Revista Trimestral de Jurisprudência

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Revista Trimestral de Jurisprudência volume 208 – número 3 abril a junho de 2009 páginas 903 a 1388

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Revista Trimestral de Jurisprudência

volume 208 – número 3abril a junho de 2009

páginas 903 a 1388

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Diretoria-GeralAlcides Diniz da Silva

Secretaria de DocumentaçãoJaneth Aparecida Dias de Melo

Coordenadoria de Divulgação de JurisprudênciaLeide Maria Soares Corrêa Cesar

Seção de Preparo de PublicaçõesCíntia Machado Gonçalves Soares

Seção de Padronização e RevisãoRochelle Quito

Seção de Distribuição de EdiçõesMaria Cristina Hilário da Silva

Diagramação: Luiza Superti Pantoja e Rodrigo Melo Cardoso

Capa: Núcleo de Programação Visual

(Supremo Tribunal Federal — Biblioteca Ministro Victor Nunes Leal)

Revista trimestral de jurisprudência / Supremo Tribunal Federal, Coordenadoria de Divulgação de Jurisprudência. – Ano 1, n. 1 (abr./jun. 1957)- . – Brasília: Imprensa Nacional, 1957-.

v. 208-3; 22 cm.

Três números a cada trimestre.

Editores: Editora Brasília Jurídica, 2002-2006; Supremo Tribunal Federal, 2007- .

ISSN 0035-0540

1. Direito - Jurisprudência - Brasil. I. Brasil. Supremo Tribunal Federal (STF).

CDD 340.6

Solicita-se permuta. Pídese canje. On demande l’échange. Si richiede lo scambio. We ask for exchange. Wir bitten um Austausch.

STF/CDJU Anexo II, Cobertura Praça dos Três Poderes 70175-900 – Brasília-DF [email protected] Fone: (0xx61) 3217-4766

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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Ministro GILMAR Ferreira MENDES (20-6-2002), PresidenteMinistro Antonio CEZAR PELUSO (25-6-2003), Vice-PresidenteMinistro José CELSO DE MELLO Filho (17-8-1989)Ministro MARCO AURÉLIO Mendes de Farias Mello (13-6-1990)Ministra ELLEN GRACIE Northfleet (14-12-2000)Ministro CARLOS Augusto Ayres de Freitas BRITTO (25-6-2003)Ministro JOAQUIM Benedito BARBOSA Gomes (25-6-2003)Ministro EROS Roberto GRAU (30-6-2004)Ministro Enrique RICARDO LEWANDOWSKI (16-3-2006)Ministra CÁRMEN LÚCIA Antunes Rocha (21-6-2006)Ministro Carlos Alberto MENEZES DIREITO (5-9-2007)

COMPOSIÇÃO DAS TURMAS

PRIMEIRA TURMA

Ministro CARLOS Augusto Ayres de Freitas BRITTO, PresidenteMinistro MARCO AURÉLIO Mendes de Farias MelloMinistro Enrique RICARDO LEWANDOWSKIMinistra CÁRMEN LÚCIA Antunes RochaMinistro Carlos Alberto MENEZES DIREITO

SEGUNDA TURMA

Ministra ELLEN GRACIE Northfleet, PresidenteMinistro José CELSO DE MELLO FilhoMinistro Antonio CEZAR PELUSO Ministro JOAQUIM Benedito BARBOSA GomesMinistro EROS Roberto GRAU

PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

Doutor ANTONIO FERNANDO BARROS E SILVA DE SOUZA

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COMPOSIÇÃO DAS COMISSÕES

COMISSÃO DE REGIMENTO

Ministro MARCO AURÉLIOMinistra CÁRMEN LÚCIAMinistro CEZAR PELUSOMinistro MENEZES DIREITO – Suplente

COMISSÃO DE JURISPRUDÊNCIA

Ministra ELLEN GRACIEMinistro JOAQUIM BARBOSAMinistro RICARDO LEWANDOWSKI

COMISSÃO DE DOCUMENTAÇÃO

Ministro CEZAR PELUSOMinistro CARLOS BRITTOMinistro EROS GRAU

COMISSÃO DE COORDENAÇÃO

Ministro CELSO DE MELLOMinistro EROS GRAUMinistro MENEZES DIREITO

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SUMÁRIO

Pág.

ACÓRDÃOS ................................................................................................... 911 DECISÕES MONOCRÁTICAS ............................................................... 1299 ÍNDICE ALFABÉTICO ............................................................................. 1319 ÍNDICE NUMÉRICO ................................................................................ 1383

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ACÓRDÃOS

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AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA 1.020 — SP

Relatora: A Sra. Ministra Cármen LúciaAutora: Plásticos Danúbio Indústria e Comércio Ltda. — Réus: Ministério

Público do Estado de São Paulo e Ministério Público Federal

Ação cível originária. Conflito de atribuições entre o Mi-nistério Público Federal e o estadual. Instauração de procedi-mento administrativo para apurar possíveis irregularidades na produção de copos descartáveis. Relação de consumo. Conflito inexistente.

1. A questão tratada nas representações instauradas contra a Autora versa sobre direito do consumidor.

2. O art. 113 do Código de Defesa do Consumidor, ao alte-rar o art. 5º, § 5º, da Lei 7.347/85, passou a admitir a possibili-dade de litisconsorte facultativo entre os Ministérios Públicos da União, do Distrito Federal e dos Estados na defesa dos interesses e dos direitos do consumidor.

3. O Ministério Público Federal e o estadual têm a atribui-ção de zelar pelos interesses sociais e pela integridade da ordem consumerista, promovendo o inquérito civil e a ação civil pú-blica – inclusive em litisconsórcio ativo facultativo –, razão pela qual não se há reconhecer o suscitado conflito de atribuições.

4. Ação cível originária julgada improcedente.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Su-premo Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a Presidência do Ministro Gilmar Mendes, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas,

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por unanimidade, em julgar improcedente a ação cível originária e prejudicada a liminar, nos termos do voto da Relatora.

Brasília, 8 de outubro de 2008 — Cármen Lúcia, Relatora.

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: 1. Ação Cível Originária ajuizada por Plásticos Danúbio Indústria e Comércio Ltda., em 29-5-07, com fundamento no art. 102, inciso I, alínea f, da Constituição do Brasil, objetivando solução do que seria conflito de atribuições “envolvendo o Ministério Público do Estado de São Paulo, por sua Promotoria de Justiça do Consumidor em Guarulhos-SP, e o Ministério Público Federal, por suas Pro cura dorias em Goiás e Rio de Janeiro” (fl. 9), para instaurar procedimentos contra a Autora.

O caso2. Com a edição da NBR 14.865, da Associação Brasileira de Normas

Técnicas (ABNT), referente à normalização de copos descartáveis, o Instituto Nacional do Plástico (INP) teria iniciado o “Programa de Qualidade de Copos Descartáveis (PQ-CD)”, objetivando tornar aquela norma de cumprimento obri-gatório pelas indústrias do setor de descartáveis.

A Promotoria do Consumidor da Comarca de Guarulhos/SP, Município no qual se localiza a sede da Autora, instaurou o Procedimento 20/05 para investi-gar o cumprimento daquela norma técnica pela Autora e, em 25-2-05, requereu esclarecimentos sobre sua adoção (fl. 26).

Em 30-3-05, a Autora ajuizou a Ação Declaratória 000.05.031358-4, perante a 10ª Vara Cível da Comarca de São Paulo/SP, buscando fosse decla-rado “em sentença que a autora não está obrigada a observar a norma técnica NBR 14.865” (fl. 87).

Em 21-2-06, foi ela notificada para prestar esclarecimentos, perante a Pro cu-ra doria da República em Goiás, sobre a adequação à norma técnica (fls. 38-39, nos autos do Procedimento Administrativo 1.18.000.000046/2005-51), oportunidade em que se teria recusado a firmar Termo de Ajustamento de Conduta (fls. 39-42).

Narra a Autora que tal recusa teria sido noticiada à Pro cura doria da República em Guarulhos/SP, ensejando a instauração do Procedimento Ad-ministrativo 1.34.006.000098/2006-13, o qual, em 7-2-07, foi remetido ao Ministério Público estadual paulista (Promotoria de Justiça Cível da Comarca de Guarulhos/SP), por se concluir que “o delito [do art. 7º, inciso II, da Lei 8.137/90] não ofende[ria] nenhum bem, serviço ou interesse da União, pois o bem jurídico tutelado [seria] a lisura nas relações de consumo (...) donde se con-clui pela incompetência da Justiça Federal para conhecer e julgar o fato” (fl. 93).

Assinala que, em 25-4-07, teria sido novamente intimada a pres-tar esclarecimentos sobre a submissão à norma NBR 14.865, dessa vez, pe-rante a Pro cura doria da República no Rio de Janeiro (fl. 55, Procedimento 1.30.012.000303/2006-01).

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A Autora alega que, apesar de ter-se manifestado a Pro cura doria da República em Guarulhos/SP sobre a incompetência da Justiça Federal, atual-mente responde a procedimentos administrativos no Ministério Público es-tadual e no Federal (Goiás e Rio de Janeiro), o que “causa constrangimento desnecessário (...) [a ela e dificulta] seu direito de defesa” (fl. 7).

Assevera que essa situação caracterizaria “conflito entre órgãos integran-tes da União e de um Estado Federado, comprometendo, potencialmente, a harmonia do pacto federativo (...) [sendo] aplicável, dessa forma, a alínea ‘f’ do inciso I, do artigo 102 da Constituição Federal” (fl. 7).

Requer, liminarmente, a suspensão de todos os procedimentos instaurados “até a solução definitiva do presente conflito de atribuições, evitando-se, assim, eventuais conflitos de jurisdição, envolvendo a Justiça Paulista e Federal” (fl. 9). E, no mérito, pede seja solucionado o conflito de atribuições ora suscitado.

3. Em 8-6-07, determinei aos suscitados se manifestassem sobre o alegado (fl. 98).

4. Em 10-7-07, o Pro cura dor-Geral da República opinou pela improcedên-cia da presente ação.

5. Em 3-12-07, a Carta de Ordem expedida para a citação do Ministério Público de São Paulo foi devolvida sem cumprimento e, em 3-3-08, determinei seu retorno ao Tribunal de Justiça de São Paulo, para que fosse esclarecido o motivo do descumprimento.

6. Em 12-8-08, o Pro cura dor-Geral de Justiça de São Paulo manifestou-se pela procedência da ação, por entender que “a atuação do Ministério Público Federal (GO e RJ) esta[ria] invadindo a área de atribuição do Ministério Público estadual” (fl. 219).

É o relatório.

VOTO

A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora): 1. O objeto da presente ação cível originária é pretenso conflito de atribuições “envolvendo o Ministério Público do Estado de São Paulo, por sua Promotoria de Justiça do Consumidor em Guarulhos/SP, e o Ministério Público Federal, por suas Pro cura dorias em Goiás e Rio de Janeiro” (fl. 9), no que concerne à atribuição para instaurar pro-cedimentos contra a Autora.

2. A análise dos autos revela inexistir o alegado conflito de atribuições.Conforme ponderado pelo Pro cura dor-Geral da República:

(...) 9. A pretensão da autora é improcedente porque não existe o afirmado conflito de atribuições supostamente estabelecido entre os Ministérios Públicos Federal e Estadual.

10. O único procedimento instaurado no âmbito do Ministério Público Federal para investigar a empresa Plásticos Danúbio Indústria e Comércio Ltda.

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foi remetido ao Ministério Público do Estado de São Paulo para providências cabíveis, já que a Pro cura dora da República em Guarulhos compreendeu que “o delito em questão não ofende nenhum bem, serviço ou interesse da União, pois o bem jurídico tutelado é a lisura nas relações de consumo, tendo como vítima imediata o consumidor, não havendo ofensa ao serviço do Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade, vinculado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior), donde se conclui pela incom-petência da Justiça Federal para conhecer e julgar o fato. (...) Ante o exposto, de-termino a remessa da presente representação ao Ministério Público Estadual para adoção das providências cabíveis” (fls. 93/95).

11. Sobre o procedimento instaurado no âmbito da PR/GO, não teve o mesmo como objeto apurar irregularidades da empresa Plásticos Danúbio, mas, sim, investigar possíveis irregularidades nas empresas de copos plásticos des-cartáveis, com vistas a firmar um Termo de Ajustamento de Conduta, em caráter nacional (fls. 38/39).

12. Dessa maneira, ante a negativa de comparecimento da empresa susci-tante perante a PR/GO, esta noticiou o fato à PR/Guarulhos que, ao tomar as pro-vidências no intuito de investigar o descumprimento das normas da ABNT pela empresa Plásticos Danúbio, instaurou o já mencionado procedimento administra-tivo que, posteriormente, fora remetido ao Parquet estadual.

13. Quanto ao procedimento instaurado na PR/RJ, também não tem o mesmo por objeto averiguar irregularidades praticadas pela Plásticos Danúbio, mas, sim, segundo notícia o Pro cura dor da República em despacho anexado, apre-ciar relatório do Inmetro contendo análises feitas em copos plásticos.

14. Segundo noticia o Pro cura dor da República no Estado do Rio de Janeiro (doc. em anexo), cabe ao Ministério Público Federal apenas apurar a prática ilegal de fabricantes que não tenham assinado o TAC da PR/GO, e que estejam sediados no Rio de Janeiro.

15. Ora, sabendo-se que a empresa Plásticos Danúbio é sociedade regular-mente constituída no Estado de São Paulo, com seu contrato social arquivado na Jun ta Comercial do Estado de São Paulo, sob o NIRE nº 352.021.549.87, e que as em-presas investigadas pelo Procedimento Administrativo nº 1.30.012.000303//2006-01-PR/RJ são somente aquelas sediadas no referido Estado-membro, não há que se falar em conflito de atribuições instaurado entre o Ministério Público do Estado de São Paulo e a Pro cura doria da República no Estado do Rio de Janeiro.

16. Dessa maneira, uma vez que o único procedimento instaurado para averiguar o descumprimento por parte da empresa Plásticos Danúbio, das normas estabelecidas pela ABNT, se encontra em trâmite no Ministério Público do Estado de São Paulo, e não, como compreende a suscitante, em trâmite nas Pro cura dorias da República em Goiás e no Rio de Janeiro, forçoso reconhecer ausência de con-flito de atribuições estabelecido entre membros do Ministério Público, nos termos do art. 102, inciso I, alínea “f”, da Constituição Federal.(Fls. 112-114.)

Em síntese, tem-se que:a) segundo os documentos juntados aos autos, a Pro cura doria da Re pú-

bli ca em Goiás iniciou o Processo Administrativo 1.18.000.000046/2006-13, com objetivo de “investigar possíveis irregularidades nas empresas de copos descar-táveis, com vistas a firmar Termo de Ajuste de Conduta, em caráter nacional

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[TAC 02/2006]” (fl. 38). Porém, com a recusa da Autora em firmar o ajuste, limitou-se aquele órgão a informar esse fato à Pro cura doria da República em Guarulhos/SP, que instaurou a Representação n. 1.34.006.000098/2006-13 (fl. 43);

b) A Pro cura doria da República em Guarulhos/SP declinou de sua com-petência para o Ministério Público estadual ao fundamento de que “o delito [do art. 7º, inciso II, da Lei 8.137/90] não ofende[ria] nenhum bem, serviço ou inte-resse da União, pois o bem jurídico tutelado [seria] a lisura nas relações de con-sumo (...) donde se conclui pela incompetência da Justiça Federal para conhecer e julgar o fato” (fl. 93).

c) nos autos do Procedimento Administrativo 1.30.012.000303/2006-01, a Pro cura doria da República no Rio de Janeiro entendeu que lhe caberia “ape-nas apurar a prática ilegal de fabricantes que não tenham assinado o [Termo de Ajuste de Conduta 2/2006] e que evidentemente estejam sediados no Rio de Janeiro” (fl. 117); e

d) o Procedimento Administrativo 20/05 continua em trâmite perante a Promotoria de Justiça Cível da Comarca de Guarulhos/SP, tudo a evidenciar a inexistência do conflito alegado.

3. Em sua manifestação, o Pro cura dor-Geral de Justiça do Estado de São Paulo ponderou:

(...) a atribuição [dos membros do Ministério Público] para atuar num ou noutro caso, instaurar este ou aquele procedimento investigatório ou inquérito civil, longe de ser uma escolha do agente estatal, deve-se dar de acordo com a Constituição Federal e as leis. Não há campo de discricionariedade na escolha do fato a ser investigado – sob esse aspecto – senão a existência de atribuição inexpur-gável deste ou daquele Ministério Público – Federal ou Estadual – de forma cogente.

A míngua de critério perfeitamente estabelecido em lei, parece-nos inafas-tável que se deva fixar as atribuições dos Ministérios Públicos em função da juris-dição perante a qual atuam, ainda que a regra comporte exceção, todavia, apenas para confirmá-la. (...)

Feito o exercício, não se logrando fixar a atração da Justiça Federal, por im-posição constitucional caberá à Justiça Estadual processar e julgar o caso, razão pela qual indubitavelmente terá o Ministério Público estadual a atribuição para instaurar (...) o inquérito civil ou procedimento investigatório.(Fl. 217.)

4. De se realçar, entretanto, que o Ministério Público, Federal ou estadual, tem suas atribuições institucionais delineadas no art. 129 da Constituição da Re-pública, entre as quais, naquilo que interessa à presente demanda, ressaltam-se:

Art. 129 (...)III – Promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patri-

mônio público e social, do meio ambiente e dos outros interesses difusos e coletivos;(...)VI – expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua com-

petência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva

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A Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei 8.625/93), estabelece que:

Art. 25. Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público:

(...)IV – promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei:a) para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio am-

biente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indis-poníveis e homogêneos(Grifos nossos.)

Ao estabelecer as atribuições do Ministério Público da União, a Lei Com-plementar 75/93 dispôs:

Art. 5º São funções institucionais do Ministério Público da União:I – a defesa da ordem jurídica, do regime democrático, dos interesses sociais

e dos interesses individuais indisponíveis (...)II – zelar pela observância dos princípios constitucionais relativos:c) à atividade econômica, à política urbana, agrícola, fundiária e de reforma

agrária e ao sistema financeiro nacional;

Ao tratar das funções institucionais do Mistério Público do Estado de São Paulo, a Lei paulista 734/93 reproduziu a regulamentação federal, nos termos seguintes:

Art. 103. São funções institucionais do Ministério Público, nos termos da legislação aplicável:

I – promover a defesa do regime democrático e dos interesses sociais e in-dividuais indisponíveis

(...)VIII – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção, a

prevenção e a reparação dos danos causados ao patrimônio público e social, ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos, homogê-neos e individuais indisponíveis.

5. A questão tratada nas representações instauradas contra a Autora versa sobre direitos do consumidor. Nelas se examina a necessidade de submissão da Autora à certificação NBR 14.865, da Associação Brasileira de Normas Técnicas, por força do art. 39, inciso VIII, da Lei 8.038/90:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras prá-ticas abusivas:

VIII – colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou, se nor-mas específicas não existirem, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Conmetro).

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6. Ao tratar da repartição de atribuições do Ministério Público, o Ministro Teori Zavascki assinala:

É decorrência do caráter nacional da instituição e dos princípios constitu-cionais da unidade e indivisibilidade que a regem, a sua organização mediante repartição de atribuições. Não tem outro sentido o art. 128 da CF, ao estabelecer que o Ministério Público abrange o Ministério Público da União e os Ministérios Públicos dos Estados (...), cada qual, portanto, com atribuições delimitadas. Seria inconcebível a atuação do Ministério Público sem tais delimitações. (...) Da mesma forma e pelo mesmo motivo não se compadece com a estrutura da insti-tuição afirmar-se legitimidade aos agentes do Ministério Público Estadual para atuar fora de sua Comarca, ou fora de seu Estado, ou fora da jurisdição local (...).

A ação civil pública será proposta, portanto, pelo Ministério Público da União, quando se tratar de causa da competência da Justiça Federal; e será pro-posta pelo Ministério Público dos Estados, quando for causa de jurisdição local.(ZAVASCKI, Teori Albino. Ministério Público e Ação Civil Pública. Revista de Informação Legislativa, ano 29, n. 114, abr./jun. 1992, p. 150-151.)

7. Apesar de estarem as atribuições do Ministério Público intrinsecamente relacionadas à competência da Justiça perante a qual atua – Federal ou Estadual –, o art. 113 do Código de Defesa do Consumidor alterou o art. 5º, § 5º, da Lei 7.347/85 (que disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causa-dos ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico) passou a admitir até mesmo a possibilidade de litisconsorte facultativo entre os Ministérios Públicos da União, do Distrito Federal e dos Estados na defesa dos interesses e dos direitos do consumidor.

Ao examinar essa inovação legislativa, Nelson Nery Júnior pondera:

Na verdade, o sentido teleológico desse dispositivo é de deixar claro que o órgão do Ministério Público pode promover a ação, sem que seja necessária a anu-ência de outro órgão do parquet. O Ministério público dos Estados pode ajuizar, sozinho, ação civil pública na Justiça Federal e vice-versa.

(...) Quando o art. 5º da LACP e 82 do CDC dizem estar legitimado a agir em juízo “o Ministério Público”, significa que conferiram legitimidade à instituição como um todo considerada, sem levar em conta suas divisões, não sob o aspecto institucional, já que una e indivisível, mas para fins administrativos funcionais. (...)

Na ausência de impeditivo legal, contudo, está o Ministério Público Es-tadual autorizado a, representando a sociedade, atuar na Justiça Federal ou na Justiça de qualquer Estado da Federação, já que a unidade e indivisibilidade da instituição do parquet assim o permitem. (...)

A recíproca é verdadeira. O Mistério Público Federal (...) pode agir no âm-bito da Justiça Federal comum ou especial, e, ainda, na Justiça Estadual.(Código de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do antepro-jeto. 9. ed. São Paulo: Forense Universitária, 2007. p. 1042-1043.)

8. Desse modo, tanto o Ministério Público Federal quanto o estadual têm a atribuição de zelar pelos interesses sociais e pela integridade da ordem

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consumerista, promovendo o inquérito civil e a ação civil pública – inclusive em litisconsórcio ativo facultativo –, donde não sobrepairar dúvida de inexistir o suscitado conflito de atribuições.

Cumpre registrar, ainda, que no caso vertente, o Procedimento Adminis-trativo 020/2005 é o único remanescente entre todos os apontados pela Autora. Este, conforme amplamente esclarecido acima, continua em trâmite perante a Promotoria de Justiça Cível da Comarca de Guarulhos/SP, tudo a evidenciar a inexistência do conflito alegado.

9. Pelo exposto, voto no sentido de julgar improcedente a presente ação civil originária, ficando, por óbvio, prejudicada a medida liminar pleiteada.

EXPLICAÇÃO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, registro apenas um as-pecto, para não se abrir margem a rotular-se conflito de atribuições como ação cível originária. Penso que, neste caso, em que não há nomenclatura específica, costumeiramente se adota o vocábulo petição (Pet).

Quanto ao tema de fundo, estou plenamente de acordo com o voto da Ministra Cármen Lúcia.

DEBATE

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Penso que teremos de fazer um exercício para definir, com maior precisão, esses casos.

A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora): Eu havia comentado exatamente isso. O Ministro Marco Aurélio sempre tem o cuidado de dizer que um conflito de atribuições não pode ser uma ação cível, porque não tem o mesmo objeto. Por isso relatei, de início, e chamei a atenção.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): A questão surgiu, talvez, nessa relação Ministério Público estadual e Ministério Público Federal, porque passamos a considerar que se trata de um conflito federativo, passando pela jurisprudência para albergar, aqui, o conflito de atribuição. Daí, talvez, esse de-senvolvimento. Mas vamos considerar esses aspectos.

EXTRATO DA ATA

ACO 1.020/SP — Relatora: Ministra Cármen Lúcia. Autora: Plásticos Da-núbio Indústria e Comércio Ltda. (Advogados: Ricardo Bandle Filizzola e outros). Réus: Ministério Público do Estado de São Paulo e Ministério Público Federal.

Decisão: O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto da Relatora, julgou improcedente a ação e prejudicada a liminar. Ausente, justificada-mente, porque em representação do Tribunal no exterior, o Ministro Ricardo Lewandowski. Presidiu o julgamento o Ministro Gilmar Mendes.

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Presidência do Ministro Gilmar Mendes. Presentes à sessão os Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Eros Grau, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Pro cura dor-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.

Brasília, 8 de outubro de 2008 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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EXTENSÃO NA EXTRADIÇÃO 1.052 — REINO DOS PAÍSES BAIXOS (Ext 1.052 na RTJ 200/1057)

Relator: O Sr. Ministro Eros GrauRequerente: Governo do Reino dos Países Baixos — Requerido: Johan-

Frederik Stellingwerf ou Johan Stellingwerf

Extradição. Pedido de extensão. Princípio da especialidade. Estupro e atentado violento ao pudor praticados anteriormente ao deferimento da extradição. Ausência de óbice ao deferimento da extensão. Regularidade formal do pedido adicional.

1. O princípio da especialidade (art. 91, I, da Lei 6.815/80) não consubstancia óbice ao deferimento do pedido de extensão. A regra extraída do texto normativo visa a garantir, em bene-fício do extraditando, o controle de legalidade, pelo Su premo Tribunal Federal, no que tange a ação penal ou a execução de pena por fatos anteriores em relação aos quais foi deferido o pleito extradicional. Precedentes.

2. Pedido de extensão visando à submissão do extraditando a julgamento pelos crimes de estupro e atentado violento ao pu-dor, praticados em data anterior à do julgamento da extradição e não compreendidos no pedido originário.

3. Pleito adicional formalizado com os documentos relacio-nados no art. 80 da Lei 6.815/80.

Extensão deferida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Su-premo Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a Presidência do Ministro Gilmar Mendes, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráfi-cas, por unanimidade de votos e nos termos do voto do Relator, deferir o pedido de extensão na extradição.

Brasília, 9 de outubro de 2008 — Eros Grau, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Eros Grau: O Governo dos Países Baixos formula na Nota Verbal 107/06/SEC (fl. 198) pedido de extensão na Ext 1.052, a fim de que Johan-Frederik Stellingwerf possa ser processado por mais quatro crimes de estupro e um de violência sexual, praticados anteriormente ao deferimento do pleito extradicional.

2. O Paciente, em seu interrogatório, manifestou-se pela nomeação de defensor por esta Corte. Posteriormente constituiu advogado (procuração à fl. 419), ficando prejudicado o requerimento inicial.

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3. A defesa técnica alegou, em síntese, que o Reino dos Países Baixos agiu de forma desrespeitosa com esta Corte ao permitir o transcurso de prazo exces-sivo entre o recebimento da Carta Rogatória e o envio da tradução do interro-gatório do extraditando e que o processo a respeito dos fatos novos estaria em desenvolvimento em seu País, sem a autorização do Su premo Tribunal Federal. Requereu a não-concessão de novo prazo para a juntada da tradução do interro-gatório e a prejudicialidade do pedido de extensão (fls. 414/418).

4. A Pro cura doria-Geral da República manifesta-se no sentido do deferi-mento da extensão (fls. 439/441).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): O Governo requerente prestou escla-recimentos a respeito do trâmite processual nos Países Baixos, afirmando que o Réu não foi citado nem detido preventivamente pelos fatos concernentes ao pedido de extensão (fls. 427/430). Colhe-se da manifestação da Promotoria do Ministério Público de Haia que o extraditado apenas foi notificado de que seria processado pelos fatos descritos no pedido de extensão.

2. Improcedente, portanto, a afirmação de que o País requerente não esta-ria respeitando esta Corte.

3. O pedido adicional está formalizado com os documentos relacionados no art. 80 do Estatuto do Estrangeiro, devidamente traduzidos para o vernáculo, com indicações precisas de local, data, natureza e circunstâncias dos fatos deli-tuosos (fls. 199/235).

4. Os autos estão instruídos com os textos legais referentes aos crimes e aos prazos prescricionais (fls. 251 e 275).

5. Não há prescrição, porquanto os quatro crimes de estupro e um de agressão sexual (atentado violento ao pudor, no Código Penal Brasileiro) foram praticados entre os anos de 2002 e 2006. Segundo nossa legislação e a legislação dos Países Baixos, esses delitos prescrevem em 16 (dezesseis) e 20 (vinte) anos, respectivamente.

6. A defesa do Extraditando peticionou, em 8 de agosto passado, reque-rendo a juntada de documentos visando a demonstrar que o Estado requerente estaria processando o Extraditando por fatos ocorridos anteriormente ao defe-rimento da extradição e, portanto, não autorizados pela decisão desta Corte. Instada à nova manifestação, o Ministério Público Federal refutou convincente-mente a alegação da defesa, nos seguintes termos (fls. 591/592):

[...]2. O Governo do Reino dos Países Baixos formulou, por meio da Nota

Verbal nº 107, de 6 de setembro de 2006, pedido de extensão à Extradição nº 1.052, do seu nacional Johhan-Frederik Stellingwerf pela prática de crimes de estupro e de agressão sexual (fls. 198 e ss.).

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3. O Ministério Público Federal manifestou-se favoravelmente ao deferi-mento do pedido (fls. 439/441).

4. O extraditando, ao seu turno, apresentou documentação complementar, e argumentou que o Estado Requerente teria violado o art. 91, I da Lei nº 6.815/80, pois estaria sendo processado por infrações penais anteriores que não foram auto-rizadas pelo ato extradicional (fls. 465/538 e 542/589).

5. Não assiste razão ao extraditando.6. A jurisprudência dessa Corte tem entendido que a norma inserida no

art. 91, I da Lei nº 6.815/801 (princípio da especialidade) deve ser interpretada de modo a não impedir que o Estado requerente solicite a extensão da extradição para abarcar delito diverso, anteriormente cometido, mas que só fora posteriormente apurado pela justiça estrangeira2, exatamente como na hipótese dos autos.

7. Conforme se depreende do pedido de extensão, os fatos criminosos 4 e 5 ocorreram antes da formalização do pedido de prisão preventiva para extradição (Nota Verbal 107/2006), mais precisamente na Páscoa de 2005 e na primavera de 2002, respectivamente (fls. 242).

8. Entretanto, as vítimas “Marit de Jong” e “S. Albinus” somente denun-ciaram os estupros cometidos por Johan-Frederik Stellingwerf em 24 de abril de 2006 e em 11 de julho de 2006 (fls. 506/513 e 525/530), ou seja, após a expedição do Mandado de Detenção Européia pelo Ministério Público Holandês em 7 de abril de 2006 (fls. 22/25 da PPE nº 562).

9. Por fim, segundo se depreende das fls. 489, ao contrário do que afirma o extraditando, o Tribunal de Haia entendeu como inadmissível a promoção da ação judiciária quanto aos fatos 6 e 7 e não quanto aos fatos 4 e 5.

10. Ante o exposto, considerando que os documentos juntados pela defesa do extraditando não alteraram o quadro fático já delineado nos autos, o Ministério Público Federal mantém o entendimento expresso no parecer de fls. 439/441, favo-rável ao deferimento do pedido de extensão.

Defiro o pedido de extensão na Ext 1.052-2.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, também, em satisfação à sus-tentação da tribuna, consigno que não há a preclusão consumativa quando for-malizado o pedido de extradição, tendo em conta certos delitos, e não se veicula pleito quanto a cometimentos já existentes à época, anteriores, portanto, a esse pedido. É sempre possível caminhar-se para a extensão.

Relativamente ao fato de se ter começado a persecução criminal sem a for-malização da extradição, apontou-se, mesmo da tribuna, que o Tribunal de ori-gem declarou insubsistente essa persecução. De qualquer modo, há, por parte do Governo do Reino dos Países Baixos, a demonstração inequívoca de respeito a este Tribunal, à decisão que proferiu, no que veio a formular este pedido de extensão.

Acompanho o Relator, deferindo-o.1 “Art. 91. Não será efetivada a entrega sem que o Estado Requerente assuma o compromisso:

I – de não ser o extraditando preso nem processado por fatos anteriores ao pedido.”2 Ext 814-QO. Rel. Min. Moreira Alves. DJ de 14-12-01; Ext 646. Rel. Min. Maurício Corrêa. DJ de 2-10-98; Ext 787. Rel. Min. Eros Grau. DJ de 28-4-06.

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VOTO

O Sr. Ministro Celso de Mello: Trata-se de extradição supletiva promo-vida pelo Governo do Reino dos Países Baixos, que pretende obter, do Governo brasileiro, consentimento para instaurar nova persecução penal contra o súdito estrangeiro em questão, com fundamento em outros fatos delituosos, que, em-bora anteriores ao pedido original de extradição, neste deixaram de ser incluí-dos pelo Estado requerente.

O Estatuto do Estrangeiro, ao consagrar o princípio da especialidade (art. 91, I) – que constitui postulado fundamental na regência do instituto da extradição –, permite que a pessoa já extraditada venha a sofrer persecução estatal ou punição penal por qualquer delito praticado antes da extradição e diverso daquele que motivou o pedido extradicional, desde que o Estado reque-rido (o Brasil, no caso) expressamente o autorize.

O Plenário do Su premo Tribunal Federal, ao dar aplicação ao princípio da especialidade – autorizando, em conseqüência, a utilização do instituto da extradição supletiva – assim se pronunciou sobre o tema em questão:

– A jurisprudência do Su premo Tribunal Federal, a partir da interpreta-ção da norma inscrita no art. 91, I, do Estatuto do Estrangeiro, tem reconhecido a possibilidade jurídica de qualquer Estado estrangeiro requerer a extensão da extradição a delitos que, anteriores ao pedido que a motivou, não foram incluí-dos na postulação extradicional originariamente deduzida. Precedentes.

– A pessoa extraditada pelo Governo brasileiro não poderá ser proces-sada, presa ou punida pelo Estado estrangeiro a quem foi entregue, desde que o fato delituoso, não obstante cometido antes do pedido de extradição, revele-se di-verso daquele que motivou o deferimento da postulação extradicional originária, salvo se o Brasil – apreciando pedido de extensão que lhe foi dirigido –, com este expressamente concordar. Inteligência do art. 91, I, do Estatuto do Estrangeiro, que consagra o princípio da especialidade ou do efeito limitativo da extradição.

– O princípio da especialidade – que não se reveste de caráter absoluto – somente atuará como obstáculo jurídico ao atendimento do pedido de extensão extradicional, quando este, formulado com evidente desrespeito ao postulado da boa-fé que deve informar o comportamento dos Estados soberanos em suas recíprocas relações no plano da Sociedade internacional, veicular pretensões estatais eventualmente destituídas de legitimidade.

O postulado da especialidade, precisamente em função das razões de or-dem político-jurídica que justificam a sua formulação e previsão em textos nor-mativos, assume inegável sentido tutelar, pois destina-se a proteger, na concreção do seu alcance, o súdito estrangeiro contra a instauração de persecuções penais eventualmente arbitrárias. Convenção Européia Sobre Extradição (art. 14) (...).(RTJ 165/447-448, Rel. Min. CELSO DE MELLO.)

Na realidade, a jurisprudência do Su premo Tribunal Federal, interpre-tando o alcance da norma inscrita no art. 91, I, da Lei 6.815/80 – que acolhe, em nosso sistema de direito positivo, como garantia indisponível do súdito estran-geiro, o princípio da especialidade –, tem admitido, desde que observado o “due

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process of law”, a utilização do instituto da extradição supletiva (RTJ 115/529, Rel. Min. OSCAR CORRÊA – RTJ 136/504, Rel. Min. FRANCISCO REZEK – RTJ 144/121, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI – RTJ 168/48, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA), legitimando, desse modo, a possibilidade de extensão ou de ampliação do ato extradicional a fatos delituosos anteriores e diversos daqueles que justificaram a formulação do pedido original de extradição, como salientado no julgamento da Ext 462-QO/República Italiana:

Extradição. Pedido de extensão. Questão de ordem.O princípio da especialidade que é adotado no art. 91, I, da Lei 6.815/80

não impede que o Estado requerente de extradição já concedida solicite sua ex-tensão para abranger delito diverso, anteriormente cometido.

Questão de ordem que se resolve pela rejeição da preliminar de não-co-nhecimento do pedido de extensão, o qual deverá ser processado, sendo interro-gado, no exterior, o extraditado, para, inclusive, se quiser, constituir advogado para defendê-lo no Brasil.(RTJ 131/1053, Rel. Min. MOREIRA ALVES – Grifei.)

Não constitui demasia assinalar que o pedido de extensão da ordem ex-tradicional sujeita-se, ele também, a estrito controle jurisdicional de legalidade a ser efetuado pelo Su premo Tribunal Federal em benefício do súdito estran-geiro, em ordem a protegê-lo, mesmo achando-se sob o domínio territorial de uma soberania alheia, contra procedimentos penais abusivos ou eventuais punições de caráter arbitrário.

Na realidade, e tal como salienta o magistério doutrinário, a garantia jurídica que deriva do princípio da especialidade, ao impor rígido controle sobre a legalidade do pedido de extensão, tem por objetivo essencial evitar que essa prerrogativa “sia in pratica frustrata da postume incolpazioni, per le quali l’estradizione, se richiesta, non sarebbe forse stata concessa”, ao mesmo tempo em que busca “imprimere ai rapporti internazionali la maggiore pre-cisione di contenuto affinchè i diritti e i doveri degli Stati abbiano (...) la base sicura che valga a cementare la loro armonia e li difenda dalle insidie di eventu-ali malintesi” (UGO ALOISI/NICOLA FINI, “Estradizione”, “in” “Novissimo Digesto Italiano”, vol. VI/1007-1028, 1025, UTET, Torino).

Revela-se plenamente legítima, portanto, a formulação de pedido de ex-tensão em sede extradicional, pois – insista-se – essa tem sido a orientação que o Su premo Tribunal Federal firmou na matéria:

EXTRADIÇÃO SUPLETIVA. POSSIBILIDADE JURÍDICA. PRINCÍ-PIO DA ESPECIALIDADE. CARÁTER RELATIVO DESSE POSTULADO. ADMISSIBILIDADE DO PEDIDO DE EXTENSÃO EM MATÉRIA EXTRADI-CIONAL. JURISPRUDÊNCIA DO SU PREMO TRIBUNAL FEDERAL.”(Ext 444-extensão/Itália, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJU de 17-2-00.)

Registre-se, finalmente, Senhor Presidente, que o Su premo Tribunal Federal, defrontando-se, ele próprio, com situação que envolvia brasileiro extraditado por outro País, mas aqui processado criminalmente, entendeu

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necessário suspender a tramitação de ação penal originária ajuizada perante esta Suprema Corte, pelo fato de o processo penal aqui em curso não haver sido incluído, pelo Governo brasileiro, no pedido de extradição que dirigiu à República Argentina.

O Plenário desta Suprema Corte, ao resolver tal incidente processual, proferiu decisão que se acha consubstanciada, no ponto, em acórdão assim ementado:

Inquérito. Ação penal originária. 2. Denúncia que envolve, como co-acu-sado por corrupção ativa, brasileiro recentemente extraditado da República Argentina, em razão de fatos diversos dos descritos na denúncia. 3. Tratado de Extradição entre Argentina e Brasil aprovado pelo Decreto Legislativo 85, de 29-9-64, e promulgado pelo Decreto 62.979, de 11-7-68, art. XIV. Em vir-tude desse Tratado, o indivíduo extraditado não poderá ser processado nem julgado por qualquer outra infração cometida anteriormente ao pedido de extradição, salvo se nisso convier o Estado requerido, ou se o próprio indi-víduo, expressa e livremente, quiser ser processado e julgado por outra infra-ção, “ou se, posto em liberdade, permanecer voluntariamente no território do Estado requerente durante mais de trinta dias, contados da data em que tiver sido solto”. 4. Possibilidade de solicitar à República Argentina a extensão da extradição, relativamente aos fatos anteriores, ora objeto da denúncia em exame. 5. Extradição supletiva. Sua admissibilidade. 6. Enquanto não houver o atendimento, pela República Argentina, ao pedido de extensão da extradição, não será possível prosseguir no procedimento criminal contra o referido co-denunciado. (...). 9. Questão de Ordem apresentada pelo Relator que se resolve no sentido de ordenar a suspensão do procedimento criminal, relativamente ao co-denunciado, para que, nos termos do art. XIV do Tratado de Extradição en-tre Argentina e Brasil, sejam adotadas as providencias necessárias em ordem a solicitar à República Argentina a extensão da extradição em apreço, quanto aos fatos constantes da denúncia. (...).(Inq 731-QO/DF, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA – Grifei.)

Sendo assim, Senhor Presidente, e em face das razões expostas, acompa-nho o voto do eminente Relator.

É o meu voto.

EXTRATO DA ATA

Ext 1.052-extensão/Reino dos Países Baixos — Relator: Ministro Eros Grau. Requerente: Governo do Reino dos Países Baixos. Requerido: Johan-Frederik Stellingwerf ou Johan Stellingwerf (Advogado: Luiz Fernando Nacli Bastos).

Decisão: O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, deferiu o pedido de extensão na extradição. Ausentes, justificadamente, o Ministro Joaquim Barbosa e, porque em representação do Tribunal no exterior, o Ministro Ricardo Lewandowski. Falou pelo requerido o Dr. Luiz Fernando Nacli Bastos. Presidiu o julgamento o Ministro Gilmar Mendes.

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Presidência do Ministro Gilmar Mendes. Presentes à sessão os Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Cezar Peluso, Carlos Britto, Eros Grau, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Vice-Pro cura dor-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos.

Brasília, 9 de outubro de 2008 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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INQUÉRITO 1.926 — DF

Relatora: A Sra. Ministra Ellen GracieDenunciante: Ministério Público Federal — Denunciado: Celso Ubirajara

Russomano

Penal e processual penal. Inquérito. Denúncia oferecida. Art. 312, caput, CP. Peculato-desvio. Art. 41, CPP. Indícios de autoria e materialidade delitiva. Tipicidade dos fatos. Presença de justa causa. Recebimento.

1. A questão submetida ao presente julgamento diz respeito à existência de substrato mínimo probatório que autorize a de-flagração da ação penal contra o denunciado, levando em con-sideração o preenchimento dos requisitos do art. 41, do Código de Processo Penal, não incidindo qualquer uma das hipóteses do art. 395, do mesmo diploma legal.

2. De acordo com o direito brasileiro, a denúncia deve con-ter a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstân-cias, a qualificação do acusado (ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo), a classificação do crime e, quando for o caso, o rol de testemunhas (CPP, art. 41). Tais exigências se fun-damentam na necessidade de precisar, com acuidade, os limites da imputação, não apenas autorizando o exercício da ampla defesa, como também viabilizando a aplicação da lei penal pelo órgão julgador.

3. A verificação acerca da narração de fato típico, antiju-rídico e culpável, da inexistência de causa de extinção da pu-nibilidade e da presença das condições exigidas pela lei para o exercício da ação penal (aí incluída a justa causa), revela-se fundamental para o juízo de admissibilidade de deflagração da ação penal, em qualquer hipótese, mas guarda tratamento mais rigoroso em se tratando de crimes de competência originária do Su premo Tribunal Federal.

4. Registro que a denúncia somente pode ser rejeitada quando a imputação se referir a fato atípico certo e delimi-tado, apreciável desde logo, sem necessidade de produção de qualquer meio de prova, eis que o juízo é de cognição imediata, incidente, acerca da correspondência do fato à norma jurídica, partindo-se do pressuposto de sua veracidade, tal como narrado na peça acusatória.

5. A imputação feita na denúncia consiste no suposto des-vio de valores do erário público, na condição de deputado fe-deral, ao indicar e admitir a pessoa de Sandra de Jesus como

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secretária parlamentar no período de junho de 1997 a março de 2001 quando, na realidade, tal pessoa continuou a trabalhar para a sociedade empresária “Night and Day Produções Ltda.”, de ti-tularidade do denunciado, no mesmo período.

6. Houve preenchimento dos requisitos do art. 41, do Có di - go de Processo Penal, havendo justa causa para a deflagração da ação penal, inexistindo qualquer uma das hipóteses que autori-zariam a rejeição da denúncia (CPP, art. 395).

7. Há substrato fático-probatório suficiente para o início e desenvolvimento da ação penal pública de forma legítima.

8. Denúncia recebida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Su-premo Tribunal Federal, em sessão plenária, na conformidade da ata do julga-mento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, receber a denúncia, nos termos do voto da Relatora.

Brasília, 9 de outubro de 2008 — Ellen Gracie, Relatora.

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Ellen Gracie: 1. Trata-se de denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal contra Celso Ubirajara Russomanno, Deputado Federal, imputando-lhe a prática do tipo penal previsto no art. 312, caput, do Código Penal brasileiro, na modalidade de peculato-desvio.

Narra o Senhor Pro cura dor-Geral da República que foi instaurado inqué-rito a partir de procedimento administrativo-criminal baseado em notícia apre-sentada pela juíza do trabalho da 41ª Junta de Conciliação e Julgamento de São Paulo. Por força do incidente de falsidade instaurado no curso de reclamação trabalhista, Sandra de Jesus, em depoimento judicial, declarou haver prestado serviços à empresa “Night and Day Promoções Ltda”, de titularidade do de-nunciado, tendo sido registrada, no entanto, como funcionária da Câmara dos Deputados, órgão responsável pelo pagamento de seus salários.

Observa que Sandra de Jesus prestava serviços tanto para a empresa “Night and Day Promoções Ltda”, do denunciado, quanto para o escritório po-lítico dele, sendo remunerada exclusivamente com valores do erário. Afirma que o deputado federal, ao passar por dificuldades financeiras na gestão de sua empresa em 1997, nomeou Sandra de Jesus como secretária parlamentar em seu gabinete para que, como funcionária de confiança, continuasse realizando os mesmos serviços, sendo remunerada pela Câmara dos Deputados.

Assim, imputa ao denunciado a utilização de recursos públicos para remu-nerar atividades exercidas por funcionário de sua empresa privada, desviando a

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verba destinada ao gabinete da Câmara dos Deputados, de que tinha a posse em razão do cargo, para pagamento de serviços particulares.

2. A denúncia foi instruída com o procedimento administrativo tombado sob o n. 1.34.001.004341/2001-08, iniciado a partir do ofício 1.606/01, da juíza do trabalho da 41ª Vara do Trabalho de São Paulo (fl. 12), que encaminhou cópia de peças do incidente de falsidade (fls. 13/16). Consta, ainda, do procedimento administrativo manifestação do denunciado (fls. 25/27).

Foi ouvida, inicialmente, a testemunha Sandra de Jesus (fls. 53/56), além de haver sido colhido depoimento de outras testemunhas (fls. 86/87, 339/341, 343/351 e 373/374). Há documentos apresentados nos autos referentes aos reci-bos de pagamento de salário de Sandra de Jesus na empresa e de sua remunera-ção na Câmara dos Deputados, além de cópia do livro de registro de empregados da empresa. O delegado de polícia federal apresentou relatório das investigações (fls. 387/389), tendo posteriormente sido apresentado laudo de exame documen-toscópico (fls. 478/479).

O denunciado Celso Ubirajara Russomanno prestou declarações à autori-dade policial (fl. 425).

3. Regularmente notificado, o denunciado Celso Ubirajara Russomanno apresentou resposta escrita (fls. 511/524), argumentando que os fatos narrados não configuram a existência de qualquer delito, especialmente contra a admi-nistração pública. Reconhece que as premissas fáticas são verdadeiras, mas a conclusão do Ministério Público não retrata a realidade.

Informa que desde 1990 possui programa de televisão destinado ao consu-midor, razão pela qual constituiu a empresa “Night and Day Promoções Ltda” para atividades de criação e produção de seu projeto televisivo. Posteriormente, elegeu-se deputado federal com a bandeira da “defesa do consumidor” e, em 1995 fundou o Instituto Nacional de Defesa do Consumidor (INADEC), que atende gratuitamente os consumidores lesados.

Esclarece que, em razão de todas suas atividades, o denunciado instalou o Inadec no mesmo local da empresa “Night and Day Promoções Ltda”, que também passou a ser seu escritório político em São Paulo. Todos os gastos rea-lizados em razão do Inadec, da empresa e do escritório político sempre foram arcados pelo denunciado. Seu escritório político foi estabelecido naquele local porque, até o mês de abril de 2001, os deputados federais não dispunham de verba específica para locação de imóveis destinados à representação política em seus Estados: “por isso, seus funcionários acabavam trabalhando nas de-pendências onde os deputados exerciam suas atividades profissionais privadas, o que, muitas vezes, acaba por confundir os funcionários parlamentares com os demais”.

Afirma que Sandra de Jesus trabalhou na empresa até meados de 1997, tendo sido demitida em junho, ocasião em que foi indicada para exercer a fun-ção de secretária parlamentar, especialmente em virtude de ser uma excelente profissional e pessoa de confiança do denunciado. Contudo, todas as atividades

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do denunciado sempre tiveram um só destinatário, a saber, o consumidor, o que justifica a confusão dos trabalhos realizados pelos funcionários no local. Argumenta que, se a funcionária Sandra, após sua demissão na empresa, conti-nuou a auxiliar o denunciado em algumas tarefas específicas de atendimento aos consumidores em geral, não significa que ela não fosse secretária parlamentar, tampouco que não exercesse atividades inerentes à sua função pública.

Não houve prova de que Sandra não tenha efetivamente trabalhado no escritório político do denunciado. Não houve oitiva de outro funcionário do de-nunciado que trabalhava também como secretário parlamentar que, caso tivesse sido ouvido, poderia confirmar as atividades de Sandra.

Observa que somente poder-se-ia cogitar de peculato-desvio se a funcio-nária Sandra, além de trabalhar na empresa privada do denunciado (sem remu-neração), não trabalhasse no escritório político do denunciado (e, mesmo assim, recebesse o salário pela Câmara dos Deputados). Afirma que isto não ocorreu, não havendo prova de que Sandra fosse preposta da empresa, ou que possuísse poderes para representar o denunciado.

Acrescenta, ainda, que não houve qualquer desvio de dinheiro público pelo denunciado para remunerar algum funcionário de sua empresa privada. Não houve a configuração de qualquer ato por parte do denunciado no sentido de macular sua fidelidade em relação à administração pública.

Conclui, assim, no sentido da ausência de justa causa para o recebimento da denúncia, motivo pelo qual deve ela ser rejeitada. Requer seja rejeitada a de-núncia nos termos do art. 43, I, do Código de Processo Penal, hoje art. 395, na redação da Lei 11.719/08.

4. Manifestação da Pro cura doria-Geral da República no sentido da reitera-ção do requerimento de recebimento da denúncia (fls. 534/536).

É o relatório.

VOTO

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): 1. A questão submetida ao pre-sente julgamento diz respeito à existência de substrato mínimo probatório que autorize a deflagração da ação penal contra o denunciado, levando em conside-ração o preenchimento dos requisitos do art. 41, do Código de Processo Penal, não incidindo qualquer uma das hipóteses do art. 43, hoje art. 395, na redação da Lei 11.719/08.

De acordo com o direito brasileiro, a denúncia deve conter a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado (ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo), a classificação do crime e, quando for o caso, o rol de testemunhas (CPP, art. 41). Tais exigências se funda-mentam na necessidade de precisar, com acuidade, os limites da imputação, não apenas autorizando o exercício da ampla defesa, como também viabilizando a aplicação da lei penal pelo órgão julgador.

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2. A verificação acerca da narração de fato típico, antijurídico e culpável, da inexistência de causa de extinção da punibilidade e da presença das condi-ções exigidas pela lei para o exercício da ação penal (aí incluída a justa causa), revela-se fundamental para o juízo de admissibilidade de deflagração da ação penal, em qualquer hipótese, mas guarda tratamento mais rigoroso em se tra-tando de crimes de competência originária do Su premo Tribunal Federal.

Registro que a denúncia somente pode ser rejeitada quando a imputação se referir a fato atípico certo e delimitado, apreciável desde logo, sem neces-sidade de produção de qualquer meio de prova, eis que o juízo é de cognição imediata, incidente, acerca da correspondência do fato à norma jurídica, par-tindo-se do pressuposto de sua veracidade, tal como narrado na peça acusa-tória (OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 4. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. p. 138).

3. Na data do dia 1º de outubro, p.p., recebi memorial apresentado pelo denunciado com argüição de questão não suscitada na defesa escrita. Trata-se de alegação de atipicidade da conduta imputada ao acusado, eis que o acusado “teria se beneficiado do trabalho de funcionário público, para fins particulares”.

Com efeito, a imputação contida na denúncia diz respeito ao desvio de va-lores do erário público, ao admitir e manter determinada pessoa como assessora parlamentar, quando de fato tal pessoa exercia atividades laborativas para socie-dade empresária titularizada pelo denunciado. Na realidade, a conduta narrada consistiu no desvio de valores pecuniários (dinheiro) de que o denunciado tinha a posse em proveito alheio (da pessoa que passou a ocupar, formalmente, as fun-ções de assessora parlamentar).

Desse modo, rejeito a argüição de atipicidade da conduta, sendo equivo-cado o raciocínio segundo o qual seria a prestação de serviço o objeto material da conduta do denunciado. Na realidade, o objeto material da conduta narrada foram os valores pecuniários (dinheiro referente à remuneração de pessoa como assessora parlamentar).

4. De maneira a pontuar a imputação feita pelo Pro cura dor-Geral da República contra o denunciado Celso Ubirajara Russomanno, é oportuno, inicialmente, indicar os elementos indiciários arrecadados durante as investi-gações a respeito dos fatos descritos na denúncia. Após, analisarei se tais ele-mentos apresentam substrato mínimo que leve à sustentação da descrição dos fatos, tal como feita na denúncia.

A imputação feita na denúncia consiste no suposto desvio de valores do erário público, na condição de deputado federal, ao indicar e admitir a pessoa de Sandra de Jesus como secretária parlamentar no período de junho de 1997 a março de 2001, quando, na realidade, tal pessoa continuou a trabalhar para a sociedade empresária “Night and Day Produções Ltda”, de titularidade do de-nunciado, no mesmo período.

5. Observo que toda a investigação realizada se originou da apuração feita pela juíza de trabalho da 41ª Vara do Trabalho de São Paulo, que foi retratada

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na decisão do incidente de falsidade documental, argüido pela Reclamada. Aproveito para transcrever trecho da decisão datada de 8 de novembro de 2001 (fls. 13/14):

Vistos, etc.Incidente de falsidade argüido pela ré às fls. 24, sob a alegação de que a

assinatura que consta do documento de fls. 11 foi firmada por ex-empregada da ré, dispensada em 20/5/97, sendo certo que à época da declaração firmada, já não mais detinha poderes para fazê-lo.

Manifestação do reclamante às fls. 122/126.Determinada a realização de audiência para dirimir a controvérsia em rela-

ção ao incidente de falsidade (fls. 130).Ouvida testemunha do Juízo Sandra de Jesus Bernardo Nogueira.É o relatório.Decide-seInexiste qualquer controvérsia em relação à autoria da subscrição do do-

cumen to de fls. 11, quer seja, foi firmado efetivamente por Sandra de Jesus Bernardo Nogueira, que compareceu como testemunha do Juízo conforme termo de audiência de fls. 141.

A testemunha ouvida ratifica a assinatura daquele termo, asseverando que de fato foi injustamente dispensada em meados de 1997, permanecendo, no en-tanto, à frente dos negócios da ré, pois é “pessoa de confiança do proprietário”, deputado federal Celso Ubirajara Russomano.

Afirma mais, que a empresa passava por dificuldades financeiras e que sua transferência como “funcionária da Câmara dos Deputados” se deu tão somente por tais razões, já que permaneceu à frente dos negócios, executando as mesmas tarefas que já vinha desenvolvendo. E não é só, que os salários passaram a ser pa-gos pela Câmara dos Deputados.

Duas situações se colocam à vista do depoimento prestado: primeira – o documento de fls. 11 não padece de qualquer vício, foi reconhecida sua autentici-dade, inclusive ratificado em Juízo pela gerente da empresa demandada. Logo, o incidente de falsidade é rejeitado pelo Juízo, devendo o documento permanecer nos autos como prova hábil para o deslinde da controvérsia.

A segunda situação revelada pela testemunha é que a empresa se vale dos recursos públicos para gerir suas próprias atividades, inclusive quanto à remune-ração dos empregados.

Tudo parece bastante grave, já que infelizmente, em nossa cultura, o pa-trimônio público se confunde com o patrimônio privado, como se os represen-tantes do povo pudessem se utilizar da máquina do Estado em benefício próprio, sem que temam qualquer sanção. Com esta situação a Justiça não pode pactuar, determinando-se, neste ato que sejam extraídas cópias desta decisão, bem como do depoimento citado para encaminhamento à Corregedoria da Câmara dos Deputados/Brasília-DF e para o Ministério Público Federal, para as providências que entenderem cabíveis.

A cópia do depoimento da testemunha Sandra de Jesus, prestado perante a juíza do trabalho, confirma que, apesar de haver sido formalmente demitida da empresa, “que passava por um momento difícil”, Sandra continuou atuando como pessoa de confiança do denunciado na gestão da empresa, firmando

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documentos, contratos, rescisões de contrato de trabalho, entre outras medidas (fls. 15/16). Ao ser ouvida perante a autoridade policial, Sandra de Jesus confir-mou, parcialmente, o depoimento judicial prestado anteriormente, ao esclarecer que, depois de ter sido demitida da empresa, prestou “apenas alguns serviços esporádicos que se fizessem necessários” em horário diverso de seu trabalho junto ao escritório político do denunciado (fls. 53/56).

6. A prova testemunhal colhida, durante as investigações, dá conta da efetiva continuidade de atividades laborais e gerenciais de Sandra de Jesus na sociedade empresária “Night and Day Produções Ltda”, inclusive no período posterior à instalação do escritório político do denunciado no mesmo endereço da empresa. A esse respeito, trago à colação trechos de alguns depoimentos prestados no inquérito:

“(...) durante todo o período em que trabalhou na produtora afirmou catego-ricamente que Sandra nunca deixou de exercer as funções de gerente administra-tiva, nem mesmo depois que foi instalado no mesmo imóvel o escritório político do Deputado Federal Celso Russomano; que no imóvel em comento havia uma edificação principal, em cujo porão foi instalada a denominada ‘ilha de produção’ na qual eram guardados os equipamentos, e uma edícula nos fundos onde ficava o escritório responsável pela administração da empresa Night and Day, na qual laborava Sandra; que depois da instalação do escritório político, a Night and Day passou a ocupar somente o porão da edificação principal e a edícula nos fundos, sendo o restante das dependências do imóvel ocupado pelo escritório político; que a recepção do escritório político ficava na porta de entrada da edificação princi-pal, mas Sandra sempre trabalhou na edícula; (...); que por derradeiro gostaria de acrescentar que Sandra foi a responsável por regularizar a sua demissão no ano de 2000, conforme se colhe de fls. 13 da CTPS, cuja cópia o depoente junta esponta-neamente neste momento” (Samuel Pereira de Sousa, fls. 339/340)

“que durante todo o período em que trabalhou na empresa aludida a funcio-nária Sandra sempre exerceu as funções de gerente administrativa, cabendo-lhe as funções afetas a pagamentos de funcionários referentes a salário, vale-trans-porte, vale alimentação, férias, bem como compras de insumos, produtos de lim-peza, material de manutenção e afins: (...) que o prédio dos fundos era formado por dois pavimentos: o térreo no qual eram realizadas as reuniões sobre as matérias (...) e o andar superior no qual havia dois escritórios, um destinado a Sandra e outro a apresentadora Flávia Maria Dias Mandetta; que Sandra sempre laborou no mesmo prédio dos fundos exercendo as mesmas funções, mesmo após junho de 1997; que quando foi demitido em 05/12/1997 esclareceu que Sandra realizou o pagamento das verbas rescisórias; (...)” (Abraão Castro da Silva, fls. 343/344).

“(...) que durante os dois períodos em que trabalhou na empresa aludida a funcionária Sandra sempre exerceu as funções administrativas, cabendo-lhes as atribuições afetas à admissão e demissão dos funcionários no que tange aos registros da documentação pertinente, bem como compras de insumos, material de manutenção e afins; (...) que a edícula era formada por dois pavimentos sendo que no andar superior localizava-se a sala de Sandra; que Sandra sempre laborou no prédio dos fundos exercendo as mesmas funções, mesmo durante o segundo período em que a depoente foi contratada, qual seja, 02/05/1998 até 15/06/1999; que nas duas vezes em que foi demitida declarou que Sandra intermediou o proce-dimento” (Silmara Roberta Balhes Broietti, fls. 345/346).

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“que durante todo o período em que trabalhou na empresa aludida a funcio-nária Sandra sempre exerceu as funções de gerente administrativa, cabendo-lhe as atribuições afetas à admissão e demissão de funcionários no que tange aos registros da documentação pertinente, férias, adiantamentos salariais, bem como compra de insumos, material de manutenção e afins; que aduziu que Sandra foi responsável pela entrevista de admissão da depoente, bem como conduziu o pro-cedimento de demissão; (...); que Sandra laborou no prédio dos fundos exercendo as mesmas funções durante todo o período em que a depoente esteve empregada na produtora; (...) (Virginia Cristina Alves Pires, fls. 347/348).

Dos depoimentos colhidos – ainda há outros no mesmo sentido –, ob-serva-se que, de fato, Sandra de Jesus nunca deixou de desempenhar atividades relacionadas à gestão e administração da sociedade empresária “Night and Day Produções Ltda”, mesmo após ter sido nomeada secretária parlamentar do denunciado no período de 1997 a 2001 (fls. 143, 144, 146/148). Durante o pe-río do referido, Sandra de Jesus percebeu remuneração exclusivamente paga pela Câmara dos Deputados (fls. 213/217).

O laudo de exame grafotécnico realizado sobre as assinaturas constantes da carteira de trabalho de Samuel Pereira de Souza – tendo como emprega-dora a empresa “Night and Day Promoções Ltda.” –, confirmou a conclusão da juí za do trabalho no sentido da autenticidade da assinatura de Sandra de Jesus (fls. 478/479).

7. Na resposta escrita, apresentada pelo denunciado, houve reconheci-mento de que, de fato, Sandra de Jesus, mesmo após sua demissão da empresa em 1997, prosseguiu realizando atividades próprias da sociedade empresária. O argumento de que as atividades parlamentares do escritório político, as ativi-dades institucionais do Instituto Nacional de Defesa do Consumidor (INADEC) e as atividades empresariais da “Night and Day Promoções Ltda.” se confun-diam e, por isso, eram realizadas em conjunto pelos funcionários do mesmo local em São Paulo, com efeito, não tem como ser acolhido, ao menos nesta fase de avaliação dos elementos indiciários.

A esse respeito, de certa forma, o denunciado confirma os fatos narrados na denúncia, especialmente quanto à ausência de separação entre o público e o privado nas ações e atividades realizadas pelo denunciado no endereço locali-zado em São Paulo. E, nesse particular, o erário público era quem remunerava a funcionária Sandra de Jesus, que, por sua vez, prosseguia administrando e gerindo a sociedade empresária (pessoa jurídica de direito privado) do denun-ciado, especialmente por se tratar de pessoa de sua mais absoluta confiança, como foi por ele declarado perante a autoridade policial.

8. Da mesma forma, não há elementos que confirmem a alegação de que Sandra de Jesus efetivamente realizasse alguma atividade parlamentar; ao con-trário, as testemunhas inquiridas foram uníssonas no sentido de que as atribui-ções de Sandra de Jesus continuavam a ser as mesmas do período anterior à sua “formal” demissão da empresa, sendo que trabalhava em dependências distintas daquelas onde se localizava o escritório político do denunciado, ainda que no mesmo endereço.

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Há elementos indiciários que dão conta de que o denunciado, ao indicar e manter a indicação de Sandra de Jesus como secretária parlamentar vinculada ao seu gabinete na Câmara dos Deputados, desviou valores pecuniários dos cofres públicos em proveito alheio, permitindo a continuação das atribuições empresariais de Sandra de Jesus, no período de 1997 a 2001, junto à empresa “Night and Day Promoções Ltda.”.

9. Em síntese: foram preenchidos os requisitos do art. 41, do Código de Processo Penal, havendo justa causa para a deflagração da ação penal, inexis-tindo qualquer uma das hipóteses que autorizariam a rejeição da denúncia (CPP, art. 43, hoje art. 395, na redação da Lei 11.719/08).

Observo que a conduta do denunciado foi suficientemente individualizada, ao menos para o fim de se concluir no sentido do juízo positivo de admissibi-lidade da imputação feita na denúncia. Com efeito, ao Paciente é imputado o fato de ter indicado e mantido a indicação de Sandra de Jesus como secretária parlamentar vinculada ao seu gabinete de deputado federal, junto à Câmara dos Deputados, possibilitando o desvio de recursos públicos, eis que a funcionária continuou com as atividades de administração e gestão da sociedade empresária do denunciado em São Paulo.

Eventual “confusão” entre a prática de atividades públicas e privadas pela mesma pessoa poderá ser objeto de melhor investigação ao longo da dilação probatória.

Houve, pois, atendimento às exigências formais e materiais contidas no art. 41, do Código de Processo Penal, havendo perfeita plausibilidade (viabili-dade) na ação penal pública ajuizada pelo órgão do Parquet.

10. Diversamente do que sustenta o denunciado, encontram-se presen-tes todos os pressupostos e condições de procedibilidade para o ajuizamento e prosseguimento da ação penal. A descrição dos fatos cumpriu, rigorosamente, o comando normativo contido no art. 41, do Código de Processo Penal, estabe-lecendo-se a correlação entre sua conduta e a imputação da prática do crime de peculato-desvio (CP, art. 312, caput).

Há substrato fático-probatório suficiente para o início e desenvolvimento da ação penal pública de forma legítima.

11. Ante o exposto, recebo a denúncia oferecida pelo Pro cura dor-Geral da República contra o denunciado Celso Ubirajara Russomanno.

É como voto.

VOTO

O Sr. Ministro Menezes Direito: Eu também estou recebendo a denúncia.A leitura de uma carta, um ofício ou uma informação que foi mandada

pelo Deputado à Pro cura doria-Geral da República, a meu sentir, é suficiente para lastrear a denúncia que foi apresentada pelo Ministério Público.

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Nessa correspondência, o eminente Deputado afirma explicitamente que essa senhora, com efeito, participou de audiência de instrução e julgamento na Justiça do Trabalho e de Conciliação e até mesmo assinou documento relativo à quitação de determinado empregado que entrou com uma ação trabalhista.

E ele mesmo afirma, nesse sentido contraditando o eminente advogado da tribuna, que, de fato:

É verdade também que a nomeação para tal cargo se fez pois, como a Empresa se encontrava sem faturamento, fui obrigado a demiti-la (sic). Por se tra-tar de uma boa profissional e de confiança, não queria perdê-la e a indiquei para exercer a função de Secretária Parlamentar.

Ora, o fato concreto é este: realmente a senhora exercia também funções na empresa privada, e isso é suficiente para configurar os elementos necessários, den-tro da disciplina do Código de Processo Penal, para o recebimento da denúncia.

Acompanho às completas o voto da eminente Relatora.

VOTO

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Senhor Presidente, também li os memo-riais apresentados pela defesa. Louvo o empenho do nobre Advogado, mas te-nho para mim que os elementos oferecidos no processo são suficientes, tal como bem elucidou a eminente Relatora, neste momento, para o recebimento.

Razão pela qual acompanho o voto da eminente Ministra Ellen Gracie.

VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhor Presidente, penso que, no caso, a su-cessão dos fatos faz toda a diferença.

Na verdade, o uso por funcionário público da atividade de outro funcio-nário público em proveito próprio é realmente atípico em relação ao art. 312, caput. Mas aqui o fato é diferente: ela era empregada e, depois de uma aparente demissão, continuou sendo empregada e foi contratada pela Câmara para efeito de desviar o dinheiro do erário para pagamento da relação de emprego.

É exatamente aqui o objeto do peculato, o valor pago a título de contra-prestação da atividade particular da relação de emprego.

Recebo a denúncia.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, o precedente mostra-se impor-tantíssimo, porque há na Câmara dos Deputados quinhentos e treze deputados. E todos nós sabemos que o secretário parlamentar presta serviços que não ocor-rem mediante a fiscalização direta da Casa, ou seja, da Câmara dos Deputados.

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Sabemos que se trata de um prestador de serviço que não é concursado, é arre-gimentado diretamente pelo parlamentar.

A par desses aspectos, deve-se registrar que esses secretários parlamenta-res podem atuar no recinto da Câmara dos Deputados e também na base. Isso é fato incontroverso, notório.

O que houve na espécie? Até estaria a imaginar a beneficiária da arregi-mentação como co-ré na persecução criminal, levando em conta que se teria fa-vorecido do que não se enquadra sequer como crime. A prestadora dos serviços foi contratada para perceber quantitativo a ser satisfeito não pelo parlamentar, mas pela própria Câmara, mediante documentação existente no setor de pessoal.

Distingo, Presidente, a responsabilidade administrativo-civil da respon-sabilidade penal e, considerado o tipo do art. 312 do Código Penal, o peculato-furto – e aqui seria peculato-apropriação de serviços –, tem-se a impossibilidade, a meu ver, de concluir que os fatos narrados na denúncia são típicos, a menos que admitamos um conceito abrangente – e não podemos fazê-lo porque o conceito utilizado pelo Código Penal, presente esse vocábulo, é o conceito civilista de coisa móvel. A rigor, a rigor – não quero saber se o Deputado claudicou ou não na arte de proceder, mas, se o fez, claudicou tendo em conta a possibilidade de glosa em outro campo, como disse, o administrativo-civil –, entender-se-á compreen-dido no art. 312 do Código Penal o que a doutrina, de forma uníssona, aponta que não pode ser compreendido, ou seja, o enquadramento como coisa móvel – a expressão é essa para chegar-se ao peculato mediante a apropriação – de serviços.

Não conheço um doutrinador que afirme que, para efeitos penais, a ex-pressão “coisa móvel” do artigo em comento alcance a prestação de serviços, desviando-se mão-de-obra pública para atender a interesses particulares.

Tudo surgiu porque a beneficiária teria subscrito declaração para, no caso, favorecer cidadão que ingressara em juízo contra a empresa. A Colega da Jus-tiça do Trabalho vislumbrou, nos depoimentos colhidos no processo trabalhista, a possibilidade de existência de crime e desse crime, que é gravíssimo, que inclusive há de contar com o elemento subjetivo, o dolo, a vontade consciente.

Presidente, o Deputado não recebeu valores e os desviou. O Deputado te-ria indicado a pessoa para ser contratada como secretária parlamentar. Se houve o desvio de finalidade quanto à prestação dos serviços, esse desvio, a meu ver, resolve-se em campo diverso do penal.

Não tenho como, diante da narração dos fatos – procedi à leitura da longa inicial que contém inúmeras transcrições de depoimentos colhidos num pro-cesso trabalhista –, enquadrar a historinha versada pelo Ministério Público como a retratar o crime de peculato.

Por isso, peço vênia à Relatora para não receber a denúncia.

VOTO

O Sr. Ministro Celso de Mello: Tenho para mim, Senhor Presidente, com toda vênia, e na linha do voto do eminente Ministro MARCO AURÉLIO, que

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a conduta imputada ao ora denunciado, tal como descrita na peça acusatória, não se reveste de tipicidade penal.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: V. Exa. me permite?O Sr. Ministro Celso de Mello: Pois não. Ouço-o com grande prazer.O Sr. Ministro Cezar Peluso: Eu também fui assaltado por essa dúvida, e

até tendia a rejeitar a denúncia por atipicidade, não fosse particularidade da his-tória factual, que é incontroversa. Estou de acordo com tudo que foi exposto por V. Exa. e pelo eminente Ministro Marco Aurélio, no sentido de que realmente o uso, por funcionário público, da atividade de outro funcionário público, em proveito próprio, o chamado peculato de uso, não constitui a figura típica do art. 212, parágrafo único. Mas não foi o que sucedeu no caso.

Eu rejeitaria a denúncia se a Sandra fosse funcionária pública, e, nessa condição, fosse desviada para prestar atividades particulares para o deputado. Em outras palavras, ela seria funcionária pública, mas, em vez de prestar ser-viço para a Câmara dos Deputados, foi levada a São Paulo para prestar serviço ao deputado. Nesse caso não teria dúvida quanto à atipicidade. Deu-se, aqui, o contrário. Ela era empregada dele e não funcionária pública. O que se urdiu, segundo a narração da denúncia, e, portanto, em termos de provisoriedade? Urdiu-se falsa rescisão do contrato de trabalho, em seguida a indicação para a nomeação como funcionária pública, para que efeito? Para o efeito de, em lugar de pagar do bolso dele a remuneração à Sandra, fazê-lo por via da contra-prestação que, na condição superveniente de funcionária pública, a Câmara de Deputados lhe pagava.

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): Transferência do ônus, paga-mento de salário.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Em outras palavras, houve expediente frau-dulento na indicação e nomeação como funcionário público, não para desviar a atividade do funcionário, mas para não ser funcionário público. A aparência de funcionário público foi usada para efeito de apropriar-se em benefício próprio. Por quê? Porque era o dinheiro que deveria sair do patrimônio do denunciado, para custear a relação particular de emprego que mantinha e continuava man-tendo com ela. Noutras palavras, não se tratou de usar atividade de funcionário público em proveito próprio; tratou-se, sim, de fingir, afetar condição de funcio-nário público em proveito próprio.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Pensei até em tipificar a conduta como este-lionato, o art. 171, § 3º.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Aliás, é por isso que não me pareceu feliz a transcrição do memorial do escólio de Nelson Hungria, que deixa muito claro o seguinte:

Não é coisa, porém, a prestação de serviços (como no caso em que o fun-cionário se utiliza da atividade de alguém a serviço da Administração Pública, desde que não importe alguma obrigação particular de pagamento a cargo da

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administração, pois, em tal caso, o objeto material da apropriação não é precisa-mente o serviço prestado ao agente, mas o desvio do respectivo preço.

Foi exatamente o que se deu.O Sr. Ministro Carlos Britto: Como desvio se torna peculato. Acho que

está na denúncia assim peculato-desvio. O meu raciocínio também foi esse.O Sr. Ministro Cezar Peluso: Desviou o que seria pago a alguém que fosse

verdadeiramente funcionário público.O Sr. Ministro Carlos Britto: De fato, o objeto da apropriação não é exata-

mente o serviço da servidora.O Sr. Ministro Eros Grau: É o valor com o qual ele paga.O Sr. Ministro Cezar Peluso: Porque servidora ela não era. Por isso que

a hipótese a mim me parece diferente, com o devido respeito. Se fosse, por exemplo, caso de tomar servidora pública da Câmara, levar para o domicílio eleitoral do deputado e lá passar a prestar-lhe serviços particulares, a mim me pareceria atípica a conduta. Não foi, porém, o que sucedeu. Ela era e continua a ser empregada; a rescisão do contrato de trabalho foi falsa. É isso que foi reco-nhecido, tanto que a reclamatória foi julgada procedente. A rescisão foi o meio encontrado para justificar a aparência da nomeação de uma funcionária pública. A indicação foi feita como funcionária pública para que fim? Para manter a re-lação pessoal de emprego, agora pago com o dinheiro público, saído a título de remuneração daquela que aparecia como secretária parlamentar.

O Sr. Ministro Carlos Britto: E se a moda pega, que perigo!O Sr. Ministro Marco Aurélio: A reclamação trabalhista não a envolveu

como reclamante.A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): Ela firmou a rescisão nesta recla-

matória e a firma foi impugnada.O Sr. Ministro Marco Aurélio: O reclamante seria o Samuel.O Sr. Ministro Cezar Peluso: Se V. Exa. me permite, está aqui:Decisão da lavra da juíza e diz assim, textualmente: “E não é só que os

salários passaram [olha bem o verbo] a ser pagos pela Câmara dos Deputados.”Não se trata de ter usado o funcionário público em atividade particular,

mas de usar a Câmara dos Deputados como meio para pagar o salário de empre-gado particular.

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): Ministro Peluzo, na realidade, essa relação de trabalho se perpetuou. Era a mesma relação de trabalho, só mu-dou o pagador.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sim, exatamente. Em outras palavras, o di-nheiro da contraprestação da relação de emprego deixou de sair do patrimônio dele e passou a sair do patrimônio público.

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O Sr. Ministro Eros Grau: Se V. Exa. me permitir, o que me levou a acom-panhar o Relator foi exatamente isso. Houve o peculato nessa apropriação de recurso público. Para mim é claro isso.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Perdão! Eu estava com essa dúvida.O Sr. Ministro Celso de Mello: Não obstante todas as doutas pondera-

ções feitas pelos eminentes Senhores Ministros, tenho para mim, na linha de convincente magistério doutrinário (CELSO DELMANTO, ROBERTO DELMANTO, ROBERTO DELMANTO JUNIOR e FÁBIO M. DE ALMEIDA DELMANTO, “Código Penal Comentado”, p. 778 e 782, 7ª ed., 2007, Renovar; DAMÁSIO E. DE JESUS, “Direito Penal: Parte Especial”, vol. 4/107, item n. 4, 1988, Saraiva; JULIO FABBRINI MIRABETE e RENATO N. FABBRINI, “Código Penal Interpretado”, p. 2365, item n. 312.2, 6ª ed., 2007, Atlas; MAGALHÃES NORONHA, “Direito Penal”, vol. 4/220, item n. 1.288, 24ª ed., 2003, Saraiva; CEZAR ROBERTO BITENCOURT, “Tratado de Direito Penal: Parte Especial”, vol. 5/13, item n. 5.1, 2007, Saraiva; HELENO CLAUDIO FRAGOSO, “Lições de Direito Penal: Parte Especial”, vol. II/413, item n. 1056, 6ª ed., 1988, Forense, v.g.), que o delito de peculato não se con-figura na hipótese – ocorrente na espécie – em que se dá desvio de mão-de-obra pública, tal como tem sido afirmado pela jurisprudência dos Tribunais (RT 391/102 – RT 506/326 – RT 693/329 – RT 749/669-670, v.g.):

O desvio de mão-de-obra pública não configura o delito do artigo 312 do Código Penal, que tem como pressuposto a apropriação ou o desvio de coisa corpórea. Quanto ao uso indireto do veículo, a lei não prevê o peculato de uso.(Lex JTJ 140/261, Rel. Des. REYNALDO AYROSA – Grifei.)

A conduta ora em exame somente possuirá configuração típica, se se tra-tar de Prefeito Municipal (TITO COSTA, “Responsabilidade de Prefeitos e Vereadores”, p. 49/53, item n. 2.5, 4ª ed., 2002, RT), pois, em relação a este, existe previsão em lei, veiculadora da cláusula de tipificação penal, que torna punível o comportamento do Chefe do Poder Executivo local que se utiliza, “indevidamente, em proveito próprio ou alheio, de bens, rendas ou serviços públicos” (Decreto-lei 201/67, art. 1º, II, “in fine” – Grifei).

Não é, porém, o que se dá em relação aos demais agentes públicos. Incide, por isso mesmo, no caso ora em julgamento, em face da própria Constituição da República (art. 5º, inciso XXXIX), a cláusula de proteção que consagra, entre nós, a função de garantia do tipo penal (RTJ 177/485-488, Rel. Min. CELSO DE MELLO), que proclama não haver crime “sem lei anterior que o defina (...)” (Grifei).

Por tal razão, Senhor Presidente, e com toda vênia, rejeito a denúncia, fazendo-o com apoio no art. 395, inciso III, do Código de Processo Penal, na redação que lhe deu a Lei 11.719/08, por entender que não se reveste de tipici-dade penal o comportamento atribuído ao ora denunciado.

É o meu voto.

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EXTRATO DA ATA

Inq 1.926/DF — Relatora: Ministra Ellen Gracie. Denunciante: Ministério Público Federal. Denunciado: Celso Ubirajara Russomano (Advogados: Raouf Kardous e outros).

Decisão: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto da Relatora, re-cebeu a denúncia, vencidos os Ministros Marco Aurélio e Celso de Mello, que a rejeitavam por entender atípica a conduta imputada ao denunciado. Falaram, pelo Ministério Público Federal, o Vice-Pro cura dor-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos e, pelo acusado, o Dr. Marcelo Leal. Ausentes, justificadamente, o Ministro Joaquim Barbosa e, porque em representação do Tribunal no exterior, o Ministro Ricardo Lewandowski. Presidiu o julgamento o Ministro Gilmar Mendes.

Presidência do Ministro Gilmar Mendes. Presentes à sessão os Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Cezar Peluso, Carlos Britto, Eros Grau, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Vice-Pro cura dor-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos.

Brasília, 9 de outubro de 2008 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.196 — ES

Relator: O Sr. Ministro Gilmar MendesRequerente: Governador do Estado do Espírito Santo — Requerida:

Assembléia Legislativa do Estado do Espírito Santo

Ação direta de inconstitucionalidade contra a Lei estadual 7.738, publicada no Diário Oficial do Estado do Espírito Santo de 6 de abril de 2004. 2. Parcelamento de multas de trânsito. 3. Alegada ofensa à competência privativa da União para legis-lar sobre trânsito e transporte (art. 22, XI, da Constituição). 4. Precedentes: ADI 2.064-MC, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 5-11-99; ADI 2.101, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 5-10-01; ADI 2.582, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 6-6-03; ADI 2.644, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 17-9-03; ADI 2.814, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 5-2-04; ADI 2.432-MC, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ de 21-9-01; ADI 3.444, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 3-2-06; ADI 2.432, Rel. Min. Eros Grau, DJ de 26-8-05. 5. Ação procedente. 6. Declarada a inconstitucionalidade da Lei estadual 7.738, do Espírito Santo.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Su-premo Tribunal Federal, em sessão plenária, na conformidade da ata do julga-mento e das notas taquigráficas, por maioria, julgar procedente a ação direta de inconstitucionalidade, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 21 de junho de 2008 — Gilmar Mendes, Presidente e Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Cuida-se de ação direta de inconstitucio-nalidade, com pedido de medida liminar, proposta pelo Governador do Estado do Espírito Santo, contra a Lei estadual 7.738/04, publicada no Diário Oficial do Estado do Espírito Santo no dia 6 de abril de 2004.

A lei impugnada criou a possibilidade de parcelamento, em até 5 (cinco) vezes, de débitos decorrentes de multas por infrações de trânsito. O teor do ato legislativo estadual é o seguinte:

Art. 1º Os débitos decorrentes de multas por infrações ao Código de Trânsito Brasileiro poderão ser parcelados em até 05 (cinco) vezes, conforme o estabelecido nesta Lei.

§ 1º O parcelamento de débitos será requerido em formulário próprio à au-toridade competente.

§ 2º O signatário do pedido provará, ao requerer o benefício, ser proprietá-rio do veículo ou seu pro cura dor legal.

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Art. 2º É indispensável para a concessão do parcelamento:I – o limite máximo de até 05 (cinco) parcelas mensais e sucessivas;II – o valor mínimo de R$ 50,00 (cinqüenta reais) para cada parcela;III – a aceitação do acréscimo de taxa sobre cada parcela a ser paga, refe-

rente a serviços bancários.Art. 3º O valor de cada parcela corresponderá à divisão do montante do

débito pelo número de parcelas concedidas, e não incidirão sobre estas juros nem correção monetária, enquanto dentro do prazo estipulado para o efetivo pagamento.

Art. 4º O pedido de parcelamento, uma vez deferido pela autoridade compe-tente, implicará automaticamente:

I – na confissão irretratável dos débitos, renúncia a qualquer impugnação, defesa ou recurso administrativo, bem como desistência dos já interpostos na es-fera administrativa ou judicial;

II – na impossibilidade de transferência de propriedade do veículo e de re-gistro em outra unidade da Federação enquanto não-findas as parcelas.

Art. 5º O atraso do pagamento de quaisquer das parcelas implicará no ime-diato cancelamento do benefício, além das penalidades e medidas administrativas ou judiciais cabíveis.

Art. 6º O Poder Executivo regulamentará esta Lei no prazo de 90 (noventa) dias, a contar de sua publicação.

Art. 7º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Palácio Domingos Martins, em 05 de abril de 2004.

Por alegada inconstitucionalidade, o Governador do Estado vetou a lei impugnada. Todavia, o veto restou derrubado pela Assembléia Legislativa estadual.

Afirma o Requerente que “a Lei 7.783/2004 cuida de assunto referente a trânsito, mais especificamente, quanto ao modo de pagamento das multas resultantes dos atos ilícitos praticados por motoristas de veículos” (fl.4). Daí a alegada inconstitucionalidade formal do ato impugnado, por violação do art. 22, XI da Constituição, que define a competência privativa da União para legislar sobre trânsito e transporte.

A inicial registra a existência de lei federal sobre o tema, qual seja, o Código Brasileiro de Trânsito (Lei 9.503/97). Ademais, a partir da previsão do parágrafo único do art. 22 da Constituição – que permite que lei complementar autorize os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias ali relacio-nadas – aponta que não há “qualquer norma que autorize o Estado do Espírito Santo a regulamentar a forma de pagamento das multas decorrente de infração às normas de trânsito” (fl.5).

Para respaldar sua impugnação, menciona precedentes desta Corte.Postula o Requerente:

a) liminarmente, a concessão da medida cautelar de que trata o artigo 102, inciso I, alínea “p”, da Constituição Federal e o artigo 10, § 3.º, da Lei Federal nº. 9.868/99, pelo Presidente desta Excelsa Corte (art. 10 da Lei n.º 9.868/99 e art. 13, VIII c/c art. 37, I, do Regime Interno do Su premo Tribunal Federal), para

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suspender, inaudita altera pars, a execução da Lei Ordinária nº 7.738/2004, publi-cada no Diário Oficial do Estado do Espírito Santo no dia 06/04/2004, por afronta ao artigo 22, inciso XI da Constituição Federal;

b) que a liminar, acima postulada, seja deferida com efeito ex tunc, na forma do artigo 11, § 1º, da Lei Federal nº 9.868/99, até o julgamento do mérito da ação;

c) em face da urgência da medida cautelar requerida, conforme acima ex-planado, a não-audiência da Assembléia Legislativa do Estado do Espírito Santo nesta fase preliminar de concessão da liminar, nos termos do art. 10, § 3º da Lei nº 9.868/99;

d) após solicitadas as informações pertinentes à Assembléia Legislativa Estadual, seja ouvido o Advogado Geral da União e a Pro cura doria Geral da República;

e) seja julgado procedente o pedido, confirmando a cautelar deferida nas le-tras “a” e “b” acima descritas, concluindo-se por declarar a inconstitucionalidade da Lei Ordinária nº 7.738/2004, com a conseqüente suspensão, ex tunc, dos seus efeitos.(Fls. 10-11.)

A Assembléia Legislativa do Estado do Espírito Santo, em suas informa-ções (fls. 55-90), apenas descreve o processo legislativo de aprovação do Projeto de Lei 470/03 – que objetivava exatamente “dispor sobre o parcelamento de dé-bitos relativos às multas de trânsito”.

Em acórdão de fls. 183-201, esta Corte deferiu a medida cautelar para suspender, com eficácia ex nunc, a lei impugnada. O acórdão restou assim ementado:

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade contra a Lei estadual 7.738, publicada no Diário Oficial do Estado do Espírito Santo de 6 de abril de 2004. 2. Parcelamento de multas de trânsito. 3. Alegada ofensa à competência privativa da União para legislar sobre trânsito e transporte (art. 22, XI, da Constituição). 4. Precedentes: ADI 2.064-MC, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 5-11-99; ADI 2.432-MC, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ de 21-9-01; ADI 2.101, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 5-10-01; ADI 2.582, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 6-6-03; ADI 2.644, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 17-9-03; ADI 2.814, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 5-2-04. 5. Liminar deferida com eficácia ex nunc.

Em novas informações de fls.122-127, a Assembléia Legislativa do Estado do Espírito Santo alega que a lei estadual impugnada não instituiu novas multas nem novas infrações, mas visa apenas a tornar viável a quitação de multas de trânsito do Estado.

A Advocacia-Geral da União manifesta-se pela declaração de inconstitucio-nalidade da referida lei (fls. 170-176), tendo em vista a não observância da com-petência privativa da União para editar normas sobre trânsito (art. 22, XI, CF).

O parecer do Pro cura dor-Geral da República opina pela procedência da presente ação direta de inconstitucionalidade.

É o relatório, do qual a Secretaria distribuirá cópia aos senhores Ministros desta Corte.

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VOTO

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): A controvérsia constitucional cinge-se em saber se a Lei 7.738/04, do Estado do Espírito Santo, trata de maté-ria relativa a trânsito e transporte e, portanto, padece de inconstitucionalidade formal, por violação ao art. 22, inciso XI, da Constituição.

No julgamento da medida cautelar, o Tribunal deixou consignado o en-tendimento de que, no caso, de fato, a lei estadual adentra em matéria relativa a trânsito e transporte, cuja competência legislativa é privativa da União.

A lei impugnada criou a possibilidade de parcelamento, em até 5 (cinco) vezes, de débitos decorrentes de multas por infrações ao Código de Trânsito Brasileiro.

Conforme registrou o Ministro Pertence no julgamento da medida cautelar:

No caso, não se trata de anistia, mas de parcelamento. De qualquer modo, é a forma de execução dessa penalidade que, a meu ver, pode ser substancialmente enfraquecida com parcelamentos e outras minimizações.

Recordemos que jamais se cogitou de que a execução integral ou não da multa penal, por exemplo, fosse matéria de competência privativa da União. No entanto, salvo nos crimes da órbita federal, ela também se destina aos cofres do Estado.

Considero, assim, altamente plausível a alegação de inconstitucionalidade e assinalo a diferença do caso da ADI 2.374, decidida na última semana, quando ini-ciei a divergência, entendendo que a matéria do simples processo administrativo da imposição de sanções de trânsito, sobre esta, cabe ao Estado legislar, sobretudo como se cogitava naquele caso de apenas viabilizar o direito constitucional de de-fesa no processo administrativo de imposição de multa.

Tal como registra a inicial, o tema não é novo nesta Corte.Nesse sentido, vejam-se os seguintes julgados:

Ementa: medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade. Lei 1.992, de 31-8-99, do Estado de Mato Grosso Sul, que proíbe a instalação de bar-reiras eletrônicas para o controle e fiscalização do trânsito em vias públicas. 1. A Lei Estadual sul-mato-grossense 1.992, de 31-8-99, seria aplicável, exclusivamente, às questões que estão no âmbito da competência constitucionalmente reservada aos Estados-membros (vias públicas estaduais), excluídas, pois, aquelas da com-petência privativa dos Municípios e da União. 2. A lei estadual que proíbe a insta-lação de barreiras eletrônicas – lombadas eletrônicas e fotossensores (art. 1º) – e ordena desativação das já instaladas (art. 2º) ofende ao que dispõe o art. 22, XI, da Constituição, que outorga competência exclusiva à União para legislar sobre trân-sito. Precedente: ADI 1.592-MC/DF. 3. A previsão legal de imposição de pena de multa à autoridade de trânsito que descumprir comando que emana de lei (art. 3º) é, em princípio, legítima; entretanto, no caso, a disposição está atrelada, exclu-sivamente, a dispositivos legais que tiveram sua eficácia suspensa cautelarmente (arts. 1º e 2º). 4. A execução da “anistia” de multas impostas exclusivamente com base nos sensores (art. 4º), os quais guardam consonância com a Constituição, causará mais transtornos à Administração neste momento do que posteriormente

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aos administrados, caso a ação venha a ser julgada improcedente nesta parte. 5. Presentes os pressupostos da relevância da argüição de inconstitucionalidade e da conveniência da suspensão das disposições impugnadas, defere-se a medida cautelar para suspender, com efeito ex tunc, a eficácia da Lei 1.992, de 31-8-99, do Estado de Mato Grosso do Sul, até o final julgamento da ação.(ADI 2.064-MC, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 5-11-99.)

Ação direta de inconstitucionalidade. Matéria específica de trânsito tratada em lei estadual. Invasão de competência. Lei complementar federal ainda não edi-tada (CF, art. 22, parágrafo único).

1. A Lei 2.012/99, do Estado do Mato Grosso do Sul, ao tornar obrigatória a notificação pessoal dos motoristas nos casos de utilização de celular com o veí-culo em movimento e da não utilização do cinto de segurança, cuida de matéria específica de trânsito, invadindo competência exclusiva da União (CF, art. 22, XI). Precedentes: ADI 1.592-DF, Moreira Alves (DJ de 17-4-98) e outros. Enquanto não editada a lei complementar prevista no parágrafo único do art. 22 da Carta Federal, não pode o Estado legislar sobre trânsito. Precedentes: ADI 1.991/DF, Maurício Corrêa (DJ de 25-6-99); ADI 1.704, Marco Aurélio (DJ de 6-2-98) e ADI 474, Octavio Gallotti (DJ de 3-5-91). Ação julgada procedente para declarar a inconsti-tucionalidade da Lei 2.012, de 19-10-99, do Estado do Mato Grosso do Sul.(ADI 2.101/MS, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 5-10-01.)

Ementa: Trânsito: competência legislativa privativa da União: inconstitu-cionalidade da lei estadual que fixa limites de velocidade nas rodovias do Estado- membro ou sob sua administração.(ADI 2.582, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 6-6-03.)

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Lei 13.279, de 11-10-01, do Estado do Paraná. Trânsito. Fixação de valor máximo para pagamento de multas aplicadas em decorrência do cometimento de infrações de trânsito. Invasão da competência legislativa da União prevista no art. 22, XI, da Constituição Federal. Apenas a União tem competência para estabelecer multas de trânsito. A fixa-ção de um teto para o respectivo valor não está previsto no Código de Trânsito Brasileiro, sendo descabido que os Estados venham a estabelecê-lo. Ausência de lei complementar federal que autorize os Estados a legislar, em pontos especí-ficos, sobre trânsito e transporte, conforme prevê o art. 22, parágrafo único, da CF. Precedentes: ADI 2.064, Rel. Min. Maurício Corrêa, e, em sede cautelar, ADI 2.328, Rel. Min. Maurício Corrêa, ADI 2.137, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, e ADI 2.432, Rel. Min. Nelson Jobim. Ação direta julgada procedente.(ADI 2.644, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 17-9-03.)

Ementa: Constitucional. Trânsito. Multa: isenção. Lei 11.387/00 do Estado de Santa Catarina. C.F., art. 22, XI. I – Legislação sobre trânsito: competência privativa federal: C.F., art. 22, XI. II – Lei 11.387, de 3-5-00, do Estado de Santa Catarina, que isenta do pagamento de multas de trânsito nas hipóteses que men-ciona: sua inconstitucionalidade, porque trata-se de matéria que diz respeito ao trânsito. III – Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.(ADI 2.814, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 5-2-04.)

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Registro, ainda, a existência de precedentes desta Corte, que cuidam es-pecificamente de norma estadual que disciplina o parcelamento do pagamento de multas de trânsito.

Ementa: Constitucional. Lei 7.723/99 do Estado do Rio Grande do Norte. Au-toriza parcelamento do pagamento de multas de trânsito, sem correção. Incompe-tência do Estado-membro para dispor sobre a matéria que está prevista no Código de Trânsito Brasileiro. Ausência de lei complementar – art. 22, parágrafo único, da CF. Inconstitucionalidade formal, vício de competência. Liminar deferida.(ADI 2.432-MC, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ de 21-9-01.)

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Lei 12.064, de 29-3-04, do Estado do Rio Grande do Sul. Trânsito. Invasão da competência legislativa da União prevista no art. 22, XI, da Constituição Federal. 1. É pacífico nesta Corte o entendimento de que o trânsito é matéria cuja competência legislativa é atribuída, privativamente, à União, conforme reza o art. 22, XI, da Constituição Federal. Precedentes: ADI 2.064, Rel. Min. Maurício Corrêa e ADI 2.137-MC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence. 2. A instituição da forma parcelada de pagamento da multa aplicada pela prática de infração de trânsito integra o conjunto de temas enfeixados pelo art. 22, XI, da Constituição Federal. Precedentes: ADI 2.432 (medida cautelar, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ de 21-9-01; mérito, Rel. Min. Eros Grau, julg. em 9-3-05, Informativo STF 379) e ADI 3.196-MC, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 22-4-05. 3. Ação direta cujo pedido se julga procedente.(ADI 3.444, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 3-2-06.)

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Lei 7.723/99 do Estado do Rio Grande do Norte. Parcelamento de multas de trânsito. Inconstitucionalidade formal. 1. Esta Corte, em pronunciamentos reiterados, assentou ter a Constituição do Brasil conferido exclusivamente à União a competência para legislar sobre trânsito, sendo certo que os Estados-membros não podem, até o advento da lei complementar prevista no parágrafo único do art. 22 da CB/88, legislar a propó-sito das matérias relacionadas no preceito. 2. Pedido de declaração de inconstitu-cionalidade julgado procedente.(ADI 2.432, Rel. Min. Eros Grau, DJ de 26-8-05.)

Concluo meu voto, na linha da jurisprudência pacífica desta Corte, no sen-tido da procedência desta ação, para que seja declarada a inconstitucionalidade da Lei 7.738/04, do Estado do Espírito Santo.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, fiquei vencido quando do exame do pedido de concessão de medida acauteladora. Ressaltei a necessi-dade de adotar-se óptica que fortaleça a Federação.

O que se tem na espécie? Uma lei estadual que, diante, talvez, de um passivo considerável, em termos de multa de trânsito – e sabemos como essas multas são aplicadas –, estipulou parcelamento com medidas de cautela pró-prias. Creio que não houve, no caso, já que os valores são recolhidos aos cofres

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do próprio Estado normatizador, invasão da competência da União, nem, tam-pouco, reforma do Código de Trânsito.

Por isso, reportando-me ao voto que proferi anteriormente, julgo improce-dente o pleito formulado na inicial.

VOTO

O Sr. Ministro Menezes Direito: Presidente, quero ressaltar que estou acompanhando V. Exa., que informa que há vários precedentes específicos quanto ao parcelamento de multas.

Em tese, tenho comungado do pensamento do Ministro Marco Aurélio com relação à Federação, mas como existe precedente recente específico com relação a essa matéria, curvo-me, neste caso, aos precedentes.

VOTO

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhor Presidente, sensível aos argumentos do Ministro Marco Aurélio, tendo em conta o fato de que há uma tendência clara de fortalecimento da Federação por parte desta Suprema Corte e o argumento expendido por S. Exa. de que as verbas provenientes desse par-celamento ingressam nos próprios cofres estaduais, peço vênia a V. Exa. para acompanhar a dissidência.

EXTRATO DA ATA

ADI 3.196/ES — Relator: Ministro Gilmar Mendes. Requerente: Governa-dor do Estado do Espírito Santo (Advogados: PGE/ES – Cristiane Mendonça e outros). Requerida: Assembléia Legislativa do Estado do Espírito Santo.

Decisão: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, Minis-tro Gilmar Mendes (Presidente), julgou procedente a ação direta, vencidos os Ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski. Ausentes, justificadamente, os Ministros Celso de Mello, Ellen Gracie e Joaquim Barbosa.

Presidência do Ministro Gilmar Mendes. Presentes à sessão os Ministros Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto, Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Vice-Pro cura dor-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos.

Brasília, 21 de agosto de 2008 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.252 — RO

Relator: O Sr. Ministro Gilmar MendesRequerente: Governador do Estado de Rondônia — Requerida: Assem-

bléia Legislativa do Estado de Rondônia

Medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade. 2. Lei 1.315/04 do Estado de Rondônia, que exige autorização pré-via da Assembléia Legislativa para o licenciamento de atividades utilizadoras de recursos ambientais consideradas efetivas e po-tencialmente poluidoras, bem como capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental. 3. Condicionar a aprovação de licenciamento ambiental à prévia autorização da Assembléia Legislativa implica indevida interferência do Poder Legislativo na atuação do Poder Executivo, não autorizada pelo art. 2º da Constituição. Precedente: ADI 1.505. 4. Compete à União legis-lar sobre normas gerais em matéria de licenciamento ambiental (art. 24, VI, da Constituição). 5. Medida cautelar deferida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Su-premo Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim, em conformidade com a ata do julgamento e as notas taquigrá-ficas, conceder a liminar e suspender a eficácia da Lei 1.315, de 1º de abril de 2004, do Estado de Rondônia, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 6 de abril de 2005 — Gilmar Mendes, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Trata-se de ação direta de inconstituciona-lidade, proposta pelo Governador do Estado de Rondônia, em face da Lei esta-dual 1.315, de 1º de abril de 2004 (DOE de 7-4-04), promulgada pelo Presidente da Assembléia Legislativa. Assim dispõe o ato impugnado, verbis:

Art. 1º O inciso II do artigo 8º, e o caput do art. 14, da Lei nº 547, de 30 de dezembro de 1993, passam vigorar com a seguinte redação:

“Art. 8º (...)(...)II – licenciar, após autorização prévia da Assembléia Legislativa do Estado

de Rondônia, as atividades utilizadoras de recursos ambientais consideradas efeti-vas e potencialmente poluidoras, bem como capazes sob qualquer forma de causar degradação ambiental, dentro do Estado e constantes do art. 1º da Lei nº 890, de 24 de abril de 2000, a saber: (...)

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(...)Art. 14. Os projetos de instalação, construção, ampliação e operação

de estabelecimento e atividades utilizadoras de recursos ambientais conside-rados efetiva e potencialmente poluidoras, bem como capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de autorização prévia da Assembléia Legislativa, sem prejuízo do licenciamento da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental – SEDAM.”

Art. 2º Fica revogado o parágrafo único do art. 14, da Lei nº 547, de 1993.Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Alega-se que a lei impugnada invadiu competência exclusiva do Chefe do Poder Executivo, pois “alterou a atribuição da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Ambiental – SEDAM, bem assim sua estruturação organiza-cional, estabelecendo como requisito, para emissão de licenças para as ativida-des dependentes de recursos ambientais, a prévia autorização legislativa” (fl. 4).

Aponta-se, ainda, contrariedade ao art. 2º, por implicar ingerência do Poder Legislativo nas funções típicas do Poder Executivo.

Por último, afirma-se que as normas impugnadas infringem as normas constitucionais em matéria ambiental, pois, por força do art. 24, VI e seus pará-grafos, da Constituição Federal, compete à União estabelecer as normas gerais, que no caso são ditadas pela Lei federal 6.938, de 1981. Assevera-se que a lei estadual outorgou a novo órgão o licenciamento, de “maneira diametralmente oposta às normas gerais ditadas pela União sobre a matéria, que não prevê a par-ticipação direta do legislador no procedimento licenciatório.” (fl. 7).

Requer-se a liminar para suspender a vigência da Lei estadual 1.315, de 2004.

A Assembléia Legislativa informou o seguinte, verbis:

O texto originário apresentado pelo Deputado estadual, após sua trami-tação, deliberação e aprovação foram encaminhados como Projeto de Lei para autógrafo do senhor Governador do Estado, e este, ao ser transformado em Lei Estadual, levou o nº 1.315/2004.

O Deputado estadual, autor do projeto de lei, preocupado com a degradação e com o impacto ambiental gerado por alguns projetos que possam vir a ser apro-vados, pretendeu que a Assembléia, como órgão fiscalizador, deve atuar também de forma direta nas autorizações de projetos e na sua execução (...).(Fls. 31-32.)

É o relatório, do qual a Secretaria distribuirá cópia aos Senhores Ministros.

VOTO

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): A questão gira em torno da possibilidade de o Poder Legislativo aprovar lei que condicione a expedição de licenciamento ambiental à sua autorização prévia.

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Recentemente, questão similar foi submetida ao Plenário no julgamento do mérito da ADI 1.505. O acórdão ainda encontra-se pendente de publicação. Assim restou noticiada a decisão no Informativo do Su premo Tribunal Federal:

O Tribunal julgou procedente, em parte, pedido de ação direta ajuizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) contra o § 3º do art. 187 da Cons-tituição do Estado do Espírito Santo, que determinou que o relatório de impacto ambiental relativo a projetos de grande porte fosse submetido à apreciação de co-missão permanente e específica da Assembléia Legislativa local. Entendeu-se ca-racterizada a ofensa ao princípio da independência e harmonia entre os Poderes, já que a norma em questão conferiu ao Poder Legislativo prerrogativas exclusivas do Poder Executivo (aprovação e concessão de licenciamento), ressaltando-se inexis-tir no texto constitucional atribuição de cunho decisório às comissões parlamenta-res (art. 58, § 2º). Declarou-se a inconstitucionalidade da expressão “e submetida à apreciação da comissão permanente e específica da Assembléia Legislativa, devendo ser custeada pelo interessado, proibida a participação de pessoas físicas ou jurídicas que atuaram na sua elaboração” contida no dispositivo impugnado.(ADI 1.505, Min. Eros Grau, julg. 24-11-04.)

Naquela oportunidade, concluiu-se, por unanimidade, que as autorizações ambientais são típicas atividades do Poder Executivo e assim são tratadas pela Lei 6.938/81.

Desse modo, condicionar a aprovação de licenciamento ambiental à prévia autorização da Assembléia Legislativa implica uma indevida interferência do Poder Legislativo na atuação do Poder Executivo, não autorizada pelo art. 2º da Constituição.

Acrescente-se que as normas gerais, relativamente ao licenciamento am-biental, são de competência da União (art. 24, VI, da Constituição).

Acerca da relação entre o licenciamento ambiental estadual e legislação federal, assevera Paulo Affonso Leme Machado, verbis:

A intervenção do Poder Público estadual está integrada na matéria da Administração estadual. Entretanto, a legislação federal – no que concerne às normas gerais – é obrigatória para os Estados no procedimento da autorização. Desconhecer ou não aplicar integralmente ou somente aplicar de forma parcial a legislação federal implica para os Estados o dever de eles mesmos anularem a autorização concedida ou de pedir a tutela do Poder Judiciário para decretar a anu-lação. Não se trata de revogação da autorização, pois a mesma já nasceu viciada.

Importa distinguir que a norma geral federal não invade a competência dos Estados ao se fazer presente no procedimento da autorização. A norma federal – por ser genérica – não deverá dizer qual o funcionamento do órgão incumbido de auto-rizar (matéria típica da organização autônoma dos Estados), mas poderá dizer vali-damente quais os critérios a serem observados com relação à proteção do ambiente.(MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 263.)

Esse foi o entendimento do Su premo Tribunal Federal ao julgar a medida cautelar na ADI 1.086:

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Constitucional. Ação direta. Liminar. Obra ou atividade potencialmente lesiva ao meio ambiente. Estudo prévio de impacto ambiental. Diante dos amplos termos do inciso IV do § 1º do art. 225 da Carta Federal, revela-se juridicamente relevante a tese de inconstitucionalidade da norma estadual que dispensa o estudo prévio de impacto ambiental no caso de áreas de florestamento ou reflorestamento para fins empresariais. Mesmo que se admitisse a possibilidade de tal restrição, a lei que poderia viabilizá-la estaria inserida na competência do legislador federal, já que a este cabe disciplinar, através de normas gerais, a conservação da natureza e a proteção do meio ambiente (art. 24, inciso VI, da CF), não sendo possível, ademais, cogitar-se da competência legislativa a que se refere o § 3º do art. 24 da Carta Federal, já que esta busca suprir lacunas normativas para atender a peculia-ridades locais, ausentes na espécie. Medida liminar deferida.(ADI 1.086-MC, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 16-9-94.)

Essa orientação foi confirmada no julgamento do mérito da ação em 7 de junho de 2001 (DJ de 22-6-01).

Nesses termos, na linha da jurisprudência do Su premo Tribunal Federal, o meu voto é pelo deferimento da medida cautelar, para suspender, até decisão final, a vigência da Lei 1.315, de 1º de abril de 2004, do Estado de Rondônia.

EXTRATO DA ATA

ADI 3.252-MC/RO — Relator: Ministro Gilmar Mendes. Requerente: Governador do Estado de Rondônia (Advogados: PGE/RO – Aparício Paixão Ribeiro Júnior e outros). Requerida: Assembléia Legislativa do Estado de Rondônia.

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, concedeu a liminar e suspendeu a eficácia da Lei 1.315, de 1º de abril de 2004, do Estado de Rondônia, nos termos do voto do Relator. Votou o Presidente, Ministro Nelson Jobim. Ausente, justifi-cadamente, a Ministra Ellen Gracie.

Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Pro cura-dor-Geral da República, Dr. Cláudio Lemos Fonteles.

Brasília, 6 de abril de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.700 — RN

Relator: O Sr. Ministro Carlos BrittoRequerente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil —

Requeridas: Governadora do Estado do Rio Grande do Norte e Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Norte

Constitucional. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei 8.742, de 30 de novembro de 2005, do Estado do Rio Grande Norte, que “dispõe sobre a contratação temporária de advoga-dos para o exercício da função de defensor público, no âmbito da Defensoria Pública do Estado”.

1. A Defensoria Pública se revela como instrumento de democratização do acesso às instâncias judiciárias, de modo a efetivar o valor constitucional da universalização da justiça (in-ciso XXXV do art. 5º da CF/88).

2. Por desempenhar, com exclusividade, um mister estatal genuíno e essencial à jurisdição, a Defensoria Pública não con-vive com a possibilidade de que seus agentes sejam recrutados em caráter precário. Urge estruturá-la em cargos de provimento efetivo e, mais que isso, cargos de carreira.

3. A estruturação da Defensoria Pública em cargos de car-reira, providos mediante concurso público de provas e títulos, opera como garantia da independência técnica da instituição, a se refletir na boa qualidade da assistência a que fazem jus os es-tratos mais economicamente débeis da coletividade.

4. Ação direta julgada procedente.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Su-premo Tribunal Federal em julgar procedente a ação direta, o que fazem nos termos do voto do Relator e por unanimidade de votos, em sessão presidida pelo Ministro Cezar Peluso, na conformidade da ata do julgamento e das notas taqui-gráficas. Votou o Presidente.

Brasília, 15 de outubro de 2008 — Carlos Ayres Britto, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Cuida-se de ação direta de inconstitu-cionalidade, proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, contra a Lei 8.742, de 30 de novembro de 2005, do Estado do Rio Grande do Norte.

2. O diploma legislativo em causa está assim redigido:

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(...)Art. 1º O Estado do Rio Grande do Norte fica autorizado a contratar, para

atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, vinte advo-gados para exercerem a função de Defensor Público, no âmbito da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Norte.

§ 1º A contratação a que se refere o caput deste artigo será feita exclusiva-mente para suprir a motivada falta de Defensores Públicos do Estado, do Quadro Permanente da defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Norte.

§ 2º O recrutamento do pessoal a ser contratado, nos termos desta Lei, será feito mediante processo seletivo simplificado sujeito a ampla divulgação, inclusive por meio do Diário Oficial do Estado (DOE), prescindindo de concurso público.

§ 1º O processo seletivo simplificado disposto no caput deste artigo se dará mediante análise de curriculum vitae e entrevista dos candidatos, por Comissão com-posta por três membros, designada pelo Defensor Público-Geral do Estado, da qual farão parte um representante indicado pela Ordem dos Advogados do Brasil, Seccio-nal do Rio Grande do Norte (OAB-RN), e um representante indicado pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte, conforme previsto em Regulamento.

§ 2º Os candidatos à contratação temporária de que trata essa Lei deverão comprovar, na ato da inscrição no processo seletivo simplificado:

I – a regularidade de sua inscrição no Quadro de Advogados da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB); e

II – o mínimo de dois anos de prática forense, nos termos do § 2º, do art. 25, da Lei Complementar Estadual nº 251, de 7 de julho de 2003.

Art. 3º As contratações temporárias autorizadas por esta Lei terão duração de um ano, podendo ser prorrogada por igual período.

Art. 4º É proibida a contratação, nos termos desta Lei, de servidores da Administração Direta ou Indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

§ 1º Excetuam-se da vedação constante do caput deste artigo os servido-res públicos que estiverem enquadrados nos casos previstos no art. 37, XVI, da Constituição Federal, condicionada a comprovação da compatibilidade de horários.

§ 2º Sem prejuízo da invalidação do contrato, a infração ao disposto no caput deste artigo importará a responsabilidade administrativa da autoridade con-tratante e do contratado, inclusive solidariedade quanto à devolução dos valores pagos ao contratado.

Art. 5º Os advogados contratados com base na presente Lei para o exercício temporário da função de Defensor Público perceberão a remuneração corres-pondente a um terço do valor dos vencimentos do cargo de carreira de Defensor Público Substituto da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Norte.

Parágrafo único. Para fins de remuneração do pessoal contratado, nos ter-mos do caput deste artigo, não se consideram as vantagens de natureza individual dos titulares de cargo efetivo de Defensor Público Substituto da Defensoria do Estado do Rio Grande do Norte.

Art. 6º O pessoal contratado de acordo com esta Lei não poderá:I – receber atribuições, funções ou encargos não previstos no respectivo

contrato;II – ser nomeado ou designado, ainda que a título precário ou em substitui-

ção, para o exercício do cargo de provimento em comissão ou função gratificada; eIII – ser novamente contratado, com fundamento nesta Lei.

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Parágrafo único. A inobservância do disposto neste artigo importará a res-cisão do contratado nos casos dos incisos I e II, ou a declaração de sua insubsis-tência, na hipótese do inciso III, sem prejuízo da responsabilidade administrativa das autoridades envolvidas na transgressão.

Art. 7º As infrações disciplinares atribuídas ao pessoal contratado nos ter-mos desta Lei serão apuradas mediante sindicância, a qual deverá ser concluída no prazo de trinta dias.

Parágrafo único. Após a conclusão da sindicância, a aplicação de qualquer sanção administrativa pressupõe a instauração de processo administrativo, oca-sião em que se assegurará ao contratado o contraditório, a ampla defesa e os re-cursos previstos em lei.

Art. 8º O contrato firmado de acordo com esta Lei extinguir-se-á sem di-reito a indenização:

I – pelo término do prazo contratual;II – por iniciativa do contratado;III – por iniciativa do contratante; eIV – com a posse dos Defensores Públicos do Estado Substitutos, aprovados

em concurso público de provas de títulos na forma da lei.§ 1º A extinção do contrato no caso do inciso II será comunicada com a an-

tecedência mínima de trinta dias.§ 2º A extinção do contrato, por iniciativa do contratante, decorre de con-

veniência administrativa, implicará o pagamento ao contratado de indenização correspondente à metade do que lhe caberia referente ao restante do contrato.

Art. 9º As contratações temporárias previstas nesta Lei somente poderão ser efetuadas mediante autorização do Governador do Estado.

Art. 10. A lotação dos advogados contratados com base nesta Lei será efeti-vada em conformidade com as regiões estabelecidas em seu Anexo Único.

Art. 11. As despesas decorrentes da execução da presente Lei correrão à conta de dotação própria da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Norte, consignada na Lei Orçamentária Anual.

Art. 12. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.(...)

3. Pois bem, o autor sustenta que a Lei potiguar 8.742/05 ofende o art. 134 da Constituição Federal. Isso porque “não pode a defensoria pública ser com-posta de advogados contratados em caráter temporário para exercer função de defensor” (fl. 10). Acrescenta que a defensoria pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado e a sua relevante missão constitucional não se harmoniza com a possibilidade de contratação temporária de advogados para exercerem competências dos defensores públicos.

4. De outra parte, o requerente afirma que a lei posta em xeque, “não obs-tante asseverar que pretende suprir imperiosa necessidade do serviço, não tem vigência temporária, podendo-se antever que os contratos temporários se su-cederão, com a inclusão, nos ‘quadros’ da defensoria, de sucessivos advogados contratados sem concurso público” (fls. 10/11).

5. Dando continuidade à tarefa de resumir a controvérsia, anoto que a Governadora do Estado do Rio Grande do Norte prestou as informações por mim solicitadas (fls. 31/51). Por meio delas, pugnou pela improcedência do

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pedido, dado que a contratação de advogados para “a função temporária de Defensores Públicos se dará em caráter precário, com a exclusiva finalidade de disponibilizar o serviço de assistência judiciária à população de baixa renda, enquanto não há a conclusão do concurso de provas e títulos para pro-vimento dos 20 (vinte) cargos de Defensor Público Substituto, criadas pela Lei Complementar estadual 251, de 2003” (fl. 51).

6. A seu turno, o Presidente da Assembléia Legislativa norte-rio-gran-dense informou que o processo legislativo de elaboração da Lei 8.742/05 trans-correu “dentro das normas regimentais, sem qualquer irregularidade formal ou outro vício que pudesse macular a sua origem” (fl. 159).

7. Já me encaminhando para o fecho deste relato, anoto que o Advogado-Geral da União, Álvaro Augusto Ribeiro da Costa, opinou pela procedência do pedido. Ponto de vista, esse, convergente com a manifestação ministerial pú-blica (fls. 162/166).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Nos termos do relatório, a tese da presente ação consiste em saber se a Constituição Federal autoriza a contratação temporária de advogados para exercer a função de defensor público. Isso em função do inciso IX do art. 37 e do art. 134 dela própria, Constituição.

10. Pois bem, começo por dizer que as defensorias públicas são aparelhos genuinamente estatais ou de existência necessária. Exercentes de atividade es-tatal permanente, portanto. Mais que isso, unidades de serviço que se inscrevem no rol daquelas que desempenham função essencial à jurisdição. Tudo nos ter-mos do art. 134 e do inciso LXXIV do art. 5º da CF/88, a saber:

Art. 134. A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV.

§ 1º Lei complementar organizará a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios e prescreverá normas gerais para sua organização nos Estados, em cargos de carreira, providos, na classe inicial, mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a seus integrantes a garantia da inamovibi-lidade e vedado o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais.

§ 2º Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcio-nal e administrativa, e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 2º.

Art. 5º, inciso LXXIV: o Estado prestará assistência jurídica integral e gra-tuita aos que comprovarem insuficiência de recursos;

11. Vê-se, portanto, que a Lei Republicana alçou a defensoria pública ao patamar de instituição permanente essencial à prestação jurisdicional do

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Estado. Mais: uma instituição especificamente voltada para a implementação de políticas públicas de assistência jurídica, assim no campo administrativo como no judicial. Pelo que, sob este último prisma, se revelam como instrumentos de democratização do acesso às instâncias judiciárias, de modo a efetivar o valor constitucional da universalização da justiça (inciso XXXV do art. 5º da CF/88). Fazendo de tal acesso um direito que se desfruta às expensas do Estado, em or-dem a se postarem (as defensorias) como um luminoso ponto de interseção do constitucionalismo liberal com o social. Vale dizer, fazem com que um clássico direito individual se mescle com um moderno direito social, tornando a presta-ção jurisdicional do Estado um efetivo dever de tratar desigualmente pessoas economicamente desiguais. Os mais pobres a compensar a sua inferioridade material com a superioridade jurídica de um gratuito bater às portas do Poder Judiciário, o que já se traduz na concreta possibilidade de gozo do fundamental direito de ser parte processual. Parte que, perante outra, vai compor a relação sem a qual a jurisdição mesma não tem como operar na órbita dos chamados processos subjetivos. A jurisdição e os órgãos que lhe são essenciais a se imbri-car, portanto, sem que se possa dizer onde começa uma e terminam os outros. Numa frase, aparelhar as defensorias públicas é servir, sim, ao desígnio cons-titucional de universalizar e aperfeiçoar a própria jurisdição como atividade básica do Estado e função específica do Poder Judiciário. Daí o prestígio que a EC 45/04 conferiu a todas as defensorias (públicas), verbis:

Os recursos correspondentes às dotações orçamentárias, compreendidos os créditos suplementares e especiais, destinados aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, ser-lhes-ão entregues até o dia 20 de cada mês, em duodécimos, na forma da lei complementar a que se refere o art. 165, § 9º.(Art. 168, com a redação introduzida pela EC 45/04.)

12. Nessa linha de raciocínio, e exatamente por desempenhar uma ativi-dade estatal permanente e essencial à jurisdição, é que a defensoria pública não convive com a possibilidade de que seus agentes sejam recrutados em caráter precário. Urge estruturá-la em cargos de provimento efetivo e, mais que isso, cargos de carreira. Tipo complexo de estruturação que opera como garantia da independência técnica das defensorias, a se refletir na boa qualidade da assis-tência a que fazem jus os estratos mais economicamente débeis da coletividade.

13. Em linhas gerais, outro não é o sentir-pensar deste STF, como se extrai da ementa da ADI 2.229:

Constitucional. Administrativo. Servidor público: defensor público: con-tratação temporária. CF, art. 37, II e IX. Lei 6.094, de 2000, do Estado do Es-pírito Santo: inconstitucionalidade. I – A regra é a admissão de servidor público mediante concurso público: CF, art. 37, II. As duas exceções à regra são para os cargos em comissão referidos no inciso II do art. 37, e a contratação de pessoal por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcio-nal interesse público. CF, art. 37, IX. Nessa hipótese, deverão ser atendidas as seguintes condições: a) previsão em lei dos cargos; b) tempo determinado;

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c) necessidade temporária de interesse público; d) interesse público excep-cional. II – Lei 6.094/00 do Estado do Espírito Santo, que autoriza o Poder Exe-cutivo a contratar, temporariamente, defensores públicos: inconstitucionalidade. III – Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.(Original sem destaques.)

14. Daí pontuar o Ministro Relator Carlos Veloso, no julgamento de tal ação direta de inconstitucionalidade:

(...)No caso, como foi bem lembrado quando do julgamento da cautelar, ter-

se-ia a contratação de advogados para atuarem como defensores públicos. Ora, a Defensoria é um órgão permanente que não comporta defensores contratados em caráter precário. A solução é o Estado organizar a Defensoria em termos racio-nais, tal como recomenda a Constituição, art. 134, promovendo concurso público de provas e títulos – CF, art. 37, II — para a admissão dos defensores públicos.

(...)

15. Com esses fundamentos, dou pela procedência do pedido para declarar a inconstitucionalidade do diploma legislativo ora questionado em sua validade.

16. É como voto.

EXTRATO DA ATA

ADI 3.700/RN — Relator: Ministro Carlos Britto. Requerente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (Advogados: Marcelo Rocha de Mello Martins, Maurício Gentil Monteiro e outros e Rafael Barbosa de Castilho e outros). Requeridas: Governadora do Estado do Rio Grande do Norte e Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Norte (Advogados: Felipe Augusto Cortez Meira de Medeiros e outros).

Decisão: O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, julgou procedente a ação direta. Votou o Presidente. Ausentes, justificadamente, porque em representação do Tribunal no exterior, os Ministros Gilmar Mendes (Presidente) e Eros Grau. Falou pelo requerente o Dr. Maurício Gentil Monteiro. Presidiu o julgamento o Ministro Cezar Peluso (Vice-Presidente).

Presidência do Ministro Cezar Peluso (Vice-Presidente). Presentes à ses-são os Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Vice-Pro cura dor-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos.

Brasília, 15 de outubro de 2008 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.772 — DF

Relator: O Sr. Ministro Carlos BrittoRelator para o acórdão: O Sr. Ministro Ricardo LewandowskiRequerente: Pro cura dor-Geral da República — Requeridos: Presidente da

República e Congresso Nacional — Interessados: Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública no Estado do Espírito Santo – SINDIUPES, Confedera-ção Nacional dos Trabalhadores em Educação – CNTE, Associação Brasileira de Instituições de Previdência Estaduais e Municipais – ABIPEM, Sindicato dos Especialistas de Educação do Ensino Público do Município de São Paulo – SINESP, Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Educação e Cultura – CNTEEC, Sindicato dos Servidores do Magistério Mu-nicipal de Curitiba – SISMMAC, Sindicato dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul – SINPRO/RS, Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino – CONTEE, Associação dos Supervisores de Edu-cação do Estado do Rio Grande do Sul – ASSERS, Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Goiás – SINTEGO, Sindicato dos Profissionais do Ensino Pú-blico Municipal de São Luís – SINDEDUCAÇÃO, Sindicato dos Profissionais em Educação no Ensino Municipal de São Paulo – SINPEEM, Centro do Pro-fessorado Paulista – CPP, Sindicato de Especialistas de Educação do Magistério Oficial do Estado de São Paulo – UDEMO, Sindicato dos Professores e Funcio-nários Municipais de São Paulo – APROFEM e Distrito Federal

Ação direta de inconstitucionalidade manejada contra o art. 1º da Lei Federal 11.301/06, que acrescentou o § 2º ao art. 67 da Lei 9.394/96. Carreira de magistério. Aposentadoria especial para os exercentes de funções de direção, coordenação e assesso-ramento pedagógico. Alegada ofensa aos arts. 40, § 5º, e 201, § 8º, da Constituição Federal. Inocorrência. Ação julgada parcial-mente procedente, com interpretação conforme.

I – A função de magistério não se circunscreve apenas ao trabalho em sala de aula, abrangendo também a preparação de aulas, a correção de provas, o atendimento aos pais e alunos, a coordenação e o assessoramento pedagógico e, ainda, a direção de unidade escolar.

II – As funções de direção, coordenação e assessoramento pedagógico integram a carreira do magistério, desde que exer-cidos, em estabelecimentos de ensino básico, por professores de carreira, excluídos os especialistas em educação, fazendo jus aqueles que as desempenham ao regime especial de aposenta-doria estabelecido nos arts. 40, § 5º, e 201, § 8º, da Constitui-ção Federal.

