Revista Visão Classista - Nº 03 - Setembro de 2010

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Revista da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil ENTREVISTA Renato Rabelo analisa por que o povo quer mais transformações Nº 3 - Setembro de 2010 C L A S S I S T A O DIREITO DE GARANTIR DIREITOS Trabalhadores do serviço público se mobilizam Roberto Stuckert Filho UM PROJETO PARA O BRASIL A trajetória dos Movimentos Sociais Brasileiros apostam na continuidade A MELHOR OPÇÃO PARA O PAÍS

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Revista Visão Classista é uma publicação da CTB - Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil

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Revista da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil

ENTREVISTA Renato Rabelo analisa por que o povo quer mais transformações

Nº 3 - Setembro de 2010

C L A S S I S T A

O DIREITO DE GARANTIR DIREITOSTrabalhadores do serviço público se mobilizam

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UM PROJETO PARA O BRASILA trajetória dos Movimentos Sociais

Brasileiros apostam na continuidade

A MELHOR OPÇÃO

PARA O PAÍS

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ENTREVISTA RENATO RABELOPresidente do PCdoB explica por que o povo brasileiro quer

aprofundar as mudanças iniciadas por LulaPÁGINA 14

ÍNDICE

BRASILTrajetória dos principais movimentos sociais refl ete avanços da última décadaPÁGINA 10

ECONOMIALivro do Dieese resgata importância do Salário Mínimo em seu 70º aniversárioPÁGINA 24

SINDICALISMOFuncionalismo público se mobiliza pela ratifi cação da Convenção 151PÁGINA 28

A MELHOR OPÇÃO PARA O PAÍSBrasileiros decidirão em 3 de outubro entre o risco de retrocesso e a possibilidade de novas mudançasPÁGINA 4

INTERNACIONAL3º Encontro Sindical Nossa América defende postura mais ofensiva do movimento sindicalPÁGINA 20

Visão Classista é uma revista trimestral, publicada pela CTB – Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil.

DIREÇÃO EXECUTIVAPresidenteNivaldo SantanaVice-presidenteDavid Wylkerson de SouzaSecretário-geralPascoal CarneiroSecretário-geral adjuntoSalaciel Fabrício VilelaSecretário de fi nançasVilson Luiz da SilvaSecretária de fi nanças adjuntaGilda AlmeidaSecretária de formação e culturaCelina AreasSecretário de política sindical e relações institucionaisJoílson Antonio CardosoSecretário de políticas sociaisCarlos Rogério NunesSecretário de relações internacionaisSeverino AlmeidaSecretário de relações internacionais adjuntoJoão Batista LemosSecretário da juventude trabalhadoraPaulo Vinicius Santos da SilvaSecretária de promoção da igualdade racialValmira Luzia da SilvaSecretário de saúde e segurança do trabalhoElias BernardinoSecretária de política agrícola e agráriaSérgio MirandaSecretários de serviços públicos e do trabalhador públicoFátima dos Reis e João Paulo Ribeiro REDAÇÃOSecretário de imprensa e comunicaçãoEduardo NavarroEquipeCinthia Ribas, Fábio Rogério Ramalho, Fernando Damasceno e Láldert Castello Branco. Diagramação e projeto gráfi coCaco BisolIlustraçãoVicente MendonçaImpressãoHR Gráfi caTiragem10.000 exemplares

Av. Liberdade, 113 – 4º andar. Liberdade, São Paulo (SP)CEP 01503-000Fone (11) 3106-0700E-mail: [email protected]

MOVIMENTOS SOCIAISCombativdade do MST garante sua representatividade em todo o território nacionalPÁGINA 32

O EXEMPLO DO CAMPOContag exibe a riqueza cultural do interior brasileiro no 2º Festival da Juventude RuralPÁGINA 36

AGENDA SINDICALAs principais atividades do mundo sindical entre os meses de setembro a novembroPÁGINA 40

ARTIGOSCONJUNTURA SINDICALWagner GomesPÁGINA 9

MUNDO DO TRABALHOMarcio PochmannPÁGINA 19

SAÚDE DO TRABALHADORJosé BarberinoPÁGINA 26

DIREITO DO TRABALHADORMara LoguercioPÁGINA 27

MUNDO DA COMUNICAÇÃOAltamiro BorgesPÁGINA 35

MUNDO DA FORMAÇÃOAugusto PettaPÁGINA 39

CULTURAAndré CintraPÁGINA 42

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EDUARDO NAVARRO | Secretário de imprensa e comunicação da CTB

EDITORIAL

classe trabalhadora brasileira é chamada a se posicionar sobre o futuro da nação, em 2010.

Nesse processo não cabem dúvidas: ou se apostam todas as suas fi chas na continuidade com aprofundamento de um projeto popular, democrático, centrado nos interesses da maioria de nosso povo, ou se reativa um velho programa que desnacionalizou a economia do país, recrudesceu a violência contra os movimentos sociais e concentrou renda na mão da elite fi nanceira nacional e internacional.

Essa disjuntiva não é novidade para milhões de trabalhadoras e trabalhadores brasileiros. Durante a década de 90 do século passado, os movimentos sociais lutaram para pôr fi m à experiência malograda do “Consenso de Washington”, que quase naufragou nosso país. O exemplo de resistência demonstrou que quando se acredita na capacidade de luta e de organização é possível transformar a realidade política de uma sociedade.

O referencial de luta pode ser tomado a partir do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

(MST), que atravessou os anos 90 e a primeira década dos anos dois mil como um movimento social com grandes contribuições nesse sentido. Outro exemplo vem dos trabalhadores e trabalhadoras do serviço público, com sua tenaz luta pelo direito à organização e à negociação coletiva, ações que trouxeram para o debate público – até sua aprovação – a Convenção 151 da OIT.

Sua rebeldia também é sinônimo de luta. A juventude – que os dados econômicos demonstram carecer de melhores políticas públicas – se coloca como parte imprescindível das transformações em curso e como depositária para o futuro do sindicalismo do campo – e, por que não? – da cidade.

O sindicalismo internacional comparece com a terceira edição do Encontro Sindical Nossa América, que reúne centrais sindicais de toda a América Latina. A terceira edição do ESNA foi realizada em Caracas, Venezuela, quando os classistas discutiram suas experiências e reafi rmaram seus compromissos com a luta, tudo à luz das transformações sociais vividas por aquela nação latino-americana.

Só nos resta o desejo de que a leitura destas páginas ajude nossos leitores a avaliar, com mais clareza e riqueza de informações, o atual cenário político-sindical do Brasil e da América Latina. A luta classista poderá sair fortalecida das urnas em 3 de outubro, mas seu protagonismo só virá realmente à tona com a participação efetiva dos trabalhadores e trabalhadoras nesse processo. Vamos à luta!

De luta em luta o Brasil vai se transformando

a economia do país, recrudesceu a violência contra os movimentos sociais e concentrou renda na mão da elite fi nanceira nacional e internacional.

Essa disjuntiva não é novidade para milhões de trabalhadoras e trabalhadores brasileiros. Durante a década de 90 do século passado, os movimentos sociais lutaram para pôr fi m à experiência malograda do “Consenso de Washington”, que quase naufragou nosso país. O exemplo de resistência demonstrou que quando se acredita na capacidade de luta e de organização é possível transformar a realidade política de uma sociedade.

O referencial de luta pode ser tomado a partir do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

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A MELHOR OPÇÃO PARA O PAÍSBrasileiros decidirão no dia 3 de outubro entre o risco de retrocesso e a possibilidade de novas mudanças

Luiz Manfredini*

CAPA

s sucessões presidenciais no Brasil, já a partir da posse do Marechal Floriano Peixoto, em

1891, contestada pelas elites agrárias, sempre ocorreram sob tensões as mais variadas, algumas delas traumáticas. Em 1930, por exemplo, a sucessão do presidente Washington Luiz provocou uma revolução, chefi ada por Getúlio Vargas. Em novembro de 1937, dois meses antes das eleições, o próprio Getúlio, através de um golpe, instaurou a ditadura do Estado Novo. Mês e pouco antes das eleições presidenciais de 1945, Getúlio foi deposto sob a suspeita de querer manter-se no poder. Juscelino Kubitschek só tomou posse, em janeiro de 1956, garantido pelos tanques do ministro da Guerra, general Teixeira Lott, pois houve quem conspirasse contra. A posse do vice-presidente João Goulart, em meados de 1961, devido à renúncia do presidente Jânio Quadros, quase provocou uma guerra civil no país. Mesmo sob a ditadura militar, apesar de seu aparente monolitismo, as sucessões envolviam tensões secretas que colocavam os quartéis sob fervura.

Mas o Brasil mudou após a derrubada do regime militar, em 1985. A estabilidade democrática desde então vigente remeteu,

ORGULHO X VERGONHA Enquanto Dilma se alia a Lula, Serra tenta esconder herança de FHC

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A MELHOR OPÇÃO PARA O PAÍS

Valter Campanato/Agência Brasil

ao menos até agora, as tensões sucessórias ao arquivo morto da política nacional. Ainda assim, a sucessão do presidente Lula contém dramaticidade singular, ou seja, se realiza mediante o duro confronto entre dois projetos antagônicos para o Brasil. Como disse o sociólogo Emir Sader, as eleições presidenciais de outubro defi nirão “se o governo Lula é um parêntese, com o retorno das coalizões tradicionais que governaram o Brasil ao longo do tempo, ou se é uma alavanca para, defi nitivamente, sair do modelo neoliberal e construir uma sociedade justa, solidária, democrática e soberana”.

Não há como camufl ar a realidade desse confronto. De um lado, apresenta-se o projeto da oposição neoliberal, com seu ideário predatório dos direitos sociais, devastador do Estado, privativista e autoritário, alinhado à hegemonia norte-americana. A candidatura José Serra o representa. De outro lado, o projeto liderado pela ex-ministra Dilma Rousseff, de continuidade e aprofundamento das conquistas do governo Lula, comprometida com o fortalecimento do Estado como indutor do desenvolvimento, com amplas e profundas políticas sociais, com o acelerado crescimento econômico associado à melhor distribuição de renda e redução das desigualdades e com a manutenção da inserção soberana do Brasil no contexto internacional. O jogo eleitoral, portanto, está muito além de meramente cotejar os atributos pessoais dos candidatos (ainda que eles tenham importância).

No confronto que se estabelece entre esses dois projetos antagônicos para o Brasil, não há como fugir da comparação entre os anos FHC e os anos Lula. Eles representaram, afi nal,

a aplicação concreta das duas linhas em disputa, com José Serra e Dilma Rousseff desempenhando papel estratégico – ele como ministro do Planejamento e da Saúde de FHC, ela como ministra das Minas e Energia e, depois, da Casa Civil de Lula.

UM SALTO GIGANTESCO

A eleição de Lula representou, de fato, avanços sem precedentes para o Brasil, a começar pelo plano simbólico. A simples existência de um presidente egresso da classe operária, ex-metalúrgico e retirante nordestino, lançou os trabalhadores a uma visibilidade e a um protagonismo nunca atingidos. Getúlio foi venerado pelos trabalhadores até décadas após sua morte (e ainda hoje pelos mais antigos). Mas o “velho” não era um deles, era um rico estancieiro gaúcho.

No entanto, foi no plano concreto que as conquistas do governo Lula mostraram-se implacavelmente categóricas. Representaram, de fato, um salto gigantesco no desenvolvimento político e socioeconômico do Brasil, sob a coordenação da então ministra-chefe da Casa Civil Dilma Rousseff. Ela própria, agora candidata à Presidência da República, assim defi ne o modelo que ajudou a construir:

“Desfrutamos de estabilidade econômica, agora com grandes reservas internacionais. Se antes íamos de pires na mão ao FMI pedir empréstimos, hoje não apenas pagamos a dívida como emprestamos dinheiro a esse organismo internacional. Recuperamos a autoconfi ança e o prestígio político e econômico no mundo. O Estado brasileiro retomou sua capacidade de planejar e de integrar-se com o setor produtivo. O crescimento do

ORGULHO X VERGONHA Enquanto Dilma se alia a Lula, Serra tenta esconder herança de FHC

Marcelo Botelho/O

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CAPA

Produto Interno Bruto acelerou. O número de famílias abaixo da linha de pobreza decresceu. Milhões de pessoas ingressaram na classe média, na economia formal e no mercado de consumo de massa. A aceleração do desenvolvimento econômico e social foi alcançada com controle da infl ação, redução do endividamento do setor público e diminuição da vulnerabilidade das contas externas do país diante de choques internacionais”.

Os indicadores saltam aos olhos. A geração de empregos formais, por exemplo, deverá fechar os oito anos do governo Lula na casa dos 14 milhões de novos postos de trabalho, enquanto na era FHC não passou de 780 mil. Desde 2003, o rendimento médio dos trabalhadores cresceu 18,25% em termos reais, com o salário mínimo saltando dos US$ 64 com FHC para os US$ 290 ao fi nal do governo Lula. O Bolsa Família já atende mais de 12 milhões de famílias, contribuindo decisivamente para a redução da pobreza extrema de 12% em 2003 para 4,8% em 2008. Aliás, na mobilidade social é que estão os indicadores mais impressionantes. Se na era neoliberal de FHC dois milhões de pessoas deixaram a linha da pobreza, com Lula esse total elevou-se para 23

milhões de brasileiros, enquanto que outros 31 milhões foram engordar a classe média.

Ao invés do apagão e do racionamento da era FHC, o governo Lula estendeu a energia elétrica, através do programa Luz para Todos, a mais de dez milhões de pessoas do meio rural. Em cinco anos de vigência, o ProUni ofereceu quase 700 mil bolsas de estudo para estudantes pobres em 1.400 instituições privadas de ensino superior. Eis uma área em que os dois projetos se mostraram diametralmente opostos: a educação. No governo do metalúrgico Lula foram criadas dez universidades federais, 45 extensões universitárias e nada menos que 214 escolas técnicas. Nos anos neoliberais de FHC, o sociólogo, nada. Não é por menos que o número de estudantes universitários no Brasil tenha crescido 46% nos últimos seis anos. Estima-se que a posse de um diploma universitário possibilite aumento de cerca de 170% na renda de um trabalhador.

A insuspeita revista britânica “The Economist”– insuspeita por representar o pensamento neoliberal – cotejou ambos governos, chegando a conclusões, digamos, terminantes. Mostrou, por exemplo, que sob Lula, o risco Brasil despencou dos 2.700

pontos sob FHC para apenas 200, que a dívida com o FMI foi paga e os valores e reservas do Tesouro Nacional saltaram dos US$ 185 milhões negativos no governo neoliberal para US$ 160 bilhões positivos nos últimos anos. Embora ainda bastante elevada, a taxa de juros Selic caiu em mais da metade dos 27% da administração tucana. Durante as três crises mundiais ocorridas durante seu governo, FHC aumentou os impostos, desvalorizou os salários e endividou-se ainda mais com o FMI. O governo Lula sofreu, no ano passado, a maior crise do capitalismo mundial desde 1929. Sua receita: reduziu impostos, aqueceu a economia, dispensando empréstimos externos. O Brasil foi dos primeiros países a superar as difi culdades advindas da crise.

A atitude dos governos tucanos com relação aos movimentos sociais é a repressão e a criminalização. O ponto alto ocorreu no Pará governado pelo tucano Almir Gabriel, com o massacre dos trabalhadores rurais sem terra em Eldorado dos Carajás, do qual resultaram 19 mortes. Em São Paulo, mais recentemente, sob o governo José Serra, a PM foi lançada contra professores em greve. O presidente Lula sempre dialogou com o movimento social. Suas políticas públicas resultaram em nada menos do que 72 conferências nacionais, que

INCLUSÃO Lula e Marisa celebram vitória dos benefi ciados do ProUni

NOVA ERA “Brasil decola”,diz The Economist

Agên

cia

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garantiram um amplo diálogo juntos a diversos setores sociais.

