Revista14_AmnistiaInternacional

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NOTÍCIAS PORTUGAL 14 Publicação Trimestral Série VI P.V.P. €2 Março 2012 DOSSIÊ MÉDIO ORIENTE E NORTE DE ÁFRICA Um ano de revoluções que está longe do fim ENTREVISTA Cândida Pinto, jornalista da SIC, fala do jornalismo e das revoluções EM AÇÃO INTERNACIONAL Descubra o que o petróleo está a provocar na vida dos nigerianos

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Revista trimestral da Amnistia Internacional sobre Direitos Humanos

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NOTÍCIASPORTUGAL

14 Publicação Trimestral • Série VI • P.V.P. €2Março 2012

DOSSIÊMÉDIO ORIENTE E NORTE DE ÁFRICAUm ano de revoluções que está longe do fim

ENTREVISTACândida Pinto, jornalista da SIC,fala do jornalismo e das revoluções

EM AÇÃO INTERNACIONALDescubra o que o petróleo estáa provocar na vida dos nigerianos

ÍNDICE03.EDITORIAL

04.ENTREVISTAA jornalista Cândida Pinto, da SIC, fala das revoluções no Médio Oriente e Norte de África

07.RETRATOO percurso de Donatella Rovera, Consultora Sénior da Amnistia Internacional para Resposta a Crises

09.EM FOCO

10.DOSSIERMÉDIO ORIENTE E NORTE DE ÁFRICA: Um ano de revoluções que está longe do fim

FICHA TÉCNICA• Propriedade: Amnistia Internacional Portugal• Diretor: Presidente da Direção, Lucília-José Justino• Equipa Editorial e Redação: Cátia Silva, Irene Rodrigues, Teresa Pina.• Colaboram neste número: Andreia Nunes, Departamento de Angariação de Fundos e Financeiro, Effat Mohamed,

Inês Braizinha, Lucília-José Justino, Mariana Belo, Mariana Guimarães, Martins Guerreiro, Raquel Maló Almeida.• Revisão: Alexandra Fonseca, Cátia Silva, Irene Rodrigues, Luísa Marques, Teresa Pina.• Conceção Gráfica e Paginação: Complementar, Lda.• Impressão: Relgráfica-Artes Gráficas

Fotografia de capa: Amnistia Internacional (Fotografia de Imran Uppal)Rapariga enverga um cartaz onde se lê: “Para uma Revolução pelos Direitos Humanos”

.

Avenida Infante Santo, 42 – 2.º1350-179 LisboaTel.: 213 861 652Fax: 213 861 782Email: [email protected]

Os artigos assinados são da exclusiva respon-sabilidade dos seus signatários. Excluída de Registo pela ERC

20.EM AÇÃO INTERNACIONALO que o petróleo está a provocar na vida dos nigerianos e o que a Shell podia ter evitado

22.EM AÇÃO NACIONALAs mais recentes novidades da secção portuguesa da Amnistia Internacional

27.EM AÇÃO JOVEMPara conhecer a Rede de Ação Jovem da Amnistia Internacional Portugal

28.BOAS NOTÍCIASNovidades sobre as pessoas ajudadas com os postais desta revista

29.APELOS MUNDIAISAinda há pessoas que precisam da sua ajuda

32. PRESTAÇÃO DE CONTAS

33.AGENDA/CARTOONOs próximos eventos e o cartoon do egípcio Mohamed EFFAT sobre as revoluções no Médio Oriente e Norte de África

34.CRÓNICAUma última homenagem aos ativistas Jorge Albuquerque e Zaida Garcez

© Privado

EDITORIALNotícias • Amnistia Internacional 03

Do Caos e da Esperança - O lugar da palavraPor Lucília-José Justino, Presidente da Direcção

“O mundo gira sobre palavras.”

José Saramago

Num mundo de comunicação global, mediatizado e veloz, cada imagem pare-ce valer mais do que dez mil palavras, quando nos traz as terríveis imagens da Síria, todo um caos em que população ci-vil e forças de oposição são brutalmente massacradas pelas forças repressivas do poder, as mesmas que, de todas as maneiras possíveis, procuram limitar a transmissão de imagens e o trabalho de jornalistas, repórteres de imagem e defen-sores de direitos humanos, como se, com isso, impedissem o mundo de saber, de agir em consequência e de ter esperança.

Perante tal brutalidade, que já antes ví-ramos na Líbia, no Kosovo, ou em Timor- -Leste, parecem desnecessárias pala-vras. Mas também podemos perguntar, o que faríamos nós sem elas? Quase nada. Afinal, para a Amnistia Internacional (AI), a palavra é um ato de turbulência, de testemunho, interpelador, desassos-segador, de resposta. É ativismo, salva-dor, familiarizador, humanizador.

Para a Amnistia Internacional, o poder das palavras (e das imagens) é o poder da informação, da sensibilização, do es-clarecimento, da mobilização, da solida-

riedade, da ação e da transformação.

A sabedoria popular, segundo a qual “a palavra é prata, mas o silêncio é ouro”, também diz que “corrente silenciosa é a mais perigosa”. Para nós, é possível uma aproximação à palavra e ao silêncio, na riqueza da sua oposição. Mas, cubra-se de ouro a palavra dita, escrita e grita-da contra as injustiças disfarçadas, as poses bem comportadas e os silêncios cúmplices.

As palavras libertam, embora elas pró-prias, muitas vezes, tenham que ser libertadas, numa errância pelas novas plataformas. Foi isso que inspirou a cam-panha “Freedom Dictionary”, a propósito da situação no Médio Oriente e Norte de África. Também o sucesso da Maratona de Cartas diz muito da crença no poder da palavra como agente transformador.

A ação da Amnistia passou sempre, ao longo destes anos, por técnicas de inter-venção com recurso à palavra como ins-trumento de mobilização (Cartas Apelo, Ações Urgentes, e-mails, redes sociais, cartas de lóbi, média, sessões públicas, formações, publicações, angariação de membros e de fundos, etc.). O passa-

do, o presente e o futuro da organização foram amplamente debatidos em 10 de Dezembro no Encontro Nacional de Ati-vistas (ENAI), que contou também com a presença de dirigentes internacionais da AI. Lembrámos Jorge Albuquerque, velho amigo, ativista e dirigente, que já não pôde assistir ao ENAI – e com ele recor-dámos outros companheiros de percurso, já desaparecidos.

Todos celebrámos o dia dos direitos hu-manos com velas – tal como se faz, em Londres, desde há 50 anos.

Dê-se à palavra o lugar principal. Até sempre!

Notícias • Amnistia Internacional 04

ENTREVISTACândida Pinto, jornalista da SIC“Está ao nosso alcance mudar alguma coisa no mundo”Em final de agosto do ano passado tornou-se famosa a imagem de Cândida Pinto no terraço do Hotel Corinthia, na Líbia, quando foi apanhada numa troca de tiros. Na altura o líder do país, Kadhafi, estava desaparecido, mas já antes, em março de 2011, a jornalista da SIC tinha estado na Líbia, sob o regime ditatorial. Numa entrevista ao “Notícias da Amnistia Internacional Portugal”, Cândida Pinto falou do jornalismo e das revoluções no Médio Oriente e Norte de África.

Por Cátia Silva

Amnistia Internacional (AI): Numa re-vista dedicada ao Médio Oriente e ao Norte de África, temos de começar pela sua última viagem, à Líbia, onde esteve em março e em agosto de 2011. Porquê a Líbia entre todos os países em rebelião?

Cândida Pinto (CP): Surgiu a oportuni-dade pela situação que se estava a vi-ver. Mas aconteceu ser ali, por nada de especial.

AI: Da primeira vez que foi, em março, vimo-la primeiro na fronteira da Tuní-sia e só depois na Líbia. Kadhafi estava no poder, por isso a sua entrada terá

sido autorizada pelas forças governa-mentais. Sendo assim, era claro que ia para lá para cobrir os acontecimentos da perspetiva do líder?

CP: Era absolutamente claro. O traba-lho feito durante o regime de Kadhafi era totalmente vigiado. Não tínhamos qualquer tipo de liberdade, ou melhor, podíamos andar de táxi e na rua, mas com uma enorme contenção. E com uma câmara de televisão éramos barrados em todo o lado por elementos policiais. Além disso, as próprias pessoas também tinham receio de falar. Ainda tentei junto de um amigo que vive em Tripoli, na ca-pital, perguntar se podia dar-me o con-

tacto de alguém com quem pudéssemos falar e ele foi claro: “é completamente impossível, porque as pessoas têm medo de ser vistas a falar com estrangeiros, pois podem sofrer represálias. Aqui fun-cionam os serviços oficiais e é com eles que é possível dialogar”. E de facto as coisas funcionavam exatamente assim.

AI: Mas não vos foi dado nenhum papel com regras ou orientações específi-cas?

CP: Não, mas sentimos na pele o rigor do sistema. Podíamos sair para tomar um café, mas não podíamos levar a câmara ou filmar sem alguém do Ministério estar presente. Estávamos sempre acompa-nhados. Todos os jornalistas estrangeiros que estavam em Tripoli foram colocados no mesmo hotel e dali saiamos em gru-pos, que podiam ter 10 ou 70 pessoas. E éramos levados às mesmas situações. Lembro-me de um dia que foi completa-mente ridículo, em que fomos todos, um autocarro cheio de jornalistas, ver um rebelde que eles tinham capturado.

AI: Deu para perceber se os jornalistas de lá têm as mesmas limitações?

CP: Não contactávamos com os jorna-listas de lá, mas exclusivamente com os elementos dos Serviços de Imprensa do regime de Kadhafi. Eu pedi para fazer uma reportagem sobre a baixa de Tripoli, para perceber como era a vida normal, e enviaram-me três pessoas para irem comigo, por ‘razões de segurança’: uma médica que tinha deixado as consultas para estar ao serviço do líder; um con-dutor e outro intérprete, caso necessário.

© Amnistia Internacional Portugal

Andei na rua com as três pessoas à mi-nha volta.

AI: Lemos que visitou, depois em agos-to, a prisão de Abul Salim, onde estive-ram presos os opositores de Kadhafi. Deu para perceber o que se terá passa-do lá dentro e como era viver no regime autoritário que durou 42 anos?

CP: Já em março deu para ter uma ideia, pela falta de liberdade que tínhamos: podíamos ir a manifestações organiza-das, encontros com elementos das tribos organizados, zonas específicas, que ti-nham sido conquistadas pelas forças de Kadhafi. Quando andávamos de táxi éra-mos interpelados por polícias e militares que nos pediam identificação e questio-navam qual o percurso que estávamos a fazer, com quem contactávamos...

Notícias • Amnistia Internacional 05

AI: E tudo isso mudou depois em agosto, quando Kadhafi já não estava no poder e se encontrava desaparecido?

CP: Totalmente. Foi uma mudança abso-lutamente radical. Existia uma enorme alegria entre as pessoas. Algumas di-ziam-me que se sentiam amputadas da sua própria identidade, porque quando saiam da Líbia todos associavam o país apenas a Kadhafi. Não havia mais ne-nhum elemento de identificação do país.

AI: Essa era muito provavelmente a in-tenção de Kadhafi: fechar complemen-te a Líbia ao exterior...

CP: E o país estava. As pessoas diziam--nos: “mais do que tudo, temos liberdade para dizer o que pensamos, para poder-mos sonhar com as coisas que podemos fazer e isso é uma mais-valia extraor-dinária”. Com frequência as pessoas convidavam-nos para irmos a sua casa. Eram de uma generosidade incrível. Fa-lavam abertamente e fiquei espantada com o número de pessoas, novos e ve-lhos, que falam inglês. Bem diferente da ideia fechada que temos do país. Per-guntei a alguns como aprendiam e eles diziam: filmes, jogos de vídeo, internet...

AI: Pensando na revolução que aconte-ceu no país, na verdade só poderia ha-ver na Líbia alguma abertura ao mundo. Senão como é que de um dia para o ou-tro as pessoas, que estavam totalmente

fechadas, conseguiam libertar-se?

CP: Há uma subcultura, claro. Quando estava lá, durante o regime de Kadhafi, por exemplo, houve alturas em que a in-ternet era encerrada, o Facebook era blo-queado e havia pessoas que conseguiam dar a volta. Havia claramente uma cultu-ra clandestina.

AI: Mas seria uma pequena minoria da população?

CP: Não sei... Sei que havia um medo enorme. As pessoas tinham medo de uma coisa pavorosa: desaparecer, elas próprias ou alguém da família. Porque isso acontecia. Alguém que dissesse mal do regime, ou que tivesse uma ati-tude que pudesse ser interpretada como ofensiva para o regime, podia ser levada, para ser presa, ou morta, enfim... E as pessoas viviam com esse medo. A prisão que referiu, de Abul Salim, era enorme e estavam lá muitas pessoas cujas famí-lias não sabiam do seu paradeiro. En-trevistei um americano que esteve seis meses preso. Foi apanhado no início do conflito, em março, e a família não sabia se estava morto ou vivo. Não houve ne-nhuma palavra sobre ele e também nin-guém lhe falava. Fizeram-lhe um primei-ro interrogatório e depois não voltaram a falar-lhe. Ele próprio achava que podia apodrecer ali.

AI: Havia esse medo generalizado, mas de repente, o que aconteceu?

CP: De repente houve uma força, obvia-mente com ajuda externa. E houve o con-tágio do Egito e da Tunísia.

AI: Quando a Cândida Pinto partiu para a Líbia, ia como jornalista – sabendo que alguns estavam a morrer no país –, como Ocidental – podendo ser um alvo privilegiado – e como mulher – quando a jornalista da CBS, Lara Logan, tinha sido violada no Egito. Ia com particular receio?

CP: Temos sempre de partir com o pres-suposto de que não há nada seguro nes-tas situações. Eu parto sempre como se fosse a primeira vez. Atrai-me imenso estes momentos de forte mudança. Acho que é um privilégio poder testemunhá--los, mas não ignoro os perigos que an-dam à volta...

AI: Mas sentiu particular receio por ser mulher?

“O trabalho feito durante o regime de Kadhafi era totalmente vigiado”

“As pessoas tinham medo de uma coisa pavorosa: desaparecer”

CP: Ser mulher, em algumas circunstân-cias, é mais complicado. Na Líbia não achei.

AI: Seriam já sinais de mudança – até porque as mulheres estavam ativas nas manifestações – ou será que tudo isto não passou de uma ilusão?

CP: Há várias coisas que é preciso ter em conta: a Líbia vivia num regime fechado há quatro décadas, tem uma população relativamente pequena – seis milhões de habitantes – num território tão vasto e rico, nunca houve partidos políticos... Estão agora a dar os primeiros passos. O que se passou na Líbia – e o que se está a passar no último ano no movimen-to conhecido como ‘Primavera Árabe’ – deve ser encarado como um pêndulo. Ou seja, eles estavam numa determinada situação, em muitos países num regi-me ditatorial, e o movimento natural do pêndulo é agora ir no sentido inverso, até encontrar um certo equilíbrio. Criar uma sociedade que seja mais igual para to-dos, com menos assimetrias, mais par-ticipativa e mais tolerante, vai demorar anos. Se olharmos para o que nos acon-teceu: tivemos o 25 de abril em 1974 e o que é que foram os anos seguintes? De-morou muito tempo a existir o mínimo de equilíbrio, às instituições democráticas se estabilizarem.

AI: Mas é esse o caminho que irão fazer também estes países?

CP: Eu acho que, para já, provavelmente vão caminhar para zonas radicais, antes de caminharem para lá. Porque também há outra coisa: ao contrário da população da Europa, que é envelhecida e tem a de-mocracia muito enraizada, nestes países há uma população muito jovem, que está familiarizada com as novas tecnologias e que se contagia por aí. São jovens que não estão organizados em partidos polí-ticos, em instituições. São coisas muito espontâneas.

AI: Talvez isso ajude a explicar porque começam a vencer as eleições parti-dos islâmicos, por exemplo…

CP: Exatamente. Assim acabam por ga-nhar os movimentos que se calhar não se estava à espera, como aconteceu no Egito, e os militares, porque são eles que

Notícias • Amnistia Internacional 06

estão organizados. Vai demorar tempo até ser desenhado um novo modelo nes-tes países. A democracia não é instantâ-nea, leva tempo e é difícil de construir. Não é um modelo que se fixa com cola.

AI: Até porque é verdade que estes mo-vimentos exaltaram os ideais da liber-dade e da democracia, mas ao mesmo tempo aconteceram situações como a da jornalista da CBS Lara Logan. Era uma coisa que poderia ter acontecido em qualquer outro lugar do mundo onde ocorressem movimentos semelhantes?

