós quando o interpretamos. Mas será possível aceitar estasasserções? Muitas delas assentam em posições basicamente aristo-télicas e numa teoria do sentido, que se coloca ela própria sobre

 bases filosóficas.A redefinição que Hirsch faz de hermenêutica como sendo uma

lógica de validação terá realmente contribuído para uma compreen

(•') Ibid., 207.(") Ibid.

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são do problema hermenêutico em toda a sua amplitude c com plexidade, ou te rá apenas simplificado o problema? Ebeling defendeque «o objecto da hermenêutica é a palavra evento enquanto tal»;assim a hermenêutica chega de um modo profundo à questão da

realidade e à natureza da nossa participação na linguagem. O queacontece a essa visão do problema hermenêutico? Poderá ser relegado para qualquer outro campo, como a filosofia da linguagem?O à-vontade com que Hirsch ignora as implicações da teoria dacompreensão e da filosofia da linguagem leva a que pensemos quea especialização que ele propõe para hermenêutica é desaconse-lhável. O problema hermenêutico da teologia actual seria muitomais limitado se propusesse simplesmente estabelecer o provável

significado verbal pretendido pelo autor! Mas imediatamente surgea questão de qual é, por exemplo, a natureza do significado da figurade São Paulo; estaria ele a tentar comunicar uma nova maneira denos compreendermos? E as normas para chegarmos a esta conclusãoestarão no próprio Paulo? Se essas normas fossem supostamenteencontradas, com que bases poderíamos decidir se eram ou nãoválidas? Estamos novamente no presente. E é justamente esse ponto que tem que ser realçado; mesmo as regras de  e  para  aobjectividade são manufacturadas a partir de um fabrico histórico

actual. Reconhecer isto é reconhecer algo da complexidade do pro blema hermenêutico, um a complexidade que o intérprete é subtilmente encorajado a ultrapassar, devido a uma definição restritivade hermenêutica.

E assim continua o problema hermenêutico. De um lado estãoos defensores da objectividade e da validação, que consideram ahermenêutica como a fonte teórica das normas de validação; dooutro estão os fenomenólogos do evento da compreensão, que

realçam o carácter histórico desse «evento», e consequentementeas limitações de todas as pretensões a um «conhecimento objec-tivo» e a uma «validade objectiva»

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Ambas as questões são pertinentes, e a sua exploração contribui para a compreensão do problema hermenêutico.

Creio que o problema hermenêutico, como um todo, é demasiado importante e demasiado complexo para se tornar oropr'edade

de uma única escola de pensamento. Definições de hermenêuticaunívocas e restritivas podem servir fins delimitados, mas devemoster cuidado em não as tornar absolutas. É claro que é válido odebate sobre problemas específicos, como por exemplo sobre ascaracterísticas da compreensão histórica e da objectividade; mas aexigência feita por Betti e Hirsch de que a hermenêutica de Gadamer deve fornecer uma norma objectiva que distinga as interpretações válidas das não válidas, não responde à intenção básica do pensamento de Gadamer: examinar a dinâmica da própria com

 preensão. Se Gadamer tivesse querido mostrar uma falha de objectividade desse tipo, podia ter perguntado porque é que Betti omitea discussão do caracter ontológico da linguagem ou porque é queHirsch não faz uma avaliação adequada do facto complexo que é a própria compreensão. Tais críticas implicariam uma teoria quefizesse aquilo que nunca é feito em primeiro lugar; são debatesessencialmente indirectos sobre a natureza e o âmbito da própriahermenêutica. Em si mesmas não invalidam a teoria oposta. A hermenêutica, apesar do conflito contemporâneo, deve manter-se um

campo de estudo e uma área problemática com continuidade, abertaaos contributos de muitas e diversas tradições, algumas das quaisestão mesmo por vezes em conflito.

O duplo foco de hermenêutica: o fenômeno da compreensão e o problema hermenêutico

O desenvolvimento histórico da hermenêutica como um campo

independente parece compreender dois focos diferenciados: um visaa teoria da compreensão em sentido geral, o outro visa o que estáimplicado na exegese dos textos lingüísticos, o problema hermenêutico. Estes dois focos não precisam de ser quer reciprocamenteeliminatórios quer absolutamente independentes. No entanto, é melhor tratá-los separadamente, de modo que um possa esclarecero outro.

Ao apoiar-se numa teoria geral da compreensão lingüística ahermenêutica mantém-se fiel ao seu passado grandioso, com

Schleiermacher e Dilthey: É propensa a examinar qual a naturezada compreensão e a colocar de um modo genérico a questão: O queé compreender? O que acontece quando afirmo que «compreendo»?Esta última interrogação destina-se especificamente realçar o carácter eventual da compreensão. Uma teoria da compreensão torna-seextremamente significativa quando considera a experiência vivida

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 — o evento da compreensão — como seu ponto de partida. Destemodo, o pensamento orienta-se para um facto, um evento em todaa sua concreticidade, mais do que para uma ideia; torna-se umafenomenologia do evento da compreensão Uma fenomenologia da

compreensão deste tipo não pode ser encarada de um modo estreitoe doutrinário, mas sim enquanto se abre a todos os outros campo»que possam contribuir para uma apropriação mais funda do que 6 ’■compreensão e de como é que ela ocorre, tais como a epistcmologia,ontologia, a fenomenolgia da percepção, a teoria da aprendizagema filosofia dos símbolos, a análise lógica e assim por diante.

O segundo foco, designado como «problema hermenêutico» éuma instância específica do evento da compreensão: envolve semprea linguagem, a confrontação com um outro horizonte humano, umacto de penetração histórica do texto. A hermenêutica precisa deentrar cada vez mais fundo neste acto complexo da compreensão;tem que lutar para formular uma teoria da compreensão lingüísticae histórica tal como funciona na interpretação do texto. Uma teoriadeste tipo deve harmonizar-se e relacionar-se com uma fenomenologia geral da compreensão; ao mesmo tempo, ela própria darácontributo para um campo tão geral.

Esta interpretação lata do problema hermenêutico encara o

evento da compreensão de um texto como incluindo sempre ummomento de relação com o presente; de facto, a ausência destarelação tornar-se-ia imediatamente um problema hermenêutico.A visão do problema hermenêutico apresentada por Hirsch deixariade lado o próprio momento da compreensão e centrar-se-ia nanecessidade de julgar entre vários tipos de compreensão; a hermenêutica já não é uma fenomenologia da compreensão, mas sim umalógica da validação. A finalidade da hermenêutica reduzir-se-ia auma mera determinação de «o que é que o autor pretendia dizer»,

excluindo a questão de como é que isso se torna significativo paranós. Enquanto que a lógica de validação tem que ser consideradacomo uma parte legítima do problema hermenêutico, o problemahermenêutico, entendido no seu sentido mais lato, coloca um desafiofundamental: o de «agarrar» e ser «agarrado» pela significação dotexto. O problema mais fundo é portanto em primeiro lugar o deconseguir um diálogo significativo com um texto, c deve basear-sena definição mais completa possível do que significa compreenderum texto; não é simplesmente uma arbitragem entre interpretações

rivais.

Potencial contributo que outras áreas dão à hermenêutica

Quando os focos da hermenêutica se definem pela inclusão deuma fenomenologia geral da compreensão e de uma fenomenologia

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específica do evento da interpretação do texto, então o âmbito dahermenêutica torna-se realmente vasto. No entanto, como foi ditoo âmbito do problema hermenêutico é tal que a hermenêutica nãose pode isolar como um campo fechado e especializado. Na verdade,um dos grandes impedimentos do desenvolvimento histórico da hermenêutica não especializada foi o facto de ela não se radicar emnenhuma disciplina estabelecida. Enteada da teologia, fruto imperfeito da filologia, a hermenêutica não teológica só agora aparececomo área determinada. Mas como o interesse por este tf ma foimovimentado pela Nova Hermenêutica, por Betti, Gadamer. Hirsch,Ricoeur e o último Heidegger, há razões para esperar um futuromelhor.

Se assim for, a hermenêutica pode realmente estar num estádioinicial do seu desenvolvimento como disciplina geral. É certo quea exploração daquilo que outras áreas poderiam dar à teoria hermenêutica ainda mal começou de um modo sistemático. O excelenteestudo de Ricoeur sobre Freud mostra o contributo frutífero que pode dar a exploração de um sistema interpretativo . A obra monumental de Betti cobre um corte transversal das disciplinas interpre-tativas humanísticas. O ensaio de Gadamer sobre hermenêuticafilosófica pode encarar-se como revelação do impacte frutífero daanálise ontológica de Heidegger sobre a compreensão.

 No entanto , há muitos outros campos que precisam de ser explorados pelo significado que poderiam ter para a teoria hermenêutica.Por exemplo, as muitas áreas de estudo relacionadas com a linguagem, tais como a lingüística, a filosofia da linguagem, a análiselógica, a teoria da tradução, a teoria da informação e a teoria dainterp retação oral (discurso). A crítica literária — não só a suavariante fenomenológica em França e as obras de Roman Ingarden,como também a Nova Crítica contextualista e a crítica do mito — precisam dc ser exploradas pelo significado que têm para uma teoriageral da interpretação. E a fenomenologia da linguagem é indispensável para a teoria hermenêutica, não só os trabalhos recentes deMerleau-Ponty, Gusdorf, Kwant e outros, mas também o contributode Husserl, incluindo as primitivas  Logische Untersuchungen.

É um facto que muitas áreas, não especificamente relacionadascom a linguagem, apresentam uma importância potencial considerável para a hermenêutica. Não podemos ignorar todo o problemada filosofia da mente e o debate sobre epistemologia no nosso século.A obra de Cassirer nesta área, tal como a sua filosofia geral dasformas simbólicas, é importante para a teoria hermenêutica. Asvárias formas de fenomenologia — da percepção, da compreensãomusical, da estética — ajuaam a mostrar a temporalidade e as raízesexistenciais da compreensão.

A filosofia da interpretação do direito, da história e da teologia especialmente a recente Nova Hermenêutica e o projecto pri

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mitivo de desmitologização — todos eles trazem clcmcnlos importantes ao fenômeno da interpretação. As questões da novidade c dacriatividade na estética tal como foram exploradas por liausmun c

outros, são contribuições relevantes para a tarefa hermenêutica decompreender o que está fora do nosso actual horizonte de com preensão. Toda a questão da metodologia na filosofia da ciência, asexperiências com métodos de observação participativa cm Sociologia, a psicologia da aprendizagem e da imaginação, todas elas sãoricamente sugestivas para novas orientações do pensamento sobreesse processo a que chamamos interpretação. Poderíamos nomearmuitas outras áreas, mas estas são suficientes para sugerir que ahermenêutica se poderia tornar num cruzamento interdisciplinar

 para o pensamento significativo que permitisse a alguns destes cam pos perspectivar as suas áreas problemáticas própria num contextomais compreensivo. São necessários muitos estudos concretos paradesenvolver e clarificar o significado destas áreas para a teoria hermenêutica. A presente obra não pode levar isso a cabo, mas incluímos na secção C da Bibliografia algumas obras dos campos mencionados.

Proponho-me nos capítulos seguintes clarificar de certo modo

a amplitude e a complexidade do problema hermenêutico, e apontar para um conceito de hermenêutica mais lato do que qualquer umaté agora em vigor na língua inglesa. As obras do Professor Hirschtornaram acessível uma definição altamente restritiva da interpretação, em termos de lógica da validação. Muitas das recentes obrasque explicam a Nova Hermenêutica, tendem a abordá-la num contexto essencialmente teológico. O aparecimento do livro de Gadamer em inglês, será decisivo para o alargamento do conceito corrente de hermenêutica. Contudo, espero que o presente ensaio ajudea clarificar o significado desse acontecimento previsto, pois a hermenêutica deve ser considerada como mais do que uma lógica davalidação filológica, como mais do que um novo movimento vital,dentro da teologia contemporânea. É uma área ampla centrada noevento da compreensão textual com todas as suas ramificações. As presentes abordagens do tema são insuficientes para sugerir as possibilidades de uma hermenêutica basicamente filológica, como foisugerido pela tônica fenomenológica neste campo, em Heidegger c

em Gadamer. Será talvez possível colocar os fundamentos de umaconcepção mais ampla de hermenêutica e iniciarmos uma apreciaçãodo seu significado potencial, através da apresentação da hermenêutica, em quatro pensadores que professam a mesma abordagem lata por mim defendida.

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SEGUNDA PARTE

QUATRO GRANDES TEÓRICOS

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DOIS PRECURSORES DE SCHLEIERMACHER 

Para podermos apreciar a natureza e magnitude do contributode Schleiermacher para o desenvolvimento da teoria hermenêutica,é necessário atendermos ao estado da hermenêutica no seu tempo,e particularmente às concepções avançadas por dois grandes eruditos da filologia coeva, Friedrich Ast e Friedrich August Wolf.

Schleiermacher desenvolveu o seu conceito de hermenêutica a

 partir de tentativas iniciais form uladas sob forma de aforismos, em1805 e 1806, num diálogo mais ou menos explícito com Ast e Wolf. Na abertura das suas conferências sobre o tema, em 1819,

apelou para uma nova concepção de hermenêutica, referindo-selogo nas primeiras frases a dois célebres filólogos (*); aliás, o títulodas suas  Akademiereden   de 1829 era «Sobre o conceito de hermenêutica nas suas relações com as Indicações de F. A. Wolf e como manual de Ast» (J). Assim, o conhecimento de algo da obra deWolf e de Ast torna-se um pré-requisito para a compreensão de

Schleiermacher. Como veremos, muitas das suas concepções continuaram a ser importantes em hermenêutica, dignas só por si daatenção de todo aquele que pretende penetrar nas várias orientações e na complexidade da hermenêutica como um todo.

Friedrich Ast

Friedrich Ast (1778-1841) publicou dois trabalhos de relevosobre filologia em 1808: Grurtdlinien der Grammatik, Hermeneutik 

(')  Die Hermeneutik ais Kunst des Verstehens existirI noch nichl atlge- mein sondern nur mehere specielle Hermeneutiken.  Asts Erkl., S. 172, Wolf S. 37 (H 79).

(a) Über den Begrijj der Hermeneutik, mit Bezug au/ /•’.  A. Wolfs  Andeulungen und Asts Lehrbuchs,  ibid., 123.

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und Kritik   (Elementos básicos de Gramática, de Hermenêutica ede Crítica) e Grundriss der Philologie  (Esboços de Filologia). Dadoque Schleiermacher se refere ao primeiro, a presente discussão iráfocá-lo. Grundlinien der Grammatik, Hermeneutik und Kritik  esclarece a finalidade e o objecto do estudo filológico e foi originalmente concebido como uma introdução a Grundriss.  Para Ast,o objectivo essencial é captar o «espírito» da antiguidade, reveladocom nitidez na herança literária (3). As formas externas da antiguidade, apontam todas para uma forma interna, para uma unidadeintrínseca do ser, harmoniosa nas suas partes, podendo ser designada como o Geist   da antiguidade. A filologia não é uma questãode manuscritos poeirentos e de pedantismo gramatical árido; não

aborda o factual e o empírico como fins em si mesmos mas comomeios para alcançar o conteúdo externo e interno de uma obra,como uma unidade. Essa unidade aponta para uma unidade maiordo «espírito», fonte de uma unidade intrínseca de obras individuais— uma ideia obviamente derivada do conceito de Volksgeist  de Herder, tratando-se aqui do Volksgeist   da antiguidade gregaou romana. Devido a este encontro com o «espírito», o estudo dafilologia tem valores «espirituais»; serve uma finalidade «peda-gógico-ética»: assemelhar-se aos gregos. «A antiguidade não só éo paradigma (Mustef)  da cultura artística e científica mas sim da vida em geral,» (*)

Mas não podemos captar o espírito da antiguidade sem termosem conta as palavras que usa; a linguagem é o principal meio detransmissão do espiritual. Temos que estudar os escritos da antiguidade, e para o fazer precisamos de gramática, o que justifica o primeiro termo do título: Grammatik.  Acrescentaremos ainda que aleitura dc um autor antigo pressupõe alguns princípios fundamen

tais para o compreendermos e explicarmos correctamente «e assimo estudo das línguas antigas tem que estar sempre ligado à hermenêutica» (5). Aqui a hermenêutica é claramente separada do estudoda gramática. Ela teoriza o modo como se extrai o significado espiritual (geistige)  do texto. A nossa participação comum no Geist é  a causa que permite apreender o significado de escritos transmitidosdesde a antiguidade. Geist   é o ponto central de toda a vida e é o

 princípio que perm anentemente a enform a (*). Ast pergunta: «Ser-

-nos-ia possível compreender os pontos de vista, os sentimentos eas ideias mais estranhos e menos conhecidos se  tudo aquilo que é

(’) VI, 33. A breve discussão que faço de Ast e de Wolf i   largamentedevedora dos capítulos de Joachim Wach em V I: 31-62  sobre Ast e 61-62sobre Wolf.

(<) Ibid., 36.(5) Ibid., 37.(«) GGHK 7; citado em VI, 38.

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e pode ser não estivesse de um modo primordial ligado ao ( l r l .i l )’   

É ele que os revela, como uma luz eterna quando se reporte cmmilhares de cores» O-

O conceito de unidade espiritual das humanidades (Elnheit   </<•.«Geistes)  é a base do conceito de Ast de círculo hermenêutico. Istoé, porque o Geist   é a fonte de todo o desenvolvimento e dc todaa mudança, encontramos nas partes individuais a marca do espíritoda totalidade (Geist des Ganzen);  a parte é compreendida a partirde todo e o todo a partir da harmonia interna das partes (*). Aplicado à antiguidade, isto significa que «Só podemos captar correctamente a complexa unidade do espírito da antiguidade se captarmos as suas revelações individuais em obras antigas individuais,e por outro lado, o Geist   de um autor individual não pode sercaptado se não o colocarmos na relação que sustenta [com otodo]»(’).

A tarefa da hermenêutica torna-se então a de clarificar a obraatravés do desenrolar interno do seu significado e a de relacionarcada uma das partes entre si e mais latamente com o espírito daépoca (*•). Ast divide explicitamente essa tarefa em três partes ouformas de compreensão: 1) a compreensão «histórica», isto é, acompreensão relativamente ao conteúdo da obra, que pode serartística, científica ou de carácter geral; 2) a compreensão «gramatical», ou seja, a compreensão na sua relação com a linguagem;e a compreensão «geistige», isto é, compreender a obra na suarelação com a visão total do autor e com a visão total (Geist)  daépoca. As duas primeiras «hermenêuticas», nas suas diferentesrelações e possibilidades, foram já abordadas, como vimos, respectivamente por Semler e Ernesti O1)- A terceira form a de hermenêutica é o contributo específico de Ast, posteriormente desenvolvido por Schleiermacher e pelo garnde filólogo do século xix,August Bõckh. Em Ast encontramos já algumas das confecções

 básicas da hermenêutica de Schleiermacher: o círculo hermenêutico,a relação da parte com o todo, a metafísica do génio ou da individualidade. Da individualidade? Sim porque o geistige,  de acordocom Ast, torna-nos conscientes não só do espírito geral da épocacomo também do espírito específico do indivíduo (genius),  o espírito do autor.

O GGHK 166; VI, 38-39.

(*) É com razão que Schleiermacher atribui a Ast a defesa do princípio básico do círculo hermenêutico, H, 141. GGHK 178; VI, 41.(•) GGHK 179; VI, 44.(«) GGHK 174-175; VI, 45.(*') Semler, Ernesti e outros escritores iluministas da temática hermenêu

tica são abordados em F. W. Farrar  History of Inlerpretation  e mais resumidamente em Robert M. Grant.,  A Short History of the Inlerpretation of  lhe Bible.

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Aplicado a uma ode de Píndaro, este triplo padrão funciona doseguinte modo: o primeiro nível refere-se ao objecto (Gegenstand) que nesta ode particular é o Kampfspiele   (a luta) cantada pelo poeta;o segundo nível (gramatical) refere-se à apresentação plástica na

linguagem (não é uma mera análise gramatical); o terceiro nível (ogeistige)  refere-se ao seu espírito, resplandecente de amor patriótico,de coragem e de heróicas virtudes. Os níveis histórico, gramaticale geistige  são essencialmente aquilo a que podemos chamar o tema,a forma e o espírito da obra. E o espírito da obra revela quer oespírito geral da época quer a individualidade (o «génio») do seuautor; é de facto uma mistura de ambos, que interactuam e mutuamente Se esclarecem (1J). Ast distingue entre níveis de compreensão,como os que foram apresentados e níveis de explicação. Contudo,

 paralelamente aos níveis de compreensão histórica, gramatical egeistige  há três níveis de explicação: a hermenêutica de letra (Hermeneutik des Buchstabens),  a hermenêutica do sentido (Hermeneutik des Sinnes)  e a hermenêutica do espírito (Hermeneutik des Geis- tes).  A hermenêutica da letra é concebida dum modo batsante maislato, pois inclui quer a explicação de palavras (que aparentementeenvolve a compreensão gramatical) quer a explicação do contextofactual (Versthen der Sache)  tal como a do cenário histórico (com preensão histórica). Este primeiro tipo de hermenêutica exige não

só um conhecimento factual do meio histórico como também umconhecimento da língua, das suas transformações históricas e dassuas características individuais. A hermenêutica do sentido ou do«significado» refere-se à exploração do génio da época e do autor.Determina o sentido pois toma uma direcção específica devido aolugar em que ocorre (die Bedeutung in dem Zusammenhang einer  gegebenen Stelle).  Por exemplo, um juízo em Aristóteles pode terum sentido diferente de um juízo literalmente muito semelhanteem Platão (*’) e mesmo dentro da mesma obra, duas passagens lite

ralmente semelhantes podem variar no seu sentido ou significadoconsoante o lugar que ocupam relativamente à obra como um todo.Devido à complexidade de tais determinações, é preciso que hajaum conhecimento da história literária, da forma particular que foiutilizada, e da vida e outras obras do autor, de modo a que se

 possa captar exactamente o sentido de uma determinada passagem.O terceiro nível, a hermenêutica do espírito, procura a ideia

que controla (Grundidee, ideia fundante)  a visão da vida (.4m-chauung,  ponto de vista, especialmente em autores históricos), e a

concepção básica ( Begriff,  especialmente em obras filosóficas) queencontra a sua expressão ou incorporação na obra. No caso de

(” ) GGHK 1*3-84; VI. 4g.('*) GGHK 1ÍS-9Í; VI. 5é.

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 procurarm os «a mundividência», há uma multiplicidade na revelação da vida; no entanto, quando procuramos a «concepção básica», por detrás da multiplicidade encontramos a unidade da forma.

Para Ast, o conceito de uma ideia controladora representa uma com binação dos outros dois momentos significativos, mas só os grandesautores e artistas conseguem esta síntese total c harmoniosa na qualo conteúdo conceptual e a mundividência se situam num complemento equilibrado no interior da ideia controladora.Visto que a ênfase dada à ideia é um aspecto muito comumao pensamento romântico alemão, não nos surpreende encontrá-lana hermenêutica de Ast. Merece crítica o facto dc que, para Ast,

a reconciliação harmoniosa da «mundividência» com a «ideia fun-dante» leva à transcêndência   do temporal: «Toda a temporalidadese dissolve numa explicação geistige»  (”). Assim, o interesse romântico pela história subordina-se à ideia, tal como se subordinam aadmiração romântica pelo génio e pela individualidade; todos elessão manifestação do Geist.  A defesa heideggeriana no século xx,do carácter radicalmente histórico da realidade humana (c assimda própria realidade) é estranha aos pressupostos idealistas dc Ast.

 Nem no contexto dos pressupostos racionalistas do Umnlnismo, nemnos pressupostos dos Românticos, a história se tornou realmentehistórica; ela é apenas um material bruto do qual se dedu/ umaverdade intemporal ou um Geist   intemporal.

Há uma outra ideia no pensamento de Ast, que anuncia futurasorientações em hermenêutica: o conceito do processo dc compreensão como  Nachbildung,  reprodução. Nos Grundlinicn  Ast encarao processo de compreensão como uma repetição tio processo cria

tivo. Esta visão do modo como a compreensão ocorre e essencialmente semelhante à de Schlegel, Schleiermacher e mais tarde Diltheye Simmel. O significado hermenêutico disto está na relação daexplicação com o processo criativo como um todo: a interpretaçãoe o problema interpretativo devem obviamente ser relacionadoscom os processos do conhecimento e da criatividade ( om este conceito de compreensão enquanto  Nachbildurig,  a hermenêutica ultra passa significativamente a hermenêutica filológica e teológica da

época anterior, ligando-se agora a um aspecto do processo do conhecimento relacionado com a teoria da criação artística, pois a com preensão reproduz o processo artístico da criação. Anteriormente,a interpretação não tinha sido considerada na sua relação com umateoria da criação artística. Joachim Wach vai ao ponto dc dizer que

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o estabelecimento desta relação foi um dos principais contributos<lc Ast para o desenvolvimento da teoria herm enêutica (” ).

O fantasma do psicologismo não deveria assustar-nos, impedindo-nos de relacionar a teoria da criação artística com a teoria da

compreensão literária e, consequentemente, com a interpretaçãoliterária. Embora possamos discordar de Ast quando este diz quena compreensão se repetem os processos criativos do artista — acriação já se deu — podemos afirmar que a experiência comunicadana obra, deve de certo modo surgir novamente como evento aoleitor. Na hermenêutica racionalista do Iluminismo, não há qualquer base para podermos relacionar o processo criativo do artistacom o do leitor, enquanto na hermenêutica idealista dos românticos Ast e Schleiermacher, os processos se baseiam claramente nas

operações fundamentais da compreensão. De igual modo, na inter pretação literária realista, praticada actualmente pelos crítico6 ingleses e americanos, a questão de qual o processo de criação que estána origem de uma obra literária é uma questão irrelevante, enquanto que para a hermenêutica fenomenológica de hoje, tanto acriação como a interpretação se fundamentam na compreensão.Deste paralelo vemos como são decisivas a teoria do conhecimentoque subjacentemente defendemos e a teoria do estatuto ontológicode uma obra, pois elas determinam antecipadamente a forma da

nossa teoria e da nossa prática na interpretação literária.

Friedrich August Wolf 

Friedrich August Wolf (1759-1824) foi o mais brilhante e omelhor conhecido dos dois filólogos. Foi também o menos sistemático, pois embora as Grundlinien  de Ast constituam uma espécie desistema, Wolf pouco se importou com sistemas. Nas suas Vorlesung 

über die Enzyklopádie der Altertumwissenschaft,  definiu a hermenêutica como «ciência das regras pelas quais se reconhece o sentido dos signos» (“ ). N aturalm ente que as regras variavam com oobjecto, e assim há uma hermenêutica para a poesia, para a história e para o direito. Wolf defendia que cada regra deveria serobtida através da prática; a hermenêutica torna-se assim uma pes-

(“ ) «Herder führt zucrst in grõssercm Still eine literarkrltisch-ãsthetischeBetrachtung der Bibel durch ... Bis dahin allerdings hatte mans wenig auf die

/.usammcnhange von Interpretation und Theorie des Schaffens geachtet: hierlmt vor Boeckh von aliem Humboldt gewirkt, Ich sehe gerade darin einen Teilvon Asls Bedeutung für die Geschichte der hermeneutischen Theorie, dass ich philologlschc Vorgãnger zu nennen wüsste — auf diese Zusamonenhãnge hin-Kcwlcscn hat» (VI, 52).

('•) «Die Wissenschaft von den Regeln, aus denen die Bedeutung derZelchcn erknnnt wird» (VEA 290; VI, 67).

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q u i s a p r á t ic a , m a is d o q u e u m a p e s qu is a t e ó r ic a . É u m a c o le c ç ã o

d e r e g r a s .

Para Wolf, o objectivo da hermenêutica é «captar o pensamento escrito ou mesmo oral de um autor como ele desejaria tersido captado» ("). A interpretação é diálogo, diálogo com um autor.E certamente que não caímos no psicologismo quando sugerimosque uma obra é   um esforço de comunicação, e que o objectivo dahermenêutica é a comunicação perfeita, isto é, a captação do temaou da ideia do autor como ele gostaria de ter sido captado. Wolfdefende que o intérprete deve estar «temperamentalmente apto» para compreender o tema, de modo a poder explicá-lo a outros.Dverá ter um talento geral de empatizar com pensamentos alheios;

deverá ter «essa leveza de espírito» que «depressa sintoniza comoutros pensamentos» (**). Sem uma aptidão para o diálogo, paraen trar no universo m ental de um a o utra pessoa, a explicação — econsequentemente a hermenêutica — 6 impossível.

Tal como em Ast, a explicação tem que basear-se na compreensão, e a compreensão distingue-se da explicação. O sentido de umaimagem é captado directamente na compreensão. Avançamos um passo quando damos uma explicação oral ou escrita dessa imagem.Segundo Wolf compreendemos para nós mesmos mas explicamosp a r a os outros. Logo que determinamos que a nossa tarefa é explicar, temos também que saber para quem se esboça a explicação.A forma e o conteúdo de uma explicação variará consoante a inter

 pretação se dirigir a um novato cheio de entusiasmo, a um leitordesinteressado ou a um sagaz erudito interessado nos mínimos cam- biantes. Mas ta l como Wolf diz, numa pitoresca mistura de alemãoe latim  Niemand Kann interpretari, nisi subtiliter inlellexeril A hermenêutica tem portanto inevitavelmente duas vertentes: a

compreensão (verstehenden)   e a explicação (erklarenden).Tal como Ast, Wolf propõe uma hermenêutica tripla; mas falta--lhe a metafísica do Geist   no seu terceiro estádio. Ou por outra émais prático do que Ast. Os três níveis ou espécies de interpretaçãosão: interpretatio grammatica, histórica  e  philosophica (” ). A gramática lida com tudo aquilo que a compreensão da língua podefornecer para ajudar na interpretação. A hermenêutica histórica preocupa-se não só com os factos históricos da época mas tambémcom um conhecimento factual da vida do autor, dc modo a chegar

a um conhecimento daquilo que o autor sabia. Obviamente que osfactos históricos gerais são importantes, mesmo quando se trata

O7) «(Die) geschriebene oder auch bloss mündlich vorgetragene Gcdankenemes ander ebenso zu fassen, wie er sie gefasst haben w i ll .» (V E A 2 93 ; V I , 6 8.)

(■•) VEA 273; VI, 72.(■•) VEA 273; VI, 74.(*) VEA 290-95; VI, 77-78.

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O PROJECTO DE SCHEIERM ACHERDE UMA HERMENÊUTICA GERAL

«A hermenêutica como arte da compreensão não existe comouma área geral, apenas existe uma pluralidade de hermenêuticasespecializadas.» (') Esta asserção programática com a qual Schleiermacher abriu as suas conferências de 1819 sobre hermenêutica,enuncia numa frase o seu objectivo fundamental: construir umahermenêutica geral como arte da compreensão. Essa arte, afirmaSchleiermacher, é na sua essência a mesma, seja o texto umdocumento jurídico, um escrito religioso ou uma obra de arte.É certo que há diferenças entre essas várias espécies de textos, e por essa razão cada disciplina tem as suas ferramentas teóricas paraos seus problemas particulares; mas subjacente a essas diferençashá uma unidade fundamental. Os textos exprimem-se numa línguae assim utiliza-se a gramática para encontrar o sentido de uma frase;há uma ideia geral que interactua com a estrutura gramatical paraformar o sentido, seja qual for o tipo de documento. Se fossem formulados os princípios de toda a compreensão da linguagem, certamente que incluiriam uma hermenêutica geral. Uma hermenêutica

desse tipo poderia servir de base e de centro a toda a hermenêutica «especial».Mas, diz Schleiermacher, ainda não existe uma hermenêutica

desse tipo. Em vez dela, existiriam várias «hermenêuticas» especiais,Em primeiro lugar a filológica, a teológica e a jurídica. E mesmodentro da hermenêutica filológica, não haveria coerência sistemática. Pelo contrário, Friedrich August Wolf defendera que precisávamos de uma hermenêutica diferente para a história, para a poesia e para os textos religiosos e consequentemente para as subva-

riantes dentro de cada uma destas classificações. Para Wolf a hermenêutica era uma coisa muito prática: um corpo de sabedoria para

(*) H 79. Ver cap. 6, nota 1.

f l

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abordar os problemas específicos da interpretação. Há regras econselhos para os problemas de interpretação mais diversos, talhados para a lingüística particular e para as dificuldades históricas

levantadas pelos textos antigos em hebreu, em grego e em latim.A hermenêutica era um corpo teórico que ajudava na tarefa detradução de textos antigos, mas a teoria tinha-se vindo simplesmente a acumular à medida que mais elementos eram consideradosimportantes na compreensão dos textos antigos. A grande hermenêutica de Ast tinha uma orientação mais filosófica mas ainda

 procurava ser enciclopédica, baseando-se num idealismo metafísico,inaceitável para Schleiermacher. Faltava ainda a disposição paraexaminar o acto fundante de toda a hermenêutica: o acto de com

 preensão, o acto de um ser humano vivo, dotado de sentimentos eintuições.Em 1799, no seu famoso curso dirigido aos eruditos depreciado-

res da religião, já Schleiermacher tinha negado decisivamente quea metafísica e a moral constituíssem a base do fenômeno religioso.A religião não diz respeito ao homem que vive de acordo comuma ideia racional, mas sim àquele que vive, age e sente a suasituação de criatura dependente de Deus. De modo similar, a hermenêutica foi defendida por Schleiermacher enquanto relacionada

com o ser humano concreto, existente e actuante no processo decompreensão do diálogo. Quando começamos pelas condições que pertencem a todo o diálogo, quando nos afastam os do racionalismo,da metafísica e da moral, quando examinamos a situação concretae actual implicada na compreensão, então arrancamos para umahermenêutica viável que poderá servir de núcleo central de umahermenêutica especial, tal como por exemplo a bíblica.

Schleiermacher defendeu que a arte da exploração, que constituíra uma grande parte da teoria hermenêutica, estava fora dahermenêutica. «Logo que a exploração se torna mais do que oexterior da compreensão, torna-se arte de apresentação. Só aquilo aque Ernesti chama subtilitas intelligendi  (acuidade da compreensão)

 pertence genuinam ente à hermenêutica O . A explicação, em vezde arte da «compreensão» vai transformar-se imperceptivelmente emarte de formulação retórica. No diálogo, uma coisa é a operaçãode formular e de o transformar em discurso; outra, totalmentediferente, é a operação de compreender aquilo que é dito. Schleier-

O «Eigentlich gehort nur das zur Hermeneutik was Ernesti Prol. 4[IINT] subtilitas inteligendi nennt. Denn die [subtilitas] explicandi sobald siemehr ist ais die ãussere Seite des Verstehens ist wiederum ein Object der Hermeneutik und gehort zur Kunst des Darstellens» (H 31). Este aforismo data provavelmente de 1805 e figura entre os primeiros comentários escritos deSchleiermacher sobre hermenêutica. Ao mesmo tempo é uma das suas intuiçõesnials significativas, pois marca a hermenêutica como arte de compreensão, maisdo que como arte de explicação.

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macher defende que a hermenêutica lida com este último típcitnEsta distinção fundamental entre falar e compreender constituia base para uma nova orientação em hermenêutica c abriu cuinl

nho a uma base sistemática para a hermenêutica na teoria ducompreensão. Se a hermenêutica já não se dedica essencialmentea clarificar os vários problemas práticos na interpretação dos ilifcrentes tipos de texto, então poderá tomar o acto de compreensãocomo o seu verdadeiro ponto de partida: em Schleiermacher, ahermenêutica transforma-se verdadeiramente numa «arte da com

 preensão».E assim Schleiermacher coloca esta questão geral como ponto

de partida da sua hermenêutica: como é que toda ou qualquer

expressão lingüística, falada ou escrita, é «compreendida»? A situação de compreensão pertence a uma relação de diálogo. Em todasas situações desse tipo há uma pessoa que fala, que constrói umafrase com sentido, e há uma pessoa que ouve. O ouvinte recebcuma série de meras palavras, e subitamente, através de um processo misterioso, consegue adivinhar o seu sentido. Este processomisterioso, um processo de adivinhação, é o processo hermenêutico.É o verdadeiro lugar da hermenêutica. A hermenêutica é a arte

de ouvir. Voltamo-nos agora para alguns princípios desta arte ou processo.

A compreensão como um processo de reconstrução

Para Schleiermacher, a compreensão enquanto arte é voltarde novo a experimentar os processos mentais do autor do texto.É o reverso da composição pois começa com a expressão já fixa

e acabada e recua até à vida mental que a produziu. O orador ouautor construiu uma frase; o auditor penetra nas estruturas da frasee do pensamento. Assim a interpretação consiste em dois momentosinteractuantes: o momento «gramatical» e o «psicológico» (nosentido lato de tudo aquilo que se inclui na vida psíquica do autor).O princípio em que assenta esta reconstrução, seja ela gramaticalou psicológica, é o do círculo hermenêutico.

O círculo hermenêutico

Compreender é uma operação essencialmente referencial; com preendemos algo quando o comparam os com algo que já conhecemos. Aquilo que compreendemos agrupa-se em unidades sistemáticas, ou círculos compostos de partes. O círculo como um tododefine a parte individual, e as partes em conjunto formam o círculo.Por exemplo, uma frase como um todo é uma unidade. Compreen

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demos o sentido de uma palavra individual quando a consideramosna sua referência à totalidade da frase; e reciprocamente, o sentidoda frase como um todo está dependente do sentido das palavrasindividuais. Consequentemente um conceito individual tira o seu

significado de um contexto ou horizonte no qual se situa; contudoo horizonte constrói-se com os próprios elementos aos quais dásentido. Por uma interacção dialéctica entre o todo e a parte, cadaum dá sentido ao outro; a compreensão é portanto circular. E porque o sentido aparece dentro deste «círculo», chamamos-lhe o«círculo hermenêutico».

É claro que o conceito de círculo hermenêutico envolve umacontradição lógica; pois se temos que captar o todo antes de poder

conhecer as partes, então nunca compreenderemos nada. E no entanto afirmámos que as partes tiram o seu sentido do todo. Poroutro lado, não podemos certamente começar com um todo, nãodiferenciado em partes. Será que o conceito de círculo hermenêuticonão tem validade? Não; apenas temos que dizer que a lógica nãovalida totalmente as tarefas da compreensão. Há como que umaespécie de «salto» no círculo hermenêutico e compreendemos simultaneamente o todo e as partes. Schleiermacher deixou lugar para umfactor deste tipo quando considerou a compreensão em parte como

uma questão comparativa, em parte como uma questão intuitivae divinatória. Para actuar eficazmente o círculo hermenêuticoimplica um elemento de intuição.

Com a sua imagem espacial, o círculo hermenêutico propõeuma área de compreensão partilhada. Visto que a comunicação éuma relação dialógica, presume-se desde o início uma comunidadede sentido, partilhada por quem fala e por quem ouve. Isto pareceenvolver outra contradição: aquilo que tem que ser compreendido já deve ser sabido. Mas não será esse o caso? Não será vão fa larde amor a quem não conheceu o amor, ou das alegrias de aprendera quem renunciou a elas? Temos que previamente possuir, atécerto ponto, um conhecimento do tema em causa. Isso pode serdesignado como o conhecimento prévio, minimamente necessárioà compreensão, sem o qual não podemos saltar para o círculohermenêutico. Tomemos um exemplo comum, a experiência daininteligibilidade inicial para quem lê um grande autor, digamosum Kirkegaard, um Nietzsche ou um Heidegger; o problema é

captar a orientação global do autor, sem a qual as asserções individuais e mesmo as obras completas não têm significado. Por vezesuma simples frase esclarecerá e construirá num todo significativotudo o que previamente era incoerente, precisamente porque sugere«toda a coisa» sobre a qual o autor tem vindo a falar.

O círculo hermenêutico então opera, não só a nível lingüísticocomo também a nível do tema em causa. Tanto o que fala comoo que ouve devem partilhar a linguagem e o tema do seu discurso.

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Tanto a nível do medium   do discurso (linguagem) como du mulériii do discurso (tema), o princípio do conhecimento prévio ou ocírculo hermenêutico — opera em todo o acto de compreensão.

Interpretação gramatical e interpretação psicológica

 No pensamento mais tardio de Schleiermacher há uma tendênciacrescente para separar a esfera da linguagem da esfera do pensamento. A primeira é a província da interpretação «gramatical»enquanto que Schleiermacher começou por chamar ao segundo«técnico» (technische)  designando-o mais tarde de «psicológico».A interpretação gramatical localiza a asserção de acordo com leis

gerais e objectivas; o aspecto subjectivo da interpretação centra-senaquilo que é subjectivo e individual. De acordo com Schleiermacher, «tal como todo o discurso tem uma relação dupla, quer coma totalidade da linguagem quer com o pensamento do autor, tam bém em toda a compreensão de um discurso há dois momentos:a sua compreensão como algo extraído da linguagem e com um‘fac to’ no pensamento daquele que fala» (’). A interpretação «gramatical» pertence ao momento da linguagem e Schleiermacherencarava-a como um procedimento essencialmente negativo, gerale mesmo limitativo, no qual se coloca a estrutura em que operao pensamento. Contudo, a interpretação psicológica procura aindividualidade do autor, o seu génio particular. Para isso é necessária uma certa adequação com o autor; não se trata de umaoperação que estabeleça fronteiras, mas antes do lado verdadeiramente positivo da interpretação.

Certamente que ambos os aspectos da interpretação são necessários e de facto interactuam constantemente. Os usos individuaisda língua acarretam mudanças na própria língua, e no entanto umautor defronta-se com uma língua sendo obrigado a imprimir nelaa sua própria individualidade. O intérprete compreende a individualidade do autor relativamente ao geral mas compreende-a tambémde um modo positivo, quase de um modo directo e intuitivo. Talcomo o círculo hermenêutico envolve a parte e o todo, a inter pretação gramatical e psicológica como uma unidade, envolve oespecífico e o geral; este último tipo de interpretação é geral elimitativo, bem como individual e positivo. A interpretação gramatical mostra-nos a obra na sua relação com a língua, tanto na estrutura das frases como nas partes interactuantes de uma obra e

também com outras obras do mesmo tipo literário; assim, podemosver o princípio das partes e do todo, em acção na interpretação

(5) Ibid., 80.

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gramatical. De igual modo, a individualidade do autor e da obratêm que ser vistas no contexto dos factos mais amplos da sua vida,contrastando com outras vidas e com outras obras. O princípio deinteracção e de esclarecimento recíproco da parte e do todo é

essencial para os dois aspectos da interpretação.Tudo isto pressupõe que a hermenêutica tem como meta a

reconstrução da experiência mental do autor do texto, um pontoque é particularm ente claro na afirmação de 1819: « arte [dainterpretação] só pode desenvolver as suas regras fora de umafórmula positiva que é: a reconstrução histórica, divinatória,objectiva e subjectiva de uma dada expressão lingüística (4). É óbvioque Schleiermacher pretende experimentar de novo aquilo que o

autor experimentou e não vê a expressão lingüística separadamentedo seu autor. Contudo, é bom assinalarmos que este experimentadorde novo não precisa de ser encarado como «psicanálise» do autor;antes se limita a afirmar que a compreensão é uma arte de reconstruir o pensamento de outra pessoa. Por outras palavras, o objectivo não é atribuir motivos ou causas aos sentimentos do autor(psicanálise) mas sim reconstruir o próprio pensamento de outra pessoa através da interpre tação das suas expressões lingüísticas.

 Na realidade, a reconstrução plena da individualidade de um

autor nunca pode derivar da análise das causas; tal facto ficariasempre desesperadamente ao nível do geral. Para a interpretação

 psicológica é necessária uma abordagem basicamente intuitiva.A abordagem gramatical pode usar o método comparativo e proceder do geral para as particularidades do texto; a abordagem

 psicológica utiliza tanto o método comparativo como o «divinatório».O [método] divinatório é aquele em que nos transformamos nooutro, de modo a captar directamente a sua individualidade (5). Neste

momento da interpretação, saímos de nós próprios e transformamo--nos no autor, de modo a podermos captar numa plena imediatez, oseu processo mental. Contudo, o objectivo último não é «com preender» o auto r de um ponto de vista psicológico; é antes te racesso mais pleno àquilo que é significado no texto.

A compreensão hermenêutica como compreensão de estilo

A abordagem da ênfase dada por Schleiermacher aos aspectos psicológicos e intuitivos pode levar-nos a esquecer a forte insistência no papel central da linguagem, sempre presente nas suas

(4) Ibid., 87.(") Ibid., 109.

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especulações sobre hermenêutica. Não só a gramática 6 um elementoindispensável na orientação e enfoque da nossa intcrprctuçAo, comotambém a revelação psicológica da individualidade sc expressa dcum modo essencial no estilo particular do autor. Por isso, nAointeressa se há um «talento» mais ou menos profundo para conhccer individualmente outros seres humanos; a menos que esse talentose combine com o talento de uma intuição lingüística, quer nacolocação das fronteiras gramaticais quer na penetração psicológica da individualidade de um autor através do seu estilo, nenhumconhecimento adequado resultará. Pelo estilo, conhecemos o homemem toda a sua individualidade; em 1819 Schleiermacher resumiude um modo penetrante a importância do estilo: «A comprcensílototal do estilo é todo o objectivo da hermenêutica.» (*)

A hermenêutica como ciência sistemática

A especulação hermenêutica de Schleiermacher tem comoobjectivo transformar «o conjunto de observações» organizadas deum modo disperso, numa unidade sistematicamente coerente. Defacto, as suas intenções foram mais longe: primeiro, postular a ideiade que a compreensão opera de acordo com leis que podem ser descobertas; seguidamente, enunciar algumas das leis ou princípios

a partir dos quais ocorre a compreensão. Esta esperança pode resumir-se na palavra «ciência»; Schleiermacher não procurava umconjunto de regras como na hermenêutica primitiva, mas sim umconjunto de leis pelas quais a compreensão opera — uma ciênciada compreensão que pudesse orientar o processo de extrair dumtexto o seu sentido (7).

De uma hermenêutica centrada na linguagem 

a uma hermenêutica centrada na subjectividadeAté 1959, a concepção dominante da hermenêutica de Schleier

macher baseava-se necessariamente numa colectânea das suas obras, publicada postumam ente editada pelo seu aluno e amigo Friederich

(•) Ibid., 108.C7) Claro que a compreensão enquanto tal se mantém uma arte. Como

Kichard R. Niebubr pertinentemente nota numa esclarecedora abordagem que

faz à hermenêutica de Schleiermacher (pp. 72-134 da sua obra Schleiermacher  On Christ and Religiort): o  acto de interpretação era para Schleiermacher«algo de pessoal e criativo tanto como científico, era uma reconstituição imaginária da personalidade do orador ou do escritor. Um tal esforço da empatiatem sempre que ultrapassar em muito os princípios da ciência filológica, penetrando no plano da arte» (79). Sobre este tema ver H. 82.

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Lucke (*). Este volume, publicado em 1838, só em parte era formado pelos próprios manuscritos do autor, sendo essencialmenteconstituído a partir de notas de estudantes. Embora Schleiermacher

deixasse notas do seu próprio punho, que remontam a 1805, ovolume de 1838 incluía poucas dessas notas anteriores a 1819. Nos últimos anos da década de cinqüenta (1950) Heinz Kimmerleexaminou cuidadosamente os documentos não publicados deSchleiermacher, existentes na Biblioteca de Berlim e reuniu porordem cronológica todos os escritos sobre hermenêutica redigidos pelo próprio punho de Schleiermacher. Pela primeira vez tornou-se possível traçar com precisão e confiança o desenvolvimento do próprio • pensamento de Schleiermacher sobre o projecto de uma

«hermenêutica geral» (*)•Desta edição emerge não só um retrato mais completo da hermenêutica de Schleiermacher como também de parte da sua obraaté então desconhecida — um primeiro Schleiermacher centrado nalinguagem, menos psicológico. Em cerca de vinte páginas de aforismos sobre hermenêutica datando de 1805 a 1809 e nos primeirosesboços ainda tacteantes durante o período de 1810-1819, Schleiermacher propõe uma hermenêutica fundamentalmente centrada nalinguagem. Aparentemente, desde o começo que Schleiermacher

tinha em mente uma hermenêutica geral, fundante, dividida emduas partes essenciais: a gramatical (objectiva) e a técnica (subjectiva). É claro que o afastamento decisivo da objectividade filológicae o partir de condições que são do domínio do diálogo ainda vigoramnos escritos anteriores a 1819. No período entre 1810 e 1819,Schleiermacher escreve que a tarefa da hermenêutica «procedede dois pontos diferentes: a compreensão da linguagem e a com preensão daquele que fala» (l0). Um dos primeiros aforismos defendia que temos que ter uma compreensão do homem para podermos

compreender o que ele diz. No entanto, é a partir do seu discursoque chegamos a um conhecimento do homem (“). A hermenêuticaé a arte de compreender o orador naquilo que é dito, mas a linguagem ainda é a chave. Noutro dos primeiros aforismos diz ele:«Tudo o que se pressupõe em hermenêutica é apenas linguageme é também só linguagem aquilo que encontramos na hermenêutica; o lugar a que pertencem os outros pressupostos objectivos esubjectivos tem que ser encontrado através (ou a partir) da linguagem.» (")

(•) H & K.(") Ver a importante introdução em H. 9-24 e o seu artigo  A Teoria 

hermenêutica ou a ontologia hermenêutica,  HH 107-21.(■•) H 56.(" ) Ibid., 44.(,J) Ibid., 38.

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Este elemento decisivo na passagem dc uma hermenêuticacentrada na linguagem para uma hermenêutica orientada para a psicologia, segundo Kimmerle, foi o primeiro abandono gradual

da concepção da identidade do pensamento e da linguagem. Kimmerle diz que a razão disso foi de tipo filosófico: Schleiermacherencarou como sendo a sua tarefa, a mediação entre o carácterintrínseco da filosofia transcendental especulativa e o carácterextrínseco de ciência positiva e empírica. Pressupôs uma discre pância entre a essência ideal, interna, e a aparência externa. Assimo texto não podia ser visto como manifestação directa dc um processo mental in tern o mas com algo dado às exigências empí

ricas da linguagem.Por fim a tarefa da hermenêutica acabou por ser a de transcender a linguagem, de modo a chegar aos processos internos.Ainda é necessário examinar a linguagem, mas esta já não é considerada como totalmente equivalente ao pensamento. No entanto,em 1813 Schleiermacher ainda afirma: «Essencial e intrinsecamente,o pensamento e a sua expressão são exactamente o mesmo.» (1S)E o facto de Schleiermacher até 1829 não se referir à sua hermenêutica como uma metodologia (Kunstlehre)   evidencia a relutância

que tinha em abandonar a concepção fundamental da identidadedo pensamento e da expressão.Contudo abandonou esta concepção, e assim o processo mental

reconstruído pela hermenêutica, não mais foi concebido como sendointrinsecamente lingüístico mas sim como uma espécie de funçãointerna e ardilosa da individualidade, separada da individualidadeda linguagem. Neste ponto reforçou-se a visão contemporânea, defendida por Kimmerle e Gadamer, de que Schleiermacher se desen-caminhara e desistira da possibilidade mais fértil de uma herme

nêutica verdadeiramente centrada na linguagem, caindo numa mámetafísica (’*). É claro que Schleiermacher foi empurrado paraestas conclusões não só pela sua própria metafísica idealista (,s)mas também pela hipótese de que a finalidade da hermenêuticaera a reconstrução do processo mental do autor. Esta hipóteseé no entanto discutível, pois um texto é percebido não por umarelação com qualquer vago processo mental interno, mas pelarelação com o assunto, com o tema, a que o texto se refere.

O5) Ibid., 21,(") Ver Schleiermachers Entwurf einer universalen Hermeneutik   WM

172-85, esp. 179-83. Ver também a comunicação intitulada «O problema daLinguagem na Hermenêutica de Schleiermacher» que Gadamer fez na Conferência sobre Schleiermacher, comemorando o segundo centenário do sounascimento, em 29 de Fevereiro de 1968, na Vanderbilt Divinity School.

(*5) Ver WM 179 relativamente aos conceitos de individualidade e génio,relativamente à hermenêutica de Schleiermacher.

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entanto este efeito (do nosso actual ponto de vista) que deu umanova orientação à hermenêutica, fazendo com que ela se tornasseciência.

Como veremos, Dilthey continuou esta orientação com a buscaque empreendeu de um conhecimento «objectivamente válido» ecom a sua hipótese de que a tarefa da hermenêutica é descobrir asleis e os princípios da compreensão. Estas hipóteses podiam sercriticadas como uma falha da compreensão histórica, dado quedefendem ser possível ocupar um lugar acima ou fora da história,a partir do qual é possível divizar «leis» intemporais. Mas a orientação para uma hermenêutica que toma como seu ponto de partidao problema do conhecimento foi um contributo fértil para a teoriainterpre ativa. Só depois de muitos anos se avançou com a hipótesede que as constantes na compreensão, que Schleiermacher considerava em termos científicos, poderiam ver-se melhor em termoshistóricos, isto é, em termos da estrutura intrinsecamente históricada compreensão. Mais especificamente apreendeu-se a importânciade uma pré-compreensão em toda a compreensão. Schleiermacher,e mesmo teóricos da hermenêutica que lhe são anteriores, apontaram para esta última concepção ao enunciar o princípio docírculo hermenêutico dentro do qual toda a compreensão ocorre.

Assim Schleiermacher ultrapassou decisivamente a visão dahermenêutica como um conjunto de métodos acumulados por tentativas e erros e defendeu a legitimidade de uma arte geral dacompreensão anterior a qualquer arte especial de interpretação.Isto levanta a questão de qual deverá ser a relação adequada dainterpretação literária actual com teorias gerais da compreensão,implícitas ou explícitas. Talvez possa defender-se que hoje devemosinterpretar sem tentar saber o que é a interpretação, mas istoapenas defende o direito que temos de fazer algo sem realmente

saber o que estamos a fazer. Podemos imaginar esta atitude por parte dos artíf ices que Sócrates interpelava quando andava porAtenas perguntando-lhes se sabiam o que estavam a fazer. Umaignorância tão obstinada tem os atractivos mas não consegue levara interpretação literária americana a ultrapassar a pirotecnia da Nova Crítica ou as contradições da actual «crítica do mito».. O queagora precisamos é de um novo princípio que pondere o que é ounão é pertinente para a interpretação, e para isso é preciso determinar de um modo mais adequado o que é e o que faz a interpre

tação. A interpretação literária actual deve cuidar mais da suarelação com a natureza geral de toda a compreensão lingüística.Exemplificando: é demasiado fácil abandonar, como sendo

 psicologizante, a preocupação com o que acontece quando alguémcompreende uma expressão lingüística. Psicologizar, propriamentedefinido, refere-se ao esforço de ir para além da expressão lingüística, procurando as intenções e os processos mentais do seu

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autor. Certamente que Schleiermacher teve culpa disto, mas não podemos considerar como não válido o seu contributo, devidounicamente a este aspecto. É um facto que temos que acordar queas especulações não fundamentadas sobre os processos mentais do

autor de uma expressão lingüística, são ilegítimos; mas penso queSchleiermacher tem razão ao considerar o problema interpretativocomo inseparável da arte da compreensão, naquele que ouve. Sóesta argumentação ajudaria a ultrapassar a ilusão de que o textotem um significado independente e real, separável do evento queé compreendê-lo. Uma visão tão ingênua pressupõe a transparênciaessencial e a não historicidade da compreensão; supõe que temosum acesso privilegiado ao sentido do texto, fora do tempo e dahistória. Contudo, são precisamente estas suposições que estão em

causa.Um outro elemento significativo da hermenêutica de Schleiermacher é o conceito de compreensão «independentemente da suarelação com a vida». Isto será o ponto de partida para o pensamento hermenêutico de Dilthey e de Heidegger. Porque Diltheytomou como seu objectivo compreender «a partir da própria vida»e Heidegger defendeu o mesmo objectivo e procurou alcançá-lo deum modo diferente e mais radicalmente histórico. Um pensamentocomplexo não interessa como indicativo processo mental do seu

autor mas como algo em si mesmo, como uma experiência que écompreendida em relação com o nosso próprio horizonte de experiência. Não precisamos cair numa atitude psicologizante paradefender que a compreensão não pode ser concebida independentemente das relações significativas que tem com a nossa experiência anterior.

Contudo, há outras conseqüências da hermenêutica de Schleiermacher que dão azo a preocupações. Por exemplo, considerar acompreensão como um ponto de partida pode levar erradamente

a misturar poesia e prosa ou a aceitar teorias sobre a psicologiafundamental ou sobre a natureza humana fundamental altamentediscutíveis. A tendência existente para ignorar o problema que éa tradução numa língua estrangeira e a penetração numa épocaremota não pode ser encarada com ligeireza; no entanto, a focalização de Schleiermacher na arte da compreensão tende a considerar estes aspectos como se fossem menos problemáticos do quea própria compreensão. Gadamer chama a atenção para estes e para outros problemas da hermenêutica de Schleiermacher, concluindo com uma afirmação contundente: «O problema paraSchleiermacher não era o da obscuridade na história mas o daobscuridade no T u (thou) (“ ). Um a concentração deste tipo nas

('•) WM 179.

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condições psicológicas do diálogo, pode conduzir ao desprezo peloelemento histórico da interpretação e mesmo à ignorância do papelcentral que a linguagem tem na hermenêutica. A concentrnçno nodiálogo juntamente com a visão errônea de que o processo de

compreensão é um processo de «imitação» ou de «reconstrução»levou Schleiermacher às concepções erradas da última fase da suahermenêutica.