III – Ação direta julgada parcialmente procedente, com in-terpretação conforme, nos termos supra.

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Su-premo Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a Presidência do Ministro Cezar Peluso (Vice-Presidente), na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria, julgar parcialmente procedente a ação, com interpretação conforme para excluir a aposentadoria especial apenas aos espe-cialistas em educação, nos termos do voto do Ministro Ricardo Lewandowski, contra os votos dos Ministros Carlos Britto (Relator), Cármen Lúcia e Joaquim Barbosa, que julgavam procedente a ação, e da Ministra Ellen Gracie, que a julgava de todo improcedente. Votou o Presidente, Ministro Cezar Peluso (Vice-Presidente). Ausentes, justificadamente, porque em representação do Tribunal no exterior, o Ministro Gilmar Mendes (Presidente) e, neste julgamento, o Ministro Menezes Direito.

Brasília, 29 de outubro de 2008 — Ricardo Lewandowski, Relator para o acórdão.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Trata-se de ação direta de inconstitu-cionalidade, ajuizada pela Pro cura doria-Geral da República. Ação que tem por alvo o art. 1º da Lei Federal 11.301/06, assim redigido:

Art. 1º O art. 67 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1.996, passa a vigorar acrescido do seguinte § 2º, renumerando-se o atual parágrafo único para o § 1º:

“Art. 67. (...)§ 2º Para efeitos do disposto no § 5º do art. 40 e no § 8º do art. 201 da

Constituição Federal, são consideradas funções de magistério as exercidas por professores e especialistas em educação no desempenho de atividades educativas, quando exercidas em estabelecimentos de educação básica e seus diversos níveis e modalidades, incluídas, além do exercício da docência, as de direção de unidade escolar e as de coordenação e assessoramento pedagógico.”

Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

2. O Autor alegou, em suma, que as funções de magistério, referidas pela Constituição Federal no § 5º do art. 40 e no § 8º do art. 201, são apenas aquelas pertinentes à docência. Docência, entenda-se, como atividade de ministração de aulas. Concluiu, por isso, que a Lei 11.301/06 contrariou a Constituição Federal, pois alargou o conceito da expressão “funções de magistério” para abranger as funções de direção, coordenação e assessoramento pedagógico.

3. Ainda segundo o autor, a Lei ordinária também se põe em rota de colisão com o entendimento deste Su premo Tribunal Federal, perfilhado na ADI 2.253.

4. Havendo adotado o rito do art. 12 da Lei 9.868/99, colhi as informações dos órgãos requeridos, tanto quanto a manifestação do Advogado-Geral da União e o parecer do Pro cura dor-Geral da República.

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5. Muito bem. Em seu pronunciamento, o Presidente da República expôs que “a atividade própria de professor abrange logicamente a orientação peda-gógica e seguidas vezes a de direção escolar” (fl. 27). Já o Advogado-Geral da União, este invocou o precedente da ADI 2.253 para assentar sua não-impera-tividade perante o próprio Su premo Tribunal Federal, que poderá decidir por modo diferente quanto à constitucionalidade da lei agora impugnada. No mé-rito, sustentou que “a Lei Maior utiliza a expressão funções (plural) de magis-tério, demonstrando que a norma merece receber uma interpretação ampliativa, no sentido de abranger todas aquelas tarefas prestadas pelos docentes que te-nham pertinência com a missão de educar no ambiente escolar, e não apenas a função (singular) de ministrar aulas”.

6. De sua parte, o Presidente do Congresso Nacional sustentou a constitu-cionalidade da Lei, sob o fundamento de que a expressão “funções do magis-tério”, utilizada pela Carta Magna, seria uma referência ao professor e a outros profissionais do ensino. Daí o seguinte arremate: “se o legislador constitucional desejasse considerar, para fins de aposentadoria especial, apenas e unicamente a atividade de ministrar aulas em sala, então não haveria sentido em utilizar o plural nos artigos supracitados”.

7. Quanto ao Pro cura dor-Geral da República, S. Exa. reafirmou a incons-titucionalidade da Lei. Aportou alegações em proveito da pretendida declaração de inconstitucionalidade, aduzindo que hão de ser interpretados restritiva-mente os dispositivos que favorecem os professores em tema de aposentadoria voluntária.

8. Foi além o Chefe do Ministério Público da União para contestar o ar-gumento de que as funções de direção escolar, coordenação, supervisão e as-sessoramento pedagógicos seriam tão estafantes quanto as do professor em sala de aula, fato que justificaria a equiparação desses profissionais para fim de apo-sentadoria espontânea. E mesmo que assim não fosse – ponderou o Ministério Público –, a submissão de outros profissionais, que não o professor, a um regime especial de aposentação é de se dar através de lei da espécie complementar, tudo conforme o § 4º do art. 40 e § 1º do art. 201, ambos da Constituição Federal.

9. Por fim, invocou o Pro cura dor-Geral da República o precedente da ADI 2.253, pela qual este Su premo Tribunal Federal assentou que as funções de magistério, referidas pela Carta Magna, são unicamente as da própria atividade-fim do professor; isto é, à docência como atividade ínsita à sala de aula. Donde o Enunciado 726 da Súmula de Jurisprudência desta nossa Corte, segundo o qual “para efeito de aposentadoria especial de professor, não se computa o tempo de serviço prestado fora de sala de aula”.

10. Prossigo na tarefa de historiar o feito para informar que admiti, na condição de amici curiae, as seguintes entidades: o Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública no Estado do Espírito Santo, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, o Sindicato dos Especialistas de Educação do Ensino Público Municipal, a Confederação Nacional dos Trabalhadores

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em Estabelecimentos de Educação e Cultura, o Sindicato dos Servidores do Magistério Municipal de Curitiba, o Sindicato dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino, a Associação dos Supervisores de Educação do Estado do Rio Grande do Sul, o Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Goiás, o Centro do Professorado Paulista e Sindicato de Especialistas de Educação do Magistério Oficial do Estado de São Paulo, quase todas elas manifestando-se pela improce-dência da ação direta de inconstitucionalidade. A única exceção ficou por conta da Associação Brasileira de Instituições de Previdência Estaduais e Municipais e do Distrito Federal, que pugnou pela procedência do pedido.

11. É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Conforme visto, a presente ação direta de inconstitucionalidade tem por objeto o art. 1º da Lei Federal 11.301/06. Dispositivo legal que, invocando o § 5º do art. 40 e mais o § 8º do art. 201 da CF, estabeleceu que professores e especialistas em educação têm di-reito à mesma aposentadoria especial; ou seja, aposentadoria com idade e tempo de contribuição paritariamente reduzidos, se se dedicarem a atividades de do-cência, direção de unidade escolar, coordenação e assessoramento pedagógico. Sendo que a causa de pedir da peça inicial do processo é esta: a aposentadoria especial foi conferida pela Constituição Federal tão-somente ao professor que desempenhe atividade de docência, entendida como tal a que se passa em sala de aula, no desempenho do específico mister de ensino regular ou habitual.

13. Transcrevo os dispositivos indicados como parâmetro para a aferição da constitucionalidade da lei ora combatida. Pri meiramente, o § 5º do art. 40 da Carta Magna, assim redigido:

Os requisitos de idade e de tempo de contribuição serão reduzidos em cinco anos, em relação ao disposto no § 1º, III, “a”, para o professor que comprove ex-clusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio.

14. Em seqüência, reproduzo o § 8º do art. 201 da CF:

Os requisitos a que se refere o inciso I do parágrafo anterior serão reduzidos em cinco anos, para o professor que comprove exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio.

15. Vê-se, então, que os dois dispositivos constitucionais instituíram uma dis-ciplina especial de aposentadoria para o professor, tanto no “regime próprio” quanto no regime de previdência social geral. Noutros termos, o problema é saber, pri-meiro, se tal disciplina especial comporta extensão para os especialistas em educa-ção, e, depois, para estes e mais os professores que se deslocam da sala de aula para desempenhar atividades de direção, coordenação e assessoramento pedagógico.

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16. Pois bem, não tenho como procedente nenhum dos fundamentos em que se louvou a defesa da constitucionalidade do texto normativo posto em causa. Isso porque a Lei Maior Federal me parece deferir uma aposentação favorecida apenas ao professor e a mais nenhum outro profissional (donde o advérbio “exclusivamente”), ali no âmbito da educação infantil e do ensino dito fundamental e médio. É ler o § 5º do art. 40 e o § 8º do art. 201, que deferem a ele, professor, o direito a uma diminuição de idade e tempo de contribuição para aposentar-se. Mas, em ambas as passagens normativas, o advérbio “exclusiva-mente” consubstancia uma prerrogativa e, nessa medida, não alcança uma série aberta de pessoas, porém uma série fechada de beneficiários: os docentes. A exi-gir, como sucede com toda prerrogativa (superdireito que é) uma interpretação estrita ou não ampliativa.

17. Ora bem, especialista em educação não é professor. Não é um puro profis-sional do ensino. Um perito em sala de aula. Um íntimo das quatro paredes, em cujo interior o lente forma com seus alunos uma só realidade humana, um só coração pulsante, uma só realidade anímica. Os nomes, aqui, designam profissionais com funções e responsabilidades diferentes. Sem desconhecer, óbvio, que a Lei adver-sada não cuidou de definir o “especialista em educação”, mas, só por alinhá-lo ao lado do “professor”, evidenciou que são profissionais distintos. Vocacionalmente distintos, metodologicamente distintos, funcionalmente distintos, psicologica-mente distintos no trato com o alunado dessa ou daquela unidade de ensino.

18. Sendo verdadeira esta premissa (é a minha convicção), não há como validar lei que, em tema de aposentadoria, trate da mesma forma professor e especialista em educação. A Constituição Federal não garantiu aposentadoria especial ao profissional da educação “lato sensu”, mas, unicamente, ao profes-sor que exerça as funções que lhe são próprias: as de docência, as de magistério. Professor, portanto, e não especialista em educação, que já é profissional vol-tado para as atividades de direção escolar, coordenação e orientação da própria docência. Profissional do suporte institucional e administrativo, profissional até mesmo do suporte pedagógico, mas não profissional desse misto de ciência e arte que é o tudo procurar saber para tudo transmitir na mais leve e atraente embalagem científica, intelectual ou artística.

19. Tenho, portanto, que, em tema de aposentadoria, a Lei Federativo-republicana tratou diferentemente o professor e os demais profissionais da edu-cação. Isso não significa, porém, que a nossa Constituição haja se descuidado destes últimos. Ao contrário, a eles a Constituição se referiu, por explicitude, estabelecendo como um dos princípios da política educacional sua englobada valorização, conforme consta do inciso V do art. 206, a saber:

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:(...)V – valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na

forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso pú-blico de provas e títulos, aos das redes públicas; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006).

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20. Disto concluo que a Constituição Federal impõe ao Poder Público valorizar os profissionais da educação, todos eles: professores, especialistas, pedagogos, diretores de estabelecimento escolar, etc. Mas apenas ao professor é que ela confere aposentadoria especial, e o faz utilizando, no § 5º do art. 40 e no § 8º do art. 201, o substantivo restrito à expressão “professor”, e não o fraseado aberto “profissionais da educação”.

21. Observe-se que o § 4º do art. 40 e o § 1º do art. 201 da Carta Magna proíbem, no regime próprio e no regime geral de previdência, a adoção de requi-sitos diferenciados para a aposentadoria. A regra, pois, é a vedação de requisitos diferentes, mas com algumas exceções de logo explicitadas. Uma delas, preci-samente, é a da aposentadoria do professor com tempo de efetivo exercício em funções de magistério, que lhe foi conferida em razão das peculiaridades do seu labor, pois focadamente voltado para o “pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”, como explicitado pelo art. 205 da Constituição Federal.

22. Já as outras exceções constitucionais, todas são veiculadas em norma de eficácia limitada, como a aposentadoria dos portadores de deficiência e a dos que exercem atividade de risco ou sob condições prejudiciais à saúde ou à inte-gridade física. Hipóteses à espera de lei complementar, mas que não se amoldam às funções de especialista em educação.

23. Convém insistir na tessitura da idéia. A Constituição Federal, real-mente, prevê aposentadoria para o professor que “comprove exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio”. Duas palavras, aí utilizadas, são emblemáticas: o advérbio “exclusivamente”, pondo à margem quaisquer outras atividades que não as de magistério, e o adjetivo “efetivo”, este a caracterizar o exercício real da docência, e não simplesmente ficto ou presumido. É que as funções de magisté-rio, na Constituição Federal, significam mesmo docência; isto é, a atividade de ministrar aulas e todas aquelas que lhe são conaturais. Refiro-me às atividades de argüição em classe, preparo e correção de provas, pesquisas de campo, visitas a bibliotecas e instituições e atendimento pessoal aos alunos, ilustrativamente.

24. Há uma lógica para esse tratamento favorecido ao professor. Dentro e fora da escola, o professor ocupa o seu tempo – um tempo que verdadeiramente não tem fim – com leituras, pesquisas, preparo de provas, freqüência a cursos, seminários e bibliotecas, consultas de alunos e respectivos pais, reuniões, anota-ções de textos, confecção de material didático (slides, retroprojeção, cartolinas, cartazes), de maneira a exercitar intuições e tecer reflexões que já se alocam no entrelaçado campo do ensino, da pesquisa e da extensão. Tudo imbricadamente, portanto. É dizer, a Constituição reconheceu que o professor está o tempo in-teiro e em toda parte a cuidar de sua profissão e dos seus alunos, formando com o alunado um vínculo psicológico-afetivo-profissional que perdura por toda a vida. O professor não se descarta da sala de aula como quem se despoja de uma vestimenta usada ou tranca atrás de si uma porta de trabalho. E foi preci-samente por assim reconhecer as entranhadas peculiaridades do labor docente

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que a Magna Carta Federal tratou de conferir aos professores regras tutelares em apartado para a respectiva aposentação. Esta a razão de ser de um tratamento normativo em separado, pois a Constituição, assim, não distinguiria as coisas sem fundamento na ontologia mesma da docência. Não faria cortesia com o chapéu do contribuinte, pois magistério é docência e docência é arrebatada vocação, repise-se. A incendida vocação de fazer da sala de aula o seu habitat. Do contato pessoal com o alunado o mágico espaço de sua realização profis-sional e até da própria razão de viver. Numa frase, a relação mestre/discípulo se passa na intimidade de um processo de aprendizagem que somente abarca ambas as categorias. Como se dava com Sócrates e seus encantados discípulos, metodologicamente enlaçados pela maiêutica, tanto quanto com Aristóteles, a fazer da sua Escola peripatética o mais refinado locus de transmissão do pensa-mento filosófico da antiguidade grega.

25. Verdade que os defensores da constitucionalidade da Lei 11.301/06 sustentam que o termo “funções” foi usado no plural para traduzir atividades de magistério, mais a direção de escola, a coordenação e o assessoramento pedagó-gico. Por outras palavras, a lei combatida mais não teria feito que pôr, ao lado da atividade de docência, a de direção, coordenação e assessoramento pedagógico. Essas, conjuntamente, ou em sua totalidade, seriam as funções do magistério.

26. Penso, entretanto, que o argumento não resiste a u’a mais detida aná-lise. Se fossem essas as funções próprias do magistério, não faria sentido a Carta Magna haver exigido que o professor se dedicasse exclusivamente a elas para ter direito à aposentadoria especial. Além delas, nada mais haveria a ser feito pelo professor, e, por conseguinte, desnecessária a exigência de dedicação exclusiva. A compreensão correta da linguagem constitucional me parece apontar para so-lução diversa, pois o que se dá é justamente o contrário. Vale dizer: exatamente porque a Constituição somente contemplou as atividades de magistério (isto é, de docência) como razão de ser da aposentadoria especial, foi que se valeu do advérbio “exclusivamente”, afastando todas as outras a que o professor pudesse eventualmente se dedicar, tais como direção, coordenação e assessoramento pedagógico. Óbvio, pois não há como confundir ministração de aula com admi-nistração de estabelecimento escolar, ou qualquer atividade de assessoramento e suporte pedagógico.

27. Há uma outra explicação para o uso da palavra “funções”, assim no plural. É que, como se sabe, os professores, satisfeito o requisito da compatibili-dade de horários, têm a prerrogativa de acumular dois cargos da espécie (art. 37, XVI, da CF/88). A cada cargo correspondendo uma função, ou seja, tarefas e atribuições constitutivas do fazer que é típico da docência. Insisto: “funções de magistério”, à luz do § 5º do art. 40, são aquelas inerentes aos dois acumuláveis cargos de professor.

28. Não por outro motivo – quero crer – que esta Suprema Corte, apre-ciando a constitucionalidade de lei estadual que concedia aposentadoria especial a diretor e coordenador de unidade escolar, assentou que “funções de magistério” são aquelas exercidas em sala de aula. Eis a ementa do julgado na ADI 2.253:

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Ementa: ação direta de inconstitucionalidade. Art. 2º da Lei Complementar estadual 156/99. Aposentadoria especial. Redução na contagem de tempo de ser-viço. Funções de diretor e coordenador escolar. Inconstitucionalidade. 1. O § 5º do art. 40 da Carta Federal prevê exceção à regra constitucional prevista no art. 40, § 1º, inciso III, alíneas a e b, tendo em vista que reduz em cinco anos os requisitos de idade e de tempo de contribuição para “o professor que comprove exclusiva-mente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio”. 2. Funções de magistério. Desempenho das funções exercidas em sala de aula. Não abrangência da atividade-meio relacionada com a pedagogia, mas apenas da atividade-fim do ensino. Dessa forma, os benefici-ários são aqueles que lecionam na área de educação infantil e de ensino fundamen-tal e médio, não se incluindo quem ocupa cargos administrativos, como o de diretor ou coordenador escolar, ainda que privativos de professor. 3. Lei complementar estadual 156/99. Estende a servidores, ainda que integrantes da carreira de ma-gistério, o benefício da aposentadoria especial mediante redução na contagem de tempo de serviço no exercício de atividades administrativas. Inconstitucionalidade material. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.

29. Nesse sentido, também o Enunciado 726 da Súmula de jurisprudência deste Su premo Tribunal, a saber:

Para efeito de aposentadoria especial de professores, não se computa o tempo de serviço prestado fora da sala de aula.

30. Por todo o exposto, Senhor Presidente, não tenho como deixar de votar pela procedência da ação.

É como voto.

VOTO

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Senhor Presidente, também acompanho o eminente Relator. Louvo o belíssimo voto, com a mesma sentimentalidade que domina tantas vezes quando o Ministro Carlos Britto fala especialmente de algu-mas pessoas, como o professor, porque é sempre alguém muito caro a todos nós.

Guimarães Rosa, Ministro Relator, dizia que mestre é quem de repente aprende. Eu diria que, para os efeitos da Constituição, mestre é quem de repente ensina. Vale, aqui, para mim também, aquele que ensina, que exerce as funções específicas de magistério, portanto, a docência.

E tenho para mim que há um outro dado: quando a Constituição fala em funções de magistério, além de se poder exercer mais de um cargo, de se acumu-larem cargos, há algumas funções que são do professor. Por exemplo, o professor corrige provas, orienta monografias, segue pesquisas. São funções do magistério, do professor que está exercendo efetiva e exclusivamente o cargo de professor.

Também chamo a atenção para a circunstância de que, evidentemente, a direção de unidade escolar e de coordenação é função administrativa e não função de atividade-fim, com todos os contornos que dá a Constituição, no seu art. 205, para também ter um tratamento muito especial. Mas isso não se

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confunde com o que é posto nem no art. 40, § 5º, nem no art. 201, § 8º, os quais tratam do professor.

Também me chama a atenção a circunstância de que a norma questionada, no § 2º, diz:

Art. 67. (...)§ 2º Para os efeitos do disposto no § 5º do art. 40 e no § 8º do art. 201 da

Constituição Federal, são consideradas funções de magistério as exercidas por professores e especialistas (...)

E a Constituição diz que é o professor, e não outro profissional. Ora, se aqui eu tenho uma conjunção aditiva, significa dizer que eu tenho, além de professor, o especialista, e este especialista não é professor. E a Constituição se atém à figura do professor.

Foi dito da tribuna, muito bem ocupada, conforme lembrou o Ministro Carlos Britto, que haveria quebra do princípio da igualdade. Parece-me que ocorre exatamente o oposto. Haveria quebra do princípio da igualdade, trata-mento de iguais entre iguais, se se tivesse, além do professor que exerce efetiva e exclusivamente o cargo de magistério – a função de magistério inerente ao cargo –, para outros cargos que não têm essa função senão administrativa, o mesmo cuidado com relação aos direitos à aposentação especial e que, neste caso, é diferenciada favoravelmente.

Quanto à Síndrome de Burnout – mencionada também pelo amicus curiae –, devo lembrar que, na Constituinte, foi debatida a questão da aposen-tadoria especial do professor em 87/88. E chegou-se à conclusão – esses debates constam dos anais – que era para o professor – tal como havia acolhido o Su-premo Tribunal Federal –, porque ele vai para casa e continua exercendo ativi-dades de trabalho, de pesquisa, de correção etc. Portanto, ele tem uma jornada adicional que não pode ser computada. Daí por que se fixou a diminuição de um lustro, mesmo que haja outras tantas profissões igualmente estressantes, se não para esses efeitos, tal como foi discutido na Constituinte.

Finalmente, eu lembraria, apenas como uma achega, que a condição de professor é a enfatizada em todo texto da Constituição, tal como lembrou V. Exa. Pode-se ter o professor que exerça até outra atividade, mas, para os efeitos dessa contagem, o que se terá é o efetivo tempo de serviço na condição de quem é mestre, de quem ensina, de quem pratica essa atividade que não ter-mina – e todos os professores sabem – na sala de aula.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ministra Cármen Lúcia, V. Exa. me per-mite apenas um aparte, considerada a própria razão de ser do preceito?

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Sim.O Sr. Ministro Marco Aurélio: V. Exa. admite que, no caso, o assessora-

mento pedagógico, a direção da própria unidade, a coordenação em si sejam exercidos – e são exercidos na prática – por professores? Não seria o caso de partir-se para uma interpretação conforme, assentando a necessidade de se ter,

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nesses cargos mencionados, nessas funções mencionadas – que, a meu ver, estão no grande âmbito “magistério” –, professores? Porque já houve a época em que se imaginava que a redução do tempo para a aposentadoria seria uma decorrência da utilização do giz. Hoje em dia, já não se tem mais o giz, o quadro-negro. Então, penso que não se pode chegar ao ponto, por exemplo, de se excluir a contagem es-pecial relativamente a um professor que é deslocado para função até mesmo, para mim, de maior responsabilidade: a da direção da unidade escolar, a do assessora-mento pedagógico, implementado, inclusive, em relação aos próprios professores.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: E mais, a levar às últimas conseqüências esse raciocínio, nenhum professor deve aceitar o cargo de diretor.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não aceitará mais.O Sr. Ministro Cezar Peluso: Nenhum deverá aceitar o cargo de diretor, o

cargo de maior responsabilidade, porque, se o aceita, perde o benefício; assume mais responsabilidade e perde o benefício!

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Na prática, acontece o seguinte: o verdadeiro professor pode se deslocar para a direção, mas não deixa a sala de aula; ele dá um jeito de dar aula.

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Ele, normalmente, não deixa a sala de aula. E, quando deixa, não pode contar esse tempo.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Com o salário que recebe, data ve-nia, não acredito.

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): O melhor salário é de diretor; é o de dirigir.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Eu acho que temos de levar em consi-deração que, em alguns Estados, o cargo de diretor é extremamente politizado: eles são nomeados diretamente pelos governadores.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mas não podemos raciocinar com o extra-vagante, com o extraordinário, com o teratológico.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Não é teratológico. Essa é a realidade brasileira.

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Eu nem vou levar em consideração a circunstância de poder ser professor ou não, porque ele pode não ser. E, hoje, Ministro, há, inclusive, uma tendência, iniciada no Brasil no sentido de que haja administradores de escola. Há cursos para formar administradores de escola, e não para a específica função de ministrar as aulas. Nós já temos isso em outros setores da saúde, e temos essa tendência para efeitos de escola.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mas, Ministra, evitamos que venha a gozar do benefício constitucional pessoa estranha à função de magistério, dando a in-terpretação conforme, ou seja, colando a necessidade de qualquer ocupante, ou qualquer pessoa que desenvolva essas atividades, ser, profissionalmente, sob o ângulo da qualificação, professor.

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O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: E do ingresso na carreira.Estou aqui, sobre a minha tela, com a Lei Complementar 958/04 do Estado

de São Paulo, que regula a carreira do magistério. E ela prevê exatamente isso: que o professor pode, em tendo cursos de especialização ou de pós-graduação, qualificar-se para assumir um cargo de direção numa escola. Portanto, quem assume, em São Paulo, de acordo com essa Lei Complementar – e isso desde há muito tempo –, um cargo de diretor de escola, faz parte da carreira do magistério.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mas, se o fizer, no caso, com a declaração de inconstitucionalidade, será apenado. Não terá, naquele período do exercício, o benefício previsto constitucionalmente, em que pese ao esforço maior. O deslo-camento implicará perda, e não vantagem, considerada a maior responsabilidade.

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Quando se desloca, será melhor remunerado. Então, não vai ser apenado. Ele faz uma opção. Para ter uma remu-neração melhor, terá de sair da sala de aula. Agora, não ganhará as duas coisas.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Mas perderá a aposentadoria especial.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: V. Exa. vê o benefício como decorrência dos baixos salários dos professores. Seria uma compensação espúria.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Ele sai da carreira e não pode contar o tempo.A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Ministro, garanto a V. Exa., o professor

que fica em sala de aula, o que realmente ensina, tem um ônus enorme quanto ao estado físico, ao estado psicológico; tanto é que, todas as vezes que o profes-sor tem a possibilidade de ir para uma secretaria, para a biblioteca, em geral, ele vai, porque a sala de aula é pesada, é uma função que envolve – como lembrou bem o Ministro Relator – todos os seus sentidos, durante todo aquele período.

A Constituição determina – e nem vou tentar, aqui, saber o que pas-sou pela cabeça do constituinte, conforme lembrado da tribuna pelo Ministro Aliomar Baleeiro, quando disse, neste Plenário, que Ministro do Su premo não é psiquiatra para saber o que passou pela cabeça do constituinte – que, para o professor que estiver efetiva e exclusivamente na docência, conta-se o período de maneira especial. Atenho-me a isso.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ministra, citei expressão que revela o gê-nero, funções de magistério.

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Mas é o que diz a Súmula 726.A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Sim, porque, além de dar aula, há todas as

outras funções.O Sr. Ministro Cezar Peluso: Nós vamos mudá-la. Vamos dar interpreta-

ção para ela. Nós não participamos de nenhum dos precedentes que fundaram essa Súmula.

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Eu acompanho o voto do Relator.

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VOTO

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhor Presidente, vou pedir vênia ao eminente Relator e também à Ministra Cármen Lúcia, para julgar improce-dente esta ação direta de inconstitucionalidade, ou talvez, na sugestão que já foi formulada pelos colegas, dar uma interpretação conforme.

Primeiro: eu entendo, e todos aqueles que já participaram – e todos nós aqui, sem dúvida nenhuma, o fizemos – de atividades docentes sabem perfei-tamente que a atividade docente não se limita à sala de aula, mas à preparação das aulas, correção de provas, atendimento de alunos, preparação de material.

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Eu acabei de dizer, Ministro. Por isso eu disse que as funções são plúrimas.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Inclusive, em muitos Estados, como no Estado de São Paulo, a carreira de magistério compreende a ascensão aos cargos de direção das escolas. A pessoa ingressa na carreira de professor e pode, em se qualificando, atingir o grau máximo da carreira, que é exatamente a de diretor de escola.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Ministro Lewandowski, o cargo de diretor, portanto, compõe a carreira?

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Compõe.O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Compõe a carreira de magistério.O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Tenho aqui a Lei Complementar

9.958, de 2004, que rege o assunto.O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Quando a Constituição fala que os

cargos do magistério serão estruturados em carreira, seguramente está excluindo os de direção. Os cargos serão estruturados em carreira, carreira de docência.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Sim, mas aí seria uma pessoa estra-nha à carreira e viria de fora para assumir?

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Porque uma coisa é ministração, outra é administração.

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: As carreiras são de professor nível I, II e III.O Sr. Ministro Cezar Peluso: Eu não consigo entender como a Constituição

privilegiaria o secundário em dano do principal. Uma carreira do magistério sem direção é anarquia, é impossibilidade de exercício. Aquele que dá condições de efetividade ou irregularidade no exercício não é contemplado.

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Mas é outro cargo.O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Ministro Cezar Peluso, muitas vezes ele

não pertence à carreira; é por isso.O Sr. Ministro Cezar Peluso: O problema não é esse, Ministro. O problema

é de valorização da atividade. Nós estamos partindo do pressuposto – e parece

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que isso fica subjacente, inconscientemente subjacente – de que a Constituição atribui aos professores um benefício particular quanto à aposentadoria, porque – e talvez seja essa a explicação de usarem guarda-pó – trabalham de sol a sol, com enxada na mão!... Os trabalhadores rurais, do ponto de vista de desgaste fí-sico, sofrem muito mais do que qualquer professor. E por que esses profissionais não recebem da Constituição o mesmo tipo de benefício? Porque não se trata de valorizar o desgaste físico e psicológico, mas de valorizar uma função im-portante, como diz o art. 205, de uma atividade que faz parte da dignidade hu-mana, porque é condição necessária para o desenvolvimento das virtualidades da pessoa. Isto é, uma pessoa que não receba educação, não se desenvolve como pessoa e, portanto, não adquire toda a dignidade a que tem direito, e a educação, portanto, é, nesse nível, tão importante que quem se dedique a ela como profes-sor recebe do ordenamento jurídico um benefício correspondente.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Aliás, há um comando expresso do art. 206, V, que diz o seguinte:

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:V – valorização dos profissionais do ensino (...)

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Eu citei esse.A Sra. Ministra Cármen Lúcia: O Ministro Relator citou.O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Temos que dar uma interpretação

ampliativa.O Sr. Ministro Cezar Peluso: Mas, Ministro, leia o art. 205, caput: “(...)

desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Ministro Cezar Peluso, no processo educacional, o professor é mais importante do que o diretor. Professor é ativi-dade-fim; diretor é atividade-meio. É que, no Brasil, por distorção, paga-se me-lhor a atividade-meio do que a atividade-fim. O grande protagonista do processo educacional não é o diretor, é o professor. A razão de ser da Constituição é essa.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Ministro, é que não se pode cindir. E mais: se não fosse a circunstância de os textos constitucionais fazerem referência ex-pressa a professor, a minha tendência seria ampliar o catálogo dos beneficiários dessa aposentadoria especial. De certo modo, até me sinto incomodado em ter de dar interpretação que se poderia dizer literal aos termos “professor”, tanto no art. 40, como no art. 201, pois estou por ora me atendo à idéia de que, talvez, a melhor solução seja uma interpretação conforme, nesse sentido. Mas, com base na pré-compreensão de que, situando o problema no campo da educação como atividade essencial do Estado e fundamental para a dignidade da pessoa hu-mana, eu até tenderia a ampliar essa interpretação. E, portanto, não posso cindir atividades indispensáveis, porque não é possível conceber uma escola, onde haja mais de um professor – onde há um só professor não há problema nenhum –, sem a necessidade de uma direção, de uma organização.

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O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhor Presidente, por esses moti-vos que expus e, com todo o respeito pelos eminentes colegas que têm uma visão divergente – e louvo o brilhante voto do eminente Ministro Carlos Britto e da nossa Ministra Cármen Lúcia, ambos ilustres professores e preocupados com a questão do ensino –, eu me encaminharia para dar uma interpretação conforme, de modo a que esse dispositivo, para fins de aposentadoria, alcance apenas os professores que tenham exercido, ou estejam exercendo, os cargos de direção de unidade escolar, coordenação e assessoramento pedagógico. Seria uma forma de limitar. Mas, de qualquer maneira, também, eu me confesso, desde logo, sen-sibilizado pelo último argumento do eminente Ministro Cezar Peluso, no sen-tido de que, se a Constituição, no seu art. 206, inciso V, obriga, comanda, exige que se valorize os profissionais do ensino de forma ampla, os especialistas em educação, igualmente, enquadram-se nesse dispositivo.

Para evitarmos que outras categorias eventualmente se beneficiem dessa aposentadoria especial, sobretudo porque o art. 40, § 5º, e o art. 201, § 8º, falam es-pecificamente, taxativamente, de professores, e não de especialistas, encaminha-ria meu voto para dar uma interpretação conforme no sentido a que eu me referi.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): No sentido de deixar claro que seriam professores no exercício, também, da atividade de direção de uni-dade, de coordenação e assessoramento pedagógico. Portanto, V. Exa. propõe uma procedência parcial, dando uma interpretação conforme.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Exatamente.

EXTRATO DA ATA

ADI 3.772/DF — Relator: Ministro Carlos Britto. Requerente: Pro cura-dor-Geral da República. Requeridos: Presidente da República (Advogado: Advo gado-Geral da União) e Congresso Nacional. Interessados: Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública no Estado do Espírito Santo – SINDIUPES (Advogados: Alexandre Zamprogno e outros), Confederação Nacional dos Tra-balhadores em Educação – CNTE (Advogados: Paulo Lemgruber e outros), Associação Brasileira de Instituições de Previdência Estaduais e Municipais – ABIPEM (Advogado: Amauri Gavião Almeida Marques da Silva), Sindicato dos Especialistas de Educação do Ensino Público do Município de São Paulo – SINESP (Advogado: Horácio Luiz Augusto da Fonseca), Confederação Na cio-nal dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Educação e Cultura – CNTEEC (Advo gados: Fernando Pires Abrão e outro), Sindicato dos Servidores do Ma-gistério Municipal de Curitiba – SISMMAC (Advogado: Ludimar Rafanhim e Cláudia Maria Lima Scheidweiler), Sindicato dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul – SINPRO/RS (Advogados: Mebel Wolff Salvador e outros), Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino – CONTEE (Advogados: Delaíde Alves Miranda Arantes e outros), Associação dos Supervisores de Educação do Estado do Rio Grande do Sul – ASSERS (Advogada: Patrícia Collat Bento Feijó), Sindicato dos Trabalhadores em Edu -

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cação de Goiás – SINTEGO (Advogados: Regina Cláudia da Fonseca e ou-tros), Sindicato dos Profissionais do Ensino Público Municipal de São Luís – SINDEDUCAÇÃO (Advogado: Antônio Carlos Araújo Ferreira), Sindicato dos Profissionais em Educação no Ensino Municipal de São Paulo – SINPEEM (Ad-vogada: Antonia Delfina Nath), Centro do Professorado Paulista – CPP (Advo-gados: Vera Lúcia Pinheiro Cardoso Dias e outros), Sindicato de Es pe cia listas de Educação do Magistério Oficial do Estado de São Paulo – UDEMO (Advogado: Marlan Carlos de Melo), Sindicato dos Professores e Funcionários Municipais de São Paulo – APROFEM (Advogados: Ana Cristina de Moura Acosta e outro) e Distrito Federal (Advogado: PGDF – Túlio Márcio Cunha e Cruz Arantes).

Decisão: Após os votos do Ministro Carlos Britto (Relator) e da Ministra Cármen Lúcia, que julgavam procedente a ação, e o voto do Ministro Ricardo Lewandowski, que a julgava parcialmente procedente, propondo uma interpre-tação conforme, que assentava que as atividades mencionadas de exercício de direção de unidade escolar e as de coordenação e assessoramento pedagógico também gozariam do benefício, desde que exercidas por professores, pediu vista dos autos o Ministro Eros Grau. Falaram: pela Advocacia-Geral da União, o Ministro José Antonio Dias Toffoli; pela amicus curiae Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), o Dr. Roberto de Figueiredo Caldas; e, pelos amici curiae Sindicato dos Especialistas de Educação do Ensino Pú bli co Município de São Paulo (SINESP) e Sindicato de Especialistas de Educação do Magistério Oficial do Estado de São Paulo (UDEMO), o Dr. Horácio Luiz Augusto da Fonseca. Ausentes, justificadamente, a Ministra Ellen Gracie (Presidente) e os Ministros Celso de Mello e Menezes Direito. Presidência do Ministro Gilmar Mendes (Vice-Presidente).

Presidência do Ministro Gilmar Mendes (Vice-Presidente). Presentes à sessão os Ministros Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski, Eros Grau e Cármen Lúcia. Vice-Pro cura dor-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos.

Brasília, 17 de abril 2008 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

VOTO(Vista)

O Sr. Ministro Eros Grau: O § 5º do art. 40 da Constituição do Brasil (redação da EC 20/98), dispondo sobre o tema da aposentadoria dos servidores públicos, estabelece que os requisitos de idade e de tempo de contribuição serão reduzidos em cinco anos, em relação ao disposto no § 1º, III, a, para o “professor que comprove exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magis-tério na educação infantil e no ensino fundamental e médio”.

2. A ação direta de inconstitucionalidade versa sobre o texto do § 2º do art. 67 da Lei 9.394/96 1, que considera como funções de magistério, para os 1 Na redação que lhe foi atribuída pelo art. 1 da Lei 11.301/06.

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efeitos do § 5º do art. 40 da Constituição do Brasil, “as exercidas por professores e especialistas em educação no desempenho de atividades educativas, quando exercidas em estabelecimentos de educação básica e seus diversos níveis e mo-dalidades, incluídas, além do exercício da docência, as de direção de unidade escolar e as de coordenação e assessoramento pedagógico”.

3. O Pro cura dor-Geral da República sustenta que “a aposentadoria especial concedida aos professores não se estende aos diretores de unidade escolar, coorde-nadores pedagógicos e supervisores de ensino”. O preceito constitucional, diz ele, “não abrange aqueles que não estejam no exercício de atividade em salas de aula, como os especialistas em educação que não exercem a função de professores”.

4. O Relator, Ministro Carlos Britto, afirmou a inconstitucionalidade do § 2º do art. 67 da Lei 9.394/96, na redação que lhe foi atribuída pelo art. 1º da Lei 11.301/06. Votou pela procedência da ação.

5. Os “professores que se deslocam da sala de aula para desempenhar ati-vidades de direção, coordenação e assessoramento pedagógico” não devem, se-gundo o relator, ser beneficiados pelo regime de aposentadoria especial. S. Exa. diz que a Constituição exige que o professor se dedique exclusivamente às funções de magistério para ter direito à aposentadoria especial. E, mais, durante os deba-tes, S. Exa. reafirmou o entendimento de que o deslocamento do professor para a direção de unidade escolar, coordenação pedagógica ou supervisão de ensino acarreta a perda do benefício da aposentadoria; essa perda não corresponderia a uma pena; isso porque, ao sair da sala de aula, o professor obterá, enquanto diretor de unidade escolar, remuneração maior; em contrapartida, perderá o direito à apo-sentadoria especial, e não poderá ganhar duas vezes e terá de optar entre a remu-neração maior e o direito afirmado pelo § 5º do art. 40 da Constituição do Brasil.

6. O voto do Relator está ancorado em interpretação restritiva do texto do § 5º do art. 40 da Constituição do Brasil, interpretação essencialmente grama-tical. O vocábulo exclusivamente é lido, no preceito constitucional, como ex-pressivo de exigência de que o professor, para que possa desfrutar do direito à aposentadoria especial, comprove tempo de efetivo exercício exclusivamente nas funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio.

7. Vale dizer: o professor não terá direito à aposentadoria especial se, além de exercer funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio, exercer funções de direção de unidade escolar e/ou de coordenação e assessoramento pedagógico. Não bastaria ser professor. Para desfrutar do di-reito à aposentadoria especial, o professor não poderia exercer senão funções de magistério, jamais as de direção de unidade escolar e/ou de coordenação e assessoramento pedagógico.

8. Lê-se destarte, na Constituição – permissa venia – o que nela não está escrito.

9. O que o preceito constitucional afirma é a necessidade de, para fazer jus à aposentadoria especial, o professor comprovar tempo de efetivo exercício nas funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio,

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não em qualquer outra. Não que ele não poderá exercer outras funções, além das de magistério, inclusive as de direção de unidade escolar e/ou de coordenação e assessoramento pedagógico. Exige que o professor, para desfrutar daquele di-reito, não compute tempo de exercício em funções outras que não a do magisté-rio. Não – repito – que ele não possa exercer, além das funções de magistério, as de direção de unidade escolar e/ou de coordenação e assessoramento pedagógico.

10. Daí porque estou convencido, permissa venia, de que a interpretação gramatical é perversa. Visto que anteriormente foi feita alusão a Sócrates e a Aristóteles, no voto do Ministro relator, sinto-me autorizado a lembrar Hesíodo, citado por Platão2: “suave é o caminho que conduz à perversidade (...) percorrê-lo dispensa qualquer suor”. Isso porque o caminho da perversidade é “extrema-mente curto”.

11. A interpretação gramatical é perversa porque desvaloriza, sim, a ativi-dade do professor, cindindo o que não se pode cindir. Reporto-me, neste passo, a observação do Ministro Cezar Peluso, durante os debates travados na sessão anterior a esta: “E, portanto, não posso cindir atividades indispensáveis, porque não é possível conceber uma escola, onde haja mais de um professor – onde há um só professor não há problema nenhum –, sem a necessidade de uma direção, de uma organização”.

12. Ademais de cindir o incindível, a interpretação que conduz à procedên-cia da ação impede que a escola seja dirigida por qualquer membro do seu corpo docente. Atribui a orientação pedagógica de cada escola [= coordenação e asses-soramento] a estranho ao seu corpo docente. Ora, ao contrário do que determina o art. 206, V, da Constituição do Brasil – os profissionais da educação escolar hão de ser valorizados – a interpretação gramatical os apequena, perversamente.

13. É certo que a Súmula 726 deste Tribunal diz que “para efeito de apo-sentadoria especial de professores não se computa o tempo de serviço prestado fora da sala de aula”. Sucede que aí estamos diante de texto a ser objeto de inter-pretação, não de uma norma. E, quanto a mim, interpreto esse texto de modo a afirmar que o tempo de serviço prestado pelo professor no exercício de função de direção de unidade escolar e de coordenação e assessoramento pedagógico não pode ser concebido como “tempo de serviço prestado fora da sala de aula”.

14. Seja lá como for, quanto a este ponto lembro outra consideração do Ministro Cezar Peluso quanto a essa súmula: “Nós vamos mudá-la. Vamos dar interpretação para ela. Nós não participamos de nenhum dos precedentes que fundaram essa Súmula”.

15. O texto impugnado na ação direta de inconstitucionalidade efetiva-mente desbordaria dos limites instalados pela Constituição quando se viéssemos a entender como funções de magistério, para os efeitos do § 5º do art. 40 da Constituição do Brasil, as de direção de unidade escolar e as de coordenação e assessoramento pedagógico ainda quando exercidas por quem não seja professor.

2 As leis, trad. Edson Bini. São Paulo: Edipro, 1999. Livro IV, p. 192.

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16. Daí parecer-me expressiva da mais autêntica prudência a proposta de que a ação seja julgada parcialmente procedente, para que se dê interpretação con-forme ao preceito, proposta enunciada já pelos Ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski. Afirme-se então que nenhuma pessoa estranha à função do magis-tério – isto é, que não seja professor – poderá gozar do benefício constitucional da aposentadoria especial. Mas dele gozará o professor, ainda que no desempenho de direção de unidade escolar e/ou de coordenação e assessoramento pedagógico.

Voto nesse mesmo sentido.

VOTO (Confirmação)

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Senhor Presidente, depois de ou-vir o bem-elaborado voto do Ministro Eros Grau, perfilhando também duas consistentes propostas dos Ministros Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio, permito-me fazer o que penso sejam breves considerações.

Quando fiz esse voto no sentido da afirmação da inconstitucionalidade do dispositivo legal adversado na presente ação direta de inconstitucionalidade, louvei-me muito nos precedentes da Casa, não só na interpretação direta seca do texto constitucional.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Em relação aos quais sempre guardei reserva.O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): É, V. Exa., sim, tem toda razão.Na ADI 2.253-9, do Espírito Santo, Rel. Min. Maurício Corrêa, o Su premo

Tribunal Federal decidiu pela inconstitucionalidade dessa acumulação de vanta-gens que se pretende fazer com o presente voto do Ministro Eros Grau.

Eis a ementa – Relator o Ministro Maurício Corrêa:

Ação direta de inconstitucionalidade. Art. 2º da Lei Complementar es ta dual 156/99. Aposentadoria especial. Redução na contagem de tempo de serviço – Ela é aposentadoria especial, porque reduz em cinco anos o tempo de contribuição, o tempo dos professores, docentes, lentes, exercentes de magistério propriamente dito, que se dá em sala de aula, e reduz também em cinco anos a idade cronológica, a idade de nascimento. Por isso é que é aposentadoria especial. Funções de diretor e coordenador escolar. Inconstitucionalidade.

E vamos aos fundamentos dessa decisão plenária:

1. O § 5º do art. 40 da Carta Federal prevê exceção [isso é importante. Esse § 5º consubstancia uma exceção, porque foge da regra geral e o Su premo já qualifi-cou esse § 5º do art. 40 como excepcional] à regra constitucional prevista no art. 40, § 1º, inciso III, alíneas a e b, tendo em vista que reduz em cinco anos os requisitos de idade e de tempo de contribuição para “o professor que comprove exclusivamente tempo de efetivo exercício” [o advérbio “exclusivamente” vem acompanhado do ad-jetivo efetivo; ou seja, o efetivo, aqui, é o não ficto, é o não presumido] das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio.

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O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Para evitar a contagem daqueles tempos fictícios; não exercia atividade nenhuma ligada ao magistério e era compu-tada como tal. Por isso que se exige “efetivo”. É como serviço militar, por exemplo.

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Perfeito. Mas se o professor está desempenhando atividade que não é de professor e ainda assim... Vou bem ex-plicar isso. Vou dizer por que não é de professor; é de direção, é de especialista, é de assessoramento.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mas daí a ressalva do Ministro Eros Grau. Ele afasta, do alcance da norma, em interpretação conforme à Constituição Federal, aqueles que não tenham a qualificação de professor. Ele afasta a deno-minada administração profissionalizada, estranha ao magistério, à potenciali-dade de ministrar aulas.

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Sim. Mas a nossa decisão enfrentou isso também.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Agora, tem-se o envolvimento de categoria profissional, Ministro Carlos Ayres Britto, tão sacrificada nesse imenso Brasil que precisa de cultura, precisa de educação. Vamos adotar entendimento esti-mulante ou ponto de vista que acabe por restringir o preceito constitucional?

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): O acerto da afirmativa de V. Exa. me parece aparente. Vou explicar também por quê, data venia.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: V. Exa. entende que a educação está a ga-lope no Brasil?

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Claro que não estou dizendo isso, Excelência.

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: O que foi dito pelo Ministro Carlos Britto foi exatamente que nós precisamos de professor em sala de aula, dando aula.

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Exatamente, e sendo prestigiado por isso.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: A “lei do giz” está abolida há muito tempo. Não se tem mais sequer o giz em sala de aula.

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Mas de diretores que sejam pro-fessores também.

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Permitam-me terminar o raciocínio.Disse a nossa decisão:

(...) em cinco anos os requisitos de idade e de tempo de contribuição para “o professor que comprove exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio”.

2. Funções de magistério. Desempenho das funções exercidas em sala de aula. Não abrangência da atividade-meio (...).

Ou seja, a atividade de magistério é atividade-fim.

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O Sr. Ministro Marco Aurélio: Nos preceitos constitucionais, o local não é referido.

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Um momento, Excelência. O pró-prio Su premo Tribunal Federal qualificou a atividade do magistério como ativi-dade-fim e todas as demais como atividade-meio.

(...) relacionada com a pedagogia, mas apenas da atividade-fim do ensino. Dessa forma, os beneficiários são aqueles que lecionam na área de educação infan-til e de ensino fundamental e médio, não se incluindo quem ocupa cargos admi-nistrativos, como o de diretor ou coordenador escolar (...) [e veio o arremate] (...), ainda que privativos de professor.

Ou seja, ainda que o professor esteja deslocado para desempenhar essas outras atividades de suporte institucional ou pedagógico.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: O que é isso? Um precedente, Excelência?O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator):

3. Lei complementar estadual 156/99. Estende a servidores, ainda que inte-grantes da carreira de magistério, o benefício da aposentadoria especial mediante redução na contagem de tempo de serviço no exercício de atividades administra-tivas. Inconstitucionalidade material.

Muito bem. Qual é o núcleo da minha tese, do meu voto?O núcleo é o seguinte:O que a Constituição pretendeu objetivamente foi distinguir entre profes-

sor e quem não é professor, embora ambos sendo educadores, ambas as catego-rias. Por exemplo, assessor pedagógico, coordenador pedagógico, o diretor de estabelecimento escolar. Claro que todos fazem parte da categoria mais abran-gente dos educadores. O professor é uma espécie de educador. A educação é um gênero; o professor é uma espécie. Mas a Constituição quis beneficiar com ex-clusividade a espécie fazendo uma distinção entre ministração de aula e admi-nistração escolar. Ministrar não é administrar. Administrar é atividade de quem é gerente; ministrar é atividade de quem é lente, de quem efetivamente leciona. Caso se permita que o professor deslocado de sua sala de aula para ocupar cargo de assessor, de coordenador, de dirigente escolar ou pedagógico reduza seu tempo de contribuição e seu tempo cronológico e sua idade em cinco anos para receber o benefício, a meu ver, estaríamos desestimulando a atividade em sala de aula, estaríamos desprestigiando o professor que é professor. Ou seja, aquele íntimo com as quatro paredes; aquele que faz da sua sala de aula...

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Desprestigiando por quê? Nós não estamos retirando dele a aposentadoria especial.

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Um momento. Ele fica estimulado a buscar maior vencimento, maior contribuição pecuniária em atividade que não é de professor. Vai ser uma corrida, uma disputa entre os docentes para ver quem sai da sala de aula; não para ver quem fica, porque os cargos em comissão...

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O Sr. Ministro Marco Aurélio: Que tem cargos limitados, limitadíssimos, Excelência.

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Mas, Ministro, nós temos de ter professores em número suficiente para dar aula na classe e para ser diretor.

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Mas diretor é uma profissão dife-rente da de professor. Professor é outra coisa.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Assume o ônus e ainda tem um prejuízo.O Sr. Ministro Eros Grau: E mais: a escola não pode ser dirigida por um

professor da própria escola; tem de ser dirigida por um estranho.O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Não, o professor pode. Ele opta: eu

quero ser diretor. Muito bem. Vai ganhar mais como diretor, mas não vai acu-mular os benefícios da aposentadoria especial com esse ganho maior. O benefí-cio da aposentadoria reduzida ele ganha se permanece na sala de aula; mas, se sai, deixa a sala de aula, seduzido – digamos – por uma remuneração maior num cargo de direção, muito bem, ele vai ganhar mais como diretor.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: V. Exa. está sendo muito materialista!O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Não, que materialista, Excelência.A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Ele está sendo realista, Ministro, muito realista.O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Eu estou sendo realista e não quero

é esvaziar as salas de aula. Eu quero que os professores se realizem na sua ver-dadeira vocação.

Agora, ainda que assim não fosse, ainda que a lei não padecesse de incons-titucionalidade material, ela padeceria de uma inconstitucionalidade formal. Por quê? Porque, para fugir da regra geral da aposentação e fazer jus a uma aposen-tadoria especial, o professor só pode ser contemplado por uma lei complemen-tar. E a lei agora adversada não é complementar.

Lerei para os senhores o § 4º do art. 40 da Constituição Federal:

(...)§ 4º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a con-

cessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, res-salvados, nos termos definidos em leis complementares, os casos de servidores:

I – portadores de deficiência;II – que exerçam atividades de risco;III – cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudi-

quem a saúde ou a integridade física.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mas, Ministro, a própria Constituição estabeleceu a exceção, porque é expressa quanto ao professor, ao dispor que a redução é de cinco anos.

O Sr. Ministro Celso de Mello: As ressalvas, em tal matéria, ou decorrem de lei complementar, conforme expressa permissão da Constituição, ou derivam do próprio texto da Lei Fundamental.

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O Sr. Ministro Marco Aurélio: Para outros casos.A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Mas, aí, Ministro, nós teríamos a pos-

sibilidade de o legislador estabelecer outras formas que não as previstas na Constituição. É exatamente o que estamos admitindo.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mas a premissa dos que sustentam que tam-bém os dirigentes e os técnicos pedagógicos, professores – com a qualificação de professor – têm direito a essa redução é única: ela já está contemplada expres-samente no texto constitucional.

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): No § 5º.O Sr. Ministro Marco Aurélio: Também no art. 201, § 8º, quanto à previ-

dência em geral.A Sra. Ministra Ellen Gracie: E, a contrario sensu, Ministro Carlos Britto,

se V. Exa. me permite, a Constituição não exige lei complementar para que se retire de determinados professores a qualificação de professores; professores que estão exercendo atividades de direção.

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): É porque o direito realmente é como, o mais das vezes, legislado.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: S. Exa. está adoentado.O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Não. É que o Direito legislado con-

firma a genialidade de Hans Kelsen: é quase sempre uma moldura aberta. Ele se vaza – o direito legislado – numa estrutura de linguagem, que carrega consigo significados, e V. Exas. estão entendendo que há um significado veiculado pelo § 5º que eu não consigo enxergar. Eu acho que o § 5º do art. 40 da Constituição Federal é completamente diferente. O que a Constituição – para mim – quis con-templar, prestigiar, foi o professor que é professor; não o que é administrador, não o que é gerente, não o que é gestor.

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Mas não é administrador de qualquer coisa, Ministro. Esse é que é o grande problema. Ele não é administra-dor de qualquer coisa; se ele fosse administrador de outro tipo de atividade, tudo bem. Ele é administrador da carreira típica de professor.

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Não. Não é professor.A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Ele é administrador da escola. O professor,

tal como tinha sido interpretado pelo próprio Su premo, é sala de aula.O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): É de administração escolar. Profes-

sor é uma coisa, administração escolar é outra.O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): E a escola, o que é?O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): De administração escolar; profes-

sor é uma coisa, administração escolar...O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Sim, mas é uma função absolu-

tamente essencial. Noutras palavras, dá-se a quem é dirigido um benefício, e a quem dirige não se dá.

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O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Mas se dão outros benefícios até maiores.

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Tanto, Ministro, que, enquanto vigente essa súmula do Su premo, não tenha dúvida, a corrida para ser diretor não será pequena. Ninguém se engane.

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Não é pequena; é enorme. Nós sa-bemos disso, porque fomos dirigentes. Esvaziamos a sala de aula.

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Ministro, nós não esvaziamos. Essa é que me parece a questão fundamental. Nós temos de ter professores em número suficiente para exercer ambas as atividades ligadas ao magistério. Ambas. Nós temos de ter professores suficientes para dar aulas; e temos de ter professores suficientes para exercer a direção das escolas.

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Bem, eu respeito os pontos de vista contrários ao meu, mas permaneço fiel ao voto que proferi no sentido de julgar procedente a ação direta de inconstitucionalidade, tanto material, quanto for-malmente. Ou seja, há vício material na lei adversada, como há vício formal.

VOTO(Confirmação)

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Já votei, senhor Presidente, mas gostaria de insistir no meu voto, data venia, entendendo que, nas atividades de magistério, compreende-se uma série de outras atividades e não apenas o trabalho em classe, mas o preparo das aulas, o atendimento de alunos, o atendimento de pais, o assessoramento, a coordenação de comissões, mesmo os cargos de direção.

Se excluirmos aqueles que exercem cargos de direção, coordenação ou as-sessoramento, em razão do interesse público, estaríamos punindo, na verdade, os professores que, em razão do interesse público, estão assumindo essas funções.

Julgamos em São Paulo, no Tribunal de Justiça, centenas e centenas de casos em que admitíamos que um professor de carreira deslocado temporaria-mente para a Secretaria de Educação, por exemplo, para ocupar um cargo em comissão pudesse se beneficiar da aposentadoria especial, tal como estabelece a Constituição.

No Estado de São Paulo, o professor de carreira assume efetivamente os cargos de direção das escolas públicas; portanto, não sai da carreira.

É por isso que eu, com o apoio de outros colegas, propus uma interpre-tação conforme para assentar que as atividades de direção de unidade escolar, coordenação e assessoramento pedagógico também gozam do benefício – na mesma linha do assentado pelo Ministro Eros Grau –, desde que exercidas por professores. Essa foi a minha proposta.

A Sra. Ministra Ellen Gracie: São consideradas as funções de magistério as exercidas por professores. Já está na letra do artigo.

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O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Mas havia uma dúvida na inter-pretação porque se entendeu, na época da discussão, que eram carreiras de professor.

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): É que V. Exas. acham que as fun-ções de magistério vão além da sala de aula, vão além da ministração de aula. Eu entendo que não.

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Em São Paulo, Ministro Ricardo Le wan-dowski, algumas escolas têm os cargos específicos de diretor exercidos por pedagogos. Naquelas em que há o maior número de salas de aulas, há inclusive a designação específica do cargo de diretor.

VOTO

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhor Presidente, vou acompanhar o Relator e me manter fiel ao precedente da Corte.

VOTO

A Sra. Ministra Ellen Gracie: Senhor Presidente, peço vênia ao eminente Relator, Ministro Carlos Britto, e aos que o acompanharam para julgar a ação totalmente improcedente.

Pondero ao Ministro Ricardo Lewandowski, que propôs a interpretação conforme, que só não acompanho S. Exa. porque vejo expresso na letra do artigo ora questionado as funções, funções inegavelmente de magistério, ou seja, dire-ção de unidade escolar, coordenação e assessoramento pedagógico:

Art. 67. (...)(...)§ 2º (...) são consideradas funções de magistério as exercidas por professo-

res (...)

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: V. Exa. me permite?A Sra. Ministra Ellen Gracie: Sim.O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Guardei comigo as anotações que

fiz quando julgamos essa questão na assentada anterior, mas, salvo engano, o § 2º do art. 67 inclui também “e especialistas em educação”. Por isso que surgiu uma certa perplexidade.

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Fizemos uma restrição para não compreender os especialistas em educação.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Exatamente. Apenas os professores.O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Só para reconhecer a aposenta-

doria especial aos diretores que sejam professores.A Sra. Ministra Ellen Gracie: Que sejam professores.

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Na realidade, V. Exa. estaria extirpando a expressão “especialistas em educação”?

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Justamente.A Sra. Ministra Ellen Gracie: Vai ser difícil encontrar um especialista em

educação que não seja professor.O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: É, estamos excluindo aqui os espe-

cialistas em educação.O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Há especialistas que nunca entra-

ram em uma sala de aula.O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Pois é. Estamos excluindo. Por isso

que a minha proposta é no sentido da procedência parcial.A Sra. Ministra Ellen Gracie: Julgo improcedente a ação.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, fisiologicamente sou míope, mas enxergo a necessidade de conferir à Constituição Federal a maior concretude possível.

Não posso estabelecer distinção onde o texto constitucional não distingue. Não posso partir para a exigência de um instrumental próprio, a normatização, como é a lei complementar, quando o próprio texto cogita dos fatores indispen-sáveis a chegar-se ao exercício do Direito. Há alusão, na Constituição Federal, à redução do tempo do serviço quanto àqueles que, sendo professores, exerçam atividade ligada ao magistério. Essa é a premissa do meu voto. Tem-se o estabe-lecimento, na própria Carta, da diminuição.

No Brasil, precisamos – e algum dia acordaremos para essa necessidade – dar ênfase maior à educação. Não podemos, por isso mesmo, interpretar de forma tímida os preceitos constitucionais que estão voltados a assegurar aos profissionais do ensino, aos professores, tratamento diferenciado.

Disse que já não há mais no cenário o que antes se denominava “Lei do Giz”, ou seja, a exigência, para alcançar-se certo benefício, de ter-se o desenvol-vimento da atividade em sala de aula, no quadro negro.

No caso, os preceitos constitucionais – refiro-me ao § 5º do art. 40 e ao § 8º do art. 201 – aludem à atividade de magistério. E aquele que é deslocado da sala de aula – realmente o é, mas não há exigência constitucional quanto ao local geográfico da prestação de serviço – para um cargo de direção ou para uma função de orientação pedagógica passa a ser verdadeiro coordenador dos profes-sores. Passa a ter, até mesmo, atividade mais penosa em termos de desgaste. Por isso não se pode adotar interpretação que acabe por inibir a aceitação do próprio cargo, já que é sabença geral que os valores auferidos não são muito diferentes daqueles satisfeitos pelo fato de se ministrar aulas.

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Peço vênia ao Relator para reafirmar o que sempre sustentei neste Plenário sobre a matéria: é preciso avançar, é preciso dar eficácia aos preceitos constitucio-nais no que voltados ao que me referi como tratamento diferenciado – até mesmo republicano – àqueles que desenvolvem atividades em situação desgastante.

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Só não aceito o “avançado”. Para mim é retrocesso; deixa de prestigiar o professor que é professor. No mais, tudo bem.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ministro, aquele que é deslocado para a orientação pedagógica continua professor, só que o trabalho desenvolvido é, sob o meu modo de ver, de envergadura maior do que o trabalho em sala de aula.

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Não continua. Não há envergadura maior do que trabalho em sala de aula, Exa. É este o espírito da Constituição: estar em sala de aula é o máximo.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Como simples professor, agradeço o elogio que V. Exa. me faz!

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Ministro, hoje estamos dando aula a distância, por televisão. Não há mais sala de aula. Hoje se dá aula pela televisão.

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Mas a pessoa está sentada, falando para um público ouvinte, embora virtual. É sala de aula virtual.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, em síntese: o que importa é a natureza do serviço, tomado como gênero e não como espécie, e a qualificação daquele que o desenvolva.

Por isso, peço vênia para acompanhar a divergência. Assim o faço na in-terpretação conforme, porque a alusão a “especialistas em educação” pode via-bilizar a inserção de pessoas diversas, que passariam a ter jus à aposentadoria especial. Hão de ser, também, professores.

VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Na verdade, o que a Corte acaba de fazer, se não me engano, é abrir uma ressalva à Sumula 726, que estabelece:

Para efeito de aposentadoria especial de professores, não se computa o tempo de serviço prestado fora da sala de aula, salvo o de diretor.

Isto é, o professor que exercer o cargo de diretor terá seu tempo computado.O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator); Tem que ampliar: salvo o de diretor,

coordenador, assessor...O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): É só o de diretor, não é?O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Vai ser restritiva?O Sr. Ministro Celso de Mello: Não, porque nós estamos também conside-

rando os coordenadores pedagógicos e os assessores pedagógicos.

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O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Desde que sejam professores?O Sr. Ministro Celso de Mello: Desde que sejam professores.O Sr. Ministro Marco Aurélio: Que tenham essa qualificação.O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Salvo o de diretor, assessor pe-

dagógico e coordenador pedagógico.O Sr. Ministro Celso de Mello: Salvo os professores exercentes de fun-

ções de direção de unidade escolar e de coordenação e de assessoramento pedagógico.

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Os professores já estão no início do enunciado da Súmula.

O Sr. Ministro Celso de Mello: Sim.

EXTRATO DA ATA

ADI 3.772/DF — Relator: Ministro Carlos Britto. Relator para o acórdão: Ministro Ricardo Lewandowski. Requerente: Pro cura dor-Geral da República. Requeridos: Presidente da República (Advogado: Advogado-Geral da União) e Congresso Nacional. Interessados: Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública no Estado do Espírito Santo – SINDIUPES (Advogados: Alexandre Zamprogno e outros), Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação – CNTE (Advogados: Paulo Lemgruber e outros), Associação Brasileira de Instituições de Previdência Estaduais e Municipais – ABIPEM (Advogado: Amauri Gavião Almeida Marques da Silva), Sindicato dos Especialistas de Educação do Ensino Público do Município de São Paulo – SINESP (Advogado: Horácio Luiz Augusto da Fonseca), Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Educação e Cultura – CNTEEC (Advogados: Fernando Pires Abrão e outro), Sindicato dos Servidores do Magistério Municipal de Curitiba – SISMMAC (Advogados: Ludimar Rafanhim e Cláudia Maria Lima Scheidweiler), Sindicato dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul – SINPRO/RS (Advogados: Mebel Wolff Salvador e outros), Confederação Na cio nal dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino – CONTEE (Ad vo-ga dos: Delaíde Alves Miranda Arantes e outros), Associação dos Supervisores de Educação do Estado do Rio Grande do Sul – ASSERS (Advogada: Patrícia Collat Bento Feijó), Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Goiás – SINTEGO (Advogados: Regina Cláudia da Fonseca e outros), Sindicato dos Profissionais do Ensino Público Municipal de São Luís – SINDEDUCAÇÃO (Advogado: Antônio Carlos Araújo Ferreira), Sindicato dos Profissionais em Educação no Ensino Municipal de São Paulo – SINPEEM (Advogada: Antonia Delfina Nath), Centro do Professorado Paulista – CPP (Advogados: Vera Lúcia Pinheiro Cardoso Dias e outros), Sindicato de Especialistas de Educação do Magistério Oficial do Estado de São Paulo – UDEMO (Advogado: Marlan Carlos de Melo), Sindicato dos Professores e Funcionários Municipais de São Paulo – APROFEM (Advogados: Ana Cristina de Moura Acosta e outro) e Distrito Federal (Advogado: PGDF – Túlio Márcio Cunha e Cruz Arantes).

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Decisão: O Tribunal, por maioria, julgou parcialmente procedente a ação, com interpretação conforme para excluir a aposentadoria especial ape-nas aos especialistas em educação, nos termos do voto do Ministro Ricardo Lewandowski, que redigirá o acórdão, contra os votos dos Ministros Carlos Britto (Relator), Cármen Lúcia e Joaquim Barbosa, que julgavam procedente a ação, e da Ministra Ellen Gracie, que a julgava de todo improcedente. Votou o Presidente, Ministro Cezar Peluso (Vice-Presidente). Ausentes, justificada-mente, porque em representação do Tribunal no exterior, o Ministro Gilmar Mendes (Presidente) e, neste julgamento, o Ministro Menezes Direito.

Presidência do Ministro Cezar Peluso (Vice-Presidente). Presentes à ses-são os Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Eros Grau, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Subpro cura dor-Geral da República, Dr. Francisco Xavier Pinheiro Filho.

Brasília, 29 de outubro de 2008 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.833 — DF

Relator: O Sr. Ministro Carlos BrittoRelator para o acórdão: O Sr. Ministro Marco AurélioRequerente: Partido Popular Socialista – PPS — Requerido: Congresso

Nacional

Ação direta de inconstitucionalidade – Objeto. A alteração da Carta inviabiliza o controle concentrado de constitucionali-dade de norma editada quando em vigor a redação primitiva.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Su-premo Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráfi-cas, por maioria, não conhecer da ação, averbando, todavia, o exaurimento da norma contida no Decreto legislativo 444/02, questionada nesta ação, ou seja, em entendimento da Corte de que fixação dos subsídios para os Congressistas, Senadores e Deputados, deverá se fazer mediante decreto legislativo específico a ser aprovado por ambas as Casas do Congresso, vencidos os Ministros Carlos Britto, Relator, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Eros Grau, que conhe-ciam da ação e deferiam a cautelar. Votou a Presidente. Ausente, justificada-mente, o Ministro Celso de Mello.

Brasília, 19 de dezembro de 2006 — Marco Aurélio, Relator para o acórdão.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Cuida-se de ação direta de inconstitu-cionalidade, ajuizada pelo Partido Popular Socialista (PPS) e tendo por alvo o Decreto Legislativo Federal de n. 444, de 19 de dezembro de 2002.

2. O ato legislativo sob censura está assim redigido:

Decreto Legislativo nº 444, de 2002.Dispõe sobre a remuneração dos membros do Congresso Nacional du-

rante a 52ª Legislatura.O Congresso Nacional decreta:Art. 1º Até que seja aprovada a lei de iniciativa conjunta de que trata o

art. 48, XV, da Constituição Federal, a remuneração dos Membros do Congresso Nacional corresponderá à maior remuneração percebida, a qualquer título, por Ministro do Su premo Tribunal Federal, incluídas as relativas ao exercício de outras atribuições constitucionais, e se constituirá de subsídio fixo, variável e adicional.

§ 1º Na aplicação do disposto no caput, ficam, mantidos os critérios de pagamento e a proporção entre subsídios fixos e variáveis e adicional fixada

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pelo Decreto Legislativo nº 7, de 1995, cuja vigência foi prorrogada pelo Decreto Legislativo nº 7, de 1999.

§ 2º As Mesas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados regularão, em ato conjunto, a aplicação deste Decreto Legislativo.

Art. 2º Este Decreto Legislativo entra em vigor na data de sua publicação, produzido efeitos financeiros a partir de 1º de fevereiro de 2003.

Senado Federal, 19 de dezembro de 2002. Senador Ramez Tebet, Pre si-den te do Senador Federal.

3. Pois bem, o Autor sustenta que o modelo normativo impugnado fere o inciso XIII do art. 37 da Constituição Federal. Dispositivo, esse, que proíbe “a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público”. Acrescenta que, ao atrelar o nível de remuneração dos Deputados Federais e Senadores ao subsídio de um ministro do Su premo Tribunal Federal, paritariamente, fazendo-o sem prévia dotação orçamentária, o Decreto Legislativo 444/02 também ofende o inciso I do § 1º do art. 169 da Lei Maior.

4. Prossigo para averbar que, após declinar os fundamentos jurídicos da presente ação constitucional, o Partido Popular Socialista pediu que fosse decla-rada a inconstitucionalidade do decreto legislativo em causa.

5. Já em sede de medida cautelar, o acionante requereu a suspensão dos efeitos do ato posto em xeque, até o julgamento de mérito deste processo. E é precisamente esse pedido prévio que trago à apreciação deste Plenário.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Começo o meu voto pela ne-cessária lembrança de que o art. 10 da Lei 9.868/99 contém essa conhecida men-sagem capitular: a medida liminar em ação direta de inconstitucionalidade será concedida por decisão da maioria absoluta dos membros do Su premo Tribunal Federal “após a audiência dos órgãos ou autoridades dos quais emanou a lei ou ato normativo impugnado (...)”. Audiência que ele próprio dispensa, pelo seu § 3º, “Em caso de excepcional urgência”.

8. Feito o registro, anoto que a petição inicial dá conta de que, autoriza-dos pelo Decreto Legislativo 444/02, os Presidentes das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal estão a promover um tipo de equiparação remu-neratória que implica elevação de 90,70% (noventa vírgula setenta por cento) no subsídio de cada parlamentar federal. Incremento estipendiário, esse, que vigorará a partir de 1º de fevereiro de 2007 (fl. 8).

9. Sendo assim, e tendo em conta que a presente ação direta de inconstitu-cionalidade foi ajuizada na data de ontem (18-12-06) – véspera, portanto, desta última sessão plenária do fluente ano de 2006 –, a conclusão a que instantane-amente se chega é de que o dia de hoje é a única oportunidade para que este mesmo Tribunal Pleno possa julgar o pedido cautelar antes da efetiva produção

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de efeitos do ato de concreção do decreto legislativo contra cuja validade foi pro-posta a presente ação direta de inconstitucionalidade. Isto, naturalmente, pela circunstância de que este STF só retornará a oficiar de modo coletivo quando já findo o mês de janeiro do ano que se avizinha (2007).

10. Este o quadro factual que se me afigura como de urgência incomum, de modo a atrair para o presente julgamento a incidência do sobredito § 3º do art. 10 da Lei 9.868/99. Pelo que passo a examinar, de logo, os pressupostos da requestada medida liminar.

11. Com esse propósito, e num juízo prefacial ou de mera aproximação que é próprio das decisões de natureza cautelar, tenho que a denunciada equi-paração estipendiária se fez em descompasso com a Constituição Federal. Quero dizer: a equiparação remuneratória em causa implica automática majo-ração estipendiária e o fato é que tal majoração não é de ser feita por esse veí-culo formal que atende pelo nome de decreto legislativo (inciso VI do art. 59 da Constituição).

12. Com efeito, o modelo ou veículo de deliberação a que pode recorrer o Congresso Nacional para fixar os estipêndios de todo parlamentar federal é a lei ordinária. Lei formal do Congresso Nacional, que ainda se caracterize pela sua especificidade. Logo, “lei específica” ou monotemática, a se revelar como instrumento deliberativo de máxima densidade material e interesse coletivo, por isso que exigente de mais centrada atenção dos legisladores em sessão plenária e mais facilitado acompanhamento popular. É como está no inciso X do art. 37 e no § 4º do art. 39 da Magna Carta, mutuamente referidos. Tudo em sintonia com o inciso VII do art. 49 e o § 2º do art. 27 (este último a dispor sobre os subsídios dos deputados estaduais; aquele, sobre as competências exclusivas do Congresso Nacional). Confira-se:

Art. 37.X – a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º

do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices.

Art. 39.§ 4º O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de

Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusiva-mente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI.

Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:(...)VII – fixar idêntico subsídio para os Deputados Federais e os Senadores,

observado o que dispõem os arts. 37, XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I;(...).

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Art. 27.§ 2º O subsídio dos Deputados Estaduais será fixado por lei de iniciativa da

Assembléia Legislativa, na razão de, no máximo, setenta e cinco por cento daquele estabelecido, em espécie, para os Deputados Federais, observado o que dispõem os arts. 39, § 4º, 57, § 7º, 150, II, l53, III, e 153, § 2º, I.

13. Daqui se conclui, quer-me parecer, pela inconstitucionalidade formal do Decreto Legislativo 444/02. Com a circunstância agravante de que a indi-gitada equiparação também é, em si mesma, expediente atentatório de parti-cula rizado comando da Constituição: o inciso XIII do art. 37, verbis: “é vedada vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público”.

14. Deveras, ainda que o Poder Legislativo venha a sacar de lei específica, parece correto assentar que tal lei não pode veicular equiparações entre níveis ou padrões remuneratórios de diferenciados cargos públicos. A menos, claro, que essa correspondência estipendiária já conste da própria Constituição, como é o caso do § 3º do art. constitucional de n. 73, a fazer dos vencimentos e vanta-gens dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça as vantagens e os vencimen-tos dos Ministros do Tribunal de Contas da União. Também assim a completa identidade entre os subsídios dos próprios Deputados Federais e Senadores, nos precisos termos do inciso VII do art. 49 da nossa Lei Fundamental.

15. No caso dos autos, o Decreto Legislativo 444/02 nem se contém nos marcos de um determinado período de vigência! Ao contrário do que faz supor a sua ementa, ele consubstancia um comando de permanente ou automático atrelamento paritário entre os subsídios dos membros do Congresso Nacional e aqueles que venham a ser fixados para os ministros do Su premo Tribunal Federal. O que já me parece traduzir um outro modo de caminhar a contrapasso da Constituição, a teor do citado inciso XIII do art. 37. Inciso que se impõe ao intérprete como expressivo de uma lógica perpassante de todo o sistema de co-mandos do Magno Texto, que é a lógica da autonomia entre os padrões remu-neratórios dos agentes públicos (tirante as hipóteses que a própria Constituição indica, renove-se a proposição).

16. A segunda conclusão a que se pode chegar, portanto, é que o decreto legislativo sob comento padece de uma outra nódoa de inconstitucionalidade, agora da espécie material. O que envolve o pedido sob julgamento numa ambi-ência de plausibilidade jurídica ou relevância da fundamentação ( fumus bonis iuris) a que se ajunta o perigo da demora na prestação jurisdicional (periculum in mora), como dantes enfatizado. Perigo de mora prestacional-judicante que também nos processos de índole objetiva é exigente de análise conjunta do teor da pretensão autoral e dos fatos subjacentes a tal pretensão, como serve de amostra o julgamento que se proferiu na ADI 1.750-MC (ministro Nelson Jobim), literis:

(...)A plausibilidade jurídica está demonstrada, não há dúvida quanto a perda de

arrecadação e o desvio do atendimento às prioridades do estado.

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O periculum in mora está presente eis que os carnês referentes aos im-postos mencionados estão em via de serem impressos e distribuídos (fl. 13).

(...)

17. Esse o quadro, voto pelo deferimento da medida liminar para suspen-der os comandos veiculados pelo Decreto Legislativo 444/02, até que se ultime o julgamento de mérito desta ação direta de inconstitucionalidade. Voto ainda pela atribuição de eficácia retroativa (ex tunc) a esta decisão cautelar, tendo em vista a noticiada decisão concreta de elevação do subsídio dos senadores e depu-tados federais já a partir de 1º de fevereiro do ano entrante.

VOTO

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Senhora Presidente, estudei a petição da ação apresentada – e amplamente veiculada ontem à noite em diversos sítios ju-rídicos – e tenho as seguintes ponderações a fazer para fundamentar o meu voto.

Competência do STF para processar e julgar a ação1. Começo por lembrar, Senhora Presidente, Senhores Ministros, que o

que primeiro chama a atenção ao apreciar a ação proposta é a possibilidade constitucional desta Casa conhecer e julgar a matéria posta em exame.

Poder-se-ia cogitar de não ser possível, constitucionalmente, o conheci-mento da presente ação em razão de ser o tema nela cuidado afetado aos cuida-dos normativos primários do Congresso Nacional. Afinal, o ato normativo em exame cuida da remuneração dos próprios membros do Congresso Nacional. Poder-se-ia cogitar ser essa matéria eminentemente política e, por isso, insujeita à sindicabilidade judicial.

O debate que se travou sobre a extensão da competência do Su premo Tribunal para julgar atos dos poderes chamados políticos é antiga. Em 1915, o Ministro Pedro Lessa, em obra clássica, tentava responder “que é uma questão po-lítica?” Afirmava ele que “Sem um conceito preciso e claro acerca da natureza da política, é impossível determinar até onde se estende a atividade do poder judiciá-rio no regime federativo, ou quais os limites do domínio desse poder.” Lembrava ele que “já nos seus primeiros anos incorria a Corte Suprema na tacha de proferir decisões políticas. As sentenças de Marshall, ditadas pelo pensamento de dar maior expansão às atribuições dos poderes federais levantaram contra aquele tribunal as mais veementes acusações. Ainda há poucos anos, no começo deste século, julgou a Corte Suprema nove litígios, que, agrupados sob a denominação comum de Casos Insulares, ofereceram novo ensejo à argüição de que o poder ju-diciário mais uma vez se envolvia na decisão de questões políticas, estranhas à sua esfera. (...) A pecha de sentenças fundadas em motivos políticos e proferidas sobre assuntos políticos, é impossível muitas vezes evitar às decisões que, declarando-os inconstitucionais, julgam inválidos e inexeqüíveis atos da legislatura ou do po-der executivo. Na verdade, esta função, que ninguém recusa à Corte Suprema, não só nos Estados Unidos, como nos países que lhes imitaram as instituições, infunde

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a esse órgão do poder judiciário um inegável caráter político (...) Para se furtar à competência do poder judiciário, não basta que uma questão ofereça aspectos po-líticos, ou seja suscetível de efeitos políticos. É necessário que seja simplesmente, puramente, meramente política” (LESSA, Pedro. Do Poder Judiciário. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1915. p. 54 e seguintes).

E aquele autor chama a lição incontrastável de Ruy, segundo o qual “aca-bemos, pois, de uma vez com o equívoco, definindo (que) (...) uma questão pode ser distintamente política, altamente política, segundo alguns, até puramente política, fora dos domínios da justiça, e, contudo, em revestindo a forma de um pleito, estar na competência dos tribunais, desde que o ato, executivo ou legis-lativo, contra o qual se demande, fira a Constituição, lesando ou negando um direito nela consagrado. (...) Noutras palavras: a violação de garantias constitu-cionais, perpetrada à sombra de funções políticas, não é imune à ação dos tri-bunais. A estes compete sempre verificar se a atribuição política, invocada pelo excepcionante, abrange nos seus limites a faculdade exercida. Em substância – acrescenta, ainda, Pedro Lessa à lição de Ruy – exercendo atribuições políticas e tomando resoluções políticas, move-se o poder legislativo num vasto domínio, que tem como limites um círculo de extenso diâmetro, que é a Constituição Federal. Enquanto não transpõe essa periferia, o Congresso elabora medidas e normas que escapam à competência do poder judiciário. Desde que ultrapasse a circunferência, os seus atos estão sujeitos ao julgamento do poder judiciário, que, declarando-os inaplicáveis por ofensivos a direitos, lhes tira toda a eficácia jurídica” (idem, ibidem).

A partir daquelas lições, que datam de quase cem anos, e que tem como autor um dos maiores juízes que passaram por este Su premo Tribunal Federal, concluo, Senhora Presidente, que está no rol dos deveres constitucionais desta Casa conhecer e apreciar a validade do Decreto Legislativo 444/02, na forma postulada na ação ajuizada.

Da equiparação vedada constitucionalmente2. Conforme posto na peça inicial da ação, o Decreto Legislativo 444/02

estabelece, em seu art. 1º, a equiparação, vedada pela Constituição, de re-muneração entre aquela que é devida aos membros do Congresso Nacional e aquel’outra, devida, a qualquer título, ao Ministro do Su premo Tribunal Federal. A partir do padrão legalmente estatuído como devido – o do Ministro do STF – fica definido o que se pagará ao membro do Congresso Nacional.

Dispõe o art. 1º, caput, do Decreto 444/02 que:

Art. 1º Até que seja aprovada a lei de iniciativa conjunta de que trata o art. 48, XV, da Constituição Federal, a remuneração dos Membros do Congresso Nacional corresponderá à maior remuneração percebida, a qualquer título, por Ministro do Su premo Tribunal Federal, incluídas as relativas ao exercício de outras atribuições constitucionais, e se constituíra de subsídio fixo, variável e adicional.

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3. A equiparação é uma igualação horizontal de vencimentos ou de remu-neração fixada para cargos ou funções diferentes, determinada de tal modo que sempre que um padrão de vencimento aumentar tem-se o aumento automático do outro devido a cargo diverso. Dá-se, assim, aumento do valor de uma remu-neração pelo aumento atribuído ao que é devido em razão de outro cargo, de na-tureza diversa. E é isso que a Constituição proíbe, porque até mesmo os recursos públicos ficam insuscetíveis do necessário controle quando providências como esta são adotadas.

Ao cuidar deste tema, em outra ocasião, acentuei que a regra constitucio-nal proibitiva da equiparação de remuneração refletia a “preocupação do cons-tituinte reformador com a regra da verdade remuneratória, buscando-se, então, abortar experiências legislativas levadas a cabo pela positivação de normas (...) pelas quais se fazem remissões a outras categorias remuneratórias concedidas em outras leis e que passam a incidir (de tal modo que)... nem o beneficiário conhece, muitas vezes, o fundamento da espécie que lhe é paga. A equiparação faz-se, nesse caso, por vias legislativas nebulosas, pouco claras para o público e quase desconhecidas da coletividade. Tanto desborda em desvalor do sistema constitucional, agredindo vários de seus princípios, inclusive o democrático, que somente se cumpre pela transparência e publicidade dos comportamentos de seus agentes. O que é proibido seja feito às claras é muito mais proibido de ser feito de maneira escamoteada e infensa aos olhos dos cidadãos.”

4. A regra constitucional proibitiva da equiparação remuneratória é ta-xativa, tal como posto no art. 37, inciso XIII (“Art. 37. (...) XIII – é vedada a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)”, pelo que o seu descumprimento importa em produção de ato juridicamente inválido.

E, tal como posto e ainda em sede cautelar, como a que aqui se exerce, há plausibilidade jurídica a sugerir a necessidade constitucional de suspensão da persistência de eficácia da norma em pauta. E não apenas sob aquele fundamento.

A obrigação constitucional de se estabelecer remuneração ou subsídio por lei específica

5. Dispõe o art. 37, inciso X, da Constituição da República que “Art. 37. (...) X – a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, obser-vada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sem-pre na mesma data e sem distinção de índices; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)”.

O subsídio mencionado naquela norma constitucional é o que há de ser atribuído ao membro de poder, o qual deverá ser fixado exclusivamente em par-cela única e por lei específica, quer dizer, lei em sentido formal, fruto do devido processo legislativo, não podendo ser substituído por norma de outra categoria, tal como se estampa no caso apreciado nesta medida cautelar.

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Os termos do Decreto Legislativo 444/02 mostram que a) a matéria nele tratada refere-se à remuneração de membros de poder; b) não se afirma o sub-sídio em parcela única (sic); c) não se cuida de lei específica; d) equipara-se a remuneração dos membros do Congresso Nacional aos valores devidos aos Ministros do Su premo Tribunal Federal.

Os termos da Constituição, por sua vez, como antes acentuado, põem-se no sentido de a) remuneração de membros de poder adota a forma de subsídio (art. 39, § 4º); b) o subsídio será fixado exclusivamente em parcela única (art. 39, § 4º); c) o subsídio de membro de poder somente pode ser fixado ou alterado por lei específica (art. 37, inciso X); d) é vedada a equiparação de “quaisquer espé-cies remuneratórias” nos quadros estatais (art. 37, inciso XIII).

O cotejo das normas pode ser visualizado no quadro seguinte:

Constituição do Brasil Decreto Legislativo 444/02 Princípios e regras da CR/88

Art. 37. A adminis-tração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Es-tados, do Distrito Federal e dos Municípios obede-cerá aos princípios de le-galidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...)

XIII – é vedada a vin-culação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público;

Art. 1º Até que seja apro-vada a lei de iniciativa con-junta de que trata o art. 48, XV, da Cons ti tui ção Fe deral, a remuneração dos Mem-bros do Congresso Na cio-nal corresponderá à maior remuneração percebida, a qualquer título, por Minis-tro do Su pre mo Tri bu nal Federal, incluídas as rela-tivas ao exercício de outras atribuições constitucionais, e se constituíra de subsídio fixo, variável e adicional.

Regra constitucional proibitiva da equipara-ção de remuneração:

descumprida

Art. 37. (...)X – a remuneração dos

servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei espe-cífica, observada a ini-ciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distin-ção de índices;

Decreto Leg is lat ivo 444/02

Exigência constitu- cional de lei específica para fixação de valores e aumentos de subsídios:

descumprida

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Constituição do Brasil Decreto Legislativo 444/02 Princípios e regras da CR/88

Art. 39. (...)§ 4º O membro de Po-

der, o detentor de man-dato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretá-rios Estaduais e Munici-pais serão remunerados exclusivamente por sub-sídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remunerató-ria, obedecido, em qual-quer caso, o disposto no art. 37, X e XI.

Art. 1º (...)§ 1º Na aplicação do dis-

posto no caput, ficam man-tidos os critérios de paga-mento e a proporção entre subsídios fixos e variáveis e adicionais fixada pelo De-creto Legislativo nº 7, de 1995, cuja vigência foi pror-rogada pelo Decreto Legisla-tivo nº 7, de 1999.

Definição constitucio-nal do subsídio em par-cela única:

descumprida

Logo, em apreciação precária, como é da natureza da medida cautelar, parece haver contrariedade entre o quanto havido na norma em foco e o que a Constituição determina.

Da cautelar requerida6. Os fundamentos apresentados pelo Partido-Autor demonstram o aten-

dimento dos requisitos que convergem para a necessidade constitucional de se suspenderem os efeitos do Decreto Legislativo 444/02, pois são perfeitamente plausíveis, juridicamente, os argumentos arrolados na peça inicial da ação. Ali também se demonstram, suficientemente, os riscos que a demora no julgamento da ação poderão acarretar, até mesmo porque os valores dos subsídios de outros membros de Poder, no plano estadual e municipal, afirmam-se em face dos va-lores definidos para o Deputado Federal.

Pelo exposto, Senhora Presidente, voto no sentido de ser deferida a medida cautelar para que, a partir de agora, fiquem suspensos os efeitos do Decreto Legislativo 444/02 no sentido de que, com base nele, não possam vir a ser afir-mados novos valores de remuneração dos membros do Congresso Nacional, menos ainda sob a forma de equiparação a qualquer outro cargo.

VOTO

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhora Presidente, ontem à noite, recebi, em meu Gabinete, um mandado de segurança que trata da mesma matéria, só que, na verdade, ataca de forma preventiva um ato que possivel-mente seria editado, em conjunto, por ambas as Mesas do Congresso Nacional.

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Em função disso, fiz algumas reflexões muito genéricas as quais trago à colação dos eminentes Pares e, em resumo, até porque muito do que direi já foi dito com mais brilho pelos Ministros que me antecederam na fala e pelo eminente Pro-cura dor-Geral da República.

O Decreto Legislativo 444, de 2002, diz que:

Art. 1º Até que seja aprovada a lei de iniciativa conjunta de que trata o art. 48, XV, da Constituição Federal, a remuneração dos Membros do Congresso Nacional corresponderá à maior remuneração percebida, a qualquer título, por Ministro do Su premo Tribunal Federal, incluídas as relativas ao exercício de ou-tras atribuições constitucionais [ou seja, as parcelas variáveis, resumindo o que diz no artigo 1º e seus incisos].

Conforme já foi dito, o substrato jurídico que permitiu a edição desse de-creto legislativo já não mais existe. Emendas posteriores acabaram, primeiro, com essa necessidade de lei de iniciativa conjunta, como sabemos. Em segundo lugar, instituiu-se um subsídio em parcela única, eliminando as tais das parcelas variáveis previstas nesse Decreto 444. Esse é um primeiro fato importante que deve ser analisado com muito cuidado e precisão.

De outra parte, o art. 37, inciso X, da Constituição, dispõe:

Art. 37. (...)X – a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º

do art. 39 – percebidos por membros do Poder ou detentores de mandado eletivo – somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica (...) [ou, como disse a eminente Ministra Cármen Lúcia, por lei em sentido formal].

Portanto, não se admite um ato da mesa ou mesmo um decreto gene-ricamente editado. Nesse sentido, trago à colação o art. 49, inciso VII, da Constituição Federal, que estabelece:

Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:I – (...)VII – fixar idêntico subsídio para os Deputados Federais e os Senadores (...)

[do Congresso Nacional e não das Mesas do Congresso].

Isso significa que a matéria não pode ser regulada por ato – como disse – das Mesas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, ainda que generica-mente previstas num decreto legislativo, devendo ser objeto de apreciação por parte do Plenário de ambas as Casas. E realmente não se pode admitir, pelo me-nos num juízo preliminar, a edição de um decreto genérico, porque toda vez que a Constituição cogita da fixação dos subsídios e vencimentos, fala em lei especí-fica, afastando a possibilidade de edição de um ato genérico, porque a cidadania quer saber, em quanto os membros de Poder e os servidores serão aumentados.

Fiz uma pesquisa no regimento interno de ambas as Casas e verifiquei que, em nenhum momento, autoriza-se, delega-se às Mesas da Câmara Federal ou do Senado Federal a possibilidade de fixar e aumentar os subsídios dos parlamentares.

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Aliás, muito pelo contrário, identifiquei, aqui, no regimento da Câmara dos Deputados, um dispositivo interessante, exatamente o art. 214:

Art. 214. À Comissão de Finanças e Tributação incumbe elaborar, no úl-timo ano de cada legislatura, o projeto de decreto legislativo destinado a fixar a remuneração e a ajuda de custo dos membros do Congresso Nacional, a vigorar na legislatura subseqüente (...)

Mas o § 2º desse art. 214, com todas as letras, trata:

Art. 214. (...)§ 2º O projeto mencionado neste artigo figurará na Ordem do Dia du-

rante cinco sessões para recebimento de emendas, sobre as quais a Comissão de Finanças e Tributação emitirá parecer no prazo improrrogável de cinco sessões.

Isso significa que a matéria tem que ser discutida em Plenário, pautada com bastante antecedência, inclusive com a possibilidade de receber emendas.

De outra parte, e já me encaminho até para o término, porque não quero me alongar, observo que outros Ministros certamente trarão melhores achegas a essa minha modesta contribuição. O art. 37, XIII, da Constituição, dispõe:

Art. 37. (...)XIII – é vedada a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remune-

ratórias para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público.

Ora, o Decreto 444, de 2002, equipara, vincula os subsídios dos parla-mentares aos dos Ministros do Su premo Tribunal Federal. Ainda que se fale em teto, na verdade está-se fazendo uma equiparação, uma vinculação, porque to-das as vezes que houver um acréscimo, um reajuste nos subsídios dos Ministros do Su premo Tribunal Federal, automaticamente as Mesas, a prevalecer esse Decreto do Senado e da Câmara, estarão autorizadas a aumentar os subsídios dos parlamentares.

De lado, também – o eminente Relator já tocou nisso com muita profi-ciência –, o art. 169, e seus incisos I e II, estatui que a concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração somente poderão ser levadas a efeito se houver prévia dotação orçamentária e autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias.

Com isso, quis o legislador constituinte impedir o aumento em cadeia ou em cascata de servidores públicos ou membros do Poder, por ato administrativo, porque, naquele outro dispositivo mencionado, exige-se lei com previsão orça-mentária para fazer face a essas despesas.

O constituinte pretendeu evitar que alguma categoria de servidores ou de membros do Poder apresentasse um cheque diretamente na boca do caixa do erário, sem qualquer previsão, mediante um ato administrativo, um ato interno, sem que fosse submetido ao crivo dos representantes do povo que são aqueles autorizados a aumentar subsídios e vencimentos.

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No meu Gabinete, Senhora Presidente, há um mandado de segurança em que os impetrantes alegam ofensa ao princípio da razoabilidade, da proporcio-nalidade ou a proibição de excesso, mas é prematuro examinar-se isso em sede de cautelar. É importante, porém, deixar claro que não se está vergastando o valor do subsídio, do aumento, em si, a ser fixado pelas Mesas, mas está-se exa-minando o aspecto formal. Do ponto de vista formal, parece-me que há o fumus boni iuris e também o periculum in mora para a concessão da cautelar.

Nesse sentido, Senhora Presidente, acompanho o voto do eminente Relator para deferir a cautelar.

VOTO

O Sr. Ministro Eros Grau: Senhora Presidente, quanto à competência do Su premo, desejo reafirmar que ele é um tribunal político porque cuida da via-bilidade da pólis e a provê. É um Tribunal político porque deve compreender a singularidade de cada situação no âmbito da pólis. A lição de Pedro Lessa, re-lembrada pela Ministra Cármen Lúcia, é simplesmente antológica.

Eu gostaria apenas de lamentar a circunstância de votar após as manifesta-ções dos que me antecederam, especialmente o voto da Ministra Cármen Lúcia, que esgota o que eu teria a dizer sobre a matéria.

Acompanho o voto do Relator.

VOTO

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhora Presidente, entendo que a norma impugnada não sobrevive ao teste consistente no seu confronto com o art. 37, inciso X, da Constituição Federal que estabelece: (i) a necessidade de lei específica para fixação do valor de subsídios dos membros de Poder; e (ii) a exigência de que o subsídio seja fixado em parcela única.

O Decreto Legislativo 444 não preenche estes requisitos na medida em que se cuida de ato normativo vocacionado a disciplinar matéria da competência ex-clusiva do Congresso, ou seja, sem a participação do Chefe do Estado, mediante a sanção, além de tornar viável a instituição de subsídios em múltiplas parcelas.

Por outro lado, como bem frisaram os eminentes Ministros que me ante-cederam, o ato impugnado viola o inciso XIII do art. 37 que veda a equiparação de quaisquer espécies remuneratórias.

Se é certo que com um esforço interpretativo poder-se-ia admitir um tipo de equiparação promovida em 2002 para resolver um problema de natureza transitória, o mesmo já não ocorre nos dias atuais quando já desapareceram os pressupostos justificadores daquela situação excepcional, vigendo agora na sua plenitude a norma de vedação inscrita no inciso XIII do art. 37 que tem aplica-bilidade plena ao caso.

Eu, também, concedo a cautelar nos termos do voto do eminente Relator.

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VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhora Presidente, os argumentos já expe-didos, com muito brilho, por todos os Ministros que já se manifestaram, não me deixam muito campo, mas gostaria apenas de frisar o argumento que me parece, com o devido respeito, radical, a conjugação do art. 39, § 4º, com o art. 37, in-ciso X, que exige, na fixação do subsídio do membro de Poder, lei específica.

Reconheci, aqui, a inconstitucionalidade e não precisaria sequer recorrer à vedação do inciso XIII, que evidentemente pressupõe equiparação feita por lei.

Nesta hipótese, nem seria necessário invocar tal norma, porque não é nem veículo legislativo apropriado para estabelecer vencimentos que pudessem in-cidir na proibição desse inciso. A mim me basta a norma conjugada do art. 39, § 4º, com o art. 37, X.

Razão por que acompanho todos os votos já proferidos.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhora Presidente, não há choque entre Poderes, mas o funcionamento das instituições, como cumpre acontecer em um Estado Democrático de Direito. O Su premo, então, é chamado para exercer ati-vidade que lhe é precípua, a de guarda da Lei Maior.

Esperava enfrentar um pedido direcionado não a um decreto legislativo, editado sob a égide do corpo permanente da Carta antes da promulgação da Emenda Constitucional 19/98.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Creio que editado na vigência, no ponto frustrada, da Emenda Constitucional 19, para viger até que se fixasse o subsídio do Ministro do STF pela lei de iniciativa quádrupla, a minha grande dúvida na questão é se o decreto-legislativo subsiste.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Esperava ter como objeto, nesta ação direta de inconstitucionalidade, o ato último das duas Casas Legislativas e não esse decreto em si, mas folgo em ver que o Colegiado, hoje, caminha para uma ver-dadeira evolução ao admitir o controle concentrado de constitucionalidade de texto editado quando ainda em vigor redação anterior da Carta.

O que nos vem da Emenda Constitucional 19? Uma modificação substan-cial do inciso XI do art. 37 da Constituição. Primitivamente, esse artigo cogitava de tetos remuneratórios conforme o Poder: Executivo, Legislativo e Judiciário. Preceituava:

XI – a lei fixará o limite máximo e a relação de valores entre a maior e a menor remuneração dos servidores públicos, observados, como limites máximos e no âmbito dos respectivos poderes, os valores percebidos como remuneração, em espécie, a qualquer título, por membros do Congresso Nacional (...) [daí os três tetos] (...) Ministros de Estado e Ministros do Su premo Tribunal Federal e seus correspondentes nos Estados, no Distrito Federal e nos Territórios (...)

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Essa norma realmente sinalizava uma igualização, considerado o topo. E aí, então, se a levarmos em conta, assentaremos ser o Decreto Legislativo 444 consentâneo com a disposição. Eis a previsão nele estampada:

Art. 1º (...) a remuneração dos membros do Congresso Nacional correspon-derá à maior remuneração percebida, a qualquer título, por Ministro do Su premo Tribunal Federal (...)

Mas houve uma modificação substancial e passou-se a ter como teto o sub-sídio mensal do Ministro do Su premo. Teto, portanto, único, linear.

No caso, concordo com S. Exa., o Relator, quando revela, de início, que a fixação do subsídio de deputados e senadores deve ocorrer não por meio de de-liberação da Mesa, ainda que mediante a aquiescência implícita das lideranças, mas via ato do Congresso. E o ato, para mim, sem dúvida alguma, é o decreto legislativo e não a lei, no sentido formal e material.

De início, afasto a possibilidade de haver a participação, na fixação dos subsídios de deputados e senadores, do Executivo, sancionando ou vetando certa lei. Veria, não em relação a esse decreto em si, o vício formal, entendendo-o su-plantado pelo novo texto da Constituição.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Estamos julgando uma ação direta que não foi proposta.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Exato.O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Ministro Sepúlveda Pertence, o que

V. Exa. disse?O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Estamos julgando uma ação direta que

não foi proposta contra um ato noticiado pela imprensa.O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Contra um decreto legislativo, alvo

desta ação direta de inconstitucionalidade, com base no qual o ato, se o emi-nente Ministro Marco Aurélio me permite...

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Não conheço, senão pela imprensa, esse ato da semana passada. Nunca vi o texto.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: O texto desse último ato, que causou tanta celeuma, veio ao processo?

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Houve a deliberação das Mesas.O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Eu nem conheço o texto dessa deliberação.O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): É como se fosse uma deliberação nossa

cujo acórdão ainda não estivesse de todo elaborado. Mas a deliberação já houve.O Sr. Ministro Marco Aurélio: Agora, de qualquer forma, esse ato teria

sido editado a partir do Decreto, ou seja, com remissão ao Decreto Legislativo 444, de 2002. Chegaremos, sem um pedido específico, a fulminar esse ato úl-timo, a afastá-lo do cenário jurídico, por via de conseqüência?

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A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Se nós estamos suspendendo que se produ-zam efeitos daqui para frente deste ato, que é o fundamento de qualquer outro, não me interessa qual é o outro.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: É ou já desapareceu?Este Decreto Legislativo 444 é fundamento vigente de alguma medida –

deliberação de Mesa, não sei de que se trata – ou desapareceu, porque condicio-nado o término de sua vigência a algo que não pode mais acontecer, que é a lei de iniciativa quádrupla.

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Refleti sobre isto.O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Foi o que frisei no meu voto.O Sr. Ministro Cezar Peluso: De qualquer maneira, o resultado prático é

dizer que esse decreto legislativo está fora do ordenamento jurídico.O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Nós temos certos compromissos com

os precedentes.O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Até porque eu tenho um mandado

de segurança preventivo contra o possível ato a ser editado.O Sr. Ministro Cezar Peluso: Qualquer que seja o fundamento, esse de-

creto está fora do ordenamento jurídico.O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Se está fora, não pode ser objeto de

ação direta, data venia.O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Quando o art. 1º do decreto legis-

lativo diz “Até que seja aprovada a lei de iniciativa conjunta de que trata (...)”, essa lei já não pode ser editada. Então, significa, na prática, que o Congresso Nacional dispõe de uma autorização permanente. É uma interpretação.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Data venia, eu ia colocar a minha pre-liminar, já vencido pela tranqüilidade com que o Tribunal está conhecendo da ação direta, mas o correr da carruagem não me permite calá-la.

Data venia, se se tem um ato normativo a viger até que se promulgue um outro ato normativo previsto na Constituição então vigente, e esta previsão do ato legis-lativo condicionante desapareceu, o que há é que desaparece a eficácia do decreto.

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Isso é uma interpretação, Exa. Não é a única.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Não, Exa. É óbvio, a maioria já for-mada pode fazer tábula rasa disso. Mas é da jurisprudência consolidada desta Casa que não se conhece da ação direta se o padrão de constitucionalidade ne-cessário foi substancialmente alterado.

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Eu gostaria de ler uma frase da petição inicial que talvez fosse necessária. Diz o partido autor:

Cumpre ressaltar que, diferentemente do que consta da Ementa da norma impugnada, o seu período de vigência não se exaure ao final da 52ª Legislatura. Sendo assim, o Decreto (...).

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O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Certo. E se seguirá, segundo o autor, por legislaturas subseqüentes à espera de que se baixe uma lei de iniciativa quá-drupla, que não poderá mais vir a ser editada.

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Se V. Exa. permitir que eu leia até o final, pelo menos nós saberemos...

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Eu li a petição inicial.A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Então está certo, porque aqui ele explica,

exatamente, isso.O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sim, Ministra Cármen Lúcia. Isso no

mundo dos fatos. Agora, estou perante uma ação direta de inconstitucionali-dade, na via do controle abstrato; e o que eu tenho à minha frente é um decreto legislativo cujo termo final de vigência seria uma lei, então prevista na ordem constitucional da época, que já não poderá sobrevir, à vista de uma emenda constitucional subseqüente.

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): De que se têm valido as Mesas das duas Casas legislativas para editar atos concretos.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Ministro, isso não é problema nosso.Está bem. Apenas coloquei a minha perplexidade.O Sr. Ministro Cezar Peluso: Nisso estou de acordo, o objeto da ação é

simplesmente esse decreto.O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, o Ministro Néri da Silveira

costumava sempre ressaltar que o Su premo é um tribunal comprometido com princípios. Daí o Ministro Sepúlveda Pertence buscar, incessantemente, a pre-servação de precedentes que se mostrem atuais, considerados os ditames da própria Constituição.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: V. Exa. me permite? A luta pela pre-servação dos precedentes é a luta para que o Tribunal, quando queira afastar-se dos precedentes, o diga consciente e expressamente.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Dê uma justificativa aceitável sob o ângulo normativo constitucional.

Indago a mim mesmo: se não houvesse esse ato último que está na praça, a merecer críticas generalizadas, e enfrentássemos apenas o pedido como for-malizado, qual seria a nossa decisão? Entenderíamos suplantado o objeto des-ta ação direta de inconstitucionalidade, já que o art. 1º do decreto legislativo é claríssimo:

Art. 1º Até que seja aprovada a lei de iniciativa conjunta [que nunca foi apro-vada e não poderá mais ser, porque o artigo 48, inciso XV, da Constituição Federal já foi alterado] de que trata o art. 48, inciso XV, da Constituição Federal, a remu-neração dos Membros do Congresso Nacional corresponderá à maior remunera-ção percebida, a qualquer título, por Ministro do Su premo Tribunal Federal (...)

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Ou seja, esse decreto não tem a menor eficácia no contexto constitucional. Ficou suplantado. Daí ter dito que esperava enfrentar, hoje, pela manhã, um pleito dirigido contra esse ato subseqüente, e esse pedido não foi formalizado.

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Aí seria um ato concreto.O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Ato concreto, Excelência? Ato que fixa

subsídios é concreto?O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não, esse ato é normativo, sem dúvi-

da alguma, ante o caráter abstrato, embora a repercutir no patrimônio dos parlamentares.

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Sim, entendo. O ato de fixação que projeta os seus efeitos no tempo já temos admitido que seria normativo.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Esperava enfrentar um pedido direcionado a infirmar esse ato subseqüente, mas não um decreto legislativo que não tem, ante o que nele próprio se contém – a condicionante da cláusula primeira do art. 1º –, a menor concreção, pouco importando que haja surgido esse ato subseqüente – que não está em julgamento –, a pretexto de cumprir-se esse mesmo Decreto.

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Não é bem pretexto; é exatamente com base nesse decreto legislativo.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Ministro, ato baixado com base em um decreto legislativo que perdeu a eficácia.

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Exa., não entendo que tenha per-dido a eficácia.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Ministro, por quê? Até quando vigora-ria esse decreto legislativo pelas suas primeiras palavras?

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Ele não está mais em vigor.O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence:

Até que seja aprovada a lei de iniciativa comum de que trata o art. 48, XV, da Constituição Federal, a remuneração dos Membros do Congresso Nacional (...)

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Mas sem essa condição, Excelência, tornou-se impossível.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Acabou.O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Não acabou. Ao contrário, o que

prevalece é uma autorização permanente para fazer.O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senão aderirá o Su premo ao que tenho

criticado: à perda de parâmetros; e estabeleceremos o critério de plantão para julgar os casos.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Já será um grande ganho, na verdade, re-conhecer que o decreto caducou.

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O Sr. Ministro Cezar Peluso: É o suficiente.O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Isso é suficiente.O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, estava com a palavra e come-

çava a discorrer sobre a matéria.Entendo que não se tem mais o objeto visado na inicial desta ação direta de

inconstitucionalidade, ou seja, o decreto atacado ficou, de há muito, suplantado, tendo em conta a alteração verificada no art. 48, inciso XV, da Constituição Federal, mencionado na primeira parte do art. 1º, a cogitar da lei de iniciativa conjunta, que não veio à balha – todos nós sabemos, pois hoje temos o subsídio do ministro do Su premo fixado mediante diploma de iniciativa única – e, por-tanto, não chegou a figurar no cenário jurídico.

Entendo, portanto, ser impossível o pedido formulado na inicial e suscito a preliminar de não-conhecimento – na terminologia da Corte – da ação, presente a respectiva carência.

VOTO (Retificação)

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhora Presidente, estou absolutamente con-vencido da consistência desses argumentos. Realmente o decreto se destinava a reger uma situação histórica insusceptível de se reproduzir; isto é, seu campo de aplicação simplesmente desapareceu, foi eliminado. Não há possibilidade jurídica nenhuma de esse decreto ser, hoje, invocado, porque a situação que ele se destinava a reger já desapareceu do mundo dos fatos; portanto, ele não tem aplicabilidade.

Embora a título de obiter dicta, perante o art. 39, § 4º, c/c o art. 37, X, deixo expresso que os subsídios dos Membros do Congresso Nacional não podem ser fixados senão mediante lei específica. E, com o devido respeito, reconsidero o dispositivo do meu voto, para julgar extinto o processo, sem julgamento de mérito.

VOTO (Retificação)

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhora Presidente, também vou refor-mular o meu voto, acolhendo a preliminar suscitada durante os debates, para es-tabelecer que o Decreto Legislativo 444 – embora editado quando ainda em vigor a antiga redação do art. 48, XV, da Constituição, que estabelecia a necessidade de iniciativa conjunta do Presidente da República, dos Presidentes da Câmara e do Senado e do Presidente do Su premo Tribunal Federal para a fixação dos subsídios dos Ministros do Su premo – perdeu a sua eficácia, na medida em que desapare-ceu um de seus pressupostos constitucionais; isto é, a necessidade de existência de normas regulamentadoras destinadas a disciplinar as situações jurídicas de-correntes do longo período de transição e quase vazio legislativo que se instaurou em razão da falta de consenso entre as mencionadas autoridades constitucionais acerca do valor dos subsídios de Ministros do Su premo Tribunal Federal.

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A norma constitucional que conduziu àquele impasse e, consequente-mente, à edição do Decreto legislativo ora impugnado, que visa a reger situações transitórias, não mais existe no mundo jurídico, já que foi revogada pela Emenda Constitucional 41.

Acolho, portanto, a preliminar, deixando também registrado o meu enten-dimento no sentido de que esse Decreto perdeu inteiramente sua eficácia, e, com base nele, não poderá ser editada qualquer norma.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Hoje, os subsídios só poderão ser fi-xados por decreto legislativo – não por lei –, na conformidade do art. 49, VII, da Constituição.

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Aí temos outra discordância, Ministro.O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Estamos aqui para discordar.O Sr. Ministro Marco Aurélio: É a beleza do Colegiado: o somatório de

forças distintas.O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): A Constituição fala de lei específica

em oito outras oportunidades.O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: E só uma vez, como prerrogativa ex-

clusiva do Congresso: dispõe que lhe cabe fixar os subsídios próprios, dos con-gressistas, e os do Presidente e Vice-Presidente da República.

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Entendo que, nessa matéria de re-muneração, tão sensível, a exigir tanta transparência e tanto acompanhamento pela sociedade brasileira, há uma reserva de Plenário. Agora, Excelência, ainda entendo, com todas as vênias, que no art. 1º, parte introdutória do Decreto-Lei 444, o Congresso se autolimitou e impôs a si mesmo uma condição: até que seja editada aquela lei conjunta.

Como não é mais possível o implemento dessa condição, logicamente, ele ficou liberado. E é assim que ele tem agido.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Não estou interessado no noticiário de como tem agido o Congresso Nacional. Estou no controle abstrato de constitu-cionalidade, Ministro.

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Estamos todos no controle abstrato de constitucionalidade.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Como é que eu sei se o Congresso tem agido assim ou não?

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Mas aqui é lógico que ele se autoli-mitou e impôs a si mesmo uma condição temporal.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Não se impôs uma condição temporal. Ele editou uma norma cuja eficácia não era temporária, mas transitória, até que se editasse a lei de iniciativa conjunta dos três Poderes. A previsão dessa lei já não pode efetivar-se na ordem jurídica. O que ocorre com um decreto transitório

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cuja vigência e eficácia terminariam com a edição de uma lei que não pode mais ser editada? Ele perde a eficácia, simplesmente a perde.

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Nós concordamos na primeira parte. O decreto contém uma previsão de edição de um ato conjunto que já não é viável por efeito de modificação constitucional. Nós divergimos quanto às conseqüências disso.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: A conseqüência é a aplicação da or-dem constitucional subseqüente. Qual é? A de que é competência exclusiva do Congresso Nacional – leia-se: decreto legislativo votado pelos Plenários das duas Casas do Congresso Nacional – dispor sobre os subsídios dos seus pró-prios membros, assim como os subsídios do Presidente da República e do Vice-Presidente da República.

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Isso era a redação originária da Constituição.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: E é a redação atual.O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Mas tem que ser adaptada às modi-

ficações então processadas.O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: De lei específica? Repristinou-se a

Carta de 69?O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Não é isso. É o conjunto de coman-

dos da Constituição que conduz a essa interpretação.O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: “Conjunto de comando” que cede pe-

rante uma norma especial.O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Mas, Excelência, independente-

mente dessa divergência, apontei outro fundamento material, e não formal, da equiparação.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Ministro, para apontar qualquer fun-damento, é preciso, primeiro, saber se podemos traçar considerações sobre a constitucionalidade de um decreto legislativo que morreu de inanição.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Se está morto, não há que se cogitar de fun-damento nenhum.

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Data venia, não entendo assim. Como o Congresso também não está entendendo.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Ministro, eu leio a Imprensa, mas a esqueço, quando me sento aqui.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Gostaria de fazer uma ponderação à Corte, diante da observação do Ministro Sepúlveda Pertence, com a qual estou subs-tancialmente de acordo. O art. 48 diz:

Art. 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta [a sanção é, portanto, dispensada] para o especificado

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nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre:

O inciso VII do art. 49 diz:

VII – fixar idêntico subsídio para os Deputados Federais e os Senadores, observado o que dispõem os arts. 37, XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I;

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Então, vamos cair no art. 37, X, porque o art. 39, § 4º, nos remete a ele, exatamente como exige a lei. O art. 39, § 4º, trata da fixação dos subsídios do Poder, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Ministro, a meu ver, isso quer dizer, aplicado também o art. 49, VII, que não pode ser riscado da Constituição.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Não pode ser.O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Que, por exemplo, os subsídios devem

ser fixados em parcela única, devem observar o teto (art. 37, XI), mas não aquilo que é excepcionado: a competência exclusiva do Congresso.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Aqui a remissão é expressa. Obedecido ao disposto no inciso X do art. 37:

Art. 37. (...)X – (...) somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica (...)

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Senão essa norma não teria nenhuma uti-lidade. Seria uma interpretação ab-rogante.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Mas seria uma norma suicida: teria disposto que é competência exclusiva do Congresso Nacional, “mediante lei es-pecífica”, vale dizer, com sanção do Presidente da República e, então, não seria “exclusiva” do Congresso...

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Equivaleria ao decreto aprovado.O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: É um decreto aprovado pelo Plenário.O Sr. Ministro Cezar Peluso: Com isto estou de acordo.O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Então, a observância do art. 39, § 4º,

que remete ao 37, X, não pode significar exigência de lei formal, vale dizer, exi-gência de sanção do Presidente da República a ato normativo que é da compe-tência exclusiva do Congresso Nacional, como todos os incisos do art. 49.

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Eu interpretava assim antes da Emenda 19 e seguintes; depois não.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Ministro, data venia, a Emenda Constitucional 19 previa decreto legislativo também. Sujeito ao teto.

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): 41, a partir.O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Ministro, não discuto números com

V. Exa., que os sabe todos.

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O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Não, Excelência, quero dizer o se-guinte: o regime de remuneração, com o tempo, com evolução constitucional, até formal, ganhou novos contornos. E a Constituição agora centra maiores atenções nessa matéria ultra-sensível de que falou até a Ministra Cármen Lúcia.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Ministro, leia-se, para combinar esta exigência de diploma normativo específico com a disposição clara, solar, de cla-reza mais que meridiana, mediterrânea, do art. 47, IX , a fixação há de fazer-se em decreto legislativo específico, não pode ser em decreto legislativo que cuide, por exemplo, de aprovar um tratado. Há de ser um decreto legislativo especifica-mente voltado à fixação do subsídio dos congressistas em parcela única, aí, sim, aplica-se o art. 39, § 4º. Agora, lei formal, quando expressamente se prescreveu que isso é competência exclusiva do Congresso Nacional?

O Sr. Ministro Cezar Peluso: O art. 49 dispensa expressamente a participa-ção da Presidência da República.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Claro, é isso o que significa essa com-petência exclusiva. Não é só na fixação dos subsídios dos deputados não, dis-pensa o Presidente da República até da elaboração do decreto legislativo que lhe fixará, a ele Presidente da República, o próprio subsídio.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: A minha intervenção foi ditada simplesmente pela preocupação de não se tirar desta afirmação a possibilidade de edição de outro ato qualquer que não passe pela deliberação de todo Plenário.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Isso está claríssimo em meu voto.O Sr. Ministro Marco Aurélio: Seria interessante termos a sanção ou o

veto quanto à autorização prevista no inciso III do art. 49:

Art. 49. (...)III – autorizar o Presidente e o Vice-Presidente da República a se ausenta-

rem do País, quando a ausência exceder a quinze dias;

A cláusula da exclusividade diz respeito a todos os incisos.O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Os arts. 48 e 49, com todas as vênias,

são indiscutidos até este momento. O art. 48 diz respeito à chamada lei formal, votação do Congresso Nacional com sanção do Presidente da República; e o art. 49, ao chamado decreto-legislativo.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Pedagogicamente com referência à sanção no artigo 48 e à exclusividade do Congresso no art. 49.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: É até pedagógico, conforme disse V. Exa., porque falar em lei remeteria ao processo legislativo onde se regula a sanção, o veto etc.

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PRELIMINAR (Retificação)

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhora Presidente, sustentei em meu voto sobre a preliminar que o decreto teria perdido inteiramente a sua eficácia. Mas retifico esse ponto. Acho que o decreto ainda produz algum tipo de eficácia. Por exemplo, a base legal dos subsídios dos atuais membros do Congresso foi fixada até 31 de dezembro de 2006.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Ministro, permita-me, não há incons-titucionalidade formal superveniente.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Não é isso que estou sustentando, mas apenas fazendo uma pequena correção sobre o possível excesso de linguagem da minha parte. Não estou afirmando nada taxativamente.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sim, eu também subscrevo a observa-ção de V. Exa., mas por uma outra razão: não há inconstitucionalidade formal superveniente. Estamos diariamente a julgar conforme decretos-leis do Estado Novo – a começar do Código Penal, do Código de Processo Penal –, e até decre-tos do Governo Provisório de 1930.

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): O que interessa é o conteúdo, a compatibilidade vertical com a nova Constituição.

Mas o que o Ministro Joaquim está dizendo é que a ementa do Decreto-Lei 444 faz uma referência a toda a 52ª Legislatura.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: E que ainda não terminou.O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O que é absolutamente constitucional.O Congresso, conforme o texto constitucional naquele momento vigente,

tinha de fixar os seus subsídios e o fez. Não vou discutir se poderia fixá-los equi-parando-os ao subsídio provisório do Ministro do Su premo Tribunal naquela época. O certo é que o fez. Por isso, não será em ação direta que discutiremos a validade material, naquele momento, dessa equiparação.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Muito menos determinar a devolução do que percebido.

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): A nossa divergência, repito, está em que não extraio da falta de possibilidade de implemento da condição de que trata a parte inicial do art. 1º a conseqüência que Vossa Excelência extrai, mas respeito-o, como sempre.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Não é uma condição. Seria fascinante a discussão se se tratasse de uma condição para que o decreto legislativo en-trasse em vigor. Mas não é condição, não; é a fixação do termo final de eficácia de uma norma transitória.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Da própria normatividade.

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O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Pois é justamente isso. Eu inter-preto esse primeiro núcleo normativo do art. 1º como costumamos interpretar as normas constitucionais de eficácia contida ou restringível.

O Congresso autolimitou-se. Essa autolimitação não existe mais. Daí ele estar liberado.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Data venia, não é condição, não é li-mitação, Ministro. É fixação do termo final...

O Sr. Ministro Cezar Peluso: É a situação histórica sobre a qual se aplica-ria à norma e essa situação desapareceu.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: A regência se mostrou una.

VOTO

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Senhora Presidente, diante do debate que se colocou em relação ao decreto legislativo, eu já me preocupava com a viabili-dade do controle abstrato, tal como temos praticado.

Leio do art. 1º desta norma do Decreto Legislativo 444:

Art. 1º Até que seja aprovada a lei de iniciativa conjunta de que trata o art. 48, XV, da Constituição Federal, a remuneração dos Membros do Congresso Nacional corresponderá à maior remuneração percebida, a qualquer título, por Ministro do Su premo Tribunal Federal (...)

E o mais, na verdade, dá-se execução a essa norma principal, vamos dizer assim, os § 1º e § 2º, e nada mais há que falar.

Evidentemente que, a partir da Emenda 41, essa norma perdeu todo o seu sentido; é outro o critério adotado pela Constituição a partir da fixação dos sub-sídios dos Ministros do Su premo Tribunal Federal.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: De exclusiva iniciativa do Tribunal, e aí, sim, por lei formal.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Claro. Esse modelo, portanto, sofreu uma alteração radical, que levaria à revogação dessa norma, segundo o entendimento dominante desta Corte, pelo menos até aqui, e que, também, levaria à prejudiciali-dade ou ao não conhecimento, nesse caso, da ação direta de in cons ti tu cionalidade.

O tema é fascinante. Há algum tempo, numa outra assentada – creio –, já averbamos, “en passant”, de forma clara, o não-recebimento de uma norma pré-constitucional. Esse é um outro fenômeno que vai se verificando entre nós, porque, com as mudanças seguidas do Texto Constitucional, passamos a ter esse fenômeno das leis pós-constitucionais, ou normas pós-constitucionais, e pré-constitucionais, que são normas editadas depois da Constituição, mas anteriores a determinadas emendas constitucionais, e esse é o típico caso. Estamos diante de uma norma que foi editada exatamente para solver aquele impasse causado pela Emenda Constitucional 19, aquela emenda da iniciativa impossível, e, de-pois, chegamos a esta solução.

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Gostaria de rememorar, ainda sob a vigência da Constituição de 67/69, agora, quanto à técnica do controle abstrato, que era natural ao Tribunal aver-bar. Aceitava-se, desde logo, que a norma não poderia ser conhecida em sede de controle abstrato de norma, todavia, afirmava-se, de forma clara e evidente, que ela não fora recebida pela nova ordem.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Um precedente ainda dos tempos da representação por inconstitucionalidade.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Isso é do tempo da representação.O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Há um acórdão do Ministro Xavier de

Albuquerque – depois documentarei – que afirma não conhecer da Represen-tação por inconstitucionalidade dos “prejulgados” previstos na CLT, porque já revogado o dispositivo pela Constituição de 1946.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Rp 946, RTJ 82, p. 44.Posteriormente, na Rp 1.012, da relatoria de Moreira Alves, deu-se a revi-

são dessa jurisprudência, entendendo-se que, logicamente, se se afirmava que não era de se conhecer, não se podia fazer nenhuma declaração. Mas acredito, Ministro Marco Aurélio, que ainda este ano, creio, ou no final do ano passado, discutimos a necessidade.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Já discuti, incidentemente, a recepção ou não de uma norma pela Constituição, na ADI 561.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Parece-me que esse caso demonstra a ne-cessidade de que, se averbarmos a caducidade dessa norma, a perda de sua força normativa, devemos fazê-lo, ainda que em sede de controle abstrato de norma.

De modo que eu não conheceria da ação direta de inconstitucionalidade, todavia, averbaria a falta de eficácia.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: É justamente esse enfoque, porque a ca-ducidade decorre do próprio teor. Não se trata de situação concreta em que a norma não teria sido recepcionada. Os efeitos dela já se exauriram.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Conforme a sua própria previsão e a emenda constitucional posterior.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: É isso que estamos a dizer.O Sr. Ministro Cezar Peluso: Eu gostaria que V. Exa. também deixasse claro,

pela importância que o assunto tem, embora a título de obiter dictum, que a fixação, aqui, dependeria, hoje, de decreto legislativo votado pelo Plenário do Congresso.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Decreto legislativo específico.O Sr. Ministro Gilmar Mendes: É outro debate.Só pode ser obiter dictum, até porque, neste caso, nós estamos a definir de

fato a eficácia. Estava preocupado porque, na versão anterior, introduzia-se uma interpretação ab-rogante do art. 49, inciso VII. De fato eu não estava sabendo compatibilizar o inciso VII com o disposto no art. 39, § 4º. Parece-me que não

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há fugir. É claro que os conteúdos, aqui, estão prefixados; teto, por exemplo, os critérios eventualmente adotados, mas cabe ao Congresso Nacional, me-diante decreto legislativo – e essa é a fórmula básica que decorre do art. 49 –, fixar esses subsídios dos deputados e dos senadores. Isso resulta claro do texto constitucional.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Noutras palavras, já não vigendo este decreto legislativo, é preciso que seja votado e editado outro decreto específico.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Agora, é fundamental que nos afastemos daquela tradição fixada no final da prática jurisprudencial sobre a Constituição de 1967/1969, para, então, podermos, pelo menos em casos tão claros, aver-barmos que determinada norma não mais está em vigor. Do contraste com a Emenda 41, portanto.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Creio que nesse ponto o Ministro Carlos Britto concorda.

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Esta decisão, na linha proposta no voto de V. Exa., legitimaria uma reclamação ao Su premo Tribunal Federal, caso o decreto que temos por caduco viesse a lastrear uma decisão concreta? Poderia?