CP: Temos de ter sempre em conta que os movimentos de massas, com milhares de pessoas, são zonas de alerta, porque neles se permite tudo. Não controlamos. Podem estar 1.000 pessoas com uma determinada atitude e no meio estarem marginais, pessoas que querem criar

confusão, meros oportunistas...

AI: A Líbia foi o último país onde este-ve a trabalho, mas a Cândida Pinto tem feito a cobertura de vários conflitos e de catástrofes humanitárias. O que a move? É a tal mudança que vai poder testemunhar nos países ou fazer um jornalismo que faça a diferença?

CP: As duas coisas. Por um lado é uma coisa quase inata. Eu vejo as situações acontecerem e apetece-me ir para lá. É espontânea a vontade de participar, de ver e dar o meu testemunho. De envolver as pessoas que estão deste lado, no que se está a passar daquele lado. Dar-lhes ferramentas para analisarem as situa-ções e para se tornarem mais atentas. Portugal tem um deficit muito grande de interesse por questões internacionais e eu acho que isso só é mau para nós. O norte de África está do outro lado do mar, mais perto do que o norte da Europa. Mas fundamentalmente o que me move a mim é testemunhar alterações estru-turais que se passam nos países e que, muitas vezes, têm repercussões nas zo-nas onde vivemos. Porque hoje estamos completamente interligados.

AI: Mas a maioria das pessoas não pa-rece perceber isso e não quer saber o que se passa no mundo. Como é que se consegue despertar a atenção destes públicos?

CP: O que tento mostrar aos portugueses é a vida quotidiana das pessoas nesses países, porque é muito mais parecida com a nossa do que se pode imaginar. É preciso criar pontes entre as pessoas e se conseguirmos isso estamos a fazer alguma coisa importante.

AI: Como aliás se provou no caso da sua reportagem “Eu e os meus irmãos”, so-bre crianças órfãs de SIDA em Moçam-bique, que levou três espectadoras a criarem uma organização não governa-mental nesse país para trabalhar com essas crianças. Acredita que o jornalis-mo é, como se costuma dizer, o quarto poder (depois do executivo, legislativo e judiciário)?

CP: Acredito que temos um dever, uma missão de estarmos atentos, de não ser-mos indiferentes, de denunciarmos injus-tiças. E de dar às pessoas elementos para que possam formar as suas opiniões.

AI: Perderá o jornalismo esse poder

“Temos um dever, uma missão de estarmos atentos, de não sermos indiferentes, de denunciarmos injustiças”

face ao que se assistiu na ‘Primavera Árabe’: os próprios cidadãos fazerem a notícia, colocando vídeos na internet?

CP: Isso é um movimento que existe. É como querer parar o vento: está fora de questão. Nalguns casos ainda bem que existe, noutros não. Eu acho que não se substituem e que são complementares. Se analisarmos as notícias dos últimos tempos, as primeiras imagens que te-mos de grandes assuntos que marcam a atualidade internacional são amadoras, do telemóvel, sejam tsunamis ou revol-tas. Depois os média tradicionais am-pliam essas imagens. Têm por obriga-ção dar contexto, separar o trigo do joio, explicar, esclarecer e dar continuidade a esse trabalho.

“Está ao nosso alcance mudar alguma coisa. Basta querermos”

AI: E quando o jornalista faz tudo isso mas não consegue fazer a diferença? Quando a Cândida faz uma reportagem que não tem grande impacto?

CP: Acho que faz parte de qualquer pro-fissão. Todos temos melhores e piores momentos.

AI: Mas a responsabilidade é dos jor-nalistas ou será que os espetadores já estão demasiado imunes a imagens de mortos e feridos?

CP: Eu acho que há responsabilidades repartidas. Na minha opinião cabe aos jornalistas abrir o apetite das pessoas para a atualidade internacional. Fazer com que se interessem com que o se pas-sa no mundo. Há vida para além deste canto onde vivemos e às vezes há vida muito interessante. E cabe-nos tam-bém despertar nas pessoas o interesse para os ‘porquê’. Porque é que as coisas aconteceram assim? Como é que se pode evitar isso? É importante suscitar dis-cussões. Porque às vezes há coisas que estão ao nosso alcance, como aconteceu com as crianças de Moçambique. As três portuguesas mostraram que está ao nos-so alcance mudar alguma coisa. Basta querermos.

© Amnistia Internacional Portugal

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Quando o “Notícias da Amnistia Inter-nacional Portugal” falou com Donatella Rovera, Consultora Sénior da Amnistia Internacional para Resposta a Crises, a investigadora tinha acabado de ‘aterrar’ de mais uma missão no terreno. Desta vez na Líbia, onde já tinha estado no ano passado. “Nessa altura ia ficar duas semanas”, recorda, “mas a revolução evoluiu para uma guerra e tive de ficar três meses e meio [de fevereiro a maio]”. Conta que teve de dormir num hospital e que trabalhava ao mesmo tempo que “fugia dos rockets que caíam como chu-va”. Ossos do ofício... A conversa decor-reu ao telefone, a partir da sede da Am-nistia Internacional, em Londres, onde Donatella raramente está, diz, em jeito de introdução. Isto porque o seu papel é estar onde é mais precisa: nos países que atravessam situações de crise.

Se o jet lag afetaria muitos de nós, a Donatella não parece incomodar. Uma vantagem que lhe terá sido passada por “herança familiar”: filha de pai ar-gentino e mãe romena, é natural de Itá-lia, mas foi criada em França e, desde os tempos da Faculdade, vive no Reino Unido. À parte disso, a família não terá tido mais influência no que Donatella faz atualmente, até porque, diz: “não se interessam por Direitos Humanos”. Habi-tuada a ser a “ovelha negra”, no final da adolescência viajou para Londres para estudar Ciência Política, Árabe e Hebrai-co e prosseguiu com uma pós-graduação em Médio Oriente, Política e Economia. O

conflito israelo-palestiniano era um dos seus interesses e, por isso, quando se deu a Primeira Intifada (em 1987), Dona-tella voluntariou-se para ajudar no que fosse preciso. “Fui lá com regularidade. (…) Não era o trabalho voluntário para uma organização. Na altura, o volunta-riado não era tão formal”.

A ENTRADA NA AMNISTIA INTERNACIONAL

Com a frontalidade que a parece carac-terizar, Donatella Rovera esclarece des-de logo: “a Amnistia Internacional foi o meu primeiro trabalho a sério”. Até essa altura, ou seja, até perto dos 30 anos, dedicou-se aos estudos e ao voluntaria-do. Conta que, para além do conflito isra-elo-palestiniano, “trabalhou” no projeto Sudan Update, que publica informação sobre a situação no Sudão, procurando ter uma visão nem demasiado académi-ca, nem excessivamente jornalística. “O meu papel era ‘olhar’ para o que acon-tecia no país e disseminar e dissecar a informação”, conta. Uma experiência de investigação que certamente a ajudou quando, em 1990, surgiu a possibilidade de concorrer ao lugar de campaigner1 na equipa da Amnistia Internacional para o Norte de África2, mais concretamente para trabalhar sobre a Argélia, a Tunísia e Marrocos.

À semelhança do que acontece em mui-tas das Equipas Regionais da Amnistia, aquela para a qual Donatella entrou não era demasiado hierarquizada e, embora

campaigner, por vezes fazia investiga-ção. O resto foi obra do destino – ou força da sua própria vontade. “Quando comecei a trabalhar, a situação na Tunísia come-çou a deteriorar-se e mais ainda a da Ar-gélia”, recorda. Estávamos no início dos anos 90, quando neste último país ocor-reu uma guerra civil. “Lembro-me que era das poucas pessoas que lá ia, porque era muito perigoso [mais de 100.000 pessoas foram massacradas] e porque o Governo impunha uma segurança apertada que

RETRATODONATELLA ROVERA, CONSULTORA SÉNIOR DA AMNISTIA INTERNACIONAL PARA RESPOSTA A CRISESUma vida sempre de malas na mãoO “Notícias da Amnistia Internacional Portugal” conseguiu “apanhar” Donatella Rovera à chegada de mais uma missão ao terreno, desta vez à Líbia. Conheça a Consultora Sénior da Amnistia Internacional para Resposta a Crises, que está sempre de malas feitas para apoiar os diversos países do mundo quando estes mais precisam: em situações de crise.

Por Cátia Silva

© Amnistia Internacional (foto de Mark Allan)

cesso têm ficado gravados na História. A Consultora recorda o mais recente, o da Líbia, onde as informações que recolheu no terreno tiveram impacto, “porque era perigoso estar no local e, assim, havia pouca informação sobre o que se passa-va”. Por isso mesmo, Donatella acredita que os relatórios que publicou terão aju-dado a despertar a comunidade interna-cional e, quando lá esteve em 2011, a au-mentar a ajuda humanitária. Sobre esta última viagem à Líbia, em fevereiro deste ano, a Consultora relata evoluções, mas também novas dificuldades no terreno3, agravadas quando os “atores internacio-nais, ao nível governamental – que são quem toma as decisões em última ins-tância –, não querem ouvir o que orga-nizações como a Amnistia Internacional têm a dizer”. Mesmo assim, garantimos nós, vamos continuar a dizê-lo!

Notícias • Amnistia Internacional 08

1. Campaigner é alguém que planifica ações com vista a alterar determinada realidade. No caso da Amnistia Internacional o objetivo dos campaigners é, em termos gerais, que se consiga pôr fim às vio-lações de direitos humanos ou que se faça justiça.

2. A sede da Amnistia Internacional, em Londres, divide-se em vários departamentos, sendo que existem Equipas Regionais que trabalham quase todos os países do mundo. Em cada equipa, há campaigners e investigadores.

3. Mais informações sobre a situação no Médio Oriente e Norte de África no Dossiê desta revista.

eu consegui negociar”. Um espírito des-temido que – após um ano sabático no final dos anos 90 – voltou a revelar-se quando Donatella cobriu os territórios de Israel e da Palestina. Em 2006 esteve ainda a investigar a guerra que irrompeu no sul do Líbano.

A RESPOSTA A CRISES

O percurso de Donatella Rovera estava traçado, ou melhor, estava a ser esboça-do pela própria. “Com tudo isto eu já era investigadora sobretudo para as áreas de conflito”, diz, salientando: “foi uma ex-periência que construí, trabalhando so-bretudo em conflitos armados”. Por isso mesmo, quando há dois anos a Amnistia Internacional criou o cargo de Consul-tora Sénior para Resposta a Crises, fa-cilmente imaginamos que Donatella terá sido a escolha óbvia. Até porque o traba-lho que realiza hoje não é muito diferente do anterior, explica: “antes trabalhava num conjunto específico de países, ago-ra trabalho numa grande variedade. Em teoria, em qualquer lugar do mundo, dependendo para onde me enviam”. Nos últimos dois anos foi “enviada” para o Sahara Ocidental, Costa do Marfim, Su-dão, Tunísia e, mais recentemente, para a Líbia. Destinos definidos com base em

diversos critérios, como a necessidade e a possibilidade de trabalhar.

Não se pense, no entanto, que só desde 2010 a Amnistia responde a situações de crise, porque elas foram sempre trata-das pelas Equipas Regionais, esclarece. “Como estas trabalham quase todos os países do mundo, quando surgem crises também as cobrem. O que acontece é que nessas alturas é preciso mais pessoas para ajudar e mais gente especializada. É aí que eu entro”. Para que se perce-ba melhor a diferença de funções, use--se o exemplo da Síria, onde a Amnistia não pode entrar, enquanto organização não governamental. Sendo assim, Dona-tella não tem aqui nenhum papel, mas a Equipa que trabalha a Síria continua a analisar a situação, a partir da sede. Seja de Londres, ou com a Consultora Sé-nior no terreno, as “armas” da Amnistia Internacional são sempre as mesmas: investigação; denúncia, pelos meios de comunicação social e pela internet, e pressão sobre os atores que podem alte-rar os acontecimentos, com a ajuda dos membros, apoiantes e ativistas, que de todo o mundo enviam apelos ou petições.

É isto que faz, resumidamente, Donatella Rovera. O que acontece depois depende de muitos fatores, mas os casos de su-

© Amnistia Internacional

Donatella Rovera recolhe testemunhos numa zona onde ocorreram ataques israelitas, na Faixa de Gaza, janeiro de 2009.

Notícias • Amnistia Internacional 09

© Vikalpasl

Uma manifestação contra os desaparecimentos forçados.

EM FOCONa altura em que os países do Médio Oriente e Norte de África se encontram em destaque devido às insurreições por mais direitos, justiça social e dignidade, não podemos esquecer os povos de outros países que pedem exatamente o mesmo.Por Andreia Nunes

ETIÓPIALEI REPRIME A DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS

Há três anos, o Parlamento etíope apro-vou o Decreto das Instituições de Bene-ficência e Associações. Com esta lei, ao invés de promover o trabalho pela defesa dos Direitos Humanos, os governantes vieram restringi-lo, contribuindo para o alastramento das violações aos direitos de todos os etíopes.

A lei em questão exige que as organi-zações não-governamentais (ONG) se registem em uma das seguintes três ca-tegorias: 1) instituições de caridade ou associações etíopes; 2) instituições de caridade ou associações de residentes na Etiópia; 3) instituições de caridade ou associações estrangeiras. Apenas as que se inserem na primeira categoria podem

debruçar-se sobre questões relacionadas com os Direitos Humanos, não podendo receber mais de 10% do seu financia-mento do estrangeiro. Ainda quanto ao orçamento das ONG, esta lei restritiva acrescenta que apenas 30% pode ser utilizado em “custos administrativos”, não especificando quais as atividades que nesta parcela se inserem – o que pode significar que ficam sem meios para, por exemplo, investigar as viola-ções de Direitos Humanos.

Ainda a mesma lei criou a Agência das Instituições de Beneficência e Socieda-des, à qual atribuiu plenos poderes sobre as ONG, incluindo o de vigilância e envol-vimento direto na gestão e operações das mesmas e o de exigência da revelação de qualquer documento ou informação na sua posse – o que representa uma severa violação do direito à privacidade e pode

significar expor as vítimas ou testemu-nhas de violações de Direitos Humanos. As organizações que não cumprirem to-das as exigências arriscam-se a sofrer pesadas coimas ou a ver os seus funcio-nários serem detidos.

Todas estas medidas resultaram já na redução ou mesmo supressão do traba-lho das ONG presentes na Etiópia – como é, por exemplo, o caso do Conselho de Direitos Humanos e da Associação de Mulheres Advogadas. Isto significa que os etíopes estão cada vez mais despro-tegidos, uma vez que o próprio Estado reprime a atividade das pessoas que de-dicam a sua vida a defender a qualida-de de vida dos outros. Mais no relatório “Stifling Human Rights Work: The Impact of Civil Society Legislation in Ethiopia”, disponível na internet.

SRI LANKA DIREITOS HUMANOS AMEAÇADOS PELA CONSTITUIÇÃO

Durante cerca de 26 anos o governo do Sri Lanka combateu o grupo separatista Tigres de Libertação Tamil Eelam. Foi com este conflito que justificou atos como as detenções ilegais, os desaparecimentos forçados, as execuções extrajudiciais, a tortura de detidos e as perseguições de suspeitos – as chamadas “medidas de combate ao terrorismo”, previstas na sua própria Constituição. Mas, apesar da derrota dos separatistas em 2009, estas práticas continuam a ser frequentes no Sri Lanka. Anos depois, as detenções por longos períodos, sem provas, acusação e/ou julgamento ainda acontecem e os de-tidos encontram-se em risco de tortura.

Impera também o medo constante, uma vez que a liberdade de expressão não é respeitada e há registos de desapareci-mentos forçados de pessoas que criti-caram as ações do governo. Como terá acontecido, acreditam várias pessoas, a dois ativistas políticos que organizaram uma manifestação pela libertação de detidos sem acusação, no dia 10 de de-zembro de 2011. Os ativistas estão desa-parecidos, sendo que colegas seus creem que foram raptados pelo Exército.

Estes acontecimentos que assolam o Sri Lanka representam violações severas dos direitos humanos e têm de ser sanados o mais brevemente possível para que o povo do país possa viver sem medo, go-zando dos direitos de que sempre deve-riam ter usufruído.

Notícias • Amnistia Internacional 10

DOSSIÊMÉDIO ORIENTE E NORTE DE ÁFRICAUm ano de revoluções que está longe do fimQuando se assinala o primeiro aniversário das revoltas chamadas de ‘Primavera Árabe’, na região do Médio Oriente e Norte de África, o “Notícias da Amnistia Internacional Portugal” foi tentar perceber como está a situação nestes países e quais as consequências destas revoluções para o mundo.