BRASIL DECIDE SEU FUTURO EM OUTUBRO

O avanço civilizatório que o governo Lula vem proporcionando ao Brasil, demonstrando, nas palavras de Dilma Rousseff, que “estabilidade monetária, crescimento, empregos com carteira assinada, investimentos públicos e privados e inclusão social acelerada não eram coisas inconciliáveis”, expressa não apenas vontades individuais (embora elas existam e sejam importantes), mas um projeto articulado e consistente para o país a partir da visão democrática e progressista – e por isso generosa – das forças políticas que dão sustentação ao governo. Um projeto que implica alterações de fundo na sociedade brasileira, cobra continuidade para enraizar-se e tornar-se verdadeiramente estruturante de um novo Brasil, includente, soberano, democrático e de progresso social. Garantir esse rumo ou mudá-lo: eis o sentido mais essencial e de alcance estratégico que os brasileiros farão em três de outubro.

Os brasileiros emitem sinais inequívocos de que estão satisfeitos com o governo Lula e desejam a continuidade de suas políticas. Os índices dessa aprovação têm batido recordes seguidos e alcançam mais de 90% (contando os que julgam o governo regular, o que não signifi ca desaprovação). Mas o projeto liderado por Dilma Rousseff não é, como ela própria diz, “oferecer mais do mesmo em relação ao que o Brasil viveu nos últimos anos. É a continuidade da mudança, é continuar mudando para melhor – o emprego, a renda, a saúde, a segurança pública, a educação, a eliminação da pobreza extrema, a inserção de milhões e milhões de brasileiros na classe média, o combate à desigualdade entre as pessoas, os gêneros, as etnias e as regiões”.

Segundo a ex-ministra, a nova etapa do desenvolvimento brasileiro resultante do aprofundamento das conquistas do governo Lula começará pela educação, “um dos gargalos para o desenvolvimento sustentado e para a elevação do padrão de vida dos brasileiros”. Essencial será manter e desenvolver a política agressiva de expansão da indústria e do setor de serviços e incrementar os investimentos em pesquisa, inovação e política industrial, com ênfase na biotecnologia, agroenergia e fármacos, setores considerados de ponta. A meta é fortalecer o tripé que une empresas privadas, institutos tecnológicos e universidades.

O projeto encabeçado por Dilma Rousseff e que agrega as forças democráticas e progressistas do país reafi rma a disposição de reforçar o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Segundo a ex-ministra, “em apenas três anos, o mais bem-sucedido programa de governo voltado para a infraestrutura quase duplicou a participação do investimento público no PIB brasileiro e redimensionou o padrão de parceria entre os setores público e privado.” Com isso, o novo governo seguirá incrementando nas grandes cidades serviços públicos fundamentais como água e esgoto, devolvendo a

paz social, ampliando o acesso ao esporte, lazer e cultura e oferecendo transporte acessível e ambientalmente sustentável.

A manutenção do projeto liderado pelo presidente Lula terá amplas e profundas repercussões internacionais, sobretudo na América Latina, onde a infl uência de um Brasil democrático, progressista, defensor da soberania dos povos e das nações e amante da paz é uma das garantias de que a maioria dos países do sub-continente seguirão sua marcha afi rmativa de progresso social e independência nacional.

MOBILIZAÇÃO EM TORNO DE BANDEIRAS CLASSISTAS

Os trabalhadores não podem ser indiferentes ao que estará em jogo nas eleições de outubro, limitando-se a contemplar os acontecimentos e, quando muito, restringindo seus pleitos a interesses meramente corporativos de alcance imediato. Afi nal, serão eles os principais benefi ciários ou as vítimas do projeto que sair vitorioso nas urnas. A CTB, que luta por um novo projeto nacional de desenvolvimento fundado na defesa da soberania do Brasil e na valorização do trabalho, já tomou posição. Em 30 de julho

RESPEITO Após FHC, movimentos passaram a ter diálogo aberto com o governo

Jornal Hora do Povo

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CAPA

último, sua direção plena decidiu apoiar a candidatura de Dilma. “A CTB reconhece que, no campo progressista, a candidatura de Dilma Roussef é a que reúne condições políticas efetivas para derrotar o candidato neoliberal do DEM/PSDB/PPS, José Serra, e dar novo impulso ao processo de mudanças inaugurado pelo presidente Lula e seus aliados”, afi rma documento emitido pela central.

Segundo Nivaldo Santana, presidente em exercício da CTB, “a luta por um projeto nacional de desenvolvimento, do qual a vitória de Dilma Roussef é parte, cobra dos trabalhadores maior mobilização e protagonismo em torno de bandeiras classistas de importância estratégica”. Neste sentido, foi de enorme importância a realização, no inicio de junho último, em São Paulo, da 2ª Conferência Nacional da Classe Trabalhadora (Conclat), convocada por cinco das centrais sindicais reconhecidas pelo governo federal. Reunindo milhares de lideranças de diferentes tendências políticas e ideológicas, a Conclat debateu e defi niu uma plataforma unifi cada da classe trabalhadora para a intervenção nas eleições de outubro e nas lutas vindouras. E produziu uma agenda encaminhada à ex-ministra Dilma Rousseff durante a plenária “Mulheres

Trabalhadoras com Dilma Presidenta”, realizada em último dia 17 de agosto, em São Paulo.

A agenda reúne um conjunto de propostas voltadas para a construção de um vigoroso desenvolvimento socioeconômico no Brasil, com o Estado no papel de indutor e promotor. Disso decorre, entre outras iniciativas, a efetivação de reformas estruturais. A reforma tributária, visando à progressividade dos impostos, taxação das grandes fortunas e propriedades e a democratização do Conselho Monetário Nacional; a política, com o fi nanciamento público das campanhas, o voto em lista partidária e o fi m das cláusulas de barreira; a reforma agrária, com o fortalecimento da agricultura familiar, por meio de crédito e preço mínimo

e democratizando o acesso à terra; a urbana, centrada no combate ao défi cit habitacional e a construção de cidades sustentáveis. A agenda ainda inclui a garantia de educação pública e gratuita para todo o povo brasileiro, o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS) e a redução da jornada de trabalho sem redução de salários.

Os sinicalistas também defendem a regulamentação do sistema fi nanceiro, a ratifi cação da Convenção 158 da OIT, o fi m do fator previdenciário, a valorização dos trabalhadores do serviço público, mantendo os acordos fi rmados com as entidades sindicais do funcionalismo e as políticas de reestruturação do Estado (via concurso público), uma profunda alteração na política de comunicação, combatendo os monopólios midiáticos e fortalecimento das mídias alternativas e garantir que os recursos do Pré-sal sejam utilizados para a educação, erradicação da pobreza e combate às desigualdades sociais.

A “Agenda da Classe Trabalhadora”, que orientará a conduta do sindicalismo classista não apenas nas eleições do momento, mas no curso das demais lutas, deverá também sustentar a eleição de senadores e deputados (federais e estaduais), alinhados com ela alinhados. Afi nal, a vitória de Dilma em outubro estará incompleta se não for acompanhada pela eleição de senadores e deputados compromissados com a causa democrática e progressista dos trabalhadores. Com o apoio de uma extensa e convicta bancada de parlamentares, o novo governo vencerá mais facilmente os obstáculos conservadores no Parlamento, driblando negociações tortuosas, muitas vezes à custa de concessões importantes.

* Luiz Manfredini é jornalista e escritor em Curitiba, membro do Conselho Editorial da revista “Princípios”, representante da Fundação Maurício Grabois no Para-ná e autor de “As Moças de Minas”

INTERAÇÃO Durante a Conclat, público analisa a Agenda da Classe Trabalhadora

PROTAGONISMO Para Nivaldo, vitória de Dilma requer mobilização

Mauricio M

oraisJesus Carlos

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CONJUNTURA SINDICAL

etrocesso ou mais avanços? Enfraquecimento ou

busca pelo protagonismo? Para a classe trabalhadora brasileira, as eleições de 3 de outubro representam muito mais do que a mera escolha entre o candidato X ou a candidata Y. Estará em disputa a possibilidade de o Brasil assumir em definitivo um projeto nacional de desenvolvimento, que tenha os trabalhadores e as trabalhadoras na linha de frente das mudanças e que seja capaz de levar o país a um novo patamar social.

Diante dessas possibilidades, é impensável imaginar o movimento sindical ausente de tal disputa política. Mais do que isso: a classe trabalhadora tem mostrado estar na vanguarda do processo cujo ápice ocorrerá em 3 de outubro, por meio da colaboração militante, da elaboração de propostas e da participação efetiva nas eleições, apresentando suas próprias candidaturas.

A mais destacada contribuição do sindicalismo para esse processo se deu durante a 2ª Conclat, realizada no último 1º de junho.

Mais do que uma simples eleição

Estará em disputa a possibilidade de o Brasil assumir em definitivo um projeto nacional de desenvolvimento, que tenha os trabalhadores e as trabalhadoras na linha de frente das mudanças

A aclamação da Agenda da Classe Trabalhadora, documento composto por 229 propostas visando a um novo projeto de nação para o país, demonstrou à sociedade brasileira a capacidade dos trabalhadores e das trabalhadoras de participar ativamente do processo político nacional.

A partir da unidade conquistada pelas centrais sindicais participantes da Conclat, foi possível demonstrar a capacidade da classe trabalhadora de assumir uma posição de maior protagonismo. Dessa forma, a escolha de apoiar alguma das candidaturas que se apresentam para suceder o presidente Lula dependeria de seus programas de governo. Não seria possível, obviamente, estar ao lado de quem não tivesse compromisso com as propostas da Agenda aclamada na Conclat.

Entre as candidaturas apresentadas, a Direção Nacional da CTB entendeu que o nome de Dilma Rousseff é, sem dúvida, a melhor escolha a ser feita pela Central. Por sua condição de gerente de grande parte dos projetos bem sucedidos do governo Lula, a ex-ministra da

Casa Civil certamente saberá como dar continuidade aos avanços obtidos nos últimos 8 anos.

Mas é importante destacar que, tão importante quanto a eleição de Dilma para a Presidência da República, deve ser a escolha de candidatos ao Senado, à Câmara dos Deputados e às assembleias legislativas de todo o país. É preciso dar vez a candidatos que também estejam comprometidos com as causas dos trabalhadores e dispostos a batalhar por seu protagonismo.

Após décadas de retrocesso e um pequeno período de resgate do desenvolvimento, é impensável imaginar um retorno à postura defensiva que caracterizou o sindicalismo nos anos 90, auge das políticas neoliberais. Os dois mandatos do presidente Lula foram capazes de pôr fim a uma fase inglória para o povo brasileiro, mas esse é só o princípio de uma nova fase, cujos novos passos dependerão – e muito – dos resultados de 3 de outubro e da postura que vier a ser adotada pela classe trabalhadora daqui por diante.

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Wagner Gomes é presidente -licenciado da CTB

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UM PROJETO PARA O BRASILDo Fórum Nacional de Lutas à Coordenação dos Movimentos Sociais, trajetória dos movimentos sociais no país refl ete avanços da última década

Fernando Damasceno*

BRASIL

ena 1: Corria o ano de 1995, com Fernando Henrique Cardoso ainda se habituando

à vida no Palácio do Planalto. Em maio, após constatar que o novo governo não cumpriria três acordos fi rmados pelo presidente Itamar Franco, a Federação Única dos Petroleiros (FUP) entrou em greve, num movimento que duraria 32 dias. Sem acordo, FHC usa a força do Exército para invadir refi narias e desmobilizar os trabalhadores.

Cena 2: Eldorado de Carajás, Pará, abril de 1996. Cerca de 1.500 trabalhadores rurais sem-terra acampados decidem realizar uma marcha pacífi ca, contra a demora pela desapropriação de fazendas na região. A Polícia Militar é acionada para conter o protesto. No total, 19 pessoas morreram na hora, outras duas vieram a falecer anos depois – vítimas das seqüelas – e outras 67 fi caram feridas.

Cena 3: Agosto de 1999, Brasília. Sindicatos, movimentos sociais e partidos políticos se mobilizam para protestar contra a corrupção, a política neoliberal

de FHC e a situação de calamidade social do Brasil, naquela que entrou para a história como a Marcha dos 100 mil. Para as forças progressistas do país, um marco político. Para o governo federal, uma “ação golpista”.

Cena 4: Em meio à ofensiva da direita contra o presidente Lula, em agosto de 2005, movimentos sociais reúnem 40 mil pessoas em Brasília para o Dia Nacional de Luta, contrapondo-se à escalada golpista em curso e cobrando do governo

MOBILIZAÇÃO Petroleiros vão à luta contra FHC e por seus direitos

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UM PROJETO PARA O BRASIL

federal a apuração das denúncias de corrupção, mudanças urgentes na condução da política econômica do país e investimentos mais amplos para as áreas sociais.

Cena 5: São Paulo, maio de 2010. Três mil líderes de

organizações sociais aprovam o Projeto Brasil, documento com propostas de políticas públicas para que o(a) presidente eleito(a) para suceder Lula dê continuidade e aprofunde as mudanças iniciadas pelo atual governo.

Agência Globo

Foram essas organizações que atuaram de forma decisiva na conjuntura política dos últimos 20 anos – e continuam atuando até hoje

Projeto Brasil reúne reivindicações dos movimentos sociais para o país

A CMS reuniu três mil lideranças de movimentos sociais de todo o país em São Paulo, no último dia 31 de maio, para aprovar, durante a Assembleia dos Movimentos Sociais, um documento que fosse capaz de unifi car as reivindicações das entidades populares para o Brasil, com vistas às eleições de 2010 e a continuidade dos avanços obtidos pelo governo Lula.

A CTB é uma das entidades que aprovaram a criação e ajudaram a elaborar o chamado Projeto Brasil. O documento não é uma mera plataforma dos movimentos sociais para as eleições, mas, sobretudo, uma elaboração permanente de suas demandas sociais.

Recentemente, a direção da CMS defi niu que o Projeto Brasil será entregue antes de 3 de outubro a todos os candidatos e candidatas à Presidência da República, exceto José Serra. O documento divulgado pela Coordenação esclarece que a plataforma não será entregue ao tucano “por entender que sua candidatura representa o retrocesso, o retorno das políticas do governo FHC e a criminalização dos movimentos sociais”.

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12 VISÃOClassista

O intervalo de 15 anos descrito nas páginas anteriores é um refl exo de algumas mudanças pelas quais os movimentos sociais brasileiros passaram durante esse período. Ao longo dos anos 90, ainda organizados no Fórum Nacional de Lutas e sob a avalanche neoliberal, entidades como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), a União Nacional dos Estudantes (UNE), movimentos ligados às lutas dos negros, de mulheres e de luta por moradia, trabalhadores do campo e da cidade eram tratados pelo governo federal como criminosos.

Foi necessária uma luta intensa ao longo dos últimos anos para que esse quadro se revertesse – ainda que parcialmente. A vitória eleitoral de Lula e das forças progressistas em 2002 impulsionou o início da mudança no tratamento dispensado aos movimentos sociais, processo ainda em curso e longe de ser considerado algo bem resolvido dentro da sociedade brasileira.

“Foram essas organizações que atuaram de forma decisiva na conjuntura política dos últimos 20 anos – e continuam atuando até hoje. Desde que os setores populares se organizaram e se mobilizaram ao longo desse período, foram produzidas diversas lutas em defesa dos direitos do povo e dos trabalhadores. Consequentemente, essa ação gerou o aumento dos direitos para a população”, avalia Carlos Rogério Nunes, secretário de Políticas Sociais da CTB.

DO CAOS À POSSIBILIDADE DE REAIS AVANÇOSDe fato, é difícil imaginar a

situação em que o Brasil estaria hoje sem levar em consideração o papel dos movimentos sociais desde o advento das políticas neoliberais, ainda no governo de Fernando

Collor de Mello. Ao longo dos anos 90, o caráter antipopular das políticas implementadas no país evidenciou de que lado estava cada um dos personagens do cenário político vigente.

“A greve de maio de 1995 foi o maior momento de enfrentamento classista ao governo FHC e às suas políticas neoliberais. Derrotamos FHC, obrigando-o a tirar a máscara de democrata”, afi rma, em entrevista para o site da Federação Única dos Petroleiros, Antônio Carlos Spis, dirigente da CUT e à época líder do movimentoque resultou no uso do Exército para controlar as refi narias do país, em entrevista concedida ao site da Federação Única dos Petroleiros.

