Revista Visão Classista - Nº 02 - Junho de 2010

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Revista da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil ENTREVISTA Paulo Paim reforça a campanha contra o fator previdenciário EXEMPLO EUROPEU Crise resgata lutas sociais no Velho Mundo Nº 2 - Junho de 2010 C L A S S I S T A Eduardo Navarro CONCLAT e CMS Classe trabalhadora aposta na unidade NEOLIBERALISMO, 20 ANOS O Brasil está pronto para se livrar dessa herança?

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Revista Visão Classista é uma publicação da CTB - Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil

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Revista da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil

ENTREVISTA Paulo Paim reforça a campanha contra o fator previdenciário

EXEMPLO EUROPEUCrise resgata lutas sociais no Velho Mundo

Nº 2 - Junho de 2010

C L A S S I S T A

Edua

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CONCLAT e CMSClasse trabalhadora aposta na unidade

NEOLIBERALISMO, 20 ANOSO Brasil está pronto para se livrar dessa herança?

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ENTREVISTA PAULO PAIMSenador se coloca na linha de frente contra o fator previdenciário PÁGINA 12

ÍNDICE

BRASILApós 20 anos de neoliberalismo, Brasil já pode seguir outro caminho?PÁGINA 16

LUTA CLASSISTAO exemplo dos trabalhadores europeus contra a crise econômicaPÁGINA 22

PREVIDÊNCIAA pressão do movimento sindical contra resquícios do governo FHCPÁGINA 28

CMSA Assembleia Nacional dos Movimentos Sociais de 31 de maioPÁGINA 32

UNIDADE E PROTAGONISMOCom a Conclat, movimento sindical alcança novo patamar no cenário político do paísPÁGINA 4

INTERNACIONALIII Encontro Sindical Nossa América reafi rma luta classista no continentePÁGINA 26

Visão Classista é uma revista trimestral, publicada pela CTB – Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil.

DIREÇÃO EXECUTIVAPresidenteWagner GomesVice-presidentesDavid Wylkerson de SouzaNivaldo SantanaVicente SelistreMárcia Almeida MachadoSecretário-geralPascoal CarneiroSecretário-geral adjuntoSalaciel Fabrício VilelaSecretário de fi nançasVilson Luiz da SilvaSecretária de fi nanças adjuntaGilda AlmeidaSecretária de formação e culturaCelina AreasSecretário de política sindical e relações institucionaisJoílson Antonio CardosoSecretário de políticas sociaisCarlos Rogério NunesSecretário de relações internacionaisSeverino AlmeidaSecretário de relações internacionais adjuntoJoão Batista LemosSecretária da mulher trabalhadoraDilce Abigail PereiraSecretário da juventude trabalhadoraPaulo Vinicius Santos da SilvaSecretária de promoção da igualdade racialValmira Luzia da SilvaSecretária de meio ambienteMaria do Socorro Nascimento BarbosaSecretário de saúde e segurança do trabalhoElias BernardinoSecretária de política agrícola e agráriaSérgio MirandaSecretária de previdência e aposentadosHildinete Pinheiro RochaSecretários de serviços públicos e do trabalhador públicoFátima dos Reis e João Paulo Ribeiro REDAÇÃOSecretário de imprensa e comunicaçãoEduardo NavarroEquipeCinthia Ribas, Fábio Ramalho, Fernando Damasceno e Láldert Castello Branco. Colaboradores desta ediçãoAugusto Chagas, Laura Porcel, Renata Mielli, Sônia Corrêa, Umberto Martins e Verônica Pimenta.Diagramação e projeto gráfi coCaco BisolIlustraçãoVicente MendonçaImpressãoEditora ParmaTiragem10.000 exemplares

Av. Liberdade, 113 – 4º andar. Liberdade, São Paulo (SP)CEP 01503-000Fone (11) 3106-0700E-mail: [email protected]

MOVIMENTOS SOCIAISA luta da UNE na campanha “O pré-sal é nosso!”PÁGINA 36

AGENDA SINDICALAs principais atividades do mundo sindical entre os meses de junho a setembro.PÁGINA 40

ARTIGOSCONJUNTURA SINDICALWagner GomesPÁGINA 9

MUNDO DO TRABALHOMarcio PochmannPÁGINA 15

DIREITO DO TRABALHADORMara LoguercioPÁGINA 31

COMUNICAÇÃOAltamiro BorgesPÁGINA 35

SAÚDE DO TRABALHADORJosé BarberinoPÁGINA 38

MUNDO DA FORMAÇÃOAugusto PettaPÁGINA 39

CULTURAAndré CintraPÁGINA 42

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EDUARDO NAVARRO | Secretário de imprensa e comunicação da CTB

EDITORIAL

m novo marco para o movimento sindical brasileiro se deu com a realização da

segunda Conclat, dia 1º de junho de 2010. A unidade das centrais sindicais em torno da construção de uma agenda da classe trabalhadora, visando um projeto nacional de desenvolvimento com valorização do trabalho, representou um passo adiante na luta sindical brasileira. Essa agenda pretende interferir no cenário político nacional no sentido de continuar aprofundando as mudanças que o povo clama.

O conjunto dos movimentos sociais discute, hoje, em seus fóruns, a ampliação da participação popular através de documentos construídos unitariamente. Foi assim na assembleia dos movimentos sociais, dia 31 de maio, quando três mil participantes, representando organizações ligadas à juventude, aos estudantes, às mulheres, da luta antirracista, do movimento sindical, do movimento comunitário, entre outros, aprovaram a atualização do Projeto Brasil, conjunto de propostas que deverá balizar as ações desses

movimentos, não só em 2010 como nos próximos anos.

A construção desses dois documentos, a Agenda da Classe Trabalhadora e o Projeto Brasil, demonstram o novo cenário em que vivem os trabalhadores brasileiros, diferente dos tempos tucanos em que o neoliberalismo campeou por estas bandas.

Durante os governos de Fernando Collor de Mello e o de Fernando Henrique Cardoso, o processo de desmonte do Estado nacional, as privatizações e a desregulamentação das relações de trabalho tiveram grande impacto na vida da classe trabalhadora. Demissão, precarização, terceirização e arrocho salarial conformaram a realidade enfrentada pelo movimento sindical na década de 90 e no início dos anos 2000. Foram anos de muitas lutas e resistência empreendida pelos movimentos sociais para alterar essa dura realidade.

Como esse período foi de triste lembrança e ninguém quer repeti-lo, os trabalhadores e trabalhadoras são chamados a percorrer um novo caminho juntamente com o movimento sindical que os representa: o caminho da unidade das forças populares!

Os caminhos da luta sindical e popular

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UNIDADE, FORÇA E PROTAGONISMOCom a concretização da Conclat, movimento sindical realiza feito histórico e alcança novo patamar no cenário político do país

Cinthia Ribas

CAPAJesus Carlos

o último dia 1º de junho, o estádio do Pacaembu, em São Paulo, foi palco da

maior demonstração de unidade que o movimento sindical pôde presenciar nos últimos anos: a concretização da segunda Conferência Nacional da Classe Trabalhadora.

Promovida pelas centrais CTB, CGTB, CUT, Força Sindical e NCST, a atividade representou a consolidação da crescente unidade de ação concreta em defesa dos interesses da classe, independente de concepções políticas e ideológicas.

Além das centrais, durante a Conferência estiveram presentes representantes de entidades dos movimentos sociais e sindical, nacional e internacional, como Ramón Cardona, dirigente da Federação Sindical Mundial, que parabenizou os trabalhadores brasileiros pela iniciativa. “Os brasileiros estão dando um digno exemplo, pois somente unidos podemos ser fortes. Há 30 anos, a Conclat contribuiu para a volta da democracia ao Brasil. Há quase dez anos, a vontade popular mudou

o destino deste país. Agora, este encontro permitirá novos avanços para os brasileiros. A FSM admira essa unidade. Estamos juntos nessa causa”, destacou Cardona.

A segunda Conclat, organizada em um período político totalmente diferente da edição de 1981 – realizada sob as barbas da ditadura –, objetivou a unifi cação das reivindicações dos trabalhadores como garantia de emprego, direitos e avanço nas conquistas, tanto para o campo, como para a cidade.

O tema central da Conferência foi a apreciação e aprovação da “agenda da classe trabalhadora para um projeto nacional de desenvolvimento com soberania e valorização do trabalho”, que contém seis eixos estratégicos: 1. Crescimento com Distribuição de Renda e Fortalecimento do Mercado Interno; 2. Valorização do Trabalho Decente com Igualdade e Inclusão Social; 3. Estado como Promotor do Desenvolvimento Socioeconômico e Ambiental;

MATURIDADE Wagner Gomes destaca os avanços conquistados pelas cinco centrais

Jesus Carlos

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UNIDADE, FORÇA E PROTAGONISMO

O tema central da Conferência foi a apreciação e aprovação da “agenda da classe trabalhadora para um projeto nacional de desenvolvimento com soberania e valorização do trabalho”

4. Democracia com Efetiva Participação Popular; 5. Soberania e Integração Internacional; 6. Direitos Sindicais e Negociação Coletiva.

UNIR PARA CONQUISTAR

A unidade presenciada atualmente no movimento sindical brasileiro – particularmente entre as centrais sindicais – não é obra do acaso, e sim uma edifi cação construída ao longo dos últimos anos, principalmente pela CTB,

pioneira na defesa dessa bandeira. “A efetivação da Conclat é o coroamento do processo de unidade que vem se consolidando ao longo dos últimos anos através de várias iniciativas conjuntas, com o objetivo de elevar o protagonismo da classe trabalhadora na vida nacional”, declarou Joílson Cardoso, secretário de Política Sindical e Relações Institucionais da CTB.

O dirigente lembra que a unidade do movimento sindical,

Jesus Carlos

EXEMPLO Militância da CTB comparece em peso ao Estádio do Pacaembu

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CAPA

defendida pela CTB, trouxe diversas conquistas para o trabalhador brasileiro. “Os resultados de atividades unitárias como a Marcha a Brasília e a campanha pela redução da jornada de trabalho e outras mobilizações estão aí, se traduziram em importantes conquistas para a classe trabalhadora como a valorização do salário mínimo, a legalização das centrais, o Piso Nacional da Educação, a ampliação dos investimentos na agricultura familiar, a redução dos juros e outras reivindicações”, afi rmou.

Lucia Stumpf, da União Brasileira de Mulheres (UBM), apontou a necessidade da manutenção da unidade entre movimentos social e sindical. “A gente precisa dos trabalhadores, das centrais e dos movimentos sociais unidos para que seja aplicada a plataforma aprovada na Conclat e aquela aprovada pela Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS).

Na busca por um Brasil com mais direitos para o povo, igualdade para as mulheres, negros e homossexuais, um Brasil mais desenvolvido soberano com valorização do trabalho e redistribuição de renda. Estamos vivendo um momento incomparável”.

Afi rmação reforçada por Augusto Chagas, presidente da União Nacional de Estudantes, que acredita que a Conclat trouxe um valioso ensinamento. “É um privilégio, 30 anos depois, podermos assistir a esse

acontecimento, que nos ensina que é o protagonismo popular que nos conduz à conquista de avanços, que nos permitiu conquistar a redemocratização do país, que foi capaz de resistir às políticas de Fernando Henrique Cardoso, e que nos garante a conquista de mais e mais direitos para a classe trabalhadora”, salientou Chagas, arrematando que “essa unidade é capaz de transformar o Brasil! É chegada a hora de, defi nitivamente, conquistar o futuro do Brasil sobre as nossas mãos”, comemorou.

GARANTIA DOS AVANÇOS

Após o governo neoliberal de FHC, vieram os oito anos do governo Lula. A eleição de um governo progressista representou um avanço para a classe trabalhadora. Agora, a preocupação é garantir um dos principais motes da Conclat: a eleição de um governo comprometido com os interesses do povo.

PIONEIRISMO Iniciativa da CTB, Conclat coloca o sindicalismo em novo patamar

Eduardo Navarro

Agora, a preocupação é garantir um dos principais motes da Conclat: a eleição de um governo comprometido com os interesses do povo

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Para os sindicalistas, o momento é de decisão: optar por um governo que dialoga com o movimento sindical ou optar pela volta de uma política privatista e neoliberal? “O desafi o na atual conjuntura é evitar a possibilidade de retrocesso e não só dar continuidade, como também

avançar no processo de mudanças”, destacou Abgail Pereira, secretária da Mulher Trabalhadora da CTB, que acrescentou, comovida com a demonstração de unidade advinda das arquibancadas do estádio: “É extremamente emocionante ver essa unidade e, principalmente,

RUMOS CRUZADOS Trabalhadores do campo e da cidade unidos para a Conclat

Jesus Carlos

a participação destacada das mulheres, que exercem seu protagonismo na elaboração dessas propostas que incluem a questão de gênero, creche, licença-maternidade, entre outras. Não podemos nos esquecer que temos pela frente um momento decisivo, que inclui a possibilidade de efetivação de um projeto de nação. Precisaremos optar por um governo

HISTÓRIA VIVA Brasileiros de todo o país testemunham marco do sindicalismo

Pedro Neves

249 reivindicações

A 1ª Conclat foi realizada em agosto de 1981, na Praia Grande (SP), quando o Brasil vivia o crescimento da luta de massas contra a ditadura militar. Milhares de trabalhadores compareceram ao evento histórico que reivindicava liberdade política, sindical e recomposição dos salários corroídos desde 1964.

A nova Conclat, como a de 1981, ocorreu num momento de revigoramento do

movimento sindical, em que a centralidade política dos trabalhadores e trabalhadoras é reafi rmada em defesa dos interesses e direitos da classe.

A proposta que surgiu inicialmente em dezembro de 2007, durante o Congresso da Fundação da CTB, aos poucos ganhou a adesão do movimento sindical.

Apesar da manifestação de apoio dos dirigentes sindicais ao governo progressista em curso, a segunda Conclat não deliberou apoio a nenhum dos pré-candidatos à sucessão de Lula. Seu principal objetivo foi infl uenciar os programas de governo dos presidenciáveis, com base nas 249 reivindicações da “Agenda da Classe Trabalhadora”.

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CAPA

que faça com que a redistribuição de renda e a possibilidade de avanços seja uma realidade. Nos últimos anos avançamos, mas precisamos conquistar muito mais”.

Na mesma linha de Abgail Pereira, o senador Inácio Arruda (PCdoB-CE), enfatizou a importância das próximas eleições. “Essa é a mais clara demonstração de que a classe trabalhadora sabe fazer política, além de saber qual é o seu lado. Essa unidade representa a grandeza política, o amadurecimento. Com a entrada do Lula no poder, muitas foram as conquistas da classe trabalhadora, contudo só com a mobilização dos trabalhadores será possível avançar na ampliação dessas conquistas”.

Na opinião da deputada federal Luiza Erundina (PSB-SP), “é uma demonstração de muita força da classe trabalhadora, que se expressa agora de forma unitária e politizada, para infl uir e protagonizar o momento que o país está vivendo”. Para ela é preciso que os trabalhadores defendam as conquistas já alcançadas e as ampliem, para que se consigam mais direitos.

No documento aprovado pelos trabalhadores, além de pendências históricas como a redução da jornada de trabalho sem redução de salários, constam também a reforma agrária e o fortalecimento da agricultura familiar, demandas dos trabalhadores rurais e urbanos, que segundo Alberto Broch, presidente da Confederação dos Trabalhadores em Agricultura (Contag), fortalecem ainda mais a aliança entre o campo e a cidade. “Não temos dúvida de que quando as centrais sindicais têm a capacidade de se reunir para uma grande conferência como essa e traduzir na prática a unidade da classe trabalhadora brasileira, em

um documento que tem em seu bojo a reforma agrária e a agricultura familiar, será verdadeiramente um passo para começarmos a quebrar a espinha dorsal do latifúndio, no sentido de concretizar a aliança entre o trabalhador urbano e o rural. Essa foi uma das melhores propostas já vistas no seio do movimento sindical nos últimos anos”.