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Não há decisão concreta, data venia. Qualquer decisão que fixa subsídios é um ato normativo.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Nós estamos a dizer que essa norma foi revogada com a Emenda 41.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: É um ato normativo.O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Eu usando o concreto tecnicamente,

no sentido de ato normativo, de conteúdo normativo.O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Poderia caber eventualmente reclamação

ou uma nova ação direta de inconstitucionalidade?O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Acho que é uma nova ação direta de

inconstitucionalidade.O Sr. Ministro Marco Aurélio: Aguardemos a medida a ser intentada. Não

vamos prejulgar uma reclamação ainda não formalizada.O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Nós não estamos sabendo exatamente de

que ato nós estamos a falar, mas acho que poderia caber.O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Se assentarmos que a reclamação é

viável, eu também acedo, alcanço o objetivo.O Sr. Ministro Eros Grau: Eu queria fazer uma pequena observação, única

e exclusivamente com intuito construtivo. Uma das questões que amanhã ou depois poderá ser agitada, diz com a interferência de um Poder no outro ou não.

No começo dos debates, cogitou-se da nossa competência, do Poder Judiciário, para sindicar um ato do Poder Legislativo. Pois que fique bem claro que não transbordamos da nossa competência. É muito importante que fique

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bem claro que tratamos de tema que se insere no quadro da competência do Tribunal. É só isso.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhora Presidente, eu queria fazer uma observação, por gentileza.

Eu não estou, data venia, convencido de que esse decreto legislativo não esteja mais em vigor, porque a ementa diz que ele dispõe sobre a remuneração dos membros do Congresso Nacional durante a 52ª legislatura.

Dispõe o art. 2º:

Art. 2º Este Decreto Legislativo entra em vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos financeiros, a partir do dia 1º de fevereiro de 2003.

Isso significa dizer que, entre 1º de fevereiro de 2003 e 31 de dezembro de 2006, este decreto está em vigor. Ele pode não produzir efeitos para além da 52ª legislatura, mas ele se encontra no universo jurídico.

Então temos aqui uma ação direta de inconstitucionalidade que contesta este decreto legislativo, está em vigor, quer que o Su premo esclareça se ele pode persistir no mundo jurídico, mesmo contrariando o art. 37, XIII, que veda a vinculação, mesmo ofendendo o art. 169, § 1º, incisos I e II da Constituição que veda o aumento dos vencimentos ou se conceda vantagens sem que haja previ-são orçamentária. E quer, também, o subscritor da ação direta de inconstitucio-nalidade que o Su premo se pronuncie com relação a possível ofensa ao art. 37, X, da Constituição que é justamente a necessidade de lei específica. Portanto, temos um decreto, ou seja, uma norma que ainda está em vigor.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não, Ministro. Estamos dizendo que não está em vigor. A partir da Emenda 41, ela não está mais em vigor.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Por que não está em vigor? Ela está produzindo efeito.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Ministro, uma coisa é o ato normativo não estar mais em vigor, outra é os seus efeitos subsistirem ou não.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Se não está mais em vigor a partir da Emenda 41, os subsídios não poderiam mais existir. Não, ela está em vigor.

Por isso, entendo que a posição do eminente Carlos Britto faz sentido. Temos uma ação direta de inconstitucionalidade que está atacando um ato nor-mativo em vigor, que está no mundo jurídico. É verdade que ele desaparecerá no dia 31 de dezembro. Agora, nós vamos dizer que não daremos satisfação ao jurisdicionado, não vamos examinar isso à luz do art. 37, dos demais artigos aqui ventilados, porque o substrato jurídico no qual ele se baseou, ou seja, na exigência de uma lei de iniciativa conjunta ou na questão do subsídio, que agora é em parcela única e não em parcela variável? Enfim, é matéria a ser meditada. Entendo que as duas soluções são importantes, interessantes, cabíveis. Não me oporia, em tese, a aceitar a prejudicialidade, mas temos que, pedagogicamente, assentar não ser possível, por decreto legislativo, de forma genérica, sem con-sulta do Plenário, estabelecer os subsídios dos parlamentares.

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O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mas decreto legislativo pressupõe delibe-ração do Plenário.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Vou pedir vênia ao eminente Ministro Ricardo Lewandowski por entender que o problema é de distinguir efeitos. Produziu-se efeito permanente de fixação do valor na data da edição do decreto. Isto é, aquele valor, como efeito permanente, se prolonga no tempo. Não há pos-sibilidade de se invocar esse decreto, para nova aplicação, para dele extrair outro valor após a Emenda 41.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Num novo quadro constitucional. É disso que estamos a falar. A data marco é a Emenda 41.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Não podemos dizer que não está em vigor, só não produz mais efeito para o futuro.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Em vigor ele já não está.O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Como não está mais?O Sr. Ministro Cezar Peluso: Claro que não, Ministro.O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Há uma diferença clara entre o ato nor-

mativo que perdeu sua vigência e os efeitos dele que eventualmente subsistam.O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Sua eficácia, mas a vigência

permanece.O Sr. Ministro Cezar Peluso: Os efeitos é que se prolongam no tempo.O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Quanto ao ato praticado legitimamente

num período, nós não estamos a questionar.O Sr. Ministro Cezar Peluso: Os efeitos daquela primeira fixação, esses

permanecem no tempo.O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Não se pode mais invocar esta delegação

constante deste decreto legislativo no novo código constitucional, criado a partir da Emenda 41.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Para tirar outros efeitos.O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Para tirar outros efeitos.O Sr. Ministro Ricaro Lewandowski: É disso que se cogita.O Sr. Ministro Cezar Peluso: Mas ninguém está dizendo que não se deve

pagar o que se vinha pagando com base nesse decreto.O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Se não há um ato depois dessas

emendas.

VOTO

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Senhora Ministra, creio que os Se-nhores Ministros, a esta altura, quase que adivinham como é que eu vou votar.

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A nossa jurisprudência se fixara em que basta uma alteração substancial num padrão necessário da argüição de inconstitucionalidade para tornar inad-missível ou prejudicar a ação direta proposta.

O caso aqui é mais claro. Cuida-se de uma norma em que se fixou como termo de sua vigência, declaradamente transitória por isso mesmo, a promulga-ção de uma lei de iniciativa conjunta dos três Poderes. Aquela lei prevista, mas nunca advinda, à qual se referia o Ministro Celso de Mello como iniciativa le-gislativa mediante litisconsórcio necessário e quádruplo (e que por isso mesmo se transformou na quadratura do círculo e nunca foi proposta). Mas não é só que nunca tenha sido proposta: é que, com a Emenda Constitucional 41, ela se tornou uma página da história que não aconteceu, do Direito Constitucional brasileiro. Ela não só não foi proposta, como não pode mais vir a ser proposta.

O que ocorre então? Quando um ato normativo fixa, como final de sua vigência transitória, um fato futuro que já não poderá acontecer, essa norma perde a sua eficácia. Por isso, in limine, nem se trata de prejuízo, mas, sim, de inadmissibilidade da ação direta.

Mas deixo claro, e sempre o entendi possível, que o faço exatamente pela perda de eficácia deste Decreto Legislativo 444, desde a promulgação da Emenda Constitucional 41.

E não me nego a dizer claramente que a partir daí só há uma fonte nor-mativa constitucionalmente legítima de fixação de subsídios parlamentares, que é o decreto legislativo, ato normativo que há de ser aprovado pelo Plenário das Casas do Congresso Nacional e que independe de sanção do Presidente da República. Como pressupostos de validez material deste decreto legislativo in-cidem, é certo, o art. 39, § 4º, e os incisos X e XI, do art. 37, o que não se choca, entretanto, com a norma específica de competência exclusiva do Congresso, como está no art. 49, VII, também da Constituição.

Por tudo isso só o decreto legislativo, e mais, decreto legislativo específico que observe como teto o subsídio do Ministro do Su premo Tribunal Federal poderá fixar, em quantias idênticas e parcela única, a remuneração de Senadores e Deputados.

É este o meu voto.

VOTO

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Também eu peço vênia ao emi-nente Ministro Relator para acompanhar o que agora já é maioria consolidada com os votos colhidos.

EXTRATO DA ATA

ADI 3.833-MC/DF — Relator: Ministro Carlos Britto. Relator para o acórdão: Ministro Marco Aurélio. Requerente: Partido Popular Socialista – PPS (Advogados: Bruno Veloso Maffia e outros). Requerido: Congresso Nacional.

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Decisão: O Tribunal, por maioria, não conheceu da ação, averbando, toda-via, o exaurimento da norma contida no Decreto legislativo 444/02, questionada nesta ação, ou seja, em entendimento da Corte que fixação dos subsídios para os Congressistas, Senadores e Deputados deverá se fazer mediante decreto le-gislativo específico a ser aprovado por ambas as Casas do Congresso, vencidos os Ministros Carlos Britto (Relator), Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Eros Grau, que conheciam da ação e deferiam a cautelar. Redigirá o acórdão o Ministro Marco Aurélio. Votou a Presidente, Ministra Ellen Gracie. Ausente, jus-tificadamente, o Ministro Celso de Mello. Falou pelo Ministério Público Federal o Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza, Pro cura dor-Geral da República.

Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda Pertence, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Eros Grau, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. Pro cura dor-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.

Brasília, 19 de dezembro de 2006 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.887 — SP

Relator: O Sr. Ministro Menezes DireitoRequerente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil —

Requeridos: Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo e Governador do Es - tado de São Paulo — Interessados: Sindicato dos Notários e Registradores do Estado de São Paulo – SINOREG/SP e Associação dos Notários e Registradores do Estado de São Paulo – ANOREG/SP

Emolumentos. Serviços notariais e de registro. Art. 145, § 2º, da Constituição Federal.

1. Não há inconstitucionalidade quando a regra impugnada utiliza, pura e simplesmente, parâmetros que não provocam a identidade vedada pelo art. 145, § 2º, da Constituição Federal. No caso, os valores são utilizados apenas como padrão para de-terminar o valor dos emolumentos.

2. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Su-premo Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a Presidência do Ministro Gilmar Mendes, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráfi-cas, por maioria de votos, julgar improcedente a ação direta.

Brasília, 15 de outubro de 2008 — Menezes Direito, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Menezes Direito: O Conselho Federal da OAB ajuizou ação direta atacando os incisos II e III do art. 7º da Lei estadual 11.331, de 26-12-02, que tem a redação que se segue:

Art. 7º O valor da base de cálculo a ser considerado para fins de enquadra-mento nas tabelas de que trata o artigo 4º, relativamente aos atos classificados na alínea b do inciso III do artigo 5º, ambos desta lei, será determinado pelos parâ-metros a seguir, prevalecendo o que for maior:

(...)II – valor tributário do imóvel, estabelecido no último lançamento efetuado

pela Prefeitura Municipal, para efeito de cobrança de imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana, ou o valor da avaliação do imóvel rural aceito pelo órgão federal competente, considerando o valor da terra nua, as acessões e as benfeitorias;

III – base de cálculo utilizada para o recolhimento do imposto de transmis-são inter vivos de bens imóveis.

Invoca precedente da Suprema Corte de que os emolumentos têm natu-reza tributária de taxa e, no caso, o inciso II elege como base de cálculo “aquela

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peculiar do IPTU” e o inciso III “aquela peculiar do imposto de transmissão ‘in-ter vivos’ do imóvel” (fl. 5). Aponta violação do art. 145 da Constituição Federal, que proíbe ter as taxas a mesma base de cálculo dos impostos.

O governador do estado prestou informações afirmando que “não é ver-dade, portanto, que os dispositivos questionados pelo requerente tenham eleito, para base de cálculo dos emolumentos cartorários, aquela própria de imposto, porque não há coincidência entre elas” (fl. 67).

A Assembléia Legislativa asseverou não haver “identidade entre as bases de cálculo das referidas taxas com aquelas próprias do I.P.T.U. e do imposto de transmissão ‘inter vivos’ de bens imóveis, restando, pois, totalmente afastada a alegação de ofensa ao § 2º do art. 145 da Constituição Federal” (fl. 83).

A Advocacia-Geral da União opina pela constitucionalidade dos dispositi-vos impugnados, considerando que a utilização do IPTU e do imposto de trans-missão de bens é apenas parâmetro referencial.

O Ministério Público Federal opina pela improcedência da ação direta.Este é o relatório, distribuindo-se cópia aos eminentes Ministros deste re-

latório, da inicial e do parecer do Ministério Público Federal.

VOTO

O Sr. Ministro Menezes Direito (Relator): O Conselho Federal da OAB ajuizou ação direta atacando os incisos II e III do art. 7º da Lei estadual 11.331, de 26-12-02, que tem a redação que se segue:

Art. 7º O valor da base de cálculo a ser considerado para fins de enquadra-mento nas tabelas de que trata o art. 4º, relativamente aos atos classificados na alí-nea b do inciso III do art. 5º, ambos desta lei, será determinado pelos parâmetros a seguir, prevalecendo o que for maior.

I – (...)II – O valor tributário do imóvel, estabelecido no último lançamento efetu-

ado pela Prefeitura Municipal, para efeito de cobrança de imposto sobre a proprie-dade predial e territorial urbana, ou o valor da avaliação do imóvel rural aceito pelo órgão federal competente, considerado o valor da terra nua, as acessões e as benfeitorias;

III – base de cálculo utilizada para o recolhimento do imposto de transmis-são inter vivos de bens imóveis.

Invoca precedente da Suprema Corte de que os emolumentos têm natureza tributária de taxa e, no caso, o inciso II elege como base de cálculo “aquela pe-culiar do IPTU” e o inciso III “aquela peculiar do imposto de transmissão ‘inter vivos’ do imóvel” (fl. 5). Aponta violação do art. 145 da Constituição Federal, que proíbe ter as taxas a mesma base de cálculo os impostos.

O governador do estado prestou informações afirmando que “não é ver-dade, portanto, que os dispositivos questionados pelo requerente tenham eleito, para base de cálculo dos emolumentos cartorários, aquela própria de imposto, porque não há coincidência entre elas” (fl. 67).

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A Assembléia Legislativa asseverou não haver “identidade entre as bases de cálculo das referidas taxas com aquelas próprias do I.P.T.U. e do imposto de transmissão ‘inter vivos’ de bens imóveis, restando, pois, totalmente afastada a legação de ofensa ao § 2º do art. 145 da Constituição Federal” (fl. 83).

A Advocacia-Geral da União opina pela constitucionalidade dos dispositi-vos impugnados, considerando que a utilização do IPTU e do imposto de trans-missão de bens é apenas parâmetro referencial.

O Ministério Público Federal opina pela improcedência da ação direta.Não existe a inconstitucionalidade apontada. Vejamos.O que os dispositivos atacados indicam são referências que não se con-

fundem com identidade capaz de atrair a vedação do art. 145 da Constituição Federal. Esse critério foi admitido pela Suprema Corte quando do julgamento da ADI 1.948, Rel. Min. Gilmar Mendes (DJ de 7-2-03), apoiado em outro precedente de que Relator o Ministro Carlos Velloso, em que se fez a distinção entre essa identidade vedada constitucionalmente e o estabelecimento de mero critério de referência para a incidência da taxa, afastada a idéia de incidência sobre o faturamento.

Como bem assinalou o parecer do eminente Pro cura dor-Geral de Justiça, “conclui-se, no caso presente, que a variação do valor da taxa (emolumentos), em função dos padrões considerados nos incisos da norma atacada, não signi-fica que o valor do imóvel seja sua base de cálculo (muito embora tenha sido essa a expressão utilizada pela lei paulista)” (fl. 138). E prossegue afirmando que o “preço do imóvel, isso sim, é utilizado apenas como parâmetro para determi-nação do valor daquela espécie de tributo. A taxa, nesse caso, segundo entende o Su premo Tribunal, passa a ser um tributo fixo, ou seja, sem base de cálculo, não ofendendo, por conseguinte, o art. 145, § 2º, da Lei Fundamental” (fl. 138).

Bem anotou o governador do estado que a “interpretação equivocada le-vou o requerente a crer que o art. 7º da Lei Estadual nº 11.331/2002 fixa a base de cálculo dos emolumentos dos serviços notariais e de registro, quando o disposi-tivo apenas estabelece os parâmetros a serem observados para enquadramento nas tabelas que estipulam o valor dos referidos serviços. E isso de acordo com o prescrito no artigo 2º, inciso III, alínea ‘b’ da Lei Federal nº 10.169/2000, de-terminando a observância de faixas que estabeleçam valores mínimos e máxi-mos, nas quais enquadrar-se-á o valor constante do documento apresentado aos serviços notariais e de registro” (fl. 66). Por outro lado, assinala o governador que a “base de cálculo das taxas em questão não se confunde com qualquer dos valores indicados nos incisos II e III do artigo 7º da Lei estadual nº 11.331/2002. Tanto é assim que uma ampla gama de valores, sejam referentes ao negócio, ao valor venal ou da avaliação do imóvel, é abrangida por uma mesma taxa, como se constata, exemplificativamente, da tabela de emolumentos do Registro de Imóveis do Estado de São Paulo” (fl. 67).

Destarte, julgo improcedente a ação direta.

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VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, a regra constitucional é muito clara: não permite, sequer, que se parta para elucubrações, para interpretação que possa implicar o afastamento da eficácia. Taxa não pode ter a mesma base de cálculo utilizada para imposto.

O que se verifica na lei atacada? A revelação, a mais não poder, que se considerou como referência para a cobrança de taxa, observadas as transações judiciais – estamos, aqui, a lidar, penso, com atividades envolvidas por cartó-rio de registro de imóveis –, não o preço do negócio jurídico, que, reconheço, na maioria das vezes não reflete a realidade da transação, não podendo, no en-tanto, partir dessa premissa. Remete-se claramente, em bom vernáculo, ao que serve de base para a cobrança do Imposto Predial e Territorial Urbano, para a cobrança, portanto, de imposto, e, também, de outro tributo da mesma espécie – portanto imposto –, que é o de transmissão de bens imóveis entre vivos.

Não posso desconhecer o sentido vernacular das normas, não posso des-conhecer que, de uma forma até mesmo sutil, no que se alude a enquadramento da espécie em certa tabela constante da lei, se tomou de empréstimo – isso é es-treme de dúvidas – fatores que são considerados para efeito de recolhimento de impostos. Se entendermos que, no caso, não há o conflito da norma, do Diploma paulista com a Constituição Federal, em termos de vedação, a porta estará aberta para, mediante, como disse, um sutil jogo de palavras, chegar-se como que ao drible ao preceito constitucional.

Peço vênia, Presidente, ao relator e àqueles que pensam de forma di-versa, para concluir que se tem situação jurídica normativa a conflitar com o texto constitucional, que é vedador de se tomar, para efeito de cálculo da taxa, algo que serve para definir-se o valor devido em termos de Imposto Predial e Territorial Urbano e de imposto de transmissão entre vivos, considerado imóvel.

Voto no sentido da procedência do pedido formulado na inicial da ação direta.

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhor Presidente, também voto pela pro-cedência do pedido. Sirvo-me dos fundamentos do voto do Ministro Marco Aurélio, com a devida vênia do eminente Ministro Relator.

EXTRATO DA ATA

ADI 3.887/SP — Relator: Ministro Menezes Direito. Requerente: Con-selho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (Advogado: Cezar Britto). Requeridos: Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo e Governador do Estado de São Paulo. Interessados: Sindicato dos Notários e Registradores do Es- tado de São Paulo – SINOREG/SP e Associação dos Notários e Registradores

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do Estado de São Paulo – ANOREG/SP (Advogadas: Maria Leonor Leite Vieira e outras).

Decisão: O Tribunal, por maioria, julgou improcedente a ação direta con-tra os votos dos Ministros Marco Aurélio e Carlos Britto. Votou o Presidente. Ausentes, justificadamente, porque em representação do Tribunal no exterior, os Ministros Gilmar Mendes (Presidente) e Eros Grau. Falaram, pelo requerido Governador do Estado de São Paulo, o Dr. Thiago Luís Sombra e, pelos amici curiae, a Dra. Maria Leonor Leite Vieira. Presidiu o julgamento o Ministro Cezar Peluso (Vice-Presidente).

Presidência do Ministro Cezar Peluso (Vice-Presidente). Presentes à ses-são os Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Vice-Pro cura dor-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos.

Brasília, 15 de outubro de 2008 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.999 — DF

Relator: O Sr. Ministro Joaquim BarbosaRequerente: Partido Social Cristão – PSC — Requerido: Tribunal Superior

EleitoralAção direta de inconstitucionalidade. Resoluções do Tri bu-

nal Superior Eleitoral 22.610/07 e 22.733/08. Disciplina dos pro-cedimentos de justificação da desfiliação partidária e da perda do cargo eletivo. Fidelidade partidária.

1. Ação direta de inconstitucionalidade ajuizada contra as Resoluções 22.610/07 e 22.733/08, que disciplinam a perda do cargo eletivo e o processo de justificação da desfiliação partidária.

2. Síntese das violações constitucionais argüidas.Alegada contrariedade do art. 2º da resolução ao art. 121

da Constituição, que ao atribuir a competência para examinar os pedidos de perda de cargo eletivo por infidelidade partidária ao TSE e aos Tribunais Regionais Eleitorais, teria contrariado a reserva de lei complementar para definição das competências de Tribunais, Juízes e Juntas Eleitorais (art. 121 da Constituição).

Suposta usurpação de competência do Legislativo e do Executivo para dispor sobre matéria eleitoral (arts. 22, I; 48; e 84, IV, da Constituição), em virtude de o art. 1º da Resolução dis-ciplinar de maneira inovadora a perda do cargo eletivo.

Por estabelecer normas de caráter processual, como a forma da petição inicial e das provas (art. 3º), o prazo para a resposta e as conseqüências da revelia (art. 3º, caput e parágrafo único), os requisitos e direitos da defesa (art. 5º), o julgamento antecipado da lide (art. 6º), a disciplina e o ônus da prova (art. 7º, caput e parágrafo único, art. 8º), a Resolução também teria violado a re-serva prevista nos arts. 22, I; 48; e 84, IV, da Constituição.

Ainda segundo os Requerentes, o texto impugnado discrepa da orientação firmada pelo Su premo Tribunal Federal nos prece-dentes que inspiraram a Resolução, no que se refere à atribuição ao Ministério Público eleitoral e ao terceiro interessado para, ante a omissão do Partido Político, postular a perda do cargo ele-tivo (art. 1º, § 2º). Para eles, a criação de nova atribuição ao MP por resolução dissocia-se da necessária reserva de lei em sentido estrito (arts. 128, § 5º, e 129, IX, da Constituição). Por outro lado, o suplente não estaria autorizado a postular, em nome próprio, a aplicação da sanção que assegura a fidelidade partidária, uma vez que o mandato “pertenceria” ao Partido.)

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Por fim, dizem os Requerentes que o ato impugnado inva-diu competência legislativa, violando o princípio da separação dos poderes (arts. 2º e 60, § 4º, III, da Constituição).

3. O Su premo Tribunal Federal, por ocasião do julgamen- to dos MS 26.602, 26.603 e 26.604 reconheceu a existência do dever constitucional de observância do princípio da fidelidade partidária. Ressalva do entendimento então manifestado pelo Ministro Relator.

4. Não faria sentido a Corte reconhecer a existência de um di-reito constitucional sem prever um instrumento para assegurá-lo.

5. As resoluções impugnadas surgem em contexto excepcio-nal e transitório, tão-somente como mecanismos para salvaguar-dar a observância da fidelidade partidária enquanto o Poder Legislativo, órgão legitimado para resolver as tensões típicas da matéria, não se pronunciar.

6. São constitucionais as Resoluções 22.610/07 e 22.733/08 do Tribunal Superior Eleitoral.

Ação direta de inconstitucionalidade conhecida, mas jul-gada improcedente.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Su-premo Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a Presidência do Ministro Gilmar Mendes, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráfi-cas, por maioria, em superar a preliminar de conhecimento, vencido o Ministro Marco Aurélio, que se manifestou pela inadmissibilidade da ação, entendendo não se tratar de ato normativo abstrato-autônomo do Tribunal Superior Elei-toral. No mérito, o Tribunal, por maioria, julgou improcedente a ação direta e declarou a constitucionalidade da resolução impugnada, nos termos do voto do relator, vencidos os Ministros Eros Grau e Marco Aurélio.

Brasília, 12 de novembro de 2008 — Joaquim Barbosa, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Trata-se de duas ações diretas de incons-titucionalidade, ajuizadas pelo Partido Social Cristão (PSC) (ADI 3.999) e pelo Pro cura dor-Geral da República (ADI 4.086) contra as Resoluções 22.610/07 e 22.733/08 do Tribunal Superior Eleitoral, que versam sobre o processo de perda de cargo eletivo, bem como de justificação de desfiliação partidária.

O texto impugnado tem o seguinte teor:

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Resolução nº 22.610Relator: Ministro Cezar Peluso.O Tribunal Superior Eleitoral, no uso das atribuições que lhe confere o

art. 23, XVIII, do Código Eleitoral, e na observância do que decidiu o Su premo Tribunal Federal nos Mandados de Segurança nº 26.602, 26.603 e 26.604, resolve disciplinar o processo de perda de cargo eletivo, bem como de justificação de des-filiação partidária, nos termos seguintes:

Art. 1º O partido político interessado pode pedir, perante a Justiça Eleitoral, a decretação da perda de cargo eletivo em decorrência de desfiliação partidária sem justa causa.

§ 1º Considera-se justa causa:I – incorporação ou fusão do partido;II – criação de novo partido;III – mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário;IV – grave discriminação pessoal.§ 2º Quando o partido político não formular o pedido dentro de 30 (trinta)

dias da desfiliação, pode fazê-lo, em nome próprio, nos 30 (trinta) subseqüentes, quem tenha interesse jurídico ou o Ministério Público eleitoral.

§ 3º O mandatário que se desfiliou ou pretenda desfiliar-se pode pedir a declaração da existência de justa causa, fazendo citar o partido, na forma desta Resolução.

Art. 2º O Tribunal Superior Eleitoral é competente para processar e julgar pedido relativo a mandato federal; nos demais casos, é competente o tribunal elei-toral do respectivo estado.

Art. 3º Na inicial, expondo o fundamento do pedido, o requerente juntará prova documental da desfiliação, podendo arrolar testemunhas, até o máximo de 3 (três), e requerer, justificadamente, outras provas, inclusive requisição de do-cumen tos em poder de terceiros ou de repartições públicas.

Art. 4º O mandatário que se desfiliou e o eventual partido em que esteja inscrito serão citados para responder no prazo de 5 (cinco) dias, contados do ato da citação.

Parágrafo único. Do mandado constará expressa advertência de que, em caso de revelia, se presumirão verdadeiros os fatos afirmados na inicial.

Art. 5º Na resposta, o requerido juntará prova documental, podendo arrolar testemunhas, até o máximo de 3 (três), e requerer, justificadamente, outras provas, inclusive requisição de documentos em poder de terceiros ou de repartições públicas.

Art. 6º Decorrido o prazo de resposta, o tribunal ouvirá, em 48 (quarenta e oito) horas, o representante do Ministério Público, quando não seja requerente, e, em seguida, julgará o pedido, em não havendo necessidade de dilação probatória.

Art. 7º Havendo necessidade de provas, deferi-las-á o Relator, designando o 5º (quinto) dia útil subseqüente para, em única assentada, tomar depoimentos pessoais e inquirir testemunhas, as quais serão trazidas pela parte que as arrolou.

Parágrafo único. Declarando encerrada a instrução, o Relator intimará as partes e o representante do Ministério Público, para apresentarem, no prazo co-mum de 48 (quarenta e oito) horas, alegações finais por escrito.

Art. 8º Incumbe aos requeridos o ônus da prova de fato extintivo, impedi-tivo ou modificativo da eficácia do pedido.

Art. 9º Para o julgamento, antecipado ou não, o Relator preparará voto e pe-dirá inclusão do processo na pauta da sessão seguinte, observada a antecedência de 48 (quarenta e oito) horas. É facultada a sustentação oral por 15 (quinze) minutos.

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Art. 10. Julgando procedente o pedido, o tribunal decretará a perda do cargo, comunicando a decisão ao presidente do órgão legislativo competente para que emposse, conforme o caso, o suplente ou o vice, no prazo de 10 (dez) dias.

Art. 11. São irrecorríveis as decisões interlocutórias do Relator, as quais poderão ser revistas no julgamento final, de cujo acórdão cabe o recurso previsto no art. 121, § 4º, da Constituição da República.

Art. 12. O processo de que trata esta Resolução será observado pelos tri-bunais regionais eleitorais e terá preferência, devendo encerrar-se no prazo de 60 (sessenta) dias.

Art. 13. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação, aplicando-se apenas às desfiliações consumadas após 27 (vinte e sete) de março deste ano, quanto a mandatários eleitos pelo sistema proporcional, e, após 16 (dezesseis) de outubro corrente, quanto a eleitos pelo sistema majoritário.

Parágrafo único. Para os casos anteriores, o prazo previsto no art. 1º, § 2º, conta-se a partir do início de vigência desta Resolução.

Marco Aurélio – Presidente. Cezar Peluso – Relator. Carlos Ayres Britto. José Delgado. Ari Pargendler. Caputo Bastos. Marcelo Ribeiro.

Brasília, 25 de outubro de 2007.

Após assentar que esta Corte reconheceu que a infidelidade partidária, sem justa causa, acarreta a perda do cargo eletivo (MS 26.602 e MS 26.603), o Reque-rente afirma que a forma e o conteúdo eleitos pelo Tribunal Superior Eleitoral para instrumentalizar a aplicação da fidelidade não se adequam à Constituição.

1) O art. 2º da Resolução, ao repartir a competência para examinar os pedi-dos de perda de cargo eletivo por infidelidade partidária ao TSE e aos Tribunais Regionais Eleitorais, violou reserva de lei complementar para definição das ap-tidões de Tribunais, Juízes e Juntas Eleitorais (art. 121 da Constituição);

2) O art. 1º da Resolução, ao disciplinar de maneira inovadora a perda do cargo eletivo, usurpou competência do Legislativo e do Executivo para dispor sobre matéria eleitoral (arts. 22, I; 48; e 84, IV, da Constituição);

3) Por estabelecer normas de caráter processual, como a forma da petição inicial e das provas (art. 3º), o prazo para a resposta e as conseqüências da reve-lia (art. 3º, caput e parágrafo único), os requisitos e direitos da defesa (art. 5º), o julgamento antecipado da lide (art. 6º), a disciplina e o ônus da prova (art. 7º, caput e parágrafo único, art. 8º), a Resolução também violou a reserva prevista nos arts. 22, I; 48; e 84, IV, da Constituição.

4) O texto impugnado discrepa da orientação firmada pelo Su premo Tribunal Federal nos precedentes que inspiram a Resolução, no que se refere à atribuição ao Ministério Público eleitoral e ao terceiro interessado para, ante a omissão do Partido Político, postular a perda do cargo eletivo (art. 1º, § 2º). A criação de nova atribuição ao MP por resolução dissocia-se da necessária re-serva de lei em sentido estrito (arts. 128, § 5º, e 129, IX, da Constituição). Por outro lado, o suplente não estaria autorizado a postular, em nome próprio, a apli-cação da sanção que assegura a fidelidade partidária, uma vez que o mandato “pertenceria” ao Partido.

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Ademais, ainda em relação ao suplente, diz o Pro cura dor-Geral da Re pú-bli ca, textualmente, que:

é certo que na resposta à Consulta n. 1398, Classe 5ª-DF que resultou na Resolução n. 22.526 do TSE, nenhuma linha se escreveu sobre a possibilidade de o suplente pleitear o cargo eletivo em caso de desfiliação partidária do seu titu-lar, o que significa que tal possibilidade, agora aventada na Resolução n. 22.610, representaria flagrante e grave violação aos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima.(Fl. 8.)

5) O ato impugnado invadiu competência legislativa, desgastando o prin-cípio da separação dos poderes (arts. 2º e 60, § 4º, III, da Constituição).

Diante do exposto, pede-se a declaração de inconstitucionalidade do texto impugnado.

Em razão da relevância da matéria, adotei o rito previsto no art. 12 da Lei 9.868/1999. A i. Presidência da Corte aplicou o mesmo rito à ADI 3.999 (fl. 48).

O e. Tribunal Superior Eleitoral prestou informações, subscritas por seu eminente Presidente, Ministro Carlos Britto (fls. 51-58). S. Exa. principia por reafirmar que o Su premo Tribunal Federal “reformou sua antiga jurisprudên-cia para entender, agora, que a mudança injustificada de partido político gera a perda do mandato pelo ‘trânsfuga’ e sua conseqüente devolução ao partido pelo qual ele, trânsfuga, foi originalmente eleito” (fl. 53). Não haveria, portanto, a inovação normativa e a conseqüente intromissão no âmbito da matéria reser-vada ao Legislativo e ao Executivo antevista pelo Requerente.

Aponta, em especial, que o próprio Su premo Tribunal Federal estabeleceu, nos precedentes mencionados, que competiria ao TSE “estabelecer em resolu-ção todos os ritos necessários à disciplina do respectivo procedimento, respeita-das as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa” (fl. 54). Não faria sentido concordar com a possibilidade da conseqüência (perda do man-dato), sem que se previssem meios para atingi-la. As informações registram, a respeito, o seguinte trecho do voto do eminente Ministro Celso de Mello:

Nada impedirá que o E. Tribunal Superior Eleitoral, à semelhança do que se registrou em precedente no caso de Mira Estrela/SP (RE 197.917/SP), formule e edite resolução destinada a regulamentar o procedimento (materialmente) ad-ministrativo de justificação em referência, instaurável perante órgão competente da própria Justiça Eleitoral, em ordem a estruturar, de modo formal, as fases rituais desse mesmo procedimento, valendo-se, para tanto, se assim o enten-der pertinente, e para colmatar a lacuna normativa existente, da analogia legis, mediante aplicação, no que couber, das normas inscritas nos arts. 3º a 7º da Lei Complementar nº 64/90.

Observo que a fórmula da resolução ora sugerida, a ser eventualmente edi-tada pelo E. Tribunal Superior Eleitoral, representou solução idealizada no julga-mento do plenário do já mencionado RE 197.917/SP e foi considerada inteiramente constitucional por esta Suprema Corte, quando da apreciação da ADI 3.345/DF, de que fui Relator, em decisão que julgou improcedente referida ação direta.

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Entendo, Senhora Presidente, que, se esta for a compreensão do Su premo Tribunal Federal, assegurar-se-á, ao partido político e ao parlamentar que dele se desligar voluntariamente, a possibilidade de, em sede materialmente administrativa e perante a Justiça Eleitoral, justificar, com ampla dilação probatória – e com pleno respeito ao direito de defesa –, a ocorrência, ou não, das situações excepcionais a que se referiu o E. Tribunal Superior Eleitoral em sua resposta à Consulta nº 1.398/DF, para que se possa, então, se e quando for o caso, submeter ao Presidente da Casa legislativa o requerimento de preservação da vaga obtida nas eleições proporcionais.(Fls. 56-57.)

A Advocacia-Geral da União defendeu a estrita adequação da Resolução à interpretação conferida por esta Corte por ocasião do julgamento do MS 26.603 (fls. 24-38).

O Pro cura dor-Geral da República reitera os termos da inicial (fls. 40-48).É o relatório.Distribuam-se, oportunamente, cópias aos demais Senhores Ministros e

Ministras da Corte.

VOTO

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Inicialmente, firmo a pos-sibilidade de exame concentrado e abstrato do texto normativo impugnado. A Resolução 22.610/07 do Tribunal Superior Eleitoral traz normas gerais e abstratas relativas ao processo de perda do cargo por infidelidade partidária. Dispõe, ainda, sobre o processo judicial de determinação da justa causa na des-filiação partidária, o que constitui indicativo de que o texto em questão possui densidade normativa própria e suficiente.

Passo ao exame do mérito.Por ocasião do julgamento do MS 26.602, do MS 26.603 e do MS 26.604,

externei minha preocupação quanto à subtração do eleitorado – o povo – do de-bate relativo ao direito que assistiria aos partidos políticos de preservar a vaga obtida pelo sistema eleitoral proporcional, na hipótese de se configurar a deso-bediência, por parte do mandatário eleito, ao princípio da fidelidade ao partido pelo qual se elegeu.

Não obstante a circunstância de os partidos políticos representarem ins-tituição importantíssima, incontornável, das democracias modernas, é inequí-voco que o poder político deriva do povo, que é seu titular absoluto. Sobrepor o partido político, como entidade de arregimentação exclusiva da vontade popular em matéria política, à intenção do eleitor, individualmente considerado, implica, a meu sentir, em ruptura do sistema que toma como premissa a legitimidade e a soberania do eleitor. Entendo que as organizações partidárias não substituem o eleitor como centro de referência do sistema político.

Aliás, nesse sentido, relembro que estas foram minhas palavras por oca-sião do julgamento dos leading cases:

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Aliás, Senhora Presidente, permita-me abrir aqui um parênteses, é que eu me pergunto se essa apregoada preeminência dos partidos políticos como institui-ções arregimentadoras exclusivas da vontade popular encontra eco na realidade da sociedade moderna em que vivemos, sociedade de massas, conectada plane-tariamente, com múltiplas formas de expressão da vontade dos mais diversos segmentos sociais.

Tenho minhas dúvidas, e nesse sentido, lembro do papel crescentemente importante desempenhado nos dias atuais por organizações tais como as organi-zações não-governamentais.

Tive o privilégio de assistir nos Estados Unidos da América há cerca de sete ou oito anos o papel decisivo que uma organização espontânea, que surgiu durante o processo de impeachment de um presidente daquele país, teve no desfecho do processo de impeachment. O nome da organização era Move on.

Tenho sérias dúvidas se os partidos tradicionais estão mesmo à altura da tarefa de expressar satisfatoriamente a vontade e os anseios dos membros dessa nova sociedade planetária.

(...)Em realidade, ao fazer uma opção por essa partidocracia, supostamente no

intuito de preservar a vontade do eleitor, o que fez o Tribunal Superior Eleitoral foi alijar completamente o eleitor do processo de manifestação da sua vontade soberana. Tornou-o irrelevante, pois importantes passaram a ser apenas os partidos políticos.

Noto, porém, Senhor Presidente, que a questão de fundo posta pelo Pro-cura dor-geral da República refere-se ao alcance do poder regulamentar da Justiça Eleitoral, exercido pelo Tribunal Superior Eleitoral. Segundo entende o Pro cura dor-geral da República, o Tribunal Superior Eleitoral não poderia ter criado normas que atribuíssem competência e regulassem o processo relativo à perda do cargo eletivo.

O regramento posto pelo Tribunal Superior Eleitoral põe em jogo um novo tipo de questão. Como procurei expor durante o julgamento dos mandados de segurança já referenciados, a tensão gerada pelo risco de perda do mandato elei-toral pela insurgência ao princípio da fidelidade partidária afeta as expectativas do eleitorado com relação à representação política popular. Segundo entendeu o e. TSE e esta Corte, o sistema de eleições proporcionais justifica que a identi-dade formada entre o eleitor e o candidato fique em segundo plano, subordinada à presumida relação entre o eleitor e o partido político. A resolução de tal tensão também deveria se dar por meio dos instrumentos postos à positivação da repre-sentação popular, isto é, com a observância da regra da legalidade. A pergunta que se põe é se pode haver a perda do mandato sem o devido processo legal eri-gido com apoio na representação política popular.

Para desate da questão, é imprescindível revisitar a orientação firmada pela Corte por ocasião do julgamento do MS 26.602 (Rel. Min. Eros Grau), do MS 26.603 (Rel. Min. Celso de Mello) e do MS 26.604 (Rel. Min. Cármen Lúcia).

Os três mandados de segurança foram impetrados por partidos políticos contra atos do Presidente da Câmara dos Deputados, consistente no indeferi-mento de requerimento por eles formulado no sentido de declarar a vacância do

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mandato de deputados federais que se desfiliaram dessas agremiações partidá-rias. As impetrações foram motivadas pelas conclusões a que chegara o TSE na Consulta 1.398/DF, em que ficou decidido que os partidos políticos e coligações têm o direito de preservar a vaga obtida pelo sistema eleitoral proporcional, quando houver pedido de cancelamento de filiação ou transferência do candi-dato eleito, do partido pelo qual se elegeu para outra legenda.

Nas sessões de 3 e 4-10 de 2007, a Corte, por maioria – vencidos os Ministros Eros Grau, Ricardo Lewandowski e Joaquim Barbosa –, firmou duas orientações relevantes. Em primeiro lugar, fixou interpretação constitucional quanto à possibilidade da perda do cargo eletivo, na hipótese de a desfiliação partidária não estar amparada por justa causa. Em segundo lugar – e é o ponto relevante para esta discussão – remeteu ao TSE a regulamentação das fases do procedimento destinado a confirmar ou infirmar a presença de justa causa.

Em especial, novamente transcrevo trecho do voto do eminente Ministro Celso de Mello sobre o ponto:

Nada impedirá que o E. Tribunal Superior Eleitoral, à semelhança do que se registrou em precedente firmado no caso de Mira Estrela/SP (RE 197.917/SP), formule e edite resolução destinada a regulamentar o procedimento (material-mente) administrativo de justificação em referência, instaurável perante o órgão competente da própria Justiça Eleitoral, em ordem a estruturar, de modo formal, as fases rituais desse mesmo procedimento, valendo-se, para tanto, se assim o entender pertinente, e para colmatar a lacuna normativa existente, da “analogia legis”, mediante aplicação, no que couber, das normas inscritas nos arts. 3º a 7º da Lei Complementar 64/90.

A Constituição de 1988 reserva à lei a aptidão para dispor sobre matéria eleitoral (arts. 22, I; 48; e 84, IV, da Constituição). A questão não é meramente formal. Em virtude do princípio da representação popular, que é um dos pilares da nossa organização política, compete às Casas do Legislativo processar ade-quadamente as tensões advindas do processo político e criar normas destinadas a estabilizar a expectativa dos cidadãos também em matéria eleitoral. O Sistema Político pode realizar operações que nenhum outro sistema, entre eles o Judicial, está habilitado a efetuar, em razão dos procedimentos democráticos que o carac-terizam. Falo especificamente da atividade de produzir normas. Afinal, já dizia Montesquieu em passagem memorável, deve-se a todo custo evitar que um dos poderes faça uso das prerrogativas funcionais de outro poder, pois todas as ve-zes que isso acontece o resultado é a tirania. James Madison, por seu turno, na sua aguda compreensão dos mecanismos de controle entre os poderes, traduziu em frase lapidar toda a essência da demarcação que deve haver entre as esferas de atuação de cada órgão representativo das funções essenciais do Estado. Dizia Madison: “Ambition must be made to counteract ambition”.

A observância rigorosa a todos esses princípios é condição sine qua non da preservação da autoridade da Corte. Creio que nesse aspecto as lições do direito comparado podem nos ser muito úteis.

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Com efeito, não me parece ocioso trazer à reflexão a célebre passa-gem atribuída a Alexander Hamilton, referindo-se ao Poder Judiciário, se-gundo a qual tratar-se-ia de “o Poder menos perigoso aos poderes políticos da Constituição, porque ele tem menor capacidade para perturbá-lo ou danificá-lo” (The Federalist 78), frase esta que foi imortalizada em obra jurídica célebre da lavra de Alexander Bickel – “The Least Dangerous Branch”. A observação de Hamilton ao povo do Estado de Nova Iorque foi complementada pelo juiz Felix Frankfurter no famoso caso Baker v. Carr, em que aquele magistrado afirmou: a “autoridade da Corte – desprovida da bolsa e da espada – sustenta-se em última análise na confiança do público em sua sanção moral. Tal sentimento deve ser acalentado pela completa separação da Corte, de fato e em aparência, de amar-ras políticas e por sua abstenção na briga de forças políticas em resoluções de índole também política” 1.

Com a atenção sempre voltada a esses princípios básicos de organização político-estatal, penso que as hipóteses que levam à perda do cargo eletivo e o procedimento respectivo são temas que devem ser tratados pelos órgãos de representação popular, com base em disposição expressa e inequívoca da Constituição. A infidelidade partidária implica instabilidade do sistema demo-crático em duas ordens diversas. Em primeiro lugar, como decidiu a Corte, o acesso do candidato ao cargo eletivo pressupõe a força do partido político, nas eleições proporcionais. Em contraponto, contudo, não me parece possível igno-rar a relação estabelecida diretamente entre o eleito e o eleitorado. Relembro a frase do eminente Ministro Victor Nunes Leal, já citada por ocasião do jul-gamento do MS 26.602, de que “embora escolhido pelo critério partidário, [o deputado] representa o povo”. Nos EUA, durante o julgamento do caso Reynold v. Sims, o Juiz-Presidente Warren bem anotou que os “legisladores representam pessoas, não árvores ou extensões de terra. Legisladores são eleitos por eleito-res, não fazendas, cidades ou interesses econômicos” 2. Em outra passagem, o juiz Potter Stewart diz que “legisladores não representam números sem rosto. Eles representam pessoas, ou, com maior precisão, a maioria de eleitores em seus distritos – pessoas com necessidades e interesses identificáveis3 ”.

O sistema de eleição baseado na apuração proporcional pressupõe a identi-dade entre o interesse dos eleitores e a postura e o programa adotados pelo par-tido político. Essa presunção, contudo, não é absoluta na quadra histórica atual.

1 No original: “The Court’s authority – possessed of neither the purse nor the sword – ultimately rests on sustained public confidence in its moral sanction. Such feeling must be nourished by the Court’s complete detachment, in fact and in appearance, from political entanglements and by ab-stention from injecting itself into the clash of political forces in political settlements.”2 “Legislators represent people, not trees or acres. Legislators are elected by voters, not farms or cities or economic interests.” (Reynolds v. Sims, 377 U.S. 533 1964.)3 “But legislators do not represent faceless numbers. They represent people, or, more accurately, a majority of the voters in their districts – people with identifiable needs and interests which re-quire legislative representation, and which can often be related to the geographical areas in which these people live.” (Lucas v. Forty-Fourth Gen. Assembly of Colorado, 377 U.S. 713 1964.)

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Não devemos confundir a vontade do partido político com a vontade do eleitor (povo), pois o primeiro não pode substituir o segundo na escolha direta de seus representantes.

Em princípio, o Judiciário está mal equipado para resolver a instabilidade originada da perda do mandato eletivo por infidelidade partidária. Uma vez reconhecido que a Constituição vincula a fidelidade partidária ao exercício de cargo eletivo no sistema proporcional – e tal definição se encontra no âmbito de atuação do Judiciário – surgem novas questões – que se submetem inicialmente ao escrutínio do Legislativo. Por exemplo, deve o suplente deter legitimação para questionar a observância à fidelidade partidária? A legitimação do terceiro não tem o potencial para fomentar conflitos orientados muito mais pelo inte-resse pessoal do que pelo legítimo interesse republicano de fazer valer a força da Constituição? Outra questão: não deveria haver um mecanismo para examinar a percepção do eleitor quanto à fidelidade do partido político pelo qual se elegeu o candidato tido por insurgente às diretrizes fixadas por ocasião do pleito? Se o suplente é legitimado para questionar a fidelidade, qual a razão para excluir o eleitor? Poderia a anuência do partido do qual parte o insurgente sanar o dese-quilíbrio causado pela infidelidade partidária, para afastar a pena de perda do cargo eletivo? Quais critérios devem pautar o reconhecimento da justa causa, de modo a afastar a ilicitude da infidelidade partidária? Os prazos para apresenta-ção de defesa são adequados?

A questão que se coloca é como devem ser processadas essas tensões diante do temporário silêncio do Legislativo. Temporário, pois como se sabe, o Congresso Nacional já conta com projetos de lei sobre fidelidade partidária (e.g., o PLC 35/2007).

Entendo que, em princípio, o debate legislativo é o ambiente adequado para resolver essas e outras questões, que são eminentemente políticas. Somente em situações extremas e sempre quando autorizado expressamente pela Constituição é que o Judiciário pode se manifestar sobre os critérios que orientam a manuten-ção ou a perda do cargo por infidelidade partidária. É indispensável ter-se uma compreensão não meramente retórica acerca do sistema representativo, para se compreender a gravidade que representa a destituição de um parlamentar do mandato que lhe foi outorgado pelo povo, fora das hipóteses estritamente pre-vistas na Constituição. A não-observância desses princípios sensíveis de coe-xistência entre os poderes leva necessariamente ao enfraquecimento, em última análise, daquele que é tido como o menos perigoso entre os poderes. Como lem-brou Aaron Barak, o sábio juiz-presidente da Corte Suprema de Israel, citando Balzac, “a falta de confiança no Judiciário é o término da sociedade4.”

Feitas estas considerações, penso que neste ponto cumpre trazer à baila um outro princípio que, a meu sentir, deve sempre guiar a conduta dos mem-bros de Cortes Supremas e de Cortes Constitucionais. Refiro-me ao princípio

4 BARAK, Aharon. The Role of a judge in democracy. Judicature, vol. 88, n. 5, mar./abr. de 2005, p. 199-201.

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da colegialidade e ao seu mais importante derivativo – o princípio da disciplina colegial. Aaron Barak, em página memorável, chama a atenção não apenas para a necessidade de o juiz Su premo ter sempre presente as limitações institucionais próprias ao Poder Judiciário, mas também as limitações que o princípio da cole-gialidade impõe ao membro de uma determinada corte suprema5.

Pois bem. Ao reconhecer aos partidos políticos o direito de postular o respeito ao princípio da fidelidade partidária perante o Judiciário, decisão na qual, é importante relembrar, eu fiquei vencido, esta Corte, interpretando a Constituição, não lhes negou um meio processual para assegurar concretamente as conseqüências advindas de eventual desrespeito ao princípio então reconhe-cido. É nesse sentido que leio as palavras lançadas pelo Ministro Celso de Mello, de que compete ao TSE dispor sobre a matéria durante o silêncio – eloqüente, talvez – do Legislativo.

Vale dizer, de pouco adiantaria a Corte reconhecer um dever – fidelidade partidária – e não reconhecer a existência de um mecanismo ou de um instru-mento legal para assegurá-lo. A inexistência do mecanismo leva a quadro de exceção, que se crê ser temporário.

É nesse quadro excepcional, de carência de meio para garantia de um di-reito constitucional, marcado pela transitoriedade, que interpreto a adequação da resolução impugnada ao art. 23, IX, do Código Eleitoral, este interpretado conforme a Constituição. O poder normativo do Tribunal Superior Eleitoral se submete, por óbvio, à Constituição. Por seu turno, o texto constitucional co-mete ao Legislativo o poder-dever de exercer a representação política que lhe foi outorgada e dispor sobre matéria eleitoral, nela consideradas o alcance e o processo que leva à caracterização da infidelidade partidária. E, neste ponto, ressalvadas as salvaguardas constitucionais, o Legislativo é soberano. A de-marcação do âmbito de atividade do Legislativo, contudo, deve ser sensível às situações extraordinárias, marcadas pela necessidade de proteção de um direito que emana da própria Constituição. A atividade normativa do TSE recebe seu amparo da extraordinária circunstância de o Su premo Tribunal Federal ter reconhecido a fidelidade partidária como requisito para permanência em cargo eletivo e a ausência expressa de mecanismo destinado a assegurá-lo.

Ante o exposto, tendo presente o quadro de transitoriedade a que fiz alusão e ressalvando o meu ponto de vista pessoal, já externado por ocasião do julga-mento dos mandados de segurança mencionados, conheço desta ação direta de inconstitucionalidade, mas a julgo improcedente, considerando, pois, válidas as resoluções adotadas pelo TSE até que o Congresso Nacional disponha sobre a matéria.

É como voto.

5 BARAK, Aharon. A Judge on judging: The Role of a Supreme Court in a Democracy – 116, Harvard Law Review 16 – 2002.

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VOTO (Sobre preliminar)

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, apenas para consignar o con-vencimento sobre a matéria. Ele parte justamente da interligação de admitir-se que se está diante de um ato normativo abstrato autônomo e, posteriormente, chegar-se à improcedência do pedido formulado. Pelo que me consta, até aqui não cabe ao Tribunal Superior Eleitoral legislar sobre processo ou sobre direito substancial eleitoral. Por isso entendo que o ato não desafia o controle concen-trado de constitucionalidade. Não é um ato normativo abstrato autônomo.

Como? Presidente?O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Estou pensando aqui na

jurisprudência.O Sr. Ministro Marco Aurélio: Pensei que V. Exa. quisesse apartear-me.O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): V. Exa. está dizendo que não?O Sr. Ministro Marco Aurélio: É o convencimento, e me mostro, inclusive

nesta fala, coerente com o que tenho sustentado no Plenário, relativamente às resoluções do Tribunal Superior Eleitoral. Lembraria apenas o questionamento quanto ao número de cadeiras nas câmaras municipais. Adotei a mesma óptica e, por coerência, peço que V. Exa. consigne o meu voto.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Não só isso, como vou ouvir o Plenário sobre a questão que V. Exa. citou. O eminente Relator, na verdade, já conhecia da ação e, portanto, passava a examinar o mérito.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Eu conheço.O Sr. Ministro Celso de Mello: Na verdade, o eminente Relator, ao co-

nhecer desta ação direta, aplicou o precedente, fundado no julgamento da ADI 3.345/DF, de que eu próprio fui Relator, no qual também se questionou determinada resolução emanada do E. Tribunal Superior Eleitoral.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Foi o caso dos vereadores.O Sr. Ministro Celso de Mello: Precisamente.O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ministro Celso de Mello, agradeço o regis-

tro da minha coerência.O Sr. Ministro Celso de Mello: Também naquele precedente, V. Exa. en-

tendeu incognoscível a ação direta de inconstitucionalidade.O Sr. Ministro Marco Aurélio: É porque não posso assentar que houve re-

almente a normatização no campo do processo e do direito eleitoral substancial e, desconhecendo a competência do Congresso Nacional, vir, na fase subse-qüente de julgamento do tema de fundo, do pedido, concluir pela constituciona-lidade da atuação do Tribunal Superior Eleitoral.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Tenho a impressão de que temos avançado bastante, acho que no conjunto da obra em relação à primazia,

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à eminência, do direito do controle concentrado sobre o modelo difuso ou inci-dental e, por isso, temos avançado na cognoscibilidade também de questões que antes não eram admissíveis em sede de ação direta de inconstitucionalidade. De modo que, a meu ver, este é mais um passo. Nem é um passo novo, na ver-dade é a consolidação do entendimento.

Posso entender então que o Tribunal superou esta preliminar. Portanto, o eminente Relator poderá prosseguir, vencido neste ponto o Ministro Marco Aurélio, que, tal como na ADI 3.345, anterior, se manifesta no sentido da inad-missibilidade da ação, entendendo que não há, na verdade, autonomia.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não se faz em jogo, em termos de pedido, um ato normativo abstrato autônomo do Tribunal Superior Eleitoral. Ele teria, simplesmente, reproduzido, na resolução, o que já se contém nas leis aprovadas pelo Congresso Nacional.

VOTO

O Sr. Ministro Menezes Direito: Senhor Presidente, em primeiro lugar, eu gostaria de assinalar a excepcional qualidade do memorial que foi distribuído pelo eminente Advogado-Geral da União, que nos brindou também com uma be-líssima sustentação, como de hábito S. Exa. faz, da tribuna desta Suprema Corte.

O eminente Relator pôs a matéria, pelo menos na minha compreensão, com absoluta fidelidade ao que foi decidido pela Corte. Eu me lembro que, na ocasião do julgamento originário, explicitamente manifestei a minha concor-dância com o voto do eminente Ministro Celso de Mello, inclusive na perspec-tiva procedimental que S. Exa. anota com relação à competência do Tribunal Superior Eleitoral. E mais do que isso, S. Exa. teve a cautela de, logo na ementa do julgado desta Suprema Corte, destacar esta competência normativa consi-derando a conseqüência necessária ao julgado que nós acabávamos de proferir.

E o eminente Ministro Joaquim Barbosa hoje, ressalvando a sua posição pessoal, mas explicitando a sua fidelidade ao julgado da Suprema Corte, fez questão de assinalar que, realmente, se não houvesse essa competência norma-tiva, o julgamento proferido pela Suprema Corte, no que diz com a fidelidade partidária, seria absolutamente inócuo porque não haveria como dar conseqüên-cia ao procedimento para o cumprimento da decisão em torno da fidelidade partidária.

Por outro lado, igualmente, como disse o eminente Relator, e o eminente Ministro Celso de Mello já na outra ocasião havia destacado com muita clari-dade, isso subsiste até que o Congresso Nacional queira exercer a sua competên-cia legislativa de modo a regular inteiramente a matéria, em obediência ao trato que o Su premo Tribunal Federal deu no que concerne ao princípio da fidelidade partidária, este insuscetível, sim, de qualquer outra modificação.

Com essas razões, e cumprimentando o eminente Ministro Joaquim Barbosa pelo belíssimo voto que acaba de pronunciar, eu acompanho S. Exa. e julgo também improcedente a ação de inconstitucionalidade.

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VOTO

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Senhor Presidente, tive a honra de ser a Relatora de um dos mandados de segurança, o MS 26.604, no qual, a meu ver, houve absoluta compatibilidade com os fundamentos apresentados pelos Ministros Celso de Mello e Eros Grau e, portanto, dentro exatamente do bri-lhantíssimo voto agora proferido pelo eminente Ministro Joaquim Barbosa, tem-se que a efetividade no caso do julgamento, em última análise, é a efetivi-dade jurídica da própria Constituição, porque ela não teria eficácia alguma se disséssemos que o princípio haveria de ser aplicado e obedecido e esse reconhe-cimento pudesse não ser adotado a partir de um procedimento que o próprio Ministro Celso de Mello muito bem enfatizou, seria da competência do Tribunal Superior Eleitoral, se não se expedisse aquela resolução.

Também enfatizo, como o Ministro Menezes Direito, o rigor, a disciplina inclusive colegial e a ética primorosa posta pelo Ministro Joaquim Barbosa, que declina das suas razões e do seu convencimento, porém acata daquilo que foi posto nos julgados proferidos.

Portanto, com essas observações, também o acompanho quanto às duas ações, já que ambas são julgadas da mesma forma, porque julgadas em conjunto.

É como voto, Senhor Presidente, acompanhando o Relator.

VOTO

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhor Presidente, cumpre-me, ini-cialmente, fazer uma breve explanação, de caráter público, relativamente à po-sição que assumi na matéria quando do julgamento dos mandados de segurança pelo Su premo Tribunal Federal, em que se definiu que a fidelidade partidária decorria diretamente do arcabouço republicano da Constituição.

Naquela ocasião, Senhor Presidente, eminentes Pares, eu dissenti na hon-rosa companhia de outros Colegas, não no tocante à matéria de fundo, mas quanto ao instrumento utilizado.

Entendi, naquele momento, que o mandado de segurança não seria apro-priado para lograr o desiderato dos partidos políticos que o ajuizaram porque não vislumbrei o direito líquido e certo que permite o manejo de tal instrumento processual.

Tanto é assim, Senhor Presidente, que naquela oportunidade assentei em trecho de meu voto o seguinte:

(...) para que a representação popular tenha um mínimo de autenticidade, ou seja, para que reflita um ideário comum aos eleitores e candidatos, de tal modo que entre eles se estabeleça um liame em torno de valores que transcendam os aspectos meramente contingentes do cotidiano da política, é preciso que os man-datários se mantenham fiéis às diretrizes programáticas ideológicas dos partidos pelos quais foram eleitos.

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Na ocasião, Senhor Presidente, eu trouxe à colação uma significativa pas-sagem de uma obra do eminente Professor Goffredo Telles Júnior que consig-nava o seguinte:

Sem fidelidade dos parlamentares aos ideários de interesse coletivo defini-dos nos respectivos programas registrados, os partidos se reduzem a estratagemas indignos, a serviço de egoísmos disfarçados; e os políticos se desmoralizam.

De qualquer maneira, Senhor Presidente, essa matéria, como observou o digno Advogado-Geral da União, da tribuna, encontra-se superada em face da decisão do Plenário desta Corte.

Naqueles julgamentos, recordo, esta Corte, inclusive sugeriu ao Tribunal Superior Eleitoral que regulamentasse a matéria no âmbito de sua competência, à semelhança do precedente firmado no RE 197.917, o conhecido caso “Mira Estrela”, que cuidava do número de vereadores. Mas mesmo que tal recomen-dação não tivesse sido expressamente veiculada por esta Suprema Corte, ainda assim entendo que o TSE seria obrigado a dar concreção à decisão do Su premo Tribunal, prolatada em sede de interpretação constitucional, justamente em ra-zão da eficácia irradiante desse tipo de decisão para todo o sistema jurisdicional.

Ao editar as Resoluções 22.610 e 22.733, portanto, entendo que o TSE nada mais fez, como assinalei, do que dar concreção ao decidido pela Corte Constitucional, exercendo a competência regulamentar que lhe confere o art. 23, inciso IX, do Código Eleitoral; estabelecendo, inclusive de modo muito salutar, a meu ver, o devido processo legal para a perda dos mandatos.

Por essas singelas razões, e apoiando-me, sobretudo, nos argumentos do eminente Relator, julgo improcedentes ambas as ações diretas de inconstitucio-nalidade, e o faço também nos exatos termos propostos pelo Ministro Joaquim Barbosa, ou seja, até que o Congresso Nacional, que representa a soberania po-pular, não regulamente a matéria de forma diversa.

É como voto, Senhor Presidente.

VOTO

O Sr. Ministro Eros Grau: Presidente, tenho longo voto reproduzindo voto anterior meu no Tribunal Superior Eleitoral, onde fiquei vencido.

Não vou cansar a Corte. Para mim essa resolução é multiplamente incons-titucional: o artigo 1º afronta os arts. 22, I e XLVIII, da Constituição; o art. 2º dispõe sobre matéria reservada à lei complementar; os arts. 3º ao 9º e 11 inovam em Direito Processual e o § 2º do art. 1º inova atribuições do Ministério Público.

De modo que me perdoem, mas acho que isso é um abuso de inconstitu-cionalidade.

Vou pedir para registrar o meu voto para o futuro. Eis o seu teor:

1. A Resolução 22.610, de 25 de outubro de 2007, foi baixada pelo TSE no uso das atribuições que lhe confere o artigo 23, XVIII, do Código Eleitoral:

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“Art. 23. Compete, ainda, privativamente, ao Tribunal Superior,XVIII – tomar quaisquer outras providências que julgar convenientes

à execução da legislação eleitoral.”Observe-se ademais que o inciso IX desse mesmo art. 23 confere ao TSE a

função de “expedir as instruções que julgar convenientes à execução deste Código”.2. Providências referidas no inciso XVIII e instruções mencionadas no in-

ciso IX do art. 23 do Código Eleitoral respeitam à execução do Código Eleitoral e da legislação eleitoral. Vale dizer: as instruções e providências normativas de que se trata são análogas aos decretos e regulamentos baixados pelo Presidente da República para a fiel execução das leis, os chamados regulamentos de execu-ção (art. 84, IV, da Constituição). Tal como as instruções que podem baixar os Ministros de Estado para a execução das leis, decretos e regulamentos (art. 87, II, da Constituição), não podem inovar o ordenamento jurídico. Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. E aqui – seja nos incisos XVII e IX do Código Eleitoral, seja no inciso IV do art. 84 e no inciso II do art. 87 da Constituição – não há autorização, ao TSE, ao Presidente da República e aos ministros de Estado, senão para disporem sobre a execução das leis, secundum legem. Jamais para disporem contra ou praeter legem.

3. Para ser breve, incisivamente breve, indago se o Tribunal Superior Eleitoral foi contemplado com o poder de expedir normas primárias sobre as ma-térias que foram disciplinadas na e pela Resolução 22.610/07.

Ora, como já se disse em voto proferido do Su premo Tribunal Federal 6, “o Estado-legislador é detentor de duas caracterizadas vontades normativas: uma é primária, outra é derivada. A vontade primária é assim designada por se seguir imediatamente à vontade da própria Constituição, sem outra base de validade que não seja a Constituição mesma. Por isso que imediatamente inovadora do Ordenamento Jurídico [sic], sabido que a Constituição não é diploma normativo destinado a tal inovação, mas à própria fundação desse Ordenamento [sic]. Já a segunda tipologia de vontade estatal-normativa, vontade tão-somente secundária, ela é assim chamada pelo fato de buscar o seu fundamento de validade em norma intercalar; ou seja, vontade que adota como esteio de validade um diploma jurídico já editado, este sim, com base na Constituição. Logo, vontade que não tem aquela força de inovar o Ordenamento [sic] com imediatidade”.

4. Daí a indagação, essencial ao deslinde da questão de que ora cogitamos: o Tribunal Superior Eleitoral foi contemplado com o poder de expedir normas primárias sobre as matérias que foram disciplinadas na sua Resolução 22.610/07?

Não, evidentemente. O Código Eleitoral autoriza o Tribunal Superior Eleito-ral apenas, unicamente, exclusivamente a dispor sobre a sua execução [dele, Código Eleitoral] e da legislação eleitoral, sem força suficiente para inovar o ordenamento.

Produzi alguns textos acadêmicos sobre os temas das funções estatais – a função normativa, a função administrativa e a função jurisdicional – e da legali-dade7. Embora entenda coexistirem, no direito positivo brasileiro, regulamentos de execução, regulamentos autônomos e regulamentos autorizados – bem assim que a Constituição contempla o princípio da legalidade em sentido amplo e em sentido es-trito – jamais me ocorreria assumir qualquer gesto ou interpretação que conduzisse a transgressão da legalidade. Sempre estive e tenho estado cioso da sua importância

6 ADC 12-MC, Rel. Min. Carlos Britto.7 O direito posto e o direito pressuposto. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 225 et seq.

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[importância da legalidade] e da importância da interdependência e harmonia entre os poderes, embora compreenda bem a observação de Hegel 8, para quem

“[o] princípio da divisão dos poderes contém, com efeito, o momento essen-cial da diferença, da racionalidade real. Ora, o entendimento abstrato apreende-o de um modo que implica, por um lado, a determinação errônea da autonomia absoluta dos poderes uns com relação aos outros, e, por outro lado, um procedimento unilate-ral que consiste em tomar seu relacionamento mútuo como algo negativo, como uma restrição recíproca. Esse modo de ver encerra uma hostilidade, um temor, de cada qual em face do outro; cada um aparece como um mal para o outro e o determina a opor-se a ele, o que certamente leva a um equilíbrio geral de contrapesos, mas de modo algum a uma unidade viva”; “(...) saibamos que nem sempre aquilo que espon-taneamente vem à mente, ou aquilo que mais impressiona, é o essencial. É assim, é verdade, que devem ser distinguidos os poderes do Estado, mas cada um deles deve constituir um todo nele próprio, e conter nele os outros momentos. Quando se fala da diversidade de eficácia dos poderes, de sua ação e de sua eficiência, é necessário evitar incorrer no enorme erro de considerar as coisas como se cada poder estivesse supostamente lá abstratamente, por ele próprio, quando os diferentes poderes supos-tamente se diferenciam apenas enquanto momentos do conceito”.

Nunca fiz praça da “separação” dos poderes – até porque sei que o indivi-sível não se pode separar – mas sempre reagi vigorosamente, qual agora o faço, contra qualquer ensaio de superposição de momentos, o normativo e o jurisdi-cional, de sorte a permitir-se a reprodução da situação que inspirava temor a Montesquieu, qual se lê no capítulo VI do Livro IX d’O espírito das leis:

“Não haverá também liberdade se o poder de julgar não estiver separado do Poder Legislativo e do Executivo. Se estivesse ligado ao Poder Legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria legislador. Se estivesse ligado ao Poder Executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor. Tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo dos principais, ou dos nobres, ou do povo, exercesse esses três poderes: o de fazer leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar os crimes ou as divergências dos indivíduos.”

5. O Tribunal Superior Eleitoral não está autorizado, nem pela Constituição, nem por lei nenhuma, a inovar o ordenamento jurídico, obrigando quem quer que seja a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa. Estivesse autorizado por alguma lei a dispor sobre matéria excluída da reserva da lei, então poderíamos argumentar a partir da afirmação de que estaria a produzir texto normativo análogo aos regula-mentos autorizados – o que a doutrina, enganosamente, chama de regulamentos delegados, ignara de que o Poder Legislativo detém o monopólio apenas do exer-cício da função legislativa, não de toda a função normativa.

O fato, de toda sorte, é que o TSE não foi contemplado com o poder de expedir normas primárias sobre matéria eleitoral. E nem poderia essa faculdade a ele ter sido conferida pelo Su premo Tribunal Federal que, ao menos ao que me consta, ainda não distribui competências normativas, em lugar da Constituição (...) Estamos aqui para assegurar a prevalência da Constituição, de modo que me causa espanto e medo o sentimento que de quando em quando não há de ser assim. Pode, é certo, o Tribunal Superior Eleitoral, exercer função normativa, mas exclu-sivamente tendo em vista, e nesses limites, a execução das leis.

8 Principes de la philosophie du droit ou droit naturel et science de l’Etat en abrégé, seconde édi-tion, Librairie Philosophique J. Vrin, Paris, 1993, par. 272, observação, p. 282 e par. 272, adendo, p. 280.

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6. Ainda que assim não fosse – admitido tão-somente para fins de argu-mentação que tivesse sido ele contemplado com o poder de inovar o ordenamento jurídico, impondo obrigação de fazer ou de não fazer – ainda assim não poderia ter disposto sobre as matérias que disciplinou na Resolução 22.610/07.

7. Essa resolução é multiplamente inconstitucional. No seu todo, porque não incumbe ao TSE dispor normas senão tendo em vista a execução do Código Eleitoral e da legislação eleitoral, que nada dispuseram no que tange a perda de cargo eletivo em razão de infidelidade partidária. A inconstitucionalidade da Resolução 22.610/07 é, neste ponto, retumbante.

Mas não é só, visto que ela avança sobre áreas normativas expressamente atribuídas, pela Constituição, à lei. Áreas da chamada reserva da lei.

8. O art. 1º dispõe sobre perda de cargo eletivo, no caso de desfiliação partidá-ria, admitindo-a quando houver “justa causa” 9. Matéria inquestionavelmente de lei (arts. 22, I, e 48 da CB). Ninguém perderá mandato eletivo, direi, senão em virtude de lei; é assim que leio a Constituição, ainda que me venham a chamar de positivista.

9. O art. 2º 10 distribui competências entre o próprio TSE e Tribunais Regio-nais Eleitorais, matéria que o art. 121 da Constituição reserva a lei complementar.

10. Os arts. 3º ao 9º e 11 consubstanciam inovação em direito processual, matéria em relação à qual não nem mesmo se admite medida provisória. Nem mesmo medida provisória, repito.

11. E o § 2º do art. 1º inova as atribuições do Ministério Público, matéria re-servada pelo § 5º do art. 128 da Constituição do Brasil a lei complementar federal e, no plano dos Estados-membros, a leis complementares estaduais. Trata-se mesmo de uma coisa nunca vista: a Resolução 22.610/07 do TSE é incessantemente incons-titucional; há um excesso, um abuso de inconstitucionalidade nela. Não podemos servir a dois senhores. Quanto a mim, presto acatamento à Constituição. Desejo somente estar tranqüilo, no futuro, do meu passado nesta Corte.

12. Peço vênia aos meus pares para repetir: instruções, resoluções – não im-porta qual seja o instrumento a veicular o exercício de função normativa pelo TSE – umas e outras são inábeis, insuficientes para dispor de modo adverso à legalidade.

É verdade que os tribunais exercem função regimental, nos termos do que dispõe o art. 96 da Constituição do Brasil. Função regimental, parcela da função normativa cuja titularidade pertence ao Judiciário – tal e qual suas duas outras parcelas, a função legislativa e a função regulamentar são do domínio, respecti-vamente, do Legislativo e do Executivo. Nessa função regimental não se inclui, contudo, qualquer imposição de obrigação de fazer ou não fazer que vá além do quanto respeite ao domínio interna corporis dos tribunais.

13. A Resolução 22.610/07 é – afirmo-o sem constrangimento, mesmo por-que o compromisso que tenho a honrar é com a Constituição; a cada um a sua coe-rência – a Resolução 22.610/07, dizia, é múltipla e francamente inconstitucional.

Julgo procedente a ação direta.

Peço vênia para divergir, respeito os argumentos que foram trazidos, mas estou inteiramente convencido dessa múltipla inconstitucionalidade.

Julgo procedentes ambas as ações diretas.9 “O partido político interessado pode pedir, perante a Justiça Eleitoral, a decretação da perda de cargo eletivo em decorrência de desfiliação partidária sem justa causa.”10 “O Tribunal Superior Eleitoral é competente para processar e julgar pedido relativo a mandato federal; nos demais casos, é competente o tribunal eleitoral do respectivo Estado.”

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VOTO

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhor Presidente, também principio por elo-giar o voto do Ministro Joaquim Barbosa, um voto denso, erudito e de conclusão consistente com a ressalva do ponto de vista pessoal de S. Exa.

Entendo que para se equacionar juridicamente o julgamento destas duas ações diretas de inconstitucionalidade é preciso uma visão de conjunto que bem coloque a posição singularíssima, ímpar da Justiça Eleitoral, no âmbito de valo-res que a Constituição imbrica necessariamente.

Eu falaria de alguns vínculos – procurarei ser breve – elementares e essen-ciais que a Constituição estabelece afunilando para o papel eminentíssimo da Justiça Eleitoral Brasileira.

O primeiro vínculo que me ocorre lembrar é entre eleição popular e de-mocracia. Não há como – estou falando sobretudo de democracia representa-tiva – separar as coisas. A eleição popular e a democracia são como o olho e a pálpebra, unha e carne. Acho que não é exagero dizer metaforicamente que a eleição popular é a chave de ignição da democracia representativa, porque não é possível formar os quadros dirigentes do País – no âmbito parlamentar e no âmbito das chefias executivas, de ponta a ponta da Federação –, não é possível formar esses quadros políticos, que são de representação popular, senão me-diante eleição popular. Uma coisa puxa a outra. A eleição é realmente esse canto maior, essa celebração da democracia representativa porque possibilita aos elei-tores produzir os quadros dirigentes do País quanto aos poderes eminentemente políticos da República Federativa: o Legislativo e o Executivo. Este no plano das chefias, das chamadas chefias executivas.

O segundo vínculo, também rapidamente, é o que se instaura entre elei-tores, candidatos e partidos políticos. A Constituição deixa clarissimamente posto, a partir do seu parágrafo único do art. 1º, que a nossa democracia é emi-nentemente representativa quando diz:

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos (...)

Eleitos pelo povo em eleição geral. É assim que diz a Constituição.Acontece que essa mesma Constituição, já no art. 17, faz do partido polí-

tico, desse aparelho chamado “partido político”, dessa personificação coletiva chamada “partido político” o vínculo, a ponte entre os eleitos e os eleitores.

A nossa democracia é partidária, não há como fugir dessa enfática, deci-siva, proclamação constitucional. A nossa democracia é partidária, daí se falar de partidocracia no sentido afirmativo, não pejorativo.

Não há como os eleitores chegarem aos eleitos senão pela via, pela estrada, pela ponte dos partidos políticos. É um vínculo tricotômico absolutamente ne-cessário: eleitores, candidatos, partidos políticos. Sucede que partidos políticos, eleitores e candidatos se enlaçam num processo eleitoral por ocasião de uma determinada eleição, aí é que entra a Justiça Eleitoral.

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A Justiça Eleitoral Brasileira tem essa peculiaridade de planejar cada elei-ção popular a cada dois anos. Planeja, mas não só planeja; de modo insubstituí-vel instrui e, para instruir, tem de baixar resoluções com densidade normativa. Ainda há pouco a Ministra Ellen Gracie dizia “e caráter geral”, com generali-dade. Tem de instruir cada eleição, tem que realizar, materiar, concretizar no dia certo, pré-estabelecido pela Constituição, operacionalizar a eleição, torná-la um corpo vivo, algo in concreto.

Depois a Justiça Eleitoral brasileira apura, mediante urnas eletrônicas, coleta o voto e apura o voto assim colhido em urna eletrônica. Totaliza os votos eletronicamente concedidos, divulga o resultado, proclama os eleitos, vai além, diploma os eleitos e, depois, se aparelha para julgar todas as contendas, já no plano jurisdicional propriamente dito, daí resultante.

Então, é uma Justiça Eleitoral que não pode deixar de ter o poder regu-lamentar. Certas realidades jurídicas são inelutavelmente impositivas. Eu me lembro – todos nós nos lembramos – de estudos de Teoria Geral do Direito em que se dizia o seguinte: é impossível um ordenamento jurídico não consagrar o monopólio da força física pelo Estado. Não é uma opção normativa, é uma com-pulsão. O Estado – em uma sociedade civilizada, ele que postula uma idealizada convivência humana – tem de ser o monopolizador da força física. É como a regra – isso a partir de Kelsen – segundo a qual o que não estiver proibido juri-dicamente está juridicamente permitido, que a nossa Constituição consagra no inciso II do art. 5º:

Art. 5º(...)II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão

em virtude de lei;

O que significa isso? O que não está juridicamente proibido está juridica-mente permitido. A Constituição poderia optar por outra fórmula? Impossível optar por outra fórmula.

Então, essas realidades compulsivas ou inelutáveis ou que não podem deixar de ser situam-se na esfera do inato, do primaz. Não há como subtrair da Justiça Eleitoral brasileira o poder regulamentar. Não há como. Daí por que a lei diz o seguinte – começo com o art. 23 do Código Eleitoral:

Art. 23. Compete, ainda, privativamente, ao Tribunal Superior,

Inciso IX, lembrou o Ministro Toffoli, quando assumiu a tribuna:

IX – expedir as instruções que julgar convenientes à execução deste Código;

Expedir as instruções vale dizer, baixando resoluções, que julgar conve-nientes à execução deste Código. E o inciso de número XVIII, também enfatica-mente citado pelo Ministro Toffoli:

XVIII – tomar quaisquer outras providências que julgar convenientes à exe-cução da legislação eleitoral.

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E vem o art. 105, já de outra lei, a Lei 9.504, que se intitula Lei das Eleições. E o que diz o art. 105?

Art. 105. Até o dia 5 de março do ano da eleição, o Tribunal Superior Elei-toral expedirá todas as instruções necessárias à execução desta Lei, ouvidos pre-viamente, em audiência pública, os delegados dos partidos participantes do pleito.

Pois bem, a expedição de ambas as resoluções se fez para cumprir deter-minação do Su premo Tribunal Federal, em fina sintonia com decisões do Su-premo Tribunal Federal em dois mandados de segurança e, no particular, ambas as resoluções louvaram-se em passagens do voto proferido por esse luminar do Direito que é o Ministro Celso de Mello; esse erudito componente da Suprema Corte brasileira que, sem dúvida, se inscreve na lista, no rol, dos melhores, dos maiores Ministros que passaram por esta Casa em todos os tempos.

Disse o Ministro Celso de Mello, lapidarmente:

O direito vindicado pelos partidos políticos afetados por atos de infide-lidade partidária não nasce nem surge da resposta que o TSE deu à Consulta que lhe foi submetida, mas representa emanação direta do próprio texto da Constituição, que a esse mesmo direito confere realidade e dá suporte legitima-dor, especialmente em face dos fundamentos e dos princípios estruturantes em que se apóia o Estado Democrático de Direito, como a soberania popular, a cida-dania e o pluralismo político.

E sobre a infidelidade partidária, sabido que a voz das urnas é de ecoar imperativamente por um período de quatro anos e não é dado a nenhum eleito, arbitrariamente, podar esse tempo.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ou oito no Senado.O Sr. Ministro Carlos Britto: Ou no Senado Federal oito anos. Bem lem-

brado, Ministro Marco Aurélio. O fato é que o partido, ponte necessária entre o eleito e o candidato, é quem filia o candidato como condição de elegibilidade; aprova o nome do candidato em convenção – até então é um pré-candidato –; inscreve o candidato; registra-o na Justiça Eleitoral (ou o partido ou a coligação); cede ao candidato o seu espaço gratuito de rádio e televisão; financia a campa-nha do candidato com recursos do fundo partidário e outros recursos; empresta ao candidato o seu aval ideológico, o seu aval ético durante a campanha, porque a ideologia do candidato se conhece pela ideologia do partido. E, depois, o can-didato põe o diploma debaixo do braço e arbitrariamente dá as costas ao partido sob cuja bandeira, sob cuja legenda se elegeu?

Aí disse o Ministro Celso de Mello:

O ato de infidelidade, seja o Partido Político, seja, com maior razão, ao próprio cidadão-eleitor, mais do que um desvio ético-político, representa um inadmissível ultraje ao princípio democrático e ao exercício legítimo do poder, na medida em que migrações inesperadas, nem mesmo motivadas por razões justas, não só surpreendem o próprio corpo eleitoral e as agremiações partidárias de origem – desfalcando-as da representatividade por elas conquistadas nas urnas –,

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mas culminam por gerar um arbitrário desequilíbrio de forças do Parlamento, vindo, até, em clara fraude à vontade popular, e em frontal transgressão ao sistema eleitoral proporcional, a asfixiar, em face de súbita redução numérica, o exercício pleno da oposição política.

Vale dizer, o esquadro ideológico que ressai de cada eleição, de repente é alterado pela vontade arbitrária dos eleitos e a correlação de forças entre situa-ção e oposição se altera arbitrariamente. Contra isso, manifestou-se o Ministro Celso de Mello.

Mas, no que nos interessa mais de perto, disse o Ministro:

Nada impedirá que o E. Tribunal Superior Eleitoral, à semelhança do que se registrou em precedente firmado no caso Mira Estrela/SP (RE 197.917-SP) formule e edite resolução destinada a regulamentar o procedimento (material-mente) administrativo de justificação em referência, instaurável perante órgão competente da própria Justiça Eleitoral, em ordem a estruturar, de modo formal, as fases rituais desse mesmo procedimento (...)

Senhor Presidente, com essas observações, com esses fundamentos que se fizeram alongados para além da minha intenção, eu também julgo improceden-tes ambas as ações diretas de inconstitucionalidade.

É como voto.

VOTO

A Sra. Ministra Ellen Gracie: Senhor Presidente, acompanho a conclusão do eminente Relator. E não gostaria de perder esta ocasião para louvar o espírito de colegialidade que informou o voto de S. Exa.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, não tenho voto escrito sobre a matéria, por isso mesmo devo analisar o quadro a partir, inclusive, do que já assentado pelo Su premo.

Começo, Presidente, noticiando o que hoje está na Gazeta Mercantil de São Paulo – na pena desse polivalente cidadão brasileiro, Doutor Antônio Penteado Mendonça, misto de advogado e jornalista – o que penso a respeito da democracia, o que penso a respeito de viver-se em um Estado de Direito.

A premissa básica mostra-se única: as regras estabelecidas, afinadas, é claro, com o Diploma Maior, com a Carta da República, devem ser, até modi-ficação que ocorra pelo poder competente, observadas. Minha profissão de fé quanto à Constituição Federal é única: obriga a todos, inclusive a mim, com assento no Su premo.

Não costumo excomungar filho feio. Participei da deliberação do Tribunal Superior Eleitoral e somei voto à visão de V. Exa. – Ministro Cezar Peluso –, no que relator do processo que desaguou na expedição das Resoluções ou da

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Resolução alusiva à matéria. A fidelidade partidária não está em jogo, não está em discussão, consideradas as balizas objetivas do processo em julgamento. É um princípio constitucional que já foi reconhecido pelo Su premo, sustentei-o neste Plenário.

Continuo convencido de que, quando estava no Tribunal Superior Eleito-ral, não adentrei campo reservado a outro Poder. Não adentrei campo reservado ao Poder Legislativo. Permaneci no âmbito da jurisdição cível e penal eleitoral, atuando não como parlamentar, mas, sim, como julgador. A verdade formal, no entanto, a esta altura, é outra. Há pouco fiquei vencido, fui voz isolada no Ple-nário, no que, em preliminar, compreendi que não haveria na espécie o envol-vimento de ato abstrato normativo autônomo a desafiar o controle concentrado de constitucionalidade. E já não posso mais empolgar a bandeira primeira e votar quanto ao fundo revelado neste processo a partir dessa óptica que devo desconfiar, ante o isolamento no Plenário, que foi uma óptica mesmo errônea, discrepante da ordem jurídica, discrepante do próprio processo em apreciação.

Devo, então, ter presente – e vi que vários colegas confirmaram esta pre-missa – que o Tribunal Superior Eleitoral legislou. E até aqui só reconheço po-der normativo à Justiça do Trabalho, considerado o que se contém, em relação a conflitos coletivos de interesse, no art. 114 da Constituição Federal. E a rea-firmação de que o Tribunal Superior Eleitoral legislou está em colar-se ao pro-nunciamento do Su premo uma condição resolutiva que, vindo à balha, tornará insubsistente o que disciplinado no campo substancial – vou proceder à análise da Resolução – e no campo instrumental pelo Tribunal Superior Eleitoral. Teria o Tribunal Superior Eleitoral como que julgado um mandado de injunção, ante a lacuna legislativa notada, que, ao fim, a teor do disposto em alínea que está no art. 102 da Constituição Federal, seria da competência do Su premo e não do Tribunal Superior Eleitoral, porque a omissão quanto à disciplina da matéria seria do Congresso Nacional.

Presidente, empolgou-se com ênfase a competência do Tribunal Superior Eleitoral tal como prevista na lei complementar que nos revela o Código Eleitoral, mas essa competência não se mostra especialíssima a ponto de poder o Tribunal Superior Eleitoral substituir-se ao Congresso Nacional. A tanto não levam os incisos IX e XII do art. 23 do Código Eleitoral:

Art. 23. Compete, ainda, privativamente ao Tribunal Superior Eleitoral:IX – expedir as instruções que julgar convenientes [a quê? Aí surge o poder

regulamentar, que não desafia o controle concentrado, enquanto estritamente po-der regulamentar] à execução deste Código;

Vale dizer, o Tribunal Superior Eleitoral não tem sequer competência para expedir instruções, consoante o no inciso IX do art. 23 do Código, necessárias à execução da Constituição Federal, porque a regulamentação do Diploma Maior pressupõe lei complementar, e o Tribunal Superior Eleitoral não edita nem lei complementar nem lei ordinária. E a interpretação sistemática dos incisos IX e XII do artigo referido conduz à certeza de que há nítida distinção considerados

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os institutos alusivos a instruções e a resposta a consulta. Quanto a resposta a consulta, o Tribunal Superior Eleitoral pode atuar, porque não estará regula-mentando a Constituição Federal, fazendo-o, é claro, a partir do Diploma Maior.

Presidente, assentada a premissa – e fiquei vencido na matéria – segundo a qual o Tribunal Superior Eleitoral legislou, fez inserir no arcabouço normativo pá-trio um ato abstrato autônomo, geral, obrigando a todos, devo, então, a partir dessa premissa em relação à qual continuo guardando reservas, proceder ao exame da Resolução. Vejo que, já de início, no art. 1º, previu-se que é possível a Justiça Eleitoral, no caso de infidelidade partidária, decretar a perda do cargo eletivo.

O Tribunal Superior Eleitoral adentrou o campo do direito substancial para revelar situações concretas em que se teria o abandono do partido que ca-pitaneou a eleição do candidato, o abandono pelo candidato eleito, como justifi-cado, como legítimo. E, aqui, realmente se trata de direito substancial.

Em preceito seguinte, a Resolução versa processo, porque condição da ação diz respeito a processo, e não a procedimento. A resolução indica aqueles legitimados para adentrarem o campo jurisdicional e reclamarem a declaração, em decisão constitutiva negativa, de perda do cargo. Seguem-se outros precei-tos, e tem-se o alusivo à competência, no que se definiu como da competência do Tribunal Superior Eleitoral o processo a envolver pedido de decretação de perda de mandato, de mandato federal, pouco importando o patamar, já que, a rigor, o Tribunal Superior Eleitoral atua no campo da competência originária quanto aos mandatos maiores do Executivo Federal.

Seguem-se preceitos versando: primeiro, os requisitos da inicial, matéria processual; segundo, a prova, inclusive com delimitação de número de testemu-nhas a serem ouvidas, remetendo à regra geral de admissibilidade das provas permitidas em Direito.

No art. 4º, percebe-se, mais uma vez, abordagem de condição da ação, de tema processual, ou seja, a definição daqueles que devem ser tidos como litisconsortes. A defesa está disciplinada, segue artigo sobre a instrução, sobre o procedimento para lançamento de visto pelo relator e inserção em pauta, e preceito que delimita a natureza jurídica da decisão a ser proferida, voltando-se, mais uma vez, ao problema da decretação da perda do cargo.

Presidente, já agora, partindo do que aponto como verdade formal – e a verdade formal é aquela revelada pelo Su premo, guardião maior da Constitui-ção, que tem a última palavra sobre o alcance da Carta –, constato como pre-missa inafastável – voz da ilustrada maioria – que o Tribunal Superior Eleitoral legislou. Estabeleço sem me penitenciar, porque continuo convencido de que ele não o fez, mas a verdade formal assentada pelo Su premo é outra, a de que legis-lou. O Su premo caminha para o reconhecimento de que a Corte Eleitoral legis-lou ao condicionar a própria decisão dele, Su premo, à ausência de normatização pelo Poder competente – o Congresso Nacional.

Em síntese, esse condicionamento, para mim, implica dizer que julgou, acabou julgando, não para o caso concreto, como ocorre quando a ação revela

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mandado de injunção, o Tribunal Superior Eleitoral acabou julgando implicita-mente um mandado de injunção ante a lacuna legislativa, ante a inexistência de diploma que versasse todos os temas contidos na Resolução, ante a inércia do Congresso Nacional, e competente para julgar mandado de injunção, neste caso, é o Su premo, e não o Tribunal Superior Eleitoral.

Peço vênia, Presidente – e não me interpretem de forma errônea, continuo convencido de que a fidelidade partidária é um princípio constitucional dos mais caros em uma democracia –, para divergir, sem ser insubordinado à noção de Colegiado, por entender que, neste, prevalece o somatório de forças distintas, cada qual vota segundo a própria ciência e consciência possuídas. Peço vênia, e não devo merecer a crítica dos meus colegas que tanto elogiaram o relator, para divergir e acompanhar o ministro Eros Grau no voto proferido.

Não conheço o teor do voto do ministro Eros Grau, porque S. Exa. quis nos poupar – e quanto a mim isso não ocorreria – a sobrecarga...

O Sr. Ministro Eros Grau: Vou lhe mandar uma cópia.O Sr. Ministro Marco Aurélio: Exato. E não quis tomar o tempo do Co le-

giado lendo o voto que preparou, mas, ante a proficiência sempre demonstrada, sou capaz até mesmo de lançar a subscrição das razões de S. Exa. consideradas também as que veiculei neste voto de improviso.

VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhor Presidente, vou pedir vênia à douta divergência para, louvando mais uma vez o voto do eminente Relator que ven-tilou aspectos suficientes para justificar a minha conclusão, fazer apenas uma ponderação. Trata-se de saber se as resoluções e, especificamente, a primeira resolução correspondem, ou não, à exigência do devido processo legal para a decretação da perda de mandato.

Hoje, sabe-se que, quando o tal princípio constitucional se refere ao devido processo legal – e no art. 111 da Constituição italiana consta agora a expressão “il giusto processo regolato dalla legge” –, não significa apenas que tal pro-cesso, a disciplina ou o perfil de tal processo deva decorrer de uma lei. É que o princípio agasalha, também, a hipótese de que o processo possa decorrer de qualquer outra fonte normativo-constitucional.

É o que parece, com o devido respeito, que se passou, no caso. Por quê? Porque a necessidade da disciplina do procedimento, que foi a razão da edição da resolução ou das resoluções ora impugnadas, advém de outra fonte constitu-cional, qual seja, a eficácia de coisa julgada material de um acórdão do Su premo Tribunal Federal. Noutras palavras, se esta Corte, em decisão recoberta pela autoridade da coisa julgada material, determina ao Tribunal Superior Eleitoral que, para dar eficácia prática ao objeto da sua decisão, deva disciplinar o modo de concretização do seu comando, a atuação do Tribunal Superior Eleitoral não pode deixar de ser considerada como expressão de um devido processo legal,

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de fonte constitucional, porque nasce exatamente da eficácia de coisa julgada material que a Constituição lhe garante.

Por essa razão, Senhor Presidente, não vejo, com o devido respeito à di-vergência e somando-me a todos os outros fundamentos já invocados, como, no caso, se possa argüir que a edição da resolução tenha afrontado a garantia do devido processo legal.

Pedindo vênia mais uma vez, também julgo improcedentes ambas as ações.

VOTO

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Recentemente, tivemos uma situação de superposição de ação direta de inconstitucionalidade e de recurso extraordinário, em matéria de repercussão geral – creio que foi uma questão da Cofins – e, após o julgamento da matéria com repercussão geral, o Ministro Menezes Direito fê-lo – e acho que fê-lo bem –, averbou a inadmissibilidade, já não mais a possibilidade ou a desnecessidade de prosseguimento da ação direta de inconstitucionalidade ante a decisão clara do Plenário em sede de recurso ex-traordinário, demonstrando que demos passos significativos nessa área.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Essa observação eu também fiz inserir nas informações que prestei ao Ministro Joaquim Barbosa; exatamente essa.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Senhores Ministros, tam-bém me manifesto, pedindo todas as vênias aos Ministros Eros Grau e Marco Aurélio, no sentido da improcedência da ação, tal como já o fizera o Relator e, agora, os demais Ministros desta Corte, com fundamentos ricos e variados.

Todos sabem que esta questão já fora objeto de discussão em 1989, como destaquei no voto proferido no MS 26.602, quando se destacou o voto do Mi-nis tro Celso de Mello, entre outros – mas estavam também na Corte outros Ministros que se manifestaram nesse sentido: Ministros Paulo Brossard, Carlos Madeira e Sydney Sanches –, no sentido de que, a despeito da aparente omissão inconstitucional, a idéia de fidelidade partidária era integradora do mandato para os fins de vinculação ao partido político. Isso ficou muito claro em todas aquelas manifestações. Lembrei, neste voto, que o Ministro Francisco Rezek, que se fi-liou à corrente divergente, chegou a dizer palavras que hoje se revelam proféticas:

Sei que o futuro renderá homenagem à generosa inspiração cívica da tese que norteou os votos dos eminentes Ministros Celso de Mello, Paulo Brossard, Carlos Madeira e Sydney Sanches.

E não se sabia nada, ainda, de tudo que viria a ocorrer no Brasil nesta se-ara. Mas, vejam, palavras proféticas em 1989 sobre este tema.

Posteriormente, tivemos várias discussões sobre este assunto, claro, mas ficou assentado que a jurisprudência do Tribunal estava pacificada naquela linha do precedente então fixado.

Quando se colocou o debate na ADI 1.351 e na ADI 1.354, da relatoria do Ministro Marco Aurélio, sobre a cláusula de barreira, embora o tema não fosse

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exatamente esse – não era diretamente essa questão, mas apenas a chamada cláusula de barreira à brasileira –, tive a oportunidade de dizer que aquele mo-delo que levava à inanição dos partidos parecia-me inconstitucional. Embora não me parecesse inconstitucional a adoção de uma cláusula de barreira a vero, que de fato dissesse que o partido que não atingisse um determinado quorum, um determinado número de votos, um determinado percentual não participaria da distribuição de mandatos.

O problema é que, naquele modelo, nós acabáramos por levar – e isso foi observado nos vários votos, inclusive, creio que no voto do Relator – o partido ao desaparecimento por inanição, porque lhe negávamos a participação na vida parlamentar.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: V. Exa. me permite? Um deles tendo capi-taneado a eleição do Vice-Presidente da República, José Alencar, e outro a do Presidente da Câmara à época do julgamento, Deputado Aldo Rebelo.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Era uma situação extremamente grave. Mas eu dizia, por exemplo, que, no modelo alemão – todos nós conhece-mos –, a chamada cláusula de barreira atinge o percentual de 5%. E quem não atinge esse percentual não participa do processo de distribuição de votos. De modo que eu não considerava, em si mesma, a cláusula de barreira inconstitucional.

Mas, naquele momento, então, observei que a questão merecia alguma reflexão. Dizia da nossa evolução em torno do sistema eleitoral proporcional:

A crise tornou, porém, evidente, para todos, a necessidade de que sejam revistas as atuais regras quanto à fidelidade partidária.

Estava a me referir a este fenômeno da cooptação sem quartel que se fa-zia no âmbito federal, estadual e municipal. E que, em última instância, afetava o próprio processo democrático. Era a democracia que estava em jogo neste sistema, porque, se há capacidade de transformar oposição em situação dessa forma, é claro que nós vamos chegar ao ponto de fazer com que a oposição de-sapareça. Ora, isso é uma ameaça real para a própria democracia.

O Sr. Ministro Celso de Mello: A prática da infidelidade partidária, ao propiciar ilegítima alteração do resultado das urnas fora do processo eleitoral, provoca, com tal conseqüência, gravíssima lesão ao princípio democrático.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Mudando o resultado das ur-nas fora do processo eleitoral e totalmente a destempo.

E, claro, nas várias decisões, destacamos inclusive o fenômeno que os es-panhóis chamam de “transfuguismo”, o mudancismo de partido que se instalava previamente, até, à diplomação.

Dizia eu, então, naquele momento, ainda antes da discussão sobre a fideli-dade partidária, na cláusula de barreira:

Em outros termos, estamos desafiados a repensar o atual modelo a partir da própria jurisprudência do Su premo Tribunal Federal. Devemos refletir, inclusive,

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sobre a conseqüência da mudança de legenda por aqueles que obtiveram o man-dato no sistema proporcional, o que constitui, sem sombra de dúvida, uma clara violação à vontade do eleitor e um falseamento grotesco do modelo de representa-ção popular pela via da democracia de partidos!

Depois a questão evoluiu. Houve o pronunciamento do TSE, e nos pro-nunciamos, então, sobre o tema, confirmando a orientação adotada por aquela douta Casa, entendendo que de fato havia muitos valores envolvidos: democra-cia, direito dos partidos, pluripartidarismo, proteção das minorias, direito de oposição. Tudo isso foi largamente discutido naquele julgamento de 2007 que é verdadeiramente histórico. Se penso em dez decisões emblemáticas do Su-premo Tribunal Federal, não consigo excluir essa decisão no contexto de 1988. Realmente uma decisão que preserva a democracia no Brasil. Uma decisão ver-dadeiramente histórica. Talvez ela esteja entre as cinco mais importantes deste período de 1988. Realmente uma decisão relevante em toda a sua dimensão.

Mas se colocava um problema, que todos nós vimos. E que, felizmente, já se inspirava numa jurisprudência anterior. Como dar execução a isso, espe-cialmente diante da possível resistência do estamento político nas deliberações? Isso ocorreu-nos a todos. Eu me lembro de que, ao finalizar o meu voto, além de aventar a solução que já fora adotada no caso de Mira Estrela – e ressalto, veja que no caso de Mira Estrela o óbice surgiu porque estávamos a decidir um caso em um pequeno município, não mais do que três mil e quinhentos habitantes, de São Paulo –, percebêramos que, pelos critérios adotados no voto do Relator, eminente Ministro Maurício Corrêa, que estávamos a sufragar, aquele caso se projetava pelo Brasil todo.

E o Ministro Sepúlveda Pertence, de lealdade intelectual a toda prova, que votara no mérito contra a posição que o Tribunal acabou adotando, a posição de declarar ali a proporcionalidade, de reconhecer a proporcionalidade da popula-ção para os fins de fixação do critério de número de vereadores, agora, quando se tratou de encontrar uma solução para irradiar os efeitos da decisão, foi ele que encaminhou o voto no sentido de que nós recomendássemos ao TSE, e ele na condição, inclusive singular, de Presidente do TSE. Vejam, portanto, a coerên-cia e a altivez intelectual desse magnífico Juiz. Foi assim que nós construímos aquela solução inicialmente recomendada por Sepúlveda Pertence.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Para dar conseqüência à decisão, para ope-racionalizar a decisão.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): A decisão e para além daquele caso concreto, e para não permitir que, de fato, pululassem, Brasil afora, inúme-ras questões que provocariam um desassossego enorme quanto à legitimidade, inclusive, das leis municipais em geral.

Por isso, neste caso específico, quando fiz essas considerações na parte conclusiva, ao falar da Resolução do TSE, anotei:

enquanto a Resolução do TSE não for editada, poderá ser dada aplicação analógica (...)

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E já disseram bem todos os Ministros, mas agora destacada na manifes-tação do Ministro Celso de Mello. O grande problema da jurisdição consti-tucional, um dos seus grandes desafios, é o desafio da efetividade: como dar substância, conseqüência a sua decisão. Daí, por exemplo, os italianos hoje se embrenharem por essas chamadas sentenças manipulativas de conteúdo aditivo, tentando fazer uma atividade complementar ao legislador e rompendo com o dogma kelseniano do chamado legislador negativo.

Mas eu dizia então:

enquanto a Resolução do TSE não for editada, poderá ser dada aplicação ana-lógica ao art. 3º e seguintes da Lei Complementar nº 64/90 – também aplicáveis à ação de impugnação de registro de candidatura e à ação de impugnação de mandato eletivo – para regular o procedimento a ser adotado na representação para declaração de extinção de mandato por infidelidade partidária decorrente da mudança de partido.

Portanto, nem aguardava eu a decisão do TSE, entendia já aplicável essa. E plenamente aplicável, porque estávamos a lançar mão de uma lei que está em vigor e vem sendo aplicada largamente no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral. E, vejam, a Resolução do Tribunal Superior Eleitoral não desbordou desses critérios adotados, inclusive no que concerne à legitimação.

De modo que, fazendo essas brevíssimas considerações e protestando pela juntada das manifestações que vão, simplesmente, reproduzir o meu pen-samento nesta matéria, também peço, mais uma vez, vênia aos Ministros Eros Grau e Marco Aurélio para acompanhar a maioria já formada a partir do voto do eminente Relator.

EXTRATO DA ATA

ADI 3.999/DF — Relator: Ministro Joaquim Barbosa. Requerente: Par-tido Social Cristão – PSC (Advogados: Vítor Jorge Abdala Nósseis e outros). Requerido: Tribunal Superior Eleitoral.

Decisão: O Tribunal, por maioria, superou a preliminar de conhecimento, vencido o Ministro Marco Aurélio, que se manifestou pela inadmissibilidade da ação entendendo não se tratar de ato normativo abstrato-autônomo do Tribunal Superior Eleitoral. No mérito, o Tribunal, por maioria, julgou improcedente a ação direta e declarou a constitucionalidade da resolução impugnada, nos termos do voto do relator, vencidos os Senhores Ministros Eros Grau e Marco Aurélio. Votou o Presidente, Ministro Gilmar Mendes. Falaram, pelo Ministério Público Federal, o Pro cura dor-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza, e, pela Advocacia-Geral da União, o Ministro José Antonio Dias Toffoli.

Presidência do Ministro Gilmar Mendes. Presentes à sessão os Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Eros Grau, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Pro cura dor-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.

Brasília, 12 de novembro de 2008 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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AGRAVO REGIMENTAL NA PETIÇÃO 4.100 — DF

Relator: O Sr. Ministro Eros GrauAgravantes: Instituto de Advocacia Racial e Ambiental – IARA e outros —

A gra vado: Ministro de Estado de Minas e Energia

Agravo regimental. Notificação judicial. Medida pre-ventiva. Pedido dirigido contra ministro de Estado para dar cumprimento a lei. Inadmissibilidade. Pretensão irrelevante. In-com petência do Su premo Tribunal Federal.

1. O Su premo Tribunal Federal não é competente para co-nhecer de pedido de notificação judicial dirigido contra ministro de Estado quando desprovido de caráter penal.

2. Não se conhece de pedido de notificação dirigido a ministro de Estado para cumprimento de lei. Precedentes (Pet 4.074-AgR, Pet 4.081-AgR, Pet 4.094-AgR, Pet 4.098-AgR, Pet 4.103-AgR e Pet 4.105-AgR, Rel. Min. Cezar Peluso, DJE de 27-6-08).

Agravo regimental improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Su-premo Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a Presidência do Ministro Gilmar Mendes, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráfi-cas, por maioria de votos, negar provimento ao agravo regimental nos termos do voto do Relator.

Brasília, 28 de agosto de 2008 — Eros Grau, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Eros Grau: Trata-se de agravo regimental interposto contra decisão da Ministra Ellen Gracie, decisão que negou seguimento a pedido de notificação judicial do Ministro de Minas e Energia, formulado pelo Instituto de Advocacia Racial e Ambiental (IARA).

2. Os Agravantes pretendem que o atual ocupante do cargo e seus antecesso-res sejam intimados para se manifestarem a respeito de suposto descumprimento do Decreto 4.228/02, que regulamenta o Programa Nacional de Ações Afirmativas.

3. Sustentam que a violação dos preceitos do decreto ensejaria o ajuiza-mento de ação de improbidade administrativa, nos termos do disposto no art. 11 da Lei 8.429/92.

4. Pedem a reconsideração da decisão a fim de que a notificação seja processada, observada a prerrogativa de foro prevista no art. 102, I, c, da Constituição, ou os autos sejam remetidos ao órgão competente.

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5. A Pro cura doria Geral da República opina pelo não-provimento do agravo regimental. Afirma que a medida é desprovida de caráter penal, o que impede o seu conhecimento pelo Su premo (fls. 198/200).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Os ora Agravantes apresentaram ao Tribunal 37 (trinta e sete) pedidos idênticos de notificação judicial de ministros de Estado e outras autoridades a esses equiparados, com o fim de intimá-los a dar cumprimento ao Decreto 4.228/02. Este é um desses pedidos.

2. O Su premo Tribunal Federal entende inadmissível pedido de notificação de ministro de Estado visando ao cumprimento de lei. Pedido desse jaez não deve ser conhecido:

Ementa: notificação judicial. Medida preventiva. Pedido dirigido contra ministro de Estado para dar cumprimento a lei. Inadmissibilidade. Pretensão ir-relevante. Falta, ademais, de competência do Su premo para o feito. Precedentes. Seguimento negado. Agravo regimental improvido. Não deve conhecido pedido de notificação dirigido a ministro de Estado para cumprimento de lei.(Pet 4.074-AgR, Pet 4.081-AgR, Pet 4.094-AgR, Pet 4.098-AgR, Pet 4.103-AgR e Pet 4.105-AgR, Rel. Min. Cezar Peluso, DJE de 27-6-08.)

Nego provimento ao agravo regimental.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, a Pro cura doria aponta que a cautelar é preparatória em relação a uma ação que virá a consubstanciar o feito principal e que não há contornos de natureza penal na notificação, quando real-mente se teria a competência do Su premo para a própria medida e possível ação penal contra o ministro de Estado. Sugere, evidentemente não preconiza esse resultado, que competente seria, no caso, considerada a simples notificação pre-paratória, o Superior Tribunal de Justiça.

Nessas situações concretas, não tenho simplesmente negado seguimento ao pedido, sempre declinando da competência e determinando a remessa do processo ao órgão que o é.

Vou pedir vênia apenas para me manter coerente com essa posição, pro-vendo o agravo – não para reformar a decisão da Ministra Ellen Gracie, mas apenas para proceder à remessa aludida.

EXTRATO DA ATA

Pet 4.100-AgR/DF — Relator: Ministro Eros Grau. Agravantes: Instituto de Advocacia Racial e Ambiental – IARA e outros (Advogados: Humberto

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Adami Santos Júnior e outros, e Gilberto Eifler Moraes). Agravado: Ministro de Estado de Minas e Energia.

Decisão: O Tribunal, por maioria, negou provimento ao recurso de agravo, nos termos do voto do Relator, vencido o Ministro Marco Aurélio, que o provia. Declarou impedimento o Ministro Joaquim Barbosa. Ausentes, justificada-mente, os Ministros Celso de Mello e Menezes Direito. Presidiu o julgamento o Ministro Gilmar Mendes.

Presidência do Ministro Gilmar Mendes. Presentes à sessão os Ministros Marco Aurélio, Ellen Gracie, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski, Eros Grau e Cármen Lúcia. Vice-Pro cura dor-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos.

Brasília, 28 de agosto de 2008 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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R.T.J. — 2081056

AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO 5.174 — ES

Relator: O Sr. Ministro Cezar PelusoAgravante: Estado do Espírito Santo — Agravado: Tribunal de Justiça

do Estado do Espírito Santo (Mandado de Segurança 100.06.000.301-7) — Interessado: Rômulo Salles de Sá

Magistratura. Magistrado. Aposentado. Férias não goza-das. Pagamento em pecúnia. Indenização. Tutela antecipada contra a Fazenda Pública. Verba que não constitui subsídio, vencimento, salário, nem vantagem pecuniária. Ofensa à liminar deferida na ADC 4. Não ocorrência. Situação não compreendida pelo art. 1º da Lei 9.494/97. Reclamação julgada improcedente. Agravo improvido. Precedentes. Não ofende a decisão liminar proferida na ADC 4, a antecipação de tutela que implica ordem de pagamento de verba de caráter indenizatório.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Su-premo Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a Presidência do Ministro Gilmar Mendes, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigrá-ficas, por unanimidade de votos, negar provimento ao recurso de agravo, nos termos do voto do Relator. Ausentes, licenciado o Ministro Joaquim Barbosa, justificadamente os Ministros Celso de Mello e Menezes Direito e, neste julga-mento, o Ministro Marco Aurélio.

Brasília, 27 de novembro de 2008 — Cezar Peluso, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. Trata-se de agravo regimental interposto pelo Estado do Espírito Santo, contra decisão em que julguei improcedente a reclamação. A decisão é do seguinte teor:

Decisão: 1. Trata-se de reclamação, com pedido de liminar, proposta pelo Estado do Espírito Santo, contra decisão do Tribunal de Justiça desse Estado que, nos autos do Processo 100.06.000.301-7, concedeu a desembargador aposentado, liminar para o fim de determinar o imediato recebimento de períodos de férias não gozadas, por necessidade do serviço público.

O pedido funda-se em dois argumentos. O primeiro que a decisão ofenderia o provimento cautelar proferido por esta Corte na ADC 4. O segundo diz respeito à eventual usurpação de competência deste Tribunal, em razão do disposto no art. 102, I, n, da Constituição Federal.

2. Inconsistente a reclamação.2.1 No julgamento da ADC 4, este Tribunal deferiu, em parte, o pedido de

medida cautelar para suspender, com eficácia ex nunc e com efeito vinculante, até o julgamento final da ação, a prolação de qualquer decisão sobre pedido de tutela antecipada contra a Fazenda Pública que tenha como pressuposto a

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R.T.J. — 208 1057

constitucionalidade ou a inconstitucionalidade do art. 1º da Lei 9.494/97 e que implique reclassificação ou equiparação, concessão de aumento, extensão de van-tagens pecuniárias, outorga ou acréscimo de vencimentos, pagamento de venci-mentos e vantagens pecuniárias a servidor público, ou exaustão, total ou parcial, do objeto de demanda respeitante a qualquer de tais situações (cf. Rcl 1.514/RS e Rcl 1.749/MS, Rel. Min. Celso de Mello).

No caso, não bastasse a condição do beneficiário, que não é servidor, mas, sim, aposentado, tem-se que a tutela antecipada foi deferida para permitir o rece-bimento de períodos de férias não gozadas, por necessidade do serviço público. A natureza indenizatória de tais verbas, que não são salariais, nem constituem vantagem (adicionais ou gratificações), subtrai a hipótese do âmbito de incidência desse julgamento, haja vista que não se configura nenhuma das hipóteses previstas no art. 1º da Lei 9.494/97.

Releva notar que a diferenciação entre salário e indenização é clássica. Indenização é reparação de danos. Nas palavras de Roque A. Carraza “(...) as inde-nizações não são rendimentos. Elas apenas recompõem o patrimônio das pessoas. Nelas não há geração de rendas ou acréscimos patrimoniais (proventos) de qual-quer espécie. Não há riquezas novas disponíveis, mas reparações, em pecúnia, por perdas de direitos (...) O patrimônio da pessoa lesada não aumenta de valor, mas simplesmente é reposto no estado em que se encontrava antes do gravame (sta-tus quo ante).” (In Curso de Direito Constitucional Tributário. 22 ed. Malheiros Editores Ltda., 2006. p. 856).

Por conseguinte, não há que se falar em violação à autoridade de decisão deste Tribunal na ADC 4, como já se manifestou a Corte, em casos semelhantes (Rcl 1.839, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 16-8-01; Rcl 2.421, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ de 3-3-04, e Rcl 1.455, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 23-3-00).

2.2 Não vejo tampouco concorram, na espécie, os pressupostos que atraem a incidência do art. 102, I, n, da CF, de modo a deslocar para esta Corte a compe-tência originária para o julgamento da causa.

Dúvida não há de que, se o interesse em jogo dissesse respeito a todos os magistrados, razão lhe sobraria. Mas não é o que se colhe do caso. A questão res-tringe-se ao magistrado do Estado do Espírito Santo que ingressou em juízo para requerer a indenização relativa aos períodos de férias não gozadas.

Ora, tal situação, porque só eventualmente pode reproduzir-se em relação a alguns outros magistrados, não caracteriza sequer o interesse indireto de todos os membros da magistratura, ao que alude a primeira parte do dispositivo cons-titucional invocado.

3. Diante do exposto, com fundamento no art. 38 da Lei 8.038, de 28 de maio de 1990, art. 557, caput, do CPC, e art. 21, § 1º, do RISTF, julgo improce-dente a reclamação.

2. O Agravante insiste em que o objeto da reclamação diz respeito a toda a magistratura. Argumenta que “não é desconhecido dos eminentes Ministros que os magistrados estaduais, de há muito, e de forma sistemática, deixam de afastar-se nos períodos de férias regulamentares para transformar ditos períodos em futuros fundos de vencimentos (...). Ocorre que todos os magistrados capixa-bas aderiram a tal prática, como de resto toda a magistratura estadual brasileira usa de dito expediente, a despeito da incidência do prazo prescricional para gozo de ditos períodos de férias regulamentares (...)”.

É o relatório.

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VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Sem razão o Agravante.Na decisão agravada, consignei:

2.2 Não vejo tampouco concorram, na espécie, os pressupostos que atraem a incidência do art. 102, I, n, da CF, de modo a deslocar para esta Corte a compe-tência originária para o julgamento da causa.

Dúvida não há de que, se o interesse em jogo dissesse respeito a todos os magistrados, razão lhe sobraria. Mas não é o que se colhe do caso. A questão res-tringe-se ao Magistrado do Estado do Espírito Santo que ingressou em juízo para requerer a indenização relativa aos períodos de férias não gozadas.

Ora, tal situação, porque só eventualmente pode reproduzir-se em relação a alguns outros magistrados, não caracteriza sequer o interesse indireto de todos os membros da magistratura, ao que alude a primeira parte do dispositivo cons-titucional invocado.

Ora, o Agravante parte de pressuposto, no mínimo, temerário, qual seja, o de afirmar, sem prova, que magistrados e administradores do Judiciário, em conluio, rotineiramente, e em âmbito nacional, sob falso argumento de neces-sidade de serviço, fraudam a operacionalização do gozo das férias, para trans-formá-las, em prol dos segundos, em “futuros fundos de vencimentos”.

O teor do decisum subsiste, pois, invulnerável às razões do recurso.2. Do exposto, nego provimento ao agravo.

EXTRATO DA ATA

Rcl 5.174-AgR/ES — Relator: Ministro Cezar Peluso. Agravante: Estado do Espírito Santo (Advogado: PGE/ES – Dax Wallace Xavier Siqueira). A gra-vado: Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo (Mandado de Segurança 100.06.000.301-7). Interessado: Rômulo Salles de Sá (Advogado: Setembrino Pelissari).

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, negou provimento ao recurso de agravo, nos termos do voto do Relator. Ausentes, licenciado o Ministro Joaquim Barbosa, justificadamente os Ministros Celso de Mello e Menezes Direito e, neste julgamento, o Ministro Marco Aurélio. Presidiu o julgamento o Ministro Gilmar Mendes.

Presidência do Ministro Gilmar Mendes. Presentes à sessão os Ministros Marco Aurélio, Ellen Gracie, Cezar Peluso, Carlos Britto, Ricardo Lewandowski, Eros Grau e Cármen Lúcia. Vice-Pro cura dor-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos.

Brasília, 27 de novembro de 2008 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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R.T.J. — 208 1059

RECLAMAÇÃO 6.387 — SC

Relatora: A Sra. Ministra Ellen GracieReclamante: Julio Cezar Vargas — Reclamado: Relator do HC 111.883 do

Superior Tribunal de Justiça

Direito processual penal. Reclamação. Prerrogativa de pri-são em sala de Estado-Maior. Avaliação do caso concreto. Prisão em batalhão de polícia militar. Improcedência.

1. A reclamação tem como objeto possível descumprimento do disposto no art. 7º, inciso V, da Lei 8.906/94, norma cuja cons-titucionalidade foi reconhecida no julgamento da ADI 1.127/DF por esta Corte.

2. O tema referente ao recolhimento de advogado em Sala de Estado-Maior até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória envolve a própria definição da noção de Sala de Estado-Maior. Em precedente desta Corte, considerou-se que se trata de “compartimento de qualquer unidade militar que, ainda que potencialmente, possa ser utilizado pelo grupo de Oficiais que assessoram o Comandante da organização militar para exer-cer suas funções, o local deve oferecer instalações e comodidades condignas” (Rcl 4.535, Rel. Min. Sepúlveda Pertence).

3. A questão referente à existência de grades nas depen-dências da Sala de Estado-Maior onde o reclamante se encontra recolhido, por si só, não impede o reconhecimento do perfeito atendimento ao disposto no art. 7º, V, da Lei 8.906/94 (Rcl 5.192, Rel. Min. Menezes Direito).

4. Não houve descumprimento de julgado desta Corte, eis que o juiz federal e o Tribunal Regional Federal preservaram as garantias inerentes à situação do Reclamante, atendendo às con-dições de salubridade, luminosidade e ventilação.

5. Reclamação julgada improcedente.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Su-premo Tribunal Federal, em sessão plenária, na conformidade da ata do julga-mento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, julgar improcedente a reclamação, nos termos do voto da Relatora.

Brasília, 23 de outubro de 2008 — Ellen Gracie, Relatora.

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Ellen Gracie: 1. Trata-se de reclamação constitucional, com pedido de liminar, fundada nos arts. 102, I, l, da Constituição da República,

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13 a 18 da Lei 8.038/90 e 156 a 162 do Regimento Interno do Su premo Tribunal Federal, ajuizada por Júlio Cezar Vargas, advogado, contra ato praticado pelo Relator do Superior Tribunal de Justiça no HC 111.883, que indeferiu a liminar requerida quanto à concessão da prisão domiciliar ao reclamante.

Alega o reclamante, em síntese, que continua com o status de advogado, regularmente inscrito na OAB/SC, tendo sido reconhecido o direito de ser reco-lhido em estabelecimento prisional qualificado como Sala de Estado-Maior e, na sua falta, de ficar em prisão domiciliar. No julgamento da ADI 1.127-8, o STF reconheceu a constitucionalidade do art. 7º, inciso V, da Lei 8.906/94.

Narra que foi preso em Fortaleza/CE, sendo transferido para Joinville/SC, onde foi colocado numa cela da delegacia de polícia federal e, posteriormente, foi colocado numa cela da carceragem da Polícia Federal em Florianópolis/SC. Devido à sua insistência, foi transferido para o Batalhão da Polícia Ambiental de Joinville/SC. A defesa do reclamante e o Presidente da OAB/Seccional de Joinville ingressaram com habeas corpus junto ao TRF da 4ª Região, tendo a juíza conseguido “nova vaga” para o reclamante no 14º Batalhão da Polícia Militar da 3ª Companhia.

O TRF considerou que o local onde o reclamante se encontra preso atende aos requisitos legais. Aduz que a Sala de Estado Maior não se confunde com prisão especial a que alude a Lei nº 10.258/01. A disciplina contida no art. 295 do CPP não permite que o preso seja colocado em local “preso por grades” (fl. 20). A Lei 10.258/01 não alterou o direito dos jornalistas, membros do Ministério Público, magistrados e advogados de que sua prisão cautelar seja feita em sala desprovida de grades.

Aduz que, não havendo Sala de Estado-Maior na localidade, é de rigor o recolhimento do advogado em prisão domiciliar.

Assim, requer seja julgada procedente a reclamação para o fim de deter-minar que o reclamante cumpra a prisão domiciliar ou que lhe seja concedida liberdade provisória até o trânsito em julgado da ação penal.

2. Decisão que indeferiu o pedido de liminar (fls. 79/80).3. Manifestação do Ministério Público no sentido da improcedência do

pedido (fls. 82/85).4. Pedido de reconsideração formulado pelo reclamante sob o fundamento

da ocorrência de fato novo (fls. 101/110).É o relatório.

VOTO

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): 1. A reclamação ajuizada tem como objeto possível descumprimento do disposto no art. 7º, inciso V, da Lei 8.906/94, norma cuja constitucionalidade foi reconhecida no julgamento da ADI 1.127/DF por esta Corte.

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Assim, o Reclamante argumenta que a juíza federal e o Tribunal Re-gional Federal descumpriram o dispositivo legal sob o fundamento de sua inconstitucionalidade.

2. A esse respeito, por serem pertinentes, transcrevo as ponderações apresentadas pelo Senhor Pro cura dor-Geral da República na sua manifestação (fls. 83/85):

Compulsando os autos, verifica-se que, em momento algum, o Juízo da 2ª Vara Federal de Joinville/SC e o Tribunal Regional Federal da 4ª Região insurgi-ram-se contra a constitucionalidade do inciso V, do art. 7º do Estatuto da OAB.

Pelo contrário, ao longo do Inquérito Policial, os Juízos buscaram preser-var as garantias inerentes à situação do Reclamante, transferindo-o para diversos locais sempre com o intuito de que estivesse recolhido em local que atendesse aos requisitos legais, com condições de salubridade, luminosidade e ventilação (fls. 41; 47/48; 86/87; 139/143; 172 e 180/182 do Apenso).

Outrossim, consoante documento encaminhado pelo 14º Batalhão de Polí-cia Militar, o Reclamante está recolhido em local destinado a Oficiais, denomi-nado Sala de Estado Maior da Companhia, junto com mais 3 (três) advogados e traz consigo pertences de uso pessoal, tais como, notebook e forno microondas, o que demonstra claramente que usufrui situação diferenciada em relação aos de-mais presos provisórios (fls. 163/164, Apenso).

Desse modo, ante tal situação, é plenamente justificável que o Ministro Relator Nilson Naves tenha requisitado informações à autoridade coatora a fim de comprovar a veracidade das alegações apresentadas por Julio Cezar Vargas.

No que diz respeito ao cerne da questão, o Ministério Público Federal rea-firma seu entendimento de que, desde que se garanta ao advogado regularmente inscrito nos quadros da OAB o recolhimento em local condizente com a dignidade inerente ao exercício profissional, alcançado está, sem dúvidas, o escopo preten-dido pela norma contida no art. 7º, V, da Lei nº 8.906/94.

Assim, se o local onde Julio Cezar Vargas encontra-se recolhido é dotado dos atributos exigidos pelo art. 295 do CPP, que dispõe sobre a prisão especial, apresentando condições regulares de higiene, instalações sanitárias satisfatórias, correspondentes à Sala de Estado Maior, não há justificativa para a concessão da prisão domiciliar.

Se, por um lado, o Su premo Tribunal Federal, no julgamento da ADI nº 1.127/DF, afastou a aplicabilidade do art. 295, do CPP em prol da norma prevista no art. 7º, V, da Lei nº 8.906/94, por outro, tal orientação não prejudicou a incidên-cia subsidiária da lei processual penal, na hipótese de impossibilidade material da execução da regra contida no Estatuto da OAB, verificada quando, de fato, inexis-tir sala de Estado Maior disponível ao recolhimento do custodiado.

Ressalte-se que, havendo local revestido das garantias necessárias à pre-servação da prerrogativa legal consubstanciada no art. 7º, V, da Lei nº 8.906/94, inadequada é a transferência de Julio Cezar Vargas para a prisão domiciliar ou a concessão de sua liberdade provisória, que são medidas de caráter excepcional, cabíveis em situações de extrema gravidade, notadamente, em razão da dificul-dade enfrentada pelas autoridades na fiscalização do seu efetivo cumprimento.

Portanto, a decisão adotada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, ao mesmo tempo em que resguardou, no plano fático, a prerrogativa legal contida no art. 7º, V, da Lei nº 8.906/94, assegurou a eficácia da prisão provisória imposta ao

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Reclamante, não se caracterizando, desse modo, em ofensa ao acórdão proferido na ADI nº 1.127/DF.

Igualmente, a posição adotada no Habeas Corpus nº 111.883/SC em buscar elementos que sirvam para embasar a concessão ou denegação da medida liminar não afronta a qualquer decisão do Su premo Tribunal Federal, longe disso, consi-derando que o próprio texto constitucional dispõe sobre a necessidade de funda-mentação das decisões judiciais em seu art. 93, IX.