Diante desse cenário, no fi nal de 1997, por iniciativa de diversas entidades da sociedade civil, partidos políticos de esquerda, sindicatos e organizações não-governamentais, surge o Fórum Nacional de Lutas por Terra, Trabalho e Cidadania, com o propósito de combater a ofensiva neoliberal em curso e a falta de diálogo com os movimentos sociais.

Dois anos depois, em 1999, as lideranças reunidas em torno do Fórum se erguem para aquele que

BRASIL

MATANÇA No Pará, trabalhadores sofrem o mais duro golpe

Surge o Fórum Nacional de Lutas por Terra, Trabalho e Cidadania, com o propósito de combater a ofensiva neoliberal em curso

é considerado como o auge da luta travada contra FHC e sua política retrógrada: a Marcha dos 100 mil a Brasília, que contou também com um abaixo-assinado subscrito por 1,3 milhão de brasileiros insatisfeitos com a corrupção, a política econômica e o caos social do país.

A então senadora pelo PT e hoje candidata à sucessão do presidente Lula pelo PV, Marina Silva, disse logo após a Marcha dos 100 mil que a sociedade mostrou-se capaz de se mobilizar por uma grande bandeira: o destino do país. “O movimento teve a força da primavera, que faz surgirem brotos em arvores murchas e desfolhadas”, afi rmou na ocasião.

O PONTO DE VIRADAApesar da dimensão alcançada

pela Marcha, a difícil situação enfrentada pelos movimentos sociais do país não foi aliviada durante os anos seguintes. João Paulo

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13VISÃOClassista

Rodrigues, membro da direção do MST, avalia que sua entidade acabou saindo mais fragilizada desse processo.

“Eu acho que o principal papel que o MST cumpriu naquele período foi justamente o de fazer uma critica mais contundente ao governo Fernando Henrique Cardoso, pelo poder de mobilização que tínhamos na época, fase em que o movimento sindical estava fragilizado, assim como o movimento estudantil. Mas tivemos coerência do ponto de vista político e fi zemos a crítica ao neoliberalismo”, explica. “Saímos sem conquistas, saímos com uma grande repercussão contra o nosso movimento e com pouca conquista econômica, poucas famílias assentadas”, complementa o dirigente.

No entanto, os trabalhos do Fórum Nacional de Lutas resultaram em uma articulação política que atingiu setores da sociedade mais amplos, como a Igreja Católica (por meio da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB) e grupos de empresários insatisfeitos com os rumos do governo FHC. Essa composição acabou por ter um papel fundamental na disputa eleitoral de 2002, cujo ápice se deu na vitória de Lula.

UMA NOVA ESTRUTURAA chegada de um líder popular

à Presidência da República exigiu dos movimentos sociais brasileiros um novo formato de organização, que fosse capaz de garantir, ao mesmo tempo, uma articulação efi ciente com o novo governo, a abertura necessária para criticá-lo e também o respaldo para apoiá-lo na constante luta contra as forças conservadoras do país.

Assim, com a experiência acumulada do Fórum Nacional de Lutas, surge em meados de 2003 a Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS), tendo à frente entidades como o MST, a CUT e a União Nacional dos Estudantes (UNE).

Para Carlos Rogério Nunes, a Coordenação tem cumprido de modo exemplar seu papel, colocando-se na linha de frente das mudanças sociais em curso. “A experiência da CMS está sendo importante na conjuntura política, social e econômica brasileira. Sua ênfase é na defesa dos direitos do povo”, sustenta.

Lúcia Stumpf, ex-presidente da UNE e secretária nacional de Movimentos Sociais do PCdoB, destaca o papel desempenhado pela CMS ao longo dos últimos anos. “Ela é a nova confi guração que movimentos sociais encontraram a partir da vitória de Lula, e tem demonstrado grande importância nas mobilizações do país, como vimos no Dia Nacional de Lutas em agosto de 2005. Nesse novo período, a CMS vem tendo maturidade para suportar a pressão exercida contra o governo, mas também para cobrar mais avanços sociais”, argumenta.

Esse papel desempenhado pelos movimentos sociais em geral é reconhecido também pela candidata escolhida por Lula para sucedê-lo. Para Dilma Rousseff, em seu governo está descartada qualquer possibilidade de criminalização de qualquer entidade que lute por seus direitos.

“O governo é uma instituição que tem que ser de e para todos. Portanto, quando você considera os movimentos sociais, vai ver que representam uma parte da sociedade. Não podem ser reprimidos, recebidos a bordoadas ou criminalizados. Eles devem ser tratados como uma

* Colaborou Fábio Rogério RamalhoTucanos e os movimentos sociais: a busca pela “massa cheirosa”

O governo antipopular de FHC e diversas experiências do PSDB em governos estaduais afastaram completamente o partido de qualquer movimento social progressista do país.

Essa distância tem impedido que o PSDB e os partidos que orbitam em torno de suas candidaturas organizem grandes atos políticos, capazes de reunir sua “militância”. No entanto, algo inusitado ocorreu em abril deste ano, em Brasília, no dia em que José Serra fi nalmente decidiu se declarar ofi cialmente como postulante à sucessão de Lula: havia muita gente lá!

O excesso de pessoas despertou a atenção de boa parte da mídia brasileira, mal acostumada a tais colóquios. A jornalista Eliane Cantanhêde, da “Folha de S.Paulo”, descreveu o evento como algo com “muita gente, muita bagunça e muita confusão” e disse que parecia, enfi m, que o PSDB estava “se tornando um partido popular, de massas”.

Mas Cantanhêde não se furtou a descrever dessa maneira o ato pró-Serra e confi denciou aos internautas a declaração de um “assessor que conhece bem o PSDB”: “Um partido de massa, sim. Mas uma massa cheirosa”, relatou a jornalista, corroborando o comentário do tucano.

Boris Casoy não faria melhor em matéria de preconceito.

questão social, e não como caso de polícia”, afi rmou, durante o ato político realizado pelo PSB em apoio à sua candidatura, em julho deste ano.

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POVO BRASILEIRO QUER MAIS TRANSFORMAÇÕESCinthia Ribas e Fábio Rogério Ramalho

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m um cenário no qual as forças progressistas

comemoram a vantagem de Dilma Rousseff sobre José Serra nas pesquisas

eleitorais, o rumo que o país pode “tomar” começa a se desenhar à frente dos brasileiros e das brasileiras. Nesse clima favorável de

crescimento e pujança econômica, Renato Rabelo, presidente Nacional do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), recebeu

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POVO BRASILEIRO QUER MAIS TRANSFORMAÇÕES“Processo de mudanças iniciado por Lula não pode ser interrrompido”

Visão Classista: Qual é o centro da luta para as eleições 2010?Renato Rabelo: Em 2010, ano de uma eleição geral, estão em jogo as questões mais importantes para o poder político do país. Vamos escolher desde o presidente até governadores de estado, senadores e deputados estaduais e federais. Ao situarmos isso no contexto atual, temos que considerar a continuidade desse programa aplicado por Lula, basicamente um projeto que começou a ganhar corpo no segundo mandato. Um projeto inicial, porque o Brasil tem muitos dilemas e entraves, mas é um esboço de um projeto que se abre. Se você não continua esse processo, o Brasil pode entrar num “zig-zag”, com a volta de outra corrente política. A volta dos tucanos representaria outro projeto.

Visão Classista: O que representaria essa volta?Renato Rabelo: A volta dos tucanos representaria o retrocesso. Alguns que estão por aí dizendo que é tudo a mesma coisa – tanto Dilma, quanto Serra –, usam de uma forma de enganar, de iludir o povo. É outro programa de governo. A volta dos tucanos causaria uma tensão social muito grande, porque a relação deles com os movimentos sociais é de criminalização. Eles não usam o

diálogo, e sim a repressão policial.No âmbito das relações externas,

todo esse empreendimento de integração do continente seria deixado de lado para que o país se voltasse mais para os Estados Unidos e a Europa. Há diferenças importantes. Sem falar dessa visão de desenvolvimento com distribuição de renda, que é uma marca do governo atual. Difi cilmente os tucanos iriam empreender um projeto com essa característica.

Nesse contexto, o importante é não interromper esse processo que se iniciou. Estamos vivenciando um momento histórico. Se continuarmos e conseguirmos mais dez anos com um projeto como esse, que prioriza o desenvolvimento e vai além, aí sim você pode realizar grandes mudanças e transformações no país. Por isso que estamos numa encruzilhada: ou mantemos esse rumo ou entramos numa situação imprevisível. Seria muito difícil continuarmos esse processo de transformação no país, de mudanças – algo que o povo está sentindo, que o povo quer. Essa é uma realidade objetiva.

Visão Classista: A cada pesquisa divulgada, Dilma aumenta cada vez mais a diferença sobre Serra. A partir daí quais são as perspectivas para as próximas eleições?Renato Rabelo: Exatamente por ser uma eleição na qual o governo teve êxitos, criou um sentimento de continuidade. Quando se fala que a Dilma está crescendo por isso ou por aquilo, analisa-se de maneira muito simplória a

a reportagem de Visão Classista. Nascido em Ubaíra, interior da Bahia, Rabelo iniciou sua militância no movimento estudantil quando cursava a Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia. Foi eleito duas vezes vice-presidente nacional do partido, depois de ter sido responsável pelas secretarias de Juventude e Organização. Em 2001, foi eleito presidente nacional do PCdoB, sendo reeleito em 2005 e 2009. Participou das coordenações das cinco campanhas de Lula, desde 1989 – tendo passado a integrar o Conselho Político do Governo da República durante seu segundo mandato. Confi ra nas próximas páginas os principais trechos da conversa, na qual Rabelo analisa o atual cenário político e a importância das próximas eleições para o futuro do Brasil.

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Temos que formar melhor o povo para que ele tenha condições de responder a essas exigências de produção, de maior qualidade. Com a universalização de uma educação de qualidade, sem ilhas de excelência apenas para poucos, podemos preparar a nação para um desenvolvimento de maior porte.

Outro ponto é um sistema de saúde efi caz e o cuidado com o meio ambiente. O trabalhador precisa ter acesso a um atendimento de qualidade, como também promover um desenvolvimento com sustentabilidade. Não um desenvolvimento a qualquer custo. Não vamos criar uma série de barreiras para que o país se desenvolva, mas somos contra esse desenvolvimento predatório, no qual nós mesmos seremos os prejudicados. Então esse é outro desafi o para dar curso a esse modelo de desenvolvimento iniciado por Lula.

Visão Classista: O governo Lula foi marcado pela abertura do diálogo com a sociedade, pelas conferências nacionais como educação, esporte, comunicação, educação, entre outras. O que representou para o país esse tipo de abertura?Renato Rabelo: O governo procurou responder a uma série de exigências que são necessárias para um governo de base popular levar em conta, que é o dialogo com setores sociais mais importantes. Houve essa preocupação do governo, pois se baseou em conselhos, conferências. Como por exemplo, o “Conselhão”, que leva em conta todos esses aspectos do desenvolvimento econômico e social, ouvindo pessoas representativas de todos os setores da sociedade, para que compusesse, a partir desse dialogo, um programa de governo. Além disso, realizou diversas conferências para elaborar suas

ENTREVISTA RENATO RABELO

questão. A Dilma está avançando constantemente porque é uma tendência, porque há um interesse do povo em dar continuidade a essa linha de governo que vem sendo aplicada. Se o governo Lula tem sido avaliado de forma positiva por uma grande parcela da população – e ele apresenta uma pessoa que vai continuidade ao projeto implementado por ele –, o povo vai seguir por ai.

Visão Classista: Então você acredita que a reversão do quadro, com Dilma em ascensão e Serra em declínio, é devido à compreensão dos eleitores em relação à função que ela desempenhou no governo Lula?Renato Rabelo: O povo, com o tempo, vai conhecendo a candidata apresentada e todas as suas realizações. Sabe que ela teve um papel chave no governo pra esse êxito. Sabe que ela foi a pessoa que coordenou todos esse grandes planos do governo. Na medida em que o povo vai se informando, ela vai passando à frente. A televisão demonstra isso com debates, conferências, entrevistas. O pano de fundo que contribuiu para a ascensão da Dilma demonstra que o povo quer isso. Por isso o Serra entrou numa situação difícil. Ele entrou numa contramão. Ele não sabe se é situação ou oposição. Tem hora que ele diz que é situação que vai continuar o governo Lula. Tem hora que ele tem que atacar o governo Lula. Ele já não sabe mais o que fazer. Ele vem demonstrando as difi culdades diante dessa difi culdade objetiva. Por isso, a possibilidade de êxito da candidatura Dilma é muito grande, com probabilidade de resolução do pleito já no primeiro turno. A tendência nos leva a acreditar nisso.

Visão Classista: Quais serão os desafi os para dar continuidade a esse projeto de desenvolvimento proposto?Renato Rabelo: O desafi o é avançar, pois isso é um começo. Por exemplo, no caso dos trabalhadores, um aspecto muito importante da mudança é a redução da jornada de trabalho. À medida que você reduz a jornada e mantém os salários, signifi ca que os trabalhadores estão aumentando sua renda, algo que representa uma conquista enorme no setor social. Não vamos conseguir um país avançado com baixos salários, e para isso é preciso uma economia que gere produtos com grande valor agregado, na qual tenhamos empregos com salários maiores. Com uma economia atrasada, os salários serão sempre menores. Então esse é o grande desafi o: não queremos construir um país que seja exportador só de commodities, que seja um grande exportador de minérios. Nós queremos ir além. Queremos um país com uma indústria avançada. Que sejam produzidas mercadorias com grande valor agregado. Porque ele tem condições objetivas para isso. E que isso se traduza em melhores salários para os trabalhadores.

Outro desafi o está no setor da educação. Não vamos conseguir avançar se não tivemos educação e saúde de qualidade para a população.

“À medida que as centrais estão unidas em torno de uma plataforma com reivindicações centrais, isso dá uma grande forçapara a luta dos trabalhadores”

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políticas públicas – um grande avanço democrático.

A partir do momento em que você mobiliza, em todos os estados, pessoas que possam contribuir efetivamente para esse debate – e chega a conclusões de como sugerir e propor políticas públicas para aquelas área específi cas – é maravilhoso. Isso nunca tinha acontecido no país. É uma forma de governar ouvindo o povo, sempre vendo quais são os anseios, os problemas mais candentes, procurando sempre ouvir a sociedade e, sobretudo, as camadas populares de trabalhadores.

Visão Classista: Qual o papel dos movimentos sindicais para o fortalecimento da luta dos trabalhadores brasileiros?

Renato Rabelo: As grandes mudanças e a sustentação das grandes transformações dependem da iniciativa do movimento social e popular – sem isso não teremos grandes transformações. Porque elas se fazem em cima de contrariar interesses – e, às vezes, interesses de poderosos. Então, se você não mobiliza o povo e ele não se mobiliza em determinadas situações para defender seus interesses, se contrapondo a um poder, exercendo uma força de pressão

“Esse movimento social e sindical,organizado e lutando por interesses fundamentais, é uma força-motriz da transformação”

maior, não vai haver mudança e nem transformação. Esse movimento social e sindical, organizado e lutando por interesses fundamentais, é uma força-motriz da transformação.

É nisso que temos que avançar mais. Os movimentos têm que se organizar e ter bandeiras inclusive políticas, pois essa história de que um movimento social não pode ter bandeira política é para botar o movimento social na defensiva, é dizer simplesmente que só pode fazer luta reivindicatória e econômica. É diminuir o alcance do movimento popular e não levar em conta que a unidade do povo em torno de questões políticas importantes é fundamental para alcançarmos objetivos de transformação.

Fábio Ramalho

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ENTREVISTA RENATO RABELO

Visão Classista: Quais entidades se destacaram nesses últimos anos?Renato Rabelo: Acredito que as centrais sindicais, com a legalização, deram um passo político importante. Não é por acaso que a oposição mais conservadora e reacionária luta contra isso. A UNE (União Nacional dos Estudantes) é outro destaque. Dentre essas entidades, talvez seja a mais antiga e a que manteve a unidade dos estudantes. Porque é única. Tentou-se criar algumas entidades paralelas, mas sem maior repercussão. Temos também a luta do MST, que é uma luta histórica pela Reforma Agrária.