Contudo, Schleiermacher é justamente considerado como o paida moderna hermenêutica enquanto disciplina geral. Joachim Wacl)nota que, no último troço do século xix os técnicos da hermenêutica das mais variadas disciplinas e orientações foram devedores do pensamento hermenêutico de Schleiermacher, de talmodo que as teorias hermenêuticas mais importantes na Alemanha

do século xix, trazem a sua marca. Entre eles apenas abordaremoso contributo maximamente significativo de Wilhelm Dilthey.

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DILTHEY: A HERMENÊUTICA COMO FUNDAMENTO

DAS GEISTESWISSENSCHAFTEN 

Depois da morte de Schleiermacher em .1834 o projecto dcdesenvolver uma hermenêutica geral esmoreceu. É certo que o problema herm enêutico nos seus vários aspectos ocupou a atençãode grandes nomes em diferentes campos, como por exemplo KarlWilhelm von Humboldt, Heymann Steinthal, August Bockh, Leo-

 pold von Ranke, S. G. Droysen e Friedrich Karl von Savigny. Mas

a consideração do problema tendeu a circunscrever-se aos limites deuma disciplina particular e a transformar-se em interpretação histórica, filológica ou judicial, mais do que em hermenêutica geralcomo arte de compreensão. Contudo, perto dos finais do século,o talentoso filósofo e historiador literário, Wilhelm Dilthey (1833--1911) começou a ver na hermenêutica o fundamento para asGeisteswissenschaften   — quer dizer todas as humanidades e as ciências sociais, todas as disciplinas que interpretam as expressões davida interior do homem, quer essas expressões sejam gestos, actoshistóricos, leis codificadas, obras de arte ou de literatura.

Dilthey tinha como objectivo apresentar métodos para alcançaruma interpretação «objectivamente válida» das «expressões da vidainterior». Ao mesmo tempo reagiu drasticamente à tendência queos estudos humanísticos revelavam tomando as normas e os modosde pensar das ciências naturais e aplicando-as ao estudo do homem. Nem mesmo a tradição idealista era uma alternativa viável, poissob a influência de Augusto Comte e dos seus estudos com Ranke,

Dilthey determinou que a experiência concreta e não a especulaçãotem que ser o único ponto de partida admissível para uma teoriadas Geisteswissenschaften.  Dilthey percebeu verdadeiramente a inconsistência epistemológica da pretensão à «objectividade» da «escolahistórica» alemã, encarando-a como uma mistura acrítica das pers pectivas idealista e realista. A experiência concreta, histórica cviva tem que ser o ponto de partida e o ponto de chegada ditsGeisteswissenschaften.   É a partir da própria vida que temos que

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desenvolver o nosso pensamento e é para ela que orientamos asnossas questões. Não tentemos encontrar ideias por detrás da vida.«O nosso pensam ento não pode ir para além da própria vida.» (')

Há um toque romântico nesta ênfase de regresso à própriavida, e não nos surpreende que Dilthey tenha publicado estudos

sobre o movimento alemão Sturm und Drang,  sobre Novalis, Goethee Schleiermacher. Mergulha de tal modo na herança românticaque lhe eram demasiado óbvias as falhas do positivismo c do realismo, nas suas diferentes formas, negando todas elas a plenitude,imediatez e variedade da própria experiência viva. Sentimos emDilthey alguns dos conflitos fundamentais do pensamento do sé-século xix: o desejo romântico de imediatez e de totalidademesmo quando o objectivo é procurar dados que sejam «objectivamente válidos». A sua mente inquieta lutou contra o historicismo,

contra o psicologismo e parcialmente ultrapassou-os, pois surge noseu pensamento uma compreensão da história muito mais fundado que a da escola histórica alemã; ao voltar-se para a hermenêutica, a partir do ano de 1890, ultrapassou decisivamente a tendência

 psicologizante que tinha adoptado a partir de um estudo sobre ahermenêutica de Schleiermacher. Como nota H. A. Hodges no seulivro sobre Dilthey, há duas importantes tradições filosóficas atéentão nitidamente separadas e que convergem em Dilthey: o realismo empírico e o positivismo anglo-franceses, e a filosofia da vida

e o idealismo alemães (J). A tentativa efectuada por Dilthey deforjar um fundamento epistemológico para as Geisteswissenschaften tornou-se o ponto de encontro de duas perspectivas essencialmenteconflituosos de uma abordagem correcta do homem.

Para compreendermos a hermenêutica de Dilthey, temos primeiro que clarificar o contexto dos problemas e dos objectivos noqual lutava, tentando dar uma base metodológica às suas Geiteswissenschaften.  Isto envolve a compreensão do projecto 1) do conceito de história em Dilthey e 2) da orientação filosófica dada

à vida.

A tentativa de encontrar uma base metodológica para as «Geisteswissenschaften»

O projecto de formular uma metodologia adequada às ciênciasque se centram na compreensão das expressões humanas — sociaisc artísticas — é primeiramente encarado por Dilthey no contexto deuma necessidade de abandonar a perspectiva reducionista e meca-

(') GS V. 5; VIII, 184.(■) PliWD, cap. 2.

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nicista das ciências naturais, e de encontrar uma abordagem adequada à plenitude dos fenômenos. Por esse motivo, uniu ohru recente sobre a teoria literária de Dilthey designou-a dc «ubordugcmfenomenológica» (3). Assim, a tarefa de encontrar base, para umu

metodologia desse tipo foi vista como 1) um problema epislemoló-gico, 2) uma questão de aprofundamento da nossa concepção daconsciência histórica, e 3) uma necessidade de compreender expressões a partir «da própria vida». Quando estes factores forem com preendidos, será nítida a distinção entre a abordagem feita pelas«ciências humanas» (Geisteswissenschaften)  e a das ciências naturais,

Para Dilthey, qualquer espécie de base metafísica para descrevero que se passa quando compreendemos um fenômeno humano é logode início recusada, pois dificilmente levaria a resultados considerados universalmente válidos. O problema está antes na especificaçãode qual o tipo de conhecimento e de qual o tipo de compreensãoque particularmente adequados para interpretar os fenômenos humanos. Pergunta ele: Qual é a natureza do acto de compreensão queconstitui a base de todos os estudos sobre o homem? Resumindo,ele não coloca o problema em termos metafísicos mas sim em termos epistemológicos.

 Num certo sentido, Dilthey continua o idealismo crítico de Kant

mesmo não tendo sido um neo-kantiano mas sim um «filósofo davida». Kant escrevera a «Crítica da Razão Pura» colocando os fundamentos epistemológicos das ciências. Dilthey atribuiu-se conscienciosamente a tarefa de escrever uma «crítica da razão histórica»que colocasse os fundamentos epistemológicos dos «estudos huma-nísticos». Não pôs em causa a adequabilidade das categorias kan-tianas para as ciências humanas, mas viu no espaço, no tempo, nonúmero etc., poucas possibilidades para a compreensão da vidainterior do homem; nem mesmo a categoria da «sensibilidade» lhe

 parecia fazer justiça ao carácter in terior e histórico da subjectividadehumana. Dilthey afirmava: «Isto é uma temática de (ulterior) desenvolvimento de toda a atitude crítica kantiana; mas colocando acategoria da auto-interpretação (Selbstbesinnung)  em vez de umateoria do conhecimento, uma crítica do histórico em vez de umacrítica da razão «pura». O

«Chegamos ao conhecimento de nós próprios não através daintrospecção mas sim através da história.» (’) O problema da com

 preensão do homem era para Dilthey um problema de recuperaçãode consciência da «historicidade» (Geschichtlichkeit) da nossa própriaexistência que se perdeu nas categorias estáticas da ciência. Temos

(5) Kurt Müller-Vollmcr, Towards a Phenomenolofical Theory of Lite-rature: A Study of Wilhelm Dilthey's Poetik.

(<) GS V, XXI.(5) Ibid., VII, 279.

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e abstractas da civilização tecnológica. As forças da Mente (Cicist, no sentido em que Scheler utiliza o termo) ou do Scr (Sein,  nosentido em que Fichte o utiliza) substituíram o que cru rigido cmoribundo; as forças da vida (Leben)  constituíam as fontes ilinft

micas e inexauríveis de todas as formas de criatividade e de sentido.Em Dilthey esta antítese exprimia-se como crítica i»s formas dc pensamento naturalísticas, orientadas pela causalidade quando seaplicavam à tarefa de compreender a vida interior de um homeme a sua experiência. Dilthey defendia que a dinâmica da vida intrrior de um homem era um conjunto complexo de cogniçào, sentimento e vontade, e que estes factores não podiam sujeitar-se àsnormas da causalidade e à rigidez de um pensamento mecanicistae quantitativo. Invocar as categorias do pensamento da «Crítica du

Razão Pura» para a tarefa de compreender o homem, impõe umconjunto de categorias abstractas exteriores à vida, de modo algumderivadas da vida. Essas categorias são estáticas, intemporais, abstracta s— são o oposto da própria vida.

O objectivo das ciências humanas não deveria ser a compreensão da vida em termos de categorias exteriores à vida, mas a partirde categorias intrínsecas, derivadas dela. A vida devia ser compreendida a partir da experiência da própria vida. Dilthey notou desdenhosamente que «nas veias do sujeito cognoscente construído por

Locke, Hum e e Kant não corre verdadeiro sangue» (*). Há umatendência nítida em Locke, Hume e Kant para restringir o «saber»à faculdade cognitiva, separando-o do sentimento e da vontade.Mais, a cogniçào é muitas vezes tratada como sendo separável docontexto essencialmente histórico da vida interior do homem; contudo, a verdade é que percepcionamos, pensamos e compreendemosem termos de passado, presente e futuro, em termos de sentimentos,de exigências morais e de imperativos. Há uma necessidade óbviade regresso às unidades significativas presente na experiência vivida.

Regessar à «vida», para Dilthey, não significa regressar a umaqualquer base mística ou a uma qualquer fonte da vida, humanaou não humana, a alguma espécie de energia psíquica básica. A vidaé antes encarada em termos de «sentido»; a vida é «a experiênciahumana conhecida a partir de dentro» ('*). Sentimos o sentimentometafísico de Dilthey na sua recusa em tratar o mundo fenomé-nico com uma mera aparência: «O pensamento não pode ir paraalém da vida.» (” ) As categorias da vida não se enraízam numarealidade transcendente mas na realidade da experiência vivida.

Hegel exprimira a sua intenção de compreender a vida a partir da

(•) GS V, 4; também L 121.Ò*) L 12; ver GS VIII, 121: «Leben eiíasst hier Leben».O1) GS VIII, 184.

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 própria vida; Dilthey coloca esta intenção num contexto an timeta-físico— talvez não o tenha feito num contexto realista nem idealista, mas sim num contexto fenomenológico. Dilthey segue Hegeldefendendo que a vida é uma realidade «histórica»; contudo, a his

tória para Dilthey não é nem uma meta absoluta nem uma manifestação do espírito absoluto mas sim uma expressão da vida. A vidaé relativa e expressa-se de muitas maneiras; na experiência humananão é nunca absoluta.

Ciências humanas «versus» ciências naturais

Em termos de método para um estudo do homem, que significado tem o que acabámos de expor? Dilthey sustentou que «osestudos humanísticos» ou «ciências humanas» (Geisteswissenschaften)  tinham que forjar novos modelos de interpretação dos fenômenoshumanos. Estes tinham que derivar das características da própriaexperiência vivida; tinham que basear-se nas categorias de «sentido»e não nas categorias de «poder», nas categorias da história e nãonas das matemáticas. Dilthey viu a distinção essencial, que existeentre os estudos humanísticos e as ciências naturais (12).

Os estudos humanos não lidam com factos e fenômenos quesilenciam o homem mas com factos e fenômenos que apenas sãosignificativos pela luz que trazem aos processos internos do homem,à sua «experiência interna». A metodologia apropriada aos objectosnaturais não é adequada à compreensão dos fenômenos humanos,excepto no estatuto que estes têm enquanto objectos naturais. Contudo, os estudos humanísticos dão validade a algo que não é válidonas ciências humanas — a possibilidade de compreender a experiência interna de alguém através do processo misterioso de uma transferência mental. Diz Dilthey: «Exactamente porque pode ocorreruma transposição real (quando um homem compreende outro

homem), porque a afinidade e a universalidade do pensamento ... podem representar e fo rm ar um mundo socio-histórico,  os factosinternos e os processos humanos podem distinguir-se dos dosanimais (” ). Devido a esta «transposição real» que pode dar-se nosobjectos que incorporam a experiência interna, o homem podealcançar um grau e uma profundidade de compreensão, impossíveisrelativamente a qualquer outro tipo de objectos. É óbvio que umatransposição deste tipo apenas ocorre porque há uma semelhançaentre os factos da nossa experiência mental e os que se passam

(w) Ver Carl Michalson, The Rationality of Faith  para uma exploraçãocuidadosa das espécies contrastantes de compreensão adequadas a essas duasáreas. Ver também GS V, 242-8; VII, passim.

0») GS V, 250.

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com outra pessoa. Este fenômeno traz consigo a possibilidade deencontrar noutra pessoa os abismos mais fundos da nossa própriaexperiência; desse encontro pode advir a descoberto de um mundoíntimo mais pleno (“).

Dilthey, seguindo Schleiermacher, vê esta transposição comouma reconstrução e uma experiência renovada do mundo experien-cial íntimo de outra pessoa. Contudo, o interesse não está na outra pessoa, mas no próprio mundo, um mundo visto como um mundo«socio-histórico»; é o mundo dos imperativos morais internos, umacomunidade partilhada de sentimentos e reacções, uma experiênciacomum de beleza. Estamos aptos a penetrar neste mundo internodos homens, não por meio da introspecção mas da interpretação,

da compreensão das expressões da vida; isto é, através da dccifruçãodas marcas que o homem imprime aos fenômenos.Portanto, a diferença entre os estudos humanísticos e as ciências

naturais, não está necessariamente nem num tipo de objecto diferente que os estudos humanísticos possam ter, nem num tipodiferente de percepção; a diferença essencial está no contexto dentrodo qual o objecto percepcionado é compreendido (”). Os estudoshumanísticos farão por vezes uso dos mesmos objectos ou «factos»das ciências da natureza, mas num contexto de relações diferentes,

num contexto que inclui ou que refere uma experiência interna.A ausência de referência à experiência humana é característica dasciências naturais; a presença de uma referência à vida interior dohomem está inevitavelmente presente nos estudos humanísticos.Diz-nos Dilthey: «Do mesmo modo, a diferença entre as ciênciasnaturais e as humanas não está fundamentalmente determinada relativamente a um modo especial de conhecer mas difere nos conteúdos.» O O mesmo objecto e o mesmo facto podem conter dife

rentes sis?emas de relação; os estudos humanísticos deviam tomar o objecto ou facto e usá-lo em «categorias» novas, não científicas,derivadas da própria vida. Por exemplo, um objecto poderia serexplicado em termos de categorias puramente causais (i. e. dc ummodo científico) ou em relação com aquilo que ele rios diz sobrea vida interior do homem, ou, mais objectivamente, sobre o mundosocio-histórico do homem que é simultaneamente produto c manifestação da experiência interna do homem. As ciências naturaisnão podem usar factos espirituais (geistige Tatsachen)  sem que dei

xem de ser ciências naturais; os estudos humanísticos podem usarfactos físicos, mas o mundo externo apenas é considerado numarelação com o sentimento e com a vontade humana, e os factos

(14) Ibidem.(ls) Ibid., 248.(") Ibid., 253.

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apenas são significativos na medida em que afectam o comportamento e ajudam (ou impedem) fins humanos.

Dilthey acreditava que «compreensão» era a palavra chave paraos estudos humanísticos. A explicação é para as ciências. A abor

dagem dos fenômenos que unifica o interno e o externo é a com preensão. As ciências explicam a natureza, os estudos humanísticoscompreendem as manifestações da vida (I7). A compreensão consegue captar as entidades individuais, mas a ciência tem sempre queencarar o individual como um meio de chegar ao geral, ao tipo.Especialmente nas artes, valorizamos o particular pelo seu própriomérito e demoramo-nos amorosamente na compreensão dos fenômenos] na sua individualidade. Este interesse absorvente pela vida

interior individual contrasta totalmente com a atitude e com o procedimento das ciências naturais. Dilthey sustenta que os estudoshumanísticos devem tentar formular uma metodologia da com preensão que transcenda a objectividade reducionista das ciênciase que regresse à plenitude da «vida», da experiência humana.

Isto dá-nos uma concepção geral da visão de Dilthey sobre osestudos humanísticos. Será defensável esta descrição da separaçãoentre a ciência humana e as naturais? Mesmo alguns dos maisfirmes defensores de Dilthey tiveram que responder negativamente.

Georg Misch, o seu executor literário, cedo reconheceu que umareconciliação produtiva das duas abordagens era possível e desejável.Também Bollnow observou justamente que por muito úteis queessas distinções pudessem ser na autocompreensão teórica dos doisgrandes ramos do conhecimento, teríamos que admitir que a «com preensão» não se limita aos estudos humanísticos nem os processosexplicativos se limitam às ciências naturais. Antes trabalham con juntamente, em graus variáveis, em todos os verdadeiros actos de

conhecimento. Ironicamente podemos hoje constatar em que medidaas concepções científicas e mesmo o historicismo de que Diltheycombateu, se insinuam realmente na sua concepção dos estudoshumanísticos, pois a sua procura de um «conhecimento objectivamente válido» é ela própria expressão do ideal científico de dadosnítidos e claros. Este facto orientou imperceptivelmente o pensamento de Dilthey para as metáforas e imagens intemporais e espa-cializadas de uma vida mental compatível com o pensamento científico. Por outro lado, a herança de Schleiermacher levou-o a uma

concepção da compreensão como reconstrução e a uma tendência psicologizante, da qual apenas se libertou quando fundamentou asua teoria na hermenêutica e não num novo tipo de psicologia.

Contudo, o projecto de compreender a vida em termos da pró pria vida, o desejo de aprofundar o aspecto histórico do conheci

(,T) «Die Natur erkláhren wir, das Seelenieben verstehen wir» (ibid., 144).

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mento, a crítica aguda a um cientismo que se insinua nos estudoshumanísticos — tudo isto desempenhou um papel de relevo emhermenêutica, a partir de Dilthey. Vemos que com ele sc abriram

alguns dos problemas e das finalidades fundamentais da hermenêutica. Heidegger construiu sobre esses objectivos e recuou nitidamente até Dilthey, num esforço para ultrapassar as tendências científicas do seu mestre, Edmund Husserl ('*).

A fórmula hermenêutica de Dilthey: experiência, expressão e compreensão

«Uma ciência só pertence aos'estudos humanísticos», diz Dilthey,«se o seu objecto se nos tomar acessível através de um processo

 baseado na relação sistemática en tre vida, expressão e compreensão.» (19) Esta fórmula de «experiência, expressão c compreensão»está longe de ser explícita pois cada termo tem um sentido dislinlonos termos da filosofia da vida de Dilthey. Vamos então explorarseparadamente cada um dos termos.

1 — Experiência

Em alemão há duas palavras para «experiência»: Erfahrimn  ca mais técnica e recente Erlebnis.  A primeira refere-se ã experiência em geral, como quando nos referimos à nossa «experiência» devida. Dilthey usa o termo Erlebnis,  mais específico c limitado, for

 jado a partir do verbo erleben  (experimentar, especialmente cmcircunstâncias individuais). O verbo erleben  é um termo bastanterecente, formado pela adição do prefixo er   (geralmente usado como

um prefixo enfático, que aprofunda o sentido da palavra principal).Assim o verbo «experimentar» é em alemão aparentado com overbo «viver», uma forma enfática que sugere a imediatez da pró

 pria vida quando nos defrontam os com ela. Erlebnis  enquanto substantivo singular era praticamente inexistente cm alemão antes deDilthey o usar num sentido altamente específico, embora a forma plural, Erlebnisse  apareça em Goethe, a quem sem dúvida algumaDilthey o foi buscar.

Uma Erlebnis  ou ^experiência vivida» é definida por Diltheycomo uma unidade sustentada por um significado comum:

Aquilo que na cadeia do tempo forma uma unidade no presente porque tem um significado unitário, é a mais pequena entidade a que podemos chamar experiência.

0 ') Ver SZ § 77.(>») GS VII, 86; citado em PhWD 249.

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Indo mais longe, podemos considerar «experiência» cadaunidade determinada das partes da vida ligadas por umsentido comum — mesmo quando as várias partes se separam umas das outras por eventos que as interrompem (í0).

Por outras palavras, a experiência significativa de uma pintura, por exemplo, pode te r envolvido muitos encontros separados pelotempo e no entanto ser considerada uma «experiência» (Erlebnis). Uma experiência de amor romântico não se baseia num só encontromas reúne eventos de vários tipos, tempos e lugares; no entanto, aunidade de sentido que têm enquanto «experiência» eleva-as dacorrente da vida e junta-as numa unidade de sentido, i. e., numaexperiência.

Quais as características desta unidade de sentido? Dilthey analisa a questão com bastante pormenor e, para compreendermos asua hermenêutica, é essencial compreendermos a que é que elechama «experiência». Em primeiro lugar, a experiência não deveser construída como o «conteúdo» de um acto reflexivo da consciência, pois então teria que ser algo de que tivessemos consciência;ora ela é antes o próprio acto; é algo no qual e pelo qual vivemos,é a própria atitude que temos para com a vida e na qual vivemos.Resumindo, é a experiência enquanto tal, tal como é dada de ummodo pré-reflexivo na significação. Subsequentemente a experiência pode tornar-se objecto de reflexão, mas então deixa de ser experiência imediata, torna-se objecto de um outro encontro. Assim aexperiência mais do que discussão é urr acto de consciência; nãotem que ser construída como algo que a consciência apreende econtra o qual se coloca (J1).

Isto significa que a experiência não tem nem consegue ter consciência de si mesma, pois fazê-lo seria um acto reflectidamente

consciente. Também não é um dado da consciência, pois a sê-loteria que se defrontar contra o sujeito como um objecto que lhetivesse sido dado. Assim a experiência existe antes da separaçãosujeito-objecto, separação que é ela própria um modelo usado pelo pensamento reflexivo. De facto, experienciar não se distingue do próprio percepcionar ou do apreender (innewerden).  A Erlebnis representa aquele contacto directo com a vida a que podemos chamar «a experiência imediatamente vivida».

A análise descritiva deste campo de difícil compreensão, ante

rior ao pensamento reflexivo, é essencial tanto para os estudoshumanísticos como para as ciências naturais, mas é particularmenteimportante para o primeiro, pois as próprias categorias da com

(*>) GS VII, 194.C") Ibid., 139; PhWD 38-40.

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 preensão humanística e hermenêutica dela derivam. JÊ justam enteeste campo da consciência pré-reflexiva que é demarcado pela fenomenologia de Husserle de Heidegger. À medida que Dilthey procuradesenvolver o seu projecto metodológico numa relação íntima com

a sua filosofia da vida, à medida que faz uma separação nítida entreo mero «pensar» e a «vida» (ou a experiência) vai colocando fundamentos para a fenomenologia do século xx.

Assim, por exemplo, Dilthey defende que:«O modo como a ‘experiência vivida’ se me apresenta (à letra:

«está ali para mim») é completamente diferente do modo como asimagens se colocam face a mim. A consciência da experiência e asua constituição são a mesma coisa: não há separação entre o que

está-ali-para-mim e o que eu experimento  enquanto estando ali--para-mim. Por outras palavras, a experiência não se coloca comoum objecto em face daquele que a experimenta, mas antes a sua

 própria existência para mim é indiferenciada da ‘qualidade’ quenela para mim está presente» (22).

Contudo seria um erro grave pensar a experiência como seapontasse para qualquer espécie de realidade meramente subjectiva, porque a experiência é precisamente experiência daquilo que eslá--para-mim antes de se tornar objectiva (e consequentemente umaseparação do subjectivo). É a partir desta unidade primitiva queDilthey tenta forjar categorias que contenham e não que separemos elementos do sentimento, saber e vontade que surgem conjuntamente na experiência — categorias como por exemplo, «valor»,«significado» «textura» e «relação». Dilthey encontra dificuldadesna formulação destas categorias, contudo, a própria tarefa dc asformular é da maior importância. A sua selecção teve como metaadquirir um conhecimento objectivamente válido, e é esta meta

que lhe levanta objecções que ele próprio não solicitara. Ao mesmotempo, temos que admirar a impaciência com que exigiu categorias que exprimissem «a liberdade da vida e da história» (”). A fertilidade das suas intuições está na visão da experiência que colocaum campo anterior ao sujeito e ao objecto, um campo cm que omundo e a experiência que dele temos são conjuntamente dados.Viu com toda a nitidez a pobreza do modelo do encontro humanocom o mundo em termos de sujeito-objecto, viu como é superficial

separar os sentimentos dos objectos, as sensações do acto total dacompreensão. «Vivemos e movemo-nos», diz ele depreciativamente,«não numa esfera de sensações mas sim de objectos que se nosapresentam, não numa esfera de sentimentos mas sim de valor, desentido, e assim por diante.» (**) Como é absurdo, diz-nos, separar 

C2) GS VII, 139.(“ ) Ibid., 203.

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as nossas sensações e sentimentos do contexto total de relações quesurgem conjuntamente na unidade da experiência.

Outro aspecto que deu frutos em Dilthey foi a ênfase concedida

à temporalidade do «contexto de relações» dadas na «experiência».A experiência não é algo de estático; pelo contrário, na sua unidade de sentido, tende a alcançar e a abranger tanto a recolecçãodo passado como a antecipação do futuro no contexto total de«significado». O significado não pode ser imaginado a não ser emtermos daquilo que esperamos que será o futuro, nem pode libertar-se da dependência de materiais cedidos pelo passado. O passadoe o futuro constituem portanto uma unidade formal com o carácter presente de toda a experiência, e este contexto temporal é o horizonte inevitável dentro do qual qualquer percepção presente é inter pretada.

Dilthey vai longe provando que a temporalidade da experiêncianão é algo imposto reflexivamente pela consciência (a posição queos kantianos tomariam, a mente como agente activo que impõeuma unidade à percepção), é antes o que já está implícito na pró pria experiência, aquilo que nos é dado. A este respeito, podemosconsiderar Dilthey como realista, mais do que idealista: a temporalidade da experiência é, como Heidegger diria, «equiprimordial»à própria experiência. Nunca é nada que se acrescente à experiência. Suponhamos que alguém tenta captar conscientemente odecurso ou a progressão de uma vida (das Lebenstauf)  por meiode um acto reflexivo. A unidade deste exercício particular é instrutiva pois é quase como que um espelho do modo como essaunidade é actualmente dada conscientemente, a um nível pré-refle-xivo. Dilthey descreve o seu próprio esforço ao agir desse modo:«O que acontece quando a ‘experiência’ (das Erlebnis)  se tornaobjecto da minha reflexão? Estou acordado de noite (por exemplo)e preocupo-me com a possibilidade de, na minha velhice, podercompletar o trabalho que comecei; penso e repenso no que hei-defazer. Há nesta ‘experiência’ um conjunto estruturado de relações:a base da situação é constituída pela captação objectiva que delafaço, e sobre essa base constrói-se uma instância (Stellungsnahme), de preocupação ‘para com’ e de ‘dor sobre’ o facto captado objec-tivamente, juntamente com uma tentativa de ultrapassar   o facto.E tudo isto está ali — para — mim, nisso reside o seu (do facto)contexto estrutural. É claro que agora trouxe a situação para umaconsciência discriminativa e dei relevo à relação estru tura l — ‘iso-

leia-a’. Mas tudo aquilo a que aqui dei relevo está realmente contidona própria experiência e apenas foi esclarecido por este acto dereflexão.» (” )

(” ) GS VII, 139-40; parafraseando e não traduzido literalmente.

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O «sentido» de «um facto captado objectivamenle» 6 dadocom o próprio facto, e o sentido é intrinsecamentc temporal, definido em termos do contexto da vida de cada um. Dilthey continua

a passagem acima transcrita, defendendo que tal facto tem um «igni-ficado essencial para todo o estudo da realidade humana: «As partes constitutivas que formam a visão da progressão da nossa vida(Anschauung des Lebens verlaufes)  estão todas contidas no  prAprUt  viver.» Ç*)  Podendo designar este facto como sendo a temporalidadeinterna da historicidade que não se impõe à vida mas que lhe 6intrínseca. Dilthey defende um facto da maior importância para ahermenêutica:  A experiência é intrinsecamente temporal  (quer dizer,histórica,  no sentido mais fundo da palavra), e portanto a com preensão da experiência tem também que ser dada em categorias de pensamento proporcionalmente temporais  (históricas).

Dilthey, ao insistir na temporalidade da experiência tem poisdefendido a fundamentação de todos os esforços subsequentes queafirmam a «historicidade» da existência humana no mundo. Historicidade não quer dizer concentração no passado, nem tem a vercom qualquer espécie de mentalidade tradicional que nos subordinea ideias mortas; historicidade (Geschichlichkeit)  é essencialmente a

afirmação da temporalidade da experiência humana tal como adescrevemos. Significa que compreendemos o presente apenas nohorizonte do passado e do futuro; isto não é uma questão deesforço consciente, construindo-se sobre a estrutura da própria experiência. Mas tornar explícita esta historicidade tem na verdadeconseqüências hermenêuticas, pois a não historicidade da interpretação já não pode ser assumida; não mais ficamos satisfeitos comuma análise que se apoie firmemente sobre categorias científicasfundamentalmente alheias à historicidade da experiência humana.

Tornou-se por demais evidente que a experiência não pode ser com preendida em categorias científicas. A tare fa é nítida: fabricar ascategorias «históricas» adequadas às características da experiênciavivida.

2 — Expressão

O segundo termo da fórmula experiência — expressão — com preensão — A usdruck  — pode ser traduzido por «expressão». O usodeste termo não deve associar automaticamente Dilthey às teoriasda expressão na arte, pois tais teorias são estruturadas em termosde sujeito-objecto. Por exemplo, ligamos quase automaticamente otermo «expressão» a «sentimento»; «exprimimos» os nossos sentimentos e uma teoria da expressão em arte encara geralmente a

(*) Ibid-, 140.

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obra como uma representação simbólica de sentimentos. Words-worth, um representante da teoria da expressão na criação poética,vê o poema como um transbordar espontâneo de sentimentos poderosos.

Quando Dilthey usa  Ausdruck   não se refere essencialmente aesse transbordar ou a esse sentir, mas a algo muito mais englobante.Para Dilthey, uma expressão não é essencialmente a encarnação dossentimentos de uma pessoa, mas antes uma «expressão de vida»; umaexpressão pode referir-se a uma ideia, a uma lei, a uma formasocial, à linguagem — qualquer coisa que espelhe a marca da vidainterior do homem. Não é essencialmente o símbolo de um sentimento.

Talvez que  Ausdruck   se pudesse traduzir, não por «expressão»mas sim por «objectificação» da mente — conhecimento, sentimentoe vontade — do homem. O significado hermenêutico da objectificação é que, devido a ela, a compreensão pode centrar-se numaexpressão fixa e «objectiva» da experiência vivida em vez de lutar pela sua captação através da introspecção. Dilthey reconhece que aintrospecção nunca poderia servir de base para os estudos humanos pois a reflexão directa sobre a experiência produz quer 1) uma intui

ção que não pode ser comunicada, quer 2) uma conceptualizaçãoque é ela própria expressão de uma vida interior. A introspecçãoé pois um modo pouco seguro quer de nos conhecermos a nós pró prios, quer de conhecermos o homem pelos estudos humanísticos.Os estudos humanísticos têm que necessariamente centrar-se em«expressões de vida»; esses estudos, centrados numa objectificaçãoda vida, são intrinsecamente hermenêuticos. Em que tipo de objectos poderão centrar-se os estudos humanísticos? Dilthey é peremptó

rio quanto ao âmbito destes: «Tudo aquilo em que o espírito humanose objectificou cai na área das Geisteswissenschaften.  O limite destas é tão lato como a compreensão, e a compreensão tem o seuverdadeiro objecto na objectificação da própria vida (” )■

3 — A obra de arte como objectivação da experiência vivida

Se o limite dos estudos humanísticos é tão vasto, onde encaixar

a obra de arte, e mais especificamente, a obra de arte literária?Dilthey classificou as várias manifestações da vida ou da experiência interior humana («a vida» em Dilthey não é algo metafísico,não é uma parte profunda para além da própria experiência vivida;a experiência humana é aquilo para além do qual a reflexão nãodeveria querer ir) em três categorias fundamentais: 1) As ideias (i. e. conceitos, juízos, e formas mais amplas de pensamento), são

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«meros conteúdos de pensamento», independentes do lugar, tempoe pessoa em que surgem; por esta razão, têm uma certa precisãosendo facilmente comunicáveis 2) As acções,  são mais difíceis deinterpretar; numa acção há uma certa meta, mas só com grande

dificuldade podemos determinar os factores que agem na decisãoque levou ao acto. Uma lei, por exemplo, é um acto público oucomunitário mas aplicam-se-lhe as mesmas dificuldades; por exem

 p lo — ao pra ticar uma acção não podemos saber o que decidimoscontra essa acção. 3) Finalmente há expressões de uma experiência vivida  que vão desde as expressões espontâneas da vida interior,tal como exclamações e gestos, até às expressões convencionalmente controladas incorporadas na obra de arte.

Dilthey refere-se geralmente às primeiras duas categorias—idéias

e acções — como «manifestações de vida» (Lebensausserungen), mas reserva para a terceira o termo mais específico de «expressões de experiência vivida» (Erlebnisausdrücke).  É nesta terceiracategoria que a experiência interior humana chega à sua máximaexpressão e nela a compreensão sofre o seu maior desafio.

«Como é diferente a expressão de uma experiência vivida (daideia ou do acto)! Existe uma relação especial entre esta, comoexpressão da própria vida, e a compreensão que a provocou. A ex pressão contém mais do contexto da vida anterior (seelischen 

 Zusammenhang)  do que qualquer introspecção pode perceber, poissurge das profundidades que a consciência nunca ilumina.» (2‘)

É claro que a obra de arte, na sua flexibilidade e segurançaultrapassa de longe os meros gestos ou as exclamações pois os gestos podem ser imitados enquanto que a arte aponta para, ou exprime,a própria experiência, não sendo assim susceptível de imitação:

«Nas grandes obras de arte liberta-se (sich loslõst) uma visão(ein Geistiges)  do seu criador, o poeta, o artista, o escritor, c entramos num campo em que aquele que se exprime não nos pode enganar. Nenhuma obra de arte verdadeiramente grande tenta retrataruma realidade estranha ao conteúdo interno (geisligen Gehalt)  doseu autor. De facto, não pretende dizer-nos nada sobre o seu autor.É verdadeira em si mesma, mantendo-se fixa, visível, duradoura.» (2“)

Afasta-se o problema da simulação, presente nos gestos e emtoda a actividade ou situação humana, com o seu jogo de interessesem conflito, pois a obra de arte não aponta dc modo algum parao seu autor, mas para a própria vida. É precisamente por esta razão

que a obra de arte é aquele objecto dos estudos humanísticos emque podemos confiar, o mais duradouro e o mais fértil. Com esteestatuto fixo e objectivo torna-se possível uma compreensão segura

(” ) Ibid., 207.C") Ibid.

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c artística da expressão. «Assim, nos limites do conhecimento e daacção, surge um círculo ou campo em que a vida se revela comuma profundidade inacessível à observação, à reflexão ou à teoria.» (")

De todas as obras de arte, as da linguagem têm talvez maior poder de revelar a vida in terior do homem. Devido à presençadesses objectos fixos e imutáveis, neste caso as obras literárias,existe já um corpo de teoria sobre a interpretação dos textos: a her- menêuticd.  Dilthey sustenta que os princípios da hermenêutica

 podem desbravar caminho a uma teoria geral da compreensão, porque «acima de tudo ... a captação da estrutura da vida in terior baseia-se na interpretação de obras,  obras em que a textura davida interior se exprime plenamente» (“ ). Assim, para Dilthey, a

hermenêutica adquire um significado novo e mais lato: torna-seteoria, não só da interpretação do texto mas do modo como a vidase revela e se exprime nas obras.

Contudo, neste caso, a «expressão» não é a de uma realidadeindividual e puramente pessoal, pois então não poderia ser perce bida por outra pessoa; quando a expressão é escrita utiliza a linguagem, um meio que é comum àquele que compreende, e a com preensão ocorre em virtude de uma experiência análoga. Assimé  possível postular a existência de estruturas gerais nas quais e

 pelas quais o conhecimento objectivo ocorre. E a expressão nãoé  por conseguinte a de uma pessoa, como quando se trata de psicologia, mas sim a de uma realidade social e histórica, revelada naexperiência, a realidade social e histórica da própria experiência.

4 — A compreensão

A «compreensão» (Versteheri)  tal como as outras duas palavraschave da fórmula de Dilthey — experiência — expressão — com preensão—, é usada num sentido especial. Assim «compreensão»não se refere à compreensão de uma concepção racional, como porexemplo a de um problema matemático. O termo «compreensão»é reservado para designar a operação na qual a mente capta «amente» (Geist)  de outra pessoa. Não é de modo algum uma operação puramente cognitiva da mente, é aquele momento muito especial em que a vida compreende a vida: «Explicamos por meio de

 processos puramente intelectuais, mas compreendemos por meio daactividade combinada de todos os poderes mentais da apreensão.» (”)O aforismo mais famoso do seu pensamento, expressa-se de um modomais sucinto: «Explicamos a natureza; há que compreender o ho-

(") ibid.(51) Ibid., 322.(n ) GS V, 172.

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mem.» (” ) A compreensão é portanto o processo mental pelo qualcompreendemos a experiência humana viva. É o acto que constituio nossa melhor contacto com a própria vida. Tal como a experiência vivida (Erlebnis),  a compreensão tem uma plenitude que escapaà teorização racional.

A compreensão abre-nos o universo das pessoas individuais, e portanto abre também possibilidades para a nossa própria natureza ("). A compreensão não é um mero acto de pensamento masuma transposição e uma nova experiência do mundo tal como ocaptamos na experiência vivida. Não é um acto de comparação,consciente e reflexivo, é antes a operação de um pensar silenciosoque efectua a transposição pré-reflexiva de uma pessoa para a

outra. Redescobrimo-nos a nós próprios no outro (” ). Um outroaspecto que realça o modo como a compreensão contrasta com todaa compreensão e explicação meramente científicas é que a com preensão tem valor em si mesma, para além de quaisquer considerações práticas. Não é necessariamente um meio para qualqueroutra coisa, é intrinsecamente boa. É só pela compreensão queencontramos os aspectos especificamente pessoais e não conceptuaisda realidade. «O segredo da pessoa» atrai (— nos) em si mesmo pelos esforços de compreensão cada vez mais novos c profundos.E numa compreensão desse tipo surge o campo do individual, quedelimita o homem e as suas criações. Aqui reside a função com

 preensiva mais adequada aos estudos humanísticos ("). Tal comoanteriormente fizera Schleiermacher, Dilthey afirma «que os estudos humanísticos» se debruçam amorosamente sobre o particular,

 por ele mesmo. As explicações científicas raramente são valorizadasem si mesmas, mas sim devido a qualquer outra coisa; quando certostratados são apreciados por si mesmos, como é o caso do  De rerum 

natura  de Lucrécio vê-mo-los como chaves para a natureza maisíntima do homem — por outras palavras, mudamo-nos para osestudos humanísticos e para as categorias da compreensão, maisdo que da mera explicação.

O sentido da historicidade na hermenêutica de Dilthey

Dilthey afirmou repetidas vezes que o homem é «um ser histórico» (eingeschichtliches Wesen).  Mas o que denota aqui a palavrahistórico? A resposta é importante não só para compreendermos ahermenêutica de Dilthey como pela influência que teve na teoriahermenêutica subsequente.

(” ) Ibid., 144.(” ) GS VII, 145, 215-16; ver D 170-71.(” ) GS VII. 191.(") GS V, 212-13.

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Dilthey não concebe a história como algo passado que defrontamos como se fosse um objecto. A historicidade também nãoaponta para o facto, já objectivamente evidente, de que o homemnasce, vive e morre no decurso do tempo. Não se refere ao carácter passageiro e efêmero da existência humana, que constitui umtema poético. A historicidade (Geschichlichkeit)  significa duascoisas:

1) O homem compreende-se a si próprio, não pela introspecção mas sim por meio de objectivações da vida. «O que o homemé, só a história o pode dizer.» (” ) Algures, mais detalhadam entediz: «O que o homem é e o que ele quer, só o experimenta nodesenrolar da sua natureza através dos milênios e nunca até àúltima sílaba, nunca em conceitos objectivos mas sempre apenas

na experiência vivida que brota das profundezas do seu próprioser.» C')  Por outras palavras, a autocompreensão do homem nãoé directa mas indirecta; tem que sofrer um desvio hermenêuticoatravés de expressões fixas que datam do passado. Dependente dahistória, é essencial e necessariamente histórico.

2) A natureza humana não é uma essência fixa; em todasas suas objectificações o homem não se limita a pintar muraisintermináveis nas paredes do tempo de modo a perceber em queé que a sua natureza sempre consistiu. Pelo contráiio, Dilthey

concordaria com outro filósofo da vida, Nietzsche, em que o homemé «o animal-ainda-não-determinado» (noch nicht festgestellte Tier), o animal, que ainda não determinou aquilo que é (39). Para mais,não está simplesmente a tentar descobri-lo; ainda não decidiu oque há-de ser. O que há-de ser aguarda ainda as suas decisõeshistóricas. Não é tanto o timoneiro de um navio já pronto comoo arquitecto do próprio navio. A isto chamou mais tarde Ortegay Gasset «o privilégio ontológico» (“ ). Um homem está constantemente a tomar posse das expressões já formadas que constituem

a sua herança, torna-se criativamente histórico. Este captar do passado não é uma forma de escravatura mas de liberdade, a liberdadede um autoconhecimento ainda mais pleno e a consciência de sercapaz de querer aquilo que irá ser. Visto que o homem tem o poderde alterar a sua própria essência, poderíamos dizer que ele tem o poder de alterar a própria vida; tem poderes verdadeiros e radicaisde criação.

Uma outra conseqüência da historicidade é que o homem nãofoge à história, pois ele é o que é, na e pela história. «A totalidadeda natureza humana é apenas história.» f11). Pa ra Dilthey, isto tinha

(” ) GS VIII, 224.(3«) GS VI, 57; IX, 173; também D 219.(M) L 42.(40) L 44.(«) GS VIII. 166.

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como conseqüência um relativismo histórico. Afirmnvu i|iic «nflo 6de todo possível recuar para além da relatividade di» consciênciahistórica ... o tipo de ‘homem’ dissolve-se e ultcru-xc no processoda história» (“ ). A história é em última instância uma sérlc dc

visões do mundo, não temos padrões determinados c fixos para julgar em que é que uma visão do mundo é superior a outra (*’).Tudo isto apenas reforça o que dissemos anteriormente nobre

a temporalidade intrínseca da compreensão: o significado colocasempre num contexto horizontal que se estende pelo passado c pelofuturo. Gradualmente, esta temporalidade torna-se parte intrínsecado conceito de «historicidade» de modo que o termo acaba porreferir-se não só à dependência do homem relativamente à história

 pelo autoconhecimento e pela auto-interpretação, pela sua finitude

criativa na determinação histórica da própria essência, mas tambémà inevitabilidade da história e à temporalidade intrínseca dc todaa compreensão.

As conseqüências hermenêuticas da «historicidade» são evidentes em toda a obra de Dilthey, de tal modo que Bollnow tem razãoao notar que, juntamente com a concepção da unidade da vidae da expressão, a concepção da historicidade é fundamental paraa compreensão de Dilthey (“ ). Quando diferenciamos Dilthey dos

outros filósofos da vida, é precisamente esta historicidade que odemarca de Bergson e dos outros. Dilthey deu um verdadeiroavanço ao moderno interesse pela historicidade. Como diz Bollnow:«Todos os esforços recentes para compreender a historicidadehumana têm em Dilthey o seu início decisivo.» (4!) Resumindo, eleé o pai das concepções modernas da historicidade. Nem a própriahermenêutica de Dilthey nem a de Heidegger ou Gadamer, queserão abordadas resumidamente, se concebem excepto em termosde historicidade, especialmente de temporalidade da compreensão.

 Na teoria hermenêutica, o homem é visto na sua dependênciarelativamente a uma interpretação constante do passado, e assim,quase poderíamos dizer que o homem é «o animal hermenêutico»que se compreende a si próprio em termos de interpretação deuma herança e de um mundo partilhados que o passado lhe transmite, uma herança constantemente presente e activante' em todasas suas acções e decisões. A moderna hermenêutica encontra asua fundamentação teórica na historicidade.

(«) Ibid., 6.(“ ) GS I, 123 ff.; V 339 ff.; VIII passim; todos eles discutem a sua

doutrina da visão do mundo. Pode-se encontrar uma abordagem deste tema,em inglês, cm PhWD 85-95.

(«) D 221.(") L 6.

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final trágica da peça. Imediatamente a atenção se centra naausência nefasta de Lear e Cordelia, que leva Edmund a dizerque ordenou a sua morte e a fazer um esforço inútil de anulara ordem. Entra então o velho «Senhor», agora senhor dc si mesmo

mas não senhor dos acontecimentos desencadeados pela ausênciafunesta de um verdadeiro poder; entra trazendo nos braços otesouro que em tempos recusara como não tendo qualquer valor.Como mudou para Lear o sentido de «amor» e «lealdade» nodecurso da peça! De que maneira os eventos alteraram terrivelmente o significado da sua decisão de dividir o reino!

O significado é histórico: mudou com o tempo; é uma questãode relação, sempre ligada com a perspectiva a partir da qual oseventos são considerados. O significado não é fixo e determinado.

Mesmo o significado do  Rei Lear   enquanto peça, se altera. Paranós, que estamos num universo pós-hierárquico e pós-deístico enum contexto social muito diverso, o sentido é obviamente diferentedo que era para os contemporâneos de Shakespeare. A históriadas interpretações de Shakespeare mostra que há um Shakespearedos séculos xvu, xviii, xix e xx, tal como há uma versão aristo-télica de Platão, um Platão dos primeiros cristãos, um Platão medieval, um Platão do século xvi e do século xvu e mesmo um Platão

do século xx. A interpretação coloca-se sempre na situação em queo intérprete se coloca; o significado depende disso, por muito circunscritos que pareçam a peça, o poema ou o diálogo. Assim vemoscomo é justa a asserção de Dilthey de que pode haver vários tiposde sentido, mas que se trata sempre de uma espécie de coesão, derelação ou de força de ligação; estamos sempre num contexto(Susammenhang).  Embora o significado seja constantemente umaquestão de relação e de contexto, isto não significa que ele «paireno ar», como uma construção artística flutuante. Não é algo que

se feche em si mesmo e que se coloque contra nós, como um objecto;é aquele algo não objectivo que nós objectificamos parcialmente aotornarmos explícito um sentido. Diz Dilthey: «O significado surgeessencialmente a partir da relação da parte com o todo que se baseiana natureza da experiência vivida O . Por outras palavras, o significado está imanente na textura da vida, isto é, na nossa participaçãona experiência vivida; é em última instância a categoria restritafundamental a pa rtir da qual captamos a vida.» O Tal como foiafirmado antes, «a vida» não é algo metafísico mas sim «experiênciavivida». De um modo muito característico, Dilthey fala-nos destedado básico, a vida: «A vida é o elemento ou facto básico (Grund- tatsche)  que deve constituir o ponto de partida para a filosofia.

(«) GS VII, 233.(") Ibid., 232.

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É conhecida a partir de dentro. É aquilo que não podemos ultrapassar.A vida não pode ser apresentada ao tribunal da razão.» O O nossoacesso à compreensão da «vida» é mais fundo do que a razão pois avida torna-se compreensível através das suas objectificações. Aqui, nodomínio dos objectos, podemos construir um mundo de verdadeirasrelações que são captadas pelos indivíduos na actualidade da experiência vivida. O sentido não é subjectivo; não é uma projecçãodo pensamento ou do pensar, sobre o objecto; é a percepção deuma relação real adentro de um nexo anterior à separação sujeito--objecto feita pelo pensamento. Compreender o sentido implicaentrar numa relação real e não imaginária com as formas do

«espírito» objectificado, que se encontram por todo o lado, à nossavolta. É uma questão de interacção da pessoa individual e do Geist  objectivo, num círculo hermenêutico que pressupõe a actuaçãoconjunta de ambos. Significado é o nome dado às diferentes espéciesde relações desta interacção.

A circularidade da compreensão tem outra conseqüência degrande importância para a hermenêutica: não há realmente umverdadeiro ponto de partida para a compreensão, pois toda a parte pressupõe as outras partes. Isto significa que não há compreensão

«sem pressupostos». Todo o acto de compreensão se dá num determinado contexto ou horizonte; mesmo nas ciências, apenas explicamos «em termos de» um contexto referencial. A compreensãonos estudos humanísticos toma a «experiência vivida» como o seucontexto e compreensão que não tenha relação com a experiênciavivida não é adequada aos estudos humanísticos (Geisteswissenschaften).  Uma abordagem interpretativa que ignore a historicidadeda experiência vivida e aplique categorias intemporais a objectoshistóricos, só ironicamente pode pretender chamar-se «objectiva» pois desde o início que deturpou o fenômeno.

Visto que compreendemos sempre a partir do nosso própriohorizonte, fazendo este parte do círculo hermenêutico, nada podeser compreendido de um modo não posicionai. Compreendemos por uma constante referência à nossa experiência. A tarefa metodológica do intérprete não é portanto a de mergulhar totalmenteno seu objecto (o que de qualquer modo seria impossível) mas sima de encontrar modos de uma interacção viável entre o nosso hori

zonte e o horizonte do texto. Como demonstraremos, Gadamerdá um relevo considerável a esta questão: como é que. dentro donosso horizonte, poderemos conseguir uma abertura ao texto quenão imponha previamente sobre ele as nossas próprias categorias.

(") Ibid., 359.

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O significado de Dilthey para a hermenêutica: conclusão

O contributo de Dilthey foi alargar o horizonte da hcrmcnôuticu

colocando-o no contexto da interpretação dos estudos fíumunlNtlco.i.O seu pensamento sobre o problema hermenêutico começou muitona sombra do psicologismo de Schleiermacher, e só gradualmenteconcebeu uma interpretação centrada na expressão da «experiòm in»vivida sem referência ao seu autor. Mas quando o fez, a hermenêutica e não a psicologia, tornou-se a base dos estudos hum un l s -ticos. Isto satisfez dois objectivos básicos em Dil they. Primeiramentefocar o problema da interpretação num objecto com um estatutofixo, duradouro e objectivo; assim os estudos humanísticos podiam

 prever a possibilidade de um conhecimento objectivam ente válido, pois o objecto em si mesmo era relativam ente imutável. Segundo,o objecto apelava claramente para modos «históricos» de com preensão, mais do que para modos científicos; só podia compreender-se por uma referência à própria vida, em toda a sua historicidade e temporalidade. A penetração cada vez mais funda nosignificado das expressões da vida apenas ocorria através de umacomprensão histórica.

Isto trouxe como conseqüência para a teoria literária, o podermos de novo falar significativamente na «verdade» de uma óbra.Como corolário, a forma não é vista em si mesma como umelemento mas sim como um símbolo de realidades mais íntimas.A arte para Dilthey é a expressão mais pura da vida. A grandeliteratura enraíza-se na experiência vivida dos mistérios da vida;o porquê e o como do nascimento e da morte, da alegria e datristeza, do amor e do ódio, do poder e da fragilidade do homem,do seu lugar ambíguo na natureza. Como nota Bollnow «Quandovalorizamos a arte porque consegue exprimir a vida, negamos aideia de que a valorizamos apenas por si mesma.» f 9) Assim embora,

a obra de arte seja em si mesma um bem e o nosso encontro comela não seja um meio para qualquer outro fim, a obra não silenciao homem, antes fala à sua natureza íntima, relaciona-se com algo para além dela. Por outras palavras, a arte não é o jogo de formas puro e sem finalidade que alguns estetas supõem; é um a espéciede alimento espiritual que obriga as fontes da vida em que nosmovemos a ganhar expressão. No título da obra de Dilthey The Three Epochs of Modem Aesthetics and Its Present Task   (1892)surge como divisa a afirmação de Schiller: «Talvez que finalmente

 pudéssemos desistir da busca da beleza, substituída to ta l e com pletamente pela busca da verdade.» (” ) A arte não é fantasia poética

("■> L 74.(5>)  Die drei Epochen der modernen Asthe tik und ihre heutige Aufgabc, 

GS VI.

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nem deleite mas sim expressão da verdade da experiência vivida.Claro que «verdade» aqui não é usada num sentido metafísico mascomo representação fiel da realidade interior.

Assim, a interpretação da obra de arte literária é colocada

 por Dilthey no contexto da historicidade da autocompreensãohumana. Não só é histórica porque tem que interpretar um objectoherdado historicamente, mas também porque tem que compreendero objecto no horizonte da temporalidade de cada um e da posiçãoque cada um ocupa na história. Porque a obra expressiva envolvea autocompreensão do homem, abre uma realidade que nem é«subjectiva» nem é verdadeiramente «objectiva» (i. e. separada dohorizonte da nossa autocompreensão). Metodologicamente, istoconfronta a interpretação com o problema de compreendermos

o sentido de um modo exterior à dicotomização sujeito-objecto,característico no pensamento científico.

Muito mudou em hermenêutica desde Dilthey. Notamos emseu desfavor que não conseguiu libertar-se totalmente do cientismoe da objectividade da escola histórica que tinha procurado ultra

 passar. Hoje vemos mais claramente que a procura de um «conhecimento objectivamente válido» é em si mesmo um reflexo de ideaiscientíficos totalmente contrários à historicidade da nossa autocom preensão. Podemos mesmo defender que a própria «vida» é umacategoria suspeitosamente próxima do «espírito objectivo» de Hegel, por muito que Dilthey proteste contra o idealismo absoluto etente fundamentar a hermenêutica em factos empíricos livres detoda a metafísica (51). Podemos criticar o facto de Dilthey ter considerado a compreensão — tal como Schleiermacher — enquantonova experiência e enquanto reconstrução da experiência do autor,sendo portanto análoga ao acto de criação. Porque o nosso actode compreensão da  Nona Sinfonia   de Beethoven tem certamentecaracterísticas muito diferentes do acto realizado por Beethovenao criá-lo. A obra na sua totalidade tem impacte; os processos dasua criação implicam um conhecimento que não precisamos terde modo a «compreender» o que nele é «dito».

Contudo Dilthey renovou o projecto de uma nova hermenêuticae deu-lhe um impulso significativo. Colocou-a no horizonte dahistoricidade, adentro do qual sofreu ulteriormente um considerável avanço. Colocou os fundamentos do pensamento de Heideggerna temporalidade da autocompreensão. Pode com razão ser con

siderado como o pai da «problemática hermenêutica contemporânea».

( n ) A defesa de Dilthey diz essencialmente: «Hegel construiu de um modometafísico; eu analiso o dado» (GS VII, 150), mas o princípio parece ser omesmo: as objectificações históricas da mente revelam o homem a si mesmo.

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da consciência como subjectividade transcendental, Heidegger viune!e o meio vital do ser-no-mundo histórico do homem. Na suahistoricidade e temporalidade viu pistas indicativas da natureza

do ser; o ser, tal como se revela na experiência vivida, escapa àscategorias conceptualizaníes, especializantes e intemporais de um pensamento centrado em ideias. O ser era o prisioneiro escondido,quase esquecido, das categorias estáticas do Ocidente, que Heideggeresperava libertar. Conseguiriam o método fenomenológico e a teoriafenomenológica fornecer-nos meios para essa libertação?

Em parte conseguiram; mas era grande a dívida de Heidegger para com Dilthey e Nietzsche; o tipo de busca que efectuava criticando a metafísica ocidental, particularmente a ontologia, torna

va-o pouco seguro quanto ao desejo de Husserl de fazer remontartodos os fenômenos à consciência humana, isto é, à subjectividadetranscendental. Heidegger defendia a facticidade do ser como sendoum problema ainda mais essencial do que a consciência e o conhecimento humanos, enquanto que Husserl tendia a encarar a própriafacticidade do ser como um dado da consciência (2). Um ponto devista deste gênero, fundado na subjectividade, não fornecia o contexto em que o tipo de crítica que Heidegger tinha em mente

 pudesse ser levado a cabo com êxito. Era suficiente para umarevisão epistemológica de longo alcance, cujas ramificações aindase fazem hoje sentir em muitos campos (3), mas não era em simesmo o que Heidegger podia usar para questionar de novo o problema do ser.

É significativo, para uma definição de hermenêutica, que otipo de fenomenologia que Heidegger desenvolveu em Ser e Tempo seja por vezes designado como hermenêutica fenomenológica (*). Estadesignação é mais do que uma subdivisão da área que Husserl tinha

em mente: pelo contrário, antes indica dois tipos de fenomenologiamuito diferentes. É grande a dívida de Heidegger para com Husserle são inúmeros os conceitos primitivos de Heidegger que podemser referidos a Husserl; colocam-se no entanto num novo contextoe ao serviço de um objectivo diferente. Assim, seria um erro considerarmos o «método fenomenológico» como uma doutrina formulada por Husserl e usada por Heidegger para outros fins. Pelocontrário, Heidegger repensou o próprio conceito de fenomenologiade modo a que a fenomenologia e o método fenomenológico adqui

rissem um carácter radicalmente diferente.Esta diferença concentra-se na própria palavra hermenêutica.