Opinião compartilhada por João Paulo Rodrigues, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que

também pautou a unidade entre os trabalhadores do campo e da cidade. Ele destacou que o MST reafi rma seu compromisso com a reforma agrária e a continuidade do processo de ocupação de terras improdutivas como forma de luta. “Queremos garantir terra para que os trabalhadores do campo continuem no campo”, afi rmou o líder sem-terra, que também reforçou o compromisso da entidade na luta pela redução da jornada de trabalho e contra a criminalização dos movimentos sociais, que vem sendo promovida especialmente pela grande imprensa.

O documento aprovado na Conclat será entregue aos candidatos e candidatas à Presidência da República e servirá de instrumento para a intervenção dos trabalhadores nas batalhas políticas futuras.

NOVOS AVANÇOS Abgail Pereira destaca importância das eleições em 2010

Eduardo Navarro

Só com a mobilização dos trabalhadores será possível avançar na ampliação das conquistas

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CONJUNTURA SINDICAL

assado algum tempo desde a realização da

segunda Conclat, já é possível avaliar com mais clareza e profundidade sua importância para o movimento sindical brasileiro e quais serão seus desdobramentos. A avaliação é, sem sombra de dúvida, a mais positiva possível.

Desde o princípio das discussões entre as seis centrais sindicais legalizadas, o foco buscado foi o da unidade. Durante esse processo, infelizmente a UGT optou por seguir um rumo diferente ao das outras entidades, mas isso certamente não a excluirá de outras lutas da classe trabalhadora. Mais do que nunca, o momento histórico do país propicia todas as condições para aproveitarmos o exemplo da Conclat com vistas a obtermos novas conquistas.

Nova Central, CGTB, CUT, Força Sindical e nossa gloriosa CTB confirmaram a capacidade de articulação, mobilização e representatividade das centrais sindicais perante a sociedade. Saímos fortalecidos

Conclat: vitória dos trabalhadores; vitória da unidade

Mais do que nunca, o momento histórico do país propicia todas as condições para aproveitarmos o exemplo da Conclat com vistas a obtermos novas conquistas

desse processo e mostramos, na prática, que estamos preparados para elevar nosso protagonismo político a níveis jamais alcançados pela classe trabalhadora.

Nem mesmo o mais otimista dos lideres sindicais do país seria capaz de vislumbrar, em meados de 2003 (quando o presidente Lula iniciava seu governo), a união das centrais em torno de um documento como a Agenda da Classe Trabalhadora. O Brasil, no entanto, evoluiu muito – e isso exigiu da classe trabalhadora outro nível de atuação. Em nome de um projeto mais avançado para o país, fomos capazes de superar nossas diferenças e encontrar um caminho consensual para ser compartilhado com a sociedade. Isso é histórico e merece ser destacado em letras garrafais.

É óbvio que as centrais sindicais continuarão mantendo determinadas diferenças, mas a partir de agora o entendimento entre nós será buscado a partir de outro patamar. Isso será mais uma vez demonstrado ainda em 2010, nas eleições de 3 de outubro. E é preciso

ficar claro que não aceitaremos qualquer retrocesso em relação às conquistas obtidas durante o atual governo.

Temos consciência de que podemos contribuir para a elaboração de um novo projeto nacional de desenvolvimento, que garanta mais conquistas sociais, que impeça a perda de direitos trabalhistas históricos, que valorize a classe trabalhadora e que seja capaz de criar os empregos necessários para o povo brasileiro. Iremos agir nessa direção, seja quem for o escolhido pelo povo brasileiro para suceder o presidente Lula. E não nos furtaremos em apoiar a candidatura que mais se aproximar do projeto que defendemos para o futuro do Brasil.

O momento é, sim, de comemorar a unidade conquistada em torno das bandeiras da Conclat, mas também é chegada a hora de fazer valer o anseio da classe trabalhadora por um Brasil mais digno e justo. Unidos certamente vamos chegar mais longe e seremos capazes de impedir o retorno a tempos que não deixaram nenhuma saudade.

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Wagner Gomes é presidente da CTB

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A PAULO PAIM

o dia seguinte à aprovação do fi m do fator

previdenciário pelo Senado da República – e na mesma data em que sindicalistas de diversas centrais sindicais se encontraram em seu escritório político, na cidade de Porto Alegre, para compor um comitê sindical suprapartidário com vistas a sua candidatura à reeleição –, o senador Paulo Paim (PT-RS) recebeu a

reportagem de Visão Classista para esta entrevista.Nascido em Caxias do Sul, Paulo Renato Paim é um metalúrgico formado pelo Senai, cuja carreira política se inicia no movimento sindical gaúcho. Entre 1981 e 1985, foi presidente do Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de Canoas. Sua atuação destacada o alçou à Câmara dos Deputados em 1987, onde

permaneceu até 2002, quando se elegeu senador com mais de dois milhões de votos.Leia a seguir a entrevista, na qual Paim fala de temas como a redução da jornada de trabalho, o fator previdenciário, reajuste para aposentados, políticas de inclusão racial no país e a necessidade de mais mobilizações para que a sociedade obtenha novos avanços:

NOVOS AVANÇOS

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DEPENDEM DE MOBILIZAÇÃO

Quem diz que a Previdência vai quebrar está fazendo terrorismo com os trabalhadores

Sônia Corrêa

NOVOS AVANÇOS

Visão Classista: A MP 475/09 – que derruba o fator previdenciário e garante um reajuste de 7,72% para aposentadorias e pensões acima de um salário mínimo – foi aprovada no Senado. Qual sua expectativa quanto à sanção do presidente Lula?

Paulo Paim: Primeiro é bom resgatar que a luta pelo fi m do fator previdenciário é uma luta de 10 anos, visto que ele foi criado pelo governo de Fernando Henrique. Na época, nós todos, que hoje compomos a base do governo do presidente Lula, os partidos da chamada Frente Popular (PT, PCdoB, PSB, PDT, entre outros), votamos contra a criação e entramos com ação no Supremo, mas não fomos vitoriosos. De lá para cá, viemos perseguindo acabar com o fator, que consiste numa fórmula matemática que considera a idade e o tempo de contribuição que acaba reduzindo o salário do trabalhador em até 40% e da trabalhadora em até 50% no momento da aposentadoria. Então, aprovamos no Senado o nosso Projeto de Lei 3.299, de 2008, que extingue o fator previdenciário. Ele foi aprovado na Câmara dos Deputados e voltou para o Senado, onde o aprovamos novamente. Agora nós fazemos um apelo, um clamor nacional, para que o celetista (que recebe até R$ 3.475,00) tenha o direito de se aposentar com valor integral, assim como têm os servidores do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. É bom dizer também que, até na área privada, quem ganha valores maiores pode pagar uma previdência

privada e se aposentar com uma bela previdência, o que não é o caso da grande maioria dos trabalhadores – que é quem realmente se prejudica com o cálculo do fator.

Por tudo isso é que a gente espera que o presidente seja sensível a essa questão. Penso que as centrais, confederações e federações devem procurar o presidente, pedir reuniões e sensibilizá-lo. E, claro, não abrir mão de muita mobilização também para assegurar essa conquista da extinção do fator previdenciário com a sanção do presidente Lula.

Visão Classista: A gente observa que a derrubada do fator previdenciário encontra grande resistência no governo federal. Desde a aprovação nas duas Casas Legislativas há uma enxurrada de manifestações que afi rmam que o fi m do fator irá quebrar a Previdência e aumentar o suposto rombo existente em suas contas. Entidades como a Confederação Brasileira dos Aposentados e Pensionistas (Cobap) questionam essa informação. O senhor também afi rma o contrário? Qual a realidade desse cenário?

Paulo Paim: Essa é uma grande bobagem, sem procedência alguma. Só para se ter uma ideia, nestes

dez anos de fator previdenciário a Previdência brasileira teve uma economia de R$ 10 bilhões, ou seja, R$ 1 bilhão por ano. Logo, outros números não existem, são totalmente irreais, inverídicos. Chega-se a falar em R$ 30, R$ 40 e até R$ 50 bilhões de fi ssura na Previdência. Isso não existe. A receita da Previdência aumentou em torno de 16%, o que dá algo em torno de R$ 40 bilhões a mais de receita. O que acontece é que se vende a ideia de que a Previdência estivesse com problemas. Tem que ser dito, no entanto, que a Previdência não é deste ou daquele governo. Ela é dos trabalhadores, que pagam, fazem um fundo e têm direito de, após 30 ou 35 anos contribuindo, receber a nossa cota de benefício mensal pelo que pagamos.

Quem diz que a Previdência vai quebrar está fazendo terrorismo com os trabalhadores, mas principalmente fazendo o jogo da previdência privada, ou seja, que só há alternativa de uma aposentadoria digna se for privada. Só que com a grande maioria dos salários é impossível manter um convênio privado. Eu fi co indignado ao ver que empresários das seguradoras e banqueiros lançam esses boatos e acabam abastecendo a imprensa comprometida com tais setores, repercutindo isso na sociedade para detonar a ideia da previdência pública.

Visão Classista: O país aos poucos deixa para trás o legado neoliberal de duas décadas. O fi m

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Agora, voltando à questão, neste momento em que o país está indo tão bem, os trabalhadores têm que valorizar a organização sindical, as centrais, federações, confederações e sindicatos e interagir na conjuntura nacional. Um bom exemplo é a forma como essas entidades têm interagido com o Congresso Nacional, pressionando para aprovar a redução da jornada de trabalho para 40 horas, como pressionou pelo fi m do fator, pela valorização do salário mínimo. As instituições se movem a partir dessa pressão do movimento sindical. Se hoje nós temos um salário mínimo de U$ 300, é graças a essa nova fase do Brasil e à pressão dos trabalhadores. No passado, quando eu brigava para ter um salário que chegasse a US$ 100, diziam que eu era demagogo e irresponsável. E isso faz com que eu me orgulhe de ter feito essa minha caminhada junto com o movimento sindical, que tem sido parceiro dos deputados e senadores comprometidos com as causas populares. Ou seja, é necessário que o Executivo ou o Parlamento atuem sob o olhar do movimento sindical, pois ele joga

ENTREVISTA PAULO PAIM

do fator previdenciário se encaixa nesse contexto. Com base nas boas perspectivas econômicas para o Brasil das próximas décadas, qual seria a melhor e mais justa fórmula para o cálculo das aposentadorias?

Paulo Paim: Eu não tenho nenhuma dúvida de que a fórmula mais justa é o tempo de contribuição. A mulher com 30 anos e o homem 35 anos de contribuição. Após esse tempo todo, ele tem o direito de se aposentar pela sua integralidade. Num primeiro momento eu havia apresentado o que fi cou conhecido como a “média curta”, que é o cálculo da média das últimas 36 contribuições. A Câmara mudou isso, adotando a chamada “média longa”, que é a média que considera os 80% dos maiores salários. E a gente acabou aceitando, para garantir o fi m do fator e que também representa um avanço, pois também considera o princípio da integralidade.

Muita gente tem falado também sobre a questão da idade mínima, o que é outra falácia. Se nós quiséssemos fazer um debate sobre a idade mínima, é bem simples: o

calculo é 16 anos – que é a idade em que a Constituição permite que o trabalhador ingresse no mercado de trabalho – mais os 35 anos de contribuição e teremos a idade mínima. Ou seja: 51 anos. Então essa conversa de que vai ter gente se aposentando aos 40 anos é mais uma grande bobagem, pois para isso a pessoa teria que ingressar no mercado e ter sua carteira de trabalho assinada aos cinco anos de idade. Isso não existe.

Visão Classista: Com a recuperação da economia no Brasil e a criação de milhões de novos empregos, qual sua expectativa para o papel dos sindicatos e das centrais nessa nova fase do país?

Paulo Paim: Que bom que o país está indo tão bem, né? A previsão do PIB é de 7 a 8%. Claro que pode não chegar a isso, mas se chegar a 5%, 6% já teremos o que comemorar. Dois milhões de carteiras de trabalho assinadas, a arrecadação da Receita Federal tem sido recorde – isso é muito bom! E se é tão bom, dá para pagar os aposentados, conceder o reajuste de 7,7%.

É necessário que o Executivo ou o Parlamento atuem sob o olhar do movimento sindical, pois ele joga um papel fundamental na busca da melhoria da qualidade de vida do nosso povo

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um papel fundamental na busca da melhoria da qualidade de vida do nosso povo.

Visão Classista: Como você tem acompanhado o movimento conjunto das centrais sindicais em algumas questões específi cas, como a redução da jornada?

Paulo Paim: Eu acho que neste ano não conseguiremos aprovar a redução da jornada de trabalho. É um projeto que visa muito mais do que diminuir a carga horária, de tal maneira que propicia ao trabalhador mais tempo de convívio familiar ou de lazer. É um projeto que possibilita a geração de milhares de empregos no país. Mas é também um projeto que gera polêmica e, como todo projeto polêmico, necessita de grande pressão dos trabalhadores para que seja aprovado. É um ano eleitoral e qualquer movimento neste sentido poderá alterar – e muito – a relação com o que virá do pleito. Por isso o Congresso não deverá entrar nessa contenda durante este período.

Visão Classista: Sua trajetória tem início no movimento sindical. Como você tem acompanhado o papel desempenhado pela CTB em sua curta trajetória?

Paulo Paim: Eu acho que a CTB está muito bem. Muito fi rme, não sectária. Eu não tenho nenhuma dúvida acerca da importância e do papel fundamental que a CTB vem desempenhando em favor dos interesses da classe trabalhadora. Eu vi e tive a CTB como uma grande parceria nessa luta pelo fi m do fator previdenciário, na luta pela redução da jornada, entre tantas outras. Eu espero que a CTB se mantenha fi rme na sua forma de agir, com muita luta, com mobilização e articulando com diversos setores em defesa dos interesses das

trabalhadoras e trabalhadores brasileiros. Eu me considero um amigo, um companheiro, um parceiro, um guerreiro, junto com a CTB.

Visão Classista: Falando agora de outro tema em que sua atuação em Brasília se destaca, como você vê a atuação do movimento negro junto aos parlamentares em Brasília?

Os trabalhadores têm que valorizar a organização sindical, as centrais, federações, confederações e sindicatos e interagir na conjuntura nacional

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ENTREVISTA PAULO PAIM

Paulo Paim: A Câmara aprovou o Estatuto da Igualdade Racial com algumas alterações da proposta original, voltou para o Senado e a pressão é para que esta Casa aprove-o de forma mais ampla e contemple os anseios do movimento negro, ou seja, que garanta efetivamente a inclusão da imensa nação negra do Brasil, com acesso universal e igualitário à saúde, educação, cultura, liberdade religiosa, sistema de cotas que corrija as desigualdades, entre outras questões que dizem respeito a resgatar uma dívida que o país tem com a população negra. Tudo isso com a participação e a contribuição do movimento negro que, no meu entendimento, vem avançando na sua participação, também fruto da compreensão deste governo, que buscou incluir institucionalmente setores historicamente discriminados, como as mulheres, a juventude e também os negros.

Visão Classista: Como você avalia o papel que vem sendo desempenhado pela Secretaria

Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir)? De que forma torná-lo mais abrangente?