Visão Classista: Por iniciativa da CTB, as centrais sindicais promoveram a 2ª Conclat neste ano. Como você viu essa iniciativa?Renato Rabelo: Isso faz parte do atual momento político que a gente vive. O grande objetivo é termos unidade dos trabalhadores. Daí o tamanho da importância da unidade surgida das centrais em torno de uma plataforma comum. Porque se você começa a ter uma plataforma comum das centrais com as reivindicações da classe, isso vai defi nir e fortalecer a unidade dos trabalhadores. Agora, se acontece o contrário, se cada central tem uma plataforma, enfraquece a luta dos trabalhadores na busca por suas reivindicações. Leva a uma pulverização do movimento, com cada um puxando para um lado. À medida que as centrais estão unidas em torno de uma plataforma com reivindicações centrais, isso dá uma grande força para a luta dos trabalhadores. É um grande passo político que a gente vive. A Conclat foi prova desse grande passo.

Visão Classista: A partir do resultado dessas eleições, você

acredita que certos partidos conservadores poderão sair das urnas fragilizados?Renato Rabelo: A vitória de uma candidata do nosso campo e da base que ela representa signifi ca que podemos ver uma mudança da correlação de forças no Congresso Nacional, com o crescimento da esquerda que apóia a candidatura de Dilma e daqueles que compõem essa base. Signifi ca que podemos ter uma composição de maioria no Senado e na Câmara. Temos que perseguir isso, porque não dá mais para eleger um presidente com até 60% os votos válidos e, no Congresso Nacional, não termos maioria para governar. Levando em contato o projeto e os partidos que o apóiam, talvez agora consigamos avançar mais no Congresso.

Visão Classista: Cada vez mais países têm escolhido mulheres para comandar a nação. Como você acha que a eleição de Dilma vai impactar a integração na América Latina?Renato Rabelo: Hoje você vê que a mulher vai jogando cada vez mais um papel importante. Aqui no Brasil derrotamos um preconceito ainda maior, que era o de escolher um operário para presidente da República. Signifi ca que abrimos caminhos para derrotar os preconceitos. Agora acumulamos força para derrotar o preconceito em relação à mulher, que já avançou muito nesse sentido. Uma vitória de forças progressistas e democráticas, que buscam projetos novos em nosso país, vai reforçar essa nova situação política na América Latina. Com esses governos que vêm buscando novos caminhos e reforçando a soberania nacional, buscando integração própria sem a tutela do imperialismo, a vitória da Dilma favorece e estimula essa tendência. Se não conseguirmos isso, se formos derrotados, vamos sofrer um impacto nessa questão da integração na América Latina, do avanço da esquerda.

“Queremos um país com uma indústria avançada. Que sejam produzidas mercadorias com grande valor agregado”

Maurício M

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MUNDO DO TRABALHO

Política pública para juventude

Escola inclusiva supõe o atendimento dos jovens em sua totalidade, capaz de adotar os instrumentos teóricos e metodológicos que compreendem o sujeito em sua atividade prática, ou seja, em sua vida e trabalho.

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Marcio Pochmann é Professor licenciado do Instituto de Economia e do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Universidade Estadual de Campinas. Presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).

s políticas públicas exercem papel essencial na vida

juvenil. Ao mesmo tempo em que consagra a trajetória educacional, o ciclo de entrada e saída do mercado de trabalho termina sendo pautado pelo sistema público de emprego e pelo comportamento geral da economia.

Frente à transição atual para a sociedade pós-industrial, a condição de vida juvenil passa a associar-se mais ainda à renovação das políticas públicas brasileiras. Isso porque a expectativa de vida cresce e aproxima-se cada vez mais dos cem anos de idade, acompanhada de crescentes requisitos de educação para a vida e para o novo trabalho imaterial. Nesse sentido, as possibilidades de acesso e manutenção da educação básica até a conclusão do ensino superior devem ser universalizadas, com a respectiva postergação do ingresso no mercado de trabalho para depois do 20 anos de idade.

Da mesma forma, cabe mencionar a crescente necessidade de a educação ser garantida para a vida toda. Isso é notado, sobretudo pela presença do desemprego na faixa estaria de 16 a 24 anos, que passou de menos de 12% da força de trabalho, em 1992, para 19% em 2003, para depois voltar a desacelerar até o patamar de 16% em

2008. Entre os ocupados, a informalidade alcançou dois a cada três grupos de jovens que trabalham

Em relação ao sistema educacional, percebe-se que dos 29,3 milhões de jovens de 16 a 24 anos de idade, somente 32,4% estavam afastados do mercado de trabalho em 2008, com 59% só estudando e 41% sem estudo e nem procura por trabalho (3,9 milhões). Dos que trabalhavam, somente 31,7% estudavam (5,3 milhões), indicando que a maior parte que se encontra ocupada não consegue estudar. No caso dos desempregados, 40% freqüentavam escola e 60% não estudavam (1,8 milhão).

No casa da população juvenil, a renda média mensal familiar per capita era de R$ 512,70 em 2008. Os jovens inativos que só estudavam tinham a renda média familiar per capita de R$ 633,20 ao mês (23,5% superior à renda média), enquanto para os jovens inativos que não estudavam a renda média familiar per capita era de somente R$ 309,60 ao mês em 2008. Para os jovens ocupados que estudavam, a renda média familiar per capita era de R$ 648,70 ao mês em 2008. Os jovens ocupados que não estudavam registraram renda média familiar per capita de R$ 492,20 ao mês em 2008, enquanto os jovens desempregados

que estudavam a renda média familiar per capita era de R$ 486,80 ao mês em 2008 (5,1% inferior à renda média).

Essas informações apontam uma relação inversa entre baixa renda e freqüência escolar, o que indica as assimetrias de rendimento fortemente interagindo com as desigualdades no acesso diferenciado sistema educacional dos jovens brasileiros. O baixo padrão de renda das famílias dos jovens brasileiros inibe o acesso e manutenção no sistema escolar. Enquanto os jovens que estudam e trabalham têm uma renda média familiar per capita de R$ 648,70, os jovens que não trabalham e não estudam (3,9 milhões), registram renda média familiar per capita era bem inferior, de R$ 309,60 ao mês.

A reflexão sobre essa triste realidade da juventude brasileira e sua trajetória de escolaridade exige a reafirmação do caminho da escola inclusiva que atenda a perspectiva de atendimento dos aspectos cognitivos, laboral e social. Escola inclusiva supõe, portanto, o atendimento dos jovens em sua totalidade, capaz de adotar os instrumentos teóricos e metodológicos que compreendem o sujeito em sua atividade prática, ou seja, em sua vida e trabalho.

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INTERNACIONAL

pós séculos de dominação, exploração e injustiça, a América Latina e seus

trabalhadores têm em mãos a oportunidade histórica de impor uma reviravolta nesse cenário. O atual momento político do continente, a delicada fase vivida pelo capitalismo e a possível reação imperialista frente às mudanças em curso confi guram um ambiente que pode elevar o povo da região a um patamar jamais alcançado.

É com esse espírito que se encerrou a terceira edição do Encontro Sindical Nossa América, em Caracas (Venezuela). Após três dias (21 a 23 de julho) de trabalhos e análises da atual conjuntura, seus mais de 500 participantes (cerca de 200 venezuelanos), vindos de 29 países, ratifi caram a unidade como o caminho necessário para a classe trabalhadora se tornar protagonista do cenário político na região.

O “Manifesto de Caracas”, documento subscrito por todas as entidades participantes do 3º ESNA (entre elas a CTB), faz um balanço do atual momento

Manifesto de Caracas e participantes do 3º Encontro Sindical Nossa América clamam por postura mais ofensiva dos trabalhadores do continente

Fernando Damasceno

AO CONTRA-ATAQUE!

Sem essa unidade da classe trabalhadora não haverá protagonismo

político e econômico da América Latina — com destaque para as comemorações do bicentenário de independência de diversas nações — e conclama os trabalhadores a lutar por uma nova fase na história do continente.

“Sustentamos que a crise é também uma oportunidade para nós, para os explorados, para os povos, para nos constituirmos como sujeitos conscientes da luta contra o regime do capital. Para nos constituirmos em construtores de nossa emancipação, para superar uma luta defensiva e construir nossa ofensiva na perspectiva de uma sociedade sem exploração”, diz o texto do Manifesto.

UM NOVO CICLO COMBATIVOJoão Batista Lemos, secretário

adjunto de Relações Internacionais da CTB, foi um dos principais organizadores do 3º ESNA. Para ele, a consciência de classe demonstrada pelos participantes do evento, merece ser destacada. “O que acompanhamos em Caracas foi algo realmente combativo, com um grande espírito de unidade. Sem essa unidade da classe trabalhadora

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INTEGRAÇÃO Dirigentes sindicais de todo o continente coordenam os trabalhos do ESNA

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21VISÃOClassista

AO CONTRA-ATAQUE!A experiência do sistema de autogestão

Uma das experiências mais ricas para os participantes que foram à Venezuela para o 3º ESNA foi tomar conhecimento, de forma mais profunda, dos processos de autogestão atualmente em curso no país.

Usinas de açúcar, de leite, torrefadoras de café, arrozeiras, produtoras de farinha de milho e diversos outros itens estão sendo transformadas em Empresas de Produção Socialista. Duas das mais importantes cadeias multinacionais de supermercados foram nacionalizadas e colocadas sob o controle de trabalhadores. A poderosa rede colombiana “Êxito” foi transformada na rede “Bicentenário”.

Nessa mesma linha, os problemas com a geração de energia elétrica do país vêm sendo enfrentados com uma mudança na condução dos rumos empresa nacional venezuelana Corpoelec, colocando-a sob controle dos trabalhadores e demitindo a antiga cúpula que controlava toda sua burocracia — responsável fi nal pela inefi ciência em seu planejamento.

Ao comentar o atual sistema de “controle obrero” implementado em seu país, o presidente Hugo Chávez afi rmou que a Venezuela está construindo seu próprio caminho

rumo ao socialismo. “Isso não é um dogma. Uma revolução está em marcha e ela está sendo arquitetada a partir de nossa realidade”, comentou.

Os trabalhadores têm tomado as rédeas em diversas empresas, elegendo representantes em assembleias, propondo – por meio de ofi cinas – modelos de gestão em áreas que vão desde a produção, a comercialização e as condições de trabalho, com vistas até mesmo à proteção do meio ambiente. Os bons resultados fi zeram com que trabalhadores das áreas de mineração, exploração fl orestal e de usinas siderúrgicas e de alumínio, com suas respectivas indústrias de transformação, também se incorporassem à autogestão.

Para Juan Castillo, foi bastante válido ter contato com a experiência venezuelana, embora ele tenha ressaltado que cada país deve procurar seu próprio processo, de modo a respeitar suas peculiaridades. “Vários avanços estão ocorrendo em vários países. Há uma coincidência, mas não há modelos para isso. Na Venezuela há experiências valiosas, que talvez não sejam aplicáveis ao Brasil e ao Uruguai, mas são respeitáveis e devem ser assimiladas pelos trabalhadores”, afi rmou.

não haverá protagonismo”, sustentou, ao fi nal das atividades em Caracas.

Durante o Encontro, os organizadores defi niram que sua quarta edição ocorrerá em julho de 2011, na Nicarágua. Juan Castillo, dirigente da uruguaia PIT-CNT, foi mantido no cargo de coordenador-geral do ESNA.

Castillo também viu como extremamente positivo o trabalho desenvolvido durante os três dias do Encontro. Ele entende que o atual momento vivido pela América Latina não admite a divisão da classe trabalhadora, em virtude do risco de retrocessos imensuráveis. “É necessário que haja um rotundo

INSPIRAÇÃO Chávez prestigia o encerramento do Encontro

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22 VISÃOClassista

Plataforma do 3º ESNA engloba 13 resoluções

Além do Manifesto de Caracas, a organização do 3º ESNA também defi niu uma lista de 13 pontos que formam sua plataforma para o próximo período. Veja abaixo:

1. Defesa dos direitos trabalhistas e sociais.

2. Integração solidária e soberana.3. Luta em defesa da soberania

alimentar sobre os recursos energéticos, hídricos, a biodiversidade e a sustentabilidade ambiental.

4. Trabalhar pela unidade de ação sindical e social dos que lutam a partir de sua condição de trabalhadores formais e informais, desempregados, trabalhadores rurais, indígenas, sem-terras, aposentados, mulheres e jovens trabalhadores.

5. Continuar com o trabalho unitário na busca permanente de espaços de atuação conjunta com as centrais sindicais mundiais e regionais, por onde possamos defender os interesses comuns dos trabalhadores. Promover a criação de uma mesa de diálogo para coordenar uma plataforma de ação comum.

6. Integrar-nos e trabalhar para fortalecer as instâncias sindicais regionais, valorizando o caráter unitário e democrático que as sustentam.

7. Construir um âmbito de intercâmbio com o conjunto de organizações sociais da América e criar a possibilidade de atividades, ações e mobilizações conjuntas. Estimular o papel de protagonista dos trabalhadores nas transformações políticas de nossas sociedades e nos inserir nas batalhas dos movimentos sociais, participando de forma recíproca das diferentes iniciativas, lutas e programas, ao passo em que oferecemos nosso apoio a suas ações.

8. Desenvolver em cada país espaços de convergência “Nossa América”, capazes de fortalecer os processos unitários internos e implementar, por meio de suas ações, as resoluções do ESNA.

9. Impulsionar, organizar, participar e prognosticar o desenvolvimento de encontros, seminários e outras formas de intercâmbios sobre diversos eixos temáticos. Fomentar o estudo das problemáticas que afetam aos trabalhadores e difundir materiais que contribuam para a clarifi cação das organizações sindicais.

10. Intensifi car a divulgação de ações sindicais e artigos de opinião do ESNA e de organizações sociais e sindicais integrantes e fraternas. As informações se remeterão à redação do boletim ESNA, que será publicado a cada 15 dias, assim como para a atualização permanente de sua página na internet (http://encuentrosindical.org). Além disso, poderão se desenvolver outras iniciativas comunicacionais que contribuam para os objetivos do ESNA.

11. Reafi rmar a necessidade da integração latino-americana e caribenha e, consequentemente, respaldar os projetos de integração que refl itam a realidade de nossa região e se constituam em prol de nossos povos.

12. Mobilizar-nos de forma permanente contra a manipulação informativa, impulsionando ações para a verdadeira democratização dos meios de comunicação escritos, gráfi cos e audiovisuais mercantilistas. Os grandes meios de comunicação desempenham hoje o papel de perseguir com mentiras os governos progressistas da região que atuam a favor dos povos, assim como as organizações sindicais, movimentos sociais e seus principais líderes, anestesiando a consciência dos povos e expandindo seu apetite consumista, bem como a violência e o individualismo.

13. Propor que cada organização, que assim o entenda, assuma o compromisso de uma cota, de acordo com suas possibilidades, para contribuir no cumprimento dos objetivos aprovados para o ESNA.

triunfo das forcas comprometidas com as mudanças”, afi rmou, em consonância ao “Manifesto de Caracas”, defendendo a necessidade de a classe trabalhadora deixar para trás a postura defensiva que a caracterizou por muito tempo, iniciando um novo ciclo, no qual ela tenha as rédeas do processo.

RESPOSTA AO IMPERIALISMOAs ideias defendidas por Batista

e Castillo encontram acolhida no discurso do presidente venezuelano Hugo Chávez, presente à cerimônia de encerramento do 3º ESNA. Em seu discurso, ele utilizou a expressão “contra-ataque” em duas ocasiões: a primeira para se referir à tática dos Estados Unidos em relação à América Latina, região onde o imperialismo vem sofrendo sucessivas derrotas; a segunda para sustentar que a classe trabalhadora deve assumir uma postura mais ofensiva em relação a seus interesses de classe.

Chávez citou o “Manifesto de Caracas” como indicativo de que os participantes do ESNA estavam no caminho certo de suas lutas. Em meio ao recente atrito diplomático com o então presidente colombiano Álvaro Uribe, ele se referiu à crescente presença militar dos Estados Unidos e à crise econômica mundial como fatos históricos que demandam uma resposta à altura — algo que pode vir a ser protagonizado pelos trabalhadores.