Husserl nunca a usou relativamente à sua obra, enquanto que

(J) WM 241.(3) Ver Hcrbcrt Spiegclbcrg, The Phenomenological Movement.(4) Como em ibid.,  I, 318-26, 339-49.

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Heidegger afirmou em Ser e Tempo  que a autêntica dimensfio deum método fenomenológico o torna hermenêutico; o seu projectoem Ser e Tempo   era o de uma «hermenêutica do  Dasein». A esco

lha feita por Heidegger do termo hermenêutica — uma palavracarregada de associações, desde as suas raízes gregas até ao seuuso moderno em filologia e teologia — sugere um desvio anticicntí-fico fortemente contrastante com Husserl. A mesma orientaçãoé transposta para a «hermenêutica filosófica» de Hans-Georg Gadamer, marcando a própria palavra com laivos de anticientismo.

As atitudes contrastantes relativamente à ciência podem sertomadas como a chave das diferenças existentes entre Husserl eHeidegger. Surgem como a seqüência lógica da prática do primeiro

nas matemáticas e do segundo em teologia. Para Husserl, a filosofia tem que tornar-se uma «ciência rigorosa» (5) um «empirismomais alto»; para Heidegger, todo o rigor do mundo nunca poderáfazer com que o conhecimento científico se torne uma meta final.As inclinações científicas de Husserl reflectem-se na sua busca deum saber apodítico, nas reduções que faz, na tendência em procurar o visualizável e o concebível através da redução eidética;os escritos de Heidegger não mencionam virtualmente um saberapodítico, nem reduções transcendentais nem a estrutura do ego.Depois de Ser e Tempo   Heidegger volta-se cada vez mais para areinterpretação dos filósofos anteriores — Kant, Nietzsche, Hegel —e para a poesia de Rilké, Trakl, ou Hõlderlin. O seu pensamentotorna-se mais hermenêutico, no sentido tradicional de centraçãona interpretação de textos. A filosofia em Husserl mantém-seessencialmente científica, e isso reflecte-se no significado que hojetem para as ciências; em Heidegger, a filosofia torna-se histórica,é uma reconstrução criativa do passado, uma forma de interpre

tação (6). Mesmo que Heidegger nunca tivesse designado por «hermenêutica» a sua análise do  Dasein,  mesmo assim podia ser considerado como um filósofo hermenêutico por excelência, pelo impacteque teve a última fase da sua obra.

A fronteira entre os dois tipos de fenomenologia é claramentetraçada noutro problema: a historicidade (Geschichlichkeit).  Husserltinha observado a temporalidade da consciência e fornecera umadescrição fenomenológica do tempo interior da consciência; noentanto, a sua ânsia em encontrar um conhecimento apodíticolevou-o a traduzir essa temporalidade nos termos estáticos e representativos da ciência — essencialmente para renegar a temporalidade

(’) Ver uma das primeiras obras de Husserl Philosophie ais slrenge Wis-srnschaft.

(°) Os dois tipos antitéticos de interpretação que Ricoeur descreve — ré- nilleclion du sens  (desmitologização) e exercice du soupçon  (dcsmitifica-lAo) — existem em Heidegger, embora o primeiro predomine. (Ver Dl 36-44.)

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do próprio ser e estabelecer um campo de ideias que ultrapassassemo devir.

Assim, em 1962, Heidegger proclama que a fenomenologia deHusserl elaborou «um padrão estabelecido por Descartes, Kant eFichte. A historicidade do pensamento mantém-se totalmente alheiaa esta posição» O- Ao mesmo tempo Heidegger sentiu que a suaanálise em Ser e Tempo  «era, como ainda hoje penso (1962), umasubordinação ao princípio da fenomenologia, materialmente justificada» ('). A fenomenologia não precisa de ser construída comosendo necessariamente uma revelação da consciência; pode tambémser um -meio de revelar o ser, em toda a sua facticidade e historicidade. Para compreendermos o que isto significa, voltemo-nos

 para a discussão que Heidegger faz da fenomenologia do § 7 deSer e Tempo.

A fenomenologia enquanto hermenêutica

 Na secção de Ser e Tempo   intitulada «O método fenomenológico de investigação», Heidegger refere-se explicitamente ao seumétodo como sendo uma «hermenêutica». Se nos podemos interrogar quanto ao significado deste facto para a fenomenologia, háuma outra questão que é também importante para o presente

estudo: que significado tem isto para a hermenêutica? Contudo,antes de abordarmos esta questão há que explorar a redefiniçãoque Heidegger dá de fenomenologia.

Heidegger remonta às raízes gregas da palavra:  phainomenon  ou  phainestai,   e logos. Phainomenon,  diz-nos Heidegger, significa«aquilo que se mostra, o manifesto, o revelado (das Offenbare).»Pha é   semelhante ao grego  phos,  significando luz ou brilho, «aquiloem que algo pode tornar-se manifesto, pode tornar-se visível» (*).Phenomena,  portanto, é «o conjunto daquilo que se revela à luz

do dia, ou que pode ser revelado, aquilo que os gregos identificaram simplesmente com ta onta, das Seiende,  aquilo que é» (10).

Este «tornar-se manifesto» ou forma de revelar algo «tal comoé», não devia ser interpretado, diz-nos Heidegger, como uma formasecundária de referência — como acontece quando algo «parece serqualquer outra coisa». Também não é um sintoma de algo queindica um fenômeno primitivo. É antes um mostrar ou um tornaraparente algo, tal como ele é, na sua manifestação.

O Carta a W. J. Richardson em Abril, 1962, publicada como prefácio aTPhT XV de Richardson.

(*) Ibid.(e) SZ 28.0») Ibid.

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O sufixo logia  em fenomenologia, remonta, é claro à pttltt vi >«grega logos. Logos,  diz-nos Heidegger, é aquilo que 6 transmitidona fala; portanto, o sentido mais fundo de logos  é deixar que ul(jo

apareça. Não é definido por Heidegger como «razão» ou «funil»mento» mas antes sugere a função da fala, que torna possíveis,quer a razão quer o fundamento. Tem uma função apofânticuaponta para os fenômenos. Por outras palavras, tem uma funçOode «como» visto que deixa que algo seja visto como  algo.

Contudo, essa função não é livre. É uma questão de descoberta,ou de manifestação, do que uma coisa é; trá-la para fora do esconderijo, para a luz do dia. A mente não projecta um sentido nofenômeno; é antes o que aparece que é uma manifestação ontoló-

gica da própria coisa. Claro que devido a uma atitude dogmáticauma coisa pode ser forçada a ser apenas encarada no aspecto quedesejamos. Mas deixar que uma coisa apareça como aquilo que é,torna-se uma questão de aprendermos a deixá-la proceder desse modo, pois ele revela-se-nos.  Logos   (a fala) não é na verdade um poderdado à linguagem por aquele que a utiliza, mas sim um poderque a linguagem dá a essa pessoa, um meio que ela tem de sercaptada por aquilo que através da linguagem se torna manifesto.

Portanto, a combinação de  phainestai  e de logos,  enquantofenomenologia, significa deixar que as coisas se manifestem comoo que são, sem que projectemos nelas as nossas próprias categorias.Significa uma inversão da orientação a que estamos acostumados;não somos nós que indicamos as coisas; são as coisas que se nosrevelam. Isto não sugere qualquer animismo primitivo, antes éo reconhecimento de que a própria essência do conhecimento verdadeiro é ser orientado pelo poder que a coisa tem de se revelar.Esta concepção é uma expressão da própria intenção de Husserl

de regressar às próprias coisas. A fenomenologia é um meio deser conduzido pelo fenômeno, por um caminho que genuinamentelhe pertence.

Um método deste tipo deveria ser da maior importância paraa teoria hermenêutica, pois implica que a interpretação não se fundamente na consciência humana e nas categorias humanas, massim na manifestação da coisa com que deparamos, da realidadeque vem ao nosso encontro. Mas a preocupação de Heidegger eraa metafísica e o tema do ser. Poderia um método deste tipo acabarcom a subjectividade e com o carácter especulativo da metafísica?Poderia aplicar-se à questão do ser? Infelizmente a tarefa compli-ca-se pois o ser não é realmente um fenômeno mas sim algo maislato e indefinível. Nunca pode tornar-se verdadeiramente umobjecto para nós, dado que somos ser no próprio acto de constituirqualquer objecto enquanto objecto.

Contudo em Ser e Tempo  Heidegger encontra uma espécie desaída no facto de cada um ter, com a sua existência, ao mesmo

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tempo que ela, uma certa compreensão do que é a plenitude do ser. Não é uma compreensão fixa, antes se forma historicamente,acumula-se com a própria experiência de quem encontra fenômenos.Podemos talvez interrogar o ser analisando o modo como ele apa

receu. A ontologia tem que se tornar fenomenologia. A ontologiatem que se voltar para os processos de compreensão e de interpretação pelos quais as coisas aparecem; tem que descobrir o modoe a orientação da existência humana; tem que tornar visível a estrutura invisível do ser-no-mundo.

Como é que isto se relaciona com a hermenêutica? Significaque a ontologia deve, enquanto fenomenolgia do ser, tornar-se uma«hermenêutica» da existência. Mas este tipo de hermenêutica nãose identifica com uma metodologia filológica antiquada, nem mesmo

é a tal metodologia geral das Geisteswissenschaften  prevista porDilthey. Revela o que estava escondido; não constitui uma inter pretação de uma interpretação (que é em que consiste a explicaçãode texto) mas sim um acto primário de interpretação que faz comque uma coisa saia do seu esconderijo.

«O sentido metodológico da descrição fenomenológica é inter pretação   (Auslegung, tornar aberto). O logos  de uma fenomenologiado  Dasein  tem o carácter de herméneuein  (interpretar), através doqual se tornam conhecidos ao  Dasein, a estrutura do seu próprio

ser e o significado autêntico do ser dado na sua compreensão (pré--consciente) do ser. A fenomenologia do  Dasein  é hermenêutica nosentido original da palavra, que designava um trabalho da inter

 pretação.» (” )Com este impulso a hermenêutica, transformou-se em «inter

 pretação do ser do  Dasein»(”). Filosoficamente, coloca as estruturas básicas da possibilidade do  Dasein; é uma «análise da existen-cialidade da Existenz»  O3), isto é, das possibilidades autênticas <meo ser tem de existir. A hermenêutica, diz Heidegger, é aquela fun

ção anunciadora fundamental pela qual o  Dasein  torna conhecida para si a natureza do ser. A hermenêutica enquan to metodologiada interpretação dos estudos humanísticos é uma forma derivadaque assenta na função ontológica primária da interpretação e a partir dela cresce. É uma ontologia regional que tem que se basearnuma ontologia fundamental.

Efectivamente, a hermenêutica transforma-se numa ontologiada compreensão e da interpretação. Enquanto alguns críticos dcHeidegger, em nome da disciplina filológica da hermenêutica, en

caram com certa inquietação esta deserção relativamente a uma

(>■) Ibid., 37.(12) Ibid.(”) (Ibid., 38.

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definição já aceite, o facto é que ela pode aprofundar c alargar ntendência histórica de definir hermenêutica de uma formo aindamais lata. Porque a hermenêutica em Schleiermacher, tinlm

 procurado um fundamento nas condições comuns a todo o diálogo,

e Dilthey tentara tornar a compreensão como um dos poderes dohomem, um poder pelo qual a vida encontra a vida. Contudo, acompreensão em Dilthey não era universal; agradava-lhe a ideia dcuma compreensão «histórica» separada de uma compreensão científica. Heidegger dá o impulso final e define a essência da hermenêutica como o poder ontológico de compreender e interpretar, o

 poder que to rna possível a revelação do ser das coisas e em últimainstância das potencialidades do próprio ser do  Dasein.

Dizendo de outro modo: a hermenêutica ainda é a teoria dacompreensão, mas a compreensão é definida de um modo diferente(ontologicamente).

A natureza da compreensão: como Heidegger ultrapassa Dilthey

A compreensão (Verstehen)  é um termo específico em Hei

degger, não significando o que a palavra inglesa geralmente denota,nem aquilo que o termo significava em Dilthey. Em inglês, «com preensão» sugere simpatia, capacidade de sentir aquilo que outra pessoa experimenta. Falamos de um «olhar compreensivo» c comele sugerimos mais do que um mero conhecimento objectivo, écomo se participássemos na coisa percebida. Poder.qs ‘.cr cru grandeconhecimento e uma fraca compreensão, pois a compreensão parecechegar ao que é essencial e, nalgumas das suas aplicações, ao que é

 pessoal. Em Schleiermacher a compreensão baseava-se na afirm açãofilosófica da identidade das realidades internas (Identiicitsphilosophie)  de modo que ao compreendermos vibrávamos em uníssono com quemfalava, à medida que íamos compreendendo; a compreensão tantoenvolvia fases comparativas como divinatórias. Em Dilthey, a com preensão referia-se ao nível mais fundo da compreensão incluídona captação de uma pintura, de um poema ou de um facto, fosseele social, econômico ou psicológico. Era mais do que um merodado, era como que a «expressão» de «realidades internas» e emúltima instância da própria «vida».

Todas estas concepções de compreensão acarretam associaçõestotalmente estranhas à definição de Heidegger. Para Heidegger. acompreensão é o poder de captar as possibilidades que cada um temde ser, no contexto do mundo vital em que cada um de nós existe. Não é capacidade ou o dom especial de sentirmos a situação deoutra pessoa, nem é o poder de captar mais profundamente o significado de «alguma manifestação da vida». A compreensão não se

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concebe como algo que se possua mas antes como um modo ouelemento do ser-no-mundo. Não é uma entidade no mundo, antesé a estrutura do ser que torna possível o exercício actual da com preensão a um nível empírico. A compreensão é a base de toda a

interpretação; é contemporânea da nossa existência e está presenteem todo o acto de interpretação.A compreensão é assim ontologicamente fundamental e anterior

a qualquer acto de existência. Um outro aspecto do problema estáno facto da compreensão sempre se relacionar com o futuro; nissoconsiste o seu carácter projectivo (Entwurfscharakter).  Mas a pro-

 jecção tem que ter uma base, e a compreensão está também re lacionada com a situação de cada um (Befindlichkeit).  Contudo, aessência da compreensão não está na simples captação de situação

de cada um mas sim na revelação das potencialidades concretas doser, no horizonte da situação que cada um ocupa no mundo.Heidegger usa o termo «existencialidade» (Existenzialitàt)  para esteaspecto da compreensão.

Uma característica importante da compreensão tal como Heidegger a encara, é que ela opera sempre no interior de um conjuntode relações já interpretadas, num todo relacionai (Bewandtnisganz- heit).  Para a hermenêutica, as implicações deste facto são de longoalcance, especialmente quando relacionadas com a ontologia deHeidegger. Dilthey já estabelecera que a significação se referia sem pre a um contexto de relações (Strukturzusammenhang),  exemplificando o princípio já conhecido de que a compreensão opera preferencialmente no interior de um «círculo hermenêutico» e não na

 progressão ordenada que vai das partes simples e auto-suficientes aotodo. Contudo, a hermenêutica fenomenológica de Heidegger,avança mais um passo; explora as implicações do círculo hermenêutico no que respeita à estrutura ontológica de toda a compreen

são e interpretação existenciais do homem. É claro que a com preensão não pode conceber-se como algo metafísico, acima daexistência sensível do homem, mas sim enquanto inseparável desta;Heidegger não nega a visão de Dilthey orientada para a experiênciamas coloca-a num contexto ontológico. Isso vê-se no facto da com

 preensão não ser separável da nossa disposição. Nem tão pouco a podemos imaginar se o «mundo» ou sem a «significação». O pontochave em Heidegger é que a compreensão se tornou ontológica.Um exame do conceito heideggeriano de mundo, irá clarificar este

aspecto.

O mundo e a nossa relação com os objectos no mundo

O termo «mundo» em Heidegger não significa o meio ambiente,objectivamente considerado, o universo tal como aparece aos olhos

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de um cientista. Está mais próximo daquilo a que poderíamos chamar o nosso mundo pessoal. O mundo não é a totalidade de todosos seres mas a totalidade em que o ser humano está mergulhado;o ser humano encontra-se rodeado pela manifestação dessa tota

lidade. Ela revela-se-lhe através de uma compreensão sempre englo- bante, anterior a qualquer captação.

Conceber o mundo separado da pessoa é totalmente contrárioà concepção de Heidegger, pois pressupõem a separação sujeito--objecto que aparece no interior do contexto relacionai a que chamamos mundo. O mundo é anterior a qualquer separação da pessoa e do mundo num sentido objectivo. É anterior a qualquer «objectividade», a qualquer conceptualização: é também anterior à .sub

 jectividade, dado que tanto objectividade como subjectividade sãoconcebidas dentro do esquema sujeito-objecto.

 Não podemos descrever o mundo tentando enumerar as entidades que o formam; num processo desse tipo o mundo seria ignorado pois ele é justamente aquilo que é pressuposto em todo oacto de conhecer uma entidade. Todas as entidades do mundo sãocaptadas como entidades em termos do mundo,  sendo este algo jádado. As entidades que formam o mundo físico do homem nãosão o mundo mas estão no mundo. Só o homem tem mundo.

O mundo é tão englobante e ao mesmo tempo tão fechado que seesquiva ao conhecimento. Vemos através dele, no entanto sem elenunca nos poderíamos aperceber da manifestação das coisas. Desa

 percebido, pressuposto, englobante, o mundo está sempre presente,transparente, iludindo as tentativas feitas para o captar enquantoobjecto.

Abre-se assim um novo campo à exploração — o mundo. Nãoé de abordagem fácil, pois nem a descrição das entidades empíricasque o constituem nem mesmo a interpretação ontológica do seuser individual como tal responderão ao fenômeno mundo (M). Omundo é algo que é sentido «juntamente com» as entidades queaparecem nele; contudo, a compreensão tem que dar-se através domundo. Isto é fundamental em toda a compreensão; o mundo e acompreensão são partes inseparáveis da constituição ontológica daexistência do  Dasein.

Tal como o mundo não é obstrutivo também não são obstrutivoscertos objectos do mundo com os quais diariamente nos relaciona

mos. Os instrumentos usados diariamente, os movimentos do corporealizados sem pensar, todos eles se tornam transparentes. Só osnotamos quando há qualquer ruptura. Na ocasião da ruptura podemos observar um facto significativo: o sentida  dos objectos está narelação que eles têm com uma totalidade estruturada de significados

(“ ) Ibid.. 64.

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e de intenções inter-relacionados. Na ruptura, por um breve momento, o sentido dos objectos ilumina-se, emergindo directamentedo mundo.

Como esta compreensão de um objecto difere de uma com

 preensão meram ente intelectual! Usando o exemplo usual de Ser  e Tempo:  um martelo que se limita a estar presente é algo que pode ser pesado e catalogado relativam ente às propriedades deoutros martelos; um martelo partido mostra imediatamente o queum martelo é (15). Esta experiência sugere um princípio herm enêutico: que o ser de algo se revela, não ao olhar analítico e contem plativo mas no momento em que bruscam ente sai da penumbraingressando no contexto plenamente funcional do mundo. De igualmodo, captaremos melhor as características da compreensão, não

através de um catálogo analítico dos seus atributos, nem nodecurso do seu funcionamento adequado mas sim quando há qualquer ruptura, quando esbarra contra uma parede, talvez quandolhe falta algo que deveria ter.

A significação pré-predicativa, compreensão e interpretação

O fenômeno da ruptura que por momentos esclarece o ser deum instrumento enquanto instrumento, aponta, como acabámos dever, para um «mundo» em grande  parte  imperceptível, no qual vivemos. Este mundo é mais do que apenas o campo das operações pré-conscientes da mente aquando da percepção; é o campo emque as actuais resistências e as possibilidades da estrutura do sermoldam a compreensão. É o campo onde a temporalidade e a historicidade do ser estão radicalmente presentes, é o lugar em que o

ser se traduz em significação, em compreensão e interpretação. Numa palavra, é o campo do processo herm enêutico, processo peloqual o ser se tematiza enquanto linguagem.

Como foi dito, a compreensão actua numa fabricação derelações (Bewandnisganzheit).  Heidegger inventou o termo «significação» (Bedeutsamkeit)  para designar a base ontológica que permitecompreender essa fabricação de relações. Como tal, forneceu às palavras a possibilidade ontológica de terem um significado pleno

de sentido; é a base da linguagem. Com isto Heidegger prova quea significação é algo mais fundo do que o sistema lógico da linguagem, funda-se sobre algo anterior à linguagem — e que se insere

(ls) Ibid., 69. WB Macomber vê o martelo partido como uma imagemclrnvc do pensamento de Heidegger; ver o seu esclarecedor estudo The Ana- lomy of Disitlusion  sobre a noção heideggeriana de verdade.

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no inundo — a totalidade relacionai Por muito que as palavras possam moldar ou produzir sentido, apontam sempre mais alémdo que o seu próprio sistema, para uma significação que já residena totalidade relacionai do mundo. A significação portanto, não é

algo que o homem dê a um objecto; é aquilo que um objecto dáao homem, fornecendo-lhe a possibilidade ontológica das palavrase da linguagem.

A compreensão tem que ser vista inserida neste contexto, e ainterpretação é simplesmente tornar explícita a compreensão. A interpretação não é pois uma questão de imprimir valor a um objectoisolado, pois aquilo que encontramos surge como já visto numa relação particular. Mesmo na compreensão, as coisas no mundo são

vistas como  isto ou como  aquilo. A palavra como  explicita-se pelainterpretação. O fundamento da compreensão é anterior a toda aafirmação temática. Heidegger di-lo resumidamente: «Toda a visãosimplesmente pré-predicativa do mundo invisível do que está ‘íimão’ e iá em si mesma uma visão ‘compreensiva interpreta-tiva’.» (16)

Quando a compreensão se torna explícita como interpretação,como linguagem, entra em acção um outro facto extra-subjectivo, pois «a linguagem já esconde em si mesma um modo elaborado dcideação», uma «maneira de ver já moldada» (17). A compreensão ca significação conjuntamente constituem, a base da linguagem e dainterpretação. Em trabalhos posteriores dá-se ainda mais ênfase àrelação entre linguagem e ser, de modo a considerar o próprio sercomo lingüístico: Heidegger nota por exemplo, cm «Introdução àMetafísica» que «as palavras e a linguagem não são envólucros comque se embrulham as coisas para o comércio daqueles que escreveme falam. É pelas palavras e pela linguagem que as coisas ganham

ser e existem» (’*). Este é o sentido em que devemos in terpretar aafirmação muito comum de Heidegger, «A linguagem e a casa doser» (” ).

Assim a compreensão tem uma certa «estrutura prévia» queactua em toda a interpretação. Isto torna-se muito evidente naanálise que Heidegger faz da pré-estrutura trifacetada da compreensão. Não precisamos de a expor aqui, visto que o seu carácter e

('*) «Alies vorprãdikative schlichte Sehen des Zunhandcnen ist an ihmselbst schon vertstehend-auslegend» (SZ 149).

(’7) «Die Sprache je schon eine ausgebildete Begrifflichkeit in sich birgt»(ibid., 157).

('*) IM 13.(»)  p l   — BH 53. A Carta começa na p. 53; assim, as citações das pági

nas anteriores são de PL e as posteriores de BH.

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significado essenciais estão implícitos no que já dissemos sobre omundo e sobre a significação (20).

A impossibilidade de uma interpretação sem pressupostos

A estrutura prévia da compreensão, sempre interpretada e inserida no mundo, ultrapassa o modelo mais antigo da situação inter-

 pretativa em termos de sujeito-objecto. De facto, levanta gravesquestões à validade básica de uma descrição interpretativa em termos da relação sujeito-objecto. Também levanta questões ao quedevemos entender por interpretação objcctiva, ou «interpretaçãosem pressupostos». Heidegger coloca a questão de um modo claro:«A interpretação nunca é a captação sem pressupostos de algo previamente dado.» (J1)

A esperança de uma interpretação «sem preconceitos e sem pressupostos» desapareceu ultimam ente, face ao modo como a com preensão opera. O que aparece do «objecto» é o que deixamos queapareça, é aquilo que a tematização do mundo actuante na com preensão, traz à luz. Seria ingênuo pretender que «o que ali está

realmente» é «auto-evidente». A própria definição de auto-evidênciaassenta num corpo de pressupostos que passam despercebidos, masque estão presentes em toda a construção interpretativa feita pelointérprete «objectivo» e sem «pressupostos». É este corpo de pressupostos já dados e admitidos que Heidegger põe a nu na análise quefaz da compreensão.

 Na interpretação literária, tal facto significa que o intérpretemais «destituído de pressupostos» de um texto de poesia lírica tem já posições prévias. Mesmo quando aborda um texto, pode já tê-lo

considerado como um certo tipo de texto, digamos, como um textolírico, e assim coloca-se logo na posição que considera adequadaa um texto desse tipo. O seu encontro com a obra não se dá numcontexto exterior ao tempo e ao espaço, exterior ao seu própriohorizonte de experiências e de interesses; dá-se sim num tempoe num lugar determinados. Por exemplo, há uma razão pela qualse voltou para este texto e não para outro qualquer, e assim abordao texto colocando-lhe perguntas, e não em branco.

É pois importante lembrarmo-nos que, a pré-estruturação da

compreensão não é simplesmente uma propriedade da consciência

C2») Ver SZ 150-53, esp.: «Die Auslegung von Etwas ais Etwas wesenhaftdurch Vorhabe, Vorsicht und Vorgriff fundiert» p. 150; e «Sinn ist das durchVorhabe, Vorsicht und Vorgriff (a estrutura tri-facetada da pré-compreensão)strukturierte Woraufhin des Entwurfs, aus dem her etwas ais etwas verstàndlichwird» (p. 151).

C1) Ibid.. 150.

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que se coloca diante de um mundo já dado. Considerar as coisasdeste modo seria cair no modelo interpretativo do sujeito-objecto,que a análise de Heidegger transcende. A estrutura prévia assenta

 preferentemente, no contexto do mundo que já contém sujeito eobjecto. Heidegger descreve a compreensão e a interpretação demodo a colocá-las anteriormente à dicotomia sujeito-objecto.Discute como é que as coisas começam a ser vistas através do significado, da compreensão e da interpretação. Discute aquilo a que poderíamos chamar a estrutu ra ontológica da compreensão.

A hermenêutica, como teoria da compreensão, é consequentemente uma teoria da revelação ontológica. Pois a existência humanaé em si mesma um processo de revelação ontológica. Heidegger

não permite que encaremos o problema ontológico separadamenteda existência humana. A sua análise junta a hermeneutica à ontologia existencial e à fenomenolog.ia e aponta para um fundamentoda hermenêutica que não se baseia na subjectividade mas na facticidade do mundo e na historicidade da compreensão.

O carácter derivativo das asserções

Uma conseqüência ulterior das considerações que temos vindoa abordar e de considerável importância hermenêutica está nadiscussão que Heidegger faz das asserções lógicas — e, extensivamente, da própria lógica. Para Heidegger um «juízo» (Aussage) não é uma forma fundamental de interpretação; ele assenta cmoperações anteriores de compreensão e de interpretação da — com preensão — prévia. Sem eles, as asserções não teriam sentido.

Heidegger dá um exemplo: «O martelo é pesado.» Na própria

asserção, diz ele, já actua um determinado modo de concepção,o modo lógico. Antes de qualquer interpretação ou análise realmente visíveis, a situação foi estruturada em termos lógicos parase adequar à estrutura de uma asserção. O martelo foi já interpretado como uma coisa com propriedades, neste caso o peso. A estrutura da frase, na asserção, com o seu modelo de sujeito, cópula eadjectivo predicativo, colocou logo o martelo diante de nós, comoum objecto, como algo que possui propriedades.

Mas os processos fundamentais de interpretar o mundo nãoocorrem nas asserções lógicas e nos juízos teóricos. Muitas vezesas palavras estão ausentes, como quando pegamos num marteloe o pomos de parte, sem palavras. Isto é um acto interpretativomas não é uma asserção. Continuando com o exemplo do marteloHeidegger interroga-se como é que surge uma asserção:

«O martelo que possuímos no ‘pré-adquirido’ está à mão comoferramenta. Quando o seu ser se torna ‘objecto’ de uma asserção,com a própria construção da asserção dá-se uma mudança no ‘pré-

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-adquirido’. A tendência imediata para pensar ‘com quê’ torna-se o‘sobre quê?’ de uma asserção referencial. A visão do objecto na

 pré-com preensão centra-se agora no manipulável deste estar à mão.E o ‘estar à mão’ enquanto tal, passa a esconder-se.» (2!)

A revelação do martelo como objecto, é simultaneamente umaocultação do martelo como instrumento. O martelo como objectoé arrancado do seu contexto vivo, e a sua essência como instrumento que pode martelar, é escondida.

O exemplo do martelo pode ser usado para clarificar a distinçãode Heidegger entre as formas «apofânticas» e «hermenêuticas» da palavra «como». No contexto de «estar à mão», o martelo desa parece como objecto sendo substituído pela função que tem comoinstrumento; não o abordamos como  um objecto mas como  uminstrumento. O «como» que se limita a apresentar o martelo comoum objecto à mão, como algo que se apresenta ao nosso olhar e

 para o qual apontamos, é o «como apofântico». O martelo que desa parece na sua função como  instrumento representa o «como-exis-tencial-hermenêutico». O «como apofântico» assinala uma mudançasubtil na compreensão, encaminhando-a para um estádio de designação objectiva, uma designação que já não relaciona o martelo coma totalidade primordial de um contexto vivo, relacionai (o  Bewand- 

tnisganzheit ); corta-o do campo da significação no «estar à mão» ecoloca o fenômeno à nossa frente, como algo que apenas podemos ver.

Heidegger exige que avancemos para um «como» mais original.«Devíamos examinar com mais cuidado» diz ele, «o que Aristóteles

 pretendia com ‘unir e separar’ na unidade que ambos formam, eao mesmo tempo, atender ao fenômeno de qualquer coisa como qualquer coisa.» (” ) De acordo com esta estru tura , tomamos con

 juntamente um a coisa e outra a partir da qual a primeira é com preendida, de modo a que a interpretação e a articulação formemuma unidade. Destruir a unidade original e ignorar o «como» maisoriginal, abre caminho a uma mera «teoria do juízo» (Uhrteilstheo- rie),  uma teoria que considera as asserções como mera ligação eseparação de ideias e conceitos, uma teoria que se mantem ao nívelsuperficial das realidades objectivas, «à mão» (M). A firmar o «como--existencial-hermenêutico» primordial, é reconhecer que as asserçõesderivam todas de um nível anterior de interpretação, enraizando-se

todas elas nesse nível. É ver que as asserções só têm sentido quandoconsideradas nas suas raízes existenciais.

Verificamos a importância desta distinção ao examinarmos omodo como actualmente a linguagem é tratada nas «ciências» da

(“ ) Ibid., 157-8.(” ) Ibid.. 159.(«) Ibid.

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linguagem. Isto torna-se especialmente evidente se alentarmos comosão insuficientes todas as definições de linguagem que se mantêmao nível das asserções e da lógica, ou que adoptam uma visão instrumental da linguagem como mera consciência manipuladora dc

 juízos e de ideias. Porque o verdadeiro fundamento da linguagemê o fenômeno da fala, onde algo se revela; esta ê a função (hermenêutica) da linguagem. Considerando a fala como ponto de partida,remontamos ao evento em que a palavra funciona como palavra,remontamos ao contexto vivo da linguagem. Gerhard Ebeling repetea perspectiva de Heidegger quando diz: «A própria palavra temuma função hermenêutica.» (” ) Dc facto, a função hermenêutica

 primordial da linguagem torna-se um factor central no último Heidegger e na Nova Hermenêutica Teológica. Esta visão da linguagem

significa que a compreensão, mais uma vez como Ebeling a considera, «não é compreensão da  linguagem mas compreensão através da linguagem» ("). Nunca é demais o valor teológico atribuído aesta perspectiva; pois ela restaura a ênfase dada à função da fala (”)•

A linguagem como fala deixa de ser um corpo objectivo de palavras que manipulamos como objectos; toma o seu lugar nomundo «do que está à mão». É claro que pode passar para a objectividade daquilo que está diante de nós como um mero objecto,mas essencialmente, a linguagem é encontrada pelo homem como

algo «à mão», transparente, contextual.Contudo, a linguagem como fala não deve ser encarada como

expressão de uma «realidade interior». É uma situação que se tornaexplícita nas palavras. Mesmo a linguagem poética não é umveicular de pura interioridade, mas um partilhar do mundo. Comorevelação do ser no mundo e não daquele que fala, não é nem umfenômeno subjectivo nem um fenômeno objectivo, é simultaneamente ambos, pois o mundo é anterior a ambos e engloba ambos.

(“ ) WF 318; NH 93-94.(J') Ibid.(Jr) Ver cap. 2 sobre o significado de hermeneuin  «como dizer» ou «anun

ciar». Heidegger acentua esta dimensão primordial. Ver também Gerhard EbelingTheology and Proclamation  onde a palavra «proclamação» tem este significado.

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O ÜLTIMO CONTRIBUTO DE HEIDEGGER PARA A TEORIA

HERMENÊUTICA

Mesmo que Heidegger não tivesse escrito mais nada depois deSer e Tempo, o  seu contributo para a hermenêutica teria sidodecisivo pois nessa obra ele coloca o problema da compreensão numcontexto radicalmente diferente. Como modo fundante de existir,transcende os limites definicionais em que Dilthey o colocara ao

concebê-lo como a forma histórica contra a forma científica dacompreensão. Heidegger foi mais longe defendendo que toda acompieensão é temporal, intencional, histórica. Ultrapassou concepções anteriores ao encarar a compreensão, não como um processo mental mas como um processo ontológico, não como umestudo de processos conscientes e inconscientes mas como umarevelação daquilo que é real para o homem. Antes dele, aceitávamossimplesmente como certa a definição prévia daquilo que era real,e só depois perguntávamos como é que os processos mentais colo

cavam essa realidade; ora Heidegger veio provar que a compreensãoé um passo prévio indicativo do acto de «fundamentação — revelação» da realidade, com o qual se completa a definição anterior.Um dos últimos temas de Heidegger é o esforço para ultrapassar ofacto que funda a realidade, facto sobre o qual hoje se tematiza o próprio ser.

«Todo o grande poeta faz poesia a partir de um só poema» dizHeidegger em Unterwegs zur Sprache  (l) e dado que o fenômeno

originário é essencialmente poético, todo o grande pensador enunciaum único pensamento que se mantém como algo nunca totalmentedito. Num certo sentido, podemos considerar os últimos escritos deHeidegger como uma série de notas de rodapé a Ser e Tempo, tentando continuamente a mesma procura de acesso ao ser, aprofundando e tornando mais radicais as intuições da sua obra-prima.

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Transforma-se talvez no filósofo mais poético e mais hermenêuticodesde Platão; contudo, a busca essencial do seu pensamento nãosc altera, apenas se revela mais plenamente. De facto, ao com preendermos a focalização de Heidegger na compreensão e suas

articulações, compreendemos também porque é que os últimos escritos se preocuparam com o «pensamento» e por que razão Heideggerdefine o pensamento em termos de resposta, mais do que de mani pulação de ideias. É usual considerar uma «viragem» no pensamentode Heidegger. Contudo o seu pensamento quando considerado de um ponto dê vista actual, é constituído por uma só peça. Ser e Tempo é   o soio a partir do qual se desenvolve a última fase do seu pensamento. Do início ao fim da sua obra, Heidegger preocupa-se com

o processo hermenêutico, pelo qual o ser se revela. Isto foi abordado em Ser e Tempo  como uma fenomenologia do  Dasein  e tor-nou-se, em obras subsequentes, numa exploração do não ser, da

 própria palavra ser,  de concepções quer gregas quer actuais de ser,de verdade, de pensamento e de linguagem. É um facto aceite queHeidegger se tornou mais poético, obscuro e profético nos seusúltimos escritos, mas que a revelação do ser se mantem nele comoum tema cons'.ante.

 Nos últimos escritos, o carácter hermenêutico do pensamento

de Heidegger apresenta outras orientações mantendo-se no entantohermenêutico, tornando-se mesmo hermenêutico, no sentido de se

 preocupar com a exegese. A temática é ainda «como foi que o serse tornou compreendido» e «corno foi que se articulou em termosestáticos e essencialistas», mas o objecto da interpretação afasta-sede uma descrição geral do contacto quotidiano do  Dasein  como ser, enveredando pela metafísica e pela poesia. Cada vez mais sevolta para a interpretação de textos; na história da filosofia ocidental, poucos pensadores deram tanta importância, no interior dasua filosofia, à exegese dos textos, especialmente à exegese dosfragmentos antigos. E mesmo que Heidegger não tivesse dado ocontributo filosófico fundamental que deu à teoria da compreensãono seu Ser e Tempo,  poderia no entanto continuar a ser designadocomo o mais hermenêutico dos filósofos ocidentais.

Talvez que esta abordagem se deva à natureza intrinsecamentehermenêutica da tentativa de lidar com o «ser» se este for abordadono contexto do processo de compreensão, pelo qual as coisas se

revelam. E torna-se mais hermenêutico se quisermos ultrapassar o«texto» do pensamento ocidental, indo para os problemas que deramorigem a essa tradição. Então, dá-se a tentativa de destacar o sentido oculto do texto, não nos basta a exploração de um sistema nosseus próprios termos. É isto que Heidegger tenta fazer dando-nossimultaneamente a sua própria perspectiva quanto à posição correcta da hermenêutica no que respeita ao homem, na relação queeste tem com o ser e com a tradição. Uma exposição pormenorizada

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do pensamento do último Heidegger ultrapassaria o âmbito «IchIc

capítulo O ; no entan to focaremos resumidamente nas restantes seições alguns temas fundamentais e o significado que tiveram para nteoria hermenêutica.

Crítica ao pensamento apresentacional, subjectismo e terminologia

Heidegger em Ser e Tempo  tinha já sugerido a orientação dassuas últimas críticas ao pensamento apresentacional, na discussãoque faz do carácter derivado das «asserções» enquanto tendentes aapresentar as coisas como algo para que olhamos. Aí mostra como,

no interior da estrutura prévia da compreensão, a visão do objectotende subtilmente a ordenar-se segundo as exigências do pensamentológico e conceptual, e como por exemplo um martelo é arrancadoao seu contexto vital das (Zuhandene)  e colocado no campo abs-tracto do pensamento apresentacional. Em escritos posteriores, Heidegger tenta sintetizar como é que o pensamento ocidental chegouà definição de pensamento, de ser e de verdade em termos essencialmente apresentacionais.

Em «A doutrina da verdade em Platão» Heidegger aborda a

famosa alegoria da caverna. Em todos os seus aspectos a alegoriasugere que a verdade é desocultação, pois saímos da caverna, paraa luz, e regressamos à caverna; mas a concepção de verdade como«correspondência» acabou por predominar sobre a concepção maisdinâmica da verdade como desocultação. A verdade transformou-seem visão correcta e o pensamento transformou-se numa questão decolocação de ideias face à visão da mente, isto é, transformou-seem manipulação adequada de ideias.

Com esta visão do pensamento e da verdade, armou-se o palco para todo o desenvolvimento da metafísica ocidental, para a abordagem teórica da vida — ideologicamente, em termos de ideias:

«A essência da ideia reside na aparência e na visibilidade. Istoleva a que se realize plenamente em cada ser, a presença do ‘quid’que cada ser é. Apresenta-se na ‘quiddidade’ do ser. A natureza doser é considerada contudo como sendo o estar ‘presente’. Por essarazão, o ser para Platão tinha a sua natureza mais autêntica ‘aquiloque é’. Uma terminologia posterior diz-nos que a quidditas  é o ver

dadeiro esse;  a essência  e não a existência. Assim, aquilo que se

(r)  Ver no entanto The Anatomy of Desillusion  de W. B. Macomber,assim como a discussão detalhada que Richardson faz em TPhT; também recomendamos vivamente a obra (em alemão) de Otto Poggeler  Der Denkwtg 

 Martin Heideggers.  Em inglês, há discussões interessantes cm Koclcclmnn,Langer, Versényi e outros, citados na bibliografia.

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torna visível enquanto ‘ideia’ para aquele que contempla, é a revelação da coisa tal como aparece. Assim, a coisa revelada é desde ocomeço (e apenas) captada como aquilo que se percebe quando

 percebemos a ideia de algo, aquilo que é conhecido no acto deconhecer.» (’)Heidegger sustenta que, à medida que tudo se ordena de acordo

com a concepção das ideias e com a ideação, e, mais importanteainda, de acordo com o conceito de razão, vai-se perdendo a concepção primitiva da verdade como revelação. O homem ocidental

 já não sente o ser como algo que constantemente aparece e desa parece do seu alcance; antes o vê sob a fo rm a da presença estáticade uma ideia. A verdade torna-se algo que se vê: «orthotes,  correcção

da percepção e da asserção» O . Isto significa que o pensamentoque visa a verdade, não se fundamenta na existência mas sim na

 percepção de uma ideia: o ser não é concebido em termos de experiência vivida mas em termos de ideia — estaticamente, como presença constante e atemporal.

Poder-se-ia dizer que o ocidente construiu a metafísica e ateologia sobre esse rochedo. Logo em 1921, nas suas conferências(não publicadas) sobre  Augustinus und der Neuplatonismus,  Hei

degger traça o conflito patente no livro X dasConfissões,

  entreum cristianismo que surge da facticidade da experiência vivida,cuja realização não está tanto no conhecimento de Deus como noviver n’Ele, e um cristianismo orientado para a «fruição» de Deuscomo o Summum bonum   (i. e. a ideia de  fruitio Dei).  Esta últimaconcepção do Ser e da vivência de Deus, mais estática e apresen-tacional, liga-se directamente ao neo-platonismo. Quando a experiência de Deus é definida como  fruitio Dei,  e quando Deus é fruídocom a «paz» que cala a inquietude do coração, então Ele é colo

cado fora do fluxo da vida, factual e histórica, e a Sua vitalidadeenquanto Deus da experiência vivida é silenciada. Já não é o Deusvivo, temporal, finito, disponível. Está meramente «disponível» para ser contemplado e fruído; Deus torna-se um Ser Eterno forae acima do tempo, do lugar e da história (s).

 Numa conferência realizada em Junho de 1938, intitulada «Afundamentação da imagem moderna do mundo pela metafísica»,Heidegger traça as conseqüências que teve esta abordagem geral da

verdade e do pensamento quando unida com a perspectiva carte-siana, pois com Descartes, o pensamento ocidental sofre uma novae decisiva viragem. A verdade para Descartes, é mais do que meraadequação entre aquele que conhece e o que é conhecido, é a cer-

(s) PL-BH 35.(«) Ibid. 42.(") 1’oggclcr, pp. 38-45; Ho 338-39.

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teza racional que o sujeito tem  desta adequação. Tal facto, tiu/como conseqüência o facto de o sujeito humano ser consideradocomo o último ponto de referência no que se refere ao estatuto dctudo aquilo que é visto. Isto significa que cada ser apenas o 6 cm

termos da polaridade sujeito-objecto entre a consciência e os objeitos da consciência. Aquilo que é conhecido não é visto, em últimainstância, como uma entidade ontologicamente independente que seapresenta tal qual «é», revelando-se-nos e manifestando-se-nos no poder que tem de existir; aquilo que é conhecido antes é encaradocomo objecto, como algo que o sujeito consciente apresenta a si próprio. Porque o estatuto do mundo se fundam enta na subjectividade humana passa a centrar-se no sujeito, e a filosofia passa acentrar-se na consciência. A este síndroma chama Heidegger o «sub-

 jectismo» moderno (Subjektitãt) (').Subjectismo é um termo mais lato do que subjectividade pois

significa que o mundo é considerado como sendo essencialmentemedido pelo homem. Nesta perspectiva o mundo tem sentido apenas relativamente ao homem, cuja tarefa é dominar o mundo. Sãomuitas as conseqüências do subjectismo. Em primeiro lugar as ciências ganham relevo pois servem a vontade de domínio presente nohomem. Contudo, dado que no subjectismo o homem não reconhecequalquer meta ou sentido que não estejam fundamentados na sua

 própria certeza racional, fica fechado no círculo do próprio mundoem que se projecta. Os objectos de arte são vistos como «objectifi-cações» da subjectividade, ou como «expressões» da experiênciahumana. Uma cultura só pode ser a objectificação colectiva daquiloque os sujeitos humanos valorizam, uma projecção da actividadesem fundamento do homem. Nem a actividade cultural nem aactividade individual humanas podem neste contexto ser encaradascomo resposta à actividade de Deus (ou do Ser), dado que tudotem fundamento no homem. Em última instância, mesmo Deus é

redefinido como «o infinito, incondicionado e absoluto» e o mundoé dessacralizado; a relação do homem com Deus é vista como sendomeramente a sua «experiência religiosa» particular. Enquanto a

(') Subjectismo distingue-se de subjectivismo pois constitui quer a objectividade do objecto quer a subjectividade do sujeito. A subjectividade implicanecessariamente que o ego humano seja o sujeito que se apresenta e esta subjectividade é a forma que toma o subjectismo em Descartes. Mas Heidegger vê osubjectismo como residindo em toda a posição filosófica que toma o fenômenohumano como o seu último ponto de referência, seja ele o colectivismo, o abso-lutismo ou o individualismo, O subjectismo está latente na interpretação platônica do ser, dado que uma ideia é algo visto por alguém. Mas com Descartesa situação explicita-se — o homem não é aquele que recebe emanações do serque lhe é anterior (i. e., o homem já não é uma criatura); ele 6 antes umser criador, o fundamento de um mundo que ele próprio forma e projecta.Ver TPhT 320-30.

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antiga concepção da  fruitio Dei  purificava Deus colocando-o forado fluxo da vivência quotidiana, o subjectismo faz de Deus uma projecção do homem, considerando a relação com Ele como sendoum sentimento humano de dependência O-

As modernas «filosofias dos valores» não são mais do que conseqüências da metafísica do subjectismo. Os valores são conceitossubstitutivos que pretendem completar «coisas» (agora que o seuvalor se fundamenta subjectivamente) com o sentido que perderamao colocarem-se no contexto do subjectismo. Perdeu-se o sentido dasacralidade das coisas, com ou sem o homem; o estatuto das coisasreduziu:se à utilidade que têm para o homem. Quando o homem«atribui» valor aos objectos, filosoficamente falando há apenas uma pequena distância relativamente à visão dos próprios valores en

quanto objectos. Um valor é então algo que se coloca sobre osobjectos no mundo, como se fosse uma camada de tinta. A ciênciae o humanismo transformam-se em divisa, numa idade em que ohomem é verdadeiramente o centro e a medida de todas as coisas.

Como definir o pensamento num contexto deste tipo? Novamente em termos apresentacionais que remontam a Platão. Comoconceber a verdade? Em termos de correcção, de certeza de queo juízo sobre algo corresponde ao modo como o objecto se nos apresenta. Esta apresentação não pode ser realmente uma auto-reve-

lação de algo, pois é captada pelo sujeito nesse acto de poder excessivo que é a objectificação. Por conseqüência, diz-nos Heidegger,os grandes sistemas metafísicos tornam-se expressões da vontade,quer formulados em termos de razão (Kant), liberdade (Fichte),amor (Schelling) quer em termos de vontade de poder (Nietzsche) (*).

A vontade de poder que se fundamenta no subjectismo nãoconhece qualquer valor absoluto, apenas tem sede de um podercada vez maior. Nos tempos que correm, expressa-se num desejofrenético de domínio tecnológico. No entanto, o impacte do pen

samento tecnológico é mais subtil e universal, pois temos vindogradualmente a considerar o próprio pensamento em termos dedomínio. O pensamento torna-se tecnológico, molda-se às exigências de conceitos e de ideias que permitirão um controle sobre osobjectos e sobre a experiência. Pensar já não é uma questão deresposta directa ao mundo, antes se coloca como tentativa inconsciente para o dominar; o pensamento não se mantém nem actuacomo protector dos ricos da terra, antes esgota o mundo ao tentarrecstruturá-lo de acordo com as finalidades do homem. Um rio, por

exemplo, deixa de ter valor intrínseco e o homem orienta o seucurso para satisfazer os seus objectivos, construindo grandes bar-

C7) Ho 70.(•) VA 114-122; TPhT 381.

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rager.s e descarregando nele resíduos venenosos. Os deuses 1'unirume a terra está a ser implacavelmente consumida. É assim que segundo Heidegger se dá o desenlace melancólico do desenvolvimentodo pensamento desde Platão, passando por Descartes e Nietzscheaté aos nossos dias.

A hermenêutica como teoria da compreensão e da interpretadoé directamente afectada por essas considerações, pois quando o pro blema interpretativo é abordado no interior do contexto do pensamento tecnológico, a interpretação fornece meios para um domínioconceptual do objecto. Quando o pensamento é definido como mani pulação de ideias e de conceitos, deixa de ser criativo passando aser manipulatório e inventivo. Quando o subjectismo se coloca na

 base da situação interpretativa, o que é ser interpretado senão umaobjectificação? O conceito de verdade como adequação enquadra-seIcgicameníe nestas abordagens, e a verdade torna-se mera «cor-recção».

Portanto, para a teoria da interpretação, é muito diferente conceber o pensamento em termos estritamente ideacionais pois assiminterpretação não lida com uma matéria desconhecida que tem queser clarificada mas sim com a clarificação e a avaliação de dados

 já conhecidos. A sua tarefa não é uma primeira «revelação» da

coisa mas sim chegar à interpretação correcta, entre as várias possíveis. Tais pressupostos tendem a manter-nos sempre na claridadedaquilo que já é conhecido, em vez de construir uma ponte entre luze escuridão. A linguagem passa a ser concebida como um sistemade signos aplicados a um conjunto de objectos já conhecidos.

Ora para Heidegger, todo este conjunto de definições — de linguagem, de verdade, de pensamento — e os conceitos de com

 preensão e de in terpretação que sobre ele se constrói, representamuma tematização da doutrina platônica da verdade. Desde Platãoque o pensamento ocidental e especialmente a metafísica, representam o «texto» desta tematização. Heidegger considerou que a suatarefa hermenêutica seria interpretar esse texto, procurando ver oque estaria por trás dele. Em Kant, Hegel e Nietzsche, Heideggerencontra aspectos da antiga abordagem que os Gregos fizeram à verdade como desocultação. As pretensões dos Gregos são defendidassucintamente tornando-se depois obscuras e perdendo-se. Portanto,desde o início que Heidegger definiu a sua tarefa filosófica em

termos essencialmente hermenêuticos. Neste contexto a hermenêutica não significa simplesmente uma interpretação em termos decorrecção e de concordância; a hermenêutica continua com as suasteses tradicionais mais fundas ao querer descobrir um significadocscondido,  ao querer esclarecer o que é desconhecido: a revelaçãoé desocultação. Assim, quando Heidegger «interpreta» Kant não selimita a dizer o que o autor pretendeu pois proceder desse modoxeria parar no ponto exacto em que deve começar a verdadeira

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interpretação. Heidegger antes se interroga sobre o que o texto não disse, perguntando porque é que Kant fez certas revisões entre a primeira e a segunda edição da Crítica da Razão Pura.  Vai paraalém do texto, interrogando-se sobre o que é que o autor não dissee não podia dizer e que no entanto aparece no texto como sendo

a sua mais íntima dinâmica (*)• O  texto final, acabado, não é oúnico objecto de interpretação. Preocupam-no sim, a violência e aluta que actuaram na criação do texto.

Isto traz à hermenêutica, duas conseqüências já tradicionalmentefamiliares: 1) violentar o texto e 2) compreender melhor o autordo que ele se compreendeu a si próprio. Quando a verdade é concebida como algo que simultaneamente emerge e de novo se esconde,quando o acto hermenêutico coloca o intérprete na fronteira de umvazio criativo a partir do qual a obra emergiu, então a interpretação

tem que ser criativamente aberta ao que ainda não foi dito. Porque«o nada» é o pano de fundo criativo de toda a criação positiva;contudo, esse nada só é significativo no contexto do ser, na sua positividade. Quando a obra de arte é considerada, não como umaobjectificação da subjectividade humana mas como uma revelaçãodo ser, ou como uma janela para um domínio sagrado, então oencontro que com ela temos é como que receber uma dádiva, nãomais é o acto de um sujeito que capta a sua subjectividade.

A interpretação de uma grande obra não é pois um exercício

arqueológico nem a tentativa, comum ao humanismo, de tomar osGregos como modelo de vida. É antes uma repetição e uma recuperação do facto original da desocultação. Tenta penetrar nas camadas acumuladas de interpretação errônea (Heidegger adora «polir» palavras até que o seu esplendor original volte a brilhar) e ocuparum lugar no centro daquilo que é dito e daquilo que não é dito.Contudo, não é um simples regresso ao passado mas sim um novo facto de desocultação; tentar ressuscitar Kant tal como ele era,seria uma restauração idiota. Assim, toda a interpretação tem que

violen tar as formulações explicitadas no texto (10). A recusa emultrapassar uma mera explicitação do texto é realmente uma formade idolatria bem como de ingenuidade histórica.

Será que podemos compreender o autor melhor do que ele secompreendeu a si próprio? Não, porque o autor estava no plenodomínio das considerações que animaram a sua composição; nãocompreendemos melhor o autor; compreendêmo-lo de um mododiferente. Em Uriterwegs zur Sprache  na célebre conversa com um japonês, Heidegger explica que o seu objectivo é «pensar o pensa

mento grego de um modo profundamente grego» (“)• Perguntam-lhe

(“) KPM 181; na tradução inglesa., 206.(">) KPM 181-83; trad. inglesa 206-8.(") US 134.

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se isto significa compreender os Gregos melhor do que c l c x so iom preenderam a si próprios. Não, não é tanto isso como também rctnmar àquilo que foi pensado. Heidegger quer penetrar no pano dofundo do pensamento grego, tal como ele surgiu: no vazio criativoe no não ser que estão por detrás da sua emergência positiva podr

estar a chave para um outro tipo de pensamento, para uma oulrucaptação do ser, da verdade e da linguagem. Enquanto isto não ,scder, as coisas serão meros objectos e o mundo será um brinquedodo homem. Não precisamos de avançar no desenvolvimento do pensamento apresentacional; precisamos sim de recuar, partindo deum tipo de pensamento meramente ideacional, i. e., explicativo,rumo a um pensamento meditativo (andenkende)  (12).

A caminho do pensamento

É vulgar dizer que Heidegger formulou uma crítica devastadoraà metafísica ocidental ou que colocou de novo a questão ontológica;contudo também seria correcto dizer-se que os seus últimos escritosse relacionam virtualmente com o processo hermenêutico pelo qualo homem, no pensamento «essencial» ou noutros tipos de pensamento, constrói a fronteira entre o ser e o não ser. A questão cru

cial relativamente ao ser não é apenas a da natureza do ser massim a de como  pensar o  ser, a de como é que o ser aparece; dá-semuita importância, por exemplo, à situação do homem neste eventohermenêu^co em que o ser se coloca ou se torna «compreendido»de um certo modo. Tentar traçar o tema do «pensamento» seriaum esforço complexo e multifacetado, um esforço que já foi felizmente realizado em inglês, pelo Padre W. J. Richardson ("). Bastaaqui realçar o carácter geralmente hermenêutico de um tal tema, etocar apenas em alguns dos seus aspectos que tenham um signi

ficado especial para a hermenêutica.É significativo que no diálogo com um japonês e precisamenteno ponto a que acima nos referimos, Heidegger defenda que o homem se coloca numa «relação hermenêutica» (ein hermeneutischen 

 Bezug)  em que ele é o mensageiro, aquele que enuncia o ser (“ ).O homem é o ser que constrói a ponte entre o ser que se' escondee o que se revela, noutras palavras, entre o não ser e o ser. O homem,ao falar, interpreta o ser. O pensamento verdadeiro é definido porHeidegger não como manipulação daquilo que já foi revelado, mas

como revelação do que estava escondido. Contudo, no texto dito

(13) VA 180.( ” ) Ib id .(“ ) US 125-27, 135-36.

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 por um grande pensador ou por um grande poeta, muito fica aindaoculto e por dizer; portanto, um diálogo pensante com o textoacarretará uma nova desocultação. Isto torna-se hermenêutica noseu sentido mais tradicional (e os escritos de Heidegger contêm mui

tos destes diálogos). Contudo, este acto secundário de interpretaçãotem que recuar continuamente para uma repetição amorosa dadesocultação original, tem que se manter na fronteira entre aquiloque se esconde e o que é revelado.

Como se processa um diálogo criativo com o texto? Nos últimosescritos, ao longo dos anos quarenta e cinqüenta, tais como porexemplo Gelassenheit  (15), «Carta sobre o Humanism o» e «A que sechama pensar»?, a posição do homem é uma espécie de passividadedevota que se abrirá totalmente à luz do ser. Contudo, em «Intro

dução à Metafísica», anterior a estas obras, há uma discussão significativa do ponto de vista hermenêutico, sobre a natureza da interrogação quando procura ser criativa, uma discussão que unificauma série de aspectos relevantes do pensamento do último Heidegger.

A «Introdução à Metafísica» começa com uma pergunta. ParaHeidegger, perguntar não precisa de ser uma mera investigação, podendo ser um meio de revelação. A pergunta inicial do ensaio —«Porque há o ser e não o nada?» leva a uma segunda questão quese dirige àquele que interroga: «Como se coloca o ser»? Aquele que pergunta vê-se imediatamente transportado para um ponto de vistadiferente daquele que a questão inicial colocara pois a questão é demodo a voltar-se para quem pergunta. No processo de colocaçãode uma questão deste tipo, diz-nos Heidegger, «parece que pertencemos inteiramente a nós próprios. Contudo é este perguntar quenos abre caminho desde que, ao interrogar, se transforme (o quefaz toda a verdadeira interrogação) e estabeleça um novo espaçosobre todas as coisas e em todas as coisas» (”).

