REVISTA Veja Matéria Sobre Impostos No Brasil Ed 2167 de 02 de Junho de 2010

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REVISTA VEJA 02/06/2010 Ed n. 2167

Impostos

Depois de 148 dias......chega o 1 dia livre de impostos

Livro demonstra que os brasileiros no toleram mais pagartributos europeus e receber servios pblicos africanos. Falta um candidato que expresse o desejo do eleitor

De cada 1 000 reais que um brasileiro recebe de salrio, 400 so consumidos pelos impostos. Esse valor no diz respeito apenas aos tributos cobrados diretamente e subtrados mensalmente do contracheque. Os impostos esto presentes em todo e qualquer produto consumido. Existem 83 tributos, taxas e contribuies no pas, que consomem em mdia 40% da remunerao que obtemos com o nosso esforo. De 1 de janeiro de 2010 at a sexta-feira passada, 28 de maio, cada brasileiro trabalhou para sustentar o governo em suas trs esferas, municipal, estadual e federal. Foram 148 dias de suor recolhidos aos cofres do estado. Em troca de que mesmo? Deveria ser em troca de educao, sade e segurana. No , pois a mesma famlia que s se livrou das garras do Leo na ltima sexta-feira vai ter agora de recomear a trabalhar para pagar por... educao, sade e segurana. Uma famlia de classe mdia gasta no Brasil um tero de sua renda para pagar escola particular, plano de sade privado e outros servios que deveriam ser sustentados pelos impostos. No total, 75% do salrio do brasileiro empenhado em impostos e servios que os impostos deveriam cobrir.

O economista Antonio Delfim Netto produziu a imagem definitiva para exprimir a tortura a que a populao foi condenada, ao chamar o Brasil de "Ingana": uma nao com carga tributria da Inglaterra e servios pblicos dignos de Gana. Uma concluso similar emerge da leitura de O Dedo na Ferida: Menos Imposto, Mais Consumo (Record; 196 pginas; 32,90 reais), do cientista poltico Alberto Carlos Almeida, diretor do Instituto Anlise. O livro resultou da pesquisa sobre a opinio dos brasileiros a respeito dos impostos e da avaliao que fazem do governo no uso dos recursos, realizada a partir de entrevistas com 1 000 pessoas de todo o pas. Almeida, autor tambm de A Cabea do Brasileiro e A Cabea do Eleitor, toca em uma ferida exposta e da qual os polticos no querem nem ouvir falar. Os brasileiros, independentemente de classe social e nvel de renda, sabem que pagam impostos demais e gostariam que os governantes fizessem melhor uso dos recursos existentes. Poucos esto dispostos a ser tributados ainda mais sob a promessa de ampliao de benefcios sociais, como o Bolsa Famlia ou o Vale-Cultura. Acima de tudo, a maioria absoluta dos entrevistados est convicta de que, se tivesse a chance, preferiria pagar menos tributos para ter mais dinheiro no bolso e gastar com escola particular ou sade privada.

Como resolver o problema da sade pblica, criando mais impostos ou utilizando melhor os recursos j existentes? Oito em cada dez brasileiros ficaram com a segunda opo. O que melhor, expandir o Bolsa Famlia ou diminuir a tributao dos alimentos, para que eles fiquem mais baratos? Mais de 80% dos entrevistados optaram pela segunda alternativa. Mesmo os beneficiados pelo Bolsa Famlia preferem pagar menos impostos a ampliar o programa assistencial (veja o quadro abaixo). Quando questionados se consideram que seja necessrio elevar o salrio mnimo, 93% dos brasileiros afirmam que sim. Mas e se esse aumento for condicionado ao pagamento de impostos? O apoio cai para 56%. Os entrevistados no titubeiam: preferem pagar 100 reais por ms pela mensalidade de um plano de sade a despender a mesma quantia em contribuies que custeiem o sistema pblico. Para estimular o emprego, qual a alternativa mais eficaz: diminuir os encargos trabalhistas ou reduzir a taxa de juros? A grande maioria dos entrevistados (68%) indica a primeira opo. Nisso, a propsito, a populao concorda com os empresrios. Uma pesquisa feita pelo Ibope sob encomenda da Fiesp, a federao das indstrias de So Paulo, mostrou que 65% das empresas citam o sistema tributrio como a maior trava ao aumento dos investimentos.