Para se chegar a tal estágio, no entanto, a direção do ESNA e grande parte daqueles que participaram de sua terceira edição entendem ser necessário investir na capacitação da classe trabalhadora. “Isso é imprescindível para nossa luta. Nossa missão deve ser a transformação social e o desenvolvimento de nossas

INTERNACIONAL

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23VISÃOClassista

Por maior mobilização, ESNA se reestrutura

A direção do ESNA também defi niu no evento de Caracas a divisão do continente em quatro grandes blocos organizativos, visando a uma maior mobilização das atividades programadas para os próximos meses: Cone Sul, Andina, América Central-Caribe e América do Norte.

Também foram defi nidos os responsáveis por cada secretaria que compõe o grupo operativo do ESNA. À CTB coube a Secretaria Técnica; à PIT-CNT, do Uruguai, se delegou a Secretaria-geral; a Secretaria de Formação será coordenada pela CTC de Cuba; e a Secretaria de Propaganda e Comunicação fi cou a cargo da CTA argentina.

sociedades. O movimento sindical não pode ser um mero expectador, mas deve ser um fi rme e ativo impulsionador das mudanças. Um lugar de vanguarda esta assegurado para os classistas nesse processo”, defendeu Ramón Cardona, secretário para as Américas da Federação Sindical Mundial (FSM).

Esse ponto de vista é corroborado por Salvador Valdés, secretário-geral da Central de Trabalhadores de Cuba (CTC). Ele entende que a principal razão de ser do ESNA é a luta por mudanças no continente, em busca de uma sociedade mais desenvolvida. “Temos que estar preparados

Para ler a íntegra do Manifesto de Caracas, acesse nosso Portal: www.ctb.org.br

“Nossa missão deve ser a transformação social e o desenvolvimento de nossas sociedades”

para deixar a defensiva e partir para uma ofensiva, em pensar como conseguirmos consciência para apoiar esses projetos de mudança, como enfrentar os redutos neoliberais, que ainda são poderosos e aliados do imperialismo norte-americano, como enfrentar a militarização dos Estados Unidos, traduzida nas diversas bases espalhadas

pelo continente”, afi rmou. “Os trabalhadores têm que denunciar e se municiar de informações contra essas iniciativas”, completou o sindicalista cubano.

Munida dessa consciência, a direção do ESNA propôs para a terceira edição do evento a discussão de um instituto destinado à formação, à pesquisa e à assistência técnica voltada para o movimento sindical latino-americano. Ao fi nal dos trabalhos, decidiu-se pela criação de um Grupo de Trabalho específi co para esse fi m, de modo a garantir que a luta da classe trabalhadora do continente tenha o embasamento necessário para atingir seus objetivos.

Eduardo Navarro

NA LUTA Brasileiros marcam presença no ESNA

PROTAGONISMO Batista e Castillo apostam na capacitação dos trabalhadores

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24 VISÃOClassista

Dieese lança publicação para celebrar 70º aniversário do Salário Mínimo e resgatar sua importância história para a classe trabalhadora

Fernando Damasceno

m tempos nos quais o Salário Mínimo recuperou grande parte de sua pujança junto à

economia brasileira, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) oferece à sociedade um importante trabalho de resgate histórico dessa ferramenta criada pelo governo Getúlio Vargas. Trata-se do livro Salário Mínimo – Instrumento de combate à desigualdade, lançado ofi cialmente durante a realização da Conclat, em 1º de junho deste ano.

O livro é uma contribuição do Dieese ao debate existente em diversos setores da sociedade brasileira a respeito desse tema. Seu objetivo é tratar de maneira abrangente as diferentes dimensões que o Salário Mínimo assumiu ao longo de seus 70 anos de existência, assim como seus efeitos sobre a classe trabalhadora.

O texto procura detalhar os impactos das fases de arrocho e de maior valorização do Salário Mínimo ao longo de sua história, até chegar aos dias atuais, nos quais grande parte da população se vê benefi ciada pela política de valorização adotada pelo governo Lula em relação ao SM. Seus inúmeros gráfi cos e tabelas corroboram a qualidade da pesquisa

ECONOMIA

SETE DÉCADAS DE ALTOS E BAIXOSrealizada para a redação do livro, além de sinalizarem a abrangência do trabalho de assistência técnica feito pelo Dieese junto às centrais sindicais.

Os dados são claros: entre abril de 2002 e janeiro de 2010, o SM teve um aumento real (descontada a infl ação) de 53,67%. O valor de hoje é o maior desde 1986, quando o salário médio real foi de R$ 517,22. O menor valor real da história do salário mínimo foi de R$ 249,56, em 1995, durante o governo Fernando Henrique Cardoso. O maior valor real, segundo o Dieese, foi visto em janeiro de 1959 (governo Juscelino Kubitschek), quando chegou a R$ 1.612, em números atualizados.

“JURÁSSICOS”

Ao longo dos anos 90, “o Salário Mínimo se transformou numa espécie de vilão da economia brasileira, ao ser responsabilizado pelo crescimento do desemprego e da informalidade, pela crise fi scal do Estado, por provocar infl ação, entre outros aspectos”, conforme relembra o Dieese em texto do livro. Aqueles que defendiam sua importância e valorização vieram a ser tachados como “jurássicos” por parte da opinião pública atrelada ao ideário neoliberal predominante à época.

Apesar do ambiente pouco favorável, foi nesse período que nasceu a luta pelo resgate da valorização do SM, desencadeada pela ação unitária das centrais sindicais brasileiras em nome de uma política permanente de recuperação desse instrumento. Entretanto, durante o governo FHC, os trabalhadores encontraram todos os tipos de entraves para colocar o Salário Mínimo em novo patamar – realidade só alterada a partir de 2003.

LUTA NO PRÓXIMO GOVERNO

“A política de valorização do Salário Mínimo até aqui praticada pode ser considerada alentadora, mas não se deve esquecer que a previsão é que ela continue em vigor até 2023, para que o valor dessa remuneração seja realmente capaz de fazer frente aos gastos de uma família trabalhadora”, alerta o Dieese em trecho do primeiro capítulo do livro recém-lançado.

Ao longo deste ano, as centrais sindicais vêm discutindo com o governo federal a manutenção da política de valorização do SM, independentemente de quem venha a ser o sucessor ou a sucessora do presidente Lula.

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últimas reuniões com o Ministério do Planejamento para tratar desse assunto. Ele se mostra otimista em relação às negociações, mas entende que uma defi nição será tomada somente depois das eleições de 3 de outubro. “Creio que o governo, especialmente o presidente Lula, terá a sensibilidade de manter o reajuste. Creio que não teria sentido ele se despedir, no fi nal de 2010, sem atender a essa demanda”, analisa.

O dirigente cetebista também frisa a opinião da central em relação à importância da política de valorização do SM nos últimos anos. “A CTB está convencida de que o aumento do Salário Mínimo atende a duas perspectivas: a distribuição de renda

SETE DÉCADAS DE ALTOS E BAIXOS

Durante o mês de julho, o Ministério do Planejamento propôs um aumento dos atuais R$ 510 para R$ 535,91 a partir de janeiro de 2011, reajuste baseado na soma da reposição da infl ação do ano passado e do PIB nanico (-0,2%) do período – resultado da crise econômica mundial.

As centrais, por sua vez, defendem que o novo SM seja de R$ 570. Para tanto, o movimento sindical utilizou a projeção de crescimento do PIB em 2010, e não em 2009, como forma de impedir que a progressão contínua da última década seja interrompida.

Joílson Cardoso, secretário de Política Sindical e Relações Institucionais da CTB, participou das

Apesar de avanços, valor do Salário Mínimo ainda é pequeno

e o fortalecimento do mercado interno, algo que foi fundamental, durante a recente crise, para que o Brasil se mantivesse em uma fase de crescimento”, afi rmou Joílson.

Os atuais R$ 510 correspondentes ao Salário Mínimo vigente em 2010 equivalem à metade de seu valor original em 1940.

Em 1º de abril de 1940, o salário mínimo de São Paulo era de 220 mil réis, que equivalem em valores atuais a R$ 1.109. Apesar de ser exato, esse número é apenas uma referência. “É difícil comparar, porque o padrão de consumo era diferente. Por exemplo, muito do que se comia em casa vinha da horta no quintal”, observa o supervisor técnico do Dieese no Distrito Federal, Clóvis Scherer, em entrevista à Agência Diap.

De acordo com dados do próprio Dieese, o valor mínimo necessário para o trabalhador brasileiro, em 2010, seria de R$ 2.159,65. O cálculo se baseia na quantia ideal para atender, com alguma dignidade, uma família média e suas necessidades básicas

referentes à moradia, à alimentação, ao transporte, ao lazer, à saúde, ao vestuário e à Previdência Social.

Há 70 anos, havia 14 mínimos diferentes, que variavam conforme o custo de vida de cada região, mas supostamente todos compravam as mesmas coisas. No interior do Nordeste, por exemplo, o mínimo era de 90 mil réis, enquanto o do Rio de Janeiro (o maior do país) era de 240 mil réis.

SALÁRIO MÍNIMO Getúlio Vargas criou e Lula valorizou

Ricardo Stuckert/PR

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26 VISÃOClassista

SAÚDE DO TRABALHADOR

Luta corrige erro do INSS

Uma decisão da Justiça Federal que resgata o direito dos segurados do INSS em continuar recebendo beneficio

JOSÉ

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José Barberino é diretor de Saúde do Trabalhador do Sindicato dos Bancários da Bahia e membro da Direção Plena da CTB.

em da Bahia uma importante notícia. Não se trata de um

novo ritmo musical ou o surgimento de uma nova musa da canção popular. Vem de uma decisão da Justiça Federal que resgata o direito dos segurados do INSS – caso continue sem capacidade laboral – em continuar recebendo beneficio até a realização de nova perícia médica. Essa era a forma anterior à implementação da COPES (Cobertura Previdenciária Estimada).

As regras que vigoravam antes de agosto de 2005 eram as seguintes: (1) na concessão do benefício por afastamento decorrente de doenças comuns, ocupacionais e acidentes de trabalho, quando da perícia inicial era estabelecida um período para gozo – a provável Data de Cessação de Benefício (DCB) ou Data de Cessação da Incapacidade (DCI) –, porém neste momento era marcada uma perícia médica para certificar-se que realmente o segurado estava em condições de retornar à sua atividade laboral; e (2) aos afastamentos por doenças ou enfermidades cujo diagnóstico fosse possível determinar a data provável do retorno ao trabalho seria estimada o prazo para retorno. Essas eram em menor número, sendo que a primeira forma,

por se tratar de doenças mais complexas e que representavam a maioria, era a mais utilizada. Com a adoção da COPES, a exceção virou regra, e todos os benefícios concedidos – inclusive aqueles considerados complexos – passaram a ter data prevista para o retorno laboral.

Participamos de diversas reuniões com representantes da Previdência Social, até com o ministro Nelson Machado, quando foi entregue documento contendo diversas críticas ao COPES; de audiência pública no Congresso Nacional, solicitada pelo deputado federal Daniel Almeida (PCdoB-BA) e na Assembleia Legislativa da Bahia, pelo deputado estadual Álvaro Gomes, além de diversas mobilizações capitaneadas pela Comissão Intersindical de Ler e pelo CEAPLER (Centro de Estudos, Apoio e Prevenção a Portadores de LER/DORT). Nessas oportunidades, demonstramos que as promessas dos que idealizaram o projeto eram um engodo e que representaria “um tiro no pé” para a Previdência, pois provocaria um re-trabalho e que as filas, num primeiro momento, poderiam até diminuir, mas quando fossem solicitados os PP e os PR isso provocaria um acúmulo enorme de

perícias a serem realizadas. Foi o que assistimos durante estes cinco últimos anos com total prejuízo para os segurados.

Graças à representação do Sindicato dos Bancários da Bahia junto ao Ministério Público Federal, em 2005, denunciando a ilegalidade da Copes, fato que resultou em Ação Civil Pública, foi julgada procedente tendo sentença que obriga o INSS a pagar o benefício até o julgamento do PP. A determinação tem caráter nacional e é extensiva a todos os segurados da Previdência Social, de quaisquer categorias.

Na prática, a decisão judicial extingue o Programa Copes, combatido ferrenhamente pelo movimento sindical. Isso significa uma grande vitória para os trabalhadores – não só para os bancários. Vale ressaltar que essa decisão que estabelece a concessão do benefício de auxílio-doença, inclusive os decorrentes de acidente do trabalho até a realização de uma nova perícia, desde que o segurado solicite o Pedido de Prorrogação (PP). Essa decisão judicial, porém, não inclui o Pedido de Reconsideração (PR) o que demandará a continuidade da luta.

É mais um exemplo da mobilidade classista no Brasil.

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DIREITO DO TRABALHADOR

Financiamento da atividade sindical

A pretendida liberdade individual do trabalhador é sempre “viciada” pela coação presumida - numa relação tão desigual que uma das partes é subordinada à outra

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Mara Loguercio é juíza aposentada do Trabalho e autora de “Questões polêmicas sobre a Jornada de Trabalho”, com Altamiro Borges.

elo art. 8º da Constituição da República Federativa

do Brasil, há três formas de financiamento da atividade sindical:

a) contribuição associativa: recolhida dos sócios que fazem jus aos serviços do Sindicato como assistência médica, odontológica e, principalmente, ao direito de votar e ser votados nas eleições para a direção da entidade sindical;

b) contribuição confederativa: prevista no art. 8º, inciso IV da CRFB, a ser decidida em Assembleia Geral e destinada ao custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva. Em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, como expresso no texto constitucional. Interpretações jurisprudenciais equivocadas, provocadas pelo Ministério Público do Trabalho, acabaram se consagrando na Súmula 666 do STF, que entende ser a contribuição confederativa devida apenas pelos sócios na medida em que, decidida em Assembleias nas quais somente esses podem votar, não poderia obrigar terceiros. Nada mais falso. A Constituição prevê que será decidida na Assembleia Geral, isto é, na Assembleia que decide as cláusulas a serem propostas para a norma coletiva, como tem sido sempre.

Se as demais cláusulas são aplicáveis a todos os integrantes da categoria, por que aquelas não o seriam? Nem se argumente que as demais constituiriam benefício ao trabalhador e aquelas apenas o ônus de pagar. Sem o sistema confederativo, não haveria norma coletiva, o que impediria todas as conquistas nela consagradas. A ideia de que o MPT tem obrigação de “defender” os trabalhadores contra a “sanha arrecadadora dos sindicatos” deveria ser punida como ato claramente antissindical e não premiada com o acolhimento de tese tão estapafúrdia. O art.8º, IV diz independentemente da contribuição prevista em lei, o que comprova seu alcance geral. Fosse apenas para os sócios, diria: “independentemente da contribuição associativa”;

c) contribuição sindical: é a contribuição compulsória prevista em lei a ser descontada dos trabalhadores e das empresas e revertida ao respectivo sindicato profissional ou econômico. Por não depender da “vontade” do trabalhador (ou da empresa) e nem do sucesso ou da realização da negociação coletiva, esta tem sido a receita fundamental da maioria dos sindicatos, sobretudo dos que representam categorias ou bases territoriais pequenas ou médias. Teóricos juslaboralistas e

algumas correntes sindicais fazem um ataque furioso contra essa forma de arrecadação. Se o sindicato não for sustentado pelos próprios trabalhadores, só poderá sê-lo pelos patrões ou pelo governo, o que é indesejável para a autonomia sindical. A pretendida liberdade individual do trabalhador é sempre “viciada” pela coação presumida – numa relação tão desigual que uma das partes é subordinada à outra. E se considerarmos não haver no Brasil a estabilidade no emprego, a manifestação da tal “vontade” implicaria na perda do emprego e do sustento próprio e da família. Atualmente a contribuição sindical profissional consiste no valor de um dia de trabalho por ano (art. 582, da CLT). A Lei 11.648/2008 (Centrais) no art. 7º indica que os artigos da CLT que abordam a matéria vigerão até que nova lei discipline a contribuição negocial, vinculada ao exercício efetivo da negociação coletiva e à aprovação em assembleia geral da categoria. Tal dispositivo é inconstitucional porque o art. 8º, IV, parte final da CRFB determina que esta contribuição seja prevista em lei, o que descarta a hipótese de ser fixada em negociação coletiva e dependente do sucesso da negociação (o que transferiria para o patrão o poder de definir a receita básica dos sindicatos).