Interrogar é pois algo com que o homem se defronta obrigando

o ser a mostrar-se. Une a diferença ontológica entre o ser e o serdos seres. A interrogação que se mantém simplesmente ao nível doser dos seres e não faz qualquer tentativa de se dirigir para o fundamento (negativo) de um tal ser não é uma interrogação verdadeiramas antes manipulação, cálculo, explicação. É típico de Heideggerafirmar: «Há muito que existe em nós uma paralisia de toda a paixão dc in terrogar.. . A interrogação como elemento fundam entalda existência histórica, desapareceu (n).

A essência da mundancidade do homem é precisamente o pro

cesso hermenêutico   dc interrogar, um tipo de interrogação que na

(*•) Trad. como DT.('*) IM 29-30.(") Ibid., 143.

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sua verdadeira forma alcança o ser que não se manifestou c queo faz revelar-se numa ocorrência concreta, histórica. Através ditinterrogação, o ser torna-se então história. A inter-relaçüo cntrc o

ser, a história e a personalidade torna-se clara na seguinte passagemde  In trodução à Metafísica:

1 — A determinação da essência do homem nunca é uma res posta mas essencialmente uma pergunta.

2 — O colocar desta pergunta é histórico, no sentido essencialde que este interrogar cria primeiro a história.

4 — Só há história quando o ser se revela na interrogação ecom a história surge o ser do homem.

6 — O homem só se torna ele próprio enquanto ser interrogantee histórico; só deste modo ele é um «eu». A personalidade humanatem este significado: o homem tem que transformar o ser que selhe revela na história e tem que se colocar na história.

 Nos últimos escritos dá-se relevo não tanto à interrogação feita pelo homem como à necessidade de uma abertura atenta relativamente ao ser. O ser ainda ê histórico, mas a sua ocorrência é umadádiva que parte do ser, mais do que produto de uma inquirição

c capíação feitas pelo homem (**).Contudo, devemo-nos precaver, não vendo aqui qualquer transição radical ou qualquer viragem, pois Heidegger não está a contradizer-se; antes completa a sua posição anterior; nos últimos tra balhos tenta dar ênfase a uma posição não centrada no sujeito, e por essa razão a imagem afasta-se de um a visão do homem «lutando»inquisitivamente com o ser, para uma visão do homem como «pastordo ser». Contudo, mesmo enquanto pastor do ser, a tutela do homem é referida em termos de «pensar» e «poetizar»; ambas são

acções por parte do homem, se bem que respondendo ao ser, eambas mantém o seu caracter histórico. Na «Carta sobre o Humanismo» Heidegger afirma:

«Na medida em que o pensamento, enquanto historicamente ponderável, atende ao destino do ser, já se ligou àquilo que é fatal,que se mede pelo destino ... O carácter fatal (Geschichlichkeit)  dodizer do ser enquanto dádiva da verdade — nisto e não em regraslógicas, consiste a primeira lei do pensamento ... O ser é   como quea ocorrência fatal (Geschick)  do pensamento. Este evento é em simesmo histórico. A sua história já se tornou linguagem no acto dedizer,  realizado por aquele que pensa.» (l>)

Como pastor do ser, o homem perde o carácter prometeicosugerido em Sófocles, na «Ode ao homem» (antígona) (” ) sobre a

(>•) Ibid.(") PL-BH 118.(M) IM 146-165.

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qual Heidegger se debruça na «Introdução à Metafísica»; em Ge- lasser.heit   Heidegger diz mesmo que «não deveríamos  fa zer   nada,apenas deveríamos esperar» (”)•

Em «O que se chama pensar» o pensamento é descrito como

uma resposta ao chamamento e às imposições do ser. É algo quevem do mais íntimo do homem, no qual «tudo o que fica para ser pensado é ocultado e escondido» (” ). A palavra chave não é perguntar mas sim responder. E no entanto o homem ainda é o serque, na resposta, chega à negatividade do ser, ao seu carácter nãorevelado, misterioso.

A discussão da interrogação conduziu a alguns dos temas maisimportantes do último Heidegger: a historicidade, a diferença ontológica, a poesia e o pensamento, a atitude de receptividade neces

sária que nos permite orientar para o «Aberto», que possibilita ainterpelação. Tudo isto sugere uma postura hermenêutica radicalmente diferente da atitude objectiva que é conseqüência de umaconsideração da interpretação como acto conceptual primitivo, comouma espécie de análise.

A linguagem e a fala

 Na passagem da «Carta sobre o Humanismo» acima citada, areferência ao «acto de dizer efectuado por aquele que pensa» sugereum outro tema importante nos últimos escritos de Heidegger: alinguisticidade do ser. O interesse de Heidegger pela linguagem datado começo da sua carreira, com a sua dissertação: «A doutrina do juízo no psicologismo: uma contribuição crítica e positiva para alógica» (”) e com a sua dissertação sobre a doutrina de Duns Escotosobre as categorias e o significado. Nela defendia a necessidade decolocar os fundamentos teóricos da linguagem (” )• Heidegger faladeste primeiro período no seu recente «Diálogo com um Japonês».Significativamente, as observações que faz ligam-se ao porquê dasua escolha em usar a palavra «hermenêutica» em «Ser e Tempo»;

Conhecia o termo «hermenêutica» dos meus estudos teológicos. Nessa altura interessava-me especialmente a questão da relaçãoentre a palavra bíblica e o pensamento teológico especulativo. Era,se quiserem, a mesma re laç ão — nomeadam ente a relação entre linguagem e ser, para mim então escondida e inacessível — que eu

cm vão procurava encontrar, uma chave que levasse aos caminhosmais fundos, que levasse aos desvios (”).

(’■) G 37; DT 62.(” ) VA 139; ver TPhT 599-601.(” ) TPhT 675.(“ ) 1'òggcler, p. 269.(>•) US 96.

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A linguagem colocou-se num novo contexto quando da anrtllir,em Ser e Tempo, da mundancidade do  Dasein,  feita em termo*de situação, compreensão e interpretação. Era a articulação du com preensão existencial. De tal modo estava ligada à compreensão c i\inteligibilidade que o pensamento lógico e toda a manipulação conceptual dos objectos no mundo se tornaram secundários e derivados,comparados com a linguagem no contexto vivo da articulaçãoessencial da compreensão (” ). Logo em Ser e Tempo   o campo dalógica e das asserções integra a categoria do pensamento apresentacional, enquanto que a linguagem na sua verdadeira essência,como articulação essencial da compreensão situacional, histórica, 6algo que pertence ao modo de ser do homem. Deste ponto de vista,Heidegger podia criticar as teorias que encaravam a linguagem

como um mero instrumento de com unicação C7).O tema da linguagem tem importância em «Introdução à Metafísica». Dedicado à questão «O  que é o ser?», o ensaio remete paraum fragmento de Parménides no qual Heidegger encontra a asserçãode que o ser é idêntico àquilo pelo qual ocorre a apreensão. Istosignifica que «apenas há ser quando há uma aparição, uma desocultação, quando há revelação» (” ). Tal como não pode haver ocorrência de ser sem apreensão nem apreensão sem ser, também não

 pode haver ser sem linguagem, nem pode haver linguagem sem ser.

Suponnamos que o homem . não tinha qualquer conhecimento prévio do ser, que desconhecia todo e qualquer sentido indeterminado do ser. Heidegger interroga-se: «Haveria apenas um substantivo e um verbo a menos na nossa linguagem? Não.  Não haveria qualquer linguagem.  Nenhum ser enquanto tal  se revelaria por meiode palavras, não mais seria possível invocá-lo e falar dele com

 palavras; pois fa lar de um ser enquanto tal implica compreendê-lo previamente como sendo um ser, isto é, compreender o seu ser.» (” )

Por outro lado, «se a nossa essência não incluísse o poder da

linguagem, todos os seres se nos fechariam»; nós próprios não somosmenos que o ser que não somos (50). Sem a linguagem nunca poderíamos imaginar o homem. Heidegger avança abruptamente com otema: «Porque ser homem é falar.» (”) Que ilusão, diz Heidegger, pensar que o homem inventou a linguagem! O homem não inventoua linguagem, tal como não inventou a compreensão, nem o tempo

(” ) Ver a discussão do carácter derivado das asserções no capítulo anterior.(*0 Relativamente a um novo tipo de lógica, ver Hans Lipps, llntersu- chungen zu einer hermeneutischen Logik,  e Kitarô Nishida,  Intelligibility and  the Philosophy of Nothingness.

(” ) IM 139.(” ) Ibid., 82.(«) Ibid.(” ) Ibid.

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nem o ser ele mesmo. «Como poderia o homem ter alguma vezinventado o poder que o penetra, que só por si lhe permite serhomem?» (”) Mesmo o acto poético de nomear é uma resposta queo homem dá ao ser dos seres.

Em escritos posteriores a «Introdução à Metafísica», aumentaa ênfase dada ao homem considerado enquanto aquele que respondeàs interpelações ou chamamentos do ser. Por exemplo, na «Cartasobre o Humanismo», Heidegger sustenta que «a única ocupaçãodo pensamento é trazer cada vez mais para uma forma faiada, aocorrência do ser; um ser que permanece e que na sua permanênciaespera pelo homem» (”). E é óbvio que o ser se revela na linguagem.A ocorrência do ser na linguagem é descrita em termos da palavraGeschick,  fado ou destino. «A fatalidade do ser que se diz, tal como

a fatalidade da verdade, é a primeira lei do pensamento.» (”) O temada história não é novo pois na «Introdução à Metafísica» Heideggerapresenta a linguagem como a dinâmica do ser do homem que lhe permite tornar-se histórico — que !he permite na realidade fundar ahistória. A apreensão e a fala foram apresentadas como actos especificamente históricos, em que o ser surge no iempo, acontece.A diferença é essencialmente uma diferença de ênfase: mais do quelutar com o ser, o homem abre-se ao ser, à interpelação do ser.Contudo, a interrogação não é posta de lado por Heidegger pois

interrogar é precisamente pôr em causa as concepções apresenta-cionais. Títulos posteriores como «A que chamamos pensar?» ou odesejo expresso por Heidegger de colocar de um modo interrogativo das Wesen  e der Sprache  (como das Wesen?  e der Spraehe?) mostram isso. De facto, a interrogação mantém-se um método básico no seu pensamento. A mudança de ênfase é apenas um esforço para apontar de um modo mais fo rte a primazia do ser.

Isto tem como implicações na linguagem, a inversão da orientação habitual da fala; não se diz que o homem fala mas sim quea própria linguagem fala. Tal facto torna-se mais explícito numacolecção de ensaios sobre a linguagem Unterwegs zur Sprache. «A linguagem na sua essência, não é nem expressão nem actividadedo homem. A linguagem  fa!a.»(35) As palavras ecoam no silêncio eatravés delas colocam-se as realidades do nosso mundo e o conflitoentre a terra e o mundo: «o som no silêncio não tem nada dehumano. Pelo contrário, o humano é lingüístico na sua essência» (■’"). E o acto humano de dizer que é especificamente humano.Contudo o dizer é em si mesmo um acto  pela linguagem.  Aquilo

(” ) Ibid., 156.(«) PL-BH 118.(M) Ibid. Mudei um pouco a tradução da primeira versão dada na p. 151.

(” ) US 19.(«) Ibid., 30.

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que pela linguagem se revela, não é algo de humano mas sim t>mundo, o próprio ser.

Em Unterwegs zur Sprache  Heidegger encontra na fala, especialmente no dizer (das Sagen),  a própria essência da linguagem.

Dizer é mostrar (J7)- Assim, o silêncio pode por vezes dizer mais doque as palavras. Ao dizer pertence a capacidade de escuta, de modoque aquilo que tem que ser dito se possa mostrar; o dizer conservaaquilo que é cuvido (3‘). Nele, o ser mostra-se sob a form a de ocorrência. Colocando o tema em termos de expressão e de aparição:a iinguagem não é uma expressão do homem mas uma apariçãodo ser. O pensamento não exprime o homem, deixa que o seraconteça como e\ento lingüístico (30). Neste deixar que aconteçaestá o destino do homem, e também o destino da verdade. Em

última instância o destino do ser.A viragem de Heidegger para uma crescente ênfase da linguis-

ticidade (Sprachlichkeii)  do modo de ser do homem, e a sua afirmação de que o ser conduz e chama o homem, de modo que emúltima instância não é o homem que se mostra mas sim o ser, têmde facto uma importância incalculável para a teoria da compreensão.

Faz com que a própria essência da linguagem consista na funçãohermenêutica de obrigar uma coisa a mostrar-se. Significa que adisciplina da interpretação se transforma numa tentativa de abandonar decisivamente uma mera análise e explicação, enveredando pela realização de um diálogo pensante com o que aparece notexto. Compreender torna-se uma questão não só de interrogar que pretende ser aberto e não dogmático, mas também de aprender aesperar e a encontrar um lugar (Ort)  a partir do qual o ser do textose revele. A interpretação transforma-se numa ajuda para o eventolingüístico. Este terá que ocorrer pois acentua-se a função hermenêutica do próprio texto, como sendo o lugar onde o ser se revela.A linguagem é em si mesma hermenêutica, é hermenêutica no seumais alto grau na poesia, pois como Heidegger diz em Sobre a essência da Poesia  o poeta é o mensageiro, o hermeneuta, dos deuses para o homem.

Heidegger identificou a essência do ser, do pensamento, dohomem, da poesia e da filosofia com a função hermenêutica dodizer.  Não vamos aqui discutir se essa posição é ou não sustentável.Um facto é que a sua própria filosofia se torna essencialmente her

(") Ibid., 258.(” ) Ibid., 255.(39) Assim o termo Sprachereignis  (evento lingüístico) como  Leitworl  da

 Nova Hermenêutica de Ernst Fuchs. Ver  Das Sprachereignis in der Verkiin- digung lesu in der Theologie des Paulus und im Oslergeschehen,  HPT 281-305;e The Essence oj the Language Event in Christoiogy,  Studies of the HiltorlculJesus, pp. 213-28.

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menêutica e que os temas centrais se integram na área da hermenêutica. É claro que ele mudou todo o contexto da hermenêutica,abandonando a antiga concepção desta como disciplina filológicade interpretação de textos. O esquema sujeito-objecto, a objectivi

dade, as normas de validação, o texto como expressão de vida — nada disto consta na abordagem de Heidegger. A hermenêutica édefinida como lidando com o momento em que o sentido se revela,concepção que Ricoeur considera uma compreensão «demasiadogeral» pois não inclui necessariamente o acto de interpretação deum texto. Esta definição trouxe uma mudança radical à topografiada hermenêutica. E o próprio acto de interpretação redifiniu-se,colocando-se numa perspectiva ontológica.

A explicação e a topologia do ser

Será imprudente e talvez pouco justo, tomar as explicações deHeidegger como paradigmáticas de uma teoria da exegese poéticaem geral, pois o uso que o filósofo delas faz circunscreve-se ao contexto da sua investigação sobre a natureza do ser e sobre a naturezada linguagem. Numa nota introdutória em «Sobre a Essência da Poesia», Heidegger nega particularmente que elas possam constituir um

contributo para uma investigação em história da literatura ou emestética (,0)- Contudo a título de exemplo, podemos aqui mencionarduas passagens em que Heidegger se volta para a questão da explicação, uma em  Introdução à Metafísica,  uma das suas primeirasobras, e outra em Unterwegs zur Sprache.  Na última parte de Introdução à Metafísica  Heidegger explica a «Ode sobre o Homem», coral da Antígona de Sófocles, numa tentativa de definirmais claramente a primitiva concepção grega do homem nelaexpressa. Diz-nos então:

«A nossa interpretação comporta três fases,  em cada uma dasquais consideraremos o poema de um ponto de vista diferente. Na primeira fase, colocaremos o significado intrínseco do poema,

aquele que sustenta o edifício das palavras, situando-se acima deste. Na segunda fase atravessamos toda a seqüência de estrofes e

antiestrofes e delimitamos a área que o poema abriu. Na terceira fase, tentam o-nos situar no cen tro do poema, ju l

gando o que é o homem de acordo com este discurso poético.» (41)É evidente que Heidegger não envereda por uma abordagem

dc tipo formal, pois esta seria incompatível com as intenções e problemas por ele levantados. É interessante nota r que o procedi

(«) EHD; EB 232.(«) IM 148.

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mento que aqui demonstra, antecipa uma posterior ubordutioin«topológica» em que a explicação tenta colocar o lugar (topos)  u

 part ir do qual o poema fala, a localização de uma justificação nointerior do ser, que a passagem ilumina. Assim, a primeira fase nfto

começa serialmente mas sim com a tentativa de encontrar um sentido que sustente todo o edifício das palavras e que se situe acima dele.  Aquilo que se diz situa-se no interior de um significado quenão é totalmente explícito, o significado que está sob e sobre otexto. Este significado circundante, esta Gestalt   que é mais do quea soma das partes, é o princípio que governa o poema, clarificandoas suas partes individuais. É a verdade do poema, o ser que se desvenda — poderíamos dizer que é a alma do poema. Só a essa luzé que Heidegger empreende a segunda fase, que é a passagem da

estrofe para a antiestrofe e, através do poema, um recuo até «àdelimitação da área que o poema abriu».

«Na terceira fase tentamo-nos situar no centro do poema» — istoé, na fronteira determinante entre a ocultação e a revelação estabelecida pelo acto criativo do poeta ao nomear o que é o homem, eao repensar em profundidade o que foi nomeado. Isto significa, éclaro, que se vá mais longe do que o poema, que se enverede poraquilo que não foi dito:

«Se nos contentarmos com o que o poema diz directamente, a

interpretação acaba (com a segunda fase). Na verdade apenas começou. A interpretação real tem que mostrar o que não está nas palavras mas que no entanto é dito.  Para que isto se dé o exegeta temque usar de violência.  Tem que procurar o essencial onde a inter pretação científica já nada mais encontra, essa in terpretação queestigmatiza como não científico tudo aquilo que transcende osseus limites.» (“)

O processo hermenêutico no que tem de essencial, não surgena explicação científica daquilo que já está formulado no texto;antes é o processo do pensamento originário, pelo qual o significadodesvenda o que não era explicitamente presente.

Em Unterwegs zur Sprache,  um ensaio intitulado  Die Sprache im Gedicht   prefacia a discussão sobre a poesia de Trakl, com algumas considerações gerais sobre a explicação poética. Heidegger tomacomo ponto de partida a discussão da palavra alemão «discussão»:Eròrterung.  Primitivamente, o título do ensaio fora: Georg Trakl: Eine Eròrterung seines Gedichtes  e Heidegger procurou definir o

seu próprio ensaio não como histórico, biográfico, sociológico ou psicológico, mas como uma consideração do «lugar» (Ort)  a partirdo qual Trakl fez poesia, o lugar que se clarifica com a sua poesia.Pois todo o grande poeta fala a partir de um único «poema» cir

(«) Ibid., 162.

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cundante, que nunca é dito; a tarefa de um diálogo pensante como poeta terá que ser encontrar o lugar no ser que seja o fundamento do poema: «Só a partir do lugar que ocupa o poema (nãodito) é que o poema individual brilha e ecoa.» (“ )

Heidegger sustenta que um diálogo intelectual com um poema pode «perturbar aquilo que o poema diz, em vez de o deixar dizertranquilamente ... uma discussão do poema nunca poderá substituir-se a uma verdadeira audição de poemas, nunca poderá tomara liderança. Uma discussão intelectual pode, quanto muito, pro- bleinatizar uma audição, ou, num caso favorável, tornar uma audição m?is significativa» (“ ). Terá Heidegger aqui abandonado a primitiva controvérsia sobre a violentação do texto? Temos que

ir mais longe, procurar o que é mais fundo do que uma aparentemudança. À primeira vista poderia parecer que Heidegger querdeixar falâr o texto, com a sua própria verdade, com a sua própriavoz. A solução de «fazer violência ao texto» é essencialmente umaréplica aos críticos que queriam restringir a interpretação àquiloque no texto é inexplícito. Reafirma a necessidade de finalmentetranscender o texto e de recolocar a questão com que o texto lida.

Mais ainda, o processo de Eròrterung  em cada um dos seusdegraus, parece ir para além do texto, parece ír às raízes de cada palavra, pela repetição contínua de um verso ou versos, fazendo-sea explicação ouvir cada vez mais a partir do próprio verso. Essasrepetições evidenciam que a funçãq da explicação é deixar falar  o poema  e não querer dizer mais do que ele diz. A própria ideiade iluminar o «lugar» do poema é uma tentativa de «construira cena» do poema e não de tomar o seu lugar em cena. Tal comona Nova Crítica, o próprio poema é preponderante e não constituium background   biográfico. O background   de um poema não é a

vida do autor mas sim o tema do poema. A Nova Crítica e Heidegger estariam de acordo sobre a autonomia ontológica do poemae sobre a heresia da paráfrase; a diferença está em que a NovaCrítica tem dificuldade em defender a verdade do poema no contexto dos seus pressupostos. Nela, o texto transforma-se facilmentenum objecto de explicação, num exercício conceptual lidando apenas com o «dado», aceitando as restrições da objectividade científica; o tipo de explicação que Heidegger dá é radicalmente diferente de qualquer «análise» objectiva ao que é incontestavelmente

dado. Mas para além de diferenças de estilo, a existência de afinidades essenciais sugere que a hermenêutica de Heidegger poderiadar à Nova Crítica bases para uma revitalização.

(<3) US 38.(") Ibid., 39.

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Uma concepção hermenêutica da obra de arte

Em 1936, Heidegger efectuou três conferências sobre arte, como título «A Origem da Obra de Arte». Não foram publicadas ulé1950, aparecendo então como abertura de  Helzwege  (Caminho»na Floresta). Nelas encontramos a abordagem mais completa queHeidegger faz à natureza da arte. São uma transposição paru odomínio da arte das concepções essencialmente hermenêuticas daverdade e do ser, do conflito entre as formulações positivas e umafundamentação negativa embora criativa, da linguagem como falare dizer, acima abordadas. Uma obra de arte verdadeiramente grande

 fala , e ao fazê-lo constrói um mundo. Este falar, como todo o dizer

verdadeiro simultaneamente revela e esconde a verdade. «A belezaé o modo como a verdade, enquanto desocultação, ocorre.» (“ )O poeta nomeia o sagrado, e desse modo fá-lo aparecer, numaforma; Heiddeger encara toda a arte como intrinsecamente poética,como um meio de forçar o ser dos seres e desocultar-se e comoum meio de transformar a verdade num acontecimento históricoconcreto.

Esta situação estética é descrita em termos da tensão intrínsecaentre a terra, como fundamento criador das coisas, e o «mundo».

A terra representa para Heidegger a mãe inexaurível, a origem primordial e o fundamento de tudo. A obra de arte, como acontecimento em que a verdade se revela, representa a captação destatensão criativa numa  form a.  Assim, traz para o domínio dos seres,como sendo um todo, e abre ao homem, essa luta interna entrea terra e o mundo. Por exemplo um templo grego num vale, criaum espaço aberto ao ser, cria o seu próprio espaço vivo. Na belezada sua forma faz com que brilhem, em todo o seu esplendor, os

materiais de que é feito. Organiza de tal modo os materiais queos «anuncia», fazendo com que brilhem. O tempo nada copia;limita-se a construir, a partir de si mesmo, um mundo em quesentimos a presença dos deuses. Visto que a materialidade dosmateriais desaparece nos instrumentos, quanto melhor estes desem

 penhem a sua função de instrumentos, a obra de arte abre-nos ummundo precisamente através da revelação da materialidade dosmateriais:

«A pedra move-se e repousa e assim se torna verdadeiramente

 pedra; o metal começa a emitir luz e a brilhar; as cores começama cintilar como cores; os tons convertem-se verdadeiramente cmsons; e a palavra  fala.  Tudo isto acontece pelo facto de que a obrase coloca de novo na massa e no peso da pedra, na firmeza e namaleabilidade da madeira, na dureza e no brilho do metal, nu

(«) Ho 44; UK 61.

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sonoridade dos tons e no poder que a palavra tem de nomear (“).Dizer isto é simplesmente observar que a obra de arte «deixa

a terra ser terra» (,7). A terra não se limita a ser apenas algo sobre oqual caminhamos, tal como uma árvore não é apenas uma coisa que

está no nosso caminho; a terra é algo que aparece no brilho dometal e na sonoridade dos sons — e que depois recua. Não fazesforços e não se cansa. «Sobre a terra e dentro dela, o homemhistórico cimenta a sua morada no mundo.» (**) No domínio daarte, a construção de uma obra a partir da terra, cria um mundo;«a obra capta a terra e mantém-na firme na abertura de ummundo» (,9). A construção da terra e a exibição do mundo, sãosegundo Heidegger, as duas tendências básicas da obra de arte.

A essência da arte, por conseguinte, não está na mera perícia

técnica, mas sim na revelação. Ser uma obra de arte significa abrirum mundo. Interpretar uma obra de arte significa mudar parao campo aberto que a obra ergueu. A verdade da arte não é umaquestão de concordância superficial com algo que já está dado(i. e., a visão tradicional da verdade como correcção); revela aterra, de tal modo que a podemos ver.  Por outras palavras, a grandeza da arte tem que ser definida em termos da sua função hermenêutica. No seu ensaio, Heidegger enunciou uma teoria hermenêutica da arte.

O contributo de Heidegger para a teoria hermenêutica é poisverdadeiramente multifacetado. Em Ser e Tempo  voltou a concebera compreensão num contexto totalmente novo, mudando assim ocarácter fundamental de qualquer teoria conseqüente da interpretação. Redefiniu a própria palavra «hermenêutica» identificando-acom a fenomenologia (também tal como ele a definia) e com afunção essencial das palavras que é tornar compreensível. Nos seusúltimos trabalhos adoptou a exegese de textos como método típico

do filosofar, propondo-se como um filósofo hermenêutico nosentido mais tradicional do termo. Mas, para Heidegger, o sentidomais fundo da palavra é o de um processo misterioso de revelação, pelo qual o ser ganha existência. Nos term os desse processo essencialmente hermenêutico. Heidegger abordou a linguagem, as obrasde arte, a filosofia e a própria compreensão existencial.

Foi decididamente mais longe do que a concepção aparentemente lata de Dilthey. da hermenêutica como base metodológicade todas as disciplinas humanísticas; em Heidegger, a hermenêu

tica aponta para o facto da compreensão enquanto tal, não por 

(«) Ho 35; Uk 47.(") Ibid.(«) Ibid.(«) Ibid.

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métodos históricos de interpretação que superam e contrurium usmétodos científicos. A dicotomia histórico-científica a que Diltheydedicou toda a sua vida é abandonada, sustentando-sc u posiçflode que toda a compreensão se radica no carácter histórico da com

 preensão existencial; abre-se o caminho para a hermenêutica «filosófica» de Gadamer.

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A CRÍTICA DE GADAMER À ESTÉTICA MODERNA

E À CONSCIÊNCIA HISTÓRICA

 No desenvolvimento da teoria herm enêutica moderna deu-seum acontecimento decisivo com a publicação de Wahrheit und  

 Methode: Grundzüge einer philosophischen Herm eneutik   (Verdadee Método: Elementos de uma Hermenêutica Filosófica) pelo filósofo de Heidelberg, Hans Georg Gadamer. Num único volumeapresenta-nos não só uma revisão crítica da estética moderna e da

teoria da compreensão histórica, numa perspectiva essencialmenteheideggeriana, como também uma nova hermenêutica filosófica baseada na ontologia da linguagem.

Profundamente filosófica, esta obra só tem comparação comoutras duas monumentais abordagens da teoria hermenêutica escritas neste século:  Das Verstehn,  de Joachim Wach e Teoria generale delia interpretazione  de Emilio Betti. Cada uma destas três obrasdefende uma finalidade distinta e assim, cada uma deu um contributo diferente. Os três volumes de Wach sobre a história da

hermenêutica no século xix constituem uma referência indispensável para todo o estudante que queira abordar seriamente otema da hermenêutica. Foram no entanto escritos nos últimos anosde 1920, situando-se necessariamente no contexto da concepção dehermenêutica professada por Dilthey.

Betti faz uma revisão do espectro dos diferentes tipos de inter pretação tendo em mente a formulação de uma teoria geral globale sistemática e pretendendo desenvolver um conjunto de regras

 básicas para uma interpre tação mais válida. Desde o início queesta obra põe como meta um organon  sistemático das formas deinterpretação, mais do que uma simples história; assim, a suaextensão e a sua abundante documentação tal como a sua finalidade sistemática, constituem um complemento inestimável à obra<le Wach que lhe é anterior. No entanto, Betti mantém-se essencialmente no interior da tradição idealista germânica, filosoficamente falando,' tendendo a aceitar previamente, como axiomas, os

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 pressupostos que Heidegger põe radicalmente em causa. ParaBetti, Heidegger é uma ameaça à ideia de resultados objectivamenteválidos no campo da filologia e da historiografia. Depois de Betti,restou a Gadamer percepcionar e desenvolver as conseqüências

 positivas e frutíferas da fenomenologia no campo da teoria hermenêutica, em particular o pensamento de Heidegger. Foi Gadamerquem teve que lutar com o problema filosófico de desenvolveruma nova ontologia do evento da compreensão.

Assim, com o aparecimento de Verdade e Método,  a teoriahermenêutica entra numa nova e importante fase. Gadamerexprime agora, de um modo totalmente sistemático, a nova concepção radical de Heidegger relativamente à compreensão, traçadano capítulo anterior; esclarecem-se as implicações desta concepção

no modo como se concebem o estético e o histórico. Abandona-sea antiga concepção de hermenêutica como sendo a base metodológica específica das Geisteswissenschaften;   o próprio estatuto dométodo é posto em causa, pois o título do livro de Gadamer éirônico: o método não é o caminho para a verdade. Pelo contrário,a verdade zomba do homem metódico. A compreensão não seconcebe como um processo subjectivo do homem face a um objectomas sim como o modo de ser do próprio homem; a hermenêuticanão se define enquanto disciplina geral, enquanto auxiliar dashumanidades, mas sim como tentativa filosófica qua avalia a com

 preensão, como processo ontológico — o processo ontológico — dohomem. O resultado destas reinterpretações é um tipo diferente deteoria hermenêutica, a hermenêutica «filosófica» de Gadamer.

É essencial percebermos, logo desde o início, a distinção entrea hermenêutica filosófica de Gadamer e o tipo de hermenêuticaque se orienta para os métodos e para a metodologia. Gadamer nãose preocupa directamente com os problemas práticos da formulação

de princípios interpretativos correctos; antes pretende esclarecero próprio fenômeno da compreensão. Isto não significa que neguea importância da formulação de tais princípios; pelo contrário, elessão necessários às disciplinas interpretativas. Significa sim que Gadamer trabalha sobre uma questão preliminar e fundamental: comoé possível a compreensão, não só nas humanidades mas em todaa experiência humana sobre o mundo? Esta é uma questão quese coloca às disciplinas da interpretação histórica mas que vai muitomais longe do que elas. É neste ponto que Gadamer liga explici

tamente a Heidegger a sua definição de hermenêutica:«Penso que a análise temporal que Heidegger faz da existênciahumana, demonstrou eficazmente que a compreensão não é umaentre várias atitudes de um sujeito humano, mas um modo de serdo próprio  Daseirt.  Neste sentido usei aqui o termo «hermenêutica»(em Wahrheit und Methode).  Designa o movimento básico daexistência humana, constituído pela sua finitude e historicidadc,

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e por conseguinte abrangendo a globalidade da sua cxpcriêncln nomundo ... O movimento de compreensão é englobante e univcisal.» (')

É claro que a universalidade da hermenêutica traz consequôn

cias às tentativas realizadas pelas disciplinas interpretativas no querespeita à metodologia. Por exemplo, o carácter englobante da com preensão levanta a questão de podermos, com um simples  jia t, limitar o campo de acção da compreensão, ou reduzi-lo a outroaspecto. Gadamer defende que a experiência de uma obra de artetranscende todo e qualquer horizonte subjectivo da interpretação,tanto o do artista como o daquele que percepciona a obra de arte.Por esta razão, «a mens auctoris  não é a medida possível paraavaliar o significado (Bedeutung)  de uma obra. De facto, falar de

uma obra de arte isolada, separada da sua relidade, incessantementerenovada, tal como aparece na experiência, é adoptar um ponto devista muito abstracto» (2). O decisivo não é a intenção do autornem a obra como coisa isolada, fora da história, mas o quid   queaparece repetidamente nos encontros históricos.

Para alcançarmos as condições metodológicas trazidas por estahermenêutica mais universal de Gadamer, temos que entrar mais

 profundam ente nas raízes heideggerianas do pensamento de Gadam ere no carácter dialéctico da hermenêutica tal como Gadamer a con

cebe. À semelhança de Heidegger, Gadamer é um crítico da rendição moderna ao pensamento tecnológico, radicado no subjectismo(Subjektitàt),  isto é, na consideração da consciência humana sub

 jectiva, e das certezas da razão que nela se fundam, como se constituíssem um ponto de referência último para o conhecimentohumano. Os filósofos pré-cartesianos, como por exemplo os antigosgregos, viram o seu pensamento como parte do próprio ser; nãotomaram a subjectividade como ponto de partida, fundamentandodepois sobre ela a objectividade do seu conhecimento. A suaabordagem foi mais dialéctica, foi uma abordagem que tentouguiar-se pela natureza daquilo que estava a ser compreendido.O conhecimento não era algo que adquirissem como uma posse,mas algo em que participavam, deixando-se guiar e mesmo ser

 possuídos pelo seu conhecimento. Deste modo os Gregos realizaramuma abordagem da verdade que ultrapassou as limitações do pensamento moderno de um sujeito-objecto, radicado num conhecimentosubjectivamente certo.

A abordagem de Gadamer está pois mais próxima da dialécticasocrática do que do pensamento moderno, manipulativo e tecnológico. A verdade não se alcança metodicamente mas dialectica-

0) WM. Prefácio à 2.» ed., XVI.O Ibid., XVII.

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mente; a abordagem dialéctica da verdade é encarada como a antítese do método; ela é de facto um meio de ultrapassar a tendênciaque o método tem de estrutura previamente o modo individual dever. Rigorosamente falando, o método é incapaz de revelar uma novaverdade; apenas explicita o tipo de verdade já implícita no método.A própria descoberta do método não se alcançou metodicamentemas sim dialecticamente, isto é, como resposta problematizanteao tema com que deparamos. No método, o tema a investigarorienta, controla e manipula; na diàléctica, é o tema que levantaas questões a que irá responder. A resposta só pode ser dada se

 pertencer ao tema e situando-se nele. A situação interpretativanão é mais a de uma pessoa que interroga e a de um objecto,devendo aquele que interroga construir «métodos» que lhe tornemacessível o objecto pelo contrário, aquele que interroga desco

 bre-se como sendo o ser que é interrogado pelo tema (Sache).  Numasituação destas «o esquema sujeito-objecto» é enganador pois osujeito torna-se agora objecto. Na verdade, o próprio método égeralmente encarado como estando no interior do contexto daconcepção sujeito-objecto da situação interpretativa do homem,servindo de fundamento ao pensamento moderno, manipulador etecnológico.

Poder-se-ia perguntar: Não será a dialéctica hegeliana a essên

cia mesma do pensamento subjectivo, pois não é verdade que o pensamento dialéctico leva à auto-objectificação da consciência?A autoconsciência está no centro do pensamento hegeliano, masa hermenêutica dialéctica de Gadamer não segue o conceito hegeliano de Geist   na fundamentação última que este tem na subjec-tividade. Fundamenta-se, não na autoconsciência mas sim no ser,na linguisticidade do ser humano no mundo e por conseguinte nocarácter ontológico do acontecimento lingüístico. Não se trata deuma dialéctica de teses requintadas que se opõem; é uma dialéctica

entre o contexto em que cada pessoa se insere e o contexto da«tradição» — o que desce a té nós, o que vem ao nosso encontro,e cria aquele momento de negatividade que é a vida da dialécticae a vida da interrogação.

Assim, embora a hermenêutica dialéctica de Gadamer tenhaafinidade com Hegel, ela não procede do subjectivismo implícitoem Hegel e aliás em toda a metafísica moderna anterior a Heidegger. Embora tenha semelhanças com a dialéctica de Platão,não pressupõe a doutrina platônica das ideias nem a sua concepção

de verdade e de linguagem. Antes propõe uma dialéctica baseadana estrutura do ser tal como foi explicada pelo último Heidegger,e na estrutura prévia da compreensão tal como se coloca em Ser  e Tempo. O  objectivo da dialéctica é eminentemente fenomenoló-gico: fazer com que o ser, ou a coisa que encontramos, se revele.O método envolve uma forma específica de questionamento que

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desoculta um aspecto da coisa; uma dialéctica hermenêutica abrr *ra um questionamento pelo ser das coisas, de modo que as colrmnque encontramos se possam revelar no seu ser. Isto é possível,defender Gadamer, devido à linguisticidade da compreensão humana e em última instância, do próprio ser.

Esta orientação do pensamento para o problema hermenêuticoestá eminentemente implícita em Heidegger. Só é nova a ênfaseespeculativa e dialéctica — poderíamos dizer hegeliana — e a exposição agora totalmente revelada das implicações da ontologia heideggeriana em estética e em interpretação de textos. Pede-se aoleitor que tenha presente o facto de que as concepções heideggerianas

 básicas sobre pensamento, linguagem, história e experiência humanasão transpostas para Gadamer. Isto é essencial pois as teses deWahrheit und Methode  baseiam-se nelas e o resvalar inconsciente

 para as concepções pressupostas na maior parte dos pensadoresingleses e americanos contemporâneos que se debruçam sobre ainterpretação, criará ainda mais dificuldades à compreensão. Paramais, as concepções de Gadamer inter-relacionam-se, de modo a quesó gradualmente entramos no círculo das suas considerações. Finalmente, as teses de Gadamer assentam essencialmente nas suasminuciosas análises críticas a um pensamento anterior sobre alinguagem, sobre a consciência histórica e sobre a experiência

estética. Assim há obstáculos de peso que se colocam à compreensão do pensamento de Gadamer. No entanto, far-se-á uma tentativade apresentar algumas das linhas essenciais do modo como Gadamertransforma a teoria heideggeriana da compreensão numa criticaformal da estética moderna e das concepções históricas da inter

 pretação.

A crítica à consciência estética

Segundo Gadamer, é relativamente moderno o conceito de«consciência estética», distinguindo-se e isolando-se dos domínios«não estéticos» da experiência. De facto, é conseqüência da subjec-tivação geral do pensamento efectuada a partir de Descartes, tendência a fundamentar todo o conhecimento numa autocertezasubjectiva. De acordo com esta concepção, o sujeito que contemplaum objecto estético é uma consciência vazia recebendo percepçõese gozando de certo modo, da imediatez de uma forma puramente

sensível. A «experiência estética» é assim isolada e descontínuarelativamente a outros domínios mais pragmáticos; não é mensurável em termos de «conteúdo» visto ser uma resposta à forma.

 Não se relaciona com a autocompreensão do sujeito, ou com otempo; é encarada como um momento atemporal sem qualqueroutra preferência que não seja a si própria.

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As conseqüências de uma concepção deste gênero são inúmeras.Em primeiro lugar não há qualquer modo adequado de avaliaçãoda arte que não seja o da satisfação perceptiva. Não há preceitos

 para a arte em term os de conteúdo, pois que a arte não é conhecimento. Fazem-se distinções tortuosas entre a «forma» e o «conteúdo» da arte; o prazer estético é atribuído à primeira. A artedeixa de ter um lugar definido no mundo pois nem ela nem o próprio artista pertencem ao mundo de um modo determinado.A arte é deixada sem qualquer função e o artista sem qualquerlugar na sociedade. A «sacralidade» evidente da arte, que experimentamos quando protestamos contra a destruição absurda degrandes obras de arte, não é de modo algum legitimada. E certa

mente que o artista não tem pretensões a ser um profeta poistudo aquilo que cria é quer uma expressão formal do sentir querum prazer estético.

 No entanto , uma concepção deste tipo no que respeita ao fenômeno estético é contrariada pela experiência que temos de grandesobras de arte. A experiência do encontro com uma obra de arteabre-nos um mundo; não nos limitamos a ficar boquiabertos,gozando sensualmente os contornos das formas. Logo que deixamos

de considerar uma obra como um objecto e a vemos como ummundo, quando vemos o mundo através  dela, então percebemosque a arte não é percepção sensível mas conhecimento. Quandodeparamos com a arte, alargam-se os horizontes do nosso própriomundo e da nossa autocompreensão, de modo a vermos o mundo«a uma nova luz» — como se fosse a prim eira vez. Mesmo osobjectos comuns e habituais, surgem a uma nova luz quandoiluminados pela arte. Assim, uma obra de arte não é um mundodivorciado de nós. Se o fosse não poderia iluminar a nossa própriaautocompreensão tal como o faz. Num encontro com uma obrade arte não penetramos num universo estranho, não saímos dotempo e da história, não nos separamos de nós mesmos ou do nãoestético. Antes nos fazemos mais presentes. Quando tomamos paranós a unidade e a personalidade do outro enquanto mundo, realizamos a nossa autocompreensão; quando compreendemos umagrande obra de arte trazemos para a cena aquilo que experimentámos e aquilo que somos. É toda a nossa autocompreensão que é

avaliada, que é posta em risco.  Não somos nós que interrogamosum objecto; é a obra de arte que nos coloca uma questão, a questãoque provocou o seu ser. A experiência de uma obra de arte é englo- bante e surge na unidade e continuidade do nosso próprio auto-conhecimento.

Pode no entanto dizer-se que quando contemplamos uma obrade arte desaparece o mundo em que vivemos a nossa própria vida.O mundo da obra apossa-se de nós e, por breves momentos, éum «mundo fechado» em si próprio e auto-suficiente. Não precisa

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de medidas exteriores a ele e não pode ser medido como uniucópia da realidade. Como conciliar isto com a afirmação do qura obra de arte apresenta um mundo que é a continuidade do nosso?

A justificação tem que ser ontológica: quando vemos umn

grande obra de arte e penetramos no seu mundo, sentimo-nos«em casa» e não de fora. Imediatamente dizemos: é na verdadeassim! O artista disse aquilo que é.  O artista captou a realidadenuma imagem, a forma; não construiu magicamente uma encantada«terra de ninguém» mas sim o mundo de experiência e de auto-compreensão em que vivemos, em que nos movimentamos e temoso ser. A transformação numa forma, realizada pelo artista, é realmente a transformação na verdade do ser. A legitimação da artenão está no facto de produzir um prazer estético mas sim no factode revelar o ser. A compreensão da arte não advém de a cortarmose dividirmos metodicamente como se fosse um objecto, ou daseparação forma-conteúdo; vem através de uma abertura ao ser,vem no ouvir da questão que a obra nos coloca.

Daqui a obra de arte apresentar-nos verdadeiramente ummundo que não devemos reduzir à nossa ou à medida das metodologias. Contudo, só compreendemos este novo mundo porquesomos já participantes das estruturas da autocompreensão que o

fazem verdadeiro para nós. É esta a base real para que a mesmacoisa seja compreendida tal como era dado sê-lo. A mediação destaautocompreensão é a forma. O artista tem o poder de transformara experiência que tem do ser numa imagem ou numa forma.Enquanto forma torna-se duradoura e aberta a sucessivas gerações,repetível. Tem as características não só da energia  do ser mas deuma obra.  Tornou-se numa verdade que perdura (das bleibende Wahre) (3).

A mudança que ocorre nos materiais pela sua transformaçãoem imagem (Verwandlung ins Gebilde)  não é uma simples mudançamas uma verdadeira transformação: «O que antes foi já não é, masaquilo que agora é, aquilo que se apresenta na interpretação daarte é a verdade que agora perdura.» (*) A fusão da verdade ou ser,representada na forma, é tão completa que algo de novo ocorre.Há uma «mediação total» de modo que a inter-relação dos elementos na forma constitui o seu próprio mundo e não uma sim

 ples cópia de qualquer coisa. Esta aparente autonomia não é a

autonomia sem finalidade e isolada da «consciência estética» masa mediação do conhecimento no sentido mais fundo do termo; aexperiência da contemplação da obra de arte faz deste conhecimentoum conhecimento partilhado (5).

(s) WM 106. (‘) Ibid.(’) Ibid., 92.

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«consciência estética», apresenta a ideia de uma arte desempenhando um papel decorativo. A arte situa-se. Exige um lugar ccria para si mesma um lugar aberto. As obras de arte não pertencem realmente aos museus, onde são reunidas num lugar nllo

localizado. O problema subjacente é o conceito da imagem artísticacomo sendo estética e não ontológica, no sentido englobante. HAuma necessidade absoluta, diz Gadamer, de mudar a concepçãoda arte que tem predominado nos últimos séculos e «o conceitode representação com que nos familiarizaram os museus modernos».Precisamos, diz ele, de reabilitar o elemento decorativo e o ocasionalda arte, que foi desacreditado por uma estética baseada na «puraforma» ou na «manifestação da experiência» O0). A arte não ésem tempo nem sem lugar. «O primeiro item do nosso programaé encontrar um meio de recuperar um horizonte que inclua con juntamente a arte e a história.» (n )

Gadamer sustenta que há duas perguntas que poderão indicaro caminho: 1) Em que aspecto é que uma imagem se distingue dacópia de algo? 2) Como é que, deste ponto de vista, surge a relaçãoda representação da imagem com o seu «mundo»? (”) A arte «representa» claramente algo, representa aquilo que a criou, que a fezaparecer; claramente também, há um mundo que se abre. O ponto

de vista de uma estética que defende a ideia do «puramente estético» nunca encontrará resposta para estas perguntas, e umaestética baseada na experiência, no sentido antigo do termo, tam bém é inadequada. Ambas procedem da premissa errada de referiruma obra de arte ao seu sujeito, numa relação de sujeito-objecto.E só quando tivermos ganho um horizonte de interrogação quetranscenda o velho modelo do esquema sujeito-objecto é queencontraremos um caminho para compreendermos a função e afinalidade, o como   e o que,  a temporalidade e o lugar, da obra

de arte.

O jogo e o modo de ser da obra de arte

Há no fenômeno do «jogo» uma série de elementos significativosque esclarecem o modo de ser da obra de a r te (13). No entantoGadamer não está aqui a reabilitar as teorias estéticas do «jogo», baseadas no hedonismo estético. Tais teorias consideram que brincar é uma actividade do sujeito humano: a arte é uma espécie de

(,0) Ibid., 130.(•') Ibid.(,J) Ibid.(1J) Ibid., 97-105. Embora Spiel  possa ser traduzido como «brincadeira»,

<m brincar, traduzi-o na maior parte das vezes por «jogo». Para outras dlmon-tóes da significação de Spiel,  ver Eugene Fink Spiel ais Weltsymbol.

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 brincadeira que dá prazer ao sujeito humano. Este deixaria o mundo para gozar de um momento estético fo ra da sua existência mundana e acima dela. O artista é encarado como sendo uma criançasensível que cresceu demais para a sua idade, é aquele que expe

rimenta um prazer sensível ao brincar com as formas, ao moldare manipular materiais, numa proporção agradável. Gadamer vênestas teorias estéticas o erro moderno de tudo referir à subjecti-vidade humana. Por «jogo» Gadamer não entende uma atitudeou uma actividade de um sujeito humano que cria e se diverte;também não considera o jogo como a «liberdade» da subjectividadehumana que se empenha na brincadeira. «Jogo» (ou «brincadeira»)antes se refere ao modo de ser da própria obra de arte. O objectivoda discussão de Gadamer sobre o conceito de jogo ou de brincadeira, na sua relação com a arte, é libertá-lo da tendência tradicional que há em o associar com a actividade do sujeito.

Um jogo «é apenas um jogo», não é uma «coisa séria»; noentanto, enquanto jogo — já que agora estamos a falar do próprio

 jogo — tem uma espécie de seriedade sagrada. De facto, quem o nãotoma a sério «estraga o jogo». O jogo tem a sua própria dinâmica,tem as suas próprias metas, independentes da consciência que os jogadores têm desse facto (14). Não é um objecto contra um sujeito,

é um movimento do ser que se vai autodefinindo, um movimentono qual entramos. O jogo, e não a nossa participação nele, torna-seo verdadeiro «tema» da nossa discussão. A nossa participação no

 jogo trá-lo para uma apresentação, mas mais do que a nossa subjectividade interior, é o jogo que se apresenta: o jogo afirma-se, ocupao seu lugar, em nós e por nosso intermédio (15).

Do ponto de vista subjectivista, o jogo é uma actividade de umsujeito, uma actividade livre na qual queremos entrar e que usamos para nosso próprio prazer. Mas quando perguntamos o que é realmente o jogo, e como é que acontece, quando consideramos o jogoe não a subjectividade humana como o nosso ponto de partida,então ele toma um novo rumo. O jogo só é visto como jogo depoisde acabado, enquanto está a ser jogado é soberano. O fascínio do jogo lança sobre nós um encantamento, envolve-nos nele; dominaverdadeiramente o jogador (w). O jogo tem o seu espírito peculiar.

O jogador escolhe o jogo a que se irá entregar, mas depois deo escolher entra num mundo fechado em que o jogo se processa,

nos jogadores e através deles. Num certo sentido, o jogo tem umaquantidade própria de movimento e desenvolve-a; tem que ser jogado (,T).

(“ ) Ibid., 98.C’)  Ibid.(>•) Ibid., 102.(1T) Neste sentido é semelhante a um ritual. Este tem o seu poder próprio

o enquanto sc processa faz-nos sair do quotidiano.

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Um jogo de bridge, uma partida de ténis, crianças brincandoumas com as ou tras — estes jogos, de um modo geral, nflo scapresentam a um espectador, são jogados pelos próprios jogadorese para eles. Na verdade, quando um desporto se torna essencial

mente algo para os espectadores, pode ser deturpado e perdero seu carácter de jogo. Mas o que acontece com uma obra de arte?Onde estaria uma representação se uma «quarta parede» não scabrisse para o público? Quando deparamos com uma obra de artesomos participantes ou observadores? Gadamer sustenta que nosmantemos público, que não somos os jogadores do jogo. Mas aquiinsinua-se uma distinção: uma peça (play)  não é um jogo e noentanto é representada (played)  para um público (*). Mais precisamente, dizemos que uma peça é «apresentada» mas continuamosa chamar-lhe «peça» (play)  e os seus actores (players)  representam(play).  Em alemão, as palavras Spiel  e spielen  referem-se ao jogoe à representação (playing):  ambos derivam do mesmo verbo —spielen.  Assim, em alemão não há distinção entre um jogo e uma peça. Pelo contrário, em inglês esforçamo-nos por te r presentesas afinidades entre um jogo e uma peça. Ambos se fecham emsi mesmos, ambos têm as suas próprias regras, ambos pretendemdesenrolar-se até ao fim, em ambos os participantes (players)  se

empenham ao serviço de um espirito que ultrapasse o espírito decada um deles.Mas as diferenças entre uma peça e um jogo são também im

 portantes pois a peça realiza aquilo que pretende apenas comouma apresentação. O seu significado real é uma questão de mediação. Não existe primeiro para os actores mas sim para o espectador. Uma peça é tão hermeticamente fechada e tão auto-suficientecomo qualquer jogo, mas como  peça apresenta-se um evento  parao espectador. Gadamer afirma:

«Vimos que um jogo tem o seu ser, não na consciencializaçãoou nas acções dos jogadores, mas, pelo contrário, impele-os parao seu próprio campo e enche-os com o seu espírito. O jogadorexperimenta o jogo como se este tivesse uma realidade dominadora.Isto ainda mais se verifica quando essa realidade é uma ‘pretensa’realidade — e é esse o caso quando o que é representado aparececomo algo que se apresenta a um espectador .» C )

Ora a razão da peça não é só dar aos actores uma experiênciade actuação, não é só fazer com que captem o «espírito do jogo»;a justificação da peça é a transmissão da «realidade dominante»daquilo que é «pretendido» na peça, a realidade que foi transformada

(•) O autor joga aqui com os termos  play  e  player   nos vários sentidosque têm em inglês. Considerou-se oportuno colocar a palavra inglesa ontre

 parêntesis. (N. da T.)(«) WM 104.

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cm forma. Qual é a natureza do movimento interno desta forma?É como num jogo — um tipo determinado de jogo, onde somos«captados» como espectadores. No evento dominador que é o jogo,o que se pretende (a estrutura e o espírito do jogo) é comunicado.

 No caso de uma obra de arte, em que consiste essa «coisa pretendida»? É o «modo como as coisas são», a «verdade» do ser, die Sache selbst.  Uma obra de arte não é um mero objecto de prazer;c uma apresentação, transformada em imagem, de uma verdade doser enquanto evento. «Nunca alcançamos a verdade essencial deum poema a partir da avaliação de uma consciência estética; o

 poema fala-nos a partir do seu conteúdo significativo, como acontece cbm todos os textos literários.» (“) Num poema nunca perguntamos primeiro pela forma, nem a forma alguma vez poderá ser

aquilo que faz de um poema um poema. Perguntamos o que diz o poema e experimentamos o seu significado na e pela form a, oucomo também se pode dizer, no  e  pelo  evento lúcido de encontrara forma, pois a forma é evento quando a encontramos; somoscaptados e dominados pelo espírito do poema.

Ao captar as analogias entre a obra de arte e o jogo, e aoconsiderar a estrutura do jogo como o modelo orientador de umaestrutura que tem a sua autonomia própria mas que no entanto

se mantém aberta ao espectador, Gadamer atingiu algumas metasessenciais. A obra de arte é encarada, não como uma coisa dinâmica mas sim como estática. Transcende-se o ponto de vista deuma estética centrada na subjectividade e sugere-se uma estruturaque mostra a inadequação do esquema sujeito-objecto relativamenteà compreensão de um jogo e, consequentemente, à obra de arte.

A força da argumentação de Gadamer está em que ele tomaa experiência da arte como ponto de partida e como evidência parafundamentar as suas asserções. Mostra que «a consciência estética»

não deriva da natureza da experiência artística mas que é uma construção reflexiva baseada numa metafísica subjectivista. É precisamente a experiência artística que mostra que a obra de arte nãoé um mero objecto que se opõe a um sujeito auto-suficiente. A obrade arte tem o seu ser autêntico no facto de que, ao tornar-se experiência, transforma aquele que a experimenta; a obra de arte age.O «tema» da experiência artística, aquilo que perdura no tempo,não é a subjectividade daquele que experimenta a obra; é a própriaobra. Este é precisamente o ponto em que o modo de ser de um jogo se to rna importante. Também o jogo tem a sua própria natureza, indepefidentemente da consciência daqueles que o jogam. Gadamer encontrou um modelo que não só demonstra a falência daestética subjectiva; este modelo funciona também como base fun-

(») Ibid., 155.

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damentadora do carácter dialéctico e ontológico da sua própriahermenêutica.

Mas esta concepção da autonomia da obra de arte c esta tentativa de encarar a dinâmica do ser da própria obra não estarflo,

em espírito, muito próximos da Nova Crítica? Não terá Gadamer, por meio de uma análise sofisticada, apenas chegado a uma posiçãoque a Nova Crítica tem sustentado como sendo a de um realismoaristotélico? Há semelhanças, de modo que a Nova Crítica encontraria poucos motivos de discordância na comparação feita porGadamer. Mais significativo ainda é o facto de que a analogia deGadamer oferece uma legitimação consistente à autonomia da obrade arte sem o isolamento implicado na aceitação do mito da diferenciação estética. Até agora a defesa feita pela Nova Críticaquanto à autonomia da obra literária, apenas serviu pra enfraquecera sua relevância. A defesa grandiosa que tem feito da poesia, apenas nos recorda que poesia e poeta já não têm lugar na sociedadee que os seus defensores acadêmicos se assemelham a anjos fúteis, batendo no vácuo as suas asas luminosas (parafraseando a famosareferência de Arnold a Shelley). Porém, a abordagem genuinamente«objectiva» de Gadamer, se liberta decisivamente a interpretaçãoquanto aos mitos de uma estética subjectivizada — libertando-a par

ticularmente das dicotomias sujeito-objecto e forma — conteúdo —ainda considera a obra literária separadamente das opiniões do autordo acto criativo e da tendência para tomar como ponto de partidaa subjectividade do leitor. A Nova Crítica ainda fala por vezes deuma «rendição» ao ser da obra; e nisto está verdadeiramente deacordo com Gadamer.

Contudo, a Nova Crítica manteve-se sem o saber, envolvia nasilusões da estética subjectiva. O ponto de vista de Gadamer ter--lhe-ia permitido ver mais claramente a natureza da continuidade

entre a autocompreensão que alcançamos a partir da literatura e aautocompreensão na e pela qual existimos. Particularmente, a NovaCrítica poderia ter chegado, através de Gadamer, à historicidade daliteratura. Demasiadas vezes os seguidores da Nova Crítica tomarama forma como o ponto de partida para as suas análises, um procedimento que imediatamente os fez cair na série de erros que acom

 panham a diferenciação estética.Simultaneamente, há ainda hoje demasiados intérpretes literá

rios que tremem com a ideia de que a literatura tem um carácterhistórico. Reconhecidamente que uma obra de arte não é um meroacessório de quem escreve história; seria igualmente pernicioso enco brir o facto de que a compreensão dos grandes espíritos do passadonos é historicamente mediada através de obras de arte. A diferenciação dos aspectos formais da literatura como estética relativamente aos não formais, tende a dar ao intérprete o sentimento dique ele, quando tenta considerar o que a obra de arte diz,  |A nR"

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está a discutir a obra como sendo arte. Discutir o significado quea obra tem para os dias de hoje, parece não ter justificação na filosofia da obra literária que certos autores defendem; na verdade, atensão entre o passado e o presente é muitas vezes aceite nasanálises formais da poesia, feitas numa perspectiva anhistórica,atemporal. Aqui mais uma vez a crítica literária (incluindo a críticado mito) se coloca como precisando de uma clarificação drásticaquanto ao carácter histórico e temporal da obra de arte literária.Este facto esclarecer-se-á depois de apresentarmos a crítica feita porGadamer às concepções usuais de história e de historicidade.