Paulo Paim: A criação da Seppir, em primeiro lugar, precisa ser saudada. É um espaço de organização relativamente novo e que vem jogando um importante papel para a inclusão racial, com a implantação de políticas públicas em nível nacional. Agora, como tudo que é novo, precisa ser ajustado e eu acredito que no próximo período ela há de ampliar sua atuação fazendo com que a comunidade negra se sinta muito mais representada e contemplada nas políticas públicas de inclusão racial.

Visão Classista: Qual tem sido sua atuação no que diz respeito à implementação da política de cotas para afrodescendentes? Como vê o papel do Estado nessa questão?

Paulo Paim: O governo federal tem dado exemplo de compromisso com a inclusão social na área da educação. Observe que aqui eu não estou usando o termo inclusão racial, mais social mesmo, pois o

Brasil, ao subjugar historicamente os negros, lhes atribuiu o papel de excluídos socialmente. A maioria dos pobres é composta por negros e vice-versa. O sistema de cotas objetiva corrigir as inaceitáveis desigualdades raciais e sociais que marcam a realidade brasileira. Há quem diga que as cotas são desnecessárias e citam outros países, como os Estados Unidos, por exemplo, que não tem cotas. Eu espero que daqui a uns 10 ou 15 anos eu também possa dizer que não precisaremos mais ter cotas, pois os negros e pobres já estão incluídos. Mas, por enquanto, não podemos dizer isso. As cotas – infelizmente – ainda são necessárias como uma medida para corrigir a herança de desigualdade do nosso país.

O sistema de cotas objetiva corrigir as inaceitáveis desigualdades raciais e sociais que marcam a realidade brasileira

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MUNDO DO TRABALHO

Produtividade e salário pós-crise

Cerca de 500 mil pessoas saíram da condição de pobreza nas principais regiões metropolitanas do país

MA

RCIO

POCH

MA

NN

Marcio Pochmann é Professor licenciado do Instituto de Economia (IE) e do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (CESIT) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Presidente do IPEA.

s políticas anticíclicas emanadas ao final do ano de 2008

romperam com o padrão governamental brasileiro de enfrentamento das crises econômicas desde o final da ditadura militar (1964 – 85). Repetidamente nos períodos de 1981-83 (crise da dívida externa), de 1990-92 (recessões do governo Collor), de 1998-99 (crise financeira do governo Cardoso) e de 2002-03 (crise da transição para o governo Lula), o receituário adotado foi o mesmo. Ou seja, a ortodoxia da elevação na taxa interna de juros e o corte nos gastos públicos, sobretudo sociais e de investimentos.

Com isso, a saída da crise terminou sendo tanto a negação da soberania às decisões de reativar o potencial interno como a maior dependência do exterior para a retomada da recuperação das atividades econômicas nacionais. Adicionalmente, os custos sociais enormes impactaram os trabalhadores, sobretudo na base da pirâmide social. O crescimento do desemprego, da pobreza e da desigualdade de renda foram os principais sinais do maior repasse do ônus da crise do capitalismo brasileiro em virtude das opções realizadas pelos governos de plantão. Dessa forma, por exemplo, a pobreza aumentou 38,2%

na crise da dívida externa (1981-83), 18,1% na recessão do governo Collor (1990-92), 9,5% na crise financeira do governo Cardoso (1998-99) e 8,9% na crise da transição para o governo Lula (2002/03).

Mas na crise internacional de 2008, a pobreza e a desigualdade de renda não aumentaram no Brasil. Pelo contrário, cerca de 500 mil pessoas saíram da condição de pobreza nas principais regiões metropolitanas do país. Para além da adoção de política fiscal expansionista (redução de impostos e ampliação do gasto) e de redução de juros, ainda que tardia e de pequena intensidade, assistiu-se ao fortalecimento das empresas e bancos públicos, ao reforço do crédito e dos investimentos governamentais, inclusive com elevação do salário mínimo e seguro desemprego, bem como o alargamento das políticas de transferência de renda aos mais pobres.

Não obstante a importância das políticas anticíclicas adotadas durante a crise internacional, observa-se que o movimento mais recente de recuperação econômica ocorre aceleradamente sem que os ganhos de produtividade estejam sendo compartilhados

equanimente como os trabalhadores. Nota-se que a folha de pagamento por trabalhador ocupado no setor industrial brasileiro registra crescimento real positivo acumulado de 2,6% no período pós-crise internacional. Mas o ritmo de expansão real encontra-se abaixo do verificado no período pré-crise (setembro de 2008 em relação a maio de 2007), quando o aumento real acumulado foi de 6,1%. Além disso, a produtividade do trabalho no setor industrial segue aumentando fortemente no período pós-crise, com crescimento acumulado acima de 18% entre os meses de setembro de 2008 e fevereiro de 2010. A defasagem entre o ritmo de expansão da produtividade e da folha de pagamento aumentou no período pós-crise no setor industrial brasileiro. Antes da crise internacional, o ganho salarial em termos reais equivalia a 33% da produtividade obtida no setor industrial, enquanto no período pós-crise equivale a somente 14,1%.

A se manter essa trajetória, os ganhos em termos de ampliação do rendimento do trabalho na renda nacional tendem a não ser mantidos. Urge reagir rapidamente aos sinais do não repasse da produtividade aos salários dos trabalhadores.

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16 VISÃOClassista

BRASIL

odernidade”. “Fim do atraso”. “Nova era”. Essas foram algumas

das expressões utilizadas por Fernando Collor de Mello para defi nir o que viria a ser seu governo, iniciado em 15 de março de 1990 – o primeiro escolhido pelo voto popular após o regime militar. Sua eleição, de fato, inaugurou uma nova fase para o país, cercada de grandes expectativas. Contudo, esse período não foi marcado pelas transformações necessárias para o Brasil. Muito pelo contrário.

A nova era prometida por Collor se baseava nos princípios do neoliberalismo, da globalização fi nanceira internacional, da abertura comercial e econômica do Brasil junto ao resto do mundo – fundamentos apoiados à época pela elite brasileira como remédio para se contrapor ao atraso representado pela década de 1980, personifi cado na fi gura do ex-presidente José Sarney. No cenário internacional, a derrocada da União Soviética e a queda do Muro de Berlim fortaleciam a ideologia do novo governo.

Dessa forma, o Brasil abriu mão completamente de um projeto nacional próprio e aderiu de corpo e alma ao chamado Consenso de Washington. Collor deu o pontapé

Após duas décadas de políticas de terrível impacto econômico e social, estaria o Brasil pronto para deixar essa herança no passado?

Fernando Damasceno

NEOLIBERALISMO, 20 ANOS

inicial, consolidado em seguida por Fernando Henrique Cardoso, no sentido de integrar o país a essa ideologia, caracterizada pela desregulamentação fi nanceira, privatizações do patrimônio público e diminuição do papel do Estado na sociedade.

O resultado dessa “modernidade” persiste até os dias atuais e está longe de ser considerado positivo. Os efeitos sentidos pela sociedade brasileira ao longo dos últimos 20 anos atestam a tragédia socioeconômica das políticas neoliberais. “O mito do livre-mercado é uma ideologia de quinta categoria que foi vendida como ciência”, defi niu o deputado federal

Ciro Gomes (PSB-CE), em seminário promovido por seu partido em 2009.

ONDE A CORDA ROMPE

“A abertura comercial-fi nanceira implementada por Collor jogou a economia brasileira na selva da competição nacional sem qualquer proteção, sem o devido crescimento de produção necessário”, relembra o economista Jorge Mattoso, autor do livro “O Brasil desempregado”, obra que descreve de que maneira as políticas neoliberais eliminaram milhões de postos de trabalho ao longo da década de 1990.

O novo presidente eliminou as barreiras não-tarifárias, aboliu

INFORMALIDADE Nas ruas de São Paulo, a realidade das políticas de Collor e FHC

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17VISÃOClassista

de atividades, fechamento de unidades, importação de máquinas e equipamentos, busca por parcerias acionárias para fechar as contas e cortes em mão-de-obra, entre outras medidas.

Por outro lado, grande parte dessas mesmas empresas soube como aumentar seus lucros não-operacionais nessa nova fase, por meio do mercado fi nanceiro extremamente favorável, capaz de compensar as perdas de um cenário marcado pela contração. Dessa forma, as consequências mais críticas das escolhas do governo federal vieram a ser sentidas no lado mais desprotegido da sociedade: o trabalhador brasileiro.

Com tal cenário constituído, o que se assistiu no Brasil ao longo da década de 1990 foi a uma verdadeira avalanche contra todos os setores sociais que se contrapuseram ao neoliberalismo. Governo federal, imprensa, empresários, latifundiários, banqueiros e organismos estrangeiros unifi caram suas forças e impuseram ao Brasil um pensamento único, no qual opositores ao neoliberalismo eram tachados de “neobobos”. Tão importante quanto a luta político-econômica era a ideológica, na qual se disseminavam ideias como a da “inutilidade” dos sindicatos para enfraquecer seu poder de infl uência perante a sociedade.

O fracasso econômico do governo Collor chegou a desestabilizar parte desse discurso, mas acabou por abrir caminho para um novo norte: a busca pela estabilidade, baseada no fi m da infl ação. Com o advento do Plano Real e sua boa receptividade junto à maioria da população, foi dado o sinal verde para o aprofundamento das políticas anti-desenvolvimentistas: Fernando Henrique Cardoso e o PSDB chegavam à Presidência da República.

NEOLIBERALISMO, 20 ANOS

Collor deu o pontapé inicial, consolidado em seguida por Fernando Henrique Cardoso, no sentido de integrar o país a essa ideologia

diversas restrições à importação de bens e agilizou a toque de caixa a redução de diversas tarifas. Como resultado, o país viu grande parte de suas indústrias se enfraquecerem repentinamente. Sua reação, diante da rivalidade com as empresas estrangeiras, não tardou a vir, na forma de aceleração da terceirização

Para o PSDB, desemprego não era necessariamente ruim para o país

“Será o desemprego necessariamente um mal?”. Por mais surreal que possa parecer, essa pergunta foi levada a sério ao longo da década de 1990. Em maio de 1999, a revista “Ideias & Debate”, publicada pelo Instituto Teotônio Vilela – centro de estudos patrocinado pelo PSDB – estampou em sua capa essa manchete, referente ao texto homônimo de José Vicente Lessa, diplomata, sociólogo e, à época, assessor do ministro extraordinário para Projetos Especiais, Ronaldo Sardemberg.

A pérola tucana tentava apontar o que poderia ser um lado bom do desemprego, apesar do cenário social que, naqueles idos, apresentava índices de desemprego que chegavam aos 20% em algumas capitais do país.

Lessa, em seu texto, procurava mostrar as mudanças pelas quais o mercado de trabalho passara em todo o mundo nas últimas décadas e argumentava que, havendo um seguro social, o trabalhador desempregado poderia se tornar um “cidadão plenamente útil”, ao invés de ser relegado a mera força de trabalho “de reserva”.

Essa preparação toda antecipava a cereja do texto: “Sob este prisma, o desemprego estrutural não precisa ser visto como algo necessariamente ruim“. A emenda saía pior do que o soneto. Um ano antes, em 1998, o então ministro do Trabalho do governo FHC, Edward Amadeo, dissera que o Brasil não passava por uma crise de desemprego. Havia, segundo seu genial ponto de vista, um problema de “empregabilidade” do trabalhador.

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BUSCA PELA SOBREVIVÊNCIA

“A ofensiva neoliberal no Brasil, iniciada no governo Collor e intensifi cada nos dois mandatos de FHC, foi um desastre para os trabalhadores e um inferno para o sindicalismo. A explosão recorde do desemprego, a corrosão salarial, a precarização do trabalho e a regressão de direitos intimidaram os que estavam empregados, afastaram milhões de desempregados e colocaram na defensiva os sindicatos”, analisa Altamiro Borges, no livro “Sindicalismo, resistência e alternativas”, ao descrever a tragédia neoliberal imposta na década de 1990.

Eleito presidente no fi nal de 1994, Fernando Henrique Cardoso deu seu cartão de visita aos trabalhadores logo em maio de 1995, ao fazer uso de militares do Exercito para reprimir uma greve organizada por trabalhadores petroleiros. Também na fase inicial de seu governo, FHC fez com que o Congresso aprovasse diversos projetos no sentido de fragmentar as entidades sindicais, asfi xiando-as fi nanceiramente e impedindo seu acesso à Justiça do Trabalho.

Na prática, o Brasil viu a maior onda de desemprego da sua história ao longo da década de 1990. Ao mesmo tempo, os trabalhadores também se surpreenderam com a disseminação da precarização nas relações de trabalho, com práticas como a terceirização e o banco de horas. Para os que se viram desamparados, sobraram os chamados bicos e funções temporárias. O crescimento da informalidade era diretamente proporcional ao fortalecimento das empresas no mercado de trabalho, em detrimento dos sindicatos.

Para João Batista Lemos, secretário de Relações Internacionais adjunto da CTB, o futuro do sindicalismo esteve em jogo naqueles anos. “Mais do que uma fase em que o movimento sindical esteve na defensiva, foi um período de sobrevivência mesmo, de organizar as lutas para que perdêssemos menos”, relembra.

Batista, que ao longo dos anos 90 foi coordenador nacional da Corrente Sindical Classista (CSC), à época parte integrante da Central Única dos Trabalhadores (CUT), explica que a saída adotada pelo sindicalismo foi a priorização da luta política na sociedade. “A iniciativa dos trabalhadores foi fazer parte do Fórum Nacional de Lutas, junto aos movimentos sociais”, comenta o dirigente da CTB, destacando a campanha covarde de criminalização sofrida por entidades como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) durante o governo FHC.

RETROCESSOS

De fato, ao longo da década de 1990 os sindicatos viram seu poder de barganha e de mobilização diminuírem substancialmente. Mais de 50% da força de trabalho do país foi parar na informalidade. O desempenho pífi o da economia do país fez com que os salários fossem achatados. A subserviência a grupos econômicos estrangeiros resultou no desmonte do Estado brasileiro, interrompido somente com a chegada de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência, em 2003. “Felizmente, o processo de privatização foi interrompido e assim salvamos o Banco do Brasil, a Petrobras, a Eletrobrás, a Chesf, Furnas, a Eletronorte, a Embrapa e outras jóias da coroa”, lembrava Ciro Gomes, no

BRASIL

PARA POUCOS No RJ, concurso para garis atrai milhares de trabalhadores

SUFOCO Para Batista, luta política barrou o neoliberalismo

João Zinclar

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19VISÃOClassista

seminário organizado pelo PSB em 2009.

Para José Genoíno, deputado federal (PT-SP) com atuação destacada na Câmara durante os anos 90, a maioria ampla conquistada por FHC no Congresso, o aval da grande mídia e da maioria da sociedade transformaram as políticas neoliberais num rolo compressor. “O discurso da moda era o da privatização, do Estado mínimo, da precarização. O centro da nossa luta era a resistência e havia pouco espaço da mídia. Só conseguíamos espaço para dialogar junto aos movimentos sociais, aos sindicatos e em alguns poucos setores específi cos da sociedade”, relembra.

Genoíno defi ne como incalculáveis as perdas para o país durante os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, mas cita algumas como as mais signifi cativas. “Posso dizer que foram três: a transferência do patrimônio público para o privado, como nos casos da Embratel, da Vale do Rio Doce e de alguns bancos estaduais, a submissão a um modelo econômico exigido pelos Estados Unidos e a difi culdade dos movimentos sociais em dialogar com o governo”.