3. O tema referente ao recolhimento de advogado em Sala de Estado-Maior até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória envolve a própria defi-nição da noção de Sala de Estado-Maior. Em precedente desta Corte, considerou-se que se trata de “compartimento de qualquer unidade militar que, ainda que potencialmente, possa ser utilizado pelo grupo de Oficiais que assessoram o Co-mandante da organização militar para exercer suas funções, o local deve oferecer instalações e comodidades condignas” (Rcl 4.535, Rel. Min. Sepúlveda Pertence).

A esse respeito, aproveito para transcrever ementa de julgado do Su premo Tribunal Federal em hipótese semelhante à presente (Rcl 5.192/SP, Rel. Min. Menezes Direito, Pri meira Turma, DJ de 25-4-08):

Reclamação. Prisão especial. Advogado. Ordem concedida para determinar o recolhimento em Sala de Estado-Maior. Alegado descumprimento. 1. A sala onde determinada a prisão do reclamante não foge aos critérios adotados no pre-cedente desta Corte (Rcl 4.535, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 7-5-07), men-cionada como parâmetro para definição do conceito de Sala de Estado-Maior no acórdão do HC 90.707/SP, ao qual se aponta descumprimento. 2. Avaliados todos os elementos fáticos ressaltados nas informações prestadas pela Douta Juíza de Direito, no sentido de estar o acusado recolhido em sala pertencente às dependên-cias de Comando das Forças Auxiliares (Polícia Militar), no mesmo local em que também estão recolhidos dois Juízes de Direito, com instalações e comodidades adequadas à higiene e à segurança, afasta-se a alegação de violação do julgado desta Suprema Corte. 3. Reclamação improcedente.

4. A questão referente à existência de grades nas dependências da Sala de Estado-Maior onde o reclamante se encontra recolhido, por si só, não im-pede o reconhecimento do perfeito atendimento ao disposto no art. 7º, V, da Lei 8.906/94. Neste sentido, trago à colação o julgamento da Rcl 5.192, em que se afirmou que existência de grades em outras dependências do Batalhão de Polícia, e não apenas no compartimento destinado ao reclamante, não é impedi-tiva à consideração de o advogado encontrar-se preso em Sala de Estado-Maior (Rel. Min. Menezes Direito).

5. Não há, portanto, nos autos, descumprimento de julgado desta Corte, eis que o juiz federal e o Tribunal Regional Federal preservaram as garantias inerentes à situação do Reclamante, atendendo às condições de salubridade, luminosidade e ventilação. O Reclamante encontra-se recolhido em local desti-nado aos Oficiais, portando vários pertences de ordem pessoal, como aparelho de notebook e forno microondas, recebendo tratamento diferenciado comparati-vamente aos demais presos provisórios.

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Quanto ao “pedido de reconsideração” da decisão que indeferiu o pedido de liminar nos autos desta reclamação, resta o mesmo prejudicado em razão deste julgamento. Ademais, a circunstância de haver um policial rodoviário federal “no mesmo ambiente” em que se encontra o reclamante não altera a so-lução para a presente reclamação (eis que há profissionais da advocacia também no mesmo local).

6. Ante o exposto, julgo improcedente o pedido de reclamação.É como voto.

EXTRATO DA ATA

Rcl 6.387/SC — Relatora: Ministra Ellen Gracie. Reclamante: Julio Cezar Vargas (Advogado: James Jose da Silva). Reclamado: Relator do HC 111.883 do Superior Tribunal de Justiça.

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, julgou improcedente a reclama-ção, nos termos do voto da Relatora. Ausentes, em representação do Tribunal no exterior, os Ministros Gilmar Mendes (Presidente) e Eros Grau, justifica-damente o Ministro Celso de Mello e, neste julgamento, o Ministro Joaquim Barbosa. Presidiu o julgamento o Ministro Cezar Peluso (Vice-Presidente).

Presidência do Ministro Cezar Peluso (Vice-Presidente). Presentes à ses-são os Ministros Marco Aurélio, Ellen Gracie, Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Vice-Pro cura dor-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos.

Brasília, 23 de outubro de 2008 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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CONFLITO DE COMPETÊNCIA 7.242 — MG

Relator: O Sr. Ministro Eros GrauSuscitante: Juiz de Direito da Vara Cível de Presidente Olegário —

Suscitado: Tribunal Superior do Trabalho — Interessados: Jader Ferreira dos Santos e Município de Presidente Olegário

Conflito de competência. Juiz estadual de primeira instân-cia e Tribunal Superior do Trabalho. Competência do Su premo Tribunal Federal para julgamento do conflito. Reclamação tra-balhista. Verbas pleiteadas quanto a período posterior à im-plantação do Regime Jurídico Único. Competência da Justiça estadual.

1. O Su premo Tribunal Federal é competente para dirimir o conflito entre juízo estadual de primeira instância e o Tribunal Superior do Trabalho, nos termos dispostos no art. 102, I, o, da Constituição do Brasil. Precedente (CC 7.027, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 1º-9-95).

2. A jurisprudência desta Corte é no sentido de que compete exclusivamente à Justiça do Trabalho processar e julgar reclama-ção de servidor público relativamente a vantagens trabalhistas anteriores à instituição do Regime Jurídico Único. Precedente (AI 405.416-AgR, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 27-2-04).

3. Hipótese em que as verbas postuladas pelo reclamante respeitam a período posterior à implantação do Regime Jurídico Único.

Conflito conhecido para declarar a competência da Justiça estadual.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Su-premo Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a Presidência do Ministro Gilmar Mendes, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigrá-ficas, por maioria de votos, conhecer do conflito e declarar a competência da Justiça comum, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 18 de setembro de 2008 — Eros Grau, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Eros Grau: Trata-se de conflito negativo de competência suscitado pelo Juiz de Direito da Vara Cível de Presidente Olegário/MG em face do Tribunal Superior do Trabalho (TST).

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2. Jader Ferreira dos Santos ajuizou reclamação trabalhista contra o Município de Presidente Olegário/MG pleiteando verbas decorrentes da resci-são, sem justa causa, de contrato de trabalho regido pela CLT.

3. A Junta de Conciliação e Julgamento julgou procedente a reclamação, decisão que foi confirmada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. O acórdão transitou em julgado.

4. O Município de Presidente Olegário ajuizou ação rescisória perante o TRT. A ação foi julgada improcedente e o Município interpôs recurso ordinário.

5. O TST, declarando a incompetência da Justiça do Trabalho, deu pro-vimento ao recurso para anular todas as decisões proferidas e determinar a re-messa dos autos à Justiça estadual (fls. 548/549).

6. Os autos foram enviados ao Juízo de Direito da Vara de Presidente Olegário/MG. O magistrado, porém, observando que o vínculo contratual entre o reclamante e o Município assumia caráter empregatício e que o reclamante não fazia jus à estabilidade excepcional, prevista no art. 19 do ADCT/88, deter-minou o retorno dos autos ao Tribunal Superior do Trabalho (fls. 623/633).

7. O TST entendeu ter sido suscitado conflito negativo de competência, en-viando os autos ao Superior Tribunal de Justiça. O STJ determinou a remessa dos autos a esta Corte, nos termos do disposto no art. 102, I, o, da CB/88 (fls. 669/670).

8. O Pro cura dor-Geral da República opinou pela competência da Justiça do Trabalho para julgar a controvérsia. Observa que na reclamação trabalhis- ta não há pedidos de ordem estatutária, mas de caráter eminentemente traba-lhista (fls. 683/684).

9. Ao julgar decidi pela competência da Justiça Trabalhista, determi-nando a remessa dos autos ao TST, com fundamento em jurisprudência fixada nesta Corte quanto à competência da Justiça do Trabalho em reclamação traba-lhista proposta por servidor público com vínculo celetista (CC 7.118, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 4-10-02; CC 7.128 (DJ de 1º-4-05), CC 7.125 (DJ de 4-3-05) e CC 7.134 (DJ de 15-8-03), Rel. Min. Gilmar Mendes; e o CC 7.149, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 28-11-03).

10. O Município de Presidente Olegário/MG opõe embargos de divergên-cia, que conheço como agravo regimental.

11. O TST, nas informações prestadas, conclui pela competência da Justiça estadual (fls. 746-748).

12. Reconsiderei a decisão de fls. 686/688, incluindo o conflito de compe-tência em pauta para julgamento de mérito.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): O STF é titular de competência ori-ginária para dirimir o conflito entre Juízo estadual de primeira instância e o

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Tribunal Superior do Trabalho, nos termos do disposto no art. 102, I, o, da Constituição do Brasil.

2. Apesar de a Constituição não afirmar expressamente a competência do STF para julgar os conflitos de competência entre Tribunais Superiores e juízes a ele não vinculados, a matéria não deve escapar à análise desta Corte. Neste sentido, a interpretação que prevaleceu no julgamento do CC 7.027, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 1º de setembro de 1995:

Ementa: conflito de competência – Tribunal Superior do Trabalho e Juiz Federal de primeira instância – Competência originária do STF para dirimir o conflito – (...) – Pertence ao Su premo Tribunal Federal a competência para dirimir, originariamente, conflitos de competência instaurados entre qualquer Tribunal Superior da União e magistrado de primeira instância que não esteja a ele vinculado. Precedentes. CC 7.023, Rel. Min. Ilmar Galvão – CC 7.025, Rel. Min. Celso de Mello.

3. O Tribunal Superior do Trabalho reconsiderou, em recurso ordinário, a decisão de fls. 565/566, declarando a incompetência da Justiça do Trabalho sob o fundamento de que os direitos postulados na reclamação respeitam ao período posterior à implantação do Regime Jurídico Único dos servidores municipais (Lei 1.237/90, de 5-12-90)1.

4. Todas as verbas postuladas pelo reclamante dizem respeito a período posterior à implantação do RJU (fls. 2-6).

5. A jurisprudência deste Tribunal fixou-se no sentido de que somente compete à “Justiça do Trabalho (...) processar e julgar reclamação de servi-dor público relativamente a vantagens trabalhistas anteriores à instituição do Regime Jurídico Único” (AI 405.416-AgR, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 27-2-04 – Grifei).

6. Há decisões desta Corte no sentido de que cabe à Justiça do Trabalho julgar pedidos, fundados na CLT, referentes à contratação não sujeita a regime estatutário até sua implantação (AI 198.471-AgR, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 20-10-97; CC 7.136, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 11-6-03; AI 497.087, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 29-11-05; CC 7.058, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 20-3-06; CC 7.089, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 15-6-04).

7. A transferência do regime jurídico de celetista para estatutário implica extinção do contrato de trabalho, inexistindo, no caso, relação de emprego su-jeita à apreciação da Justiça do Trabalho.

Conheço do conflito para declarar a competência da Justiça Estadual.

DEBATE

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Há uma particularidade: trata-se de ação rescisória contra acórdão do TRT.

1 Cf. a jurisprudência fixada naquele Tribunal através da OJ 138 da SBDI-1.

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O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mas a causa de pedir talvez tenha sido jus-tamente a competência da Justiça estadual.

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Sim, mas, em princípio, parece que a competência é do próprio TRT, para dizer que a decisão dele era nula, ou rescindia a decisão.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: É, mas o Tribunal Superior do Trabalho acabou proclamando que não haveria a competência da Justiça do Trabalho e remeteu os autos à Justiça comum.

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Então, mas é a outra Justiça que vai rescindir o acórdão.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ele julgou procedente a rescisória. O Tri-bunal Superior do Trabalho rescindiu.

O Sr. Ministro Menezes Direito: O TST julgou procedente a rescisória, anu-lou o acórdão do TRT e mandou para a Justiça comum. Só que a minha impressão é que nós devemos conhecer do conflito para declarar a competência da Justiça comum. Nós não podemos não conhecer para manter; nós temos de conhecer para declarar a competência, porque se trata de um conflito de competência.

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): V. Exa. está reconhecendo a competência, não está?

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Estou reconhecendo a competência da Justiça estadual.

O Sr. Ministro Menezes Direito: Então nós temos de conhecer do conflito para declarar competente a Justiça comum.

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Então nós temos de conhecer do conflito e reconhecer a competência da Justiça estadual.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, apenas para ressaltar: a causa de pedir, na ação ajuizada que desaguou no título rescindendo, foi única. Seria o regime especial?

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Não. Originariamente, houve uma reclamação trabalhista contra o município preenchendo verbas decorrentes de rescisão sem justa causa de contrato de trabalho regido pela CLT.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Naquela passagem do regime trabalhista?O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Exatamente.O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, vou pedir vênia para entender

que, nesse caso, não estou adentrando a matéria de fundo – saber se, nessa pas-sagem do regime trabalhista para o regime único da Lei 8.112/90, teria havido a resolução do contrato de trabalho surgindo o direito às verbas trabalhistas –, mas apenas assentando que, como se questiona, na ação ajuizada, uma conseqüência

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do contrato de trabalho que vigorou até então, a competência é da Justiça do Trabalho e não da Justiça comum. Por isso vou pedir vênia para julgar procedente.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): V. Exa. tem essa posição?O Sr. Ministro Marco Aurélio: Aqui, a situação é peculiar. Somente a

Justiça do Trabalho poderia dizer se, no caso, essa transformação do regime – da Consolidação das Leis do Trabalho para o especial – provocaria ou não a cessa-ção, com direito às verbas trabalhistas, do contrato anterior.

Concluo que a competência é mesmo da minha eterna Justiça do Trabalho.

EXPLICAÇÃO

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Senhor Presidente, permita-me recapi-tular: houve uma reclamação trabalhista, foi julgada procedente, e a decisão foi confirmada pelo TRT, perfeito?

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Transitou em julgado.O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Foi confirmada. Depois, vem o mu-

nicípio e ajuíza uma ação rescisória perante o TRT, que a julgou improcedente. Aí, o município interpôs recurso ordinário, o TST declarou a incompetência da Justiça do Trabalho no recurso extraordinário, na ação rescisória.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: V. Exa. tem toda razão. A competência para julgar a rescisória, nos dois juízos, é da Justiça do Trabalho porque prolatou o acórdão.

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): E aconteceu isso, ela julgou pro-cedente e rescindiu o acórdão.

O Sr. Ministro Menezes Direito: E o TST mandou para a Justiça comum.O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Exatamente. O TST rescindiu e

mandou a Justiça comum julgar a causa.O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mas rescindiu? Seria competente para a

rescisória.Então, mantenho o voto, porque entendo – torno a frisar – que o pano de

fundo é o conflito de interesses envolvendo justamente este questionamento: se o contrato de trabalho que deixou de existir, passando-se a uma nova regência, geraria ou não o direito às verbas indenizatórias. A competência só pode ser da Justiça do Trabalho. Não se está questionando direito oriundo da nova relação jurídica, mas da pretérita, a trabalhista.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Eu penso o contrário, que é a Justiça comum que vai, no uso de sua competência – com a devida vênia a V. Exa. –, dizer que situação jurídica prepondera, se a anterior ou a atual. Para não haver hibridismo de regime jurídico.

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): No último debate, no caso em que foi Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, a Ministra Cármen Lúcia e eu

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chegamos à conclusão: qualquer que seja o regime adotado, é sempre da Justiça comum quando se trata da relação entre servidor e a administração pública.

O Sr. Ministro Carlos Britto: É a proposta de V. Exa., pré-excluindo a com-petência da Justiça do Trabalho. Eu me opus à tese central de V. Exa.

O Sr. Ministro Menezes Direito: Nós tínhamos um precedente do Ministro Carlos Britto que vinculava à análise do contrato. Depois, evoluímos e disse-mos que, independentemente dessa circunstância, a competência seria da Justiça comum ordinária. O Ministro Marco Aurélio levanta essa perspectiva que tem, evidentemente, substância, mas eu me inclino pelo voto do Ministro Eros Grau no sentido de conhecer do conflito, sim, porque dele temos de conhecer, e decla-rar a competência da Justiça comum porque se trata de conflito de competência.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Só para esclarecer, o determinante na formação do meu juízo foi que se trata de verbas posteriores ao regimento.

VOTO

O Sr. Ministro Menezes Direito: Senhor Presidente, nós tínhamos um pre-cedente do Ministro Carlos Britto que vinculava à análise do contrato. Depois, evoluímos e dissemos que, independentemente dessa circunstância, a competên-cia seria da Justiça comum ordinária. O Ministro Marco Aurélio levanta essa perspectiva que tem, evidentemente, substância, mas eu me inclino pelo voto do Ministro Eros Grau no sentido de conhecer do conflito, sim, porque dele temos de conhecer, e declarar a competência da Justiça comum porque se trata de con-flito de competência.

EXTRATO DA ATA

CC 7.242/MG — Relator: Ministro Eros Grau. Suscitante: Juiz de Direito da Vara Cível de Presidente Olegário. Suscitado: Tribunal Superior do Trabalho. Interessados: Jader Ferreira dos Santos (Advogada: Sônia Arantes Sales Vargas) e Município de Presidente Olegário (Advogado: Israel Mendonça Souza).

Decisão: O Tribunal, por maioria, vencido o Ministro Marco Aurélio, co-nheceu do conflito e declarou a competência da Justiça comum, nos termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, a Ministra Ellen Gracie, o Minis-tro Joaquim Barbosa, a Ministra Cármen Lúcia e, neste julgamento, o Ministro Gilmar Mendes (Presidente). Presidiu o julgamento o Ministro Cezar Peluso (Vice-Presidente).

Presidência do Ministro Gilmar Mendes. Presentes à sessão os Mi nis-tros Celso de Mello, Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto, Ricardo Lewandowski, Eros Grau e Menezes Direito. Pro cura dor-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.

Brasília, 18 de setembro de 2008 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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MANDADO DE SEGURANÇA 23.058 — DF

Relator: O Sr. Ministro Carlos BrittoImpetrante: Gladys Maria Catunda Mourão — Impetrado: Tribunal de

Contas da União

Mandado de segurança. Remoção de ofício para acom-panhar o cônjuge, independentemente da existência de vagas. Art. 36 da Lei 8.112/90. Desnecessidade de o cônjuge do servi-dor ser também regido pela Lei 8.112/90. Especial proteção do Estado à família (art. 226 da Constituição Federal).

1. Em mandado de segurança, a União, mais do que litiscon-sorte, é de ser considerada parte, podendo, por isso, não apenas nela intervir para esclarecer questões de fato e de direito, como também juntar documentos, apresentar memoriais e, ainda, re-correr (parágrafo único do art. 5º da Lei 9.469/97). Rejeição da preliminar de inclusão da União como litisconsorte passivo.

2. Havendo a transferência, de ofício, do cônjuge da im-petrante, empregado da Caixa Econômica Federal, para a ci-dade de Fortaleza/CE, tem ela, servidora ocupante de cargo no Tribunal de Contas da União, direito líquido e certo de tam-bém ser removida, independentemente da existência de vagas. Precedente: MS 21.893/DF.

3. A alínea a do inciso III do parágrafo único do art. 36 da Lei 8.112/90 não exige que o cônjuge do servidor seja também re-gido pelo Estatuto dos servidores públicos federais. A expressão legal “servidor público civil ou militar, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios” não é outra senão a que se lê na cabeça do art. 37 da Constituição Fede-ral para alcançar, justamente, todo e qualquer servidor da admi-nistração pública, tanto a administração direta quanto a indireta.

4. O entendimento ora perfilhado descansa no regaço do art. 226 da Constituição Federal, que, sobre fazer da família a base de toda a sociedade, a ela garante “especial proteção do Estado”. Outra especial proteção à família não se poderia espe-rar senão aquela que garantisse à impetrante o direito de acom-panhar seu cônjuge, e, assim, manter a integridade dos laços familiares que os prendem.

5. Segurança concedida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Su-premo Tribunal Federal:

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I – indeferir o pedido de ingresso da União como litisconsorte passivo, o que fazem por maioria de votos, em sessão presidida pelo Ministro Nelson Jobim. Vencido o Ministro Marco Aurélio, que o admitia. Não votou, nessa pre-liminar, o Ministro Carlos Ayres Britto. Plenário, 19-5-04;

II – deferir a segurança, o que fazem nos termos do voto do Relator e por unanimidade de votos, em sessão presidida pelo Ministro Gilmar Mendes, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas.

Brasília, 18 de setembro de 2008 — Carlos Ayres Britto, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Ilmar Galvão: Gladys Maria Catunda Mourão, Analista de Finanças e de Controle Externo do Quadro do Tribunal de Contas da União, lotada na Secretaria de Controle Externo do Estado de Alagoas, impetrou o presente mandado de segurança contra ato do Presidente do referido Tribunal pelo qual lhe foi negado pedido de remoção para o mesmo órgão sediado em Fortaleza/CE, para onde fora removido, ex officio, seu cônjuge, funcionário da Caixa Econômica Federal desde 1º-8-78.

A impetração vem fundamentada no art. 36 da Lei 8.112/90, que garante à impetrante o direito à transferência, independentemente de vaga e ainda nos arts. 226, 227 e 229 da Constituição Federal.

Esclarece a impetrante que, enquanto aguardava a decisão administrativa de sua transferência, viu-se obrigada a entrar em gozo de férias e licença espe-cial para acompanhar o cônjuge, bem como providenciar a transferência de seus três filhos menores para a cidade de Fortaleza.

Alude a que o indeferimento do pedido violou seu direito líquido e certo à transferência, em razão de haver sido prestigiada pelo constituinte a unidade familiar, superando interesses e conveniências da administração pública.

Deferi a liminar para garantir à impetrante, após o término da licença es-pecial, reassumir suas funções na cidade de Fortaleza, onde já se encontrava a família, em face dos graves transtornos que poderiam advir se tivesse ela que retornar à cidade de Maceió, onde se encontrava lotada.

Solicitadas informações, prestou-as a autoridade impetrada ressaltando que:

Na realidade, em casos que tais, o objetivo imediato do legislador foi assegu-rar ao servidor público que venha a ser transferido no interesse da Administração o direito de ser acompanhado por seu cônjuge, também servidor público. Nada mais natural, pois é a Administração que lhe impõe o ônus do afastamento. O direito do outro cônjuge de acompanhar aquele que foi primeiramente transferido é, assim, uma mera conseqüência do primeiro. Quem está, em última análise, sendo ampa-rado pelo dispositivo legal é o servidor transferido no interesse da Administração.

Por certo que o esposo da impetrante não goza desse direito, pois que não alcançado pela Lei nº 8.112/90.

Mas mesmo entendendo-se de outra forma, à impetrante não tocaria o direito à transferência independentemente da existência de vaga. É que para

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implementá-lo necessária se faria que seu esposo fosse também servidor público civil ou militar, ou seja, que mantivesse com o Estado relação jurídica idêntica à da impetrante, o que, por óbvio, não ocorre.

O artigo 118 do Estatuto, mencionado pela impetrante como evidência de que aos empregados da CEF se aplicaria o conceito de funcionário público (sic), é, na verdade, outra clara demonstração de que, quando o legislador pretendeu elas-tecer a abrangência da lei, ele expressamente o fez. Na hipótese de os empregados das empresas públicas e das sociedades de economia mista estarem albergados pelo conceito de servidor público, para os efeitos do Estatuto, o § 1º do mencio-nado artigo seria de todo desnecessário, pois a disposição do caput abarcaria os casos ali indicados. Entretanto, como isso não ocorre, foi preciso registrar – repe-tindo a fórmula adotada na Constituição (art. 37, inciso XVII) – que “a proibição de acumular estende-se a cargos, empregos e funções em autarquias, (omissis), empresas públicas (...)”

Por outro lado, não é razoável a argumentação da impetrante quando insinua que este Tribunal estaria militando contra a paz e a unidade de sua família. O TCU em momento algum, desde o ingresso da impetrante em seus quadros, jamais exi-giu da servidora qualquer coisa que comprometesse sua estabilidade familiar.

Se hoje a impetrante passa por uma situação aflitiva, há de se reconhecer que tal não se deve a esta Corte, mas a fatores alheios à relação funcional mantida entre as partes.

Aqui, um aspecto chama a atenção: não obstante o inconformismo e a indig-nação revelados pela impetrante contra o TCU, não há nos autos qualquer demons-tração de que se tenha ao menos tentado reverter a transferência ex officio imposta pela CEF a seu esposo. Ora, esta sim, ao que parece, foi a causa da separação da família, e, na absoluta impossibilidade de transferência da servidora para o Estado do Ceará (ante a inexistência de vagas), seria de se esperar que contra ela – a trans-ferência ex officio – se voltasse a ação do casal.

Além disso, é sabido que os entes paraestatais, enquanto sujeitam-se ao regime jurídico das empresas privadas (art. 173, § 1º, da CF), têm, com seus empregados, um relacionamento caracterizado por preocupações sociais mais marcadas, haja vista que, embora também objetivem o lucro, não é este o seu propósito último, ou, mesmo, principal. Assim, entendemos pouco provável que a transferência do esposo da impetrante, embora realizada no interesse daquela em-presa, não tenha contado com a sua anuência. Nesse caso se estaria, em realidade, exigindo que o TCU, à revelia de sua estruturação organizacional, se amoldasse aos interesses particulares da impetrante mesmo que com evidente prejuízo para o interesse público.

Esta Corte, Excelentíssimo Sr. Ministro, não colocaria qualquer óbice à transferência pretendida pela impetrante, caso esta não representasse o agrava-mento de uma situação já bastante crítica em nossa estrutura.

Manifestou-se a Pro cura doria-Geral da República, em parecer da Dra. Anadyr de Mendonça Rodrigues, aprovado pelo eminente Pro cura dor-Geral da República, pelo deferimento da segurança.

Observo que há nos autos requerimento da União para que seja determi-nada sua inclusão no pólo passivo da ação, na qualidade de litisconsorte.

É o relatório.

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VOTO (Sobre preliminar)

O Sr. Ministro Ilmar Galvão (Relator): Indefiro o requerimento da União, no sentido de sua admissão como litisconsorte passivo, o que importaria a retirada do mandado de segurança de pauta, para que fosse ela intimada do julgamento.

Na verdade, a União, nos feitos da espécie, mais do que litisconsorte, é de ser considerada parte, podendo, por isso, não apenas nela intervir para esclarecer questões de fato e de direito, mas também juntar documentos, apresentar me-moriais e, ainda, recorrer, como de praxe (Lei 9.469/97, art. 5º, parágrafo único).

Nada impedia, portanto, a sua participação neste julgamento, independen-temente de intimação da Advocacia-Geral da União.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, entendo que aqui a União Federal é ré, é parte passiva num mandado de segurança que não se con-funde, em si, com a autoridade apontada como coatora. No Tribunal, quando recebo mandado de segurança que, de alguma forma, considerado o provimento jurisdicional, possa repercutir no campo dos interesses da União, determino a notificação da autoridade apontada como coatora e a citação dela – a União.

É o meu voto.

EXTRATO DA ATA

MS 23.058/DF — Relator: Ministro Ilmar Galvão. Impetrante: Gladys Maria Catunda Mourão (Advogado: Wilson Rodrigues de Oliveira). Impetrado: Tribunal de Contas da União.

Decisão: Depois do voto do Ministro Ilmar Galvão (Relator), que indeferia o pedido de ingresso da União como litisconsorte, e do voto do Ministro Marco Aurélio, que o admitia, o julgamento foi suspenso em virtude do pedido de vista formulado pelo Ministro Nelson Jobim. Ausente, justificadamente, o Ministro Carlos Velloso.

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Moreira Alves, Néri da Silveira, Sydney Sanches, Octavio Gallotti, Sepúlveda Pertence, Marco Aurélio, Ilmar Galvão, Maurício Corrêa e Nelson Jobim. Pro-cura dor-Geral da República, Dr. Geraldo Brindeiro.

Brasília, 23 de março de 1999 — Luiz Tomimatsu, Coordenador.

VOTO (Vista)

O Sr. Ministro Nelson Jobim:1. O casoA Impetrante é servidora pública federal, em Maceió, do TCU desde 11-8-87.

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Seu marido, funcionário da CEF, foi transferido em 12-11-97 de Maceió para Fortaleza.

A impetrante requereu ao TCU sua transferência para acompanhar o ma-rido e três filhos, com base no art. 36 da Lei 8.112/901 (fls. 16/18).

O Presidente do TCU indeferiu o pleito com fundamento na inexistên-cia de vagas, adotando-se a manifestação da Comissão de Coordenação Geral (CCG) (fls. 35/36).

O presente mandado de segurança é contra essa decisão.2. O mandado de segurançaA Impetrante alega:

(...)Em flagrante violação ao direito líquido e certo à transferência da im-

petrante, quer seja em proteção à família (art. 226, 227 e 229 da Constituição Federal), quer seja para acompanhar o cônjuge (art. 36, da Lei nº 8.112/90), o Exmo. Senhor Ministro-presidente do TCU indeferiu o pleito, através do Despacho exarado no TC nº 200.218/97-2, de 28 de janeiro de 1998, acatando parecer alegando a inexistência de vagas, conquanto houvesse diversos pareceres favoráveis à transferência, como o do Exmo. Pro cura dor da República Aristides Junqueira, dentre outros.

(...)O direito da impetrante à transferência ora pleiteada é líquido e certo, inde-

pendentemente da existência ou não de vagas, duplamente assegurado, tanto para proteger a família (arts. 226, 227 e 229 da CF2) como para acompanhar o cônjuge (art. 36, da Lei nº 8.112/90), independentemente da existência ou não de vagas.

(...)(Fl. 3 – inicial.)

1 Lei 8.112/90:“Art. 36. Remoção é o deslocamento do servidor, a pedido ou de ofício, no âmbito do mesmo

quadro, com ou sem mudança de sede.Parágrafo único. Dar-se-á a remoção, a pedido, para outra localidade, independentemente de

vaga, para acompanhar cônjuge ou companheiro, ou por motivo de saúde do servidor, cônjuge, companheiro ou dependente, condicionada à comprovação por junta médica.”2 CF/88:

“Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 1º O casamento é civil e gratuita a celebração.§ 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei. § 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher

como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. § 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais

e seus descendentes. § 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem

e pela mulher. § 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais

de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos. § 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o pla-

nejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais

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O Ministro Ilmar Galvão, em 20-2-98, deferiu a liminar (fl. 41).Vieram informações (fls. 51/58).A Pro cura doria-Geral da República é pelo deferimento da ordem.A União requereu a inclusão no pólo passivo da ação na qualidade de litis-

consorte em 17-8-98 (fl. 104).

e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de institui-ções oficiais ou privadas.

§ 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissio-nalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

§ 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança e do adolescente, admitida a participação de entidades não governamentais e obedecendo os seguintes preceitos:

I – aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência materno-infantil;

II – criação de programas de prevenção e atendimento especializado para os portadores de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos.

§ 2º A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência.

§ 3º O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:I – idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observado o disposto no art. 7º,

XXXIII;II – garantia de direitos previdenciários e trabalhistas;III – garantia de acesso do trabalhador adolescente à escola; IV – garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, igualdade na

relação processual e defesa técnica por profissional habilitado, segundo dispuser a legislação tu-telar específica;

V – obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade;

VI – estímulo do Poder Público, através de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado;

VII – programas de prevenção e atendimento especializado à criança e ao adolescente depen-dente de entorpecentes e drogas afins.

§ 4º A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente.

§ 5º A adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e con-dições de sua efetivação por parte de estrangeiros.

§ 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

§ 7º No atendimento dos direitos da criança e do adolescente levar-se-á em consideração o disposto no art. 204.

(...)Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm

o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.”

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O Ministro Ilmar Galvão, no julgamento do caso, em 29-3-99, indeferiu o requerimento.

Leio seu voto:

(...)Indefiro o requerimento da União, no sentido de sua admissão como litis-

consorte passivo, o que importaria a retirada do mandado de segurança de pauta, para que fosse ela intimada do julgamento.

Na verdade, a União, nos feitos da espécie, mais do que litisconsorte, é de ser considerada parte, podendo, por isso, não apenas nela intervir para esclarecer questões de fato e de direito, mas também juntar documentos, apresentar memo-riais e, ainda, recorrer, como de praxe (Lei 9.469/97, art. 5º, parágrafo único3 ).

Nada impedia, portanto, a sua participação neste julgamento independente-mente de intimação da Advocacia-Geral da União.

(...)

Pedi vista acerca dessa preliminar.3. VotoO pedido da União tem o seguinte teor:

(...)A União (...) requer a Vossa Excelência seja determinada sua inclusão no

pólo passivo da ação, na qualidade de litisconsorte, intimando-a das futuras deci-sões a serem proferidas, para os efeitos do art. 12, da Lei n. 1.533/514.

(...)(Fl. 104.)

Quer a União participar do processo como litisconsorte passivo para o fim de apresentar recurso no caso de concessão da ordem.

Ocorre que a União e, portanto a Advocacia-Geral da União, já está no processo já que é responsável pela defesa do TCU em juízo.

No caso de decisão concessiva da ordem, segue, imediatamente, após a decisão do plenário, comunicação dirigida ao Tribunal de Contas, assinada pelo Presidente do STF, noticiando a decisão aqui tomada.

Em seguida, há a publicação do acórdão em que consta o nome da autori-dade coatora, no caso o TCU.

3 Lei 9.469/97:“Art. 5º (...)(...)Parágrafo único. As pessoas jurídicas de direito público poderão, nas causas cuja decisão possa

ter reflexos, ainda que indiretos, de natureza econômica, intervir, independentemente da demons-tração de interesse jurídico, para esclarecer questões de fato e de direito, podendo juntar documen-tos e memoriais reputados úteis ao exame da matéria e, se for o caso, recorrer, hipótese em que, para fins de deslocamento de competência, serão consideradas partes.”4 Lei 1.533/51:

“Art. 12. Da sentença, negando ou concedendo o mandato cabe apelação.”

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A partir daí, se ocorrer o interesse do Tribunal de Contas em recorrer da decisão do STF, a questão é administrativamente levada à Advocacia-Geral da União para a elaboração do recurso.

Isso não significa que, antes mesmo da decisão, o STF tenha que intimar pessoalmente o Advogado-Geral da União de todos os mandados de segurança em que conste como autoridade coatora o Tribunal de Contas da União.

Não há necessidade de intimação da Advocacia-Geral da União em processo, como é o mandado de segurança, em que a autoridade coatora não figura como ré.

Nesses casos, essa autoridade não se defende do que alegado na impetra-ção, mas simplesmente presta informações.

Para esse fim específico, não há necessidade de intimação pessoal do Advogado-Geral da União.

Da mesma forma, não há como cogitar da União intervir no processo como “litisconsorte passivo”.

É que, em rigor, a União já participa do processo como parte.O Tribunal de Contas da União é órgão da pessoa jurídica de direito pú-

blico “União”.A Advocacia-Geral da União, por isso, poderia intervir a qualquer mo-

mento no processo independentemente de intimação e sem que seja necessária a retirada do processo da pauta.

Diante do exposto, acompanho o Ministro Ilmar Galvão nessa preliminar e indefiro também o pedido da Advocacia-Geral da União.

VOTO (Confirmação)

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, como Relator nos man-dados de segurança, tenho sempre determinado a citação da pessoa jurídica que, no caso de concessão, arcará com os efeitos patrimoniais. Aqui, quem arca não é o Tribunal de Contas da União, mas a própria União, daí a necessidade de citá-la.

Quando pedimos informações ao Tribunal de Contas da União, quem as presta é o seu Presidente, e não a Advocacia-Geral da União.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Todo processo de mandado de segu-rança tem essa particularidade. Sempre entendi que parte é a pessoa jurídica de direito público; a particularidade é que, num primeiro momento, ela é citada e vem aos autos pelo órgão coator; depois ninguém duvida que ela seja parte, tanto que é ela quem recorre.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Apenas para me mostrar coerente com o que tenho feito até aqui, pedirei vênia para acolher o pedido da União.

Entendo que, se a União puder vir a responder pelo conteúdo econômico do acórdão prolatado pelo Su premo, deverá figurar na relação processual como parte passiva.

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O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Esclareço a V. Exa. o seguinte: no caso concreto, diz respeito a problema de transferência – o marido foi transferido.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Vejo aqui que se cogita também de valor a ser considerado. Valor é a família?

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Valor é a família, o casal. Era um problema de transferência de servidor com base na falta de vagas ou indefe-rimento do pedido. O marido foi transferido, ela trabalhava em Maceió.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Nesse caso, o servidor é do Tribunal de Contas da União?

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Os dois são do TCU.O Sr. Ministro Marco Aurélio: Então, Presidente, acompanho V. Exa., en-

tendendo que não há o interesse da União.O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Senhor Presidente, ela pede a admis-

são como assistente?O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Como litisconsorte.O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Acho que ela é parte principal.Se houver embargos de declaração, não pode ser o Presidente do Tribunal

de Contas; só a União poderá recorrer.O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Essa repercussão da decisão é sobre a

União.O Sr. Ministro Cezar Peluso: É o problema de presentação. A União está

presentada para prestar informações.O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Agora, por que ela não pode entrar no

pleito?O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Ela queria se transformar em li-

tisconsorte, ou seja, como se o TCU e a União não estivessem no mesmo patamar.O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, o Tribunal indefere?O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Indefere o pedido de litisconsorte.O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, ambígua a situação,

volto à posição primitiva para admitir a participação da União.

EXTRATO DA ATA

MS 23.058/DF — Relator: Ministro Carlos Britto. Impetrante: Gladys Maria Catunda Mourão (Advogado: Wilson Rodrigues de Oliveira). Impetrado: Tribunal de Contas da União.

Decisão: Renovado o pedido de vista do Ministro Nelson Jobim, justifica-damente, nos termos do § 1º do art. 1º da Resolução 278, de 15 de dezembro de 2003. Presidência do Ministro Maurício Corrêa. Plenário, 28-4-04.

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Decisão: O Tribunal, por maioria, indeferiu o pedido de ingresso da União de litisconsorciação passiva, vencido o Ministro Marco Aurélio, que o admitia. Não votou, nessa preliminar, o Ministro Carlos Britto. Em seguida, os autos serão encaminhados ao Ministro Carlos Britto para o exame do mérito na su-cessão do Relator primitivo. Ausente, justificadamente, o Ministro Joaquim Barbosa. Presidência, em exercício, do Ministro Nelson Jobim, Vice-Presidente.

Presidência do Ministro Nelson Jobim, Vice-Presidente no exercício da Presidência. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso e Carlos Britto. Pro cura dor-Geral da República, Dr. Cláudio Lemos Fonteles.

Brasília, 19 de maio de 2004 — Luiz Tomimatsu, Coordenador.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Trata-se de mandado de segurança, manejado com pedido de medida liminar, impetrado por Gladys Maria Catunda Mourão contra ato supostamente ilegal do Presidente do Tribunal de Contas da União (TCU).

2. Afirma a impetrante ser funcionária pública federal, ocupante do cargo de analista de finanças e de controle externo do TCU, lotada na Secretaria de Controle Externo no Estado de Alagoas desde sua posse, em 11-8-87. Relata que seu marido, servidor concursado da Caixa Econômica Federal desde 1º-8-78, foi removido de ofício para a cidade de Fortaleza/CE, em 11-12-97.

3. Diz também que requereu administrativamente, junto ao TCU, sua remoção para a cidade de Fortaleza/CE, fundamentando-se no art. 36 da Lei 8.112/90 e nos arts. 226, 227 e 229 da Constituição Federal. Requerimento, esse, que foi indeferido pela autoridade ora apontada como coatora.

4. Pois bem, o Ministro Ilmar Galvão, em 20 de fevereiro de 1998, deferiu a liminar “para garantir à impetrante reassumir suas funções na Secretaria de Con-trole Externo de Fortaleza/CE, onde deverá permanecer até o julgamento do writ”.

5. Devidamente notificado, o Presidente do TCU prestou as informações de fls. 51/54, alegando não existirem vagas na unidade daquele Tribunal em Fortaleza/CE e que o cônjuge da impetrante não estaria enquadrado na categoria de servidor público, a ensejar a aplicação da alínea a do inciso III do parágrafo único do art. 36 da Lei 8.112/90.

6. Continuo este relato para dizer que o Pro cura dor-Geral da República opinou pela concessão da segurança, em parecer de fls. 95/102.

7. Acresce que a União, em petição de fl. 104, requereu sua inclusão no pólo passivo da ação, na qualidade de litisconsorte. Foi quando o plenário deste Su premo Tribunal, apreciando questão de ordem suscitada pelo Ministro Ilmar Galvão, então relator, indeferiu o pedido de ingresso da União como litiscon-sorte passivo.

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8. Por fim, foram os autos a mim encaminhados para exame do mérito, na condição de sucessor do Ministro Ilmar Galvão.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Com razão a impetrante. Conforme se observa do documento de fl. 21, o cônjuge da impetrante, empre-gado da Caixa Econômica Federal, empresa pública integrante da Administração indireta da União, foi transferido, de ofício, da cidade de Maceió/AL para a de Fortaleza/CE. Em casos como o dos autos, o direito à remoção do servidor público para acompanhar o cônjuge emerge cristalino do art. 36 da Lei 8.112/90, in verbis:

Art. 36. (...)Parágrafo único. Para fins do disposto neste artigo, entende-se por modali-

dades de remoção:(...)III – a pedido, para outra localidade, independentemente do interesse da

Administração:a) para acompanhar cônjuge ou companheiro, também servidor público civil

ou militar, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, que foi deslocado no interesse da Administração;

11. Vê-se, pois, que a Impetrante, servidora pública federal, ocupante de cargo no Tribunal de Contas da União, tem o direito líquido e certo de ser remo-vida para Fortaleza/CE. Não há que se perquirir sequer da existência de vagas, já que a remoção se dá independentemente do interesse da Administração. Nesse mesmo sentido já se manifestou esta nossa Corte no MS 21.893/DF, da relatoria do Ministro Ilmar Galvão, in verbis:

Ementa: constitucional. Administrativo. Mandado de segurança. Remoção. Acompanhamento de cônjuge ou companheiro. Ausência de vagas. Indeferimento de pedido administrativo. Ilegalidade. Ordem concedida. Diante da impossibili-dade de serem conciliados, como se tem na espécie, os interesses da administra-ção pública, quanto à observância da lotação atribuída em lei para seus órgãos, com os da manutenção da unidade da família, é possível, com base no art. 36 da Lei 8.112/90, a remoção do servidor-impetrante para o órgão sediado na localidade onde já se encontra lotada a sua companheira, independentemente da existência de vagas. Mandado de segurança deferido.(MS 21.893/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 2-12-94.)

12. O único óbice aparente reside no fato de o cônjuge da Impetrante ser empregado público, e não servidor sob o regime da Lei 8.112/90. Mas a expressão legal “servidor público civil ou militar, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios” não é outra senão a que se lê na ca-beça do art. 37 da Constituição Federal para alcançar, justamente, todo e qualquer servidor da Administração Pública, tanto a administração direta quanto a indireta.

13. Depois disso, veja-se que: a) o cônjuge da impetrante “foi deslocado no interesse da Administração”, não havendo dúvida de que a Caixa Econômica

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Federal integra a administração pública indireta da União; b) como bem anotou o ilustre Pro cura dor-Geral da República, a lei não exige que o cônjuge do servi-dor seja também regido pela Lei 8.112/90. Confira-se:

Neste passo, veja-se que não tem sentido lógico a alegação das informações, de que “Por certo que o esposo da impetrante não goza desse direito, pois que não alcançado pela Lei nº 8.112/90”, visto como a circunstância de estar o cônjuge si-multaneamente submetido à disciplina da Lei nº 8.112, de 1990, não é condição para que a servidora usufrua do direito previsto no seu art. 36, parágrafo único, III, a, eis que, se assim fosse, não poderiam estar em tal disposição incluídos – como estão – os servidores “de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”, porquanto, como sabido, servidores dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não se submetem à Lei federal nº 8.112, de 1990.

14. Digo mais: o entendimento ora perfilhado descansa no regaço do art. 226 da Constituição Federal, que, sobre fazer da família a base de toda a so-ciedade, a ela garante “especial proteção do Estado”. Ora, uma entidade estatal, ainda que de personalidade jurídica privada, deslocou o marido da impetrante da cidade de Maceió/AL para a de Fortaleza/CE, no atendimento exclusivo do interesse público. Nesse caso, outra especial proteção à família não se poderia esperar senão aquela que garantisse à impetrante o direito de acompanhar seu cônjuge, e, assim, manter a integridade dos laços familiares que os prendem. É exatamente o que prevê o art. 36 da Lei 8.112/90.

15. Ante o exposto, concedo a segurança e torno definitiva a liminar para garantir à impetrante o direito de ser removida para unidade do Tribunal de Contas da União, em Fortaleza/CE.

EXTRATO DA ATA

MS 23.058/DF — Relator: Ministro Carlos Britto. Impetrante: Gladys Maria Catunda Mourão (Advogado: Wilson Rodrigues de Oliveira). Impetrado: Tribunal de Contas da União.

Decisão: Retirado de pauta por indicação do Relator. Presidência do Ministro Nelson Jobim. Plenário, 1º-7-04.

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, deferiu a segurança, nos termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, a Ministra Ellen Gracie, o Minis-tro Joaquim Barbosa, a Ministra Cármen Lúcia e, neste julgamento, o Ministro Marco Aurélio. Presidiu o julgamento o Ministro Gilmar Mendes.

Presidência do Ministro Gilmar Mendes. Presentes à sessão os Mi nis-tros Celso de Mello, Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto, Ricardo Lewandowski, Eros Grau e Menezes Direito. Pro cura dor-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.

Brasília, 18 de setembro de 2008 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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MANDADO DE SEGURANÇA 23.632 — DF

Relator: O Sr. Ministro Carlos BrittoImpetrante: Município de Apicum-Açu — Impetrado: Presidente do

Tribunal de Contas da União – TCU — Litisconsorte Passivo: Município de Bacuri/MA

Mandado de segurança. Decisão Normativa 28/99, do Tri-bunal de Contas da União, que fixou os coeficientes individuais do Fundo de Participação dos Municípios para o ano de 2000. Município de Apicum-Açu/MA. Alegação de direito líquido e certo a manter o coeficiente do ano anterior. Improcedência.

1. A partir de 1998, o coeficiente individual dos Municípios no Fundo de Participação dos Municípios (FPM) passou a ser calculado com base no critério populacional. Garantiu-se, no entanto, a manutenção dos níveis do FPM atribuídos em 1997 aos Municípios que, atingidos pela nova regra, apresentariam redução de seus coeficientes (§ 2º do art. 1º da Lei Complementar 91/97). Exceção que não se aplica ao Impetrante, dado que houve incremento em seu coeficiente de participação, de um ano (1997) para o outro (1998).

2. O decréscimo do coeficiente individual de participação no FPM, em decorrência de redução populacional, não fere ne-nhum direito líquido e certo. Ato lastreado no caput do art. 1º da Lei Complementar 91/97.

3. Segurança denegada.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Su-premo Tribunal Federal em denegar a segurança, o que fazem nos termos do voto do Relator e por unanimidade de votos, em sessão presidida pelo Ministro Cezar Peluso (Vice-Presidente), na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas.

Brasília, 18 de setembro de 2008 — Carlos Ayres Britto, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Trata-se de mandado de segurança, aparelhado com pedido de liminar, impetrado pelo Município de Apicum-Açu/MA, contra ato do Tribunal de Contas da União. Ato consubstanciado na Decisão Normativa 28/99, que fixou os coeficientes do Fundo de Participação dos Municípios para o ano de 2000.

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2. Alega o Impetrante ferimento a seu direito líquido e certo, dado que a Decisão Normativa 28/99, do TCU, reduziu o coeficiente do Município no FPM de 0,8, em 1999, para 0,6, no ano de 2000. Afirma que o “Município-Impetrante, [sic] foi beneficiado nos anos de 1998 e 1999, pela Lei Complementar nº 91/97, que lhe atribui o mesmo coeficiente praticado no ano de 1997 (no caso 0,8), assim como tal regra deveria prevalecer para os anos de 2000, 2001 e 2002, su-jeitando-se apenas a [sic] norma descrita no § 1º do art. 2º deste diploma legal”. Daí requerer a concessão da segurança para que o Tribunal de Contas da União mantenha, para o ano de 2000, o coeficiente do autor no Fundo de Participação dos Municípios em 0,8.

3. Pois bem, o Ministro Ilmar Galvão, que me antecedeu na relatoria deste feito, solicitou informações à autoridade apontada como coatora. Informações, essas, prestadas às fls. 46/53.

4. Continuo neste relato para dizer que o Município de Bacuri/MA, através da petição de fls. 83/87, requereu sua admissão no feito na qualidade de assis-tente da parte passiva. Já a União, por intermédio do seu então Advogado-Geral Gilmar Ferreira Mendes (fl. 97), formulou pedido de sua inclusão, também no pólo passivo, como litisconsorte.

5. Em despacho de fl. 92, o Ministro Ilmar Galvão, ao tempo em que admi-tiu o Município de Bacuri/MA como litisconsorte, indeferiu o pedido de medida liminar. Quanto à apreciação do pleito da União, ficou sobrestada até o julga-mento da preliminar suscitada no MS 23.058 (fl. 98).

6. Remetidos os autos ao Pro cura dor-Geral da República, este opinou pela denegação da segurança. Por fim, após observar que o Plenário deste STF já jul-gara a preliminar no MS 23.058, indeferi o pedido de inclusão da União como litisconsorte passivo (fls. 119/120).

7. É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): O presente writ não me-rece acolhida. Transcrevo, inicialmente, o art. 1º e seus parágrafos da Lei Complementar 91/97, nos quais se encontram os critérios a serem utilizados pelo TCU para o cálculo dos coeficientes individuais do FPM:

Art. 1º Fica atribuído aos Municípios, exceto os de Capital, coeficiente indi-vidual no Fundo de Participação dos Municípios – FPM, segundo seu número de habitantes, conforme estabelecido no § 2º do art. 91 da Lei nº 5.172, de 25 de outu-bro de 1966, com a redação dada pelo Decreto-lei nº 1.881, de 27 de agosto de 1981.

§ 1º Para os efeitos deste artigo, consideram-se os Municípios regularmente instalados, fazendo-se a revisão de suas quotas anualmente, com base nos dados ofi-ciais de população produzidos pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Esta-tística – IBGE, nos termos do § 2º do art. 102 da Lei nº 8.443, de 16 de julho de 1992.

§ 2º Ficam mantidos, a partir do exercício de 1998, os coeficientes do Fundo de Participação dos Municípios – FPM atribuídos em 1997 aos Municípios que

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apresentarem redução de seus coeficientes pela aplicação do disposto no caput deste artigo.

9. Como se vê, o coeficiente de cada Município no FPM (exceto os de Capi-tal), a partir de 1998, deve ser calculado “segundo seu número de habitantes” (caput do art. 1º). Coeficiente, este, que é de ser revisto anualmente, “com base nos dados oficiais de população produzidos pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE” (§ 1º do art. 1º). Ficaram mantidos, no entanto, os coeficientes atribuídos em 1997 apenas nos Municípios em que se verificasse redução de seu coeficiente pela aplicação do critério populacional (§ 2º do art. 1º).

10. Muito bem. Anoto que o autor, no ano de 1997, obteve um coeficiente de 0,6 (zero vírgula seis), conforme Decisão Normativa 14/96, do TCU, (fl. 80). Cálculo obtido nos termos da legislação então vigente, como bem explicou o impetrado, verbis:

As Decisões Normativas do TCU nsº 7/94, 8/95 e 14/96, na estrita observân-cia das determinações da Lei Complementar nº 74/93, ao fixar para os exercícios financeiros de 1995, 1996 e 1997 os coeficientes do FPM, o fizeram com base em coeficientes de participação dos Municípios fixados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para o exercício de 1992, calculados com base na estimativa da população residente, anterior ao censo/91, no caso, municípios cria-dos e instalados até 1992. Para os demais, criados e instalados posteriormente, ou seja, a partir de 01/01/93 – situação do município de Apicum-Açu, criado e instalado em 1997 (Doc. 09) – o coeficiente utilizado foi o de 0,6 (zero vírgula seis), previsto na Tabela de Coeficientes (Decreto-lei nº 1.881/81, Art. 1º, Doc. 08), reajustada em face do enquadramento do referido município na faixa populacional de 11.230 (onze mil duzentos e trinta) habitantes, apurada no censo/91.

11. E qual o coeficiente do Impetrante em 1998? 0,8 (zero vírgula oito), como se constata da leitura do documento de fl. 80 (Decisão Normativa 18/97 do TCU). Daí se conclui que o Município autor não se enquadrou na regra do § 2º do art. 1º da Lei Complementar 91/97, até porque, segundo o critério populacio-nal, de 1997 para 1998, houve um incremento em seu coeficiente individual de participação. Assim, a norma a reger o cálculo do coeficiente do impetrante a partir de 1998 era – e continua sendo – o caput do art. 1º da Lei Complementar 91/97, que estabeleceu unicamente o critério populacional.

12. Nesse rumo de idéias, a redução que se operou em 2000 no coeficiente de participação do autor (de 0,8 em 1999 para 0,6 em 2000) tem uma única explicação: o decréscimo de seu número de habitantes, segundo os dados oficiais do IBGE (§ 1º do art. 1º da LC 91/97). Observe-se que a população do Município de Apicum-Açu era de 11.699, em 1999, caindo para 8.680 no ano seguinte (fl. 80), o que resultou em seu enquadramento na primeira parte da alí-nea a do § 2º do art. 91 do Código Tributário Nacional.1

1 “§ 2º A distribuição da parcela a que se refere o item II deste artigo, deduzido o percentual referido no art. 3º do decreto-lei que estabelece a redação deste parágrafo, far-se-á atribuindo-se a cada Município um coeficiente individual de participação determinado na forma seguinte:

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13. Se houve erro na contagem populacional empreendida pelo IBGE – do que não há nenhuma evidência nos autos, existindo, ao contrário, alegação do litisconsorte de que a redução populacional do Município de Apicum-Açu no ano de 2000 corrigiu, na verdade, um equívoco imediatamente anterior –, não é o mandado de segurança a via adequada para se analisar a questão. Eis alguns precedentes deste Su premo Tribunal Federal:

Ementa: Administrativo. Decisão normativa do TCU que reduz o coe-ficiente a ser utilizado na divisão do fundo de participação do Município im-petrante, com base em estatística do IBGE. Segurança requerida para fins de restaurar o coeficiente do exercício anterior. Decisão do TCU baseada em índices oficiais. Inadimissibilidade de confronto de referidos dados nesta via. Preceden-tes. Segurança denegada.(MS 24.063/DF, da relatoria do Min. Nelson Jobim.)

Ementa: Constitucional. Municípios. Fundo de participação. Tribunal de Contas da União. CF, art. 161, parágrafo único.

I – Competência do TCU para o cálculo das quotas referentes aos fundos de participação referidos no art. 161, II, CF; CF, art. 161, parágrafo único.

II – Decisão Normativa 38 editada com observância dos preceitos constitu-cionais e legais aplicáveis, com base em dados do censo, que traduziam com mais fidedignidade a realidade dos Municípios.

III – Impugnação de dados: controvérsia a seu respeito: inocorrência de direito líquido e certo, por isso que o mandado de segurança pressupõe fatos incontroversos.

IV – Mandado de segurança indeferido.(MS 24.057/DF, da relatoria do Min. Carlos Velloso.)

Ementa: 1. Mandado de segurança. Município. Fundo de Participação. Impetração contra mudança do coeficiente anual pelo Tribunal de Contas da União. Inadmissibilidade. Ilegitimidade passiva do Tribunal. Número de habitan-tes. Estimativa populacional elaborada pelo IBGE. Questão fática dependente de dilação probatória. Precedentes. Não se admite mandado de segurança, impetrado por município, contra o Tribunal de Contas da União, para impugnar estimativa populacional que, elaborada pelo IBGE, serviu de base para fixação ou alteração da quota referente ao Fundo de Participação dos Municípios. (...).(MS 24.098/DF, da relatoria do Min. Cezar Peluso.)

14. Por fim, ajuízo que o autor não tem direito líquido e certo a manter, no ano de 2000, o coeficiente individual de participação no FPM do ano anterior, porquanto essa oscilação decorreu de decréscimo populacional empiricamente verificado pelo IBGE. Aferição que se faz ano a ano, com o exato propósito de, eventualmente, rever (para mais ou para menos) os coeficientes. E, ainda que

Categoria do Município, segundo seu número de habitantes Coeficientea) Até 16.980Pelos primeiros 10.188 ............................................................................................. 0,6Para cada 3.396 ou fração excedente, mais ........................................................... 0,2”

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se aplicasse ao caso o § 2º do art. 1º da Lei Complementar 91/97, nenhum vício macularia o ato impugnado, dado que o coeficiente de 2000 é o mesmo que o de 1997.

15. Ante o exposto, voto pela denegação da segurança.

EXTRATO DA ATA

MS 23.632/DF — Relator: Ministro Carlos Britto. Impetrante: Município de Apicum-Açu (Advogado: Benevenuto Serejo). Impetrado: Presidente do Tribunal de Contas da União – TCU. Litisconsorte passivo: Município de Bacuri/MA (Advogados litigantes: Carlos Alberto do Carmo e outro).

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, denegou a segurança, nos ter-mos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, a Ministra Ellen Gracie, o Ministro Joaquim Barbosa, a Ministra Cármen Lúcia e, neste julgamento, o Ministro Gilmar Mendes (Presidente). Presidiu o julgamento o Ministro Cezar Peluso (Vice-Presidente).

Presidência do Ministro Gilmar Mendes. Presentes à sessão os Minis-tros Celso de Mello, Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto, Ricardo Lewandowski, Eros Grau e Menezes Direito. Pro cura dor-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.

Brasília, 18 de setembro de 2008 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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AGRAVO REGIMENTAL NO MANDADO DE SEGURANÇA 26.946 — DF

Relator: O Sr. Ministro Eros GrauAgravante: Jeová Costa Lima — Agravado: Relator do RE 520.119 do Su-

premo Tribunal Federal

Agravo regimental. Mandado de segurança. Idoso. Prio-ridade de tramitação. Processo judicial. Lei 10.741/03. Não-cabimento do mandado segurança. Prejudicialidade. Pedido de celeridade em recurso extraordinário já julgado.

1. A prioridade de tramitação nos casos em que figurem como parte os maiores de sessenta anos abrange todas as instân-cias recursais (art. 71 da Lei 10.741/03).

2. Não há razão para falar-se na impetração de mandado de segurança visando à concessão do benefício, bastando o requeri-mento com prova de sua idade, nos próprios autos em que se pre-tende a prioridade de tramitação (art. 71, § 1º, da Lei 10.741/03).

3. Hipótese em que o recurso extraordinário em que reque-rida a prioridade já foi julgado.

Agravo a que se nega provimento.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Su-premo Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a Presidência do Ministro Gilmar Mendes, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráfi-cas, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso de agravo.

Brasília, 8 de outubro de 2008 — Eros Grau, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Eros Grau: Trata-se de agravo regimental interposto por Jeová Costa Lima contra decisão que declarou prejudicado o mandado de segu-rança por perda de objeto.

2. O Agravante, servidor aposentado, impetrou o presente writ a fim de que fosse determinado ao Ministro Relator o pronto julgamento do RE 520.119, nos termos do que dispõem os arts. 1.211-A e 1.211-B do CPC, bem como a Resolução 277 do STF.

3. Alega que é portador de cardiopatia grave e que a demora na prestação jurisdicional o impede de fruir, em vida, do direito discutido naquele feito.

4. Julguei prejudicado o writ porquanto o RE 520.119 foi provido em 30-10-07, por decisão monocrática do Relator.

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5. O Agravante pede, em seu arrazoado, a extensão da celeridade confe-rida ao julgamento de mérito do extraordinário aos demais recursos eventual-mente interpostos contra aquela decisão.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): O RE 520.119 foi provido em 30-10-07, por decisão do Ministro Relator.

2. A prioridade de tramitação conferida aos processos judiciais em que figurem como parte os maiores de 60 anos abrange todas as instâncias recursais, nos termos do que dispõe o art. 71 da Lei 10.741/03.

3. Não há falar-se na impetração de mandado de segurança para a con-cessão do benefício, bastando o requerimento do interessado, com prova de sua idade, nos próprios autos em que se pretende a prioridade de tramitação (art. 71, § 1º, da Lei 10.741/03).

Nego provimento ao agravo regimental.

EXTRATO DA ATA

MS 26.946-AgR/DF — Relator: Ministro Eros Grau. Agravante: Jeová Costa Lima (Advogados: Armando Hélio Almeida Monteiro de Moraes e outro). Agravado: Relator do RE 520.119 do Su premo Tribunal Federal.

Decisão: O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, negou provimento ao recurso de agravo. Ausentes, justificadamente, porque em representação do Tribunal no exterior, o Ministro Ricardo Lewandowski e, neste julgamento, a Ministra Ellen Gracie e o Ministro Joaquim Barbosa. Presidiu o julgamento o Ministro Gilmar Mendes.

Presidência do Ministro Gilmar Mendes. Presentes à sessão os Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Eros Grau, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Pro cura dor-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.

Brasília, 8 de outubro de 2008 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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AGRAVO REGIMENTAL NO MANDADO DE SEGURANÇA 27.188 — DF

Relator: O Sr. Ministro Ricardo LewandowskiAgravantes: Rafael Lara Marcondes D’Angelo e outros — Agravados:

Conselho Nacional de Justiça e Tabelião do Décimo Quinto Tabelionato de Notas da Comarca de São Paulo

Agravo regimental. Mandado de segurança. Resolução do Conselho Nacional de Justiça que proíbe o nepotismo. Lei em tese. Incabível. Mandado de segurança a que se negou provi-mento. Agravo improvido.

I – A Resolução 20/CNJ tem eficácia erga omnes, valendo para todos que ocupam cargos no âmbito do Poder Judiciário.

II – Não há qualquer ato concreto que tenha levado ao afas-tamento dos impetrantes de suas atividades.

III – Notificação do titular do cartório que deve ser impug-nada no juízo competente.

IV – Agravo improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Su-premo Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a Presidência do Ministro Gilmar Mendes, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigrá-ficas, por maioria de votos e nos termos do voto do Relator, negar provimento ao recurso de agravo, vencido o Ministro Marco Aurélio. Ausente, justificada-mente, o Ministro Celso de Mello.

Brasília, 19 de dezembro de 2008 — Ricardo Lewandowski, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Cuida-se de agravo regimental em mandado de segurança preventivo, contra decisão assim proferida (fls. 52-53):

Trata-se de mandado de segurança preventivo, com pedido de medida liminar, impetrado por Rafael Lara Marcondes D’angelo, Guilherme Lara Marcondes D’angelo e Luciana Lara Marcondes D’angelo contra ato do Conselho Nacional de Justiça e do Tabelião do Décimo Quinto Tabelionato de Notas da Comarca de São Paulo.

Objetivaram os impetrantes sustar, até o julgamento definitivo do presente writ, qualquer afastamento ou dispensa dos cargos e funções que ocupam junto ao Décimo Quinto Tabelionato de Notas da Comarca de São Paulo, em função da aplicação do art. 1º, parágrafo único, da Resolução 20/06 do CNJ.

Impetraram o mandamus após o titular do referido Cartório ter notificado o Con selho Superior da Magistratura Paulista por “(...) existirem exercendo atividades

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nesta serventia os prepostos Rafael Lara Marcondes D’angelo, Guilherme Lara Marcondes D’angelo, como escreventes, e Luciana Lara Marcondes D’angelo nas funções de auxiliar, todos filhos do Desembargador Vicente Antonio Marcondes D’angelo, ilustre integrante do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo”.

Alegaram, no mérito, ser o CNJ incompetente para, através de ato regula-mentar, “intrometer-se, de modo profundo, como feito na Resolução CNJ 20, no funcionamento intestino dos tabelionatos”, sendo que os serviços notariais atuam em caráter privado, e suas contratações são regulamentadas por leis específicas.

Pugnaram pela prevenção e pelo afastamento da ameaça aos seus direitos de exercerem funções, a fim de permanecerem válidos os contratos de admissão firmados entre os impetrantes e o tabelionato.

Passo a decidir.Entendo que, no caso em comento, aplica-se o disposto na Súmula 266 deste

Tribunal, assim ementada:“Não cabe mandado de segurança contra lei em tese.”

Ademais, no que se refere ao ato praticado pelo Tabelião responsável pelo Décimo Quinto Tabelionato de Nota, juntado às fls. 44-45, entendo não ser com-petente este Tribunal para processar e julgar o mandamus.

Isso posto, nego seguimento ao presente writ, restando prejudicado o pedido de medida liminar.

Alegam que, no caso sob exame, não se cuida de atacar ato normativo em tese, qual seja, a Resolução 20 do Conselho Nacional de Justiça, mas de afastar a ameaça ou iminente lesão aos direitos dos impetrantes.

Com isso, pretendem os agravantes prevenir a dispensa dos cargos que ocupam, alegando, ainda, ser o ataque à Resolução 20/CNJ incidenter tantum.

Assim, pugnam pela reconsideração do decidido ou pelo provimento do referido agravo.

Às fls. 77-82, a Pro cura doria-Geral da República opinou pelo provimento parcial do recurso, para que seja dado prosseguimento ao writ denegando-se, no mérito, a segurança, nos seguintes termos:

Entende-se não ser aplicável ao caso em exame o Enunciado nº 266 da Súmula do Su premo Tribunal Federal, pois do ato normativo impugnado decor-rem efeitos indiretos e imediatos para as posições jurídicas dos impetrantes.

A Resolução nº 20/2006 do Conselho Nacional de Justiça, na medida em que proíbe a contratação ou permanência de colaboradores parentes de Desembargadores nos serviços extrajudiciais de registros e de notas, é dotada de eficácia imediata, mostrando-se apta para afetar direito subjetivo, podendo, por isso, ser impugnada por mandado de segurança.

Não se mostra razoável aguardar a efetivação do ato administrativo, do qual já se tem notícia, para que a impugnação se viabilize, pois a resolução contestada, por si só, tem força suficiente para impor aos impetrantes as vedações nela contidas.

Às fls. 96-98, a autoridade coatora manifestou-se nos autos, nos seguintes termos:

Cumpre anotar ainda que a Resolução nº 20/2006 tem origem em ampla discussão no âmbito deste Conselho, por ocasião do julgamento do Pedido de

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Providência nº 151, que teve como objeto “consulta formulada a respeito da even-tual incidência das disposições da Resolução nº 7, deste Conselho Nacional de Justiça, à situação dos servidores extrajudiciais, ou seja, de quem contratado para prestar serviços nas Serventias de Notas e de Registros e que seja parente de ma-gistrado ou funcionário do Poder Judiciário”.

O citado procedimento foi incluído na pauta e julgado na 20ª Sessão Ordi-nária, realizada em 30/05/2006, cuja certidão de julgamento tem o seguinte teor:

“O Conselho, por unanimidade, decidiu julgar parcialmente proce-dente o pedido de providências e editar uma resolução disciplinando a maté-ria, nos termos do voto proferido pela Excelentíssima Conselheira Relatora Germana Moraes, com os acréscimos de fundamentação do Excelentíssimo Conselheiro Cláudio Godoy encarregado de apresentar o texto da futura re-solução, para votação oportuna pelo Plenário do Conselho.”

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): Bem analisados os autos, entendo não haver razão para modificar a decisão proferida às fls. 52-53.

Data venia, os argumentos apresentados pelos Agravantes e pela Pro cura-doria-Geral da República relativos à não aplicação da Súmula 266 não conven-cem, uma vez que não há ato administrativo concreto que tenha determinado o afastamento dos impetrantes de suas atividades.

O que se tem é uma Resolução que possui eficácia erga omnes, cujos efeitos valem para todos que ocupam cargos que configurem o nepotismo, cuja explicação é feita pelos distintos órgãos do sistema judiciário no exercício das respectivas competências.

No tocante à notificação feita pelo Titular do Cartório em questão ao CNJ, deve esta ser atacada no juízo competente.

Isso posto, nego provimento ao presente agravo e mantenho a decisão pro-ferida pelos seus próprios fundamentos.

É como voto.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, peço vênia ao Relator para divergir e entender que o mandado de segurança está a merecer seqüência.

Não imagino o Conselho Nacional de Justiça lançando, no mundo jurídico, ato abstrato normativo autônomo. Os pronunciamentos do Conselho se fazem no plano da concretude, o que se verificou quanto ao denominado “nepotismo”.

Há outro aspecto que deve ser considerado. O nepotismo estaria relacio-nado a parentesco com o desembargador e o aproveitamento de certas pessoas em serviço que a Constituição Federal aponta ser desenvolvido no campo pri-vado, ou seja, de cartório de notas, não em serventia pública propriamente dita.

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A outra questão ligada ao ato – e aí seria preventivo o mandado de segu-rança do tabelião do 15º Tabelionato de Notas da Comarca de São Paulo – po-deria se resolver não no campo da negativa de seguimento ao pedido, mas no da declinação de competência para o órgão que deveria, segundo a legislação de regência, atuar na espécie.

Por isso, peço vênia para prover o agravo.

EXTRATO DA ATA

MS 27.188-AgR/DF — Relator: Ministro Ricardo Lewandowski. Agra-vantes: Rafael Lara Marcondes D’Angelo e outros (Advogados: Manuel Alceu Affonso Ferreira e outros). Agravados: Conselho Nacional de Justiça e Tabelião do Décimo Quinto Tabelionato de Notas da Comarca de São Paulo.

Decisão: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, negou provimento ao recurso de agravo, vencido o Ministro Marco Aurélio. Ausente, justificadamente, o Ministro Celso de Mello. Presidiu o julgamento o Ministro Gilmar Mendes.

Presidência do Ministro Gilmar Mendes. Presentes à sessão os Ministros Marco Aurélio, Ellen Gracie, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Vice-Pro-cura dor-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos.

Brasília, 19 de dezembro de 2008 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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HABEAS CORPUS 87.208 — MS

Relator: O Sr. Ministro Cezar PelusoPacientes: Joana D’Arc de Paula Almeida ou Joanna D’Arc de Paula

Almeida e Almir de Almeida — Impetrantes: Ricardo Trad e outros — Coator: Superior Tribunal de Justiça

Ação penal. Denúncia. Evasão fiscal. Imputação do crime previsto no art. 22, parágrafo único, da Lei 7.492/86. Paga-mento espontâneo dos tributos no curso do inquérito. Extinção da punibilidade do delito tipificado no art. 1º da Lei 8.137/90. Reconhecimento antes da denúncia. Trancamento da ação pe-nal. Inadmissibilidade. Relação de meio a fim entre os delitos. Inexistência. Absorção do crime objeto da denúncia pelo de so-negação fiscal. Inadmissibilidade. Inaplicabilidade do princípio da consunção. Caso teórico de concurso real de crimes. Habeas corpus denegado. Quem envia, ilicitamente, valores ao exterior, sonegando pagamento de imposto sobre a operação, incorre, em tese, em concurso material ou real de crimes, de modo que extin-ção da punibilidade do delito de sonegação não descaracteriza nem apaga o de evasão de divisas.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Se-gunda Turma do Su premo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, indeferir o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, a Ministra Ellen Gracie.

Brasília, 23 de setembro de 2008 — Cezar Peluso, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de Joana D’Arc de Paula Almeida e Almir de Almeida, contra acórdão da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, relatado pelo Min. Paulo Medina, que, unanimemente, lhes denegou o HC 39.112.

Os Pacientes estão sendo processados perante a 4ª Vara Federal de Campo Grande/MS, porque teriam, entre abril de 1996 e dezembro de 1997, mantido depósitos na conta corrente 755-8, de titularidade de Damila Corporation, na agência do Banestado na cidade de Nova York/EUA. Por tal razão, foram denun-ciados pela prática do delito previsto no art. 22, parágrafo único, da Lei 7.492/86.

Alegam que, no curso do inquérito policial, sobreveio o pagamento espon-tâneo dos tributos relativos à operação, supostamente sonegados, razão por que

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não foram sequer denunciados pelo Ministério Público Federal como incursos no art. 1º da Lei 8.137/90.

Diante do recebimento da denúncia pelo crime de evasão fiscal, impetra-ram ordem de habeas corpus ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região, reque-rendo trancamento da ação penal, sob argumento de que a evasão de divisas seria crime-meio para a sonegação fiscal, de sorte que, por força do princípio da consunção, o reconhecimento da extinção da punibilidade em relação ao delito-fim implicaria, logicamente, extensão dessa conseqüência àquele.

A ordem foi denegada, o que ensejou nova impetração, agora ao Superior Tribunal de Justiça, e na qual reproduziu o mesmo pleito. O acórdão da lavra do Min. Paulo Medina está assim ementado:

Penal e Processo Penal. Habeas corpus. Princípio da consunção. Dilação probatória. Crime contra o sistema financeiro. Conduta, em tese, típica.

O habeas corpus, marcado por cognição sumária e rito célere, não comporta o exame da alegada inocência do paciente, que, para seu deslinde, demanda apro-fundado exame do conjunto fático-probatório dos autos, posto que tal proceder é peculiar ao processo de conhecimento.

Para o início da ação penal, prevalece o princípio do in dubio pro societate, bastante, para o recebimento da denúncia, a probabilidade de procedência da ação penal.

O trancamento de ação penal, pela via estreita do writ, somente é possível quando, pela simples exposição dos fatos narrados na denúncia, constata-se que há imputação de fato penalmente atípico, inexistência de qualquer elemento indiciá-rio demonstrativo da autoria do delito ou extinta a punibilidade.

Impedir o Estado-Acusação de demonstrar a responsabilidade penal do acusado implica cercear o direito-dever do poder público em apurar a verdade sobre os fatos.

Habeas corpus conhecimento em parte, e, nessa extensão, denegado.(HC 39.112, Rel. Min. Paulo Medina, DJ de 7-11-05.)

Neste pedido writ, pretendem o reconhecimento da falta de justa causa para a ação penal, pois sustentam que “segundo a denúncia os pacientes man-tiveram conta no exterior com a finalidade de evadirem-se do pagamento de impostos. A existência da conta que, obviamente, não é declarada, é o crime meio necessário para a prática do crime de sonegação previsto no artigo 1º da Lei 8.137/91. Não obstante o crime previsto no artigo 22, parágrafo único da Lei 7.492 de 1986 ser mais grave do que aquele previsto no artigo 2º, da Lei 8.137/90, este constituiu o meio necessário da fase de preparação daquele, podendo operar-se a absorção com base no princípio da consunção – Pro-gressão Criminosa em Sentido Estrito” (fls. 9-10, grifos no original)

Indeferi o pedido de liminar (fls. 418-420) e dispensei as informações.A Pro cura doria-Geral da República opinou pelo indeferimento do pedido

(fls. 422-429).É o relatório.

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VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Não assiste razão aos Impetran-tes, que centralizam o pedido no seguinte argumento:

É de se ver, na hipótese, que a intenção dos pacientes, desde o início do co-metimento do crime meio (evasão) sempre fora a prática do crime fim (sonegação). Ora, óbvio que na hipótese dos autos, os pacientes teriam que responder pelas conseqüências penais decorrentes do crime derradeiramente desejado (sonegação fiscal). Contudo, como não foram denunciados por este crime, justamente porque efetuaram o pagamento dos tributos, antes do oferecimento da denúncia, logo, não poderiam responder pela infração mais grave (evasão de divisas), porquanto o fato anterior (sonegação) foi praticado dentro da mesma linha de desdobramento cau-sal, em um só desenrolar causal, ou seja, na mesma situação. Aí, então, aplica-se, igualmente, o princípio da consunção.(Fl. 27.)

Colho do parecer da Pro cura doria-Geral da República:

4. Não procede a argumentação que, na verdade, implica estabelecer de-pendência plena do tipo penal definido no Parágrafo único, do artigo 22, da Lei 7492/86, que define os crimes contra o sistema financeiro nacional, ao tipo penal previsto no artigo 2º, da Lei 8137/90, que define os crimes contra a ordem tributária. Tanto assim é que a presente impetração traz, como fundamento ex-pressão, a consunção, no que desenvolveu como progressão criminosa.

5. Não é assim, data venia.6. Os delitos contra a ordem tributária apresentam-se como crimes contra

a fiscalização tributária. São de maior reprovabilidade criminal – situações pre-vistas no artigo 1º – quando perpetrados estando em curso o trabalho de fiscaliza-ção, e de menor reprovabilidade – situações previstas no artigo 2º –, quando este trabalho ainda não aconteceu.

7. Surgiu, então, diretriz normativa ensejando a extinção da punibilidade caso efetuada, completamente, a quitação do devido.

8. Todavia, a realidade é completamente outra no crime de evasão de divisas.9. De pronto, burla-se o indispensável controle sobre a circulação da moeda

e, portanto, divisas monetárias saem do nosso País.10. Atinge-se o sistema financeiro nacional.11. A sanção, compatível com o grau de reprovabilidade criminal, põe-se,

assim, em patarmar mais elevado.12. Por outra perspectiva, o repatriamento das divisas não é dado certo,

como o pagamento do tributo. E não o é porque se sujeita a demorado, complicado e nem sempre bem sucedido procedimento judicial a ter curso no exterior, e a ob-servar ditames normativos e decisão final de cortes judicantes alienígenas.

13. Ainda outro registro: a repartição federal competente de que cuida o Parágrafo único, do artigo 22, da Lei 7492/86 não é a Receita Federal mas o Banco Central do Brasil, autarquia com legitimação expressa a habilitar-se, como assistente, a teor do que dispõe o Parágrafo único, do artigo 26, da Lei 7492/86, na linha do que também pontua o artigo 28, do mesmo diploma legal.

14. Impossível, data vênia, falar-se de consunção, por progressão crimi-nosa, ou analogia in bonam partem.

15. São condutas diversas, estampadas em volições autônomas diversas.

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16. Há concurso material de crimes. Com efeito, bem posso num primeiro momento, por exemplo no mês de maio de determinado ano promover a saída de divisas ao exterior, e, no ano seguinte, por ocasião do dever de declarar movi-mentação financeira acontecida no ano-base, omitir dita declaração.

17. O espaçamento temporal entre as condutas consumadas afasta qual-quer possibilidade do concurso formal, ainda que heterogêneo.

18. Quanto ao conhecimento originário do tema por esta Suprema Corte, tópico avivado derradeiramente pela impetração, óbice não há seu exame, não porque o Superior de Justiça (sic) não o teria apreciado, ele o fez como se pode ler no voto a fls. 46/47, de sorte que se a presente impetração retomando o tema da atipicidade, cabe seu enfrentamento, hic et nunc.

19. Pela fundamentação, que venho de expor, sou pelo indeferimento do pleito.(Fls. 427-429.)

2. Cognoscível o pedido de writ, na medida em que os argumentos dos Im-petrantes foram suscitados nas impetrações anteriores, como se infere à íntegra da decisão do órgão apontado como coator (fls. 41/49). Nessa linha, conquanto penda recurso de apelação contra a sentença condenatória de primeira instância (fls. 58/74), é certo que, em relação às teses aqui invocadas, houve pronúncia do STJ na decisão denegatória objeto desta causa.

3. Conforme adiantei ao indeferir a liminar,

Ainda que houvesse identidade no elemento subjetivo das condutas em apreço, à primeira vista tem-se que os crimes em tela atingiriam bens jurídicos diversos; além disso, o crime-meio – delito contra o Sistema Financeiro – seria até mais grave do que o reputado crime-fim – sonegação fiscal, o que tornaria insub-sistente a alegação de consunção.(Fl. 419.)

Esse entendimento, manifestado em congnição sumária, merece ratifica-ção, agora com maior vigor.

Aplica-se o princípio da consunção, em tese, quando o agente pratica uma só conduta, ou mais de uma, mas dentro do mesmo contexto fático. Como lem-bra a doutrina,

Pelo princípio da consunção, lex consumens derogat legi consumptae. No princípio da consunção, os crimes aparentemente concorrentes não estão numa relação de espécie e gênero, nem necessariamente de mais grave a menos grave, mas sim de meio a fim, de parte a todo, de conteúdo a continente1.

Os Impetrantes sobrelevam que as condutas (evasão e sonegação) se ajus-tam a dois tipos de crime, mas o anterior é o meio normal e necessário para a prática do posterior.

No caso, atribui-se aos Pacientes a conduta de manter no exterior depósi-tos não declarados à repartição competente (art. 22, parágrafo único, segunda figura). A norma penal protege a regularidade das operações de câmbio, por-quanto omissões nessa órbita causam efeitos sobre a política econômica do País 1 FRANCO, Alberto Silva. Código Penal e sua interpretação. 8. ed. São Paulo: RT, 2007. p. 389.

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e abalam a credibilidade do mercado financeiro. A manutenção de ativos no exterior, sem comunicação ao Bacen, constitui atentado ao Sistema Financeiro Nacional, pois sabidamente a reserva cambial de um país é fundamental para sua saúde financeira. Este, o bem jurídico tutelado pela norma penal.

Já a sonegação fiscal – delito que o Ministério Público expressamente afastou na denúncia, reconhecendo que o pagamento do tributo ensejou extin-ção prévia da punibilidade – atinge a ordem tributária, mais especificamente a arrecadação tributária. A diversidade dos objetos sob proteção jurídico-penal já indica inviabilidade de tratar a evasão de divisas como mera e obrigatória fase de execução da sonegação fiscal.

Há mais, porém. Os delitos não guardam, nem logicamente, vínculo de co-nexão ou continência. Para aperfeiçoar-se, um tipo não necessita da realização do outro. E, no caso, foram cometidos com evidente independência de desígnios e com largo interregno temporal. Não há, pois, consunção.

Alentado estudo sobre o tema dá amparo a este entendimento:

Quer-nos parecer que, a rigor, a prática de uma conduta que afete o controle cambial e, conjuntamente, outras formas delitivas de controle estatal desempe-nhado sobre a regular execução da política econômica “lato sensu’ tende a afastar qualquer relação de absorção. Nesse sentido, o agente que, ao enviar ilicitamente valores ao exterior, acaba também por lesionar o controle fiscal sobre a origem desses valores, incorre num concurso real de crimes (art. 22 da Lei 7.492/86 e art. 1º, inc. I, ou art. 2º, inc. I, da Lei 8.137/90)2.

Em conclusão, a extinção da punibilidade do crime de sonegação fiscal (art. 1º da Lei 8.137/90) não descaracteriza nem apaga o delito de evasão de divi-sas (art. 22 da Lei 7.492/86). Viável, portanto, a persecução penal.

4. Isso posto, denego a ordem.

EXTRATO DA ATA

HC 87.208/MS — Relator: Ministro Cezar Peluso. Pacientes: Joana D’Arc de Paula Almeida ou Joanna D’Arc de Paula Almeida e Almir de Almeida. Impetrantes: Ricardo Trad e outros. Coator: Superior Tribunal de Justiça.

Decisão: A Turma, por votação unânime, indeferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julga-mento, a Ministra Ellen Gracie.

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Ausente, justificadamente, a Mi-nis tra Ellen Gracie. Subpro cura dor-Geral da República, Dr. Wagner Gonçalves.

Brasília, 23 de setembro de 2008 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

2 SCHMIDT, Andrei Zenkner; FELDENS, Luciano. O crime de evasão de divisas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 201.

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HABEAS CORPUS 88.548 — SP

Relator: O Sr. Ministro Gilmar MendesPaciente: Albertino Cipriano Ribeiro — Impetrante: Romualdo Sanches

Calvo Filho — Coator: Superior Tribunal de Justiça

Habeas corpus. 1. Paciente condenado à pena de 30 (trinta) anos de reclusão, em regime integralmente fechado, mais 15 (quinze) dias-multa, pela prática dos crimes de latrocínio consu-mado e latrocínio tentado (arts. 157, § 3º, 2ª parte e 157, § 3º, 2ª parte c/c 14, II, e 71, parágrafo único, do CP). 2. Citação edita-lícia diretamente determinada pelo Juízo, à vista de anterior in-formação, colhida na fase de inquérito, de que o então indiciado não fora localizado em seu local de trabalho e no endereço resi-dencial que constava de sua ficha cadastral. 3. Constata-se que não foram esgotados todos os meios disponíveis para a citação pessoal do paciente, antes de proceder-se à citação por edital. 4. Não se verificando a regular cientificação do acusado, com uso de todos os meios ao alcance do Juízo para que fosse localizado, negou-se-lhe o direito ao interrogatório, ato classificado pela melhor doutrina, ao mesmo tempo, como meio de prova e de defesa, e, em acréscimo, lhe foi retirada a prerrogativa de, livre-mente, escolher o advogado incumbido de sua defesa, elegendo, junto com este, as testemunhas que caberia arrolar e as demais provas que poderia produzir. Precedentes. 5. Patente situação de constrangimento ilegal. 6. Ordem deferida para anular o pro-cesso a partir da citação editalícia levada a efeito pelo Juízo do 2º Tribunal do Júri da Capital de São Paulo, daí renovando-se o feito em todos os seus demais termos, devendo o paciente ser colocado em liberdade se, por outro motivo, não estiver preso.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Su-premo Tribunal Federal, em Se gunda Turma, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráfi-cas, por unanimidade de votos, deferir o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 18 de março de 2008 — Gilmar Mendes, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Trata-se de habeas corpus, com pedido de medida liminar, impetrado por Romualdo Sanches Calvo Filho, em favor de Albertino Cipriano Ribeiro.

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Nestes autos, a defesa questiona acórdão proferido, por unanimidade de votos, pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no HC 39.171/SP, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca (DJ de 21-2-05). Eis o teor da ementa desse julgado:

Habeas corpus. Latrocínio. Nulidade. Deficiência de defesa. Falta de inti-mação do defensor. Afirmação incomprovada. Prejuízo indemonstrado. Ausência de constrangimento.

A alegação de deficiência de defesa deve vir delineada com o efetivo prejuí-zo causado à defesa do acusado, o que, no caso presente, não restou demonstrado nos autos.

Tendo as informações da autoridade coatora afastado a alegação de falta de intimação da sentença por parte da defesa dativa, não há porque anular o proces-samento sem a menor comprovação contrária.

Ordem denegada.(HC 39.171/SP, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, Quinta Turma, unâ-nime, DJ de 21-2-05, fl. 15.)

Em 27 de janeiro de 1994 (fls. 55/56), o Paciente, juntamente com outro acusado (Márcio Cipriano de Souza), foi denunciado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (MPE/SP), perante o Juízo do 2º Tribunal do Júri da Comarca de São Paulo/SP, pela suposta prática dos delitos de tentativa de ho-micídio simples (Código Penal – CP, art. 121, caput, c/c art. 14, II); e homicídio simples (CP, art. 121, caput) (Processo 769/90).

Em 30 de setembro de 1994, o Juiz do 2º Tribunal do Júri da Comarca de São Paulo/SP, Nilson Xavier de Souza, convencido da ausência de elementos que indicassem a prática de crimes dolosos contra a vida, determinou a desclas-sificação dos delitos imputados com a remessa dos autos ao Juízo singular, nos termos do art. 410 do Código de Processo Penal (CPP) (fls. 99-101).

Os autos foram redistribuídos à 15ª Vara Criminal da Comarca da Capital/SP em 23 de janeiro de 1995 (fl. 106).

O aditamento da denúncia foi realizado pelo MPE/SP em 29 de março de 1995.

Em 31 de outubro de 1995, o Paciente foi condenado pelo Juiz da 15ª Vara Criminal da Comarca de São Paulo/SP, Marcelo Coutinho Gordo, pela prática dos crimes de latrocínio consumado e latrocínio tentado (arts. 157, § 3º, 2ª parte e 157, § 3º, 2ª parte c/c 14, II, e 71, parágrafo único, do CP), à pena de 30 anos de reclusão, em regime integralmente fechado, mais 15 dias-multa (Processo 24/95, fls. 128-137).

O Impetrante alega constrangimento ilegal ao apontar:

a manifesta deficiência da defesa técnica operada na primeira fase do Tribunal do Júri, cujo prejuízo mais palpável foi a desclassificação de homicídio simples para latrocínio, culminando na condenação do paciente para este último, sendo ainda que houve manifesta ausência de defesa, agora perante o R. Juízo da 15ª Vara Criminal, nas fases dos arts. 410, 499 e 384, parágrafo único, do CPP,

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repise-se, sem prejuízo da escancarada inércia defensiva em não ter recorrido da r. sentença condenatória.(Fl. 7.)

A defesa sustenta também:

a nulidade da citação editalícia do paciente restou inquinada de nulidade absoluta, uma vez que no juízo de origem não foram exauridas todas as possibi-lidades da citação pessoal do paciente, o que não seria difícil com a expedição de ofício à Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, certo que o professor Albertino exercia na rede pública seu mister desde 10/09/87, consoante, como já visto, sobejamente constante dos autos originais.(Fl. 12.)

Por fim, a impetração requer a concessão da ordem para:

anular o Processo no 769/90 que tramitou perante a primeira fase do E. 2º Tribunal do Júri da Capital de São Paulo, por flagrante deficiência da defesa técnica e/ou para anular o Processo nº 24/95 que tramitou perante a R. 15ª Vara Criminal da Comarca de São Paulo, por falta de defesa técnica nas fases dos art. 410, 499 e 384, parágrafo único, do CPP, ou ainda para anular o processo desde a citação por edital do paciente, uma vez que era professor de História regu-larmente admitido pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, em pleno exercício de sua profissão à época dos fatos, quando poderia ter sido citado pesso-almente, haja vista que essa informação constava sobejamente dos autos.(Fl. 13.)

Em 20 de junho de 2006 (fls. 181-184, DJ de 27-6-06), indeferi o pedido de medida liminar e determinei a solicitação de informações específicas ao Juízo da 15ª Vara Criminal do Foro Central da Comarca de São Paulo acerca da ocorrência ou não de irregularidades quanto à intimação do Paciente ou de seu procura dor constituído nas fases dos arts. 384, 410 e 499 do CPP.

Em 4 de setembro de 2006, o Juízo de Direito da 15ª Vara Criminal da Comarca de São Paulo/SP prestou informações, limitando-se a encami-nhar cópia parcial de documentos acostados aos autos do Processo 24/95 (Pet 129.766/06 – fls. 192-210).

O Subpro cura dor-Geral da República Wagner Gonçalves, em parecer de fls. 212-215, requereu que o juízo originário enviasse prova da intimação pessoal da defesa do ora paciente em face da sentença condenatória proferida.

Em 20 de setembro de 2006 (fls. 217-219), considerando a manifestação da Pro cura doria-Geral da República, determinei novamente a solicitação de infor-mações específicas ao Juízo de Origem (15ª Vara Criminal do Foro Central da Comarca de São Paulo/SP – Processo 24/95) acerca:

i) da ocorrência ou não da intimação pessoal da defensoria pública em face da sentença condenatória; e ii) caso tenha ocorrido a intimação, a regularidade da contagem de prazo efetuada pela certidão de trânsito em julgado da sentença.(Fl. 219.)

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Na petição 165.669/06 (fls. 225-237), o Juiz Marcelo Semer, da 15ª Vara Cri mi nal da Comarca de São Paulo/SP, prestou informações, mas não indicou os elementos solicitados no despacho mencionado.

Em 8 de novembro de 2006 (fl. 239), asseverei, verbis:

Considerada a imprescindibilidade de tais informações para a adequada apreciação do pedido formulado neste habeas corpus, reitero o pedido de infor-mações com a finalidade de que o juízo originário se atenha aos seguintes elemen-tos: i) ocorrência ou não de intimação pessoal da Defensoria Pública em face da sentença condenatória proferida em 31-10-95, com cópia do documento comproba-tório; e ii) caso tenha ocorrido a intimação, a regularidade da contagem de prazo efetuada pela certidão de trânsito em julgado da sentença.

Após recebidas as informações, abra-se vista à Pro cura doria-Geral da República (RISTF, art. 192)(Fl. 239.)

Em resposta à solicitação de informações (petição 194.355/06 – fls. 245-259), o juízo originário limitou-se, mais uma vez, a “encaminhar as cópias necessárias para as providências cabíveis” (fl. 245), sem responder às perguntas formuladas.

O parecer da lavra do Subpro cura dor-Geral da República Wagner Gon-çalves é pelo deferimento do writ (fls. 261-263).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): O Ministério Público Federal (MPF), em parecer da lavra do Subpro cura dor-Geral da República Wagner Gonçalves (fls. 261-263), assim se manifestou:

Estes autos retornam após parecer de fls. 212/215, quando nos manifestamos por diligência, que foi acatada por Vossa Excelência. Por duas vezes, foram en-viados ofícios ao Juízo de origem, prolator da sentença, conforme determinações constantes dos despachos de fls. 217/219 e fl. 239.

2. Em resposta, vieram documentos, que já tinham nos autos, sem serem respondidas as perguntas (fl. 239): “i) ocorrência ou não de intimação pessoal da Defensoria Pública em face da sentença condenatória proferida em 31.10.1995, com a cópia do documento comprobatório; e ii) caso tenha ocorrido a intimação, a regulari-dade da contagem de prazo efetuada pela certidão de trânsito em julgado da sentença.”

3. Como se vê, após duas diligências, decorrentes de ofícios expedidos por esse respeitável Juízo, não houve qualquer resposta, ou, no máximo, uma resposta burocrática que nada esclarece. Por decorrência, seria o caso de se determinar nova diligência? Ou indeferir de plano o writ, porque não instruído devidamente?

4. Para superar a perlenga, resolvi reler todo o processo, motivo pelo qual passo a me manifestar.

5. Na realidade, o paciente ficou sem defesa na ação penal, quando o crime, que era de homicídio, foi reclassificado para latrocínio. Melhor seria, para o pa-ciente, ser julgado pelo Tribunal do Júri, no caso. Sendo julgado pelo Juiz singular, foi condenado a 30 anos de prisão, juntamente com o seu co-réu.

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6. Mas a falta de defesa está clara, ao se constatar: (1) mesmo que se descon-sidere a defesa insuficiente durante o tempo em que respondia por crime da alçada do Tribunal do Júri, só para argumentar, a verdade é que não houve recurso, do defensor dativo nomeado, após o juízo optar pela desclassificação do crime – isso agravou a situação do paciente, por óbvio; (2) apesar de ausente, havia nos autos documentos informando que o paciente fora ou era Professor de História e bastaria fazer um ofício à Secretaria de Educação para tentar apurar ou obter o endereço do mesmo – isso também não foi feito; (3) o paciente não teve defensor nas fases dos arts. 410, 499 e 384, parágrafo único, do CPP. (4) Todas as intimações do paciente foram feitas por edital, o mesmo ocorrendo com seus advogados nomeados – pelo que consta dos autos.

7. Além disso, quando dos depoimentos das testemunhas, o defensor no-meado, apesar de estar presente, nunca fez qualquer pergunta (fls. 88/90). Em dois depoimentos, (fls. 92/93), de Espedito Tarjino da Cruz e Liliam Cristina de Oliveira, apesar de haver graves acusações contra o paciente, sequer havia ad-vogado de defesa a seu favor, já que o único presente era defensor do co-réu, Sr. Márcio – ver documentos de fls. 92 e 93.

8. Afora isso, como demonstrado, não há a comprovação de que o defensor dativo ou nomeado ou a Pro cura doria Judiciária tenha sido intimada, pessoal-mente, da sentença, porque também não houve apelação.

9. Ademais, é importante salientar que, em 03 de abril de 1996, pela Lei 9.271, houve a alteração do art. 366, do CPP, para determinar a suspensão do andamento do processo, quando o réu não comparecer ou estiver ausente. Ora, a sentença foi prolatada em 31 de outubro de 1995 (fl. 137), mas o edital que deu ciência da mesma ao réu/paciente foi publicado em 02.04.1996 e a certidão do trânsito em julgado (questionável, como mencionado no parecer de fls. 212/215) data de 15.7.1996 (fl. 140).

10. Desse modo, sabendo-se, de há muito, que o réu estava ausente – não comparecera à ação penal até a data de transcurso do prazo do edital, que era de 90 dias – cabia ao magistrado não permitir o trânsito em julgado, mas suspender o andamento da ação. Se isso tivesse ocorrido, diante da nova regra, suspenso fica-ria a ação penal, e, conseqüentemente, não haveria o referido trânsito em julgado.

11. Assim, entendo que o paciente restou prejudicado, e muito, com o julga-mento da ação penal, seja porque não teve defesa adequada, seja porque não lhe foi assegurada a suspensão do processo, nos termos da nova redação do art. 366 do CPP. Por isso, opino no sentido de se deferir o writ, anulando-se o processo para que o paciente tenha o direito de se manifestar sobre a desclassificação do crime, após o aditamento da denúncia (fls. 112), abrindo-se nova instrução e providências decorrentes.(Fls. 261-263.)

Antes de maiores considerações sobre o tema do direito constitucional de defesa, é pertinente relatar a concatenação dos atos processuais envolvidos neste habeas corpus.

Em 27 de janeiro de 1994, o Paciente foi denunciado, juntamente com outro acusado (Márcio Cipriano de Souza), perante o 2º Tribunal do Júri da Comarca de São Paulo/SP, como incurso nos arts. 121, caput, e 121, caput, c/c o art. 14, inciso II, todos do CP (fls. 55/56).

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No caso em análise, a defesa alega, primeiramente, que não foram esgota-dos todos os meios disponíveis para a citação pessoal do ora Paciente no processo (Autos 769/90), que tramitou perante a 2ª Vara do Júri da Comarca de São Paulo/SP.

Dos documentos acostados aos autos, constata-se que não houve expedi-ção de ofício à Secretaria de Educação do Estado de São Paulo para tentar obter o endereço do acusado Albertino Cipriano Ribeiro. Nesse particular, é oportuno transcrever trecho das diligências realizadas em 18 de abril de 1991, ainda na fase do inquérito policial, para a localização do investigado, verbis:

Efetuamos diligências à Estrada do Sacramento, s/n, onde fica a Escola Estadual de Primeiro e Segundo Grau Profº Mário Tanaka, onde fomos informa-dos na secretaria dessa escola, que Albertino Cipriano Ribeiro era professor nessa escola, porém o mesmo já não trabalha ali desde dezembro do ano passado, no entanto, havia o seu endereço residencial em sua antiga ficha de funcionário dessa escola, que fica à Rua Profº José Munhoz, 71, Jd. Munhoz, Guarulhos, para onde nos dirigimos em seguida, onde fomos informados nesse endereço, pela genitora de Albertino, Srª Ângela Ribeiro Baião, que o seu filho Albertino não reside mais nesse endereço, e ela não sabe onde ele possa ser encontrado, pois há tempos que ela não tem contatos com ele.(Fl. 64.)

Consta do relatório apresentado pelo Delegado Wagner Pereira em 8 de novembro de 1991:

Apesar das diligências efetuadas, Albertino e Mário não foram localizados, sendo que ambos foram indiciados indiretamente, conforme peças constantes nos autos das fls. 53 às fls. 58.(Fl. 70.)

A denúncia foi recebida em 31 de janeiro de 1994. Nessa oportunidade, o Juiz Décio Luiz José Rodrigues, da 2ª Vara do Júri da Comarca de São Paulo, mencionou:

os réus, apesar das diligências efetuadas, não foram localizados (fls. 57/62 e 69), representando, a soltura dos mesmos, uma afronta à conveniência da instru-ção criminal, bem como à aplicação da lei penal, mormente em caso de crimes que exigem, para o julgamento, a presença física do réu.

Isto posto, decreto as prisões preventivas de Márcio Cipriano de Souza e Albertino Cipriano Ribeiro.

Expeça-se mandados de prisão.(Fl. 77 – verso.)

Em 24 de fevereiro de 1994, o oficial de justiça encarregado de realizar a citação dos acusados certificou nos autos:

Certifico e dou fé ter me dirigido à Rua Jan Monet, nº 196, J. Cabuçu, onde encontrei um pequeno bar, residência da vítima Francisco Deusdete. Francisco disse-me que os réus “sumiram” logo após cometer o crime e que sabia ter um bar no Município de Guarulhos, mas não sabe precisar o endereço. Face ao exposto, estando os réus em locais incertos e não sabidos, devolvo o mandado a cartório.(Fl. 78 – verso.)

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Os Réus foram citados por edital, cuja publicação no Diário Oficial ocor-reu em 11 de março de 1994 (fl. 79). Diante do não-comparecimento para inter-rogatório, o processo prosseguiu à revelia de ambos (fl. 81).

Conforme certidão acostada aos autos à f l. 85, o Paciente Albertino Cipriano Ribeiro não apresentou defesa prévia.

Em face da ausência de manifestação dos defensores constituídos pelos acusados, foram nomeadas duas defensoras ad hoc para representarem os então Co-réus tão-somente durante a oitiva das quatro testemunhas arroladas pela acusação (fls. 86-93).

Dos documentos acostados aos autos, verifica-se que não foram esgotados todos os meios disponíveis para localização do Paciente, portanto, a citação por edital não deveria ter sido realizada. Neste sentido, a jurisprudência firmada por esta Corte, verbis:

Penal. Citação editalícia. Esgotamento dos meios de citação pessoal. Inocorrência. Verificando-se, na espécie, que o réu não foi encontrado, para ci-tação, nos endereços indicados, em virtude de justo motivo, caberia a renovação da diligência, a fim de esgotar, de modo razoável, a possibilidade do chamamento pessoal, antes de proceder-se à citação editalícia. Habeas corpus deferido para anular o processo, determinando-se nova citação.(HC 70.460/SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, Pri meira Turma, unânime, DJ de 4-2-94.)

Competência – Habeas corpus – Ato de Tribunal de Justiça. Na dicção da ilustrada maioria (seis votos a favor e cinco contra), em relação à qual guardo reservas, compete ao Su premo Tribunal Federal julgar todo e qualquer habeas corpus impetrado contra ato de tribunal, tenha este, ou não, qualificação de su-perior. Citação – Vício. Uma vez constatado o vício de citação, impõe-se seja anulado o processo a partir do momento em que praticado o ato respectivo, expe-dindo-se, em benefício do Paciente, o alvará de soltura. O vício de citação é o pior a macular o processo, já que inviabiliza o exercício do lídimo direito de defesa.(HC 74.577/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, Se gunda Turma, unânime, DJ de 28-2-97.)

Habeas corpus. Paciente acusado de homicídio simples. Prisão preventiva fundada em revelia. Alegada nulidade da citação feita por edital e da nomea-ção de defensor dativo, dada a constituição de advogado na fase do inquérito. Comprovado que não foram esgotados todos os meios disponíveis para localiza-ção do paciente, é nula a citação editalícia, não se podendo ter, por isso, por con-figurada a pretensa fuga que serviu de fundamento à prisão preventiva. Ademais, se havia advogado regularmente constituído na fase do inquérito, não podia o juiz nomear defensor dativo ao paciente, cujo trabalho, de resto, se revelou manifes-tamente deficiente. Habeas corpus deferido para o fim de anular-se o processo, a partir da denúncia, revogada a prisão preventiva do Paciente.(HC 81.151/DF, Rel. Min. Ilmar Galvão, Pri meira Turma, unânime, DJ de 22-2-02.)

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A falta de regular citação do acusado não resultaria sanada pela simples nomeação de defensor dativo, tampouco cabendo aquilatar a qualidade do tra-balho defensivo desempenhado por este no processo para que se chegasse à con-clusão de possível ausência, ou não, de prejuízo.

Em verdade, não se verificando a regular cientificação do acusado, com uso de todos os meios ao alcance do Juízo para que fosse localizado, negou-se-lhe o direito ao interrogatório, ato classificado pela melhor doutrina, ao mesmo tempo, como meio de prova e de defesa, e, em acréscimo, lhe foi retirada a prerrogativa de, livremente, escolher o advogado incumbido de sua defesa, elegendo, junto com este, as testemunhas que caberia arrolar e as demais provas que poderia pro-duzir. Confira-se, a propósito, entendimento firmado nesta Corte:

Habeas corpus – Defesa prévia – Defensor constituído ausente ao ato de interrogatório judicial – Necessidade de sua notificação para oferecê-la – A ques-tão da liberdade de escolha do defensor pelo réu – A garantia do devido processo legal – Direito do réu preso de ser requisitado e de comparecer ao juízo deprecado para os atos de instrução processual – Polêmica doutrinária e jurisprudencial em torno do tema – Anulação do procedimento penal – Concessão do “writ” – Consumação da prescrição punitiva do Estado – Vedação da “reformatio in pejus” indireta – Declaração da extinção da punibilidade. – O defensor constituído, quando ausente ao ato de interrogatório judicial do réu, deverá ser notificado para efeito de apresentação da defesa prévia. Esse ato de notificação, que é indecliná-vel, impõe-se como natural consectário da cláusula constitucional do devido pro-cesso legal. A falta dessa notificação constitui nulidade absoluta, apta a infirmar a própria validade do processo penal condenatório. – O réu tem o direito de escolher o seu próprio defensor. Essa liberdade de escolha traduz, no plano da persecutio criminis específica projeção do postulado da amplitude de defesa proclamado pela Cons ti tui ção. Cumpre ao magistrado processante, em não sendo possível ao defen-sor constituído assumir ou prosseguir no patrocínio da causa penal, ordenar a inti-mação do réu para que este, querendo, escolha outro advogado. Antes de realizada essa intimação – ou enquanto não exaurido o prazo nela assinalado – não é lícito ao juiz nomear defensor dativo sem expressa aquiescência do réu. – O acusado – inobstante preso e sujeito a custódia do Estado – tem o direito de comparecer, assistir e presenciar os atos processuais, especialmente aqueles realizados na fase instrutória do processo penal condenatório. Incumbe ao poder público requisitar o réu preso para presenciar, no juízo deprecado, a inquirição de testemunhas. Essa requisição do acusado preso, que objetiva garantir-lhe o comparecimento a instru-ção criminal, traduz conseqüência necessária dos princípios constitucionais que asseguram aos réus em geral, “em caráter indisponível”, o direito ao due process of law e, por via de conseqüência, ao contraditório e a ampla defesa, com todos os meios e recursos a esta inerentes. São irrelevantes, nesse contexto, as alegações do poder público concernentes a dificuldade ou inconveniência de proceder a re-moção de acusados presos a outros pontos do Estado ou do País. Essas alegações, de mera conveniência administrativa, não têm – e nem podem ter – precedência sobre as inafastáveis exigências de cumprimento e respeito ao que determina a Constituição. Polêmica doutrinária e jurisprudencial em torno desse tema. A po-sição (majoritária) da jurisprudência do Su premo Tribunal Federal: ocorrência de nulidade meramente relativa. Ressalva da posição pessoal do Relator, para quem a

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violação desse direito implica nulidade absoluta do processo penal condenatório. A presença do acusado e a sua participação pessoal nos atos processuais consti-tuem expressão concreta do direito de defesa. Perspectiva global da função defen-siva: a autodefesa da parte e a defesa técnica do advogado. – Em face do decurso temporal já verificado, e tendo presente a impossibilidade de “reformatio in pejus” indireta, posto que a decisão penal condenatória, com trânsito em julgado para a acusação, foi invalidada em virtude de iniciativa do próprio acusado, é de ter-se como incidente e consumada a prescrição da pretensão punitiva do Estado, sem a necessidade de o réu, ora paciente, ser submetido a novo julgamento. Doutrina e precedentes jurisprudenciais.(HC 67.755/SP, Rel. Min. Celso de Mello, Pri meira Turma, maioria, DJ de 11-9-92.)

O direito de defesa constitui pedra angular do sistema de proteção dos di-reitos individuais e materializa uma das expressões do princípio da dignidade da pessoa humana.

Como se sabe, na sua acepção originária este princípio proíbe a utiliza-ção e/ou transformação do homem em objeto dos processos e ações estatais. O Estado está vinculado ao dever de respeito e proteção do indivíduo contra exposição a ofensas ou humilhações. A propósito, em comentários ao art. 1º da Constituição alemã, afirma Günther Dürig que a submissão do homem a um processo judicial indefinido e sua degradação como objeto do processo estatal atenta contra o princípio da proteção judicial efetiva (“rechtliches Gehör”) e fere o princípio da dignidade humana (“Eine Auslieferung des Menschen an ein sta-atliches Verfahren und eine Degradierung zum Objekt dieses Verfahrens wäre die Verweigerung des rechtlichen Gehörs”) (MAUNZ-DÜRIG, Grundgesetz Kommentar, Band I, München, Verlag C.H.Beck, 1990, 1I 18).

A premissa acima é suficiente a fazer incidir, automaticamente, a essência dos direitos argüidos na impetração. E se há justo receio de serem infringidos, eles devem assumir máxima efetividade na ordem constitucional.

Diante da verificação de ausência de tentativa de citação pessoal da defesa nomeada para o Paciente, constata-se, no caso concreto, que o constrangimento alegado é inegável, situação que mais se evidencia pela prisão.

Nestes termos, meu voto é pela concessão deste habeas corpus, para que seja anulado o processo a partir da citação editalícia levada a efeito ainda pelo Juízo do 2º Tribunal do Júri da Capital de São Paulo, daí renovando-se o feito em todos os seus demais termos, devendo o Paciente ser colocado em liberdade se, por outro motivo, não estiver preso.

EXTRATO DA ATA

HC 88.548/SP — Relator: Ministro Gilmar Mendes. Paciente: Albertino Cipriano Ribeiro. Impetrante: Romualdo Sanches Calvo Filho. Coator: Superior Tribunal de Justiça.

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Decisão: A Turma, por votação unânime, deferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, neste julga-mento, os Ministros Joaquim Barbosa e Eros Grau.

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Minis-tros Gilmar Mendes e Cezar Peluso. Ausentes, justificadamente, os Ministros Joaquim Barbosa e Eros Grau. Subpro cura dor-Geral da República, Dr. Fran-cisco Adalberto Nóbrega.

Brasília, 18 de março de 2008 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

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RECURSO EM HABEAS CORPUS 91.293 — RJ

Relator: O Sr. Ministro Gilmar MendesRecorrente: Júlio Avelino de Oliveira Filho — Recorrido: Ministério

Público Federal

Habeas corpus. 1. Denúncia. Homicídio duplamente quali-ficado. 2. Decreto de prisão preventiva. Concessão ao réu do be-nefício da prisão domiciliar. 3. Interposição de reclamação pelo Ministério Público Estadual contra a decisão concessiva da prisão domiciliar. Benefício revogado mediante aplicação do art. 210 do Regimento Interno do TJ/RJ. 4. A decisão que permitiu ao réu o cumprimento da prisão preventiva em domicílio é interlocutória, não contemplada dentre os taxativos permissivos arrolados no art. 581 do CPP, inadmitindo a adoção de interpretação extensiva. 5. Decisão concessiva de prisão domiciliar cassada mediante via recursal inaplicável na espécie. 6. Situação de constrangimento ilegal apta a ensejar o deferimento da ordem. 7. Ordem deferida para restabelecer o decisório de primeira instância, com isso pos-sibilitando a permanência do paciente em prisão domiciliar, se e enquanto entender o Juízo monocrático cabível a medida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Su-premo Tribunal Federal, em Se gunda Turma, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, dar provimento ao recurso ordinário, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 1º de abril de 2008 — Gilmar Mendes, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Trata-se de recurso ordinário em habeas corpus, com pedido de medida liminar, interposto por Clóvis Sahione e outros, em favor de Júlio Avelino de Oliveira Filho.

Nestes autos, a defesa questiona acórdão proferido, por unanimidade, pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no HC 59.604/RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, DJ de 5-2-07 (fls. 301-306). Eis o teor da ementa desse julgado:

Habeas corpus. Processual Penal. Crime de tentativa de homicídio qualifi-cado. Custódia cautelar. Concessão pelo juízo do benefício da prisão domiciliar. Decisão cassada em sede de reclamação pelo Tribunal a quo. Possibilidade. Previsão regimental. Réu que se encontra sob o manto da prisão preventiva, ine-xistindo, na espécie, condenação.

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1. Inexistindo previsão legal contida no art. 581, do Código de Processo Penal, de que a decisão judicial concessiva de benefício de prisão domiciliar seja atacável em sede de recurso em sentido estrito, tem-se que o órgão ministerial utilizou-se adequadamente da previsão regimental da reclamação que, segundo o regimento do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Janeiro, seria o recurso cabível contra as decisões judiciais irrecorríveis.

2. O recolhimento à prisão domiciliar, a teor do disposto no art. 117, da Lei nº 7.210/84, somente será admitido, em sede de execução da pena, aos apenados submetidos ao regime aberto. Inexiste, em princípio, a possibilidade de se esten-der tal benefício aos segregados cautelarmente, em razão da natureza do título judicial que justifica o seu encarceramento.

3. Ordem denegada.(HC 59.604/RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, Quinta Turma do STJ, unânime, DJ de 5-2-07 – fl. 306.)

Em 16 de março de 2005 (fls. 38-41), o recorrente foi denunciado, junta-mente com outro acusado, perante o Juízo da 2ª Vara da Comarca de Vassouras/RJ, pela suposta prática do crime de homicídio duplamente qualificado, na mo-dalidade tentada (CP, arts. 121, § 2º, incisos I e IV; c/c 14, II, e 29).

Ao receber a denúncia, em 1º de abril de 2005, o Juízo da 2ª Vara da Co-mar ca de Vassouras/RJ decretou a prisão preventiva do ora recorrente (fl. 200).

Em decorrência da não-localização do ora paciente, ordenou-se sua cita-ção editalícia (fl. 205).

Antes que a citação ocorresse, em 28 de julho de 2005, o acusado requereu a revogação do decreto de prisão preventiva, ou, alternativamente, que a custó-dia cautelar pudesse ser cumprida em regime domiciliar, alegando, em síntese, que estaria doente (fl. 205).

Em 7 de abril de 2006, o Juízo de origem concedeu ao réu o benefício da prisão domiciliar (fls. 43-45).

O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPE/RJ), em 10 de abril de 2006, ajuizou reclamação ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) impugnando a decisão que concedeu ao acusado o benefício da prisão domiciliar (Reclamação 2006.077.00025 – fls. 150-165).

Nessa ocasião, o Parquet estadual pleiteou, verbis:

I. a suspensão da decisão reclamada na forma do art. 223 do CODJERJ c/c 214 do RITJ/RJ;

II. o acolhimento da presente reclamação, com a conseqüente cassação da multicitada decisão do juízo monocrático, de sorte a que venha a ser o réu reco-lhido ao estabelecimento prisional destinado aos presos provisórios e, quando muito, caso comprove-se, por profissional oficial da área de saúde, que o réu está acometido de doença grave, seja recolhido a hospital penitenciário.(Fl. 164.)

A 8ª Câmara Criminal do TJRJ, por unanimidade, julgou procedente a reclamação para revogar o benefício da prisão domiciliar concedido ao

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Recorrente, em sessão de 4 de maio de 2006 (fls. 208-211). Eis o teor da ementa desse julgado:

Reclamação. Concessão de prisão domiciliar em favor de réu que responde pela prática de homicídio duplamente qualificado na modalidade tentada (arts. 121, § 2º, I e IV, c/c 14, II, todos do Código Penal). O juiz de 1º grau levou em considera-ção para a concessão do benefício, a gravidade da doença do réu, conjugando os ar-tigos 1º, § único, 117, II, ambos da LEP, e art. 1º e segs. da Lei 5.256/67. Pretende o Ministério Público a cassação da decisão, por entender inaplicáveis os dispositivos legais citados pelo juízo reclamado. A prisão domiciliar é benefício que só pode ser concedido após a condenação. O beneficiado não faz jus a prisão especial, circuns-tância que torna insustentável a aplicação da Lei 5256/67, cujo art. 1º foi revogado pelo § 2º do art. 295 do CPP. Crime hediondo. Réu anteriormente foragido. Exames médicos firmados por profissionais particulares da confiança do detido. Aplicação do Princípio Constitucional da Igualdade. Reclamação procedente.(Reclamação 2006.077.00025, 8ª Câmara Criminal do TJ/RJ, unânime, DJU de 17-5-06 – fl. 209.)

Em 2 de junho de 2006, a defesa impetrou habeas corpus junto ao Su pe-rior Tribunal de Justiça (fls. 2-36), com o seguinte pleito:

(...) seja concedida medida liminar para suspender os efeitos da decisão proferida em sede da reclamação no 2006.077.00025, que tramita na 8ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, visto ser medida essencial para assegurar o direito ao acesso à saúde pelo Paciente.

Caso os E. Ministros entendam que o decisum guerreado não viola princí-pios processuais constitucionais, que seja concedida ordem de habeas corpus para possibilitar que o Paciente fique acautelado sob o regime da prisão domiciliar visto ser acometido de doença gravíssima e o seu acautelamento em estabelecimento prisional comum pode trazer graves prejuízos à sua saúde.(Fls. 34/35.)

Em 7 de dezembro de 2006, a Quinta Turma do STJ, por unanimidade, denegou a ordem (fls. 301-306).

Contra essa decisão do STJ, o ora recorrente interpôs recurso ordinário em habeas corpus, com pedido de medida liminar, alegando que a decisão da Quinta Turma do STJ no HC 59.604/RJ violou os princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório (CF, arts. 5º, LIV e LV – fls. 324-337).

Em 26 de março de 2007, o Vice-Presidente do STJ, Ministro Francisco Peçanha Martins, admitiu o recurso ordinário e determinou a remessa dos autos ao STF (fl. 346).

No presente recurso ordinário em habeas corpus, a defesa alega existência de constrangimento ilegal, considerando que:

II – Da violação ao devido processo legal(...) o Magistrado da Comarca de Vassouras no Estado do Rio de Janeiro, nos

autos do processo nº 2005.065.001007-2, concedeu ao recorrente, Sr. Julio Avelino

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de Oliveira Filho, a prisão domiciliar, tendo em vista seu grave estado de saúde que fora comprovado pelos laudos médicos competentes.

O Ministério Público local, através de seu combativo e culto Promotor de Justiça que se mostrou insatisfeito com o decisum, interpôs a Reclamação nº 2006.077.00025 (...).

A Reclamação, que foi o instituto utilizado pelo Ministério Público para atacar a decisão monocrática, com todas as venias do v. Acórdão proferido pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, não é o instituto processual indicado para auferir este desiderato.

(...) Assim, face ao que foi exposto à Vossa Excelência, a utilização da Reclamação para combater o decisum monocrático do Juízo de Vassouras, viola frontalmente o Devido Processo Legal, na medida que o Código de Processo Pe-nal prevê dois institutos recursais para auferir o desiderato ministerial, além de o dispositivo contido no artigo 219 do CODJERJ estar acoimado de Inconstituciona-lidade Formal, por violação ao artigo 22, inciso I, da Lei Maior.

III – Violação à ampla defesa e ao contraditórioMalgrado a flagrante violação ao Devido Processo Legal que foi exausti-

vamente exposto acima, a utilização da Reclamação ao invés de Apelação (593, II, CPP) ou Recurso em Sentido Estrito (581, CPP), viola, também, os princípios da ampla defesa e contraditório, previstos na Constituição da República em seu artigo 5º, inciso LV.

Com efeito, o procedimento da Reclamação não prevê a possibilidade de oferecimento de contra-razões ou qualquer tipo de Defesa por parte da outra parte, sendo certo que o recorrente somente tomou conhecimento da existência da Reclamação quando foi surpresado em sua casa onde cumpria prisão domiciliar com uma ordem judicial remanejando-o a um presídio comum.

Nesse caso, como a questão a ser julgada nos autos da Reclamação versava sobre direito indisponível – direito à liberdade – o Tribunal de Justiça local de-veria, ao menos, conceder a oportunidade do recorrente se manifestar, caso dese-jasse, nos autos da Reclamação, em homenagem ao Princípio do Contraditório e da Ampla Defesa.

(...) IV – Da indevida utilização da reclamaçãoNão obstante o acima exposto, sendo certo que a Reclamação além de in-

constitucional e violar os Princípios do Devido Processo Legal, Contraditório e Ampla Defesa, fora utilizada com finalidade diversa da que determina o Código de Organização e Divisão Judiciária do Estado do Rio de Janeiro.

(...) A primeira consideração a ser feita é que somente é cabível a Reclama-ção em face de omissão do Juiz ou despachos irrecorríveis, que se compreende os despachos de mero expediente, previsto no Código de Processo Civil.

(...) Neste caso, além dos argumentos expandidos acima, a hipótese venti-lada sequer era passível de ser atacada pela via eleita, o que evidencia ainda mais o constrangimento ilegal suportado pelo recorrente.

V – Do cabimento da prisão domiciliarNo cabimento da prisão domiciliar para o paciente, é incontestável o seu grave

e precário estado de saúde, havendo divergência somente na possibilidade ou não de concessão da medida antes do trânsito em julgado da decisão penal condenatória.(Fls. 326-335.)

Em 25 de junho de 2007, indeferi o pedido de medida liminar (fls. 352-359, DJ de 29-6-07).

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Na Pet 177.682, de 30 de outubro de 2007 (fls. 373-376), a defesa de Júlio Avelino de Oliveira Filho requereu a reconsideração da medida liminar, nos se-guintes termos:

O Recorrente está preso por força de decisão proferida pelo Juízo da 2ª Vara da Comarca de Vassouras, Rio de Janeiro.

O Recorrente, por ser portador de cardiopatia grave, obteve junto ao Juízo que decretou sua custódia o benefício da prisão domiciliar, que foi ilegalmente cassado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

(...) Ocorre que, ao contrário do que pode ser concluído pelo E. STJ, o qua-dro clínico do Paciente é gravíssimo e a unidade hospitalar prisional na qual se encontra não é capaz de atendê-lo em suas necessidades médicas básicas.

No dia 31 de Julho de 2007, o Paciente teve que ser removido às pressas para o Hospital Municipal Souza Aguiar, certidão anexa (doc. 01), pois apresentava grave quadro de arritmia cardíaca com hipertensão arterial (...)

Há muito, a família e a defesa do recorrente vêm tentando, sem êxito, obter autorização para visita de médicos particulares e/ou a transferência para clínicas particulares a fim de serem realizados exames de rotina, conforme diversos tele-gramas enviados (doc. 03).

A decadência da unidade hospitalar prisional na qual o recorrente está inter-nado/custodiado pode ser demonstrada pela carência de medicamentos necessá-rios para evitar seu óbito. As notas fiscais anexas (doc. 04), provam que é a família do recorrente quem tem que comprar os medicamentos indispensáveis, uma vez que o Estado não tem como fornecê-los.

Por fim, destaca que os novos documentos apresentados atendem completa-mente aos requisitos criados pela jurisprudência do STJ, quanto ao pleito de prisão domiciliar (...)

Diante dos novos documentos apresentados, que reforçam o quadro de ins-tabilidade da saúde do Recorrente, restam cristalinos os requisitos básicos para a concessão da medida liminar.

Por tudo, a reconsideração da medida liminar.(Fls. 373-376.)

Por fim, a defesa pleiteia:

o provimento do recurso ordinário para prestigiar e restabelecer a decisão do eminente magistrado da comarca de Vassouras que determinou a custódia do-miciliar do Sr. Julio Avelino de Oliveira Filho, por ser ato imperativo do mais puro e cristalino direito.(Fl. 337.)

O parecer do Ministério Público Federal (fls. 361-367), da lavra do Subpro-cura dor-Geral da República Wagner Gonçalves é pelo conhecimento parcial do recurso; e, nesta parte, pelo seu desprovimento.

É o relatório.

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VOTO

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): Inicialmente, o Ministério Pú-blico Federal (MPF) (fls. 361-367), pelo Subpro cura dor-Geral da República Wagner Gonçalves, manifestou-se pelo conhecimento parcial do recurso, verbis:

10. O recurso não merece ser conhecido quanto à alegada violação ao art. 22, I, da CF/88, pois a matéria não foi objeto de impugnação quando da im-petração do habeas corpus perante o Superior Tribunal de Justiça, conseqüente-mente, não foi apreciada pelo Tribunal.

11. Tem-se, portanto, que o conhecimento do recurso, quanto a esse ponto, implicaria indevida supressão de instância.

12. Quanto às demais matérias impugnadas, o recurso merece ser conhe-cido, contudo, deve ser desprovido, pelas razões que se seguem.(Fl. 364.)

A Ministra Laurita Vaz, Relatora do HC 59.604/RJ, do Superior Tribunal de Justiça, assim se manifestou em seu voto (fls. 302-304):

A impetração não merece acolhida.Inicialmente, impende dizer que não existe previsão legal contida no

art. 581, do Código de Processo Penal, de que a decisão judicial concessiva de benefício de prisão domiciliar seja atacável em sede de recurso em sentido estrito, assim, o órgão ministerial utilizou-se adequadamente da previsão regimental da reclamação que, segundo o regimento do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Janeiro, seria o recurso cabível contra as decisões judiciais irrecorríveis.

Certo é que o rol legal do recurso em sentido estrito é taxativo, não compor-tando ampliação por analogia, o que se admite, todavia, dada a excepcionalidade do caso, é a aplicação da interpretação extensiva, a qual, ao contrário da amplia-ção analógica, apenas admite que determinada situação se enquadre no disposi-tivo interpretado a despeito de sua linguagem mais restrita.

No caso, contudo, existe previsão, ainda que regimental, pelo Tribunal a quo, de revisão das decisões judiciais irrecorríveis pela reclamação, revelando-se mais adequada, a teor do princípio da singularidade recursal ou unirrecorribili-dade, razão pela qual não existe o alegado constrangimento ilegal.(HC 59.604/RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, Quinta Turma do STJ, unânime, DJ de 5-2-07 – fls. 302/303.)