A crítica à compreensão usual da história

Gadamer considera explicitamente como fundamento e ponto de partida da sua análise da «consciência histórica» a análise fe ita porHeidegger da estrutura prévia da compreensão e da historicidadeintrínseca (Geschichlichkeit)   da existência humana. De acordo coma concepção heideggeriana da pré-estrutura da compreensão, com preendemos um dado texto, tema ou situação, não com um a consciência vazia, temporariamente preenchida com a situação em causa,mas antes porque mantemos na nossa compreensão, e fazemos

actuar uma intenção preliminar relativamente à situação, ummodo de ver já estabelecido, e algumas «concepções-prévias ideacio-cionais». Já mencionámos esta estrutura-prévia da compreensãoaquando da discussão da hermenêutica heideggeriana; agora apenas precisamos de notar as conseqüências da consciência histórica.A conseqüência fundamental afirma-se muito simplesmente logo:não há uma visão ou uma compreensão puras da história, sem referência ao presente. Pelo contrário, a história é vista e compreendida apenas e sempre através de uma consciência que se situa no

 presente.Contudo, o conceito de historicidade, mesmo quando afirmaisto, simultaneamente afirma a operacionalidade do passado no presente: O presente só é visto e compreendido através das intenções,modos de ver e preconceitos que o passado transmitiu. A hermenêutica dc Gadamer e a sua crítica à consciência histórica, sustentam que o passado não é como um amontoado de factos que se possam tornar objecto de consciência; é antes um fluxo em quenos movemos e participamos, em todo o acto de compreensão.

A tradição não se coloca pois contra nós; ela é algo em que nossituamos e pelo qual existimos; em grande parte é um meio tãotransparente que nos é invisível — tão invisível como a água o é para o peixe.

Talvez que agora o leitor recorde esta analogia extraída daCarta sobre o Humanismo  de Heidegger. Pode mesmo objectar que

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na Carta  a analogia diz respeito ao ser; o ser é o «elemento» cmque vivemos. Mas na verdade não há aqui propriamente tensão outradição, pois a linguagem é a casa do ser e nós vivemos na e pclulinguagem. Gadamer e Heidegger concordariam em que a linguagem

é o reservatório e o meio de comunicação da tradição; a tradiçãoesconde-se na linguagem e a linguagem é um «meio», como a águao é. Para Heidegger e Gadamer, a linguagem, a história e o sernão estão apenas inter-relacionados mas sim misturados, de modoque a linguisticidade do ser é simultaneam ente a sua ontologia — oseu «tornar-se ser» — e o meio da sua historicidade. Tornar-se seré um acontecimento na   e da  história, sendo governado pela dinâmica da historicidade; é um evento da linguagem. Mas para efeitosde análise adiemos por agora a linguisticidade e olhemos para o

modo como a estrutura da historicidade e da compreensão préviaafecta o problema hermenêutico relativamente à compreensão histórica.

A crítica à «consciência histórica» tanto em Gadamer como emHeidegger é essencialmente dirigida à «escola histórica» na Alemanha, cujos representantes mais famosos no século xix foramJ. G. Droysen e L. von Ranke. Estes autores representaram um

 prolongamento da «hermenêutica romântica». Não devemos inter preta r erradamente esta herm enêutica como sendo uma história

romanceada no estilo de Sir Walter Scott mas, pelo contrário, devemos vê-la como a tentativa mais esforçada de uma história «objec-tiva». A tarefa do historiador não era a de projectar na história osseus sentimentos pessoais mas sim a de entrar completamente nomundo histórico do qual pretendia dar conta.

Dilthey passou a vida tentando estabelecer uma metodologianão naturalistica para a compreensão histórica e na sua última fasetentou fundamentar os estudos humanísticos num conjunto de ideiase de procedimentos históricos e hermenêuticos, não naturalísticos.A «experiência» e a «própria vida» eram temas constantes. A experiência, quando encarada como uma unidade significativa, tornou-seconhecimento e assim, havia na «própria vida» uma «reflexividadeimanente» (” ). Como observa Gadamer; «A relação entre a vida eo saber é um dado fundamental em Dilthey» (” ). A compreensãohistórica não assenta num abandono total da experiência de cadaum mas na compreensão de que cada pessoa é em si mesma um serhistórico; em última instância assenta na participação comum na

vida, que cada pessoa faz com as outras. É esta compreensão já dadada vida, diz Dilthey, que nos permite compreender «manifestaçõesda vida» na arte e na literatura. E quando encontramos e com

(” ) Cf. ibid., 222.O1) Ibid., 223.

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 preendemos essas manifestações da vida, chegamos também aoconhecimento de nós mesmos: «A consciência histórica (para Dilthey)é um modo de autoconhecimento» (”).

Contudo, para Dilthey, as manifestações da vida são na verdade «objectificações» da vida, das quais podemos vir a ter umconhecimento «objectivo». Tal como Dilthey criticou os métodosda ciência natural, defendeu o ideal de alcançar um conhecimentoobjectivo nos estudos históricos. Os estudos históricos podiam serdesignados por «ciências», embora «ciências humanas» (Geisteswis- senschaften).  É precisamente aqui que Gadamer vê Dilthey enredado no ideal de objectividade defendido pela própria escola histórica contra a qual Dilthey levantara tantas críticas. O conhecimentoobjectivo, o conhecimento «válido» objectivamente, sugere um pontode vista superior à história, a partir do qual se poderá olhar a pró pria história — e um homem não dispõe de um ponto de vista destegênero. O homem finito, histórico, vê e compreende sempre do seu ponto de vista, localizado no tempo e no espaço; não pode, dizGadamer, colocar-se acima da relatividade da história e procurar«um conhecimento objectivamente válido». Um ponto de vista destegênero pressupõe um conhecimento filosófico absoluto — suposição

sem qualquer valor. Dilthey pede inconscientemente às ciências umconceito de método indutivo, mas como observa Gadamer: «a experiência histórica não é um processo (Verfahrert)  nem tem o anonimato de um método ... [Tem] um tipo de objectividade completamente diferente e adquire-se de um .modo completamente diferente» í53). Dilthey é o exemplo perfeito de como a coacção científica para um pensamento orientado metodicamente constitui umobstáculo à historicidade, embora o historiador tenha talento e a

 busque honestamente. Podemos considerar Dilthey como o arquétipo da nossa actual perda de historicidade autêntica, concretizadana tendência que temos de usar métodos indutivos para obter umconhecimento literário «objectivamente válido».

Mesmo antes de Heidegger e de Gadamer, a crítica fenomeno-lógica que Husserl fez do objectivismo com base na intenciona-lidadc da consciência, pôs fim a um objectivismo ultrapassado.À medida que Husserl desenvolvia a sua crítica, tornou-se extraordinariamente evidente que todos os seres dados no nosso mundose colocam no interior do horizonte intencional da consciência, nointerior do «mundo da vida». Contra o mundo dos cientistas, «objec-tivamente válido» e anônimo, Husserl opôs o horizonte intencionalem que cada um vive e se move, um horizonte que não é anônimomas pessoal e partilhado com outros seres que também o experimentam; a isto chamou ele o mundo da vida. É no interior do

(“ ) Ibid., 221.

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conceito geral de mundo da vida que Heidegger irá iniciar u *uncrítica da consciência histórica.

Mas em Heidegger o mundo humano da vida não 6 upcnus ummodo mais completo e adequado de descrever as operações dc uma

subjectividade transcendental, localizada na consciência e para alémdela. A intencionalidade da consciência é interpretada «históricamente» e torna-se a base da sua crítica à consciência histórica.Simultaneamente Heidegger empreendeu uma crítica à metafísica,ao modo como o seu conceito de subjectividade acaba por fundamentar a objectividade na certeza que um sujeito do conhecimentotem de si próprio. Ser e Tempo  de Heidegger, embora aparentemente aplicasse o método fenomenológico de Husserl, constituiuma tentativa de afastamento da subjectividade transcendental, parauma espécie de objectividade que toma a «facticidade» da existênciahumana como o seu último ponto de referência. Assim há em Heidegger uma nova espécie de objectividade que se opõe à objectividade professada pelas ciências naturais, por Dilthey, pela escolahistórica, pela metafísica moderna e, em última instância, pelo

 pensamento tecnológico moderno com todo o seu pragmatismo. É aobjectividade que consiste em deixar que a coisa que aparece sejarealmente aquilo que é para nós.

Os limites severos do objectivismo, tornam-se evidentes quandodeixamos de considerar «o universo objectivo» (que a sua visão domundo oferece) como sendo o   mundo e usamos o mundo da vidacomo ponto de partida. Vemos imediatamente que apenas uma pequena fracção do nosso mundo da vida pode alguma vez tornar-sealgo que se coloque contra o homem, como um objecto; na verdade,como mundo, é o horizonte no interior do qual outras coisas sedefinem como objectos, enquanto que este se mantém mundo.O mundo de vida de cada um desaparece com as tentativas de o

captarmos por meio de qualquer «método», e geralmente tropeçamos acidentalmente na sua natureza, especialmente devido a qualquer tipo de negatividade ou de ruptura. O caminho da objectividade e dos métodos não revelam a cada um o seu mundo vital.E no entanto, é através desse mundo vital que formulamos juízose que tomamos decisões; mesmo o «mundo objectivo» é uma estrutura no interior de um mundo vital experiencialmente dado. Como

 podemos en tão alcançar o mundo da vida? Como podemos conven-cê-lo a revelar-se? Heidegger sugere o seu método fenomenológico

como caminho, chamando-lhe também «uma hermenêutica da facticidade». Esta abordagem não se baseia no modo como o mundo pertence a um sujeito humano mas sim no modo como um sujeitohumano pertence ao mundo. Esta pertença ocorre através do método de «compreensão». O processo é tão essencial que não é   umacoisa que se faça entre muitas outras, antes é um processo no quale pelo qual existimos como seres humanos.

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Esta interpretação da compreensão é ontológica, descrevendo o processo do ser. Heidegger tomou esta concepção como o seu pontode partida para uma análise do ser que iria começar com a facti-cidade do mundo da vida, e especificamente com a facticidade daexistência humana. A sua análise mostrou que a existência é um«projecto já lançado» — orientado para o passado ao «estar lançado» no tempo e no mundo de uma certa maneira, e orientado para o futuro, alcançando no «ainda não», a captação das possibilidades ainda não realizadas. Um dos significados disto é que, dadoque esta descrição da compreensão no  Dasein  é universal, tem quese aplicar ao processo de compreensão em todas as ciências (” ).A compreensão como tal, funciona sempre simultaneamente nas

três modalidades da temporalidade: passado, presente e futuro. Paraa compreensão histórica isto significa que o passado nunca podeser visto como objecto no passado, separando-se absolutamente denós no presente e no futuro. O ideal de vermos o passado nos seus próprios termos converte-se num sonho, contrário à natureza da própria compreensão, que está sempre em relação com o nosso presente e com o futuro. A temporalidade intrínseca da própria com preensão ao ver sempre o mundo em termos de passado, presente

e futuro, é aquilo a que chamamos a historicidade da compreensão.

Algumas conseqüências hermenêuticas da historicidade da compreensão

1 — O problema do juízo prévio

A ideia de libertar a compreensão e a interpretação dos pre

conceitos das opiniões dominantes na época, é-nos familiar. Habitualmente dizemos que seria ridículo julgar as realizações do passado por critérios de hoje. Portanto, o objectivo do conhecimentohistórico apenas pode alcançar-se se nos libertarmos das ideias e valores pessoais que temos sobre determinados temas e se adquirirmosuma «mentalidade aberta» ao mundo das ideias e valores do passado. A exploração feita por Dilthey sobre as visões do mundo(Wcltanschainingen)  constrói-se sobre um relativismo histórico, de

fendendo com grande abertura de espírito que uma época históricanão deve ser julgada em termos de outra. De igual modo, há estudiosos da literatura que nos pedem essa abertura de espírito para ateologia do Paraíso Perdido  pois não temos o direito de julgaruma obra literária por «critérios actuais». Lemos o «Paraíso Perdido»como uma «obra de arte» pela grandiosidade do seu estilo, pela

(“ ) Ibid.. 249.

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magnitude da sua concepção, pelo seu vigor imaginativo, c nflo porser verdadeiro. Uma posição deste gênero separa a beleza da vcrdmlce em última instância vemos a epopeia como um «monumento nobroa ideias mortas» (“).

Ironicamente, esta visão falsa de um texto literário aprescnta-sccom uma máscara de grande abertura de espírito, maugrado o factode pressupor o presente como correcto, como não devendo ser testado, i. e., como absoluto. E contudo o presente não pode ser removido porque o passado não pode competir com ele. Por detrás destaremoção compreensiva do preconceito está um desejo de não arriscar juízos prévios; o passado opõe-se-nos como algo quase irrelevante, como um objecto de interesse para arqueólogos. Infelizmente,os professores de literatura podem de um modo geral classificar-sequer como estetas formais quer como arqueólogos. Estes vêem nos

 primeiros uma ausência de profundidade histórica e filológica, enquanto que os formalistas criticam os estudiosos da filologia e dahistória por não considerarem a obra literária como sendo verdadeiramente «arte». A posição dos estetas assenta na separação insustentável entre forma e conteúdo da estética subjectiva, pois já vimosque na experiência que temos de uma obra de arte, verdade e belezanão podem separar-se. Ora, das concepções de Heidegger e de Gada

mer sobre a compreensão histórica, segue-se que os arqueólogos eos fiiólogos, veneradores do passado, não têm uma compreensãomais firme da história do que os estetas tiveram.

 Na verdade, não podemos abandonar o presente e enveredar pelo passado; o «significado» de uma obra passada não pode servisto unicamente nos seus próprios termos. Pelo contrário, o «significado» da obra passada define-se em termos das questões que se lhecolocam a partir do presente. Se considerarmos cuidadosamente a estrutura da compreensão, vemos que as questões que colocamos sãoordenadas pelo modo como nos projectamos na compreensão dofuturo. Resumindo, a arqueologia é uma negação da verdadeira historicidade, a historicidade de toda a compreensão do passado sobrea qual nos colocamos no presente. Que significado tem isto parao problema do juízo prévio? Ê uma concepção errada que o Ilumi-nismo nos legou. Gadamer defende que os nossos juízos prévios têma sua importância própria na interpretação: «A auto-interpreta-ção (Selbstbesinnung)  do indivíduo é apenas uma luz trêmula na

corrente fechada da vida histórica. Por essa razão, os juízos préviosdo indivíduo são mais do que meros juizos; são a realidade históricado ser.» (” ) Resumindo, os juízos prévios não são algo que

(J5) Como fez o crítico Raleigh em 1900.(«) WM 261.

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devamos aceitar ou que possamos recusar; são a base da capacidadeque temos para compreender história.

Falando em termos hermenêuticos, podemos enunciar este prin

cípio do seguinte modo: Não pode haver qualquer interpretação sem«pressupostos» (” )• Um texto bíblico, literário ou científico, não seinterpreta sem preconceitos. A compreensão, dado que é uma estrutura básica historicamente acumulada e historicamente operativa,está subjacente, mesmo na interpretação científica; o significado dadescrição de uma experiência não vem da interactuação dos elementos na experiência mas sim da tradição da interpretação sobrea qual assenta e das possibilidades futuras que nos abre. A temporalidade' passado — presente — futuro aplica-se tanto à compreensão

científica como à não científica; é universal. Dentro ou fora dasciências não pode haver compreensão sem pressupostos. De ondenos vêm os pressupostos? Da tradição em que nos inserimos. Essatradição não se coloca contra o nosso pensamento como um objectode pensamento; antes é produto de relações, é o horizonte nointerior do qual pensamos. Porque não é objecto nem nunca é totalmente objectificável, os processos de um tipo de pensamento objecti-ficante não se lhe aplicam; o que há é necessidade de um pensamento que possá lidar com o não objectificável (2*). Mas não

adquirimos os nossos pressupostos inteiramente a partir da tradição.Temos que nos lembrar que a compreensão é um processo dialécticode interacção da autocompreensão da pessoa (o seu «horizonte» ou«mundo») com aquilo que ela encontra. A autocompreensão nãoé uma consciência que flutua livremente, não é uma luz trêmulaque a situação presente preenche; é uma compreensão que já sesitua  na história e na tradição, e apenas pode compreender o passado alargando o seu horizonte de modo a englobar a coisa que se

encontra.Se não pode haver uma compreensão sem pressupostos, se, poroutras palavras, aquilo a que chamamos «razão» é uma construçãofilosófica e não um tribunal de última instância, então temos quereexaminar a relação que temos com a nossa herança. A tradiçãoe a autoridade já não precisam de ser olhadas como inimigas darazão e da liberdade racional, tal como eram no Iluminismo, no

 período romântico e na nossa própria época. A tradição fornece umfluxo de concepções no interior do qual nos situamos, e devemos

estar preparados para distinguir entre pressupostos que dão fruto e

(” ) Cf. Rudolf Bultmann  Is Presuppositionless Exegesis Possible?  (1957)em Existence and Faith,  ed. Schubert M. Ogden, pp. 289-96.

(” ) Cf. uma carta não publicada de Heidegger na Conferência sebreHermenêutica na Universidade de Drew, em 1964. Ver Heinrich Ott,  Das Probtem des nicht-objektivierenden Denkens and Redens in der Theologie. ZThK LXI (1964), 327-52.

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outros que nos aprisionam e nos impedem de pensar c dc vn ('")Em nenhum evento há oposição intrínseca entre as pretensões dnrazão e as da tradição; a razão coloca-se sempre no interior du

tradição. A tradição fornece mesmo à razão os aspectos dn rei»'idade e da história com os quais irá trabalhar. Em última instftnim,diz Gadamer, as conseqüências do facto de conhecermos que nflo

 pode haver compreensão sem reconhecimento são: a recusa da in ter pretação que o Iluminismo faz de razão; a recuperação, por parteda autoridade e da tradição, de um estatuto dc que não disfrutavamdesde o Renascimento.

Se não pode haver uma interpretação sem pressupostos, entãoa noção de «interpretação correcta» enquanto correcta em si mesma

é um ideal impensável, é uma impossibilidade (’“). Não há interpretação sem relação com o presente, e este nunca é permanente ourígido. Um texto que nos é legado, seja ele a Bíblia ou uma peçade Shakespeare, tem que ser compreendido na situação hermenêutica em que se encontra , i. e., relativamente ao presente. Isto nãosignifica que invoquemos irreflectidamente critérios externos do presente para o passado, de modo a considerarmos que a Bíblia ouShakespeare são irrelevantes. Pelo contrário, reconhecemos simples

mente que «o significado» não é como uma propriedade imutável deum objecto, o «significado» é sempre «para nós». Nem a insistência para que um texto seja visto no contexto da nossa historicidadesignifica que o «significado» é sempre «para nós». Nem a insistência para que um texto seja visto no contexto da nossa historicidadesignifica que o «significado» é para nós absolutamente diferente doque era para os seus primeiros leitores. Defende sim que o significado se relaciona com o presente, surgindo na situação hermenêutica. Dado que uma obra importante abre uma verdade no ser, podemos sustentar que a sua verdade essencial  corresponde àquelaque originariamente a trouxe ao ser. Sem defender a ideia de umaverdade em si mesma ou de uma interpretação eternamente correcta.

2 — O conceito de distância temporal

Para Gadamer a tensão presente / passado é em si mesma umfactor essencial e de certo modo frutífero em hermenêutica: «Há

uma situação simultaneamente estranha e familiar entre a objectividade da herança, que se pretende histórica e distanciada e a nossa pertença a uma tradição. O lugar da hermenêutica está a meio caminho  dessa situação.» (” ) A mediação da hermenêutica envolve pois, tanto aquilo que era entendido historicamente como a tra

(“ ) WM 263.(») Ibid.. 375.

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dição; contudo isto não significa que a tarefa da hermenêutica sejasó a de desenvolver um procedimento metódico para a compreensão,mas também a de clarificar as condições sob as quais a compreensão pode ocorrer (” ).

Para o intérprete não interessa que o que é mediado pelo textoseja essencialmente o sentimento ou a opinião do seu autor, interessa sim o facto de ser algo significativo de seu pleno direito. Nãonos interessa como uma «expressão»  per se,  quer da «vida» quer dequalquer outra coisa; é o próprio tema que interessa, interessa-nosa sua verdade. Logicamente uma obra de arte criada nos nossosdias, deveria ter para nós, seus contemporâneos, o máximo significado. Mas sabemos por experiência própria que só o tempo farácom que o que é significativo se destaque daquilo que o não é. Por

que é que é assim? Não porque a distância temporal tenha mortoos nossos interesses pessoais sobre o tema, diz Gadamer, mas sim porque é função do tempo eliminar aquilo que não é essencial, deixando com que o verdadeiro significado oculto na coisa, se torneevidente. Assim, a distância temporal tem simultaneamente umafunção negativa e positiva: «Ela (a distância temporal) não só fazcom que se eliminem certos juízos prévios peculiares à natureza dotema, como provoca o aparecimento daqueles que nos levam a uma

compreensão verdadeira.» (”)Assim, somos confrontados com a fecundidade de uma separação no tempo, um fenômeno análogo ao conceito de «distância estética», na qual o espectador tem que estar a uma certa distância do palco para se aperceber da unidade pretendida e para não se distraircom a «maquillage» dos actores. Maugrado o sentimento necessáriode presente, de um passado que se torna presente, pensamos que éhermeneuticamente frutífero o facto de que o tempo tenha passado.Só com a passagem do tempo poderemos alcançar «o que diz o

texto»; só gradualmente é que a sua verdadeira significação histórica emerge e começa a interpelar o presente.

3 — Compreendendo o autor de um texto

A tarefa da hermenêutica é essencialmente a de compreendero texto, não o autor. Tanto o conceito de distância temporal comoo realce dado ao significado na compreensão histórica, deveriamevidenciar esse facto. O texto é compreendido, não porque se esta belece uma relação entre pessoas, mas devido à participação notema que o texto comunica. Mais uma vez, esta participação infa-tiza o facto de que não só saímos do nosso próprio mundo como

(«) Ibid.(” ) Ibid., 282

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deixamos que o texto nos interpele no nosso mundo actual; deluiimos que o texto se nos torne presente, contemporâneo (nleich.-rltlg) (M). A compreensão não é tanto um processo subjectivo como tminquestão de nos colocarmos numa tradição e depois, num «evento»que nos transmite tradição (í5). A compreensão é uma participnçAona corrente da tradição, num momento em que mistura passado c presente. É este conceito de compreensão que tem que ser aceitena teoria hermenêutica, diz-nos Gadamer (”). O verdadeiro pontode referência não é a subjectividade do autor nem a do leitor, massim a própria significação histórica, significação que tem para nós,situados no presente.

4 — Reconstruindo o passado

Uma outra conseqüência da historicidade intrínseca patente nacompreensão de qualquer texto antigo, é termos que reconsideraro pressuposto hermenêutico de que a tarefa essencial da compreensão é reconstruir o mundo da obra de arte. Anteriormente aSchleiermacher, reconstruir o «background» histórico de um determinado texto e determinar o contexto histórico no qual ele secolocava, eram, juntamente com a interpertação gramatical, as

 preocupações essenciais. Schleiermacher deu à hermenêutica umaorientação mais psicológic.a e divinatória, mas ainda consideravaque a operação de reconstruir o contexto histórico era essencial

 para a compreensão de qualquer texto antigo. No fim de contas,as Escrituras não são um suporte atemporal de ideias eternas ouum delírio de imaginação poética, sem qualquer pretensão séria deverdade; são uma criação histórica numa linguagem histórica e para um povo histórico.

É certo que a reconstrução do mundo a partir do qual a obraemergiu, bem como a reconstrução da origem de arte são necessárias para a compreensão, mas Gadamer acautela-nos contra o factode considerarmos a reconstrução como uma operação essencial oufinal da hermenêutica, ou mesmo como a chave da compreensão.Aquilo com que trabalhamos no processo de reconstrução será realmente aquilo que classificamos e procuramos como sendo o «significado» da obra? Estaremos a determinar correctamente a com

 preensão quando procuramos ver nela uma segunda criação,

exactam ente igual à criação original — uma recriação? Certamente que não, pois o significado de uma obra depende das questões que colocamos no presente. Diz Gadamer: «Considerarmos cmhermenêutica que a reconstituição é essencial, é tão absurdo como

(« ) Ver ibid., 115 ff.(” ) Ibid., 275.(») Ibid.

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csforçarmo-nos por reconstituir e viver uma vida que já passoudefinitivamente.» ("). A verdadeira tarefa da hermenêutica é a integração e não a reconstituição.

5 — O significado da aplicação

A estrutura da historicidade na compreensão vem lembrar aimportância de um factor que durante muito tempo fora desprezado na hermenêutica histórica e literária — a aplicação, a funçãoda interpretação na relação de uni texto com o presente. Assim porexemplo, o elemento aplicação ê essencial, quer na hermenêutica bíblica quer na jurídica, pois em nenhum dos casos é suficiente acompreensão e a explicação geral de um texto; há que tornar explí

cito o modo como o texto fala à condição presente. Na obra deJ. J. Rambach,  Institutiones hermeneuticae sacrae,  de 1723, diz-seque a interpretação implica três poderes: subtilitas intelligendi (compreensão), subtilitas explicandi (explicação  e subtilitas appli- candi  (aplicação) (“ ). Não são três métodos diferentes; a subtilitas refere-se à capacidade ou poder que exige uma determinada finurade espírito. Os três poderes constituem conjuntamente a realização da compreensão.

Em Schleiermacher e de um modo geral na hermenêutica pós--romântica, afirma-se a unidade interna dos dois primeiros elementos; a explicação é vista como a explicitação da compreensão e orelevo dado às duas tende a não deixai* qualquer lugar sistemático para o factor aplicação. Sobretudo à medida que Schleiermacherfez da hermenêutica uma teoria da compreensão no diálogo e àmedida que a linguagem e o conhecimento foram adquirindo mais poder, havia pouco lugar sistemático para a aplicação dentro da esfera da compreensão enquanto tal. De facto, Schleiermacher coloca

delimitações nítidas, mesmo no momento de explicar. Observa ele:«Logo que a explicação se torna mais do que um mero exteriorda compreensão, transforma-se numa arte de apresentação. Sóaquilo a que Ernesti chama a ‘subtilitas intelligendi’ é que pertencegenuinamente à hermenêutica.» (”)

Por outro lado, de acordo com a análise de Gadamer, na com preensão enquanto ta l «há sempre no texto que se pretende com preender, algo de semelhante a uma aplicação à situação presente»

C).  Compreender, no sentido de conhecer e explicar, implica logoalgo de semelhante a uma aplicação ou a uma relação do texto como presente. A hermenêutica jurídica e teológica chamam a atenção

(” ) Ibid., 159.(*•) Ibid., 291.(») H 31.(") WM 291.

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 para este aspecto de toda a compreensão, e assim constituem um modelo que melhor do que a tradição filológica nos permite alcançaroperações da compreensão em história e em literatura, pois n trudição filológica omite artificialmente o factor aplicação. Diz <!mlumer:

«A hermenêutica jurídica não constitui um ‘caso especial’ masantes se adapta à tarefa de restituir à hermenêutica histórica a simtotal amplitude problemática. Consegue reconstituir a antiga unidade do problema hermenêutico, encontrada (no século xvm simultaneamente.. pelo jurista, pelo teólogo e pelo filólogo.» (“ )

Gadamer sugere aqui uma ideia surpreendente: a de que as hermenêuticas jurídica e teológica poderão servir de modelo para ainterpretação literária.

Consideremos algumas das possibilidades criativas desta ideia.Tanto a hermenêutica jurídica como a teológica encaram a tarefada interpretação não como um mero esforço do arqueólogo que

 pretende penetrar noutro mundo mas como uma tentativa de medira diferença entre um texto e a situação actual. Seja a transmitirum juízo ou a pregar um sermão, a interpretação deve incluir nãosó a explicação do que o texto significa no seu próprio mundo, comotambém o que significa, em termos do momento actual. Por outras palavras: «Compreender o texto é sempre já aplicá-lo.» (“ ) Também

as hermenêuticas jurídica e teológica tendem a negar a ideia deque o texto é compreendido na base da çongenialidade com o seuau tor — uma ilusão romântica. Sabemos que a compreensão podeocorrer e de facto ocorre com ou sem a çongenialidade com o autor.Como explicar isto? Porque de facto não nos referimos ao autormas sim ao texto.

Ainda noutro aspecto, a hermenêutica jurídica e teológica constituem um modelo útil para a interpretação literária. Tanto na

interpretação jurídica como na interpretação teológica o intérpretenão só aplica um método como ajusta e ordena o seu pensamentoao pensamento do texto. Não está tanto a apropriar-se de algo comoa ser apropriado pela pretensão que o texto tem de orientar. Inter

 pre tar «a vontade da lei» ou «a vontade de Deus» não são formasde dominar o assunto mas de o servir. Isto não é de modo algumum procedimento em que os nossos pressupostos se tornam imunesà dúvida e em que depois conformamos a nossa compreensão domundo e dos fenômenos a métodos construídos sobre esses pressu

 postos. Pelo contrário, o in térprete arrisca a sua própria posiçãocolocando-a à luz da pretensão que o texto tem de comandar. Gadamer sustenta que mesmo na interpretação histórica a comprcensflo

(«) Ibid., 311.(«) Ibid., 291.

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t e m que desempenhar a função de aplicação «no facto de queexpressa e conscientemente faz com que aceitemos o significadodo texto construindo uma ponte sobre a distância temporal quesepara o intérprete do texto; assim ultrapassa (por meio da apli

cação) a alienação de significado que ocorreu no texto» ("). N a hermenêutica histórica e literária, a exigência de servir

o texto, de sermos comandados pelas suas exigências e de simultaneamente o interpretarmos à luz do presente, põe-se-nos comoum verdadeiro desafio. Uma abordagem deste gênero veria o textoà luz do presente, mas não o subjugaria nem dominaria com o presente; o intérprete deve ser orientado pela exigência do texto eno entanto traduzir em termos de presente o significado dessaexigência. Gadamer não pretende que nos entreguemos acritica-mente às exigências do texto, negando o presente; devemos simdeixar que as exigências do texto se mostrem tal qual são. Nainteracção e fusão de horizontes, o intérprete acaba por ouvira questão que provocou o aparecimento do texto. Retomaremosmais tarde a dialéctica de uma interrogação que pretende equilibraras exigências do presente e arriscá-la contra a tradição. No pontoem que estamos, torna-se evidente que a hermenêutica jurídicae teológica sugerem uma abordagem muito mais de acordo com

a estrutura universal e histórica da compreensão do que a abordagem que tem sido recentemente feita, quer na interpretação histórica quer na literária; deste modo poderão ajudar os intérpretesda literatura e da história a alcançar uma visão mais adequadado problema hermenêutico.

O princípio da aplicação encontra a sua expressão teológicano projecto de desmitologização. Na hermenêutica de RudolfBultmann, por exemplo, é uma conseqüência da tensão entre otexto, que se coloca no passado, e a necessidade de uma aplicaçãoactual. A desmitologização, como já foi assinalado, não é uma tentativa do tipo iluminista, de purificar a Bíblia do mito, avaliandotudo à luz das pretensões racionais; antes procura situar as pretensões que a Bíblia hoje sustenta. Estas não são uma pretensãoà verdade científica mas sim um apelo a decisões pessoais. Poreste motivo, tomar uma atitude «científica» para com a Bíblia etratá-la como um objecto que não nos interpela de um modo pessoal,é na verdade silenciar a Bíblia; ela não deve apenas ser interrogada,

 pois quando fala, devemo-nos transformar no objecto ao qual sedirige. Quando consideramos um padrão fixo e indiscutível, como qual avaliamos a mensagem bíblica, não estamos a ouvir a Bíblia,estamos a testar a Bíblia. Mas, de acordo com Bultmann, a Bíblianão é um tratado científico nem uma biografia impessoal; é proclamação, KERYGMA — mensagem.

(") Ibid., 295.

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 Na in terp re tação literária, a tentativa de desmitologi/ui «sncmelha-se à questão da compreensão do mito. O que 6 falar rmtermos de mito e através dele? A liderança que a teologia hultmanniana empreendeu ao realçar constantemente a relação com

o presente e a nossa análise da compreensão histórica alerta-no*contra a ilusão de que o acto de ler uma obra literária seja apenasum recuo e uma «reconstrução» de um mundo passado. O «significado» de Milton, Shakespeare, Dante, Sófocles ou Homero não pode apenas ser visto em termos do mundo que cada uma dessasgrandes obras construiu; ler uma obra é um evento, um acontecimento que ocorre no tempo, e o significado que a obra tem paranós é um produto de integração no nosso actual contexto e de integração na obra. Em toda a autêntica compreensão de uma obra

literária, ocorre algo como uma desmitologização. Em todo o actode compreensão se dá uma aplicação ao presente. A ilusão de queao lermos uma peça de Shakespeare «regressamos ao mundo deShakespeare» abandonando o nosso próprio contexto, só nos mostra que o encontro estético conseguiu tornar invisível o factor desubtilitas applicatio.  E no entanto, é importante recordar que umamericano de Connecticut na Corte do Rei Artur, verá as coisasà maneira de um americano de Connecticut e não à maneira de umdos Cavaleiros da Távola Redonda.

A situação implicada na erjeenação de uma peça de Shakespeareou de qualquer outra peça corrobora aquilo que dissemos. O cenárioajuda grandemente a que recuemos no passado e o guarda-roupaé por vezes executado com uma fidelidade meticulosa à época emcausa; mas o facto é que a peça é encenada no presente, agora,diante dos nossos olhos, perante a nossa  compreensão. O local emque a peça decorre é a mente colectiva do público. Os actoressabem-no e tomam-no em consideração ao representar os seus papéis.

Tomemos por exemplo o problema da encenação e representaçãodas bruxas em Macbeth. As produções modernas tendem a minoraro elemento sobrenatural, representando as mulheres como horríveisvelhas que seguem os exércitos de Macbeth. As suas profecias sãoapresentadas como expressão de especulações já presentes, difundindo a perturbação que se vai preparando. São elas que criamuma atmosfera de presságio. O significado que as bruxas hoje têm para nós é assim «interpretado» pelo lugar que ocupam no palco,como que para ultrapassar o efeito cômico de um sobrenatural já

desactualizado aos olhos de um público contemporâneo.Também é significativo o facto de, nas peças, a ilusão dramá

tica não estar dependente do cenário ou do guarda-roupa ou mesmoda presença visível dos actores. A presença vocal, como é o casodas gravações, é o único elemento realmente importante. A iliisflodramática é a de que o passado está a acontecer no presente, nflono passado histórico mas no presente que expcricnclamos. Kxlc

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fenômeno clarifica algo que é significativo para a aplicação nacompreensão histórica; não se trata de dar literalmente ao passado

as aparências de presente; trata-se sim de trazer o que é essencialno passado para o nosso presente pessoal, para a nossa autocom preensão ou mais exactamente para a experiência que temos doSer (**). Não devemos ficar decepcionados; a compreensão que temosde uma peça — quando «sabemos» o que ela «significa» — não éum tema que se feche em si próprio mas sim uma relacionaçãocom o nosso presente e com o nosso futuro, do jogo auto-suficienteque é uma peça. Daí a asserção de Gadamer: A comprensão incluisempre uma aplicação ao presente.

A consciência verdadeiramente histórica

Gadamer contrapõe ao tipo de consciência histórica que critica,uma tentativa de descrição de uma consciência atenta em que ahistória actua constantem ente. O term o que utiliza — Wirkungs- geschichtliche Bewusstsein,  é um desafio a qualquer tradução adequada. Uma tradução predominantemente literal seria uma «cons

ciência em que a história actua constantemente» ou uma «consciência historicamente operativa» ("). Usarei de um modo geraleste último termo ou a designação «consciência verdadeiramentehistórica», consoante o contexto, Gadamer esclarece que a consciência verdadeiramente histórica nãd é a consciência históricahegeliana que coloca o estar atento na esfera da reflexividade, tornando-o na mediação da história e do presente. É certamente umestar atento especulativo e dialéctico, não sendo a dialéctica umaautomediação da razão mas sim a estrutura da própria experiência.

Gadamer usa três tipos de tipologia da relação Eu-Tu — quenão dever2o identificar-se com a relação Eu-Tu de Martin Bu- ber (“ ) — para nos aju dar a situar e assim clarificar a naturezada consciência historicamente operativa. 1) O tu como objecto dentro de um determinado campo, 2) o tu como projecção reflexivac 3) o tu como fala da tradição ("). Só este terceiro ;i$pecto representa a relação hermenêutica que Gadamer tem em mente comosendo a consciência verdadeiramente histórica.

(” ) Como veremos, o «quid» que percebemos não é um «quid» pessoalmas mu «quid» histórico no qual participamos; a referência à «experiência pessoiil» é cair nas fievões da falácia subjectivista.

(” ) Devo ao Professor Theodor Kisiel a sugestão para a designação«consciência historicamente operativa».

O") Tem interesse a primitiva forma de  Ich-du Beziehung   em  Das Wort  und dic geisllgcn Rcalilatcn: 1‘neumaíologische Fragmente,  de Ferdinand Ebner,nos seus Schriltcn,  I, 75-342.

(") Ver WM 340-44.

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fenômeno clarifica algo que é significativo para a aplicação nacompreensão histórica; não se trata de dar literalmente ao passadoas aparências de presente; trata-se sim de trazer o que é essencialno passado para o nosso presente pessoal, para a nossa autocom

 preensão ou mais exactamente para a experiência que temos doSer (44). Não devemos ficar decepcionados; a compreensão que temosde um a peça — quando «sabemos» o que ela «significa» — não éum tema que se feche em si próprio mas sim uma relacionaçãocom o nosso presente e com o nosso futuro, do jogo auto-suficienteque é uma peça. Daí a asserção de Gadamer: A comprensão incluisempre uma aplicação ao presente.

A consciência verdadeiramente históricaGadamer contrapõe ao tipo de consciência histórica que critica,

uma tentativa de descrição de uma consciência atenta em que ahistória actua constantemente. O term o que utiliza — Wirkungs- geschichtliche Bewusstsein,  é um desafio a qualquer tradução adequada. Uma tradução predominantemente literal seria uma «consciência em que a história actua constantemente» ou uma «consciência historicamente operativa» (“ ). Usarei de um modo geral

este último termo ou a designação «consciência verdadeiramentehistórica», consoante o contexto, Gadamer esclarece que a consciência verdadeiramente histórica nãd é a consciência históricahegeliana que coloca o estar atento na esfera da reflexividade, tornando-o na mediação da história e do presente. É certamente umestar atento especulativo e dialéctico, não sendo a dialéctica umaautomediação da razão mas sim a estrutura da própria experiência.

Gadamer usa três tipos de tipologia da relação Eu-Tu — quenão deverão identificar-se com a relação Eu-Tu de Martin Bu-

 b e r(<6) — para nos ajudar a situar e assim clarificar a naturezada consciência historicamente operativa. 1) O tu como objecto dentro de um determinado campo, 2) o tu como projecção reflexivae 3) o tu como fala da tradição (")• Só este terceiro aspecto representa a relação hermenêutica que Gadamer tem em mente comosendo a consciência verdadeiramente histórica.

(■") Como veremos, o «quid» que percebemos não é um «quid» pessoalmas um «quid» histórico no qual participamos; a referência à «experiência pessoal» é cair nas ficções da falácia subjectivista.

(” ) Devo ao Professor Theodor Kisiel a sugestão para a designação«consciência historicamente operativa».

C0) Tem interesse a primitiva forma de  Ich-du Beziehung  em  Das Wort  und dic geistigen Realitaten: Pneumatologische Fragmente,  de Ferdinand Ebner,nos seus Scliri/ten,  1, 75-342.

(« ) Ver WM 340-44.

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 Na primeira relação Eu-Tu, a outra pessoa 6 vista como »Ik «>

específico, dentro do nosso campo de experiência, a maior pmlodas vezes como algo que pode servir de meio de rcalizaçdo nos

nossos objectivos. A outra pessoa é vista como um objecto do nossocampo de experiência, e o Tu é compreendido em termos universais.Inerente a esta abordagem do Tu está a teleologia de todo o pensamento indutivo. Ora se aplicarmos este modelo à relação hermenêutica com a tradição, facilmente caimos nos «métodos» e na«objectividade». A tradição torna-se então um objecto separadode nós, balouçando-se livremente sem que a nossa presença aafecte. Facilmente nos decepcionamos ao pensarmos que, se pudermos eliminar todos os momentos subjectivos que se relacionam

com esta tradição, podemos ter algum conhecimento do que elacontém. Uma «objectividade» destas, orientada para o método,domina muitas vezes nas ciências naturais e também nas ciênciassociais, excepto onde a fenomenologia se faz sentir (*'). Mas não

 pode servir as disciplinas centradas na experiência humana, não pode constituir o fundamento de uma consciência na qual a história actua ('*).

Uma segunda maneira de experimentar e compreender o Tu,encara-o como uma pessoa, mas Gadamer mostra que esta relação«pessoal» pode ainda manter-se prisioneira do Eu, sendo de factouma relação entre o Eu e um Tu reflexivamente constituído.

«Esta relação Eu-Tu não é uma relação imediata mas simreflectida ... Assim, há sempre a possibilidade de que cada parceiroda relação possa vencer a actividade reflexiva do outro. Conheceas pretensões do outro através da sua própria reflexão e assim com preende melhor o outro do que ele próprio se compreende. Mas é precisamente esta reflexividade que esvazia a relação de imediatez

que um deles reclama.» (")Hermeneuticamente falando, este segundo tipo de relação caracteriza a consciência histórica contra a qual se dirige a crítica deGadamer. Esta atenção histórica conhece a alteridade do outro,não numa relação com o universal, que caracterizara a primeirarelação Eu-Tu, mas antes no que ela tem de particular. A alteridade do outro e o passado do passado apenas são conhecidos domesmo modo que o Eu conhece o Tu — através da reflexão. Ao

 pretender reconhecer o outro em todo o seu condicionalismo, ao

 pretender ser objectivo, aquele que conhece pretende realmentedominar. Mas é apenas esse tipo de domínio subtil através da com

 preensão, que utiliza a compreensão para verificar que a história

(,s) Ver Stephan Strasser, Phenomenology and the Human Sciences, o Severyn Bruyn, The Human Perspective in Sociology.

(«) WM, 341.(” ) Ibid.

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é «exterior», que é como um Tu reflexivamente constituído; objec-tifica-a e destrói realmente a pretensão que tem de ser verdadeiramente significativa (”).

O terceiro tipo de relação Eu-Tu caracteriza-se por uma autên

tica abertura ao Tu. É a relação que não projecta o significadoa partir do eu mas que tem uma autêntica abertura que «permite»que algo seja dito: «Aquele que permite que algo lhe seja ditoabre-se, de um modo essencial.» (” ) Uma relação deste tipo estámais perto do que as duas primeiras daquilo que Buber tem emmente como sendo a verdadeira relação Eu-Tu. É o tipo de aberturaque mais do que dominar pretende ouvir, que quer ser modificada

 pelo outro. É o fundamento da consciência historicam ente operativa, a wirkungsgeschichtlice Bewusstein.

Esta consciência consiste numa relação com a história na qualo texto nunca pode ser total e objectivamente «outro», pois a com preensão não é o «reconhecimento» passivo da alteridade do passado, mas antes um colocarmo-nos de modo a que o outro nosreclame. Quando um texto histórico é lido como «meramente histórico», o presente já se tornou dogma e já se colocou fora dequestão. Por outro lado, uma consciência verdadeiramente histórica,não vê o presente como o ponto culminante da verdade; mantém-se

aberto à exigência que a verdade da obra lhe pode fazer. «A consciência hermenêutica realiza-se totalmente, não numa autocertezametódica mas sim na prontidão experiencial e na abertura que a

 pessoa ‘que teve essa experiência’ adquiriu, contrastando com aqueleque é dogmático. Isto é o que caracteriza uma consciência historicamente operativa ...»(”) A pessoa «que teve a experiência» não sónão tem um conhecimento   meramente objectificado «como temuma experiência» não objectificável que a amadureceu e a fez abertaà tradição e ao passado. Como veremos no próximo capítulo, o

conceito de experiência é muito importante para a compreensãoda hermenêutica de Gadamer.

C>) Ibid., 341-43.(5J) Ibid., 343.(” ) Ibid., 344.

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A HERMENÊUTICA DIALÉCTICA DE GADAMER 

A estrutura da experiência e da experiência hermenêutica

Gadamer começa a sua análise da experiência hermenêuticacriticando o conceito dominante de experiência que ele considerademasiado orientado para um conhecer encarado como acto per-

ceptivo e para um conhecimento visto como corpo de dados con-ceptuais. Por outras palavras, tendemos hoje para definir experiência de um modo que se orienta totalmente para o conhecimentocientífico descurando a historicidade intrínseca da experiência histórica. Procedendo deste modo, realizamos inconscientemente oobjectivo da ciência, que é «objectificar a experiência de modoa ela não con ter qualquer elemento histórico» (l). Através de um procedimento rigorosamente metódico, a experiência científica retirao objecto da sua época histórica e reestrutura-o, adequando-o ao

método. Há um objectivo análogo, diz Gadamer, na teologia ena filosofia, com o «método histórico» que nalguns aspectos reflecteo ímpeto que a ciência tem de tudo tornar objectivo e verificável O-Enquanto este espírito predominar, só é real aquilo que é verificável; não há qualquer lugar para os aspectos não objectificáveise históricos da experiência. Consequentemente, a própria definiçãode «experiência» exclui os dados dessas ciências.

Contra o mito de um conhecimento puramente conceptual everificável, Gadamer coloca o seu conceito histórico e dialéctico

dc «experiência», cuidadosamente enunciado; neste, conhecer nãoé simplesmente um fluxo de percepções mas um acontecimento,um evento, um encontro. Embora Gadamer não partilhe dos prcs-

(l) WM, 329.P) Ibid.

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supostos e das conclusões de Hegel, considera a avaliação que estefaz da experiência como o ponto de partida da sua própria hermenêutica dialéctica, e isto pode-nos fornecer um ponto de partida

 para a exposição que queremos fazer do conceito.A experiência, tal como Hegel a define, é um produto doencontro da consciência com um objecto. Gadamer cita Hegel doseguinte modo: «[Há] um movimento em que a consciencializaçãose efectua quer no saber quer no seu objecto; na medida em que,devido a isso, um novo objecto se gera, devemos portanto chamar--lhe ‘experiência’» (3). De acordo com Hegel, a experiência temsempre a estrutura de uma inversão ou de uma reestruturação daconsciencialização; é uma espécie de movimento dialéctico.

 Na base desta tendência para a inversão está um elem entode negatividade; a experiência é primeiro que tudo experiênciade negação — uma coisa não è  como a tínhamos pensado. O objectoda nossa experiência é visto a uma luz diferente, é alterado: e nós próprios mudamos quando conhecemos um objecto de um mododiferente. O novo objecto contém uma verdade sobre o velho; ovelho «já serviu o tempo suficiente» (4). Mas para Hegel a experiência é auto-objectificação da consciência, de modo que a expe

riência é abordada do ponto de vista vantajoso do conhecimentoque a transcende. Hegel defende assim uma fundamentação naconsciência que segundo Gadamer seria ultrapassada pela objectividade da experiência.

A experiência, diz Gadamer, tem a sua realização dialéctica«não num conhecimento mas numa abertura à experiência, sendoela própria liberta peia experiência» (5). É evidente que aqui experiência não significa um tipo de conhecimento informativo sobreisto ou aquilo, que se foi conservando. Tal como o termo é usado

 por Gadam er, é menos técnico e está mais perto de um uso habitual. Refere-se a uma acumulação de «compreensão» não objecti-ficada e largamente não objectificável a que muitas vezes chamamossabedoria. Por exemplo, um homem que passou toda a sua vidaa lidar com pessoas adquire uma capacidade para as conhecera que chamamos «experiência». Embora esta experiência não sejaum conhecimento objectificável, entra no seu encontro interpretativo com as pessoas. Contudo, não é uma capacidade puramente

 pessoal; c um conhecimento do modo como as coisas são, um

(J) «Die dialektische Bewegung, welche das Bcwusstein an ihm selbst,sowohl an seinem Wissen ais an seinem Gcgenstand ausübt, insofern ihm der  neue wahre Gegenstand   daraus entspringt,  ist eingentlich dasjenige, wasErjahrung  gennant wird» (Ho 115), no ensaio  Hegels Begrijf der Erfahrung, WM, 336.

(*) WM, 337.0) Ibid., 338.

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«conhecimento das pessoas» que na verdade não pode scr poftlnem termos coneeptuais.

A experiência muitas vezes lembra a dor do crescimento c umit

nova compreensão. Tem que ser constantemente adquirida c ninguém pode livrar-nos dela. Gostariamos de poupar aos nossos filhosas «experiências desagradáveis» que tivemos, mas não podemosimpedir que adquiram experiência, pois esta é algo que pertenceà natureza histórica do homem. «A experiência», diz Gadamer,«é uma desilusão multifacetada, baseada na expectativa; só destemodo se adquire. O facto da experiência ser predominantementedolorosa e desagradável não a tinge de negro; deixa-nos ver a sua

natureza íntima.» (‘) A negatividade e a desilusão são parte integrante da experiência, pois parece haver, no interior da naturezahistórica do homem, um momento de negatividade que é reveladona natureza da experiência. «Toda a experiência merecedora dessenome. contraria a expectativa.» (7)

Atendendo a estes factos, não nos surpreende que Gadamerse refira à tragédia grega e à fórmula de Esquilo  paihei malhos  —«aprender pelo sofrimento» (*). Esta fórmula não significa queadquiramos um tipo de conhecimento científico, nem mesmo um

tipo de conhecimento que nos permita «saber melhor para a próxima vez» quando deparamos com uma situação semelhante; antesquer dizer que, por meio do sofrimento, conhecemos as fronteirasda própria existência humana. Aprendemos a compreender a fini-tude do homem: «A experiência é experiência de finitude.» (”)A experiência, no seu significado mais íntimo, ensina-nos a conhecerque não somos senhores do tempo. O homem «experiente» é aqueleque conhece os limites de toda a antecipação, à insegurança de

todos os planos humanos. No entanto, tal facto não o torna rígidoe dogmático, antes o abre a novas experiências.Dado que pela experiência alcançamos o futuro que esperamos

e dado que a experiência passada nos ensina como todos os planossão incompletos, temos aqui nitidamente presente a estrutura dahistoricidade, que já salientámos na exposição anteriormente feita.«A verdadeira experiência», diz Gadamer, «é a experiência da nossa

 própria historicidade.» (*') Na experiência os poderes que o homemtem de actuar e os pianos racionais que faz encontram os seuslimites. O homem, situando-se e agindo na história, ganha atravésda experiência uma intuição do futuro na qual a expectativa cos planos ainda se mantêm abertos. A maturidade na experiência.

(•) Ibid.C)  Ibid.(■) Ibid., 339.(•) Ibid.

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que nos coloca numa abertura adequada ao futuro e ao passado,constitui em si mesma a essência daquilo que Gadamer tem emmente quando fala de uma «consciência historicamente operativa» (“).

Com estas observações em mente, podemos caracterizar a«experiência hermenêutica», que tem a ver com aquilo com quedeparamos como herança. É esta herança que, no encontro hermenêutico, tem que ser experimentada. Enquanto que, de um modogeral, uma experiência é um acontecimento, a nossa herança «nãoé simplesmente um acontecimento que reconhecemos por meio daexperiência e que passamos a controlar; é antes linguagem,  isto é,fala de si própria, como um Tu». (“ ) A herança não é algo que

 possamos controlar, nem é um objecto que nos faça face. Chegamosà sua compreensão, mesmo quando nos situamos nela, como umaexperiência intrinsecamente lingüística. Quando experimentamoso significado de um texto, chegamos à compreensão de uma herançaque nos interpelou como algo que se situa face a nós, mas quefaz no entanto simultaneamente parte desse fluxo não objectificávelde experiências e de história, no qual nos situamos.

O íexto com que deparamos como se fosse um Tu não deveser encarado como uma «expressão da vida» (a concepção profes

sada por Dilthey), diz-nos expressamente Gadamer. O texto temum conteúdo significativo específico, independentemente de todaa relação com a pessoa que o diz. Nem os termos «Eu» e «Tu»nos deveriam levar a pensar em termos essencialmente interpessoais, pois o poder de dizer não reside na pessoa que diz mas naquilo queé dito.

O que Gadamer pretende, ao relacionar com a herança arelação Eu-Tu, é que num texto a herança dirige-se ao leitor e

interpela-o, não como algo com o qual ele nada tem em comummas como algo com quem sustenta reciprocidade. Devemos deixarfalar o texto, sendo o leitor aberto ao texto como um sujeito plenode direito, mais do que como um objecto. É precisamente estaautêntica abertura que descrevemos em conexão com a estruturaEu-Tu da consciência historicamente operativa.

A estrutura Eu-Tu sugere uma relação de diálogo ou dialéctica.Há uma questão que se levanta ao texto, e, num sentido mais

fundo, o texto levanta uma questão ao seu intérprete. De um modogeral a estrutura dialéctica da experiência e particularmente daexperiência hermenêutica, reflecte-se na estrutura pergunta-respostade todo o verdadeiro diálogo. No entanto temos que ter cuidadoao conceber a dialéctica em termos interpessoais, mais do que em

(n) Ibid.(1J) Ibid.

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termos de sujeito-tema. O significado do sujeito-tema no diálogo,aparecerá na análise que seguidamente faremos da interroguçfioem hermenêutica.

A estrutura da interrogação em hermenêutica

O carácter dialéctico da experiência reflecte-se no movimentoe no encontro com a negatividade patentes em toda a interrogaçãoverdadeira. Gadamer vai ao ponto de dizer que «em toda a experiência se pressupõe a estrutura da interrogação. A compreensãode que uma temática é diferente do que tínhamos primeiramente

 pensado pressupõe o processo de passagem pela interrogação» (” ).

A abertura da experiência tem a estrutura de uma questão: «Serádeste ou daquele modo?» Já vimos que a experiência se completana realização da nossa finitude e historicidade; assim, também nainterrogação há uma parede última de negatividade, há sempre oconhecimento de que não sabemos. Isto sugere a famosa docta ignorantia  socrática que revela a verdadeira negatividade subjacentea toda a interrogação.

Uma interrogação genuína, diz Gadamer, significa «colocar-mo-nos num espaço aberto» porque a resposta ainda não está deter

minada. Por conseqüência, uma questão retórica não é uma verdadeira questão, pois não há1um questionamento verdadeiro quandoa coisa de que falamos nunca é verdadeiramente «posta em causa».Para estarmos aptos a interrogar temos que querer saber,  e issosignifica saber que não sabemos (“ )• Quando alguém sabe que nãosabe e quando não defende, por meio de um método, que precisade compreender mais profundamente aquilo que já compreende,então adquire essa estrutura de abertura que caracteriza o questionamento autêntico. Sócrates instituiu o modelo, com a sua trocalúdica de pergunta e resposta, sabendo e não sabendo, investigandoa própria temática para uma abordagem verdadeiramente adequadaà sua natureza.

Contudo, o carácter aberto da interrogação não é absoluto, poisuma pergunta tem sempre uma certa orientação. O sentido da pergunta contém já de antemão a orientação em que se colocaa resposta a essa  questão, se pretende ser significativa e adequada.Ao colocar-se a questão, aquilo que se pergunta é colocado a uma

determinada luz. Isto «abre» o ser daquilo que é questionado.A lógica que revela este ser que se abriu já implica uma resposta, pois toda a resposta apenas tem sentido em termos da pergunta.

0 S) Ibid., 344.(«) Ibid., 345.

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A verdadeira interrogação pressupõe portanto abertura — i. e.,a resposta ó desconhecida — e ao mesmo tempo especifica necessariamente as fronteiras.