PARADOXOS

Os governos neoliberais conseguiram impor sua agenda e

O que se assistiu no Brasil ao longo da década de 1990 foi a uma verdadeira avalanche contra todos os setores sociais que se contrapuseram ao neoliberalismo

contar com o apoio de diversas forças conservadoras da sociedade, mas acabaram por sair enfraquecidos do processo que criaram.

“As reformas neoliberais não têm resultados apenas econômicos, elas determinaram também uma mudança política signifi cativa na capacidade de retaliação dos detentores de riqueza fi nanceira. Concedeu-se à plutocracia brasileira e aos investidores e credores estrangeiros – todos também credores da dívida pública – uma incontrastável força

política, decorrente de sua capacidade de desestabilizar a economia nacional em curto espaço de tempo”, explicava o economista Lécio Moraes, no artigo ”Política econômica e autonomia do Estado”, publicado na edição 77 da revista “Princípios”.

Ainda segundo o economista, o domínio do fl uxo de capitais, do investimento e do crédito, favorecido pelas regras de liberdade da conta de capitais e da regulamentação fi nanceira e pela enorme concentração de

Não foi apenas o Brasil quem sofreu com efeitos do neoliberalismo a partir da década de 1990 – alguns de seus vizinhos sofreram crises ainda mais graves do que a brasileira. A Argentina é o exemplo de catástrofe e transformação social que mais salta aos olhos em toda a região, mas países como Bolívia, Peru, Equador e Uruguai também enfrentaram prejuízos incalculáveis para seus povos.

Para João Batista Lemos, o grande fato histórico que iniciou a contraofensiva progressista na região se deu em 1998, com a eleição de Hugo Chávez para a Presidência da Venezuela. “Só então que começa a surgir um processo contrário às forças do neoliberalismo”, lembra.

De fato, a eleição de Chávez coincidiu historicamente com grandes movimentos que uniram forças populares de diversos países da região, como a luta contra a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) e a organização do Fórum Social Mundial, a partir de 2001.

Desde a eleição do presidente venezuelano, o povo latino-americano deu diversas mostras de que as políticas impostas pelos Estados Unidos à região poderiam ser combatidas pela via democrática.

Brasil, Argentina, Bolívia, Uruguai, Equador, Paraguai, Chile e Nicarágua disseram “não” ao neoliberalismo e abraçaram a integração regional, optando pela autodeterminação, pela soberania e por uma nova fase, marcada pelo distanciamento do imperialismo norte-americano.

“A América Latina foi o laboratório do neoliberalismo que, como disse Eduardo Galeano, arrasou nosso continente. Assim como a América Latina recebeu a maior dose de veneno neoliberal, foi também onde brotou com mais força as mudanças que vão transformar o nosso planeta. Outro mundo é possível, necessário e está nascendo hoje na América Latina”, afi rmou Chávez, durante o Fórum Social Mundial de 2009, realizado no Pará.

Lula, Chávez, Evo, Lugo, Correa e Kirchner apostaram, ao longo da primeira década do século 21, no fortalecimento dos mercados de seus países, em blocos regionais como o Mercosul e a Alba. Em cada um de seus governos, os novos presidentes também escolheram um caminho que os diferenciasse de seus antecessores, optando por iniciativas que contemplassem os anseios dos trabalhadores, dos movimentos sociais e da população que foi mais afetada pelos anos de neoliberalismo.

América Latina diz “não” à Alca e “sim” à integração regional

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riquezas, concedeu às classes dominantes capacidade de gerar caos econômico. “Podemos resumir essa capacidade em dois problemas entrelaçados: a vulnerabilidade externa e a vulnerabilidade fi scal do Estado. É na exploração dessas duas vulnerabilidades que as classes dominantes extraem o poder político desproporcional de que gozam hoje”, escreveu, sem deixar de complementar que esse poder por parte das classes dominantes sempre existiu. “A novidade agora é a rapidez de resposta por parte do grande capital frente a qualquer ameaça de mudança de política econômica que pareça desfavorável a seus interesses”.

Não bastasse essa fragilidade interna, o governo FHC também se viu às voltas com as consequências de crises nascidas em outras nações. Já apareciam no mundo as primeiras tragédias do ideário neoliberal, como se viu na Ásia em 1995, no México em 1997 e na Argentina em 2001-2002. Vulnerável, o Brasil precisou recorrer em todas as ocasiões à ajuda de organismos como o Fundo Monetário Internacional (FMI), sob a condição de aprofundar ainda mais a implementação do Consenso de Washington no país.

LULA E A “CARTA AO POVO BRASILEIRO”

Ao despontar como favorito para as eleições presidenciais de 2002, Lula assumiu a estratégia de manter as políticas monetária e fi scal do período FHC, como forma de diminuir a histórica repulsa de empresários e banqueiros a seu nome e a seu projeto para o país. Essa tática foi explicitada a toda a população na “Carta ao Povo Brasileiro”. O documento falava em honrar compromissos e na manutenção do superávit primário, mas também já sinalizava que o futuro governo Lula

não seria uma mera continuidade de seu antecessor.

“A sociedade está convencida de que o Brasil continua vulnerável e de que a verdadeira estabilidade precisa ser construída por meio de corajosas e cuidadosas mudanças que os responsáveis pelo atual modelo não querem absolutamente fazer”, dizia a Carta, com a garantia de que essas mudanças não viriam de forma brusca. “O que se desfez ou se deixou de fazer em oito anos não será compensado em oito dias. O novo modelo não poderá ser produto de decisões unilaterais do governo, tal como ocorre hoje, nem será implementado por decreto, de modo voluntarista”.

Para João Batista Lemos, é inegável que o governo Lula, em sete anos e meio, trouxe inúmeras melhorias para o país, apesar da manutenção de certas políticas de caráter neoliberal, conforme já adiantava a Carta ao Povo Brasileiro. “Não houve mais avanços por causa de algumas contradições do governo Lula, principalmente no que diz respeito à macroeconomia”, argumenta o dirigente da CTB.

Apesar dessas contradições, o governo Lula teve o mérito de restabelecer o diálogo com importantes setores da sociedade, como os movimentos sociais e os trabalhadores. “O sindicalismo não está alheio ao que passa ao seu redor, faz parte da correlação de forças da sociedade”, diz Altamiro Borges, em seu livro.

BRASIL

Para que a herança neoliberal seja realmente deixada para trás, será necessário continuar investindo em inclusão social e na distribuição de rendaNúmeros que explicam a

tragédia neoliberal no Brasil

Em maio de 1999, o desemprego chegou a 25% da população economicamente ativa em algumas capitais brasileiras, segundo o Dieese;

Em 1989, o tempo médio de busca por um novo emprego era de 15 semanas. Em 1998, chegou a 36 semanas;

Segundo o Caged, o Brasil destruiu 3,3 milhões de empregos ao longo dos anos 90;

Em 1994, a balança comercial brasileira teve um superávit de US$ 10, 5 bilhões; em 1998, houve défi cit de US$ 6 bilhões;

Durante os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, os trabalhadores do serviço público não receberam um centavo de aumento salarial – o presidente falava da necessidade de acabar com o legado de Getúlio Vargas no país;

A participação da renda dos trabalhadores no PIB caiu de 52,3%, em 1990, para 40,7%, em 2002;

A taxa média de crescimento da economia brasileira ao longo dos anos 90 foi a pior da história: 2,4%, índice inferior até mesmo do que a taxa média da chamada década perdida, os anos 80, que girou em torno de 3,2%;

Mesmo com as privatizações, a dívida pública interna do país saltou de R$ 60 bilhões para impensáveis R$ 630 bilhões, enquanto a dívida externa teve seu valor dobrado.

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Essa proximidade se tornou mais latente após 2005, quando o governo se viu em meio a uma série de escândalos, impulsionados pelo chamado “mensalão”. Acuado, Lula se voltou para as forças políticas que o levaram à Presidência, garantiu sua reeleição, fortaleceu o papel do Estado na economia e, desde então, sua popularidade nunca decresceu a índices inferiores a 60%.

E OS PRÓXIMOS 20 ANOS?

Após 20 anos, é certo que a herança neoliberal ainda prevalecerá no país por muito tempo. O sucesso do governo Lula, especialmente em sua segunda metade, sinaliza que o caminho a ser seguido é realmente o oposto da política implementada por Collor e FHC.

“O Brasil alcançou hoje um patamar no qual pode vir a dar um salto, a ponto de infl uir até mesmo na geopolítica no mundo. No entanto, para que a herança neoliberal seja realmente deixada para trás, será necessário continuar investindo em inclusão social e na distribuição de renda. No que diz respeito à macroeconomia, é preciso que se continue avançando no sentido de que a renda seja o eixo do nosso desenvolvimento”, opina José Genoíno.

João Batista Lemos também entende que o Brasil está pronto para um novo ciclo, antineoliberal e afi nado com as mudanças em vigência na América Latina. “Existe uma real possibilidade para isso. Depende, no entanto, do protagonismo e da união da classe trabalhadora. A Conclat (leia mais na página 4) é um grande passo nessa direção”, sustenta o sindicalista, para em seguida apontar o caminho que os futuros governos devem seguir. “Como a herança é muito grande,

ela talvez só seja realmente dissipada quando o Brasil tiver reais reformas estruturantes, como a agrária, a tributária etc.”.

O presidente nacional da CTB, Wagner Gomes, entende que o caminho para as próximas décadas realmente depende da unidade de luta da classe trabalhadora – componente fundamental para a construção de um novo projeto

A hegemonia neoliberal e a luta por outro mundo

América Latina, Europa Oriental, África, Estados Unidos, Rússia. A hegemonia do ideário neoliberal atingiu praticamente todo o planeta ao longo das últimas décadas e fez-se predominar como sucessora de um modelo regulador (ou keynesiano), estimulada pelas forças imperialistas mundiais.

Sua prática consistiu no esgotamento do modelo anterior, a partir de uma nova organização do capitalismo, destituída do controle do Estado e das benesses do chamado “bem-estar social”, com princípios baseados na doutrina liberal, atualizada para fi ns do século 20 e princípio do novo milênio.

nacional de desenvolvimento. “A história recente já mostrou que o neoliberalismo está fadado ao fracasso. O modelo a ser seguido daqui por diante deve ser o da soberania nacional, da distribuição de riqueza e da inclusão social, com a participação efetiva dos trabalhadores e de todos os setores da sociedade na construção de um novo Brasil”, defendeu.

As graves crises econômicas geradas pela hegemonia do novo modelo resultaram em grandes mobilizações – a primeira delas em Seattle, em 1999, por conta da reunião ministerial da Organização Mundial do Comércio ocorrida naquela cidade norte-americana.

Seattle trouxe para as ruas a crise de legitimidade do neoliberalismo e alavancou o movimento que, dois anos mais tarde, construiria o Fórum Social Mundial, sob o lema de que “outro mundo é possível”. Ao contrário do que diziam os ideólogos do imperialismo, a história não acabara.

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Uma nova realidade está emergindo das lutas sociais no continente e o principal desafi o talvez seja o de elevar o protagonismo da classe trabalhadora no processo de mudanças

Umberto Martins

ma polêmica política recorrente nos movimentos sociais é sobre a centralidade

ou não da classe trabalhadora na luta política moderna. Os acontecimentos em curso na Europa fornecem elementos concretos para este debate, que tem extraordinária importância para o sindicalismo, e revelam a atualidade da teoria marxista na interpretação do tema.

Karl Marx concluiu dos seus estudos sobre o capital e o capitalismo que a classe trabalhadora ou o proletariado moderno tem um papel central a desempenhar na arena política, traduzido na missão revolucionária de coveiro do modo de produção capitalista e construtor de um novo sistema social, o socialismo, que resultaria, segundo o infl uente pensador alemão, do processo (ao mesmo tempo objetivo e subjetivo) de luta de classes entre capital e trabalho.

LUTA CLASSISTA

O protagonismo da classe trabalhadora na luta política da Europa

FIM DA HISTÓRIA?

Este postulado teórico do marxismo sempre foi negado pela ideologia dominante. Ao longo dos últimos anos, foi aparentemente desmentido por fatos como a vitória das potências capitalistas na chamada guerra fria, cujo marco foi a queda do Muro de Berlin, em 1989, afoitamente interpretada pelo ideólogo estadunidense Francis Fukuyama como o fi m da história; a emergência do neoliberalismo como pensamento hegemônico; e as transformações objetivas (e também subjetivas) operadas no seio da classe trabalhadora.

A queda da participação relativa da indústria na produção e na oferta de emprego, o avanço dos serviços, inclusive

públicos, bem como a crescente fl exibilização e precarização das relações trabalhistas, são fatores, entre outros, que alteraram o perfi l da classe trabalhadora e infl uenciaram negativamente a identidade classista. Falaram em “adeus ao proletariado” e em “fi m do trabalho” ou “da sociedade do trabalho”. A classe, fragmentada, teria perdido relevância econômica e política.

QUESTÃO NACIONAL

Nos países economicamente mais frágeis e dependentes, submetidos à exploração das potências imperialistas, a sobreposição da questão nacional também contribui para obscurecer as contradições de

FORTALECIMENTO Em Atenas e na Galícia (ESP), povo vai às ruas contra medidas de “austeridade”

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é sintomático da fragilidade da classe trabalhadora e das forças que tradicionalmente defendem o socialismo na região. Uma nova realidade está emergindo das lutas sociais no continente e o principal desafi o talvez seja o de elevar o protagonismo da classe trabalhadora no processo de mudanças.

CRISE DO CAPITALISMO

O entusiasmo com o “fi m da história” sugerido por Fukuyama atravessou os anos 1990, quando os EUA viveram um ciclo relativamente longo de crescimento, inventaram a chamada “Nova Economia” (uma bolha que estourou na virada do século) e mergulharam fundo no endividamento.

Mas, a euforia não durou muito. Após as crises de 2001, quando também ocorreram os atentados contra as torres gêmeas, e de 2008, especialmente, a suposição do ideólogo estadunidense caiu em franco descrédito, embora isto não signifi que que a concepção de Karl Marx sobre o papel da classe trabalhadora voltou à moda.

É incontestável que o modo de produção capitalista e a atual ordem imperialista mundial ardem numa crise sistêmica que, em muitos aspectos, incluindo a sua dimensão, é inédita. Todavia, os impasses que rondam a perspectiva socialista e o movimento operário e comunista ainda não foram removidos. O mesmo se pode dizer sobre as dúvidas em relação ao papel da classe trabalhadora na atualidade.

O protagonismo da classe trabalhadora na luta política da Europa

Todavia, os impasses que rondam a perspectiva socialista e o movimento operário e comunista ainda não foram removidos

classes e difi cultar a compreensão do papel dos trabalhadores e trabalhadoras na luta política contra o imperialismo e o capitalismo. Na atualidade, a questão nacional não deve ser dissociada da luta de classes.

O desempenho dos sindicatos e dos partidos comunistas nos processos políticos de mudança em curso na América Latina, alguns deles com caráter revolucionário,

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LUTA CLASSISTA

NOVO CENÁRIO

Um novo cenário neste terreno parece estar em gestação na Europa. A crise do capitalismo no velho continente saiu do plano estritamente econômico e ganhou as ruas, gerando um impasse político. O caráter de classes das lutas em curso é por demais nítido para ser negado. A teoria de Marx, Engels e Lênin sobre o tema nunca me pareceu tão atual e valiosa para entender a história.