Por Cátia Silva

O final do ano de 2010 deixava antever que grandes mudanças estavam para acontecer no mundo. Ainda em novembro, o site da Wikileaks, uma organização sem fins lucrativos, revela documentos con-fidenciais do Governo norte-americano causando um problema diplomático. Poucos dias depois, um dos seus funda-dores, Julian Assange, é acusado de coa-ção sexual e várias pessoas referem que terá sido preso por desafiar o poder dos Estados. A 17 de dezembro um cidadão anónimo imola-se pelo fogo, na Tunísia, acedendo um rastilho que hoje continua a arder. Começava a chamada ‘Primavera Árabe’: um conjunto de revoltas popula-res nos países do Médio Oriente e Norte de África que levou à queda de algumas di-taduras na região, que duravam há déca-das. Movimentos de cidadãos anónimos que decorreram durante todo o ano de

2011 e que ainda hoje abrem noticiários em todo o mundo.

A reforçar a importância destas revoltas esteve a atribuição do Prémio Nobel da Paz em 2011 a três mulheres, entre elas, Tawakkol Karman, uma das principais figuras da revolução no Iémen. Também o Prémio Sakharov para a Liberdade de Pensamento, do Parlamento Europeu, se-guiu para cinco ativistas destes protestos: Asmaa Mahfouz, que desafiou os egípcios a manifestarem-se através da exibição de vídeos no YouTube e nas redes so-ciais; Ahmed al-Zubair Ahmed al-Sanusi, ex-prisioneiro político líbio e membro do Conselho Nacional de Transição; Razan Zaitouneh, jurista, que divulgou homicí-dios e outras violações dos direitos hu-manos na Síria; Ali Farzat, cujos cartoons inspiraram a revolta na Síria e, por isso, as suas mãos foram cortadas, e, a título

póstumo, o tunisino Mohamed Bouazizi, o jovem que se imolou pelo fogo. Ainda em 2011, a revista Time nomeou o bloguista egípcio Wael Ghonim como uma das 100 pessoas mais influentes do mundo.

Tudo isto faz com que o ano passado seja, sem dúvida, aquele em que se exal-tou o “poder do povo” e a capacidade dos cidadãos para mudarem o mundo. Porém, vieram também novos desafios, novos perigos e novas ameaças. Assim, neste primeiro aniversário dos protes-tos no Médio Oriente e Norte de África, dedicamos o “Notícias da Amnistia In-ternacional Portugal” a estas revoltas, tentando perceber as suas implicações, aos mais diversos níveis: político, com a ajuda do ex-Presidente Jorge Sampaio; militar, com o ex-Vice-Chefe do Estado--Maior das Forças Armadas, General Loureiro dos Santos; religioso, com o

© Privado

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Líder da comunidade muçulmana de Lis-boa, Sheikh David Munir; económico, com Miguel Pacheco, Diretor Adjunto do site Dinheiro Vivo; e do ativismo, com Sarah Atkinson, Coordenadora Internacional da Juventude da Amnistia Internacional.

Antes, vamos olhar a situação na região, centrando-nos em cinco países: Tunísia, Iémen, Egito, Líbia e Síria. Ficam fora

deste Dossiê outras revoltas, igualmente importantes, nomeadamente a da Arábia Saudita, Argélia, Bahrein, Emirados Ára-bes Unidos, Irão, Iraque, Israel, Jordânia, Kuwait, Marrocos, Omã e Territórios Pa-lestinianos Ocupados. Estão todas no re-latório da Amnistia Internacional “Year of Rebellion: The State of Human Rights in the Middle East and North Africa”, dispo-

nível na internet e que serviu de base às páginas seguintes. As informações que veiculamos neste Dossiê são as disponí-veis à data de fecho desta edição (início de março).

Quando os livros de História referirem as revoluções no Médio Oriente e Norte de África terão de começar por Mohamed Bouazizi, o tunisino de 26 anos que, de-sempregado, resolveu dedicar-se à ven-da ambulante, proibida na Tunísia. Um dia as autoridades confiscaram-lhe os produtos e a 17 de dezembro de 2010 o jovem imolou-se pelo fogo. Um ato que deu início a uma série de protestos contra a pobreza, o desemprego, a ditadura e a corrupção. O momento alto ocorreu a 14 de janeiro de 2011, quando o Presidente Zine El Abidine Ben Ali, no poder há 23 anos, fugiu para a Arábia Saudita. Uma conquista apenas manchada pelos nú-meros: 300 mortos e 700 feridos, apon-tados por Juan Mendez, Relator Especial das Nações Unidas sobre Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desuma-nos ou Degradantes.

A 23 de outubro de 2011 decorreram na Tunísia as primeiras eleições livres des-de que o país se tornou independente de França (1956), para eleger a Assembleia Constituinte. Venceu o partido islâmico Ennahda, sem maioria absoluta, e o an-tigo prisioneiro político Moncef Marzouki

– que foi prisioneiro de consciência da Amnistia Internacional – tornou-se Pre-sidente, a 13 de dezembro. Os dirigen-tes têm agora de reformar o país, mas Donatella Rovera, Consultora Sénior da Amnistia Internacional para Resposta a Crises, acredita que têm a vida facilita-da, quando comparada com os restantes países da região, pois “a Tunísia não tem o legado de violência que caracteriza, por exemplo, a Líbia e poucas pessoas pos-suem armas”.

Talvez por isso, houve já vários desenvol-vimentos a registar:

iiiiiForam ratificados tratados interna-cionais, como os que visam acabar com a tortura e com os desaparecimentos forçados, bem como o Estatuto de Roma relativo ao Tribunal Penal Internacional.

iiiiiNovas leis da imprensa e do audio-visual aboliram restrições e trouxeram mais liberdade aos jornalistas.

iiiiiPartidos políticos antes banidos e or-ganizações não governamentais proibidas receberam aprovação para registo. O Mi-nistro do Interior referiu, em setembro de 2011, que tinham sido autorizadas 1.366

associações e 111 partidos políticos.

Foi dissolvida a Diretoria para a Se-gurança do Estado, a “polícia política”, conhecida pelas práticas de tortura, in-timidação e vigilância de defensores dos Direitos Humanos e jornalistas indepen-dentes.

Vários prisioneiros políticos foram li-bertados.

Várias questões continuam, porém, a preocupar a Amnistia Internacional:

As instituições do Estado – especial-mente as da Justiça e as forças de se-gurança – precisam de reforma, de modo a investigarem de forma independente os abusos de Direitos Humanos e a garanti-rem que não se repetem.

Embora os jornalistas tenham maior liberdade, alguns foram detidos por pu-blicarem, por exemplo, fotografias de mu-lheres nuas.

As forças de segurança continuaram a reprimir manifestações. E nas ruas os protestos mantêm-se pelo ritmo lento das reformas e pela falta de empregos, asso-ciados à pobreza.

TUNÍSIA . 17 DE DEzEMBRO DE 2010

© Christopher Belsten

Manifestantes envergam um retrato de Mohammed Bouazizi, o jovem que ao imolar-se pelo fogo acendeu a ‘Primavera Árabe’, na Tunísia, em janeiro de 2011.

Notícias • Amnistia Internacional 12

O ano de 2011 começava também agi-tado no Iémen, quando o Presidente Ali Abdullah Saleh, há 33 anos no poder, se propôs a mudar a Constituição, com o objetivo de permanecer indefinidamente no poder. Ativistas da sociedade civil e estudantes saíram às ruas para uma manifestação pacífica, a 22 de janeiro, e os protestos continuaram nos dias se-guintes porque Tawakkol Karman, Presi-dente da organização não governamental Women Journalists without Chains (que venceu em 2011 o Prémio Nobel da Paz), foi presa e acusada de organizar um pro-testo ilegal.

Às manifestações a polícia respondeu com violência, incendiando a população. A 3 de fevereiro, os protestos tinham-se tornado um movimento de massas. O Presidente recusa-se a renunciar até no-vembro, altura em que aceita finalmente entregar o poder ao Vice-Presidente, Abd al-Rab Mansur Hadi, e convocar eleições para fevereiro deste ano. Dos 10 meses de protestos fica o balanço: pelo menos 200 pessoas mortas e centenas de feridos.

No passado dia 21 de fevereiro decorre-ram as prometidas eleições e 60% da população do Iémen dirigiu-se às urnas. No boletim de voto constava apenas um candidato: Mansur Hadi, já em funções.

O novo Presidente do Iémen tem agora pela frente vários desafios:

A investigação às violações dos direitos humanos cometidas pelas forças de segurança durante os protestos e o seu julgamento. A bloquear este processo está desde logo o acordo realizado com o ex-Presidente, Ali Abdullah Saleh, que só aceitou entregar o poder em troca de imunidade. Não pode, por isso, ser julgado.

Solucionar a crise humanitária gerada pelo agravamento dos problemas sociais, políticos e económicos do país. O Iémen é o Estado mais pobre da região e “tem uma história de conflito armado tribal localizado, com muitas armas a circularem”, ressalva Donatella Rovera, Consultora Sénior da Amnistia Internacional para Resposta a Crises.

iiiiiiiiAlterar o papel tradicionalmente atribuído às mulheres pelas regras tribais vigentes no país, que as tornam cidadãs de segunda categoria, sendo discriminadas no casamento, nos divórcios, nas heranças e na custódia dos filhos. São frequentemente vítimas de violência.

IÉMEN . 22 DE JANEIRO DE 2011

© Reuters/Khaled Abdullah

Um dos muitos protestos antigovernamentais que decorreram no Iémen em janeiro e fevereiro de 2011.

© Reuters/Khaled Abdullah Ali Al Mahdi

As mulheres participaram nos protestos no Iémen, mas continuam a ser fortemente discriminadas pelas regras tribais que imperam no país.

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EGITO . 25 DE JANEIRO DE 2011Inspirados pela Tunísia, os egípcios con-vocaram a população para o chamado “Dia da Ira”. A 25 de janeiro de 2011 o povo saiu às ruas do Cairo e de outras ci-dades do país, em greve e exigindo liber-dade de expressão, o fim da brutalidade policial, do desemprego e do aumento do preço dos bens alimentares. Os protes-tos duraram apenas 18 dias, pois a 11 de fevereiro o Presidente do país, Hosni Mubarak, demitiu-se ao fim de 30 anos no poder. Apesar dos números oficiais referirem que houve, neste período, 840 mortos e 6.000 feridos, no final o am-biente era de festa.

Ainda a 11 de fevereiro, Mubarak entre-gou o poder ao Conselho Supremo das

Forças Armadas, com o aval da popula-ção, uma vez que durante os protestos os militares violaram as ordens do Pre-sidente de atirar sobre os manifestantes. O Conselho Supremo começou por convo-car eleições parlamentares, que tiveram início a 28 de novembro e durarão quatro meses, com o intuito de transferir o poder dos militares para os civis.

Houve outros desenvolvimentos a regis-tar:

iiiiiiiiO serviço de Investigações de Segu-rança do Estado – a polícia de Mubarak, conhecida pelas violações dos Direitos Humanos – foi desmantelado.

iiiiiiiiCentenas de prisioneiros em de-tenção administrativa (cuja prisão foi decretada pelo poder político e não pelo judiciário) foram libertados.

iiiiiiiiTem sido permitido o registo legal de partidos políticos, entre eles o principal da oposição: a Irmandade Muçulmana.

iiiiiiiiForam autorizados Sindicatos inde-pendentes e a sua filiação a Federações nacionais e internacionais.

iiiiiiiiHosni Mubarak e altas figuras das suas forças de segurança estão a ser julgados por violações dos Direitos Hu-manos.

Porém, muitas questões continuam a preocupar a Amnistia Internacional:

iiiiiiiiMantém-se o Estado de Emergên-cia, que permite limitar a liberdade de expressão. Os manifestantes, que con-tinuam nas ruas, são agredidos, deti-dos e torturados. Donatella Rovera, da Amnistia Internacional, acrescenta que o Egito “é um país de 90.000 pessoas, com problemas sociais e económicos. Por isso, a frustração da população é maior que noutros países da região”.

iiiiiiiiAs greves estão proibidas.

iiiiiiiiÉ necessária autorização para os jornalistas escreverem artigos que criti-quem o Conselho Supremo. Vários jornais tiveram algumas edições confiscadas e

programas de televisão foram cancela-dos.

iiiiiiiiAs organizações não governamen-tais têm sido ameaçadas e algumas fo-ram investigadas por estarem proibidas de receber fundos do exterior. Porém, como não havia no país estas entidades, muitas têm a sua sede em países oci-dentais.

iiiiiiiiOs tribunais militares – destinados a julgar crimes cometidos por membros das Forças Armadas no exercício das suas funções – estão a ser usados para o julgamento de jornalistas, bloguistas e juízes. Entre janeiro e agosto de 2011, os números oficiais referiam 12.000 julga-mentos. Muitas pessoas foram condena-

das à morte. A aplicação da pena capital foi, de resto, alargada para poder ser aplicada para casos de “vandalismo” e “perturbação da paz”.

iiiiiiiiHá relatos de raparigas manifes-tantes que foram presas e forçadas a testes de virgindade, correndo o risco de serem acusadas de prostituição caso não sejam virgens.

iiiiiiiiHá registo de discriminação contra minorias religiosas.

iiiiiiiiMantêm-se elevados níveis de po-breza e têm ocorrido desalojamentos for-çados nos bairros degradados do país.

© Amnistia Internacional

Manifestantes na praça central do Cairo, Praça Tahrir, no Egipto, em junho de 2011.

IÉMEN . 22 DE JANEIRO DE 2011

Notícias • Amnistia Internacional 14

LÍBIA . 16 DE FEVEREIRO DE 2011

Um dos apoiantes do Presidente egíp-cio Hosni Mubarak foi sempre o Coronel Muammar Kadhafi, que há 42 anos go-vernava a Líbia com mão de ferro. Cinco dias após a queda do ditador egípcio, a 16 de fevereiro, os líbios saíram às ruas da segunda cidade do país, Benghazi, para protestar contra a detenção de um ativista dos Direitos Humanos. Nesse dia, vários manifestantes foram presos e os números, não consensuais, aponta-ram logo para 20 mortos e 200 feridos. Os protestos continuaram, com os ma-nifestantes a tentar entrar na capital, Tripoli. “No final de fevereiro os protestos tinham evoluído para um conflito arma-do”, refere Donatella Rovera, da Amnistia Internacional.

O uso excessivo da força pelas autorida-des – que faz com que o número (mais consensual) de baixas desta revolta aponte, até agora, para os 30.000 mortos e 70.000 feridos – obriga a comunidade internacional a atuar, com o Conselho de Segurança das Nações Unidas a autori-zar, a 17 de março de 2011, uma ação militar na Líbia para “proteger civis”. A ofensiva é liderada pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (conhecida pela sigla inglesa NATO). Em agosto, os opositores do regime conseguem tomar a capital. Muammar Kadhafi é encontrado a 20 de outubro perto da sua cidade na-tal, sendo assassinado pelo seu próprio povo. Três dias depois a coligação das

forças da oposição, o Conselho Nacional de Transição, anuncia a libertação da Líbia e forma um novo governo. As elei-ções, a cumprir-se o prazo, ocorrerão em junho.

Sendo este um país, ressalva Donatella Rovera, onde “tudo tem de ser construí-do a partir do zero” – não havia partidos políticos, meios de comunicação social livres ou organizações não governamen-tais” – até hoje, a Amnistia Internacional destaca sobretudo dois desenvolvimen-tos:

iiiiiiiiMaior liberdade de expressão, com a população a criticar livremente o regi-me deposto.

iiiiiiiiA multiplicação de organizações da sociedade civil, de grupos políticos e de meios de comunicação social.

A Consultora da Amnistia Internacional acrescenta que “a Guerra terminou, mas persistem enormes problemas que têm a ver com a proliferação de armas e com o número muito elevado de milícias não controladas – normalmente civis que fi-zeram a revolução e não têm formação militar –, que não respondem a ninguém e são, na verdade, quem tem algum po-der no país”. Assim, muitas questões continuam a preocupar a Amnistia In-ternacional:

iiiiiiiiSão frequentes as detenções arbitrá-rias de alegados soldados ou apoiantes

de Kadhafi e de opositores às milícias. Em dezembro de 2011 o Comité Internacional da Cruz Vermelha referia 8.500 presos.

iiiiiiiiDiscriminação de Africanos sub-sarianos a viverem no país, tidos como mercenários usados por Kadhafi para matar civis. Estão a ser perseguidos e presos, sem distinção.

iiiiiiiiEmbora se fale livremente do an-terior governo, a população recusa-se a denunciar os abusos que têm visto ser cometidos agora. Donatella Rovera ajuda a explicar: “as pessoas têm medo de di-zer o que as milícias estão a fazer porque se podem tornar um alvo delas”.

iiiiiiiiOs detidos pelas milícias são, por regra, vítimas de tortura e maus-tratos, por vezes até à morte. É comum haver execuções extrajudiciais para os prisio-neiros que “admitem” terem sido pró- -Kadhafi.

iiiiiiiiTodos os presos são julgados nos chamados “comités judiciais”, fora da moldura legal aos quais foi atribuída competência de facto para libertar ou decretar prisão.

iiiiiiiiA impunidade é total, não havendo investigação ou julgamento de nenhuma destas violações dos Direitos Humanos.