Quanto ao mérito, o MPF opinou pelo desprovimento do recurso, nos se-guintes termos (fls. 361-367):

13. Não prosperam as alegações do recorrente quanto à inadequação da recla-mação. Primeiro, porque há previsão expressa no Código de Organização Judiciária do Estado do Rio de Janeiro, em seu art. 219, assegurando o cabimento de reclama-ção contra decisões irrecorríveis dos juízes, em hipóteses como a dos autos.

14. É sabido que não existe recurso legal previsto contra a decisão conces-siva de pedido de cumprimento de prisão preventiva em regime domiciliar. Não cabe o recurso em sentido estrito, pois a hipótese não está inserida no rol exaus-tivo, do art. 581, do CPP. De igual modo, não cabe apelação, pois tal decisão não se enquadra em nenhuma das hipóteses de cabimento do referido recurso, previstas

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nos incisos do art. 593, do CPP. Verifica-se, portanto, que, como a decisão im-pugnada por meio da reclamação não é passível de apelação, nem de recurso em sentido estrito, pode-se afirmar que se trata de decisão irrecorrível. Vale, ainda, dizer que o Ministério Público, antes de ajuizar a reclamação, formulou pedido de reconsideração, contudo, esse restou indeferido.

15. No tocante à alegada ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa, de igual modo, não assiste razão ao recorrente. É certo que no procedimento da reclamação não há previsão legal de manifestação da outra parte, contudo, nada impede que esta se manifeste por meio de memoriais, podendo assim influir no convencimento do julgador. Ademais, eventual decisão que julga procedente a re-clamação e afeta direito da parte contrária pode ser impugnada por habeas corpus, como de fato ocorreu no presente caso, ou por mandado de segurança.

16. Ressalte-se, ainda, que, ao contrário do que afirma o recorrente, o acór-dão que julgou procedente a reclamação foi devidamente fundamentado, tendo sido apontados os dispositivos legais em que se baseou. Isso é o que se extrai da simples leitura do decisum (fls. 209/212).

17. Quanto à pretensão de obter a prisão domiciliar, o recurso também não merece ser provido. Com efeito, essa modalidade de prisão, segundo dispõe o art. 117 da Lei de Execução Penal, somente é cabível para aqueles que cumprem pena definitiva, decorrente de condenação, e não para os casos de prisão cautelar, como é o caso dos autos. Além disso, somente é admitida a prisão domiciliar para os apenados que cumprem a pena em regime aberto.

18. Conforme demonstrado pelo próprio recorrente, a jurisprudência, em especial a dessa Corte, tem admitido, por razões humanitárias, a prisão domiciliar em outras situações, no entanto, isso ocorre apenas quando o preso, acometido por grave enfermidade, precisar de assistência médica que não puder ser oferecida no estabelecimento prisional.

19. Todavia, na hipótese dos autos não restou cabalmente demonstrado que o paciente encontra-se em tal situação excepcionalíssima a justificar a concessão do benefício. Pri meiramente, porque os atestados e exames acostados aos autos – todos produzidos, importa destacar, por médicos particulares –, embora revelem a existência de problemas cardíacos, não demonstram a extrema gravidade da enfermidade, a ponto de impossibilitar, mesmo com acompanhamento médico, a permanência do paciente no estabelecimento prisional. Ademais, boa parte das ocorrências médicas e dos exames apresentados são antigos, dos anos de 1990 e 1999 (fls. 97/125), o que denota a existência mais de uma doença crônica do que de uma doença aguda.

20. Ademais, saliente-se que, conforme as informações constantes das ma-térias veiculadas pela imprensa, às fls. 180/193, a família do paciente possui fama de violenta na região de Vassouras, no Estado do Rio de Janeiro. Nas informações de fls. 255/256, que, na verdade, deveriam tratar do caso dos autos, o Tribunal de Justiça traz notícias de processo referente a crime praticado por outro membro da família “Avelino”, verbis:

“O Paciente foi denunciado pela prática da conduta descrita no artigo 121, § 2º, incisos I e IV c/c artigo 14, inciso II, n/f do artigo 69, todos do CP, eis que num ‘baile à fantasia’ na Comarca de Miguel Pereira, nesse Estado, desferiu disparos de arma de fogo em face do arquiteto carioca Rodolfo Gigante Iannuzzi, que naquele momento conversava com uma ex-namorada do acusado. O relacionamento entre essa última e o Paciente havia chegado

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ao fim poucos dias antes do crime, sendo certo que a família do autor dos disparos é conhecida na localidade por sua história de violência, havendo processos em curso por diversos delitos envolvendo membros do clã.”(Grifos não-originais – fl. 255.)21. O Tribunal local informou também que o paciente permaneceu foragido

por mais de um ano, in verbis:“Em decisão prolatada no dia 01/04/2005, foi decretada a prisão pre-

ventiva do apenado (sic), o qual sequer chegou a cumpri-la, eis que fora-gido. No entanto, apresentou-se à polícia no dia 07/04/2006, após tentativas frustradas da defesa para obter a revogação da prisão cautelar. Contudo, sua apresentação ocorreu após a defesa alegar a necessidade de cuidados médicos especiais e o juízo deferir o pedido de prisão domiciliar, condicionado à sua apresentação em juízo, a saídas de sua residência somente para fins de con-sulta médica e ao não afastamento de seu domicílio sem autorização legal. (...)”(Fl. 255.)22. Dessa forma, o fato de o paciente ter ficado foragido por mais de um ano,

vindo a se apresentar à Justiça somente porque lhe fora concedida a prisão domi-ciliar, em 07.04.2006, é forte sinal de que não necessitava de assistência médica constante, não sendo crível que agora a necessite.

23. Pelo exposto, opina a Pro cura doria Geral da República pelo conheci-mento parcial do recurso; e, nesta parte, pelo seu desprovimento.(Fls. 364-367.)

Também com relação à questão de fundo deste writ, a Ministra Laurita Vaz, Relatora do HC 59.604/RJ, do Superior Tribunal de Justiça, assim se ma-nifestou (fls. 302-304):

Por fim, observa-se da leitura das judiciosas informações e das razões de decidir da reclamação que o paciente teve a sua prisão preventiva decretada para se assegurar a aplicação da lei penal, pois, durante as investigações empreendeu fuga do distrito da culpa, permanecendo por mais de um ano foragido da justiça pública.

Nesse período, pleiteou a concessão do benefício da prisão domiciliar, ale-gando cardiopatia grave, juntando, para tanto, atestados antigos e novos expedidos por médicos particulares.

Cumpre asseverar, nesse particular, que o recolhimento à prisão domiciliar, a teor do disposto no art. 117, da Lei nº 7.210/84, somente será admitido, em sede de execução da pena, aos apenados submetidos ao regime aberto. Inexiste, em princípio, a possibilidade de se estender tal benefício aos segregados cautelar-mente, em razão da natureza do título judicial que justifica o seu encarceramento.

Ademais, impende ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça assentou o entendimento de que, excepcionalmente, concede-se regime prisional mais be-néfico ao réu portador de doença grave que, no regime fechado ou semi-aberto, demonstra a impossibilidade de prestação da devida assistência médica pelo esta-belecimento penal em que se encontra recolhido.

Nesse sentido:“Ementa: recurso ordinário em habeas corpus. Processual Penal.

Crime de tráfico ilícito de entorpecentes. Prisão preventiva. Réu portador do vírus HIV. Pedido de recolhimento provisório em regime domiciliar. Impossibilidade. Ausência de previsão legal e de comprovação do real

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estado de saúde do Paciente. Réu que se recusa a se recolher à prisão, permanecendo foragido e obstruindo o bom andamento da ação penal. Precedentes do STJ.

1. O recolhimento à prisão domiciliar, a teor do disposto no art. 117, da Lei nº 7.210/84, somente será admitido, em princípio, aos apenados sub-metidos ao regime aberto, salvo hipótese excepcional. Precedentes do STJ.

2. No caso dos autos, porém, a excepcionalidade da medida não foi devidamente comprovada, pois o paciente não demonstrou que o tratamento médico prestado no estabelecimento prisional seria inadequado ou ineficiente.

3. Os autos noticiam, por fim, a existência de um decreto de prisão preventiva expedido em desfavor do paciente, o qual, deliberadamente, per-manece foragido da Justiça Pública, demonstrando a sua vontade de se fur-tar eventualmente à aplicação da lei penal e de obstruir o bom andamento da ação penal.

4. Recurso desprovido.”(RHC nº 17.978/RS, de minha relatoria, DJ de 20/02/2006.)

“Ementa: processo e execução penal. Habeas corpus substitutivo de recurso ordinário. Art. 14 da Lei nº 6.368/76, c/c art. 8º da Lei nº 8.072/90. Sentenciado cumprindo pena no regime fechado. Estado de saúde debili-tado. Prisão domiciliar.

I – A prisão domiciliar, em princípio, só é admitida quando se tra-tar de réu inserido no regime prisional aberto, ex vi do art. 117 da Lei de Execução Penal (Precedentes do Su premo Tribunal Federal).

II – Excepcionalmente, porém, esta Corte tem entendido que, mesmo no caso de regime prisional diverso do aberto, é possível a concessão de prisão domiciliar, em face de comprovada doença grave, se o tratamento médico ne-cessário não puder ser ministrado no presídio em que se encontra o apenado.

III – Todavia, no caso em exame, não houve demonstração cabal da alegada fragilidade do estado de saúde do paciente, sendo que a documen-tação juntada se restringe a laudos de exames clínicos que não comprovam a atualidade do quadro de saúde sugerido.

IV – É necessária a demonstração de que o tratamento médico pres-tado no estabelecimento prisional em que o paciente se encontra recolhido não é satisfatório ou suficiente para as suas necessidades (Precedentes).

Ordem denegada”(HC nº 33.777/RJ, rel. Min. Felix Fischer, DJ de 08/11/2004.)Tem-se, portanto, evidenciado, na hipótese, que o caso ora apresentado não

se amolda ao entendimento aplicado pelo Superior Tribunal de Justiça, como de-monstram os precedentes acima citados, razão pela qual o acórdão ora impugnado não merece reparos.

Ante o exposto, denego a ordem ora postulada.(HC 59.604/RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, Quinta Turma do STJ, unânime, DJ de 5-2-07 – fls. 303/304.)

Abstraídas as questões de fundo debatidas no presente recurso, quais se-jam, o teórico cabimento de prisão domiciliar em se tratando de réu ainda não apenado e, na seqüência, o exame da gravidade da doença que acometeria o ora recorrente, a indicar o aconselhamento da medida, tenho que a ordem deve ser concedida por questão diversa, constatando-se, na verdade, o descabimento da

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via recursal eleita pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro face à decisão do Juízo de Primeiro Grau, consistente no deferimento do direito de pri-são domiciliar ao Paciente, matéria levada ao conhecimento do STJ pela parte Impetrante e devidamente debatida naquela Corte.

Segundo se colhe dos autos, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro deu provimento à “reclamação” interposta pelo Parquet, com isso cassando a deci-são que deferiu a prisão domiciliar ao Paciente, mediante aplicação do art. 210 de seu Regimento Interno, o qual dispõe:

Art. 210. São suscetíveis de correição, mediante reclamação da parte ou do Ór gão do Ministério Público, as omissões dos Juízes e os despachos irrecorríveis por eles proferidos que importem em inversão da ordem legal do processo ou re-sultem de erro de ofício ou abuso de poder (CODJERJ, art. 219).

O exame do dispositivo regimental acima transcrito de pronto remete ao instituto da “correição parcial”, conceitualmente tratada como meio de impug-nação de despachos tumultuários emitidos pelo Juiz, o que, evidentemente, não se aplica à decisão que permitiu ao réu o cumprimento da prisão preventiva em domicílio, vez que nada indica houvesse o magistrado promovido a inversão da ordem processual em desacordo com a lei.

A propósito, o escólio de Julio Fabbrini Mirabete:

Não é adequada a correição quando se pretende impugnar error in judi-cando, ou seja, quando seu objeto verse sobre decisão que envolve matéria de mérito sobre o procedimento.(Processo penal, Atlas, 14. ed., p. 707.)

Trata-se, na verdade, de efetiva decisão interlocutória, no sentido técnico do termo, a qual não é contemplada entre os taxativos permissivos arrolados no art. 581 do Código de Processo Penal, inadmitindo-se, no caso, a adoção de interpretação extensiva, por não configurada a necessidade de interpretar a vontade do legislador, de forma a abranger situação não expressamente pre-vista em lei.

Sobre o tema, ensina Fernando da Costa Tourinho Neto:

Quanto aos resultados, a interpretação pode ser extensiva ou restritiva. A linguagem da lei peca ou por excesso ou por defeito. Às vezes, como diz Maggiore, é demasiado genérica (plus dixit quam voluit) – disse mais do que que-ria – de sorte que, aparentemente, compreende relações que permaneceram, na vontade do legislador, excluídas. Outras vezes é demasiado restrita (minus dixit quam volouit) – disse menos do que queria –, de modo que, aparentemente, exclui relações queridas pela própria lei.

(...)Cumpre, então, ao intérprete, para restabelecer o equilíbrio, atribuir à

norma, no primeiro caso, um alcance menos amplo. As verba legis, ensina Hungria, podem ser claras e propriamente empregadas, mas, à luz da interpreta-ção lógica ou teleológica, podem apresentar-se exuberantes em relação ao que o

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legislador efetivamente pretendeu exprimir. Fala-se, pois, em interpretação restri-tiva, uma vez que a lógica não pode substituir a razão jurídica. Restritiva, repita-se, porque restringe a aparente extensão da norma.

(...)Outras vezes, percebe-se que o legislador minus dixit quam voluit (disse

menos do que queria dizer). Urge, assim, fazer as palavras da lei corresponderem ao seu espírito, e, para tanto, deverá o intérprete ampliar o sentido ou o alcance daquelas. Fala-se, aí, em interpretação extensiva.(Processo penal. 28 ed. vol. 1. Saraiva, p. 165.)

Entendimento diverso permitiria ao Regimento Interno do Tribunal a criação de recurso que, para além de não contemplado na lei processual penal, com ela se mostraria conflitante, distorcendo a vontade do legislador de arrolar as específicas situações atacáveis pelo recurso em sentido estrito, abrindo nova via recursal em face de toda e qualquer manifestação do Juízo, mesmo que seu provimento resulte em prejuízo ao Réu.

Por elucidativo, convém novamente transcrever o ensinamento de Tourinho Neto, agora tratando da taxatividade do rol do art. 581 do CPP:

Cremos que a matéria é de direito estrito e, assim, não pode comportar aplicação analógica. Ali não há uma enumeração exemplificativa, mas taxativa. Fosse exemplificativa e não haveria necessidade de se elencarem todas aquelas hipóteses. Tampouco se cuidaria da apelação como recurso residual para os casos de decisões definitivas ou com força de definitivas.(Obra citada, 4º volume, p. 350.)

Observando-se, pelo exposto, que a decisão concessiva de prisão domici-liar ao paciente foi cassada mediante via recursal inaplicável na espécie, resulta claro o constrangimento ilegal, a permitir a concessão da ordem.

Posto isso, defiro o habeas corpus, restabelecendo o decisório de primeira instância, com isso possibilitando a permanência do paciente em prisão domici-liar, se e enquanto entender o Juízo monocrático cabível a medida.

É como voto.

VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhor Presidente, acompanho o Relator, não sem fazer duas observações.

A primeira delas é que, evidentemente, o caso não trata de reclamação como remédio constitucional. A reclamação, aqui, é o outro nome que se dá à chamada correição parcial. E a respeito ressuscitamos, no campo do processo penal, a velha questão sobre a subsistência, ou não, da correição parcial. E é evidente que não se pode escapar do seguinte dilema: ou a correição parcial pre-vista em normas estaduais ou em normas regimentais, como no caso, é recurso, ou não é recurso.

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O Sr. Ministro Cezar Peluso: Se é recurso, ou é ilegal ou é inconstitucio-nal a sua criação, porque nem o Estado nem o Tribunal têm competência legis-lativa na matéria. Se não é recurso, a sua função é puramente disciplinar, isto é, serve para levar à prática de um ato de inversão ilegal da ordem do processo ao conhecimento do órgão disciplinar do Tribunal, nem sequer de órgãos frag-mentários que têm competência jurisdicional. Noutras palavras, se fosse em São Paulo, seria medida de competência do Conselho Superior da Magistratura ou da Corregedoria-Geral.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): Não teria feição jurisdicional.O Sr. Ministro Cezar Peluso: Feição jurisdicional nenhuma. Então, em ne-

nhuma hipótese poderia ser conhecida. E mais: ou o caso admite recurso, e tinha de ser interposto, e não se pode aproveitar do princípio da fungibilidade; ou não havia recurso e não se podia fazer nada.

Acompanho inteiramente o Relator.O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): Eu nem cuidei da questão da

legislação, embora, em tese – mas aí caberia ao Pleno –, pudéssemos examinar a argüição que, na verdade, é de inconstitucionalidade da norma regimental. No entanto, a rigor, os tribunais a têm aplicado com essa dimensão, porque se trata de correição com caráter disciplinar.

Em tese, seria possível o exame, até mesmo dentro do princípio, hoje, da causa petendi aberta. Mas isso não é necessário para definir a questão relativa-mente à argüição de inconstitucionalidade.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: À época, havia a taxatividade do agravo de petição e do agravo no auto do processo.

EXTRATO DA ATA

RHC 91.293/RJ — Relator: Ministro Gilmar Mendes. Recorrente: Júlio Avelino de Oliveira Filho (Advogados: Clóvis Sahione e outros). Recorrido: Ministério Público Federal.

Decisão: A Turma, por votação unânime, deu provimento ao recurso ordi-nário, nos termos do voto do Relator. Falou, pelo paciente, o Dr. Yuri Sahione e, pelo Ministério Público Federal, o Dr. Wagner Gonçalves.

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Subpro cura dor-Geral da República, Dr. Wagner Gonçalves.

Brasília, 1º de abril de 2008 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

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HABEAS CORPUS 91.361 — SP

Relator: O Sr. Ministro Celso de MelloPaciente: Renato Dias da Silva — Impetrantes: Carlos Augusto Stockler

Pinto Bastos e outros — Coator: Superior Tribunal de Justiça

Habeas corpus – Prisão civil – Depositário legal (leiloeiro ofi-cial) – A questão da infidelidade depositária – Convenção Ameri-cana de Direitos Humanos (art. 7º, n. 7) – Hierarquia constitucional dos tratados internacionais de direitos humanos – Pedido deferido.

Ilegitimidade jurídica da decretação da prisão civil do de-positário infiel.

– Não mais subsiste, no sistema normativo brasileiro, a prisão civil por infidelidade depositária, independentemente da modalidade de depósito, trate-se de depósito voluntário (conven-cional) ou cuide-se de depósito necessário. Precedentes.

Tratados internacionais de direitos humanos: as suas rela-ções com o direito interno brasileiro e a questão de sua posição hierárquica.

– A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art. 7º, n. 7). Caráter subordinante dos tratados internacionais em ma-téria de direitos humanos e o sistema de proteção dos direitos básicos da pessoa humana.

– Relações entre o direito interno brasileiro e as conven-ções internacionais de direitos humanos (CF, art. 5º e § 2º e § 3º). Precedentes.

– Posição hierárquica dos tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento positivo interno do Brasil: natureza cons-titucional ou caráter de supralegalidade? – Entendimento do Rela-tor, Ministro Celso de Mello, que atribui hierarquia constitucional às convenções internacionais em matéria de direitos humanos.

A interpretação judicial como instrumento de mutação in-formal da Constituição.

– A questão dos processos informais de mutação consti-tucional e o papel do Poder Judiciário: a interpretação judicial como instrumento juridicamente idôneo de mudança informal da Constituição.

A legitimidade da adequação, mediante interpretação do Poder Judiciário, da própria Constituição da República, se e quando imperioso compatibilizá-la, mediante exegese atualiza-dora, com as novas exigências, necessidades e transformações resultantes dos processos sociais, econômicos e políticos que

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caracterizam, em seus múltiplos e complexos aspectos, a socie-dade contemporânea.

Hermenêutica e direitos humanos: a norma mais favorável como critério que deve reger a interpretação do Poder Judiciário.

– Os magistrados e os Tribunais, no exercício de sua ativi-dade interpretativa, especialmente no âmbito dos tratados in-ternacionais de direitos humanos, devem observar um princípio hermenêutico básico (tal como aquele proclamado no art. 29 da Convenção Americana de Direitos Humanos), consistente em atri-buir primazia à norma que se revele mais favorável à pessoa hu-mana, em ordem a dispensar-lhe a mais ampla proteção jurídica.

– O Poder Judiciário, nesse processo hermenêutico que prestigia o critério da norma mais favorável (que tanto pode ser aquela prevista no tratado internacional como a que se acha posi-tivada no próprio direito interno do Estado), deverá extrair a má-xima eficácia das declarações internacionais e das proclamações constitucionais de direitos, como forma de viabilizar o acesso dos indivíduos e dos grupos sociais, notadamente os mais vulneráveis, a sistemas institucionalizados de proteção aos direitos fundamen-tais da pessoa humana, sob pena de a liberdade, a tolerância e o respeito à alteridade humana tornarem-se palavras vãs.

– Aplicação, ao caso, do art. 7º, n. 7, c/c o art. 29, ambos da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica): um caso típico de primazia da regra mais favo-rável à proteção efetiva do ser humano.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Su-premo Tribunal Federal, em Se gunda Turma, na conformidade da ata do julga-mento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, deferir o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, a Ministra Ellen Gracie.

Brasília, 23 de setembro de 2008 — Celso de Mello, Presidente e Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Celso de Mello: O Ministério Público Federal, em parecer da lavra do ilustre Subpro cura dor-Geral da República, Dr. EDSON OLIVEIRA DE ALMEIDA, assim resumiu a presente impetração (fls. 82/83):

1. Trata-se de “habeas corpus” impetrado contra acórdão proferido pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, HC nº 69.985-SP, que denegou a ordem nos termos da seguinte ementa (fls. 726, apenso 4):

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“HABEAS CORPUS”. LEILOEIRO OFICIAL. RETENÇÃO. PRO-DUTO DA ARRECADAÇÃO. PRISÃO CIVIL. POSSIBILIDADE. CONDI-ÇÃO DE DEPOSITÁRIO JUDICIAL. ORDEM DENEGADA.

– A prisão do leiloeiro oficial pode ser decretada no processo em que se constituiu o encargo, independentemente da propositura da ação de de-pósito. Súmula 619/STF.

– O leiloeiro que, intimado pelo juízo, não entrega ao dono o va-lor arrecadado no leilão, torna-se depositário infiel e se expõe à prisão. (Art. 27, § 4º do Decreto 21.981/32).2. Perseguem os impetrantes, em síntese, a concessão da ordem para sus-

pender a ordem de prisão civil expedida contra o paciente, leiloeiro oficial, decre-tada nos autos da Ação Cautelar nº 583.00.2005.007873-5 (apensados aos autos da Ação Ordinária nº 583.00.2005.018735-3), em curso perante o Juízo de Direito da 33ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo/SP. Esclarecem que o paciente não foi constituído depositário em ação judicial e que o decreto de prisão, tendo por base o Decreto nº 21.981/32, “deve ser analisado em consonância com o ordenamento pátrio, em especial com os princípios constitucionais invocados (devido processo legal, contraditório, ampla defesa, vedação ao enriquecimento sem causa e da presunção da inocência), com o Pacto de San Jose da Costa Rica e com os direitos de retenção e compensação previstos no Código Civil de 2002”.(Grifei.)

Deferi o pedido de medida cautelar, para, até final julgamento desta ação de “habeas corpus”, suspender a eficácia da ordem de prisão civil expedida, contra o ora Paciente, qualificado como depositário infiel, nos autos da Ação Cautelar 583.00.2005.00787-5, em curso perante o Juízo de Direito da 33ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo/SP.

A douta Pro cura doria-Geral da República assim apreciou a presente causa (fls. 83/84):

4. Entendo que assiste razão aos impetrantes.5. É que a legitimidade da prisão civil do depositário infiel, ressalvada a

hipótese excepcional do devedor de alimentos, está em discussão no Plenário do Su premo Tribunal Federal. A questão foi bem equacionada no deferimento da liminar, donde se destaca:

Devo reconhecer que se torna prudente conceder a medida cautelar ora postulada, tendo em vista a circunstância de que a matéria suscitada nestes autos – pretendida ilegitimidade constitucional da prisão civil do depositário infiel – está sendo novamente analisada pelo E. Plenário do Su premo Tribunal Federal (RE 349.703/RS, Rel. Min. CARLOS BRITTO – RE 466.343/SP, Rel. Min. CEZAR PELUSO), cabendo registrar, por ne-cessário, que, no julgamento do mencionado RE 466.343/SP, suspenso em virtude de pedido de vista, 07 (sete) eminentes Juízes desta Corte (Ministros CEZAR PELUSO, Relator, CÁRMEN LÚCIA, RICARDO LEWANDOWSKI, JOAQUIM BARBOSA, CARLOS BRITTO, GILMAR MENDES e MARCO AURÉLIO) já proferiram votos favoráveis à tese da inconstitucionalidade da prisão civil na hipótese de infidelidade depositária.

A existência desses votos (que superam a maioria absoluta do Tribunal), ao menos até a conclusão do julgamento em referência, revela-se

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suficiente para conferir plausibilidade jurídica à pretensão deduzida pela parte ora impetrante.

É por tal razão que eminentes Ministros desta Suprema Corte, pro-nunciando-se em contexto idêntico ao que emerge do pleito ora em exame, têm concedido a suspensão cautelar de eficácia da ordem que decreta a prisão civil do depositário infiel, seja na hipótese de depósito voluntário, seja, ainda, no caso de depósito necessário, de caráter legal, como o é o depósito judicial (HC 88.173-MC/SC, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – HC 90.172-MC/SP, Rel. Min. GILMAR MENDES – HC 90.354-MC/RJ, Rel. Min. CEZAR PELUSO).

Impende assinalar que a situação versada na presente impetração – prisão civil de depositário judicial, qualificado como infiel pela autoridade judiciária que a decretou – ajusta-se às hipóteses veiculadas nas decisões anteriormente referidas, de que resultou, como salientado, a outorga, por esta Corte, do provimento cautelar então postulado.6. Com efeito, embora a Constituição Federal (art. 5º, LXVII) contenha

previsão da prisão civil do devedor de alimentos e do depositário infiel, tem-se que, a partir da adesão do Brasil ao Pacto de São José da Costa Rica, em 25.9.92, houve expressa opção do legislador por regulamentar tão-somente a prisão civil em caso de alimentos, ficando pois revogada a legislação anterior, incompatível com o art. 7º, item 7, daquela convenção, e que disciplinava a prisão civil do de-positário infiel.

7. Isso posto, opino para que seja confirmada a liminar para que seus efeitos perdurem até o julgamento final da questão, pelo Plenário do Su premo Tribunal Federal.(Grifei.)

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): A questão básica suscitada na presente causa consiste em saber se ainda subsiste, no direito positivo bra-sileiro, no plano infraconstitucional da legislação interna, a prisão civil do depositário infiel, considerado o que dispõem a Convenção Americana sobre Direitos Humanos/Pacto de São José da Costa Rica (art. 7º, § 7º) e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (art. 11).

A alta relevância dessa matéria, que envolve discussão em torno do al-cance e precedência dos direitos fundamentais da pessoa humana, impõe que se examine, de um lado, o processo de crescente internacionalização dos di-reitos humanos e, de outro, que se analisem as relações entre o direito nacional (direito positivo interno do Brasil) e o direito internacional dos direitos huma-nos, notadamente em face do preceito inscrito no § 3º do art. 5º da Constituição da República, introduzido pela EC 45/04.

Nesse contexto, o tema da prisão civil por dívida, analisado na perspec-tiva dos documentos internacionais, especialmente na dos tratados interna-cionais em matéria de direitos humanos, assume significativa importância no

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plano jurídico, pois estimula reflexão a propósito de uma clara tendência que se vem registrando no sentido da abolição desse instrumento de coerção proces-sual, que constitui resquício de uma prática extinta, já na Roma republicana, desde o advento, no século V a.C., da “Lex Poetelia Papiria”, saudada, então, enquanto marco divisor entre dois períodos históricos, como representando a “aurora dos novos tempos”.

Vale referir, a esse respeito, a valiosa lição de ALFREDO BUZAID (“Do Concurso de Credores no Processo de Execução”, p. 43/44, item n. 3, e p. 53, item n. 10, 1952, Saraiva):

No período das “legis actiones”, a execução se processava normalmente contra a pessoa do devedor, através da “legis actio per manus injectionem”. Confessada a dívida, ou julgada a ação, cabia a execução trinta dias depois, sendo concedido êsse prazo a fim de o devedor poder pagar o débito. Se este não fosse solvido, o exeqüente lançava as mãos sobre o devedor e o conduzia a juízo. Se o executado não satisfizesse o julgado e se ninguém comparecesse para afiançá-lo, o exeqüente o levava consigo, amarrando-o com uma corda, ou algemando-lhe os pés. A pessoa do devedor era adjudicada ao credor e reduzida a cárcere privado durante sessenta dias. Se o devedor não se mantivesse à sua custa, o credor lhe daria diàriamente algumas libras de pão. Durante a prisão era levado a três feiras sucessivas e aí apregoado o crédito. Se ninguém o sol-vesse, era aplicada ao devedor a pena capital, podendo o exeqüente matá-lo, ou vendê-lo “trans Tiberim”. Havendo pluralidade de credores, podia o executado na terceira feira ser retalhado; se fôsse cortado a mais ou a menos, isso não seria considerado fraude.

(...)O extremo rigor do primitivo processo civil romano não perdurou largo

tempo. Fez-se logo sentir a necessidade de uma reforma. Em 428, ou 441, foi pu-blicada a “Lex Poetelia”: seu objetivo foi, por um lado, fortalecer a intervenção do juiz. Assim foi abolida a faculdade de matar o devedor insolvente, de vendê-lo como escravo, ou de detê-lo na cadeia, bem como proibido o uso da “manus injectio” contra o devedor não “confessus”, nem “ judicatus”. Tornava-se indis-pensável a intervenção do magistrado mesmo quando o devedor se tivesse obri-gado pelas formas solenes do “nexum”.(Grifei.)

Sabemos que a vedação da prisão civil por dívida, no sistema jurídico brasileiro, possui extração constitucional. A Lei Fundamental, ao estabelecer as bases do regime que define a proteção dispensada à liberdade individual, consagra, em tema de prisão civil por dívida, uma tradição republicana, que, iniciada pela Constituição de 1934 (art. 113, n. 30), tem sido observada, com a só exceção da Carta de 1937, pelos sucessivos documentos constitucionais brasileiros (CF/46, art. 141, § 32; CF/67, art. 150, § 17; CF/69, art. 153, § 17). A Constituição de 1988, perfilhando essa mesma orientação, dispõe, em seu art. 5º, inciso LXVII, que “Não haverá prisão civil por dívida, salvo a do res-ponsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentí-cia e a do depositário infiel” (grifei).

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Esse preceito da Constituição brasileira, como se vê, contempla a possi-bilidade de o legislador comum, em duas hipóteses – (a) inadimplemento de obrigação alimentar e (b) infidelidade depositária –, limitar o alcance da veda-ção constitucional pertinente à prisão civil.

Ocorre, no entanto, Senhores Ministros, que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, ao dispor sobre o estatuto jurídico da liberdade pes-soal, prescreve, em seu art. 7º, n. 7, que “Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar” (grifei).

A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, instituída pelo Pacto de São José da Costa Rica, a que o Brasil aderiu em 25 de setembro de 1992, foi incorporada ao nosso sistema de direito positivo interno pelo Decreto 678, de 6 de novembro de 1992, e que, editado pelo Presidente da República, formal-mente consubstanciou a promulgação desse importante ato internacional.

Essa Convenção internacional – reiterando os grandes princípios gene-rosamente proclamados pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, pela Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e pela Carta da Organização dos Estados Americanos – reafirmou o propósito dos Estados americanos de fazerem consolidar, neste Continente, “dentro do quadro das instituições democráticas, um regime de liberdade pessoal e de justiça social, fundado no respeito dos direitos essenciais do Homem”.

Na realidade, o Pacto de São José da Costa Rica constitui instrumento normativo destinado a desempenhar um papel de extremo relevo no âmbito do sistema interamericano de proteção aos direitos básicos da pessoa humana, qualificando-se, sob tal perspectiva, como peça complementar no processo de tutela das liberdades públicas fundamentais.

O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, por sua vez, celebrado sob os auspícios da Organização das Nações Unidas e revestido de projeção global no plano de proteção dos direitos essenciais da pessoa humana, estabelece, em seu art. 11, que “Ninguém poderá ser preso apenas por não po-der cumprir com uma obrigação contratual” (grifei).

Vê-se, daí, considerado esse quadro normativo em que preponderam de-clarações constitucionais e internacionais de direitos, que o Su premo Tribunal Federal se defronta com um grande desafio, que, não superado, culminará por causar injusta frustração e provocar grave comprometimento do regime das liberdades públicas.

É por isso que, em tema de hermenêutica aplicada aos direitos humanos, o critério da “norma mais favorável” há de prevalecer, sempre, na interpre-tação do Poder Judiciário.

Com efeito, os magistrados e Tribunais, no exercício de sua atividade interpretativa, especialmente no âmbito dos tratados internacionais de direitos humanos, devem observar um princípio hermenêutico básico (tal como aquele

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proclamado no art. 29 da Convenção Americana de Direitos Humanos), con-sistente em atribuir primazia à norma que se revele mais favorável à pessoa humana, em ordem a dispensar-lhe a mais ampla proteção jurídica.

O Poder Judiciário, nesse processo hermenêutico que prestigia o cri-tério da “norma mais favorável” (que tanto pode ser aquela prevista no tra-tado internacional como a que se acha positivada no próprio direito interno do Estado), deverá extrair a máxima eficácia das declarações internacionais e das proclamações constitucionais de direitos, como forma de viabilizar o acesso dos indivíduos e dos grupos sociais, notadamente os mais vulneráveis, a sistemas institucionalizados de proteção aos direitos fundamentais da pessoa humana, sob pena de a liberdade, a tolerância e o respeito à alteridade humana tornarem-se palavras vãs.

Não se pode desconhecer, neste ponto, Senhores Ministros, que se deli-neia, hoje, uma nova perspectiva no plano do direito internacional. É que, ao con-trário dos padrões ortodoxos consagrados pelo direito internacional clássico, os tratados e convenções, presentemente, não mais consideram a pessoa humana como um sujeito estranho ao domínio de atuação dos Estados no plano externo.

O eixo de atuação do direito internacional público contemporâneo passou a concentrar-se, também, na dimensão subjetiva da pessoa humana, cuja es-sencial dignidade veio a ser reconhecida, em sucessivas declarações e pactos internacionais, como valor fundante do ordenamento jurídico sobre o qual repousa o edifício institucional dos Estados nacionais.

Torna-se importante destacar, sob tal perspectiva, que a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, realizada em Viena, em 1993, sob os aus-pícios da Organização das Nações Unidas, representou um passo decisivo no processo de reconhecimento, consolidação e contínua expansão dos direitos básicos da pessoa humana.

A Declaração e Programa de Ação de Viena, adotada consensualmente pela Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, foi responsável – con-soante observa o diplomata brasileiro JOSÉ AUGUSTO LINDGREN ALVES (“Os Direitos Humanos como Tema Global”, p. 135/144, item n. 8.2, 1994, Perspectiva) – por significativos avanços conceituais que se projetaram nos planos concernentes à legitimidade das preocupações internacionais com os direitos humanos (art. 4º), à interdependência entre democracia, desenvolvi-mento e direitos humanos (art. 8º) e, ainda, ao reconhecimento do sentido de universalidade dos direitos humanos (art. 5º).

Cumpre não desconhecer, nesse contexto, o alcance e o significado de diversas proclamações constantes da Declaração de Viena, especialmente daquelas que enfatizam o compromisso solene de todos os Estados de pro-moverem o respeito universal e a observância e proteção de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais das pessoas, assegurando-lhes, para esse efeito, meios destinados a viabilizar o acesso à própria jurisdição de organis-mos internacionais.

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Resulta claro de todas as observações que venho de fazer que os trata-dos e convenções internacionais desempenham papel de significativo relevo no plano da afirmação, da consolidação e da expansão dos direitos básicos da pessoa humana, dentre os quais avulta, por sua extraordinária importância, o direito de não sofrer prisão por dívida, ainda mais se se considerar que o instituto da prisão civil por dívida – ressalvada a hipótese excepcional do inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentar – vem sendo progressivamente abolido no âmbito do direito comparado.

É certo que a Constituição da República, ao vedar a prisão civil por dívida, prevê a possibilidade de o legislador ordinário instituí-la em duas situações excepcionais: (a) a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e (b) a do depositário infiel (CF, art. 5º, inciso LXVII).

Também é inquestionável que a prisão civil, que não é pena, mas sim-ples medida de coerção jurídico-processual (HC 71.038/MG, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RHC 66.627/SP, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI, v.g.) – en-tendimento este igualmente adotado pelo magistério da doutrina (CLÓVIS BEVILAQUA, “Código Civil”, vol. V, p. 22/23, itens ns. 3 e 5, 1957, Francisco Alves; JOSÉ CARLOS MOREIRA ALVES, “A Ação de Depósito e o Pedido de Prisão”, “in” “Revista de Processo”, vol. 36/12, v.g.) –, não foi instituída pela Constituição Federal.

Na realidade, as exceções à cláusula vedatória da prisão civil por dívida devem ser compreendidas como um afastamento meramente pontual da in-terdição constitucional dessa modalidade extraordinária de coerção, em ordem a facultar, ao legislador comum, a criação desse meio instrumental nos casos em que o seu uso se torne possível.

Isso significa que, sem lei veiculadora da disciplina da prisão civil nas si-tuações excepcionais referidas, não se torna juridicamente viável a decretação judicial desse meio de coerção processual, pois a regra inscrita no inciso LXVII do art. 5º da Constituição não tem aplicabilidade direta, dependendo, ao con-trário, da intervenção concretizadora do legislador (“interpositio legislato-ris”), eis que cabe, a este, cominar a prisão civil, delineando-lhe os requisitos, determinando-lhe o prazo de duração e definindo-lhe o rito de sua aplicação, a evidenciar, portanto, que a figura da prisão civil, se e quando instituída pelo legislador, representará a expressão de sua vontade, o que permite examinar esse instrumento coativo sob uma perspectiva eminentemente infraconstitucio-nal e conseqüentemente viabilizadora da análise – que me parece inteiramente pertinente ao caso em questão – das delicadas relações que se estabelecem entre o Direito Internacional Público e o Direito interno dos Estados nacionais.

Torna-se relevante assinalar que a colenda Se gunda Turma do Su premo Tribunal Federal, ao julgar o HC 74.383/MG, Rel. p/ o ac. Min. MARCO AURÉLIO (RTJ 166/963), pôs em destaque a não-vinculatividade do legisla-dor ordinário às exceções constitucionais que meramente permitem – mas não

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obrigam – a instituição, pelo Congresso Nacional, da prisão civil, havendo ressaltado, ainda, nesse julgamento, como fundamento essencial de sua deci-são, considerado o que dispõem o art. 4º, II, e o art. 60, § 4º, IV, da Constituição, a primazia que os direitos e garantias individuais ostentam em nosso ordena-mento positivo.

Reproduzo, no ponto, fragmento do voto então proferido pelo eminente Ministro FRANCISCO REZEK (RTJ 166/963, 971-972):

Há de se presumir equilíbrio e senso das proporções em todo legislador, sobretudo no constituinte quando trabalha nas condições em que trabalhou o constituinte brasileiro de l988. Ele prestigia uma tradição constitucional brasi-leira: não há, nesta República, prisão por dívida; não se prendem pessoas por-que devem dinheiro. Mas abre duas exceções. E o que vamos presumir em nome do equilíbrio? Que essas duas exceções têm peso mais ou menos equivalente. No caso do omisso em prestar alimentos, a linguagem constitucional é firme: inadimplemento voluntário e inescusável da obrigação. E, ao lado disso, o que mais excepciona a regra da proibição da prisão por dívida? O depositário infiel. Mas nunca se há de entender que essa expressão é ampla, e que o legislador ordinário pode fazer dela, mediante manipulação, o que quiser. O depositário infiel há de enquadrar-se numa situação de gravidade bastante para rivalizar, na avaliação do constituinte, com o omisso em prestar alimentos de modo voluntário e inescusável. (...). Esse é o depositário infiel cuja prisão o constituinte brasileiro, embora avesso à prisão por dívida, tolera. (...).

Mas, por cima de tudo isso, ainda vem São José da Costa Rica. Essa con-venção vai além, depura melhor as coisas, e quer que em hipótese alguma, senão a do inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia, se possa prender alguém por dívida. O texto a que o Brasil se vinculou quando ratificou a convenção de São José da Costa Rica não tolera sequer a prisão do depositário infiel verdadeiro.

(...) o inciso LXVII proíbe a prisão por dívida e, ao estabelecer a exceção possível, permite que o legislador ordinário discipline a prisão do alimentante omisso e do depositário infiel. Permite, não obriga. O constituinte não diz: prenda-se o depositário infiel. Ele diz: é possível legislar nesse sentido. (...) a Constituição não obriga a prender o depositário infiel; ela diz apenas que isso é uma exceção possível à regra de que não há prisão por dívida, e o legislador ordinário que delibere. O legislador ordinário poderia, então, disciplinar a pri-são nessa hipótese, ou não fazê-lo e assumir uma atitude mais condizente com os novos tempos. (...).(Grifei.)

Vê-se, daí, que a própria Constituição tornou juridicamente viável, no plano da legislação meramente comum, a possibilidade de o legislador ordi-nário, mesmo em face das duas únicas exceções previstas na Lei Fundamental, sequer considerar a instituição desse instrumento excepcional de coerção pro-cessual, a indicar, portanto, que se revela plenamente legítimo, no âmbito infraconstitucional, ao Congresso Nacional, e desde que assim o entenda con-veniente, restringir ou, até mesmo, suprimir a decretabilidade da prisão civil em nosso ordenamento positivo.

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Na realidade, o legislador não se acha constitucionalmente vinculado nem compelido, em nosso sistema jurídico, a regular a utilização da prisão civil, eis que dispõe, nesse tema, de relativa liberdade decisória, que lhe permite – sempre respeitados os parâmetros constitucionais (CF, art. 5º, LXVII) – (a) disciplinar ambas as hipóteses (inexecução de obrigação alimen-tar e infidelidade depositária), (b) abster-se, simplesmente, de instituir a prisão civil e (c) instituí-la em apenas uma das hipóteses facultadas pela Constituição.

Abre-se, desse modo, um campo de relativa discrição, ao Poder Le gis la-ti vo, que poderá, presente tal contexto, adotar qualquer das providências acima mencionadas.

Esse modelo constitucional vigente no Brasil, portanto, não impõe, ao legislador comum, a regulação do instituto da prisão civil, com necessá-ria projeção e abrangência das duas hipóteses excepcionais a que se refere a Constituição.

Torna-se evidente, assim, que esse espaço de autonomia decisória, pro-porcionado, ainda que de maneira limitada, ao legislador comum, pela própria Constituição da República, poderá ser ocupado, de modo plenamente legítimo, pela normatividade emergente dos tratados internacionais em matéria de di-reitos humanos, ainda mais se se lhes conferir caráter de “supralegalidade”, como preconizou, em douto voto, o eminente Ministro GILMAR MENDES (RE 349.703/RS e RE 466.343/SP) ou, então, com muito maior razão, se se lhes atribuir caráter constitucional, tal como o fiz, com apoio em eminentes dou-trinadores, em julgamento plenário no Su premo Tribunal Federal (HC 87.585/TO, RE 349.703/RS e RE 466.343/SP).

É que, em tal situação, cláusulas convencionais inscritas em tratados in-ternacionais sobre direitos humanos – como aquelas previstas na Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 7º, § 7º) –, ao limitarem a possibilidade da prisão civil, reduzindo-a a uma única e só hipótese (inexecução voluntária e inescusável de obrigação alimentar), nada mais refletirão senão aquele grau de preeminência hierárquica dos tratados internacionais de direitos humanos em face da legislação comum, de caráter infraconstitucional, editada pelo Estado brasileiro.

Posta a questão nesses termos, a controvérsia jurídica remeter-se-á ao exame do conflito entre as fontes internas e internacionais (ou, mais adequa-damente, ao diálogo entre essas mesmas fontes), de modo a se permitir que, tratando-se de convenções internacionais de direitos humanos, estas guardem primazia hierárquica em face da legislação comum do Estado brasileiro, sem-pre que se registre situação de antinomia entre o direito interno nacional e as cláusulas decorrentes de referidos tratados internacionais.

Após longa reflexão sobre o tema em causa, Senhores Ministros – nota-damente a partir da decisão plenária desta Corte na ADI 1.480-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO (RTJ 179/493-496) –, julguei necessário reavaliar certas formulações e premissas teóricas que me conduziram, então, naquela

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oportunidade, a conferir, aos tratados internacionais em geral (qualquer que fosse a matéria neles veiculada), posição juridicamente equivalente à das leis ordinárias.

As razões por mim invocadas no já referido julgamento plenário do HC 87.585/TO, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, do RE 349.703/RS, Rel. Min. CARLOS BRITTO e do RE 466.343/SP, Rel. Min. CEZAR PELUSO, no en-tanto, Senhores Ministros, convenceram-me da necessidade de se distinguir, para efeito de definição de sua posição hierárquica em face do ordenamento positivo interno, entre convenções internacionais sobre direitos humanos (re-vestidas de “supralegalidade”, como sustenta o eminente Ministro GILMAR MENDES, ou impregnadas de natureza constitucional, como eu próprio re-conheço), e tratados internacionais sobre as demais matérias (compreendidos estes numa estrita perspectiva de paridade normativa com as leis ordinárias).

Isso significa, portanto, examinada a matéria sob a perspectiva da “su-pralegalidade”, tal como preconiza o eminente Ministro GILMAR MENDES, que, cuidando-se de tratados internacionais sobre direitos humanos, estes hão de ser considerados como estatutos situados em posição intermediária que permita qualificá-los como diplomas impregnados de estatura superior à das leis internas em geral, não obstante subordinados à autoridade da Constituição da República.

Daí a observação que o eminente Ministro GILMAR MENDES fez em seu douto voto:

Não se pode negar, por outro lado, que a reforma também acabou por res-saltar o caráter especial dos tratados de direitos humanos em relação aos demais tratados de reciprocidade entre os Estados pactuantes, conferindo-lhes lugar privilegiado no ordenamento jurídico.

Em outros termos, solucionando a questão para o futuro – em que os tratados de direitos humanos, para ingressarem no ordenamento jurídico na qualidade de emendas constitucionais, terão que ser aprovados em quorum es-pecial nas duas Casas do Congresso Nacional –, a mudança constitucional ao menos acena para a insuficiência da tese da legalidade ordinária dos tratados e convenções internacionais já ratificados pelo Brasil, a qual tem sido preconizada pela jurisprudência do Su premo Tribunal Federal desde o remoto julgamento do RE 80.004/SE, de relatoria do Ministro Xavier de Albuquerque (julgado em 1º-6-77; DJ de 29-12-77) e encontra respaldo em um largo repertório de casos julgados após o advento da Constituição de 1988.

(...)Por conseguinte, parece mais consistente a interpretação que atribui a

característica de “supralegalidade” aos tratados e convenções de direitos huma-nos. Essa tese pugna pelo argumento de que os tratados sobre direitos humanos seriam infraconstitucionais, porém, diante de seu caráter especial em relação aos demais atos normativos internacionais, também seriam dotados de um atri-buto de “supralegalidade”.

Em outros termos, os tratados sobre direitos humanos não poderiam afrontar a supremacia da Constituição, mas teriam lugar especial reservado no

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ordenamento jurídico. Equipará-los à legislação ordinária seria subestimar o seu valor especial no contexto do sistema de proteção dos direitos da pessoa humana.(Grifei.)

Vale rememorar, ainda, neste ponto, expressiva passagem constante do voto que o eminente Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE proferiu, como Relator, no julgamento do RHC 79.785/RJ (RTJ 183/1010-1012, 1022), de-monstrando a sua inclinação no sentido de, ao reconhecer a necessária pre-valência da Constituição, “no Direito brasileiro, sobre quaisquer convenções internacionais, incluídas as de proteção aos direitos humanos (...)”, admitir, contudo, a precedência desses mesmos tratados internacionais sobre a legisla-ção interna do Estado brasileiro:

(...) tendo, assim (...), a aceitar a outorga de força supra-legal às conven-ções de direitos humanos, de modo a dar aplicação direta às suas normas – até, se necessário, contra a lei ordinária – sempre que, sem ferir a Constituição, a com-plementem, especificando ou ampliando os direitos e garantias dela constantes.(Grifei.)

Vale registrar, neste ponto, a lição de GILMAR FERREIRA MENDES, INOCÊNCIO MÁRTIRES COELHO e PAULO GUSTAVO GONET BRANCO (“Curso de Direito Constitucional”, p. 670/671, item n. 9.4.4, 2007, IDP/Saraiva), cuja análise e compreensão da função tutelar dos tratados internacio-nais, própria e co-natural, em matéria de liberdades públicas, à vocação pro-tetiva inerente ao Direito internacional contemporâneo, põe em perspectiva o decisivo papel que se atribui, hoje, em tema de direitos humanos, às conven-ções internacionais, culminando por reconhecer-lhes eficácia inibitória de di-plomas normativos, que, impregnados de qualificação infraconstitucional, com elas se mostrem colidentes:

Assim, a premente necessidade de se dar efetividade à proteção dos direi-tos humanos nos planos interno e internacional tornou imperiosa uma mudança de posição quanto ao papel dos tratados internacionais sobre direitos na ordem jurídica nacional.

Era necessário assumir uma postura jurisdicional mais adequada às rea-li dades emergentes em âmbitos supranacionais, voltadas primordialmente à pro-teção do ser humano.

Como enfatiza Cançado Trindade, “a tendência constitucional contempo-rânea de dispensar um tratamento especial aos tratados de direitos humanos é, pois, sintomática de uma escala de valores na qual o ser humano passa a ocupar posição central”.

Portanto, diante do inequívoco caráter especial dos tratados internacio-nais que cuidam da proteção dos direitos humanos, não é difícil entender que a sua internalização no ordenamento jurídico, por meio do procedimento de rati-ficação previsto na Constituição, tem o condão de paralisar a eficácia jurídica de toda e qualquer disciplina normativa infraconstitucional com ela conflitante.

Nesse sentido, é possível concluir que, diante da supremacia da Cons ti tui-ção sobre os atos normativos internacionais, a previsão constitucional da prisão

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civil do depositário infiel (art. 5º, LXVII) não foi revogada pela adesão do Brasil ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), mas deixou de ter aplicabilidade diante do efeito paralisante desses tratados em relação à legislação infraconstitucional que disciplina a matéria, incluídos o art. 1.287 do Código Civil de 1916 e o Decreto-Lei n. 911, de lº -10-1969.

Tendo em vista o caráter supralegal desses diplomas normativos interna-cionais, a legislação infraconstitucional posterior que com eles seja conflitante também tem sua eficácia paralisada. É o que ocorre, por exemplo, com o art. 652 do novo Código Civil (Lei n. 10.406/2002), que reproduz disposição idêntica ao art. 1.287 do Código Civil de 1916.

Enfim, desde a adesão do Brasil, no ano de 1992, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), não há base legal para aplicação da parte final do art. 5º, LXVII, da Constituição, ou seja, para a prisão civil do depositário infiel.(Grifei.)

Reconheço, no entanto, Senhores Ministros, que há expressivas li-ções doutrinárias – como aquelas ministradas por ANTÔNIO AUGUSTO CANÇADO TRINDADE (“Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos”, vol. I/513, item n. 13, 2ª ed., 2003, Fabris), FLÁVIA PIOVESAN (“Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional”, p. 51/77, 7ª ed., 2006, Saraiva), CELSO LAFER (“A Internacionalização dos Direitos Humanos: Constituição, Racismo e Relações Internacionais”, p. 16/18, 2005, Manole) e VALERIO DE OLIVEIRA MAZZUOLI (“Curso de Direito Internacional Público”, p. 682/702, item n. 8, 2ª ed., 2007, RT), dentre outros eminentes autores – que sustentam, com sólida fundamentação teórica, que os tratados internacionais de direitos humanos assumem, na ordem positiva interna brasileira, qualificação constitucional, acentuando, ainda, que as con-venções internacionais em matéria de direitos humanos, celebradas pelo Brasil antes do advento da EC 45/04, como ocorre com o Pacto de São José da Costa Rica, revestem-se de caráter materialmente constitucional, compondo, sob tal perspectiva, a noção conceitual de bloco de constitucionalidade.

Vale referir, no ponto, e no sentido ora exposto, o douto magistério do emi-nente Professor CELSO LAFER (“A Internacionalização dos Direitos Huma-nos: Constituição, Racismo e Relações Internacionais”, p. 15/18, 2005, Manole):

No plano interno, esta política jurídica exterior tem o respaldo e o es-tímulo do § 2º do art. 5º, que afirma que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes dos tratados internacionais em que a República Federativa seja parte.

O § 2º do art. 5º suscitou controvérsias, pois argüiu-se que, a ser aplicado literalmente, ensejaria mudança constitucional por maioria simples, que é a maioria requerida para a aprovação de decreto legislativo que recepciona um tratado na ordem jurídica interna. Destarte, não se cumprindo os requisitos da votação da emenda constitucional (CF, art. 60, § 2º), os tratados internacionais de direitos humanos não poderiam ter a validade de normas constitucionais.

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Foi por conta desta controvérsia que a Emenda Constitucional n. 45, de 8 de dezembro de 2004, também adicionou ao art. 5º, em consonância com o art. 60, § 2º, da CF, o novo § 3º que diz:

“Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois tur-nos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.”O novo § 3º do art. 5º pode ser considerado como uma lei interpretativa

destinada a encerrar as controvérsias jurisprudenciais e doutrinárias suscitadas pelo § 2º do art. 5º. De acordo com a opinião doutrinária tradicional, uma lei inter-pretativa nada mais faz do que declarar o que preexiste, ao clarificar a lei existente.

(...)Este me parece ser o caso do novo § 3º do art. 5º.Com efeito, entendo que os tratados internacionais de direitos humanos

anteriores à Constituição de 1988, aos quais o Brasil aderiu e que foram valida-mente promulgados, inserindo-se na ordem jurídica interna, têm a hierarquia de normas constitucionais, pois foram como tais formalmente recepcionados pelo § 2º do art. 5º não só pela referência nele contida aos tratados como também pelo dispositivo que afirma que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ele adotados. Neste sentido, aponto que a referência aos princípios pressupõe, como foi visto, a expansão axiológica do Direito na perspectiva “ex parte civium” dos direitos humanos. Também entendo que, com a vigência da Emenda Constitucional n. 45, de 8 de dezembro de 2004, os tratados internacionais a que o Brasil venha a ade-rir, para serem recepcionados formalmente como normas constitucionais, devem obedecer ao “iter” previsto no novo § 3º do art. 5º.

Há, no entanto, uma situação jurídica de direito intertemporal distinta das duas hipóteses já mencionadas: a dos muitos tratados internacionais de direitos humanos a que o Brasil aderiu e recepcionou no seu ordenamento jurí-dico desde a Constituição de 1988 até a Emenda Constitucional n. 45, seguindo a política jurídica exterior determinada pela “vis directiva” do inc. II do art. 4º. Entre estes tratados estão o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos; o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais; e a Convenção Americana de Direitos Humanos. Penso que os dispositivos destes e de outros tratados recepcionados pela ordem jurídica nacional sem o ‘quorum’ de uma emenda constitucional não podem ser encarados como tendo apenas a mera hierarquia de leis ordinárias. E é neste ponto que a controvérsia se colocará em novos termos, para voltar ao ensinamento de Paul Roubier, acima referido.

Explico-me, observando que entendo, por força do § 2º do art. 5º, que as normas destes tratados são materialmente constitucionais. Integram, como diria Bidart Campos, o bloco de constitucionalidade, ou seja, um conjunto normativo que contém disposições, princípios e valores que, no caso, em conso-nância com a Constituição de 1988, são materialmente constitucionais, ainda que estejam fora do texto da Constituição documental. O bloco de constitucio-nalidade é, assim, a somatória daquilo que se adiciona à Constituição escrita, em função dos valores e princípios nela consagrados. O bloco de constituciona-lidade imprime vigor à força normativa da Constituição e é por isso parâmetro hermenêutico, de hierarquia superior, de integração, complementação e am-pliação do universo dos direitos constitucionais previstos, além de critério de

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preenchimento de eventuais lacunas. Por essa razão, considero que os tratados internacionais de direitos humanos recepcionados pelo ordenamento jurídico brasileiro a partir da vigência da Constituição de 1988 e a entrada em vigor da Emenda Constitucional n. 45 não são meras leis ordinárias, pois têm a hierar-quia que advém de sua inserção no bloco de constitucionalidade.

Faço estas considerações porque concebo, na linha de Flávia Piovesan, que o § 2º do art. 5º, na sistemática da Constituição de 1988, tem uma função clara: a de tecer “a interação entre a ordem jurídica interna e a ordem jurídica internacional”.(Grifei.)

Após muita reflexão sobre esse tema (que entendi indispensável reali-zar, quando do julgamento plenário do HC 87.585/TO, do RE 349.703/RS e do RE 466.343/SP), e não obstante anteriores julgamentos desta Corte de que participei como Relator (RTJ 174/463-465 – RTJ 179/493-496), acolhi essa orientação que atribui natureza constitucional às convenções internacionais de direitos humanos, reconhecendo, então, para efeito de outorga dessa espe-cial qualificação jurídica, tal como observa CELSO LAFER, a existência de três distintas situações concernentes a referidos tratados internacionais:

(1) tratados internacionais de direitos humanos celebrados pelo Brasil (ou aos quais o nosso País aderiu), e regularmente incorporados à ordem interna, em momento anterior ao da promulgação da Constituição de 1988 (tais convenções internacionais revestem-se de índole constitucional, porque formalmente recebi-das, nessa condição, pelo § 2º do art. 5º da Constituição);

(2) tratados internacionais de direitos humanos que venham a ser celebra-dos pelo Brasil (ou aos quais o nosso País venha a aderir) em data posterior à da promulgação da EC 45/04 (essas convenções internacionais, para se impregna-rem de natureza constitucional, deverão observar o “iter” procedimental estabe-lecido pelo § 3º do art. 5º da Constituição); e

(3) tratados internacionais de direitos humanos celebrados pelo Brasil (ou aos quais o nosso País aderiu) entre a promulgação da Constituição de 1988 e a superveniência da EC 45/04 (referidos tratados assumem caráter materialmente constitucional, porque essa qualificada hierarquia jurídica lhes é transmitida por efeito de sua inclusão no bloco de constitucionalidade, que é “a somatória da-quilo que se adiciona à Constituição escrita, em função dos valores e princípios nela consagrados”).

Essa mesma percepção do tema em causa, que extrai a qualificação constitucional dos tratados internacionais de direitos humanos dos textos normativos inscritos nos § 2º e § 3º do art. 5º da Constituição, é também re-velada por FRANCISCO REZEK (“Direito Internacional Público – Curso Elementar”, p. 101/103, item n. 50, 10ª ed./3ª tir., 2007, Saraiva):

“Direitos e garantias individuais: o art. 5º, §§ 2º e 3º, da Constituição”. No desfecho do extenso rol de direitos e garantias individuais do art. 5º da Constituição um segundo parágrafo estabelece, desde 1988, que aquela lista não exclui outros direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios consa-grados na carta, ou dos tratados internacionais em que o Brasil seja parte. (...).

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A questão não subsiste a partir de agora, resolvida que foi pelo aditamento do terceiro parágrafo ao mesmo artigo constitucional: os tratados sobre direitos humanos que o Congresso aprove “com o rito da emenda à carta” – em cada casa dois turnos de sufrágio e o voto de três quintos do total de seus membros – inte-grarão em seguida a ordem jurídica no nível das normas da própria Constituição. Essa nova regra, que se poderia chamar de cláusula holandesa por analogia com certo modelo prevalente nos Países Baixos e ali pertinente à generalidade dos tratados (v. referência no § 49), autoriza algumas conclusões prospectivas. Não é de crer que o Congresso vá doravante bifurcar a metodologia de aprovação dos tratados sobre direitos humanos. Pode haver dúvida preliminar sobre a questão de saber se determinado tratado configura realmente essa hipótese temática, mas se tal for o caso o Congresso seguramente adotará o rito previsto no terceiro parágrafo, de modo que, se aprovado, o tratado se qualifique para ter estatura constitucional desde sua promulgação – que pressupõe, como em qualquer outro caso, a ratificação brasileira e a entrada em vigor no plano internacional. Não haverá quanto a semelhante tratado a possibilidade de denúncia pela só vontade do Executivo, nem a de que o Congresso force a denúncia mediante lei ordinária (v. adiante o § 53), e provavelmente nem mesmo a de que se volte atrás por meio de uma repetição, às avessas, do rito da emenda à carta, visto que ela mesma se declara imutável no que concerne a direitos dessa natureza.

Uma última dúvida diz respeito ao “passado”, a algum eventual direito que um dia se tenha descrito em tratado de que o Brasil seja parte – e que já não se encontre no rol do art. 5º. Qual o seu nível? Isso há de gerar controvérsia en-tre os constitucionalistas, mas é sensato crer que, ao promulgar esse parágrafo na Emenda Constitucional 45, de 8 de dezembro de 2004, sem nenhuma ressalva abjuratória dos tratados sobre direitos humanos outrora concluídos mediante processo simples, o Congresso constituinte os elevou à categoria dos tratados de nível constitucional. Essa é uma equação jurídica da mesma natureza daquela que explica que nosso Código Tributário, promulgado a seu tempo como lei ordi-nária, tenha-se promovido a lei complementar à Constituição desde o momento em que a carta disse que as normas gerais de direito tributário deveriam estar expressas em diploma dessa estatura.(Grifei.)

Igual entendimento é perfilhado por FLÁVIA PIOVESAN (“Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional”, p. 71/74, 7ª ed., 2006, Saraiva), cuja lição – que acolho – assim expõe a matéria ora em exame:

Em síntese, há quatro correntes acerca da hierarquia dos tratados de pro-teção dos direitos humanos, que sustentam: a) a hierarquia supraconstitucional de tais tratados; b) a hierarquia constitucional; c) a hierarquia infraconstitu-cional, mas supralegal e d) a paridade hierárquica entre tratado e lei federal.

No sentido de responder à polêmica doutrinária e jurisprudencial concer-nente à hierarquia dos tratados internacionais de proteção dos direitos huma-nos, a Emenda Constitucional n. 45, de 8 dezembro de 2004, introduziu um § 3º no art. 5º, dispondo: “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas à Constituição.

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Em face de todos argumentos já expostos, sustenta-se que hierarquia constitucional já se extrai de interpretação conferida ao próprio art. 5º, § 2º, da Constituição de 1988. Vale dizer, seria mais adequado que a redação do aludido § 3º do art. 5º endossasse a hierarquia formalmente constitucional de todos os tra-tados internacionais de proteção dos direitos humanos ratificados, afirmando – tal como o fez o texto argentino – que os tratados internacionais de proteção de di-reitos humanos ratificados pelo Estado brasileiro têm hierarquia constitucional.

No entanto, estabelece o § 3º do art. 5º que os tratados internacionais de direitos humanos aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois tur-nos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas à Constituição.

Desde logo, há que afastar o entendimento segundo o qual, em face do § 3º do art. 5º, todos os tratados de direitos humanos já ratificados seriam recepcio-nados como lei federal, pois não teriam obtido o “quorum” qualificado de três quintos, demandado pelo aludido parágrafo.

(...)Reitere-se que, por força do art. 5º, § 2º, todos os tratados de direitos

humanos, independentemente do “quorum” de sua aprovação, são material-mente constitucionais, compondo o bloco de constitucionalidade. O “quorum” qualificado está tão-somente a reforçar tal natureza, ao adicionar um lastro formalmente constitucional aos tratados ratificados, propiciando a “constitu-cionalização formal” dos tratados de direitos humanos no âmbito jurídico in-terno. Como já defendido por este trabalho, na hermenêutica emancipatória dos direitos há que imperar uma lógica material e não formal, orientada por valores, a celebrar o valor fundante da prevalência da dignidade humana. À hierarquia de valores deve corresponder uma hierarquia de normas, e não o oposto. Vale dizer, a preponderância material de um bem jurídico, como é o caso de um di-reito fundamental, deve condicionar a forma no plano jurídico-normativo, e não ser condicionado por ela.

Não seria razoável sustentar que os tratados de direitos humanos já ratifi-cados fossem recepcionados como lei federal, enquanto os demais adquirissem hierarquia constitucional exclusivamente em virtude de seu “quorum” de apro-vação. A título de exemplo, destaque-se que o Brasil é parte da Convenção con-tra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes desde 1989, estando em vias de ratificar seu Protocolo Facultativo. Não haveria qualquer razoabilidade se a este último – um tratado complementar e subsidiá-rio ao principal – fosse conferida hierarquia constitucional, e ao instrumento principal fosse conferida hierarquia meramente legal. Tal situação importaria em agudo anacronismo do sistema jurídico, afrontando, ainda, a teoria geral da recepção acolhida no direito brasileiro.

(...) Esse entendimento decorre de quatro argumentos: a) a interpretação sistemática da Constituição, de forma a dialogar os §§ 2º e 3º do art. 5º, já que o último não revogou o primeiro, mas deve, ao revés, ser interpretado à luz do sistema constitucional; b) a lógica e racionalidade material que devem orientar a hermenêutica dos direitos humanos; c) a necessidade de evitar interpretações que apontem a agudos anacronismos da ordem jurídica; e d) a teoria geral da recepção do direito brasileiro.

Acredita-se que o novo dispositivo do art. 5º, § 3º, vem a reconhecer, de modo explícito, a natureza materialmente constitucional dos tratados de direitos

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humanos, reforçando, desse modo, a existência de um regime jurídico misto, que distingue os tratados de direitos humanos dos tratados tradicionais de cunho comercial. Isto é, ainda que fossem aprovados pelo elevado “quorum” de três quintos dos votos dos membros de cada Casa do Congresso Nacional, os tratados comerciais não passariam a ter “status” formal de norma constitucional tão-somente pelo procedimento de sua aprovação.

(...)Vale dizer, com o advento do § 3º do art. 5º surgem duas categorias de tra-

tados internacionais de proteção de direitos humanos: a) os materialmente cons-titucionais; e b) os material e formalmente constitucionais. Frise-se: todos os tratados internacionais de direitos humanos são materialmente constitucionais, por força do § 2º do art. 5º. Para além de serem materialmente constitucionais, po-derão, a partir do § 3º do mesmo dispositivo, acrescer a qualidade de formalmente constitucionais, equiparando-se às emendas à Constituição, no âmbito formal.(Grifei.)

VALERIO DE OLIVEIRA MAZZUOLI (“Curso de Direito Internacio-nal Público”, p. 694/695, item n. 8, 2ª ed., 2007, Atlas), por sua vez, segue essa mesma orientação, assim resumindo, no ponto em análise, a sua compreensão do tema em causa:

Tecnicamente, os tratados internacionais de proteção dos direitos hu-manos ratificados pelo Brasil já têm “status” de norma constitucional, em vir-tude do disposto no § 2º do art. 5º da Constituição, segundo o qual os direitos e garantias expressos no texto constitucional “não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”, pois, na medida em que a Constituição “não exclui” os direitos humanos provenientes de tratados, é por-que ela própria “os inclui” no seu catálogo de direitos protegidos, ampliando o seu “bloco de constitucionalidade” e atribuindo-lhes hierarquia de norma constitucional, como já assentamos anteriormente. Portanto, já se exclui, desde logo, o entendimento de que os tratados de direitos humanos não aprovados pela maioria qualificada do § 3º do art. 5º equivaleriam hierarquicamente à lei ordi-nária federal, uma vez que os mesmos teriam sido aprovados apenas por maioria simples (nos termos do art. 49, inc. I, da Constituição) e não pelo “quorum” que lhes impõe o referido parágrafo. Aliás, o § 3º do art. 5º em nenhum momento atri-bui “status” de lei ordinária aos tratados não aprovados pela maioria qualificada por ele estabelecida. Dizer que os tratados de direitos humanos aprovados por este procedimento especial passam a ser “equivalentes às emendas constitucio-nais” não significa obrigatoriamente dizer que os demais tratados terão valor de lei ordinária, ou de lei complementar, ou o que quer que seja. O que se deve en-tender é que o “quorum” que o § 3º do art. 5º estabelece serve tão-somente para atribuir eficácia formal a esses tratados no nosso ordenamento jurídico interno, e não para atribuir-lhes a índole e o nível “materialmente” constitucionais que eles já têm em virtude do § 2º do art. 5º da Constituição.

O que é necessário atentar é que os dois referidos parágrafos do art. 5º da Constituição cuidam de coisas similares, mas diferentes. Quais coisas dife-rentes? Então para quê serviria a regra insculpida no § 3º do art. 5º da Carta de 1988, senão para atribuir “status” de norma constitucional aos tratados de

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direitos humanos? A diferença entre o § 2º, “in fine”, e o § 3º, ambos do art. 5º da Constituição, é bastante sutil: nos termos da parte final do § 2º do art. 5º, os “tratados internacionais [de direitos humanos] em que a República Federativa do Brasil seja parte” são, a “contrario sensu”, incluídos pela Constituição, pas-sando conseqüentemente a deter o “status” de norma constitucional e a ampliar o rol dos direitos e garantias fundamentais (“bloco de constitucionalidade”); já nos termos do § 3º do mesmo art. 5º da Constituição, uma vez aprovados tais tratados de direitos humanos pelo “quorum” qualificado ali estabelecido, es-ses instrumentos internacionais, uma vez ratificados pelo Brasil, passam a ser “equivalentes às emendas constitucionais”.

(...) A relação entre tratado e emenda constitucional estabelecida por esta norma é de “equivalência” e não de “igualdade”, exatamente pelo fato de “tratado”” e “norma interna” serem coisas desiguais, não tendo a Constituição pretendido dizer que “A é igual a B”, mas sim que “A é equivalente a B”, em nada influenciando no “status” que tais tratados podem ter independentemente de aprovação qualificada. Falar que um tratado tem “status de norma constitucio-nal” é o mesmo que dizer que ele integra o bloco de constitucionalidade mate-rial (e não formal) da nossa Carta Magna, o que é menos amplo que dizer que ele é “equivalente a uma emenda constitucional”, o que significa que esse mesmo tratado já integra formalmente (além de materialmente) o texto constitucional. Assim, o que se quer dizer é que o regime “material” (menos amplo) dos tratados de direitos humanos não pode ser confundido com o regime “ formal” (mais am-plo) que esses mesmos tratados podem ter, se aprovados pela maioria qualificada ali estabelecida. Perceba-se que, neste último caso, o tratado assim aprovado será, além de materialmente constitucional, também formalmente constitucio-nal. Assim, fazendo-se uma interpretação sistemática do texto constitucional em vigor, à luz dos princípios constitucionais e internacionais de garantismo jurídico e de proteção à dignidade humana, chega-se à seguinte conclusão: o que o texto constitucional reformado quis dizer é que esses tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil, que já têm “status” de norma constitucional, nos termos do § 2º do art. 5º, poderão ainda ser formalmente constitucionais (ou seja, ser “equivalentes às emendas constitucionais”), desde que, a qualquer momento, de-pois de sua entrada em vigor, sejam aprovados pelo “quorum” do § 3º do mesmo art. 5º da Constituição.(Grifei.)

Não foi por outra razão que o eminente Ministro ILMAR GALVÃO (RE 349.703/RS), reconsiderando o seu anterior entendimento, tal como eu próprio o fiz no julgamento plenário do HC 87.585/TO, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, do RE 349.703/RS, Rel. Min. CARLOS BRITTO e do RE 466.343/SP, Rel. Min. CEZAR PELUSO, destacou, em momento anterior ao da promul-gação da EC 45/04, que o § 2º do art. 5º da Constituição – verdadeira cláusula geral de recepção – autoriza o reconhecimento de que os tratados interna-cionais de direitos humanos possuem hierarquia constitucional, em face da relevantíssima circunstância de que viabilizam a incorporação, ao catálogo constitucional de direitos e garantias individuais, de outras prerrogativas e liberdades fundamentais, que passam a integrar, subsumindo-se ao seu con-ceito, o conjunto normativo configurador do bloco de constitucionalidade:

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(...) certo que, no § 2º do art. 5º, se tem uma norma de caráter aberto, que dá margem ao ingresso, no rol dos direitos e garantias fundamentais, a outros direitos e garantias provenientes dos tratados de proteção dos direitos humanos; ainda que se admita que tais tratados não têm o condão de emendar a Constituição, parecendo fora de dúvida, no entanto, que podem adicionar novos princípios que equivalem às próprias normas constitucionais, como se estives-sem nelas escritos, ampliando o que se costuma chamar de “bloco de constitu-cionalidade”, nas palavras de Canotilho (“Direito Constitucional”, p. 241). São normas materialmente constitucionais, que, conquanto não se incorporem ao Texto Fundamental, ampliam o núcleo mínimo de direitos e garantias nele con-sagrados, ganhando hierarquia constitucional.

É a própria Constituição que assim as considera, ao incorporar em seu texto esses direitos internacionais, refletindo, com isso, orientação adotada pelo nosso constituinte no sentido de se ajustar às obrigações internacionalmente as-sumidas pelo Estado brasileiro.

(...)O exemplo clássico é o da prisão civil do depositário infiel, permitida no

inciso LXVII do art. 5º da CF/88 e vedada no art. 11 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e no art. 7º do Pacto de São José da Costa Rica.

(...)Valendo dizer que eventual mudança de entendimento do Su premo Tri bu nal

Fe deral, para pôr-se de acordo com as modernas teorias acima expostas, haverá de partir da adoção da tese de que o § 2º do art. 5º da CF elevou à categoria de normas integrantes do chamado “bloco da Constituição” as normas decorrentes de tratados internacionais sobre direitos humanos de que o Brasil seja parte.(Grifei.)

Desejo fazer, neste ponto, Senhores Ministros, uma pequena observação.Quando Presidente do Su premo Tribunal Federal (1997/1999), tive a

honra de ver acolhida, pela eminente Deputada Zulaiê Cobra, então Relatora da Comissão Especial da Reforma do Poder Judiciário, em Substitutivo que ofereceu à PEC nº 96/92, proposta que sugeri àquela Comissão da Câmara dos Deputados, no sentido de conferir qualificação jurídico-constitucional aos tratados internacionais de direitos humanos, objetivando, com tal sugestão, su-perar a polêmica doutrinária e jurisprudencial em torno do alcance do § 2º do art. 5º da Constituição.

Essa eminente congressista paulista, em parecer que produziu como Relatora da Proposta de Reforma do Poder Judiciário, no âmbito da Câmara dos Deputados, assim justificou, no ponto, o Substitutivo que ofereceu:

Buscando a efetividade da prestação jurisdicional, acolhemos também sugestão do Ministro Celso de Mello, Presidente do Su premo Tribunal Federal, no sentido da outorga explícita de hierarquia constitucional aos tratados cele-brados pelo Brasil, em matéria de direitos humanos, à semelhança do que esta-belece a Constituição Argentina (1853), com a reforma de 1994 (art. 75, n. 22), introdução esta no texto constitucional que afastará a discussão em torno do alcance do art. 5º, § 2º.(Grifei.)

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Tenho para mim, desse modo, Senhores Ministros, que uma abordagem hermenêutica fundada em premissas axiológicas que dão significativo realce e expressão ao valor ético-jurídico – constitucionalmente consagrado (CF, art. 4º, II) – da “prevalência dos direitos humanos” permitirá, a esta Suprema Corte, rever a sua posição jurisprudencial quanto ao relevantíssimo papel, à influên-cia e à eficácia (derrogatória e inibitória) das convenções internacionais sobre direitos humanos no plano doméstico e infraconstitucional do ordenamento positivo do Estado brasileiro.

Com essa nova percepção do caráter subordinante dos tratados interna-cionais em matéria de direitos humanos, dar-se-á conseqüência e atribuir-se-á efetividade ao sistema de proteção dos direitos básicos da pessoa humana, reco-nhecendo-se, com essa evolução do pensamento jurisprudencial desta Suprema Corte, o indiscutível primado que devem ostentar, sobre o direito interno bra-sileiro, as convenções internacionais de direitos humanos, ajustando-se, desse modo, a visão deste Tribunal, às concepções que hoje prevalecem, no cenário internacional – consideradas as realidades deste emergentes –, em torno da necessidade de amparo e defesa da integridade dos direitos da pessoa humana.

Nesse contexto, e sob essa perspectiva hermenêutica, valorizar-se-á o sistema de proteção aos direitos humanos, mediante atribuição, a tais atos de direito internacional público, de caráter hierarquicamente superior ao da legis-lação comum, em ordem a outorgar-lhes, sempre que se cuide de tratados in-ternacionais de direitos humanos, supremacia e precedência em face de nosso ordenamento doméstico, de natureza meramente legal.

Cabe registrar, aqui, uma observação que se faz necessária. Refiro-me ao fato, de todos conhecido, de que o alcance das exceções constitucionais à cláusula geral que veda, em nosso sistema jurídico, a prisão civil por dívida pode sofrer mutações, quer resultantes da atividade desenvolvida pelo próprio legislador comum, quer emanadas de formulações adotadas em sede de con-venções ou tratados internacionais, quer, ainda, ditadas por juízes e Tribunais, no processo de interpretação da Constituição e de todo o complexo normativo nela fundado.

Isso significa, portanto, presente tal contexto, que a interpretação judi-cial desempenha um papel de fundamental importância, não só na revelação do sentido das regras normativas que compõem o ordenamento positivo, mas, sobretudo, na adequação da própria Constituição às novas exigências, necessi-dades e transformações resultantes dos processos sociais, econômicos e políti-cos que caracterizam a sociedade contemporânea.

Daí a precisa observação de FRANCISCO CAMPOS (“Direito Cons-ti tu cional”, vol. II/403, 1956, Freitas Bastos), cujo magistério enfatiza, cor-retamente, que, no poder de interpretar os textos normativos, inclui-se a prerrogativa judicial de reformulá-los, em face de novas e cambiantes realidades sequer existentes naquele particular momento histórico em que tais regras fo-ram concebidas e elaboradas.

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Importante rememorar, neste ponto, a lição desse eminente publicista, para quem “O poder de interpretar a Constituição envolve, em muitos casos, o poder de formulá-la. A Constituição está em elaboração permanente nos Tribunais incumbidos de aplicá-la (...). Nos Tribunais incumbidos da guarda da Constituição, funciona, igualmente, o poder constituinte” (grifei).

Cumpre referir que o poder de interpretar o ordenamento normativo do Estado, ainda que disseminado por todo o corpo social, traduz prerrogativa es-sencial daqueles que o aplicam, incumbindo, ao Judiciário, notadamente ao Su-premo Tribunal Federal – que detém, em matéria constitucional, “o monopólio da última palavra” –, o exercício dessa relevantíssima atribuição de ordem jurídica.

A regra de direito – todos o sabemos – nada mais é, na expressão do seu sentido e na revelação do seu conteúdo, do que a sua própria interpretação.

Na realidade, a interpretação judicial, ao conferir sentido de contem-poraneidade à Constituição, nesta vislumbra um documento vivo a ser per-manentemente atualizado, em ordem a viabilizar a adaptação do “corpus” constitucional às novas situações sociais, econômicas, jurídicas, políticas e culturais surgidas em um dado momento histórico, para que, mediante esse processo de “aggiornamento”, o estatuto fundamental não se desqualifique em sua autoridade normativa, não permaneça vinculado a superadas concepções do passado, nem seja impulsionado, cegamente, pelas forças de seu tempo.

Ou, em outras palavras, a interpretação emanada dos juízes e Tribunais será tanto mais legítima quanto mais fielmente refletir, em seu processo de con-cretização, o espírito do tempo, aquilo que os alemães denominam “Zeitgeist”.

Em uma palavra, Senhores Ministros: a interpretação judicial há de ser vista como instrumento juridicamente idôneo de mutação informal da Constituição, revelando-se plenamente legítima a adequação da própria Constituição da República, se e quando imperioso compatibilizá-la, mediante exegese atualizadora, com as novas exigências, necessidades e transformações resultantes dos processos sociais, econômicos e políticos que caracterizam, em seus múltiplos e complexos aspectos, a sociedade contemporânea.

Essa percepção do tema – é importante referir – encontra suporte em valioso magistério doutrinário (ANNA CÂNDIDA DA CUNHA FERRAZ, “Processos Informais de Mudança da Constituição: Mutações Constitucio-nais e Mutações Inconstitucionais”, 1986, Max Limonad; UADI LAMMÊGO BULOS, “Mutação Constitucional”, 1997, Saraiva; INOCÊNCIO MÁRTIRES COELHO, “Interpretação Constitucional”, p. 55/60, Cap. 6, 3ª ed., 2007, IDP/Saraiva; LUÍS ROBERTO BARROSO, “Interpretação e Aplicação da Cons-tituição”, p. 145/149, item n. 4, 5ª ed., 2003, Saraiva; ADRIANO SANT’ANA PEDRA, “A Constituição Viva: Poder Constituinte Permanente e Cláusu-las Pétreas”, p. 159/176, item n. 4.1, 2005, Mandamentos; ANDRÉ RAMOS TAVARES, “Curso de Direito Constitucional”, p. 85, item n. 7, 3ª ed., 2006, Saraiva; FERNANDO LUIZ XIMENES ROCHA, “Controle de Constitucio-nalidade das Leis Municipais”, p. 43/49, item n. 5, 2ª ed., 2003, Atlas, v.g.).

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Daí a correta observação feita pelo eminente Ministro GILMAR MENDES, ao reconhecer “que a evolução jurisprudencial sempre foi uma marca de qualquer jurisdição de perfil constitucional”, para enfatizar, a partir dessa constatação, que “A afirmação da mutação constitucional não implica o reconhecimento, por parte da Corte, de erro ou equívoco interpretativo do texto constitucional em julgados pretéritos. Ela reconhece e reafirma, ao con-trário, a necessidade da contínua e paulatina adaptação dos sentidos possíveis da letra da Constituição aos câmbios observados numa sociedade que, como a atual, está marcada pela complexidade e pelo pluralismo” (grifei).

O fato é que – consoante assinalou em seu douto voto – “A prisão civil do depositário infiel não mais se compatibiliza com os valores Su premos assegura-dos pelo Estado Constitucional, que não está mais voltado apenas para si mesmo, mas compartilha com as demais entidades soberanas, em contextos internacio-nais e supranacionais, o dever de efetiva proteção dos direitos humanos” (grifei).

Não custa rememorar, neste ponto, que o Su premo Tribunal Federal, em diversos precedentes, assumiu posições que oscilaram, no tema ora em aná-lise, em torno de sua compreensão sobre as relações entre as fontes normativas do direito internacional e aquelas do direito interno.

Com efeito, esta Suprema Corte, ao interpretar o texto constitucional, atribuiu, em determinado momento (décadas de 1940 e de 1950), superio-ridade às convenções internacionais em face da legislação interna do Brasil (Apelação Civil 7.872/RS, Rel. Min. LAUDO DE CAMARGO – Apelação Civil 9.587/DF, Rel. Min. LAFAYETTE DE ANDRADA), muito embora, em sensível mudança de sua jurisprudência, viesse a reconhecer, em momento posterior (a partir da década de 1970), relação de paridade normativa entre as espécies derivadas dessas mesmas fontes jurídicas (RTJ 58/70 – RTJ 83/809 – RTJ 179/493-496, v.g.).

Como precedentemente salientei neste voto, e após detida reflexão em torno dos fundamentos e critérios que me orientaram em julgamentos anteriores (RTJ 179/493-496, v.g.), evoluí, Senhores Ministros, no sentido de atribuir, aos tratados internacionais em matéria de direitos humanos, superioridade ju-rídica em face da generalidade das leis internas brasileiras, reconhecendo, a referidas convenções internacionais, nos termos que venho de expor, qualifica-ção constitucional, como preconiza, em douto magistério, o eminente Professor LUIZ FLÁVIO GOMES (“Estado Constitucional de Direito e a nova pirâ-mide jurídica”, p. 30 e ss., 2008, São Paulo, Premier Máxima).

Tenho por irrecusável, de outro lado, a supremacia da Constituição so-bre todos os tratados internacionais celebrados pelo Estado brasileiro, inclusive aqueles que versarem o tema dos direitos humanos, desde que, neste último caso, as convenções internacionais que o Brasil tenha celebrado (ou a que tenha aderido) importem em supressão, modificação gravosa ou restrição a prerro-gativas essenciais ou a liberdades fundamentais reconhecidas e asseguradas pelo próprio texto constitucional (ou por anteriores tratados internacionais), eis

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que os direitos e garantias individuais qualificam-se, como sabemos, como li-mitações materiais ao poder reformador do Congresso Nacional.

Sabemos que o exercício do “treaty-making power”, pelo Estado brasi-leiro – não obstante os polêmicos arts. 27 e 46 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (ainda em curso de tramitação perante o Congresso Nacional) –, está sujeito à observância das limitações jurídicas emergentes do texto constitucional.

A Constituição qualifica-se como o estatuto fundamental da República. Nessa condição, todas as leis e tratados celebrados pelo Brasil estão subor-dinados à autoridade normativa desse instrumento básico (RTJ 84/724 – RTJ 121/270-276 – RTJ 179/493-496). Nenhum valor jurídico terá o tratado internacional, que, incorporado ao sistema de direito positivo interno, trans-gredir o texto da Carta Política, como sucederia, p. ex., na hipótese de o Estado brasileiro subscrever tratados internacionais ofensivos e gravosos ao regime das liberdades públicas consagrado pela própria Lei Fundamental ou, ainda, por outras convenções internacionais.

É essencial reconhecer, neste ponto, que a inconstitucionalidade de tra-tados internacionais em geral – e, também, de convenções internacionais que eventualmente reduzam ou suprimam direitos e garantias individuais, tais como consagrados pela própria Carta Política (ou por outros tratados internacio-nais) – impedirá a aplicação de suas normas mais gravosas na ordem jurídica interna brasileira, porque violadoras de disposições fundamentais, como hoje ocorre, p. ex., no sistema normativo vigente em Portugal, cuja Constituição (1976) – com as alterações introduzidas pela Se gunda Revisão Constitucional (1989) – excepcionalmente admite a incidência de normas apenas formal-mente inconstitucionais constantes de tratados internacionais (art. 277, n. 2): “A inconstitucionalidade orgânica ou formal de tratados internacionais re-gularmente ratificados não impede a aplicação das suas normas na ordem jurídica portuguesa, desde que tais normas sejam aplicadas na ordem jurídica da outra parte, salvo se tal inconstitucionalidade resultar de violação de uma disposição fundamental” (grifei).

Impõe-se enfatizar, neste ponto, que o modelo consagrado pela Cons ti-tui ção de Portugal revela-se semelhante, ainda que com algumas variações, ao que prescrevem importantes textos constitucionais vigentes no plano do direito comparado.

Assim, a Constituição do Reino dos Países Baixos, promulgada em 1983, permite, expressamente, que qualquer cláusula de tratado internacional que se revele incompatível com a Carta Política do Estado holandês seja, não obstante o vício de inconstitucionalidade, suscetível de incorporação ao direito interno da-quele País, desde que o tratado venha a ser aprovado pelo voto de dois terços dos membros integrantes das Câmaras que compõem os Estados-Gerais (art. 91, n. 3).

O mesmo ocorre com a recente Constituição do Peru (1993), que admite a incorporação de tratados inconstitucionais, desde que esse ato de direito

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internacional público seja “aprovado pelo mesmo procedimento que rege a re-forma da Constituição (...)” (art. 57).

A Constituição argentina de 1853, por sua vez, com as inovações introdu-zidas pela reforma de 1994, atribuiu hierarquia constitucional a determinados tratados internacionais que versem o tema dos direitos humanos (art. 75, n. 22).

Vê-se, portanto, que já se esboça, no plano do direito constitucional com-parado, uma significativa tendência contemporânea que busca conferir ver-dadeira equiparação normativa aos tratados internacionais de direitos humanos em face das próprias Constituições políticas dos Estados, atribuindo, a tais convenções internacionais, força e autoridade de norma constitucional.

Na realidade, essa tendência culminou por influenciar o Congresso Nacional brasileiro, que, em 2004, promulgou a Emenda Constitucional 45, que introduziu, em nosso sistema de direito positivo, a cláusula de equivalência dos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos com as emendas constitucionais, desde que observado, em seu processo de aprovação, o rito proce-dimental de elaboração concernente à reforma da Constituição (CF, art. 5º, § 3º).

Registre-se, neste ponto, a correta observação expendida pelo eminente Professor LUÍS ROBERTO BARROSO (“Constituição e tratados interna-cionais: Alguns aspectos da relação entre direito internacional e direito interno”, “in” “Novas Perspectivas do Direito Internacional Contemporâneo”, p. 185/208, 207, coordenação de Carlos Alberto Menezes Direito, Antonio Augusto Cançado Trindade e Antonio Celso Alves Pereira, 2008, Renovar), cuja lição, a propósito do alcance e das conseqüências resultantes do § 3º do art. 5º da Constituição, vale rememorar:

Na linha da nova previsão constitucional, os tratados internacionais sobre direitos humanos, para serem equivalentes às emendas constitucionais, deverão observar o seguinte trâmite: a) celebração pelo Presidente da República (art. 84, VIII), b) aprovação pelo Congresso Nacional, em dois turnos, em cada Casa, por três quintos dos votos dos respectivos membros, com a edição do correspondente decreto legislativo (art. 5º, § 3º, c/c art. 49, I), c) ratificação (ato de direito inter-nacional) e, por fim, d) a promulgação e publicação de seu texto via decreto do Presidente da República. Somente a partir daí, como destaca a doutrina do di-reito internacional, o tratado estará incorporado ao direito brasileiro. No caso, vigerá com força de emenda constitucional, sem com ela se confundir.

É bem de ver que não se trata da criação de uma nova espécie normativa, em acréscimo às do art. 59 da Constituição, mas de atribuição de uma eficácia “qualificada”, que dará ensejo à produção de três efeitos diferenciados: a) em caso de conflito entre lei e tratado de direitos humanos, aprovado em conformi-dade com o art. 5º, § 3º, da CF, prevalecerá sempre o tratado, em razão de sua equivalência com as emendas constitucionais (e independentemente do critério cronológico); b) os tratados de direitos humanos incorporados de acordo com o art. 5º, § 3º, da CF podem servir de parâmetro para o controle de constituciona-lidade das leis e atos normativos, ampliando o chamado “bloco de constitucio-nalidade”; c) tais tratados não podem ser objeto de denúncia do Presidente da República, por força do art. 60, § 4º, da CF.(Grifei.)

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Desse modo, a relação de eventual antinomia entre os tratados interna-cionais em geral (que não versem o tema dos direitos humanos) e a Constituição da República impõe que se atribua, dentro do sistema de direito positivo vigente no Brasil, irrestrita precedência hierárquica à ordem normativa con-substanciada no texto constitucional, ressalvadas as hipóteses excepcionais previstas nos § 2º e § 3º do art. 5º da própria Lei Fundamental, que conferem hierarquia constitucional aos tratados internacionais de direitos humanos.

O eminente Professor CELSO LAFER, quando Ministro das Relações Exteriores, ao propor à Presidência da República o encaminhamento, ao Con-gresso Nacional, do texto da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, entendeu conveniente enfatizar, em sua Exposição de Motivos, com inteira cor-reção e absoluto rigor acadêmico, a necessária subordinação hierárquica dos atos internacionais à ordem normativa fundada na Constituição da República:

Infelizmente, o Brasil até hoje não ratificou a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, em cuja elaboração participaram brilhantes especia-listas nacionais. Dúvidas, a meu ver infundadas, surgidas no seio do próprio Executivo, acerca da compatibilidade de algumas cláusulas sobre entrada em vigor de tratados e a prática constitucional brasileira em matéria de atos inter-nacionais (...) retardaram sua submissão ao referendo do Congresso Nacional. Esse impedimento é tanto mais injustificado quando se considera a possibilidade de fazer-se, no momento da ratificação, alguma reserva ou declaração inter-pretativa, se assim for o desejo do Poder Legislativo. Seja como for, a eventual aprovação integral da Convenção, mesmo sem qualquer reserva, pelo Congresso Nacional, nunca poderia ser tomada como postergatória de normas constitu-cionais, já que no Brasil não se tem admitido que os tratados internacionais se sobreponham à Constituição.(Diário do Congresso Nacional, Seção I, de 19/05/92, p. 9.241 – Grifei.)

Daí a advertência – que cumpre não ignorar – de PONTES DE MIRANDA (“Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda nº 1 de 1969”, tomo IV/146, item n. 35, 2ª ed., 1974, RT), no sentido de que, “Também ao tratado, como a qualquer lei, se exige ser constitucional” (grifei).

Em suma: o entendimento segundo o qual existe relação de paridade normativa entre convenções internacionais e leis internas brasileiras há de ser considerado, unicamente, quanto aos tratados internacionais cujo conteúdo seja materialmente estranho ao tema dos direitos humanos.

É que, como já referido, a superveniência, em dezembro de 2004, da EC 45 introduziu um dado juridicamente relevante, apto a viabilizar a ree-laboração, por esta Suprema Corte, de sua visão em torno da posição jurídica que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos assumem no plano do ordenamento positivo doméstico do Brasil.

Vale dizer, essa nova percepção crítica, reforçada pelo advento da EC 45/2004 – que introduziu um novo paradigma no cenário nacional –, es-timula novas reflexões, por parte do Su premo Tribunal Federal, em torno das

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relações da ordem jurídica interna brasileira com o direito internacional em matéria de direitos humanos.

A referida Emenda refletiu clara tendência que já se registrava no plano do direito comparado no sentido de os ordenamentos constitucionais dos di-versos Países conferirem primazia jurídica aos tratados e atos internacionais sobre as leis internas, notadamente quando se tratasse de convenções interna-cionais sobre direitos humanos, às quais se atribuiu hierarquia constitucional. É o que ocorre, por exemplo, na ARGENTINA (Constituição de 1853, com a Re for ma de 1994, art. 75, n. 22), na HOLANDA (Constituição de 1983, art. 94), na FEDERAÇÃO RUSSA (Constituição de 1993, art. 15, n. 4), no PARAGUAI (Constituição de 1992, arts. 137 e 141), na FRANÇA (Constituição de 1958, Art. 55) e na VENEZUELA (Constituição de 2000, art. 23).

Em decorrência dessa reforma constitucional, e ressalvadas as hipóteses a ela anteriores (considerado, quanto a estas, o disposto no § 2º do art. 5º da Constituição), tornou-se possível, agora, atribuir, formal e materialmente, às convenções internacionais sobre direitos humanos, hierarquia jurídico-cons-titucional, desde que observado, quanto ao processo de incorporação de tais convenções, o “iter” procedimental concernente ao rito de apreciação e de aprovação das propostas de emenda à Constituição, consoante prescreve o § 3º do art. 5º da Constituição, embora pessoalmente entenda superior a fórmula consagrada pelo art. 75, n. 22, da Constituição argentina de 1853, na redação que lhe deu a Reforma de 1994.

É preciso ressalvar, no entanto, como precedentemente já enfatizado, as convenções internacionais de direitos humanos celebradas antes do ad-vento da EC 45/04, pois, quanto a elas, incide o § 2º do art. 5º da Constituição, que lhes confere natureza materialmente constitucional, promovendo sua integração e fazendo com que se subsumam à noção mesma de bloco de constitucionalidade.

Essas razões que venho de mencionar levam-me a deferir a presente or-dem de “habeas corpus”, considerada a circunstância de os tratados internacio-nais de direitos humanos possuírem hierarquia constitucional, como acentuei em longo voto proferido nos já mencionados HC 87.585/TO, RE 349.703/RS e RE 466.343/SP.

O fato, Senhores Ministros, é que, independentemente da orientação que se venha a adotar (supralegalidade ou natureza constitucional dos tratados in-ternacionais de direitos humanos), a conclusão será, sempre, uma só: a de que não mais subsiste, em nosso sistema de direito positivo interno, o instrumento da prisão civil nas hipóteses de infidelidade depositária, cuide-se de depósito voluntário (convencional) ou trate-se de depósito necessário.

Assinalo, neste ponto, por relevante, que esta colenda Se gunda Turma, no julgamento do HC 93.435/MG, Rel. Min. CEZAR PELUSO, ocorrido em 16-9-08, concedeu, de ofício, ordem de “habeas corpus”, em favor de paciente que se encontrava na situação de depositário judicial qualificado como infiel.

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Sendo assim, e em face das razões expostas, defiro o pedido de “habeas corpus”, para invalidar a ordem judicial de prisão civil decretada contra o ora Paciente, nos autos da Ação Ordinária 583.00.2005.018735-3 (33ª Vara Cível do Foro Central da comarca de São Paulo/SP), por não mais cabível, em nosso ordenamento doméstico, a prisão civil do depositário infiel, qualquer que seja a modalidade de depósito (depósito voluntário ou depósito necessário).

É o meu voto.

VOTO

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhor Presidente, eu acompanho, em-bora não esteja ainda com a minha opinião inteiramente formada sobre o as-sunto, seguindo a jurisprudência.

EXTRATO DA ATA

HC 91.361/SP — Relator: Ministro Celso de Mello. Paciente: Renato Dias da Silva. Impetrantes: Carlos Augusto Stockler Pinto Bastos e outros. Coator: Superior Tribunal de Justiça.

Decisão: A Turma, por votação unânime, deferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julga-mento, a Ministra Ellen Gracie.

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Minis-tros Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Ausente, justificadamente, a Ministra Ellen Gracie. Subpro cura dor-Geral da República, Dr. Wagner Gonçalves.

Brasília, 23 de setembro de 2008 — Carlos Alberto Cantanhede, Coor- denador.

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HABEAS CORPUS 92.014 — SP

Relator: O Sr. Ministro Ricardo LewandowskiRelator para o acórdão: O Sr. Ministro Menezes DireitoPaciente: Alexandre Luis dos Santos Teodoro — Impetrante: Defensoria

Pública da União — Coator: Superior Tribunal de Justiça

Habeas corpus. Penal. Paciente condenado pelos crimes de roubo (art. 157 do Código Penal) e corrupção de menor (art. 1º da Lei 2.252/54). Menoridade assentada nas instâncias ordinárias. Crime formal. Simples participação do menor. Configuração.

1. As instâncias ordinárias assentaram a participação de um menor no roubo praticado pelo paciente. Portanto, não cabe a esta Suprema Corte discutir sobre a menoridade já afirmada.

2. Para a configuração do crime de corrupção de menor, pre-visto no art. 1º da Lei 2.252/54, é desnecessária a comprovação da efetiva corrupção da vítima por se tratar de crime formal que tem como objeto jurídico a ser protegido a moralidade dos menores.

3. Habeas corpus denegado.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Pri-meira Turma do Su premo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Marco Aurélio, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, indeferir o pedido de habeas corpus.

Brasília, 2 de setembro de 2008 — Menezes Direito, Relator para o acórdão.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Trata-se de habeas corpus, com pedido de medida liminar, impetrado pela Defensoria Pública da União em fa-vor de Alexandre Luis dos Santos Teodoro, contra decisão proferida pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça no REsp 882.447/SP.

Eis o teor da ementa da decisão atacada (fl. 70):

Criminal. Recurso especial. Corrupção de menores. Absolvição. Impossibi-lidade. Crime formal. Prescindibilidade de prova da efetiva corrupção do menor. Recurso provido.

I – O objeto jurídico tutelado pelo tipo em questão é a proteção da mora-lidade do menor e visa coibir a prática de delitos em que existe sua exploração. Assim, a corrupção de menores é crime formal, o qual prescinde de prova da efe-tiva corrupção do menor.

II – Recurso provido, nos termos do voto do relator.

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A Impetrante narra, em suma, que o paciente foi condenado pela prática dos delitos de roubo qualificado em concurso material com o delito de corrup-ção de menores (art. 157, § 2º, I e II, do Código Penal, combinado com art. 1º da Lei 2.252/54).

Esclarece, também, que a condenação pelo crime de corrupção de me-nores deu-se com o provimento, pelo Superior Tribunal de Justiça, de recurso especial interposto pelo Ministério Público Estadual.

Sustenta, em síntese, que não houve comprovação da materialidade de-litiva quanto à imputação do art. 1º da Lei 2.252/54, porquanto não foi evi-denciada documentalmente a menoridade da vítima, por meio de certidão de nascimento (fls. 3-4).

Diz, mais, que a prova da menoridade não pode ser feita indiretamente, como ocorreu no caso sob exame, ou seja, pela mera informação da mãe.

Aduz, ainda, que a autoridade impetrada “ignorou entendimento de sua própria Súmula, de nº 74, onde se diz que para efeitos penais, o reconhecimento da menoridade do réu requer prova por documento hábil” (fl. 7).

Nesses termos, requer o deferimento de medida liminar para a imediata libertação do paciente e, no mérito, a concessão definitiva da ordem para anular a sua condenação quanto ao delito de corrupção de menores (fls. 7-9).

A Presidente do STF, Ministra Ellen Gracie, negou seguimento à impe-tração, em 23-7-07 (fls. 74-77), por considerar que a matéria nela ventilada não havia sido apreciada pelo Superior Tribunal de Justiça.

Dessa decisão foi interposto agravo regimental (fls. 83-89), cujas razões foram por mim acolhidas na decisão de 23-10-07, em que deferi o regular pro-cessamento do writ (fls. 92-98).

As informações vieram aos autos em 31-1-08 (fls. 119-123 e apensos 1 e 2).O Ministério Público Federal, em parecer de lavra do Subpro cura dor-

Geral da República Edson Oliveira de Almeida, opinou pela concessão da or-dem (fls. 128-130).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): Bem examinados os au-tos, entendo que a ordem é de ser concedida.

Com efeito, como corretamente assinalou a impetrante, não está em causa, aqui, a natureza jurídica do delito de corrupção de menores. Em outras palavras, não cabe, na espécie, debater se se trata de crime formal ou material. Por essa razão, não se cuida de discutir o eventual estado de degeneração moral do menor envolvido, nem de cogitar se esta pode ou não ser presumida.

De fato, o que está em discussão é se de fato, foi produzida a prova relativa à menoridade da vítima.

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Ora, consoante precedentes desta Suprema Corte, a prova da menoridade depende da apresentação de certidão de nascimento ou, acrescento eu, de reali-zação de prova pericial inequívoca, que demonstre tal condição, sem a qual não há falar em materialidade delitiva.

Nesse sentido, transcrevo trecho de ementa do julgado relatado pelo Min. Celso de Mello, proferida no HC 73.338/RJ:

Habeas corpus – Prova criminal – Menoridade – Reconhecimento – Cor-rupção de menores (Lei 2.252/54) – Inexistência de prova específica – Impossi-bilidade de configuração típica da conduta imputada ao Réu – Condenação por outros ilícitos penais – Exacerbação da pena – Decisão plenamente motivada – Legitimidade do tratamento penal mais rigoroso – Pedido deferido em parte.

Menoridade – Comprovação – Certidão de nascimento – Ausência – Descaracterização típica do crime de corrupção de menores.

– O reconhecimento da menoridade, para efeitos penais, supõe demons-tração mediante prova documental específica e idônea (certidão de nascimento). A idade – qualificando-se como situação inerente ao estado civil das pessoas – ex-põe-se, para efeito de sua comprovação, em juízo penal, às restrições probatórias estabelecidas na lei civil (CPP, art. 155).

– Se o Ministério Público oferece denúncia contra qualquer réu por crime de corrupção de menores, cumpre-lhe demonstrar, de modo consistente – e além de qualquer dúvida razoável –, a ocorrência do fato constitutivo do pedido, compro-vando documentalmente, mediante certidão de nascimento, a condição etária (me-nor de dezoito (18) anos) da vítima do delito tipificado no art. 1º da Lei 2.252/54.

Também nesse sentido: HC 70.931/RJ e HC 76.719/RJ, Rel. Min. Sepúlveda Pertence; HC 72.657/MT, Rel. Min. Moreira Alves; e RE 87.245/SP, Rel. Min. Bilac Pinto.

Isso posto, concedo a ordem para anular a decisão no tocante ao delito de corrupção de menores, restabelecendo a pena fixada nas instâncias ordinárias.

O Sr. Ministro Menezes Direito: Ministro Ricardo Lewandowski, V. Exa. me perdoe. Estou com dificuldade, porque, veja bem, o acórdão do STJ especi-ficamente diz o seguinte:

O Juízo sentenciante entendeu não configurado o delito de corrupção de menores, sob os seguintes fundamentos (fl. 103):

“A conduta do artigo 1º da Lei nº 2.252/94 depende da demonstração inequívoca de que o menor supostamente corrompido era absolutamente isento, ou seja, necessário demonstrar que a pretensa vítima não era delin-qüente antes do ato praticado em co-autoria com os maiores (...)”O acórdão recorrido, por sua vez, assim considerou para manter afastada a

caracterização do delito de corrupção de menores (fl. 164):“(...)A pretensão recursal do Ministério Público não pode ser acolhida.

Para que seja reconhecido o crime de corrupção de menores, segundo tran-qüila jurisprudência, é necessário que fique provado que o menor não era corrompido anteriormente ao crime e que em razão da prática delituosa é

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que assim ficou, o que não ocorreu no presente caso em que inexiste prova nesse sentido. Aliás, parece cabível observar que são raros os casos em que essa prova é produzida e resulte em condenação pelo crime de corrupção de menores, ainda mais em se tratando de menor já com dezessete anos.”

Quer dizer, o acórdão que deu favorável, está com a indicação da menoridade.O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Inverteu o ônus da prova.O Sr. Ministro Menezes Direito: Pois é, mas está com a indicação de que

ele é menor, não há questionamento sobre a menoridade.O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Eu sei, mas S. Exa. está justa-

mente decotando a decisão no que se concluiu pela corrupção de menor.O Sr. Ministro Menezes Direito: Vou prosseguir.O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Está bem.O Sr. Ministro Menezes Direito: Então, não há dúvida quanto à prova da

menoridade. A prova da menoridade existe: ele é menor.O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): Mas a prova é a alegação

da mãe. Ela é quem teria dito.O Sr. Ministro Menezes Direito: Mas, aí, as instâncias ordinárias examinaram

os fatos e afirmaram que ele era menor. Não há questionamento. O próprio acórdão que deu a favor dele, porque o acórdão do STJ reformou o acórdão de 1º grau.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Mas, Ministro, não foi ele. Seria corrupção de menor por um adulto. O Juízo apenou pelo roubo.

O Sr. Ministro Menezes Direito: Não foi isso que o Ministro explicitou. Por isso vou prosseguir:

Entretanto, o objeto jurídico tutelado pelo artigo 1º da Lei 2.252/54 (...)

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): O que houve? Estou levando em conta não só o voto do Relator, como também o parecer da Pro cura doria. O Paciente foi denunciado como incurso nas penas dos arts. 157 do Código Penal e 1º da Lei 2.252/54. O que fez o Juízo? Impôs a condenação pelo roubo à pena de cinco anos e seis meses de reclusão e o absolveu da imputação do crime de corrupção de menores. A 9ª Câmara Criminal negou provimento ao recurso da apelação. O Superior Tribunal de Justiça, então, reformou a decisão para im-por também a condenação pelo segundo crime.

O Sr. Ministro Menezes Direito: Exatamente isso.O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Qual seria a base para impor?O Sr. Ministro Menezes Direito: É o que eu vou...O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Está bem. Agora está elucidado.O Sr. Ministro Menezes Direito: Por isso estou dizendo que essa alegação

inicial de que não havia menor, de que seria necessário a prova do menor, não está em questão. Quer dizer, ambos os acórdãos, do STJ e do Tribunal de ori-gem, afirmaram que ele era menor. Deram até a idade: dezessete anos.

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Aí prossegue:

Entretanto, o objeto jurídico (...).

É a ponderação que, agora, V. Exa. está fazendo. E é importante, ou seja, ele não reconheceu a corrupção de menores e impôs a pena de roubo. E aí o Superior Tribunal de Justiça conheceu do recurso especial para também impor a pena de corrupção de menores.

O que está dizendo o acórdão quanto a isso? Diz assim:

(...) o objeto jurídico tutelado pelo art. 1º da Lei 2.252/54 é, em essência, a proteção da moralidade dos menores, visando a coibir a prática de delitos em que existe a sua exploração. Assim, o tipo trata de delito formal, o qual prescinde, para sua configuração, de prova da efetiva corrupção do menor.

Aí, cita diversos precedentes. Estava me lembrando porque assim julga-mos lá. Então, por isso que ele proveu o recurso, porque é um crime formal. Então, se há um crime formal, e a essência é a proteção da moralidade dos menores, a efetiva corrupção do menor não é necessária, porque o que se está protegendo é a moralidade.

O Sr. Edson Oliveira de Almeida (Subpro cura dor-Geral da República): Não há prova da menoridade do menor corrompido.

O Sr. Ministro Menezes Direito: A prova da menoridade existe, está nos autos. Dezessete anos não é menor?

O Sr. Edson Oliveira de Almeida (Subpro cura dor-Geral da República): Mas foi a mãe dele quem falou.

O Sr. Ministro Menezes Direito: Doutor, o acórdão que está nos autos diz isso. O acórdão de origem. Não é o acórdão do STJ, é o de origem.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Talvez seja interessante ficar com vista em Mesa.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): Talvez eu até peça adia-mento. Mas diz o impetrante, ele é quem alega (lê relatório):

Sustenta, em síntese, que não houve comprovação da materialidade delitiva quanto à imputação do art. 1º da Lei 2.252/54, porquanto não foi evidenciada docu-mentalmente a menoridade da vítima, por meio de certidão de nascimento (fls. 3-4).

Diz, mais, que a prova da menoridade não pode ser feita indiretamente, como ocorreu no caso sob exame, ou seja, pela mera informação da mãe.

Aduz, ainda, que a autoridade impetrada “ignorou entendimento de sua própria Súmula, de n. 74 (...)”

O Sr. Ministro Menezes Direito: Isso é o que está no parecer, e não no acórdão.O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator):

(...) onde se diz que para efeitos penais, o reconhecimento da menoridade do réu requer prova por documento hábil.(Fl. 7.)

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O Sr. Ministro Menezes Direito: Essa observação do Ministro Marco Aurélio, claro, é pertinente. Mas, quanto à menoridade, essa afirmação que está aqui contradita não a informação da mãe, mas a do acórdão. O acórdão não diz que foi a mãe, ele afirma.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): A sentença foi em sentido contrário:

Portanto, não está provado nem mesmo que Joservan Pereira dos Santos é menor de dezoito anos, pelo que não pode resultar o reconhecimento do crime de corrupção de menores.

O Sr. Ministro Menezes Direito: Aí vai para o acórdão. Isso aqui chama atenção.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Vamos ao acórdão:

A pretensão recursal do Ministério Público não pode ser acolhida. Para que seja reconhecido o crime de corrupção de menores, segundo tranqüila jurispru-dência, é necessário que fique provado que o menor não era corrompido (...)

O Sr. Ministro Menezes Direito: É isso aí.O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): Mas mudou. Na verdade,

nos autos, data venia, está comprovado que não houve evidência documental a fundamentar a sentença de primeiro grau.

O Sr. Ministro Menezes Direito: Não houve. Pior.O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): Aí, ingressou-se nos autos com

novo argumento no TJ. E o STJ embarcou nesse argumento desprezando o primeiro.O Sr. Ministro Menezes Direito: Ele nem discutiu isso porque, no acórdão

do Tribunal de Justiça de São Paulo, que o Ministro Marco Aurélio acabou de reler, está a afirmação.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Ministro, realmente o Tribunal de Justiça afastou aquela premissa da sentença de que não teria havido a prova da menoridade. Tanto que disse assim:

Concluindo, restou bem demonstrado que o apelante praticou o roubo em comparsaria com Joserlan e o adolescente, irmão deste, Joservan [adolescente] mediante grave ameaça com emprego de arma de fogo, de forma que inarredável a condenação.

O que assentou o órgão revisor? Que, no caso, a corrupção depende da prova, pelo Ministério Público, de não se tratar, presumindo-se o contrário do que decorre da ordem natural das coisas, de menor corrompido. Pressupôs-se que seria um menor já corrompido. O Superior Tribunal de Justiça, então, pro-clamou a desnecessidade dessa prova. Presume-se que o menor não seja cor-rompido. O Ministério Público não precisa comprovar que o menor não estaria corrompido, bastando a participação.

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Filio-me à corrente do Superior. Não exijo, para a configuração...O Sr. Ministro Menezes Direito: Eu também não exijo.O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): Eu também não exijo.

Eu estou afastando essa discussão. É que o órgão revisor partiu do pressuposto de que existia prova da menoridade, quando não havia.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Mas, Ministro, é o que está assentado pela derradeira instância ordinária: haveria o envolvimento de um menor, substituindo aquela premissa do Juízo de que não se teria comprovada a menoridade. Não posso examinar a prova... O Superior Tribunal de Justiça se defrontou com essa questão de Direito, ou seja, para a configuração do crime de corrupção, é preciso que o Ministério Público comprove o fato negativo de que seria um menor inocente em termos de vida gregária? Penso que não. A defesa é que deve comprovar o ato positivo, isto é, tratar-se de um menor corrompido.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): Eu fico vencido até para firmar essa tese da comprovação. No mais, nós não temos nenhuma divergência.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Vou pedir vênia ao Relator – e, também, ao Subpro cura dor-Geral da República – para acompanhar o Ministro Menezes Direito no voto proferido.

VOTO

O Sr. Ministro Menezes Direito: Senhor Presidente, só para fazer uma observação.

Mantenho o entendimento de que as instâncias ordinárias assentaram a participação de um menor e, em se tratando de crime formal, correto o acórdão do Superior Tribunal de Justiça.

Daí por que também indefiro a ordem.

EXTRATO DA ATA

HC 92.014/SP — Relator: Ministro Ricardo Lewandowski. Relator para o acórdão: Ministro Menezes Direito. Paciente: Alexandre Luis dos Santos Teodoro. Impetrante: Defensoria Pública da União. Coator: Superior Tribunal de Justiça.

Decisão: Por maioria de votos, a Turma indeferiu o pedido de habeas cor-pus; vencido o Ministro Ricardo Lewandowski, Relator. Relator para o acórdão o Ministro Menezes Direito. Ausentes, justificadamente, os Ministros Carlos Britto e Cármen Lúcia.

Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Ministros Ricardo Lewandowski e Menezes Direito. Ausentes, justificadamente, os Ministros Carlos Britto e Cármen Lúcia. Subpro cura dor-Geral da República, Dr. Edson Oliveira de Almeida.

Brasília, 2 de setembro de 2008 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

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AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS 93.042 — SP

Relator: O Sr. Ministro Cezar PelusoAgravante: Rafael Matumoto Aidar — Agravado: Superior Tribunal de

Justiça

Habeas corpus. Pedido de progressão para regime semi-aberto. Matéria originalmente suscitada, em habeas corpus, perante o Tribunal de Justiça e o Superior Tribunal de Justiça. Pedidos não conhecidos. Não cassação, pelo STJ, do acórdão do TJ. Impossibilidade de conhecimento pelo Su premo Tribunal Federal. Dupla supressão de instância. Ademais, habeas corpus concedido de ofício para que o TJ aprecie o pedido. Seguimento negado ao habeas corpus. Agravo improvido. Precedentes. Não pode conhecido, pelo Su premo Tribunal Federal, pedido de ha-beas corpus em que se deduz matéria originalmente suscitada, noutros habeas corpus, perante Tribunal de Justiça e o Superior Tribunal de Justiça, sem que estes tenham conhecido daquela e sem que o STJ tenha cassado o acórdão omisso do TJ.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Se-gunda Turma do Su premo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, negar provimento ao recurso de agravo, nos termos do voto do Relator. Ausente, licenciado, o Ministro Joaquim Barbosa.

Brasília, 25 de novembro de 2008 — Cezar Peluso, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Trata-se de agravo regimental contra decisão monocrática que negou seguimento ao writ, nos seguintes termos:

1. Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado em favor de Rafael Matumoto Aidar, contra decisão da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça que, no julgamento do HC 80.254, não conheceu do pedido e concedeu ordem de ofício ao Paciente.

O Paciente foi condenado, pela prática do crime descrito no art. 12, caput, da Lei 6.368/76, à pena de 3 (três) anos de reclusão, a serem cumpridos integral-mente em regime fechado, e ao pagamento de 50 (cinqüenta) dias-multa, e, pela prática do crime descrito no art. 14 da Lei 10.826/03, à pena de 2 (dois) anos de re-clusão, regime inicial semi-aberto, e ao pagamento de 10 (dez) dias-multa, negado o direito de apelar em liberdade (fls. 76-77).

Tendo apelado a defesa, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em julgamento realizado em 7 de dezembro de 2006, deu parcial provimento ao

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recurso apenas para fixar como inicial fechado o regime de cumprimento da pena de reclusão relativa ao crime de tráfico ilícito de entorpecentes.

O Paciente, entendendo inconstitucional a vedação à progressão de regime em condenação por crime hediondo, e afirmando ter preenchido os requisitos objetivos e subjetivos, formulou pedido de progressão para o regime semi-aberto perante o Juízo da Execução. O pedido, apreciado em 14 de novembro de 2006, foi indeferido, nos seguintes termos:

“Vistos.Rafael Matumoto Aidar, qualificado nos autos, condenado por crime

hediondo, via de seus defensores, além de formular vários pedidos relativos a questões administrativas, requer a progressão de regime prisional.

O Ministério Púbico opinou contrariamente ao pedido de progressão.É o relatório. Decido.Pri meiramente, questões referentes à administração penitenciária de-

vem ser pleiteadas junto ao órgão competente, oportunamente.No que diz respeito ao pleito de detração penal, manifeste-se a defesa

acerca do cálculo, porquanto já computado o período de prisão provisória.Relativamente ao pedido de progressão prisional, anote-se que o re-

gime imposto na condenação do crime hediondo é integral fechado.Embora este Juízo venha admitindo, caso a caso, tão somente por

questão de política criminal, no presente não demonstrou ainda o sentenciado mérito para tanto. É que cumpriu parte ínfima da reprimenda, aliás, por crime grave, estando ainda em estabelecimento destinado a presos provisórios, não havendo elementos concretos para aferição de mérito para a progressão.

Isto posto, indefiro o pedido formulado nos autos.”(Fl. 112.)Irresignada, a defesa impetrou, em 4 de dezembro de 2006, pedido de ha-

beas corpus para o Tribunal de Justiça estadual, no qual pleiteou fosse reconhe-cido o direito do paciente à progressão de regime prisional. O pedido de writ foi julgado prejudicado, em sessão realizada em 15 de março de 2007, pois o pleito ali aduzido já havia sido deferido quando do julgamento da apelação defensiva, ocorrido alguns dias após o ajuizamento da impetração.

A defesa impetrou então novo pedido de writ, no Superior Tribunal de Justiça, requerendo a transferência do paciente ao regime semi-aberto, sob argu-mento de que o paciente faria jus à progressão de regime.

A impetração não foi conhecida, em decisão aqui reputada como configu-radora de constrangimento ilegal, porque seu conhecimento implicaria supressão de instância. A Turma decidiu, outrossim, por conceder a ordem de ofício para, entendendo que o pedido formulado no Tribunal estadual não teria perdido seu ob-jeto, determinar que aquela Corte procedesse a novo julgamento do habeas corpus lá impetrado. O acórdão proferido no HC 80.254 está assim ementado:

“Habeas corpus. Processual Penal. Crime hediondo. Progressão de regime. Habeas corpus não examinado pelo Tribunal de Justiça. Possível ocorrência de constrangimento ilegal. Ordem concedida de ofício para que a Corte estadual analise o mérito da impetração.

1. O pedido de progressão carcerária, ora deduzido, não foi apreciado pelo Tribunal a quo, que julgou prejudicada a ordem originária por perda de objeto. Em sendo assim, não há como ser conhecida a impetração, diante da flagrante incompetência desta Corte Superior Tribunal de Justiça para apre-ciar originariamente a matéria, sob pena de supressão de instância.

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2. O habeas corpus originário, contudo, não perdeu o seu objeto, uma vez que não se insurgia contra o regime integralmente fechado, já afastado pelo Tribunal a quo no julgamento da apelação, mas contra decisão do Juízo das Execuções que indeferiu o pedido de progressão para o regime semi-aberto.

3. Habeas corpus não conhecido. Concedida a ordem de ofício para determinar que o egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo aprecie o mérito da presente impetração no tocante ao implemento dos re-quisitos objetivos e subjetivos necessários à progressão de regime, como entender de direito.”(Fl. 134. Grifei.)Nesta sede, alega o Impetrante que os requisitos para a progressão de re-

gime contidos na Lei de Execução Penal estão satisfatoriamente cumpridos e demonstrados, de forma que configuraria constrangimento ilegal a determinação, do Superior Tribunal de Justiça, de que o Tribunal de Justiça local devesse apre-ciar novamente o pedido de progressão, pois tal determinação deixaria “claro que as instâncias superiores estão ‘jogando’ a responsabilidade de julgar o direito do recluso a sua progressão” (fl. 6 – grifo no original).

Requer, liminarmente, seja deferida a progressão do paciente ao regime semi-aberto, e, no mérito, reproduz idêntico pleito.

2. Incognoscível o pedido de writ.O caso é de insuperável supressão de instância. A matéria objeto deste pe-

dido de writ não foi alvo de discussão pelo Superior Tribunal de Justiça, que não conheceu do habeas corpus lá impetrado, ou pelo Tribunal de Justiça local, que se limitou, até agora, a se pronunciar acerca da constitucionalidade da progressão de regime prisional aos condenados por crimes hediondos.

Assegurada tal possibilidade pelo Tribunal de Justiça, é inviável que, nesta sede, originalmente, se aprecie o pedido de progressão do paciente ao regime semi-aberto.

É que analisar, agora, tal pedido implicaria substituir-se, não só ao Superior Tribunal de Justiça, mas ao próprio Tribunal de Justiça local, que, conforme deter-minado no voto da Ministra Relatora, que foi acompanhada pelos demais Ministros do Superior Tribunal de Justiça, afastado o óbice da vedação de progressão de regime, deverá o Tribunal Estadual apreciar os requisitos de admissibilidade do pedido de progressão para o regime semi-aberto, nos termos daquela impetração.

3. Ante ao exposto, nego seguimento ao pedido, por ser manifestamente inadmissível (arts. 21, § 1º, do RISTF, e 38 da Lei 8.038, de 28-5-90).(Fls. 179-181.)

Segundo o Agravante, “não pode a suposta supressão de instância, sobre-por-se as garantias constitucionais como os princípios da liberdade, da isono-mia, da legalidade entre outros” (fls. 193-194). Afirma que “se a nossa Suprema Corte, em decisão monocrática, sequer análise [sic] o mérito do presente re-curso, que atualmente já se encontra pacificado por quase todos os nossos Tribunais inclusive pelas próprias Turmas do Su premo Tribunal, quem analisará o presente ‘writ’” (fl. 196).

Requer o provimento do agravo para que seja analisado o mérito do ha-beas corpus (fl. 199).

É o relatório.

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VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Não assiste razão ao agravante.Neguei seguimento ao habeas corpus a fim de evitar conhecimento

per saltum da matéria, nos termos do obstinado entendimento desta Corte (HC 84.590, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ de 10-12-04; HC 91.519, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ de 9-11-07; HC 91.495, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJ de 26-10-07; HC 91.703, Rel. Min. Carlos Britto, DJ de 11-10-07; HC 93.345, Rel. Min. Menezes Direito, DJ de 1º-8-08).

Mas o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o HC 80.254, concedeu, de ofício, ordem para que o Tribunal de Justiça aprecie o mérito do pedido de writ. Não há, pois, falar em negação da prestação jurisdicional, uma vez que o pedido formulado em favor do paciente será apreciado pelo Tribunal competente.

2. Ante ao exposto, nego provimento ao agravo.

EXTRATO DA ATA

HC 93.042-AgR/SP — Relator: Ministro Cezar Peluso. Agravante: Rafael Matumoto Aidar (Advogado: André Luis Ficher). Agravado: Superior Tribunal de Justiça.

Decisão: A Turma, por votação unânime, negou provimento ao recurso de agravo, nos termos do voto do Relator. Ausente, licenciado, o Ministro Joaquim Barbosa.

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Ellen Gracie, Cezar Peluso e Eros Grau. Ausente, licenciado, o Ministro Joaquim Barbosa. Subpro cura dor-Geral da República, Dr. Francisco Adalberto Nóbrega.

Brasília, 25 de novembro de 2008 — Carlos Alberto Cantanhede, Coor- denador.