A recessão iniciada nos Estados Unidos no fi nal de 2007, depois do estouro da bolha imobiliária, parecia estar chegando ao fi m quando irrompeu a crise da divida externa na União Europeia, através dos elos mais frágeis do imperialismo na Europa Ocidental, primeiro a Grécia, depois Portugal, Irlanda, Espanha, Hungria.

O endividamento foi fortemente estimulado pela política anticíclica de expansão dos gastos públicos, que levou todas as nações do velho continente, sem exceções, a burlar as metas fi scais previstas no Tratado de Maastricht. A crise da dívida (ou crise fi scal, que no caso tem o mesmo signifi cado) é, em certa medida, o desdobramento da recessão irradiada dos EUA. Nela se revelam as contradições e limites das políticas anticíclicas do Estado capitalista. Os governos abriram os cofres e despejaram trilhões de dólares nas operações de socorro do sistema fi nanceiro. O efeito colateral é o que se vê: a bolha do défi cit público, a crise da dívida.

UMA OFENSIVA REACIONÁRIA

As classes dominantes reagiram à nova crise de dois modos. Baixaram um pacote adicional para salvar seus próprios e grandes negócios

fi nanceiros e encaminharam a conta ao povo trabalhador. Estão cortando salários, aposentadorias, pensões e suprimindo direitos a pretexto de combater a explosão do défi cit que criaram e ampliaram com os pacotes de socorro aos bancos.

Quanto ao caráter de classe do pacote, cujo valor já soma cerca de € 1 trilhão e inclui aportes do FMI, o ex-governador do Bundesbank (o banco central da Alemanha) Karl Otto Pöhl, declarou em recente entrevista à revista alemã Der Spiegel que o plano de “ajuda” econômica foi bolado “para proteger bancos alemães, e especialmente franceses, do cancelamento de dívidas. No dia em que o pacote do resgate foi aprovado as ações dos bancos franceses subiram 24%. Ao olhar para tudo isto, pode-se ver realmente do que se trata – nomeadamente, de resgatar os bancos e os gregos ricos”. Pöhl é uma testemunha privilegiada dos fatos em curso na Europa e sabe o que está falando.

OLIGARQUIA FINANCEIRA

O pensamento hegemônico apresenta o corte de salários e de direitos sociais como um “ajuste fi scal” necessário e até inevitável. Mas, a classe trabalhadora europeia percebe claramente que os projetos tutelados pelo FMI refl etem os interesses da oligarquia fi nanceira

A crise do capitalismo no velho continente saiu do plano estritamente econômico e ganhou as ruas, gerando um impasse político

O drama europeu não terá solução em curto prazo. Os impasses tendem a se prolongar ao longo dos próximos anos

e visam livrar os grandes bancos, principalmente alemães e franceses, da moratória. As manifestações populares não deixam dúvidas quanto a isto.

Na Grécia foram realizadas cinco “greve gerais” neste ano contra as medidas ditadas pelo FMI ao governo local (corte de salários, 13º e 14º, aumento da idade de aposentadoria e dos impostos); em Lisboa, 300 mil foram às ruas no dia 29 de maio contra o pacote de arrocho baixado pelo governo; na França mais de um milhão protestaram contra a reforma da

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hegemonia alemã, e o FMI? As manifestações na Grécia, Espanha, França e Portugal indicam que a classe trabalhadora não se orienta por este falso fatalismo e busca, nas ruas, um outro rumo, uma alternativa progressista, que provavelmente incluirá a moratória das dívidas externas e impostos maiores para lucros fi nanceiros.

O drama europeu não terá solução em curto prazo. Os impasses tendem a se prolongar ao longo dos próximos anos. Os pacotes feitos para proteger os interesses dos bancos será cruel para as economias e os povos. O arrocho fi scal obstruirá o caminho da recuperação e a estagnação dos PIBs pode durar anos. Projeções de alguns economistas, considerados otimistas, indicam que a Grécia não vai chegar aos níveis do PIB pré-crise antes de 2017.

A Europa está numa encruzilhada porque é o sistema capitalista que está em crise na região. A saída progressista só poderá vir pelas mãos calejadas da classe trabalhadora, daí a sua centralidade e o seu potencial protagonismo. Os planos de estabilização impostos pela cúpula da União Europeia e o FMI representam o retrocesso social, o desmantelamento do Estado de Bem Estar Social. Vão estimular o reacionarismo político, a intolerância e os confl itos entre classes, etnias e nações. É o caminho da barbárie, para o qual tende a atual ordem imperialista, uma ordem que, como diria Lênin, é parasitária e está em franca decomposição.

O destino da Europa e da humanidade depende da classe trabalhadora.

aposentadoria proposta por Sarkozy; na Espanha, o funcionalismo realizou uma greve geral em 8 de junho em defesa de direitos ameaçados pelo Estado.

A crise, quando ganha as ruas, tem o mérito de iluminar a realidade política e despertar consciências. A máquina do Estado capitalista foi colocada descaradamente a serviço da burguesia fi nanceira, as políticas econômicas e os planos de resgate com dinheiro público servem em primeiro lugar aos seus intentos gananciosos. Os direitos sociais e as conquistas do povo trabalhador estão sendo sacrifi cados no altar dos rentistas.

ENCRUZILHADA

Não haverá outra saída a não ser a que está sendo imposta pela cúpula da União Europeia, sob

PROTAGONISMO Greve geral de trabalhadores gregos escancara as contradições do capitalismo

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26 VISÃOClassista

INTERNACI0NAL

Terceira edição do Encontro Sindical Nossa América reafi rma objetivos comuns dos trabalhadores do continente

Laura Porcel*

ob o tema “Venezuela 2010!”, acontecerá na cidade de Caracas a terceira

edição do “Encontro Sindical Nossa América” (ESNA), entre os dias 22 e 24 de julho. A atividade reunirá centenas de trabalhadores de todo o continente para reforçar a unidade em defesa dos interesses da classe e dos setores populares no combate contra o imperialismo e à globalização neoliberal.

A ideia do Encontro é concretizar a união política de setores ligados a trabalhadores, sindicatos, federações, confederações, centrais sindicais e demais organizações, no sentido de contribuir para o desenvolvimento de uma frente comum antiimperialista e de luta pela democracia contra a exploração e a injustiça social.

Os dois encontros anteriores — na cidade de Quito (Equador), em maio de 2008, e o de São Paulo, em setembro de 2009 — foram organizados com um número importante de organizações e dirigentes sindicais. “Isso confi rma a potencialidade de um espaço que se fortalece em torno da unidade

INTEGRAÇÃO CLASSISTA

de ação do movimento sindical das Américas. Espaço que, além disso, vem pautando sua ação em defesa da mais ampla unidade sindical, algo fundamental para elevar a capacidade de intervenção do movimento sindical na área política e nos processos de mudança que, em maior ou menor medida, estão em curso em diversos países da América Latina”, argumenta Juan Castillo, coordenador-geral do ESNA.

Bem diferente do clima hostil que prevaleceu na década de 90, quando o mundo vivia sob a chamada “Nova Ordem Mundial”, caracterizada ideologicamente pela política neoliberal, a América Latina vive agora uma conjuntura favorável para a luta da classe trabalhadora, marcada pela ascensão das forças progressistas, democráticas e populares.

POR MAIS DIREITOS

Constata-se que, dois anos depois de aprovada a “Carta de Quito” e a “Plataforma para a Unidade de Ação”, que serviram de manifesto e levaram ao debate as propostas para enfrentar os principais problemas do continente, seu conteúdo ainda segue vigente. Mais de 120 delegados de 21 países destacavam, no primeiro Encontro, as principais características da situação trabalhista e sindical de seus países e se comprometiam a trabalhar sob uma plataforma com três eixos fundamentais: a Defesa dos Direitos Trabalhistas e Sociais; a Integração Solidária e Soberana; a Defesa da Soberania Alimentar, em prol dos recursos energéticos, hídricos, da biodiversidade e da sustentabilidade ambiental.

VANGUARDA Em São Paulo, Wagner Gomes reafi rma apoio da CTB ao ESNA

João

Zin

clar

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27VISÃOClassista

Já em São Paulo, durante o segundo Encontro — enquanto o mundo sentia o impacto de uma das maiores crises estruturais do sistema capitalista — mais de 160 dirigentes sindicais e 80 organizações de 23 países aprovavam o documento que, frente a essa crise, reafi rmava e defendia as mudanças políticas nacionais, de modo a aprofundar o processo de integração regional por meio de iniciativas como a Aliança Bolivariana para as Américas (Alba), a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) — que engloba a criação do Banco do Sul — e a adesão da Venezuela ao Mercosul.

Ao mesmo tempo, os participantes do Encontro descreviam e se manifestavam contra as complexas características de fundo da crise capitalista — uma combinação de crises econômico-fi nanceira, energética, ambiental e alimentar. Sem deixar de delatar as brutais taxas de desemprego e as permanentes intenções de reduzir salários.

Os líderes de diversos países latino-americanos também apelavam ao protagonismo do movimento sindical na luta política e social, no terreno das ideias e da cultura. Denunciavam os ataques e assassinatos a sindicalistas —especialmente na Colômbia — e estimulavam ações de resistência e enfrentamento à contraofensiva da direita neoliberal.

INTEGRAÇÃO É O CAMINHO

A resposta dos participantes dos dois encontros já realizados foi uníssona. “Integração!”, diziam após a discussão de cada uma das pautas, que também destacaram a criação do Conselho Sul-Americano de Defesa, instrumento que

permitirá fazer frente a iniciativas político-militares, tais como o incremento das bases militares norte-americanas em diversos pontos estratégicos do continente, o golpe de Estado em Honduras e a reativação da IV Frota dos Estados Unidos nas águas do Atlântico Sul.

A experiência de luta unitária dos trabalhadores nas Américas, como expressa a Convocatória ao terceiro “Encontro Sindical Nossa América”, está “Inserida nessa conjuntura, pois a América Latina está exposta a consequências ainda imprescindíveis. Mas neste momento é a região onde se expressam as maiores possibilidades de lhe fazer frente e atenuá-la, partindo da existência de políticas dinâmicas que favoreceram processos transformadores”.

CONTEXTO FAVORÁVEL

No marco histórico das comemorações do bicentenário de independência de vários países é que se dá o terceiro “Encontro Sindical Nossa América”, como forma de se somar e render

homenagem às lutas simbólicas travadas pelos libertadores, trabalhadores e trabalhadoras, estudantes, mulheres, indígenas, negros e camponeses do continente que creem no socialismo para o desenvolvimento humano.

Essas lutas já vêm sendo travadas em diversos países da região. O Brasil, com a Conclat e a Assembleia Nacional dos Movimentos Sociais, tem dado passos importantes no sentido de elevar o protagonismo da classe trabalhadora. A Argentina faz o mesmo com a iniciativa da Constituinte Social, assim como o Peru, por meio da grande mobilização nacional de 17 de junho, convocada pela CGTP.

O terceiro ESNA propõe, sob esse contexto, debater as conquistas alcançadas e as difi culdades enfrentadas, além de questionar até que ponto essas independências foram efetivamente conquistadas. Desde a vitória de Hugo Chávez em 1998 até as eleições de Marcio Funes em El Salvador e José Mujica no Uruguai, ocorreram diversas vitórias da forças progressistas e de esquerda na região, passando por Brasil, Nicarágua, Paraguai, entre outras nações. “Temos que discutir se esses países comprometidos com as mudanças políticas ainda precisam ou não de uma emancipação defi nitiva”, provoca Juan Castillo.

Recentemente, os organizadores da próxima edição do ESNA destacaram em sua declaração de princípios: “Queremos, juntos, direcionar até onde irá nossa classe e nossos povos. Queremos contribuir com nossa luta, para a urgente e necessária justiça social ligada à defi nitiva libertação de Nossa América”, destaca o texto.

* Colaboração de Fernando Damasceno

ASCENSÃO Castillo aposta na unidade sindical latino-americana

João Zinclar

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28 VISÃOClassista

os últimos meses, a classe trabalhadora comemorou uma vitória histórica quando

a Câmara e o Senado Federal aprovaram por unanimidade o fi m do fator previdenciário e um reajuste de 7,72% para as aposentadorias e pensões acima de um salário mínimo, medidas que benefi ciarão milhões de brasileiros. Agora o texto está nas mãos do presidente Lula, que pode ou não sancionar o projeto.

Enquanto a matéria aguarda a posição presidencial, o movimento sindical intensifi ca sua mobilização, em todo país, pela derrubada do mecanismo de redução dos benefícios, uma herança maldita do governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso.

Apesar de existir um grande risco de o projeto ser vetado, já que a equipe econômica do governo se declarou contrária ao fi m da medida, os trabalhadores celebram essa conquista, que demonstra que sindicatos, federações e confederações de trabalhadores estão no rumo certo

PREVIDÊNCIA

A LUTA NÃO PARA NO CONGRESSOApós vitórias na Câmara e no Senado, movimento sindical concentra suas forças para derrubar o fator previdenciário, um dos resquícios da era FHC

Cinthia Ribas

para as mudanças no país, que há séculos sofre com a exploração do sistema capitalista e as desigualdades sociais.

Entretanto, apesar de se confi gurar em um redutor desonesto, Marcos Verlaine, assessor técnico do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP), acredita que é pouco provável que o presidente aprove o fi m do cálculo. “O fator é um elemento estruturante do Regime Geral da Previdência Social (RGPS). No mérito é injusto. Sua eliminação pura e simples dependeria de uma proposta factível para substituí-lo. No momento, não há nenhuma proposta nessa direção”, revelou.

Com a aprovação do projeto, as aposentadorias terão a sua integralidade garantida apenas com o tempo de contribuição – 35 anos no caso do homem e 30 anos para as mulheres —, extinguindo esse cálculo que prejudica tão somente aqueles que ajudam na construção de um Brasil forte e soberano.

LEGADO DE FHC

Aprovado por intermédio da Lei Nº 9.876, durante a Reforma da Previdência iniciada em 1998, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, com a alegação de reduzir o défi cit da Previdência, o fator previdenciário foi criado com a clara fi nalidade de reduzir o valor dos benefícios previdenciários, no momento de sua concessão, de maneira inversamente proporcional

à idade de aposentadoria do segurado, representando uma perda média de 30% a 40% na aposentadoria dos trabalhadores regidos pela CLT.

Na época, o governo FHC tentou, sem sucesso, implementar a idade mínima, que só foi aprovada para os trabalhadores do serviço público. Para compensar, concebeu a nova fórmula de cálculo do benefício da aposentadoria por tempo de serviço do setor privado, que leva em conta

Pelo mecanismo, quanto menor a idade e o tempo de contribuição do segurado, maior a redução no valor da aposentadoria

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a idade do trabalhador no momento da aposentadoria, o tempo de contribuição e a expectativa de vida da população. Um redutor que empurra o trabalhador a permanecer mais tempo no sistema dos contribuintes, adiando a aposentadoria integral e prejudicando àqueles que começaram a trabalhar mais cedo.

Pelo mecanismo, quanto menor a idade e o tempo de contribuição do segurado, maior a redução no valor da aposentadoria. Os benefícios também são afetados pelo aumento da expectativa de vida no país. Com o crescimento da expectativa de vida, calculada pelo IBGE, o valor da aposentadoria diminui.

Com o fator previdenciário, a média de redução no valor do benefício para os homens foi de 0,703 (perda de 30% do valor da

aposentadoria) e para as mulheres foi de 0,638 (perda de 36%), ocasionando o achatamento dos valores, pois para alcançar um valor maior de aposentadoria, o benefi ciário precisaria trabalhar mais e se aposentar com idade mais elevada.