© Amnistia Internacional

Líbios veem fotografias de pessoas desaparecidas afixadas numa parede, em abril de 2011.

Notícias • Amnistia Internacional 15

Inspirados pelos casos da Tunísia e Egito, os sírios tentam até hoje pôr fim a mais de 40 anos de governação da família al-Assad: primeiro de Hafez, de 1970 a 2000, e desde então do seu filho, Bashar. O episódio que despoletou as revoltas, a 15 de março de 2011, é elucidativo da repressão vivida pela população, contam os portugueses Tiago Carrasco, João Fon-tes e João Henriques (ver caixa), que en-tre 2 e 7 de fevereiro de 2012 estiveram no país: “15 miúdos em Dara’a, no sul do país, escreveram no muro da escola: «A Síria quer a queda do regime». Foram to-dos presos e os pais, indignados, foram à esquadra pedir a libertação. A resposta da Mukhabarat [Serviço de Informações] foi: «Esqueçam estes filhos e se não qui-serem fazer mais, deem-nos as vossas mulheres para vos fazermos outros»”.

Em poucos dias, as manifestações alas-traram a quase todo o país e elementos do Exército desertaram para formar o Exército de Libertação Sírio, que lidera o movimento de revolta. Bashar al-Assad reagiu, introduzindo algumas reformas: mudou o governo; levantou o Estado de Emergência em que o país vivia há 48 anos e que permitia detenções arbitrá-rias; aboliu o Supremo Tribunal de Se-gurança Estatal, usado para decretar a prisão dos críticos do governo e amnis-tiou prisioneiros. Passaram também a ser admitidas manifestações pacíficas e o registo de partidos políticos – até aqui

só existia o Baas – sob determinadas condições.

Medidas que não convenceram os ma-nifestantes. Porquê? Um dos episódios relatados pelos três portugueses no blog do projeto ‘Estrada da Revolução’ ajuda a explicar o desejo de vingança, que se tem espalhado que nem um rastilho: “Abriram-nos caminho para um quintal de uma casa e, sem nos explicarem mais nada, abriram-nos o portão de uma arre-cadação. No meio da escuridão, dois cor-pos: o de Anood Mahmoud Ramadan, de 17 anos, e o de Dalal Rahal, de 14. (...) Pouco antes, as duas primas estavam com mais 40 camponeses, na maioria miúdas como elas, a colher batatas num campo agrícola próximo do aeroporto. Fo-ram atacadas por rajadas de metralha-doras e bombas disparadas por tanques do exército de Bashar al-Assad”.

A arbitrariedade também se aplica às detenções, não sendo inédito as forças de segurança entrarem numa cidade e levarem todos os rapazes com mais de 15 anos. Para os presos, a regra é receberem “as boas-vindas” com tortura, que por vezes resulta em morte. Uma realidade que al-Assad tem tentado ocultar, proi-bindo a entrada a grupos de direitos hu-manos, como a Amnistia Internacional, e a jornalistas estrangeiros (que entram clandestinamente, tendo pelo menos 21 destes profissionais perdido a vida – oito

na Síria, cinco na Líbia, três no Iémen, dois no Egito, dois no Bahrein e um na Tunísia – entre janeiro de 2011 e final de fevereiro, segundo dados do Comité de Proteção de Jornalistas). Por tudo isto, é impossível conhecer ao certo, até hoje, o número total de baixas desta rebelião, mas o Alto Comissário para os Direitos Humanos das Nações Unidas referiu, em março, que pelo menos 7.500 pessoas terão já perdido a vida. A tudo isto so-ma--se a queda da economia do país e o aumento diário do número de refugiados e de deslocados junto às fronteiras.

Perante este cenário, o Conselho de Se-gurança das Nações Unidas tentou, em outubro de 2011 e no último mês de feve-reiro, aprovar uma resolução condenando a violência e impondo sanções à Síria. A Rússia e a China vetaram as duas pro-postas. À hora de fecho deste Dossiê o Conselho de Segurança das Nações Uni-das tentava chegar a acordo com os dois países sobre as medidas a adotar.

SÍRIA . 15 DE MARÇO DE 2011

ESTRADA DA REVOLUÇÃOUm ano depois do der-rube do Presidente tu-nisino Ben Ali, a 14 de janeiro de 2012, três jovens portugueses partiram para a região para desen-volver um “projeto jornalístico que visa perceber as transformações desencadeadas pelas revoluções no Mundo Árabe através de uma viagem por dez países do Médio Oriente e do Magreb – Turquia, Sí-ria, Líbano, Jordânia, Israel, Egito, Líbia, Tunísia, Argélia e Marrocos– –, terminando em Lisboa”, lê-se no site oficial do projeto ‘Estrada da Revolução’. Os seus nomes são Tiago Carrasco, jornalista, João Fontes, repórter de imagem, e João Henriques, fotógrafo. Regressam a 25 de abril e estão a documentar tudo em www.estradadarevolucao.com/blog.

© Amnistia Internacional (foto de Imran Uppal)

Protesto contra as violações aos Direitos Humanos que continuam a ocorrer na Síria, em Londres, a 11 de fevereiro de 2011.

Notícias • Amnistia Internacional 16

Amnistia Internacional (AI): Almeida Santos, ex-Presidente da Assembleia da República, mostrou receio que as revoluções no Médio Oriente e Norte de África possam chegar à Europa. Será um receio fundado?

Jorge Sampaio (JS): Se me pergunta so-bre um possível nexo entre as revoluções árabes e as manifestações dos “indig-nados” a que se assistiu um pouco por toda a parte no final do ano passado, parece-me que pode haver um certo movimento de “indução” ou contágio no sentido em que as revoluções árabes re-cuperam a ideia – de resto central das democracias – de que a soberania resi-de na vontade popular! Não obstante, há uma diferença fundamental – nos paí-ses árabes a reivindicação comum tem sido a de “mudança de regime político” no sentido do fim dos regimes autoritá-rios e da instauração de regimes demo-cráticos. Na Europa, os movimentos dos indignados têm tido lugar no seio de re-gimes democráticos, são movimentos de protesto contra isto ou aquilo, mas não de mudança de regime.

Mas há um outro ponto que quero su-blinhar e que está subjacente à sua pergunta: a meu ver, a estabilidade na Europa não depende tanto de fatores exógenos, mas endógenos. Basta olhar para o clima económico, social e político na Grécia, basta analisar a evolução em alguns países de mais recente democra-cia na União Europeia (a Hungria, por exemplo), basta olhar para os países em que os movimentos de extrema-direita e o populismo têm aumentado (Países Bai-xos, por exemplo), para nos darmos conta que algo vai mal e (…) que se prende com uma crise do Estado, uma crise do projeto europeu e um mal-estar social

crescente no seio da União Europeia.

AI: Em Outubro de 2011 os jornais noticiavam que a FRONTEX (Agência Europeia de Gestão da Cooperação Operacional nas Fronteiras Externas) registou um aumento no número de imigrantes ilegais a entrarem na Euro-pa na ordem dos 80% e associou tal facto à ‘Primavera Árabe’. O que é que tem a dizer sobre isto?

JS: As informações de que disponho não corroboram os dados que refere. No ter-ceiro trimestre de 2011 houve de facto um aumento de tentativas de entradas ilegais, mas de 11% e nem sequer pro-vém dos países da chamada “Primavera Árabe” (mas do Paquistão, da Nigéria e do Afeganistão, segundo a FRONTEX). Depois, os picos migratórios provenien-tes da Líbia que se registaram há um ano cessaram desde que o Conselho de Transição Nacional passou a controlar Tripoli em agosto passado. Agora há uma coisa que me parece evidente: se os novos regimes democráticos não con-seguirem atacar o problema do emprego e, num prazo razoável, não conseguirem produzir resultados concretos e elevar o nível de vida das populações, não só a pressão migratória para a Europa (...) tenderá a aumentar, como a instabilida-de, a insegurança e a polarização tende-rão a crescer em toda a região, incluindo na União Europeia. Para atalhar esta situação a tempo, só um maciço plano de desenvolvimento - com o apoio das instâncias internacionais (da Liga Ára-be, ao Conselho de Cooperação do Golfo, passando pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, pelo Banco Mundial e pela União Europeia)– – parece suscetível de disponibilizar os recursos necessários para democratizar

e desenvolver o mundo árabe, aproxi-mando assim as duas margens do Medi-terrâneo e criando um espaço comum de desenvolvimento.

AI: Pensando em aproximação, na re-gião ganharam poder alguns partidos islâmicos, o que causa receio a muitos ocidentais...

JS: A democracia não se esgota, mas passa pela realização de eleições livres. Importa que os seus resultados – sen-do válidos e legítimos – sejam aceites, quer se simpatize ou não com eles. Isto faz parte do pluralismo democrático. Eu penso que é necessária ainda muita pe-dagogia e diálogo para se desconstruí- rem mitos, estereótipos e preconceitos que por vezes ditam tomadas de posição e motivam receios infundados. (...)

AI: A maior parte destes países foram colónias europeias. Agora parecem querer definir uma política externa in-dependente da Europa.

JS: A história nem sempre se inscreve num espaço euclidiano a uma dimen-são: pelo contrário, reveste quase sem-pre várias dimensões e, ao longo dos tempos, pode haver clivagens que se assemelham a ruturas. Depois, o cha-mado Ocidente também não é homogé-neo, aliás sabemos bem que até no seio da União Europeia não tem sido fácil – e nem sempre possível – acertar uma po-lítica externa única. Isto significa que a palavra “Ocidente” traduz uma unidade que, por vezes, quando se olha para a realidade é pura ficção. Por fim, o que quero sublinhar é que me parece que vivemos uma época de grandes ajusta-mentos que podem levar a realinhamen-tos de alianças e a novos equilíbrios de poder e forças à escala mundial.

AS REVOLUÇõES DA PERSPETIVA POLÍTICAPor Jorge Sampaio, Alto Representante da Organização das Nações Unidas para o Diálogo das Civilizações

© UN Photo/OCHA/David Ohana

Centenas de refugiados alinham-se para receber ajuda humanitária. É mais uma das consequências das revoluções no Médio Oriente e Norte de África.

Notícias • Amnistia Internacional 17

Amnistia Internacional (AI): Para al-guns especialistas, as revoluções no Médio Oriente e Norte de África vieram aumentar a ameaça terrorista, porque, por exemplo, na Líbia desapareceram mais de 500 mísseis e em alguns outros países há uma forte presença do grupo terrorista Al Qaeda. Neste sentido, as rebeliões podem ser uma ameaça para a segurança internacional?

General Loureiro dos Santos (GLS): O extremismo jihadista tem aproveitado bem as oportunidades que lhe foram abertas pelas revoltas árabes. Não só na Líbia, que permitiu que a AQIM (Al Qaeda do Magrebe Islâmico) reforçasse o seu arsenal bélico e fornecesse armas aos extremistas em ação no Sahel e nas suas franjas a Sul, mas também no Iémen, onde a AQAP (Al Qaeda da Península Ará-bica) conseguiu criar uma região santu-

ário e controlar algumas cidades, uma das quais a cerca de 130 quilómetros da capital Sana. Na Síria, uma das razões pelas quais muitos países ocidentais temem a queda de Assad é a possibili-dade de se apoderarem do país sunitas extremistas ligados à Al Qaeda. Tudo isto não significa o reforço da Al Qaeda Central, praticamente desmantelada pelas táticas de contra terrorismo dos Estados Unidos da América com aviões não tripulados. Limita-se ao aumento das capacidades de organizações jiha-distas que disputam o poder em certas regiões, mas têm reduzida capacidade de projeção global.

AI: Como comenta o facto de a Amnistia Internacional ter revelado que várias armas continuam a entrar na região, vindas de países Europeus e dos Es-tados Unidos da América. Recorde-se

que na União Europeia esse comércio é proibido, pois teme-se que as armas sejam usadas para violar Direitos Hu-manos?

GLS: Frequentemente, a política dos Es-tados fundamenta-se nos seus interes-ses e as regras que prometeram seguir são pura e simplesmente ignoradas, se constituírem empecilhos que a eles se oponham.

AI: Nesta fase, em que alguns dos paí-ses foram já a eleições, estão a vencer partidos islâmicos. De que modo pode isso afetar as relações com os países do “Ocidente” ou não islâmicos?

GNS: Os interesses ocidentais serão muitas vezes afetados, até porque os novos decisores terão em maior atenção a vontade do “povo árabe”, que, gene-ricamente, tem uma perceção negativa dos países ocidentais.

Amnistia Internacional (AI): Com as eleições que estão a decorrer em al-guns dos países onde houve revolu-ções, o poder parece estar a ficar na mão dos partidos islâmicos…

Sheikh David Munir (SDM): E porque é que isso está a acontecer? Porque eles sempre estiveram no terreno. Como há no Islão o pilar da caridade (tenho de dar aos pobres ou às instituições, anu-almente, 2,5% dos meus rendimentos), aquelas pessoas que têm instituições religiosas nos países islâmicos têm a obrigatoriedade de apoiar, porque rece-bem esses donativos e com eles apoiam as pessoas. E quem recebe um pão todos os dias de um amigo, se esse amigo se candidata, é normal que o vá apoiar. Por isso nesses países esses partidos aca-baram por ter um certo relevo.

AI: E no “Ocidente” isso causa um cer-to receio...

SDM: Nós aqui no Ocidente não estamos

habituados, no terreno, a ver as ativida-des que desenvolvem e só acreditamos naquilo que nos dizem – a comunicação social às vezes acrescenta muito – ou no que os outros dizem sobre eles. Então ficamos com um certo receio. O ignoran-te não sabe o que é a Sharia, a Lei Is-lâmica. A Lei Islâmica é misericórdia, é igualdade, é justiça. A ideia que as pes-soas têm é completamente oposta.(…)

AI: O receio é então infundado?

SDM: Há movimentos religiosos nos paí- ses islâmicos que acabam por aprovei-tar um pouco a situação ou o estatuto que têm. No Ocidente as Igrejas tinham muito mais confiança no passado do que agora, por tudo o que se foi descobrindo e que chocou [numa clara referência aos casos de pedofilia]. Não significa que toda a Igreja seja assim, mas vai crian-do desconfiança. É exatamente o mesmo que tem vindo a acontecer com a Lei Is-lâmica. O ser humano confia muito nos

religiosos e muitas pessoas aproveitam---se dessa situação.

AI: O problema não é então religioso. Não importa que seja a lei Sharia no poder. Interessa mais quem são as pessoas que estão no poder, religiosas ou não?

SDM: Eu acredito que alguns religiosos são sinceros, como alguns políticos não religiosos são sinceros. (…) O que acon-tece é que cada pessoa tem o seu mérito na sua área, na sua profissão. Quando as pessoas estão habituadas a ver um reli-gioso a dedicar-se à solidariedade, quan-do este depois quer assumir outro papel, pode acabar por complicar a situação. (...) Mas estes países não deverão passar por grandes extremos agora, porque não são como o Afeganistão. Têm uma outra preparação. Tudo vai depender agora da Sharia que querem implementar.

AS REVOLUÇõES DA PERSPETIVA MILITAR

AS REvOLUçõES DA PERSPETIvA RELIGIOSA

Por General Loureiro dos Santos, doutorado em Ciências Militares, conferencista e autor, foi Vice-Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas e Chefe de Estado-Maior do Exército

Por Sheikh David Munir, Líder da comunidade muçulmana de Lisboa/Imã da Mesquita Central de Lisboa

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Amnistia Internacional (AI): As rebeliões no Médio Oriente e Norte de África começaram na Tunísia. Embora se as-sociem de imediato as revoluções aos desejos de liberdade, acredita que foi a situação económica que esteve na origem dos acontecimentos?

Miguel Pacheco (MP): Acho que a eco-nomia está sempre na génese dos pro-blemas. As discriminações – raça, cre-do, cor – produzem sempre diferenças e desvantagens sociais e económicas para determinados grupos. As expectativas individuais – mais liberdade, melhor qualidade de vida – carregam sempre o desejo de melhores condições económi-cas. E isso é natural.

AI: Estes países eram marcados, pre-cisamente, pela desigualdade social, pela ausência de classe média e pela existência de uma elite muito favoreci-da, concorda?

MP: A maioria das ditaduras assenta em assimetrias económicas e na ausência

de uma classe média moderna, reivin-dicativa e tendencialmente democrática. A Primavera Árabe é uma revolução de aspirações e expectativas, uma tentati-va popular para minimizar o fosso entre a classe politicamente privilegiada e os mais pobres.