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SINDICALISMO

Depois de três décadas, o funcionalismo público comemora mais um passo rumo ao reconhecimento de um direito da categoria: a ratifi cação da Convenção 151

Cinthia Ribas

om a promulgação do Projeto de Decreto legislativo do Senado (PDS)

819/09, pelo Congresso Nacional, ratifi cando a Convenção 151 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a formalização da adesão do Brasil, fi cam garantidos aos trabalhadores em serviços públicos os mesmo direitos conquistados pelos demais há mais de 30 anos, como o direito à greve, à organização e à negociação.

Contudo, apesar de signifi car um marco para o funcionalismo público, sozinha, a Convenção 151 não garante a negociação coletiva ou a resolução de confl itos, porém traz a obrigatoriedade da criação de instrumentos que dão conta destes temas.

BASE LEGALApesar da Constituição de

1988 ter ampliado os direitos dos trabalhadores do serviço público, a ausência de leis regulamentando o assunto difi culta até hoje o seu pleno exercício.

Com a formalização da adesão, no dia 15 de junho, feita pelo ministro do Trabalho

O DIREITO DE GARANTIR DIREITOS

e Emprego (MTE), Carlos Lupi, na 99ª Conferência Internacional do Trabalho, em Genebra, o governo brasileiro assumiu o compromisso de regulamentar – em até um ano – diversas garantias aos trabalhadores do setor público, como a estabilidade dos dirigentes sindicais, o direito de greve e a proteção contra possíveis atos antissindicais de autoridades públicas.

Até agora, o funcionalismo público não tinha direito à negociação coletiva, algo conquistado há mais de 70 anos pelos outros trabalhadores. O Brasil homologou a atividade sindical do setor, mas não a havia ratifi cado. As greves eram feitas na marra e a organização sindical não era defi nida por lei.

Segundo estudo realizado pelo Departamento Intersindical de Estudos Socioeconômicos (Dieese), a implementação das garantias defi nidas na Convenção 151 da OIT dialoga com o aprofundamento da democracia no país, avança na transformação do Estado e contribui para assegurar direitos essenciais para o pleno exercício da liberdade sindical ao conjunto dos trabalhadores, em especial, dos serviços públicos.

Porém, o órgão deixa um alerta: “a ratifi cação da convenção pelo congresso nacional é apenas um passo nesse processo. A partir daí devem ser implementadas medidas regulamentadoras que coloquem em prática o que nela está determinado, em especial no que se refere ao direito à negociação coletiva”, revela nota técnica.

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LEI É LEI Funcionalismo público luta para exercer seu direito de greve

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29VISÃOClassista

Para Sebastião Soares, secretário-geral da Confederação dos Servidores Públicos do Brasil (CSPB) e da União Internacional de Sindicatos de Trabalhadores em Serviços Públicos (UIS-Serviços Públicos), ainda serão muitas as etapas a serem vencidas para a efetivação das mudanças. “Sem dúvida, a Convenção 151 pode ser um avanço nas relações trabalhistas e sindicais no setor público no Brasil. Entretanto, ela depende de regulamentação e de outros instrumentos legais nas esferas dos três poderes. Não será uma caminhada tranquila em direção

à efetivação dessa conquista. Os governos estaduais, principalmente, e a Associação Brasileira de Município tentaram bloquear a ratifi cação da convenção e, com certeza, vão atuar no sentido de impedir que a regulamentação seja feita. Um dos avanços importantes é, justamente, assegurar o direito à negociação coletiva, o que signifi ca mudar as práticas adotadas, até então, na data-base da categoria, uma vez que não havia a obrigatoriedade da negociação, agora é lei”, explica.

Essa opinião é compartilhada por José Gonçalves da Silva Filho, diretor da CTB e presidente do Sindicato dos Funcionários Públicos Municipais de Patos e Região (SINFEMP), que acredita que a ratifi cação da Convenção é um grande passo. “Muitos gestores ignoram a nossa campanha salarial e não permitem que os sindicatos façam um trabalho de base junto à categoria. Essa ratifi cação vai

permitir que os gestores cumpram o que está escrito. Teremos uma base legal para que atuarmos com mais fi rmeza”, afi rmou o dirigente, que também é presidente da Federação dos Trabalhadores Públicos Municipais da Paraíba (Fetram).

SINDICALISMO CRESCENTEA organização sindical

dos trabalhadores públicos desempenhou papel preponderante nas lutas pelas liberdades civis, políticas e por direitos sociais no país. Sua inserção no movimento sindical brasileiro se deu em um momento da história no qual qualquer ação proletária era combatida pela ditadura militar, por meio do Departamento de Ordem Pública e Segurança – DOPS.

Já década de 70, surgiu um grande número de associações assistenciais no serviço público que se estruturaram “vinculadas” ao Estado, com o objetivo de ofertarem o lazer, o esporte e a assistência à saúde para seus associados. Os funcionários públicos, contudo, só viriam a iniciar efetivamente sua participação política na sociedade brasileira de forma organizada a partir na década de 80.

Com a Constituição de 88, as trabalhadoras e os trabalhadores públicos conquistaram com muita luta o direito à livre associação sindical sem, no entanto, terem regulamentado esse direito, uma vez que ainda não existe legislação específi ca para os mesmos.

Com o passar do tempo, as práticas adotadas por essas associações extrapolavam sua área de abrangência legalista, assumindo a função sindical de organizar a categoria para lutar pelos seus direitos, construindo assim uma identidade de classe

CAPACITAÇÃO Em todo o país, CTB incentiva o debate

CTB-PB

Porém, o Dieese deixa um alerta: “a ratifi cação da convenção pelo congresso nacional é apenas um passo nesse processo”

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30 VISÃOClassista

SINDICALISMO

do serviço público. A partir daí, em assembleias ou congressos da categoria, na maioria das ocasiões optou-se por transformar as associações em sindicatos. “O sindicalismo do funcionalismo público ainda é crescente. No caso da esfera municipal, os trabalhadores públicos começaram a se organizar a partir da Lei 8.112/90, que trata do Regime Jurídico Único Estatutário. Ela trouxe muitos benefícios e em virtude da maioria dos gestores municipais ignorarem esses direitos, os trabalhadores começaram a se organizar, inicialmente em associações e agora em sindicatos”, revela Gonçalves.

REALIDADENa última década, o

funcionalismo público foi o setor que mais realizou paralisações. As lutas, para além das reivindicações de caráter econômico, tiveram como objetivo a busca de uma identidade política e valorização do trabalho.

Algumas dessas greves fi caram marcadas na mente dos

sindicalistas. Tiveram destaque, principalmente, aquelas em defesa da previdência social pública, no governo FHC, nas batalhas contra o desmonte neoliberal da previdência social. “Esses movimentos grevistas não só defendiam o interesse dos trabalhadores do setor público, como, também, denunciavam uma política de governo cujo foco era o desmonte do Estado, a privatização

de serviços e de empresas essenciais ao desenvolvimento do país, para submeter-se aos interesses da especulação fi nanceira, do FMI e do Banco Mundial”, revelou Sebastião Soares, que cita também as greves contra a Reforma Administrativa, também na era FHC e no governo Collor.

“Foram momentos em que denunciamos e enfrentamos o modelo neoliberal de desmonte do Estado brasileiro. Tínhamos a consciência da importância dessas greves, uma vez que, além de defender interesses dos trabalhadores nos serviços públicos, apontávamos, para toda a sociedade, as mazelas e os graves prejuízos sociais que o país sofria em decorrência das políticas de sucateamento do setor. Foram lutas muito difíceis, com enfrentamentos duros, prisões e processos contra dirigentes sindicais que ousaram vencer o governo neoliberal dos tucanos. Foram históricas, também, as greves contra as tentativas de mudança da Constituição Federal, no governo Collor, na famosa campanha ‘Remendão é retrocesso’. Esse movimento apontou ao país os graves riscos que representavam, para todos os trabalhadores, as medidas administrativas do governo e, pela primeira vez, entoou o grito de ‘Fora Collor’”, relembra.

Atualmente, as paralisações se multiplicam Brasil afora. Funcionários do Poder Judiciário e do MTE decidiram pela realização de uma greve nacional, que reivindica, entre outros pontos, reajuste salarial, condições de trabalho e um Plano de Cargos, Carreiras e Salários (PCCS). No começo de agosto, a greve no Ministério Público do Trabalho, que atingiu 22 estados e o Distrito Federal, alcançou quatro meses de duração, em âmbito nacional;

NAS RUAS Classistas empenhados por mudanças

Esses movimentos grevistas não só defendiam o interesse dos trabalhadores do setor público, como, também, denunciavam uma política de governo cujo foco era o desmonte do Estado, a privatização de serviços e de empresas essenciais ao desenvolvimento do país

Arquivo CTB

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31VISÃOClassista

Valorização do funcionalismo público, melhores condições de trabalho, organização sindical, defesa de concurso para contratação nos órgãos públicos e a efetivação de um plano de luta em prol da aposentadoria integral para os trabalhadores públicos foram temas que nortearam o 1º Encontro Nacional de Trabalhadores dos Serviços Públicos da CTB, realizado em São Paulo, de 16 a 18 de abril de 2010.

O encontro, uma iniciativa da recém-criada Secretaria dos Trabalhadores em Serviços Públicos, também debateu a desmistifi cação da cultura de desvalorização do trabalhador do setor, ao denominá-lo um servidor público. “Em pleno século 21, diversas lutas trabalhistas já foram conquistadas, contudo uma simples palavra é capaz de arremeter negativamente essa bela história da classe trabalhadora”, revelou João Paulo Ribeiro, que divide com Fátima dos Reis o comando da secretaria dos Trabalhadores em Serviços Públicos, ambos coordenadores da Federação de Sindicatos de Trabalhadores em Educação das Universidades Brasileiras (Fasubra). “A sociedade não pode mais continuar vendo o trabalhador do serviço público como uma pessoa que não trabalha. Somos um conjunto de uma importante categoria brasileira e, acima de tudo, imprescindíveis para o crescimento do país”.

O pensamento existente na sociedade e propagado pela mídia, muitas vezes em forma de piadas de mau gosto, foi reforçado no governo Collor, cuja campanha eleitoral já batia pesadamente no setor e, depois disso, durante os oito anos de FHC, quando os serviços públicos foram desmerecidos. “Esse tipo de desvalorização foi barrada no governo Lula, com a retomada de políticas voltadas para o fortalecimento do Estado como indutor do desenvolvimento. Por isso, a derrota do projeto neoliberal nas eleições de 2010 e a implantação de novo modelo de desenvolvimento para o país são fundamentais para as nossas lutas futuras. Defendemos um Estado qualifi cado e equipado, com trabalhadores valorizados, por meio de carreirase trabalho decente, para que a sociedade possa ter acesso a um serviço público de qualidade”, fi nalizou Sebastião Soares.

enquanto isso, no Tribunal de Justiça de SP, o protesto já passa dos cem dias.

Outra reivindicação histórica do setor se refere às condições de trabalho e valorização. O quadro defi citário encontrado no setor público brasileiro atualmente é o resultado de uma política de Estado mínimo, implantada na era FHC, com a alegação de redução dos custos; e a transferência de várias de suas atribuições à iniciativa privada. “É uma categoria com muitas lutas e reivindicações e, em grande parte, trabalhando em condições horríveis. Quando falamos dos professores, principalmente estaduais e municipais, ou dos trabalhadores na saúde, a realidade é cruel. Baixos salários, falta de perspectiva profi ssional, desvalorização, inexistência de carreiras e vários outras difi culdades, o que repercute em muitas greves e mobilizações realizadas por estes trabalhadores. Assim, é uma realidade complexa que demanda atenção às especifi cidades de cada setor, embora a luta geral por direito de greve, direito à negociação coletiva, regulamentação da organização sindical dos sindicatos dos trabalhadores nos serviços públicos sejam bandeiras comuns”, diz Soares.

Na opinião do líder sindical, as greves devem e continuarão existindo, por serem instrumentos de luta dos trabalhadores em qualquer tempo e ocasião, mas o que precisa ser mudado é o fato de, quase sempre, serem necessárias greves para forçar a abertura de negociações salariais. “Por isto a importância da Convenção 151 que assegura esse direito”.

CTB realiza Encontro para mudar o pensamento da sociedade

A LUTA É PRA VALER! Wagner Gomes abre os trabalhos do Encontro

Arquivo CTB

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32 VISÃOClassista

justa distribuição de terras e a ampliação dos direitos do camponês, no Brasil, são

algumas das mais antigas bandeiras de reivindicação dos movimentos sociais no campo.

Nas décadas de 40 e 50, essa luta perde o estigma de pequenos focos de reivindicação rural e passa a ganhar notoriedade nacional com o surgimento das Ligas Camponesas, movimento que contou com o apoio dos partidos progressistas e setores da igreja. Em um curto espaço de tempo, o movimento reuniu milhares de trabalhadores e trabalhadoras que passaram a, efetivamente, brigar pela reforma agrária no país.

Com o lema “Reforma agrária na lei ou na marra”, as Ligas Camponesas surgiram no estado de Pernambuco, espalhando-se rapidamente para Paraíba, Rio de Janeiro, Goiás e outras regiões do país. Com o golpe de 64, o movimento foi desarticulado. Seus líderes foram perseguidos, presos, mortos ou exilados, até que a organização se enfraqueceu e diluiu.

MOVIMENTOS SOCIAIS

REFERÊNCIA NA LUTA PELA TERRACombatividade do MST garante representatividade em todo o território nacional e evidencia o reacionarismo das forças que apóiam o latifúndio

Fábio Rogério Ramalho

Contudo, já estava lançada a semente de que era necessário para a luta do campo construir uma organização social rural de âmbito nacional. Essa ideia passa a ganhar mais força no fi nal da década de 70, principalmente com o chamado período de “reorganização da luta pela terra”, que acontecia, principalmente, nas regiões Norte e Sul do país. Nesse período, a luta do campo passa por um momento importante de sua história, com a retomada das lutas dos atingidos por barragens e com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), que estava num momento importantíssimo de resistência, em especial contra a criminalização dos posseiros na região Norte do país.

Neste contexto de resistência ao latifundiário e à política econômica

vigente – que benefi ciava a apenas uma minoria – e pela efetivação da luta pela terra é que, em 1984, centenas de trabalhadores e trabalhadoras rurais, reunidos em Cascavel, no Paraná, decidiram fundar um movimento social autônomo, que lutasse pela reforma agrária e pela construção de uma política de desenvolvimento que fosse mais justa e voltada para o social. Surge assim o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

”O fi nal da década de 70 e início dos aos 80 foi um fermento social importantíssimo para que o MST pudesse se consolidar. Era um período de transição entre o regime militar e a democracia que culminou com o surgimento de diversos movimentos sociais

NA ESTRADA Por todo Brasil, sem terra marcham por seus direitos

MST

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33VISÃOClassista

REFERÊNCIA NA LUTA PELA TERRA e combatendo os pequenos produtores do campo, a UDR, que tem como principal referência o deputado federal e latifundiário goiano Ronaldo Caiado (DEM), ao longo dos tempos vem cumprindo seu papel de difi cultar lutas como a do camponês pela reforma agrária, a de toda a sociedade contra a degradação da Amazônia e a erradicação do trabalho escravo nas fazendas, dentre outras bandeiras populares.

Seguindo esta mesma linha ideológica de defesa, a CNA, presidida pela senadora e pecuarista Kátia Abreu, também do DEM, ao longo dos anos vem intensifi cando seu objetivo de difi cultar a construção de leis que possibilitem a reforma agrária.

Por esse motivo, segundo o próprio MST, para a realização da reforma agrária é necessária uma combinação de fatores: primeiramente é preciso que o Brasil tenha um governo popular que enfrente o latifúndio; a causa também precisa do fortalecimento de um movimento social que tenha apoio popular; e, por último, é imprescindível a contribuição das centrais sindicais para que, de fato, seja possível enfrentar as forças do latifúndio.