Além de embutir a exigência da idade, reduzindo o valor das aposentadorias dos que se aposentam mais cedo, as incertezas e a falta de segurança jurídica a partir daí levaram os trabalhadores a se aposentarem assim que preenchessem os requisitos mínimos.

Desde então, durante os anos do governo FHC e do governo Lula, o movimento sindical brasileiro, que já era contra a iniciativa, tem promovido uma intensa batalha ao lado de parlamentares.

CAMINHO CERTO: PRESSÃO E UNIDADE

Durante os últimos anos, inúmeras manifestações foram promovidas pelas centrais sindicais e pelos aposentados por meio das marchas pelas ruas de Brasília, além da ocupação dos corredores do Congresso.

A Cobap (Confederação Brasileira de Aposentados e Pensionistas) unifi cou forças com a CTB e a Nova Central Sindical dos Trabalhadores para fortalecer e intensifi car a luta pelo reajuste das aposentadorias e pelo fi m do fator. De forma unitária, foram feitas vigílias, lançadas campanhas, visitas ao Congresso Nacional, marchas e passeatas para conscientizar os parlamentares sobre a importância da votação e aprovação do tema. E foi por meio delas que a medida provisória 475/09 e o PL 02/10 foram aprovados na Câmara e no Senado Federal, respectivamente.

Alguns parlamentares marcharam ao lado dos trabalhadores em muitas dessas atividades, como é o caso do senador Paulo Paim (PT-RS). Com diversos projetos sobre o tema em trâmite no Congresso, o parlamentar que é um dos principais defensores dos direitos dos trabalhadores, tem sido um importante aliado nessa batalha que visa exterminar o fator previdenciário.

Apesar de toda essa unidade e a abertura criada com a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o movimento sindical ainda enfrenta muita resistência para efetivar a conquista. Criado com a alegação de défi cit na Previdência, segundo o governo federal, se extinto, o fator previdenciário poderia “quebrar” os cofres públicos.

Tal alegação é rebatida por Paulo Paim. “Essa é uma grande bobagem, sem procedência alguma. Só para

VIGÍLIA Aposentados acompanham votações em Brasília

Agência Brasil

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PREVIDÊNCIA

se ter uma ideia, nesses 10 anos de fator previdenciário a Previdência brasileira teve uma economia de R$ 10 bilhões, ou seja, R$ 1 bilhão por ano. A receita da Previdência aumentou em torno de 16%, o que dá algo em torno de R$ 40 bilhões a mais de receita. O que acontece é que se vende a ideia de que a Previdência estivesse com problemas. Tem que ser dito, no entanto, que a Previdência não é deste ou daquele governo. Ela é dos trabalhadores, que pagam, fazem um fundo e têm direito de, após 30 ou 35 anos contribuindo, receber a sua cota de benefício mensal pelo qual pagaram”, declarou o senador.

A MAQUIAGEM DO FATOR 85/95

Na era Lula, mesmo com a constante busca dos patrões pelo aumento dos lucros, esse debate foi ampliado. Apesar de se opor à derrubada do fator, o governo tenta negociar com a classe trabalhadora ao propor alternativas, que nem sempre contentam os trabalhadores e trabalhadoras.

No segundo semestre de 2009, foi apresentado ao conjunto das centrais sindicais o fator 85/95, em substituição ao PL 3299/08, do senador Paulo Paim, que determina o fi m do fator previdenciário.

De autoria do deputado federal Pepe Vargas (PT-RS), o polêmico e precário relatório modifi cava a fórmula de cálculo dos benefícios da aposentadoria, exigindo 85 anos para a mulher e 95 para o homem, baseado na soma da idade e do tempo de contribuição.

Na época, apenas a CTB, a NCST e a Cobap de imediato discordaram com o “Acordão”, que não acabava com o fator, embora estabelecesse situações em que ele não seria utilizado.

Não seria aplicado o fator se a soma da sua idade e do seu tempo de contribuição fosse igual ou superior a 95. Essa soma cairia para 90, nos casos de professor de ensino fundamental ou se o trabalhador tivesse parte de sua vida laboral sujeita a condições prejudiciais à saúde. Para a trabalhadora, essa soma seria de 85 para as situações normais ou 80, no caso de professora de ensino fundamental ou se trabalhou sob condições especiais.

As centrais sindicais perceberam no “Acordão” um esforço do governo para compensar o fi m do fator previdenciário, mas na essência não se obtinha uma alteração signifi cativa, já que penalizaria o trabalhador e a trabalhadora que começou sua vida profi ssional muito cedo, mas ainda não alcançou a idade mínima.

Para o presidente da CTB, Wagner Gomes, o acordo com base na fórmula 85/95 prejudicaria, e muito, a classe trabalhadora, principalmente em função do elevado nível de rotatividade da força de trabalho no Brasil e do tempo que o trabalhador fi ca desempregado. “Ninguém consegue acumular

muitos anos de contribuição ininterrupta. O tempo médio de desocupação no Brasil é superior a 12 meses, e com a nova regra difi cilmente será possível aposentar antes dos 70 anos”. Segundo ele, além da rotatividade, é necessário levar em conta a informalidade. “Milhões trabalham sem carteira assinada e a maioria dos jovens não encontra seu primeiro emprego no mercado formal”.

Os mais pobres, que começam a trabalhar antes, são os mais prejudicados com o fator previdenciário por causa do “pedágio” que pagam para se aposentar “porque eles completam 35 anos de contribuição cedo, mas precisam esperar os 60 anos de idade, no caso dos homens, ou 55 anos no caso das mulheres”, alegou Wagner Gomes.

Com a aprovação do projeto, as aposentadorias terão a sua integralidade garantida apenas com o tempo de contribuição

EXPECTATIVA Decisão agora depende do presidente Lula

Agência Brasil

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31VISÃOClassista

DIREITO DO TRABALHADOR

Liberdade Sindical na Constituição de 88

A unicidade [...] é a única forma de assegurar o exercício da plena liberdade e autonomia sindicais frente ao Estado e ao patrão

MA

RA

LOG

UER

CIO

Mara Loguercio é juíza aposentada do Trabalho e autora de “Questões polêmicas sobre a Jornada de Trabalho”, com Altamiro Borges.

s críticas histori-camente feitas não eram à impossibi-

lidade de os trabalhadores criarem sindicatos ou se sindicalizarem, mas à lei autoritária que previa como se organizar e ser fisca-lizados, administrativa e politicamente, pelo Poder Público. A Constituição/88 diz (cabeça do artigo 8º) ser livre a associação profis-sional ou sindical, com as observações que indica.

O princípio geral é, pois, a liberdade e auto-nomia, sem as amarras do Estado. Mais enfático, o art. 8º, I ao vedar ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical e abolir a exigência de autorização do Estado que deve, apenas, receber o registro das entidades e tor-ná-lo público, permitindo aos interessados qualquer medida a respeito. O art. 522 da CLT limita o núme-ro de membros da diretoria, matéria atinente à organi-zação da entidade sindical, onde é vedada, por preceito constitucional expresso (direito fundamental dos trabalhadores), a interfe-rência e intervenção dos Poderes Públicos.

O TST, porém, entende vigente o art. 522 (Súmula 369, II) e a Orientação Ju-risprudencial 365 do mes-mo TST limitou o número previsto naquele artigo: “membro de conselho fiscal de sindicato não tem direito à estabilidade, porquanto

não representa ou atua na defesa de direitos da categoria respectiva, tendo sua competência limitada à fiscalização da gestão financeira do sindicato”. O art. 543, § 4º da CLT define como cargo de direção ou de representação sindical aquele cujo exercício ou in-dicação decorre de eleição prevista em lei. Se o art. 522 afirma que a adminis-tração do sindicato será exercida por uma diretoria constituída de três a sete membros e de um Conse-lho Fiscal composto de três membros, eleitos esses ór-gãos pela Assembléia Geral, está preenchido o requisito do art. 543 da CLT. E acaso a fiscalização da gestão financeira do sindicato, por membros expressamente eleitos para isso, não é do interesse da categoria?

Sobre a estabilidade (art. 8º, VIII), a Constituição refere-se a cargo de direção ou representação sindical e mesmo aos suplentes, ten-do como única restrição o cometimento de falta grave nos termos da lei. Demis-síveis os integrantes de um Conselho que fiscaliza as finanças do sindicato ou limitado o número de diretores, haverá clara interferência patronal e estatal na representação dos trabalhadores.

Outra exigência a ser observada é a da unicida-de, “vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau

(art. 8º, II)”. Assim, ou o art. 21 da Portaria 186 do M.T.E, refere-se à impos-sibilidade geral de uma entidade de grau inferior filiar-se a mais de uma de grau superior, ou é flagran-temente inconstitucional. O STF já entendera (Súmula 677) incumbir ao Ministé-rio do Trabalho “zelar pela observância do princípio da unicidade”.

A Lei 11648/2008 (das Centrais Sindicais) não disciplina o registro das entidades de grau inferior ou superior. Nem alude à quebra do princípio cons-titucional da unicidade em todos os graus.

A unicidade, além de garantir a união da catego-ria nas mesmas lutas e na conquista dos mesmos di-reitos, de ser a forma mais democrática de escolha dos representantes, prevalecen-do a vontade da maioria, é a única forma de asse-gurar o exercício da plena liberdade e autonomia sindicais frente ao Estado e ao patrão. Havendo plura-lismo, o critério para definir quem faria a negociação coletiva, seria o da entida-de com maior número de sócios. Sem estabilidade no emprego para todos os trabalhadores e obrigatório o desconto em folha das mensalidades associati-vas, ficaria fácil ao patrão demitir os associados dos sindicatos “indejáveis” e de-cidir a entidade “boazinha” para negociar.

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32 VISÃOClassista

Quem faz parte da CMS

Ao todo, são 29 entidades, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), União Nacional dos Estudantes (UNE), Confederação Nacional das Associações de Moradores (Conam), Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Grito dos Excluídos, União Brasileira de Mulheres (UBM), Marcha Mundial de Mulheres e União dos Negros pela Igualdade (Unegro). Entre as centrais Sindicais, estão CGTB, CUT e CTB.

encontro teve a participação de três mil pessoas, vindas de 22 estados brasileiros.

Tal representatividade comprovou a existência de uma Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS) mais prestigiada e referendada do que nunca.

Desde a sua criação, em 2003, a CMS se manifesta no debate público em defesa da independência econômica e do desenvolvimento social brasileiro. Mas no último dia 31, tivemos uma mostra concreta da construção sistemática do consenso entre as diferentes forças políticas do campo progressista. Com maturidade política, os Movimentos Sociais colocam na ordem do dia um projeto próprio em defesa da soberania do país, dos avanços políticos e sociais. As mais diversas bandeiras, camisas, faixas e bonés compartilharam espaço

CMS

UNIDADE CONSTRUÍDA POR MUITAS MÃOS

na Quadra dos Bancários de São Paulo. Lado a lado, os Movimentos Sociais imprimiram na Assembleia sua diversidade, prevalecendo a determinação de se tornarem, conjuntamente, protagonistas da história.

Graças à construção antecipada do consenso, o Projeto Nacional e Popular dos Movimentos Sociais foi aprovado por unanimidade. O documento possui cinco eixos temáticos: Soberania Nacional; Desenvolvimento; Democracia; Mais Direitos ao Povo e Solidariedade. Nele estão contidas lutas que muito interessam à classe trabalhadora, como o fi m do fator previdenciário e a ratifi cação da Convenção 156 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Os debates foram abertos no início deste ano, a partir de assembleias nos Fóruns Sociais Mundiais Temáticos em Porto Alegre e Salvador. Até a realização da Assembleia Nacional, houve 17 plenárias estaduais, o que envolveu aproximadamente dez mil pessoas, de acordo com a CMS.

MOVIMENTOS RENOVAM COMPROMISSO COM A LUTA PELA REFORMA AGRÁRIA

O texto do Projeto Nacional e Popular dos Movimentos Sociais defende a Reforma Agrária e reafi rma a luta contra o latifúndio. Segundo o documento, a sustentabilidade ecológica somente “será possível

com o fi m do fi nanciamento do agronegócio e garantia de crédito ao pequeno consumidor”. Esse raciocínio tem como base o Estado regulador, que fi nanciaria a produção agroindustrial nos moldes de política pública, com o objetivo de garantir a soberania alimentar, bem como o acesso da população aos produtos livres de agrotóxicos e transgênicos.

Pluralidade e discurso unitário são termos que sintetizam a Assembleia Nacional dos Movimentos Sociais, realizada no dia 31 de maio de 2010, na cidade de São Paulo

Verônica Pimenta

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33VISÃOClassista

João Paulo Rodrigues, integrante da Coordenação Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), participou da Assembleia. Na abertura, ele destacou a importância da unidade entre os Movimentos Sociais. “Somos pequenos e poucos, precisamos construir espaços de articulação” destacou. Segundo João Paulo, o projeto de Reforma Agrária popular está assentado no respeito à biodiversidade e nas práticas de agroecologia. Em entrevista, ele explicou que a mudança na estrutura fundiária brasileira demandaria algo mais do que a distribuição de lotes aos cidadãos do campo. “Isso o agronegócio já faz” avaliou.

Na visão do coordenador do MST, o projeto popular de Reforma Agrária deve avançar em relação a algumas práticas mantidas também pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva. Exemplo seria a conciliação entre forças políticas da luta agrária

e agricultura familiar de um lado, e do agronegócio de outro. Esses grupos têm representatividade nos Ministérios de Desenvolvimento Agrário e da Agricultura, respectivamente. João Paulo afi rmou que a fórmula já existia no governo Fernando Henrique Cardoso, mas “não tem fundamento manter essa política num governo popular”.

O Movimento Negro apresentou à Assembleia Nacional dos Movimentos Sociais uma moção de apoio ao decreto federal 4887/2003. O dispositivo pretende regulamentar a titulação de terras quilombolas,

conforme previsto pelo artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal (CF). Para a medição e demarcação das terras, seriam levados em conta critérios de territorialidade indicados pelos próprios remanescentes das comunidades.

O decreto 4887/2003 reconhece ainda a autodefi nição das comunidades como um dos instrumentos principais no processo de reconhecimento dos remanescentes. A moção, que foi aprovada, é mais uma tentativa de resistência e mobilização contra as ofensivas. O partido Democratas (DEM) impetrou Ação Direta de Inconstitucionalidade, alegando erro de iniciativa. Para Edson França, Presidente Nacional da União dos Negros pela Igualdade (Unegro), uma eventual derrota do decreto 4887/2003 signifi caria retrocesso, pois “fortaleceria o latifúndio, a grilagem e a violência no campo”.

POR UMA MÍDIA MAIS DEMOCRÁTICA

O Projeto Nacional e Popular dos Movimentos Sociais possui dois pontos cruciais no que diz respeito ao enfrentamento à mídia brasileira. O primeiro defende a reforma dos

O Projeto Nacional de Desenvolvimento pelos Movimentos Sociais

Defesa da Reforma Agrária e contra o latifúndio.

Prioridade para agricultura camponesa e familiar.

Preservação do meio ambiente e da biodiversidade.

Fortalecimento da indústria nacional, com destaque para a ciência, tecnologia e inovação.

Redução dos juros e do superávit primário.

Política de apoio à cooperação e Economia Solidária.

COMPROMETIMENTO Militantes de todo o país lotaram a Quadra dos Bancários

O texto do Projeto Nacional e Popular dos Movimentos Sociais defende a Reforma Agrária e reafi rma a luta contra o latifúndio

Jesus Carlos

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34 VISÃOClassista

CMS

meios de comunicação, e tem a democratização como bandeira. A meta seria alcançar “a pluralidade de opiniões e o respeito e difusão das opiniões das minorias”. O discurso recorrente contra a criminalização dos Movimentos Sociais sinaliza a profundidade das críticas à mídia hegemônica.