AI: Sendo estes países produtores de petróleo, facilmente se poderia imagi-nar que há dinheiro para todos e não apenas para uma elite...

MP: Está tudo na assimetria na distri-buição de recursos. Os regimes auto-cráticos ou menos democráticos tendem a concentrar em alguns a gestão da ri-queza disponível. Sobretudo – e no caso do petróleo isso é evidente – quando a exploração dessa riqueza ainda exige al-gum investimento.

AI: É expectável que tudo mude agora? Estão a ocorrer mudanças em termos políticos, mas como ficará a situação económica da região?

MP: Acho difícil que tudo mude rapida-

Amnistia Internacional (AI): A revista Time nomeou as 100 pessoas mais in-fluentes do mundo em 2011 e indicou Wael Ghonim, um jovem egípcio que trabalha na Google e usou as redes sociais para incitar a revolta que co-meçou a 25 de janeiro do ano passado. É mais uma prova de que a Internet e as redes sociais são, de facto, muito poderosas, especialmente para o ati-vismo. Concorda?

Sarah Atkinson (SA): A Internet e as tecnologias digitais são uma ferramen-ta realmente muito boa para o ativismo de Direitos Humanos, mas são uma fer-ramenta. Não são poderosas em si pró-prias, mas porque põem as pessoas em contacto. As pessoas é que influenciam a mudança.

AI: Há quem defenda que foi graças às novas tecnologias que estas rebeliões

foram possíveis...

SA: As pessoas sempre se relacionaram. Quando falamos de redes sociais não é algo que está online, são as redes das pessoas: a sua família, os seus amigos, a sua comunidade e todos com quem se relacionam. No ativismo as coisas não são diferentes. Se pensarmos no movi-mento de jovens na Sérvia que derrubou Slobodan Milosevic [no ano 2000], não tinham muito acesso à internet e aos meios que agora estão disponíveis, mas conseguiram encontrar forma de se mo-bilizarem, de comunicarem, de usarem as suas redes sociais eficazmente para conseguirem a mudança.

AI: Acredita então que as revoluções teriam sido possíveis sem as redes so-ciais?

SA: Claro. A ‘Primavera Árabe’ não se

tornou possível de repente graças a es-ses meios. Essa é uma forma simplis-ta de olhar para as pessoas na região do Médio Oriente e Norte de África, que durante muitos anos trabalharam até conseguirem chegar a um ponto em que foi possível terem tantas pessoas na rua ao mesmo tempo e – particularmente no Egito – pessoas de diferentes contextos (cristãos, islamitas,…), todos unidos e a apoiarem-se uns aos outros. Estas alian-ças e essa unidade é produto de muitos anos de trabalho duro. Mas claro que foi ótimo poderem usar as redes sociais, a internet e as ferramentas digitais para se mobilizarem mais depressa, para po-derem fazer as coisas de forma anónima e para chegarem a todo o mundo. Foi algo que ajudou a tornar os aconteci-mentos mais emocionantes, mas não foi o mais importante.

mente. Só um Estado democrático, par-ticipativo e com estruturas de regulação de poder consegue distribuir riqueza e promover crescimento. Acho que veremos uma transferência de poder – e de rique-za – das mãos de uns para outros, sem que a base que beneficia dessa riqueza cresça muito.

AI: E que consequências económicas haverá para o Ocidente, originadas por estas revoluções? Algumas notícias têm feito a ligação entre o aumento do preço do petróleo e as movimentações no Médio Oriente e Norte de África, mas há também quem diga que é apenas uma desculpa para justificar o aumento dos preços.

MP: Muitos dos regimes que estão agora sob pressão democrática utilizam o con-dicionamento da produção como forma de pressão diplomática. Acaba por ser um ato de gestão política para travar a pres-são ocidental em alguns casos e regular o acesso de alguns grupos à produção.

AS REVOLUÇõES DA PERSPETIVA ECONÓMICA

AS REVOLUÇõES DA PERSPETIVA DO ATIVISMO

Por Miguel Pacheco, Diretor Adjunto do site Dinheiro Vivo

Por Sarah Atkinson, Coordenadora Internacional da Juventude da Amnistia Internacional

Notícias • Amnistia Internacional 19

AI: Onde estavam então a crescer estes movimentos?

SA: Eles não existiam necessariamente enquanto aquilo a que se chama ‘mo-vimentos’, mas havia certamente uma longa história de ativistas a trabalha-rem na região pela mudança social. Este movimento – destas pessoas diferentes a juntarem-se de forma organizada – é produto de planeamento. Mas não me parece que todas aquelas pessoas que estavam nas ruas existissem enquanto ‘movimento’, juntos, na clandestinidade. A diversidade de pessoas que vimos reu-nidas foi um dos elementos mais inte-ressantes e também um dos fatores que fez com que tenham conseguido ser bem sucedidos no que estavam a tentar fazer na altura. Foram capazes de criar uma mensagem comum entre todas aquelas pessoas diferentes, que estavam ali por tantas razões diferentes.

AI: Para além de existirem ativistas na-cionais a trabalharem para este resul-tado final, diz-se que tiveram também uma grande ajuda de pessoas de fora, dos “países Ocidentais”. Concorda?

SA: Sim. Tem sido interessante ver pesso-as – não necessariamente ativistas – de países fora da região tentarem partilhar as suas capacidades e competências com os que estão na região, apoiando---os nos seus protestos. Por exemplo, no Bahrein as pessoas estão a usar o Skype para perceber como realizar operações para remover balas e estes ensinamen-tos são passados por estudantes de me-dicina.

AI: É interessante que estes movimen-tos sejam essencialmente de jovens, quando muitas vezes no mundo se fala-va da sua apatia. Foi surpreendente?

SA: Penso que no caso do Médio Oriente e do Norte de África o facto de bem mais de metade da população ter menos de 30 anos, na verdade quase dois terços da população, faz com que não seja dema-siado surpreendente as revoltas serem lideradas por eles. No caso do que tem acontecido noutros locais, com os movi-mentos Ocupa, é mais surpreendente ver isso mesmo. Não acredito que estas pes-soas não estivessem a fazer nada antes e que tenham, de repente, começado a ser ativos. Penso é que se espalhou uma nova energia, um novo eco entre os jovens

enquanto pessoas que naturalmente se querem relacionar, mudar o mundo e que têm a capacidade para o fazer. As rebeliões deram um encorajamento para se chegarem à frente e olharem para o ativismo de outra forma, que não apenas escrever petições ou fazer manifesta-ções. O conceito de ativismo é algo que tem sido reinventado constantemente pelos jovens.

AI: Mas todas as facilidades que as redes sociais e a Internet trouxeram para o ativismo não podem ter um lado “perverso”? Por exemplo, é muito fácil inventar ou ficcionar que se está numa determinada situação. Ou o entusiasmo ser tanto que facilmente se excedem determinados limites.

SA: Essa é uma preocupação pertinente quando se trata de jovens, porque com a vontade de agirem, se não tiverem as ferramentas, os métodos e a orientação certos, pode ser perigoso. É por isso que há uma grande responsabilidade para organizações não governamentais, como a Amnistia Internacional, e para outros movimentos da sociedade civil, de asse-gurarem que trabalham com os jovens para canalizar essa energia incrível no caminho correto. Se ignorarmos os jo-vens, os ostracizarmos e os mantivermos fora do debate e das decisões que vão afetar as suas vidas, arriscamo-nos a que canalizem a energia para algo que não é benéfico para a sociedade.

AI: Para além disso, enquanto as redes sociais e a internet ajudam ao ativis-mo, são também usadas pelos gover-nos para detetar e reprimir ativistas. Logo, são também perigosas para o ativismo?

SA: Concordo. Tão rápido quanto os ati-vistas conseguem encontrar uma forma de se organizarem, de se relacionarem online, há governos a usarem as mes-mas ferramentas para os seus propósi-tos, para fazerem censura, reprimirem e condenarem ativistas. Há exemplos de governos que usam o Facebook para criar organizações falsas e recrutar pessoas, de forma a detetar nas redes sociais mo-vimentos contra o governo. Além disso, os mesmos vídeos que servem para mos-trar as manifestações no YouTube, são usados para identificar pessoas e puni---las. É uma grande preocupação. Não é,

de todo, uma ferramenta só usada para o bem.

AI: Mas se calhar tal também aconte-cia com outras ferramentas usadas no passado pelos ativistas. Não é um pro-blema só da Internet?

SA: Claro. É uma batalha constante. À medida que os Serviços de Informações descobriam os locais onde os ativistas se encontravam, era preciso encontrar outros.

AI: Resumindo, a internet é uma boa ferramenta para o ativismo, mas não substitui (e não deve substituir) outras formas de fazer ativismo, correto?

SA: Sim. É uma ferramenta que põe as pessoas em contacto e que permite a in-formação viajar de forma mais rápida e barata. Depois podemos fazer com ela o que quisermos. Se quisermos fazer ati-vismo, é preciso criar boas estratégias, perceber como alcançar os alvos e saber como os influenciar. Tem de se ter visão estratégica.

© Sarah Carr

Protestos no Egito, em fevereiro de 2011.

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Quando nos grandes centros urbanos o ritmo de vida acelera, facilmente ima-ginamos o cenário idílico de uma cidade com um estilo de vida mais rural, onde as pessoas vivem do que a Natureza lhes dá, como o peixe e a agricultura. As crianças podem estudar, mas também brincar nas ruas. Porque aqui, há tem-po... Estas não são fantasias tiradas de um filme. Era assim a vida de cerca de 69.000 pessoas da cidade de Bodo, no Delta do rio Níger, sul da Nigéria, perten-centes ao povo indígena Ogoni. Um sonho a 50 quilómetros da capital do estado de Rivers, Port Harcourt, que no final dos anos 50 começou a tornar-se um pesa-delo, quando foi descoberto petróleo na região pela Shell British Petroleum (hoje denominada Royal Dutch Shell), que na Nigéria tem como subsidiária, a operar, a Shell Petroleum Development Com-pany of Nigeria. Nas últimas décadas, a exploração petrolífera tem destruído o Delta do Níger – e consequentemente a vida dos seus habitantes –, devido aos derrames de petróleo que são cada vez mais frequentes.

Um documento diplomático revelado pela Wikileaks dá conta que os derra-mamentos de petróleo na região do Del-ta do Níger são praticamente diários. E embora todos eles ajudem a aumentar a poluição, a maioria, felizmente, não tem a carga devastadora dos derrames que ocorreram no Bodo em 2008, primeiro em agosto, depois em dezembro. “A 28 de agosto chamaram-me dizendo que tinha havido um derrame de petróleo. Quando lá cheguei, vi que ia para além do que tinha imaginado. À medida que a maré

Nigéria:É altura de apontar o dedo à Shell

O Delta do Níger, na Nigéria, ficou nas últimas décadas conhecido pelos derrames de petróleo que ocorrem numa base diária. Os mais graves aconteceram no Bodo, em 2008, e talharam a vida de 69.000 pessoas. A Shell podia ter evitado tudo isto. Leia, indigne-se e atue!

veio com o petróleo, entrou para os tan-ques onde tínhamos os peixes e cobriu-os completamente. Vi todos os meus peixes morrerem num dia”, recordou Christian Lekoya Kpandei, de 50 anos, que tinha uma fábrica de peixe, à missão de in-vestigação da Amnistia Internacional ao local, em maio de 2011. O petróleo terá ficado a verter durante 72 dias e a 7 de dezembro de 2008 um segundo derrame, também no Bodo, durou 77 dias, tendo espalhado mais crude que o primeiro

acidente.

Os dois derramamentos mataram não apenas o peixe de Lekoya, mas toda a vida existente no rio e nas zonas circundantes– – como o burrié, que era o sustento de Ce-cilia Teela, de 51 anos. Afetaram ainda o solo de muitas famílias de agricultores. “A minha mulher ainda cultiva, mas a colheita tem vindo a diminuir. Antes, a batata-doce tinha uns 70 centímetros. Agora tem 20 ou 30. E o mesmo aconteceu

Imagens da cidade do Bodo, antes e depois dos derrames de 2008.

podia-se comprar peixe por 50 nairas nigerianas (0,25 Euros). Agora temos de pagar 300 ou 500 nairas nigerianas (1,5 ou 2,5 Euros) por um peixe”, revelou Regina Porobari, de 40 anos. E tudo isto são, uma vez mais, “apenas” os danos “visíveis a olho nu”, pois está por apurar como os derrames poderão ter afetado a saúde dos Ogoni. Um relatório publicado pelas Nações Unidas deixa algumas pis-tas, referindo que os hidrocarbonetos que constituem o petróleo “podem entrar nos corpos ao respirar, tomar banho, comer peixe ou beber água” e que os seus efei-tos podem ir de doenças de pele a cancro ou perturbações causadas pela neuroto-xina (toxina que provoca lesões no siste-ma nervoso, levando à paralisia).

Tudo isto aconteceu na Nigéria perante a passividade da Shell, que podia (e devia) ter evitado que a situação chegasse a este extremo. E perante a passividade do governo nigeriano, que podia (e devia) ter protegido os seus cidadãos – embora tal pudesse não ir de encontro aos seus inte-resses económicos, uma vez que o setor do petróleo e do gás contribui 79,5% para as receitas do Estado. Acresce à falta de vontade política a impotência das duas agências que no país deveriam impor o cumprimento de normas pelas petrolífe-ras: o Departamento de Recursos Petrolí-feros e a Agência Nacional para a Dete-ção e Resposta a Fugas de Petróleo. Um cenário idílico não para os habitantes do Bodo, mas para empresas como a Shell. Agora que leu tudo isto, convidamo-lo a atuar.... No âmbito da campanha da Am-nistia Internacional “Exija Dignidade”, é altura de apontar o dedo à Shell e de exi-gir que cumpra as suas obrigações. Tudo o que tem de fazer é recolher assinaturas para a petição que vai ser entregue à companhia petrolífera e que encontra na parte central desta revista. Ajude o povo Ogoni a recuperar a sua vida!

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à mandioca”, revelou um habitante que quis manter o anonimato. A Emmanuel Kuru coube ainda pior sorte, porque o petróleo cobriu completamente as suas terras: “não me parece que alguma coi-sa vá crescer ali nos próximos 20 anos”, lamentou. E se tudo isto é bem visível, o que mais surpreendeu Audrey Gaughran, Diretora da Amnistia Internacional para Assuntos Globais, foi a revelação, pelas Nações Unidas, da devastação existente debaixo do solo: “as pessoas queixavam---se da poluição na água, nos riachos e rios, mas há também devastação a nível subterrâneo, por isso, quando se cavam poços, a água que se extrai está conta-minada e as pessoas têm-na bebido”.

A RESPOSTA qUE TARDA EM CHEGAR

Quando os dois derrames ocorreram no Bodo, a Shell, responsável pelos oleo-dutos, deveria de imediato ter contido a fuga de crude, indicam as normas nigerianas, nomeadamente o Oil Pipe-lines Act, de 1956, o Petroleum Act, de 1969, e o Environmental Guidelines and Standards for the Petroleum Industry in Nigeria. Na realidade, a Shell só regis-tou o primeiro acidente a 5 de outubro e o petróleo verteu, em ambos os casos, durante semanas, sem qualquer expli-cação. Para além disso, a Shell tinha 24 horas para começar a limpar a região e deveria conseguir apagar as marcas dos derrames em 30 dias. Há três anos que os Ogoni aguardam que esta norma seja cumprida. A petrolífera disse recen-temente que o processo está a ser difi-cultado por questões relacionadas com a sabotagem e roubo de petróleo (que

danificam os oleodutos) – crimes que já ocorriam antes, mas que se tornaram mais frequentes com o passar dos anos e com a ausência de fontes de subsistên-cia alternativas para a população.

Talvez tal não acontecesse se a própria Shell tivesse cumprido outra das suas obrigações: remediar os Ogoni pelos da-nos causados, o que, segundo as normas nigerianas, deveria ter acontecido entre 30 a 60 dias após os derrames. As leis internacionais detalham que remediar inclui: compensar economicamente, in-vestigar com transparência as ocorrên-cias e sancionar os responsáveis. Quanto a este último ponto, as populações não estão incluídas no processo de investi-gação (obrigatório) aos acidentes, que está a decorrer de forma muito pouco transparente – até porque parece denun-ciar a deficiente manutenção dos oleo- dutos. Em termos económicos, a Shell reconheceu – oito meses após os derra-mes – que as fontes de subsistência das populações tinham sido afetadas e deu 100 sacos de arroz, de feijão, de açúcar, de chá, entre outros, para os 69.000 ha-bitantes do Bodo. Mantimentos que nem sequer chegaram para todos... E como não se pode pescar, cultivar ou recolher água, os Ogoni vivem agora em pobreza extrema.