Este fenômeno levanta o problema de procurarmos a questão

exacta. O ponto de vista a partir do qual a questão se coloca podeser errado. Neste caso não permite um verdadeiro conhecimento;assim «uma pergunta errada não pode ter resposta, não pode teruma resposta verdadeira nem falsa mas apenas errada, pois a res

 posta não está na orientação em que a pergunta foi feita» (” )•Segundo Gadamer apenas há uma maneira de encontrar a questãoadequada, que é penetrando no próprio tema. Um diálogo verdadeiro é o contrário de uma discussão pois uma discussão acaba se

dermos uma resposta aberta a uma questão: «Um diálogo não tentaderrotar a outra pessoa, antes testa as suas afirmações à luz do próprio tema.» (“ ) Um diálogo platônico sobre amor, ética, justiçaou qualquer outro tema orienta-se por caminhos imprevisíveis porque os parceiros são determ inados pela sua imersão no temaque se discute. Para testar as afirmações do outro não devemostentar enfraquecê-las, antes devemos procurar torná-las cada vezmais fortes, ou seja, encontrar no próprio tema a sua verdadeiraforça. Esta, diz Gadamer, é uma das razões que tornam os diálogos

 platônicos ainda hoje altamente significativos.Portanto, no diálogo hermenêutico, o tema geral em que esta

mos inseridos — tanto o intérprete como o texto — é a tradição,a herança. Um dos nossos parceiros no diálogo é o texto, na rigidezda sua forma escrita. Assim há uma necessidade de encontrar umcaminho para o «dar e tirar» do diálogo: é esta a tarefa da hermenêutica. A formulação rígida tem que de certo modo colocar-se nomovimento da conversação, um movimento em que o texto interroga o intérprete e este o interroga. A tarefa da hermenêutica é«tirar o texto da alienação em que se encontra (enquanto formarígida, escrita), recolocando-o no presente vivo do diálogo, cuja primeira realização é a pergunta e a resposta» (” ).

Quando um texto transmitido se transforma em objecto deinterpretação, coloca uma questão ao intérprete, questão a que

 pretende responder através da interpretação. A verdadeira in ter pretação te rá que se relacionar com a questão «colocada» pelo texto(o texto tem um lugar e um tema). Compreender o texto significa

compreender essa questão. O primeiro requisito para interpretarmosum texto é compreendermos o horizonte significativo ou interro-

(1!) Ibid., 346. Zygmunt Adamczewski abordou este tema numa comunicação apresentada num encontro anual da Sociedade de Filosofia Fenomeno-lógica e Existencial na Universidade de Purdue, em 27 de Outubro de 1967.

(“ ) WM. 349.(” ) Ibid., 350.

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gativo dentro do qual se determina a orientação significativi» d<>texto (”).

E contudo o texto é em si mesmo uma asserção. Num ccrtosentido ele constitui em si próprio a resposta a uma pergunta — nfto

a pergunta que lhe pomos a pergunta que o «tema» do texto lhe põe. Ora se compreendermos o texto em termos das questões uque responde, é óbvio que temos que continuar a sondá-lo interrogativamente, de modo a interpretá-lo. Temos também que questionaraquilo que não é dito: «Se vamos para além daquilo que foi dito,temos também que sair daquilo que foi dito. Só compreendemoso que o texto quer dizer na medida em que este atinge um horizonte de interrogação que necessariamente engloba outras respostas possíveis.» (19) O significado de qualquer afirmação é sempre

relativo à questão a que responde; isto é, ultrapassa necessariamente aquilo que foi explicitamente dito. Isto é decisivo para umainterpretação humanística dos textos. Não nos devemos satisfazercom uma mera explicitação daquilo que já está explícito no texto;o texto deve ser colocado no horizonte interrogativo que o feznascer. R. G. Collingwood ao actuar na interpretação históricasegundo este princípio, diz-nos que para compreendermos um eventohistórico temos que reconstruir a questão à qual as acções histó

ricas das pessoas dão resposta (J0). Collingwood, sustenta Gadamer,é um dos poucos pensadores modernos que tenta formular umalógica de pergunta e resposta, mas mesmo esta tentativa não éempreendida de um modo sistemático e exaustivo.

Contudo, a reconstrução da questão a que o texto ou o eventohistórico respondem, nunca pode ser pensada como tarefa auto--suficiente. Como nos indica a crítica empreendida por Gadamerà consciência histórica, o horizonte significativo adentro do qualum texto ou um acto histórico se situam, é abordado interrogati

vamente a partir do nosso próprio horizonte; e quando interpretamos, não abandonamos o nosso próprio horizonte, antes o alargamos de modo a fundi-lo com o do acto ou com o do texto. Não setrata de encontrar as intenções do personagem histórico ou doescritor do texto. É a própria herança que fala no texto. A dialéctica da pergunta-resposta efectua uma fusão de horizontes. O queé que torna isto possível? O facto de que ambos são, num certosentido, universais e fundamentados no ser. Assim, o encontrocom o horizonte do texto que nos foi transmitido, de facto ilumina

o nosso horizonte e leva à auto-revelação e à autocompreensão;o encontro transforma-se num momento de revelação ontológica.

(“ ) Ibid., 351-52.(«) Ibid., 352.(2“) Ver: R. G. Collingwood,  Autobiography.

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É um evento em que algo sai da negatividade — a negatividade que6 compreendermos que há algo que não sabíamos, que as coisasnão eram como pensávamos.

Por outras palavras, a revelação surge como um tipo de eventocuja estrutura é a estrutura da experiência e a estrutura da per-gunta-resposta; é uma questão dialéctica. E qual é o meio no quale pelo qual esta revelação ontológica ocorre no evento dialécticoda experiência enquanto pergunta e resposta? Qual é o meio,dotado de tal universalidade que os horizontes se fundem? Qual é0 meio em que se esconde e armazena a experiência cumulativade todo um povo histórico? Qual é o meio inseparável da própriaexperiência, inseparável do ser?A resposta tem que ser: a linguagem.

A natureza da linguagem

1 — O carácter não instrumental da linguagem

A rejeição da teoria do «signo» quanto à natureza da linguagemé essencial na concepção de Gadamer. Contra a ênfase dada àforma e às funções instrumentais da linguagem, Gadamer assinala

o carácter vivo da linguagem e a nossa participação nele. A transformação da palavra em signo, defende Gadamer, está na baseda ciência, com o seu ideal de designações exactas e de conceitosinequívocos. A concepção das palavras como signos tornou-se tãofamiliar e auto-evidente que «é preciso uma proeza de ginásticamental para nos lembrarmos que fora do ideal científico de designações inequívocas, a vida da linguagem se processa naturalmente» (” ). Encarar as palavras como signos é privá-las do poderessencial que têm e fazer delas meros instrumentos ou designações.

«Sempre que a palavra é vista enquanto mera função de signo,a relação essencial da fala e do pensamento transforma-se numarelação instrumental.» (” ) A palavra torna-se instrumento do pensamento e coloca-se face ao pensamento e à coisa designada. Nãose vê qualquer relação orgânica demonstrável entre a palavra eaquilo que ela designa; a palavra é meramente um signo. O pensamento parece separar-se das palavras usando-as para indicar ascoisas.

Quando é que a teoria da linguagem como signo surgiu no pensamento Ocidental? Gadamer faz remontar esta concepção àideia de logos  do pensamento grego. Diz ele:

«Se o âmbito do noético, na multiplicidade dos seus elementos,é representado pelo âmbito do logos,  então a palavra, tal como o

(” ) WM, 410.(” ) Ibid.

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número, torna-se mero signo de um ser bem definido c poi cot)seguinte previamente conhecido. A interrogação é portanto cm prlncípio anulada; agora já não partimos da temática em cansa, pciguntando sobre o ser das palavras enquanto mediação; antes comr  

çamos  com a mediação — as palavras — e perguntamos o que ó queo signo transmite àquele que o utiliza, e como é que o faz. Nunatureza íntima do signo está o facto de que ele tem o seu sere a sua única propriedade na função de ser aplicado.» (” )

O signo desaparece na sua função de designação; já não scconsidera importante em si mesmo, como uma palavra, mas apenascomo signo. Não mais se refere o poder que tem de revelar o ser;é antes o logos  que fornece os signos dotados de uma realidade jáfeita e já conhecida à qual se referem, e o verdadeiro problema

está apenas no sujeito que os usa. As palavras são vistas comoinstrumentos que o homem dispõe para comunicar o seu pensamento. A linguagem é vista em última instância como um instrumento de subjectividade totalmente separada do ser da coisa queé pensad?

Intimamente relacionada com esta ideia está a concepção queconhecemos da filosofia de Ernst Cassirer, da linguagem comoforma simbólica. Mais uma vez, a função instrumental da linguagem é o ponto de partida e a base, embora, de um modo queultrapassa a mera função de> signo. Gadamer certamente sustentaria que Cassirer, a lingüística moderna e de um modo geral amoderna filosofia da linguagem, erram ao considerar a  forma   dalinguagem como foco básico e central. Será o conceito da formaadequado ao fenômeno da linguagem? Será a linguagem enquantolinguagem uma forma simbólica, e o conceito de forma fará realmente justiça àquilo a que podemos chamar a linguisticidade daexperiência humana? Ou será um conceito estático que priva a

 palavra das suas características de evento, do seu poder de falar,sendo o seu estatuto reduzido a pouco mais do que um mero instrumento de subjectividade?

Se a linguagem não é signo nem forma simbólica criada pelohomem, o que é então? Em primeiro lugar as palavras não sãoalgo que pertença ao homem, mas sim à situação. Procuramos palavras, as palavras que pertencem à situação. O que é posto cm palavras quando dizemos «A árvore é verde» não é tanto a rcflc-xividade humana como o próprio tema. O que aqui importa não

é a forma da asserção ou o facto de que a asserção está a serapresentada por uma subjectividade humana. O importante, 6 quea árvore está a ser revelada a uma certa luz. O autor desta asserção não inventou nenhuma das palavras, aprendeu-as. O processo

O3) Ibid., 390.

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de aprendizagem da língua apenas veio gradualmente, por umaimersão no fluxo da herança. Ele não fabricou uma palavra nemlhe «deu» um significado; imaginar um procedimento destes é uma pura construção da teoria lingüística. Diz Gadamer:

«A  palavra  lingüística não é um ‘signo’ de que nos apropriemos; também não é algo existente que possamos modelar ou aoqual atribuamos significado, fazendo com que o signo torne visíveluma outra coisa. Ambas as possibilidades são falsas; é antes aidealidade do significado que reside na própria palavra. A palavra é sempre já significativa.» (**)

A natureza da experiência não é um dado não lingüístico parao qual encontremos subsequentemente palavras, por meio de um

acto reflexivo; a experiência, o pensamento e a compreensão sãototalmente lingüísticos e ao formular uma asserção apenas usamos palavras que já pertencem à situação. A invenção de palavras paradescrever uma experiência não é um acto gratuito, antes se conforma com as exigências da experiência.

A formação das palavras portanto não é um produto da reflexãomas da experiência. Não é uma expressão do espírito ou da mentemas de uma situação e do ser. «O pensamento que procura exprimir-se não se relaciona com a ‘mente’ mas com factos, com otema.» (” ) Para esclarecer a estreita relação da palavra, do pensamento e da fala, Gadamer refere-se à doutrina da Encarnação:«A unidade intríseca do pensamento e da fala que correspondeao mistério trinitário da Encarnação.(O Verbo era já Verbo mesmoantes de se fazer carne) inclui a ideia de que a palavra interna doespírito não se forma por meio de um acto reflexivo.»  (“) Alguémque «se exprime» está já a exprimir aquilo que pensa. É certoque a palavra emerge de um processo de actividade mental; Gada

mer sustenta que ela não é uma auto-exteriorização c1- reflexão.O ponto de partida e de chegada na formação das palavras nãoé a reflexão mas o tema que se exprime por palavras.

Encarar a linguagem e as palavras como instrumentos da reflexão e da subjectividade humanas é o mesmo que colocar a carroçadiante dos bois. Considerar a forma como sendo o ponto de partidada linguagem é cometer essencialmente o mesmo erro de tomara forma como ponto de partida da estética. O carácter de evento

do fenômeno e a sua temporalidade perdem-se, e sobretudo, caímosno erro de designar o sujeito humano, em vez da natureza da coisaque se exprime, como sendo um ponto de referência fixo. No casoda linguagem, o facto central e decisivo é o poder que ela tem

(” ) Ibid., 394; itálicos nossos.(” ) Ibid., 403.(“ ) Ibid.

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espaço diante de nós, no qual o mundo se possa mostrar tal como é.Ter um mundo é ao mesmo tempo ter linguagem.» (3‘) Gadamerdefende que os animais não têm mundo pois não têm linguagem.Certamente que têm uma maneira de se entenderem mutuamente,

mas isso não é linguagem, excepto para o cientista que tenha umavisão puramente instrumental da linguagem como signo. Mas a linguagem como poder de abrir um espaço em que o mundo se possarevelar, isto os animais não possuem. Por exemplo, os animais não podiam criar os seus instrumentos de comunicação para chegar auma «compreensão» sobre uma situação ou circunstância, como tal,no passado ou no futuro; só a linguagem pode fazer isso, com o poder real que tem de constru ir um mundo.

É um erro pensar nesse «mundo» como sendo essencialmenteuma posse ou propriedade da subjectividade; esse é o erro típicoda subjectividade moderna orientada para o pensamento; o mundoe a linguagem são antes temas trans-pessoais, e a linguagem é feita para se ajustar ao mundo, e por conseguinte é ordenada consoanteo mundo mais do que consoante a nossa subjectividade. Neste sentido (mas não num sentido científico) a linguagem é objectiva:

«Da comensurabilidade da linguagem e da palavra segue-se asua objectividade peculiar (Sachlichkeit).  Uma situação ou tema

que se comporta desta ou daquela maneira — nisso reside o reconhecimento de uma alteridade auto-suficiente que pressupõe a sua própria distância entre o tema e aquele que fala. Na base dessadistância, pode definir-se algo como uma «situação» e em últimainstância pode ser capaz de se transformar no conteúdo de um

 juízo que outro possa compreender (” ).O mundo não é impessoal nem falando em termos figurados,

circula como um indivíduo isolado, como um balão gigante pro- jectado pela mente e pelas percepções. É mais adequado encarar

o mundo como estando entre  as pessoas. É a compreensão partilhada pelas pessoas, e é o meio dessa compreensão; é a linguagemque possibilita este facto. A linguagem, como um campo de inte-racção, não é realmente um «instrumento» que se construiu paraa compreensão. Nesse aspecto o homem vive em algo semelhanteà comunidade de compreensão que há entre os animais. Mas nohomem trata-se de uma compreensão lingüística, e por conseguinte,é o mundo que está entre as pessoas. Gadamer diz-nos que a com

 preensão lingüística «torna aquilo em que ocorre (i. e. o mundo)como um processo e coloca-o entre as partes como um objecto quese disputa. O mundo é uma base comum que toda a gente reconhece, que une todos aqueles que nele comunicam» (” ).

(«) Ibid., 419.(” ) Ibid.. 421.(’•) Ibid., 422.

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Dado que o espaço aberto em que o homem existe 6 o domínioda compreensão partilhada criada pela linguagem como mundo, i>homem existe nitidamente na   linguagem. «A linguagem nflo 6 i »i *c  

nas algo de fixo que o homem encontra no seu mundo, antes 6 ncl»e por ela que surge a possibilidade de termos um mundo.» (") Istoé dizer que a linguagem e o mundo transcendem toda a possibilidadede se transformarem totalmente em objecto. Não transcendemos alinguagem nem o mundo por determinado tipo de conhecimentoou de reflexão; «a experiência lingüística do mundo é que um absoluto» (” ). Esta experiência do mundo como algo que já reside nalinguagem, transcende todas as relatividades e relações em que o.sseres se poderiam mostrar; todo o objecto de conhecimento é englo

 bado no horizonte da linguagem. A isto podemos chamar a linguis-ticidade da experiência humana do mundo.

Esta concepção alarga extraordinariamente o horizonte em queconsideramos a experiência hermenêutica. O que se compreende

 pela linguagem não é só uma experiência particular mas o mundono qual ela se revela. O poder que a linguagem tem de revelar ultra passa mesmo o tempo e o espaço; um texto antigo de um povo hámuito extinto pode tornar presente, com a mais espantosa exactidão,

o mundo lingüístico interpessoal que existiu entre essa gente. Assimos nossos próprios mundos de linguagem têm uma certa universalidade neste poder de coihpreender outras tradições e lugares.Diz-nos Gadamer:

«O nosso próprio mundo de linguagem, este mundo em quevivemos, não é um recinto fechado que impede o conhecimento dascausas tal como elas são; antes engloba essencialmente tudo o quea nossa vista consegue alcançar em comprimento e altura. É certo

que uma tradição vê o mundo diferentemente de outra. Os mundoshistóricos no decurso da história diferiram uns dos outros e domundo de hoje. No entanto, o mundo é sempre humano, e istosignifica que ele é um mundo linguisticamente criado que está presente em todas as heranças.» (” )

É tão grande o poder de dizer da linguagem, que ele cria omundo no interior do qual tudo pode ser revelado; o seu alcanceé tão grande que podemos compreender mais diversos mundos que

se exprimiram na linguagem; tão grande é o seu poder de revelaçãoque mesmo um texto relativamente curto pode abrir um mundodiferente do nosso, um mundo que no entanto conseguimos com

 preender.

(" ) Ibid., 419.<**) Ibid., 426.(“ ) Ibid., 423.

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A linguisticidade e a experiência hermenêutica

A experiência hermenêutica, como já notámos, é um encontroentre a herança (sob a forma de um texto transmitido) e o horizonte

do intérprete. A linguisticidade fornece o chão comum no qual esobre o qual se podem encontrar. A linguagem é o meio em que atradição se esconde e é transmitida. A experiência não é tanto algoque vem antes da linguagem pois a própria experiência ocorre nae pela linguagem. A linguisticidade é algo que se difunde no modode estar-no-mundo do homem histórico. Como observámos, o homem tem um mundo e vive num mundo por causa da linguagem.

Assim como dizemos que «pertencemos» a um certo grupo,

também dizemos que pertencemos a um certo tempo e lugar nahistória, e a um certo país. Não dizemos que o grupo nos pertenceou que a história é uma possessão pessoal da nossa subjectividade,nem de qualquer modo controlamos o nosso país na mesma medidaem que este controla e ordena a nossa vida. Fazemos parte delese não são eles que nos pertencem; participamos neles.  Do mesmomodo pertencemos à linguagem e à história; participamos nelas.

 Não possuímos nem controlamos a linguagem antes a aprendemose nos adaptamos às suas regras. O poder que a linguagem tem de

ordenar e moldar o pensamento não é uma questão de rigidez oude incapacidade; esse poder funda-se na situação ou no caso queela comunica. É à situação ou ao caso que temos que adaptar onosso pensamento. A linguagem não 6 assim uma prisão mas umespaço que se abre no ser e que permite uma infinita expansão,dependendo da nossa abertura à tradição.

Este fenômeno de pertença (Zugehòrigkeit)  é da maior importância para a experiência hermenêutica, pois é a base que permiteencontrar no texto a nossa herança. Porque pertencemos à linguagem e porque o texto pertence à linguagem, torna-se possível umhorizonte comum. A emergência de um horizonte comum é aquiloa que Gadamer chama a fusão de horizontes pois ocorre devido àconsciência historicamente operativa. A linguisticidade, torna-se pois a base de um a consciência verdadeiramente histórica. A pertença a ou a participação na linguagem como meio da nossa experiência no mundo, — de facto a base da possibilidade de podermoster um mundo como aquele espaço aberto em que o ser das coisas

se pode revelar — é a verdadeira base da experiência hermenêutica.Metodologicamente, isto significa que nós não procuramos tor-narmo-nos senhores do que está no texto, mas sim tornarmo-nos«servos» do texto; não tentamos tanto observar e ver o que está notexto como seguir, participar e «ouvir» o que o texto diz. Gadamer joga com a relação entre ouvir, pertencer e servir que a palavra«pertença» ( Zugehòrigkeit)  sugere. (Hòren  significa dar atenção, ouvir e escutar; gehôren  significa pertencer a; gehòrig  significa ade

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quando a, ou apropriado.) Ouvir, diz-nos Gadamer, 6 um podeimuito maior do que ver: «Não há nada que não se torne ihtnnIvcIao ouvido, através da linguagem.» (M) Porque é que é assim? Porqueatravés da audição, através da linguagem, acedemos ao lonas,  nomundo a que pertencemos. É precisamente esta dimensão mui»

 profunda, esta dimensão ontológica acessível através da linguagem,que dá à experiência hermenêutica o significado que tem paru nvida presente do intérprete (” ). A objectividade característica da linguagem, capaz de revelar as coisas tal qual são, baseia a linguagemnuma ontologia lingüística universal. As dimensões mais fundas dalinguagem, das quais deriva o seu poder de revelar o ser das coisas,dá-nos aquele fundamento de universalidade ontológica que faz da

experiência hermenêutica uma experiência de revelação ontológicaimediatamente significativa. Esta é a razão pela qual a tradiçãonos pode interpelar, não casual ou decorativamente, mas de ummodo que nos afecta e que tem para nós um significado directo (”).

O método adequado à situação hermenêutica que envolve ointérprete e o texto, é portanto aquele que o coloca numa atitudede abertura, de modo a ser interpelada pela tradição. A atitude deexpectativa, de quem espera que algo aconteça. Reconhecemos quenão somos conhecedores à procura de um objecto e tomando posse

dele — neste caso, chegando a saber «como é que era realmente»ou o que é que o texto «realmente significava», tentando sacudiros nossos preconceitos e ver com uma mente verdadeiramente«aberta». Pelo contrário, a disciplina metódica esboça-se para restringir a nossa vontade de dominar. Não somos tanto pessoas queconhecem como pessoas que experimentam; o encontro não é chegar conceptualmente a algo, antes é um evento em que um mundose nos abre. Na medida em que cada intérprete se situa num novohorizonte, o evento que se traduz linguisticamente na experiência

hermenêutica é algo de novo que aparece, algo que não existiaantes. Neste evento, fundado na linguisticidade e tornado possível pelo encontro dialéctico com o sentido do texto transmitido, encontra a experiência hermenêutica a sua total realização.

A estrutura especulativa da linguagem e da natureza da poesia

Para Gadamer, a própria linguagem tem uma estrutura intrin-secamente especulativa. Não é fixa nem dogmaticamente certa,mas porque se processa sempre como evento de revelação, está

(«) Ibid., 438.(») Ibid.(») Ibid.

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sempre em movimento, em mudança, tendo como missão tornaras coisas compreensíveis. O movimento da linguagem viva resisteconstantemente à fixidez dos juízos manifestos e finais. O secretário

consciencioso que controla os minutos de uma reunião, reduz sistematicamente os eventos a juízos — juízos que procuram captar osignificado depurado daquilo que aconteceu. Mas esses juízos, precisamente porque são juízos, tendem a distorcer o que realmentefoi dito, e, com uma exactidão metódica, toldam o horizonte significativo em que os juízos se colocaram.

O falar verdadeiro, o tipo de falar que ocorre na vida quotidianaentre pessoas que se compreendem mutuamente, permite que o nãodito venha sempre a par daquilo que é dito, de modo a que ambos

formem uma unidade; esta é a unidade que nos faz ser compreendidos pela fala, em vez de ser compreendidos pelo que foi dito.Diz Gadamer que aquele que fala deste modo «pode apenas usaras palavras mais banais e vulgares e no entanto conseguir com elasdar uma forma lingüística ao que não foi dito, o não dito que precisa de ser dito e que é   aqui dito. Aquele que fala está a procederespeculativamente  pelo facto de que as suas palavras não estão acopiar nada de ‘real’ mas estão de facto a exprimir uma relaçãocom a totalidade do ser e a deixar que esta se exprima» (").

Tudo aquilo que é dito é de facto ordenado por uma orientaçãosignificativa mais lata, com base em aspectos que não dominamos.São esses aspectos que tornam evidente a estrutura especulativa dalinguagem. Mesmo a mais pura reposição de sentido exige como

 pano de fundo algo que nunca é totalm ente objectificável.Este fenômeno encontra-se de uma forma intensa na fala poé

tica, quando somos confrontados com uma asserção, com um juízo.Legitimamente exigimos que o juízo poético seja auto-suficiente e

que não dependa, para a sua compreensão, de um saber acidental.O juízo poético dá-nos a aparência de ser um juízo forte e manifesto, separado de toda a opinião subjectiva e da experiência do

 poeta. Mas sê-lo-á realm ente? Gadamer diz-nos perem ptoriamenteque não. As palavras da poesia têm a mesma qualidade da fala queocorre diariamente entre pessoas que se compreendem. «As palavrassão especulativas ... um modo semelhante à fala da vida quotidiana;tal como anteriormente dissemos, ao falar, o orador traz para alinguagem uma relação com o ser.» (" ) Mais explicitamente: «O

 juízo poético como tal é especulativo na medida em que o acontecimento lingüístico da palavra poética expressa por seu lado a relação especial que tem com o ser.» (”) Este último juízo traz algo de

(« ) Ibid., 444-445.(J1) Ibid., 445.(*) Ibid.

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novo para a discussão: a palavra poética é especulativa, nflo »<\no sentido de precisar do que não foi dito como pano dc fundo,de modo a que aquilo que se diz explicitamente dirá também aquiloque não foi dito e que precisa de se tornar compreensível. A paluvra

 poética tem também a sua relação própria com o ser e traz algode novo para o domínio do que não foi dito. Porquê? Porque o poct»é o experimentador especulativo por excelência; através da sua abertura ao ser revela no ser novas possibilidades. O poeta, comoHõlderlin nos disse, liberta-se conscientemente das palavras c doscostumes comuns, usuais e já gastos. Ao olhar em volta, encaruo mundo como se fosse pela primeira vez, novo e irreconhecível.O seu saber, os seus pontos de vista, a arte e a natureza — tudo

fica suspenso e indeterminado. Trata-se da suspensão dos padrõesconvencionais do ser e do pensamento que permitem ao poeta verdadeiramente grande construir novos modos de pensar e de sentir.Portanto, como Gadamer nos diz, o juízo poético é especulativo,na medida em que não copia o mundo a partir do ser, não se limitaa espelhar a visão das coisas na ordem existente, mas antes nosapresenta a nova visão de um mundo novo pela mediação imaginativa da invenção poética (**).

 Não falamos aqui do carácter especulativo da experiência her

menêutica, mas sim da escrita poética. Contudo a questão hermenêutica imediatamente se levanta: Como é que, se nos circunscrevermos a padrões convencionais de pensamento, conseguiremoscompreender a fala poética especificamente designada para abriruma nova relação com o ser? É óbvio que o intérprete deve ele

 próprio partilhar algo da abertura a novas possibilidades que o poeta possui. Contudo, lembramos mais uma vez que fora da histórianão há lugar para o intérprete; um tema nunca pode ser visto deum ponto de vista da eternidade. Gadamer diz-nos que toda a apro priação da tradição é ela própria a experiência de uma perspectivasobre o tema. É guiada pelo tema que é comunicado; é este o paradoxo da interpretação: que o tema seja o mesmo e que cada inter

 pretação seja diferente. «Toda a in terpretação é verdadeiram enteespeculativa. Consequentemente, a hermenêutica não se pode deixariludir pela crença dogmática num significado em si mesmo infinito,tal como a filosofia crítica não se deve deixar iludir pelo- dogma-tismo da experiência.» (*') A in terpretação de um texto, não é pois

uma abertura passiva mas sim uma interacção dialéctica com otexto, não é uma simples confirmação mas sim uma criação, uninovo evento na compreensão (4*)-

(« ) Ibid., 446.(“ ) Ibid., 448.(«) Ibid.

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A especulatividade envolve portanto um movimento, uma sus pensão e uma abertura. Estas fazem com que novas possíveis relações com o ser nos falem e interpelem a nossa compreensão. Para

o poeta, é abertura ao ser que se traduz na linguagem; para ointérprete, é abertura à colocação do nosso horizonte num equilíbrio e é querer sujeitá-lo a uma modificação, à luz da nova com

 preensão do ser que emerge do encontro com o significado do texto.Em última instância, a especulatividade baseia-se numa negatividadecriativa, na natureza do ser, que forma o contexto de toda aasserção positiva. Uma hermenêutica especulativa está viva para osignificado desta negatividade, como se fosse a fonte de toda anova revelação do ser e como se fosse um antídoto constante rela

tivamente ao dogmatismo.

A universalidade da hermenêutica

 No final de Wahrheit und Methode  Gadamer formula umaasserção para a qual foi meticulosamente construindo fundamentos:o desenvolvimento do problema hermenêutico anteriormente a

Schleiermacher, passando por Dilthey e chegando a Husserl e Heidegger não é um mero exercício interessante de uma auto-análisemetódica da filologia como «hermenêutica»; conduz a própria investigação filosófica a uma posição sistemática. Não é simplesmenteuma tentativa de encontrar um modo de interrogar adequado àcompreensão histórica e literária dos textos; sustenta que a com preensão humana como tal  é histórica, lingüística e dialéctica. Nodesenrolar de uma posição interrogativa que pretende mover-se paraalém dos confins do esquema sujeito-objecto, a hermenêutica de

Gadamer sugere um novo tipo de objectividade (Sachlichkeit)  fundamentada no facto de que aquilo que se revela não constitui uma projecção de subjectividade mas algo que actua sobre a nossa com preensão quando se apresenta.

O princípio de resistência à rigidez dos juízos não se aplicaapenas à experiência hermenêutica, mas à experiência em geral.A ideia de que a dialéctica se nos apresenta com a possibilidadede deixar de encarar a experiência como uma actividade do sujeitoconsiderando-a como uma actuação do tema ou da própria situação — isto é, que esta dialéctica tom e possível a consideração daexperiência de um medo expeculativo, como um movimento que«agarra» o orador — tem mais do que um significado metódico. Num

 parágrafo significativo no final do seu livro, Gadamer resume a suaargumentação e o modo como esta leva à defesa de uma hermenêutica mais lata: «Percebemos agora que este movimento especulativo(de partirmos do ser como um todo e de sermos conduzidos pelas coisas mais do que pela subjectividade) era o que tínhamos em mente

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quando fomos orientados pela nossa análise du cxpcrlònua In munêutica para uma crítica da consciência estética, tal como (In >< .ciência histórica. O ser de uma obra de arte não cra um m   i  imii »l

mesmo, no qual se pudessem distinguir a repetição ou a coiillngência da sua aparência; só numa tematização secundária dc umcontra o outro é que podemos diferenciar o ‘estético’ do 'níoestético’. O mesmo se aplica relativamente ao encontro históricoou filológico com a nossa herança: o que pareceria opor sc anós — o significado de um evento ou o sentido de um texto nfloera para nós um objecto fixo e auto-suficiente, que apenas devíamosidentificar e descrever. Porque a consciência histórica inclui drfacto em si mesma uma mediação de passado e de presente. Agoraque reconhecemos que a linguagem é o meio universal para estamediação, alargámos a perspectiva de que partia a nossa interrogação (unsere Fragestellung)  i. e. a crítica da consciência estética chistórica — até fazer com que inclua uma orientação universal paraa interrogação. Porque a relação humana com o nosso mundo é

 básica e simplesmente lingüística e portanto compreensível. A hermenêutica é, como vimos, um meio universal do ser da filosofia enão apenas uma base metodológica para as disciplinas herme

nêuticas.» OProsseguindo, Gadamer diz que pelo facto de tomar como base

a linguisticidade e a ontologia, não cai necessariamente na metafísica hegeliana. Para ele, a linguagem não é um instrumento desubjectividade, nem se realiza na autocontemplação de um intelectoinfinito; pelo contrário, a linguagem é finita e histórica, é um repositório e um condutor da experiência do ser que se tornou linguagem no passado. A linguagem tem que nos levar a compreendero texto, a tarefa da hermenêutica é tomar a sério a linguisticidadeda linguagem e da experiência e desenvolver uma hermenêuticaverdadeiramente histórica.

A história tal como a obra de arte, confronta-nos, interpela-nose apresenta-se. A especulatividade reside na sua própria naturezae também na natureza de todos os seres com que deparamos: tudo,na medida em que tenta fazer-se «compreender», se divide, separao dito do não dito, o passado do presente; a auto-apresentação e otornar-se compreensível não são características especiais da história,

da arte e da literatura, são universais. Esta é a especulatividadeque Gadamer vê como característica universal do próprio ser: «Aconcepção especulativa do ser que está na base da hermenêuticaé tão englobante como a razão e a linguagem.» (“ ) A especulatividade, se for profundamente compreendida, não só é a chave para

(« ) Ibid., 450-51.

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a compreensão da hermenêutica de Gadamer como é também overdadeiro fundamento das suas pretensões de universalidade.

Quando tivermos compreendido o que Gadamer entende porespeculatividade, tem mais sentido classificar a sua hermenêutica

de hermenêutica especulativa do que, como tem sido feito até aqui,de hermenêutica dialéctica. Mas visto que o termo tem um sentidoespecial em Gadamer, e que um título representa uma introdução enão propriamente a conclusão de um capítulo, escolhemos o termomais imediatamente inteligível para nos ajudar a penetrar na áreado pensamento dentro da qual é possível conceber a especulatividade relativamente à hermenêutica.

ConclusãoEm Wahrheit und Methode  Gadamer confere à hermenêu

tica uma amplitude diferente. Dilthey e Betti tinham ambos batalhado por uma hermenêutica geral ampla para as Geisteswissens- chaften.  E que dizer das ciências naturais? Precisarão de uma com preensão diferente? A conclusão geral foi que a in terp retação deum texto transmitido historicamente requer um acto de compreensão histórica totalmente diferente da compreensão praticada porum cientista da natureza. Gadamer abandona esta distinção, poisnão mais concebe a hermenêutica quer enquanto circunscrita a umtexto quer às Geisteswissenschaften.

A compreensão, diz Gadamer, é sempre um evento histórico,dialéctico, lingüístico — nas ciências, nas ciências humanas, na cozinha. A hermenêutica é a ontologia e a fenomenologia da com preensão. A compreensão não é concebida de modo tradicionalcomo um acto da subjectividade humana mas como o modo essen

cial que o  Dasein  tem de estar no mundo. As chaves para a com preensão não são a manipulação e o controle, mas sim a partici pação e a abertura, não é o conhecimento mas sim a experiência,não é a metodologia mas sim a dialéctica. Para Gadamer, o objectivo da hermenêutica não é avançar com regras para uma com preensão «objectivamente válida» mas sim conceber a própriacompreensão de um modo tão lato quanto possível. Comparadocom os seus críticos, Betti e Hirsch, Gadamer não se preocupatanto com o facto de compreendermos mais correctamente (e deste

modo com o fornecimento de normas para uma interpretaçãoválida) como com o facto de compreender mais profundamente, demodo mais verdadeiro.

Gadamer entrou profundamente na definição de compreensãodada por Heidegger, original e lata, seguindo os últimos escritos deHeidegger na ênfase dada à ontologia e à lingüística. Procedendo

deste modo e tentando elaborar uma hermenêutica sistemática,

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aproximou-se da grande força dinâmica da filosofia alemll, I I c k c I

Assim, as referências à dialéctica e à especulatividade imediatamentenos lembra Hegel, e inevitavelmente surge o paralelo entre u fenomenologia de compreensão de Gadamer e a fenomenologia do Gellt 

de Hegel. Já anteriormente mencionámos uma série de distinçõesentre as fenomenologias de Hegel e de Gadamer, especialmente noque diz respeito à consideração da subjectividade como ponto de partida; contudo, o paralelo entre o tratamento feito à objectividadedo tema (Sachlichkeit)  em Gadamer e à objectividade do Geist   cmHegel, merecem uma explicação ulterior.

Pode pois dizer-se que na medida em que Gadamer se afastade Heidegger, tende a reaproximar-se de Hegel. Mas isto será umadeficiência ou algo de positivo? O próprio Heidegger encararia com

a maior suspeita cada um destes movimentos; interrogar-se-ia se seteria perdido a sua visão radical da facticidade como ponto de partida do filosofar. Por outro lado, Gadamer defende convincentemente que a dinâmica interna do próprio pensamento de Heideggeré totalmente dialéctica (“ ). Assim a hermenêutica dialéctica deGadamer é uma mera extensão de uma tendência inerente ao

 pensamento de Heidegger. Tomou a teoria da compreensão, a ontologia, a crítica feita por Heidegger ao moderno subjectivismohumanista e à tecnologia e a partir delas, sem contrariar radicalmente Heidegger desenvolveü uma hermenêutica centrada na linguagem, ontológica, dialéctica e especulativa.

O hegelianismo da hermenêutica de Gadamer, essencialmenteheideggeriana, talvez seja um melhoramento da concepção de Heidegger. Isto torna-se mais evidente quando notamos a tendênciado último Heidegger em descrever a compreensão usando exclusivamente um vocabulário de termos passivos: a compreensão nãomais é vista como um acto do homem mas como um evento no

homem. Surge o perigo de o homem ser considerado como uma passiva mancha de pó, na corrente da linguagem e da tradição.Gadamer não vai para o outro extremo de considerar a subjectividade humana como ponto de partida de todo o pensamento sobrea compreensão, mas toma de facto uma posição que permite umgrau maior de interacção dinâmica, quando fala de «experiência»e de «fusão de horizontes». Neste aspecto, é curioso verificar comouma recente crítica de Jean-Marie Domenach feita ao estruturu-lismo de Lévi-Strauss e de Michel Foucault se aplica menos a Ga

damer do que a Heidegger:

(*’) Cf. Gadamer  Anmerkungen   zu dem Thema  Hegel und Heidegger,  Natur und Geschichte: Festschrift für Kart Lõwith,  págs. 123-131. Também sobroHegel e Heidegger ver Thomas Langan,  Heidegger beyond Hegel: a Rethxion on The Onlo-lheo-togical Constitulion of Metaphysics,  comunicação lida noCirculo de Heidegger, na Universidade de Pittsburgh, em 27 de Abril do 1968.

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«Há uma tentativa convergente (na filosofia actual) que procurainverter a ordem dos termos em que a filosofia tem vivido até ao

 presente, negando a actividade autônoma da consciência. Eu não penso, sou pensado; eu não falo, sou falado;  não me relaciono comalgo, sou relacionado  com. É da linguagem que tudo vem e é paraa linguagem que tudo vai. O sistema, que é captado no centro desi próprio, é proclamado senhor do homem ... o sistema, um pensamento que é frio, impessoal, erigido à custa de toda a subjectividade,individual ou colectiva, nega por fim a própria possibilidade de umsujeito capaz de expressão e de uma acção independente.» (")

Imediatamente temos que dizer que a objectividade desincorpo-rada de um puro sistema que deixa o homem fora da avaliação,

imediatamente se situa a mundos de distância de qualquer abordagem fenomenológica que toma o mundo da vida como seu fundamento. Assim seria absurdo equacionar quer Heidegger quer Gadamer com os estruturalistas objectivos. No entanto, é interessanteque, precisamente na medida em que Gadamer é dialéctico e falado carácter dialéctico da experiência corno sendo essencial à suahermenêutica, permite que concebamos a compreensão como umacto pessoal e não simplesmente como um evento que «acontece».

É difícil não perguntar que tipo de ética e de doutrina do

homem são pressupostos em Heidegger. Será que o homem tem queviver simplesmente numa espécie de rendição ao chamamento doser? Seria interessante levantar a mesma questão a Gadamer. Comoé que a actuação da linguagem na compreensão atende àâ funçõesda vontade e do desejo no homem? Talvez Gadamer respondesseque a análise que faz em Wahrheit und Methode  era uma análisedo próprio evento da compreensão e não das motivações que a elalevaram ou da afecção pessoal que a rodeava. Diria ainda maisque não estava a propor uma ética ou uma doutrina do homemmas a tentar, com toda a honestidade, descrever a compreensãocomo uma estrutura ontológica ou como um processo dinâmico.Poderia ser assim, mas seria extremamente esclarecedor saber comoé que Gadamer responderia a esta questão. Acredito que aqui, maisuma vez, o carácter dialéctico da hermenêutica de Gadamer face àde Heidegger, atenderia preferencialmente ao contributo dado porquem compreende a experiência hermenêutica. Isto constituiria umsuplemento válido e alargaria a parte final do livro que trata da

experiência hermenêutica.Wahrheit und Methode  revela portanto todo um novo horizontede considerações sobre a teoria hermenêutica, anunciando talvez ocomeço de um novo estádio frutífero no pensamento moderno sobrea interpretação. Enquanto que a hermenêutica de Heidegger já

(*•)  Le Système et Ia personne, Esprit   (Maio de 1967), págs. 772-73.

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concebe ontologicamente o evento da compreensão, Gadumci dcsrnvolve a ontologia da compreensão numa hermenêutica dialíctkaque põe em causa os axiomas fundamentais da estética modcrnn «•da interpretação histórica. E poderia fornecer a base filosófica paia

uma crítica radical às concepções da interpretação que hoje dominam na crítica literária.

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TERCEIRA PARTE

MANIFESTO HERMENÊUTICOÀ INTERPRETAÇÃO LITERÁRIA AMERICANA

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PREÂMBULO

Chegou a altura de pormos em causa a visão pesadamenteestruturada da interpretação literária americana ('). O ímpeto produtivo que a Nova Crítica lhe deu não podia continuar para sempre;hoje há um amplo espectro de abordagens formalistas c de abordagens orientadas para o conteúdo, com predominância da críticado mito C).  Contudo apesar, da variedade de actividades da críticae do arsenal de armas para uma análise literária, reinam uma obs

curidade e uma confusão gerais sobre o que faz a interpretaçãoliterária. Tal facto leva a que voltemos a colocar radicalmente a

 pergunta: o que é a interpretação?A crítica americana de hoje não precisa de mais instrumentos

 para «chegar» à obra literária mas sim de um novo exame rigorosodos pressupostos sobre os quais se baseia o seu conceito de inter

 pretação. Filosoficamente falando, estamos a ultrapassar o apogeudo realismo, e a revolução fenomenológica está a fazer com que asua crítica ao realismo e ao idealismo se faça sentir. Por conse

guinte, o reexaminar da questão da interpretação não pode prosseguir ingenuamente na base de noções do senso comum, ou pressupor como ponto de partida um realismo que pertence ao passado.Pelo contrário, a teoria literária tem que explorar arrojadamente acrítica fenomenológica feita ao realismo por Edmund Husserl,Martin Heidegger e Hans-Georg Gadamer. A hermenêutica em Gadamer dá-nos a conjunção da fenomenologia e da teoria da com preensão; constitui a base para um reexame criativo da teoria dainterpretação literária.

(’) Ver Stanley Edgar Hyman, The Armed Vision.(!) Ver John B. Vickery, ed.,  Myth and Literaiure, e Northrop Frye,

 Anatomy of Crilicism.  Para um resumo das diferentes abordagens 6 Importante a avaliação feita por Walter Sutton,  Modem American Crilicism.

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Para clarificar a crítica das concepções dominantes na interpretação literária implícita na hermenêutica fenomenológica, e para seestabelecerem de um modo preliminar as características de umateoria da compreensão literária que nela se baseia, segue-se ummanifesto dirigido aos intérpretes literários americanos.

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PARA UMA REABERTURA DA PERGUNTA:QUE É A INTERPRETAÇÃO?

O que significa compreender um texto?

Os intérpretes e teóricos literários americanos caíram num modode encarar a sua tarefa grosseiramente naturalista e tecnológica.

 Na actual perspectiva em que se situam nem mesmo podem colocar-se a si próprios a questão que mais precisam de colocar: o queacontece quando «compreendemos» um texto literário? Uma questão deste gênero é quer tratada de um modo abstracto, lógico etecnológico, quer posta de lado como irrelevante, pois poderia parecer que não se estava a lidar com o objecto de análise mas com aexperiência subjectiva que dele temos.

Mas o que é que se pressupõe? Que podemos falar de umobjecto de análise em termos da sua forma e do seu «significado

objectivo» de tal modo que a obra parece existir independentementeda experiência que dela temos! A pouco e pouco, começa a nãohaver correlação entre a análise do objecto e a nossa experiênciaquando o compreendemos. A análise abstracta da forma das contradições lógicas começa a ser a marca de uma intepretação subtil,e em última instância a dinâmica da experiência da obra é inconscientemente ultrapassada, ou abandonada como conduzindo a «falácias». E no entanto uma objectividade deste tipo pressupõe um

acesso à obra que é mais racional do que experiencial; considera ainterpretação fora do seu contexto vivo e depura-a do seu carácterhistórico.

Deveríamos dizer logo de início que o modelo de interpretaçãosujeito-objecto é uma ficção realista. Não deriva da experiência dacompreensão, antes é um modelo construído reflexivamente, quevolta a ser projectado na situação interpretativa. Não há tema quenão esteja situado, e portanto, não há compreensão que não esteja

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literária, não há acesso que se coloque fora da história e fora donosso horizonte de compreensão. Alguns intérpretes desejariam queassim fosse, mas o facto de o desejarem não faz com que as coisasse passem desse modo. Defender a historicidade e posicionalidade

da compreensão não é enveredar por um aspecto irrelevante e sub jectivo (o uso neste contexto da palavra «subjectivo» assenta numaconcepção insustentável de objectividade); é um facto da situaçãointerpretativa que em nada se altera caso o desprezemos. Ignorá-loé enfraquecer a nossa concepção de interpretação, pois levou, emcasos extremos da crítica formalista, à consideração de que a literatura. não é de natureza essencialmente histórica e de que com

 preendê-la não é um acto profundamente histórico.A acusação que o futuro fará ao formalismo contemporâneo

será a de uma falta de consciência realmente histórica. Por consciência histórica não entendo apenas sentir o «elemento histórico»na obra literária, mas antes uma compreensão genuína do modocomo a história constantemente actua na compreensão, e umaconsciência da tensão criativa entre o contexto da obra e o donosso tempo.

As conseqüências do esquema sujeito-objectoPerguntar de um modo significativo o que acontece quando

compreendemos uma obra literária significa ultrapassar a definição dominante da situação interpretativa em termos do esquemasujeito-objecto. Consideremos algumas das conseqüências geraisda aceitação do modelo sujeito-objecto no encontro interpretativo.

 Nesse contexto, quando o intérprete se defronta com uma obraliterária, entende-se por consciência o encontro com o «objecto».

O estatuto do objecto é o de ser objecto para um sujeito, de modoque, em última instância, o seu estatuto, como o de tudo quantoexiste, possa ser delineado até remontar à subjectividade e àsoperações reflexivas da mente: «A objectividade científica» porexemplo, situa-se no interior deste contexto interpretativo e sustenta que apenas pretende adquirir ideias «nítidas» e «claras» sobreesses «objectos». Os números são as ideias mais nítidas, maisclaras e abstractas, portanto são especialmente valorizados. Depois

vem tudo aquilo que é mensurável, repetível ou visualizado numesquema. O conhecimento e a experiência que não são redutíveisàs formas de um pensamento primariamente ideacionado (visualizado) tendem a ser considerados como não reais e destituídos deimportância.

Ao perspectivar deste modo a interpretação, não nos aperce bemos do poder e da ubiquidade da linguagem e da h istória. nanossa existência. A linguagem é vista como um objecto que comu

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nica «significado». O homem é considerado como um iinlmnl produtor de símbolos, sendo a linguagem o sistema com que doinlnuos símbolos. Mas tudo isto se enraíza na metafísica enganudor»que desde Descartes a perspectiva moderna nos tem dado. llojrencaramos a linguagem como um conjunto de signos produzidos pelo homem e vemos a história como meros factos passados porqueaceitamos sem questionar que há uma subjectividade humana tiflohistórica na origem de todas as coisas constituindo o seu pontode referência. Assim, apesar da palavra «objectividade», a subjectividade é o centro a partir do qual consideramos as nossas produções. Mas se tudo remonta à subjectividade e se fora dela nàohá qualquer ponto de referência, a vontade de poder do homemtransforma-se na força essencial da actividade humana. Este subjec-

tivismo superficial constitui o fundamento essencial do delíriomoderno a favor de um conhecimento tecnológico; quando asubjectividade humana é o tribunal de última instância, nada restaao homem senão controlar cada vez mais totalmente os «objectos»do seu mundo.

Mau grado os protestos da crítica moderna na defesa do humano, o processo e a focalização da moderna interpretação literária tornaram-se tecnológicos, tornaram-se uma questão de domínio do objecto de análise. A Nova Crítica constitui, nalguns dos

seus aspectos, uma excepção a isto, com a referência que faz a uma«rendição» ao ser da obra, na tentativa salutar de evitar a heresiada paráfrase a favor de uma experiência directa da obra das intenções que tem de falar sobre forma e conteúdo da obra, mais doque de perder-se e afundar-se em informação extrínseca sobre ela.Este movimento voltou a dar uma tremenda vitalidade e significadoao estudo da literatura salvando-a de um historicismo estéril cda filologia. No entanto, a base filosófica da Nova Crítica foisempre oscilante e incerta, vacilando entre c realismo e o idealismo O- Tornava-se necessária uma maior claridade filosóficaquanto ao carácter da interpretação; eram demasiadas as vezes emque o seu contextualismo não se centrava na percepção da obracomo o verdadeiro local da «obra» caindo num realismo aristotélico,num organicismo ou num formalismo. Um formalismo deste tipo,nebuloso quanto ao seu fundamento na experiência mais do quena «forma» da obra enquanto objecto, foi demasiadas vezes derru bado, vítima de uma concepção de in terpretação atemporal e

anhistórica, e as interpretações muitas vezes pareciam colocar-semais em termos de um conhecimento estático do que dc umaexperiência vital.

Uma tal concepção da interpretação tende a equacionar com preensão e domínio cooçeptual. A obra, quando é concebida como

(5) Ver Murray Krieger, The New Apologists for Poetry.

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objecto (em vez de o ser como obra) torna-se simplesmente umaentidade sobre a qual adquirimos conhecimento através de umaconcepção espacializada, de uma dissecação e de uma análise. Umaabordagem deste tipo representa a transposição para a abordagem

crítica, de uma abordagem técnica do mundo, abordagem queapenas procura conhecer o objecto para o dominar e controlar;com isto surge uma concepção profundamente errada da com preensão literária, pois o crítico encara a sua tarefa como umatentativa de dizer como se constrói uma obra, como é que elaevolui, e por fim, como é que tem êxito (geralmente à base decontradições lógicas e de ironia). Assim, o intérprete não vê a suatarefa como a de quem remove obstáculos à compreensão de modoa que um evento compreensivo possa ocorrer, em toda a sua pleni

tude e a obra possa falar com verdade e força; antes a encaracomo uma apropriação da obra através de um controlo intelectualque sobre ela exerce. E no caso do crítico possuir uma experiênciareligiosa profunda, será que uma crítica desse tipo a refeririaobjectiva e conceptualmente em termos de «estrutura e padrão»?É claro que não (a não ser que fosse o mais abstracto dos homens), pois o que é decisivo não é o padrão, mas sim o que aconteceu.A hubris  de tentar dominar absolutamente uma experiência religiosaé apenas aparente; a hubris  de tentar dominar o encontro com a

obra literária é menos aparente mas não menos real.Uma outra falha da objectividade moderna é a de encarar a

obra como um «objecto» mais do que como «obra», o que distanciao leitor relativamente ao texto; contudo, a finalidade da inter pretação literária é ultrapassar a distância a que o leitor está dotexto. Não basta conhecer uma obra do mesmo modo que um psicanalista conhece os problemas do seu doente; a in terpretaçãoliterária deveria permitir que o evento lingüístico captasse, dominasse e transformasse o próprio intérprete. Uma obra não fala

quando é cortada em pedaços de modo a que o leitor analíticoveja como e porquê ela é feita de uma certa maneira; temos quedeixar falar a obra, sabendo ouvir quer aquilo que é dito por meiode palavras quer aquilo que é dito mas que se mantém presente

 por detrás das palavras. Pondo a questão na terminologia comum darelação Eu-Tu de Martin Bubber, é útil vermos a obra não comouma coisa que está ao meu dispor mas como um Tu que me inter

 pela; é útil termos presente que o significado não é uma ideiaobjectiva e eterna, mas algo que emerge de uma relação. Umarelação errada produzirá um significado destorcido e incompleto.

Um questionamento metódico corre o risco de fechar ao intér prete a possibilidade de ser conduzido pela própria obra (‘). Um

<‘) Ver WM, 435 ff.

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método, irá colocar uma lista de questões, estruturando prevl#mente o encontro que vamos ter com a obra. É claro que rstri

 perigos do método e da análise metódica não excluem a sua utdlzação, nem levam à rejeição radical de todos os métodos de análise

conceptual. Também não pretendemos que se torne internacionalmente uma atitude de atrasados mentais quando lemos um textoliterário, pondo de parte, com um suspiro de alívio, o pensamentoconceptual rigoroso. Antes significa que o intérprete tem que com preender, de um modo mais aberto, que o método tem limitaçõese que a análise conceptual pode ser um substituto demasiado fácilde uma leitura existencial, especialmente quando não temos umaconcepção adequada do que é a própria compreensão literária.

Para uma concepção mais lata de compreensão

Em Ser e Tempo,  Martin Heidegger teve por incumbênciarevelar-nos o carácter ontológico da compreensão, de um modoque ultrapassou radicalmente a antiga concepção que tínhamos,circunscrita ao esquema sujeito-objecto (’). Segundo Heidegger, acompreensão não é uma faculdade entre outras que o homem possui;

a compreensão é o modo essencial que ele tem de existir nomundo. Através da compreensão estamos aptos a sentir o modocomo nos situamos, alcançamos o significado através da linguagem,e algo como o mundo pode tornar-se o horizonte no qual existimos.Se começamos pela subjectividade, então a compreensão aparecerácomo uma faculdade do homem; se começamos pela facticidade(Faktizitàf.)  do mundo, a compreensão torna-se no modo como afacticidade do mundo se apresenta ao homem. Heidegger envereda por esta última abordagem, e assim, a compreensão é consideradacomo tendo base não na actividade autônoma e reflexiva do homemmas no acto do mundo, na facticidade do mundo, no homem.A compreensão é então o meio pelo qual o mundo se coloca faceao homem; a compreensão é o meio da revelação ontológica.

A compreensão não é pois um instrumento para qualquer outracoisa — como a consciência — mas sim o meio no qual e pelo qualexistimos. Nunca pode ser objectificada, pois é no interior <la com preensão que ocorre toda a objectivicação. Um ser humano não

 pode avaliar a compreensão de fora; a compreensão é sempre a posição a partir da qual vemos tudo aquilo que vemos. Ora a com preensão, pelo facto de estar subjacente a tudo, não é uma massaamorfa, uma luz trêmula totalmente preenchida com as sensações

(5) Ver também Heidegger. Wissenschafl und Besinnunn  c Obrrwlndiini  der Melaphysik,  VA, 45-99.

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do momento presente. Pelo contrário, compreender, efectua-se sem pre necessariamente «nos termos» daquilo que nos é dado ver, danossa compreensão da situação presente, e de um sentido do queo futuro nos poderá trazer. Assim, o terreno em que nos coloca

mos quando compreendemos, tem uma topografia perfeitamentedefinida, e todo o acto de interpretação se situa dentro do seucontexto. A linguagem é o repositório do passado, é o meio quetemos para o conhecer. A linguagem é tão primordial quanto acompreensão, pois a compreensão é lingüística; é por meio dalinguagem que pode surgir-nos algo como um mundo; este mundoé um mundo partilhado; é o domínio da abertura criada por umacompreensão partilhada, sob a forma de linguagem. O domínio

da abertura criada por uma compreensão partilhada através dalinguagem, tem, tal como já foi notado, uma certa delimitação.É finito e muda com o decorrer do tempo. Isto significa que é  historicamente formado, e que cada acto de compreensão contém  a actuação da história na e pela compreensão.

Pode então dizer-se que a compreensão é lingüística, históricae ontológica. Porque a análise de Heidegger toma como ponto de

 partida a facticidade da compreensão, sustenta que o que se colocana compreensão não é algo de subjectivo mas algo que vem do

exterior, ao encontro do homem, algo que se revela à compreensãocomo sendo o mundo. A compreensão não é pois uma projecçãoda consciência reflexiva mas o meio pelo qual uma situação ouum tema se revelam tal qual são. A compreensão, diz-nos Heidegger,não impõe as suas categorias ao mundo; o tema do mundo impõe-seà compreensão e a compreensão adapta-se a ele. Mas não acabámos de defender que toda a compreensão, em termos topográficos,se constrói sobre o tempo sendo mediada pela linguagem? Se assim

é, não será então o sujeito que projecta esta compreensão naquiloque vem ao seu encontro numa situação, não se limitando portantoa recebê-!a do exterior, como ela é realmente? Mais uma vez não.O que se revela é o ser do objecto tal como se revela à compreensão. Falar do ser de uma coisa tal como ele «realmente é» é entregarmo--nos à especulação metafísica: como ele é para quem? Não hánenhuma perspectiva humana a partir da qual possamos dizer oque o ser «realmente é». Por outro lado, o que o sujeito parece«projecta r» na compreensão não é nada de pessoal ou de reflexivo,

embora todos admitamos que seja não objectivo e em grande partenão objectificável. O sujeito compreende através do mundo partilhado da compreensão, já dado na  e  pela  linguagem que ele utiliza, bem como do posicionam ento histórico em que a sua compreensãosc coloca. É insustentável chamar a isto subjectividade, ou ligá-loá consciência individual, dado que o indivíduo não criou a com preensão partilhada nem a linguagem, apenas participando delas,listas são. numa palavra, objectivamente reais; ao mesmo tempo

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não remontam a uma consciência reflexiva va/.ia ou u um r u I n .....

cendental. A compreensão partilhada, a historicidade e  n IImku»*>i'mitornam-se o fundamento do qual pode derivar umu poiiçlU) <|ii<ultrapasse o cientismo e a centração no sujeito, tão cmiulcilillin

do esquema sujeito-objecto no qual hoje tendemos inconsciente mente a actuar, e que a estética e a teoria literária hoje dominnnlr», pressupõem.