A CMS ainda se opõe aos monopólios e oligopólios midiáticos, e promete lutar “pela universalização da internet de banda larga como forma de democratização da comunicação”. O Projeto Nacional e Popular dos Movimentos Sociais também é contra o caráter restritivo da distribuição de conhecimentos e propriedade intelectual, e defende uma revisão da Lei de Direitos Autorais, focada “nos novos formatos de distribuição de conteúdo em mídias digitais”.

O mesmo posicionamento crítico quanto ao sistema midiático tem a União Nacional dos Estudantes (UNE). O presidente, Augusto Chagas, destacou que, apesar de alguns avanços conquistados pelo Brasil nos últimos sete anos, o país

precisa ainda superar uma série de contradições, entre elas, a ação dos ditos “barões da comunicação”. “Não podemos mais aceitar que meia dúzia continue a conduzir a agenda do Brasil sob os interesses privados”, declarou.

A COORDENAÇÃO NAS ELEIÇÕES 2010

O documento aprovado na Assembleia Nacional dos Movimentos Sociais vai servir de base para um calendário permanente de ações. Outro objetivo central é apresentar as propostas a todos os candidatos a presidente da República “para que eles assumam, no seu programa, compromisso com a agenda dos Movimentos Sociais”, conforme explicou Edson França. Ele destacou que a CMS marca um posicionamento reivindicatório e de lutas, pois Movimentos Sociais devem ser independentes e autônomos em relação a governos.

Quanto à gestão de Luiz Inácio Lula da Silva, o documento da CMS afi rma que muitos avanços foram conquistados pelo povo, “porém, muito mais há para ser feito”. Destacam-se, entre as críticas, a “necessidade de redução dos juros

e do elevado superávit primário”. As entidades que compõem a CMS têm autonomia para se posicionar nas eleições. Algumas já declararam apoio a candidatos, mas o compromisso é adotar posição unitária quanto ao Projeto construído coletivamente.

Segundo Júlio César Souza, diretor da Confederação Nacional das Associações de Moradores (Conam) em Minas Gerais, a entidade realiza o debate interno sobre as eleições, e ainda não tem posição defi nida quanto a candidatos. Durante a Assembleia Nacional, a presidenta da entidade, Bartíria Lima da Costa, afi rmou que a unidade dos Movimentos Sociais tem que ser “mais avançada do que o processo eleitoral”.

Já a UNE promete não apoiar candidato ou partido no 1º turno. O diretor de Relações Internacionais, Daniel Iliescu, informou que a decisão veio da consulta às bases no Conselho de Entidades Gerais (Coneg), realizado em abril deste ano. “O clima de unidade coloca o povo com um olhar comum sobre as eleições”, declarou. O líder estudantil acredita que o fato de existir uma plataforma ampla e unitária dos Movimentos Sociais é o mais importante.

O pré-sal é nosso!

A CMS defende o pré-sal 100% para o povo brasileiro. O tema é visto como uma questão de soberania nacional. Como o petróleo é recurso não renovável, parcela do Movimento Social acredita que os benefícios podem ser perenes, caso a nova renda seja vinculada à política de educação. O percentual defendido pelo Movimento Estudantil é de 50%. A reivindicação é justifi cada com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) de 2008. O levantamento mostra que 10% dos jovens brasileiros com mais de 15 anos são analfabetos. Os analfabetos funcionais, na mesma faixa etária, somam 21%.

CLASSISMO CTB corrobora Projeto dos Movimentos Sociais

Jesus Carlos

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35VISÃOClassista

COMUNICAÇÃO

governo Lula pu-blicou em maio o projeto sobre o Plano

Nacional de Banda Larga (PNBL). De imediato, ele gerou reações antagônicas. Os movimentos sociais que lutam pela democratização da comunicação saudaram o projeto. Já as multinacionais da telefonia, as oligarquias midiáticas e os partidos das elites bombardearam a me-dida. Apesar da concorrên-cia no setor, o capital se uniu para defender seus interesses de classe.

O grande mérito do PNBL é que ele tem como base a presença reguladora do Estado, visando baixar os preços ao usuário e ampliar a cobertura da internet. Ele estabelece a Telebrás como gestora, fixa investimentos de R$ 13,2 bilhões e define a audaciosa meta de atingir 40 milhões de residências conectadas à internet em alta velocidade até 2014 – com preços de R$ 15 a R$ 35.

Para as entidades en-gajadas na luta pela demo-cratização da comunicação, o plano é, no essencial, positivo. “Além de confirmar a criação da rede nacional de fibra ótica gerenciada pela Telebrás e de uma série de programas de investimentos e desonerações fiscais para os pequenos provedores, o PNBL abarca entre seus objetivos vários aspectos da inclusão digital”, explica Cristina Charão, do Obser-vatório do Direito à Comu-nicação, que ainda destaca a criação do Fórum Brasil Digital.

A urgência da mobilização pela banda larga

O grande mérito do PNBL é que ele tem como base a presença reguladora do Estado, visando baixar os preços ao usuário e ampliar a cobertura da internet

Essa instância será formada por integrantes do governo, dos órgãos vincula-dos à governança da internet, dos setores empresariais e de representantes dos usuários e de entidades da sociedade civil. Segundo Cesar Alvarez, coordenador do Programa de Inclusão Digital do governo, ele será constituído nos pró-ximos 30 dias e terá a função de propor políticas públicas para a banda larga. A decisão governamental de criar esse fórum também foi motivo de chiadeira dos empresários.

A reação dos monopólios ao PNBL é brutal. Eles rejei-tam, até de forma irracional, a reativação da Telebrás como gerenciadora da rede nacio-nal de fibra ótica. Afirmam, num coro neoliberal, que essa decisão é “estatista” e engessará os lucros do setor. Alegam que o preço previsto para os serviços não estimula novos investimentos priva-dos e já ameaçam boicotar o plano.

Segundo matéria da “Fo-lha”, as empresas de telefonia pretendem acionar a Justiça para inviabilizar o plano. As poderosas operadoras, como Telefônica, OI, Vivo e Claro, rejeitam o uso da Telebrás como gestora do projeto. Alegam que a presença da es-tatal na oferta de banda larga “quebra os contratos firma-dos” no processo de privati-zação do setor de telefonia, durante o reinado de FHC.

Reforçando o terrorismo das teles, os barões da mídia usam seus veículos para fustigar o plano e espalhar confusão na sociedade.

Difundem que o PNBL é “eleitoreiro” e “demagógico”. Já os partidos conservadores repercutem a chiadeira no parlamento. O DEM anunciou que acionará a Justiça contra o PNBL. Segundo o líder dos demos, deputado Paulo Bornhausen, o objetivo é barrar a “reestatização da Telebrás”.

Apesar da virulência dos ataques, o governo Lula garante que não recuará do seu plano. Segundo Cesar Alvarez, até o final de 2009 o Brasil possuía apenas 12 milhões de domicílios conectados à internet, o que comprovaria a ineficiência do setor privado. Durante o anúncio oficial do PNBL, o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, também criticou os serviços prestados pelas teles – que “são poucos, caros e de má qualidade. É uma banda larga bem estreita”.

Para reforçar a sua decisão, o governo lembra que o gasto com banda larga na renda mensal per capita no país é de 4,5%, enquanto que na Rússia é de 1,68% e nos países desenvolvidos é de 0,5%. Os valores no Brasil representam cinco vezes os do Japão, 2,7 vezes os da Rússia e 2,5 vezes o do México. Além de caro, o serviço ofertado pelas teles é lento: 33% das conexões são de até 256 kbps e apenas 1% delas são superiores a 8 Mbps. Esses obstáculos explicam por que apenas 21% dos domicílios, concentrados nas regiões Sul e Sudeste, têm banda larga.

ALTA

MIR

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GES

Altamiro Borges é jornalista, autor do livro “As encruzilhadas do sindicalismo”, entre outros.

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36 VISÃOClassista

MOVIMENTOS SOCIAIS

O BRASIL É A NOSSA BANDEIRA!

ão é a primeira vez que a nação se depara com riquezas de grande magnitude. O

Brasil viveu o ciclo do pau-brasil, do ouro, do café, da borracha, da cana. Mas, nesses períodos históricos, seus volumosos recursos não foram revertidos para a maioria do povo. Pelo contrário, foi uma enxurrada de dinheiro que saiu do Brasil para encher os cofres internacionais e que foram revertidos para uma pequena elite nacional.

O PRÉ-SAL É NOSSO!

Novamente, o Brasil está diante da descoberta de uma riqueza ímpar: o petróleo que está sob a camada de pré-sal. A sociedade está discutindo como explorá-lo e usar os recursos que ele gerará. Como em outros momentos, a União Nacional dos Estudantes (UNE) defende uma posição bem clara a esse respeito: riquezas que são do Brasil devem estar voltadas para acelerar o desenvolvimento nacional com soberania e com a preocupação de reduzir as desigualdades regionais e sociais do país.

pessoas tenham acesso à Universidade.A campanha da UNE “50% do

Fundo do Pré-Sal para a Educação – Pela Nova Lei do Petróleo” tem como propostas centrais a ampliação do controle público sobre as reservas do pré-sal, o fortalecimento da Petrobras e criar uma Nova Lei do Petróleo. Esse é o desafi o do Brasil neste momento.

A EDUCAÇÃO NO BRASIL – SUPERAÇÃO DE OBSTÁCULOS

A história da educação no Brasil poderia ser retratada de forma

Fincar a bandeira brasileira no extenso território que vai da baía do Espírito Santo até a costa de Santa Catarina, como sinal de que a riqueza que se encontra nessa região pertence ao Brasil. Esse deve ser o anseio e a luta dos estudantes nos debates acerca do futuro do pré-sal

Com os recursos oriundos do pré-sal, o país terá a oportunidade de saldar uma imensa dívida social com milhões de brasileiros. Por isso, a UNE tem defendido que parte desse recurso tenha como destino a Educação.

Não há política social mais efi caz no combate às desigualdades do que oferecer educação de qualidade para todos. Com isso, é possível erradicar o analfabetismo, melhorar a qualidade da Educação Básica, universalizar o Ensino Médio e fazer uma revolução no Ensino Superior, ampliando a oferta de vagas públicas para que mais

SOBERANIA Pré-sal pode revolucionar a sociedade brasileira

Roque Jr.

Augusto Chagas e Renata Mielli

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37VISÃOClassista

O BRASIL É A NOSSA BANDEIRA!genérica pelo seguinte binômio: boa e muita para os ricos, ruim e pouca para os pobres. Ou seja, as camadas elitizadas do nosso país sempre tiveram condições razoáveis de acesso a todos os níveis de ensino de boa qualidade, enquanto as camadas populares passaram por séculos de exclusão – os poucos que tiveram acesso frequentaram escolas de baixa qualidade.

Assim, o país acumula défi cits enormes na área educacional. São números que envergonham o Brasil e se constituem num desafi o gigante a ser superado. Em pleno século XXI, cerca de 10% da população com mais de 15 anos ainda é analfabeta.

Nos últimos anos, houve avanços importantes para reverter esse cenário. Entre os jovens de 15 a 17 anos, o analfabetismo atinge 1,6% desse público; já entre a população que vai de 18 a 24 anos, o percentual é de 2,2% de analfabetos, segundo dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 2008. A região Nordeste apresenta o maior patamar de analfabetismo, com um índice duas vezes superior ao da média brasileira, ao passo em que os mais pobres têm taxa de analfabetismo dez vezes superior (19%) à faixa mais rica da população (1,9%).

As matrículas de jovens entre seis e 14 anos atingem 97,5% dessa população nas várias modalidades de ensino (creche, pré-escola, Ensino Fundamental), o que representa 52 milhões de estudantes. No Ensino Médio, 84,1% dos jovens entre 15 a 17 anos estão cursando alguma escola. Contudo, quando nos debruçamos sobre as taxas de conclusão dos cursos, os números ainda mostram que há uma grande diferença entre os

que ingressam e os que concluem: em 2007, a taxa de conclusão no Ensino fundamental foi de 61%; já no Ensino Médio foi de 44%.

Esse funil vai se estreitando cada vez mais, até chegar ao Ensino Superior. Somente 13,9% da população que está na faixa universitária frequenta um curso superior no Brasil. Isso, mesmo com os investimentos feitos pelo governo federal, que no período de 2002 a 2009 dobrou as vagas públicas das instituições federais. Como se pode ver, ainda há muito chão para ser percorrido até se atingir a meta estabelecida pelo Plano Nacional de Educação, que era chegar em 2011 com 30% da população em idade universitária nos bancos de alguma faculdade.

Outro indicador que mostra a baixa escolaridade do brasileiro é o tempo de estudo que, no país, é de apenas 7,4 anos em média ao longo de toda a vida. Esse tempo não é sufi ciente nem para concluir o ensino fundamental de oito anos – e tampouco para se chegar ao fi m do Ensino Médio, que exige 11 anos de estudo.

Ou seja, para superar esses obstáculos é preciso vontade política dos governantes, empenho da sociedade e recursos, muitos recursos. Para construirmos um Brasil forte, soberano, democrático e com menos injustiças sociais é indispensável saldar essa dívida educacional com o povo brasileiro.

Por isso, a UNE tem se empenhado na campanha pelos 50% dos recursos do Fundo Soberano do pré-sal para a educação. Caso aprovado, esse recurso poderá se traduzir em investimentos que poderão fazer uma verdadeira revolução na educação

brasileira, podendo alcançar a sua universalização em todos os níveis, com ensino público, gratuito e de qualidade.

O BRASIL É A NOSSA BANDEIRA

Desde que foi fundada, em 1937, a União Nacional dos Estudantes tem a sua trajetória marcada com as cores da bandeira brasileira. Em todos os momentos da história do Brasil, a UNE se colocou fi rmemente ao lado daqueles que defendiam a soberania, a independência e a democracia. Foi assim em 1945, quando defl agrou ao lado de outros setores a campanha “O Petróleo é Nosso!” que culminou com a criação da Petrobras. Agora, a entidade se reencontra com essa história, lutando para que as riquezas do pré-sal sejam investidas para o benefício do país e do seu povo.

Hoje, ao lado de tantas outras entidades dos movimentos sociais, como sindicatos, entidades do movimento popular, do movimento negro, LGBT, mulheres, cultura, indígena, pela democratização dos meios de comunicação, entre outros, estamos construindo uma plataforma para o Brasil que queremos ver erguido nos próximos anos. Essa plataforma, defi nida durante a Assembleia dos Movimentos Sociais, realizada em 31 de maio, será um ponto de partida para aquilo que defendemos, e um alerta para o que não podemos abrir mão. Ou seja, os estudantes brasileiros vão atuar neste ano de 2010 pela aprovação do Fundo Soberano do pré-sal, pela nova lei do petróleo, e para que o Brasil não retroceda aos períodos turvos da aplicação do projeto neoliberal em nosso país.