A cada resposta que do pesquisa do Instituto Anlise, os brasileiros, inconscientemente, ecoam uma das principais mximas do economista liberal americano Milton Friedman (1912-2006), para quem "as pessoas sabem gastar o seu dinheiro melhor que qualquer governo". Essa frase, essncia do pensamento de Friedman, resume a opinio demonstrada pelos brasileiros no livro de Almeida. A populao quer ter liberdade para escolher. Os eleitores, no entanto, no dispem hoje da possibilidade de escolher um candidato que os defenda nesse assunto. Nenhum dos principais partidos do pas tem a reduo dos impostos como uma de suas plataformas eleitorais. bem diferente do que se v nos pases desenvolvidos, sobretudo nos Estados Unidos, onde os tributos so um tema que no pode ficar de fora em qualquer campanha eleitoral. Os polticos brasileiros fogem do assunto e, quando instados a coment-lo, refugiam-se em respostas vagas.

Marcos Issa/Argosfoto

VERDADE INCONVENIENTEAlmeida, autor de O Dedo na Ferida: os polticos no prometem reduzir tributos porque teriam de rever privilgios

Isso ficou evidente na tera-feira passada, em sabatina com os trs principais pr-candidatos Presidncia, promovida pela Confederao Nacional da Indstria (CNI), em Braslia. Apesar de todos terem concordado que a carga tributria brasileira ultrapassa os limites tolerveis, nenhum deles exibiu planos para aliviar significativamente esse peso. O nico que ofereceu uma proposta concreta, mas bem restrita, foi o tucano Jos Serra, que se comprometeu, caso eleito, a reduzir os impostos do setor de saneamento bsico. Dilma Rousseff, sem dar detalhes, defendeu uma carga menor para os investimentos. Marina Silva se comprometeu em buscar a reforma tributria, mas ressalvando que seria difcil tirar esse projeto do papel. Os projetos para estimular o desenvolvimento, de maneira geral, concentram-se em polticas estatais, que implicam invariavelmente uma ampliao dos gastos pblicos e, portanto, mais impostos.

Para Almeida, que trabalha como consultor poltico, difcil compreender como os candidatos passam por cima do quase clamor dos eleitores por menos impostos. Por que nenhum candidato tira proveito de uma causa to popular, que poderia render milhares de votos? O autor arrisca algumas explicaes. Em primeiro lugar, os principais partidos pendem para a esquerda, e a reduo de impostos uma bandeira tradicionalmente de direita. Para os esquerdistas, o estado, por meio dos tributos, deve ser o promotor do desenvolvimento e da justia social. Alm disso, os polticos brasileiros, no obstante sua corrente ideolgica, "encontram-se na fila do caixa do Tesouro". "Todos querem controlar mais recursos pblicos", explica Almeida. Finalmente, os polticos fogem da cruz quando o tema diminuir a tributao porque, se acenarem com essa proposta, precisaro reduzir gastos e rever privilgios. Afirma Almeida: "Todos mandam a conta final para a sociedade. No precisam de fato ser eficientes. Para cada gasto adicional, aumente-se uma tarifa ali ou uma alquota acol e est tudo resolvido".

A est a verdade inconveniente que poltico nenhum gostaria de ver exposta luz do sol. o real dedo na ferida. Como demonstra o livro de Almeida, no entanto, a reduo dos impostos uma plataforma eleitoral pronta, que cedo ou tarde ser capitalizada politicamente por algum candidato. "Existe o script, mas falta o ator", diz o cientista poltico. Ainda h tempo para que isso ocorra na prxima eleio. A vontade dos eleitores, de se verem livres de ao menos parte dos 148 dias no ano de servido ao governo, j foi expressa.

Mark Peterson/Redux