Com a nova posição revelada pela concepção heideggeriana ducompreensão como órgão de uma revelação ontológica, torna se possível falar de objectividade da linguagem no sentido em quea linguagem é aquilo que é e que nós nos adaptamos a ela. Tomemos por exemplo um caso em que procuremos palavras para trans

mitir uma situação a outra pessoa. Tentaremos uma palavra, depoisoutra e depois talvez uma terceira que consideraremos satisfatória.Teremos o direito de falar da consciência reflexiva que aqui se«expressa»? Não necessariamente pois o que se exprime é o scrda situação, o modo como esta se nos revela. Se a situação nãotivesse em si mesma a possibilidade de ser encarada deste modo,não poderia expressar-se. A única razão que levou a considerarmosinsatisfatórias as primeiras e as segundas palavras, foi que o própriotema exigia uma terceira palavra. É neste sentido que podemos falar

de objectividade da linguagem.A teoria enganadora da linguagem que a considera essencial

mente como «instrumento de comunicação» mais uma vez revelao modo como uma concepção foi destorcida pelo esquema sujeito--objecto, pela preferência científica, pela conceptualização, e pelavontade de poder da visão tecnológica do homem como senhordo universo e manipulador de instrumentos. A linguagem não éo meio de que o homem dispõe para dar forma significativa a

 pensamentos sem palavras ou a uma experiência sem palavras; o pensamento, a compreensão e a experiência são todos eles to ta lmente lingüísticos, pois é através da linguagem que temos o mundoda compreensão no qual e pelo qual os objectos se situam na nossaexperiência. Nem a linguagem é algo que se possa inventar; só numasituação extremamente artificial é que podemos «atribuir» significado a uma palavra. Esta já tem um significado geral, um significado escolhido para exprimir uma situação. Embora algumas vezesuma palavra possa ser usada arrojadamente, de modo pouco comum,

 para exprimir algo também de pouco comum, não terá sido essasituação pouco comum que deu origem à palavra um novo significado e não quem usou a palavra?

Assim nós não produzimos significados. Quando um cientistainventa uma nova palavra, geralmente toma uma palavra que jáexistente e atribui-lhe um determinado significado. Isto não é tantoa criação de uma palavra nova como um corte e uma destruição

 parcial do poder primordial de dizer que a palavra original possuiu

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 — o poder que de facto a originou — com o intuito de criar umconceito específico e restrito. Muito raramente se inventa uma palavra por uma justaposição gra tuita de sons, e quando tal acontece, é geralmente feia e irremediavelmente vaga. A criação delinguagens artificiais com base na experimentação não refuta anossa posição dado que o poder que essas linguagens detêm derivada sua referência a uma linguagem viva. A imagem de um homemque «cria uma linguagem» e a usa como instrumento é portantouma ficção ingênua de mentes orientadas para a ciência, uma ficção que é negada pelo facto evidente de que na realidade nãoinventamos a nossa linguagem, nem atribuímos significado às palavras, nem podemos, por um acto de vontade, fazer com que as

 palavras digam coisas diferentes daquilo que de facto dizem. Nistoconsiste a objectividade da linguagem. E é claro que a estruturada compreensão encarada como sendo sempre e totalmente lingüística, faz com que a teoria da «linguagem como signo», baseadacomo é numa ideia errônea da consciência e numa ignorância decomo actua a comprensão, seja considerada como uma mera construção teórica, baseada em pressupostos realistas, errados.

Gadamer, em Wahrheit und Methode  tornou claro que a linguagem é o meio no qual e pelo qual temos um «mundo»; ela

 produz um a clareira no ser, através da revelação do ser ('). Estarevelação não é pessoal e privada. É uma compreensão partilhada que a linguagem nos permite possuir em primeiro lugar,tal como permite que a comuniquemos. Não inventamos nem mani pulamos a linguagem porque nos convém; participamos na linguagem e permitimos que uma situação ocorra na linguagem. A linguagem. tal como a compreensão, nunca pode ser um simplesobjecto no mundo dado que atravessa o mundo como um meiono qual e pelo qual vemos os objectos. Só uma visão profundamente

errônea da compreensão como sendo não lingüística é que poderálevar à crença de que a linguagem é simplesmente um conjunto deobjectos no mundo, que podem ser manipulados e modificados anosso bel-prazer.

Definindo compreensão em termos de experiência (7)

A pobreza que é considerarmos a compreensão em termos deconhecimento conceptual torna-se sobretudo evidente na interpretação literária. Leva-nos a análises extensas que em nada contri

(•) Ver esp. Parte III, Ontologische Wendung der Hermeneutik am  Leitfaden der Sprache,  WM, 361-465.

O Ver «Der Begriff der Erfahrung und das Wesen der hermeneutischenErfahrung», ibid., 329-44.

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 buem para que experim entemos o poder que a obra tem <lc i i o n  

falar. Toda a análise tem que ser avaliada à luz da sua cupncldiulcde aprofundar o evento lingüístico da compreensão: há mesmo unA

lises que podem ser prejudiciais pois nos induzem a colocar questficssem sentido, levando-nos assim a um evento compreensivo supcificial, a nível do conceito.

Compreender uma obra é experienciá-la. E a experiência nfloé um subesquema no interior do contexto da dicotomia sujeito--objecto; não é um tipo de conhecimento anhistórico, atemporal,abstracto, fora do tempo e do espaço, onde uma consciência vaziae não localizada recebe uma configuração de sensações ou dc percepções. A experiência é algo que acontece aos seres humanos

 possuidores de vida e de história. Abandonemos por um momentoa abstracção do modelo científico do nosso conhecimento domundo e interroguemo-nos sobre o que se passa na experiência,sobre o que se entende pelo uso comum da palavra «experiência».

Diz-se que aprendemos por experiência e só depois por conceitos. Esta expressão esconde um elemento de negatividade, poisa experiência referida é essencialmente uma experiência negativae dolorosa, na qual aprendemos o que antes não sabíamos, o que

não esperávamos. Na experiência há pois um quebrar de expectativas e saímos dela como pessoas mais tristes e sérias. Gostaríamosde poupar aos nossos filhos, experiências dolorosas, especialmenteaquelas que nós próprios tivemos, no entanto não há nada quelhes possa poupar a própria experiência.

Ao investigarmos, do exterior, a estrutura da experiência, deparamos imediatamente com o carácter temporal da sua relação comexpectativas que se desonrolaram no passado, que se sustentam no presente e que se prolongam no futuro. A experiência, como obser

vámos, contradiz as expectativas, e assim é o maior dos mestres, para o qual não há substituto. Tal como a linguagem, a experiêncianunca pode ser para nós um objecto e no entanto participa dc ummodo invisível em todos os eventos da compreensão. Um homemque tenha «experiência» de julgar pessoas (ou que tenha simplesmente experiências da vida) não pode reduzir a sua experiênciaà formulação de preceitos. Poderia escrever um livro sobre <(0  modode julgar intuitivamente um carácter» mas apenas transmitiria um

conhecimento vazio e não o poder que tem de julgar.Uma pessoa que tenha realmente experiência, que tenha sulicdoria e não só conhecimento, aprendeu as limitações e a finitudrde todas as expectativas. A experiência ensina-lhe não tanto a armazenar factos que lhe permitam resolver melhor o mesmo problrmiide uma próxima vez, como o esperar o inesperado, a eslar nbrrtoa novas experiências. Em resumo, ensina-lhe a pobreza do lonhrcimento, comparada com a experiência.

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Para a interpretação literária, a lição que colhemos da estrutura da experiência é mantermo-nos sensíveis ao facto de que assuas dimensões ultrapassam toda a conceptualização; a riqueza daexperiência que é compreendermos um texto e a riqueza da expe

riência do texto não devem ser erradamente transpostas para ascategorias superficiais do conhecimento. Tendo cm vista a limitaçãodo conhecimento conceptual, sugere-se uma posição de aberturadialéctica ao texto.

A dialéctica da pergunta e resposta na experiência hermenêutica

O encontro com uma obra transmitida historicamente não tema estrutura de um simples saber mas sim da experiência — podemoschamar-lhe a experiência hermenêutica (*). Tem não só o carác terenglobante e não objectificável da experiência, tal como acima foidescrito, como também a sua dialecticidade dinâmica. A negatividade criativa da verdadeira interrogação, que é essencialmente anegatividade da experiência que ensina e transforma, é o centroda experiência hermenêutica. Pois experimentar é compreender,

não melhor mas diferentemente; a experiência não nos diz aquiloque esperávamos, mas tende a transcender e a negar as expectativas. Uma experiência «profunda» mais do que fazer-nos com preender melhor aquilo que já foi parcialmente compreendido,mostra-nos sobretudo que estávamos a compreender erradamente.

Mas não podemos compreender «de maneira diferente» se levantarmos todas as questões. Uma questão, afinal, posiciona um modo preliminar de ver; tal como a compreensão não pode deixar deser situada, tal como não é vazia, também a interrogação não pode

dar-se sem o seu próprio horizonte de expectativas. A questão éque os nossos próprios pressupostos não podem ser tomados comoabsolutos (pois estes são o fundamento das nossas expectativas)mas sim como algo sujeito a mudança.

Contudo, a análise e o questionamento metódico não põemem causa os próprios pressupostos que as orientam; antes actuamno interior de um sistema, de modo que a resposta está sempre potencialmente presente, é sempre uma expectativa do própiiosistema. Assim, mais do que meios para uma verdadeira interrogação, são meios de teste. Mas a experiência não segue o modelode resolução de um problema no interior de um sistema; é o meiodc sair do sistema, o meio de uma transcendência criativa, é oabalar do sistema. Quando encontramos uma obra de arte ou de

(•) Ibid.

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literatura verdadeiramente grandes, transformamos a nossa mm preensão; vemos a vida com uma nova frescura. É devido n rvm«frescura» que a obra é lida, mas essa frescura escapa a um ollmianalítico (a que também poderíamos chamar «cegueira analítica»)O elemento de negatividade criativa está ausente na maior pai tidos métodos, pois o momento verdadeiramente criativo está nucriação do próprio método — um momento a que na maior partedos casos não chegámos por via de método. A negatividade criativa, pode pois designar-se como sendo a vida e o fundamento dainterrogação verdadeiramente dialéctica.

O que precisamos na interpretação literária é uma interrogaçãodialéctica-que não se limita a questionar o texto mas que permite

que o que é dito no texto também coloque interrogações, pondoem causa o horizonte do intérprete e produzindo uma transformação fundamental da compreensão que temos do tema. Isto nãosignifica uma negação do horizonte do intérprete, nem significa queo nosso próprio horizonte se torne absoluto, como está implícitona maior parte das análises e dos métodos; significa sim uma fusãocriativa de horizontes. O facto de apenas podermos compreenderdentro do nosso próprio horizonte e através dele, só em parte 6  verdadeiro. Se o fosse totalmente nunca poderia dar-se uma alte

ração significativa de horizontes. Ora na experiência autêntica háuma negação parcial do nosso próprio horizonte e através delasurge uma compreensão mais englobante. A abordagem dialécticafeita por Sócrates pode servir de modelo para toda a interrogaçãoverdadeiramente dialéctica, pois na sua oscilação entre saber e nãosaber, no experimentar lúdico do tema através dos seus diferentesângulos está o desejo de tudo arriscar e de ser instruído pelo própriotema. Subjacente à astúcia artificiosa de Sócrates está uma intenção séria de fazer com que o tema em discussão tome a liderança.

Ele rodeia o tema, de modo flexível, aberto, não dogmático, tentando sempre novas abordagens. Em vez de tentar enfraquecer osargumentos dos seus adversários, tenta encontrar a sua verdadeiraforça, de modo que a sua própria compreensão possa ser alterada.O intérprete literário dos nossos dias tem necessidade de cultivareste tipo de abertura àquilo que vai sendo «dito» num texto literário. No diálogo com o texto, a interrogação e o ser-se interrogadodevem andar a par.

Ser capaz de ouvir o que o texto não disse

Se é preciso ser-se um bom ouvinte para escutar aquilo que erealmente dito, ainda é preciso ser-se melhor para ouvir o que riflofoi dito mas que se esclarece ao falar. Centrarmo-nos cxcluiilvitmente na positividade daquilo que é explicitamente dito no lento

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é fazer injustiça à tarefa hermenêutica. Temos que ir para alémdo texto para encontrarmos aquilo que ele não disse, e que talveznão pudesse dizer (').

Tal como toda a pergunta contém já uma asserção preliminar,

assim também toda a asserção pode ser vista como resposta a uma pergunta. Um texto literário é uma asserção deste tipo. A asserçãonão pode ser vista como qualquer entidade independente e discretamas como a resposta a uma pergunta, como algo cujo significadose situa dentro de um certo horizonte de pensamento. Assim, inter pretar a obra significa caminhar para o horizonte interrogativono qual o texto se move. Mas isto também significa que o intér prete se move em direcção a um horizonte em que outras respostassão possíveis. É nos termos dessas outras respostas — no contexto

temporal da obra nos tempos que correm — que temos que com preender o que o texto diz. Por outras palavras, o que se disse só pode ser compreendido em termos do que não foi dito.

A reconstrução da questão que deu origem ao texto não é umasimples reconstrução histórica, uma mera «restauração»; uma taxo-nomia deste gênero seria tão absurda como qualquer esforço pararecuperar tudo o que já passou definitivamente. Nem se trata desimplesmente descobrir as intenções do autor, embora isso possaser relevante, pois o que fala no texto é o tema que determinoua sua escrita, a interrogação que lhe deu origem e para a qual eleé resposta. E no entanto, também o autor aborda o texto de ummodo interrogativo, o texto tem que iluminar o horizonte dointérprete. Caso contrário, o processo da sua compreensão é umexercício vazio e abstracto. Aqui surge a tarefa histórica de escutarno texto aquilo que ele hoje nos diz — por outras palavras, escutar aquilo que ele não disse nem podia dizer. A indisposição provocada pela «violência feita ao texto» não deve transformar-se

em desculpa para nos afastarmos da tarefa hermenêutica de ouvir profundamente aquilo que está escondido por detrás do carácte rexplícito do texto.

Sobre o significado da aplicação ao presente

Tal como as interpretações que apenas lidam com o significadoexplícito de um texto não fazem justiça à tarefa hermenêutica,

assim também as teorias da interpretação que se satisfazem exclusivamente em termos de um horizonte significativo passado sãoconcepções errôneas do que a interpretação exige. Teorias destegênero vêm a interpretação como sendo essencialmente uma recons

(•) Ver KPM 181; trad. inglesa, 206.

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trução e uma restauração do passado, seguindo o c a m i n h o iluiapóstolos da objectividade no século xix (como por exemploLeopold Ranke) que imaginavam ser a compreensão histórica mm»questão de mera reconstrução de uma cpoca passada. Mas Istoassenta numa concepção errônea da dialéctica da comprceniAoLevantamos uma questão ao texto, uma questão que se colocadentro do nosso próprio horizonte; pensar de outro modo é prcNsupor absurdamente que enveredamos por uma investigação hi.strtrica sem qualquer objectivo. Temos uma razão para querermoscompreender, e essa razão é de facto uma questão que se colocaao texto. Portanto, em toda a interpretação, ocorre algo dc semelhante a uma aplicação ao presente (” ).

Consequentemente, a interpretação literária faz bem em não scsubordinar metodologicamente às perspectivas objectivistas da filologia e da investigação histórica, estudando os problemas com que sedefrontam a teoria da interpretação teológica e jurídica. Pois tantoa hermenêutica jurídica como a teológica são obrigadas a encarar acompreensão, não apenas como uma tentativa arqueológica de penetrar num outro mundo, pelo interesse que este possa ter, mas comouma tentativa de construção de uma ponte sobre a distância quesepara o texto da situação presente. Seja a transmitir um juízo sejaa pregar um sermão, o momento da interpretação não é uma mera

explicação do significado do texto no seu próprio mundo masdaquilo que ele significa para nós. Tanto a hermenêutica jurídicacomo a teológica tendem a rejeitar a ideia de que «compreendemos»um texto devido a uma qualquer çongenialidade intrínseca com oseu autor; podemos interpretar um texto bíblico ou um texto jurídico e não estarmos pessoalmente de acordo com o seu autor. Com preendemos um texto, não com base na çongenialidade mas sim porque o texto é algo que se partilha. A base desta partilha não éestritamente pessoal, é a linguagem. Existimos na e pela linguagem,

e interpretamos o nosso próprio ser pela linguagem; mesmo quandotemos que estabelecer uma ponte entre duas linguagens diferentes,estamos sempre a interpretar dentro de um universo lingüístico emque o ser se afirma na linguagem.

Há um outro aspecto em que os intérpretes literários podemaprender com a interpretação jurídica e teológica. Em ambas, oobjectivo é deixar que o texto oriente a compreensão e torne otema acessível. O intérprete, mais do que aplicar um método aotexto, considerando-o como um objecto em observação, está a

tentar adaptar ao texto o seu próprio pensamento. Não se está aapropriar de mais um objecto para o seu armazém de conhecimcntos; antes está a ser ele próprio possuído pelas pretensões que o

(") Ver WM, 290-95, 312-16, 322, 381.

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texto tem de o orientar. Por outras palavras, interpretar quer a vontade de Deus quer a Sua lei não é uma forma de dominar o temamas de o servir.

Tanto o intérprete da lei, como o intérprete da Bíblia, deverão possuir uma sensibilidade aguda à tensão entre passado e presente.Ambos deverão ter o sentimento daquilo que é aplicável e significativo e do que é secundário e inaplicável. Proceder deste modoé realmente ultrapassar o texto, passando à questão que o originou; proceder deste modo é perguntar o que é que o texto não disse ounão podia ter dito. Visto que a tarefa da interpretação é criar uma ponte que una a tensão entre o horizonte do texto e o horizontedo intérprete, não podemos pôr em causa a importância básica de

que se reveste a consciência histórica autêntica. Não é precisorecordar aos intérpretes literários americanos que a interpretaçãoliterária, porque une as distâncias no tempo, é um acto intrinseca-mente histórico e necessita de uma compreensão da natureza doencontro histórico, pois a experiência hermenêutica é um encontrohistórico.

Sobre a categoria do estético e concepções errôneas 

concomitantes

A ideia, que nos veio do Iluminismo, de um «elemento estético»ou de um «elemento puramente estético» numa obra de aríe é umaficção reflexiva (u). Particularmente a dimensão estética de umaobra literária não pode ser considerada separadamente do seusignificado, i. e. do significado que têm as suas palavras e, porconseguinte, do seu significado «histórico». A utilização de palavras

como «prazer» e «deleite» relativamente a uma obra literária nãodeve ser analisada como reacção ao aspecto «puramente formal»de uma obra, à sua construção e à perícia técnica da sua composição. Pelo contrário, uma reacção autêntica a um poema ou auma obra literária verdadeiramente grandes, é uma reacção àquiloque ele diz; «o modo como diz» é de facto inseparável «daquiloque diz». Acreditar que uma tal separação é possível é um erroda estética moderna, subjectificada a partir de Kant (1S), que falaerradamente do encontro com uma obra de arte considerando

apenas a perspectiva do sujeito que a percebe.Aristóteles, na sua Ética, deu-nos uma perspectiva melhor

sobre o que é o prazer quando o definiu como um produto secundário do funcionamento adequado de um órgão. Fez notar que

<") Ibid., 77-96, esp. 83.(") Ibid., 39-52.

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uma vida especificamente orientada para a aquisição dc prn/ci (■ uma vida insustentável; deveríamos ter a virtude como objectivo,e o prazer viria como um produto secundário da actividadc virtuosaTal como na literatura, o prazer de ler é o prazer de compreenderna  e  pela  forma; não é uma resposta à forma enquanto tal. A scparação da forma relativamente àquilo que é dito é um acto reflexivo,uma construção conceptual que não se baseia numa dicotomizaçfloque ocorre na experiência mas antes numa concepção filosoficamente insustentável da experiência que separa o pensamento c averdade do sentimento e do «prazer perceptual» da forma — comose uma configuração de sensações, nos fosse em si mesma agradável. Experimentemos por exemplo pedir a alguém que não fale

alemão, que oiça um poema de Goethe e que diga se o acha bonitoou feio.

A separação de forma e conteúdo é mais uma ficção enganadora da moderna abordagem subjectiva da arte. Na experiênciaestética de uma obra de arte, o que é central não é o conteúdonem a forma mas sim a coisa significada, totalmente mediadanuma imagem e numa forma, num mundo com a sua dinâmica

 própria. No encontro estético com a poesia não separamos os

materiais brutos; ao assistir a uma execução musical ou dramática, somos mais fiéis à experiência da obra enquanto obra de artequando não diferenciamos reflexivamente a obra e a execução.Distinguir os materiais, a obra e a execução representa um abandonar da experiência estética. Durante a execução somos possuídos por aquilo que é dito na obra. Fugir disto e ver a execução comoexecução ou os aspectos materiais da obra como materiais, é tri-vializar o momento estético do encontro com a obra. Quandotomamos qualquer uma destas orientações, a obra de arte deixa de

ser um sujeito que fala transformando-se em objecto, em objectoque é ajuizado e avaliado por processos reflexivos de pensamento.Assim, centralizarmo-nos na forma enquanto forma, considerandoseparadamente a «fala» da obra não é encontrar o seu lado «puramente estético» mas sim afastarmo-nos do próprio momento estético. O prazer estético não é uma resposta sensível à forma massim ao movimento total de significado sob forma de uma obra dcarte. Falando mais explicitamente: o prazer estético é o produto

secundário do encontro que temos com a verdade do ser, revelado ao mundo enquanto obra de arte.Para tornar inteligível esta súbita referência à verdade na obra

de arte, e ao mesmo tempo para mostrar mais incisivamente porque é que a ideia de forma como «forma puramente sensível»,separadamente do seu significado, é uma fabricação do pensamentoreflexivo, vamos esclarecer o que faz com que uma obra dc arteseja «arte». Não é a perícia técnica nem o apelo a uma harmonia

 puramente formal como fim em si mesma; uma obra dc arte tem

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a obra de arte levanta-nos uma questão, a questão que lhe druorigem. Porque a experiência de uma obra de arte é englohnnlr e ocorre na unidade e continuidade da autocompreensão, nflo t  testada pelas normas da harmonia formal mas pela verdade. A ailr

revela o ser, desoculta «o modo como as coisas são» — a verdadeEsta é a razão pela qual, quando penetramos no mundo de uma

grande obra de arte, não deixamos em casa, ao seguro c sem risco»as normas da nossa própria autocompreensão; voltamos «para casa».Dizemos numa explosão de reconhecimento ontológico: Na verdadeé assim! o artista disse aquilo que é.  O artista não esconjurou umaencantada terra de ninguém mas antes irrompeu de um nível maisfundo, do mundo da experiência e da autocompreensão cm quevivemos. A universalidade da arte é portanto, uma universalidade

ontológica; toda a arte verdadeira revela o ser. A transformaçãonuma forma, efectuada pelo artista, não é uma expressão da suasubjectividade; não é um «sentimento» que se transformou cm«forma». A transformação é realmente a verdade, a verdade do ser,totalmente transformada na unidade da obra de arte. A legitimaçãoda arte não está no facto de nos dar um prazer estético mas simno facto de revelar o ser.

Chegou o tempo de renunciarmos ao isolamento que tem sidoartificialmente atribuído ao «fenômeno estético» pela sua identificação com a forma sensível na arte e pelas distinções feitas entre formae conteúdo, distinções que não têm qualquer parte na fenomenologiado encontro estético. Estas distinções não têm servido a causa daarte, antes provaram, nos últimos cento e cinqüenta anos, que lheeram adversas. Com o isolamento do estético, vimos o absurdo da«arte pela arte», vimos como se perdeu a pretensão de legitimaruma arte como verdade, como se perdeu a consciência histórica nacompreensão da arte, como se perdeu o lugar do artista na socie

dade e posteriormente, como se perdeu o lugar da própria arte nasociedade. Em literatura somos confrontados com a situação de que,se a poesia é para agradar e deleitar, há muitos alunos que preferemoutros prazeres. E no prazer, tal como no gosto, a discussão nãoé possível — a não ser que fora do prazer haja um padrão pelo qualo próprio prazer seja avaliado. Mas a nossa estética, centrada nosujeito não encontra na arte uma legitimação objectiva. Chegou otempo de renunciarmos a aceitar inconscientemente a subjectividade humana como o nosso ponto de referência (o que é pressuposto

 para todo o pensamento circunscrito ao esquema sujeito-objecto),chegou o tempo de suspender as perguntas de como é que a artenos afecta, chegou o tempo de partirmos do modo de ser da obrade arte. O modo de ser da obra de arte é a revelação — revelaçãode um mundo, um evento em que o ser se afirma. A arte legitima ic porque revela o ser à nossa autocompreensão, dc modo qur onosso próprio mundo, o horizonte em que vivemos c nos movlmni

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tamos, onde temos toda a nossa existência, é ampliado, dá-se-lheuma definição mais lata. A beleza é   verdade, a verdade do ser quese nos revela na arte (”).

Vemos agora que a experiência que temos no encontro comuma obra de arte, é a revelação de um mundo; isto é especialmenteverdade de uma obra de arte no domínio da linguagem. Mas tor-nou-se-nos necessário alertar aqui para o fenômeno estético nodomínio da arte não lingüística, para tornar explícito o fundamentode uma rejeição do «estético puro», isolado do ímpeto glogal deuma obra de arte, e para clarificar o conteúdo ontológico da arte,i. e., o seu valor de verdade.

A esta concepção do lugar inseparável do estético, na experiência global do que uma obra de arte diz, podemos agora acrescentar tudo o que foi dito sobre a interrogação, sobre a experiência,a compreensão, a linguagem e a consciência histórica de modo achegarmos a uma concepção unificada da' experiência hermenêutica. Nesta concepção, podemos ver o que a interpretação literáriainclui. Como recapitulação do que até aqui foi dito, e em parte

 para sobre isso constru ir algo, formulei uma série de tr in ta pro posições ou teses relativas à interpre tação li terária ou à experiência

hermenêutica. Coloquei-as no capítulo seguinte.

(15) A razão porque o significado da proposição «a beleza é verdade» semantém obscuro e mesmo totalmente oculto, está no facto de que, comoHeidegger mostrou, nos agarramos a uma definição de verdade centrada subjectivamente (ironicamente) como sendo correspondência ou concordância — i. e.

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TRINTA TESES SOBRE INTERPRETAÇÃO

DA EXPERIÊNCIA HERMENÊUTICA

1)  A experiência hermenêutica  (o encontro com uma obra dearte literária) é intrinsecamente histórica.  Mas devido às concepçõeserrôneas dominantes que temos sobre história, sobre compreensão,sobre linguagem e sobre o estatuto literário da obra de arte, 6difícil compreendermos o que é que isso significa. Esta falha é umsintoma nítido da actual falta de consciência histórica.

2)  A experiência hermenêutica é intrinsecamente lingüística.  Não nos é possíve l compreender a importância que isto tem enquanto não concebermos a linguagem circunscrita ao horizonte da«linguisticidade», ou seja, não como um instrumento de uma consciência manipuladora mas como um meio pelo qual um mundo secoloca face a nós e dentro de nós.

3)  A experiência hermenêutica é dialéctica.  Os frutos destefacto só podem colher-se quando a experiência for concebida nãocomo consciência que percebe objectos, mas como compreensãoque encontra uma negatividade que alarga e illumina a autocom

 preensão.

4)  A experiência hermenêutica é ontológica.  Isto não se tornaevidente enquanto não atendermos à função ontológica da com preensão e da linguagem; tanto compreensão como linguagem sãoontológicas pois revelam o ser das coisas. Mas não revelam o sercomo se ele fosse um objecto face a uma subjectividade; antesiluminam o ser em que nos situamos. Nem o ser que se revela é

meramente o ser de um objecto mas sim o nosso próprio scr, isto é,«o que ele pretende ser.»

5)  A experiência hermenêutica é um evento  — um   «evento lin guísticot).  A literatura é despojada do seu real dinamismo c do seu

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 poder de fa lar quando a concebemos nas categorias estáticas doconhecimento conceptual. Como experiência de um evento e nãocomo mero saber conceptual, o encontro com o ser de uma obranão é estático nem ideacional, não se processa fora do tempo e da

temporalidade; é a verdade que acontece, que emerge de um estadooculto, mas que se esquiva a toda a tentativa que pretenda reduzi-laa conceitos e à objectividade.

6)  A experiência hermenêutica é   «objectiva». Não compreenderemos esta afirmação enquanto não recusarmos a antiga definiçãode objectividade, bem como a própria definição que hoje predomina,a definição «científica». Esta concepção derivou da luta que o Ilu-

minismo empreendeu contra a superstição, contra a beatice e contraa aceitação ingênua da tradição. De acordo com ela, a objectividadeé o meio pelo qual obtemos um conhecimento preciso, claro, conceptual, não influenciado por preconceitos subjectivos. Este tipo deconhecimento obtém-se se nos limitarmos a aceitar aquilo que a«luz natural» da razão pode «verificar» por meio da experiência.A razão verificadora torna-se o tribunal de última instância, e todaa verdade é validada pelas operações reflexivas da mente, ou seja

 pela subjectividade a que nos referimos quando dizemos que a expe

riência hermenêutica é «objectiva»; não pretendemos uma verdadecientífica mas uma objectividade verdadeiramente «histórica». Estaobjectividade refere-se ao facto de que o ser que aparece na linguagem e que se afirma na obra literária não é produto de uma actividade reflexiva da mente. O que aparece também não é uma entidade discreta, imaginada para emitir um significado de certo modofora do tempo e da história. Porque quando nos defrontamos comas resistências de um mundo que de facto não modelamos, não

formamos nem controlamos, estamos circunscritos a formas que ahistória nos legou e conformamo-nos com elas, ou seja, estamoscircunscritos a uma tradição de modos de ver o mundo e de ocompreender.

O termo adequado para designar a relação do homem com alinguagem, com a história e o mundo não é que os «usa» mas simque «participa» neles; não moldamos a linguagem, a história ou onosso «mundo» de um modo pessoal; adaptamos a eles a nossaactividade lingüística. A linguagem de facto não é um instrumento

mas sim o modo como o ser aparece. Quando queremos transmitiro ser de uma situação, não imaginamos uma linguagem que selhe adapte mas antes encontramos a linguagem adequada à situação.Assim, o que encontra expressão na linguagem não é a nossa «refle-xividade» mas a própria situação: as palavras não funcionam essencialmente para se referirem a esta subjectividade; pelo contrário,referem-se à situação. O fundamento da objectividade não está nasubjectividade daquele que fala mas sim na realidade que se exprime

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na  e  pela  linguagem. É nesta objectividade que a experiência heimenêutica deverá encontrar o seu fundamento.

7)  A experiência hermenêutica deve ser conduzida pelo texto. 

O texto não se identifica totalmente com um parceiro num diálogo porque temos que o ajudar a falar, necessidade essa que acarretadificuldades peculiares para uma exposição hermenêutica genuínu:a necessidade de sentir a exigência objectiva do texto, naquilo queele tem de plenamente outro, sem ao mesmo tempo fazer dele ummero objecto para a nossa subjectividade. Temos que encarar atarefa da interpretação, não essencialmente como análise — poisimediatamente transform a o texto em objecto — mas como «com preensão». A compreensão tem a sua am plitude máxima quando 6concebida como algo que pode ser captado pelo ser, mais do quecomo uma consciência auto-suficiente. Um «acto interpretativo»não deve ser uma apreensão compulsiva, uma «violentação» feitaao texto, mas sim uma união amorosa, que afirma as potenciali-Tlao Tê ChingÇ)  uma conquista a partir de baixo. O encontro hermenêutico.

A rendição do intérprete ao texto, não pode portanto ser umarendição absoluta, mas antes, tal como a feminilidade referida em

Tha Tê ChingC ) uma conquista a partir de baixo. O encontro hermenêutico não é uma negação do nosso próprio horizonte (porquetemos que ver através dele e nunca poderemos ver sem ele) mas umavontade de o arriscar abrindo-nos livremente. Paul Tillich defineamor como a superação da separação O ; a união do texto e dointérprete supera a alienação histórica do texto, uma união que setorna possível devido a um fundamento comum no ser (isto é, nalinguagem e na história). Na fusão de horizontes que é o pontofulcral da experiência hermenêutica, há alguns elementos do nosso

horizonte que são negados e outros que se afirmam; há elementosno horizonte do texto que recuam e há outros que avançam (porexemplo a desmitologização). Neste sentido, portanto, toda a experiência hermenêutica verdadeira é uma criação nova, uma novarevelação do ser; coloca-se numa relação firme com o presente, ehistoricamente não poderia ter ocorrido antes. É esta a «participação» do homem nos processos sempre novos e revigorantes que oser tem de se afirmar.

8)  A experiência hermenêutica compreende o que é dito d luz do presente.  Uma outra maneira de dizer a mesma coisa é a doque toda a interpretação verdadeira implica uma «aplicação» ao

C)  Ver Arthur Waley, The Way and Its Power; A Study of lhe *Thw> T i Ching* and Its Place in Chinese Thought,  esp. os poemas 6 e 2*.

P) Ver a sua obra  Love. Power and Justice.

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 presente. Não basta dizer o que um poema significa gramaticalmenteà luz do contexto do seu próprio horizonte histórico. A interpretação não é uma tarefa taxonómica de reconstrução e restauraçãofilológica (se é que isso é possível). A interpretação recorre ao intér

 prete para que este to rne explícito o significado que um a obra temnos nossos dias; a interpretação obriga-nos a construir uma ponteque una a distância histórica entre o nosso horizonte e o horizontedo texto. Tanto na interpretação teológica como na jurídica, o momento de aplicação é explicitamente necessário e mesmo central.A interpretação literária poderia aprender algo ao estudar a lutaque se processa em teologia e em direito, no sentido de ultrapassarem o desafio da alienação histórica; a teologia e o direito poderiam fornecer modelos úteis de uma situação hermenêutica, que

 poderiam reconduzir a interpretação literária à consciência histórica que perdeu.

9)  A experiência hermenêutica é a revelação da verdade.  Hojeo intérprete não pode perceber a natureza do que aqui se entende por — revelação da verdade, sem que haja um a nova fundamentaçãona objectividade (acima descrita) nem uma nova definição de verdade. A verdade não pode ser entendida como correspondência deum juízo com um «facto»; a verdade é a emergência dinâmica doser à luz da sua manifestação (3). A verdade nunca é total nemtotalmente destituída de ambigüidade; a emergência no sentido da«desocultação», é sobretudo a ocultação simultânea da verdade emtoda a sua plenitude inesgotável. A verdade fundamenta-se na negatividade; esta é a razão pela qual a descoberta da verdade se processa melhor no interior de uma dialéctica onde o poder da negatividade possa actuar. A emergência da verdade na experiência her-menêufica aparece nesse encontro com a negatividade que é intrín

seca à experiência; nesse caso a experiência surge como «momentoestético» ou como «evento lingüístico». A verdade não é conceptual,não é facto — acontece.

10)  A estética tem que ser absorvida pela hermenêutica.  O «momento estético» não pode ser definido em termos de prazer sensívelformal mas em termos daquilo que faz da obra de arte verdadeiramente «arte» — o facto de que num a forma determinada há ummundo que tem uma possibilidade permanente de se afirmar, há um

lugar no ser que se torna acessível, há uma verdade do ser que setorna manifesta. Aquilo a que chamamos o momento estético nãotem (fenomenologicamente falando) uma existência separada dadinâmica da experiência hermenêutica; tentar separar o elemento

(») Ver PI. cm PL-BH.

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estético da experiência hermenêutica origina concepções m onri r.e problemas artificiais. Toda a distinção entre o «estético» e i> «ntloestético» repousa em distinções não válidas entre forma c contriUIue representa um afastamento do carácter verdadeiramente cxpo

riencial do momento estético. O momento estético não pode .seientendido separadamente de um encontro interpretativo total.

Superando o esquema sujeito-objecto

11) O repto mais importante actualmente feito à literaturaamericana contemporânea é o de superar o esquema sujeito-objecto(pelo qual a obra tende a ser mantida à distância do intérprete, como

sendo um objecto de análise). A fenomenologia vai ao encontrodeste repto. A hermenêutica alemã de Heidegger e de Gadamer é aestrada que aí conduz. A crítica literária fenomenológica francesamostra-nos um outro caminho (Sartre, Blanchot, Richard, Bachc-lard) (') tal como a filosofia fenomenológica francesa (Ricoeur,Dufrenne, Gusdorf, Merleau-Ponty (5). Abrem-se muitas estradas.

Sobre a autonomia e o estatuto objectivo da obra de arte

12) A Nova Crítica tem toda a razão quanto à autonomia daobra de arte literária; procurar numa obra a subjectividade do seuautor é justamente considerado como uma falácia (uma faláciaintencional) e o testemunho de um autor quanto às suas intençõesé correctamente entendido como uma evidência inadmissível. Porexemplo, não estamos particularmente interessados nas intenções

ou nos sentimentos de Milton sobre o arcanjo que se precipitaem chamas de um céu etéreo; é antes um modo de ver Satanásque se afirma no texto. O que nos interessa «é aquilo mesmo aque foi dito» e não as intenções ou a personalidade de Milton. No texto há uma «realidade» que se afirm a. Nas cenas do Édenem Paraíso Perdido  há uma realidade que se afirma; não estamosmuito interessados se Milton professava realmente esses sentimentosnem nos importa que Adão e Eva «na realidade» os tivessem, pois

neles se exprime algo mais fundo e mais universal: as possibilidadesque residem no ser, que num momento agora se revelam, cm todaa sua verdade, não numa verdade científica, mas de qualquer modo,numa verdade.

0) Ver Neal Oxenhandler, Ontological Criticism in America and Prance, MLR LV (1960), 17-23.

(’) Há traduções inglesas destas obras na Northwestern Unlvcrjilty PfNi.

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Sobre método e métodos

13) O método é uma tentativa de avaliação de controle por

 parte do intérprete; é o oposto de nos deixarmos guiar pelo fenômeno. A «abertura» da experiência — que altera o próprio intér

 prete em favor do texto — é a antítese do método. Assim o métodoé de facto uma forma de dogmatismo, separando o intérprete daobra, colocando-se entre esta e ele, e impedindo-o de experimentara obra em toda a sua plenitude. A visão analítica é cega à experiência; é uma cegueira analítica.

14) O modo de pensar tecnológico moderno e a vontade de poder que está na sua base leva-nos a pensar em termos de «domínio do tema» e de «ataque» ao assunto. Em literatura, vemos esteenfoque tecnológico na procura de um tipo de conhecimento do«objecto» — o texto — que nos dê conhecimentos ou controle sobreeste. Estas teorias da interpretação como violentação, se é que as podemos designar deste modo, são uma abordagem tão egocêntrica,dogmática e fechada que a obra se torna frígida. A defesa dos

«prazeres» da literatura nada deve às frias análises de estrutura ede padrão.

15)  A forma nunca deveria ser o ponto de partida de uma interpretação literária,  nem o momento da forma deveria ser considerado à parte e designado como o elemento verdadeiramente«estético». Pelo contrário, acreditar que a forma é separável doconteúdo e/ou da unidade significativa global da obra é uma concepção errada, baseada em premissas filosóficas erradas; não háuma estética pura tal como não há uma arte pela arte. A separaçãoda ideia ou do tema, relativamente à sua forma material tambémé uma actividade puramente reflexiva, pois não tem fundamentono encontro experiencial que cada um de nós tem com a própriaobra. Por conseguinte, não podemos sustentar que o elemento estético de uma obra pertence à sua forma, considerada separadamentedos seus elementos não estéticos; qualquer separação do estético edo não estético se transforma num jogo de palavras baseado em

definições errôneas, pois o momento estético é uma unidade em queo mundo se afirma. O conteúdo conceptual ou significativo dessemundo não pode separar-se da forma sensível da obra, e de factonão se separa dela no momento do encontro estético. Visto que aseparação da forma e do conteúdo não é esteticamente válida, vistoque é um produto do pensamento reflexivo posterior à própria experiência, começar com considerações sobre a forma significa quemesmo no seu início a interpretação literária se afastou da unidade

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16) O ponto de partida para a interpretação literária triA qufser o evento lingüístico da experiência da própria obra — i. e. aquiloq u e a obra diz. É o poder que a obra literária tem de dizer e  nft»a sua forma, que é fundamento do nosso encontro significativo com

ela; este não é algo separado da forma mas antes fala na fornu»e através dela. A unidade interna da forma e daquilo que é ditoé a base da unidade interna da verdade e da experiência estéticaA fala realizada por uma obra literária é uma revelação do ser; o

 brilho que irradia é o poder de verdade do ser; o artista tem o poder de utilizar a luz interior que os materiais possuem (por exem  plo, a textura do som, a dureza do metal e o seu brilho, e o poderda côr) para afirmar a verdade do ser. Isto é o que Heidegger querdizer quando afirma, como Hõlderlin, que o homem habita «poe

ticamente» neste mundo (*).17) O verdadeiro amor à literatura não é e nunca foi o prazer

da pura forma. Amar a literatura é responder ao poder de dizerque a literatura possui. Tal como enfeitar um cão para produzir«deleite estético» pode ser um acto de egoísmo sem qualquer relação com o amor que se possa ter ao animal, também a visão daliteratura como um mero jogo ou como passatempo não nos mostrauma verdadeira compreensão do que é a literatura. A tendênciadominadora que busca insistentemente um domínio conceptual tam bém não é amor, mas sim protecção e asfixia.

18) Não é o intérprete que capta o significado do texto; o significado do texto é que possui o intérprete. Quando assistimos a uma

 peça ou a um jogo, quando lemos um romance, não nos colocamosacima deles como um sujeito que contempla um objecto; somoscaptados pelo movimento interno da coisa que se desdobra — somos possuídos. Isto é um fenômeno herm enêutico que uma abordagem

tecnológica da literatura em grande parte ignora; interpretamoserradamente a situação hermenêutica se nos vemos enquanto senhores e manipuladores da situação. Pelo contrário, somos participantes,e mesmo assim não o somos totalmente, visto que não podemosingressar na situação e mudá-la, visto que não temos o poder dealterar a fixidez de um texto.

19) Há abordagens da arte que realçam a perícia técnica, masé preciso uma grande perícia para fazer um sapato, para carpin-

teirar ou para fabricar qualquer utensílio. Uma obra de arte nãoé um utensílio. O deleite artístico não é apenas o prazer sensívelque deriva da forma; uma obra de arte não é um objecto aprazível barato. É verdade que implica perícia técnica; implica prazer sen-

(•) Ver  Hõlderlin und das Wesen der Dichtung  em EHD; EB 270-91.

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sívcl; mas seria um reducionismo ingênuo tomarmos estes aspectoscomo pontos de partida ou como aspectos centrais da arte. A arte6 arte quando produz um mundo que se afirma face a nós; e a arteverdadeiramente grande tem uma tal plenitude de verdade do ser

que verificamos que o nosso horizonte é (em parte) negado surgindouma nova compreensão, que apenas pode ser entendida em termosda categoria da «experiência». Encontrar uma grande obra de arteé sempre uma experiência, no sentido mais fundo da palavra.

20) Portanto ler uma obra não é adquirir conhecimento conceptual por meio da observação ou da reflexão; é uma «experiência», Uma ruptura e um alargamento do nosso antigo modo de veras coisas. Não foi o intérprete que manipulou a obra, pois estamantém-se fixa; foi antes a obra que o marcou, mudando-o de talmodo que ele nunca mais pôde recuperar a inocência que perdeucom a experiência.

21) Os métodos actuais de ten tar «compreender» uma obraliterária tendem a actuar com definições conceptuais de compreensão que não são verdadeiras para a experiência hermenêutica. Demasiadas vezes lidam com fórmulas já feitas, considerando-as antecipa

damente: antecipam a ironia e o paradoxo, ou imagens recorrentes,ou situações arquetípicas. Mais do que escutar a obra, examinam-na.Ora a interpretação literária não deveria ter as características deuma análise aristotélica formal, com'todas as suas categorias previamente marcadas; o processo de compreendermos uma obra literária assemelha-se mais a um diálogo socrático por círculos dialéc-ticos, avançando no tema através de perguntas e de respostas. Háuma grande diferença entre a pergunta feita por um analistaque apenas procura uma resposta, seguro da sua posição, e a

verdadeira busca que resulta de um autoquestionamento, da aceitação da nossa própria incerteza. Este interrogar diz: Não seráque...? Já não é um mero questionar do «objecto», mas do «sujeito»(para colocarmos o assunto numa terminologia de sujeito-objecto).

22) Um m étodo só é validado se virmos que resulta. Ora seo modo de ser de uma obra de arte — como evento que revela ummundo — regride e escapa aos actuais métodos, então, mesmo na

 base científica da sua incomensurabilidade com a natureza do fenômeno, os resultados do método têm um valor discutível. Perdem asua validade, mesmo quando considerados numa base científica.

23) Com preender um texto não é simplesmente bombardeá-locom questões mas sim compreender a questão que ele levanta aquem o lè. É compreender a questão que está por detrás do texto,ii  questão que deu origem ao texto. A interpretação literária precisa

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de desenvolver a dinâmica e a arte de ouvir, de escutar l*ici Inii de desenvolver uma abertura para a negatividade criativa, paraaprender algo que não poderia antecipar ou prever.

A necessidade de uma consciência histórica na interpretação literária

24) Um problema crítico da interpretação literária americanados nossos dias é a falta de consciência histórica e, conseqüentemente, a incapacidade de reconhecer a historicidade essencial daliteratura. Na América, há um número considerável de professores

de literatura, provavelmente a maioria, que podem ser classificadosquer como «formalistas» quer como «arquéologos» Os primeirossão inconscientemente dominados pelos erros de uma estética sub-

 jectivizada e acreditam que a essência do momento estético doencontro com a obra de arte é fundamentalmente uma questão dcforma. Por esta razão, o encontro com a obra literária é encaradosob a forma de categorias estáticas, atemporais, perdendo-se o carácter «histórico» da literatura. Os arqueólogos não são tentados peloafã de transformar a interpretação da literatura numa análise

formal, mas tomam como objectivo compreender a obra nos seus próprios termos e nos termos do seu tempo, de modo que umestudioso de literatura do século xvm encara a sua tarefa comose vivesse no século xvm tanto quanto possível. Imagina queesse século pode ter mais interesse do que o presente, pois hoje jánão estão tão em evidência os cafés e a atmosfera que eles simbolizam. Mas nem o interesse que o arqueólogo tem na exploração do passado, nem a redução da litera tura à sua dinâmica formal mostraqualquer tipo de autêntica consciência histórica. Pelo contrário, são

sintomas da actual ausência de compreensão do que é a história.

25)  A literatura é intrinsecamente histórica.  Para compreender uma obra literária, não usamos utilizamos predominantementecategorias formais ou científicas; antes, na estrutura-prévia da nossacompreensão, temos que nos referir à visão histórica que formámosde nós e do nosso mundo. A configuração das nossas intenções, preconceitos e modos de ver — tudo isso nos foi legado pelo passado.

Assim, movemo-nos e existimos no mundo historicamente formadoda nossa compreensão; quando encontramos uma obra de literatura,ela apresenta-nos um outro «mundo». É um mundo que não é absolutamente descontínuo com o mundo do leitor; pelo contrário, experimentá-lo sinceramente é aprofundar a nossa autocompreensãoCompleta e aumenta o nosso próprio conhecimento, historicamenteformado; ler uma grande obra de literatura é uma experiência vetdadeiramente «histórica».

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«Experiência» é uma palavra significativa pois a experiência é

em si mesma histórica. É o modo como a nossa compreensão domundo adquire uma forma. Tal como as experiências da vida quotidiana nos ensinam algo que podíamos ter esquecido ou que antesignorávamos, assim o encontro com uma obra literária é verdadeiramente «experiência» tornando-se numa parte da nossa própriahistória, uma parte da corrente de compreensão que a tradição noslegou, na qual vivemos e nos movimentamos.

26)  A tarefa da interpretação é pois construir uma ponte sobre  a distância histórica,  Quando interpreta um texto do passado, o

intérprete não esvazia a sua mente nem abandona absolutamenteo presente; leva-o consigo e utiliza-o para compreender, no encontro dialéctico do seu horizonte com o horizonte da obra literária.A ideia da reconstrução histórica, ou de conhecer o passado exclusivamente nos seus próprios termos, é um mito romântico, umaimpossibilidade tal como a ideia de uma «interpretação sem pressupostos». Não existe tal coisa. A interpretação literária, tal comoa teológica e a jurídica, têm que se relacionar com o presente, sob pena de morrer. Uma lite ra tu ra que não possa relacionar-se con-

nosco, que nos situamos no presente, morreu. A tarefa da inter pretação pode por vezes ser a de to mar aquilo que parece mortoe de mostrar a relação que tem com o presente, i. e., o actual horizonte de expectativas e o mundo actual de autocompreensão.A desmitologização (que não é dissolver o mito mas compreenderque temos que ver o que é que no mito é significativo) deveria ser,em princípio, a tarefa da interpretação literária. Só quando os intér pretes hoje adquirem uma consciência histórica, e portanto alcançam os problemas históricos da interpretação literária, só nessa

altura verão o que significa desmitologizar, no campo da literatura.

27) Hoje a compreensão histórica e a consciência históricadevem chegar-nos sob forma de crítica fenomenológica à visão científica. A base desta crítica é a análise da compreensão prévia, querevela a historicidade da nossa compreensão e do nosso mundo.E um resultado dominante será a descoberta da temporalidade.Compreender a literatura ou qualquer obra de arte situa-se naordem da temporalidade. Isto é, encontramos a obra no presente,

mas também com base na recordação (a nossa compreensão historicamente formada) e na antecipação (o modo como a nossa com

 preensão projecta o fu turo). A compreensão não é um conhecimento histórico fora do tempo; situa-se num lugar específico notempo e no espaço — na história. A sua interpretação revestir-se-áde características diferentes à medida que aparece ao leitor, agora,nesta hora e neste lugar.

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28) Compreender uma obra de literatura, nüo pode pot* screfectuado sob forma das categorias espaciais, estáticas c atcmporuU

do conhecimento conceptual, pois tem as características dc umevento (i. e. história). O significado de uma obra literária d dinAmico, temporal, pessoal. No conhecimento conceptual, só está verdadeiramente implicada uma parte da nossa mente, mas na com

 preensão literá ria a nossa autocompreensão tem que entrar cm jogo. A obra dirige-se-nos enquanto pessoas que somos, caso contrário, o encontro com ela não teve qualquer interesse. Resumindo,a literatura não é conhecimento conceptual mas experiência.

29) A ciência e o conhecimento conceptual caminham a par;a experiência e a história caminham a par; a interpretação literáriatem que se consciencializar de que pertence a este último domínio.Isto não significa que rejeitemos o conhecimento conceptual masque temos que o ultrapassar e englobar.

30) Hoje a tarefa da interpretação, é libertar-se da objectividade científica e da maneira como o cientista vê as coisas, é recuperar o sentido da historicidade da existência. Estamos tão obcecados

com a perspectiva do pensamento tecnológico que só de um mododisperso temos consciência da nossa historicidade.Aproximamo-nos do carácter histórico da interpretação quando

reconhecemos que nenhuma interpretação é «para todo o sempre»a «interpretação certa»; todas as épocas reinterpretam Platão, Dante,Shakespeare, Milton e todos os grandes espíritos da nossa herança.Intuímos este facto nas tentativas que empreendemos quanto à artee à literatura contemporâneas. Não podemos saber o «veredicto dahistória» sobre John Barth, John Updike e James Baldwin mau-

grado as nossas recensões e conferências. De facto, o veredictosobre Hemingway, Faulkner e T. S. Eliot está longe de ser umveredicto final. Tornamo-nos conscientes da historicidade quandoexigimos algo que ultrapasse a objectividade falsa do teórico e docientífico, do visualizável e do matemático — na verdade que ul tra passe a realidade meramente mecânica, estática e puramente idea-cional que se coloca fora da história e não implica a nossa autocompreensão. Chegamos ao histórico quando lutamos por um«conhecimento pessoal» Ç),  impacientes com a busca frenética da

ciência que procura as origens, os fundamentos causais, os antecedentes neurológicos, e quando lutamos por um regresso à riquezae complexidade de uma consciência concreta na interpretação litrrária (*)• Intuím os a historicidade da existência quando justapomos

0) Michael Polanyi, Personal Knowledge.Ò) Maurice Natanson, Phenomenology and lhe Theory oj Llltraturr,  *m

 Literature. Philosophy, and the Social Sciences,  pp. 79-100.

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LISTA DE ABREVIATURAS

LIVROS

 A A M G   Betti.  Allgemeine Auslegungslehre ais Methodik der  Geisteswissenschaften  

 D  Bollnow,  Dilthey: Eine Einführung in seine Philo-sophie

 D l  Ricoeur,  De Vinterprétation D T   Heidegger,  Discourse on ThinkingEB   Heidegger, Existense and BeingEHD  Heidegger, Erlàuterungen zu Hôlderlins DichtungF  H   Fuchs,  Herm eneutik G  Heidegger, Gelassenheit G&V   Bultmann, Glanben und VerstehenGGHK   Ast, Grundlinien der Grammatik, Hermeneutik und 

Kritik GS   Dilthey, Gesammelte Schriften H   Schleiermacher,  Herm eneutik,  ed. Heinz Kinimerle H&K   Schleiermacher,  Hermeneutik und Krit ik , ed. Frie-

drich Lücke

 HA MG   Betti,  Die Herm eneutik ais allgemeine Methodik der  Geisteswissenschaften  HE   Bultmann,  History and Eschatology HH History and Hermeneutic,   ed. Robert W. Funk and

Gerhard Ebeling Ho  Heidegger,  Holzwege HPT   Fuchs,  Zum hermeneutischen Problem in der Theo-

logie IIN T   Ernesti,  Instituto lnterpretis Novi Testamenti IM   Heidegger,  An Introduction to MetaphysicsKPM   Heidegger, Kant und das Problem der Metaphysik 

 L   Bollnow,  Die Lebensphilosophie NH The New Hermeneutic,  ed. James M. Robinsonand John B. Cobb, Jr.

PhWD  Hodges, The Philosophy of Wilhelm DiltheyPL-BH   Heidegger, Platon Lehre von der Wahrhei: Mil

einem Brief über den "Humanismus" SZ   Heidegger, Sein und Zeit TG1  Betti, Teoria generale delia interpretazioneTPhT   Richardson,  Heidegger: Through Phenomentilogy

to Thought 

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UK 

US V VA

VEAVII WF WM 

ER E G EL

 ISN  JA A R M &W  M L ROEDOLPhR RG G R M  RPTK 

T D N T  YFS 

 ZThK 

Heidegger,  Der Ursprung des Kunstwerkes,ed. H.-G. Gadamer Heidegger,  Das VerstehenWach,  Das VerstehenHeidegger, Vortrage und Aufsãtze

Wolf, Vorlesung über die Enzyklopàdie der  A l tertums W issenschaft Hirsch, Validity in InlerpretationEbeling, Word and FaithGadamer, Wahrheit und Methode

REVISTAS, DICIONÁRIOS E ENCICLOPÉDIAS

Encyclopedia of Religion and Ethics Greek-English Lexikon,  ed. Liddell and Scott

 Illinois Speech News Journal o f the American Academy o f Religion Man and World  M odem Language ReviewOxford English DictionaryOrbis LitterarumPhilosophische Rundschau

 Die Religion in Geschinchte und Gegenwar,  3.* ed. Review o f Metaphysics Realenzyklopádie für protestantische Theologie und Kirche,  3.* ed.

Theological Dictionary of the New Testament,ed. G. KittelYale French Studies

 Zeitschrift für Theologie und Kirche

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BIBLIOGRAFIA

A presente bibliografia está dividida em três secções. A secçãoA contém artigos e livros da autoria dos quatro grandes teóricosda hermenêutica abordados nesta obra, e sobre eles; contém tam bém algumas obras sobre a teoria hermenêutica em geral, muitasdas quais foram citadas em rodapé. A seçção B inclui artigos e livrosna área da hermenêutica teológica, e algumas obras de Ebeling,

Fuchs, Robinson e outros autores identificados com a Nova Hermenêutica. A secção C contém artigos e livros citados no textomas que não entraram nas categorias anteriores; mais particularmente faz uma listagem de títulos que o autor encontrou e que

 parecem oferecer perspectivas significativas para uma teorizaçãosobre a natureza geral da interpretação.

 Não se fez qualquer tentativa para aqui englobarmos as muitasobras .secundárias que há disponíveis sobre os quatro teóricos. Os bibliófilos poderão orientar-se para a recente bibliografia de Ticcsobre a literatura de Schleiermacher; é possível encontrar uma listade obras secundárias sobre Dilthey, em Müller-Vollmer; e sobreHeidegger, veja-se Lübbe, Schneeburger, e Macomber. Felizmenteque muitos dos artigos e das comunicações dispersos de Gadamer,acabaram de ser publicados nos seus Kleine Schriflen; isto tornoudesnecessária a elaboração de uma lista, embora alguns dos quenão aparecem nos Kleine Schriften  tenham sido aqui citados paraque se tenha uma ideia de outras publicações de Gadamer. Uma bibliografia ampla e sistemática sobre hermenêutica aparecerá nosfinais de 1968, da autoria de Norbert Heinrichs.

A terceira secção ápenas pretende ser sugestiva no que respeitaà diversidade de domínios que se relacionam com a teoria hornirnêutica e cuja importância, como foi sugerido no capítulo \ ainduestá por explorar. Devo a maior parte dos títulos alemlUvs sobnfilosofia da linguagem à colecção de obras da biblioteca do Instituiu

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de Hermenêutica, em Zurique onde foi feito o grosso da investigação para a presente obra.

A. A TEO RIA HER MENÊUTICA E OS TEÓRICOS

A p e l , K a r l   O t t o , «Szientifik, Hermeneutik. Ideologie-Kritik: Ent-wurf einer Wissenschaftslehre in erkenntnisanthropologischerSicht»,  M&W,  I (1968) 37-63.