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HABEAS CORPUS 94.169 — MT

Relator: O Sr. Ministro Menezes DireitoPaciente: Walmor Antônio Berté — Impetrantes: Eduardo Fraga Filho e

outros — Coator: Relator do Habeas Corpus 98.385 do Superior Tribunal de Justiça

Habeas corpus. Processual penal. Sentença de pronúncia. Não-ocorrência de excesso de linguagem.

1. A fase processual denominada sumário da culpa é reser-vada essencialmente à formação de um juízo positivo ou negativo sobre a existência de um crime da competência do Tribunal do Júri. Ela se desenvolve perante o juiz singular que examinará a existência provável ou possível de um crime doloso contra a vida e, ao final, decidirá (1) pela absolvição sumária, quando presente causa excludente de ilicitude ou de culpabilidade; (2) pela desclas-sificação do crime, quando se convencer de que o crime praticado não é doloso e contra a vida; (3) pela impronúncia, quando au-sente a prova da materialidade ou de indícios de autoria; ou (4) pela pronúncia, se reputar presente a prova e os indícios referidos.

2. Deve-se reconhecer que essa fase requer o exame de provas, necessário, sem dúvida, para fornecer ao Juiz elementos de con-vicção sem os quais não estará habilitado a decidir e, sobretudo, a fundamentar a decisão que venha a proferir, sem que isso caracte-rize excesso de linguagem ou violação do princípio do juiz natural.

3. Habeas corpus denegado.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Pri-meira Turma do Su premo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Marco Aurélio, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, indeferir o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 7 de outubro de 2008 — Menezes Direito, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Menezes Direito: Habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado pelos advogados Eduardo Fraga Filho e Sílvia Machado Muchagata, em favor de Walmor Antônio Berté, buscando a anulação da ação penal desde a pronúncia e o conseqüente reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva.

Apontam como autoridade coatora o Ministro Nilson Naves do Superior Tribunal de Justiça, que, monocraticamente, negou seguimento ao HC 98.385/MT, impetrado àquele Tribunal com o mesmo objetivo ora pretendido.

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Alegam, em síntese, que houve excesso de linguagem na sentença de pro-núncia, razão pela qual deveria ser declarada a sua nulidade e de todos os atos subseqüentes e, ainda, reconhecida a prescrição da pretensão punitiva do Estado.

Ao final, requerem, em caráter liminar, a suspensão da ação penal em curso, até o julgamento da presente impetração.

O pedido de liminar foi indeferido (fls. 102 a 105).A autoridade apontada como coatora prestou informações à fl. 111 e enca-

minhou cópia da decisão ora questionada (fls. 112 a 114).O Ministério Público Federal, pelo parecer da ilustre Subpro cura dora-

Geral da República Dra. Cláudia Sampaio Marques, manifestou-se pela dene-gação da ordem (fls. 117 a 123).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Menezes Direito (Relator): Conforme relatado, o presente habeas corpus tem como objetivo a anulação da ação penal desde a pronúncia e o conseqüente reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva, sob a alega-ção de que houve excesso de linguagem na sentença de pronúncia.

Tem-se, nos autos, que o paciente e seu irmão, já falecido, foram pronun-ciados pelo Juiz da Comarca de Diamantino/MT pela prática, em tese, do crime previsto no art. 121, § 2º, IV, do Código Penal (fls. 67 a 76).

A defesa apresentou recurso em sentido estrito, que foi desprovido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso em acórdão assim ementado:

Recurso em sentido estrito – Pronúncia – Homicídio qualificado e tentativa de homicídio qualificado – Preliminares de cerceamento de defesa e incompe-tência do juízo rejeitadas – Impronúncia – Impossibilidade – Fortes indícios de autoria – Materialidade comprovada – Recurso improvido – Decisão mantida.

As nulidades da instrução criminal devem ser alegadas no prazo do art. 406 do CPP, sob pena de preclusão. No mérito, comprovada a materialidade do homi-cídio, havendo indícios da autoria, impõe-se a pronúncia. O julgamento final, de mérito, cabe, por disposição constitucional, ao juiz natural dos crimes dolosos contra a vida, o Tribunal do Júri.(Fl. 76.)

Seguiu-se o HC 47.703/MT, impetrado ao Superior Tribunal de Justiça, no qual foi denegada a ordem, monocraticamente, pelo Ministro Nilson Naves, por decisão assim fundamentada:

O pleito de nulidade da sentença, bem como do acórdão do recurso em sen-tido estrito não tem procedência. Não creio tenha o juiz, no caso, ido além da sua competência ao entender que houve “a indicação da autoria, convergente para a pessoa do co-réu João Pereira da Silva, como também a indicação bastante óbvia da participação dos co-implicados Wanderley José Berté e Walmor Antônio Berté”.

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Aliás, algum exame dos elementos de convicção há de ser feito, é claro, tanto que a impronúncia é resultante da falta de convencimento – “se não se con-vencer da existência (...)”, é o que diz o art. 409 do Cód. de Pr. Penal.(Fl. 113.)

Impetrou-se, então, o HC 90.910/MT, a esta Suprema Corte, tendo o Ministro Cezar Peluso negado seguimento a ele, ao seguinte fundamento:

O habeas corpus, todavia, manejado perante o Superior Tribunal de Justiça, nem chegou a ser conhecido por aquela Corte, porque lá já havia supressão de instância, em razão de ter sido impetrado contra decisão do Tribunal de Justiça es-tadual que não apreciara a questão suscitada quanto à fundamentação da sentença de pronúncia. Muito menos seria recomendável fosse conhecido por este Tribunal, pois implicaria dupla supressão de instância.(Fl. 99.)

Irresignada, a defesa deu início a nova série de habeas corpus, provo-cando o Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, que se pronunciou no HC 69.478/07, em acórdão assim ementado:

Tribunal do Júri – Pronúncia – Excesso de linguagem do juiz ao se referir a indícios – Pretendida nulidade da sentença – Insubsistência – Decisão do colendo STJ que, após suspender o julgamento pela Corte popular, afastou tal nulidade – Preclusão inafastável – Constrangimento ilegal inexistente – Writ constitucional indeferido.

O alegado excesso de linguagem do magistrado, ao se referir sobre os indí-cios da autoria delitiva, por ocasião de proferir a sentença de pronúncia, foi apre-ciada pelo Colendo STJ e afastada a hipótese de nulidade do decisum.

Ocorrência de preclusão.Writ constitucional indeferido.

(Fl. 82.)

O Ministro Nilson Naves, do Superior Tribunal de Justiça, em seguida, no HC 98.385/MT, negou seguimento à pretensão dos Impetrantes, assim:

Neste habeas corpus, conquanto impetrado em favor de apenas um dos co-réus e com novos argumentos, pleiteia-se, ao fim e ao cabo, o mesmo do que foi postulado no HC 47.703: nulidade da pronúncia por excesso de linguagem. Trata-se, portanto, de mera reiteração. O fato é que não houve excesso de lingua-gem no pronunciamento do Tribunal, não tendo o colegiado ido além de sua com-petência. O julgador peca quando adentra, em demasia, o mérito da causa penal; o que não ocorreu no caso. Aliás, ao apreciar o recurso, algum exame dos elementos de convicção havia de ser feito.

À vista disso, nego seguimento ao presente habeas corpus (Lei 8.038/90, art. 38, e Regimento Interno, art. 34, XVIII).(Fls. 90/91.)

Anoto, inicialmente, que, embora o Ministro Nilson Naves tenha negado seguimento ao habeas corpus, o que poderia levar ao não-conhecimento do pre-sente writ, verifica-se que aquele eminente Ministro chegou a analisar a questão,

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afirmando, inclusive, que “não houve excesso de linguagem no pronunciamento do Tribunal, não tendo o colegiado ido além de sua competência. O julgador peca quando adentra, em demasia, o mérito da causa penal; o que não ocorreu no caso. Aliás, ao apreciar o recurso, algum exame dos elementos de convicção havia de ser feito” (fl. 91).

Conheço, portanto, da impetração.Observe-se que a fase processual denominada sumário da culpa é re-

servada essencialmente à formação de um juízo positivo ou negativo sobre a existência de um crime da competência do Tribunal do Júri. Ela se desenvolve perante o juiz singular que examinará a existência provável ou possível de um crime doloso contra a vida e, ao final, decidirá (1) pela absolvição sumária, quando presente causa excludente de ilicitude ou de culpabilidade; (2) pela desclassificação do crime, quando se convencer de que o crime praticado não é doloso e contra a vida; (3) pela impronúncia, quando ausente a prova da mate-rialidade ou de indícios de autoria; ou (4) pela pronúncia, se reputar presente a prova e os indícios referidos.

Por isso mesmo deve-se reconhecer que essa fase requer o exame de provas, necessário, sem dúvida, para fornecer ao Juiz elementos de convicção sem os quais não estará habilitado a decidir e, sobretudo, a fundamentar essa decisão, sem que isso caracterize excesso de linguagem ou violação do princípio do Juiz natural.

Neste passo, adoto o muito bem elaborado parecer da ilustre Subpro cura-dora-Geral da República, a Dra. Cláudia Sampaio Marques, que enfatizou não ter ocorrido excesso de linguagem no caso presente, tendo o Magistrado de 1º grau se restringido ao que prescreve o art. 408 do Código de Processo Penal.

Leio no parecer:

(...)14. Impõe-se a manutenção da sentença de pronúncia proferida. Quanto à

autoria e à materialidade, sabe-se, o juiz não só pode, como é seu dever, afirmar a existência de provas que as sustentem. E assim o fez.

15. Em relação à materialidade:“A prova da materialidade da infração penal tipificada no art. 121

do Código Penal, inclusive com a agregação qualificadora referente ao in-ciso IV, do § 2º, do art. 121 do Código Penal, indicada na denúncia, é incon-cussa nos presentes autos, representada, fundamentalmente, pelo auto do exame de corpo de delito de fls. 76/77, que descreve e caracteriza as graves lesões sofridas pela vítima Dilson Cunha Borges, ferimentos que causaram a sua morte, bem como pelo laudo médico de fls. 81, que descreve as lesões sofridas pela vítima Moacir Roberto Tenuta, comprovando, assim, a produ-ção do resultado típico.”16. Nenhum desacerto se vislumbra aqui. O MM. Juiz prolator da sentença

de pronúncia não adentrou no mérito da questão, dando de antemão, pela autoria e retirando a imparcialidade dos jurados. Por óbvio, entende-se que a expressão “prova da materialidade é inconcussa” refere-se a prova suficiente para a prolação da sentença de pronúncia, não para um juízo de condenação.

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17. Em relação à autoria:“A indicação da autoria, convergente para a pessoa do có-réu João

Pereira da Silva, como também bastante óbvia da participação dos co-im-plicados Wanderley José Berté e Walmor Antõnio Berté, são aspectos que estão satisfatória e perfeitamente retratados no conjunto probatório, ultra-passando, pela qualidade e eloquência dos elementos que os evidenciam, o plano meramente indiciário reclamado pela lei, de modo que, na forma do art. 408, caput, do Código de Processo Penal, estão presentes, nos autos, todos os requisitos que ensejam a decretação da pronúncia e, consequente-mente, a remessa da matéria à livre apreciação decisória do seu juiz natural, mesmo porque a sentença de pronúncia, qualificada como mero provimento de caráter processual, simplesmente admite o ‘jus acussationis’, nada obs-tando que, em sede do ‘judicium causae’, sejam os réus eventualmente pro-clamados inocentes e absolvidos.”18. O magistrado sentenciante, do mesmo modo como o fizera quanto à ma-

terialidade, volta-se para as provas existentes acerca da autoria e fala inclusive que o paciente poderá ser declarado inocente posteriormente, o que demonstra não ter o MM. Juiz já condenado o réu de forma categórica.

19. O fato do juiz sentenciante ter dito, em sua redação, que a indicação da autoria ultrapassa, pela qualidade e eloquência dos elementos, o plano meramente indiciário da lei, não conduz à conclusão de que houve excesso em sua linguagem. Excessivo seria, sim, que, para a correção de uma pronúncia, peremptório fosse o uso somente do termo indícios, sob pena de nulidade da decisão. Perguntar-se-ia, então: que palavras usar?

20. Assim, nenhum excesso se detectou que deva conduzir a decisão à nuli-dade, sob a alegação de possível influência sobre o corpo de jurados. Ora, o juiz, como já dito, ateve-se aos limites que lhe são impostos quando da pronúncia, posto que demonstrou-se conhecedor deles ao dizer ‘estão presentes, nos autos, todos os requisitos que ensejam a decretação da pronúncia e, consequentemente, a remessa da matéria à livre apreciação decisória do seu juiz natural, mesmo porque a sentença de pronúncia, qualificada como mero provimento de caráter processual, simplesmente admite o “jus acussationis”, nada obstando que, em sede do “judi-cium causae”, sejam os réus eventualmente proclamados inocentes e absolvidos.

21. Fez o magistrado tão-só cumprir o que prescreve o art. 408, do CPP, “dando os motivos de seu convencimento”, apenas demonstrando, com a sobrie-dade que lhe é exigida, a concorrência dos pressupostos legais da pronúncia. Como se viu, não há nenhuma manifestação exaltada, a caracterizar o que esta Casa tem denominado de excesso de “eloqüência acusatória”.

22. Ao contrário, tem visto a jurisprudência tal excesso em decisões nas quais o juiz, extrapolando sua função na instituição do Tribunal do Júri, emite juízos de certeza, assumindo, às escâncaras, e com fervor, as teses trazidas pela acusação. Definitivamente, este não é o caso. Neste sentido:

“HC 82294/MT. Habeas corpus Relator(a): Min. Sepúlveda Pertence Julgamento: 24/09/2002. Órgão Julgador: Pri meira Turma Ementa: Pronúncia: nulidade por excesso de ‘eloqüência acusatória’. 1. É nula, con-forme a jurisprudência consolidada do STF, a pronúncia cuja fundamenta-ção extrapola a demonstração da concorrência dos seus pressupostos legais (CPrPen, art. 408) e assume, com afirmações apodíticas e minudência no cotejo analítico da prova, a versão acusatória ou rejeita peremptoria-mente a da defesa.”(Grifou-se.)

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23. Pelo exposto, manifesta-se o Ministério Público Federal pela denegação da ordem.(Fls. 120 a 123.)

Ante o exposto, e considerando o parecer do Ministério Público Federal, denego a ordem de habeas corpus.

EXTRATO DA ATA

HC 94.169/MT — Relator: Ministro Menezes Direito. Paciente: Walmor Antônio Berté. Impetrantes: Eduardo Fraga Filho e outros. Coator: Relator do Habeas Corpus 98.385 do Superior Tribunal de Justiça.

Decisão: A Turma indeferiu o pedido de habeas corpus. Unânime.Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Minis tros

Carlos Britto, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Subpro-cura dor-Geral da República, Dr. Paulo de Tarso Braz Lucas.

Brasília, 7 de outubro de 2008 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

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HABEAS CORPUS 94.916 — RS

Relator: O Sr. Ministro Eros GrauPaciente: Tatiana Rosa Pretto — Impetrante: Katiuscia Machado da

Silva — Coator: Superior Tribunal de Justiça

Habeas corpus. Penal e processual penal. Tráfico de en-torpecentes. Prisão em flagrante. Controvérsia a respeito da possibilidade de liberdade provisória. Irrelevância. Ausência de fundamentação cautelar. Vingança. A submissão da Paciente ao cárcere é incompatível com o direito, ainda que se possa ter como adequado à regra. Manter presa em condições intoleráveis uma pessoa doente não restabelece a ordem, além de nada reparar. Situação peculiar a configurar exceção. Exceção capturada pelo ordenamento jurídico. Ordem concedida

1. Controvérsia a propósito da possibilidade, ou não, de concessão de liberdade provisória ao preso em flagrante por trá-fico de entorpecentes. Irrelevância para o caso concreto, em face da sua peculiaridade.

2. Paciente primária, de bons antecedentes, com emprego e residência fixos, flagrada com pequena quantidade de maconha quando visitiva o marido na penitenciária.

Liberdade provisória deferida pelo juiz da causa, poste-riormente cassada pelo Tribunal de Justiça local.

Mandado de prisão expedido há cinco anos, não cumprido de-vido a irregularidade no cadastramento do endereço da Paciente.

Superveniência de doença contagiosa (AIDS), acarretando outros males. Intenção, da Paciente, de entregar-se à autoridade policial. Entrega não concretizada ante o medo de morrer no pre-sídio, deixando desamparada a filha menor.

3. Dizer “peculiaridade do caso concreto” é dizer exceção. Exceção que se impõe seja capturada pelo ordenamento jurídico, mesmo porque, a afirmação da dignidade da pessoa humana acode à Paciente.

4. A transgressão à lei é punida de modo que a lei (= o di-reito) seja restabelecida. Nesse sentido, a condenação restabelece o direito, restabelece a ordem, além de pretender reparar o dano so-frido pela vítima. A prisão preventiva antecipa o restabelecimento a longo termo do direito; promove imediatamente a ordem. Mas apenas imediatamente, já que haverá sempre o risco, em qualquer processo, de ao final verificar-se que o imediato restabelecimento da ordem transgrediu a própria ordem, porque não era devido.

5. A justiça produzida pelo Estado moderno condena para restabelecer o direito que ele mesmo põe, para restabelecer a

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ordem, pretendendo reparar os danos sofridos pela vítima. Mas a vítima, no caso dos autos, não é identificada. É a própria socie-dade, beneficiária de vingança que como que a pacifica em face, talvez, da frustração que resulta de sua incapacidade de punir os grandes impostores. De vingança se trata, pois é certo que manter presa em condições intoleráveis uma pessoa doente não restabe-lece a ordem, além de nada reparar. A Paciente apresenta estado de saúde debilitado e dela depende, inclusive economicamente, uma filha. Submetê-la ao cárcere, isso é incompatível com o di-reito, ainda que se possa ter como adequado à regra. Daí que a captura da exceção se impõe.

Ordem deferida, a fim de que a Paciente permaneça em liberdade até o trânsito em julgado de eventual sentença penal condenatória.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Se gunda Turma do Su premo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unani-midade de votos, deferir o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 30 de setembro de 2008 — Eros Grau, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Eros Grau: A Paciente foi presa em flagrante portando pequena quantidade de maconha quando visitava seu marido na penitenciária.

2. Processada pelo crime de tráfico de entorpecentes, foi beneficiada com a liberdade provisória.

3. A Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul deu provimento a recurso em sentido estrito, interposto pelo Ministério Público, cassando o benefício concedido à Paciente.

4. Foi expedido novo mandado de prisão, não cumprido porque o novo en-dereço da Paciente não fora corretamente cadastrado.

5. A Paciente posteriormente tomou conhecimento desse mandado de prisão.6. A Impetrante afirma que, entre a expedição do mandado de prisão e a

presente data, passaram-se cinco anos.7. Sobreveio a impetração de habeas corpus no STJ, que o indeferiu.8. Daí este habeas corpus, no qual se alega o quanto segue:(i) a Paciente é inocente, não é traficante; viciada, tinha a droga para con-

sumo próprio, vindo a ser presa no estabelecimento prisional porque a comprara antes da visita ao marido e não tinha onde deixá-la;

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(ii) a Paciente chegou a pensar em apresentar-se à autoridade policial, porém descobriu ser portadora do vírus da Aids, “o que acarretou a contração de novas enfermidades como Hepatite C e também HTLV que é um câncer na medula, doença que já deixou alguns músculos do corpo da Paciente sem mo-vimentação, e que necessitava de muitos cuidados que não seriam concedidos no cárcere e acabou mudando sua opinião, já que teve medo inclusive de morrer por falta de medicamentos”;

(iii) a Paciente tem interesse em provar sua inocência, está trabalhando com dificuldades para sustentar sua filha e jamais voltou a delinqüir no período em que permaneceu em liberdade; mantém atividade lícita e endereço fixo; e

(iv) não há fundamentação cautelar para negar a liberdade provisória; isso porque a Paciente não representa perigo para a sociedade e, em relação à garan-tia da instrução criminal, “a mesma só se ausentou por medo, o que é normal, ainda mais que trata-se [sic] de pessoa doente”.

9. Requer, liminarmente, inaudita altera parte, seja deferida a liberdade provisória. No mérito, a concessão definitiva da ordem.

10. A Pro cura doria-Geral da República é pela concessão da ordem.É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Não obstante a controvérsia a respeito da possibilidade, ou não, da liberdade provisória em caso de prisão em flagrante por tráfico ilícito de entorpecentes, tenho, na linha do parecer da Subpro cura-dora-Geral da República Cláudia Sampaio Marques, e em face das peculiarida-des do caso, que a ordem deve ser concedida. Leio trecho desse parecer:

(...)4. O parecer é pela concessão da ordem.5. A Paciente foi presa em flagrante e denunciada como incursa nos artigos

12 e 18 da Lei nº 6368/76, por fato praticado, em tese, no dia 6 (seis) de julho de 2002, no interior da Penitenciária Modulada de Charqueadas.

6. Em 10 (dez) de julho de 2002, a Paciente obteve o benefício da liberdade provisória. Entretanto, a Egrégia 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul cassou a decisão que deferiu a liberdade provisória, determinando a expedição de mandado de prisão (fls. 303).

7. A Defesa impetrou habeas corpus perante o Superior Tribunal de Justiça, que foi denegado. Impetrou-se então o presente habeas corpus no intuito de obter o benefício da liberdade provisória.

8. Segundo consta dos autos, o mandado prisional ainda não foi cumprido, pois a Paciente tem medo de ser presa e de morrer deixando sua filha desampa-rada, bem como morrer sem assistência no cárcere.

9. Em princípio, o crime de tráfico, qualificado como hediondo, não com-porta liberdade provisória.

10. No entanto, os documentos constantes dos autos comprovam algumas peculiaridades que justificam o abrandamento dessa regra. É que a paciente é

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portadora do vírus HIV, o que lhe acarretou doenças como Hepatite C e câncer na medula. Tem uma filha pequena, que precisa dos seus cuidados.

11. Desde a data dos fatos, em 6 de julho de 2002, já transcorreram mais de 6 (seis) anos, não constando notícia de que a paciente tenha voltado a delinqüir.

12. Em pesquisa realizada no site do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, não foi localizado nenhum outro processo criminal em que a paciente figure como acusada. Ao que tudo indica, o processo criminal a que responde foi um fato isolado na sua vida, praticado em circunstâncias excepcionais.

13. Ademais, o Juiz da causa, próximo dos fatos, entendeu por bem conce-der a liberdade à paciente, dando os seguintes fundamentos para a sua decisão:

“No caso em tela, a materialidade restou comprovada e existem indí-cios de autoria, corroborada pelas declarações que a ré prestou na polícia.

Por outro lado, a ré demonstrou ter endereço certo e que exerce ati-vidade remunerada o que, em tese, afastaria a condição da conveniência da instrução criminal e eventual aplicação da lei penal.

Quanto a condição de garantia da ordem pública, tenho que a conduta da ré, embora grave, não justifica, por si só, a segregação provisória por esse motivo.

Na lição do mesmo doutrinador (op. cit., p. 577), ‘a ordem pública é a paz, a tranqüilidade no meio social. Assim, se o indiciado ou ré estiver co-metendo novas infrações penais, ou se ele já vinha cometendo várias, sem que a Polícia lograsse prendê-lo em flagrante; se estiver fazendo apologia do crime, ou incitando ao crime, ou se reunido em quadrilha ou bando, haverá perturbação da ordem pública (...)’, situações que não podem ser imputadas à ré. Além disso, a ré não registra antecedentes policiais nem judiciais.

Cumpre salientar que, na quase totalidade das vezes, estas mulheres que são flagradas levando droga para o interior das penitenciárias, ou são ameaçadas diretamente pelos seus maridos e companheiros, ou estes por outros detentos, ou seja, não tem escolha.

Por fim, a ré tem uma filha que depende de seus cuidados e, certa-mente, da renda que a mesma obtém com o seu trabalho.

Por todos esses motivos, aliado ao fato de que não se encontram presen-tes quaisquer das hipóteses que autorizam a prisão preventiva, ou seja, nem a ordem pública, a instrução criminal ou a eventual aplicação da lei penal estão ameaçadas. Além disso, mesmo em razão de eventual condenação, con-siderando a possibilidade de substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, não há razão para manutenção da segregação cautelar.”(Apenso 1.)14. A decisão do Tribunal de Justiça, que determinou o retorno da paciente

à prisão, fundamentou-se no fato de o crime ser definido em lei como hediondo, “onde é expressamente vedada a concessão de liberdade provisória conforme pre-coniza o disposto no inciso II do art. 2º da Lei nº 8.072/90, cuja constitucionalidade vem sendo reafirmada pelo Su premo Tribunal Federal e esmagadora jurisprudên-cia” (Apenso 1), não apresentando outra justificativa, que retratasse a real necessi-dade de submeter a paciente, que apresenta estado de saúde debilitado, ao cárcere.

15. Assim, considerando as peculiaridades do caso concreto, que autorizam o abrandamento do rigor com que se vem aplicando a regra que impõe a prisão dos acusados por crime definido como hediondo, manifesta-se o Ministério Público Federal pela concessão da ordem.

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Dizer “peculiaridades do caso concreto” é dizer exceção. Exceção que se impõe seja capturada pelo ordenamento jurídico, mesmo porque, no caso, a afir-mação da dignidade da pessoa humana acode a Paciente.

A transgressão à lei é punida de modo que a lei (= o direito) seja restabe-lecida. Nesse sentido, a condenação restabelece o direito, restabelece a ordem, além de pretender reparar o dano sofrido pela vítima. A prisão preventiva an-tecipa o restabelecimento a longo termo do direito; promove imediatamente a ordem. Mas apenas imediatamente, já que haverá sempre o risco, em qualquer processo, de ao final verificar-se que o imediato restabelecimento da ordem transgrediu a própria ordem, porque não era devido.

A regra diz ser incabível a liberdade provisória em caso de prisão em fla-grante por tráfico ilícito de entorpecentes. Daí que, nos seus termos, a prisão preventiva da Paciente dela necessariamente decorreria. No caso, contudo, a exceção afasta a regra.

A exceção é o caso que não cabe no âmbito de normalidade abrangido pela norma geral. A norma geral deixaria de sê-lo (= deixaria de ser geral) se a contemplasse. Da exceção não se encontra alusão no discurso da ordem jurídica vigente. Define-se como tal justamente por não ter sido descrita nos textos es-critos que compõem essa ordem. É como se nesses textos de direito positivo não existissem palavras que tornassem viável a sua descrição – daí dizermos que a exceção está no direito, ainda que não se a encontre nos textos normativos de direito positivo1.

Pois ela não está situada além do ordenamento, senão no seu interior. O es-tado de exceção é uma zona de indiferença entre o caos e o estado da normali-dade, zona de indiferença no entanto capturada pelo direito. De sorte que não é a exceção que se subtrai à norma, mas ela que, suspendendo-se, dá lugar à exce-ção – somente desse modo ela se constitui como regra, mantendo-se em relação com a exceção2. Daí que ao Judiciário, sempre que necessário, incumbe decidir regulando também essas situações de exceção. Mas, ao fazê-lo, não se afasta do ordenamento. Aplica a norma à exceção desaplicando-a, isto é, retirando-a da exceção, retirando-se desta3. Este tribunal tem assim procedido em alguns casos, assumindo claramente tê-lo feito. Menciono, para dar exemplo disso, as decisões tomadas na ADI 2.240, da qual fui Relator, e na Rcl 3.034.

Aqui, no caso de que cogitamos, estamos diante de exceção. A regra que diz ser incabível a liberdade provisória em caso de prisão em flagrante por trá-fico ilícito de entorpecentes não pode colher a situação descrita nestes autos, pena de transgredir a própria ordem na qual se compõe. Pois é certo que sua

1 Vide meu O direito posto e o direito pressuposto. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 328 et seq.2 Cf. Giorgio Agamben, Homo Sacer – O poder soberano e a vida nua, trad. de Henrique Burgo. Belo Horizonte: UFMG, 2002. p. 26 e 27. Vide Gilberto Bercovici, Constituição e Estado de exce-ção permante: atualidade de Weimar. Rio de Janeiro: Azougue, 2004. p. 65-75.3 A expressão é de Giorgio Agamben, ob. cit., p. 25.

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aplicação conduziria a afronta à dignidade da pessoa humana, valor transfor-mado em princípio normativo no texto da Constituição de 1988.

É que a prisão preventiva da Paciente não anteciparia meramente a sua condenação, porém uma autêntica vingança do Estado, rectius da sociedade civil. A condenação cederia espaço à violência incontida da vendeta. É como se a sociedade civil, representada por um Estado que ainda com ela se con-funde, se vingasse de si própria por ser o que é, e como é, na pessoa da paciente. Explico-me.

O Estado moderno é ainda determinado por certos particularismos, anta-gônicos a outros. Ainda se confunde, por uma larga parte, com o Estado do exte-rior, o Estado da necessidade e do entendimento, isto é, carrega características da sociedade civil, que, logicamente suprassumida no sistema hegeliano, ainda não encontrou a sua plena realização nas estruturas engendradas pela moderni-dade. Nele se constrói a paz burguesa, dotada de caráter temporário na medida em que o dissenso entre os particularismos antagônicos é apenas mediado, supe-rado pela conveniência – o que, no direito, não consubstancia, a rigor, nenhuma mediação efetiva, nem suprassunção, mas justaposição conflitante.

Por certo superpõem-se, no mundo da vida, manifestações próprias a am- bos, ao Estado moderno e ao Estado na concepção hegeliana. Mas o que preva-lece, na forma institucional do primeiro, é a apropriação, pela burguesia, dos mo-nopólios da violência e da tributação, caracterizando uma eticidade (Sittlichkeit) ainda não de todo permeada pela racionalidade como razão efetiva.

A justiça produzida pelo Estado moderno condena para restabelecer o direito que ele mesmo põe, para restabelecer a ordem, pretendendo reparar os danos sofridos pela vítima. Mas a vítima no caso dos autos não é identificada. É a própria sociedade, beneficiária de vingança que como que a pacifica em face, talvez, da frustração que resulta de sua incapacidade de punir os grandes impostores. De vingança se trata, pois é certo que manter presa em condições intoleráveis uma pessoa doente não restabelece a ordem, além de nada reparar. Essa brutalidade, infernal, não pode ser tida – repito – senão como expressiva pura e simplesmente de vingança, exclusivamente de vingança de quem se com-praz em fazer o mal.

A este Tribunal incumbe a elevada missão de afirmar a força normativa da Constituição e de conferir efetividade à dignidade do ser humano, que o seu art. 1º declara. A Paciente apresenta estado de saúde debilitado – diz o juiz da causa –, e dela depende inclusive economicamente uma filha. Submetê-la ao cárcere, isso é incompatível com o direito, ainda que se possa ter como adequado à regra. Daí que a captura da exceção se impõe. Aliás, é da inclusão de situações como tais no ordenamento – e da exclusão de outras, a pretexto de razoabilidades e proporcio-nalidades – que depende a regularidade do seu funcionamento. Direi mesmo que a preservação dos princípios impõe, seguidas vezes, a transgressão das regras.

Concedo a ordem, a fim de que a Paciente permaneça em liberdade até eventual sentença penal condenatória transitada em julgado.

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VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhor Presidente, louvando a sensibilidade e erudição jurídica do eminente Relator e da eminente Subpro cura dora-Geral da República, também acho que o perfil do caso concreto recomenda que não se aplique, na sua inteireza ou na sua rijeza, a norma jurídica, com base em princípio da Teoria Geral do Direito, que é bem explicitado na chamada cláusula de dureza.

Recordo-me de que tribunal francês deixou de decretar o divórcio num caso em que – segundo o laudo médico – se demonstrou que, fosse decretado o divórcio, a mulher, que tinha idade avançada e sofria, entre outras afecções, de grave problema psíquico, provavelmente teria morte próxima; o fato do decreto do divórcio contra a sua vontade, contra os seus princípios morais, com certeza acarretaria a morte da parte. O Tribunal entendeu de aplicar a cláusula de du-reza notando que nenhum sistema jurídico pode ser legitimado a aplicar medida que resulte na morte de uma pessoa, simplesmente pelo mero fato de afirmar a necessidade de aplicação de uma norma.

Estou de pleno acordo com o Ministro Relator e também concedo a ordem.

VOTO

A Sra. Ministra Ellen Gracie: Senhor Presidente, também entendo que a exceção, no caso, está clara e se impõe. E para isso, exatamente louvando o voto do eminente Relator, é que existem magistrados.

EXTRATO DA ATA

HC 94.916/RS — Relator: Ministro Eros Grau. Paciente: Tatiana Rosa Pretto. Impetrante: Katiuscia Machado da Silva. Coator: Superior Tribunal de Justiça.

Decisão: A Turma, por votação unânime, deferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julga-mento, o Ministro Joaquim Barbosa.

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Ellen Gracie, Cezar Peluso e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Ministro Joaquim Barbosa. Compareceu à Turma o Ministro Gilmar Mendes, Presidente do Tribunal, a fim de julgar processos a ele vinculados, assumindo, nesta oca-sião, a Presidência da Turma, de acordo com o art. 148, parágrafo único, RISTF. Subpro cura dor-Geral da República, Dr. Wagner Gonçalves.

Brasília, 30 de setembro de 2008 — Carlos Alberto Cantanhede, Coor- denador.

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HABEAS CORPUS 95.111 — RS

Relator: O Sr. Ministro Carlos BrittoPaciente: Luciano Lacerda Pinheiro — Impetrante: Defensoria Pública da

União — Coator: Superior Tribunal de Justiça

Habeas corpus. Execução penal. Progressão de regime. Re-quisitos subjetivos. Progressão deferida pelo juízo de execuções criminais e cassada pelo Tribunal estadual. Acórdão carente de fundamentação válida. Inciso IX do art. 93 da Constituição Fe-deral. Ordem concedida.

1. De acordo com a jurisprudência do Su premo Tribunal Federal, a aferição do pressuposto subjetivo para a progressão de regime prisional admite balizamento pelo exame criminológico, desde que o juiz demonstre a necessidade de realização deste.

2. Na concreta situação dos autos, de posse do laudo técnico psicológico e demais elementos de convicção, o Juízo da Execu-ção Penal entendeu satisfeito o requisito subjetivo e deferiu a progressão de regime. Decisão que, desmotivadamente, foi refor-mada pelo Tribunal de Justiça. Ofensa ao inciso IX do art. 93 da Constituição Federal. Precedentes.

3. Ordem concedida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Pri-meira Turma do Su premo Tribunal Federal em deferir o pedido de habeas corpus, o que fazem nos termos do voto do Relator e por unanimidade de votos, em sessão presidida pelo Ministro Carlos Ayres Britto, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas.

Brasília, 3 de fevereiro de 2009 — Carlos Ayres Britto, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Trata-se de habeas corpus, impetrado contra acórdão do Superior Tribunal de Justiça. Acórdão segundo o qual pedido de progressão de regime penitenciário comporta indeferimento com base em resultado de exame criminológico. Esta a ementa do julgado:

Habeas corpus. Homicídio qualificado. Pedido de progressão de regime prisional. Concessão pelo juízo da execução. Cassação pelo Tribunal a quo. Falta de preenchimento do requisito subjetivo previsto no art. 112 da LEP. Decisão fun-damentada. Requisitos subjetivos. Impossibilidade de análise na via eleita.

1. A execução progressiva da pena, com a transferência para regime menos gravoso, somente será concedida ao condenado que preencher, cumulativamente, os requisitos estabelecidos no artigo 112 da LEP.

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2. Na esteira da jurisprudência desta Quinta Turma, o disposto no art. 112 da Lei de Execução Penal não configura direito subjetivo do apenado, cabendo ao magistrado verificar o atendimento do requisito subjetivo à luz do caso concreto, desde que atendidos os pressupostos legais, podendo, por isso, determinar a reali-zação de exame criminológico, se entender necessário ou mesmo negar o benefí-cio, desde que o faça fundamentadamente.

3. Na hipótese, o direito do Paciente restou devidamente negado pelo Tri-bunal de origem, ante a ausência do atendimento ao requisito subjetivo, com fundamento na realização de laudo pericial e sua conclusão desfavorável ao Ree-ducando.

4. Por outro lado, o exame do mérito da progressão de regime prisional de-mandaria, necessariamente, incursão na seara fático-probatória para se aferir o necessário preenchimento dos requisitos subjetivos pelo Paciente, o que, como é sabido, não se admite em sede de habeas corpus. Precedentes do STJ.

5. Ordem denegada.

2. Pois bem, a Defensoria Pública da União reitera, aqui, a tese de que “a progressão de regime não deve ser subordinada ao exame criminológico favo-rável, devendo, pois, ser comprovado apenas o cumprimento de 1/6 da pena e ostentar bom comportamento carcerário, atestado pelo Diretor do Estabeleci-mento” (fl. 5).

3. Eis, em apertada síntese, o quadro empírico da causa:I – Luciano Lacerda Pinheiro, Paciente, cumpre pena na Penitenciária

Estadual do Jacuí/RS pelos delitos dos arts. 329; 121, § 2º, I e III; 155; 307; e 155 c/c o inciso II do art. 14, todos do Código Penal;

II – no ano de 2007, a defesa requereu a progressão no regime peniten-ciário, sob a alegação de que foram atendidos seus pressupostos objetivos e subjetivos. Pedido que foi deferido pelo Juízo de Direito da Vara das Execuções Criminais de Porto Alegre/RS;

III – inconformado, o Ministério Público interpôs agravo em execução. Agravo que foi parcialmente provido para reconhecer que o ora Paciente não preenchia o requisito subjetivo para a progressão, pois “os documentos trazidos aos autos – atestado de boa conduta carcerária (fl. 64), informação de atividade de segurança (fl. 66), informação do conselho disciplinar (fl. 62), avaliação psi-cossocial (fls. 67/68) –, foram, à exceção do próprio atestado, desfavoráveis a ele” (fl. 89 do apenso);

IV – contra essa decisão, a defesa impetrou habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça. Habeas que foi denegado, sob o fundamento de que a juris-prudência admite a realização de exame criminológico, desde que determinada por decisão devidamente fundamentada.

4. Tracejado o contexto fático da causa, averbo, derradeiramente, que a Pro cura doria-Geral da República opinou pelo indeferimento da ordem.

É o relatório.

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VOTO

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Feito o relatório, passo ao voto. Fazendo-o, anoto, de saída, que é firme a jurisprudência do Su premo Tribunal Federal na acepção de que o deferimento da progressão de regime pri-sional está vinculado ao preenchimento, pelo condenado, de requisitos objetivo e subjetivo. Sendo certo que, na aferição do pressuposto subjetivo, pode o juiz da execução usar o exame criminológico como um dos elementos de formação de sua convicção. Isto, é claro, sempre que o magistrado entendê-lo necessário para a verificação do processo de reinserção social do apenado. Nesse sentido é que foram julgados, por amostragem, os HC 71.703, da relatoria do Ministro Celso de Mello; HC 86.631, da relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski; HC 94.425, da relatoria da Ministra Cármen Lúcia; e HC 94.625, da relatoria da Ministra Ellen Gracie.

7. Dito isso, consigno que, na concreta situação dos autos, o Juízo da Execução da Comarca de Porto Alegre/RS, de posse do laudo de avaliação psi-cossocial e demais peças de informação, entendeu satisfeito o requisito subje-tivo para a progressão de regime. Confira-se:

Ora, a respeito do requisito subjetivo, aportou aos autos parecer fundamen-tado (fls. 607 e 609), qualificando a conduta do apenado como plenamente satisfa-tória e que não ostenta bom comportamento carcerário, em face de procedimentos disciplinares.

Salvo melhor juízo, equivocada tal conclusão, eis que os procedimentos ad-ministrativos supracitados estão pendentes de homologação judicial, dessa forma o comportamento do apenado não poderia ter sido reclassificado.

Urge informar, que as faltas supramencionadas, referem-se a fatos cometi-dos a aproximadamente um ano (julho e agosto de 2006), assim, pela reclassifica-ção da conduta, mesmo com eventual homologação das faltas, o apenado já seria merecedor de conduta plenamente satisfatória e bom comportamento carcerário, com fulcro no art. 14, § 6º, letra c, do R.D.P.(Fl. 30 do apenso.)

8. E o que disse o laudo de avaliação psicossocial? Disse que a trajetória prisional do Paciente

(...) vem sendo construída com sua inserção em atividades laborais, obje-tivando remissão (sic) de pena. Recebe visitas semanais de sua companheira, o qual conheceu intramuros. Apresenta fugas, as quais atribui a problemas com os apenados.

Diante dos dados acima descritos, percebe-se que Luciano vem buscando lentamente a sua auto identificação com as questões externas, incluindo o resgate afetivo com sua mãe, do qual terá resultado positivo caso venha a cumprir pena em regime mais brando (...).(Sic, fl. 28 do apenso.)

9. Nessa contextura, penso que a ordem é de ser deferida. Isso porque, ao contrário do que disse o Superior Tribunal de Justiça, na concreta situação dos

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autos, o requisito subjetivo foi devidamente examinado pelo Juízo das Exe-cuções. Exame, esse, embasado nos atestados exarados pelo diretor do estabele-cimento prisional e no próprio laudo de avaliação psicossocial. Laudo, relembro, que ressaltou a importância da progressão de regime para, até mesmo, o restabe-lecimento de relações entre o Paciente e sua mãe.

10. Diga-se mais: o Tribunal de Justiça, ao julgar o agravo em execução do Ministério Público, perfilhou o entendimento da inadequação social da me-dida deferida pelo Juízo das Execuções Criminais. O que fez por entender que o laudo psicossocial apontaria para “vulnerabilidades psiscossociais” (fls. 33/44 do apenso) do Paciente.

11. Ora bem, penso que acolher fundamento tão genérico e totalmente dis-sociado de uma análise mais consistente da trajetória prisional do Paciente ofende a garantia da motivação das decisões judiciais (inciso IX do art. 93 da Constituição Federal). Garantia que junge o magistrado a coordenadas objetivas de imparcialidade e propicia às partes conhecer os motivos que levaram o julga-dor a decidir neste ou naquele sentido. É que, como ressalta Aury Lopes Júnior1:

(...) o poder judicial somente está legitimado enquanto amparado por argu-mentos cognoscitivos seguros e válidos (não basta apenas boa argumentação), sub-metidos ao contraditório e refutáveis. A fundamentação das decisões é instrumento de controle da racionalidade e do sentire do julgador, num assumido anticartesia-nismo. Mas também serve para controlar o poder, e nisso reside o núcleo da garantia.

12. Esse o quadro, à falta de fundamentação consistente no acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, concedo a ordem. O que faço para restabelecer a decisão do Juízo da Vara das Execuções Criminais.

13. É como voto.

EXTRATO DA ATA

HC 95.111/RS — Relator: Ministro Carlos Britto. Paciente: Luciano Lacerda Pinheiro. Impetrante: Defensoria Pública da União. Coator: Superior Tribunal de Justiça.

Decisão: A Turma deferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator. Unânime.

Presidência do Ministro Carlos Britto. Presentes à sessão os Ministros Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Subpro cura dora-Geral da República, Dra. Cláudia Sampaio Marques.

Brasília, 3 de fevereiro de 2009 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

1 In: Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade garantista. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 256.

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HABEAS CORPUS 95.291 — RJ

Relator: O Sr. Ministro Cezar PelusoPaciente: Fernando de Miranda Iggnácio — Impetrante: João Costa

Ribeiro Filho — Coator: Presidente do Superior Tribunal de Justiça

Conflito de competência. Paciente denunciado por homi-cídios e outros delitos perante a Justiça Federal. Denúncia não conhecida quanto aos homicídios. Conexão não reconhecida. Competência atribuída ao juízo estadual do Tribunal do Júri. Conflito suscitado perante o STJ. Pedido de suspensão do pro-cesso em curso perante a Justiça Federal. Alegação de incompe-tência desta para ambas as causas. Caso de competência relativa. Ine xis tên cia de ofensa ao princípio do juiz natural. Habeas corpus denegado. Inteligência do art. 5º, LIII, da CF. Não há perda de objeto de conflito de competência, por julgamento de uma das causas, quando se trate de caso de competências relativas.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Se gunda Tur ma do Su premo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, indeferir o pedido de habeas corpus e cassar a medida cautelar anterior-mente deferida, nos termos do voto do Relator. Falou, pelo Paciente, o Dr. João Costa Ribeiro Filho e, pelo Ministério Público Federal, o Dr. Wagner Gonçalves. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Joaquim Barbosa.

Brasília, 30 de setembro de 2008 — Cezar Peluso, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado em favor de Fernando de Miranda Iggnácio, contra decisão do Presidente do Superior Tribunal de Justiça que indeferiu pedido de suspen-são de processo sobre o qual pende conflito de competência suscitado perante aquela Corte.

O Paciente foi denunciado pelo Ministério Público Federal pela prática dos delitos de contrabando, descaminho, formação de quadrilha e homicídio qualifi-cado. O juízo da 4ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro recebeu a denúncia somente em relação às três primeiras acusações, declinando da competência para a Justiça estadual, quanto às acusações de homicídio, sob a seguinte argumentação:

Deixo de receber a denúncia, outrossim, quanto aos crimes de homicídio narrados na mesma, na medida em que estes não guardam relação de conexão com

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os fatos típicos de competência da Justiça Federal, pelo que inaplicável se torna ao caso a súmula 122 do STJ.(Fl. 103, grifos no original.)

O juízo do Tribunal do Júri da Comarca do Rio de Janeiro – Foro Regional de Bangu, ao seu turno, suscitou conflito de competência e remeteu os autos ao Superior Tribunal de Justiça, nos seguintes termos:

Com permissa venia discordo dos argumentos empregados pelo Ilustre Magistrado Federal, sobretudo pelo fato de que os crimes de homicídio somente ocorreram em razão da quadrilha existente para exploração das máquinas de caça-níqueis, cujos componentes eram importados ilegalmente.

Nessa esteira de raciocínio, é impossível conceber os crimes de homicídios [sic] dissociados dos crimes de quadrilha e contrabando, pois não se pode olvidar que tais delitos foram praticados para expandir a atividade ilícita e aumentar os lucros indevidos.(Fls. 15-16.)

Diante do regular prosseguimento do feito referente aos crimes de desca-minho, contrabando e formação de quadrilha, o Juízo Federal intimou as par-tes para alegações finais. A defesa, então, requereu ao Presidente do Superior Tribunal de Justiça que determinasse, nos autos do CC 95.972, a suspensão da referida ação penal, sob o argumento de que eventual sentença prejudicaria o conflito lá suscitado.

O pedido foi indeferido, verbis:

Não tenho elementos para avaliar – inda que de forma superficial – a exis-tência de conexão. Seria temerário presumir a aplicação da Súmula 122 ao caso.

Não posso, também, avaliar em que situação se encontra a demanda que tramita na Justiça Federal. Determinar a suspensão, sem informações seguras so-bre o andamento da demanda na origem, poderia refletir em eventual prescrição.

De qualquer forma, não enxergo o dano irreparável alegado pelo requerente.Inda que posteriormente se conclua pela existência de conexão, não há risco

de que o requerente seja julgado por juízo incompetente. A competência do juízo responsável pelo julgamento dos crimes de homicídio será definida – ao menos em tese – pela Súmula 235.

Indefiro o pedido de suspensão.(Fls. 13-14.)

Afirma a defesa que o julgamento do processo que tramita na Justiça Federal provocará dano irreparável, pois, diante da Súmula 235/STJ e da parte final do art. 82 do Código de Processo Penal, o Paciente já não terá o direito de ser julgado na Justiça Federal, que, a seu entender, é o juízo competente.

Requer a suspensão do Processo 2003.51.01.504960-6, em trâmite perante a 4ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, até o julga-mento definitivo do CC 95.972 pelo Superior Tribunal de Justiça (fl. 10).

A liminar foi concedida pela Presidência, nos seguintes termos:

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Do exame dos autos, colhe-se que o argumento do suscitante do aludido conflito negativo está relacionado à plena competência do Juízo Federal para o processo e julgamento sobre todos os delitos objeto da denúncia ministerial, ante a conexão verificada, sendo certo que, por força disso, a ação penal atinente ao delito de homicídio sequer teve início.

Paralelamente, o Juízo Federal deu continuidade à ação penal quanto aos crimes de contrabando, descaminho e formação de quadrilha, intimando as par-tes para alegações finais, daí surgindo o temor do impetrante de perda de objeto do conflito de competência, gerando a possibilidade de posterior julgamento da ação relativa ao crime de homicídio por Juízo incompetente, ante a incidência da Súmula nº 235 do STJ, que dispõe:

“A conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado.”Afigura-se plausível o argumento de prejuízo irreparável que emana da deci-

são atacada, na medida em que, ante a aplicação do referido enunciado da Súmula do STJ, o normal seguimento da ação penal instaurada perante a Justiça Federal, a permitir a prolação de sentença que se aproxima, fatalmente fará com que o con-flito de competência pendente de exame na Corte Superior de Justiça perca seu ob-jeto, aí residindo o periculum in mora resultante da decisão questionada.

Também cabe considerar que, nos termos da Súmula nº 122 do Superior Tribunal de Justiça, “Compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do art. 78, II, a, do Código de Processo Penal”, a indicar que, caso perca objeto o conflito de competência, restará fixada a competência do Juízo de Direito quanto ao crime de homicídio, com afastamento da regra de conexão que, em princípio, indicaria ser a competência do Juízo Federal, com possível afronta ao princípio constitucional do Juiz Natural.

É bem verdade que a indefinida suspensão do processo em curso perante a Justiça Federal, enquanto se aguarda o deslinde do conflito de competência pelo STJ, poderia carrear a extinção da punibilidade, calcada na prescrição da preten-são punitiva.

Tal situação, entretanto, não impede a ordem suspensiva, com isso evi-tando-se o mal maior, que, no caso, seria o afastamento do Juiz Natural.

De qualquer forma, segundo se colhe dos autos, a denúncia por crimes de contrabando, descaminho e formação de quadrilha foi recebida pelo Juízo Federal em dezembro de 2006, de forma a interromper o curso do lapso prescricional que, adotando-se o crime de menor pena cominada, se encerraria apenas em dezembro de 2014.

Pelo exposto, defiro a liminar, determinando ao Juízo Federal da 4ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro a suspensão do processo nº 2003.51.01.504960-6, até que decidido o conflito de competência nº 95.972/RJ pelo STJ.(Fls. 373-376.)

Os Co-réus Marcos Paulo Moreira da Silva e Rinaldo Costa de Andrade e Silva requereram a extensão da liminar, para suspender as ações penais em que figuram como réus, desmembradas do processo suspenso pela decisão em sede cautelar (fls. 394-397 e 402-699). Os pedidos foram indeferidos pela Presidência (fls. 399-400).

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O Co-réu Sílvio Maciel de Carvalho requereu idêntica medida (fls. 727-994), ainda não apreciada.

O Ministério Público Federal opinou pela denegação da ordem, nos se-guintes termos:

12. Entende o Ministério Público Federal que a análise da pretensão impõe o exame, pelo menos perfunctório, da questão deduzida no citado Conflito de Competência, qual seja, a competência da Justiça Federal para julgar os crimes de homicídio e a conexão entre os crimes de homicídio e os crimes de quadrilha, con-trabando e descaminho imputados ao Paciente, de modo a aferir se há justificativa plausível para a pretendida suspensão do processo criminal.

13. Isto porque, a mera afirmação de que o julgamento do processo-crime implicaria em perda de objeto do Conflito de Competência não é suficiente para justificar a medida pretendida, que, caso venha a ser deferida, imporá o adiamento indefinido do julgamento do processo criminal.

14. Discute-se no citado Conflito sobre a competência para julgar os crimes de homicídio imputados ao Paciente. Entendeu o Juízo, acolhendo pedido da de-fesa, que a circunstância de os homicídios terem sido praticados em razão da qua-drilha existente para a exploração de máquinas de caça-níqueis, é suficiente para justificar o julgamento conjunto de todos os delitos pela Justiça Federal.

15. A Constituição Federal, art. 5º, inciso XXXVIII, atribui ao Tribunal do Júri a competência para processar e julgar os crimes doloso contra a vida. O Júri é o juízo natural dos crimes dolosos contra a vida. Trata-se de competência constitu-cional, que não pode ser afastada com fundamento em normas legais de alteração de competência, contidas no Código de Processo Penal.

16. Assim, existindo crimes conexos, cabe ao Tribunal do Júri o julgamento de todos os delitos. Nesse sentido, é expresso o art. 78, I, do Código de Processo Penal.

17. As exceções a essa regra somente são admissíveis quando contidas no próprio texto constitucional, como por exemplo, nos homicídios praticados por autoridades com prerrogativa de foro.

18. Assim, existindo crimes conexos ao homicídio, em regra a competência para o julgamento é do Tribunal do Júri.

19. Essa solução, entretanto, não é admissível no presente caso, em razão da competência para o julgamento dos crimes supostamente conexos praticados pelo Paciente – quadrilha, contrabando e descaminho – também ter assento constitu-cional (art. 109, IV, da Constituição Federal).

20. Com efeito, os crimes quadrilha, contrabando e descaminho, porque praticados em detrimento da União, são da competência da Justiça Federal.

21. Poder-se-ia dizer, em defesa da tese do ilustre Impetrante, que a compe-tência da Justiça Federal é especial em relação à competência do Júri, atraindo, por isto, o julgamento dos crimes conexos atribuídos ao Paciente.

22. Esse entendimento, entretanto, não vinga. A concorrência entre com-petências constitucionais, ao contrário de atrair o julgamento conjunto perante um dos órgãos constitucionais, impõe o desmembramento do feito para que cada órgão constitucionalmente competente julgue o fato que lhe compete.

23. Ao Júri, cabe o julgamento dos homicídios, e à Justiça Federal, o julga-mento dos crimes de quadrilha, contrabando e descaminho.

24. A questão da concorrência entre competências constitucionais para jul-gamento de crimes conexos já foi decidida por essa Corte, quando do julgamento

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do HC nº 70581, de que foi Relator o Ministro Marco Aurélio. Naquela assentada entendeu-se que as normas processuais de alteração de competência, por conexão ou continência, não tem o condão de afastar a competência constitucional (...).

26. E mesmo que assim não fosse, mesmo que fosse possível a reunião dos feitos para julgamento conjunto, não existe a alegada conexão entre os feitos que justifique a suspensão do processo que tramita na Justiça Federal.

27. O art. 76 do CPP, define de forma exaustiva as hipóteses de conexão (...).28. Os crimes atribuídos ao Paciente não se enquadram em qualquer das

previsões, não sendo suficiente para justificar a reunião dos feitos o mero fato, afirmado pelo Juiz, de que os homicídios foram praticados para expandir a ativi-dade ilícita e aumentar os lucros indevidos.

29. Essa questão, aliás, foi enfrentada pelo Juízo Federal de primeiro grau na decisão em que se afirmou incompetente para julgar o homicídio e remeteu os autos ao Tribunal do Júri (...).

30. Lendo-se a denúncia, na parte em que descreveu os homicídios, vê-se claramente que os crimes não são conexos. O contexto de ação dos denunciados nos crimes de homicídio e de contrabando são bem diversos, não se podendo afirmar que tenham sido cometidos em razão da existência dos crimes de contra-bando, tal como entendeu o Juízo estadual.

31. Com efeito, os homicídios aconteceram em razão da guerra travada en-tre as organizações criminosas que exploram jogos de azar no Rio de Janeiro, não tendo relação direta com o contrabando de componentes eletrônicos das máquinas caça-níqueis (...).

35. A solução é manter os julgamentos em seus foros constitucionais: os homicídios, perante o Tribunal do Júri; os crimes de quadrilha, contrabando e descaminho, na Justiça Federal.

36. Não é demais lembrar, em detrimento da pretensão deduzida pelo Impetrante, que a regra de conexão é de competência relativa, não implicando qualquer prejuízo ao princípio do Juiz Natural a sua eventual não-incidência. Pelo contrário, é justamente o Tribunal do Júri da Justiça Comum Estadual o Juiz Natural para o julgamento dos fatos em questão.

37. Esses argumentos, muito embora não constituam o objeto do presente writ, servem para mostrar que a tese do Impetrante não tem plausibilidade jurí-dica, não podendo ser invocada para fundamentar eventual suspensão do processo criminal que tramita perante o Juízo Federal da 4ª Vara.

(...)40. Com estas razões, manifesta-se o Ministério Público Federal pela dene-

gação da ordem, cassando-se a liminar concedida.(Fls. 704-712.)

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. A impetração aponta, como constrangimento ilegal, eventual perda de objeto do CC 95.972, em exame pelo Superior Tribunal de Justiça, no caso de julgamento do Processo-Crime 2003.51.01.504960-6 pela 4ª Vara Criminal Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro.

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Segundo a inicial, o julgamento da ação fará incidir a Súmula 235 do STJ, de modo que a ação penal relativa à acusação de homicídio não seria julgada em conjunto com as demais acusações, o que violaria o princípio do juiz natural.

Em outras palavras, o alegado constrangimento ilegal não teria origem no desmembramento dos processos, nem na eventual prejudicialidade do conflito de competência que pende no STJ; adviria do julgamento da ação penal relativa às acusações de contrabando, descaminho e formação de quadrilha, por outro juiz que não o competente para julgar a ação pelo crime de homicídio.

Assim, não cabe a este Tribunal decidir, aqui, sobre a viabilidade jurídica da tese da defesa no que diz respeito à conexão entre as causas relativas ao homicídio e aos demais crimes de que o Paciente é acusado. Fica-lhe apenas a questão de saber se a conexão é critério absoluto de definição de competência, a ponto de eventual julgamento de uma das ações e a conseqüente impossibilidade de aplicação das regras de conexão representarem violação ao art. 5º, LIII, da Constituição da República. E, a meu ver, a resposta é negativa.

2. As regras de conexão são aplicáveis a causas que, em princípio, seriam julgadas em separado, mas que devem reunidas para julgamento conjunto em razão de “laço ou liame que estabeleça a ligação entre as infrações praticadas e as pessoas nelas envolvidas”,1 seja para facilitar a produção de provas, a correta aplicação da lei ou a adequada imposição da pena, seja para garantir decisão uniforme para todos os réus com relação a questões substancialmente unas, evitando-se situações contraditórias, de flagrante injustiça.

Como a competência para julgar certa ação penal é determinada pela Constituição ou pela legislação ordinária, a verificar-se conexão entre feitos que, a princípio, deveriam ser julgados por juízos diversos, recorre-se aos crité-rios de modificação ou prorrogação das competências já atribuídas.

Inaplicáveis que sejam as regras modificativas de competência, devem mantidas as atribuições jurisdicionais originárias, as quais só podem ser alarga-das, para abranger outra ou outras causas, quando não seja absoluto seu critério de determinação, que competência absoluta não se modifica ou prorroga. Disso decorre, logo, que as regras do art. 76 e seguintes do CPP não são causas de fixa-ção, mas de modificação ou prorrogação de competência, e, por conseguinte, que a conexão só altera competência relativa, porque torna competente, para o caso concreto, juízo que o não seria sem ela.

Não poderia ser de outro modo: caso as regras de conexão determinassem competência absoluta, tanto a Súmula 235 do STJ, quanto o próprio art. 80 do Código de Processo Penal, que faculta ao juiz a possibilidade de separar proces-sos conexos em determinadas hipóteses – entre elas, por conveniência – seriam inconstitucionais. Nesse caso, o julgamento de uma das ações deveria ser anu-lado, se se fixasse, por conexão, a competência de outro juízo.

3. Como leciona Ada Pellegrini Grinover, o princípio do juiz natural compreende três garantias distintas: proibição de juízo de exceção, vedação de

1 MARQUES, José Frederico. Da competência em matéria penal. n. 3. São Paulo: Saraiva, 1953. p. 286.

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justiças especializadas e garantia do juiz competente.2 Importa para a solução do caso, especialmente, a garantia de julgamento pelo juízo competente, que foi inscrita no art. 5º, LIII, da Constituição da República.

Ora, se a competência por conexão é relativa, o julgamento da ação penal quanto aos crimes de contrabando, descaminho e formação de quadrilha, não ofenderia, sob nenhum ângulo, o princípio do juiz natural. Se, nessa hipótese, o conflito de competência perder o objeto, será porque órgão competente para jul-gar cada uma das ações já não poderá ser determinado por conexão, mas pelas regras de distribuição originária de competência: o juízo competente será aquele que, segundo elas, já o seria para julgar a mesma ação, se não houvera nexo entre as infrações penais.

De todo o modo, questionável o argumento de que a aplicação da Súmula 235 do STJ levará à perda de objeto do conflito de competência, pois eventual reconhecimento de conexão entre as causas provocará junção dos processos para o efeito de soma ou de unificação das penas, nos termos do art. 82, parte final, do CPP.

Diante da conclusão de que a determinação de competência por conexão é relativa, eventual julgamento da Ação Penal 2003.51.01.504960-6 pela 4ª Vara Criminal Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro e a conseqüente apli-cação dos termos da Súmula 235 do STJ não violará a garantia de julgamento pelo juízo competente. Assim, não vislumbro dano irreparável que, incidindo no prosseguimento da referida ação penal, justifique deferimento do pedido de writ.

4. Do exposto, denego a ordem, para, cassando a liminar, determinar o processamento da Ação Penal 2003.51.01.504960-6 pelo juízo da 4ª Vara Cri-mi nal Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro.

VOTO

O Sr. Ministro Eros Grau: Senhor Presidente, apesar da bela sustentação produzida, acompanho o voto do Relator.

EXTRATO DA ATA

HC 95.291/RJ — Relator: Ministro Cezar Peluso. Paciente: Fernando de Miranda Iggnácio. Impetrante: João Costa Ribeiro Filho. Coator: Presidente do Superior Tribunal de Justiça.

Decisão: A Turma, por votação unânime, indeferiu o pedido de habeas corpus e cassou a medida cautelar anteriormente deferida, nos termos do voto do Re lator. Falou pelo Paciente o Dr. João Costa Ribeiro Filho e pelo Ministério Público Federal o Dr. Wagner Gonçalves. Ausente, justificadamente, neste jul-gamento, o Ministro Joaquim Barbosa.

2 O processo em evolução. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 366.

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Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Ellen Gracie, Cezar Peluso e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Ministro Joaquim Barbosa. Compareceu à Turma o Ministro Gilmar Mendes, Presidente do Tribunal, a fim de julgar processos a ele vinculados, assumindo, nesta oca-sião, a Presidência da Turma, de acordo com o art. 148, parágrafo único, RISTF. Subpro cura dor-Geral da República, Dr. Wagner Gonçalves.

Brasília, 30 de setembro de 2008 — Carlos Alberto Cantanhede, Coor- denador.

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HABEAS CORPUS 95.496 — PI

Relator: O Sr. Ministro Cezar PelusoPaciente: José Soares de Albuquerque — Impetrante: João Ulisses de

Britto Azêdo — Coator: Superior Tribunal de Justiça

Habeas corpus. Poder Judiciário. Magistrado. De sem bar ga-dor. Afastamento das funções. Medida ordenada em ação penal em curso. Não-conhecimento. Inexistência de risco ou dano à li-berdade de locomoção. Aplicação do art. 5º, LXVIII, da CF. Não cabe pedido de habeas corpus contra decisão que afasta das fun-ções, em ação penal, magistrado que nela é acusado.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Se-gunda Turma do Su premo Tribunal Federal, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em não conhecer do habeas corpus, nos termos do voto do Relator. Falou, pelo Paciente, o Dr. João Ulisses de Britto Azêdo e, pelo Ministério Público Federal, o Dr. Francisco Adalberto Nóbrega. Ausente, justi-ficadamente, neste julgamento, o Ministro Eros Grau.

Brasília, 10 de março de 2009 — Cezar Peluso, Relator

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de José Soares de Albuquerque, contra decisão do Superior Tribunal de Justiça que, ao julgar a Questão de Ordem na Ação Penal 331/PI, manteve o afastamento do Paciente do cargo de Desembargador do Tribunal de Justiça do Piauí.

O Paciente foi denunciado nos autos da Ação Penal 331/PI, em trâmite no Superior Tribunal de Justiça, pela prática dos crimes descritos nos arts. 317, § 1º, e 322, ambos do Código Penal. Recebida a denúncia, determinou-se o afasta-mento do Paciente das funções de desembargador, sem prejuízo dos vencimen-tos e das vantagens, até decisão final da ação penal.

A defesa impetrou, perante esta Corte, dois pedidos de writ em face do recebimento da denúncia. Indeferido o primeiro (HC 85.636, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 24-2-06), neguei seguimento ao segundo, por ser mera repetição de pedido (HC 93.766, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ de 27-3-08).

Busca a defesa, agora, seja reconhecido constrangimento ilegal decorrente da demora no julgamento da Ação Penal 331/PI pelo Superior Tribunal de Justiça. Afirma que o Paciente se encontra afastado do cargo há mais de 3 (três) anos e 7 (sete) meses, sem que a instrução se tenha encerrado. Assevera, diante

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do fato de que apenas as testemunhas de acusação foram ouvidas até agora, que o retardo não pode ser imputado à defesa.

Aduz que o fumus boni juris decorre da garantia constitucional que asse-gura a razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, da CF), e que o pericu-lum in mora é evidente, pois “a ação penal em curso nunca terá um termo, posto ser o que intenciona fazer o Ministro relator, tendo em vista que é o próprio juntamente com a acusação que vem postergando o feito, ou até mesmo, não possuindo nenhum interesse íntimo/público de fazer com que tenha uma trami-tação célere”. Além disso, afirma que o Paciente será compulsoriamente aposen-tado em apenas 7 (sete) meses, e, “se essa Excelsa Corte não se pronunciar via liminar nada mais restará ao paciente, senão conformar-se definitivamente com a omissão dessa Corte Constitucional” (fl. 8)

Solicitei informações ao Superior Tribunal de Justiça, que remeteu cópia das notas taquigráficas dos votos proferidos no julgamento das Questões de Ordem na Ação Penal 331, em que aquela Corte entendeu não configurado o excesso de prazo e indeferiu o pedido de retorno dos acusados aos cargos públi-cos que ocupam (fls. 380-402).

A defesa reiterou o pedido de liminar (fls. 414-418).Indeferi a liminar (fls. 420-422).O STJ encaminhou cópia do inteiro teor do acórdão impugnado (fls. 425-445).O Ministério Público Federal opinou pela denegação da ordem, por não

considerar caracterizada a inércia do Poder Judiciário, sem a qual não há de se falar em excesso de prazo (fls. 458-460).

A defesa solicitou fosse o Ministro Relator da Ação Penal 331/PI, no STJ, obrigado a produzir certidão nos termos que requereu (fls. 462-468). O pedido foi indeferido (fls. 782-783).

O Relator da ação penal no STJ, Min. Aldir Passarinho Junior, prestou informações (fls. 476-751).

A defesa contestou tais informações e reiterou o pedido de concessão da ordem (fls. 785-797).

Nova manifestação da defesa questionou a delegação da oitiva de testemu-nhas pelo Ministro Relator da ação penal no STJ ao juízo da Seção Judiciária do Maranhão, porque as mesmas testemunhas já haviam sido ouvidas por juízo da Seção Judiciária do Piauí (fls. 800-827).

Outra manifestação da defesa informa que a aposentadoria compulsória do Paciente se dará em 22 de março do corrente ano, e solicita urgência no jul-gamento do feito (fls. 836-837).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Partindo do pressuposto de que o pedido tende a remediar constrangimento ilegal, não assiste razão ao Impetrante.

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Alega este que o Superior Tribunal de Justiça incorre em excesso de prazo para a conclusão da Ação Penal 331/PI, em que o ora Paciente figura como Réu. Argumenta que a demora é causada exclusivamente pela omissão do Relator, em não havendo medida protelatória imputável à defesa.

Posto verdadeira a alegação do Impetrante sobre a inexistência de medida protelatória de sua parte, cumpre advertir que esta Corte firmou entendimento de que, a despeito disso, não há constrangimento ilegal quando a demora não seja atribuível à máquina judiciária:

Quanto à alegação de excesso de prazo, constata-se a complexidade da causa. No caso concreto, apuram-se diversos delitos cometidos por vários Co-réus, denotando razoabilidade na dilação do prazo de instrução processual, sem que a prisão dos envolvidos configure constrangimento ilegal. Dos documentos acostados aos autos, verifica-se também haver contribuição da defesa para a de-mora processual, não se configurando a ilegalidade alegada por excesso de prazo, por não haver mora injustificada. Precedentes da Corte: HC 81.905/PE, Pri meira Turma, maioria, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 16-5-03; HC 82.138/SC, Se gunda Turma, unânime, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 14-11-02; e HC 71.610/DF, Pleno, unânime, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 30-3-01. 5. Decreto de prisão preventiva devidamente fundamentado, nos termos do art. 312 do CPP e art. 93, IX, da CF. Existência de razões suficientes para a manutenção da prisão preventiva. Precedentes. 6. Ordem indeferida.(HC 88.905 – Rel. Min. Gilmar Mendes – DJ de 13-10-06. No mesmo sentido, cf. HC 88.740 – Rel. Min. Cezar Peluso – DJ de 1º-12-06.)

Neste caso, veja-se o que informa o Min. Aldir Passarinho Junior, Relator da APn 331/PI no STJ, em resposta à solicitação da Corte:

ressalto que a defesa do réu Joaquim Matias Barbosa de Melo, repetidamente, utilizou-se de quatro embargos de declaração, considerados pela Corte como me-ramente protelatórios, contra a decisão colegiada que recebeu a denúncia, além da interposição de agravos regimentais das decisões monocráticas deste Relator.

Ante tal reiteração, no julgamento dos últimos embargos de declaração opostos, em 04.10.2006, foi proposto pelo Relator e acolhido pela Corte Especial o imediato seguimento regular da Ação Penal, independente da publicação de acór-dão e da eventual oposição de novos aclaratórios.

Desta feita, o processo teve seu prosseguimento, sendo que foi delegada a realização do interrogatório dos réus (...) em 16.10.2006.

As testemunhas de acusação já foram ouvidas, sendo que a última delas, o Sr. Roberto Cabrini, no Estado de São Paulo.

Já foram ouvidas 14 (quatorze) testemunhas arroladas pela defesa, residen-tes no Estado do Piauí, e as remanescentes que também são domiciliadas naquela unidade federada serão ouvidas no dia 13.10.2008 (...).

Ainda restará a oitiva de 07 (Sete) testemunhas, que residem em outras 05 (cinco) unidades da federação (duas no Maranhão, duas na Paraíba, uma no Espírito Santo, uma em Pernambuco e uma no Distrito Fedeal), todas arroladas pela defesa. Esclareço que já emiti carta de ordem, para a oitiva das testemunhas arroladas residentes em MA, PB, ES e PE. A testemunha Francisco de Assis de Moraes Souza, senador da República, arrolada pelo ora paciente, será oportuna-mente por mim ouvida.

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Ressalto que foram numerosos os recursos e incidentes suscitados pelos réus, tais como embargos de declaração, agravos regimentais e questões de ordem, todas prontamente levadas pelo ora Relator à apreciação da Corte Especial, além da indicação de testemunhas domiciliadas em 06 (seis) unidades da federação (PI, MA, PB, ES, PE e DF).(Fls. 476-477.)

Os registros do andamento processual corroboram as informações: os incidentes processuais foram julgados rapidamente, todas as testemunhas de acusação foram ouvidas, e a maior parte das testemunhas de defesa já foram ouvidas ou intimadas. O processo obedece, pois, a curso regular.

O caso é de situação paradigmática, em que a complexidade da causa e a multiplicidade de Réus, aliadas ao exercício legítimo do direito de defesa pelos acusados, resultam em indesejável – mas inevitável – dilação processual. Não há nada nos autos que indique tenha havido desídia por parte do órgão julgador.

Nem se diga que a determinação, pelo Relator da ação penal, de oitiva de testemunhas previamente ouvidas em juízo teve por objetivo tumultuar o feito e atrasar-lhe o julgamento (fls. 800-827). Diante da informação de que tais tes-temunhas já foram ouvidas, por obra do diligente ofício do juízo do Estado do Piauí, mera comunicação do fato ao Ministro Relator eliminaria a duplicidade de oitivas, sem prejuízo algum para a celeridade do processo.

Não custa mencionar que a defesa de Co-réu impetrou habeas corpus com idênticos fundamentos e pedido a esta Corte, nos autos do HC 87.724 (Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 4-4-08). Na ocasião, a Se gunda Turma, por votação unânime, acompanhou o Relator, que não vislumbrou ocorrência de excesso de prazo, verbis:

Quanto ao excesso de prazo para o encerramento da instrução processual, no caso em análise, constata-se a complexidade da ação penal, em que se apuram di-versos delitos supostamente cometidos por dezesseis denunciados (fl. 12). Nota-se, portanto, a existência de indícios que apontam para a razoabilidade na dilação do prazo de instrução processual, sem que seja configurado constrangimento ilegal.

Diante dos documentos acostados aos autos, verifica-se, em primeiro lugar, a complexidade da causa.

Ademais, das informações transcritas, há notícia da interposição de recur-sos cujo caráter protelatório foi, por quatro vezes, declarado pelo STJ em sede de embargos de declaração. Ademais, a interposição de inúmeros recursos de agravo regimental pela defesa dos acusados também deve ser considerada como um ele-mento que contribui para que o deslinde dessa complexa controvérsia seja ainda mais postergado.

Nesse contexto, eventual retardamento da instrução não deve, no presente caso, ser atribuído unicamente à inércia do Superior Tribunal de Justiça.

Não se configura, portanto, excesso de prazo uma vez que não há demora in-justificada. Neste sentido, vale indicar os seguintes precedentes da Corte: HC 81.905/PE, Rel. Min. Ellen Gracie, Pri meira Turma, maioria, DJ de 16-5-03; HC 82.138/SC, Rel. Min. Maurício Corrêa, Se gunda Turma, unânime, DJ de 14-11-02; e HC 71.610/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Pleno, unânime, DJ de 30-3-01.

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Diante do exposto, estou que a situação retratada naquele julgamento se mantém, inexistindo constrangimento ilegal por sanar.

2. Ademais, tenho por inoportuno o retorno do Paciente à função de De-sem bar gador. Em sede liminar, afirmei, verbis:

o afastamento do Paciente de suas funções como desembargador do Tri bu-nal de Justiça reveste-se de caráter cautelar que tende a resguardar, sob certo ponto de vista, a própria condição do Réu no exercício funcional, bem como o prestígio da função jurisdicional. A concessão da medida cautelar, conforme requerido, te-ria o indesejável efeito de colocar sob suspeita quaisquer decisões proferidas pelos acusados no exercício de suas funções, especialmente no caso de ulterior denega-ção da ordem. Em tal hipótese, a situação seria ainda mais danosa do que aquela que aparenta sê-lo agora em relação a ambos, tanto ao acusado, como em relação ao conceito público do seu cargo.(Fl. 421.)

Embora a decisão respeitasse ao pedido de liminar, as mesmas razões le-vam à conclusão sobre a inconveniência da concessão da ordem, que, de certo modo, também possui caráter provisório, diante da possibilidade de condenação do ora Paciente na ação penal a que responde. Ora, se o afastamento do Pa-ciente das funções de magistrado – que, como afirmei alhures, guarda caráter cautelar – tem como objetivo o resguardo do prestígio da função jurisdicional, não vislumbro, no momento, situação diversa que justifique a mudança de entendimento.

Reitero, portanto, o que afirmei no julgamento do Inq 2.424 (Rel. Min. Cezar Peluso, j. 26-11-08), especificamente sobre o afastamento dos Réus da função judicante:

[N]ão se trata propriamente de medida destinada a acautelar o processo-crime, nem a garantir-lhe resultado útil.

Cuida-se, isto sim, de medida preordenada à tutela do conceito público do próprio cargo ocupado pelo magistrado acusado em processo-crime, e, como tal, não viola a regra constitucional da proibição de prévia consideração da culpabilidade.

Trata-se, ademais, de norma editada em favor do próprio acusado, sabendo-se do ônus, que lhe pesa, de responder a processo criminal. E que tende também a dar-lhe tranqüilidade, protegendo-o, no curso da ação penal, de ilações indevidas quanto às decisões que viesse a proferir antes de ser julgado.

Tal entendimento foi acolhido por unanimidade pelo Plenário desta Corte, e, por se tratar de situação idêntica, quadra de todo ao caso.

De todo modo, fosse outro o juízo a respeito, não estaria lesada, nem em risco, sob nenhum aspecto, a liberdade de locomoção do Paciente, a qual é o único objeto teórico admissível da garantia constitucional do habeas corpus (HC 89.198-AgR/RJ; Se gunda Turma; Rel. Min. Cezar Peluso; j. 14-11-06 in RT 858/518).

3. Ante ao exposto, indefiro a ordem.

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DEBATE

O Sr. Ministro Celso de Mello: Ministro Cezar Peluso, V. Exa. não co-nhece ou indefere o pedido de habeas corpus?

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): A princípio, indefiro a ordem.O Sr. Ministro Celso de Mello: Embora entenda incabível, no caso, a pró-

pria ação de habeas corpus, por inexistir ofensa direta e imediata à liberdade de locomoção física do Paciente...

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Não obstante inadmissível, no caso, o habeas corpus examinado do ponto de vista do só afastamento do cargo, não, porém, do ponto de vista da alegação autônoma de excesso do prazo.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Eu gostaria de suscitar essa preliminar. Eu acho que é incabível o habeas corpus.

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): É como havia antecipado a V. Exas.: das duas, uma: ou interpretamos o pedido como esdrúxulo, no sentido de que se alega excesso de prazo, cujo reconhecimento só poderia conduzir, por boa conseqüência lógico-jurídica, a juízo de extinção anômala do processo penal, o que não tem sentido jurídico algum; ou temos pedido de remoção de medida que não atinge a liberdade de locomoção, fundado em alegação de excesso de prazo do mesmo processo. Noutras palavras, neste último caso, tende-se a resguardar suposto direito que não guarda nenhum vínculo com a liberdade de ir, vir e es-tar, a qual é o objeto único do instrumento jurídico-constitucional ou garantia jurídico-constitucional do habeas corpus. Não há, aqui, constrangimento ilegal à liberdade do Paciente em nenhum sentido.

O de que se poderia cogitar é, sim, do excesso de prazo no processo. Mas, ainda que, por hipótese, se admita esteja ou estivesse caracterizado tal excesso, a conclusão, no caso, seria apenas de recomendar que o Superior Tribunal de Justiça julgasse mais rapidamente possível a causa. Não há alternativa, pois a única pen-sável seria extinguir o processo criminal, sem julgamento de mérito, no estado em que se encontra, coisa sobre a qual eu me escuso de fazer qualquer comentário.

VOTO

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhora Presidente, eu, inicialmente, não conheço do habeas corpus.

Entendo que a liberdade de locomoção não está cerceada, muito pelo contrário.

Então, em princípio, eu não conheço do habeas corpus.

VOTO

O Sr. Ministro Celso de Mello: Entendo acolhível, Senhora Presidente, a questão preliminar suscitada pelo eminente Senhor Ministro JOAQUIM

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BARBOSA, pois tenho por incabível a ação de “habeas corpus” na espécie ora em análise.

Com efeito, o exame do pleito deduzido nesta causa – restauração do Paciente, cautelarmente afastado do ofício jurisdicional (LOMAN, art. 29), no exercício do cargo de Desembargador – torna processualmente inviável a presente impetração, por tratar-se de matéria insuscetível de análise nesta sede processual, eis que a ação de “habeas corpus” destina-se, unicamente, a amparar a imediata liberdade de locomoção física das pessoas, revelando-se estranha, à sua específica finalidade jurídico-constitucional, qualquer preten-são que vise a desconstituir atos que não se mostrem ofensivos, ainda que po-tencialmente, ao direito de ir, vir e permanecer das pessoas em geral.

É por tal razão que o Su premo Tribunal Federal, atento à destinação constitucional do “habeas corpus”, não tem conhecido do remédio heróico, quando utilizado, como no caso, em situações de que não resulte qualquer possibilidade de ofensa ao “jus manendi, ambulandi, eundi ultro citroque” (RTJ 116/523 – RTJ 141/159).

A ação de “habeas corpus”, portanto, enquanto remédio jurídico-constitu-cional revestido de finalidade específica, não pode ser utilizada como sucedâneo de outras ações judiciais, notadamente naquelas hipóteses em que o direito-fim (ou direito-escopo, na expressão feliz de PEDRO LESSA) não se identifica – tal como neste caso ocorre – com a própria liberdade de locomoção física.

É que entendimento diverso conduziria, necessariamente, à descarac-terização desse instrumento tutelar da liberdade de locomoção. Não se pode desconhecer que, com a cessação da doutrina brasileira do “habeas corpus”, motivada pela Reforma Constitucional de 1926 – promulgada durante o Governo do Presidente Arthur Bernardes –, restaurou-se, em nosso sistema jurídico, a função clássica desse remédio heróico.

Cabe fazer aqui, Senhora Presidente, um pequeno registro histórico con-cernente ao tratamento jurisprudencial que esta Suprema Corte dispensou ao re-médio do “habeas corpus” ao longo de nossa primeira Constituição republicana.

Foi no Su premo Tribunal Federal que se iniciou, sob a égide da Constitui-ção republicana de 1891, o processo de construção jurisprudencial da doutrina brasileira do “habeas corpus”, que teve, nesta Corte, como seus principais formuladores, os eminentes Ministros PEDRO LESSA e ENÉAS GALVÃO.

A origem dessa formulação doutrinária reside nos julgamentos, que, proferidos no célebre “Caso do Conselho Municipal do Distrito Federal”, am-pliaram, de modo significativo, o âmbito de incidência protetiva do remédio constitucional do “habeas corpus”.

Refiro-me aos julgamentos plenários que esta Suprema Corte proferiu em 8-12-09 (RHC 2.793/DF, Rel. Min. CANUTO SARAIVA), em 11-12-09 (HC 2.794/DF, Rel. Min. GODOFREDO CUNHA), e em 15-12-09 (HC 2.797/DF, Rel. Min. OLIVEIRA RIBEIRO, e RHC 2.799/DF, Rel. Min. AMARO

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CAVALCANTI), além daquele que resultou na concessão, em 25-1-11, do HC 2.990/DF, Rel. Min. PEDRO LESSA.

As decisões proferidas em mencionados julgamentos revestem-se de as-pecto seminal no que concerne ao próprio “corpus” doutrinário que se elabo-rou, naquele particular momento histórico, no âmbito do Su premo Tribunal Federal, no contexto da teoria brasileira do “habeas corpus”, cuja incidência permitia, como já assinalado, o amparo jurisdicional de outros direitos, que não apenas o direito de ir, vir e permanecer, desde que aqueles outros direitos guardassem relação de dependência ou tivessem por fundamento ou pressu-posto a prática da liberdade de locomoção física do indivíduo, tal como clara-mente expôs, em clássica monografia (“Do Poder Judiciário”, p. 285/287, § 61, 1915, Francisco Alves), o eminente Ministro PEDRO LESSA:

Algumas vezes, entretanto, a ilegalidade de que se queixa o paciente não importa a completa privação da liberdade individual. Limita-se, a coação ile-gal a ser vedada, unicamente à liberdade individual, “quando esta tem por fim próximo o exercício de um determinado direito”. Não está o paciente preso, nem detido, nem exilado, nem ameaçado de imediatamente o ser. Apenas o impedem de ir, por exemplo, a uma praça pública, onde se deve realizar uma reunião com intuitos políticos; a uma casa comercial, ou a uma fábrica, na qual é empregado; a uma repartição pública, onde tem de desempenhar uma função, ou promover um interesse; à casa em que reside, ao seu domicílio.

(...)Pouco importa a espécie de direitos que o paciente precisa ou deseja

exercer. Seja-lhe necessária a liberdade de locomoção para pôr em prática um direito de ordem civil, ou de ordem comercial, ou de ordem constitucional, ou de ordem administrativa, deve ser-lhe concedido o ‘habeas-corpus’, sob a cláusula exclusiva de ser juridicamente indiscutível este último direito, o direito escopo. Para recolher à casa paterna o impúbere transviado, para fazer um contrato ou um testamento, para receber um laudêmio, ou para constituir uma hipoteca; para exercitar a indústria de transporte, ou para protestar uma letra; para ir votar, ou para desempenhar uma função política eletiva; para avaliar um prédio e coletá-lo, ou para proceder ao expurgo higiênico de qualquer habitação; se é necessá-rio garantir a um indivíduo a liberdade de locomoção, porque a ofensa, ou uma ameaça, a essa liberdade foi embaraço a que exercesse qualquer desses direitos, não lhe pode ser negado “habeas-corpus”. (...).(Grifei.)

Como salientado, a jurisprudência que se consolidou no Su premo Tri-bu nal Federal, ao longo da Constituição de 1891, até a Reforma de 1926, con-templava a possibilidade de utilização do remédio constitucional do “habeas corpus”, mesmo naqueles casos em que a liberdade de ir, vir e permanecer pudesse ser afetada, ainda que de modo meramente reflexo, por atos estatais supostamente abusivos ou ilegais (Revista Forense 34/505 – RF 36/192 – RF 38/213 – RF 45/183, v.g.):

O “habeas-corpus” é remédio legal para garantir a cidadão membro do poder legislativo municipal o livre exercício dos seus cargos políticos.(RF 22/306, Rel. Min. MANOEL MURTINHO – Grifei.)

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Vale mencionar, neste ponto, como registro histórico, que o Ministro ENÉAS GALVÃO, tal como relembrado por LÊDA BOECHAT RODRIGUES (“História do Su premo Tribunal Federal”, vol. III/33-35, 1991, Civilização Brasileira), aprofundou, ainda mais, a discussão em torno do alcance do “habeas corpus”, sustentando – para além do que preconizava PEDRO LESSA – que esse remédio constitucional deveria ter campo de incidência muito mais abrangente, em ordem a proteger outros direitos, mesmo que estes não tivessem por funda-mento o exercício da liberdade de locomoção física, tal como o evidencia decisão emanada desta Corte Suprema consubstanciada em acórdão assim ementado:

O “habeas-corpus”, conforme o preceito constitucional, não se restringe a garantir a liberdade individual, contra a prisão ou ameaça de prisão ilegais, ampara, também, outros direitos individuais contra o abuso ou violência da autoridade.

Em casos semelhantes ao atual, o Tribunal tem concedido o “habeas-corpus” para garantir a posse e exercício de Vereador eleito, impedido pela au-toridade de exercitar o cargo (...).(HC 3.983/MG, Rel. Min. CANUTO SARAIVA – Grifei.)

É importante relembrar, ainda, a decisiva participação de RUI BAR-BOSA nesse processo de construção hermenêutica que resultou na elaboração da doutrina brasileira do “habeas corpus”.

O grande Advogado e jurisconsulto baiano, em discurso parlamentar pro-ferido no Senado da República, na sessão de 22-1-15 (“Obras Completas de Rui Barbosa”, vol. XLII (1915), tomo II/89-161, 1981, MEC/Fundação Casa de Rui Barbosa), procedeu, de maneira bastante eloqüente, em seu último pronun-ciamento a propósito da intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro, a uma ampla análise do que significou, para o País e para o regime das liberda-des constitucionais, a formulação, pelo Su premo Tribunal Federal, da doutrina brasileira do “habeas corpus”.

Em decorrência da Reforma Constitucional de 1926, e com o restabe-lecimento da vocação histórica desse importantíssimo remédio constitucional, tornou-se insuscetível de conhecimento a ação de “habeas corpus”, quando promovida, como sucede na espécie, contra ato estatal de que não resultasse, de modo direto e imediato, ofensa, atual ou iminente, à liberdade de loco-moção física do Paciente (RTJ 42/896 – RTJ 135/593 – RTJ 136/1226 – RTJ 152/140 – RTJ 178/1231 – RTJ 180/962 – RTJ 197/587-588, v.g.):

A função clássica do habeas corpus restringe-se à estreita tutela da ime-diata liberdade de locomoção física das pessoas.

– A ação de “habeas corpus” – desde que inexistente qualquer situação de dano efetivo ou de risco potencial ao jus manendi, ambulandi, eundi ultro citroque – não se revela cabível, mesmo quando ajuizada para discutir eventual nulidade do processo penal em que proferida decisão condenatória definitiva-mente executada.

Esse entendimento decorre da circunstância histórica de a Reforma Cons-ti tu cional de 1926 – que importou na cessação da doutrina brasileira do “habeas

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corpus” – haver restaurado a função clássica desse extraordinário remédio pro-cessual, destinando-o, quanto à sua finalidade, à específica tutela jurisdicional da imediata liberdade de locomoção física das pessoas. Precedentes.(RTJ 186/261-262, Rel. Min. CELSO DE MELLO.)

Desse modo, cabe insistir na asserção de que o “habeas corpus”, em sua condição de instrumento de ativação da jurisdição constitucional das liber-dades, configura poderoso meio de cessação do injusto constrangimento que afeta o direito de locomoção física das pessoas. Se essa liberdade não se expõe a qualquer tipo de cerceamento, e se o direito de ir, vir ou permanecer sequer se revela ameaçado, nada justifica – por não estar em causa a liberdade de lo-comoção física – o emprego do remédio heróico do “habeas corpus”:

CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. “HABEAS CORPUS”: CABIMENTO. C.F., art. 5º, LXVIII.

I – O “habeas corpus” visa a proteger a liberdade de locomoção – liber-dade de ir, vir e ficar – por ilegalidade ou abuso de poder, não podendo ser utili-zado para proteção de direitos outros. C.F., art. 5º, LXVIII.

II – Habeas corpus indeferido, liminarmente. Agravo não provido.(HC 82.880-AgR/SP, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, Pleno – Grifei.)

Impende reafirmar, bem por isso, que esse writ constitucional, con-siderada a sua específica função tutelar, tem por finalidade amparar, em sede jurisdicional, “única e diretamente, a liberdade de locomoção. Ele se destina à estreita tutela da imediata liberdade física de ir e vir dos indivíduos (...)” (RT 423/327 – RT 338/99 – RF 213/390 – RF 222/336 – RF 230/280 – RTJ 66/396 – RTJ 177/1206-1207, v.g.).

O pedido ora formulado em favor do Paciente consiste em fazer cessar o afastamento cautelar – que lhe foi imposto com fundamento no art. 29 da LOMAN – relativamente ao exercício do cargo judiciário por ele titularizado.

Como se vê, e tal como enfatizado pelo eminente Senhor Ministro JOA-QUIM BARBOSA, inexiste qualquer situação de ofensa direta e imediata à liberdade de locomoção física do Paciente em questão, motivo pelo qual não conheço da presente ação de “habeas corpus”, por evidentemente incabível.

É o meu voto.

VOTO (Retificação)

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Senhora Presidente, eu não me opo-nho a essa solução.

Eu também não conheço.

VOTO

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Eu acompanho, portanto, o Relator e a maioria, para não conhecer do pedido de habeas corpus.

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EXTRATO DA ATA

HC 95.496/PI — Relator: Ministro Cezar Peluso. Paciente: José Soares de Albuquerque. Impetrante: João Ulisses de Britto Azêdo. Coator: Superior Tri-bu nal de Justiça.

Decisão: A Turma, por unanimidade, não conheceu do habeas corpus, nos termos do voto do Relator. Falou, pelo Paciente, o Dr. João Ulisses de Britto Azêdo e, pelo Ministério Público Federal, o Dr. Francisco Adalberto Nóbrega. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Eros Grau.

Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Minis tros Celso de Mello, Cezar Peluso e Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente, o Ministro Eros Grau. Subpro cura dor-Geral da República, Dr. Francisco Adalberto Nóbrega.

Brasília, 10 de março de 2009 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

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HABEAS CORPUS 95.585 — SP

Relatora: A Sra. Ministra Ellen GraciePaciente: Airton José Low — Impetrante: Rinaldo de Jesus Scandiucci —

Coator: Relator do Habeas Corpus 91.719 do Superior Tribunal de Justiça

Direito penal e processual penal. Habeas corpus. Maus an-tecedentes. Fato criminoso anterior. Distinção com reincidência. Denegação.

1. A questão de direito versada nestes autos diz respeito à noção de maus antecedentes para fins de estabelecimento do regime prisional mais gravoso, nos termos do art. 33, § 3º, do Código Penal.

2. Não há que confundir as noções de maus antecedentes com reincidência. Os maus antecedentes representam os fatos ante-riores ao crime, relacionados ao estilo de vida do acusado e, para tanto, não é pressuposto a existência de condenação definitiva por tais fatos anteriores. A data da condenação é, pois, irrelevante para a configuração dos maus antecedentes criminais, diversa-mente do que se verifica em matéria de reincidência (CP, art. 63).

3. Levando em conta o disposto no art. 33, § 3º, do Código Penal, a determinação do regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade deve considerar os maus antecedentes cri-minais (CP, art. 59), não havendo qualquer ilegalidade ou abuso na sentença que impõe o regime fechado à luz da presença de cir-cunstâncias judiciais desfavoráveis ao condenado, como é o caso dos maus antecedentes.

4. Habeas corpus denegado.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Su-premo Tribunal Federal, em Se gunda Turma, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, indeferir o pedido de habeas corpus, nos termos do voto da Relatora.

Brasília, 11 de novembro de 2008 — Ellen Gracie, Relatora.

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Ellen Gracie: 1. Trata-se de habeas corpus impetrado contra decisão monocrática do relator do HC 91.719, do Superior Tribunal de Justiça, que negou seguimento a habeas corpus com fundamento no art. 38 da Lei 8.038/90 (fls. 884/886 do apenso).

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Argumenta o Impetrante que o Paciente foi condenado pela prática do crime de homicídio simples (CP, art. 121, caput) à pena de 6 (seis) anos de re-clusão, em regime inicialmente fechado. Observa que os recursos de apelação e embargos de declaração interpostos pela defesa foram improvidos no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. A pretensão era de alteração do regime ini-cial de cumprimento da pena para o regime semi-aberto. Diante de tais decisões, houve impetração de writ no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, tendo o relator negado seguimento ao pedido.

Registra que, no estabelecimento do regime prisional e nos sucessivos jul-gamentos do TJ e do STJ, considerou-se, indevidamente, condenação ocorrida posteriormente ao fato relativamente ao qual o Paciente foi condenado. Não havia, assim, como considerar maus antecedentes para estabelecimento do re-gime fechado. Observa que as circunstâncias do art. 59 do CP eram favoráveis ao Paciente. Violou-se o princípio da presunção da inocência (CF, art. 5º, LVII).

Requer a concessão da ordem para o fim de ser anulada, em parte, a sen-tença, alterando-se o regime fechado para o regime semi-aberto.

2. Decisão no sentido do indeferimento da liminar (fls. 19/21).3. Manifestação da Pro cura doria-Geral da República no sentido da dene-

gação da ordem (fls. 24/27).É o relatório.

VOTO

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): 1. A questão de direito versada nes-tes autos diz respeito à noção de maus antecedentes para fins de estabelecimento do regime prisional mais gravoso, nos termos do art. 33, § 3º, do Código Penal.

Para melhor análise da questão, aproveito para transcrever trecho do dispositivo da sentença condenatória proferida por ocasião do julgamento do Paciente no Tribunal do Júri (fl. 672 do apenso 4):

(...)O réu é portador de antecedente criminal, conforme certidão de fl. 281 dos

autos, já tendo sido condenado anteriormente de forma definitiva por crime ape-nado com reclusão. Desta forma, sua pena-base é aplicada acima do seu mínimo legal, ou seja, 7 (sete) anos de reclusão. Reconhecida a atenuante de pena a seu favor, esta retorna ao seu patamar inicial, ou seja, 6 (seis) anos de reclusão, pena esta que torno definitiva, na ausência de quaisquer outras causas que aumentem ou diminuam-lhe a pena.

Ante o exposto, condeno o réu Airton José Low à pena de 6 (seis) anos de reclusão, como incurso no artigo 121, caput, do Código Penal.

O regime inicial para cumprimento da pena será o regime fechado, diante do mencionado antecedente criminal, nos termos do art. 33, § 2º, alínea “b”, bem como nos termos do mencionado artigo, § 3º.

A tese defendida neste writ pelo Impetrante diz respeito à impossibilidade de se considerar como antecedente criminal condenação definitiva que somente

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tenha ocorrido em data posterior ao fato relativamente ao qual o acusado é con-denado. Assim, como o homicídio data de 1990 e a condenação definitiva por outro crime somente ocorreu em 1995, o Paciente não poderia ser considerado portador de maus antecedentes para o fim de estabelecimento do regime fechado como regime inicial de cumprimento da pena de reclusão, imposta pelo juiz to-gado após a decisão dos jurados.

2. Entendo ser oportuna a transcrição de trecho da manifestação da Pro-cura doria-Geral da República no caso em questão (fl. 26):

(...)Impende, a priori, esclarecer o significado do vocábulo “antecedente” que,

como o próprio nome já denota, deve ser tudo aquilo, e somente aquilo, que ante-cede a prática do fato, ou seja, a denominada vida anteacta do réu.

Necessárias duas considerações: “tudo aquilo” que antecede a prática do fato, à exceção do que possa ser considerado para fins de reincidência, cuidando-se para que não se valore, por mais de uma vez, a mesma circunstância: “somente aquilo” que antecede a prática do fato, uma vez que as ocorrências que lhe forem posteriores estão, lógica e juridicamente, excluídas do vocábulo “antecedentes”.

Importa, pois, para fins de configuração de um mau antecedente, observar a data dos fatos, sendo irrelevante, para tal fim, a data da condenação. O mesmo não se diga para a configuração da reincidência, a qual imprescinde da observância da data do fato, bem como da data da condenação (trânsito em julgado da sentença, a teor do art. 63 do CP).

Conforme se extrai do relato acima, o fato considerado pela sentença como mau antecedente ocorreu em data anterior (dezembro de 1989) ao fato criminoso objeto da ação penal nº 749/90 (15 de março de 1990), sendo irrelevante, repita-se, para o fim para o qual se valeu, ter sido a condenação superveniente ao fato.

Saliente-se que a sentença não se amparou na reincidência do réu, apre-sentando-se legítimo o regime inicial por ela fixado, com esteio em seus maus antecedentes.

3. Na precisa lição doutrinária, “a condenação por fato anterior transitada em julgado após o novo fato” é considerada mau antecedente e não caso de reincidência (Celso Delmanto et allii. Código Penal comentado. Rio de Janeiro: Renovar, p. 110).

Observo que o Impetrante confunde as noções de maus antecedentes com reincidência. Os maus antecedentes representam os fatos anteriores ao crime, relacionados ao estilo de vida do acusado e, para tanto, não é pressuposto a exis-tência de condenação definitiva por tais fatos anteriores. A data da condenação é, pois, irrelevante para a configuração dos maus antecedentes criminais, diver-samente do que se verifica em matéria de reincidência (CP, art. 63).

4. Desse modo, levando em conta o disposto no art. 33, § 3º, do Código Penal, a determinação do regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade deve considerar os maus antecedentes criminais (CP, art. 59), não ha-vendo qualquer ilegalidade ou abuso na sentença que impõe o regime fechado à luz da presença de circunstâncias judiciais desfavoráveis ao condenado, como é o caso dos maus antecedentes.

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5. Ante o exposto, denego a ordem de habeas corpus.É como voto.

VOTO

O Sr. Ministro Eros Grau: Senhor Presidente, vou pedir vênia para diver-gir, considerando a circunstância de que não havia trânsito em julgado.

DEBATE

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): Então, o que seriam “maus ante-cedentes”?

O Sr. Ministro Celso de Mello (Presidente): A mera existência de inqué-ritos policiais em curso e a tramitação de processos penais em juízo não auto-rizam que se atribua, a qualquer pessoa, só por isso, a condição de portadora de maus antecedentes.

Esse entendimento, Senhora Relatora, tem o beneplácito da jurisprudên-cia constitucional do Su premo Tribunal Federal (RTJ 136/627 – RTJ 139/885 – RTJ 187/646, v.g.), refletindo-se, ainda, na orientação dos Tribunais em geral (RT 418/286 – RT 422/307 – RT 572/391 – RT 586/338), e, também, no magistério da doutrina (DAMÁSIO E. DE JESUS, “Código Penal Ano-tado”, p. 199/200, 11ª ed., 2001, Saraiva; CELSO DELMANTO, ROBERTO DELMANTO, ROBERTO DELMANTO JUNIOR e FÁBIO M. DE ALMEIDA DELMANTO, “Código Penal Comentado”, p. 107, 5ª ed., 2000, Renovar; ROGÉRIO GRECO, “Curso de Direito Penal – Parte Geral”, vol. I/626, item n. 11.3.2, 5ª ed., 2005, Editora Impetus, v.g.).

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): Ou seja, atos que não resultaram em investigação penal podem ser maus antecedentes?

O Sr. Ministro Celso de Mello (Presidente): É preciso dar conseqüência à presunção constitucional de inocência, pois só se pode considerar culpado quem houver sofrido condenação penal transitada em julgado.

Daí porque, Senhora Relatora, coloquei em destaque, em recente decisão por mim proferida, essa diretriz, tendo por fundamento o que proclama, ex-pressamente, na declaração de direitos, a própria Constituição da República (CF, art. 5º, inciso LVII):

PRESUNÇÃO CONSTITUCIONAL DE NÃO-CULPABILIDADE (CF, ART. 5º, LVII). MERA EXISTÊNCIA DE INQUÉRITOS POLICIAIS EM CURSO (OU ARQUIVADOS), OU DE PROCESSOS PENAIS EM ANDAMENTO, OU DE SENTENÇA CONDENATÓRIA AINDA SUSCETÍVEL DE IMPUGNAÇÃO RECURSAL. AUSÊNCIA, EM TAIS SITUAÇÕES, DE TÍTULO PENAL CON-DENATÓRIO IRRECORRÍVEL. CONSEQÜENTE IMPOSSIBILIDADE DE FORMULAÇÃO, CONTRA O RÉU, COM BASE EM EPISÓDIOS PROCES-SUAIS AINDA NÃO CONCLUÍDOS, DE JUÍZO DE MAUS ANTECEDENTES.

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PRETENDIDA REDUÇÃO DA PENA-BASE APLICADA AO RÉU. POSTULA-ÇÃO RECURSAL ACOLHÍVEL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO.

– A formulação, contra o sentenciado, de juízo de maus antecedentes, para os fins e efeitos a que se refere o art. 59 do Código Penal, não pode apoiar-se na mera instauração de inquéritos policiais (em andamento ou arquivados), ou na simples existência de processos penais em curso, ou, até mesmo, na ocorrência de condenações criminais ainda sujeitas a recurso.

É que não podem repercutir, contra o réu, sob pena de transgressão ao postulado constitucional da não-culpabilidade (CF, art. 5º, LVII), situações jurídico-processuais ainda não definidas por decisão irrecorrível do Poder Judiciário, porque inexistente, em tal contexto, título penal condenatório defini-tivamente constituído. Doutrina. Precedentes.(RE 577.556/TO, Rel. Min. CELSO DE MELLO.)

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): Para efeito de reincidência? Aí haveria a majoração da pena.

O Sr. Ministro Celso de Mello (Presidente): Essa é uma outra controvér-sia, pois a questão da constitucionalidade da reincidência será apreciada pelo Plenário do Su premo Tribunal Federal, porque já se reconheceu, quanto a ela, a existência de repercussão geral.

A natureza constitucional dessa controvérsia remete à discussão sobre a legitimidade jurídica da definição legal da reincidência como circunstância agravante genérica, eis que se sustenta, no exame desse tema, que o art. 61, in-ciso I, do Código Penal qualificar-se-ia como verdadeiro “bis in idem”, de todo incompatível com o nosso sistema de direito constitucional positivo.

Tenho a impressão, Senhora Relatora, de que essa matéria será exami-nada, oportunamente, pelo Su premo Tribunal Federal, quando do julgamento do RE 591.563/RS, de que é Relator o eminente Ministro CEZAR PELUSO.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Fui eu que suscitei.A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): Só tenho dificuldade de imaginar

uma hipótese em que, então, seria possível caracterizar maus antecedentes.O Sr. Ministro Celso de Mello (Presidente): Certamente, Senhora Re la-

to ra, situações processuais ainda pendentes de apreciação ou ainda não tor-nadas definitivas por sentença penal condenatória transitada em julgado não podem autorizar o Poder Judiciário a qualificar o Réu como portador de maus antecedentes.

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): Certo.O Sr. Ministro Celso de Mello (Presidente): Não tenho qualquer dúvida

de que se mostra juridicamente inadmissível considerar-se, como indício reve-lador de maus antecedentes, a mera existência de processos penais ou de inves-tigações criminais em curso, porque há de prevalecer, sempre, nessa matéria, sem qualquer distinção, a supremacia da presunção constitucional do estado de inocência.

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O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhor Presidente, gostaria de lembrar que julgamos no Plenário – se não me engano, na AO 1.046 – uma proposição de minha autoria, cujo teor é exatamente o seguinte: deve ser examinado caso a caso. Não há uma posição apriorística; deve ser examinado caso a caso, e, na-quele caso, propus que não levássemos em consideração as ações que estavam...

O Sr. Ministro Celso de Mello (Presidente): V. Exa. aplica esse critério ao caso ora em exame?

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Aqui, indago da eminente Relatora quais são os processos. São muitos processos?

Temos que levar em consideração, também, o fato de que dificilmente uma ação penal transita em julgado no Brasil, sobretudo se ela é conduzida por bons advogados. A condescendência do nosso sistema penal é tamanha que chegamos a esse absurdo.

O Sr. Ministro Celso de Mello (Presidente): Parece-me que, no caso, há um só processo, segundo vejo no Relatório em causa.

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): É, mas vamos examinar o teor da sentença.

O Sr. Ministro Celso de Mello (Presidente): A cópia dessa sentença está no Apenso 4, p. 672.

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): Não estou encontrando essa p. 672 no anexo 4, não.

O Sr. Ministro Celso de Mello (Presidente): V. Exa., logo no início de seu voto, observa:

Para melhor análise da questão, aproveito para transcrever trecho do dispositivo da sentença condenatória proferida por ocasião do julgamento do Paciente no Tribunal do Júri (fl. 672 do apenso 4):

“(...)O réu é portador de antecedente criminal – antecedente, é um só –

conforme certidão de fls. 281 dos autos (...).”

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): O caso é que esses apensos são xérox de péssima qualidade, e não consigo enxergar os números das páginas.

O problema está aqui:

(...) condeno o Réu Airton José Low à pena de 6 (seis) anos de reclusão, como incurso no art. 121, caput, do Código Penal.

O regime inicial para o cumprimento da pena será o regime fechado, diante do mencionado antecedente criminal (...)

É um só.

(...) portador de antecedente criminal, conforme certidão de fl. 281 dos au-tos, tendo sido condenado anteriormente de forma definitiva por crime apenado com reclusão.

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O Sr. Ministro Cezar Peluso: Isso foi condenação definitiva sem ser reinci-dente. Foi condenado após o fato.

O Sr. Ministro Celso de Mello (Presidente): Foi o que aconteceu.

VOTO (Retificação)

O Sr. Ministro Eros Grau: Senhor Presidente, examinado o Código aqui, verifico que V. Exa. tem razão. Retifico a minha divergência.

VOTO

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhor Presidente, vou me manter fiel à proposição que fiz ao Plenário na AO 1.046.

Diante de um quadro como esse em que há apenas uma condenação ainda não transitada em julgado, e é o caso, e além do mais, fato posterior ao fato a que ele responde, neste processo, mantenho aquele ponto de vista que externei há pouco mais de um ano, no Plenário, divergindo para conceder a ordem de habeas corpus.

EXTRATO DA ATA

HC 95.585/SP — Relatora: Ministra Ellen Gracie. Paciente: Airton José Low. Impetrante: Rinaldo de Jesus Scandiucci. Coator: Relator do Habeas Corpus 91.719 do Superior Tribunal de Justiça.

Decisão: A Turma, por votação majoritária, indeferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto da Relatora, vencidos os Ministros Joaquim Babosa e Presidente, que o deferiam.

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão a Minis-tra Ellen Gracie e os Ministros Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Subpro cura dor-Geral da República, Dr. Mário José Gisi.

Brasília, 11 de novembro de 2008 — Carlos Alberto Cantanhede, Coor- denador.

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HABEAS CORPUS 95.967 — MS

Relatora: A Sra. Ministra Ellen GraciePaciente: Eliton de Souza — Impetrante: Alexandre César Del Grossi —

Coator: Superior Tribunal de Justiça

Direito processual. Habeas corpus. Prisão civil do depositá-rio infiel. Pacto de São José da Costa Rica. Alteração de orienta-ção da jurisprudência do STF. Concessão da ordem.

1. A matéria em julgamento neste habeas corpus envolve a temática da (in)admissibilidade da prisão civil do depositário infiel no ordenamento jurídico brasileiro no período posterior ao ingresso do Pacto de São José da Costa Rica no direito nacional.

2. Há o caráter especial do Pacto Internacional dos Direitos Civis Políticos (art. 11) e da Convenção Americana sobre Direi- tos Humanos – Pacto de São José da Costa Rica (art. 7º, 7), ratifi-cados, sem reserva, pelo Brasil, no ano de 1992. A esses diplomas internacionais sobre direitos humanos é reservado o lugar espe-cífico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo suprale-gal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de ratificação.

3. Na atualidade a única hipótese de prisão civil, no Direito brasileiro, é a do devedor de alimentos. O art. 5º, § 2º, da Carta Magna expressamente estabeleceu que os direitos e garantias expressos no caput do mesmo dispositivo não excluem outros decorrentes do regime dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. O Pacto de São José da Costa Rica, entendido como um tratado internacional em matéria de direitos humanos, ex-pressamente, só admite, no seu bojo, a possibilidade de prisão civil do devedor de alimentos e, conseqüentemente, não admite mais a possibilidade de prisão civil do depositário infiel.

4. Habeas corpus concedido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Su-premo Tribunal Federal, em Se gunda Turma, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráfi-cas, por unanimidade de votos, deferir o pedido de habeas corpus, nos termos do voto da Relatora.

Brasília, 11 de novembro de 2008 — Ellen Gracie, Relatora.

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RELATÓRIO

A Sra. Ministra Ellen Gracie: 1. Trata-se de habeas corpus impetrado con-tra ato do Superior Tribunal de Justiça, que denegou outro writ anteriormente aforado perante aquela Corte, em acórdão assim ementado (fl. 78):

Habeas corpus. Execução fiscal. Depositário infiel. Prisão civil. Intimação pessoal. Meio exaurido. Intimação por edital. Possibilidade. Precedentes.

1. Embora não intimado pessoalmente como depositário, por não ter sido encontrado pelo meirinho quando das tentativas de citação pessoal e de avaliação do bem, no momento em que veio aos autos para pedir a revogação do decreto de prisão, foi-lhe concedido prazo para apresentar o bem penhorado ou o valor cor-respondente. Nada obstante, não houve qualquer manifestação do paciente.

2. Depreende-se do que consta nos autos que sempre houve inequívoca ciência da existência do processo de execução fiscal e de sua condição de fiel depositário.

3. A intimação do depositário infiel por edital, quando se encontrar em lo-cal incerto e não sabido, é válida para efeitos da decretação de sua prisão civil. Precedente: HC 56530/SP, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ 02.10.2006.

4. Inaplicação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) mesmo após a edição da Emenda Constitucional nº 45/2004 ante a falta de aprovação pelo quorum qualificado de três quintos, o que impede, nos exatos termos da norma do art. 5º, § 3º, da CF, que se o tenha por re-cepcionado pelo direito interno com status de emenda constitucional.

5. Ordem denegada.

Narra a inicial que o Juízo da Vara de Execução Fiscal da Comarca de Campo Grande/MS decretou a prisão civil do ora paciente nos autos da Execução Fiscal 001.95.011851-3.

Noticia que a defesa impetrou habeas corpus perante o Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, que denegou a ordem. Para tanto, a Corte estadual assentou que “o descumprimento do encargo de fiel depositário sem a apresentação de nenhuma forma excludente de sua responsabilidade, possibilita sua prisão civil” (fl. 4).

Sustenta, em síntese, o impetrante que a intimação do Paciente por edital é nula, pois deveria ter sido realizada pessoalmente. Argumenta, ainda, a ilegali-dade da prisão e a exclusão do paciente do quadro societário da empresa.

Ademais, observa que, com base no Pacto de São José da Costa Rica, não há mais a possibilidade da prisão civil do depositário infiel (fls. 9-10).

Requer a concessão da ordem para o fim de ser cassado o decreto de prisão civil (fl. 13).

2. Houve decisão concessiva da medida liminar requerida (fls. 19/23).3. Informações prestadas pelo Superior Tribunal de Justiça (fls. 71-81) e

pelo Juiz de Direito da Vara de Execução Fiscal da Fazenda Pública Estadual (fls. 56-69).

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4. Manifestação da Pro cura doria-Geral da República no sentido da dene-gação da ordem com a cassação da medida liminar deferida (fls. 83-91).

É o relatório.

VOTO

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): 1. A matéria em julgamento neste habeas corpus envolve a temática da (in)admissibilidade da prisão civil do de-positário infiel no ordenamento jurídico brasileiro no período posterior ao in-gresso do Pacto de São José da Costa Rica no direito nacional.

No julgamento colegiado do writ no âmbito do STJ, considerou-se ad-missível a prisão civil do depositário judicial, sendo que o foco da discussão se resumiu na natureza do vínculo contratual existente (se contrato de depósito ou contrato de mútuo), conforme informação prestada pelo relator do HC 100.065/MS do Superior Tribunal de Justiça.

2. No que tange à temática da prisão civil do depositário infiel, o enfoque foi alterado na jurisprudência desta Corte. A Se gunda Turma do Su premo Tribunal Federal filiou-se à orientação acerca da inexistência de sustentação jurídica para prisão civil do depositário infiel, renovando a discussão da matéria sob o prisma constitucional (HC 90.171-7/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 17-8-07):

Habeas corpus. 1. No caso concreto foi ajuizada ação de execução sob o n. 612/00 perante a 3ª Vara Cível de Santa Bárbara D’Oeste/SP em face do pa-ciente. A credora requereu a entrega total dos bens sob pena de prisão. 2. A defesa alega a existência de constrangimento ilegal em face da iminência de expedição de mandado de prisão em desfavor do paciente. Ademais, a inicial sustenta a ilegitimidade constitucional da prisão civil por dívida. 3. Reiterados alguns dos argumentos expendidos em meu voto, proferido em sessão do Plenário de 22-11-06, no RE 466.343/SP: a legitimidade da prisão civil do depositário infiel, ressal-vada a hipótese excepcional do devedor de alimentos, está em plena discussão no Plenário deste Su premo Tribunal Federal. No julgamento do RE 466.343/SP, Rel. Min. Cezar Peluso, que se iniciou na sessão de 22-11-06, esta Corte, por maioria que já conta com sete votos, acenou para a possibilidade do reconhecimento da inconstitucionalidade da prisão civil do alienante fiduciário e do depositário infiel. 4. Superação da Súmula 691/STF em face da configuração de patente constrangi-mento ilegal, com deferimento do pedido de medida liminar, em ordem a assegurar, ao Paciente, o direito de permanecer em liberdade até a apreciação do mérito do HC 68.584/SP pelo Superior Tribunal de Justiça. 5. Considerada a plausibilidade da orientação que está a se firmar perante o Plenário deste STF – a qual já conta com sete votos –, ordem deferida para que sejam mantidos os efeitos da medida liminar.

3. No voto do eminente Relator, atualmente presidindo esta Corte, des-tacou-se o caráter especial do Pacto Internacional dos Direitos Civis Políticos (art. 11) e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de São José da Costa Rica (art. 7º, 7), ratificados, sem reserva, pelo Brasil, no ano de 1992. Esclareceu, ainda, que a esses diplomas internacionais sobre direitos huma-nos é reservado o lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da

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Constituição, porém acima da legislação interna. Concluiu, assim, que o status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de ratificação.

Registro que, no âmbito do RE 466.343/SP, afetado ao Pleno, esta Corte já conta com oito votos no sentido da impossibilidade da prisão civil do depositário infiel, pendendo pedido de vista do Ministro Carlos Alberto Menezes Direito.

Conforme noticiado recentemente, esta Se gunda Turma deferiu cinco ordens de habeas corpus no sentido de não mais admitir a possibilidade da pri-são civil decretada contra depositários infiéis (HC 90.450/MG, HC 91.361/SP, HC 93.280/SC, HC 90.983/SP e HC 94.695/RS), tendo o Min. Celso de Mello declarado que “não mais subsiste a prisão civil em face da ordem constitucional brasileira, em depósito convencional ou judicial”, sendo que em um dos casos houve afastamento episódico da orientação contida na Súmula 691 do STF.

4. Desse modo, na atualidade a única hipótese de prisão civil, no Direito brasileiro, é a do devedor de alimentos. O art. 5º, § 2º, da Carta Magna, expres-samente estabeleceu que os direitos e garantias expressos no caput do mesmo dispositivo não excluem outros decorrentes do regime dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. O Pacto de São José da Costa Rica, entendido como um tratado internacional em matéria de direitos humanos, expressamente, só admite, no seu bojo, a possibilidade de prisão civil do devedor de alimentos e, conseqüen-temente, não admite mais a possibilidade de prisão civil do depositário infiel.

Tal conclusão não impede que sejam adotadas outras medidas coercitivas para o efetivo cumprimento das obrigações decorrentes do depósito, ressalvada a impossibilidade da prisão civil.

5. Ante o exposto, concedo a ordem de habeas corpus para o fim de cassar os efeitos do decreto de prisão civil do Paciente.

É como voto.

EXTRATO DA ATA

HC 95.967/MS — Relatora: Ministra Ellen Gracie. Paciente: Eliton de Souza. Impetrante: Alexandre César Del Grossi. Coator: Superior Tribunal de Justiça.

Decisão: A Turma, por votação unânime, deferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto da Relatora. Ausente, justificadamente, neste julga-mento, o Ministro Cezar Peluso.

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão a Ministra Ellen Gracie e os Ministros Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Subpro cura dor-Geral da República, Dr. Mário José Gisi.

Brasília, 11 de novembro de 2008 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

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HABEAS CORPUS 96.453 — MS

Relatora: A Sra. Ministra Ellen GraciePacientes: Haroldo José Guimarães Dias e Ari Augusto de Freitas Dias —

Impetrante: Élin Teruko Toko — Coator: Superior Tribunal de Justiça

Direito processual penal. Habeas corpus. Argüição de in-competência territorial. Crime plurilocal de latrocínio. Crime permanente de quadrilha. Critérios para determinação e altera-ção de competência territorial. Prevenção. Conexão e prorroga-ção. Denegação da ordem.

1. A questão de direito tratada neste habeas corpus diz respeito à alegada nulidade do processo instaurado contra os pacientes em razão de suposta incompetência territorial do juízo processante.

2. Não há, no direito brasileiro, a figura do recurso ordi-nário em habeas corpus contra acórdão do Superior Tribunal de Justiça que, também em sede de recurso ordinário em habeas corpus contra ato de juiz de direito, negou-lhe provimento.

3. Na denúncia, houve expressa narração dos fatos relacio-nados à prática de dois latrocínios (CP, art. 157, § 3º), duas ocul-tações de cadáveres (CP, art. 211), formação de quadrilha (CP, art. 288), adulteração de sinal identificador de veículo motor (CP, art. 311) e corrupção de menores (Lei 2.252/54, art. 1º). A des-crição dos fatos dá conta da atuação dos pacientes nos crimes de latrocínio, ocultação de cadáver, adulteração de chassi, formação de quadrilha e corrupção de menor.

4. O crime de formação de quadrilha – crime permanente, já que sua consumação se prolonga no tempo – foi, em tese, pra-ticado em território de duas ou mais jurisdições (municípios de Angélica, Dourados, entre outros) e, nesta hipótese, a competên-cia é firmada pela prevenção (CPP, arts. 71 e 83).

5. Devido à existência de conexão entre o crime de quadri-lha e os demais crimes atribuídos aos pacientes, passou o juízo de direito da comarca de Angélica/MS a ter competência para processar e julgar os pacientes relativamente a eles também (CPP, art. 76).

6. A conexão é o liame que se estabelece entre dois ou mais fatos que, desse modo, se tornam ligados por algum motivo, oportunizando sua reunião no mesmo processo, de modo a per-mitir que os fatos sejam julgados por um só juiz, com base no mesmo substrato probatório, evitando o surgimento de decisões contraditórias. Desse modo, a conexão provoca a reunião de

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ações penais num mesmo processo e é causa de modificação da competência (relativa) mediante a prorrogação de competência.

7. Habeas corpus denegado.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Su-premo Tribunal Federal, em Se gunda Turma, na conformidade da ata do julga-mento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, denegar a ordem de habeas corpus, nos termos do voto da Relatora.

Brasília, 28 de outubro de 2008 — Ellen Gracie, Presidente e Relatora.

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Ellen Gracie: 1. Trata-se de habeas corpus impetrado contra ato da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça que, no julgamento do RHC 22.295/MS, negou provimento ao recurso, em acórdão assim ementado (fls. 198/199):

Recurso ordinário em habeas corpus. Latrocínio. Crime complexo. Com pe-tência do local onde foi verificado o resultado morte. Incompetência ratione loci. Nulidade relativa. Necessidade de ser argüida em momento processual oportuno. Prejuízo à defesa não demonstrado. Formação de quadrilha. Crime permanente. Competência firmada por prevenção. Recurso improvido.

1. Hipótese na qual a defesa alega que os réus estão sendo processados por juízo incompetente, pois o crime apurado consumou-se na Comarca de Dourados/MS, eis que a mera subtração do veículo no Município de Angélica não teria o condão de fixar a competência naquela comarca.

2. Nos crimes qualificados pelo resultado, fixa-se a competência no lugar onde ocorreu o evento qualificador, ou seja, onde o resultado morte foi atingido, assim, tendo os corpos das vítimas do latrocínio sido encontrados na Comarca de Dourados, e havendo indícios de que lá foram executadas, a competência se faz pela regra geral disposta nos arts. 69, I e 70, caput, do CPP.

3. A incompetência territorial constitui-se em nulidade relativa, sendo impróprio o reconhecimento de qualquer vício, se não suscitado em tempo opor-tuno – antes de proferida a sentença – e se ausente a demonstração de prejuízo à defesa, tendo em vista o princípio pas de nullité sans grief.

4. Em matéria processual não se declara nulidade sem a efetiva ocorrência de prejuízo, ou, ainda, quando o ato processual não houver influído na apuração da verdade substancial, ou na decisão da causa, nos termos do artigo 563 do Código de Processo Penal.

5. Não obstante o fato de a incompetência ratione loci ter sido oportuna-mente aventada, não se vislumbra a demonstração de qualquer prejuízo sofrido pelos recorrentes, o que impede a declaração de nulidade, devendo ser perpetuada a competência do Juízo de Direito da Comarca de Dourados/MS.

6. No que tange ao delito de formação de quadrilha, crime de natureza per-manente, a competência é firmada por prevenção, nos termos do art. 83 do CPP.

7. Recurso improvido.

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Argumenta a impetrante que o prejuízo causado aos pacientes é enorme devido à incompetência do juízo, sendo que vários atos instrutórios foram pra-ticados na Comarca de Dourados/MS. Esclarece que é fato notório que o crime objeto de apuração ocorreu no município de Dourados (Distrito de Indápolis), sendo que a mera subtração do veículo no Distrito de Ipezal (município de Angélica/MS) não fixou competência na comarca de Angélica/MS.

Aduz que, relativamente ao lugar do crime, o Código Penal adotou a teoria da ubiqüidade (ou mista), consoante a qual considera-se o lugar do crime tanto onde ocorreu a ação ou omissão, quanto onde ocorreu ou deveria ocorrer o re-sultado. O Código de Processo Penal, por sua vez, adotou a teoria do resultado, determinando a competência pelo lugar onde foi consumada a infração. Registra que, nos denominados crimes plurilocais – em que a conduta e o resultado acon-tecem em lugares distintos –, a competência é fixada pelo lugar da consumação do crime (teoria do resultado).

Esclarece que, no caso, não há sentido em cogitar-se da perpetuatio ju-risdictionis (CPC, art. 87) e, assim, como a consumação do crime ocorreu no Município de Dourados/MS, devendo o processo ser remetido para a respectiva comarca de Dourados.

Requer a declaração de incompetência do juízo de direito da comarca de Angélica/MS, com a determinação de remessa dos autos da ação penal ao juízo de direito da comarca de Dourados/MS, anulando-se todos os atos decisórios, com a conseqüente expedição de alvará de soltura em favor dos pacientes.

2. No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, houve apresentação de ma-nifestação do Ministério Público Federal no sentido do não-conhecimento de recurso ordinário contra acórdão que julgou recurso ordinário em habeas cor-pus (fls. 230/234).

3. Despacho determinando a remessa dos autos a esta Corte (fl. 236).4. Manifestação da Pro cura doria-Geral da República no sentido da dene-

gação do writ (fls. 262/269).5. Decisão que indeferiu o pedido de liminar e determinou a reautuação do

feito como habeas corpus (fls. 271/274).É o relatório.