Alguns habitantes têm conseguido em-prego na construção e como guardas, enquanto os mais jovens procuram tra-balho em Port Harcourt. Contudo, o mer-cado não está preparado para empregar 69.000 pessoas. E enquanto não se en-contra solução, os Ogoni têm de comprar tudo o que comem ou bebem e os pre-ços, naturalmente, dispararam. “Antes

Mais informação sobre a situação na Nigéria no relatório da Amnistia Internacional: “The True ‘Tragedy’: Delays and Failures in Tackling Oil Spills in the Niger Delta”, de 10 de novembro de 2011.

© Amnistia Internacional

Cecilia Teela, de 51 anos, tinha no burrié o sustento da sua família. Os derrames mataram todos os animais das zonas circundantes ao rio.

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MÉDIO ORIENTE E NORTE DE ÁFRICA:

vAMOS AJUDAR, LIBERTANDO PALAvRAS!

Conheça a mais recente ferramenta da Amnistia Internacional Portugal, o Freedom Dictionary, que está a causar sensação. Saiba quais as alterações estatutárias realizadas na Assembleia Geral Extraordinária e tudo o que aconteceu no Encontro Nacional de Ativistas da Amnistia Internacional. Apresentamos-lhe ainda a nova Diretora Executiva.

As revoltas no Médio Oriente e no Norte de África não teriam sido possíveis sem palavras. Foram elas que uniram pes-soas de diferentes credos. E foram elas que foram gritadas nas ruas, exigindo liberdade. Sendo assim, foram também as palavras, em conjunto com os ma-nifestantes que as proferiram, as fortes responsáveis pela queda de ditaduras que duravam há várias décadas.

Como forma de assinalar o primeiro aniversário das revoluções, a 11 de fe-vereiro de 2012 a Amnistia Internacional organizou um Dia de Ação Global, em todo o mundo, e nessa altura a secção

portuguesa juntou-se à agência de pu-blicidade TORKE para lançar o “Freedom Dictionary”. Um dicionário que irá conter apenas as palavras que todos ajudar-mos a libertar, via Facebook. Até à hora de fecho desta edição, tinham já sido li-bertadas mais de 19.000 palavras, mas 136.000 continuavam “silenciadas”.

Todas elas só podem ser libertadas até ao dia 3 de abril, quando serão impres-sas 11 cópias do “Dicionário da Liberda-de”, a serem enviadas – a 3 de maio, Dia Mundial da Liberdade de Imprensa – aos responsáveis de 11 países onde os pro-testos ainda continuam: Arábia Saudita,

Argélia, Bahrein, Egito, Iémen, Irão, Ira-que, Líbia, Marrocos, Síria e Tunísia.

Está à distância de um clique homena-gear as revoluções do Médio Oriente e Norte de África, ajudando a captar aten-ção para a sua causa. Tudo o que tem de fazer é aceder a www.freedomdictionary.org, ligar o seu Facebook e escolher uma palavra. Depois de a libertar, o seu perfil ficará associado à “sua” palavra e o seu nome fará parte do “Freedom Dictionary”, enquanto “libertador”. Depois só tem de partilhar esta ação… Porque a sua pala-vra pode ter mais poder do que pensa!

© TORKE

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Realizou-se a 26 de novembro uma As-sembleia Geral Extraordinária da sec-ção portuguesa da Amnistia Internacio-nal, dada a necessidade de realizar uma revisão estatutária. Uma carência senti-da pelas incongruências e contradições detetadas no documento, fruto de suces-sivas alterações, ocorridas durante anos, internamente e no movimento internacio-nal (que cada vez se pretende mais “One Amnesty” ou “Uma só Amnistia”). A alte-ração aos Estatutos exigiu, por sua vez, mudar o Regulamento Eleitoral e as Nor-mas de Enquadramento e Regulamento das Estruturas Operacionais da Amnistia Internacional Portugal (que incluem os Núcleos ou Grupos Locais, os Núcleos ou

Grupos Sectoriais e os Cogrupos). As mu-danças foram propostas por um grupo de ativistas voluntários e resultou de meses de trabalho. Os novos documentos estão agora disponíveis em www.amnistia-internacional.pt (Quem Somos/Amnistia em Portugal / Estatutos/Contas).

Como exemplo das alterações realizadas, refira-se que a Amnistia Internacional Portugal era a única secção da organi-zação a manter um sistema eleitoral de lista fechada, para a eleição dos seus Órgãos Sociais (Assembleia Geral, Con-selho de Responsabilização e Controlo e Direção). Todas as outras já faziam elei-ções de voto nominal. Com a alteração aos

ASSEMBEIAS GERAIS DA AMNISTIA INTERNACIONAL PORTUGAL

Estatutos, já será este o sistema a adotar na próxima Assembleia Geral Ordinária da Amnistia Internacional Portugal, que decorre a 31 de março, pelas 09h30, na Escola Superior de Comunicação Social, em Lisboa. Serão aqui eleitos os novos Órgãos Sociais da secção e serão discu-tidos e aprovados: o Relatório de Ativida-des e Contas de 2011, os Planos Estraté-gico e de Atividades e o Orçamento para 2012. A Amnistia Internacional agradece à Escola Superior de Comunicação So-cial, uma vez mais, a disponibilidade para a realização deste evento.

ENCONTRO NACIONAL DE ATIVISTAS DA AMNISTIA INTERNACIONAL

REFLETIR SOBRE O PASSADO, PRESENTE E FUTURO

Decorreu nos dias 10 e 11 de dezembro de 2011, em Lisboa, mais um Encontro Nacional de Ativistas da Amnistia Inter-nacional (ENAI), uma oportunidade para ativistas, membros e apoiantes debate-rem temas relacionados com o trabalho da AI e dos Direitos Humanos (DH) que, este ano, não esqueceu os 50 e 30 anos que se completaram sobre a criação da Amnistia Internacional e da AI Portugal, respetivamente.

Tratou-se, pois, de uma ocasião propícia à reflexão no seio do movimento sobre o rumo que tem vindo a trilhar e os de-safios que emergem da sociedade e das

políticas de impacto global, mas também uma oportunidade de reforçar sinergias com o exterior, desfrutar de momentos de aprendizagem e de partilha de infor-mação, que reforçam a abertura da AI às comunidades.

A presença de elementos do Secretaria-do Internacional e do Comité Executivo Internacional permitiu conhecer a abor-dagem estratégica dos órgãos decisores e executivos da Amnistia em relação a algumas problemáticas contemporâ-neas. Desde logo, a assunção de uma orientação geoestratégia assente no po-tencial de crescimento da organização

no hemisfério sul; para além de uma necessária interdependência dos DH com as questões de desenvolvimento e de di-reitos ambientais, em que a campanha da dignidade e o combate à pobreza são um bom exemplo. Foi, igualmente, assu-mida a aposta na criação de um sistema de resposta a situações de crise, baseado na monitorização de violações em todo o mundo e na definição de prioridades, a chamada “cobertura estratégica” e, aci-ma de tudo, o aprofundamento do concei-to de One Amnesty, ou seja, partilha de recursos, de informação, de técnicas de ação, de parcerias e de boas práticas.

Por Raquel Maló Almeida, Relatora para o ENAI e membro do Grupo 19/Sintra da Amnistia Internacional Portugal

© Amnistia Internacional Portugal

Ativistas participantes do Encontro Nacional da Amnistia Internacional Portugal numa ação no Largo de Camões, com o intuito de chamar a atenção do público para os casos de violações dos direitos humanos que faziam parte da Maratona de Cartas 2011 (mais no “Em Ação Jovem” desta revista).

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1 Painel 1 do ENAI, com Julio Torales, membro do Comité Executivo Internacional da Amnistia; Armando Borlido, da Direção da Amnistia Internacional; Victor Nogueira, Vice-Presidente do Conselho de Responsabilização e Controlo da Amnistia Internacional e Melanie Morais, da Direção da Amnistia Internacional. 2 Sessão Temática sobre “Direitos Humanos e Conflitos”, com Alexandra Magnólia Dias, Investigadora Auxiliar do Centro de Estudos Africanos e Professora Auxiliar Convidada do Departamento de História do ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa; Jorge Almeida, jornalista e Paulo Moura, jornalista. 3 Painel 2 do ENAI, com Tânia Alves, do Grupo Local 33/Aveiro da Amnistia Internacional Portugal; Colm O’Cuanachain, Diretor Sénior de Campanhas da Amnistia Internacional; Sarah Atkinson, Coordenadora Internacional da Juventude da Amnistia Internacional, presente através de uma mensagem de vídeo e Ana Ferreira, da Direção da Amnistia Internacional.

© Amnistia Internacional Portugal © Amnistia Internacional Portugal © Victor Nogueira1 2 3

7 Continuação do Painel 3 do ENAI, com Ana Ferreira; Nuno Delgado, Presidente da Escola de Judo Nuno Delgado e Ana Monteiro, Coordenadora de Campanhas da Amnistia Internacional Portugal. 8 Sessão temática sobre “Crianças e Direitos Humanos”, com António Belo, da Direção da Amnistia Internacional Portugal; Fernanda Freitas, jornalista e Presidente Nacional do ‘Ano Europeu do Voluntariado 2011’ e Manuel Almeida dos Santos, Coordenador do Cogrupo sobre os Direitos da Criança da Amnistia Internacional Portugal. 9 Os ativistas da Amnistia Internacional Portugal na sala que acolheu os vários Painéis e Sessões Temáticas.

© Julio Tolares © Amnistia Internacional Portugal © Amnistia Internacional Portugal7 8 9

No âmbito das sessões e intervenções de caráter formativo, sublinha-se a sua diversidade. Assim, foi apresentada uma análise comparativa do panorama de Direitos Humanos nos PALOP (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa), em particular, do reflexo dos preceitos inscritos na Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) nas cinco Constituições nacionais [Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe]; por outro lado, houve lugar a uma intervenção sobre a prática da mutilação genital feminina, que atu-almente é objeto de uma campanha da AI a nível europeu e que é uma realidade comprovada em Portugal, em particular na comunidade proveniente da Guiné---Bissau. Ainda no âmbito da saúde, foi transmitida uma abordagem às relações entre o direito à saúde e o desenvolvi-mento das populações e, na perspetiva dos médicos, os dilemas diários com que se confrontam e a forma como circuns-tancialmente podem passar de socor- -ristas a próprias vítimas.

Relativamente aos direitos económicos, sociais e culturais, foi feita uma apre-sentação sobre a realidade da China, especialmente interessante no atual contexto de crescimento económico, em que as inúmeras violações são aparen-temente toleradas pela comunidade internacional. Contudo, ficou a nota de que, gradualmente, têm aumentado as movimentações sociais no país, nome-adamente com recurso à internet para difundir informação para o estrangeiro.

No que respeita ao ativismo desenvolvi-do pela AI em prol da abolição da pena de morte, para além do enquadramento histórico e de algumas referências literá-rias, foi traçado o mapa e o diagnóstico atuais. Assistiu-se, também, a uma re-flexão sobre a importância dos ativistas portugueses se empenharem na defesa do abolicionismo, pese embora a circuns-tância de Portugal ser abolicionista.

Outra temática com tradição na AI passa pelos direitos das crianças e, neste con-texto, foi possível contactar com duas formas de ativismo, complementares,

SESSõES E INTERVENÇõES FORMATIVASuma mais focada no respeito pelos di-versos instrumentos legais vigentes na ordem internacional e que permanecem como uma promessa adiada; e, outra, centrada em práticas de promoção dos direitos das crianças junto das próprias, com todas as especificidades e exigên-cias que esta abordagem requer.

Por último, em termos de intervenções de âmbito formativo, destaque para o e-activism, que inventariou algumas das vantagens e desvantagens desta nova condição para o utilizador de internet, que deixa de ser passivo, passando também a ser fonte de informação. Estas novas formas de ativismo permitem maiores audiências, maior diversidade geográfi-ca, maior debate e denúncia quase em tempo real; porém, pode constituir-se como um fator que exclui a participação de potenciais ativistas (não é univer-sal), pode polarizar opiniões e atitudes, alterar a perceção sobre determinados assuntos e provocar “decréscimo” do ativismo convencional ou clássico, mais militante.

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© Victor Nogueira © Amnistia Internacional Portugal © Julio Torales4 5 6

4 Sessão Temática para “Debater a Amnistia”, com Ana Ferreira; Ana Gésero, do Grupo de Juristas da Amnistia Internacional Portugal; Melanie Morais e Maria Ângela Pires, Ex-Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Amnistia Internacional Portugal. 5 Painel 3 do ENAI, com Maria Teresa Nogueira, Coordenadora do Cogrupo da China da Amnistia Internacional Portugal; Ricardo Ferreira, Tesoureiro da Direção da Amnistia Internacional Portugal; Luís Braga, Coordenador do Cogrupo da Pena de Morte da Amnistia Internacional Portugal e Padre Leonel Claro, da Plataforma Por Dafur. 6 Continuação do Painel 3 do ENAI, com Cláudia Pedra, Coordenadora Executiva do projeto de Combate ao Tráfico de Pessoas do Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais; Maria Ângela Pires; Luís Silveira, Ex-Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Amnistia Internacional Portugal e Manuela Góis, Vice-Presidente da UMAR-União de Mulheres Alternativa e Resposta.

© Amnistia Internacional Portugal10 6

10 Ativistas da Amnistia Internacional Portugal em mais uma oportunidade de convívio do ENAI.

Paralelamente, de entre as intervenções proferidas por representantes de outros organismos, sobressaem três temas: o direito à privacidade, o tráfico de seres humanos e conflitos armados contempo-râneos. Neste domínio, cumpre constatar que as populações civis são cada vez mais instrumentalizadas pelas partes beligerantes, em conflitos cada vez mais entre atores não estatais. Esta perceção levou ao desenvolvimento do conceito “R2P” – responsability to protect, que confere à comunidade internacional legi-timidade para intervir, cabendo à AI um papel irrenunciável de sentinela. Foi, ain-da, referido que a resposta para estreitar a longa distância entre o panorama de princípios consagrados ao nível do direi-to internacional e a respetiva aplicação prática em cenários de conflito armado, passa por uma ação preventiva, de edu-cação, de divulgação, de sensibilização.

Em matéria de direito à privacidade, regista-se um crescendo de situações reportadas às entidades encarregues de regular a proteção de dados, quer ao ní-

INTERvENçõES E OUTROS ORGANISMOSvel das relações laborais, quer pessoais, tendo sido consensual que o direito à privacidade merece a atenção de organi-zações como a AI e exige estudo e acom-panhamento a nível internacional.

No que respeita ao tráfico de seres hu-manos, extremamente lucrativo e violen-to, acaba por ser muito silenciado devi-do às ameaças veladas de represálias, facto que dificulta a investigação e o co-nhecimento da realidade. Contudo, como exemplo de boa prática, foi explicado o conceito de ativismo comunitário, que visa a criação de comunidades hostis ao tráfico, através da informação sobre o tema, tendo em vista a identificação e denúncia de vítimas e violadores.

Note-se, ainda, que houve espaço para uma abordagem aos direitos das mulhe-res, devidamente contextualizada pela luta e pelos progressos ao longo dos tem-pos, cuja promoção e defesa continua a ser uma necessidade, considerando os diferentes quadrantes em que há registo de violações: família, trabalho, política, saúde e sexo.

O ENAI foi também uma oportunidade de convívio, de colocar em prática algum ativismo e de troca de experiências, de partilha de dificuldades e frustrações, mas de contágio de ânimo e energia.

A verdade é que 50 anos após a criação da AI, o trabalho dos ativistas permane-ce como motor de uma organização que, melhor ou pior, tem sabido adaptar-se a contextos políticos, sociais e económicos que mudam de forma cada vez mais rá-pida, permitindo-lhe sobreviver e manter relativamente intacto o seu papel na comunidade internacional. O estudo, a investigação e o debate sobre alguns dos conceitos e temáticas emergentes, bem como sobre novos fenómenos não pode menosprezar os princípios fundadores da AI: a promoção da DUDH, a defesa das vítimas de violações (os nomes, rostos), a independência e o rigor da sua inves-tigação, de modo a perpetuar a eficácia global das suas campanhas.

AGRADECIMENTOS

Para a realização do Encontro de Ativistas da Amnistia Internacional contámos com o apoio da CulturBica-Associação para o Desenvolvimento Social, Cultural e Educativo, do Hotel Borges, do restaurante “Limoncello”, da fábrica “Pastéis de Belém” e do DJ Joseph Silva. A todos o nosso mais profundo agradecimento.