Para João Paulo, nos oito anos de governo Lula a reforma agrária não aconteceu, mas foi possível acompanhar o avanço social nos assentamentos. Houve melhora na energia elétrica, nas estradas e, apesar de todos os problemas que ainda existem, aconteceram avanços também no sistema de saúde e no programa de educação para o campo.

“Esse conjunto de políticas públicas foi importantíssimo para a luta do campo, impossível de se comparar com a era FHC.

INFLUÊNCIA Bandeira e boné tornaram-se símbolos de resistência

RESPEITO Sob Lula, liberdade de expressão

e sindicais. Certamente, se fosse para a organização nascer hoje, difi cilmente teria condições de se consolidar”, esclarece João Paulo Rodrigues, integrante da coordenação nacional do MST.

Após 26 anos do seu surgimento, o MST é um

movimento social atuante na luta pela terra que está presente em 24 estados da federação e atende 500 mil famílias, em mais de 1.150 municípios.

REFORMA AGRÁRIADesde o “descobrimento” do

Brasil, terra sempre foi sinônimo de poder. Por conta da forma errônea com que o país foi dividido em lotes e distribuído entre a burguesia da época do Brasil colônia, quem sempre teve terra no país foram os pertencentes à elite – realidade que não mudou, já que ainda hoje o latifúndio e o agronegócio mantêm sob sua infl uência, por meio da União Democrática Rural (UDR) e da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), uma numerosa bancada de latifundiários em diferentes esferas da política nacional, ditando as regras em defesa de seus interesses.

Fundada em 1985 para defender os interesses dos ruralistas

MST

MST

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34 VISÃOClassista

Aconteceu, também, um processo fundamental de regularização fundiária na Amazônia e a substituição de lotes vagos no Sul e no Sudeste. Mas como isso não pode ser contabilizado na cota de desapropriação de lotes improdutivos para diminuir a concentração de terra improdutiva, a reforma agrária, propriamente dita, não avançou”, diz o dirigente do MST.

APOIO POPULARNa década de 90, o MST

conseguiu um apoio maciço da sociedade em defesa da reforma agrária. Nesse período, a burguesia e os meios de comunicação não davam tanta importância para os sem terra. Era como se o movimento fosse visto como uma pobre organização que queria apenas fazer alguns assentamentos e nada mais.

Contudo, com a repercussão do massacre de Eldorado dos Carajás, em 17 de abril de 1996, quando 19 trabalhadores sem terra foram mortos numa ação da Polícia Militar do Pará, esse apoio popular tomou proporções internacionais.

“Carajás foi um erro que custou caro para o Estado brasileiro e, principalmente, para o Pará. Por conta desse fato a pauta da reforma agrária passou a ser discutida em todos os cantos do país, desde as escolas, as faculdades, os sindicatos”, explica o dirigente.

Na medida em que a popularidade do MST crescia e o movimento mostrou-se não somente como uma organização que luta pela reforma agrária, mas sim como um aparelho de resistência ao capitalismo, foi desencadeada uma campanha feroz – por parte da direita conservadora – de criminalização da organização.

“A imprensa reacionária não

mostra nosso trabalho social no campo. Em especial, temos um acampamento, em terras públicas do Incra, há mais de quatro anos que ninguém nunca cogitou fi lmar. Lá o MST oferece escola, médicos, dentistas e toda uma estrutura condizente com o movimento. Mas quando são cortados 200 pés de laranja, de um total de oito mil do latifúndio da Cutrale, numa atitude, obviamente, desnecessária, automaticamente nos tornamos os inimigos número um da sociedade. Com direito a imagens aéreas, fornecidas pela polícia, reabertura de CPI e um censo encomendado para desqualifi car a legitimidade da luta pela terra”, observa João Paulo.

Recentemente o MST sofreu sua terceira CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito), que investigou todas as suas contas e, consequentemente, criou no imaginário popular a imagem de que o movimento é uma organização corrupta. Mas como não foram obtidas provas da veracidade dessas acusações, a bancada ruralista conseguiu prorrogar a CPMI até janeiro de 2011, transformando o instrumento do Congresso Nacional

em um palco ideológico contra a luta do campo.

O MST Apesar de todas as adversidades

sofridas pelo movimento, o MST se consolidou como uma organização de referência na luta pela terra na sociedade brasileira. Isso se deu graças às suas campanhas permanentes em prol da reforma agrária, de combate ao trabalho escravo, à luta contra os agrotóxicos, sua política social nos assentamentos e à resistência ao modelo econômico imperialista.

Hoje, o MST não é apenas uma organização de acampados. No movimento, mais de 20 mil militantes estão cursando o ensino superior em alguma parte do país. Os sem terra têm a segunda maior cooperativa de pequenos produtores do sul do Brasil, além de um contingente de mais de 60 médicos formados em Cuba, elaborando uma política de saúde para o campo.

A organização também desenvolve uma política ampla, tanto na Via Campesina internacional quanto em outras organizações de esquerda nas cidades, visando criar condições dignas para a população.

É com esse espírito de luta, com as ações de questionamento quanto ao modelo político imposto pelo imperialismo e a vontade de transformar o Brasil num lugar mais justo para todos os brasileiros que o MST tornou-se um dos movimentos social de esquerda mais bem organizado do país.

“Essa é a referencia do movimento. Nunca mudamos de lado nem de rumo, estivemos sempre ligados a organizações que lutam pela terra, pela reforma agrária e pelo socialismo. Por isso somos o MST”, conclui João Paulo.

João Paulo Rodrigues tem 30 anos e é integrante da coordenação nacional do MST. Filho de trabalhadores rurais, foi assentado em Euclides da Cunha Paulista, no Pontal do Paranapanema.

MOVIMENTOS SOCIAIS

MST

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35VISÃOClassista

MUNDO DA COMUNICAÇÃO

tento observador dos bastidores da mídia, o jornalista

Daniel Castrou informou em seu blog, no Portal R7, que a TV Cultura planeja demitir 1.400 funcionários e cortar vários dos seus programas. Esta notícia bombástica confirma que o tucanato quer destruir uma das melhores experiências de TV pública do país, reconhecida mundialmente por seus programas educativos e culturais de qualidade. Desta forma, os serviçais de José Serra prestam mais um serviço sujo para as redes privadas de televisão e “pagam” por seu apoio escancarado ao candidato demotucano. Segundo a denúncia, “com o aval do ex-governador José Serra e do atual governador, Alberto Goldman, João Sayad [que assumiu a presidência da TV Cultura em junho passado] pretende reduzir ao máximo a produção de programas e cortar o número de funcionários em quase 80%, dos atuais 1.800 para 400. Ele pensa até em vender o patrimônio da TV Cultura. Já encomendou aos advogados da emissora um estudo sobre a viabilidade de a Fundação Padre Anchieta, mantenedora da TV, se desfazer de seus estúdios e edifícios na Água Branca, em São Paulo”. PROCESSO MASCARADO DE PRIVATIZAÇÃO

A grave denúncia, que não

Tucanos querem destruir a TV Cultura

O tucanato quer destruir uma das melhores experiências de TV pública do país, reconhecida mundialmente por seus programas educativos e culturais de qualidade

foi desmentida pela direção da emissora, confirma as suspeitas do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo. A entidade já havia criticado o clima de incerteza e de perseguição que impera na TV Cultura. No início de agosto, ela divulgou nota pública em que denunciava que o governo tucano pretende alterar a função e o papel social da Fundação Padre Anchieta, num processo mascarado de privatização. A “venda” gradual da emissora pública teve início na administração de Geraldo Alckmin e foi aprofundada na gestão de José Serra. A indicação do economista João Sayad acelerou o processo de mutação da emissora educativa numa emissora com caráter comercial. “No momento em que o Brasil busca construir uma rede pública de comunicação de qualidade, o governo de São Paulo nomeia alguém sem qualquer vínculo com a área, cuja missão parece ser dar nova cara administrativa à Fundação. Há algum tempo, já observamos que a marca de qualidade da programação vem sendo desconstruída, especialmente no jornalismo”, afirma o presidente do sindicato, José Augusto Camargo, o Guto. DEMISSÕES, ASSÉDIO MORAL E CENSURA

Guto cita casos recentes para ilustrar essa

desconstrução. “O Roda Viva – que era uma referência no debate político em rede nacional – sofreu um grave ataque com a demissão mal explicada do Heródoto Barbeiro. Também não entendemos o afastamento do Gabriel Priolli (ex-diretor de jornalismo da Cultu ra) e o fato de o jornalista Paulo Markun (ex-presidente da Fundação Padre Anchieta) não ter tido apoio do governo para continuar a gestão”, acrescenta. Barbeiro e Priolli foram afastados porque se referiram aos preços abusivos dos pedágios em São Paulo. A “privatização mascarada” estaria ocorrendo com a transferência da gestão da emissora para as falsas Organizações Sociais (OSs), entidades não governamentais ligadas aos grupos comerciais que recebem do estado para administrar os equipamentos públicos. Além disso, a TV Cultura, a exemplo das emissoras privadas, frauda a legislação trabalhista ao contratar os famosos PJs (pessoas jurídicas), que emitem notas fiscais, não possuem vinculo empregatício e nem direitos. A destruição da TV Cultura apenas confirma os intentos privatistas do demotucano José Serra.

ALTA

MIR

O B

OR

GES

Altamiro Borges é jornalista, autor do livro “As encruzilhadas do sindicalismo”, entre outros.

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36 VISÃOClassista

Pavilhão de Exposições do Parque da Cidade em Brasília sediou de 26 a 30

de julho o 2º Festival da Juventude Rural da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag). Mais de quatro mil jovens concluíram nesse evento uma jornada que envolveu milhares de jovens nos festivais estaduais.

Em 2007, realizou-se o 1º Festival. Seu êxito fez com que a sua segunda edição confi rmasse o lugar da juventude na agenda política do Movimento Sindical de Trabalhadores e das Trabalhadoras Rurais (MSTTR), compondo com a Marcha das Margaridas e o Grito da terra as mais destacadas atividades nacionais da Contag.

DEBATE, CULTURA, ESPORTE E JUVENTUDEO Festival teve uma agenda

diversifi cada, que através da Coordenação e da Comissão Nacional, elaborou uma agenda realmente juvenil, com as características peculiares do campo. O envolvimento das Fetags com os festivais nos estados – e a correspondente assessoria em todos os níveis – confi guram uma

JUVENTUDE

O EXEMPLO DO CAMPO

combinação de sucesso, com direção política comum, protagonismo da juventude na atividade e uma base técnica e material que permite a sua realização. O evento é construído a partir de uma grande rede de parcerias e patrocínios, sendo viável economicamente.

A programação é ponto decisivo no envolvimento e na politização da juventude rural. Afi nal, o estrato composto de mais de quatro mil

jovens de todos os estados conta com uma grande diversidade, representativa da dimensão brasileira do evento, e também de vários níveis de participação política. Assim, a atividade, voltada para jovens entre 16 e 32 anos fi liados aos sindicatos rurais, diverte, emula e politiza, criando laços e uma vivência própria que amplia o debate sobre os temas juvenis e projeta lideranças.

2º Festival da Juventude Rural exibe a riqueza do interior brasileiro e o preparo do sindicalismo para o futuro

Paulo Vinicius*

EXEMPLO JUVENIL Para lutar ou festejar, desde cedo o trabalhador rural se mobiliza

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37VISÃOClassista

A AGENDA POLÍTICA DA JUVENTUDE NA CARTA DO FESTIVAL

O momento alto da abertura foi a apresentação da Carta do 2º Festival da Juventude Rural, que, baseada na refl exão da Comissão Nacional de Juventude e nas resoluções da Contag, expressa a agenda da juventude rural e suas demandas de políticas públicas. Duas grandes preocupações avultam na extensa pauta de reivindicações:

a ampliação do direito de acesso

da juventude à terra e às políticas de reforma agrária, em especial o crédito;

políticas públicas diferenciadas para o(a)s jovens assentado(a)s, a fi m de lhes assegurar o direito de permanecerem no campo, sobretudo uma Política Nacional de Educação para o Campo, ampliação do acesso ao ProUni, à Licenciatura em Educação do Campo e às escolas técnicas e agrotécnicas.

No dia seguinte, a juventude da Contag realizou a Marcha do 2º Festival na Esplanada dos Ministérios, dando expressão pública e mobilizadora sobre as demandas apresentadas. As bandeiras verdes que tomaram a Esplanada no dia 28 complementaram o diálogo direto com o governo. Ou seja, a Contag dialoga sem abrir mão da mobilização de rua.

De igual modo, a clareza do movimento sindical rural sobre o momento político esteve presente em todo o evento. Assim como para a CTB (representada no Festival por seu secretário nacional de Juventude, Paulo Vinicius), a Contag acredita no papel protagonista do movimento sindical ao impulsionar a luta pela mudança, preservando sua independência, mas sem a confundir com neutralidade, como demonstra seu apoio à eleição de Dilma para aprofundar as mudanças iniciadas com Lula, uma marca política importante, ainda que subjacente à realização do evento, expressão da consciência das lideranças sindicais juvenis e rurais.

BRASIL RURAL

O 2º festival foi um momento de afi rmação de valores, em especial os

da cultura camponesa. Questionou pré-noções envolvendo o urbano e o rural, sempre em detrimento deste último Afi rmou-se a cultura popular através da programação cultural sob a responsabilidade de cada uma das regiões nos dias do evento. Os desfi les do Garoto e da Garota Rural afi rmaram por um lado a beleza camponesa, e por outro rechaçaram o sexismo e a vulgaridade, exaltando a cultura do campo.

Ressalte-se que esse aspecto formador se impôs também no debate sobre gênero, a partir da ampla representatividade e protagonismo femininos na Comissão de Jovens e no evento como um todo. A maior delegação do evento, da Fetaemg, era liderada por uma membro do Coletivo nacional de Juventude da CTB, Maria Souza, em pleno 6º mês de gravidez. Já a delegação da Fetag-BA, a 4ª maior, contava com a liderança de Rita Miranda – secretária-geral em exercício da Contag e também do Coletivo Nacional.

Esse protagonismo contribuiu para dar o tom do evento, combatendo o machismo, incorporando a importância da mulher na agricultura familiar e na política, já que o Festival lançou a Marcha das Margaridas de 2010.

Uma feira de stands apresentava os produtos da agricultura familiar nas regiões, projetos relacionados ao campo e duas centrais sindicais, a CTB e a CUT. Instalado em posição estratégica ao lado do stand da Caixa Econômica Federal – que realizava shows diários – a CTB contou com uma base para o encontro de lideranças juvenis que deram vida ao espaço. Além

CTB-DF

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38 VISÃOClassista

JUVENTUDE

disso, a CTB foi a única organização que elaborou um jornal próprio, destacando-se pelo atendimento aos visitantes que passaram pelo espaço e reunindo centenas de pessoas que se identifi caram com as propostas e as intervenções políticas da central classista.

Ademais, o 2º Festival contou com uma ampla programação de debates, abordando temas como Juventude e Reforma Agrária, Territorialidade e Agricultura Familiar, Trabalho Assalariado, Democracia e Participação Política, Direitos Humanos, Diversidades e Violência contra a Juventude, Sucessão Rural, Educação do Campo e Formação Profi ssional, Organização Juvenil Sindical Rural, Sustentabilidade, Sexualidade e Saúde – abordando temas como a homofobia, por exemplo.

LIÇÕES DA JUVENTUDEA juventude rural demonstrou

sintonia com uma concepção da CTB: a afi rmação de que a condição juvenil do trabalhador está sobretudo na possibilidade de sua vinculação com o trabalho e com a formação da juventude (o que incorpora sobretudo as dimensões da educação, do esporte e da cultura).

A Contag reafi rmou a independência e o diálogo que estabelece com as centrais sindicais desde seu último congresso, que marcou a desfi liação da CUT. A CTB foi muito bem recebida pela organização, pela novidade e pelo diálogo respeitoso que estabelece com a Contag a partir de lideranças próprias e promissoras no movimento camponês.