VOTO

A Sra. Ministra Ellen Gracie: (Relatora): 1. A questão de direito tratada neste habeas corpus diz respeito à alegada nulidade do processo instaurado contra os Pacientes em razão de suposta incompetência territorial do juízo processante.

Inicialmente, reitero os fundamentos já apresentados na decisão que in-deferiu a liminar quanto ao reconhecimento de que o “recurso ordinário” in-terposto, na realidade, é autêntico habeas corpus que se fundamenta na regra prevista no art. 102, I, i, da Constituição Federal.

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Não há, no direito brasileiro, a figura do recurso ordinário em habeas corpus contra acórdão do Superior Tribunal de Justiça que, também em sede de recurso ordinário em habeas corpus contra ato de juiz de direito, negou-lhe provimento.

2. No voto proferido no HC 93.972/MS, de minha relatoria, envolvendo os pacientes deste writ, consignei o seguinte:

1. Dois são os argumentos principais da impetração do habeas corpus em fa-vor dos pacientes, denunciados como incursos nas sanções dos arts. 157, § 3º, in fine (por duas vezes), 211 (por duas vezes), 311, 288, todos do Código Penal, este último c/c o art. 8º da Lei 8.072/90, o art. 1º da Lei 2.252/54 e o art. 1º, II, da Lei 8.072/90, a saber: a) ausência dos pressupostos legitimadores para o decreto de prisão pre-ventiva; b) falta de fundamentação da decisão que decretou a prisão processual.

2. Os Pacientes foram denunciados em 13 de março de 2007, com base nas investigações realizadas no bojo do Inquérito Policial 023.07.000109-2, inicial-mente voltado para apurar o desaparecimento das pessoas de Alessandro Geraldo Sanches e Tiago Santos da Silva, ocorrido em 29 de janeiro de 2007, no Distrito Izepal, Município de Angélica, Estado de Mato Grosso do Sul.

De forma resumida, no curso dos trabalhos de apuração dos fatos, consta-tou-se que “as vítimas foram vistas, por volta das 23:00 horas, no veículo descrito acima, em companhia dos denunciados Valdir de Souza e Johnny da Rocha” (fl. 104), sendo descoberto que o veículo fora “desmontado em uma oficina na ci-dade de Dourados/MS” (fl. 106). Em prosseguimento das diligências investigató-rias, foram encontrados os corpos das vítimas em avançado estado de putrefação, sendo que os pacientes, donos da loja “Auto Estilo Multi Marcas”, vendedora de peças usadas de veículos, foram localizados em razão da presença de peças do veículo roubado na sua oficina. O aprofundamento das diligências conduziu à certificação do Paciente Haroldo José como a pessoa que encomendou o veículo roubado, por intermediação do menor Izaqueu de Souza Diniz, para propiciar a reforma de outro veículo Fiat Pálio. O adolescente Izaqueu entregou um revól-ver ao co-réu Valdeir de Souza, que, juntamente com Johnny, convidou a vítima Alessandro para que “fossem fazer um programa sexual”, o que foi aceito (fl. 109). A vítima ainda buscou seu amigo Tiago, tendo os quatro indivíduos se dirigido até uma estrada de terra que dá acesso ao Município de Angélica, ocasião em que foi anunciado o roubo com emprego de arma de fogo.

Após ter amarrado as mãos das vítimas, o co-réu Valdeir conduziu o veículo até o Distrito de Indápolis, e, temendo ser reconhecido pelas vítimas, as enforcou até à morte. No dia seguinte, o paciente Haroldo recebeu o veículo, levando-o até a oficina do Co-réu Luiz Carlos da Silva para o “desmanche”, tendo o próprio Haroldo desmontado o veículo e providenciado a adulteração de seus sinais identi-ficadores. Várias peças do veículo foram encontradas em diversos locais, inclusive nas residências dos Pacientes.

3. Na decisão que decretou a prisão preventiva dos pacientes, datada de 17 de fevereiro de 2007, foi expressamente consignado o seguinte (fl. 120):

“Verifica-se que o delito fora perpetrado mediante violência e grave ameaça às vítimas e que os acusados são confessos.

Deve-se considerar que a decretação da prisão, no presente caso, é providência acautelatória, que objetiva a segurança do meio social e a pró-pria credibilidade da Justiça, em face da gravidade do crime e de repercus-são. Eis a garantia da ordem pública.

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Outrossim, se os acusados permaneceram em liberdade certamente perturbarão a colheita de provas, de forma que a conveniência da instrução criminal estará prejudicada.

Deve-se assegurar, por fim, a aplicação da lei penal consubstanciada na finalidade do processo, que é aplicar a sanção devida a quem realmente é considerado autor da infração penal”.

2. Neste habeas corpus, a impetrante apresenta novo argumento, a saber, a incompetência do juízo de direito da comarca de Angélica/MS, devido à con-sumação do crime de latrocínio haver ocorrido na Comarca de Dourados/MS.

3. Destaco, inicialmente, trecho do voto da Relatora do STJ acerca dos fun-damentos invocados para o improvimento do recurso ordinário (fls. 195/197):

(...)Com efeito, tratando-se de crime qualificado pelo resultado, fixa-se a com-

petência no lugar onde ocorreu o evento qualificador, ou seja, onde o resultado morte foi atingido.

Assim, tendo os corpos das vítimas do latrocínio sido encontrados na Comarca de Dourados, e havendo indícios de que lá foram executadas, a compe-tência se faz pela regra geral disposta nos arts. 69, I e 70, caput, do CPP.

Contudo, a incompetência territorial constitui-se em nulidade relativa, sendo impróprio o reconhecimento de qualquer vício, se não suscitado em tempo oportuno – antes de proferida a sentença – e se ausente a demonstração de pre-juí zo à defesa.

Na hipótese, a incompetência do juízo ratione loci foi argüida em momento processual conveniente, qual seja, em sede de defesa prévia, não havendo que se falar em preclusão, ex vi do art. 108 do Código de Processo Penal.

Entretanto, para o reconhecimento da incompetência territorial, faz-se ne-cessária a comprovação do efetivo prejuízo à defesa, tendo em vista o princípio pas de nullité sans grief.

Com efeito, em matéria processual não se declara nulidade sem a efetiva ocorrência de prejuízo, ou, ainda, quando o ato processual não houver influído na apuração da verdade substancial, ou na decisão da causa, nos termos do art. 563 do Código de Processo Penal.

In casu, todavia, não obstante o fato de a incompetência ratione loci ter sido oportunamente aventada, não se vislumbra a demonstração de qualquer prejuízo sofrido pelos recorrentes, o que impede a declaração de nulidade.

(...)Diante disso, em razão da ausência de demonstração de qualquer preju-

ízo causado aos ora recorrentes, deve ser perpetuada a competência do Juízo de Direito da Comarca de Dourados/MS.

Ademais, no que tange ao delito de formação de quadrilha, crime de natu-reza permanente, a competência é firmada por prevenção, nos termos do art. 83 do CPP. Na espécie, sendo o Juízo de Direito da Comarca de Angélica, por ter prati-cado ato processual em primeiro lugar, ao decretar a prisão preventiva.

Posto isto, nego provimento ao recurso.

4. Na denúncia, houve expressa narração dos fatos relacionados à prá-tica de dois latrocínios (CP, art. 157, § 3º), duas ocultações de cadáveres (CP,

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art. 211), formação de quadrilha (CP, art. 288), adulteração de sinal identificador de veículo motor (CP, art. 311) e corrupção de menores (Lei 2.252/54, art. 1º), destacando-se as seguintes passagens em relação aos pacientes (fls. 63/76):

Das diligências realizadas pela polícia, restou apurado que os denunciados supracitados praticaram o crime de roubo seguido de morte, (...), uma vez que efe-tuaram o roubo do veículo da marca Fiat Palio 1.8 R, de cor amarela, de proprie-dade da vítima Alessandro e, logo após, mataram as vítimas Alessandro Geraldo Sanches e Tiago Santos da Silva, ambos ocupantes do automóvel.

(...)Através da integração da Polícia Civil, Militar e do Departamento de

Operações de Fronteiras, foram colhidas informações de que o veículo teria sido desmontado em uma oficina na cidade de Dourados/MS e, a partir daí, iniciaram-se as investigações na busca do veículo e dos responsáveis pelo crime praticado.

No dia 16/02/2007 foram encontrados dois corpos na região do Distrito de Indápolis, em avançado estado de putrefação, que foram identificados como sendo as vítimas Alessandro e Tiago, conforme certidões de óbito de fls. 107/108.

Logo após, os policiais ao realizarem buscas em duas oficinas mecânicas de Dourados/MS, encontraram as peças do veículo roubado, razão pela qual foram detidos os denunciados Haroldo José Guimarães e seu irmão Ari Augusto de Freitas Dias, proprietários da loja “Auto Estilo Multi Marcas”, que vende peças de veículos usadas, na cidade de Dourados, e o denunciado Luiz Carlos da Silva, proprietário da oficina, onde o carro havia sido desmontado e as peças lixadas, sendo que neste também foram encontradas peças do veículo roubado.

(...)Apurou-se que o denunciado Haroldo José Guimarães Dias, proprietário da

loja de peças usadas, havia feito um contrato com o senhor Luiz Antônio Pereira Fiel para reforma de um veículo Fiat Pálio, que se envolveu em uma colisão, razão pela qual encomendou ao adolescente Izaqueu de Souza Diniz, o veículo Pálio 1.8, com as características do carro roubado.

(...)Na cidade de Dourados, após o denunciado Haroldo receber o carro roubado,

o mesmo levou-o até a oficina de propriedade de Luiz Carlos da Silva, local que fun-cionou como desmanche, onde o próprio Haroldo desmontou o veículo e onde foi feita a adulteração dos sinais identificadores do veículo, porquanto as peças encaminhadas por Haroldo à oficina de funilaria para serem colocadas no veículo Pálio de proprie-dade do Sr. Luiz Antônio, estavam com os sinais de identificação lixadas, conforme declarações de Sílvio Lírio, proprietário da oficina de funilaria (fls. 116/117).

O denunciado Haroldo combinou previamente com o denunciado Luiz Carlos para que este último cedesse a sua oficina para o desmanche do veículo (fls. 23). E, as peças retiradas do veículo foram transportadas da oficina do de-nunciado Luiz Carlos, após o desmanche, pelo próprio denunciado Haroldo, em sua Fiorino.

Parte das peças foram montadas no veículo Fiat Pálio, de propriedade de Luiz Antônio Pereira Fiel, que se encontrava na oficina “Lírios Funilaria e Pintura”, de propriedade de Sílvio Lírio de Souza Pereira, serviço este, objeto do contrato firmado entre o senhor Luiz Antônio e o denunciado Haroldo.

As demais peças retiradas do veículo roubado foram encontradas nos seguin-tes lugares: parte na oficina do denunciado Luiz Carlos da Silva, local onde o veículo

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foi desmanchado; parte na loja do denunciado Haroldo José Guimarães Dias; parte, também, na residência do denunciado Haroldo; parte na residência do denunciado Ari Augusto de Freitas Dias; parte na oficina denominada Andressa Comércio de Peças; parte na oficina Lírios Funilaria e Pintura; parte na Empresa Impacto Rodas; parte na empresa Nippon Ar Condicionado e Acessórios; e a aparelhagem de som do veículo foi exibida pela pessoa de nome Wheverton Gama da Silva.

5. A descrição dos fatos dá conta da atuação dos pacientes nos crimes de latrocínio, ocultação de cadáver, adulteração de chassi, formação de quadrilha e corrupção de menor. Os trechos acima apontados, ainda que enfatizem a maior atuação do paciente Haroldo, também indicam o Paciente Ari Augusto como pessoa que, de qualquer modo, concorreu para os crimes, tanto assim o é que foram encontradas peças no interior da sua residência.

6. Observo que a tese da Impetrante, relativa à incompetência relativa do juízo de Angélica/MS, se restringe apenas a cuidar do lugar da consumação do crime de latrocínio, quando na realidade há outros crimes também narrados na denúncia que apontam para a localidade do Município de Angélica/MS.

Assim, o crime de formação de quadrilha – crime permanente, já que sua consumação se prolonga no tempo – foi, em tese, praticado em território de duas ou mais jurisdições (municípios de Angélica, Dourados, entre outros) e, nesta hipótese, a competência é firmada pela prevenção (CPP, arts. 71 e 83). Como o juízo de direito da comarca de Angélica/MS foi o primeiro a haver praticado atos no processo instaurado contra os pacientes, a competência territorial foi fixada com base na prevenção.

E, levando em conta a existência de conexão entre o crime de quadrilha e os demais crimes atribuídos aos pacientes, passou o juízo de direito da comarca de Angélica/MS a ter competência para processar e julgar os pacientes relativa-mente a eles também (CPP, art. 76).

7. Como se sabe, a conexão é o liame que se estabelece entre dois ou mais fatos que, desse modo, se tornam ligados por algum motivo, oportunizando sua reunião no mesmo processo, de modo a permitir que os fatos sejam julgados por um só juiz, com base no mesmo substrato probatório, evitando o surgimento de decisões contraditórias. Desse modo, a conexão provoca a reunião de ações penais num mesmo processo e é causa de modificação da competência (relativa) mediante a prorrogação de competência.

Concluo, acerca deste tópico, que não há qualquer vício no conhecimento e processamento da causa pelo juiz de direito da Comarca de Angélica/MS, con-siderando exatamente os institutos da prevenção e prorrogação de competência, verificados no caso em tela.

8. Mesmo que não fosse por tal fundamento, a tese da impetração deste writ não mereceria acolhimento à luz do regime das invalidades no Direito Proces-sual Penal. Ainda que fossem consideradas isoladamente as condutas relativas aos latrocínios praticados contra as vítimas – desconsideradas as demais impu-tações –, o certo é que a circunstância de o juiz da Comarca de Angélica/MS

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haver conhecido e processado a causa não, obrigatoriamente, gerou qualquer prejuízo concreto aos pacientes.

Cuidando-se de hipótese de nulidade relativa, aplica-se o conhecido bro-cardo pas de nullité sans grief, não podendo ser presumido o prejuízo apenas e tão-somente em razão da prática dos atos processuais pelo magistrado. A ale-gação de que o prejuízo consistiria na manutenção da prisão processual dos pacientes não resiste à própria análise da presença dos requisitos e condições da prisão preventiva (CPP, art. 312), como já analisado em outro writ impetrado em favor dos Pacientes.

9. Ante o exposto, denego a ordem.É como voto.

EXTRATO DA ATA

HC 96.453/MS — Relatora: Ministra Ellen Gracie. Pacientes: Haroldo José Guimarães Dias e Ari Augusto de Freitas Dias. Impetrante: Élin Teruko Toko. Coator: Superior Tribunal de Justiça.

Decisão: A Turma, à unanimidade, denegou a ordem de habeas corpus, nos termos do voto da Relatora. Ausentes, justificadamente, neste julgamento, os Ministros Celso de Mello e Eros Grau. Presidiu este julgamento a Ministra Ellen Gracie.

Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros Cezar Peluso e Joaquim Barbosa. Ausentes, justificadamente, os Ministros Celso de Mello (Presidente) e Eros Grau. Subpro cura dor-Geral da República, Dr. Francisco Adalberto Nóbrega.

Brasília, 28 de outubro de 2008 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

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AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 258.759 — RJ

Relator: O Sr. Ministro Marco AurélioAgravante: Estado do Rio de Janeiro — Agravada: Casa Nunes Martins

S.A. Importadora e Exportadora

Agravo – Tributo – Isenção – Art. 151 da Constituição Fe-deral – Política internacional. No julgamento do RE 229.096-0/RS, o Colegiado Maior proclamou a possibilidade de a União, atuando no campo internacional, disciplinar a isenção de tributo da competência dos Estados e do Distrito Federal.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Pri-meira Turma do Su premo Tribunal Federal em negar provimento ao agravo regimental no recurso extraordinário, nos termos do voto do Relator e por unanimidade, na conformidade da ata do julgamento e das respectivas notas taquigráficas.

Brasília, 23 de setembro de 2008 — Marco Aurélio, Presidente e Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Por meio da decisão de fls. 300 e 301, o Ministro Maurício Corrêa, a quem sucedi na relatoria deste processo, negou se-guimento ao extraordinário, consignando:

Decisão: A recorrida impetrou mandado de segurança contra a Fazenda Pública do Estado do Rio de Janeiro, visando anular os débitos fiscais relativos ao ICMS incidente sobre a importação de mercadoria de país signatário do GATT.

2. No primeiro grau de jurisdição a ação foi julgada procedente e, em sede de apelação, a Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça manteve o decisum.

3. Inconformado, o recorrente interpôs recurso especial. O Superior Tri bu-nal de Justiça deu provimento ao apelo, em acórdão assim ementado:

“Tributário. Bacalhau. Isenção. Súmula nº 71, STJ.1. Se o pescado, com exceção para os crustáceos, moluscos, adoque,

merluza, pirarucu, salmão e rã, estão isentos do ICMS, por legislação esta-dual, o mesmo benefício se aplica ao bacalhau importado de país signatário do GATT.

2. Inexiste bacalhau nacional. É irrelevante, portanto, para descons-tituir os efeitos da Súmula nº 71, do STJ, o contido em regras de isenção de que ela não atinge as transações internas com o bacalhau.

3. Se há isenção para pescados, sendo o bacalhau importado uma de suas espécies, prevalece a fora do acordo do GATT.

4. Recurso provido.”(Fl. 227.)

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4. O Estado do Rio de Janeiro opôs embargos de declaração, visando pre-questionar matéria constitucional, que foram rejeitados.

5. No presente recurso extraordinário alega-se que o não-conhecimento dos embargos violou o art. 5º, inciso XXXV, no mérito aduz-se que o julgado a quo afrontou o disposto nos arts. 150, § 6º, 151, inciso III, 155, § 2º, inciso XII, g, da Constituição Federal.

6. Esta Corte tem entendimento firmado no sentido de que só as questões que originariamente possam surgir no acórdão do Superior Tribunal de Justiça em recurso especial é que autorizam a oposição de embargos declaratórios de forma a viabilizar o acesso à instância extraordinária

7. Ademais, a matéria constitucional que poderia ser suscitada perante o Tribunal local, e não o foi, ficou preclusa (AI 141.518-AgR, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 11-3-94; AI 171.651-AgR, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 20-10-95; AI 149.534-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 8-4-94).

8. Ainda que assim não fosse, para dissentir do aresto proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, que entendeu isenta de ICMS a mercadoria impor-tada do GATT, necessária seria a apreciação do tema frente à legislação ordinária que rege a matéria, o que não se admite na forma da firme jurisprudência desta Corte (RE 227.536, Rel. Min. Néri da Silveira, DJU de 13-8-98; RE 236.131, Rel. Min. Carlos Velloso, DJU de 30-10-98; RE 237.050, Rel. Min. Sydney Sanches, DJU de 4-11-98; Ag 227.696, Rel. Min. Moreira Alves, DJU de 30-10-98; Ag 223.332 e Ag 219.365, Rel. Min. Nelson Jobim, DJU de 3-11-98).

Ante o exposto, com base no art. 21, § 1º, do RISTF, nego seguimento ao recurso.

Intime-se.

Daí o agravo de fls. 303 a 308, no qual o Estado do Rio de Janeiro aduz não poder a União celebrar tratados internacionais isentando tributos de competên-cia dos Estados, salvo com expressa autorização do Diploma Maior. Requer o provimento do agravo ante a transgressão dos arts. 150, § 6º, 151, inciso III, 155, § 2º, inciso XII, alínea g, da Lei Fundamental.

A Agravada apresentou as contra-razões de fls. 319 a 322, pleiteando a manutenção da decisão agravada.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Na interposição deste agravo, foram observados os pressupostos de recorribilidade. A peça, subscrita por Pro cura dor do Estado, restou protocolada no prazo legal a que tem jus o Agravante. Conheço.

Este agravo é manifestamente infundado. O tema versado no extraordi-nário – a inviabilidade de a União, consoante dispõe o inciso III do art. 151 da Constituição Federal, instituir isenções de tributos da competência dos Estados e do Distrito Federal – foi submetido ao exame do Plenário. No julgamento do RE 229.096-0/RS, o Colegiado Maior proclamou a possibilidade de a União, atuando no campo internacional, disciplinar a matéria. Eis o que foi noticiado no Informativo/STF 476:

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O Tribunal deu provimento a recurso extraordinário interposto contra acór-dão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul que entendera não recepcionada pela CF/88 a isenção de ICMS relativa a mercadoria importada de país signatário do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT), quando isento o similar nacional. Discutia-se, na espécie, a constitucionalidade de tratado inter-nacional que institui isenção de tributos de competência dos Estados-membros da Federação – v. Informativo 137. Entendeu-se que a norma inscrita no art. 151, III, da CF (“Art. 151. É vedado à União: (...) III – instituir isenções de tributos da com-petência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios.”) limita-se a impedir que a União institua, no âmbito de sua competência interna federal, isenções de tributos estaduais, distritais ou municipais, não se aplicando, portanto, às hipóteses em que a União atua como sujeito de direito na ordem internacional. RE 229.096/RS, Rel. orig. Min. Ilmar Galvão, Rel. p/ o ac. Min. Cármen Lúcia, 16-8-07.(RE 229.096.)

Ante o precedente, desprovejo este agravo.

EXTRATO DA ATA

RE 258.759-AgR/RJ — Relator: Ministro Marco Aurélio. Agravante: Es-ta do do Rio de Janeiro (Advogados: PGE/RJ – Marília Monzillo de Almeida e outros). Agravada: Casa Nunes Martins S.A. Importadora e Exportadora (Advogados: José Oswaldo Corrêa e outros).

Decisão: A Turma negou provimento ao agravo regimental no recurso ex-traordinário, nos termos do voto do Relator. Unânime. Não participou, justifica-damente, deste julgamento o Ministro Carlos Britto.

Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Minis-tros Carlos Britto, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Compareceram os Ministros Cezar Peluso e Eros Grau, ocupando as cadeiras da Ministra Cármen Lúcia e do Ministro Ricardo Lewandowski, respectivamente, para julgarem processos a eles vinculados. Subpro cura dor-Geral da República, Dr. Rodrigo Janot.

Brasília, 23 de setembro de 2008 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

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RECURSO EXTRAORDINÁRIO 377.356 — SP

Relator: O Sr. Ministro Cezar PelusoRecorrente: Ministério Público Federal — Recorridos: Mauro Guedes e

outros

Competência criminal. Habeas corpus. Inquérito policial. Requisição por Pro cura dor da República. Membro do Ministério Público da União. Incompetência do Juízo estadual. Feito da com-petência do Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Conflito apa-rente de normas entre o art. 96, III, e o art. 108, I, a, c/c o art. 128, I, d, todos da CF. Aplicação do princípio da especialidade. Pre-cedentes. Recurso provido. Não cabe a Juízo da Justiça estadual, mas a Tribunal Regional Federal, conhecer de pedido de habeas corpus contra ato de membro do Ministério Público Federal.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Se-gunda Turma do Su premo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, conhecer do recurso extraordinário e lhe dar provi-mento, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julga-mento, a Ministra Ellen Gracie.

Brasília, 7 de outubro de 2008 — Cezar Peluso, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Trata-se de recurso extraordinário, inter-posto pelo Ministério Público Federal, contra acórdão do TRF da 3ª Região e assim ementado:

Agravo regimental em “habeas corpus” – Autoridade impetrada: Pro-cura dor da República – Incompetência do Tribunal Regional Federal – Recurso improvido.

1. Agravo regimental contra a r. decisão que, em face de inquérito policial instaurado por requisição da Pro cura doria da República, reconheceu a incompe-tência deste Tribunal Regional Federal.

2. Impossibilidade da aplicação, por analogia, do artigo 108, inciso I, letras “a” e “d”, da Constituição Federal.

3. No primeiro caso – letra “a” –, não há indício algum de crime por parte do Ministério Público Federal.

4. De outra parte, a se presumir – sem qualquer indício – a existência de po-tencial crime do Pro cura dor da República, na requisição, a competência, neste Tri-bunal, seria do Órgão Especial (art. 11, par. único, letra “a”, do RI) e não da Turma.

5. Do outro lado – letra “d”, a autoridade coatora não é juiz federal. E o re-curso à analogia cria situação processual extravagante.

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6. Agravo regimental improvido.(Fl. 105.)

O Ministério Público, com fundamento no art. 102, inciso III, alínea a, da Constituição da República, alega violação ao art. 108, alínea a, centrando a dis-cussão na competência para julgamento de habeas corpus em que figura como autoridade coatora membro do Ministério Público Federal.

Descreve que foi impetrado habeas corpus em que figuraram como pa-cientes os ora recorridos, objetivando-se trancamento de inquérito policial ins-taurado por requisição de Pro cura dor da República, para apurar prática do crime previsto no art. 22 da Lei 7.492/86.

O juízo federal da 1ª Vara Criminal de São Paulo, a que foi endereçado o pedido, declarou-se incompetente, remetendo os autos ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Este também se declarou incompetente, determinando o retorno dos autos à primeira instância.

Fundamentou o TRF sua decisão no fato de que o art. 108, a, da Cons ti tui-ção Federal lhe confere competência quando a membro do Ministério Público tenha sido imputada prática de crime comum ou de responsabilidade. Por sua vez, a alínea d do mesmo artigo somente trata da sua competência na hipótese de habeas corpus em que figure como autoridade coatora juiz federal. Neste caso, “o recurso à analogia cria situação processual extravagante” (fl. 111).

Inconformado, interpôs o Ministério Público agravo regimental, a que se negou provimento. Contra tal decisão insurge-se agora o Recorrente.

Alega que “a contrariedade ao inciso I, alínea ‘a’, da Constituição Federal, ‘data venia’, é manifesta uma vez que, sendo da competência privativa e origi-nária dos Tribunais Regionais Federais o processamento e o julgamento, nas in-frações penais e nas de responsabilidade, dos membros do Ministério Público da União, ressalvada, evidentemente, a competência do Su premo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e dos Tribunais Eleitorais, também será da sua competência o processamento e julgamento dos ‘habeas corpus’ impetrados contra os membros do Ministério Público da União, salvo quando se tratar do Pro cura dor Geral da República e dos que ‘oficiem perante tribunais’ ” (fl. 112).

Requer, assim, o conhecimento e o provimento do recurso para reformar o acórdão atacado, determinando-se ao TRF o conhecimento e julgamento do pedido.

Os Recorridos apresentaram contra-razões a fls. 115-124, invocando a Súmula 283 desta Corte e, no mérito, pugnando pelo não-provimento do re-curso. Alegam que, “em momento algum a ação de habeas corpus, feita para salvaguardar a liberdade de ir e vir dos pacientes, tem o condão de iniciar apreciação de crime. Em momento algum os pacientes denunciaram crime por parte da autoridade coatora, rebelando-se apenas quanto à ilegalidade de seu ato, e, para tanto – conforme expresso desde a inicial – procurando a autoridade superior imediata, no exercício do direito (maior) do artigo 5º, inciso LVIII, do texto Constitucional” (fl. 123).

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A Pro cura doria-Geral da República manifestou-se, a fls. 133-135, pelo co-nhecimento e provimento do recurso.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Consistente o recurso.Não colhe a preliminar suscitada dos recorridos, pois não há que se exco-

gitar aplicação da Súmula 283, pois, diversamente do que sustentam, o recurso ataca os fundamentos adotados na decisão recorrida. Não há confundir funda-mento da decisão com argumentos destinados a reforçá-lo.

Quanto ao mérito, é entendimento da Corte que o art. 108, inciso I, a, da Constituição da República permite interpretação que conduz ao reconhe-cimento de competência dos Tribunais Regionais Federais para julgamento de habeas corpus em que figure membro do Ministério Público da União como autoridade coatora.

É que, em tese, a competência para julgar habeas corpus contra ato de certa autoridade é do mesmo órgão competente para julgar crime a ela impu-tado. A decisão concessiva da ordem exprime, de regra, mandamento cujo des-cumprimento pode justificar prisão por desobediência (RE 141.209, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 20-3-92).

Já me pronunciei, aliás, acerca da matéria, no julgamento do RE 467.923, do qual fui Relator (DJ de 4-8-06, LEX-JSTF 334/496 e RTJ 198/397), quando, tratando da questão relativa a membros de Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, lavrei as seguintes ementas:

1. Competência criminal. Habeas corpus. Inquérito policial. Requisição por Promotor de Justiça do Distrito Federal. Membro do Ministério Público da União. Incompetência do Tribunal de Justiça. Feito da competência do Tribunal Regional Fe deral da 1ª Região. Conflito aparente de normas entre o art. 96, III, e o art. 108, I, a, c/c o 128, I, d, todos da CF. Aplicação do princípio da especialidade. Precedentes. Recurso provido. Não cabe ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal, mas ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região, conhecer de habeas corpus contra ato de membro do Ministério Público do Distrito Federal. 2. Inquérito criminal. Falta de justa causa. Trancamento definitivo. Pro cura dor do Distrito Federal. Exercício legítimo da advocacia privada. Defesa de réu em processo penal por delito con-tra a ordem tributária. Crédito fiscal do Distrito Federal, que, no entanto, não é parte do processo. Suspensão condicional deste, mediante pagamento do débito. Requerimento de extinção da punibilidade. Delito de patrocínio infiel (art. 355 do CP). Não-caracterização em tese. Atipicidade do comportamento. Habeas corpus concedido de ofício. Voto vencido. Não pratica crime de patrocínio infiel o Pro-cura dor de ente federativo que, autorizado por lei a exercer advocacia privada, de-fende réu em processo por crime contra a ordem tributária, cujo tributo seria devido ao mesmo ente, cujos interesses não estavam confiados a seu patrocínio.

No mesmo sentido: RE 418.852, Rel. Min. Carlos Britto, DJ de 10-3-06, RE 315.010, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ de 31-5-02).

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A ratio dessa orientação vem da possibilidade de se reconhecer, no julga-mento da causa, a prática de ato ilegal pela autoridade coatora:

Recurso extraordinário. Competência para processar e julgar habeas cor-pus impetrado contra ato de membro do Ministério Público Federal. – Ambas as Turmas desta Corte (assim, nos RE 141.209 e RE 187.725) têm entendido que, em se tratando de habeas corpus contra ato de Promotor da Justiça estadual, a competência para julgá-lo é do Tribunal de Justiça por ser este competente para seu julgamento quando acusado de crime comum ou de responsabilidade. O fun-damento dessa jurisprudência – como salientado pelo eminente Ministro Néry da Silveira no RE 187.725 – “foi sempre o de que da decisão do habeas corpus pode resultar afirmação de prática de ilegalidade ou de abuso de poder pela autoridade” e isso porque, “ao se conceder o habeas corpus, se se reconhecer, expressamente, que a autoridade praticou ilegalidade, abuso de poder, em linha de princípio, po-derá configurar-se algum crime comum. Dessa maneira, a mesma autoridade que julgar o habeas corpus será a competente para o processo e julgamento do crime comum, eventualmente, praticado pela autoridade impetrada”. – No caso, em se tratando, como se trata, de habeas corpus contra membro do Ministério Público Federal que atua junto a Juízo de primeiro grau, e tendo em vista que, em virtude do disposto no art. 108, I, a, da Constituição, compete aos Tribunais Regionais Federais processar e julgar originariamente esses membros, a esses Tribunais compete, também, por aplicação do mesmo fundamento, julgar os habeas corpus impetrados contra essas autoridades. Recurso extraordinário conhecido e provido.(RE 285.569, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 16-3-01.)

2. Do exposto, conheço do recurso extraordinário e dou-lhe provimento, para determinar o retorno dos autos ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região, para processamento e julgamento do habeas corpus.

EXTRATO DA ATA

RE 377.356/SP — Relator: Ministro Cezar Peluso. Recorrente: Ministério Público Federal. Recorridos: Mauro Guedes e outros (Advogados: André Gorab e outros).

Decisão: A Turma, por votação unânime, conheceu do recurso extraordi-nário e lhe deu provimento, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificada-mente, neste julgamento, a Ministra Ellen Gracie.

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão a Ministra Ellen Gracie e os Ministros Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Subpro cura dor-Geral da República, Dr. Mário José Gisi.

Brasília, 7 de outubro de 2008 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

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RECURSO EXTRAORDINÁRIO 398.284 — RJ

Relator: O Sr. Ministro Menezes DireitoRecorrente: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS — Recorrida:

Companhia Vale do Rio Doce – CVRD

Participação nos lucros. Art. 7º, XI, da Constituição Fe-deral. Necessidade de lei para o exercício desse direito.

1. O exercício do direito assegurado pelo art. 7º, XI, da Constituição Federal começa com a edição da lei prevista no dis-positivo para regulamentá-lo, diante da imperativa necessidade de integração.

2. Com isso, possível a cobrança das contribuições previ-denciárias até a data em que entrou em vigor a regulamentação do dispositivo.

3. Recurso extraordinário conhecido e provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Pri-meira Turma do Su premo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Marco Aurélio, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, conhecer do recurso extraordinário e dar-lhe provimento para julgar improcedente o pedido inicial formulado no mandado de segurança, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 23 de setembro de 2008 — Menezes Direito, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Menezes Direito: Instituto Nacional do Seguro Social inter-põe recurso extraordinário, com fundamento na alínea a do permissivo consti-tucional, contra acórdão da Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, assim ementado:

Constitucional e Tributário – Suspensão da exigibilidade – Contribuições previdenciárias sob a rubrica de participação nos resultados – Art. 7º, XI, da CF.

1. A legislação regulamentadora da norma constitucional diz apenas com os créditos mediante os quais a participação nos lucros será determinada, nunca para dispor sobre a vinculação de tal participação com a remuneração do empregado, porque esta vem claramente explicitada na norma constitucional do art. 7º, XI, que separa nitidamente tal participação da remuneração regular.

2. Em conseqüência de não serem salário, os valores pagos a título de parti-cipação nos lucros não podem ser considerados para efeito de incidência de ônus sociais, trabalhistas, previdenciários ou fiscais.(Fl. 144.)

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Argúi o Recorrente violação do art. 7º, inciso XI, da Constituição Federal, haja vista que “não há como entender que a eficácia de referida norma seja plena, uma vez que a própria regra constitucional remete a sua regulamentação à lei” (fl. 152) e, também, que, “se não havia regulamentação aquele pagamento não pode ser denominado de participação nos lucros, logo há incidência da contribuição previdenciária” (fl. 153).

Alega que, “sendo norma de eficácia limitada, qualquer pagamento refe-rente a participação nos lucros antes da Medida Provisória 794 de dezem-bro/94, sofrerá incidência da contribuição previdenciária, uma vez que não se trata de participação nos lucros” (fl. 155).

Afirma, por fim, que “antes de tal norma, o pagamento aos empregados de um adicional, mesmo que tivesse a denominação de ‘participação nos lu-cros’ deve ser classificado como parcela remuneratória, vez que não existia a previsão infraconstitucional para o seu pagamento e, portanto, sofreria a incidência de contribuições previdenciárias” (fl. 156).

Contra-arrazoado (fls. 160 a 172), o recurso extraordinário (fls. 148 a 156) foi admitido (fl. 174).

Opina o Ministério Público Federal, em parecer da ilustrada Subpro cura-dora-Geral da República, Dra. Sandra Cureau, pelo desprovimento do recurso (fls. 190 a 196).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Menezes Direito (Relator): A empresa recorrida impetrou mandado de segurança para reconhecimento de seu direito líquido e certo “de não ser obrigada a recolher contribuições previdenciárias sobre a rubrica deno-minada ‘participação nos resultados’, sob pena de violação frontal e direta ao art. 7º, XI, da Constituição Federal” (fl. 17).

A sentença concedeu a segurança. O Juiz considerou que a “referência a posterior definição legal contida na parte final do inciso XI do art. 7º da Constituição não pode ser compreendido de forma a esvaziar o comando cons-titucional, o qual, sem margem a dúvidas de qualquer natureza, desvinculou a participação nos lucros ou resultados da empresa da remuneração dos empregados, fazendo-o para todos os fins. Nenhuma lei posterior poderia res-tringir o conteúdo manifesto da Constituição” (fl. 106).

O Tribunal Regional Federal da 2ª Região manteve a sentença. Para o acór-dão, “a legislação regulamentadora da norma constitucional diz apenas com os critérios mediante os quais a participação nos lucros será determinada, nunca para dispor sobre a vinculação de tal participação com a remuneração do em-pregado, porque esta vem claramente explicitada na norma constitucional, que separa nitidamente tal participação de remuneração regular” (fl. 142).

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O que se discute neste extraordinário é se possível a cobrança da con-tribuição previdenciária entre a vigência da Constituição Federal e a Medida Provisória 794/94, considerando lançamento fiscal anterior a esta, embora pos-terior àquela.

Com razão o INSS. Vejamos.A redação do dispositivo tem o teor que se segue:

XI – participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei.

O que a empresa pretende é considerar que em qualquer circunstância a participação está desvinculada da remuneração, daí a inviabilidade de cobrança da contribuição previdenciária incidente sobre essa participação desde a vigên-cia da Constituição Federal.

Há decisões monocráticas desta Suprema Corte na mesma orientação do extraordinário (RE 380.636/SC, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 24-10-05; RE 477.595/RS, Rel. Min. Eros Grau, DJ de 30-6-06).

De fato, creio eu também que o dispositivo assegura a participação nos lu-cros desvinculada da remuneração, mas impõe o exercício do direito, diante da própria construção da frase, como um todo à disciplina legal. Assim, se a lei veio a disciplinar esse exercício do direito garantido pela Constituição Federal, que foi até objeto de mandado de injunção, considerado prejudicado (MI 102/PE, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 25-10-02; MI 426/PR, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 16-2-96), somente a partir dessa lei é que se torna possível reco-nhecer o direito pleiteado pela Impetrante.

Conheço do extraordinário e lhe dou provimento para denegar a ordem. Sem honorários e custas de lei.

VOTO (Incidências)

O Sr. Ministro Menezes Direito (Relator): Senhor Presidente, simplificarei porque a matéria já está exposta belissimamente pelos dois advogados.

O que se questiona aqui? Saber se, da Constituição de 88 até a edição da Medida Provisória 794, é possível cobrar a contribuição previdenciária.

A tese prevalecente nas instâncias ordinárias é a de que a regra cons-titucional faz referência, desde logo, a que essa participação nos lucros será desvinculada da remuneração, embora a própria Constituição determine que o exercício desse direito de participação nos lucros dar-se-á na forma da lei.

A tese da Fazenda, por outro lado, diz que não, que pode, sim, ser feita a cobrança da contribuição previdenciária porque a regra constitucional é de efi-cácia dita limitada.

A meu ver, deve até prevalecer a velha terminologia de que são regras constitucionais que dependem de integração.

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Então, a Fazenda diz que essa regra constitucional depende de integração.Há três precedentes monocráticos da Corte. Um de que foi Relator o emi-

nente Ministro Gilmar Mendes; e dois outros da relatoria do Ministro Eros Grau.

Então a questão está posta com essa simplicidade. E estou entendendo, Senhor Presidente, com a devida vênia da bela sustentação do eminente ad-vogado, que realmente a regra necessita de integração, por um motivo muito simples: é que o exercício do Direito é que se vincula à integração, não é a regra só, que nesses casos, quando manda que a lei regule o exercício, que vale por si só. Se a própria Constituição determina que o gozo do exercício dependa de lei, tem de haver a lei para que o exercício seja pleno. Se não há a lei, não existe exercício. E com um agravante que, a meu ver, parece forte o suficiente para sustentar esse raciocínio. É que o fato de existir a participação nos lucros, des-vinculada da remuneração, na forma da lei, não significa que se está deixando de dar eficácia a essa regra, porque a participação nos lucros pode ser espontânea; já havia participação nos lucros até mesmo antes da Constituição dos 80. E, por outro lado, só a lei pode regular a natureza dessa contribuição previdenciária e também a natureza jurídica para fins tributários da participação nos lucros. A lei veio exatamente com esse objetivo. É uma lei que veio para determinar, espe-cificar, regulamentar o exercício do direito de participação nos lucros, dando conseqüência à necessária estipulação da natureza jurídica dessa participação para fins tributários e para fins de recolhimento da própria Previdência Social.

Ora, se isso é assim, e, a meu sentir, parece ser, pela leitura que faço eu do dispositivo constitucional, não há fundamento algum para afastar-se a cobrança da contribuição previdenciária antes do advento da lei regulamentadora.

Pedirei licença a V. Exa. para ir um pouco mais além. Não entendo que haja equívoco dos dois despachos proferidos por dois eminentes Colegas, pro-fessores de Direito Constitucional. Não há equívoco porque os dois eminentes Magistrados, nossos Colegas, não sustentaram o ponto de vista com base apenas no julgamento dos mandados de injunção; ao revés, fizeram referência, e até uma referência necessária, porque o mandado da injunção é um instrumento de natureza constitucional que existe para que se imponha ao Legislativo o dever de regular o exercício daqueles direitos constitucionais. Mas eles não vincula-ram isso a esse aspecto; apenas fizeram referência de modo a enfatizar que a existência do mandado de injunção demonstra a necessidade de lei integrativa para o gozo desse exercício.

Tanto isso é verdade que o eminente Ministro Gilmar Mendes, na decisão que serve de precedente, fez questão de explicitar este aspecto, que reproduzo aqui, com relação à necessidade da lei para definição da natureza jurídica, por exemplo, para fins tributários dessa participação nos lucros.

Com essas razões, louvando as brilhantes sustentações que foram feitas, estou conhecendo do extraordinário e dando provimento para denegar a ordem, sem honorários, é claro, e com custas da lei.

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VOTO

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Senhor Presidente, também cumprimento os nobres Advogados. Conheço do recurso e dou provimento a ele nos termos do voto do Relator, porque, tal como ele, entendo rigorosamente a necessidade de vir a lei para especificar, e então as cobranças realmente serem consideradas devidas.

Acompanho o Relator integralmente.

VOTO

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhor Presidente, ouvi atenta-mente as sustentações orais e o brilhante voto do eminente Relator, como sem-pre trazendo aportes doutrinários e jurisprudenciais.

A discussão se trava não só neste Plenário, como também no Plenário do Su premo Tribunal Federal em sua composição integral.

Peço vênia a S. Exa. para divergir e divirjo pelo seguinte motivo: todos sabemos, e a doutrina hoje é uníssona neste sentido, que toda norma constitucio-nal, seja qual for a sua natureza, tem sempre o mínimo de eficácia.

No caso, o art. 7º, XI, da Constituição Federal estabelece, com todas as le-tras, que a participação nos lucros não integra a remuneração nos termos da lei.

Então, eu penso que não poderia uma norma posterior, ou seja, a Medida Provisória 794/94, depois convertida em lei ter alterado esta dicção, ou seja, ter modificado este núcleo semântico essencial deste comando constitucional.

A empresa recorrida, no caso, antecipou-se à lei, demonstrou elevada sen-sibilidade social, concedeu a participação nos lucros aos seus empregados, e eu entendo que não pode ser agora punida com uma cobrança retroativa da contri-buição social, ou seja, desde a edição da Constituição Federal até a edição desta Medida Provisória 794/94.

Então, com todas as vênias, discordo do eminente Relator e nego provi-mento ao recurso.

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhor Presidente, mais uma vez esta nossa Pri meira Turma discute em alto nível teórico temas de Direito Constitucional e também de Direito Positivo, não só teoreticamente, porque há normas positiva-das no texto fundamental.

Efetivamente, a base do raciocínio de ambos os votos, de ambas as linhas de votação, a do Ministro Menezes Direito; e a Ministra Cármen Lúcia, de um lado, e a fundamentação do Ministro Ricardo Lewandowski, essas duas bases partem do inciso XI do art. 7º da Constituição, cuja dicção é esta:

XI – participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração (...)

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Ou seja, não há dúvida quanto a esse núcleo significante. Essa base signi-ficativa não suscita nenhuma dúvida.

A Constituição confere ao trabalhador participação nos lucros, ou resulta-dos, da empresa, mas uma participação que ela mesma, a Constituição, aparta, desvincula da remuneração, de sorte a impedir a lei que o faça.

E veio o complemento da norma, funcionalmente binária, porque contém outra base significativa, outro núcleo deôntico, que é o seguinte:

XI – (...) e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei;

Essa matéria tem suscitado muita discussão. Há quem interprete o texto assim, por forma segmentada funcionalmente, dizendo que a primeira parte dele é de eficácia plena; só a segunda parte é que seria de eficácia limitada.

Quando a Constituição cuida de co-gestão ou participação na gestão da empresa, é que diz “excepcionalmente”. A excepcionalidade está na co-gestão; aí vem o aporte do reclamo da lei: “conforme definido em lei”.

Já tenho visto muita discussão em torno disso dizendo que a norma, no seu primeiro núcleo, é de eficácia plena; no segundo núcleo, é de eficácia limitada. Mas acredito que podemos superar essa discussão quanto à classificação jurí-dica das duas normas constitucionais da seguinte forma.

Recordo da inserção do Ministro Marco Aurélio – penso que, na última sessão – em que S. Exa. lembrou – a outro propósito, é verdade – o § 1º do art. 5º da Constituição, que, no âmbito dos direitos – não individuais e coletivos sim-plesmente – fundamentais, aquela nominata do art. 7º, toda ela faz parte dos direitos fundamentais. A Constituição diz:

§ 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais [não dos direitos e garantias individuais, a abrangência é maior] têm aplicação imediata.

Sabemos que fomos buscar inspiração no Direito português, que investiu muito nesse princípio que a doutrina chama de instrumental. É um princípio formal, não é material que cumpre uma função instrumental. Que princípio é esse? O Ministro Ricardo Lewandowski o pronunciou, é o princípio da máxima eficácia da Constituição. A Constituição pode ser considerada por este ângulo da instrumentalidade ou funcionalidade do princípio que se lê do § 1º do art. 5º:

§ 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm apli-cação imediata.

Como tem aplicação imediata? Penso que o constituinte nos deu ou ela mesma, a Constituição – se quisermos raciocinar objetivamente –, o seguinte: “têm aplicação imediata” seja porque a Constituição já contém em si todos os elementos definidores dos direitos; seja porque, embora não trazendo em si todos os elementos definidores dos direitos, ela, a Constituição, viabilizou o gozo de-les, quaisquer deles, por dois modos: primeiro: mandado de injunção; segundo,

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no caso dos direitos sociais, os direitos trabalhistas propriamente ditos, que são direitos sociais não genéricos, mas específicos; convenções e acordos coletivos.

A Constituição trouxe a possibilidade de voluntária, espontaneamente, empregadores e empregados ajustarem as pautas do seu relacionamento jurídico mediante a celebração de acordo e convenção, sem precisar de lei.

Parece-me, ocorreu aqui. A empresa não precisou de lei para sair na frente para conferir aos seus trabalhadores essa participação nos lucros, participação desvinculada da empresa, que, se generalizada, seria a salvação de todos os tra-balhadores brasileiros.

Se essa regra se generalizasse, os trabalhadores brasileiros experimenta-riam um desafogo social, um ganho material extraordinário, participando dos lucros das empresas, contribuindo para a boa gestão e desenvolvimento da em-presa, o espírito empreendedor de seus patrões; e todos, compreendendo esta-rem no mesmo barco que é a empresa, partilhando da mesma sorte.

O Sr. Ministro Menezes Direito (Relator): V. Exa. me permite uma intervenção?

O Sr. Ministro Carlos Britto: Pois não.O Sr. Ministro Menezes Direito (Relator): Veja bem, a meu sentir, estamos

vinculando a possibilidade de participação nos lucros com a possibilidade de recolhimento da contribuição previdenciária sobre essa participação nos lucros.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Anterior à medida provisória.O Sr. Ministro Menezes Direito (Relator): Por quê? Porque é possível que

a lei, em determinado momento, já que a Constituição mandou que fosse regula-mentado pela lei, determinasse que o recolhimento da contribuição previdenci-ária incidisse também sobre essa parte.

Estamos dando uma eficácia à Constituição no tocante ao recolhimento da contribuição previdenciária. Isso não tem nada a ver com o gozo do princípio de participação nos lucros, que já é antigo. A participação nos lucros já existe desde os idos da Constituição de 1946, centenas de empresas já aplicam essa participação nos lucros.

O Sr. Ministro Carlos Britto: É, mas não tinha o matiz constitucional; pela primeira vez passou a ter.

O Sr. Ministro Menezes Direito (Relator): Eu sei, Ministro. O que estou dizendo a V. Exa. é o seguinte: é que esta participação nos lucros é antiga, ela já vem desde a Constituição de 46. Desde aquela época que já se concede, porque é um avanço que se fez com relação à divisão dos lucros da empresa.

O que estou tentando estipular é que estamos vinculando o exercício desse direito de participação nos lucros, que já existia antes mesmo da Cons ti tui ção, com a possibilidade da lei regulamentar o recolhimento da contribuição pre-videnciária. Nada impede que a lei venha e determine que seja feito o recolhi-mento sobre a participação nos lucros de uma determinada modalidade.

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Ou seja, estamos confundindo, a meu ver, com todo o maior respeito, a efi-cácia da Constituição com relação à possibilidade do exercício da participação nos lucros com uma regra legal que estipula, estabelece, regula o recolhimento da con-tribuição previdenciária. Nada impede que essa lei venha e determine que seja feito o recolhimento, por este ou por aquele percentual, sobre a participação nos lucros.

A Constituição não determinou que a participação nos lucros fosse isenta de qualquer tipo de contribuição. Por exemplo, a lei pode determinar, estabele-cer que sobre a participação nos lucros incida o Imposto de Renda, como pode determinar que não incida o Imposto de Renda sobre a participação nos lucros.

O que estou tentando, e esse foi o meu voto, foi demonstrar que não é possível nós confundirmos as duas modalidades. Estou tirando da Constituição uma vedação à lei de não cobrar nem tributo nem contribuição sobre a partici-pação nos lucros.

E isso, com todo respeito, tentei demonstrar no meu voto, não tem subs-tância do ponto de vista da interpretação da regra constitucional. Ainda que eu subscreva, sublinhe e homenageie, como, de fato, faço sempre com grande pri-vilégio, o raciocínio que V. Exa. e o Ministro Ricardo Lewandowski tão bem desenvolveram.

Peço desculpas por ter interrompido, eu quis apenas sublinhar o meu voto.O Sr. Ministro Carlos Britto: Não, V. Exa. sempre nos ensina.O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Se V. Exa. me permitir? No caso, a

contribuição previdenciária incide sobre a remuneração. Essa que é a verdade.O Sr. Ministro Menezes Direito (Relator): V. Exa. acha que a lei?O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Poderia instituir outra.O Sr. Ministro Menezes Direito (Relator): A lei pode estabelecer; ela pode

determinar.O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Poderia instituir outra, mas não

esta sobre a remuneração.O Sr. Ministro Menezes Direito (Relator): A lei pode determinar. Nós es-

tamos tirando da Constituição.O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Mas não esta sobre a remuneração;

de lege ferenda, sim.O Sr. Ministro Menezes Direito (Relator): Não, claro.O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: De lege ferenda pode.O Sr. Ministro Menezes Direito (Relator): Ministro Lewandowski, des-

culpe a ênfase só, a ênfase não é ponto claro, pelo contrário. Eu só estou insis-tindo para concluir, Ministro Lewandowski, é sobre a questão da eficácia que nós estamos retirando da Constituição.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: O problema é que se quer cobrar justamente a contribuição previdenciária a partir da promulgação da nova

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Constituição até edição da medida provisória. Ou seja, a empresa recorrida, de boa-fé, interpretando a Constituição, antecipou a participação nos lucros.

O Sr. Ministro Menezes Direito (Relator): Mas não foi ela; todas as empre-sas já podem ter participação nos lucros.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Sim, mas as que fizeram.O Sr. Ministro Carlos Britto: Sim, mas esta daqui no recurso extraordinário.O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Então, ela fiou-se realmente no co-

mando constitucional, entendendo que estaria isenta da cobrança previdenciária.O Sr. Ministro Menezes Direito (Relator): Como diz o nosso Presidente,

com muita razão, eu só quis explicitar essa fundamentação de meu voto.O Sr. Ministro Carlos Britto: E V. Exa. sempre explicita muito bem.O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Eu não quero estabelecer polêmica.O Sr. Ministro Carlos Britto: Quando o constitucionalista Celso Bastos,

de pranteada memória, e eu mesmo escrevemos o livro “Interpretação e Apli-cabilidade das Normas Constitucionais” em 1981 – lá se vai um bom tempo –, tínhamos a certeza absoluta de que certas teorizações teriam eficácia prática e serviriam para resolver questões concretas. Por exemplo, uma norma de eficácia limitada; eu e Celso Bastos chamamos de norma de integração, porque ela se abre para uma integração normativa por parte do legislador de segundo escalão; ao contrário de uma norma constitucional de pronta aplicação. Ela está pronta e aca-bada para ser aplicada sem precisar da ajuda, das achegas do legislador ordinário.

Mas, quando a Constituição consagra um direito, como fez aqui, a matéria ganha uma dignidade extraordinária. Anteriormente a participação nos lucros não tinha previsibilidade constitucional. É essa matriz constitucional do direito social que possibilita à doutrina uma criação muito bonita; e, se não houvesse a matriz constitucional – antes não havia –, a formulação dessa doutrina jamais se faria. É o seguinte: quando uma lei que não está obrigada a ocupar um espaço de legiferação social, ela foi convocada pela Constituição – não estava obrigada –, mas o faz, atende ao chamamento e ocupa aquele espaço de legiferação em ma-téria social, qual é a conseqüência disso? Proibição do retrocesso. Não pode ha-ver outra lei mais deixando de conceder o direito que conferiu espontaneamente.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Ministro, se V. Exa. me permite? E essa lei posteriormente confirmou o comando constitucional.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Veja, do ponto de vista da teoria da Cons ti-tui ção, o fato em si de se tratar de matéria de cunho social empresta a ela, essa matéria, um teor de teorização constitucional muito denso. A Constituição, em ótima hora, concedeu aos trabalhadores esse direito à participação nos lucros desvinculadamente da remuneração. Claro, vamos supor que o fez mediante uma norma de eficácia limitada, mas, na medida em que o legislador chega para ocu-par esse espaço, não pode mais bater em retirada – é o que se chama proibição do retrocesso –, porque estamos aqui conferindo – por isso que citei o Ministro

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Marco Aurélio –, estamos trabalhando com esse princípio constitucional da efi-cácia máxima, que é o mais importante princípio instrumental da Constituição, ao lado da rigidez. Há dois princípios instrumentais na Constituição: o da rigidez formal e o da máxima aplicabilidade, ou máxima eficácia por si mesmo.

No caso, a empresa não precisou da lei; ela dispensou a lei; tomou a dian-teira do processo. Não pode, agora, ser surpreendida pelo legislador com espécie de rasteira, de surpresa em desfavor do hipossuficiente.

É como penso, mas, rendo minhas homenagens, também perfilho o entendi-mento do Ministro Lewandowski que iniciou a dissidência, negando provimento.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): No campo da tributação, não há espaço para a autonomia da manifestação da vontade. Existem normas impe-rativas e, portanto, a outorga pelo constituinte ao legislador ordinário da disci-plina respectiva, desde que observado o figurino constitucional.

O que havia e há ainda em nossa Carta, considerado preceito específico, é o disposto no art. 201 nela contido, a revelar que a previdência social está orga-nizada na forma contributiva. Tem-se, a confirmar o que lancei inicialmente, o § 11 desse mesmo artigo:

Os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário [remuneração é gênero, pegando todas as parcelas que impliquem a contra-prestação pelo trabalho desenvolvido] para efeito de contribuição previdenciária e conseqüente repercussão em benefícios [e vem a cláusula de abertura ao legislador ordinário] nos casos e na forma da lei.

Não há, no rol das garantias dos trabalhadores urbanos e rurais, regra rela-tiva à incidência de tributo, à incidência da espécie tributária que é a contribui-ção social. A premissa é essa.

Veio realmente o legislador, no primeiro passo, mediante esse instrumen-tal extravagante que é a medida provisória, e excluiu a incidência da contribui-ção social sobre os lucros. Poderia fazê-lo? Poderia, porque há a abertura para tanto no § 11 do art. 201, “nos casos e na forma da lei”, como poderia dispor quanto à incidência, como se tem a incidência do Imposto de Renda sobre essa mesma parcela – a participação nos lucros – que não é indenizatória. Visa à in-tegração maior do prestador dos serviços na empresa e, portanto, à colaboração. É um estímulo à colaboração para alcançar-se lucros na própria empresa.

Ouvi que o inciso XI do art. 7º cogita da “participação nos lucros, ou re-sultados, desvinculada da remuneração”. A levarmos às últimas conseqüências essa cláusula, não se terá nem mesmo a incidência do Imposto de Renda.

Creio que o preceito merece interpretação teleológica. A razão de ser da referência “desvinculação da remuneração” é única: não proceder o emprega-dor a uma verdadeira compensação. Há uma intencional confusão consideradas as rubricas: a rubrica participação nos lucros e a rubrica, diria, salário stricto

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sensu, o que, independentemente da existência ou não de lucros, ainda que a empresa dê prejuízo, deve ser satisfeito pelo empregador.

Não vejo, na desvinculação, cláusula a abolir a incidência de tributos, cláusula a limitar a regra específica do art. 201, § 11, da Constituição Federal.

No caso concreto, de forma elogiável, a recorrida avançou no campo social e, antes mesmo da fixação dos parâmetros da participação nos lucros, da disciplina da participação nos lucros, outorgou essa participação, como as empresas poderiam ter outorgado antes da Carta de 1988 e a partir da Carta de 1946, período em que esse direito permaneceu latente, porque não havia, na vigência dos documentos maiores anteriores, instrumental para torná-lo eficaz – o mandado de injunção.

Não posso potencializar a expressão “desvinculada da remuneração” a ponto de entender que se tem parcela imune à atuação do legislador ordinário quanto à incidência dos tributos. Se assim o é, apenas com a medida provisória veio à balha, como poderia vir, repito, em sentido diverso, norma dispondo sobre o afastamento da incidência da contribuição previdenciária. O pagamento anterior, sem a cláu-sula normativa abstrata excludente, gerou a incidência dos tributos em geral.

Peço vênia àqueles que entendem de forma diversa para acompanhar o Re-lator, conhecendo e provendo, portanto, o extraordinário, para indeferir a ordem.

DEBATES

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhor Presidente, V. Exa. me permite?O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Sim.O Sr. Ministro Carlos Britto: Serei breve.O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Nem discuto o problema da

justiça social, porque, quando penso em justiça social, dou ênfase maior ao co-letivo, e não ao individual. Sabemos que o que recolhido à Previdência visa a satisfazer o coletivo.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Mas essa nova observação minha não é de conteúdo, e de metodologia interpretativa. V. Exa. falou que estava conferindo aos textos uma interpretação teleológica.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): É uma cláusula pedagógica para evitar o drible pelos empregadores, a compensação, o esvaziamento do direito constitucional.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Mas vou lhe dar uma motivação histórica, cul-tural para esse dispositivo que não coincide com a belíssima intervenção de V. Exa.

Quando a Constituição trouxe duas novidades no inciso XI, primeira parte. Qual foi a primeira novidade? A primeira novidade foi a constitucionalização em si da matéria. A participação nos lucros não constava na Constituição ante-rior. Mas não foi a única novidade aportada pela Constituição. Ela desvinculou “participação nos lucros” de “remuneração”. Por que o fez? Para implantar uma

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nova cultura, uma nova mentalidade, a mentalidade do compartilhamento do progresso da empresa com seus atores sociais, com os seus protagonistas. Quer dizer, essa norma teleologicamente é uma belíssima novidade. Essa regra citada pelo Ministro Marco Aurélio é a regra geral, § 11 do art. 201.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): V. Exa. concorda comigo que a natureza da parcela não é indenizatória?

O Sr. Ministro Carlos Britto: Ela é sui generis, peculiaríssima.O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Precisamos enquadrá-la sob o

ângulo jurídico.O Sr. Ministro Carlos Britto: Eu não chegaria a considerar heresia tomá-la,

a verba, com indenizatória. Não chegaria.O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Ministro, em última análise, é

contraprestação pelo trabalho desenvolvido.O Sr. Ministro Carlos Britto: Não.O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Trabalho profícuo que desá-

gua, portanto, em lucro para o tomador dos serviços.O Sr. Ministro Carlos Britto: Veja o § 11, os ganhos habituais do trabalha-

dor. Não estamos cuidando de ganhos habituais, mas de um ganho espetacular, extraordinário, excepcional, histórico.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): É um plus.O Sr. Ministro Carlos Britto: Que é a participação nos lucros.O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Ela é um avanço no sentido do ca-

pitalismo social.O Sr. Ministro Carlos Britto: É a humanização do capitalismo.O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): É um plus remuneratório que

não se confunde com aquele necessariamente satisfeito independentemente da saúde financeira da empresa tendo em conta o trabalho, porque o trabalhador não assume os riscos do negócio.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Ela transforma os trabalhadores em sócios ou cotistas de fato da empresa.

O Sr. Ministro Carlos Britto: O que é um progresso, uma quebra de men-talidade; é a implantação de um novo paradigma de compartilhamento de pro-gresso no âmbito da empresa.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Visa à comunhão: capital/trabalho.A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Ministro, penso que estamos todos afina-

dos quanto aos princípios, mas não quanto ao ponto de chegada.O que me causa uma certa estranheza é exatamente porque o capitalismo

social a que se refere o eminente Ministro Ricardo Lewandowski – V. Exa. tem especial carinho por isso, é aquilo que chamou a atenção, de alguma forma já o

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Ministro Relator e que agora foi relevado pelo eminente Ministro Presidente – é que a previdência se informa pelo princípio da solidariedade social, o tom novo de um capitalismo que não deixa de ser capitalismo, porque não socializa os lucros de uma forma equânime. Portanto, quando se introduz uma norma como essa, há um efeito imediato. O que Rui Barbosa chamaria de auto-aplicabilidade quanto à impossibilidade, como lembrou V. Exa.

Por outro lado, como bem explicitou o Ministro Marco Aurélio, poderia vir uma norma tanto para fazer incidir novos custos, ou novos ônus, como não. Agora, de toda sorte, quando pago, sobre ele incidiu o que prevalecia, porque não havia norma alguma contendo, restringindo, onerando, ou desonerando. Então, a norma neste caso limita-se pelo que nela se contém. Não é isso? Exatamente pelo princípio da solidariedade social, que é o tom do capitalismo social ou do socialismo capitalista.

EXTRATO DA ATA

RE 398.284/RJ — Relator: Ministro Menezes Direito. Recorrente: Ins ti tu to Nacional do Seguro Social – INSS (Advogada: Pro cura doria-Geral da Fazenda Nacional). Recorrida: Companhia Vale do Rio Doce – CVRD (Advogados: Carlos Roberto Siqueira Castro e outros e Christiane Rodrigues Pantoja).

Decisão: Por maioria de votos, a Turma conheceu do recurso extraordi-nário e lhe deu provimento para julgar improcedente o pedido inicial formu-lado no mandado de segurança; vencidos os Ministros Ricardo Lewandowski e Carlos Britto. Falaram: o Dr. Luiz Carlos Martins Alves, Pro cura dor da Fazenda Nacional, pela Recorrente, e o Dr. Torquato Jardim, pela recorrida.

Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Minis-tros Carlos Britto, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Compareceram os Ministros Cezar Peluso e Eros Grau, ocupando as cadeiras da Ministra Cármen Lúcia e do Ministro Ricardo Lewandowski, respectivamente, para julgarem processos a eles vinculados. Subpro cura dor-Geral da República, Dr. Rodrigo Janot.

Brasília, 23 de setembro de 2008 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

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RECURSO EXTRAORDINÁRIO 446.908 — PR

Relator: O Sr. Ministro Menezes DireitoRecorrente: Luiz Fernando de Saboia Merhy — Recorrido: Ministério

Público Federal

Penal. Processual penal. Crime contra o Sistema Finan-ceiro Nacional. Lei 7.492/86. Justiça Federal. Competência. Pres-crição. Reformatio in pejus.

1. Os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, previs-tos na Lei 7.492/86, devem ser processados e julgados na Justiça Federal.

2. Não ocorre a prescrição quando não transcorrido o prazo correspondente, contado a partir das causas interruptivas fixa-das no art. 117 do Código Penal.

3. A materialidade e a autoria do delito estão assentadas em panorama fático tomado como verdadeiro pelo acórdão re-corrido e que não pode ser refutado sem reexame profundo da prova. Incidência da Súmula 279/STF.

4. Fica configurada reformatio in pejus quando, em sede de apelação interposta unicamente pela defesa, é autorizada a execução provisória da pena que, na sentença de 1º grau, estava condicionada ao trânsito em julgado da condenação. O vício constitui matéria de ordem pública que merece ser corrigido por meio de habeas corpus concedido de ofício.

5. Recurso extraordinário conhecido em parte e, nessa parte, desprovido. Habeas corpus concedido de ofício.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Pri-meira Turma do Su premo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Marco Aurélio, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, conhecer, em parte, do recurso extraordinário, mas, nessa parte, negar-lhe provimento e conceder o habeas corpus de ofício, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 2 de setembro de 2008 — Menezes Direito, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Menezes Direito: Luiz Fernando de Saboia Merhy interpõe recurso extraordinário, com fundamento na alínea a do permissivo constitucio-nal, contra acórdão da Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, assim ementado:

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Penal. Processual penal. Apelação criminal. Sistema Financeiro Nacional. Lei nº 7.492/86, art. 1º, 5º, art. 25. Apropriação indébita financeira. Ouro. Materialidade. Inversão da posse. Ocorrência. Autoria. Administradores de insti-tuição financeira. Dolo. Comprovação. Dosimetria. Retificação. Desnecessidade.

1. É instituição financeira a empresa que habitualmente pratica a captação de recursos financeiros de terceiros, para serem aplicados e investidos na aqui-sição de metal precioso. A recusa dos administradores da empresa em entregar aos investidores, uma vez vencido o contrato, o ouro adquirido ou, ainda, efe-tivar o ressarcimento da quantia pecuniária por eles vertida, materializa infra-ção ao artigo 5º da Lei nº 7.492/86, porque revela hipótese de inversão do ônus da posse.

2. A autoria é incontroversa quando constatado que os recorrentes, admi-nistradores da empresa e responsáveis pela comercialização das barras de ouro, recusam-se, conscientemente, a entregar o metal aos seus adquirentes.

3. Apenamento dosado de acordo com as vetoriais do sistema trifásico não requer modificação.(Fl. 414.)

Os embargos de declaração opostos (fls. 426 a 432), foram rejeitados (fls. 435 a 438).

Nas razões do recurso extraordinário, o Recorrente alega ofensa ao art. 5º, incisos II, VIII, XXXIV, XXXVI, XXXIX, XL, XLVI, XLVIII, LIII, LIV, LV, LVII e LXVII, da Constituição Federal. Sustenta, em síntese: a) a incompetência da Justiça Federal para processar e julgar os fatos a ele imputados; b) a ocor-rência da prescrição retroativa; c) a não-configuração do crime contra o sistema financeiro nacional (Lei 7.492/86), o que revelaria, inclusive, a ausência de justa causa para a ação penal, e d) a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito.

Contra-arrazoado (fls. 504 a 515), o recurso extraordinário foi admitido (fls. 519/520).

Paralelamente foi interposto recurso especial (fls. 443 a 457), inadmitido (fls. 517/518).

O ilustrado Subpro cura dor-Geral da República, Dr. Haroldo Ferraz da Nóbrega, opinou pelo não-conhecimento ou pelo desprovimento do recurso (fls. 532 a 541).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Menezes Direito (Relator): O Recorrente foi denunciado juntamente com outro réu pela prática do crime capitulado no art. 5º c/c o art. 1º e o art. 25 da Lei 7.492/86.

Consta da exordial acusatória que ele, na condição de administrador da Empresa Brasileira de Metais Ltda. (EBM), teria realizado operações financei-ras de venda de ouro a prazo e se apropriado indevidamente do ativo financeiro

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adquirido por pelo menos três de seus clientes, sem promover-lhes nenhum res-sarcimento (fls. 5/6).

O Juízo da 2ª Vara Federal de Curitiba condenou o Réu à pena de 2 anos e 2 meses de reclusão em regime aberto e 12 dias-multa. Em seguida substituiu a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, a serem cumpridas cumulativamente, consistentes em prestação de serviço à comunidade e limita-ção de fins de semana (fls. 311 a 323).

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região negou provimento ao recurso de apelação interposto, nos termos da ementa reproduzida no relatório. Os embar-gos de declaração que se seguiram foram rejeitados.

A irresignação não colhe êxito.Anote-se, primeiramente, que o acórdão dos embargos declaratórios,

conforme expresso na certidão de fl. 441v, foi publicado em 11-9-02, não sendo exigível, conforme decidido no AI 664.567-QO, Pleno, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 6-9-07, a demonstração da existência de repercus-são geral das questões constitucionais trazidas no recurso extraordinário.

No que diz respeito à alegada incompetência da Justiça Federal, verifico que o art. 109, inciso VI, da Constituição Federal atribuiu expressamente aos juízes federais competência para processar e julgar “os crimes contra a organi-zação do trabalho e, nos casos determinados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira”.

Como se vê, a fixação definitiva do Juiz Natural quando se trate de crime contra o Sistema Financeiro está a cargo de norma infraconstitucional. A Lei 7.492/86, além de estabelecer os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, determinou, em seu art. 26, que “a ação penal, nos crimes previstos nesta Lei, será promovida pelo Ministério Público Federal, perante a Justiça Federal”.

Ora, se na presente ação penal o réu foi dado como incurso nas penas do art. 5º da Lei 7.492/86, e se essa mesma lei prevê que a Justiça Federal será a competente para processar e julgar os delitos nela tipificados, não merece aco-lhida a tese de incompetência dessa Justiça especializada.

No que tange à prescrição, assevero que as penas restritivas de direito cominadas ao réu são substitutivas de uma pena privativa de liberdade. Nesses termos, o prazo prescricional deve regular-se pelo quantum da pena privativa de liberdade originariamente fixada, de 2 anos e 2 meses. Considerando, portanto, o art. 109, inciso IV, do Código Penal, tem-se que a prescrição da pretensão pu-nitiva do Estado está sujeita, no caso concreto, a prazo de 8 anos.

Ao contrário do que sustenta o recorrente, entretanto, não se operou a prescrição. Examinando as datas em que ocorridas as causas interruptivas previstas no art. 117 do Código Penal, verifico que entre elas não transcorreu lapso superior a 8 anos. Os fatos criminosos imputados ao réu, nos termos da denúncia, foram praticados em dezembro de 1990, setembro de 1991 e abril de 1992 (fl. 5), a denúncia foi recebida em 18-10-95 (fl. 7), e a sentença condenatória

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recorrível publicada em 1º-9-00. Ressalto ainda que desde essa última causa in-terruptiva até hoje tampouco se passaram mais de 8 anos.

No que concerte à materialidade e à autoria da conduta, o recorrente argu-menta que a compra e venda de ouro a prazo não configura operação financeira, mas atividade mercantil, motivo por que não poderia incidir a Lei 7.492/86. Além disso, não estaria comprovado, segundo alega, o dolo da sua conduta.

A propósito assim se manifestou o acórdão recorrido:

(...)Deve ser consignado que não paira qualquer dúvida quanto à materialidade

delitiva da conduta. Com efeito, da documentação carreada aos autos, especial-mente no Apenso (fls. 03/14; 73/90; 102/104 e 109/184) percebe-se que as vítimas entabulavam negócio com a empresa EBM, a fim de adquirir, mediante o pagamento de prestações sucessivas, determinado peso de metal precioso, qual seja, ouro.

Assim, o contrato de Compra e Venda de Ouro nº 21645, firmado entre José Fernando de Andrade e a EBM ou “Thousand Gold” (fls. 11/12-A), em que não obstante a quitação das parcelas ajustadas, o metal não foi entregue ao benefici-ário que, no caso, era a mãe de José Fernando, porquanto este faleceu (fl. 05-A). Tais fatos foram claramente narrados pela beneficiária Edda Scarinci Andrade (fl. 04-A) a qual não conseguiu obter a entrega do ouro adquirido da EBM. Quanto a isto, veja-se que a própria EBM reconheceu que José Fernando, até 03.7.90, ha-via adquirido 70,93g de ouro puro (fl. 14). Não há nos autos, entretanto, prova que demonstre a entrega de tal quantidade de ouro à herdeira de José Fernando.

A situação vivenciada por Milton Vasconcelos Guedes é idêntica. Após ter firmado Contrato de Compra e Venda de Ouro nº 24040, com a EBM ou “Thousand Gold” (fls. 102-A), noticia que saldadas as parcelas, embora tivesse mantido diversos contatos com a vendedora (fls. 104; 107), não obteve o resgate da custódia relativa ao peso de ouro adquirido que, no caso, era de 50,06g (fl. 101-A).

Prosseguindo, verifica-se que Renato Hugo Vardânega (fl. 110-A) também não viu restituído o metal precioso que adquiriu da empresa EBM ou “Thousand Gold”, por meio do Contrato de Compra e Venda de Ouro nº 1307 (fl. 124-A), em-bora tivesse notificado a EBM para que informasse sobre a exata quantidade de ouro por ele adquirida, bem como providenciasse o seu regular resgate.

Contudo, não há qualquer prova robusta que revela a efetiva devolução, seja do ouro adquirido pelas vítimas perante a EBM, ou, ainda, a restituição da quantia por eles vertida para a aquisição do metal precioso. Em exata sintonia, o excerto de depoimento extraído nos autos:

(...)Atente-se para o fato de que a referência é alusiva ao Sr. Oswaldo Francisco

Zanella cujo depoimento (fl. 120-A) revela que também não viu resgatado o ouro adquirido da EBM pelo contrato nº 11.677 (fl. 127-A). Também Milton Vasconcelos Guedes, uma das vítimas, asseverou que:

(...)Neste momento deve ser feita pertinente consideração, acerca da atividade

da empresa EBM. Pri meiramente, relevando o que consta na declaração acima, percebe-se, pela cópia reprográfica da fl. 135 do Apenso, que a EBM sofreu pena-lidade administrativa imposta pelo Bacen, porquanto praticou atividade inerente às instituições financeiras, qual seja, captação (coleta) de recursos para apli-cação em ouro.

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Com efeito, é exatamente isso o que se pode inferir dos elementos existentes no processo. Como conseqüência, tem-se que a autorização para comercialização de ouro bruto emitida pelo Ministério da Fazenda/Secretaria da Receita Federal, à EBM e acostada à fl. 215, não afasta sua responsabilidade criminal, tornando lícita a atividade desenvolvida. É que a tela pintada nos autos revela que, faticamente, o que acontecia era a captação de recursos de determinados indivíduos, para a aquisição de ouro em lingotes. A situação exposta foi inclusive reconhecida pelo apelante Luiz Fernando que assim declarou em seu interrogatório (fl. 210):

(...)Essa, portanto, a verdadeira atividade da empresa gerida pelos apelantes

que, para tanto, não possuíam regular autorização do Bacen (fl. 135-A). Dessa forma, não se tratava de mera atividade comercial, mas de atos de típica natureza financeira, porque o ouro era adquirido como ativo financeiro pelos pequenos in-vestidores. Respaldando esse raciocínio, permito-me reproduzir julgado referido na sentença pelo MM. Julgador a quo (fl. 315):

(...)Assim, forte na previsão do artigo 1º, § único, inciso I da Lei nº 7.492/86,

tem-se que a empresa EBM é, para os fins da legislação de regência, considerada como instituição financeira, já que sua atividade era a de captar e/ou administrar recursos de terceiros. Confortando a tese, o seguinte precedente da jurisprudência:

(...)Da combinação dos artigos 1º, § único, inciso I, 5º e 25, todos da Lei nº

7.492/86, portanto, emerge o suporte legal para a responsabilização criminal dos dirigentes da empresa EBM, Luiz Fernando e Sérgio Jacó.(Fls. 410 a 411v.)

Tem-se, assim, que não apenas a natureza das atividades levadas a termo pela empresa do réu, mas também a vontade deste em realizar concretamente os elementos do tipo penal da condenação estão fixados, segundo o acórdão recorrido, em provas e fatos devidamente indicados e avaliados. O exame da pretensão recursal, nessa medida, demandaria o revolvimento de matéria fático-probatória, o que não admite a Súmula 279/STF.

Com efeito, apenas as provas carreadas aos autos poderiam refutar o pa-norama fático delineado pelo acórdão recorrido de que houve apropriação, pelo réu, dos valores investidos em ouro e de que as operações financeiras desen-volvidas pela empresa EBM Ltda. constituíam atividade própria de instituição financeira e não simples atos de comércio.

Finalmente, no que diz com a pretendida substituição da pena privativa de liberdade por uma restritiva de direitos, assinalo que tal substituição já ocor-reu na própria sentença de 1º grau, conforme se pode verificar às fls. 311 a 323. O que Recorrente pede, portanto, é algo que já lhe foi deferido, não havendo nenhum interesse recursal na medida pleiteada.

Esclareça-se que a observação feita na parte final do acórdão recorrido (fl. 412v.) autorizou unicamente a execução do título condenatório tendo em vista a ausência de efeito suspensivo dos recursos especial e extraordinário. Ao contrário do que fazem supor as razões recursais, não se transmutou a pena restritiva de direitos em privativa de liberdade.

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Apesar disso, é mister reconhecer que a sentença condenatória havia con-dicionado o início da execução ao trânsito em julgado:

(...)3.8. Após o trânsito em julgado da condenação, cientifique-se à Justiça

Eleitoral, lance-se o nome dos réus no rol dos culpados, e efetue-se remessa ao ju-ízo competente, da documentação necessária para a execução das penas impostas.(Fl. 323.)

Nesse sentido, a autorização para a execução provisória da pena constante do acórdão recorrido configurou reformatio in pejus. Alerte-se que os recur-sos de apelação foram interpostos unicamente pela defesa e, não obstante, o Tribunal de origem, no julgamento desses recursos, impôs ao Réu situação mais gravosa que aquela definida na sentença. A nulidade apontada reclama, assim, concessão de habeas corpus de ofício para a sua correção.

Ante o exposto, conheço do recurso extraordinário em parte e, nesta parte, nego-lhe provimento. Concedo, no entanto, habeas corpus de ofício para resta-belecer o que determinado na sentença condenatória quanto ao início da execu-ção das penas restritivas de direito impostas.

EXTRATO DA ATA

RE 446.908/PR — Relator: Ministro Menezes Direito. Recorrente: Luiz Fernando de Saboia Merhy (Advogada: Leila Malafaia Marques). Recorrido: Ministério Público Federal.

Decisão: A Turma conheceu, em parte, do recurso extraordinário, mas, nesta parte, lhe negou provimento. Concedeu, porém, habeas corpus de ofí-cio, nos termos do voto do Relator. Unânime. Ausentes, justificadamente, os Ministros Carlos Britto e Cármen Lúcia.

Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Ministros Ricardo Lewandowski e Menezes Direito. Ausentes, justificadamente, os Ministros Carlos Britto e Cármen Lúcia. Subpro cura dor-Geral da República, Dr. Edson Oliveira de Almeida.

Brasília, 2 de setembro de 2008 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

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AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 459.486 — SC

Relator: O Sr. Ministro Celso de MelloAgravante: Estado de Santa Catarina — Agravado: Município de Fraiburgo

Fundo de Participação dos Municípios – Repartição cons-titucional das receitas tributárias – Participação dos Municípios no produto da arrecadação do ICMS (CF, art. 158, IV) – Progra- ma de Desenvolvimento da Empresa Catarinense ( PRODEC) – Lei catarinense 11.345/00 – Concessão, pelo Estado, de incenti-vos fiscais e creditícios, com recursos oriundos da arrecadação do ICMS – Pretensão do Município ao repasse integral da par-cela de 25%, sem as retenções pertinentes aos financiamentos do Prodec – Controvérsia em torno da definição da locução consti-tucional “produto da arrecadação” (CF, art. 158, IV) – Preten-dida distinção, que faz o Estado de Santa Catarina, para efeito da repartição constitucional do ICMS, entre arrecadação (con-ceito contábil) e produto da arrecadação (conceito financeiro) – Parcela de receita tributária (25%) que pertence, por direito próprio, ao Município – Conseqüente inconstitucionalidade da retenção determinada por legislação estadual (RE 572.762/SC, Pleno) – Direito do Município ao repasse integral – Recurso de agravo improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Su-premo Tribunal Federal, em Se gunda Turma, na conformidade da ata do julga-mento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, negar provimento ao recurso de agravo, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 11 de novembro de 2008 — Celso de Mello, Presidente e Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Celso de Mello: Trata-se de recurso de agravo, tempesti-vamente interposto, contra decisão que conheceu e negou provimento ao apelo extremo deduzido pela parte ora recorrente.

Inconformada com esse ato decisório, a parte agravante interpõe o pre-sente recurso, postulando a reforma da decisão ora agravada (fls. 244/246).

Por não me convencer das razões expostas, submeto, à apreciação desta Colenda Turma, o presente recurso de agravo.

É o relatório.

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VOTO

O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): Não assiste razão à parte ora re-corrente, eis que a orientação jurisprudencial desta Suprema Corte firmou-se no sentido de que a parcela (25%) concernente ao ICMS, a que se refere o art. 158, inciso IV, da Constituição Federal, pertence, por direito próprio, aos Municípios.

Isso significa que essa parcela de receita, pertencente, de pleno direito, aos Municípios, deverá ser-lhes creditada sem qualquer outra restrição que não aquelas a que alude o próprio texto constitucional.

É que essa quota-parte, ainda que arrecadada pelo Estado-membro, no exercício de sua competência impositiva, compõe, por expressa destinação constitucional, o patrimônio dos Municípios, a quem assiste o direito público subjetivo de exigir, mesmo judicialmente, a parcela que lhes cabe na arrecada-ção do ICMS, observados, unicamente, os critérios estabelecidos no art. 158, parágrafo único, incisos I e II, da Constituição Federal.

Em uma palavra, as parcelas da receita tributária em questão não po-derão ser reduzidas pelos Estados-membros (que sequer têm qualquer po-der de disposição sobre elas), não lhes cabendo manipular o repasse de tais parcelas devidas aos Municípios (CF, art. 158, IV), ainda que sob o pretexto (claramente inconstitucional) de que, em decorrência de um Programa de Desenvolvimento Estadual (PRODEC), tenha sido concedido, às empresas contribuintes, como modalidade de benefício fiscal, a postergação do recolhi-mento do próprio ICMS.

Vale relembrar, neste ponto, que o Su premo Tribunal Federal, já sob o regime constitucional anterior, decidiu, ainda que em perspectiva diversa, que a parcela de receita tributária (federal ou estadual), constitucionalmente de-vida aos Municípios, a estes pertence, integralmente, por direito próprio, rejeitada, por isso mesmo, por inconstitucional, qualquer redução, supres-são ou exclusão de valores pertinentes aos tributos submetidos, pela própria Constituição, ao sistema de partilha.

São diversos, a esse respeito, os precedentes que esta Suprema Corte firmou na matéria ora em exame (RTJ 82/200 – RTJ 83/619 – RTJ 85/712 – RTJ 86/722 – RTJ 89/233 – RT 516/223, v.g.), vindo, até mesmo, a sumular a jurisprudência em torno da questão pertinente à distribuição de receitas tribu-tárias aos Municípios (Súmula 578/STF).

Em conformidade com essa diretriz jurisprudencial, o Su premo Tribunal Federal reconheceu que a indevida retenção, pelo Estado-membro, a qual-quer título, da parcela que constitucionalmente por ele deveria ser repassada ao Município faz instaurar, em favor deste, quando compelido a ingressar em juízo para reclamar a quota faltante, o direito à percepção da parcela devida, monetariamente atualizada e acrescida dos juros moratórios (RTJ 90/731).

Entendo que a postulação deduzida pelo Estado de Santa Catarina, se acolhida, implicaria grave transgressão ao princípio federativo.

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É relevante observar que a controvérsia em exame há de considerar o princípio da autonomia municipal, que representa, no contexto de nossa orga-nização político-jurídica, uma das pedras angulares sobre a qual se estrutura o edifício institucional da Federação brasileira.

A nova Constituição da República, promulgada em 1988, prestigiou os Municípios, reconhecendo-lhes irrecusável capacidade política como pessoas integrantes da própria estrutura do Estado Federal brasileiro, atribuindo-lhes esferas mais abrangentes reservadas ao exercício de sua liberdade decisória, no-tadamente no que concerne à disciplinação de temas associados ao exercício do seu poder de auto-organização, de auto-administração e de autogoverno.

O art. 29 da Constituição representa, na realidade, o substrato consubs-tanciador, o núcleo expressivo de outorga dessa autonomia institucional às entidades municipais. A Constituição da República, em seu art. 29, dispõe que o Município reger-se-á por lei orgânica própria, que se qualifica como verda-deiro estatuto constitucional das pessoas municipais.

Cabe assinalar, neste ponto, que a autonomia municipal erige-se à con-dição de princípio estruturante da organização institucional do Estado brasi-leiro, qualificando-se como prerrogativa política, que, outorgada ao Município pela própria Constituição da República, somente por esta pode ser valida-mente limitada, consoante observa HELY LOPES MEIRELLES, em obra clássica de nossa literatura jurídica (“Direito Municipal Brasileiro”, p. 80/82, 6ª ed./3ª tir., 1993, Malheiros):

A Autonomia não é poder originário. É prerrogativa política conce-dida e limitada pela Constituição Federal. Tanto os Estados-membros como os Municípios têm a sua autonomia garantida constitucionalmente, não como um poder de autogoverno decorrente da Soberania Nacional, mas como um direito público subjetivo de organizar o seu governo e prover a sua Administração, nos limites que a Lei Maior lhes traça. No regime constitucional vigente, não nos pa-rece que a autonomia municipal seja delegação do Estado-membro ao Município para prover a sua Administração. É mais que delegação; é faculdade política, reconhecida na própria Constituição da República. Há, pois, um minimum de autonomia constitucional assegurado ao Município, e para cuja utilização não depende a Comuna de qualquer delegação do Estado-membro.(Grifei.)

Essa mesma orientação já era perfilhada por SAMPAIO DORIA (“Au-to no mia dos Municípios”, “in” Revista da Faculdade de Direito de São Paulo, vol. XXIV/419-432, 1928), cujo magistério – exposto sob a égide de nossa pri-meira Constituição republicana (1891) – bem ressaltava a extração constitucio-nal dessa insuprimível prerrogativa político-jurídica que a Carta Federal, ela própria, atribuiu aos Municípios.

Sob tal perspectiva, e como projeção concretizadora desse expressivo postulado constitucional, ganha relevo, no exame da presente controvérsia, a garantia institucional da autonomia política, fundada no próprio texto da Constituição da República.

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Tenho para mim – ao reconhecer que existe, em favor da autono-mia municipal, uma “garantia institucional do mínimo intangível” (PAULO BONAVIDES, “Curso de Direito Constitucional”, p. 320/322, item n. 7, 12ª ed., 2002, Malheiros) – que o art. 29 da Constituição não autoriza a utilização de recursos hermenêuticos cujo emprego possa importar em grave vulneração à autonomia constitucional dos Municípios, especialmente se se considerar que a Constituição da República criou, em benefício das pessoas municipais, um espaço mínimo de liberdade decisória que não pode ser afetado, nem com-prometido, em seu concreto exercício, por ingerências normativas de outras entidades estatais, como sucederia, na espécie, se acolhida a inadmissível pre-tensão deduzida pelo Estado de Santa Catarina.

Impende reconhecer, portanto, que a repartição constitucional de re-ceitas tributárias qualifica-se como um instrumento necessário e essencial à preservação da integridade da autonomia do Município, compreendida esta em sua dimensão e projeção financeiras.

O entendimento que venho de expor foi corroborado pelo Plenário do Su premo Tribunal Federal, que, ao julgar o RE 572.762/SC, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, proferiu decisão consubstanciada em acórdão assim ementado:

CONSTITUCIONAL. ICMS. REPARTIÇÃO DE RENDAS TRIBU-TÁRIAS. PRODEC. PROGRAMA DE INCENTIVO FISCAL DE SANTA CATARINA. RETENÇÃO, PELO ESTADO, DE PARTE DA PARCELA PERTENCENTE AOS MUNICÍPIOS. INCONSTITUCIONALIDADE. RE DESPROVIDO.

I – A parcela do imposto estadual sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e in-termunicipal e de comunicação, a que se refere o art. 158, IV, da Carta Magna pertence, de pleno direito, aos Municípios.

II – O repasse da quota constitucionalmente devida aos Municípios não pode sujeitar-se à condição prevista em programa de benefício fiscal de âmbito estadual.

III – Limitação que configura indevida interferência do Estado no sistema constitucional de repartição de receitas tributárias.

IV – Recurso extraordinário desprovido.(Grifei.)

Sendo assim, tendo em consideração as razões expostas, nego provi-mento ao presente recurso de agravo, mantendo, em conseqüência, a decisão ora agravada.

É o meu voto.

EXTRATO DA ATA

RE 459.486-AgR/SC — Relator: Ministro Celso de Mello. Agravante: Estado de Santa Catarina (Advogado: PGE/SC – Ezequiel Pires). Agravado: Município de Fraiburgo (Advogados: Paulo Ernani da Cunha Tatim e outros).

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Decisão: A Turma, por votação unânime, negou provimento ao recurso de agravo, nos termos do voto do Relator.

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão a Ministra Ellen Gracie e os Ministros Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Subpro cura dor-Geral da República, Dr. Mário José Gisi.

Brasília, 11 de novembro de 2008 — Carlos Alberto Cantanhede, Coor- denador.

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RECURSO EXTRAORDINÁRIO 463.560 — SC

Relator: O Sr. Ministro Joaquim BarbosaRecorrente: Ministério Público do Estado de Santa Catarina — Recorrido:

Golberi Mauro da Luz

Recurso extraordinário. Alegada violação ao princípio do Juiz natural. Inocorrência. Julgamento de habeas corpus impe-trado contra decisão de Juizado Especial. Competência da turma recursal. Legitimidade constitucional e legal. Recurso conhecido e desprovido.

1. Os Juizados Especiais e as Turmas Recursais foram ins-tituídos, no Estado de Santa Catarina, por Lei Complementar estadual, anteriormente à edição da Lei 9.099/95. Assim, a poste-rior exigência, por este último diploma legal, de lei estadual para a criação de juizados e turmas recursais nos Estados, já estava atendida no Estado de Santa Catarina.

2. O fato de a Lei Complementar estadual prever apenas competência cível para as Turmas de Recursos não torna ilegí-tima a Resolução do Tribunal de Justiça que declara a existência da competência também em matéria criminal. Observância dos princípios norteadores da Lei dos Juizados e da Constituição.

3. O princípio do juiz natural veda a instituição de tribu-nais e juízos de exceção e impõe que as causas sejam julgadas pelo órgão jurisdicional previamente determinado, a partir de critérios constitucionais de repartição da competência. Caso em que o habeas corpus de origem foi impetrado, perante a Turma de Recursos, dez anos depois da declaração da sua competência em matéria criminal pela Resolução do Tribunal de Justiça con-siderada ilegítima pelo Recorrente.

4. O fato de a Resolução prever a competência em matéria recursal das Turmas de Recursos não exclui sua competência para o julgamento de habeas corpus impetrado contra decisões dos jui-zados especiais criminais, como conseqüência lógica. Precedente.

5. Ademais, no caso em análise, o writ é claro substitutivo do recurso de apelação, não havendo razoabilidade em excluí-lo do alcance do art. 82 da Lei 9.099/95.

6. Recurso conhecido e desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Su-premo Tribunal Federal, em Se gunda Turma, sob a Presidência do Ministro

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Celso de Mello, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, conhecer do recurso extraordinário, mas lhe negar provimento, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 29 de abril de 2008 — Joaquim Barbosa, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Trata-se de recurso extraordinário, inter-posto pelo Ministério Público, contra acórdão proferido pela Quinta Turma de Recursos Cíveis do Estado de Santa Catarina, em que foi denegada a ordem de habeas corpus impetrado contra juiz de primeiro grau.

O Recorrente alega a inexistência de legislação estabelecendo a competên-cia das Turmas Recursais, em matéria criminal, no Estado de Santa Catarina, razão pela qual referido órgão se constituiria em juízo de exceção e autoridade incompetente para o julgamento de habeas corpus.

Alega que a referida Turma de Recursos foi instituída pela Lei Com ple-men tar estadual 77/93, juntamente com os juizados especiais cíveis, tendo com-petência para o julgamento de recursos cíveis, apenas.

Entretanto, Resolução do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina veio a delegar competência em matéria criminal para os referidos órgãos, alega-damente em violação ao art. 98, I, da Constituição da República.

Salienta que, ainda que se pretenda admitir a competência recursal cri-minal das referidas Turmas, por força da Lei 9.099/95 e da Lei Complementar 77/93 do Estado de Santa Catarina, não estaria incluída nesta competência o processo e julgamento de habeas corpus.

Assim, afirma-se violado o disposto no art. 5º, incisos XXXVII e LII, da Constituição Federal.

O Ministério Público Federal opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso extraordinário (fls. 154-165).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Senhor Presidente, o parecer do Ministério Público bem enfrentou a questão aqui debatida, verbis (fls. 158/165):

No caso em testilha, o ponto central da controvérsia é definir se as Turmas Recursais, instituídas pela Lei Complementar nº 77/93, são competentes para processar e julgar recursos em matéria criminal em decorrência da edição de Resolução da Corte de Justiça de Santa Catarina. Considerando que os Juizados Especiais de Santa Catarina já funcionavam antes da edição da Lei nº 9.099/95, sendo o funcionamento daqueles órgãos, por outro lado, compatível com os ditames da legislação federal, tenho por certo que não há qualquer má-cula na edição de Resolução apenas para complementar os assuntos que ainda não tinham sido tratados pela lei complementar.

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Com efeito, não há que se falar em violação ao princípio do juiz natural, porquanto a referida Resolução foi baixada com o escopo de conferir aplicação imediata às normas mais benéficas da Lei nº 9.099/95. Aliás, tal entendimento se coaduna com a conclusão da Comissão Nacional de Interpretação daquele di-ploma legal, a qual dispôs que observado o disposto no art. 96, II, da Constituição, resolução do Tribunal competente implantará os Juizados Especiais Cíveis e Criminais até que lei estadual disponha sobre o Sistema de que tratam os ar-tigos 93 e 95 da Lei nº 9.099/95.

Ademais, há que se ressaltar que, na espécie, a Lei Complementar Estadual nº 77/93 já havia criado os Juizados Especiais Cíveis e a Resolução nº 06/95 apenas ampliou a competência das Turmas Recursais já existentes para que as mesmas julgassem recursos em matéria criminal nos crimes de menor potencial ofensivo. (...) Nesta senda, há que se diferenciar criação de instalação. Em Santa Catarina, a criação dos Juizados Especiais foi levada a efeito mediante lei complementar, sendo que a única diferença, repito, é que os referidos órgãos já existiam antes da legislação federal, sendo plenamente compatíveis com esta.

Dessarte, devem ser rechaçadas as razões do recorrente, eis que inexiste qualquer eiva apta a ensejar a nulidade do acórdão objurgado, mormente se for considerado que os Juizados Especiais Criminais foram instituídos justamente para favorecer os acusados de praticar crimes de menor potencial ofensivo, pri-mando pelos princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia pro-cessual e celeridade, numa busca incessante pela transação penal. Nesse sentido, colaciono o seguinte precedente do Colendo Superior Tribunal de Justiça:

RHC. Lei 9.099/1995. Instalação. Juizados Especiais Criminais.1. O habeas corpus é remédio para proteção ao direito de ir e vir e não

para discussão academia acerca de eventual inconstitucionalidade de ato normativo que, instalando Juizados Especiais Criminais, em nenhum momento, afeta aquela faculdade, mas, pelo contrário, a prestigia, me-diante aplicação imediata, pelos meios disponíveis, da lex mitior.

2. RHC improvido.(RHC 5822/PR, Rel. Min. Fernando Gonçalves, Sexta Turma, publicado no

DJU de 24.03.1997, pág. 9068).(...)

Efetivamente, o que a Resolução do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina fez foi regulamentar a atuação das Turmas Recursais dos Juizados Especiais Cíveis, que já existiam anteriormente à Lei 9.099/95, por força da Lei Complementar estadual 77/93. Considerando a necessidade de as causas criminais envolvendo crimes de menor potencial ofensivo serem processadas de acordo com o rito da Lei 9.099/95, e tendo em vista que não sobreveio nova lei estadual no prazo definido no art. 95 da Lei dos Juizados, o Tribunal de Justiça, observando os princípios constitucionais e legais que determinaram a criação dos juizados de pequenas causas, declarou que os Juizados Especiais e as Turmas Recursais julgariam também causas criminais, e não apenas cíveis. Deve prevalecer exatamente o que assinalou o órgão a quo, verbis (fl. 98):

Arredo a preliminar suscitada pelo representante do Ministério Público. A estrutura dos Juizados Especiais foi criada pela Lei Complementar nº

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77/93, anterior à Lei n. 9.099/95, tendo sido mantida a competência recursal das Turmas de Recursos, também para os processos criminais de competên-cia dos Juizados Especiais. Já se fixou: “Turma de Recursos. Criação amparada na lei Complementar nº 77/93. Constitucionalidade. Tendo o Estado se antecipado à criação dos Juizados Especiais pela lei 9.099/95, não se deve falar em incons-titucionalidade. Lei anterior que supre eventual lacuna existente. Competência reconhecida.” (5ª TR – Joinville – Apelação Criminal nº 79/01, de Mafra, Relator Juiz Antônio Zoldan da Veiga).

Assim, o Estado de Santa Catarina já possuía lei que criava e estabelecia a competência dos Juizados Especiais, quando da promulgação da Lei 9.099/95. Assim, não faria sentido exigir daquele Estado outra lei para dizer o que já estava dito na Lei 9.099/95. É legítima, assim, a Resolução do Tribunal de Justiça, que pautada nos objetivos da Lei nº 9.099 e com base na já existência dos juizados especiais, regulamentou o julgamento das causas criminais por aqueles órgãos.

Não há de se falar em juízo de exceção ou violação ao princípio do juiz natural. O órgão julgador – Turma de Recursos – já era competente em maté-ria criminal há dez anos (a contar da Lei 9.099, de 1995) quando impetrado o habeas corpus de origem, cuja autuação deu-se em 3-3-05. Assim, amplamente conhecida e reconhecida a existência e competência do órgão, não se pode pre-tender, a esta altura, considerá-lo juízo de exceção. Como já destacado por esta Corte, verbis:

Habeas corpus. Princípio do juiz natural. Relator substituído por Juiz Convocado sem observância de nova distribuição. Precedentes da Corte. 1. O princípio do juiz natural não apenas veda a instituição de tribunais e juízos de exceção, como também impõe que as causas sejam processadas e julgadas pelo órgão jurisdicional previamente determinado a partir de critérios cons-titucionais de repartição taxativa de competência, excluída qualquer alterna-tiva à discricionariedade. (...) não se vislumbra, no ato de designação do Juiz Convocado, nenhum traço de discricionariedade capaz de comprometer a imparcialidade da decisão que veio a ser exarada pelo órgão colegiado com-petente. 5. Habeas corpus denegado.(HC 86.889, Rel. Min. Menezes Direito, DJ de 15-2-08.)

Ora, no caso em análise, também não se pode vislumbrar qualquer dis-cricionariedade. Pelo contrário, a Resolução do Tribunal de Justiça indigitada hauriu-se na Constituição da República, na Lei 9.099/95 e na Lei Complementar estadual 77/93.

Efetivamente, o art. 98, I, da Constituição da República, que se alega vio-lado, permite “a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau”. E a Lei 9.099/95 destacou, em seu art. 82, caput, justamente que a apelação contra a decisão de recebimento da denúncia ou contra a sen-tença proferida pelo juizado especial criminal poderá ser julgada “por turma composta de três Juízes em exercício no primeiro grau de jurisdição, reunidos na sede do Juizado”.

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Assim, inocorrente a violação ao princípio do juiz natural, neste ponto.Por fim, o Recorrente sustenta que, mesmo que se pretenda reconhecer a

competência da Turma de Recursos para o julgamento da apelação em matéria criminal, aí não estaria incluída a competência para o julgamento de habeas corpus, que seria do Tribunal de Justiça.

Especificamente quanto à matéria em discussão neste recurso extraordi-nário, confira-se a decisão proferida por esta Corte no julgamento do HC 82.718 (Rel. Min. Nelson Jobim, DJ de 27-6-03):

(...) O habeas foi impetrado perante o TJMG, contra decisão de Juiz de Direito com jurisdição no Juizado Especial de Guapé/MG.

O Desembargador Relator no TJMG declinou da competência para a Turma Recursal de Passos/MG. Essa declinou da competência para este Tri-bunal, porque o seu Regimento Interno não prevê a competência para julgar habeas corpus.

(...)O fato do Regimento Interno da Turma Recursal de Passos/MG não

incluir o habeas corpus em sua competência não faz com que a mesma se des-loque para este Tribunal.

Há previsão constitucional no sentido de que a competência para exami-nar os recursos das decisões emanadas pelos Juizados Especiais é das Turmas Recursais (CF, art. 98, I).

A Lei que instituiu os Juizados Especiais Criminais regulamentou a competência das Turmas Criminais para julgar os recursos interpostos de decisões proferidas pelos Juizados Especiais (Lei 9.099/95, art. 41, § 1º e § 2º).

(...)Habeas não conhecido.

(Destaquei.)

Como fundamento lateral, ressalto ser amplamente reconhecida por esta Corte a competência das Turmas Recursais para o julgamento de habeas corpus, sendo que a jurisprudência que se firmou é no sentido de que, contra a decisão da Turma Recursal em habeas corpus, cabe a impetração de idêntica medida perante o Tribunal de Justiça, e não mais diretamente nesta Suprema Corte.

Assim, está em consonância com o entendimento deste Tribunal o jul-gamento, pela Turma Recursal, do habeas corpus impetrado contra decisão do Juizado Especial Criminal, como deriva do art. 82 da Lei 9.099/95, c/c o art. 98, I, da Constituição da República. Ademais, no caso em análise, o habeas corpus, impetrado contra a decisão de recebimento da denúncia, é claro substitutivo do recurso de apelação, não havendo qualquer razoabilidade em excluí-lo do alcance do art. 82 da Lei 9.099/95, por não haver diferença entre seus objetos.

Do exposto, conheço do presente recurso extraordinário e nego-lhe provimento.

É como voto.

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EXTRATO DA ATA

RE 463.560/SC — Relator: Ministro Joaquim Barbosa. Recorrente: Mi nis té-rio Público do Estado de Santa Catarina. Recorrido: Golberi Mauro da Luz.

Decisão: A Turma, por votação unânime, conheceu do recurso extraordi-nário, mas lhe negou provimento, nos termos do voto do Relator. Ausente, justi-ficadamente, neste julgamento, a Ministra Ellen Gracie.

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Ausente, justificadamente, a Ministra Ellen Gracie. Subpro cura dor-Geral da República, Dr. Mário José Gisi.

Brasília, 29 de abril de 2008 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

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AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 501.869 — RS

Relator: O Sr. Ministro Eros GrauAgravante: Município de Júlio de Castilhos — Agravados: Angelita

Soares Martins Schneider e outros

Agravo regimental no recurso extraordinário. Concurso pú-blico. Nomeações. Anulação. Devido processo legal. Inobservância.

O Su premo Tribunal Federal fixou jurisprudência no sen-tido de que é necessária a observância do devido processo legal para a anulação de ato administrativo que tenha repercutido no campo de interesses individuais. Precedentes.

Agravo regimental a que se nega provimento.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Se-gunda Turma do Su premo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, negar provimento ao recurso de agravo, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 23 de setembro de 2008 — Eros Grau, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Eros Grau: A decisão agravada tem o seguinte teor:

Decisão: O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul decidiu ser possível a anulação de nomeações realizadas nos últimos cento e oitenta dias da Administração Municipal, nomeações que importem em aumento de despesas; isso por ofensa à lei de responsabilidade fiscal (Lei n. 101/00), sendo prescindível prévio procedimento administrativo (fls. 352/357).

2. Os recorrentes alegam violação do disposto no art. 5º, LV, da Cons tituição do Brasil.

3. A jurisprudência do Su premo é firme no sentido de que “as alegações de desrespeito aos postulados da legalidade, do devido processo legal, da motivação dos atos decisórios, do contraditório, dos limites da coisa julgada e da prestação jurisdicional podem configurar, quando muito, situações de ofensa meramente re-flexa ao texto da Constituição”, circunstância que não viabiliza o acesso à instân-cia extraordinária (AI 238.917-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 20-10-00).

4. Este Tribunal, no entanto, por ocasião do julgamento do RE 158.543, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 6-10-95, fixou o seguinte entendimento:

“Ato administrativo – Repercussões – Presunção de legitimidade – Situação constituída – Interesses contrapostos – Anulação – Contraditório. Tratando-se da anulação de ato administrativo cuja formalização haja

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repercutido no campo de interesses individuais, a anulação não prescinde da observância do contraditório, ou seja, da instauração de processo administra-tivo que enseje a audição daqueles que terão modificada situação já alcançada. Presunção de legitimidade do ato administrativo praticado, que não pode ser afastada unilateralmente, porque é comum à Administração e ao particular”.Dou provimento ao recurso com fundamento no disposto no artigo 557,

§ 1º-A, do CPC.

2. O Agravante alega que “se pode concluir de forma definitiva que não é aplicável o art. 7º, inciso XXIX, e nem o art. 39, § 3º, da Constituição Federal, ao caso objeto do presente recurso, eis que os servidores foram nomeados de forma irregular (nula), não sendo necessário, aplicável ou adequado oportunizar con-traditório e ampla defesa, pois a nulidade dos atos de nomeação se deu de ma-neira formal, independendo, para sua caracterização, de qualquer tipo de prova fática ou material as quais nesse contexto, mostram-se totalmente dispensáveis, desnecessárias e até mesmo impróprias ao procedimento” (fl. 503).

3. Requer o provimento deste agravo regimental.É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Os argumentos deduzidos pelo agra-vante são insuficientes para desconstituir os fundamentos da decisão agravada.

2. Tal e qual demonstrado na decisão que se pretende reformar, o Su premo Tribunal Federal fixou jurisprudência no sentido de que é necessária a obser-vância do devido processo legal para a anulação de ato administrativo que tenha repercutido no campo de interesses individuais. Nesse sentido, caso semelhante ao dos autos, o RE 199.733, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 30-4-99:

Ato administrativo – Repercussões – Presunção de legitimidade – Situação constituída – Interesses contrapostos – Anulação – Contraditório. Tratando-se de ato administrativo cuja formalização haja repercutido no campo de interesses individuais, a anulação não prescinde da observância do contraditório, ou seja, da instauração de processo administrativo que enseje a audição daqueles que terão modificada situação já alcançada. Presunção de legitimidade do ato adminis-trativo praticado, que não pode ser afastada unilateralmente, porque é comum à Administração e ao particular.

Concurso público – Feitura – Aprovação – Nomeação – Posse – Exone-ração – Devido processo legal – Inobservância. Uma vez ocorridos os atos próprios a chegar-se ao exercício de certo cargo público, há de observar-se o devido processo legal para o afastamento de tal quadro. Insubsistência de ato da Administração Pública unilateral e imediato a resultar na exoneração dos concursados sem o atendimento do devido processo legal.(Grifei.)

3. No mesmo sentido, o RE 158.543, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 6-10-95, o RE 211.242, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ de 19-4-01, o RE 351.489-AgR,

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Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 17-3-06, o RE 486.343-AgR, de minha relato-ria, DJ de 28-9-07, entre outros.

Nego provimento ao agravo regimental.

EXTRATO DA ATA

RE 501.869-AgR/RS — Relator: Ministro Eros Grau. Agravante: Municí-pio de Júlio de Castilhos (Advogados: Adílio Oliveira Ribeiro e outros). Agra-vados: Angelita Soares Martins Schneider e outros (Advogada: Joeli Moreira de Mello).

Decisão: A Turma, por votação unânime, negou provimento ao recurso de agravo, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julga-mento, a Ministra Ellen Gracie.

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Minis tros Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Ausente, justificadamente, a Mi-nistra Ellen Gracie. Subpro cura dor-Geral da República, Dr. Wagner Gonçalves.

Brasília, 23 de setembro de 2008 — Carlos Alberto Cantanhede, Coor- denador.

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RECURSO EXTRAORDINÁRIO 563.965 — RN

Relatora: A Sra. Ministra Cármen LúciaRecorrente: Maria Aurélia Morais de Paiva — Recorrido: Estado do Rio

Grande do Norte

Direitos constitucional e administrativo. Estabilidade finan-ceira. Modificação de forma de cálculo da remuneração. Ofensa à garantia constitucional da irredutibilidade da remuneração: ausência. Jurisprudência. Lei Complementar 203/01 do Estado do Rio Grande do Norte: constitucionalidade.

1. O Su premo Tribunal Federal pacificou a sua jurisprudên-cia sobre a constitucionalidade do instituto da estabilidade finan-ceira e sobre a ausência de direito adquirido a regime jurídico.

2. Nesta linha, a Lei Complementar 203/01, do Estado do Rio Grande do Norte, no ponto que alterou a forma de cálculo de gratificações e, conseqüentemente, a composição da remuneração de servidores públicos, não ofende a Constituição da República de 1988, por dar cumprimento ao princípio da irredutibilidade da remuneração.

3. Recurso extraordinário ao qual se nega provimento.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Su-premo Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a Presidência do Ministro Cezar Peluso, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria, conhecer e negar provimento ao recurso extraordinário, nos termos do voto da Relatora. Vencidos os Ministros Marco Aurélio e Carlos Britto. Votou o Presidente, Ministro Cezar Peluso (Vice-Presidente). Ausentes, justificadamente, os Ministros Celso de Mello e, neste julgamento, Gilmar Mendes (Presidente).

Brasília, 11 de fevereiro de 2009 — Cármen Lúcia, Relatora.

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: 1. Recurso extraordinário interposto con-tra acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte proferido nos termos que seguem:

Administrativo e constitucional. Cobrança. Servidora pública estadual aposentada. Magistério. Lei Complementar estadual nº 203/2001. Modificação do cálculo da gratificação que passa de percentagem para valor pecuniário. Possibilidade. Inexistência de redução dos vencimentos. Ausência de infringência ao princípio da irredutibilidade. Inocorrência de direito adquirido à imutabilidade do regime jurídico. Recurso conhecido e provido. Precedentes do STJ e TJRN.

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I – Com a edição da Lei Complementar Estadual nº 203/01, o cálculo de gratificações deixou de ser sobre a forma de percentual, incidente sobre o venci-mento, para ser transformado em valores pecuniários, correspondentes ao valor da gratificação do mês anterior à publicação da lei.

II – O servidor público não tem direito adquirido a regime jurídico. Prece-dente do STJ.(Fl. 256.)

Tem-se no voto do Relator do acórdão recorrido:

Da análise dos autos percebo que a parte apelada é aposentada e vinha recebendo as gratificações supra mencionadas, sendo estas calculadas no percen-tual sobre o vencimento-base e que, após a promulgação da Lei Complementar nº 203/2001, teve a forma de cálculo modificada para estabelecer o valor pecuniário correspondente ao mês anterior à publicação da norma legal.

Ou seja, a gratificação que era calculada em percentagem sobre o valor do vencimento da servidora, foi fixada no quantum correspondente ao valor da grati-ficação do mês anterior à publicação da lei. Assim sendo, não vislumbro nenhuma redução salarial, pois o valor correspondente à gratificação continua sendo pago.

Para melhor esclarecer faz-se necessário transcrever os artigos 1º e 5º da Lei Complementar nº 203/2001, a saber:

“Art. 1º Os adicionais e gratificações atribuídos aos servidores ina-tivos, do Poder Executivo, compreendendo a Administração direta, autár-quica e fundacional, representados e calculados em forma de percentual incidente sobre o vencimento (art. 53 da Lei Complementar nº 122, de 30 de junho de 1994) ficam transformados, com as exceções previstas nesta Lei, nos valores pecuniários equivalentes, constantes dos contracheques relativos ao mês imediatamente anterior ao da publicação da presente Lei.”

“Art. 5º Os valores pecuniários correspondentes aos adicionais e gra-tificações, cuja forma de cálculo e pagamento foi transformada nos termos do art. 1º desta Lei, poderão ser majorados mediante lei ordinária.”A meu ver, não houve nenhuma redução dos vencimentos da aposentada

apelada, mas tão somente a modificação do cálculo da gratificação, o que é per-mitido legalmente.

Com relação ao Regime Jurídico, é pacífico o entendimento na doutrina e jurisprudência de que não há direito adquirido à permanência indefinida de uma mesma disciplina legal sobre determinada matéria.

(...)No direito constitucional e administrativo, o exemplo mais típico é o da re-

lação entre o servidor e a entidade estatal à qual se vincula. O fato de haver ingres-sado no Serviço Público sob a vigência de determinadas regras não assegura ao servidor o direito à sua imutabilidade. Embora a jurisprudência seja casuística na matéria, é corrente a afirmação de que há Regime Jurídico – e, conseqüentemente, não há direito adquirido – quando determinada relação decorre da lei, e não de um ato de vontade das partes, a exemplo do contrato.

É pacífica a jurisprudência dos tribunais superiores quanto à inexistência de direito adquirido a regime jurídico por parte dos Servidores Públicos ocupantes de cargo público. Diz-se, nestes casos, que a relação jurídica que o servidor mantém com o Estado é legal ou estatutária, ou seja, objetiva, impessoal e unilateralmente alterável pelo Poder Público. A disciplina geral da função pública é considerada

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inapropriável pelo servidor público e, portanto, tida como sujeita a modificação com eficácia imediata tanto no plano constitucional quanto infraconstitucional.(Fls. 259-262.)

2. A Recorrente interpôs recurso extraordinário em 30-7-07 e, após desen-volver preliminar sobre a repercussão geral da questão constitucional, relata o que segue:

Demonstramos na inicial que todos os percentuais sempre foram calculados sobre o valor do salário base (fato que se prova pelos contracheques inclusos). O artigo 53 da Lei Complementar nº 112 de 30 de junho de 1994 (Lei Estadual), que regulamenta o regime jurídico dos Servidores Públicos Civis prevê:

“Vencimento é o valor certo, fixado em lei, como retribuição pelo exercício de cargo público”A Gratificação Adicional por Tempo de Serviço (ADST) de 30%, foi con-

cedida com fundamento no art. 75, parágrafo único, da Lei Complementar n. 122, de 30 de junho de 1994 (Lei Estadual) que assim dispõe:

“O adicional por tempo de serviço é devido à razão de 5% (cinco por cento) por qüinqüênio de serviço público efetivo, até o limite de 07 (sete) qüin-qüênios, incidindo sobre o vencimento que se refere o art. 53, acrescido, se for o caso, da representação prevista no art. 68, observado o disposto no art. 117, § 3º.

Parágrafo único. O servidor faz jus ao adicional a partir do mês em que completar o qüinqüênio.”A gratificação de título ou aperfeiçoamento, especialização e atualiza-

ção profissionais de 5% é prevista nos seguintes dispositivos da Lei Complemen-tar nº 049 de 22 de outubro de 1986, que dispõe sobre o Estatuto do Magistério Público de 1º e 2º graus e dá outras providências:

“Art. 61. O Professor e o Especialista de Educação fazem jus, além das vantagens previstas no Estatuto dos Funcionários Civis do Rio Grande do Norte, às seguintes vantagens pecuniárias especiais:

IV – Percentual de aperfeiçoamento, especialização e atualizações profissionais.

Art. 64. A gratificação de que trata o inciso IV do artigo 61 é con-cedida aos portadores de cursos de aperfeiçoamento, especialização ou atualização, nos percentuais de 5%, 10% e 15%, incidentes sobre o venci-mento-base do cargo e correspondentes à duração dos cursos, que devem somar um total igual ou superior a 180, 360 e 720 horas, respectivamente.”A gratificação de exercício em sala de aula (GESA) foi concedida no percen-

tual de 145% (cento e quarenta e cinco por cento), com fundamento no artigo 1º, da Lei Complementar n. 134, de 22 de junho de 1995 (Lei Estadual), vejamos:

“Art. 1º A Gratificação de Exercício em sala de aula, instituída pela Lei Complementar nº 079, de 26 de abril de 1990, e alterada pela Lei Complementar nº 114, de 20 setembro de 1993, passa a ser atribuído como limite máximo mensal o percentual de 145% (cento e quarenta e cinco por cento), incidente sobre o salário básico dos cargos de Professor e de Especialista de Educação, a partir do mês de maio de 1995.”No tocante ao direito de receber a gratificação de exercício em sala de aula

(145%) sobre os vencimentos, como já alhures aduzido, esta se encontra amparada no artigo 29, § 5º da Constituição Estadual do Rio Grande do Norte e no art. 1º da Lei Complementar nº 134 de 22 de junho de 1995, in verbis:

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“Os proventos da aposentadoria dos servidores da administração pública direta, autárquica e das fundações públicas são revistos, na mesma proporção e na mesma data, sempre que se modificar a remuneração dos servidores em atividade, sendo também estendidos aos inativos quaisquer benefícios ou vantagens posteriormente concedidos aos servidores em ati-vidade, inclusive quando decorrentes de transformação ou reclassificação do cargo ou função em que se deu a aposentadoria, na forma da lei.”Art. 1º A Gratificação de Exercício em sala de aula, instituída pela Lei

Complementar nº 079, de 26 de abril de 1990, e alterada pela Lei Complementar nº 114, de 20 de setembro de 1993, passa a ser atribuído como limite máximo mensal o percentual de 145% (cento e quarenta e cinco por cento), incidente sobre o salá-rio básico dos cargos de Professor e de Especialista de Educação, a partir do mês de maio de 1995.

Desta forma as gratificações e adicionais de caráter permanente são calcu-lados sobre os vencimentos, conforme previsão legal as quais foram transcritas.

Em 5 de outubro de 2001 o Governo do Estado do Rio Grande do Norte sancionou a Lei Complementar nº 203 que entre outros transformou as gratifi-cações pagas em percentuais em valor pecuniário e posteriormente no dia 26 de outubro de 2001, através da Lei Complementar 206, deu um aumento de 20% (vinte por cento) sobre a Gratificação de Exercício em Sala de Aula (GESA), após a sua transformação em valor pecuniário. Conforme art. 1º e 2º das leis citadas e já transcritos na peça contestatória. Manobra que a princípio nos leva crê que não houve redução, no entanto a partir do momento que a recorrente deixa de receber suas gratificações com base nos vencimentos, e o Estado incorpora o abono ao provento e congela aquelas, fica mais do que claro a redução. Veja que as gratifica-ções eram pagas com base nos proventos e existia um abono como forma de com-plementação salarial. Ora se eu incorporo o abono e congelo as gratificações com base nos proventos anteriores à incorporação, claro e evidente que há redução.

Ocorre Excelências que a recorrente adquiriu o seu tempo de aposentadoria e teve sua respectiva publicação, antes da entrada em vigor das leis que operaram a mudança nas gratificações em forma de percentuais para valor pecuniário. A pu-blicação da aposentadoria por tempo de serviço se deu no dia 06 de abril de 1995, no cargo de Supervisor Pedagógico SP-2, nível “J”, carga horária de 40 (quarenta) horas semanais, do Quadro Geral de Pessoal do Estado – Secretaria de Educação, Cultura e Desportos. Note-SE 06 de abril de 1995, enquanto as leis são posterio-res, mais precisamente outubro de 2001.

A recorrente tem claramente o direito adquirido de receber sua aposenta-doria de conformidade com a publicação no Diário Oficial do Estado e conforme transcrevemos.(Fls. 270-272, grifos no original.)

3. O Recorrido apresentou contra-razões (fls. 282-291).4. Admitido o recurso extraordinário, os autos chegaram ao Su premo

Tribunal Federal em 18-9-07.No dia 29-2-08, submeti estes e outros quinze casos, todos idênticos na

matéria, à análise de repercussão geral. Manifestei-me, naquela oportunidade, pela recusa dos recursos extraordinários e sustentei tese de que não haveria que se dar início ao procedimento da repercussão geral sempre que o acórdão

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recorrido estivesse de acordo com a súmula ou com a jurisprudência dominante do Su premo Tribunal Federal. Fiquei vencida naquela e em outras oportunida-des (RE 467.454, Rel. Min. Carlos Britto, e nos RE 579.431-QO, RE 580.108-QO e RE 582.650-QO, todos de relatoria da Min. Ellen Gracie), embora o Su premo Tribunal viesse adotar a tese no julgamento do RE 576.121, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski.

Em 20-3-08, o Su premo Tribunal concluiu pela existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada no recurso extraordinário, tendo sido aberta vista à Pro cura doria-Geral da República em 8-7-08.

5. O Subpro cura dor-Geral da República Roberto Monteiro Gurgel Santos opinou pelo não-conhecimento do recurso extraordinário e, se conhecido, pelo seu não-provimento.

Sustentou que “não está caracterizada a ofensa direta e frontal aos dispo-sitivos constitucionais invocados, sendo certo que o acórdão recorrido decidiu a controvérsia com base em legislação infraconstitucional e firme entendimento dessa Corte Suprema considera descabido recurso extraordinário fundado em alegação de ofensa reflexa a norma constitucional” (fl. 321).

No mérito, todavia, o Ministério Público Federal entende que o acórdão recorrido estaria de acordo com a jurisprudência do Su premo Tribunal Federal, razão pela qual não deveria ser provido.

Os autos vieram-me conclusos em 3-9-08.É o relatório, cuja cópia deverá ser encaminhada a cada um dos Ministros

do Su premo Tribunal Federal (art. 9º da Lei 9.868/1999 c/c o art. 87, inciso I, do Regimento Interno do Su premo Tribunal Federal).

VOTO

A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora): 1. A questão posta à apreciação do Su premo Tribunal Federal traz debate que se iniciou nos primeiros anos de vigência da Constituição da República de 1988 e intensificou-se com as refor-mas administrativas levadas a efeito na década de 1990.

Trata-se do instituto apelidado pela jurisprudência de estabilidade finan-ceira, adotada pelo direito administrativo antes mesmo do sistema constitucio-nal de 1988. Entretanto, apenas com o advento deste é que passou a ser objeto de discussões judiciais, sob alegação de choque entre a vedação de vinculação entre acréscimos pecuniários à remuneração de servidores públicos e a garantia da irredutibilidade da remuneração, conforme, respectivamente, os incisos XIV e XV do art. 37 da Constituição da República.

2. O Su premo Tribunal inicialmente examinou a estabilidade financeira tendo em vista o extinto instituto da agregação (também chamado apostila-mento em algumas legislações), que consistia na manutenção dos valores de-vidos a servidor que exercia, por determinado período, cargo em comissão.

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Mesmo após a saída desse cargo, mantinha ele tais valores que se somavam aos que lhe eram devidos por força de provimento de cargo efetivo. Quer dizer: o servidor continuava a perceber valores remuneratórios que lhe eram devidos por ter exercido, durante certo período, o cargo em comissão, e não o que lhe corres-ponderia pelo cargo de provimento efetivo de que era titular.

Para registrar a evolução histórica do instituto na jurisprudência do Su-premo Tribunal Federal, cabe transcrever parte do voto proferido pelo Ministro Moreira Alves no julgamento do RE 88.896, Plenário, DJ de 15-8-80:

Reza o art. 1º do Ato Institucional 8/69:“Art. 1º Fica atribuída ao Poder Executivo dos Estados, do Distrito

Federal e dos Municípios de população superior a duzentos mil habitantes, competência para realizar, por Decreto, a respectiva reforma administrativa, observados os princípios fundamentais adotados para a Administração Federal.

Parágrafo único. A implantação da reforma administrativa não deter-minará aumento nas despesas de custeio de pessoal.”Anteriormente, em 25-2-67, o Decreto-Lei federal 200, depois de no Título II

(“Dos princípios fundamentais”) ter estabelecido (...) os princípios fundamentais da Administração Federal, preceituou, no capítulo II do Título XI, o seguinte (art. 109):

“Art. 109. Fica revogada a legislação que permite a agregação de funcionários em cargos em comissão e em funções gratificadas, mantidos os direitos daqueles que, na data deste Decreto-lei, hajam completado as condições estipuladas em lei para a agregação, e não manifestem, expressa-mente, o desejo de retornarem aos cargos de origem.