Notícias • Amnistia Internacional 26

GRUPOS E NÚCLEOS DA AMNISTIA INTERNACIONAL(grupo, localidade, coordenador, email, blogue)

GRUPO 1/LisboaCoordenador a designar: [email protected]; http://grupo1aiportugal.blogspot.com/ GRUPO 3/OeirasLucília-José Justino: [email protected] 6/PortoVirgínia Silva: [email protected]; http://aiporto.blogspot.com GRUPO 14/LourosaValdemar Mota: [email protected] 16/Ribatejo NorteYvonne Wolf: [email protected] 19/SintraSusana Gaspar: [email protected]; http://blog-19.blogspot.com ; http://grupo19aisp.no.sapo.ptGRUPO 24/viana do CasteloLuís Braga: [email protected] GRUPO 32/LeiriaMaria Fernanda Ruivo: [email protected] GRUPO 33/AveiroAlexandra Monteiro: [email protected]; http://amnistiaveiro.blogspot.com/

NÚCLEO DE ARCOS DE vALDEvEZCoordenador a designarNÚCLEO DE COIMBRABárbara Barata: [email protected]; nucleoaicoimbra.blogspot.comNÚCLEO DE CRIANçAS (vila Nova de Famalicão)Vitória Triães: [email protected] NÚCLEO DE ESTREMOZMaria Céu Pires: [email protected]; amnistiaestremoz.blogspot.comNÚCLEO DE GUIMARÃESCristina Lima: [email protected] NÚCLEO DO OESTE / CALDAS DA RAINHA Teresa Mendes: [email protected]; http://aioeste.blogspot.comNÚCLEO DO PORTOAndré Rubim Rangel: [email protected] NÚCLEO DE TORRES vEDRASAna Lopes: [email protected]; http://blog.comunidades.net/aitorresvedrasCOGRUPO DA CHINAMaria Teresa Nogueira: [email protected] SOBRE OS DIREITOS DAS CRIANçASManuel Almeida dos Santos: [email protected]; cogrupodireitosdascriancas.blogspot.comCOGRUPO CONTRA A PENA DE MORTELuís Braga: [email protected]; http://contrapenademorte.wordpress.comGRUPO DE JURISTASJosé Bernardino: [email protected]ÚCLEO LGBTManuel Magalhães: [email protected]; http://lgbtamnistia.blogspot.com

Se ainda não existe um grupo da Amnistia Interna-cional Portugal perto de sua casa, pode sempre ser pioneiro e começar o activismo na sua localidade. Fale connosco pelo [email protected] ou ligando 213 861 652.

NOvA DIRETORA EXECUTIvA DA AMNISTIA INTERNACIONAL

Caros membros, apoiantes e simpatizantes,

Quero começar por vos agradecer a generosidade de dedicarem parte das vossas vidas à Amnistia Internacional. Celebrámos 50 anos (30 em Portugal) e, apesar de todas as

transformações e mudanças, passadas, mais recentes e futuras, pouco ou

nada do trabalho até agora feito poderia ter sido conseguido sem a entrega

e o espírito voluntarioso de todos vocês.

Em breve, a Amnistia Internacional reabrirá a secção no Brasil, ganhará maior

dimensão em países como a Argentina, Perú ou Venezuela e nascerá, “do zero”,

na Índia - situações impensáveis há poucos anos que agora se tornam possíveis

graças à projeção mundial que a Amnistia Internacional atingiu, na sua incansável

luta pelos Direitos Humanos. Mas esta expansão a sul não deixará certamente

de contemplar, esperemos, os países do Norte de África e do Médio Oriente,

onde há pouco mais de um ano populações inteiras saíram à rua, clamando pelos

direitos mais essenciais, por justiça social e por regimes democráticos. Pelo seu

significado, impacto e autenticidade, estas revoluções inspiram este ano uma das

mais emblemáticas campanhas internacionais da Amnistia, a que Portugal também

se junta, desde logo dedicando-lhes este número da revista. E se há 10 anos

nos batíamos pelos Direitos Humanos assinando cartas em papel, hoje, tal como

fizeram muitos dos manifestantes na Tunísia, no Egipto, no Iémen ou na Síria,

alargamos o ativismo ao mundo digital. Aproveito por isso para vos pedir que

participem na nossa campanha “online” pelos povos do Norte de África e do Médio

Oriente. Contra a censura e pela liberdade de expressão, queremos que “libertem”

simbolicamente uma palavra do “Freedom Dictionary”, um “Dicionário da Liberdade”

que colocámos na internet e que permite a cada um de nós escolher uma palavra

de homenagem a estes povos martirizados, ficando registado o nome de quem

escolheu cada palavra. Até dia 3 de abril contamos consigo para “libertar” palavras

e para divulgar esta campanha. Nessa altura, vamos imprimir o dicionário com as

escolhas de cada um de nós e remetê-lo para cada um desses países, onde as

revoluções continuam, apesar da repressão. No fundo, e porque “sem palavras não

há liberdade”, evocamos mais uma vez Peter Benenson. Há 50 anos, quando soube

da detenção pelo regime de Salazar de dois estudantes portugueses que brindavam

à liberdade, o advogado inglês escreveu um artigo apelando à sua libertação. “Os

prisioneiros esquecidos”, assim se intitulava o artigo em que Benenson fazia um

apelo mundial à libertação de todos os prisioneiros de consciência e ao respeito

pela liberdade de opinião, lançando as bases de um movimento único, que, passados

50 anos, une mais de 3 milhões de apoiantes em todo o mundo. Esse movimento

somos nós, a Amnistia Internacional.

Teresa Pina

Teresa Pina é, desde janeiro, a nova Diretora Executiva da secção portuguesa da Amnis-tia Internacional. A ex-jornalista da SIC Notícias foi escolhida entre dezenas de candi-datos por um júri internacional. Licenciada em Direito, foi colaboradora do Secretariado Internacional da Amnistia Internacional, em Londres, onde fez também um mestrado em Direitos Humanos, no Birkbeck College, da Universidade de Londres. No anterior governo exerceu funções de assessoria de imprensa.

Notícias • Amnistia Internacional 27

JOVEMReAJirPor Mariana Belo, tesoureira da ReAJ-Rede de Ação Jovem da Amnistia Internacional Portugal

Sejam Maratonas de Cartas (ver Caixa) ou ações como pequenos teatros de rua, é através da dedicação e empenho de jovens que a ReAJ-Rede de Ação Jovem tem conseguido trabalhar e assegurar resultados.

Entre 2010 e 2011 a ação da ReAJ consis-tiu sobretudo no apoio à sede, fornecendo voluntários para as ações e ajudando, maioritariamente, com recolhas de assi-naturas para cartas e petições. Interca-ladas com alguns momentos de tertúlias e formações em escolas, organizadas de raiz pela Rede de Jovens, estas ações têm vindo a mostrar resultados positivos e tem sido bastante gratificante fazer parte deste grupo. Além de estarmos a conseguir levar a cabo várias ações bem sucedidas, vamo-nos divertindo e criando memórias.

Tivemos, por exemplo, a fantástica opor-tunidade de recolher assinaturas durante o concerto de Roger Waters no Pavilhão Atlântico, a 21 e 22 de Março de 2011, a convite do mesmo, e os resultados fo-ram muito bons. Tendo participado nessa ação, posso dizer com toda a certeza que a adesão do público às petições apre-sentadas foi bastante boa e que para os bons resultados muito contribuiu o contexto amigável existente na ReAJ.

GRUPOS DE ESTUDANTES DA AMNISTIA INTERNACIONAL PORTUGAL (Coordenadores e emails/blogues)

• GE DO AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DA BATALHAEduardo Almeida: [email protected]• GE DO COLÉGIO DE SÃO MIGUEL (Fátima) Sílvio Vieira: [email protected]; aiateondepodemoschegar.blogspot.com• GE DO COLÉGIO DIOCESANO DE NOSSA SENHORA DA APRESENTAçÃO (Calvão)Jorge Carvalhais: [email protected]• GE DA ESCOLA SECUNDÁRIA DE ALBUFEIRA Rosaria Rego: [email protected]; grupodaesaai.blogspot.com • GE DA ESCOLA SECUNDÁRIA ANTERO DE qUENTAL (S.Miguel, Açores)Fernanda Vicente: [email protected] • GE DA ESCOLA SECUNDÁRIA DE ERMESINDE Maria Arminda Sousa: [email protected]; www.ai-ese.pt.vu • GE DA ESCOLA SECUNDÁRIA FILIPA DE vILHENA (Porto)Carla Ferreira: [email protected]• GE DA ESCOLA SECUNDÁRIA FRANCISCO RODRIGUES LOBO (LEIRIA)Ana Vieira: [email protected]• GE DA ESCOLA SECUNDÁRIA DE PENICHEMiguel Santos: [email protected]• GE DA ESCOLA SUPERIOR DE SAÚDE DE SANTARÉMLuís Nobre: [email protected]• GE DA FACULDADE DE DIREITO DE LISBOASofia Mouro: [email protected]• ReAJ-REDE DE ACçÃO JOvEMA designar: [email protected]; reajportugal.blogspot.com

Se ainda não existe um Grupo da Amnis-tia Internacional na tua escola ou univer-sidade, podes ser tu a criá-lo. Nós dize-mos como... Escreve-nos para [email protected] ou telefona para o 213 861 652.

MARATONAS DE CARTAS 2011

Uma das ações mais emblemáticas da Amnistia Internacional é a chamada Maratona de Cartas, cujo conceito foi criado em 2001 pela secção polaca. Desde então, todos os anos as várias secções da Amnistia pedem aos seus membros, apoiantes e ativistas que divulguem determinados casos de violações de Direitos Humanos e que ajudem, durante 15 dias, a fazer uma pressão global sobre as pessoas que podem alterar essas situações, enviando-lhes apelos. Uma atuação conjunta que em 2010 resultou em 636.139 apelos enviados de todo o mundo – e 5.611 de Portugal – e que em 2011 obteve números ainda mais surpreendentes: mais de 1 milhão de apelos enviados de todo o mundo, 11.087 de Portugal. Obrigada a todos os que ajudaram a conseguir estes números enviando os postais da revista anterior!

Também bastante positiva e interessan-te foi a Tertúlia no Liceu Camões, a 10 de maio de 2010, acerca de Direitos da Criança, ação conjunta da ReAJ e da pró-pria Amnistia Internacional Portugal. E ainda que tenhamos participado noutras ações de recolha de assinaturas, como as várias vezes que utilizámos lojas FNAC como plataforma de aproximação ao pú-blico, destaco a Maratona de Cartas, o evento anual da Amnistia Internacional que no ano passado decorreu a 10 de dezembro, no Largo de Camões, em Lis-boa, e que, muito graças também à nossa ajuda, conseguiu mais do que duplicar o número de apelos enviados (ver Caixa). Todos estes são apenas alguns exemplos das muitas ações que a ReAJ tem desen-volvido, em nome da promoção e defesa dos direitos humanos.

Refletindo sobre todo o percurso da ReAJ e a missão a que nos propusemos, este ano gostávamos de reorientar a nossa ação para abordagens mais frescas e di-nâmicas. Afinal de contas, se somos um grupo de jovens, porque não aproveitar esse mesmo facto e trazer uma lufada de ar fresco às ações da Amnistia? Ajudem---nos nesta tarefa. venham fazer parte deste movimento! Basta escreverem para [email protected]

Notícias • Amnistia Internacional 28

BOAS NOTÍCIASNos últimos meses recebemos novidades de alguns casos que apresentámos em revistas anteriores e pelos quais vos pedimos que enviassem postais. Como dizemos sempre nas páginas de Apelos Mundiais: “A si custa tão pouco. A eles faz toda a diferença!”. Uma vez mais confirmou-se… Por Inês Braizinha

MyANMAR Ativistas libertados

Em março de 2009, o “Notícias da Am-nistia Internacional Portugal” apelava aos leitores que exigissem a libertação de dois ativistas presos em Myanmar, por estarem envolvidos na organização dos protestos que tinham terminado no final de setembro de 2007 com uma violenta repressão por parte das autoridades.

Mie Mie, na altura com 39 anos e mãe de duas crianças, e Htay Kywe, de 40 anos,

foram detidos na casa que lhes servia de esconderijo, em Yangon, a 13 de outubro de 2007. Os dois defensores dos direitos humanos enfrentaram no total nove acu-sações, que iam desde criticar o governo até à associação ilegal e distribuição de material escrito sem autorização da cen-sura. Chegaram a acumular penas que perfaziam os 65 anos de prisão.

Depois de mais de quatro anos de apelos

enviados pelos ativistas da Amnistia Inter-nacional, os esforços para a sua libertação foram alcançados e Mie Mie e Htay saíram da prisão no passado dia 13 de janeiro. Zaw Htet Ko Ko, outro dos ativistas preso aquando dos protestos, na altura com 28 anos, já havia sido libertado a 12 de outu-bro de 2011. Obrigada a todos os que en-viaram apelos para a resolução destes ca-sos. O vosso gesto fez toda a diferença!

MÉXICOGoverno reconhece responsabilidade em casos de violaçãoNo passado dia 6 de março, o governo mexicano fez um Ato Público de Reconhe-cimento da sua responsabilidade no caso de Inéz Fernández, mulher que, em 2002, havia sido violada por militares dentro de sua casa, no sul do México. Tal já tinha sido feito no dia 15 de setembro de 2011 para com Valentina Cantú, mulher que passou pelo mesmo em 2002. Este reco-

nhecimento era um dos pedidos da Am-nistia Internacional, tal como divulgado nos Apelos Mundiais da revista anterior. Falta ainda que o governo conduza uma investigação imparcial e imediata às vio-lações, que faculte compensações para as vítimas e que reforme o sistema ju-dicial para que as violações dos direitos humanos sejam julgadas em tribunais civis. Porém, este foi já um grande passo conseguido em tão pouco tempo… Obri-gada a todos os que participaram!

NIGÉRIABairro a salvo de demoliçãoUm dos casos dos Apelos Mundiais da revista anterior foi o de Port Harcourt, uma zona ribeirinha a sul da Nigéria que, em agosto de 2009, estava a ser alvo de um plano de reabilitação urbana que começou com o desalojamento forçado de 17 mil pessoas no bairro degradado de Njemanze. Na altura da publicação da revista da Amnistia Internacional Portu-gal, mais de 200 mil pessoas estavam em risco de perder as suas casas. Depois dos apelos enviados, oriundos também de Portugal, a demolição do Bairro Fer-roviário de Port Harcourt foi impedida pelo governo. A 13 de fevereiro de 2012, dia marcado para a demolição, a comu-nidade juntou-se em frente aos edifí-cios poupados à destruição, cantando, dançando e exibindo vários cartazes da Amnistia Internacional. Juntos fizemos mesmo a diferença!

© Privado © Privado © Amnistia Internacional

© Centro de Derechos Humanos de la Montaña de Tlachinollan

Notícias • Amnistia Internacional 29

APELOS MUNDIAIS

Hoje pedimos-lhe que dê continuidade a este movimento. As quatro pessoas que lhe apresentamos nas próximas páginas precisam de si. E juntos podemos fazer a diferença. Eles contam connosco!

ENVIE OS POSTAIS QUE ENCONTRA NO INTERIOR DESTA REVISTA PELAS QUATRO PESSOAS DAS PRÓXIMAS PÁGINAS. A SI CUSTA TÃO POUCO. A ELES FAZ TODA A DIFERENçA!

“Abra o seu jornal em qualquer dia da semana e encontrará a história de alguém, algures no mundo, que foi detido, torturado e executado porque as suas opiniões e crenças não são aceites pelo seu governo. (…) O leitor tem uma sensação nauseante de impotência, mas este sentimento que está presente um pouco por todo o mundo, pode ser unido numa ação comum. Algo pode ser feito.“

Foram estas as palavras que o advogado britânico Peter Benenson escreveu, em 1961, no jornal The Observer, no artigo que deu origem à Amnistia Internacional: “The Forgotten Prisoners”.Assim o ativista lançava um desafio à Humanidade, que continua vigente 50 anos depois: apelar pelos “prisioneiros de consciência”.

Notícias • Amnistia Internacional 30

BAHREINEstudante detida por ler poemas críticos

Aayat Al-Qormozi, uma estudante de 20 anos da Universidade do Bahrein, pode tornar a ser presa por ter escrito e declamado poemas críticos do governo: um sobre o Rei e outro sobre o primeiro-ministro, num comício pró-reforma em 2011.

No dia 30 de março do ano passado, a estudante foi obrigada a entregar-se à polícia, depois de homens encapuçados terem ameaçado de morte os seus irmãos. Nos primei-ros dias de detenção, esteve incomunicável e garante ter sido torturada. A 23 de abril, foi forçada a gravar uma declaração onde pedia desculpas.

A 12 de junho, Aayat foi condenada a um ano de prisão, por participar em protestos ilegais, perturbar a segurança pública e incitar ao ódio contra o regime. Um mês depois saiu em liberdade condicional, mas teve de assinar documentos onde se comprometia a não participar em manifestações e a não criticar o governo.