B e t t i , E m í l i o .  Die Hermeneutik ais allgemeine Methodik der Geisteswissenschaften.  Philosophie und Geschichte series, Pamphlet

 Nos. 78-79. Tübingen: J. C. B. Mohr, 1962. 64 pp.---------Teoria generale delia interpretazione, 2 vols.  Milan: Dott.

A. Gyuffrè, 1955, 634 pp., 348 pp. Traduzido para alemão peloseu autor, como  Allgemeine Auslegungslehre ais Methodik der  Geisteswissenschaften.  Tübingen: J. C. B. Mohr, 1967, 771 pp.

--------- Zur Grundlegung einer allgemeinen Auslegungslehre.  Tübingen: J. C. B. Mohr, 1954, 89 pp. Reimpresso de Festschrift für  Ernst Rabel.  Tübingen: J. C. B. Mohr, 1954, II, 79-168.

B o l l n o w , O t t o   F r i e d r i c h ,  Dilthey: Eine Einführung in seine Philosophie, 2.‘  ed. Stuttgart: Kohlhammer, 1955, 224 pp.

--------- Das Verstehen: Drei Aufsatze zur Theorie der Geisteswissenschaften.  Mainz: Kircheim, 1949, 112 pp.

C a s t e l l i , E n r i c o , ed.  Herméneutique et tradition.  Comunicaçõesdo International Colloquium em Roma, January 10-16, 1963.Paris: Vrin, 1963.

dem Grafen Paul Yorck von Wartenburg: 1877-1897. Halle-an-dem Grafen Paul Yorck von Wartenburg: 1877-1897. Halle-an-der-Salle: Niemeyer, 1923, 280 pp.

--------- Das Erlebnis und die Dichtung.  13.! ed. Stuttgart: B. G.Teubnet, 1957, 482 pp.

--------- Das Leben Schleiermachers.  Vol. I. Ed. H e r m a n n   M u l e r t .Berlin' Reimer, 1870, 688 pp. Reimpressão Berlin: W. de Gruy-ter, 1922, 879 pp. Será reimpresso como vol XIII de GS.

--------- Das Leben Schleiermachers.  Vol. II. Ed. M a r t i n   R e d e k e r  .

Gõttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1967, 811 pp. Vol. XIVde GS   (19671.

---------Gerammelte Schriften,  14 vols. Gõttingen: Vandenhoeck &Ruprecht. 1913-1967. Vols. I-XII. Reimpressão, Stuttgart: B. G.TetibnT, 1958.

D i w a i .d  , H e l l m u t , Wilhelm Dilthey: Erkenntnistheorie und Philosophie der Geschichte,  Gottingen: Musterschmidt, 1963. 262 pp.

G a d a m e r  , H a n s -G e o r g , «Anmerkungen 7u dem Thema ‘Hegel undHeidegger», em  Natur und Geschichte: Festschrift fiir Karl  Lòwiíh^um 70, Geburtstag,  Stuttgart: Kohlhammer. 1967, 470 pp.5

---------“Hegel und die antike Dialektik,”  Hegel-Studien,  I (1961),173-90.

---------«Hermeneutik und Historismus», PhR,  IX (1962), 241-76.RepuWicado como apêndice à 2.” edição de WM.---------Kleine Schriften.  Vol. I: Philosophie/Hermeneutik.  Vol. II:

 In terprcationen.  Tübingen: J. C. B. Mohr, 1967, 230 pp., 234 pp. No prelo o vol. III.

---------«Die phiinomenologische Bewegung», PhR,  XI (1963), 1-45.---------P/ato und die Dichter.  Frankfurt: Klostermann, 1934, 36 pp.---------Platos dialektische Ethik: Phãnomenologische Interpreta-

tionen zur «Philebos».  Habilitation Lectures. Leipzig: Meiner,1931, 178 pp.

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--------- Le Problème de la conscience historique.  Conferências apresentadas em Louvain, 1959. Louvain: Publications universitairesde Louvain, 1963, 89 pp.

---------«The Problem of Language in Schleiermacher’s Hermeneu-tics». conferência não publicada apresentada na Vanderbilt Divi-

nity School, Nashville, Tenessee, em 29 de Fevereiro de 1968,num encontro que comemorou o segundo centenário do nascimento de Schleiermacher. Enquanto esteve na América duranteo mês de Março de 1968, Gadamer fez conferências em inúmerasuniversidades, incluindo Northwestern, Johns Hopkins, Texas,Yale e Harvard. Estas conferências ou repetiam a comunicaçãosobre Schleiermacher ou versavam sobre um de outros doistópicos: «Imagem e Palavra» e «O conceito da divindade nafilosofia pré-socrática». É provável que estas três conferênciasapareçam individualmente em revistas americanas, tornando

acessíveis para um público de língua inglesa alguns dos recentesescritos de Gadamer. Um artigo «Notes on Planning for theFuture» foi publicado em  Daedalus,  XCV (1966), 572-89; nãose orienta especificamente para a temática hermenêutica.

---------Volk und Geschichte im Denken Herders.  Conferência realizada em Paris em Maio 29, 1941. Frankfurt: Klostermann, 1942,24 pp.

---------Wahrheit und Methode Grundzüge einer philosophischen Hermeneutik.  Tübingen: J. C. B. Mohr, 1960, 476 pp., 2.* ed.,1965, 512 pp., contains a new preface and the article «Hermeneutik und Historismus» as an appendix. Italian and Frenchtranslations are in preparation. English translation forthcomingfrom Sheed and Ward, London.

---------e H. Kuhn, eds. Philosophische Rundschau: Eine viertel- jahresschrift für philosophische Kritik.  Tübingen: J. C. B. Mohr.Founded in 1953 by the editors and still under their direction.See individual issues for many reviews and artides by Gadamer.

 Die Gegenwart der Griechen im neueren Denken: Festschrift für   Hans-Georg Gadamer zum  60. Geburtstag.  Ed. D i e t e r    H e n r i c h , W a l t h e r    S c h u l t z   e K a r l -H f .i n z   V o l k m a n n -Sc h l u c k  . Tübingen: J. C. B. Mohr, 1960, 316 pp.

H e i d e g g e r  , M a r t i n , Erlciuterungen zu Hòlderlins Dichtung,  2.* ed.,Frankfurt: Klostermann, 1951, 144 pp. Parcialmente traduzidoem E. B.

---------Existence and Being.  Ed. com uma introdução analíticaextensa, por W e r n e r    B r o c k  . Chicago: Regney, 1949; paperback,1961, 369 pp.

---------Gelassenheit.  Pfullingen: Neske, 1959, 73 pp. Traduçãoinglesa de J o h n   M. A n d e r s o n   e H a n s   F r e u n d  ,  Discourse on Thinking.  New York: Harper, 1966, 90 pp.

--------- Holzwege.  4.* ed., Frankfurt: Klostermann, 1963, 345 pp.

Primeiro ensaio, C/AT, traduzido; ver mais adiante.--------- Identitàt und Differenz.  Pfullingen: Neske, 1957, 76 pp.--------- An Introduction to Metaphysics.  Trad. R a l p h   ;M a n h e i m .

 New Haven: Yale University Press, 1959, 214 pp.---------Kant und das Problem der Metaphysik.  Frankfurt: Kloster

mann, 1951, 222 pp. Tradução inglesa de J a m e s   S. C h u RCHu .i., Kant and the Problem óf Metaphysics.  Bloomington: IndianaUniversity Press, 1962, 255 pp.

-------- Platons Lehre von der Wahrheit: Mit einem Br ir/ ilbe.r den  « Humanismus». Bern: Francke, 1947, 119 pp. As traduçõesde ambos os ensaios estão em W i l l i a m   B a r r e t t   c   II. I). A i k k n ,

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L o n e r g a n , B e r n a r d J. F.,  Insight: A Study of Human  Ihulrr.M iuul ing.London: Longmans, 1964, 785 pp.

L ü b b e   H e r m a n , «Bibliographie der Heidegger-Literjilm 1917 I Zeitschrift für Philosophische Forschung,  XI (1957), 401 V

M a c o m b e r  , W. B., The Anatomy of Disillusion: Martin IletdrggiTx  Notion o f Truth.  Evanston: Northwestern University Press, I9(>7,227 pp.

M a y r  , F r a n z , «Philosophie im Wandel der Sprache: Zur FruRC der‘Hermeneutik’»,  ZThK,  LXI (1964), 439-91.

M e i e r  , G e o r g   F r i e d r i c h , Versuch einer allgemeinen A uslegungs- kunst.  Düsseldorf: Stern Verlag, 1965, 136 pp. Reprodução foto-mecânica da edição de 1757.

M ü l l e r  -V o l l m e r  , K u r t , Towards a Phenomenological Theory of  

 Literature: A Study of Wilhelm Dilthey's  «Poetik ». Stanford[University] Studies in Germanics and Slavics. The Haguc:Mouton, 1963. Disponível nos E. U. A. nas Humanities Press.

 N o l l e r  , G e r h a r d  . Sein und Existenz: Die Ueberwindung des Subjekt-Objektschemas in der Philosophie Heideggers und in der  Theologie der Entmythologisierung.  Munich: Kaiser, 1962,167 pp.

P a n n e n b e r g , W o l f h a r t , «Hermeneutik und Universalgeschichte», ZThK.  LX (1963), 90-121. Tradução em  HH   122-52.

P õ g g e l e r  , O t t o ,  Der Denkweg Martin Heideggers.  Pfullingen:

 Neske. 1963, 318 pp.R i c h a r d s o n , W. J.  Martin Heidegger: Through Phenomenology to  Thought.  The Hague: Nijhoff, 1964, 764 pp.

R  i c o e u r  , P a u l ,  De Vinterprétation: essai sur Freud.  Paris: Editionsdu Seuil, 1965, 533 pp.

---------«Existence et herméneutique»,  Dialogue,  IV (1965-1966), 1-25.R o t h a c k e r  , E r i c h ,  Die dogmatische Denkform in den Geisteswis

senschaften und das Problem des Historismus.  Mainz: Verlagder Akademie der Wissenschaften und der Literatur, 1954,55 pp.

---------Einleitung in die Geisteswissenschaften,  2.* ed. Tübingen:J. C. B. Mohr, 1930, 288 pp. Publicado originalmente em 1919.

--------- Logik und Systematik der Geisteswissenschaften.  Bonn: H.Bouvier, 1948, 172 pp.

S c h l e ie r m a c h e r  , F r  . D. E.,  Herm eneutik.  Ed. com uma introdução de H e i n z   K i m m e r l e , Heidelberg: Carl Winter, Universi-tãtsverlag, 1959, 166 pp.

--------- Hermeneutik und Kritik: m it besonderer Beziehung auf das Neue Testament.  Ed. F r i e d r i c h   L u c k e . Vol. VII da PrimeiraParte de Sámmtliche Werke.  Berlim: Reimer, 1838

Sc h n e e b e r g e r  , G u i d o , Ergânzungen zu einer Heiddeger-Biblio- graphie.  Bem: Hochfeldstrasse 88 (edição do autor), 1960, 27 pp.

S c h u l t z , W e r n e r  , «Die unendliche Bewegung in der Hermeneutik Schleiermachers und ihre Auswirkung auf die herme-neutische Situation der Gegenwart»,  Z thK ,  LXV (1968), 23-52.

Se i d e l , G e o r g e   J o s e p h ,  Martin Heidegger and the Presocratics:  A n Introduction to His Thought.  Lincoln: University of Ne- braska Press, 1964, 169 pp.

S i n n , D i e t e r  , «Heidegger’s Spátphilosophie», PhR,  XIV (1967),81-182.

T h u l s t r u p , N i e l s , «An Observation Concerning Past and Prescnt

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--------- Jesus,  Berlin: Deutsche Bibliothek. 1926, 204 pp. Ueimpion»Tübingen: J. C. B. Mohr, 1958. Tradução inglesa do ........ ..P e tt ib o n e Sm ith e E rm in ie H u n tr e s s L a n te ro ,  Jesus und tln  

Word.  New York: Scribner’s, 1958, 226 pp.

--------- Jesus Christ and Mythology.   New York: Scribner’.s, 1V58,

96 pp.-----------Theology of the New Testament.  Trad. K e n d r i c k    Cí r o u i   i  ,

2 vols. London: Lowe & Brydone, 1959, 395 pp., 278 pp.

C a s t e l o , E n r i c o , ed.  Demitizzazione e immagine.  Padua: A. Mllani, 1962, 351 pp. Comunicações do International Colloquiumem Roma, Janeiro, 1962, por Ricoeur, Ott, Bartsch, Mathicu,e outros.

---------Ed. 11 Problema delia demitizzazione.  Padua: A. Milani, 1961.334 pp. Comunicações do International Colloquium em Roma,Janeiro, 1961, por Bultmann, Danièlou, Ricoeur, Gadamer,Bartsch, Anz, Marlé, e outros. É possível obter nos editores umalista de títulos de outros anos.

D o b s c h ü t z , E. «Interpretation», ERE,  VII (1914), 390-95.D o t y , W i l l i a m   G .  A New Utterance: Studies in New Testament  

 Hermeneutics.  New York: Herder & Herder, a publicar em 1969.E  b e l l i n g , G e r h a r d  , Evangelische Evangelienauslegung: Eine Un- 

tersuchung zu Luthers Hermeneutik.  Munich: Kaiser, 1942. Reedição Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1962,520 pp.

---------God and Word. Trad. J a m e s  

W.L e i t c h .

The Earl Lecturesat Pacific School of Religion, 1966. Philadelphia: Fortress Press,1967, 49 pp.

---------«Hermeneutik»,  RGG,  III (1959), 242-64.---------Kirchengeschichte ais Geschichte der Auslegung der Heiligen

Schrift.  Tübingen: J. C. B. Mohr, 1947, 28 pp. Reeditado como primeiro ensaio em Wort Gottes und Tradition.

---------The Nature of Faith.  Trad. R o n a l d    G r e g o r    S m i t h . Phila-delphia: Fortress Press, 1961, 191 pp.

---------The Problem of Historicity in the Church and lts Procla-

mation. Trad.  G r o v e r    F o l e y . Philadelphia: Fortress Press, 1967,120 pp. Publicado originalmente em alemão, em 1954.---------Theologie und Verkündigung: Ein Gesprach mit Rudolf 

 Bultmann.  Tübingen: J. C. B. Mohr, 1962, 146 pp. Traduçãoinglesa de J o h n   R i c h e s , Theology and Proclamation.  Philadel

 phia: Fortress Press, 1966, 187 pp.---------Word and Faith.  Trad. J a m e s   W. L e i t c h . Philadelphia: For

tress Press, 1963, 442 pp.---------Wort Gottes und Tradition: Studien zu einer Hermeneutik 

der Konfessionen.  Gõttingen: Vandenhoeck & Ruprecht. 1964,235 pp.

E  b n e r  , F e r d i n a n d  . Schriften,  3 vols. Munich: Kõsel, 1963, 1965,1086 pp., 1190 pp.. 808 pp.

E r n e s t i , J o h a n n   A u g u s t ,  Institu tio interpretis Novi Testament!. 4th ed. com notas de C h r i s t o p h e r    F r  . A m m o n , Leip/.ig: Wcidmann, 1792. (Ist ed., 1761). Tradução inglesa dc MOSBS STUART,Elements of interpretation.  3.9 ed.; Andover: M. Newman, IH27,124 pp. 4." ed.; New York: Dayton and Saxton, 1842. llíi oiilmtradução inglesa de C h a r l e s   H. T e r r o t , Principies of Uibllcul 

 Interpretation,  2 vols. Edinburgh: T. Clark, 1832-33.

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F a r r a r  , F r e d e r i c   W.  History of Inlerpretation.  Grand Rapids,Mich.: Baker Book House, 1961, 553 pp. Publicado originalmente em 1884.

F o r s t m a n , H. J a c k s o n , «Language and God: Gerhard Ebeling’s

Analysis of Theology»,  Inlerpretation,  XXII (1968), 187-200.F r õ r  , K u r t ,  Biblische Herm eneutik: Zur Schriftauslegung in Pre- digt und Unterrich.  Munich: Kaiser, 1961, 396 pp. 3.* ed., rev.,surgiu como Wege zur Schriftauslegung: Biblische Hermeneutik   für Unterricht und Predigt.  Düsseldorf: Patmos, 1967, 414 pp.Tradução inglesa em perspectiva, James Thin, Edinburgh.

F u c h s , E r n s t . «Existentiale Interpretation von Romer 7, 7-12 und21-23»,  ZThK.,  LIX (1962), 285-314.

--------- Glaube und Erfahrung: Zum christologischen Problem im Neuen Testament.  Tübingen: J. C. B. Mohr, 1965, 523 pp.

--------- Herm eneutik,  Stuttgart: R. Müllerschõn, 1963, 271 pp. Publi

cado originalmente em 1954.--------- Marburger Herm eneutik.  Tübingen: J. C. B. Mohr, 1968,277 pp.

--------- Studies of the Historical Jesus.  Trad. A n d r e w   Scobie. London: SCM Press, 1964, 239 pp.

--------- Zum herm eneutischen Problem in der Theologie.  Tübingen:J. C. B. Mohr, 1959, 365 pp.

F u n k  , R o b e r t   W .  Language, Hermeneutic, and Word of God.  NewYork: Harper, 1966, 317 pp. O professor Funk está a prepararuma outra obra sobre hermenêutica.

--------- and G e r h a r d    E b e l i n g , eds. The Bultmann School of Bibli-

cal Interpretation: New Directions?  Journal of Theology andthe Church series, Vol. I. New York: Harper, 1965, 183 pp.---------eds.  History and Herm eneutic,  Journal of Theology and the

Church series, Vol. IV. New York: Harper, 1967, 162 pp.G r a n t , R o b e r t   M.  A Short History o f the Interpretation of the 

 Bible.  Rev. ed. New York: Macmillan, 1963, 224 pp.H e i n r i c i , G e o r g . «Hermeneutik»,  RPTK,  VII (1899), 719.H e r z o g , F r e d e r i c k    W. Understanding God.  New York: Scribner’s,

1966. 191 pp.K r a u s , H a n s -Jo a c h t m , Geschichte der historisch-kritischen Erfors- 

chung des Alten Testaments von der Reformation bis zur Ge- 

genwart , Neukirchen: Verlag der Buchhandlung der Erziehungs-vereins, 1956, 478 pp.L e s s i n g , G o t t h o l d    E .  Lessing’s Theological Writings: Selections. 

Tradução e ensaio introdutório de H e n r y   C h a d w i c k  . Stanford:Stanford University Press, 1957, 110 pp.

I .o r e n z m e i e r  , T h e o d o r  , Exegese und Hermeneutik: Eine verglei- chende Darstellung der Theologie Rudolf Bultmanns, Herbert   Brauns, und Gerhard Ebelings.  Hamburg: Furche, 1968, 232 pp.

M a c q u a r r i e , J o h n ,  An Existenc ialist Theology: A Comparison of   Heidegger and Bultmann,  London: SCM Press, 1955, 252 pp.

---------The Scopc of Demythologizing: Bultmann and His Critics.

London: SCM Press, 1960, 255 pp.Maki.1!, Riíne,  Introduction to Hermeneutics.  Tradução do francês L ’hcrm éneutlque  por E. F r o m e n t   and R. A l b r e c h t .  New York:Hcrder & Herdcr [1967], 128 pp.

M i c h a l s o n , C a r l , The Rationality of Faith: An Historical Critique of Theological Reason.  New York: Scribner’s. 1964, 160 pp.

M ü l l e r  -Sc h w e e e , H a n s - R u d o l p .  Die Sprache und das Wort: Grundlagen der Verkündigung.  H a m b u r g : F u r c h e , 1961, 268 pp.

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O livro compõe-se de quatro partes: «Die Struktur der Spriu In1»,«Sprache und Existenz», «Sprache und Geschlehtc». o «IMrSprache und das Wort Gottes».

 N e i l l , S t e p h e n , The Interpretation oi the New Testament   IHM

1961, London: Oxford University Press, 1964, 358 pp N e e b u h r  , R i c h a r d    R . Schleiermacher on Christ and Rellglon A 

 New Introduction.  New York: Scribner’s, 1964, 267 pp.O c d e n , Sc h u b e r t   M. Christ Without Myth.  New York: Hurpci,

1961, 189 pp.---------The Reality of God and Other Essays.  New York: Harper,

1966, 237 pp.Orr, H e i n r i c h ,  Denken und Sein: Der Weg Martin Heideggers und  

der Weg Theologie.  Zollikon: Evangelischer Verlag, 1959, 226 pp.---------«Das Problem des nicht-objektivierenden Denkens und Re-

dens in der Theologie»,  ZThK ,  LXI (1964), 327-52.H a m s e y , I a n ,  Religious Language: A n Empirical Placing o f Theo- logical Phrases.  New York: Macmillan, 1957, 191 pp.

R o b i n s o n , J a m e s   M.  A New Que st o f the Historical Jesus.  London:SCM Press, 1959, 128 pp.

---------«Theology as Translation», Theology Today,  XX (1964),518-27.

---------«World in Modern Theology and in New Testament Theology», em Soli Deo Gloria: New Testament Studies in Honor  of William Childs Robinson .. Richmond, Va.: John Knox Press,1968, cap. 7.

---------J o h n   B. C o b b , J r  ., eds. The Later Heidegger and Theology, New Frontiers in Theology series. Vol. I. New York: Harper,1963, 212 pp.

---------Eds. The New Heumeneutic.  New Frontiers in Theologyseries, Vol. II. New York: Harper, 1964, 243 pp. A Introduçãoé excelente, pp. 1-77.

---------Eds. Theology as History.  New Frontiers in Theology series,Vol. III. New York: Harper, 1967. 276 pp.

Sc h u l t z , W e r n e r  . «Die unendliche Bewegung in der HermeneutikSchleiermachers und ihre Auswirkung auf die hermeneutischeSituation der Gegenwart»,  ZThK,  LXV (1968), 23-52.

Sm a l l e y , B. The Study of the Bible in the Middle Ages.  2.* ed.Oxford: Blackwell, 1952. 406 pp.

Sm a r t , J a m e s   D. The Interpretation of Scripture.  Philadelphia:Westminster Press, 1961. 317 pp.

S p i e g l e r  , G e r h a r d  , The Eternal Covenant: Schleiermacher’s Ex-  periment in Cultura! Theology.  New York: Harper, 1967, 205 pp.

S p i n o z a , B e n e d i c t   d e ,  A Theologico-Political Treatise.  Trad. R. H.M. E l w e s . Classics of the St. John’s Program series. Ann Arbor,Mich.: Edwards Brothers, 1942, 278 pp.

St e i g e r  , L o t h a r  ,  Die Hermeneutik ais dogmatisches Problem. 

Gütersloh: Gerd Mohn, 1961, 200 pp.w o o d  , J a m e s   D. The Interpretation of the Bible: A Historical Intro- duetion.  Naperville, III.: Alec R. Allenson, 1958, 179 pp.

C. OUTRAS OBRAS CITADAS OU POTENCIALMENTESIGNIFICATIVAS PARA A TEORIA HERMENÊUTICA

A d o r n o , T h e o d o r    W.  Zur M eta kritik der Erkenntnistheorie: Stu- dien über Husserl und die phànomenologischen Antinomien.  Stuttgart: Kohlhammer, 1956, 251 pp.

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A l b r e c h t , E r h a r d ,  Beitrãge zur Erkenntnistheorie und das Ver- hàltnis von Sprache und Denken.  Halle: Niemeyer, 1959, 570 pp.

A m m a n n , H e r m a n n ,  Die menschliche Rede: Sprachphilosophische Vntersuchungen, Teil I und II.  Darmstadt: WissenschaftlicheBuchgesellschaft, 1962, 237 pp.

A r e n s , H a n s , Sprachwissenschaft: Der Gang ihrer Entwicklung von der Aniike bis zur Gegenwart.  Munich: Verlag Karl Alber,

1955, 568 pp. A methodical and weü-documented history oflinguistics from Plato and Aristotle to the mid-twentieth century,including coverage of American, French, Russian, and otherdevelopments in the twentieth century. Extensive bibliography.

A r i s t o t l e , The Basic Works.  Ed. R  i c h a r d    M c K e o n .  New York:Random House, 1941, 1487 pp.

---------On Interpretation (Peri hermeneias).  Comentários de St.T h o m a s   and C a j e t a n . Trad. do latim e introdução de J e a n  T . O e s t e r l e . Milwaukee: Marquette University Press, 1962,

271 pp.---------Organon.  Vol I: Categories, On Interpretation, Prior Ana-lytics.  Loeb Classical Library, 325; Cambridge: Harvard University Press, 1938, 542 pp.

A s t , F r i e d r i c h , Grundlinien der Grammatik ,  Herm eneutik und  Kritik.  Landshut: Thomann, 1808, 227 pp.

---------Grundriss der Philologie.  Landshut: Krüll, 1808, 591 pp.A u e r b a c h , E r i c h .  Mimesis: The Representation of Reality in 

Western Literature.  Princeton: Princeton University Press, 1953,563 pp. Mimesis.  Perspectiva, São Paulo.

B a c h e l a r d  , G a s t o n ,  La Formation de 1’esprit scientifique: con- tribution à une psychanalyse de la connaissance objective.  Paris:Vrin, 1938. 256 pp. ,

--------- Le Nouvel esprit scientifique, 5.-  ed. Paris: Presses Univer-sitaires de France, 1949, 179 pp. O Novo Espírito Científico, Edições 70, Lisboa.

---------Poetics of Space.  Trans. M a r i a   J o l a s .  New York: OrionPress, 1964, 241 pp.

--------- La Poétique de la rèverie,  2.* ed. Paris: Presses Universitairesde France, 1961, 183 pp.

---------Psychoanalysis of Fire,  Trad. A. C. Ross, Boston: BeaconPress, 1964, 115 pp., Psicanálise do Fogo,  Estúdios Cor, Lisboa.B o l l n o w . O t t o   F r i e d r i c h ,  Die Lebensphilosophie,  Berlim: Sprin-

ger, 1958, 150 pp.B o s s e r m a n , P h i l l i p ,  Dialectical Sociology: 4 n Analysis o f the 

Sociology of Georges Gurvitch.  Boston: Extending HorizonsBooks. 1968, 300 pp.

B r e k l e , H e r b e r t   E., ed. Grammatica Universalis.  A series of volumes in linguistics and philosophy of language; selections fromthe seventeenth century to the present. First volume forthcoming

in 1969, Frommann-Holzboog, Stuttgart.B r i l l o u i n , L é o n , Scientific Uncertainty and Information. 2 '   ed. New York: Academic Press, 1962. 164 pp.

B r u n n e r  , A u g u s t , Geschichtlichkeit.  Bern/Munich: Francke, 1961,204 pp.

B r u y n , S e v e r y n   T . The Human Perspective in Sociology.  Engle-wood Cliffs, N. J.: Prentice-Hall. 1966, 286 pp.

B u r k e , K e n n e t h .  A Grammar of Motives and A Rhetoric of   Motives.  Meridian Bo o k s . Cleveland: World, 1962, 868 pp.

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C a m p b e l l , P a u l   N . The Speaking and the Speakers of Literaturr  B e l m o n t , C a l i f .: D i c k e n s o n , 1967, 164 pp.C a s s i r e r  , E r n s t .  An Essay on Man.  New Haven: Yale UniversityPress. 1944. 237 pp.

---------Philosophy of Symbolic Forms.  3 vols. New Haven: YaleUniversity Press. 1953, 1955, 1957, 328 pp., 269 pp., 501 pp.

C a s t e l l i , E n r i c o , ed. Técnica e casistica.  Comunicações do Inteinational Colloquium em Roma, Janeiro, 1964 [?] Pádua: A. Milani. n. d.

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---------Topics in the Theory of Generative Grammar.  Nem York:Humanities Press. 1966. 95 pp.

C o l l i n g w o o d  , R. G.  An Autobiography.  Oxford: Oxford University Press, 1939. 167 pp.

---------Essays in the Philosophy of History.  Ed. W i l l i a m   D e b b i n s .

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ton: Northwestern University Press, 1966. 256 pp.---------Phénomenologie de Vexpérience esthétique.  Paris: Presses

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versitaires de France, 1964, 120 pp.  A Imaginação Simbólica, Presença, Lisboa.--------- Les Structures anthropologiques de Vimaginaire,  Paris: Pres

ses Universitaires de France, 1960, 513 pp.E d i e , J a m e s   M . , ed.  An lnvitation to Phenomenology: Studies In 

the Philosophy of Experience.  Chicago: Quadrangle, 1965, 281 pp---------, ed. Phenomenology in America: Studies in the Philosophy

of Experience.  Chicago: Quadrangle, 1967, 306 pp.Einsichten: Festschrift für Gerhard Krüger.  Ed. K la u s Ohiii i h und

R i c h a r d    S c h a e f l e r  , Frankfurt: Klostermann, 1962, 398 pp

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H a e r i n g , T h e o d o r  . Philosophie des Verstehens. Vcrsuch einer   ,vvutematisch-erkenntnistheoretischen Grundlegung alies Irketinrnx

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H a r t m a n n , P e t e r  . Sprache und Erkenntnis.  Heidelberg: Carl Winter, Universitatsverlag, 1958, 160 pp.

---------Wesen und Wirkung der Sprache: im Spiegel der Theorie

 Leo Weisgerbers.  Heidelberg: Carl Winter, Universitát-svcrlag,1958, 168 pp.H a t z f e l d  , H e l m u t   A . Criticai Bibliography of the New Stylisties 

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H e g e l , G e o r g   W i l h e l m   F r i e d r i c h . Phanomenologie des Geistes Hamburg: Meiner. 1952, 598 pp. Tradd inglesa com introduçãoe notas de J. B. Baillie, The Phenomenology of Mind,  2d ed.,rev. London: Jeorge Allen & Unnlin, 1964, 814 pp.

H i l g a r d  , E r n e s t   R . , e G o r d o n   H . B o w e r  . Theories of Learning,

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H u s s e r l , E d m u n d  . Cartesian Meditations: An lntroduction to Phenomenology.  Trad. Dorion Cairnes. The Hague: Nijhoff, 1960,157 pp.

-----------Erfahrung und TJrteil.  Ed. e rev. de L u d w i c   L a n d o e i i i í .

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szendentale Phanomenologie.  Husserliana, Vol. VI. The Hague Nijhoff, 1952, 557 pp. Parte (pp. 314-48) dos apêndices de leitura intitulados «Die Krisis des europãischen Menschentumsund die Philosophie», foi publicado in Phenomenology and the Crisis of Philosophy.

---------Phenomenology and the Crisis of Philosophy.  Trad. c Introdução de Q u e n t i n   L a u e r  .  New York: Harper, 1965. 192 np.

---------The Phenomenology of Internai Time-Consciousness.  l'.dM a r t i n   H e i d e g c e r  , trad. J a m e s   S. C h u r c h i l l , com uma titi

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L e e u w , G e r a r d u s   v a n   d e r  .  Religion in Essence and Manlfestaiion  A Study in Phenomenology.  Trad. J. E. T u r n e r  . London: Al ln i& Unwin, 1938, 709 pp. Rev. ed., 2 vols., Harper, 1963.

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L i t t , T h e o d o r  .  Die Wiederweckung des geschichtlichen Bewusst- seins,  Heidelberg: Quelle & Meyer, 1956, 243 pp.

L o n g f e l l o w , H e n r y   W a d s w o r t h . Prose Works.  Vol. II. Boston:Houghton Miffiin, 1886, 486 pp.

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M a r r o u , H e n r j -I.  De la connaissance historique.  4.* ed., rev. Paris:Editions du Seuil, 1959, 301 pp. O Conhecimento Histórico, Lisboa. Aster.

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---------Signs.  Trad. e introdução de R  i c h a r d    C. M c C i .e a r y . F.vans-ton: Northwestern University Press, 1964. 355 pp. Signos,  Mino-tauro, Lisboa.

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 New York: Grune & Stratton, 1959, 385 pp.P o l a n y i , M i c h a e l . Personal Knowledge: Towards a Post-Critical 

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Francke, 1957, 423 pp. Publicado originalmente em 1950. O ca pítulo 4 trata de «Sprache und Seele» e o capítulo 5 de «DieSprachgemeinschaft».

Q u i l l e t , P i e r r e .  Bachelard.  Paris : Seghers , 1964, 220 pp .R a p a p o r t , D a v i d  , ed. Organization and Pathology of Thought. 

 New York: Columbia University Press, 1951, 786 pp.R i c h a r d  , J e a n -P i e r r e . Onze études sur la poésie moderne.  Paris:

Editions du Seuil, 1964, 302 pp.---------Paysage de Chateaubriand.  Paris: Editions du Seuil, 1967;

184 pp.---------Poésie et profondeur,  Paris: Editions du Seuil, 1955, 248 pp.---------UUnivers imaginaire de Mallarmé.  Paris: Editions du Seuil,1961, 653 pp.R  i c h a r d s , I. A. Practical Criticism: A Study'of Literary Judgment. 

 New York: Harcourt, Brace & World, 1966, 362 pp. Publicadooriginalmente em 1929.R i c o e u r  , P a u l .  History and Truth.  Trad. C. A. K e l b l e y . Evan-

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 ÍNDICE REM1SSIV O

Agostinho, Santo, 148Aplicação: na experiência her

menêutica, 245-246; Gadamersobre, 180; na hermenêuticateológica e jurídica. 190-192;importância na interpretaçãolegal, 66: na interpretação lite

rária, 236-238, 252; as regrasda topicalidade em Betti, 65--66.

Apofântico, «como». Ver   Heidegger 

Apresentacional, pensamento einterpretação literária. 227

Aristóteles, 86, 238; Peri herme- neias,  23, 31-33Arte: e auto-compreensão, 240-

-242; para Dilthey, 128; oefeito do subjectismo em arte,149; e experiência. 249-250: ehistoricidade, (Dilthey), 127--128. e perícia técnica, 249;como revelação do mundo edo ser, 160-161. 239-242

Arte, obra de: autonomia da, 28,179, 247: Gadamer, sobre 171--180: Heidegger sobre. 162--165; como não sendo um

mero prazer, 178; comoobjec-tivação da experiência. 118--120: em relação com a estética. 238-242: em relação coma estética, 238-242; em relaçãocom a distância temporal, 187--188; como revelação, 151-152;o ser da, 215

Auerbach, Erich, 40Autonomia do objecto de inter

 pretação, defendida por Betti,

64-66. Ver também  obra dcarte, autonomia da.

Betti, Emilio, 76, 78, 216; contrastando com Gadamer, 55--57. 63-68; 167-169, 216; o seucontributo para a história dahermenêutica, 47; discussão dasua hermenêutica, 63-68; v.tBultman, 59-60

Bíblica, hermenêutica e interpretação literária, 238. Ver também  interpretação bíblica

Bíblica, interpretação: e aplicação, 190-192; a auto-interpre-tação de Jesus. 34-35; desenvolvimento, de 44-49; o método

histórico-crítico, 45-46, 48-49,59; o significado de S. Paulonos nossos dias, 73. Ver também  Bultmann; desmitoloni/a-ção

Bõckh, August, 64Bollnow, 108. 112, 127Bultmann, Rudolf, 55, 64: criti

cado por Betti, 66; c desmitologização, 37-38, 57-58; e Hei

degger, 58-59. Ver também desmitologização

Campo, teoria de (no continentehistórico), 60

Cassirer, 78, 205Científica, compreensão: r num

do da vida, 182-183; orientada para a análise, 19; parrntru iicom Husserl, 131; Icinpotiil < pré-estruturada, IH"> IKft, v»

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histórica. 22, 30; v í    humanís-nística (Dilthey), 121, 127-128.

Científica, perspectiva: na inter pretação literária, 18-19; v íhu-manística em Dilthey, 106-112.

Collingwood, R. G., sobre conhecimento histórico. 60; reconstruindo uma questão, 203

Compreensão: seu carácter deevento, 20, 77; científica vs histórica, 19, 22; e círculo hermenêutico em Dilthey, 124-126;como evento lingüístico, 233;como processo de transposição,111, 121; como relacionadacom a ontologia e a epistemo-

logia, 21, 134; como reconstrução, (Schleiermacher), 93;como reconstrução de umaexperiência interna (Dilthey),111; uma concepção mais latade, 229, 233; contrastando coma interpretação, 139; distin-guida de explicação, 92-93; eexperiência, 232-233; fenome-nologia da, 77; do futuro relativamente ao significado his

tórico, 60; em Gadamer, 216;nas Geisteswissenschaften,  121;a historicidade da. 75, 180-201,251; histórica vs científica, 30;inserida no mundo, 138: implicando uma interpretação preliminar, 33; orientada para avisão ou para a audição: 21;e percepção estética, 239; e pertença ao mundo, 183; pro blema ultrapassado por Hirsch,

72; e questionamento. 202-203;relacionada com a interpretação literária, 225, 250: a teoriade Heidegger e a interpretaçãoliterária, 229-231; e temporalidade, 184; e tradição, 180,185-188; transcendendo o queo autor compreendeu. 153: trêsníveis da. em Ast, 85

Danhauer, J. C., 44

Dante, «tradução» histórica aolê-lo, 40Descartes, René, 151; a crítica

de Heidegger a, 148-149Desmitologização, 38-41, 57, 64;

e aplicação, 192; comparadacom desmitificação, 53; e o

 problema da interpretação do Novo Testamento, 38; relativa

mente a Homero e Milton, 39--40; relativamente à interpretação literária, 252. Ver também  Bultmann

Dialéctico, questionamento: na

experiência hermenêutica. 234--237, 243; em Gadamer, 192;e na interpretação literária, 250

Dilthey, Wilhelm, 55, 64, 67. 68,71, 76, 105-128, 134, 214, 216; aconcepção de compreensão contrastando com a de Heidegger,135-136; sobre a contextuali-dade de significado, 115-117;o contributo de, 50, 112-113,127-128; crítica, 112, 128, 181-

-182; a fórmula hermenêuticade experiência-expressão-com- preensão, 113-121; sobre asGeisteswissenschaften,  105-113;a hermenêutica como críticae razão histórica. 50; a hermenêutica v í   introspecção, 107--108; sobre historicidade, 115--117, 121-123; e Schleiermacher, 101-102

Ebeling, Gerhard, 46, 64, 73;sobre a função hermenêuticada linguagem, 143; relativamente a Bultmann e Fuchs,61-62

Enunciação, a operação básicada, 31-32

Ernesti, Johann August, 48, 90,190

Escatologia, Bultmann sobre. 60Escrituras, carácter kerigmático

das, 29Estética, não diferenciação, 174,215. 240, 247

Estético, prazer, 238-240, 249Estética, falência da estética

moderna subjectiva, 178; 241;insustentabilidade do «puramente estético». 238-242; necessidade de integração coma hermenêutica. 246; perda dehistoricidade em, 251; rela

cionado com a verdade, 239--242: a tensão entre a terra eo mundo, 163-165

Estruturalismo, em Lévi-Strauss,217

Exegese, enquanto se distinguede hermenêutica, 44

Experiência, uma concepção maisfunda de. 234; definição de,

276

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198-200; encarada de um modoespeculativo, 213-214; enquantoErlebnis  (Dilthey), 113-117;Gadamer sobre, 197-201; e ne

gatividade, 199-201; relativamente à interpretação literária,233-234

Explicação, 190; em Heidegger,160-162; relativamente a regras, 19

Explicação, excluída da hermenêutica, 92-93. Ver também  ainterpretação como explicação

Expressão de uma «experiência

vivida» (Dilthey), 117-118Eu-Tu, relação e consciência histórica autêntica, 194-196, 200--201

Falar, em arte. 163Fenomenológica, crítica literária:

em França, 78, 247; em Ro-man Ingarden, 78. Ver também   fenomenologia; interpretação literária

Fenomenologia: a definição deHeidegger, 132-135; e o esquema sujeito-objecto, 247;como hermenêutica, 130; 132--135; e interpretação literária,15; objecções à, 64, e perspectiva científica, 18

Fichte, Johann Gottlieb, 109Filologia. Ver   Ast.; a hermenêu

tica como metodologia filológica; Wolf

Forma-conteúdo, separação: efeitos de. 185; Gadamer sobre,174; insustentabilidade da, 239,247, 248-249

Freud, Sigmund, a hermenêuticaiconoclástica de, 53

Frõr, Kurt. 48Fuchs, Ernst: a sua definição de

hermenêutica, 61; relativamente a Bultmann e a Ebeling, 61

Gadamer, Hans-Georg, 64, 71,76. 123, 126; afinidades comHegel, 170-171; sobre a aplicação, 189-194; sobre a arteenquanto decorativa, 175; avaliação de, 216-218; sobre ocarácter não-instrumental dalinguagem, 204-207; sobre com preensão, 168-169; sobre aconsciência estética, 171-175;

sobre a consciência histórica,180-196; sobre as conseqüênciashermenêuticas da historicidade,180-201; criticado |w>i Hrtti,

55-57, 62-68; sobre distfliu latemporal, 187-188; na distlhçAoentre brincadeira c joy.o, 176-177; a sua dívida explicita para com Heidegger, 168 169;sobre a estrutura especulativada linguagem, 211-214; sobroexperiência e sobre experlAnclithermenêutica. 197-201: explicaa finalidade de WM,  67; sobroa forma em arte, 173-175; for

nece uma base para a crítica dateoria literária, 218, 223; so bre o jogo e a obra dc arte,175-180; sobre a linguisticidadee a experiência hermenêutica,208-211; sobre o método, 168--170; sobre a natureza da fala poética, 212-213; sobre pertença. 210: sobre o questionamento dialéctico, 192, 215-216;sobre a relação Eu-Tu. 194--196: relativamente a Betti cWach, 167-169; responde nBetti, 67: sobre o tema, 202,213; tendência anticientífica,131; sobre um tipo mais altode objectividade. 214: sobre nuniversalidade da hermenêutica, 169, 214-216: sobre wlr- kungseesschichliche bewusstrin,194-196, 200: W M   encaradacomo a primeira avaliação histórica do anarecimen^o da hermenêutica fenomenológica, 51--52

Geist,  109: para Heeel e Gadamer, 216: a hermenêutica dcAst. 84-86

Geisteswissenschafen,  134, 216;e a crítica de Dilthey da razãohistórica, 106-108; definição,105; encontrar um fundamento

metódico para, 106; a experiência vivida enquanto fundante, 114-115; a hermenêutica como fundamento metódico para, 106; incluindo todasas objectivação da vidu, IIH.Ver também  Dilthey; com

 preensão científicaGurvitch, Georges, 36Gusdorf, Georges, 78

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Hausman, Carl R., 79Hegel, G. W. F., 71; afinidades

de Gadamer com, 217Heidegger, Martin: análise da

comprensão, 60; apofânico vshermenêutico «como». 133,142-143; sobre o carácter derivativo das asserções, 58, 141--143; carácter hermenêutico doseu pensamento, 15. 147; sobreo carácter lingüístico do ser,71; conceito de «mundo», 137--138; contributo em SZ.  129--143; 'crítica das filosofias dovalor, 150; crítica do pensa

mento apresentacional. 147--152; e Erõrterung, 161-162:explicação, 160-162; fazendoviolência ao texto. 152: a filosofia como hermenêutica. 24;e Geschick,  158-159: a hermenêutica. sobre historicidade,157-159; a linguagem fala, 158--160; a sua relação com Bultmann, 58: resumo do seu contributo. 164; o «retrocesso»,

159: ultrapassa Dilthey. 135--137: visão da linguagem, 143.Obras citadas:  Augustinus und  der Neuplatonismus,  148:  BH, 154, 155-156. 158; The Doc- trine of Judgment in Psycho- logism.  156;  A Fundamentação da Imagem Moderna do Mundo pela Metafísica.  148; G, 154, 155;  Ho,  163-164;  IM . 154-155. 157-158, 160-161; «So

 bre a Essência da Poesia»,159; K PM , 151-152; PL,  147: Die Spache im Gedicht,  161;SZ,  58, 129-143, 183. 229: UK, 163-164; US,  152, 157, 161

Heisenberg, o princípio de, noconhecimento histórico. 60

Heresia da paráfrase, 28. Ver  também   Nova Crítica

 Hermeneuein  e hermeneia:  signi

ficando «dizer», 25-30; significando «explicar», 25, 30-36;significando «traduzir», 24, 36--41; três orientações significativas no antigo uso de, 23-25

Hermenêutica, experiência: adialéctica de pergunta-resposta,234; a linguisticidade, 208-211,relativamente à interpretaçãoliterária, 243-246

Hermenêutica: de acordo comHirsch, 15-16, 68-73; carácterhistórico da, 73; seu carácterinterdisciplinar, 22, 79; cen

trada no tema, 188; enquantocentrada na linguagem ontológica, dialéctica, e especulativa, 217; como uma ciênciasistemática, 97; a concepçãode Ast, 85-86: a concepção deWolf de. 88-90; consultas so

 bre, 15; definição dada emdicionários, 16; definida comoo encontro com o ser atravésda linguagem, 52; definida por

Fuchs, 61; derivação da palavra a partir de Hermes. 23-25;discussão do conflito de definições, 75-77; distinguindo-seda exegese, 44; o duplo-focoda. 76-77: especulatividade e,214-215: como estudo da com preensão, 19-20; e explicaçãode textos, 19-20; forma icono-clástica da. 53; como fundamento das humanidades, 22,50. 120: como fundamento deuma nova filosofia da inter pretação literária. 22. 223-254;

, o homem definido como «animal hermenêutico». 123: comoinseparável de questões históricas, de ser e realidade, 52;como interpretação centradaem obras. 120: e interpretaçãoliterária, 15-50. 218-254: como

intérprete histórica da mensagem bíblica. 45-46: jurídica.237; listagem de domínios que poderiam contribuir para. 78--79: como metodologia filológica. 48-49, 70-73. 91-92; emito, 53-54: necessidade deuma concepção mais lata cJe-79: necessidade de uma hermenêutica fenomenolóeica. 16-17,223-224; necessidade de se

manter um campo aberto, 76--79: necessidade de ultrapassaras hermenêuticas históricas eas sínteses empíricas. 47-48:obstáculos ao seu desenvolvimento, 78: como uma ontologia e uma fenomenoloeiada compreensão. 50-52. 73,134. 216-217: a polarizaçãoentre Betti e Gadamer, 55-

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-57, 63-68; preconceito, 185--187; como processo de Hermes, 25-26; e psicanálise, 52--53; raízes gregas da, 23-41; aredefinição de Heidegger da,

134; relação da bíblica e dafilológica, 49; enquanto relacionada com uma teoria daexegese religiosa, literária e

 jurídica, 44-45; como não serestringindo aos Geisteswissenschaften,  216; seis definiçnões básicas de, 45-54; como teoriada exegese bíblica, 44-48; comoteoria da compreensão lingüística, 77: como teoria da reve

lação ontológica, 243; três ti pos de (Ast), 86. Ver também Dilthey, Gadamer, Heidegger,a Nova Hermenêutica. Ricoeur, Schleiermacher.

Hermenêutica, relação, Heidegger sobre, 153

Hermenêutico, princípio: na interpretação bíblica, 46; na au-to-interpretação de Jesus, 35

Hermenêutico, problema: segun

do Bultmann. 59; a complexidade do, 36; deixando que otexto comande na experiênciahermenêutica, 192, 195, 211;rejeição de definições estritasde, 71-72; relacionado com alinguagem, pensamento, e realidade, 62; ultrapassando asdiferentes escolas, 76. Ver também  Bultmann, desmitologização; Ebeling.

Hermenêutico, processo: em Heidegger, 138, 146, 153; comodizer. 160; como pensamento,160-161; como pergunta e res-

, posta, 154Hirsch, E. D. Jr., 15, 68-73, 75-

-77Histórica, consciência. 215; rela

tivamente à interpretação literária, 215-254. Ver também historicidade

Historicidade: ausência de consciência histórica na interpretação literária, 226; em Dilthey, 107-110, 115-117, 121--123; e experiência, 199-200; eexperiência hermenêutica. 243--244; em Gadamer, 180-196;em Heidegger, 132, 157-159;e ser, 155

Historicismo: atacado por Hull-mann e EbcliiiK, 59-62; Gudn-mer sobre, 181-184

História: uma rculidiidc c i ik  Io  bante, 215-216; siitnificudo cm,60Homero, 26, 40

Humanismo, 152. Ver nimhéni Heidegger, subjcclismo

Husserl, Edmund. 78, 113, 214,223; contrastando com llcldcuger, 129-132; discusaAo domundo da vida; 183;  Inveill gações Lógicas, 71

Informação, diferente dc unmutilização bíblica da liunuiigem, 30

Ingarden, Roman, 78Intencional, falácia. 248Interpretação e análise, 17-22,

33; como acto básico da exix-tência humana, 20-21; comoajudando à ocorrência doevento lingüístico. 159; con-textualidade da, 34; como

enunciação, 25-30; e distânciatemporal, 252; e execução oral,26-27, 35-36; como explicação,30-36; e um factor exteriorexplanatório, 33-35; gramatical,84, 89, 93; historicidade da,253-254; implicada no nossomodo de ver a obra, 33; níveisnão lingüísticos da, 20; e ontologia, 89; ouvir vs ver, 21;e relacionação com quem nos

ouve, 34; como revelação, 151--152; como tradução, 36-41.Ver também  Betti, Hirsch, historicidade. distância temporal,compreensão.

Jesus «interpreta-se» a si mesmo para os vindouros, 34

Jogo e interpretação literária,249. Ver também  Gadamer,sobre «jogo» e obra dc arte.

Jurídica, hermenêutica, comoinstrutiva para a interpretaçãoliterária, 237-238. Ver também interpretação literária

Kant. Immanuel, 107, 109Kimmerle, Heinz, sobre Schleier

macher, 98-99.Kwant, Remy, 78

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Lessing, Gotthold E., 48Linguagem: como não tendo ca

rácter instrumental, 204-207,244; a concepção de Gadamerde, 204-214; como equiprimor-

dial com a compreensão, 230--232; estrutura especulativa da,211-214; sua importância no jovem Schleiermacher, 98-99;e interpretação literária, 226--227; fenomenologia da, 78;filosofia da, 62-73; como mediação de revelação. 207-209;como mediação do ser, 21, 181;como modelando a realidade,21; e o mundo, 207-209; o

 poder da palavra oral, 26-27;como repositório historicamente formado da cultura, 37, 181,215. 253; sua unidade com o pensamento, 208-209; a visãode Heidegger da, 143, 156-160

Linguisticidade: de acordo comGadamer, 208; e experiênciahermenêutica, 243; da com preensão, 171.

Lingüístico, evento, 181; com- prensão como, 28; e experiên

cia hermenêutica, 244; comoexprimindo o carácter oral dasEscrituras, 30; em Fuchs eEbeling, 61-62; e interpretaçãoliterária, 28. 249

Literária, interpretação: ausênciade consciência histórica na,250-254; como «capaz», 40; ecompreensão da experiência,232-233; crítica da interpretação dominante, 17-19; desmi-tologização e, 37-40; 192-194;deve centrar-se na sensação deestar-no-mundo, 40; e fenomenologia. 16-19; Hirsch destruindo a separação da hermenêutica, 15; historicidade e,179-180, 226; manifesto à, 219--254; e necessidade de clarezafilosófica, 178-179; e necessidade de relacionação com ainterpretação oral, 27, 28; en

quanto relacionada com a ontologia e com a epistemologia,88; o significado da hermenêutica teológica e jurídica pura a. 190-192; tendênciastecnológicas na, 18, 225-229,231, 245, 248, 253.

Lógica, carácter derivativo da,141-143

Lógica da validação. Ver   HirschLógicas, asserções, carácter deri

vativo das, 33, 141-143

Longfellow, Henry Wadworth,45

Macquarrie, John, 58Merleau-Ponty Maurice, 78, 247Método: conseqüências metodo

lógicas da pertença, 210; efeitosdo, nas críticas a Dilthey, 182--183; falhas, 234-235; fraquezas do, 228; Gurvitch, sobre ainseparabilidade do objecto edo método. 36; molda o objecto, 33, 36; o mundo da vidanão é revelado pelo, 183-184;suspeito, mesmo em bases científicas, 250. Ver também  Gadamer, sobre método.

Metodologia, para as Geisteswissenschaften , 106-113

Milton. John, 71; desmitologi-zando Paraíso Perdido, 38, 184

Mito, crítica ao, 78, 101, 223Mundo, em Heidegger, 136-138.

Ver também  significado predi-cativo. tradição

 Negatividade: em arte, 163; naesoeculatividade, 214: na experiência, 199-201: no auestiona-men^o, 233: e verdade. 162

 Nida, Eusene sobre a ciência datradução. 37

 Nietzsc^e Friedrich. 122. 151 Nova Crítica. 78. 101. 223' afi

nidades com Gndamer. 179' ea exeeese heideegeriana. 162;ohiectividade na. 162. Ver  tnmhfim  interpretação literária;obiectividade

 Nova hermenêutica. 16. 78 Novidade na fala poética, 214

Obiectivação: críticas à. 182: daexneriência vivida fDilthev'),117-118: relação com o subjec-ticmo. 151

Obiertivid^de: e abertura de es pírito, 184: em Betti, 55-56: ecomnreensão de uma «obra»,18-19- em Dilthey 182 • dos«factos» históricos. 60-62’: fe-nomenológica. 179- uma formamais alta de, 229-232; . nas

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valor para a interpretação dasiuscrituras, 34

Shakespeare, discussão do  Rei  Lear , 125;  Macbeth,  e a desmitologização, 193

Significado: enquanto definido por Heidegger, 137; enquantohistórico, 125; enquanto imutável e supra-histórico, 71; enquanto uma questão de contexto (Betti). 65, (Dilthey),115-117. Ver também   significado verbal.

Sófocles,- 155, 160Spinoza, Benedito, 48Subjectismo: críticas ao, 217;

Gadamer sobre, 182; Heidegger sobre, 149-151; na sua relação com o humanismo e aciência, 150.

Sujeito-objecto. esquema: antecedido por contexto-significa-tivo. 125; e cartesianismo, 148--149; conseqüências para a interpretação literária, 17, 225--229, 231, 247; e experiênciahermenêutica, 243-244; e a«experiência vivida», 114-117;e a estrutura-prévia da com preensão. 139; f a c t ic id a d e ,183; relativamente à estética,175; relativamente ao mundo,13J; e tradição. 185-187, 194;ultrapassando especulativamen-te, 179, 216; ultrapassado emDilthey, 127

Temporal, distância: e aplicação,191; carácter frutífero da, 188;

e diálogo com o texto, 39-40;na interpretação literária, 226;

a tradução dá-lhe relevo enquanto estrutura, 36-41

Tendências tecnológicas. Ver   interpretação literária; subjecti-vismo; tendências tecnológicas

na interpretação.Teologia como * hermenêutica,45-46

Tradição: uma consciência autenticamente histórica, 200;Gadamer sobre, 180, 185-187,

.202; não objectificável, 215_Tradução: o cerne da hermenêu

tica, 41; exemplar para a teoria hermenêutica, 36-37

Verbal, significado, 72. Ver também  Hirsch

Verdade: em arte, 163; a críticaheideggeriana à teoria da correspondência. 147-149; comodesocultação, 147. 152; e a ex periência herm enêutica. 246

Vida. filosofia de: em Dilthey,107-110. 113-114; uma lista defilósofos da vida, 108

Vivida, experiência: central nafilosofia da vida. 108-110; emDilthey, 113-117. 126; e historicidade, 253.

Violência ao texto, fazer: emHeidegger, 152, 162; na inter pretação literá ria, 235-238

Wach. Joachim. 20, 64, 103, 167Wolf, Friedrich August: critica

do por Schleiermacher, 91; asua definição de hermenêutica, 88; discussão dos seus três

níveis de hermenêutica, 89Wordsworth. William, 40

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Í N D I C E

P R E F Á C I O ......................................... .............................................   9

 LISTA DE A B R E V IA TU R A S   ...................................................

PRIMEIRA PARTE — Sobre a definição, âmbito e significado da hermenêutica.........................................................  ... 13

1. Introdução ..................................................................... 15

2.  Hermeneuein  e  Hermeneia:  o significado moderno

do seu antigo uso .................................   ..................... .......23

3. Seis definições modernas de hermenêutica ......................434. A luta contem porânea sobre hermenêutica: Betti

versus  G a d a m e r.......................................................................55

5. Significado e âmbito da herm enêutica ..................... .......75

SEGUNDA PARTE — Quatro grandes teóricos .....................   81

6. Dois precursores de Sch leie rm ache r ...........................   837. O projecto de Schleiermacher de uma hermenêutica 

geral .................................................................................. 91

8. Dilthey: A hermenêutica como fundamento dasGeisteswissenschaften  ...................................................   105

9. O contributo de Heidegger para a hermenêutica cm

Ser e Tempo ...................................................................... I2V10. O último contribu to de Heidegger para a tcorin

hermenêutica................................................................... M511. A crítica de Gadam er à Estética Moderna c à coiin  

ciência histórica .........................................................

12. A hermenêutica dialéctica de Gadamer . . . . 1^/

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TERCEIRA PARTE — Manifesto herm enêutico à interpretação literária americana .......................................................... .....221

13. Para uma reabe rtura da pergunta: o que é a inter pretação? ............................................................................ .....225

14. Trinta teses sobre interpretação da experiência hermenêutica ............................................................................. .....243

 L IST A DE A B R E V IA T U R A S ......................................................... 255

 BIBLIO G R AFIA   ............................................................................ ..... 257

 ÍNDICE REM ISSIVO   ................................................................ .....275

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