SOBERANIA Pré-sal pode revolucionar a sociedade brasileira

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38 VISÃOClassista

SAÚDE DO TRABALHADOR

Observatório da Saúde do Trabalhador

Convocamos os sindicatos e organizações dos trabalhadores a ficarem atentos às notícias em jornais, rádios e televisão ou quaisquer outras fontes de informação, principalmente sobre acidentes graves seja de trabalhadores formais ou informais

JOSÉ

BA

RB

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O

José Barberino é diretor de Saúde do Trabalhador do Sindicato dos Bancários da Bahia e membro da Direção Plena da CTB.

s anseios da Refor-ma Sanitária que discutiu o sistema

público de saúde nas déca-das de 70 e 80 foram con-templados na Constituição de 1988 com a criação do SUS (Sistema Único de Saúde). Nesse bojo surgi-ram os Cerest’s (Centro de Referencia em Saúde do Trabalhador) e a RENAST (Rede Nacional de Atenção aos Agravos da Saúde do Trabalhador).

Em 2007 foi sanciona-do o Decreto-Lei 6.042, que implementou o NTEP (Nexo Técnico Epidemio-lógico Previdenciário) e o FAP (Fator Acidentário de Prevenção). Esse estudo foi coordenado por Paulo Rogério Albuquerque de Oliveira, que baseando-se na infortunística e rela-cionando as patologias através do CID-10 (Código Internacional de Doenças, Versão 10) e o CNAE (Clas-sificação Nacional de Ativi-dades Econômicas). Desse estudo sai o maior avanço no Direito Previdenciário em prol dos trabalhadores, pois determina a inversão do ônus da prova, livrando o trabalhador de – além de estar doente – ter que provar que sua doença está em nexo com sua atividade laboral.

Nas doenças ocupa-cionais, após a adoção do NTEP, inicialmente, houve um aumento significativo dos registros epidemioló-gicos, que cresceram na

ordem de 400%. Porém, ao decorrer desses três anos, esses números vêm caindo drasticamente. Cabe aqui uma reflexão: essa redução é pela conscientização das empresas e trabalhadores ou por sub-notificação, para não concessão de be-nefícios previdenciários por parte do INSS?

Estima-se que hoje no Brasil existam alguns milhões de ações previden-ciárias contra o INSS. Esses números mostram o desca-so com que o assunto é tra-tado, num desrespeito aos direitos dos trabalhadores segurados da Previdência Social. Felizmente, exis-tem militantes, entidades, sindicatos, universidades e alguns órgãos governamen-tais preocupados com essa situação. Mas tudo isso é pouco. Muito ainda neces-sita ser feito por empresas, trabalhadores, governo e principalmente pela socie-dade, pois é quem paga as contas.

Nesse âmbito há muito tempo vem sendo fomen-tada a ideia de se fazer levantamentos e estudos paralelos sobre sub-noti-ficações, principalmente sobre a morte de trabalha-dores vítimas de acidente de trabalho. Diante dessa realidade, reunidos na cidade do México em 2000 e em Salvador (Bahia) em 2002, na I e II Conferência de Saúde Ocupacional e Ambiental: Integrando as Américas, deliberou-se pela

criação do Observatório das Américas sobre a Saúde do Trabalhador, para que se tornem visíveis as epidemias no mundo do trabalho, a violência, as mortes, a precarização da saúde e a degradação do meio am-biente, na perspectiva de reorientar profundamente o atual processo excludente e hegemônico entre os povos americanos.

Dando um grande passo para consolidar o Observa-tório aqui no Brasil, estive-ram reunidos em São Paulo, nos dias 19 e 20 de maio, representantes dos Ministé-rios do Trabalho e da Saúde, da Fundação Osvaldo Cruz, da Unicamp, além da CTB e demais centrais. Nessa reu-nião foi lançado o portal do Observatório (www.observa-toriost.com.br), com o apoio de todos que assumiram o compromisso de dar divul-gação ao site. Convocamos os sindicatos e organizações dos trabalhadores a fica-rem atentos às notícias em jornais, rádios e televisão ou quaisquer outras fontes de informação, principalmente sobre acidentes graves seja de trabalhadores formais ou informais. Enviem os dados para o portal do Observa-tório para que possamos divulgar e fazer a nossa contagem das mortes por acidentes do trabalho no Brasil, para nos contrapor aos números oficiais e para podermos desenvolver novas estratégias para evitar acidentes de trabalhadores.

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39VISÃOClassista

MUNDO DA FORMAÇÃO

senso comum revela que o sindicato deve ser um instrumento

de luta para a conquista de melhores salários e con-dições de trabalho. E essa ideia está baseada na origem dos sindicatos.

Os primeiros sindicatos nasceram na Inglaterra, no século XVIII, quando ocorreu a Revolução Indus-trial. O capitalismo adquire condições básicas para se tornar o modo de produção predominante. Para extrair mais-valia, impõe-se um rit-mo de trabalho de 16 horas diárias. Após a utilização de algumas formas de luta, a classe operária vai criar os primeiros sindicatos. Orga-nizadas clandestinamente, as uniões de ofícios foram se transformando em referên-cias importantes das lutas econômicas.

Em 1837, surge o movi-mento cartista na Inglaterra, considerada a primeira ati-vidade em que os sindicatos se envolvem na luta política. O nome é derivado de uma carta em que os operários reivindicam maiores liberda-des políticas, como o direito de voto para todos. Em 1871, na França, os operá-rios conquistam o poder por alguns dias com a Comuna de Paris.

No final do século XIX e início do século XX, se consolidam as principais concepções sindicais, elaboradas por teóricos europeus. Nesse período, trade-unionismo, anarquismo, marxismo, social-democracia,

O que é Sindicalismo Classista?

Significa desenvolver a formação política e sindical da classe trabalhadora para que esta adquira consciência de classe avançada

sindicalismo cristão e trotskismo aparecem enquanto teorias elaboradas.

O trade-unionismo enfa-tiza a luta econômica e de-fende o sistema capitalista; o anarquismo reforça a greve e o sindicato, tem um posi-cionamento anti-capitalista, mas minimiza a importância do partido político e da luta institucional; a social-demo-cracia se referencia na luta institucional e no partido político, apostando no evo-lucionismo.

O trotskismo aposta na luta de classes e na revo-lução, mas desconsidera a correlação de forças para chegar à sociedade socia-lista, provocando o divi-sionismo e o isolamento; o sindicalismo cristão conser-vador objetiva a conciliação entre o capital e o trabalho, defende o sindicalismo assistencialista.

Na concepção marxista os sindicatos são fundamen-tais para o desenvolvimento da luta econômica; porém essa luta desenvolvida sem uma conexão com a luta política, acaba sendo muito limitada. Para Marx, a luta econômica deve estar articu-lada com a luta política, vi-sando a conquista do poder político pelo proletariado. A unidade dos trabalhadores é essencial para se ter sucesso na luta de classes. O partido político é fundamental para que o proletariado conquiste o poder político.

A concepção marxista ilumina a visão classista de sindicato. Praticar sindicalis-mo classista significa optar,

na luta de classes, a favor da classe trabalhadora; que os trabalhadores e as trabalhadoras conquistem melhores salários e condi-ções de trabalho; consigam, ainda, reduzir a jornada sem redução de salários. Significa participar da luta política mais geral, visando a transformação profun-da da sociedade; significa desenvolver a formação política e sindical da classe trabalhadora para que esta adquira consciência de classe avançada. Significa buscar a unidade interna-cional dos trabalhadores para organizar a luta anti-capitalista.

O sindicalismo classista não defende só os interesses imediatos de determinada categoria, mas também os interesses históricos da classe trabalhadora. Ou seja, não se contenta em de-senvolver a luta econômica no sistema capitalista, mas sim deseja o fim do sistema capitalista e a sua substitui-ção pelo socialismo.

As eleições de 2010 ad-quirem importância para o sindicalismo classista: eleger candidatos comprometidos com os interesses da classe trabalhadora. Nesse senti-do, a CTB, confederações, federações e sindicatos classistas devem estimular o voto naqueles candidatos que defendam um projeto nacional de desenvolvimen-to que valorize o trabalho e distribua a renda, abrindo novos caminhos para a construção da sociedade socialista.

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Augusto César Petta é professor e coordenador-técnico do Centro de Estudos Sindicais – CES

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40 VISÃOClassista

JULHOEncontro Sindical Nossa América (ESNA)22 a 24 de julho

AGOSTOFórum das Américas11 a 15 de agosto

SETEMBRO16º Grito dos Excluídos7 de setembro

Dia Internacional de Luta de Movimento Sindical Classista 7 de setembro

ENCONTRO SINDICAL NOSSA AMÉRICA (ESNA)

A cidade de Caracas, na Venezuela, será sede da terceira edição do Encontro Sindical Nossa América (ESNA). O evento, que já foi realizado em Quito,

AGENDA SINDICAL

ENCONTRO SINDICAL NOSSA AMÉRICA (ESNA)

Venezuela, será sede da terceira edição do Encontro Sindical Nossa América (ESNA). O evento, que já foi realizado em Quito,

Dia Internacional de Luta de Movimento Sindical Classista

no Equador, e em São Paulo, Brasil, neste ano acontece em um momento importante para a luta dos trabalhadores e trabalhadoras do continente, que buscam aprofundar a construção de estratégia e ações de luta, além de continuar ampliando a participação social no processo de mudanças em nossa região. (ver matéria nas páginas 26 e 27).

FÓRUM DAS AMÉRICASSerá realizado em agosto,

no Paraguai o IV Fórum Social das Américas, anunciaram seus organizadores.

No fórum, que acontece de 11 a 15 de agosto, participarão representantes de todos os países do continente. Energia, segurança alimentar, economia, povos originários e comunicação, solidariedade, a resistência, as lutas da América são os eixos principais, ainda em preparação, desta versão continental do Fórum Social Mundial.

Para cada ocasião, os movimentos que participam tratam de construir coletivamente o programa do Fórum, sua continuidade, inovações e fortalecimento.

O encontro pretende reunir centenas de representantes de organizações sociais e políticas sob

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41VISÃOClassista

DIA INTERNACIONAL DE LUTA DE MOVIMENTO SINDICAL CLASSISTA

No dia 7 de setembro de 2010, acontece o Dia Internacional de Luta de movimento Sindical Classista. O evento organizado pela Federação Sindical Mundial (FSM) visa a fortalecer a unidade das entidades sindicais, os trabalhadores, as forças progressivas e os povos do mundo, para montar iniciativas concretas de ampliação da luta em prol da classe trabalhadora.

Somente com a ação unitária dos trabalhadores e das entidades sindicais será possível a construção e a consolidação de uma política econômica e social que apresente alternativas de luta ao capitalismo e ao seu modelo neoliberal de globalização.

por um lado, e a participação no Plebiscito Popular pelo Limite da Propriedade da Terra, por outro. Nesse ano destaca-se a violência que vem exterminando a juventude brasileira; a Campanha da Fraternidade; o processo eleitoral, centrando a discussão em critérios éticos para a construção de uma democracia popular.

Desde seu início, a manifestação promovida pela Pastoral Social da Igreja Católica, conta com a colaboração de entidades e organizações dos movimentos sociais, além de instituições de defesa da sociedade.

Este espaço livre para a manifestação da população acontece no Dia da Pátria, 7 de setembro, e tem como objetivo chamar a atenção para as condições de exclusão social crescentes na sociedade brasileira.

um esquema de conferências, ofi cinas e concertos.Espera-se reunir cerca de 15 a 20 mil pessoas de todas as partes do continente para acompanhar as atividades do Fórum

16º GRITO DOS EXCLUÍDOSO 16º Grito dos Excluídos,

que tem como lema “Onde estão nossos direitos? Vamos às ruas para construir um projeto popular”, acontece em todo o país e será marcado por duas forças motrizes: a vida e os direitos,

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42 VISÃOClassista

CULTURA

os últimos meses, a Argentina voltou a evocar o “ano

dourado” de 1986 – em que o país faturou dois prêmios históricos: um Oscar da Academia de Artes e Ciências Cinematográfi cas dos Estados Unidos e a Taça FIFA de campeão da Copa do Mundo. O sonho dos argentinos é repetir a façanha – e a primeira parte dessa ambiciosa meta já foi alcançada. Em 7 de março, a Academia agraciou O Segredo dos seus Olhos com a estatueta de “melhor fi lme de língua estrangeira”.

Foi o triunfo do diretor Juan José Campanella, que, com seu comovente fi lme, fez um recorde de 2,5 milhões de espectadores nos cinemas argentinos e tocou o sentimento nacional. Até a presidente Cristina Kirchner não conteve a euforia: “A Argentina produziu uma obra extraordinária, que vai deslumbrar o mundo inteiro. Estamos contentes porque ganhamos com O Segredo dos seus Olhos – um fi lme fantástico, que vi duas vezes e que me impactou”. Campanella foi o segundo cineasta de seu país a ter uma produção premiada por Hollywood. Em 1986, o também magnífi co A História Ofi cial, de Luis Puenzo, levou o Oscar na mesma categoria – e isso depois de ter saído vitorioso do Globo de Ouro e dos festivais de Cannes, Berlim e Toronto. Protagonizado por Héctor Alterio e Norma Aleandro, o fi lme abordava,

O segundo “ano dourado” da Argentina

Nos últimos meses, a Argentina voltou a evocar o “ano dourado” de 1986 – em que o país faturou dois prêmios históricos

com extrema sensibilidade, o polêmico tema da adoção, à margem da lei, de crianças sequestradas pelo regime militar argentino (1976-1983). A premiação no Oscar veio no rastro da condenação de ex-ditadores, como o infame Jorge Rafael Videla, a prisão perpétua. Os festejos, iniciados no tapete vermelho do Dorothy Chandler Pavilion, em Los Angeles, irradiaram-se madrugada afora pelas ruas de Buenos Aires.

Tanto A História como O Segredo têm a ditadura como pano de fundo. Compartilham também, ambos, da visão de que é preciso punir, ainda que tardiamente, os crimes cometidos ou acobertados no período. Os argentinos experimentaram na pele um sem-número de atrocidades. Enquanto o regime militar no Brasil (1964-1985) assassinou 635 pessoas, a ditadura argentina deixou cerca de 30 mil mortos e desaparecidos políticos. Não convém seguir o relativismo de um jornalão paulista que, recentemente, tentou dividir as experiências autoritárias do Cone Sul em ditaduras e “ditabrandas”. Mas os militares argentinos, sem dúvida, perpetraram mais crimes de lesa-humanidade do que os brasileiros – e num intervalo de tempo três vezes menor.

O que a Argentina tem a ensinar ao Brasil é que vale a pena exercer o direito à verdade, lutar permanentemente pela

punição de infratores dos direitos humanos e, assim, ter condições de reconciliar-se com o passado. Mais do que qualquer outro povo sul-americano que viveu sob o autoritarismo na segunda metade do século 20, os argentinos podem se orgulhar da excelência com que põem a arte, sobretudo o cinema, a serviço de uma causa justa, social e – por que não? – poética.

Êxito na telona, felicidade ainda maior nos gramados. Em junho de 1986, apenas três meses depois do sucesso de A História Ofi cial, a Argentina brilhou no Estádio Azteca, palco da fi nal da Copa no México. Foi lá que a equipe liderada pelos pés geniais – e também pelas mãos – de Don Diego Armando Maradona venceu a Alemanha por 3 a 2 e se sagrou bicampeã mundial. Agora, 24 anos depois da consagração, Maradona disputará sua quinta Copa – a primeira como técnico. Sob o comando do ex-craque, a Argentina vai à África do Sul para consumar seu segundo “ano dourado” – e quem tem Lionel Messi e Diego Milito no mesmo time pode se ostentar como um dos favoritos ao título do Mundial. Se você faz parte dos 99% de brasileiros que veem “nuestros hermanos” como insuperáveis arquirrivais, é bom torcer para que o clima despertado na cerimônia do Oscar fi que longe – muito longe – dos estádios africanos.

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André Cintra é jornalista e escritor

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