Com aulas em atraso, tentou regressar à faculdade em outubro, mas foi impedida de entrar. Até hoje não conseguiu retomar os estudos e não obteve esclarecimentos sobre a sua situação legal.

Apele às autoridades do Bahrein para que todas as acusações pendentes contra Aayat sejam retiradas e que seja feita uma investi-gação às alegações de tortura.

Participe! Contamos consigo!

[Postal-apelo em anexo no interior desta revista. Tudo o que tem de fazer é assinar, colocar a cidade e o país de onde envia o apelo e a data].

REPÚBLICA DOMINICANAMembro de Comité para os Direitos Humanos desaparecido

© Privado

Juan Almonte Herrera, um membro do Comité Dominicano para os Direitos Humanos, está desaparecido desde 28 de setembro de 2009. Segundo relatos, Juan, na altura com 50 anos, dirigia---se para mais um dia de trabalho no escritório onde era contabilista quando foi obrigado a entrar para um carro, por quatro homens. De acordo com teste-munhas, seriam do Departamento Anti Rapto da Polícia.

No mês seguinte, dois corpos carboni-zados foram encontrados num carro na cidade e um deles foi identificado pela irmã de Juan Herrera como sendo dele. Os testes de ADN deram negativo, mas a família suspeita que os resultados foram adulterados para não se perceber o assassinato.

Desde então, os parentes e advogados da vítima sentem-se perseguidos e a irmã de Juan recebeu chamadas anónimas para que pare de falar do caso. Quando denun-ciaram a situação às autoridades, foi-lhes dito que procurassem proteção junto dos polícias que alegadamente os perseguem.

Mais de dois anos depois, a família ainda não recebeu proteção e vive na angústia de não saber o que aconteceu a Juan Herrera.

Escreva às autoridades a pedir que se faça uma investigação imparcial e independen-te ao caso e que a família e advogados recebam proteção adequada. Participe! Contamos consigo!

[Postal-apelo em anexo no interior desta revista. Tudo o que tem de fazer é assinar, co-locar a cidade e o país de onde envia o apelo e a data. Pode ainda escrever mensagens de solidariedade à família (idealmente em espanhol), para o email do seu advogado: [email protected]].

© Amnistia Internacional

Notícias • Amnistia Internacional 31

IRÃOPrisão para Defensor dos Direitos Humanos

Ahmad Zeidabadi, um jornalista e defensor dos direitos humanos iraniano, de 46 anos, está a cumprir uma pena de seis anos de prisão. Detido a 21 de junho de 2009, pouco depois das eleições presidenciais iranianas, Ahmad foi ainda condenado a cinco anos de exílio interno, após cumprir a primeira pena, e banido de todas atividades sociais e políticas para o resto da vida.

Está preso sob condições bastante severas. A mulher, que conseguiu visitá-lo pela primeira vez apenas a 17 de agosto de 2009, afirmou que se encontrava em mau es-tado físico e psicológico e que lhe confessou ter sido brutalmente espancado durante o período de interrogatório.

Ahmad Zeidabadi escreveu, em várias publicações, artigos sobre direitos humanos e que criticavam as autoridades iranianas. É também o Secretário-geral da Associação de Li-cenciados, que tem como finalidade melhorar a situação dos direitos humanos no Irão. A Amnistia Internacional já tinha apelado à sua libertação, uma vez que o jornalista já havia sido detido várias vezes por expressar pacificamente as suas opiniões.

Escreva, apelando à libertação imediata e incondicional de Ahmad Zeidabadi, que a Amnistia Internacional considera ser um prisio-neiro de consciência.

Participe! Contamos consigo![Postal-apelo em anexo no interior desta revista. Tudo o que tem de fazer é assinar, colocar a cidade e o país de onde envia o apelo e a data. Pode ainda escrever mensagens de solidariedade para a morada: Ahmad Zeidabadi / Reja’i Shahr Prison / Moezzin Boulevard / Reja’i Shahr / Karaj, Islamic Republic of Iran].

© www.kosoof.com

COREIA DO SULObjetor de consciência preso

© Sung-min KIM/World Without War

Moon Myung-jin, um objetor de consci-ência de 26 anos, está a cumprir uma pena de 18 meses de prisão por se ter recusado a cumprir o serviço militar obrigatório. O ativista da organização não governamental coreana World Wi-thout War e da britânica War Resisters International baseia a sua objeção no facto de ser contra a guerra.

Em 2006, enquanto participava num protesto contra os desalojamentos for-çados, Moon Myung-jin testemunhou a violência da polícia de choque e das forças armadas sobre os manifestantes, o que o levou a interessar-se pela obje-ção de consciência. A 14 de dezembro de

2010, o último dia para se alistar, convocou uma conferência de imprensa para decla-rar que não iria cumprir o serviço militar.

Foi condenado a 30 de março de 2011 e está a cumprir pena na prisão de Seul, onde trabalha das seis da manhã às seis da tarde na cozinha, a preparar as refeições dos outros reclusos.

Apele às autoridades que libertem imediata e incondicionalmente Moon Myung-jin e que garantam que não tem de cumprir serviço militar. Inste-as a limparem o seu regis-to criminal e o dos restantes objetores de consciência na Coreia do Sul.

Participe! Contamos consigo!

[Postal-apelo em anexo no interior desta revista. Tudo o que tem de fazer é assinar, co-locar a cidade e o país de onde envia o apelo e a data. Pode ainda escrever mensagens de solidariedade para a morada: Myoung-jin Moon (Inmate no.837 / Geumcheon P.O. Box 165 / Geumcheon-gu, Seul / Republic of Korea 153-600)].

mento de 23,3% no número de apoiantes e membros inscritos em 2011 e também um aumento no donativo mensal médio (6,50 euros) relativamente ao valor referente a 2010 (6,31 euros).

ANGARIAçÃO DE FUNDOSH3 junta-se à Amnistia Internacional na campanha do IRS

Decorrerá entre 1 de março e 30 de abril uma campanha com a cadeia de hambúr-gueres H3, sensibilizando o público para a possibilidade de destinar 0,5% do seu IRS à AI Portugal. Agradecemos à H3 a colaboração e interesse.

Notícias • Amnistia Internacional 32

 

Por Departamento de Angariação de Fundos e Financeiro

RECEITAS E DESPESASObservando a tabela 1 e comparando o ano de 2011 com os de 2010 e 2009, verifica-se um aumento ao nível das despesas, de 13,87% e 7,34%, respetivamente, e de 2,56% e 0,55%, ao nível das receitas. Contudo, con-siderando a conjuntura económica e financeira, podemos afirmar que 2011 foi um ano de estabilidade financeira para a secção portuguesa. Resultado da liquidez de tesouraria, foi criada uma reserva para fazer face a eventu-ais constrangimentos na secção.

Continuamos a trabalhar no sentido de investir em novas estratégias de anga-riação de fundos, bem como de manter análises financeiras constantes, com a preocupação de garantir estabilida-de que permita um trabalho eficaz nas ações e campanhas globais e nacionais, em prol dos Direitos Humanos.

EVOLUÇÃO DE MEMBROS E APOIANTESNo final de 2011, a Amnistia Internacional (AI) Portugal contava com 11.991 apoian-tes, membros e doadores pontuais ativos (tabela 2), dos quais 2.502 iniciaram o seu apoio no ano passado.

O número total de pessoas que apoia a AI desceu em 2011 devido às desistências sentidas neste ano e também ao processo de atualização dos registos não ativos da

O trabalho da Amnistia Internacional não seria possível sem o seu apoio.Obrigado por acreditar connosco nos Direitos Humanos.

base de dados. No entanto, tal como se pode observar na tabela 2, o montante médio doado por pessoa, em dezembro de 2011, foi superior aos anos anteriores.

PROJETO “FACE TO FACE” 2011CARA A CARA, PERCORRENDO AS RUAS

Este projeto de abordagem direta de pes-soas, que realizamos em Portugal desde 2006, foi a principal fonte de entrada de novos apoiantes e membros em 2011 (97,64%), permitindo inscrever 2.443 pessoas, a quem agradecemos todo o apoio!

Como se poder observar no gráfico 1, o projeto “Face to Face” apresentou um au-

RECICLE E DEFENDA OS DIREITOS HUMANOSA Amnistia Internacional está a realizar, em parceria com a Recitoner, uma campanha para angariação de fundos através da recolha de tinteiros e toners, em empresas e espaços comerciais. A todos os interessados, são enviadas Ecobox (caixas para depósito dos tin-teiros e toners). Esta colaboração não traz custos e todos os envolvidos ficam a ganhar: a empresa (ou particular) protege o ambiente; a Recitoner recicla estes produtos e a Amnistia Internacional recebe donativos e reforça o seu trabalho em prol dos direitos humanos. Se trabalhar no distrito de Lisboa, pode solicitar a sua Ecobox através do email: [email protected].

TABELA 2 - Evolução do total de apoiantes, membros e doadores (dados comparativos – 2009, 2010 e 2011).

Final 2009 Final 2010 Final 2011

TABELA 1 - Receitas e Despesas de 2009, 2010 e 2011.

2009 2010 2011

RECEITAS

DESPESAS

SALDO

809.894,99 €

660.993,54 €

148.901,45 €

793.960,64 €

623.129,97 €

170.830,67 €

814.318,34 €

709.536,46 €

104.781,88 €

Apoiantes (via “Face to Face”)

Membros (via “Face to Face”)

Apoiantes e Membros (via site)

Membros (outras vias)

Doadores Pontuais

TOTAL Acumulado

valor médio por pessoa (análise no mês de dez.)

9.392

973

1.573

526

12.464

€ 3,80

9.612

898

1.481

570

12.561

€ 4,00

9.290

766

76

1.273

586

11.991

€ 4,41

Gráfico 1: Número de apoiantes/membros inscritos através do “Face to Face” ao longo dos últimos 3 anos.

Notícias • Amnistia Internacional 33

TOME NOTA• 4 de abrilDia Internacional de Consciencialização para o Perigo das Minas Terrestres e Assistência à Desminagem

• 8 de abrilDia Internacional dos Roma

• 3 de maioDia Mundial da Liberdade de Imprensa

• 18 de maioAniversário da Amnistia Internacional Portugal

• 28 de maioAniversário da Amnistia Internacional

• 4 de junhoAniversário do Massacre de Tiananmen (China)

• 20 de junhoDia Mundial do Refugiado

• 26 de junhoDia Internacional de Apoio às Vítimas de Tortura

O papel da fotografia na intervenção socialA exposição de cartoons “D!REITOS HUMANOS”, que assinala os 50 anos da Amnistia Internacional e os 30 da presença da organização em Portugal, vai estar de 13 a 27 de abril no Arquivo Distrital de Leiria. A mostra de cartoons segue depois para Ourém, onde estará de 28 de abril a 15 de maio na Sala de Exposições do edifício dos Paços do Con-celho, e finalmente para a Biblioteca da Escola C+S de Pernes (Santarém), na segunda quinzena de maio. A exposição resulta da parceria estabelecida entre a Amnistia Internacional Portugal e a Feco Portugal-Associação de Cartoonistas.

AGENDA

Por Mohamed EFFAT, cartoonista egípcio

Mais um Prémio Amnistia Internacional no IndieLisboaÉ já de 26 de abril a 6 de maio que se realiza mais uma edição do Festival In-ternacional Independente de Cinema de Lisboa, mais conhecido por IndieLisboa. À semelhança do que tem vindo a acon-tecer, a Amnistia Internacional Portugal

Festejar os 50 anos da Amnistia InternacionalEm maio terminam as celebrações dedi-cadas aos 50 anos da Amnistia Interna-cional. Nessa altura temos uma surpresa preparada para si… Venha comemorar connosco o fim de meio século de pro-moção e defesa dos direitos humanos e o início de um novo ciclo. Esteja atento a www.amnistia-internacional.pt.

AS REVOLUÇõES NO MÉDIO ORIENTE E NORTE DE ÁFRICA

vai distinguir o filme que melhor con-tribuir para alargar a compreensão dos espetadores para questões relaciona-das com a dignidade humana. O Prémio Amnistia Internacional tem o valor de 1.250 euros, graças, uma vez mais, ao contributo financeiro da Fundação Serra Henriques. O júri deste ano do Prémio Amnistia Internacional no IndieLisboa é a jornalista Maria Flor Pedroso, o escritor João Tordo e a atriz Anabela Moreira. Mais sobre o festival em www.indielisboa.com.

© Amnistia Internacional

LeituraCicatrizes de MulherDe Sofia Branco

P.V.P.: 15,14 Euros

Quando a 6 de fevereiro se assinalou o Dia Internacional de Tolerância Zero à Mutilação Genital Feminina, sugerimos a leitura do livro da jornalista Sofia Branco, para conhecer melhor esta realidade.

lhamos, pelas atividades que realizamos em conjunto, sobretudo pelos ideais comuns e pelo seu contributo para um mundo melhor.

Jorge, o teu exemplo, o teu entusiasmo, dedicação e confiança nos outros são a garantia de que a vida vale a pena e que apesar de tudo a Humanidade também se move por VALORES.

Até sempre. Continuaremos a tua e a nossa jornada pelos valores e direitos humanos.

Notícias • Amnistia Internacional 34

CRÓNICAHOMENAGEM A JORGE ALBUqUERqUE*Por Martins Guerreiro, em representação de toda a secção portuguesa da Amnistia Internacional

A amizade liga-nos desde 1959, ano da nossa entrada para a Escola Naval.

O Albuquerque foi sempre uma pessoa es-pecial de enorme generosidade, disponi-bilidade e entusiasmo na relação com os outros e naquilo em que se empenhava.

Confiava sem reservas nas pessoas, só via os aspetos positivos e acorria de imediato a qualquer sinal ou pedido de ajuda. Por vezes tinha dissabores e sentia-se enganado, porém, pouco de-pois voltava à sua natureza disponível e pronto para apoiar quem necessitasse de ajuda.

Era o bom gigante de enorme coração e alma, muito sensível às injustiças humanas e sociais, continuava a ficar surpreendido quando constatava que al-guém se havia aproveitado da sua pes-soa, da sua boa-fé e da sua permanente disponibilidade.

O Jorge tinha dificuldade em lidar com os aspetos menos positivos do compor-tamento humano, isso criava-lhe inse-gurança e instabilidade, tal não entrava nas suas regras de convivência e hábi-tos, nunca estava prevenido.

Para si as pessoas eram sempre boas, quando tinha provas em contrário sofria muito, porém isso não o levou a alterar as suas atitudes.

O Jorge entrou para a Amnistia Interna-cional (AI) nos anos 90 quando lhe fa-lei por acaso no mandato da Amnistia, da minha parte nem sequer procurava

fazer-lhe uma sensibilização, ele dis-ponibilizou-se de imediato a colaborar, entrou para o Grupo 1 participando com assiduidade e dedicação nas atividades do Grupo.

Mais tarde foi solicitado para os Órgãos Sociais. Como não podia deixar de ser aceitou, apesar de eu o ter prevenido para algumas dificuldades, e veio a ser presidente do Conselho Fiscal.

Colaborou também com a Teresa Noguei-ra em diversas atividades da Amnistia.

O trabalho que realizou para a AI, per-correndo as Escolas do País de norte a sul, indo onde era solicitado, demonstra a sua generosidade e atitude de perma-nente disponibilidade para lutar em de-fesa dos seus ideais.

Para este ser humano especial vai a mi-nha gratidão pelos momentos que parti-

© Privado

À hora de fecho desta revista re-cebemos a triste notícia que Zaida Maria Morais Lima Garcez, membro da Amnistia Internacional Portugal desde 1999, faleceu no passado dia 3 de março, aos 56 anos de idade. Pertenceu ao Grupo 24/Viana do Cas-telo e nos últimos anos continuava a ajudar a estrutura da secção portu-guesa sempre que possível. Sendo educadora de infância, tinha parti-cular gosto e dom para a Educação para os Direitos Humanos.

© Cogrupo da China

Jorge Albuquerque com o Cogrupo da China, em 1995, aquando da visita a Portugal do monge tibetano Palden Gyatsu.

* Jorge Manuel Barreto de Albuquerque fale-ceu a 2 de dezembro de 2011, aos 69 anos. Era membro da Amnistia Internacional Portu-gal desde 1995 e foi um voluntário impará-vel. Pertenceu a diversas estruturas: o Grupo 1/Lisboa, o Cogrupo da China e o Cogrupo MSP (Military, Security and Police). Foi ain-da dos Órgãos Sociais da secção, tendo sido, em 1996/97, Vice-Presidente da Mesa da As-sembleia, e, entre 2002 e 2005, Presidente do Conselho Fiscal. Fez ainda um trabalho exemplar em termos de Educação para os Direitos Humanos, percorrendo as escolas de todo o país.

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