Ademais, o 2º Festival expressa um grito do campo brasileiro, marcado por um inclemente esvaziamento desde a década de 60

e que persiste até os dias de hoje, quando a juventude, em busca de melhor acesso às políticas públicas, é levada a migrar massivamente, abandonando a atividade agrícola, e comprometendo a continuidade da agricultura familiar. Assim, a Carta expressa ambos os anseios: o de ter acesso à terra e também o da interiorização das políticas públicas para integrar a agricultura familiar, produtora de 70% dos alimentos consumidos pelo país, integrando o campo e a juventude rural ao projeto nacional de desenvolvimento brasileiro.

A realização do Festival reafi rma que a juventude camponesa, ao ter sua expressão própria, apropria-se do movimento sindical rural, inserindo suas agendas e as preocupações juvenis. Por outro lado, o movimento sindical rural tem a oportunidade de estreitar laços, pautar suas lutas gerais num setor com capacidade de mobilização,

além de fazer face a dois desafi os de sentido estratégico para a agricultura familiar e o movimento: a sucessão rural e a renovação das lideranças sindicais e da própria Contag.

Dado o aspecto demográfi co, que impôs ao campo brasileiro a perda de imensa parcela de seus jovens, sendo a realidade rural caracterizada por um êxodo juvenil, em especial feminino, chama a atenção o êxito da organização juvenil da Contag, fruto de um esforço consciente e planejado que muito tem a ensinar ao movimento sindical urbano. O movimento sindical rural aposta na reafi rmação da agricultura familiar como parte indissociável do projeto nacional de desenvolvimento, peça importante da busca pela soberania alimentar e pela sustentabilidade. E, como expressão dessa aposta que representa a própria continuidade da agricultura familiar no século 21, deposita esperanças e investimento naqueles que protagonizarão não apenas o movimento sindical, mas o trabalho no campo e a juventude. Fica disso tudo a certeza de que a Contag e a agricultura familiar têm futuro.

* Paulo Vinicius é secretário nacional de Juventude da CTB

SINTONIA Stand da CTB no Festival se destaca

Contag acredita no papel protagonista do movimento sindical

CTB-DF

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39VISÃOClassista

MUNDO DA FORMAÇÃO

ivemos uma conjuntura que nos permite transmitir

ideias, debatê-las, influenciar outras pessoas. Essa possibilidade de participação democrática nem sempre ocorre. Basta voltarmos ao Brasil de 1964 a 1985, época da ditadura.

Em 1975, lecionava nas Faculdades da Zona Leste (hoje Unicid). Em outubro, foi torturado e morto o jornalista Wladimir Herzog. Ocorreram manifestações contra a ditadura. Ao chegar à Faculdade, fui abordado por um colega, que lecionava Sociologia: “Pelo programa, hoje começaria a abordar Marx. Acha que devo abordar, nesse momento tão tenso? Respondi: “Deve dar continuidade normal ao programa, tomando os devidos cuidados.”

O colega assim o fez. No intervalo, um aluno disse: “Por que todo sociólogo é comunista?” O professor respondeu: “Não é verdade, há sociólogos com as mais variadas posições políticas e ideológicas”. O aluno retrucou: “Lá no DOI-CODI, onde trabalho, todos os sociólogos presos são comunistas”. Ainda no intervalo, encontrei-me com o professor, que afirmou que não continuaria ensinando a teoria marxista, porque poderia ser preso.

A ditadura caiu em 1985 e um período

Formação Sindical na conjuntura atual

A possibilidade concreta de contribuirmos para a elevação do nível de consciência dos trabalhadores e trabalhadoras

democrático teve início. Não vivemos uma democracia plena. Trata-se da democracia burguesa, onde predominam os interesses do capital. Sobre a república democrática burguesa, Marx escreveu, em “As lutas de classe na França de 1848 a 1850”, que sua constituição sanciona o poder social da burguesia, ao mesmo tempo em que retira as garantias políticas desse poder, impondo-lhe “condições democráticas que, a todo o momento contribuem para a vitória das classes que lhe são hostis e põem em risco as próprias bases da sociedade burguesa”.

Nessa conjuntura, é fundamental o processo de formação que ocorre, quer sejam nos movimentos que visem melhorar os salários e as condições de trabalho, quer sejam nos que se referem à luta política propriamente dita. Por outro lado, a formação acontece nos cursos, debates, palestras, seminários, elaborações de planejamentos estratégicos.

Desenvolve-se positivamente o convênio assinado pela CTB e pelo CES. Desde novembro de 2008, estiveram presentes 947 sindicalistas nos Cursos de Formação Básica, 171 nos Seminários de elaboração de Planejamento Estratégico, 196 em cursos e seminários

nacionais, 357 nos cursos, oficinas e seminários de planejamento estratégico nas entidades de base da CTB e 580 em palestras. Ao todo, são 2251 participantes.

Mas o grande desafio do momento é a participação efetiva dos sindicalistas na eleição de candidatos comprometidos com as transformações profundas da sociedade brasileira, com a construção de um projeto nacional de desenvolvimento, que distribua a renda nacional e que valorize o trabalho. E, no processo eleitoral, apresenta-se uma grande oportunidade para os sindicalistas se formarem e contribuírem no processo de formação dos trabalhadores e trabalhadoras em geral. Ao enfrentarem o debate – que traz a descrença na política como um dos seus componentes básicos – os sindicalistas precisam se preparar, estudando, procurando argumentos que possam convencer. Ao mesmo tempo, nesse diálogo, os trabalhadores e trabalhadoras continuam o seu processo de formação. Assim, o processo eleitoral nos leva a ter dois objetivos claros: a conquista dos votos e a possibilidade concreta de contribuirmos para a elevação do nível de consciência dos trabalhadores e trabalhadoras.

AU

GU

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Augusto César Petta é professor e coordenador-técnico do Centro de Estudos Sindicais – CES

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40 VISÃOClassista

SETEMBROPlebiscito pelo limite da TerraDia Internacional de AçãoGrito dos Excluídos

OUTUBROEleições Gerais

NOVEMBRO16 dias de ativismo

PLEBISCITO PELO LIMITE DA PROPRIEDADE DA TERRA

Entre os dias 01 e 07 de setembro, toda a sociedade brasileira terá a oportunidade de participar do Plebiscito Popular pelo Limite da Propriedade da Terra no Brasil, para dizer se é a favor ou contra a concentração de terras no país.

O Brasil enfrenta um problema histórico de concentração de terras, fato confi rmado pelo censo do IBGE de 2006, que revela que a concentração da propriedade da terra é maior do que no censo de 1920, quando recém saímos da escravidão.

Outra iniciativa nesse contexto é a divulgação de um abaixo-assinado que já está circulando por todo país, com o objetivo de arrecadar assinaturas para entrar com um Projeto de Emenda Constitucional (PEC) no Congresso Nacional, para que seja inserido um novo inciso no artigo 186 da Constituição Federal que se refere ao cumprimento da função social da propriedade rural.

Além das 54 entidades que compõem o Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo, também promovem o Plebiscito Popular pelo Limite da Propriedade da Terra, a Assembleia Popular (AP) e o Grito dos Excluídos.

DIA INTERNACIONAL DE AÇÃO

A Federação Sindical Mundial está convocando todo o movimento sindical mundial a participar em 07 de setembro do Dia Internacional de Ação.

A atividade, realizada em diversos países, visa protestar

PLEBISCITO PELO LIMITE DA PROPRIEDADE DA TERRA

setembro, toda a sociedade brasileira terdo Plebiscito Popular pelo Limite

contra os ataques aos direitos trabalhistas alcançados em lutas históricas e a crise desencadeada pelo capitalismo, que ainda causa repercussão por diversos países e joga seus tentáculos sobre as costas dos trabalhadores e trabalhadoras, que arcam com os prejuízos.

No Brasil, a CTB, somada a outras centrais e demais organizações progressistas, engrossará as fi leiras da luta, com uma grande mobilização por todo o país, unifi cando os trabalhadores da cidade e do campo, movimentos sociais e estudantes para repudiar os ataques e imposições dos países imperialistas contra a classe trabalhadora em todo mundo.

Todas as seções estaduais da CTB estarão organizadas para participar das atividades nas principais capitais brasileiras ao lado de entidades do movimento negro, mulheres, jovens e trabalhadores rurais. Juntos, serão milhões de trabalhadores e trabalhadoras contra a opressão do neoliberalismo.

GRITOS DOS EXCLUÍDOSComo em todos os anos, o

dia 07 de setembro será marcado pelas manifestações do Grito dos Excluídos e Excluídas. Com o lema “Onde estão nossos direitos? Vamos às ruas para construir um projeto popular”, a 16ª edição do Grito terá como tema: a vida e os direitos, por um lado, e a participação no Plebiscito Popular pelo Limite da Propriedade da Terra, por outro.

As ações estarão centradas na violência que vem exterminando a juventude brasileira; a Campanha da Fraternidade deste ano; o processo eleitoral, centrando a

AGENDA SINDICAL

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41VISÃOClassista

da CTB, com o lema “A situação do negro no mundo trabalho”. O seminário, que acontece em São Paulo, pretende debater a situação de discriminação enfrentada pelos trabalhadores e trabalhadoras negras no mercado de trabalho e deliberar ações para o enfrentamento da situação.

CAMPANHA 16 DIAS DE ATIVISMO NO COMBATE À VIOLÊNCIA CONTRA MULHER

Tendo como foco principal a Lei Maria da Penha, a Campanha 16 Dias de A� vismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres completa 20 anos.

Promovida pela Coordenadora das Centrais Sindicais Cone Sul (CCSCS) em diversos países, a campanha será realizada de 25 de novembro a 10 de dezembro, quando se comemora o Dia Mundial dos Direitos Humanos. No Brasil, no dia 25 acontece uma grande ação unitária em Porto Alegre (RS).

Assim como nos últimos anos, o objetivo da mobilização é denunciar a violência contra a mulher e reivindicar políticas públicas de Estado para o enfrentamento desse grave problema.

CONSCIÊNCIA NEGRAComemorado no Brasil no

dia 20 de novembro, o Dia da Consciência Negra é utilizado para incentivar o debate sobre a desigualdade no país. Neste ano, as comemorações terão um caráter especial após a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, visto por diversas entidades dos movimentos sociais como um avanço na questão do combate à discriminação racial, já que determina a aplicação de políticas afi rmativas no combate à desigualdade material e social na qual hoje vive milhares de afrodecendentes desse país.

No dia 20, a CTB participará em parceria com entidades do movimento negro, de diversas marchas espalhadas pelas principais capitais brasileiras. A grande marcha deve acontecer em Brasília e dará ênfase à valorização da população negra no trabalho. O objetivo é pleitear nas campanhas salariais a inclusão de cláusulas que combatam a questão da discriminação, nos Acordos Coletivos dos sindicatos e federações fi liados à CTB.

Já na semana da Consciência Negra (21 a 25 de novembro), acontece o 1° Seminário Nacional da Discriminação Racial

discussão em critérios éticos para a construção de uma democracia popular.

Neste ano, os organizadores pretendem fazer uso de uma metodologia que supere uma linguagem verbalizada, utilizando manifestações teatrais, dança, poesia, música e o repente para a descentralização geográfi ca do Grito.

ELEIÇÕES 2010O dia 03 de outubro fi cará

marcado como um dia de decisão para a população brasileira, quando acontece o evento mais esperado do ano: as eleições 2010. Milhões de brasileiros e brasileiras devem comparecer às urnas para escolher seus representantes das esferas estaduais e federais.

Nestas eleições estarão em jogo a escolha que interferirá no futuro para o nosso país: a sucessão presidencial. Por meio do voto, os eleitores e eleitoras escolherão o aprofundamento das mudanças iniciadas no Brasil a partir do governo Lula ou a volta ao poder do retrocesso e daqueles que representam os interesses dos grandes capitalistas.

O segundo turno acontece em 31 de outubro. Fique atento.

Da sua escolha depende o futuro do país!

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42 VISÃOClassista

CULTURA

TV por assinatura no Brasil — a cabo ou via satélite — não

é apenas uma das mais caras do mundo. É também modesta (no alcance), repetitiva (na grade de programação) e submissa (no conteúdo). Segundo a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), apenas um a cada sete brasileiros tem acesso aos canais pagos na própria residência.

É bem verdade que o número de assinantes aumenta ano após ano. A televisão por assinatura — que atingia 3,5 milhões de domicílios em 2003 e 5,6 milhões em 2008 — já chega a 8,6 milhões de residências em julho de 2010. Ainda é pouco. Cruzando-se dados da Anatel e do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografi a e Estatística), estima-se que cerca de 28,4 milhões de brasileiros têm acesso em casa à TV paga. É menos de 15% da população. Nos Estados Unidos, a TV por assinatura chega a 90% dos domicílios. No Japão e na Holanda, a cobertura é de 100%.

Apesar da imensa variedade de canais, a televisão paga oferece mais do mesmo. Duas operadoras respondem por cerca de 80% do mercado e reproduzem, nesse setor, a concentração típica da grande mídia. Em vez de exibirem uma programação alternativa, reproduzem os vícios e os preconceitos da

O Brasil fora da TV paga brasileira

É cada vez mais evidente a necessidade de legislar um setor tão estratégico na formação de ideias e valores

TV tradicional — só que em doses cavalares.

“Na medida em que cresce o mercado de TV por assinatura, as operadoras mais se aproximam do papel de uma concessionária de TV aberta”, escreveu, em 2009, o jornalista Nelson Hoineff, um dos maiores especialistas em televisão no Brasil. “A TV por assinatura reza pela cartilha da TV aberta, segue a mesma lógica, exclui os que já estavam excluídos, inclui os que já estavam incluídos.”x

Mas o que mais pesa contra a TV paga brasileira é o absoluto descompromisso com o Brasil. Há um massacre de produtos enlatados, de origem predominantemente norte-americana, que toma conta da programação — de desenhos animados, seriados e fi lmes até telejornais e programas de auditório. É o que revela um recente estudo da Ancine (Agência Nacional de Cinema). Segundo o levantamento, das quase 2.754 horas de minisséries e seriados exibidos em 11 canais de TV paga em 2009, nada menos que 98,8% eram de atrações estrangeiras.

Também em 2009, as produções nacionais respondiam por apenas 14,6% dos 5.538 longas-metragens exibidos nos 12 canais de fi lmes pagos. Esse número só não foi pior porque a Lei do Cabo obriga uma

emissora — o Canal Brasil — a exibir produções fi lmadas ou gravadas no país. Sem o Canal Brasil, a proporção de fi lmes nacionais na programação paga despencaria para 1,4% — ou míseros 64 longas-metragens brasileiros ao longo dos 365 dias do ano.

É cada vez mais evidente a necessidade de legislar um setor tão estratégico na formação de ideias e valores. Vive-se hoje, no Brasil, o império dos enlatados — um império com cada vez mais súditos, já que, a cada minuto, a TV paga ganha cinco usuários. Ao pagarem (caro!) para supostamente diversifi car suas opções na televisão, esses assinantes ajudam a alimentar a indústria audiovisual de outros países — e, por tabela, sufocar a já limitada produção brasileira.

Países como a França têm legislações para promover efetivamente a diversidade e proteger o conteúdo e os valores nacionais. No Brasil, qualquer iniciativa do gênero — a exemplo das chamadas “cota nas telas” — é denunciada pelos donos da mídia como censura. Lula, o presidente mais popular da República brasileira, avançou pouco nas comunicações e preferiu não mexer em certos vespeiros da área. A partir de 2011, seu sucessor — ou, preferencialmente, sucessora — não terá como fugir.

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André Cintra é jornalista e escritor

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PLANO NACIONAL DE BANDA LARGA A CTB APOIA

O Acesso à Internet Banda Larga é um direito fundamental e deve ser

garantido pelo Estado, que deve instituir uma política de tarifas que torne viável o acesso residencial a toda população, garantindo a gratuidade do serviço sempre que necessário. Resolução da Confecom

Apoiamos o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), de iniciativa

do governo federal, como forma de inclusão digital de expressiva parcela do povo brasileiro extemporaneamente alijada de um meio de comunicação de massas como a internet no limiar da segunda década do século XXI.Carta Final do Encontro Nacional de Blogueiros

www.ctb.org.br