Parágrafo único. Todo agregado é obrigado a prestar serviços sob pena de suspensão dos seus vencimentos”.Esse art. 109 do Decreto-Lei 200 revogou, assim, o sistema de agregação es-

tabelecido, no plano federal, pelo art. 60 da Lei 3.780, de 12-7-60, o qual dispunha:“Os funcionários que, por força da Lei nº 1.741, de 22-11-52, tiverem

assegurados vencimentos de cargos em comissão, ficarão enquadrados nos novos símbolos correspondentes a denominação desses cargos e agregados aos respectivos quadros, considerando-se vagos automaticamente, para efeito de provimento, os cargos efetivos de que são titulares”E revogou também, por via de conseqüência, o art. 1º da Lei 1.741, de 22-11-

52, que não havia estabelecido a agregação, limitando-se à estabilidade financeira do funcionário e ao direito a ser aproveitado em cargo equivalente ao que lhe dera aquela estabilidade (“Ao ocupante de cargo de caráter permanente e de provi-mento em comissão, quando afastado dele, depois de mais de dez anos de exercí-cio ininterrupto, é assegurado o direito de continuar a perceber o vencimento do mesmo cargo, até ser aproveitado em outro equivalente”). E revogou esse artigo, por via de conseqüência, porque ele, com o advento do art. 60 da Lei 3.780 (que estabeleceu a agregação), passou a integrar a legislação federal da agregação, e isso porque era ele que estabelecia o requisito (primeira parte do art. 60 da Lei 3.780) cuja conseqüência necessária era a agregação.

Ora, ainda que se admita, como o admitiram os RE 78.537 e RE 79.467, que o art. 109 do Decreto-Lei 200 encerre princípio fundamental da Administração Federal a ser observado pelos Estados-membros por determinação do A.I. 8/69 (...), surge (...) esta indagação: a vantagem atribuída pelo art. 22 da Lei estadual 5.945/72 se consubstancia em agregação, ou diz respeito, inevitavelmente, a ela?

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Tenho que não.Com efeito, a citada Lei estadual, em seu caput e em seu § 3º (que são os

dispositivos ora discutidos), reza:“Art. 22. Ao funcionário público, ocupante de cargo de provimento

em comissão ou função gratificada, que após 10 anos de exercício conse-cutivos ou não, dele for afastado, sem ser a pedido ou penalidade, ou se aposentar, fica assegurado o direito de continuar percebendo o vencimento do cargo ou função.

§ 3º Ficam ressalvados os direitos dos atuais ocupantes de cargo em comissão quanto ao tempo de exercício para a obtenção do benefício a que se refere o art. 10, da Lei 4.185, de 30-5-66, equiparando-se para efeito do disposto neste parágrafo a função gratificada ao cargo em comissão.”

E a Lei 4.185, no art. 10 acima referido, dispõe:“Ao funcionário público, ocupante de cargo de provimento em comis-

são, que após quatro (4) anos de exercício, dele for afastado nos termos da letra b do art. 106 da Lei 869, de 5.7.52, ou se aposentar, fica assegurado o direito de continuar percebendo o vencimento do mesmo cargo”.Como se vê, nessa legislação estadual não se estabelece a agregação que

era prevista na legislação federal revogada pelo art. 109 do Decreto-Lei 200, e que se caracteriza, como ocorre com o instituto da agregação em nosso direito administrativo – assim com relação a diplomatas e a militares – pela colocação do funcionário em quadro suplementar, desligando-o do cargo efetivo de que era ti-tular, cargo esse que passa a ser considerado vago para efeito de novo provimento. Essa legislação estadual, aliás, não estabelece sequer – como determinava o art. 1º, parte final, da Lei Federal 1.741 – o aproveitamento do beneficiário da denominada estabilidade financeira em cargo equivalente ao de que decorrera essa estabilidade.

Na realidade, o que a Lei estadual 5.945/72 fez foi assegurar, indiferente-mente, a servidores da atividade e da inatividade, a vantagem que o Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União (Lei 1.711/52) assegurava – e continua as-segurando, pois não foi revogado sequer pelo art. 109 do Decreto-Lei 200 – aos inativos, em seu artigo 180, letras a e b, parte inicial:

“Art. 180. O funcionário que contar mais de 35 anos de serviço pú-blico será aposentado:

a) com as vantagens da comissão ou função gratificada em cujo exer-cício se achar, desde que o exercício abranja, sem interrupção, os cinco anos anteriores;

b) com idênticas vantagens, desde que o exercício do cargo em comis-são ou da função gratificada tenha compreendido um período de dez anos, consecutivos ou não, (...)” (as palavras finais foram revogadas pelo princípio constitucional que veda a percepção de proventos que excedam a remunera-ção percebida na atividade).Trata-se de vantagem denominada, geralmente, estabilidade financeira que

não se confunde com o instituto da agregação, tanto que pode existir independen-temente deste, como sucede no caso de inativo e na hipótese prevista em leis es-taduais como a presente, em que o funcionário continua a ser titular de seu cargo efetivo, exercendo-o normalmente, mas com a vantagem de perceber (pela figura da “estabilidade financeira”) os vencimentos de cargo em comissão anteriormente por ele ocupado.

Não há, pois, incompatibilidade entre norma que assegura apenas a “estabi-lidade financeira” e norma federal que revogue legislação concernente a agregação

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em cargo de vencimentos superiores aos do cargo efetivo, desvinculando-se o fun-cionário deste, para efeito de ser considerado vago, possibilitando novo provimento.

3. Esse tipo de benefício, ou seja, a incorporação de valores correspon-dentes ao exercício de função ou cargo comissionado, sem desligamento do cargo efetivo ocupado pelo servidor público, persistiu mesmo com o advento da Constituição de 1988, e reafirmou o Su premo Tribunal a sua constitucionalidade em outros julgamentos, como na ADI 1.264-MC, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 30-6-95, segundo o qual:

O instituto da denominada “estabilidade financeira” – que garante a ser-vidor efetivo, após determinado tempo de exercício de cargo em comissão ou assemelhado – a continuidade da percepção dos vencimentos dele, ou melhor, da diferença entre estes e o seu cargo efetivo –, constitui vantagem pessoal (RE 141.788, Pertence, 6-5-93), que, embora tenha por base a remuneração de cargo diverso daquele que o servidor ocupa em caráter efetivo, não constitui a vinculação vedada pelo art. 37, XIII, da Constituição.

Esse julgamento foi confirmado pelo Plenário do Su premo Tribunal Federal no momento do exame definitivo da ação direta, em 29-11-07, oportu-nidade na qual afirmei que a estabilidade financeira consiste em “previsão legal que não iguala ou equipara vencimentos, apenas reconhece o direito dos que exerceram cargos ou funções comissionadas por certo período de tempo em continuar percebendo esses valores como vantagem pessoal”.

4. A União, o Distrito Federal e a grande maioria dos Estados e Municípios acolhem aquele instituto em suas respectivas legislações.

Esse quadro foi alterado apenas à medida que o número de servidores pú-blicos beneficiários do instituto aumentou em excesso, como resultado de fato-res diversos, entre eles interpretações que surgiram e facilitaram a incorporação de parcelas e várias distorções no serviço público, como, por exemplo, rodízios anuais de funções e cargos comissionados, de modo a que todos os servidores lotados em determinado órgão administrativo tivessem a oportunidade de in-corporar uma parcela, ao menos, a suas respectivas remunerações.

A estabilidade financeira, portanto, foi extinta na União e em outras uni-dades federadas, embora em momentos distintos, havendo apenas os efeitos financeiros decorrentes daquele instituto.

Na União, a extinção da estabilidade financeira não gerou maiores trans-tornos pela transformação das parcelas incorporadas em vantagem pessoal, desvinculando-as, portanto, da função ou do cargo comissionado ocupado an-teriormente pelo servidor público. Tal tranqüilidade não se repetiu, entretanto, nos Estados-membros.

5. São reiterados, na jurisprudência do Su premo Tribunal Federal, os julgamentos relativos a alguns dos entes federados, como, por exemplo, Santa Catarina e Pernambuco, como se vê das seguintes decisões:

Servidor público estadual: “estabilidade financeira”: é legítimo que por lei superveniente, sem ofensa a direito adquirido, o cálculo da vantagem seja

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desvinculado, para o futuro, dos vencimentos do cargo em comissão outrora o cupa - do pelo servidor, passando a quantia a ela correspondente a ser reajustada segundo os critérios das revisões gerais de remuneração do funcionalismo. Ademais, não havendo “decesso de remuneração”, não cabe a invocação da garantia da irreduti-bilidade de vencimentos. Precedentes: SS 844, Pertence, DJ de 1º-2-96.(RE 233.958, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Pri meira Turma, DJ de 17-9-99.)

“Estabilidade financeira”: inexistência de direito adquirido de servidores ativos e inativos à permanência do regime legal de reajuste de vantagem corres-pondente.

1. Pacífico no STF a inexistência de conflito entre a chamada “estabilidade financeira” e o art. 37, XIII, CF, que proíbe vinculação entre vencimentos (cf. precedentes citados), daí não se segue, contudo, o direito adquirido do servidor beneficiário da vantagem à preservação do regime legal de atrelamento do valor dela ao vencimento do respectivo cargo em comissão: donde a legitimidade e a aplicabilidade imediata da lei que desvincule o reajuste futuro da vantagem àque-les vencimentos do cargo em comissão, submetendo-a aos critérios das revisões gerais dos vencimentos do funcionalismo.

2. Nessa hipótese, o paradigma do inativo aposentado com a “estabilidade financeira”, para os efeitos do art. 40, § 4º, da CF, não é o ocupante atual do res-pectivo cargo em comissão, mas sim o servidor efetivo igualmente beneficiário, na ativa, da vantagem decorrente do exercício anterior dele.

3. Dada a garantia de irredutibilidade, da alteração do regime legal de cál-culo ou reajuste de vencimentos ou vantagens funcionais jamais poderá ocorrer a diminuição do quanto já percebido conforme o regime anterior, não obstante a ausência de direito adquirido à sua preservação.(RE 226.462, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Plenário, DJ de 25-5-01.)

No mesmo sentido, entre vários outros, SS 761-AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 22-3-96; SS 844-AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 13-9-96; RE 193.810, Rel. Min. Moreira Alves, Pri meira Turma, DJ de 6-6-97; RE 303.673, Rel. Min. Moreira Alves, Pri meira Turma, DJ de 14-6-02; SS 2.222-AgR-ED-AgR, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 12-3-04; RE 423.886-AgR, Rel. Min. Carlos Velloso, Se gunda Turma, DJ de 27-8-04; RE 233.413-AgR, Rel. Min. Eros Grau, Pri meira Turma, DJ de 22-4-05; RE 446.767-AgR, Rel. Min. Carlos Britto, Pri meira Turma, DJ de 3-3-06; RE 191.476-AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Pri meira Turma, DJ de 30-6-06.

6. No caso dos autos, apesar de não se tratar de modificação da forma de cálculo de parcelas de funções ou cargos comissionados incorporadas por ser-vidores públicos, tem plena aplicação a jurisprudência construída pelo Su premo Tribunal Federal sobre a estabilidade financeira, que consiste, basicamente, na ausência de direito adquirido à forma de cálculo da remuneração, desde que res-peitado o princípio constitucional da irredutibilidade de vencimentos.

Antes de passar à análise dos dados havidos na espécie em pauta, rea-firmo a jurisprudência do Su premo Tribunal, posta em destaque no julgamento do RE 226.462, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, segundo a qual não

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desobedece a legislação infraconstitucional, federal ou local, a análise de leis em questões que envolvam direito intertemporal, o que invariavelmente ocorre quando se discute a garantia constitucional do direito adquirido haurido da vertente cons-titucional. Observou o Ministro Sepúlveda Pertence naquela oportunidade:

Senhor Presidente, como Relator vejo-me obrigado a breves palavras sobre a irrogação de que estaríamos – em primeiro lugar o meu próprio voto – a substi-tuir o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, na medida em que nos puséramos a verificar ou estabelecer o alcance de uma lei local, e, com isso, sendo incoerentes com o bordão, que repetimos algumas centenas de vezes a cada dia, de que ofensa à Constituição, que dá margem ao recurso extraordinário, há de ser direta e imediata.

Senhor Presidente, esse bordão é real, mas tem alcance limitado: refere-se aos recursos extraordinários, pela letra a, em que se alega que determinada de-cisão, ou certo ato público ou privado, contraria a Constituição, porque, primeiro, violou a lei e, por fazê-lo, ofendeu a Constituição: é afirmativa comum à juris-prudência de todas as Cortes constitucionais que se recusam a esse exame da chamada inconstitucionalidade mediata por violação de norma interposta, como dizem os juristas italianos (v.g., G. Zagrebelsky, La Giustizia Costituzionele, Bologna, 1977, p. 57).

Mas há duas situações, pelo menos, em que, data venia, não é possível exer-cer a nossa função de “guarda da Constituição” sem primeiro interpretar a lei local.

A primeira é a mais conspícua, mais iminente, das nossas funções constitu-cionais, o controle da constitucionalidade da lei, seja ela federal ou local: não se declara inconstitucional ou constitucional uma lei sem entendê-la.

A segunda é que estamos praticando: recordo com saudade as lições aqui dadas a esse propósito, com a elegância de estilo que legou ao filho, pelo Ministro Luiz Gallotti, a mostrar que não é questão de direito local a solução dos chamados conflitos no tempo de leis locais, dada a garantia constitucional da proteção do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada, contra a lei superve-niente: são questões cuja solução igualmente pressupõe que se entenda e se deter-mine o alcance das leis postas em confronto, ou não se poderá dizer da existência ou da inexistência de retroatividade vedada.

7. No caso em foco, a remuneração dos professores do Estado do Rio Gran- de do Norte compunha-se do vencimento básico e dos seguintes percentuais:

a) Adicional por tempo de serviço, “devido à razão de 5% (cinco por cento) por quinquênio de serviço público efetivo, até o limite de 07 (sete) quin-quênios, incidindo sobre o vencimento” básico (art. 75 da Lei Complementar estadual 122/94). Essa parcela era individual e, portanto, dependia da situação de cada professor;

b) Gratificação de aperfeiçoamento, especialização e atualização profis-sionais, “concedida aos portadores de cursos de aperfeiçoamento, especiali-zação ou atualização, nos percentuais de 5%, 10% e 15%, incidentes sobre o vencimento-base do cargo e correspondentes à duração dos cursos, que devem somar um total igual ou superior a 180, 360 e 720 horas, respectivamente” (arts. 61, inciso IV, e 64 da Lei Complementar estadual 49/86). Parcela que tam-bém tinha natureza individual;

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c) Gratificação de exercício em sala de aula, atribuída “como limite má-ximo mensal o percentual de 145% (cento e quarenta e cinco por cento), inci-dente sobre o salário básico dos cargos de Professor e de Especialista de Educa-ção”, cuja concessão dependia da “comprovação da atuação dos Professores e Especialistas de Educação em atividades pedagógicas vinculadas à sala de aula” (art. 1º da Lei Complementar estadual 134/95).

Em 2001, o Estado do Rio Grande do Norte publicou a Lei Complementar 203, destacando-se em seus arts. 1º e 5º:

“Art. 1º Os adicionais e gratificações atribuídos aos servidores públicos e aos militares estaduais, ativos e inativos, do Poder Executivo, compreendendo a Administração Direta, autárquica e fundacional, representados e calculados em forma de percentual incidente sobre o vencimento (art. 53 da Lei Complementar n. 122, de 30 de junho de 1994), ficam transformados, com as exceções previstas nesta Lei, nos valores pecuniários equivalentes, constantes dos contracheques re-lativos aos mês imediatamente anterior ao da publicação da presente Lei.”

“Art. 5º Os valores pecuniários correspondentes aos adicionais e gratifica-ções, cuja forma de cálculo e pagamento foi transformada nos termos do art. 1º desta Lei, poderão ser majorados mediante lei ordinária.

Parágrafo único. Os índices da revisão geral da remuneração dos servidores públicos serão obrigatoriamente aplicados aos adicionais e gratificações que pas-sam a ser representados por valores pecuniários, nos termos desta Lei.”

Os dispositivos legais revelam ter sido preservado o montante percebido pela Recorrente, ou seja, não ter havido redução da sua remuneração, o que foi confirmado pelo acórdão recorrido. Houve, inclusive, expressa garantia de que “os índices da revisão geral da remuneração dos servidores públicos serão obri-gatoriamente aplicados aos adicionais e gratificações que passam a ser repre-sentados por valores pecuniários”, conforme exige a jurisprudência do Su premo Tribunal Federal.

8. Não houve, portanto, no caso, qualquer ofensa à garantia de irredutibilidade da remuneração ou de proventos e não há, na linha da jurisprudência do Su premo Tribunal Federal, direito adquirido à manutenção à forma de cálculo da remune-ração, o que importaria em direito adquirido a regime jurídico, razão pela qual, penso, o acórdão recorrido não está a merecer reforma, havendo de ser mantido.

9. Pelo exposto, conheço do recurso extraordinário para negar-lhe pro-vimento, mantendo o acórdão recorrido.

VOTO

O Sr. Ministro Menezes Direito: Senhor Presidente, se a Pro cura doria arguiu uma preliminar de não-conhecimento, que, creio, a Ministra Cármen Lúcia já repeliu e, na realidade, eu tenho entendido que, quando a Corte reco-nhece a repercussão geral, ela passa a enfrentar a questão jurídica que foi posta. E o que nós estamos fazendo hoje é exatamente enfrentar a questão jurídica que foi posta. No caso, saber se existe ou não estratificação das pensões no tocante à modificação de lei posteriormente.

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A Ministra Cármen Lúcia, num voto belo, como sempre, disse claramente que a nossa jurisprudência só encontra uma limitação: é que não pode haver decesso. Mantido o global da remuneração, como no caso foi mantido expressa-mente por dispositivo legal, não há falar em violação de princípio constitucional ou de dispositivo constitucional que possa impedir essa alteração.

Então, acompanho S. Exa. Conheço e nego provimento.

VOTO

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhor Presidente, também acom-panho a eminente Ministra Relatora, louvando-lhe o belíssimo voto.

Consta inclusive do acórdão recorrido que a servidora recorrente, ex-inte-grante do magistério estadual, não sofreu qualquer redução em seus proventos. E da Tribuna também foi demonstrado esse fato documentalmente – evidente-mente, a palavra do advogado tem fé pública. Houve apenas uma alteração na forma de cálculo dos proventos: eliminaram-se os percentuais, e eles encontraram expressão agora em pecúnia. A atualização anual é feita em conformidade com a atualização geral dos vencimentos de todos os servidores públicos estaduais.

Não vejo, portanto, ofensa ao princípio da irredutibilidade dos vencimen-tos nem ao direito adquirido, mesmo porque o servidor público não tem direito a uma determinada fórmula de cálculo de seus vencimentos.

Acompanho, assim, integralmente o belo voto da Relatora.

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhor Presidente, ouvi atentamente o voto da eminente Relatora, rigorosamente na linha da jurisprudência consolidada da Casa, mas tenho extrema dificuldade para absorver a tese.

De fato, quando a Constituição fala de vencimento e de remuneração, pa-rece-me que quis mesmo fazer a distinção entre um vencimento-base – como se diz tradicionalmente – e acréscimos estipendiários, que vigoram paralelamente a ele, de modo a compor a remuneração do servidor.

O nome “vencimento-base” é auto-explicativo. Ele é base para cálculo de outras gratificações, não todas. Se a lei cria uma vantagem e a atrela ao venci-mento-base, tendo sempre a entender – a lei não estava obrigada a fazer isso; podia criar uma vantagem estipendiária a latere do vencimento-base – que, se a lei faz isso, não pode mais recuar.

Prometo trazer um voto, em outra oportunidade, mais bem-elaborado. Neste momento, porém, peço vênia para divergir e dou provimento ao recurso.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, indago à Relatora qual defeito do extraordinário teria ficado suplantado com a admissibilidade da repercussão geral.

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A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora): Por que me manifestei contra a repercussão, contra o procedimento ou quanto à preliminar do Ministério Público?

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Qual seria a preliminar?A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora): O Ministério Público argüiu que

a matéria seria infraconstitucional porque a decisão administrativa questionada estaria baseada na lei complementar do Estado do Rio Grande do Norte. Por isso mesmo trouxe aquela jurisprudência.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, apenas para firmar convenci-mento, penso que a admissibilidade da repercussão geral não é um bill de inde-nidade quanto a defeitos do extraordinário.

É possível, por exemplo, já que não enfrentamos essa matéria ao nos pro-nunciar, no âmbito da informática, quanto à repercussão, que se admita o insti-tuto no tocante a um recurso inexistente, por não ter o subscritor instrumento de mandato, a procuração. É possível que se admita a repercussão geral levando em conta a falta de oportunidade da demonstração de irresignação, na interposição do recurso. Essas matérias, evidentemente, ficam abertas para a apreciação pelo Colegiado.

A meu ver, não prevalece o que apontado pelo Ministério Público. Faz-se em jogo discussão sobre direito adquirido e tem-se, no acórdão impugnado, os parâmetros da controvérsia, do conflito existente entre o Estado e a aposentada.

Presidente, creio não podermos potencializar a máxima segundo a qual não há direito adquirido a regime jurídico. Há, sim, toda vez que a inobservân-cia do regime repercuta no campo patrimonial do servidor. E, se formos à Lei 8.112/90, lei especial que rege a relação jurídica entre servidor e União, veremos que, no ato da admissão do servidor, é lavrado termo – e ninguém acoimou esse artigo de inconstitucional – do qual constarão direitos e obrigações. E vem a cláusula final a revelar as balizas como inalteráveis por qualquer das partes. O que, evidentemente, é conseqüência do que acabei de dizer: regime jurídico não é uma cláusula fechada, não é algo que se possa empolgar para afastar o re-conhecimento de direito do servidor. Toda vez que a observância do regime ju-rídico novo implicar prejuízo para o servidor, é possível ter-se o reconhecimento desse prejuízo em Juízo e, portanto, a condenação do tomador dos serviços.

O que ocorreu na espécie, Presidente? Aposentou-se a servidora em 1995, considerados certos parâmetros. A aposentadoria não gera, em termos de pen-são, valor absoluto. Quanto à administração pública, o contracheque continua revelando as parcelas que compõem os proventos. Em 2001 – e não houvesse prejuízo patrimonial, não estaríamos aqui a nos defrontar com este processo –, o Estado resolveu alterar, no tocante evidentemente aos servidores da ativa, mas com almejada repercussão também nos proventos dos inativos, os parâmetros da gratificação. E essa alteração veio a ser placitada pela Corte de origem quanto a essa servidora aposentada, segundo o regime todo próprio, seis anos antes.

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Peço vênia, Presidente, para conhecer do recurso e o prover, acolhendo o pleito formulado na inicial, acompanhando, portanto, o Ministro Carlos Ayres Britto no voto proferido.

EXTRATO DA ATA

RE 563.965/RN — Relatora: Ministra Cármen Lúcia. Recorrente: Maria Aurélia Morais de Paiva (Advogada: Clédina Maria Fernandes). Recorrido: Es ta - do do Rio Grande do Norte (Advogado: PGE/RN – José Fernandes Diniz Júnior).

Decisão: O Tribunal, por maioria, negou provimento ao recurso extraor-dinário, contra os votos dos Ministros Carlos Britto e Marco Aurélio. Votou o Presidente, Ministro Cezar Peluso (Vice-Presidente). Não votou o Ministro Gilmar Mendes (Presidente), ante a necessidade de ausentar-se para recepcionar o Presidente da República da Namíbia. Ausente, justificadamente, o Ministro Celso de Mello. Falou pelo recorrido o Dr. Marcone Medeiros.

Presidência do Ministro Gilmar Mendes. Presentes à sessão os Ministros Marco Aurélio, Ellen Gracie, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Eros Grau, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Vice-Pro-cura dor-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos.

Brasília, 11 de fevereiro de 2009 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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RECURSO EXTRAORDINÁRIO 568.377 — RS

Relator: O Sr. Ministro Eros GrauRecorrente: Dirceu Tavares Lima — Recorrida: Fundação Universidade

Federal do Rio Grande – FURG

Recurso extraordinário. Constitucional. EC 20/98, art. 8º, § 5º. Servidor. Tempo trabalhado após completar as exigências para aposentadoria. Contribuição previdenciária. Isenção.

Se o servidor contribuiu para a Previdência Social no pe-ríodo trabalhado além da data em que poderia ter se aposen-tado – o que não fez porque ao tempo do requerimento houve controvérsia a respeito da contagem do tempo de serviço, pos-teriormente dirimida em juízo a favor do servidor –, faz jus à devolução dos valores recolhidos, nos termos da isenção prevista no § 5º do art. 8º da EC 20/98.

Recurso extraordinário conhecido e provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Se-gunda Turma do Su premo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, conhecer do recurso extraordinário e lhe dar provi-mento, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 7 de outubro de 2008 — Eros Grau, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Eros Grau: O Recorrente pleiteia a devolução da contri-buição previdenciária recolhida no período trabalhado além da data em que completou os requisitos para a sua aposentadoria, nos termos do art. 8º, § 5º, da EC 20/98.

2. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria de votos, man-teve o provimento de primeiro grau que julgou improcedente o pedido, adotando o fundamento da sentença: “[n]o que se refere ao pedido de ressarcimento dos valores desnecessariamente recolhidos à Previdência Social, é de se considerar que a contribuição previdenciária vertida decorre da lei. Tratando-se de relação jurídica tributária, a ocorrência do fato gerador – exercício de atividade remune-rada – é o suporte necessário à legalidade da tributação, mesmo que já pudesse, o sujeito passivo, não mais estar a exercê-lo” (fl. 87v.).

3. O Recorrente aponta violação do disposto no art. 8º, § 5º, da EC 20/98 e no art. 40, § 19, da Constituição do Brasil.

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4. O prazo para contra-razões transcorreu sem manifestação da parte recorrida.

5. A Pro cura doria-Geral da República opina pelo conhecimento e provi-mento do recurso (fls. 135-138).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): A alegada violação do disposto no art. 40, § 19, da Constituição do Brasil, além de não ter sido prequestionada, não guarda relação com o conteúdo do aresto recorrido.

2. Não obstante, o recurso merece provimento no que concerne à ofensa do art. 8º, § 5º, da EC 20/98.

3. Leio trecho do parecer elaborado pelo Ministério Público Federal:

(...)04. Com efeito, constituía garantia de status constitucional, anteriormente

ao advento da EC 41, de 19/12/2003, a imunidade para com a contribuição pre-videnciária por parte daqueles que, após completarem o direito à aposentadoria facultativa prevista no artigo 40, § 1º, II, “a” da Carta Maior, viessem a permane-cer no exercício de suas atividades laborais, não podendo o prolongado atraso da administração pública, por mais de 2 (dois) anos, para a apreciação do pedido de averbação de tempo de serviço, reconhecido judicialmente, furtar direito reconhe-cido pelo próprio texto constitucional.

05. Entendeu-se no acórdão recorrido que o princípio da legalidade tributá-ria, que teria motivado o recolhimento das contribuições previdenciárias, obstaria o deferimento da pretensão do recorrente, no que a Corte “a quo” se equivoca, vez que, acaso não houvesse a administração pública retardado na apreciação do pe-dido do recorrente, efetivamente tais descontos não teriam ocorrido, não podendo o recorrente, a toda evidência, sofrer prejuízo em seu direito pela demora do poder público no exame de seu pedido.

06. Cumpre ressaltar que do atraso administrativo resultaram os mesmos efeitos da lei inconstitucional que majora carga tributária, quais sejam, os recolhi-mentos de tributos indevidos, o que dá azo ao ressarcimento do que pago indevi-damente, conforme diversos julgamentos desse Pretório Excelso (...).(Fls. 135-136.)

4. Ao tempo do requerimento para aposentadoria havia controvérsia a respeito da contagem do tempo de serviço, posteriormente dirimida em Juízo, a favor do servidor. Por isso, no período trabalhado além da data em que comple-tou as exigências para aposentar-se, continuou contribuindo regularmente para a previdência.

5. Reconhecido em Juízo que o servidor efetivamente cumpria os requisi-tos para a aposentadoria quando a requereu, faz jus à restituição dos valores que pagou indevidamente, nos termos do disposto no § 5º do art. 8º da EC 20/98, posteriormente revogado pela EC 41/03:

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Art. 8º(...)§ 5º O servidor de que trata este artigo, que, após completar as exigências

para aposentadoria estabelecidas no “caput”, permanecer em atividade, fará jus à isenção da contribuição previdenciária até completar as exigências para aposenta-doria contidas no art. 40, parágrafo 1º, III, “a”, da Constituição Federal.

Dou provimento ao recurso extraordinário, para julgar procedente o pe-dido de ressarcimento dos valores indevidamente recolhidos à Previdência Social. Declaro invertidos os ônus de sucumbência.

EXTRATO DA ATA

RE 568.377/RS — Relator: Ministro Eros Grau. Recorrente: Dirceu Tavares Lima (Advogados: Leandro de Azevedo Bemvenuti e outros). Recor-rida: Fundação Universidade Federal do Rio Grande – FURG (Advogada: Pro-cura doria-Geral Federal).

Decisão: A Turma, por votação unânime, conheceu do recurso extraordi-nário e lhe deu provimento, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificada-mente, neste julgamento, a Ministra Ellen Gracie.

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Ellen Gracie, Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Subpro cura dor-Geral da República, Dr. Mário José Gisi.

Brasília, 7 de outubro de 2008 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

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RECURSO EXTRAORDINÁRIO 579.648 — MG

Relator: O Sr. Ministro Menezes DireitoRelatora para o acórdão: A Sra. Ministra Cármen LúciaRecorrente: Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários

de Belo Horizonte e Região — Recorrida: HSBC Bank Brasil S.A. – Banco Múltiplo

Constitucional. Competência jurisdicional. Justiça do Trabalho x Justiça comum. Ação de interdito proibitório. Mo-vimento grevista. Acesso de funcionários e clientes à agência bancária: “piquete”. Art. 114, inciso II, da Constituição da Re-pública. Jurisprudência do Su premo Tribunal Federal. Compe-tência da Justiça do Trabalho.

1. “A determinação da competência da Justiça do Trabalho não importa que dependa a solução da lide de questões de direito civil” (CJ 6.959), bastando que a questão submetida à apreciação judicial decorra da relação de emprego.

2. Ação de interdito proibitório cuja causa de pedir decorre de movimento grevista, ainda que de forma preventiva.

3. O exercício do direito de greve respeita a relação de em-prego, pelo que a Emenda Constitucional 45/03 incluiu, expressa-mente, na competência da Justiça do Trabalho conhecer e julgar as ações dele decorrentes (art. 114, inciso II, da Constituição da República).

4. Recurso extraordinário conhecido e provido para fixar a competência da Justiça do Trabalho.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Su-premo Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a Presidência do Ministro Gilmar Mendes, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigrá-ficas, por maioria, em dar provimento ao recurso extraordinário, vencido o Ministro Menezes Direito (Relator). Falou, pelo Recorrente, o Dr. José Eymard Loguércio e, pelo Recorrido, a Dra. Patrícia Rios.

Brasília, 10 de setembro de 2008 — Cármen Lúcia, Relatora para o acórdão.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Menezes Direito: O Sindicato dos Empregados em Estabele-cimentos Bancários de Belo Horizonte e Região interpõe recurso extraordinário

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(fls. 238 a 248), com fundamento na alínea a do permissivo constitucional, con-tra acórdão da Décima Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, assim ementado:

Agravo inominado – Decisão monocrática que deu provimento ao agravo de instrumento – Aplicação do § 1º-A do art. 557 do CPC – Jurisprudência dominante do STJ – Interdito proibitório – Livre acesso de funcionários e clientes a agência bancária – Realização de greve – Questão de direito privado e não de natureza trabalhista. O § 1º-A do art. 557 do CPC permite que o relator dê provimento ao re-curso se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com jurisprudência do-minante nos Tribunais Superiores. O STJ já se manifestou diversas vezes a respeito da competência para processar e julgar ação possessória, em que o autor busca garantir o livre acesso de funcionários e clientes às agências bancárias em época de greve, decidindo que ela é da Justiça Comum estadual, inclusive depois da alte-ração da redação do art. 114, II da CF/88 pela Emenda Constitucional n. 45/2004.(Fl. 231.)

O recorrente aponta a tempestividade do recurso e a regularidade do pre-paro, defendendo a existência de repercussão geral do tema versado, isto é, a definição da competência para a apreciação e o julgamento de ação possessória movida contra movimento grevista. No mérito, a tese é a da incompetência abso-luta da Justiça comum com respaldo no art. 114, II, da Constituição da República, de acordo com a redação conferida pela Emenda Constitucional 45/04:

Ausente qualquer rastro de dúvida, o pleito em comento marca discussão que envolve os limites do exercício do direito de greve e, ainda que a incidência do inciso II seja afastada, a inserção da demanda no inciso III é inegável, pois envolve ação entre sindicato e empregador, cuja extensão não fora excepcionada pelo Texto da Lei Maior.(Fl. 243.)

O recorrido apresentou suas contra-razões (fls. 253 a 261), prestigiando a decisão atacada.

A Terceira Vice-Presidência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais ad-mitiu o recurso extraordinário, amparada na decisão proferida pelo eminente Ministro Ricardo Lewandowski no AI 611.670/PR.

A existência de repercussão geral foi reconhecida conforme a decisão de fl. 274:

Ação de interdito proibitório. Acesso de funcionários e clientes à agência bancária fechada em decorrência de movimento grevista. Competência para jul-gamento. Existência de repercussão geral.

Decisão: O Tribunal reconheceu a existência de repercussão geral da ques-tão constitucional suscitada, vencidos os Ministros Celso de Mello, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Não se manifestaram os Ministros Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Ellen Gracie.

É o relatório.

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RELATÓRIO (Aditamento)

O Sr. Ministro Menezes Direito (Relator): Senhor Presidente, eu recebi uma petição pedindo o adiamento, porque houve substituição do advogado; mas o advogado está presente, então, posso desconsiderar esta petição.

Isto aqui é o seguinte, Senhor Presidente: é um recurso extraordinário que é interposto pelo Instituto Nacional de Seguridade Social, com fundamento na letra a, contra um acórdão do Tribunal Superior do Trabalho, que entendeu com-petente a Justiça especializada no que concerne...

O Sr. Advogado: O relatório não é deste caso, Excelência, se me permite.O Sr. Ministro Menezes Direito (Relator): 579.648 é esse. Só se está tro-

cado no número, é o outro, são dois esses aqui. O seu é aquele relativo ao direito de greve?

O Sr. Advogado: Exatamente.O Sr. Ministro Menezes Direito (Relator): Está bem. Então, também faço

de cabeça.Este aqui é o seguinte: é um recurso extraordinário, interposto para saber

a competência da Justiça para o julgamento de interdito proibitório. O que se alega é que a competência, nesses casos, envolve o exercício do direito de greve. Envolvendo o exercício do direito de greve, a competência seria da Justiça do Trabalho e não da Justiça comum.

Em contrapartida, admite-se que, no caso, não existe ainda o exercício do direito de greve em questionamento, como a própria parte recorrida assevera, ao fundamento de que se trataria, apenas, de proteção do patrimônio público; e, por isso, não se estaria diante de questionamento específico sobre o direito de greve.

O recurso foi admitido. Há uma decisão do eminente Ministro Ricardo Lewandowski. Foi também reconhecida a repercussão geral.

E este é o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Menezes Direito (Relator): O recorrido (HSBC Bank Brasil S.A. – Banco Múltiplo) ajuizou ação de interdito proibitório contra o recorrente na 1ª Vara Cível da Comarca de São João Del Rei, Estado de Minas Gerais, em 6-10-05. Afirma ser instituição financeira de abrangência nacional, possuindo agências bancárias por todo o território nacional, o que inclui o Município de São João Del Rei e adjacências, e receia sofrer turbação na posse dessas agên-cias em virtude de movimento do sindicato que, nos últimos cinco anos e na época do dissídio coletivo (meses de setembro e outubro), além da paralisação do serviço, vem “bloqueando a passagem de quem pretende ingressar em tais estabelecimentos” (fl. 22). Sustentando a competência da Justiça comum, pe-diu a expedição de mandado proibitório liminar para que o ora recorrente se

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abstivesse de praticar atos de esbulho e turbação contra a posse da agência bancária localizada naquela comarca e de impedir o ingresso de clientes e fun-cionários à referida agência sob pena de multa diária no valor de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) – (cópia da petição inicial em fls. 20 a 36).

Por decisão de 7-10-05, o Juiz de Direito indeferiu o requerimento liminar por entender que as manifestações ocorrem em frente à agência, não havendo posse direta ou indireta do ora recorrido “sobre os passeios e as ruas das cidades da comarca, local de uso comum do povo” (fl. 69).

Contestou o ora recorrente (fls. 82 a 97), levantando a preliminar de in-competência da Justiça comum, que acabou sendo acolhida, determinando-se o declínio da competência em favor da Justiça do Trabalho (fl. 188). Tal pro-vidência veio a ser cassada por decisão monocrática do Relator do agravo de instrumento interposto pelo ora Recorrido. Foi essa decisão monocrática que se tornou objeto do agravo interposto na Décima Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

O Superior Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de se manifestar so-bre o tema deste recurso no julgamento do CC 34.050-AgR, de que fui Relator. A decisão, de 10-4-02, ficou assim ementada:

Agravo regimental. Conflito de competência. Interdito proibitório. Defesa da posse. Realização de greve. Justiça Comum. Precedentes.

1. O autor afirma expressamente na inicial que não pretende discutir direito de greve, mas, tão-somente, a concessão de tutela jurisdicional que resguarde a posse nos imóveis onde se encontram instaladas suas agências, face a iminente existência de movimentos grevistas. O pedido e a causa de pedir não envolvem matéria trabalhista, sendo competente para processar e julgar o interdito proibitó-rio a Justiça Comum Estadual.

2. Agravo regimental desprovido.

Esse entendimento foi mantido após a Emenda Constitucional 45/04, nos CC 46.577/ES e 89.300/RJ, ambos de relatoria do Ministro Fernando Gonçalves, julgados em 13-5-05 e 10-10-07 e assim ementados:

Conflito de competência. Interdito proibitório. Livre acesso de funcionários e clientes à agência bancária. Realização de greve. Ação de natureza possessó-ria. Questão de direito privado e não de natureza trabalhista. Precedentes.

1. A causa de pedir e o pedido do interdito proibitório, não adentram ma-téria de cunho trabalhista, fixando-se a competência da Justiça Comum Estadual para processar e julgar aquele feito. Por outro lado, resta evidente a competência da Justiça Laboral para a apreciação da ação civil pública quanto aos demais pe-didos nitidamente trabalhistas relativos ao movimento paredista. 2. Conflito de Competência não conhecido.

Conflito de competência. Greve. Interdito proibitório. Agências bancárias. Livre funcionamento. Acesso de funcionários e clientes. Natureza possessória. Questão de direito privado e não de natureza trabalhista.

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1. A natureza da demanda determina a competência em razão da matéria, vale dizer, há que se verificar o pedido e a causa de pedir para saber qual o juízo compe-tente. 2. O caso em análise é de ação de interdito proibitório, intentada por um banco, porque poderá ter a posse de suas agências turbada por um movimento grevista. Maté-ria eminentemente de cunho civil. 3. Conflito de Competência conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 2ª Vara Cível de Nova Iguaçu-RJ, suscitado.

Nesta Suprema Corte, como indicado pelo Recorrente, o Ministro Ricardo Lewandowski assim decidiu no AI 611.670/PR:

Trata-se de agravo de instrumento contra decisão que negou seguimento a recurso extraordinário. O acórdão recorrido entendeu ser da Justiça comum estadual a competência para julgar ação de interdito proibitório ajuizada por ins-tituição bancária contra sindicato de bancários que, exercendo o direito de greve, impediu o livre acesso de clientes e terceiros às agências. No recurso extraordi-nário, interposto com base no art. 102, III, a, da Constituição, alegou-se ofensa ao art. 114 da mesma Carta. O agravo merece acolhida. O Plenário desta Corte, no julgamento do CJ 6.959/DF, Rel. p/ o ac. Min. Sepúlveda Pertence, assentou a competência da Justiça do Trabalho para julgar demanda cujo fundamento seja a relação trabalhista, ainda que sua solução dependa da apreciação de questões de direito civil. Na oportunidade, em ação ajuizada por funcionários do Banco do Brasil, em que se pleiteava o cumprimento de promessa de compra e venda de imóvel funcional, o Tribunal entendeu que, tendo sido o referido pacto firmado em razão de contrato de trabalho que constituiu a causa da avença, estaria firmada a competência da Justiça do Trabalho, em observância ao art. 114 da Constituição Federal, visto que a situação jurídica que deu suporte ao pedido decorreu da rela-ção empregatícia. Em situação idêntica à dos autos, já decidiu o Min. Sepúlveda Pertence, no AI 598.457/SP, que é da competência da Justiça do Trabalho a apre-ciação de interdito proibitório ajuizado contra sindicato em campanha salarial que turba ilicitamente a posse sobre as agências bancárias locais. Isso posto, com base no art. 544, § 3º e § 4º, do CPC, dou provimento ao agravo de instrumento para conhecer do recurso extraordinário, e dar-lhe provimento para assentar a compe-tência. Isso posto, com base no art. 544, § 3º e § 4º, do CPC, dou provimento ao agravo de instrumento para conhecer do recurso extraordinário, e dar-lhe provi-mento para assentar a competência da Justiça do Trabalho.

O AI 598.457/SP, citado pelo Ministro Lewandowski, realmente versa sobre a competência para julgamento de interdito proibitório contra movimento grevista, mas reporta-se às decisões proferidas no CJ 6.959/DF (Pleno) e no RE 238.737 (Pri meira Turma), que, entendo, não alcançam o tema deste recurso.

Na ação que deu origem ao CJ 6.959/DF, julgado em 23-5-90, discutia-se as condições do exercício do direito de compra de imóveis ocupados por funcio-nários do Banco do Brasil em Brasília, cedido em troca da transferência e per-manência durante cinco anos na então recém construída Capital Federal.

O Banco do Brasil não negava o direito de compra, mas não pretendia aten-der todas as condições exigidas pelos beneficiários. No julgamento do conflito, a Corte considerou, após a divergência iniciada pelo Ministro Sepúlveda Pertence, que, não obstante tratar-se de controvérsia de direito obrigacional, a origem do be-nefício na relação de trabalho deslocava a competência para a justiça especializada.

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Aduziu o douto Ministro Pertence:

(...)5. Como resulta do art. 114, no que interessa, a Constituição cometeu à

Justiça do Trabalho “conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores”, dissídios, porém, que hão de ser os “decorrentes da relação de trabalho”. 6. No caso, opondo-se empregados do Banco do Brasil ao seu empregador, o que resta a saber é se o dissídio é decorrente da relação de trabalho que as partes entretêm. A mim me parece induvidoso que a resposta há de ser afirmativa. 7. Para saber se a lide decorre da relação de trabalho não tenho como decisivo, data venia, que a sua composição judicial penda ou não de solução de temas jurídicos de direito comum, e não, especificamente, de direito do traba-lho. 8. O fundamental é que a relação jurídica alegada como suporte do pedido esteja vinculada, como o efeito à sua causa, à relação empregatícia, como parece inquestionável que se passa aqui, não obstante o seu conteúdo específico seja o de uma promessa de venda, instituto de direito civil. 9. De fato. O que pretendem os empregados é que, em contrapartida à sua transferência para Brasília, se vinculara o Banco do Brasil a vender-lhe, em dadas condições de preço e modo de paga-mento, os imóveis que, na nova Capital, viessem a ocupar por mais de cinco anos, durante os quais se mantivessem “a serviço exclusivo e direto do Banco” (fl. 3). 10. Assim, seja por sua natureza – sanção premial do assentimento dos empregados à transferência –, seja por seu requisito adicional – prestação de serviços direta e exclusivamente ao Banco, por mais de cinco anos, na nova sede –, a promessa de contratar, em dadas condições negociais, que, alegam os reclamantes, o Banco assumiu, só teria surgido em razão da relação de emprego e nela se inseriu, como parte do contrato de trabalho.

A Corte entendeu naquela ocasião que, diante do que dispunha a última parte do art. 114 da Constituição da República na sua dicção original (“(...) e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho (...)”), os conflitos que tivessem sua origem na relação laboral, mesmo em matéria que ultrapassasse o âmbito trabalhista, deveriam ser ali apreciados.

De fato, naquele caso concreto, ainda que a existência da opção de compra conferida pelo empregador não estivesse em questão, mas apenas as condições para o seu exercício, o benefício concedido somente ganhava sentido se atrelado à relação entre o patrão e o empregado-beneficiário.

Essa necessária correlação entre o direito pleiteado e a relação de emprego também fundamentou o decisum no RE 238.737, julgado em 17-11-98, com a relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence:

Justiça do Trabalho: competência: ação de reparação de danos decorrentes da imputação caluniosa irrogada ao trabalhador pelo empregador a pretexto de justa causa para a despedida e, assim, decorrente da relação de trabalho, não im-portando deva a controvérsia ser dirimida à luz do Direito Civil.

Todavia, o tema do AI 598.457/SP e do AI 611.670/PR e de que agora cuida o presente recurso extraordinário é distinto e, na minha compreensão, não pode ser apreciado com base nas mesmas razões que ampararam os julgamentos do CJ 6.959/DF e do RE 238.737.

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Aqui, ao contrário do que se verificou nas decisões acima referidas, o pe-dido e a causa de pedir não guardam ligação direta com a relação de emprego. A medida pleiteada no interdito proibitório envolve o receio de turbação da posse pelo sindicato grevista, o que não decorre necessariamente do contrato de trabalho, pois, em tese, o movimento poderia ser capitaneado por funcionários de outras instituições financeiras, sem nenhuma participação dos empregados do recorrido. Anote-se que de igual modo não se está discutindo o exercício do direito de greve.

Se o interdito proibitório decorre de alguma controvérsia, essa controvér-sia não reside na relação de trabalho, porquanto não se vislumbra uma ligação imediata entre essa relação e o receio de turbação da posse. A própria inicial mostra que “antes, contudo, do acordo e/ou dissídio, são notórias as mani-festações organizadas pela parte Ré visando a paralisação do funcionamento das agências bancárias do Autor e de demais instituições financeiras” (fl. 21). E, ainda, assinala que nos últimos cinco anos “no período que antecede as ne-gociações o Autor vem sendo surpreendido com a efetiva paralisação das suas agências situadas nesta Comarca, ameaçando de modo inequívoco o seu funcio-namento. Ressalta-se que, a exemplo do quanto verificado nos anos anteriores, o termo ‘paralisação’ tem uma conotação bastante atípica para o Réu e seus as-sociados” (fls. 21/22). E especificamente enfrentando a questão da competência assevera que o “justo receio do Autor de ser molestado na posse de suas agências localizadas nesta Comarca não tem nenhuma relação com o exercício do direito de greve pelo Réu, sendo o objeto da Ação em comento estranho ao direito do trabalho” (fls. 26/27).

Assim, não cabia, na minha avaliação, aplicar o inciso IX do art. 114 da Constituição da República, como pareciam indicar os precedentes desta Corte.

Ocorre que é exatamente essa ligação do interdito proibitório com a greve que o recorrente pretende utilizar para justificar o entendimento de que a com-petência deve ser da Justiça do Trabalho. E para tanto busca amparo no que dis-põe o inciso II do art. 114 da Constituição:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:(...)II – as ações que envolvem o exercício do direito de greve.(...).

O que deve ser destacado é que o inciso II menciona “ações que envolvem o exercício do direito de greve”. Há uma significativa diferença entre ações em que se discute o exercício do direito de greve pelo movimento grevista e ações que antecedem a própria greve, ou seja, em que se procura proteger o patrimônio de qualquer eventual violência praticada por entidade sindical.

No caso concreto, mesmo que o interdito proibitório não precisasse ser manejado se não fosse ameaça representada por eventual ação sindical, ele não se presta à discussão do exercício do direito de greve. Aliás, esse objetivo é ex-pressamente recusado pelo recorrido:

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Vale ressaltar que sequer o advento da Emenda Constitucional nº 45/2004 tem o condão de alterar o entendimento acima, já que o Autor, frise-se, não visa impedir a manifestação de greve do Réu e sim continuar exercendo posse mansa e pacífica se suas agências, assegurando o acesso de clientes, usuários e funcioná-rios nestas, adotando como medida preventiva o ajuizamento da referida demanda.(Fl. 28.)

O que deve ser examinado, assim, é o alcance do inciso II do art. 114 da Constituição. Ainda que se entenda que uma ação que envolve o exercício do direito de greve é toda ação em que se desafia os limites desse direito, o interdito proibitório não se enquadraria nessa definição, porque o atuar contrário à lei re-presentado pela turbação da posse não faz parte de seu conteúdo.

O art. 9º da Constituição Federal, ao assegurar o direito de greve, indicou que seu exercício é livre quanto à oportunidade e quanto aos interesses a serem por meio dele defendidos. O parágrafo segundo trata dos abusos eventualmente co-metidos. Nesse sentido, a Lei 7.783/89 prevê expressamente, no § 3º de seu art. 6º, que: “as manifestações e atos de persuasão utilizados pelos grevistas não poderão impedir o acesso ao trabalho nem causar ameaça ou dano à propriedade ou pessoa”.

Ao meu sentir, a proibição legal afasta a possibilidade de discussão quanto à inclusão da turbação da posse do empregador no conteúdo do direito de greve e conseqüentemente retira por definitivo do interdito proibitório a suposta fina-lidade de se prestar a um exame dos limites de seu exercício.

Repita-se: mesmo que se entenda que ação envolvendo o exercício do di-reito de greve é toda ação em que são desafiados os limites desse direito, aí não se poderá incluir o interdito proibitório manejado contra a ameaça de turbação da posse, porquanto a turbação como instrumento de pressão passa ao largo da discussão sobre o exercício do direito de greve. Trata-se nesses casos de medida de cautela destinada a proteger o patrimônio da parte autora independentemente da existência ou não de greve. Pode não haver greve, mas simplesmente uma ação coativa do sindicato.

O pedido e a causa de pedir do interdito proibitório não envolvem matéria trabalhista, não envolvem o contrato de trabalho e não envolvem o exercício do direito de greve.

Ante o exposto, entendo que o interdito proibitório contra eventual turba-ção promovida por movimento grevista não recai na competência da Justiça do Trabalho porque não envolve o exercício do direito de greve.

Conheço do extraordinário e lhe nego provimento.

VOTO

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Senhor Presidente, sempre acho muito confortável quando acompanho o voto do Ministro Menezes Direito. Por isso, acho muito desconfortável quando tomo um caminho diferente, como faço neste caso, com as devidas vênias pelo brilhantíssimo trabalho.

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Sei que há jurisprudência no Superior Tribunal, até tenho em mãos o con-flito de competência por ele citado, de relatoria do eminente Ministro e que é um tema pacificado naquele digno órgão. Aliás, é de se enfatizar que, no próprio acórdão do Tribunal de Justiça de Minas, expressamente, o Desembargador Relator afirma que não iria entrar em maiores detalhes em razão da jurispru-dência firmada no STJ. A Desembargadora Hilda chega a dizer que tem posição diversa, porém, considerando a jurisprudência pacífica do Superior Tribunal, ela iria acompanhar o voto do Relator.

Fiz um levantamento rápido da jurisprudência do Su premo, que, além dos casos citados pelo eminente Ministro Menezes Direito, sobressai básica e taxa-tivamente no CJ 6.959, no qual, expressamente, o Ministro Sepúlveda Pertence, como disse o Ministro Menezes Direito, assenta que o fundamental para se fixar a competência é que a relação jurídica tenha como suporte do pedido, vinculada com efeito à sua causa, relação empregatícia e, neste caso, o direito de greve. Afirma ele:

Não obstante o conteúdo específico seja o instituto de Direito Civil não seria suficiente.

O eminente Ministro Menezes Direito – com a gentileza e honestidade que lhe são características – fez questão de fazer uma interpretação, que, no entanto, é diversa da que adoto, porque, no levantamento que fiz, rapidamente, entre os casos mais atuais da jurisprudência do Su premo Tribunal, desde o RE 78.174, de relatoria do Ministro Oswaldo Trigueiro, por exemplo, até os mais recentes, sempre o Su premo assentou jurisprudência segundo a qual a fixação da com-petência da Justiça comum ou da Justiça especializada não se dá em função de serem os institutos invocados de Direito Civil. Afirma o eminente Ministro Menezes Direito, entretanto, que esse interdito não seria uma das ações relativas ao exercício do direito de greve, previsto no inciso II do art. 114, com a Emenda Constitucional 45.

O ponto nodal desta questão, Ministro Menezes, e que eu peço vênia a V. Exa. para discordar, é exatamente este: neste caso, tal como posto pelo nobre Advogado, trata-se de um piquete – ocupa-se ali exatamente de um ato relativo à greve. Logo, é ação que envolve o exercício de direito de greve e, portanto, inclui-se na previsão constitucional da competência da Justiça do Trabalho para cuidar dos feitos em que aquele direito seja o fundamento da questão posta a exame.

Tenho até já estudado isso em alguns casos, há precedente do Ministro Ricardo Lewandowski.

Assim, pedindo vênias ao eminente Ministro Menezes Direito, o qual, como disse antes, me deixa confortável quando tenho de acompanhá-lo, dele discordo neste caso. Portanto, conheço do recurso e a ele dou provimento para fixar a competência da Justiça do Trabalho em face do art. 114, inciso II, da Constituição da República.

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VOTO

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhor Presidente, eu também peço vênia para acompanhar a divergência e lamentar que, desta vez, não posso acompanhar o brilhante voto do eminente Ministro Relator.

Já tenho decisão a respeito em sentido contrário, aliás, mais do que uma, e faço dos autos, ao menos das peças dos autos que me vieram às mãos, uma lei- tura, data venia, divergente.

Das notas taquigráficas que tenho em mãos, do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, verifico que:

Revelam os autos que o agravante ingressou, em outubro de 2005, com ação de interdito proibitório contra o Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários de Belo Horizonte e Região, em virtude do risco de restrição do fun-cionamento das instituições financeiras, em decorrência de greve promovida pela entidade de classe agravada.

Portanto, parece-me que estamos diante de um quadro em que se dese-nhava no horizonte a hipótese da ocorrência de uma greve. Numa situação exa-tamente idêntica à presente, no RE 537.214, votei em sentido contrário ao voto do eminente Ministro Relator, dizendo exatamente o seguinte:

Trata-se de agravo de instrumento contra decisão que negou seguimento a recurso extraordinário interposto de acórdão que entendeu ser da Justiça comum estadual a competência para julgar a ação de interdito proibitório ajuizada por instituição bancária contra sindicato de bancários que, exercendo o direito de greve, poderia impedir o livre acesso de clientes e de terceiros às agências.

Cito aqui o acórdão paradigmático, dentre outros já trazidos à colação pelo eminente Ministro Relator, proferido no AI 598.457-SP, de relatoria do eminente Ministro Sepúlveda Pertence, em que S. Exa. assentava:

(...) que é da competência da Justiça do Trabalho a apreciação de interdito proibitório ajuizado contra sindicato em campanha salarial que turba ilicitamente a posse sobre as agências bancárias locais.

Eu também, com todo respeito, faço uma leitura diferente de S. Exa. da Lei 7.783, de 28-6-89, que é exatamente a lei que regula o direito de greve, consignado no art. 9º da nossa Carta Magna. E, em se tratando de greve, como já foi aventado aqui, o art. 114, II, diz textualmente que:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:(...)II – as ações que envolvam exercício do direito de greve;

E nós estamos diante de uma situação em que se trata, realmente, do di-reito de greve. Esta lei que trata, que disciplina o direito de greve, que deflui do art. 9º da Constituição, já cuida do assunto.

No art. 6º, como também S. Exa. trouxe à colação, eu faço, data venia, uma leitura distinta, consignada no § 1º do art. 6º, que:

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§ 1º Em nenhuma hipótese, os meios adotados por empregados e empregado-res poderão violar ou constranger os direitos e garantias fundamentais de outrem.

Ou seja, durante a greve, não é possível invadir licitamente estabelecimen-tos comerciais ou empresariais, quaisquer que sejam eles.

E o § 3º desse mesmo art. 6º diz o seguinte:

§ 3º As manifestações e atos de persuasão utilizados pelos grevistas não poderão impedir o acesso ao trabalho nem causar ameaça ou dano à propriedade ou pessoa.

Então a situação versada nos autos deste recurso extraordinário, salvo melhor juízo – pelo menos eu estou convencido disso –, já estão reguladas, dis-ciplinadas pela Lei 7.783, que regula o direito de greve, direito este e situações que dele decorrem devem ser processadas e julgadas pela Justiça do Trabalho, nos termos do art. 114, II, da Constituição Federal.

Pedindo, mais uma vez, muitas vênias ao eminente Relator, eu acompanho a divergência para dar provimento ao recurso extraordinário.

VOTO

O Sr. Ministro Eros Grau: Senhor Presidente, também peço vênia ao Relator. Tenho decisões no sentido contrário e não tenho nada mais a aditar ao que foi observado pela Ministra Cármen Lúcia e pelo Ministro Ricardo Lewandowski, cujos votos vou acompanhar.

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhor Presidente, também, na mesma li-nha, peço vênia ao eminente Relator para acompanhar os Ministros Eros Grau, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Joaquim Barbosa, porque entendo que a ação de interdito proibitório foi ajuizada em função ou como decorrência do exercício desse direito social que a Constituição chama de greve.

Não vejo nessa perspectiva da definição de competência, entre a Justiça comum e a Justiça especializada do trabalho, como apartar uma coisa da outra. Acho que as coisas estão imbricadas. Por isso, a Constituição, desde a sua re-dação originária, sob definição de competência, no art. 114, já falava de outras controvérsias decorrentes, ou seja, oriundas, procedentes da relação de trabalho.

Com a Emenda 45, o discurso constitucional seguiu no mesmo tom. E aqui se diz:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:I – as ações oriundas da relação de trabalho, (...)(...)VI – as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da

relação de trabalho; (Inciso acrescido pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

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Claro que se trata de colisão de direitos e de direitos fundamentais. Mas, no caso, o direito de greve, o direito social por excelência, recebeu um tratamento em separado da Constituição. A Constituição, quando quer proteger por um modo especial determinado bem jurídico, faz dando-lhe um tratamento em apartado.

Veja que o direito de greve, no art. 9º, foi até destacado dos direitos lis-tados, dos 34 direitos listados, no art. 7º, para merecer esse regramento assim focado especial. E, no caso, para deixar claro que o exercício de direito de greve tem que implicar, porque não pode deixar de ser incômodo, embaraço, prejuízo ao empregador, a Constituição chegou a prever a possibilidade de abuso. Aliás, é a única vez que a Constituição fala de abuso de direito. Fala algumas vezes em abusos de poder, mas de direito somente fala numa única oportunidade. E é exatamente a propósito do exercício do direito de greve: “Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei.”

Mas, deixando claro, realmente essa é uma matéria a ser regrada, resolvida no plano do conflito pela Justiça especializada do trabalho.

Peço vênia ao eminente Relator para acompanhar a dissidência, inaugu-rada pela Ministra Cármen Lúcia.

VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhor Presidente, também vou pedir vênia ao eminente Relator para acompanhar a divergência.

Em primeiro lugar, porque a mim me parece fora de dúvida – aliás, o Ministro Lewandowski já o demonstrou, referindo-se a trecho do acórdão do Tribunal de Justiça no agravo de instrumento –, que o acórdão apenas estaria reconhecendo a causa de pedir.

Na petição inicial está expresso e claro que se trata de paralisação que precede à celebração de acordos ou dissídios coletivos que, como tais, assumem nitidamente caráter diverso. Aqui, à fl. 13 – não vou ler –, diz textualmente: “Nes- se período” etc. E fala: “(...) o excesso no exercício dessa atividade (...)”, “Nesse sentido, tem-se que nos últimos 5 (cinco) anos no período que antecede as nego-ciações o Autor vem sendo surpreendido com efetiva paralisação (...)” etc.

Noutras palavras, não há dúvida nenhuma de que a causa de pedir é exata-mente a alegação de que o exercício abusivo do direito de greve prejudica direito patrimonial ou fato susceptível de tutela jurídica, que é a posse do Autor.

Em segundo lugar – o Ministro Carlos Britto agora fez referência ao ponto, e eu o havia marcado aqui –, a Constituição fala em abuso.

O problema é exatamente este: quando se cuida da noção de abuso, não há conceber instituto ou figura jurídica alheia aos limites dogmáticos e conceituais do próprio direito de que se trate.

A questão do abuso do direito – aliás, o Ministro Eros Grau pode con-firmá-lo – foi objeto de um dos mais belos capítulos da mais famosa obra de

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Castanheira Neves, o qual demonstra que, quando se discute o abuso, é erro procurar ou construir noção independente, pois se cuida apenas de verificar, em concreto, se a ação que, a título de direito, está sendo exercida é, ou não, exercício de verdadeiro direito. Noutras palavras, quando se argúi haja abuso do exercício do direito, o que se tem de apurar é quais os limites desse hipotético direito.

Ora, abuso envolve ação objeto de discussão sobre a existência, ou não, do exercício de direito. Por isso mesmo, está compreendido na previsão do inciso II do art. 114, que, a meu ver e com o devido respeito, neste caso, não se restringe às greves ligadas à relação de trabalho, pois alcança também as relações de direito público. Aliás – se não me falha a memória –, há semanas, a Polícia Civil de São Paulo foi a juízo trabalhista para discutir o problema de greve no serviço público.

O que me parece é que esse artigo da Constituição consagra, não diria seja uma competência anômala da Justiça do Trabalho, porque está relacionada com o tirocínio, a prática e a experiência da Justiça do Trabalho no tratamento das ques-tões de greve que comumente se dão na área das relações privadas de emprego. Exatamente por conta dessa experiência e dessa especialização da Justiça do Tra-balho, a Emenda Constitucional estendeu à Justiça do Trabalho competência para resolver todas as ações que, sem restrição, envolvam o exercício do direito de greve.

Ora, o piquete ou a paralisação é ato típico do exercício do direito de greve. Se é ou não legal, se excede ou não excede os limites do exercício desse direito, isso é o objeto do mérito da demanda. Mas, como são os termos da petição ini-cial que fixam e perpetuam a competência diante dos termos do caso concreto, não há dúvida nenhuma de que se trata, no caso, de ação que envolve conflito sobre o exercício do direito de greve, que, aliás, como bem lembrado pelo Ministro Ricardo Lewandowski, está tipificado como eventual abuso na própria lei de greve, o que demonstra que a lei de greve, ao disciplinar o exercício desse direito, traçou seus limites. A norma que tipifica o abuso e comina-lhe restrição é própria da disciplina do exercício do direito de greve.

O terceiro ponto diz com o remédio processual, o que é absolutamente irrelevante para efeito da competência. O remédio processual é apenas o meio jurídico de que se vale o interessado para, no caso concreto, tentar inibir o que lhe parece a conseqüência danosa do exercício abusivo do direito de greve. Ele poderia ter escolhido outra demanda, mas preferiu o interdito proibitório, com caráter preventivo. Mas, se, por exemplo, tivesse, de algum modo, perdido a posse, podia ter-se valido de outra ação possessória, sem que a competência se alterasse em razão desse dado.

Agora, é evidente, se há abuso teórico, nos termos em que a pretensão foi posta, tal abuso pode atingir qualquer espécie de direito e, pois, também a posse. Se, no caso, o bem jurídico sob ameaça de dano seria a posse, o fato de ter lançado mão do remédio possessório adequado para a tutela preventiva contra o abuso não descaracteriza o fato de que se trata de ação que versa sobre direito de greve.

De modo que também peço vênia ao eminente Ministro-Relator, para acompanhar a divergência, reconhecendo a competência da Justiça do Trabalho.

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VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, conversava há pouco com o mestre Galeno Lacerda e dizia a S. Exa. que, ante a voz, no dia de hoje, estaria quase a aderir a proposta de edição das sessões do Tribunal, para que sejam veiculadas na TV Justiça.

Senhor Presidente, parece que foi ontem, mas não foi. A partir de 1946, a Justiça do Trabalho passou a integrar o Judiciário. E, hoje, diria que é uma Justiça, num linguajar comum, até mesmo purificada, porque já não há aquele ranço anterior a 46, revelado pela participação de leigos.

Quando ouvimos falar em interdito proibitório, pensamos, imediatamente, no Direito Civil, mas nem sempre o interdito proibitório está ligado ao Direito Civil.

O que houve na espécie? E ainda não temos, no Brasil, a Justiça bancária. Houve o ajuizamento, pelo Banco, de interdito proibitório.

E qual seria a causa de pedir? O afastamento de um movimento do Sindicato que congrega a categoria profissional, a revelar não sei se piquete ou convencimento a adesão à greve.

Ora, Presidente, vem-nos da Constituição Federal, mais precisamente do inciso II do art. 114, competir à Justiça do Trabalho julgar ações relativas – e a relação pode ser indireta – ao exercício do direito de greve. O pano de fundo na ação em relação a qual se discute o órgão competente para apreciá-la é a pa-ralisação dos trabalhadores que estão representados pelo sindicato recorrente.

Peço vênia ao Relator também para entender que se tem a competência da jurisdição cível especializada do Trabalho, competindo, portanto, à Justiça do Trabalho julgar desta ou daquela forma – não importa e também não levo em consideração, na definição da competência, o rótulo da ação ajuizada, interdito proibitório, não a potencializo, mesmo porque vinga no âmbito do Direito do Trabalho um princípio muito caro que é o da realidade – o conflito de interesses.

Acompanho a Ministra Cármen Lúcia no voto proferido.

VOTO

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Também peço todas as vênias ao Ministro Menezes Direito para acompanhar a divergência, tendo em vista já os fundamentos aqui expendidos.

Só faço uma ressalva, uma observação em relação ao fundamento aqui manifestado pelo Ministro Cezar Peluso: em relação à greve, creio que o Tribunal tem entendido que, na greve dos servidores públicos, o dissídio se dá mesmo no âmbito da Justiça Comum. Mandamos até aplicar a legislação do Trabalho quanto às competências, até porque a Justiça do Trabalho teria pouco o que fazer, aqui, em termos de definição de salário, uma vez que todas as dis-cussões teriam acontecido.

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Até fiquei curioso com esse exemplo do Ministro Cezar Peluso, que vi nos jornais, o caso da Polícia Civil de São Paulo e a conciliação pelo TRT, mas me pareceu realmente mais uma idiossincrasia, talvez, a falta de articulação da própria Justiça.

Naquele julgamento do mandado de injunção de que foi Relator o Ministro Eros Grau e outro de que fui Relator, especificamos que deveríamos operar no plano, seguindo a mesma regra da Justiça do Trabalho para que os Tribunais de Justiça se habilitassem para que se constituíssem câmaras aptas a dirimirem esse tipo de controvérsia. Também firmamos que o STJ seria competente para dirimir os conflitos de caráter transregional. E o próprio STJ vem se habilitando para dirimir esse tipo de controvérsia.

Com essas brevíssimas ressalvas, acompanho também a Ministra Cármen Lúcia.

EXTRATO DA ATA

RE 579.648/MG — Relator: Ministro Menezes Direito. Relatora para o acórdão: Ministra Cármen Lúcia. Recorrente: Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários de Belo Horizonte e Região (Advogado: José Eymard Loguércio). Recorrida: HSBC Bank Brasil S.A. – Banco Múltiplo (Advogados: Patrícia Rios Salles de Oliveira e outros).

Decisão: O Tribunal, por maioria, deu provimento ao recurso, vencido o Ministro Menezes Direito (Relator). Lavrará o acórdão a Ministra Cármen Lúcia. Ausentes, justificadamente, os Ministros Celso de Mello e Ellen Gracie. Falaram, pelo recorrente, o Dr. José Eymard Loguércio e, pelo recorrido, a Dra. Patrícia Rios. Presidiu o julgamento o Ministro Gilmar Mendes.

Presidência do Ministro Gilmar Mendes. Presentes à sessão os Ministros Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Eros Grau, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Pro cura dor-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.

Brasília, 10 de setembro de 2008 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 579.799 — SP

Relator: O Sr. Ministro Eros GrauAgravante: Ministério Público do Estado de São Paulo — Agravado:

Paulo Theotonio Costa

Agravo regimental no recurso extraordinário. Desembar-gador. Agente político. Ação de improbidade administrativa.

O Su premo Tribunal Federal fixou entendimento nos ter-mos do qual a Constituição do Brasil não admite concorrência entre dois regimes de responsabilidade político-administrativa para os agentes políticos. Precedentes.

Agravo regimental a que se nega provimento.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Se-gunda Turma do Su premo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, negar provimento ao recurso de agravo, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 2 de dezembro de 2008 — Eros Grau, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Eros Grau: A decisão agravada tem o seguinte teor:

Decisão: Trata-se de recurso extraordinário em que se discute a compe-tência para julgamento de ação de improbidade proposta pelo Ministério Público Federal contra membro de Tribunal Regional Federal.

2. O Superior Tribunal de Justiça entendeu que ‘à ação de improbidade administrativa, por ter natureza civil, não se aplica o foro por prerrogativa de função.’ (fl. 291). Afirmou que “[n]o julgamento da ADI 2.797/DF pelo Su premo Tribunal Federal foi firmado o entendimento de que a ação de improbidade de natureza civil, não sendo, portanto, competente aquele pretório ‘para o conheci-mento de ações civis, por ato de ofício, ajuizadas contra autoridades para cujo o processo penal o seria’.” (fl. 276)

3. O Recorrente alega que o acórdão impugnado ofendeu o disposto nos arti-gos 5º, LIII; 85, V; e 105, I, a, da Constituição do Brasil. Sustenta que a competên-cia do STJ para o processamento e julgamento da ação não tem por fundamento a Lei 10.628/02, mas interpretação sistemática e teleológica da Constituição.

4. Este Tribunal, em sessão plenária realizada no dia 15-9-05, concluiu o julgamento da ADI 2.797, declarando a inconstitucionalidade da Lei 10.628/02. Assentou que:

“a) o agente político, mesmo afastado da função que atrai o foro por prerrogativa de função, deve ser processado e julgado perante esse foro, se

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acusado criminalmente por fato ligado ao exercício das funções inerentes ao cargo;

b) o agente político não responde a ação de improbidade administra-tiva se sujeito a crime de responsabilidade pelo mesmo fato;

c) os demais agentes públicos, em relação aos quais a improbidade não consubstancie crime de responsabilidade, respondem à ação de impro-bidade no foro definido por prerrogativa de função, desde que a ação de improbidade tenha por objeto ato funcional.”5. O Plenário do Su premo Tribunal Federal, nos autos da Rcl 2.138, Relator

para o acórdão o Ministro Gilmar Mendes, DJ de 20-6-07, ao julgar caso análogo ao presente, fixou o seguinte entendimento:

“Quanto ao mérito, o Tribunal, por maioria, julgou procedente a re-clamação para assentar a competência do STF para julgar o feito e declarar extinto o processo em curso no juízo reclamado. Após fazer distinção entre os regimes de responsabilidade político-administrativa previstos na CF, quais sejam, o do art. 37, § 4º, regulado pela Lei 8.429/92, e o regime de crime de responsabilidade fixado no art. 102, I, c, da CF e disciplinado pela Lei 1.079/50, entendeu-se que os agentes políticos, por estarem regidos por normas especiais de responsabilidade, não respondem por improbidade ad-ministrativa com base na Lei 8.429/92, mas apenas por crime de responsabi-lidade em ação que somente pode ser proposta perante o STF nos termos do art. 102, I, c, da CF. Vencidos, quanto ao mérito, por julgarem improcedente a reclamação, os Ministros Carlos Velloso, Marco Aurélio, Celso de Mello, estes acompanhando o primeiro, Sepúlveda Pertence, que se reportava ao voto que proferira na ADI 2.797/DF (DJU de 19-12-06), e Joaquim Barbosa. O Ministro Carlos Velloso, tecendo considerações sobre a necessidade de preservar-se a observância do princípio da moralidade, e afirmando que os agentes políticos respondem pelos crimes de responsabilidade tipificados nas respectivas leis especiais (CF, art. 85, parágrafo único), mas, em relação ao que não estivesse tipificado como crime de responsabilidade, e estivesse definido como ato de improbidade, deveriam responder na forma da lei própria, isto é, a Lei 8.429/92, aplicável a qualquer agente público, concluía que, na hipótese dos autos, as tipificações da Lei 8.429/92, invocadas na ação civil pública, não se enquadravam como crime de responsabilidade de-finido na Lei 1.079/50 e que a competência para julgar a ação seria do juízo federal de 1º grau. Rcl 2.138/DF, Rel. orig. Min. Nelson Jobim, Rel. p/ o ac. Min. Gilmar Mendes, 13-6-07.”(Informativo 471.)Dou provimento ao recurso com fundamento no disposto no artigo 557,

§ 1º-A, do CPC.

2. O Ministério Público do Estado de São Paulo afirma a nulidade do jul-gado “ante a flagrante inobservância do disposto no artigo 103, § 1º, da Carta Magna em vigor, que estabelece a exigência do Pro cura dor-Geral da República ser ‘previamente ouvido nas ações de inconstitucionalidade e em todos os pro-cessos de competência do Su premo Tribunal Federal’”.

3. Alega que a Rcl 2.138, julgada na sessão plenária de 20-6-07, Relator para o acórdão o Ministro Gilmar Mendes, não é “capaz de servir de suporte válido e inquestionável para o despacho agravado”.

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4. Sustenta que “o que decidido, aliás em vias de revisão ante a nova com-posição da Corte, se restringe à competência do Su premo Tribunal Federal, e tem como elemento essencial da distinção o fato de o agente político ali consi-derado estar regido por normas especiais de responsabilidade. Ou seja, o fato de ele estar sujeito ao regime de crimes de responsabilidade disciplinado pela Lei 1.079/50”.

5. Diz ainda que, “[a]qui, a ação é promovida contra desembargador que não responde, em absoluto, por crime de responsabilidade, previsto naquela lei. Basta ler o rol de agentes políticos que estão sujeitos às sanções daquela lei para se verificar que entre eles não se encontram os juízes e desembargadores. Apenas aqueles que exercem o cargo de Presidente dos Tribunais é que se sujei-tam às sanções daquela lei (por força de alteração introduzida em 2000), o que evidentemente, não é o caso do ora agravado Paulo Theotônio Costa”.

6. Por fim, que “se é certo que ele não responde pela prática de crime de responsabilidade previsto na Lei 1.079/50, então não tem qualquer sentido ex-cluir a possibilidade de sua responsabilização na esfera da improbidade admi-nistrativa, perante o juízo de primeiro grau, como restou decidido na ADI 2.797. Daí ser inevitável, em suma, a conclusão de que, ao se submeter apenas ao re-gime da Lei 8.429/92 pela prática de ato de improbidade, ele definitivamente não faz jus a foro por prerrogativa de função”.

7. Requer a reconsideração da decisão agravada ou o provimento deste agravo regimental.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): As alegações do agravante não infir-mam a decisão agravada.

2. No que respeita ao disposto no § 1º do art. 103 da Constituição do Brasil, não se o pode interpretar isoladamente. Está intimamente ligado ao caput, que dispõe sobre as ações de declaração de inconstitucionalidade e as ações decla-ratórias de constitucionalidade. Tenho reiteradamente insistido em que não se interpreta Constituição em tiras1.

3. O Ministério Público Federal deverá manifestar-se em todos os proces-sos de competência do STF quando houver declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade de texto normativo, o que no caso não se dá.

4. Ademais, o art. 52 do Regimento Interno do Su premo Tribunal Federal, além de estabelecer as hipóteses em que o Pro cura dor-Geral da República terá vista dos autos, em seu parágrafo único autoriza sua dispensa nos casos que indica, quando o Plenário houver fixado jurisprudência a respeito da matéria debatida no processo.

1 Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 44 e 131-132.

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5. A decisão agravada adotou como fundamento jurisprudência do Plenário desta Corte – ADI 2.797 e Rcl 2.138 – razão pela qual não há que falar em nulidade da decisão mercê da ausência de manifestação do Pro cura dor-Geral da República.

6. No que concerne ao mérito da controvérsia, lembro inicialmente que o Su premo Tribunal Federal fixou entendimento nos termos do qual a Constitui-ção do Brasil não admite concorrência entre dois regimes de responsabilidade político-administrativa para os agentes políticos (Rcl 2.138, Rel. p/ o ac. Minis-tro Gilmar Mendes, DJ de 20-6-07).

7. O art. 105, I, a, da Constituição do Brasil define ser da competência do Superior Tribunal de Justiça processar e julgar, originariamente, “nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, e, nestes e nos de responsabilidade, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Constas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais” (grifei).

8. Desembargadores cometem crimes de responsabilidade. Estão, por-tanto, na esteira do que aqui decidimos, incluídos no rol dos agentes políticos que não se sujeitam à Lei de Improbidade Administrativa.

9. Não é correta a afirmação de que o desembargador não está incluído no elenco dos agentes políticos sujeitos às sanções previstas na Lei 1.079/50. O re-gime de responsabilização decorre exclusivamente do disposto na Constituição do Brasil, não da legislação infraconstitucional.

10. Ademais, este Tribunal, no julgamento do RE 228.977, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ de 12-4-02, afirmou serem os magistrados agentes políticos. Referiu-se a eles como “agentes políticos investidos para o exercício de atribui-ções constitucionais, sendo dotados de plena liberdade funcional no desempe-nho de suas funções”.

11. Também nesse sentido a doutrina de Hely Lopes Meirelles: “agentes políticos exercem funções governamentais, judiciais e quase-judiciais, elabo-rando normas legais, conduzindo os negócios públicos, decidindo e atuando com independência nos assuntos de sua competência (...)” (in Direito Administrativo Brasileiro, 21. ed., p. 73).

Mantenho a decisão agravada. Nego provimento ao agravo regimental.

EXTRATO DA ATA

RE 579.799-AgR/SP — Relator: Ministro Eros Grau. Agravante: Mi nis tério Público do Estado de São Paulo. Agravado: Paulo Theotonio Costa (Advogados: Sebastião Botto de Barros Tojal e outros e Claudimir Daniel Rosa Salomoni).

Decisão: A Turma, por votação unânime, negou provimento ao recurso de agravo, nos termos do voto do Relator. Ausente, licenciado, o Ministro Joaquim Barbosa.

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Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Ellen Gracie, Cezar Peluso e Eros Grau. Ausente, licenciado, o Ministro Joaquim Barbosa. Subpro cura dora-Geral da República, Dra. Sandra Verônica Cureau.

Brasília, 2 de dezembro de 2008 — Carlos Alberto Cantanhede, Coor- denador.

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AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 584.436 — RJ

Relator: O Sr. Ministro Cezar PelusoAgravantes: Nadir Feijó e outros — Agravado: Odir Denolato

1. Recurso. Agravo de instrumento. Inadmissibilidade. Certidão de intimação do acórdão impugnado. Existência. Com-provação. Demonstrada a existência de peça obrigatória ao agravo de instrumento, deve ser apreciado o recurso.

2. Fiador. Locação. Ação de despejo. Sentença de proce-dência. Execução. Responsabilidade solidária pelos débitos do afiançado. Penhora de seu imóvel residencial. Bem de família. Admissibilidade. Inexistência de afronta ao direito de moradia, previsto no art. 6º da CF. Constitucionalidade do art. 3º, VII, da Lei 8.009/90, com a redação da Lei 8.245/91. Agravo regimental improvido. A penhorabilidade do bem de família do fiador do contrato de locação, objeto do art. 3º, inciso VII, da Lei 8.009, de 23 de março de 1990, com a redação da Lei 8.245, de 15 de outu-bro de 1991, não ofende o art. 6º da Constituição da República.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Se-gunda Turma do Su premo Tribunal Federal, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 3 de fevereiro de 2009 — Cezar Peluso, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Trata-se de agravo regimental contra decisão do teor seguinte:

1. Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão que, na ins-tância de origem, indeferiu processamento de recurso extraordinário.

2. Incognoscível o agravo.Está incompleto o recurso, pois a parte ora agravante não apresentou cópia da

certidão de intimação do acórdão impugnado, como o exige o art. 544, § 1º, do CPC.É velha e aturada a jurisprudência da Corte que assentou ser ônus da parte

agravante promover a total, integral e oportuna formação do instrumento, para cognição do recurso (Súmula 288; AI 214.562-AgR/SC, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 11-9-98; AI 204.057-AgR/SP, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ de 1º-10-99; AI 436.010-AgR/RS, Rel. Min. Carlos velloso, DJ de 19-9-03; AI 436.371-ED/SP, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 26-9-03; AI 454.352-AgR/

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MG, Rel. Min. Carlos Britto, DJ de 13-2-04; AI 431.665-AgR/SP, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 30-4-04; e AI 481.544-AgR/RS, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 7-5-04).

3. Ante o exposto, nego seguimento ao agravo (art. 21, § 1º, do RISTF, art. 38 da Lei 8.038, de 28-5-90, e art. 557 do CPC).(Fl. 72.)

A parte agravante alega que a comprovação da intimação do acórdão re-corrido estaria no verso da fl. 28 dos autos.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Não subsiste, deveras, o funda-mento da decisão agravada quanto à ausência da certidão de intimação do acór-dão recorrido, mas nem por isso vinga o recurso.

Com efeito, trata-se de agravo de instrumento contra decisão que indeferiu processamento de recurso extraordinário interposto contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e assim ementado:

Apelação cível – Penhorabilidade do bem de família – Preliminar de des-constituição da penhora pela ausência de registro. – Rejeição, pois a única finali-dade do registro é dar conhecimento a terceiros quanto ao gravame incidente sobre o imóvel. – Penhorabilidade do bem de família. – Exceção estabelecida pela Lei nº 8.245/91, acrescendo-se às demais exceções contidas na Lei nº 8.009/90. – Cons-titucionalidade do dispositivo. – Rejeição da preliminar – Recurso improvido.(Fl. 27.)

Sustentam os recorrentes a inconstitucionalidade do art. 3º, VII, da Lei 8.009/90.

2. Inviável o recurso.É que a tese do acórdão recorrido está em plena conformidade com a deci-

são do Plenário desta Corte que, no julgamento do RE 407.688 (DJ de 6-10-06, da minha relatoria), julgou constitucional o art. 3º, VII, da Lei 8.009/90, reconhe-cendo que a penhorabilidade de bem de família de fiador de contrato de locação não ofende o art. 6º da Constituição da República. Da ementa do acórdão consta:

Fiador. Locação. Ação de despejo. Sentença de procedência. Execução. Responsabilidade solidária pelos débitos do afiançado. Penhora de seu imóvel residencial. Bem de família. Admissibilidade. Inexistência de afronta ao direito de moradia, previsto no art. 6º da CF. Constitucionalidade do art. 3º, inciso VII, da Lei 8.009/90, com a redação da Lei 8.245/91. Recurso extraordinário despro-vido. Votos vencidos. A penhorabilidade do bem de família do fiador do contrato de locação, objeto do art. 3º, inciso VII, da Lei 8.009, de 23 de março de 1990, com a redação da Lei 8.245, de 15 de outubro de 1991, não ofende o art. 6º da Constituição da República.

3. Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.

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EXTRATO DA ATA

AI 584.436-AgR/RJ — Relator: Ministro Cezar Peluso. Agravantes: Nadir Feijó e outros (Advogada: Defensoria Pública da União). Agravado: Odir Denolato (Advogados: Angela Alves Pereira e outros).

Decisão: A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regi-mental, nos termos do voto do Relator.

Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros Celso de Mello, Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Subpro cura dor-Geral da República, Dr. Paulo da Rocha Campos.

Brasília, 3 de fevereiro de 2009 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

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AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 680.650 — DF

Relator: O Sr. Ministro Carlos BrittoAgravante: Distrito Federal — Agravados: Eliane Martins da Silva e outros

Agravo regimental em agravo de instrumento. Concurso público de Agente Penitenciário de Segunda Classe da Carreira Policial Civil do Distrito Federal. Exame psicotécnico. Ausência de ampla recorribilidade. Critérios subjetivos. Ofensa às garan-tias do contraditório e da ampla defesa.

Os atos administrativos praticados na condução de con-curso para provimento de cargos públicos devem-se pautar em critérios objetivos. Isso para permitir ao candidato a compre-ensão e eventual impugnação da nota que lhe foi atribuída em determinado exame.

Precedentes: AI 265.933-AgR, da relatoria do Ministro Se-púlveda Pertence; AI 467.616-AgR, da relatoria do Ministro Celso de Mello; e RE 326.349-AgR, da relatoria do Ministro Gilmar Mendes.

Agravo regimental a que se nega provimento.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Pri-meira Turma do Su premo Tribunal Federal negar provimento ao agravo regi-mental no agravo de instrumento, o que fazem nos termos do voto do Relator e por unanimidade de votos, em sessão presidida pelo Ministro Carlos Ayres Britto, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas.

Brasília, 16 de dezembro de 2008 — Carlos Ayres Britto, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Trata-se de agravo regimental em agravo de instrumento, este manejado contra decisão do presidente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, que negou admissibilidade ao recurso extraordinário.

2. No caso, os agravados, candidatos inscritos no concurso público de Agente Penitenciário de Se gunda Classe da Carreira Policial Civil do Distrito Federal (Edital 2/04), foram reprovados na quarta fase da primeira etapa do cer-tame, qual seja, o exame psicotécnico.

3. Pois bem, deferido pedido liminar, foi assegurada aos agravados a inclu-são na fase seguinte do concurso – bem como nas posteriores, caso aprovados.

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O juiz sentenciante, ao analisar o mérito, confirmou a liminar e julgou proce-dente o pedido para “tornar nulo o exame de avaliação psicológica realizado pelos autores, sem a necessidade de outro se realizar, para efeito de nomea-ção e posse dos mesmos no cargo de Agentes Penitenciários da Polícia Civil do Distrito Federal, acaso suplantadas as derradeiras etapas do concurso” (fl. 86). Ao fazê-lo, ponderou o magistrado que: a) o exame não se pautou em critérios objetivos; b) não foi assegurada a garantia ao recurso administrativo; c) todos os autores, já aprovados no curso de formação profissional, ainda seriam submeti-dos ao estágio probatório.

4. Sobreveio apelação interposta pelo Distrito Federal. Tanto ela quanto a remessa de ofício foram desprovidas. Entendeu a Terceira Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios que não foi garantida a amplitude recursal, pois o psicólogo contratado pelos candidatos não teve acesso aos documentos necessários para elaboração do recurso administrativo, e que não houve fundamentação para rejeição dos candidatos.

5. Opostos embargos declaratórios, foram eles rejeitados, porque não con-figuradas as hipóteses de embargabilidade previstas no art. 535 do Código de Processo Civil.

6. No recurso extraordinário, fundamentado na alínea a do inciso III do art. 102 da Constituição Federal, o Distrito Federal sustentou ofensa aos inci-sos I e II do art. 37 do referido diploma, bem como aos princípios da legalidade e igualdade entre os concorrentes. Após decisão obstativa de admissibilidade, seguiu-se a interposição de agravo de instrumento, ao qual neguei seguimento pela decisão de fls. 183 a 185.

7. Ainda inconformado, o Distrito Federal interpõe o presente agravo re-gimental. Em breve síntese, reitera as alegações de que o teste impugnado, além de estar previsto em lei, era recorrível.

8. A seu turno, a Pro cura doria-Geral da República, em parecer do Subpro-cura dor-Geral Paulo de Tarso Braz Lucas, opina pelo provimento do recurso.

9. Havendo mantido a decisão embargada, submeto o feito à apreciação desta Turma.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Tenho que a insurgência não merece acolhida. É que os atos administrativos praticados na condução de con-curso para provimento de cargos públicos se devem pautar, ainda que minima-mente, por critérios objetivos. Isso para permitir ao candidato a compreensão e eventual impugnação da nota que lhe foi atribuída em determinado exame.

12. Tal entendimento, por certo, é de se aplicar ao exame psicotécnico. De fato, ao candidato assiste o direito de contestar a nota que recebeu, bem como o direito de conhecer os fundamentos da sua reprovação.

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13. Nessa linha de raciocínio, a ausência de recorribilidade após o resul-tado do teste psicológico ofende a garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa. É dizer: negar ao psicólogo contratado pelos candidatos – caso destes autos – o acesso às provas a que eles se submeteram é o mesmo que negar o próprio direito de recorrer.

14. Por fim, a jurisprudência deste Su premo Tribunal dá respaldo ao enten-dimento aqui esposado. Senão, veja-se:

(...)2. Concurso público: ilegitimidade do exame psicotécnico, com base em cri-

térios subjetivos, sem um grau mínimo de objetividade, por não permitir o acesso ao Poder Judiciário para a verificação de eventual lesão a direito individual pelo uso desses critérios (CF, arts. 5º, XXXV, e 37, caput e incisos I e II).(AI 265.933-AgR, da relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence.)

Agravo de instrumento – Concurso público – Exame psicotécnico – Exi-gência de rigor científico – Necessidade de um grau mínimo de objetividade – Direito do candidato de conhecer os critérios norteadores da elaboração e das conclusões resultantes dos testes psicológicos que lhe tenham sido desfa-voráveis – Possibilidade de impugnação judicial de tais resultados – Princípio constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional dos atos da adminis-tração pública – Recurso improvido.

– O exame psicotécnico, especialmente quando possuir natureza elimi-natória, deve revestir-se de rigor científico, submetendo-se, em sua realização, à observância de critérios técnicos que propiciem base objetiva destinada a viabilizar o controle jurisdicional da legalidade, da correção e da razoabilidade dos parâmetros norteadores da formulação e das conclusões resultantes dos testes psicológicos, sob pena de frustrar-se, de modo ilegítimo, o exercício, pelo can-didato, da garantia de acesso ao Poder Judiciário, na hipótese de lesão a direito. Precedentes.(AI 467.616-AgR, da relatoria do Ministro Celso de Mello.)

Recurso extraordinário. Agravo regimental. 2. Concurso público. Exame psicotécnico previsto no edital que rege o concurso, com base em critérios me-ramente subjetivos. Irrecorribilidade de seu resultado. 3. Violação dos arts. 5º, XXXV, e 37, caput e incisos I e II, da Constituição Federal. Precedentes. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.(RE 326.349-AgR, da relatoria do Ministro Gilmar Mendes.)

15. Pelos motivos expendidos, nego provimento ao agravo regimental.16. É o meu voto.

EXTRATO DA ATA

AI 680.650-AgR/DF — Relator: Ministro Carlos Britto. Agravante: Dis-trito Federal (Advogado: PGDF – Alysson Sousa Mourão). Agravados: Eliane Martins da Silva e outros (Advogados: Vanderlei Silva Pérez e outros).

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Decisão: A Turma negou provimento ao agravo regimental no agravo de instrumento, nos termos do voto do Relator. Unânime. Presidiu o julgamento o Ministro Carlos Britto. Não participou, justificadamente, deste julgamento o Ministro Marco Aurélio, Presidente.

Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Ministros Carlos Britto, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Subpro-cura dor-Geral da República, Dr. Paulo de Tarso Braz Lucas.

Brasília, 16 de dezembro de 2008 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

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DECISÕES MONOCRÁTICAS

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AÇÃO CAUTELAR 2.030 — SP

Relator: O Sr. Ministro Cezar PelusoRequerente: Rhodia Poliamida e Especialidades Ltda. (Advogados: Paulo

Akiyo Yassui e outros) — Requerido: Vice-Presidente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (Recurso Extraordinário na Apelação em Mandado de Segurança 2000.61.00.007499-9) — Interessada: União (Advogada: Pro cura-doria-Geral da Fazenda Nacional)

Decisão: 1. Trata-se de ação cautelar com o objetivo de destrancar recurso extraordinário cujo processamento foi sobrestado até decisão final desta Corte sobre a matéria e sua repercussão geral.

O Autor alega que o sobrestamento do feito foi equivocado, na medida em que a decisão recorrida contraria jurisprudência dominante desta Corte, sendo, neste caso, presumida a repercussão geral, nos exatos termos do § 3º do art. 543-A do Código de Processo Civil.

Aduz que, “não obstante tendo sido interposto o Recurso Extraordinário de fls., com o máximo rigor técnico, e ainda, não obstante tendo sido regis-trado, nesse Recurso Extraordinário, que o pleno do Colendo STF já decretara a inconstitucionalidade do artigo 3º, § 1º da Lei 9.718/98, o r. Despacho da E. Vice-Presidente do Egrégio TRF-3ª Região/SP houve por bem em determinar ‘o sobrestamento da análise de admissibilidade do presente recurso extraordinário, nos termos do § 1º do artigo 543-B, até pronunciamento definitivo do Colendo Su premo Tribunal Federal sobre a matéria em tela’, ou seja, sobre a matéria em questionamento nos autos paradigma de nº 2001.61.09.001296-8 (inconstitucio-nal aumento da base de cálculo do PIS, perpetrado pelo artigo 3º, § 1º da Lei 9.718/98)” (fl. 14).

E acrescenta: “ocorre, todavia, que, o r. Despacho (...), a ver da Re que ren te, labora em equívoco, eis que não se aplica, ao caso do Recurso Extraordinário interposto de fls., o disposto no § 1º do artigo 543-B, do CPC, quando a tese em

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discussão – no caso, a inconstitucionalidade do aumento da base de cálculo do PIS, perpetrado pelo artigo 3º, § 1º, da Lei 9.718/98 – já foi decidida, pelo Pleno, do Colendo STF, consoante atesta o citado informativo STF nº 408/05, que, no julgamento dos Recursos Extraordinários nºs 357.950/RS, 358.273/RS, 390.840/MG e 346.084/PR, já decretou a inconstitucionalidade do artigo 3º, § 1º da Lei 9.718/98, mas, sim, há de se aplicar, ao caso (...), o disposto no § 3º do artigo 543-A, do CPC, ou seja, quando o Recurso Extraordinário impugna decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal (leia-se STF), há sempre repercussão geral, e, por via de conseqüência, há de ser processada a imediata análise de admissibilidade do Recurso Extraordinário de fls., e que, constatando o rigor técnico em que foi interposto o Recurso Extraordinário de fls., determinar o seu seguimento imediato ao Colendo STF” (fls. 18-19).

Requer, assim, seja deferida medida liminar, para determinar, ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região (“TRF3”), o destrancamento do recurso extraor-dinário e sua remessa imediata ao Su premo Tribunal Federal.

2. Inconsistente o pedido.Frágil o argumento de que o sobrestamento determinado pelo TRF3 foi

equivocado. O Tribunal de origem determinou, corretamente, a suspensão do exame da admissibilidade de recursos múltiplos (dentre os quais já fora reme-tido um, paradigmático, ao STF), até pronunciamento definitivo do Plenário so-bre a matéria objeto de repercussão geral, nos termos do art. 543-B, § 1º.

Não caberia, de fato, ao TRF3 decidir sobre a existência de repercussão geral “presumida”, por entender, eventualmente, que a decisão recorrida teria contrariado “súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal”. Essa disposi-ção, prevista no art. 543-A, § 3º, do CPC, tem por destinatário normativo o pró-prio Su premo Tribunal Federal, ao qual compete decidir acerca da existência, ou não, de jurisprudência dominante ou súmula capaz de configurar a repercus-são geral presumida da matéria.

3. Observo, ademais, que o paradigma originalmente enviado pelo TRF3 a esta Corte (Autos 2000.61.09.001296-8) foi substituído pelo RE 585.235 (oriundo do AMS 2005.38.00.020245-9/MG), em cuja questão de ordem foi reconhecida a existência de repercussão geral e, reafirmado o entendimento jurisprudencial já existente sobre o tema, nos seguintes termos:

O Tribunal, por unanimidade, resolveu questão de ordem no sentido de reconhecer a repercussão geral da questão constitucional, reafirmar a juris-prudência do Tribunal acerca da inconstitucionalidade do § 1º do art. 3º da Lei 9.718/98 e negar provimento ao recurso da Fazenda Nacional, tudo nos ter-mos do voto do Relator. Vencido, parcialmente, o Ministro Marco Aurélio, que entendia ser necessária a inclusão do processo em pauta. Em seguida, o Tribunal, por maioria, aprovou proposta do Relator para edição de súmula vinculante so-bre o tema, e cujo teor será deliberado nas próximas sessões, vencido o Ministro Marco Aurélio, que reconhecia a necessidade de encaminhamento da proposta à Comissão de Jurisprudência. Votou o Presidente, Ministro Gilmar Mendes.

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Ausentes, justificadamente, o Ministro Celso de Mello e a Ministra Ellen Gracie e, neste julgamento, o Ministro Joaquim Barbosa.(RE 585.235-QO, Rel. Min. Cezar Peluso, j. em 10-9-08. V. Informativo 519).

Ora, conforme andamento processual extraído do sítio eletrônico do TRF3, verifica-se, na data de 30-1-09, registro de certidão de que “houve altera-ção de paradigma para RE 585.235/MG”, o que faz supor esteja aquele Tribunal na iminência de reformar seu acórdão datado de 17-12-03 (que deu provimento à apelação e à remessa oficial, fl. 241), para, em juízo de retratação, adequá-lo à jurisprudência da Suprema Corte sobre a questão.

4. Somente na hipótese de manutenção do equivocado acórdão poderá o STF, se admissível o recurso extraordinário, “cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada” (CPC, art. 543-B, § 4º). Não lhe com-pete, porém, analisar medida cautelar antes da reapreciação da decisão pelo tribunal a quo.

Logo, tendo em vista o reconhecimento da repercussão geral do objeto do recurso, bem como a deliberação da Corte no sentido de reafirmar sua jurispru-dência a respeito, cumpre ao TRF3 ajustar sua decisão à jurisprudência consti-tucional aqui firmada.

Tal conclusão, no entanto, não implica admitir caiba ação cautelar perante o Su premo Tribunal Federal para impor essa providência.

5. Ante o exposto, com base no § 1º do art. 21 do RISTF, no art. 38 da Lei 8.038, de 28-5-90, e no art. 557 do CPC, não conheço da ação cautelar, determi-nando-lhe o oportuno arquivamento dos autos.

Publique-se.Brasília, 3 de fevereiro de 2009 — Ministro Cezar Peluso, Relator.

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MEDIDA CAUTELAR NO HABEAS CORPUS 96.715 — SP

Relator: O Sr. Ministro Celso de MelloPaciente: Lidionice Alves dos Santos — Impetrantes: Wagner Paulo da

Costa Francisco e outros — Coator: Superior Tribunal de Justiça

Habeas corpus. Vedação legal absoluta, em caráter aprio-rístico, da concessão de liberdade provisória. Lei de Drogas (art. 44). Inconstitucionalidade. Ofensa aos postulados consti-tucionais da presunção de inocência, do due process of law, da dignidade da pessoa humana e da proporcionalidade. O signifi-cado do princípio da proporcionalidade, visto sob a perspectiva da “proibição do excesso”: fator de contenção e conformação da própria atividade normativa do Estado. Precedente do Su premo Tribunal Federal: ADI 3.112/DF (Estatuto do Desarmamento, art. 21). Caráter extraordinário da privação cautelar da li-berdade individual. Não se decreta prisão cautelar, sem que haja real necessidade de sua efetivação, sob pena de ofensa ao status libertatis daquele que a sofre. Evasão do distrito da culpa: fator que, por si só, não autoriza a prisão preventiva. Irrelevância, para efeito de controle da legalidade do decreto de prisão cautelar, de eventual reforço de argumentação acres-cido por tribunais de jurisdição superior. Precedentes. Medida cautelar deferida.

Decisão: Trata-se de “habeas corpus”, com pedido de medida liminar, impetrado contra decisão, que, emanada do E. Superior Tribunal de Justiça, restou consubstanciada em acórdão assim ementado (fl. 255):

PROCESSUAL PENAL. “HABEAS CORPUS”. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. PRISÃO EM FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISÓ-RIA. VEDAÇÃO LEGAL. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELE-VÂNCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO-CONFIGURADO. ORDEM DENEGADA.

1. O inciso XLIII do art. 5º da Constituição Federal estabelece que o trá-fico ilícito de entorpecentes constitui crime inafiançável.

2. Não sendo possível a concessão de liberdade provisória com fiança, com maior razão é a não-concessão de liberdade provisória sem fiança.

3. A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça consolidou o enten-dimento de que a vedação imposta pelo art. 2º, II, da Lei 8.072/90 é fundamento suficiente para o indeferimento da liberdade provisória (HC 76.779/MT, Rel. Min. FELIX FISCHER, DJ de 4/4/08).

4. A Lei 11.343/06, expressamente, fez constar que o delito de tráfico de drogas é insuscetível de liberdade provisória.

5. Conforme pacífico magistério jurisprudencial, eventuais condições pessoais favoráveis à paciente – tais como primariedade, bons antecedentes, endereço certo, família constituída ou profissão lícita – não garantem o direito

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à revogação da custódia cautelar, quando presentes os requisitos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal.

6. Ordem denegada.(HC 113.558/SP, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA – Grifei.)

O E. Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o pedido de “habeas cor-pus”, justificou a medida excepcional da prisão cautelar ora questionada, den-tre outros argumentos, sob o de que “(...) a Lei 11.343/06, expressamente, fez constar que o delito de tráfico de drogas é insuscetível de liberdade provisória (...)” (grifei).

Sendo esse o contexto, passo a apreciar o pedido de medida liminar.E, ao fazê-lo, observo que os elementos produzidos nesta sede processual

revelam-se suficientes para justificar, na espécie, a meu juízo, o acolhimento da pretensão cautelar deduzida pelos ora impetrantes, eis que concorrem, no caso, os requisitos autorizadores da concessão da medida em causa.

Mostra-se importante ter presente, no caso, quanto à Lei 11.343/06, que o seu art. 44 proíbe, de modo abstrato e “a priori”, a concessão da liberdade provisória nos “crimes previstos nos art. 33, ‘caput’ e § 1º e 34 a 37 desta Lei”.

Cabe assinalar que eminentes penalistas, examinando o art. 44 da Lei 11.343/06, sustentam a inconstitucionalidade da vedação legal à liberdade provisória prevista em mencionado dispositivo legal (ROGÉRIO SANCHES CUNHA, “Da Repressão à Produção Não Autorizada e ao Tráfico Ilícito de Drogas”, “in” LUIZ FLÁVIO GOMES (Coord.), “Lei de Drogas Comentada”, p. 232/233, item n. 5, 2ª ed., 2007, RT”; FLÁVIO OLIVEIRA LUCAS, “Crimes de Uso Indevido, Produção Não Autorizada e Tráfico Ilícito de Drogas – Comentários à Parte Penal da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006”, “in” MARCELLO GRANADO (Coord.), “A Nova Lei Antidrogas: Teoria, Crítica e Comentários à Lei 11.343/06”, p. 113/114, 2006, Editora Impetus”; FRAN-CIS RAFAEL BECK, “A Lei de Drogas e o Surgimento de Crimes ‘Supra-hediondos’: uma necessária análise acerca da aplicabilidade do artigo 44 da Lei 11.343/06”, “in” ANDRÉ LUÍS CALLEGARI e MIGUEL TEDESCO WEDY (Org.), “Lei de Drogas: aspectos polêmicos à luz da dogmática penal e da política criminal”, p. 161/168, item n. 3, 2008, Livraria do Advogado Edi-tora”, v.g.).

Cumpre observar, ainda, por necessário, que regra legal, de conteúdo material virtualmente idêntico ao do preceito em exame, consubstanciada no art. 21 da Lei 10.826/03, foi declarada inconstitucional por esta Suprema Corte.

A regra legal ora mencionada, cuja inconstitucionalidade foi reconhe-cida pelo Su premo Tribunal Federal, inscrita no Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/03), tinha a seguinte redação:

Art. 21. Os crimes previstos nos arts. 16, 17 e 18 são insuscetíveis de liber-dade provisória.(Grifei.)

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Essa vedação apriorística de concessão de liberdade provisória, rei-terada no art. 44 da Lei 11.343/06 (Lei de Drogas), tem sido repelida pela jurisprudência do Su premo Tribunal Federal, que a considera incompatível, independentemente da gravidade objetiva do delito, com a presunção de ino-cência e a garantia do “due process”, dentre outros princípios consagrados pela Constituição da República.

Foi por tal razão, como precedentemente referido, que o Plenário do Su premo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 3.112/DF, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, declarou a inconstitucionalidade do art. 21 da Lei 10.826/03, (Estatuto do Desarmamento), em decisão que, no ponto, está assim ementada:

(...) V – Insusceptibilidade de liberdade provisória quanto aos delitos elen-cados nos arts. 16, 17 e 18. Inconstitucionalidade reconhecida, visto que o texto magno não autoriza a prisão “ex lege”, em face dos princípios da presunção de inocência e da obrigatoriedade de fundamentação dos mandados de prisão pela autoridade judiciária competente.(Grifei.)

Essa mesma situação registra-se em relação ao art. 7º da Lei do Crime Organizado (Lei 9.034/95), cujo teor normativo também reproduz a mesma proibição que o art. 44 da Lei de Drogas estabeleceu, “a priori”, em caráter abstrato, a impedir, desse modo, que o magistrado atue, com autonomia, no exame da pretensão de deferimento da liberdade provisória.

Essa repulsa a preceitos legais, como esses que venho de referir, en-contra apoio em autorizado magistério doutrinário (LUIZ FLÁVIO GOMES, em obra escrita com Raúl Cervini, “Crime Organizado”, p. 171/178, item n. 4, 2ª ed., 1997, RT; GERALDO PRADO e WILLIAM DOUGLAS, “Comen-tários à Lei contra o Crime Organizado”, p. 87/91, 1995, Del Rey; ROBERTO DELMANTO JUNIOR, “As modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração”, p. 142/150, item n. 2, “c”, 2ª ed., 2001, Renovar e ALBERTO SILVA FRANCO, “Crimes Hediondos”, p. 489/500, item n. 3.00, 5ª ed., 2005, RT, v.g.).

Vê-se, portanto, que o Poder Público, especialmente em sede processual penal, não pode agir imoderadamente, pois a atividade estatal, ainda mais em tema de liberdade individual, acha-se essencialmente condicionada pelo prin-cípio da razoabilidade.

Como se sabe, a exigência de razoabilidade traduz limitação material à ação normativa do Poder Legislativo.

O exame da adequação de determinado ato estatal ao princípio da propor-cionalidade, exatamente por viabilizar o controle de sua razoabilidade, com fundamento no art. 5º, LV, da Carta Política, inclui-se, por isso mesmo, no âm-bito da própria fiscalização de constitucionalidade das prescrições normativas emanadas do Poder Público.

Esse entendimento é prestigiado pela jurisprudência do Su premo Tri-bunal Federal, que, por mais de uma vez, já advertiu que o Legislativo não

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pode atuar de maneira imoderada, nem formular regras legais cujo conteúdo revele deliberação absolutamente divorciada dos padrões de razoabilidade.

Coloca-se em evidência, neste ponto, o tema concernente ao princí-pio da proporcionalidade, que se qualifica – enquanto coeficiente de afe-rição da razoabilidade dos atos estatais (CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, “Curso de Direito Administrativo”, p. 56/57, itens ns. 18/19, 4ª ed., 1993, Malheiros; LÚCIA VALLE FIGUEIREDO, “Curso de Direito Administrativo”, p. 46, item n. 3.3, 2ª ed., 1995, Malheiros) – como postulado básico de contenção dos excessos do Poder Público.

Essa é a razão pela qual a doutrina, após destacar a ampla incidência desse postulado sobre os múltiplos aspectos em que se desenvolve a atuação do Estado – inclusive sobre a atividade estatal de produção normativa – ad-verte que o princípio da proporcionalidade, essencial à racionalidade do Estado Democrático de Direito e imprescindível à tutela mesma das liberdades fundamentais, proíbe o excesso e veda o arbítrio do Poder, extraindo a sua justificação dogmática de diversas cláusulas constitucionais, notadamente daquela que veicula, em sua dimensão substantiva ou material, a garan-tia do “due process of law” (RAQUEL DENIZE STUMM, “Princípio da Proporcionalidade no Direito Constitucional Brasileiro”, p. 159/170, 1995, Livraria do Advogado Editora; MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, “Direitos Humanos Fundamentais”, p. 111/112, item n. 14, 1995, Saraiva; PAULO BONAVIDES, “Curso de Direito Constitucional”, p. 352/355, item n. 11, 4ª ed., 1993, Malheiros).

Como precedentemente enfatizado, o princípio da proporcionalidade visa a inibir e a neutralizar o abuso do Poder Público no exercício das funções que lhe são inerentes, notadamente no desempenho da atividade de caráter legislativo. Dentro dessa perspectiva, o postulado em questão, enquanto categoria funda-mental de limitação dos excessos emanados do Estado, atua como verdadeiro parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais.

Isso significa, dentro da perspectiva da extensão da teoria do desvio de poder ao plano das atividades legislativas do Estado, que este não dispõe de competência para legislar ilimitadamente, de forma imoderada e irrespon-sável, gerando, com o seu comportamento institucional, situações normativas de absoluta distorção e, até mesmo, de subversão dos fins que regem o desem-penho da função estatal.

A jurisprudência constitucional do Su premo Tribunal Federal, bem por isso, tem censurado a validade jurídica de atos estatais, que, desconside-rando as limitações que incidem sobre o poder normativo do Estado, veiculam prescrições que ofendem os padrões de razoabilidade e que se revelam desti-tuídas de causa legítima, exteriorizando abusos inaceitáveis e institucionali-zando agravos inúteis e nocivos aos direitos das pessoas (RTJ 160/140-141, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RTJ 176/578-579, Rel. Min. CELSO DE MELLO – ADI 1.063/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).

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Daí a advertência de que a interdição legal “in abstracto”, vedatória da concessão de liberdade provisória, como na hipótese prevista no art. 44 da Lei 11.343/06, incide na mesma censura que o Plenário do Su premo Tribunal Federal estendeu ao art. 21 do Estatuto do Desarmamento, considerados os múltiplos postulados constitucionais violados por semelhante regra legal, eis que o legislador não pode substituir-se ao juiz na aferição da existência, ou não, de situação configuradora da necessidade de utilização, em cada situação concreta, do instrumento de tutela cautelar penal.

Igual objeção pode ser oposta ao E. Superior Tribunal de Justiça, cujo en-tendimento, fundado em juízo meramente conjectural (sem qualquer referência a situações concretas) – no sentido de que “(...) a vedação imposta pelo art. 2º, II, da Lei 8.072/90 é (...) fundamento idôneo para a não concessão da liberdade provisória nos casos de crimes hediondos ou a ele equiparados, dispensando, dessa forma, o exame dos pressupostos de que trata o art. 312 do CPP” (fl. 257 – grifei) –, constitui, por ser destituído de base empírica, presunção arbitrária que não pode legitimar a privação cautelar da liberdade individual.

O Su premo Tribunal Federal, de outro lado, tem advertido que a natu-reza da infração penal não se revela circunstância apta a justificar, só por si, a privação cautelar do “status libertatis” daquele que sofre a persecução criminal instaurada pelo Estado.

Esse entendimento vem sendo observado em sucessivos julgamen-tos proferidos no âmbito desta Corte, mesmo que se trate de réu processado por suposta prática de crimes hediondos ou de delitos a estes equiparados (HC 80.064/SP, Rel. p/ o acórdão Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – HC 92.299/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – HC 93.427/PB, Rel. Min. EROS GRAU – RHC 71.954/PA, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – RHC 79.200/BA, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, v.g.):

A gravidade do crime imputado, um dos malsinados “crimes hediondos” (Lei 8.072/90), não basta à justificação da prisão preventiva, que tem natureza cautelar, no interesse do desenvolvimento e do resultado do processo, e só se legitima quando a tanto se mostrar necessária: não serve a prisão preventiva, nem a Constituição permitiria que para isso fosse utilizada, a punir sem processo, em atenção à gravi-dade do crime imputado, do qual, entretanto, “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (CF, art. 5º, LVII).(RTJ 137/287, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – Grifei.)

A ACUSAÇÃO PENAL POR CRIME HEDIONDO NÃO JUSTIFICA A PRIVAÇÃO ARBITRÁRIA DA LIBERDADE DO RÉU.

– A prerrogativa jurídica da liberdade – que possui extração constitucio-nal (CF, art. 5º, LXI e LXV) – não pode ser ofendida por atos arbitrários do Poder Público, mesmo que se trate de pessoa acusada da suposta prática de crime hediondo, eis que, até que sobrevenha sentença condenatória irrecorrível (CF, art. 5º, LVII), não se revela possível presumir a culpabilidade do réu, qualquer que seja a natureza da infração penal que lhe tenha sido imputada.(RTJ 187/933, Rel. Min. CELSO DE MELLO.)

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Tenho por inadequada, desse modo, para efeito de se justificar a de-cretação da prisão cautelar da ora Paciente, a invocação – feita pelas instâncias judiciárias inferiores – do art. 44 da Lei 11.343/06 ou do art. 2º, inciso II, da Lei 8.072/90, especialmente depois de editada a Lei 11.464/07, que excluiu, da ve-dação legal de concessão de liberdade provisória, todos os crimes hediondos e os delitos a eles equiparados, como o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins.

Vale referir, também, que não se reveste de idoneidade jurídica, para efeito de justificação do ato excepcional de privação cautelar da liberdade in-dividual, a alegação de “evasão do distrito da culpa” (fl. 258).

É que, ainda que se tratasse, no caso em exame, de evasão (o que não se presume), mesmo assim tal circunstância não justificaria, só por si, na linha do magistério jurisprudencial desta Suprema Corte (RTJ 175/715 – RTJ 180/262, v.g.), a utilização, contra a ora paciente, do instituto da tutela cautelar penal, como resulta claro de decisão emanada do Su premo Tribunal Federal:

PRISÃO CAUTELAR E EVASÃO DO DISTRITO DA CULPA.– A mera evasão do distrito da culpa – seja para evitar a configuração do

estado de flagrância, seja, ainda, para questionar a legalidade e/ou a validade da própria decisão de custódia cautelar – não basta, só por si, para justificar a decretação ou a manutenção da medida excepcional de privação cautelar da li-berdade individual do indiciado ou do réu.

– A prisão cautelar – qualquer que seja a modalidade que ostente no or-denamento positivo brasileiro (prisão em flagrante, prisão temporária, prisão preventiva, prisão decorrente de sentença de pronúncia ou prisão motivada por condenação penal recorrível) – somente se legitima, se se comprovar, com apoio em base empírica idônea, a real necessidade da adoção, pelo Estado, dessa ex-traordinária medida de constrição do “status libertatis” do indiciado ou do réu. Precedentes. (...).(HC 89.501/GO, Rel. Min. CELSO DE MELLO.)

Nem se diga que a decisão de primeira instância teria sido reforçada, em sua fundamentação, pelos julgamentos emanados do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (HC 1.217.026-3/9-00) e do E. Superior Tribunal de Justiça (HC 113.558/SP), nos quais se denegou a ordem de “habeas corpus” então pos-tulada em favor da ora paciente.

Cabe ter presente, neste ponto, na linha da orientação jurisprudencial que o Su premo Tribunal Federal firmou na matéria, que a legalidade da deci-são que decreta a prisão cautelar ou que denega liberdade provisória deverá ser aferida em função dos fundamentos que lhe dão suporte, e não em face de eventual reforço advindo dos julgamentos emanados das instâncias judiciárias superiores (HC 90.313/PR, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.):

(...) Às instâncias subseqüentes não é dado suprir o decreto de prisão cautelar, de modo que não pode ser considerada a assertiva de que a fuga do Paciente constitui fundamento bastante para enclausurá-lo preventivamente (...).(RTJ 194/947-948, Rel. p/ o ac. Min. EROS GRAU – Grifei.)

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A motivação, portanto, há de ser própria, inerente e contemporânea à de-cisão que decreta o ato excepcional de privação cautelar da liberdade, pois – in-sista-se – a ausência ou a deficiência de fundamentação não podem ser supridas “a posteriori” (RTJ 59/31 – RTJ 172/191-192 – RT 543/472 – RT 639/381, v.g.):

Prisão preventiva: análise dos critérios de idoneidade de sua motivação à luz de jurisprudência do Su premo Tribunal.

1. A fundamentação idônea é requisito de validade do decreto de prisão preventiva: no julgamento do habeas corpus que o impugna não cabe às suces-sivas instâncias, para denegar a ordem, suprir a sua deficiência originária, me-diante achegas de novos motivos por ele não aventados: precedentes.(RTJ 179/1135-1136, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – Grifei.)

Em suma: a análise dos fundamentos invocados pela parte ora impetrante leva-me a entender que a decisão judicial de primeira instância não observou os critérios que a jurisprudência do Su premo Tribunal Federal firmou em tema de prisão cautelar.

Sendo assim, tendo presentes as razões expostas, defiro o pedido de medida liminar, para, até final julgamento desta ação de “habeas corpus”, suspender, cautelarmente, a eficácia do decreto de prisão preventiva da ora Paciente, referentemente ao Processo 122/08 (1ª Vara Criminal da Comarca de Peruíbe/SP).

Caso a paciente já tenha sofrido prisão cautelar em decorrência da deci-são proferida no caso em exame (Processo 122/08), deverá ser posta, imedia-tamente, em liberdade, se por al não estiver presa.

Comunique-se, com urgência, transmitindo-se cópia da presente de-cisão ao E. Superior Tribunal de Justiça (HC 113.558/SP), ao E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (HC 1.217.026-3/9-00) e à MM. Juíza de Direito da 1ª Vara Criminal da Comarca de Peruíbe/SP (Processo 122/08).

Publique-se.Brasília, 19 de dezembro de 2008 — Celso de Mello, Relator.

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MEDIDA CAUTELAR NO HABEAS CORPUS 96.958 — SP

Relator: O Sr. Ministro Celso de MelloPacientes: Pedro Braz dos Santos da Cunha, Washington Luiz Valentim

Batista e André Luiz Silva Costa — Impetrante: Rafael Ramia Muneratti — Coator: Superior Tribunal de Justiça

Habeas corpus. Defensor público que foi injustamente im-pedido de fazer sustentação oral, por ausência de intimação pessoal quanto à data da sessão de julgamento da apelação cri-minal interposta pelos Pacientes. Configuração de ofensa à ga-rantia constitucional da ampla defesa. nulidade do julgamento. Liminar deferida.

– A sustentação oral – que traduz prerrogativa jurídica de essencial importância – compõe o estatuto constitucional do direito de defesa. A injusta frustração desse direito, por falta de intimação pessoal do Defensor Público para a sessão de julga-mento de apelação criminal, afeta, em sua própria substância, o princípio constitucional da amplitude de defesa. O cercea-mento do exercício dessa prerrogativa – que constitui uma das projeções concretizadoras do direito de defesa – enseja, quando configurado, a própria invalidação do julgamento realizado pelo Tribunal, em função da carga irrecusável de prejuízo que lhe é ínsita. Precedentes do STF.

Decisão: Trata-se de “habeas corpus”, com pedido de medida liminar, impetrado contra decisão, que, emanada da Quinta Turma do E. Superior Tribunal de Justiça, restou consubstanciada em acórdão assim ementado (apenso, fl. 91):

PROCESSUAL PENAL. “HABEAS CORPUS”. AUSÊNCIA DE IN-TIMAÇÃO PESSOAL DE DEFENSOR PÚBLICO DA SESSÃO DE JULGA-MENTO DO RECURSO DE APELAÇÃO. NULIDADE. ARGÜIÇÃO TARDIA. PRECLUSÃO. ORDEM DENEGADA.

1. A ausência de intimação pessoal de defensor público para a sessão de julgamento de recurso criminal é causa de nulidade. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça.

2. Hipótese em que, mesmo tendo o defensor público sido intimado pesso-almente do acórdão proferido no julgamento da apelação, quedou-se inerte a de-fesa em oferecer, tempestivamente, a indispensável impugnação, apresentando-a após o trânsito em julgado do “decisum”, motivo pelo qual tem-se por sanada a alegada nulidade, em virtude da preclusão.

3. Ordem denegada.(HC 106.930/SP, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA – Grifei.)

Alega-se, na presente sede processual, que o E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo não poderia ter julgado, sem a prévia intimação pessoal

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da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, o recurso de apelação interposto pelos ora Pacientes.

Busca-se, pois, nesta impetração, a concessão de ordem, “para, reconhe-cendo o constrangimento ilegal, ser anulada a ação penal, desde o indevido julgamento da apelação, para que outro julgamento seja proferido” (fl. 7).

Entendo que se mostra densa a plausibilidade jurídica da pretensão cautelar ora deduzida, seja examinando-se a postulação quanto à necessidade de intimação pessoal do Defensor Público, seja quanto à essencialidade do di-reito de fazer sustentação oral perante os Tribunais nas hipóteses previstas na legislação processual ou nos regimentos internos das Cortes judiciárias.

Cumpre rememorar, desde logo, quanto ao primeiro fundamento desta impetração, que o próprio ordenamento positivo brasileiro torna imprescindí-vel a intimação pessoal do defensor nomeado dativamente (CPP, art. 370, § 4º, na redação dada pela Lei 9.271/96) e reafirma a indispensabilidade da pessoal intimação dos Defensores Públicos em geral (LC 80/94, art. 44, I; art. 89, I, e art. 128, I), inclusive dos Defensores Públicos dos Estados-membros (LC 80/94, art. 128, I; Lei 1.060/50, art. 5º, § 5º, na redação dada pela Lei 7.871/89).

A exigência de intimação pessoal do Defensor Público e do Advogado dativo, notadamente em sede de persecução penal (HC 82.315/SP, Rel. Min. ELLEN GRACIE), atende a uma imposição que deriva do próprio texto da Constituição da República, no ponto em que o nosso estatuto fundamental es-tabelece, em favor de qualquer acusado, o direito à plenitude de defesa, em procedimento estatal que respeite as prerrogativas decorrentes da cláusula constitucional do “due process of law”.

É por tal razão que ambas as Turmas do Su premo Tribunal Federal re-conhecem que a falta de intimação pessoal, nas hipóteses legais referidas, qua-lifica-se como causa geradora de nulidade processual absoluta (HC 81.342/SP, Rel. Min. NELSON JOBIM – HC 83.847/PE, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – RHC 85.443/SP, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, v.g.):

“HABEAS CORPUS”. PROCESSUAL PENAL. FALTA DE INTIMA-ÇÃO PESSOAL DE DEFENSOR PÚBLICO. NULIDADE ABSOLUTA. PRE-CEDENTES. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DO EFETIVO PREJUÍZO. PRECEDENTES. ACÓRDÃO ANULADO PARA QUE OUTRO SEJA PROLATADO. ORDEM CONCEDIDA.

1. O art. 5º, § 5º, da Lei 1.060/50 prevê a necessidade de intimação pessoal do Defensor Público de todos os atos do processo, sem a qual, acarreta nulidade do acórdão prolatado.

2. A jurisprudência deste Su premo Tribunal é firme no sentido de que é desnecessária a comprovação do efetivo prejuízo para que tal nulidade seja declarada.

3. Ordem concedida, para que, após a regular intimação do defensor pú-blico, proceda-se a novo julgamento.(HC 89.190/MS, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – Grifei.)

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AÇÃO PENAL. Defensor público. Defensoria pública do Estado. Assis-tência judiciária. Sentença condenatória confirmada em grau de apelação. Re-curso especial não admitido. Intimação pessoal do Pro cura dor. Não realização. Intimação recebida por pessoa contratada para prestar serviços à Defensoria. Agravo de instrumento não conhecido. Prazo recursal que, todavia, não se ini-ciou. Nulidade processual reconhecida. HC concedido. Ofensa ao art. 5º, § 5º, da Lei nº 1.060/50, e art. 128, I, da Lei Complementar nº 80/94, e art. 370, § 4º, do Código de Processo Penal. Precedentes. É nulo o processo penal desde a intima-ção do réu que não se fez na pessoa do defensor público que o assiste na causa.(HC 85.946/MG, Rel. Min. CEZAR PELUSO – Grifei.)

A ratio subjacente à necessidade de intimação pessoal do Advogado da-tivo ou, como na espécie, do Defensor Público objetiva viabilizar o exercício, pelo réu, do seu direito à plenitude de defesa, cujo alcance concreto abrange, dentre outras inúmeras prerrogativas, o direito de sustentar, oralmente, as razões de seu pleito, inclusive perante os Tribunais em geral.

Não constitui demasia registrar, por isso mesmo, que a sustentação oral, por parte de qualquer réu, compõe, segundo entendo, o estatuto constitucional do direito de defesa (HC 94.016/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).

A sustentação oral, notadamente em sede processual penal, qualifica-se como um dos momentos essenciais da defesa. Na realidade, tenho para mim que o ato de sustentação oral compõe, como já referido, o estatuto constitucio-nal do direito de defesa, de tal modo que a indevida supressão dessa prerroga-tiva jurídica (ou injusto obstáculo a ela oposto) pode afetar, gravemente, um dos direitos básicos de que o acusado – qualquer acusado – é titular, por efeito de expressa determinação constitucional.

Esse entendimento apóia-se em diversos julgamentos proferidos por esta Suprema Corte (RTJ 140/926, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – RTJ 176/1142, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 67.556/MG, Rel. Min. PAULO BROSSARD – HC 76.275/MT, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA, v.g.), valendo referir, na linha dessa orientação, decisão consubstanciada em acór-dão assim ementado:

(...) A sustentação oral constitui ato essencial à defesa. A injusta frustra-ção desse direito afeta, em sua própria substância, o princípio constitucional da amplitude de defesa. O cerceamento do exercício dessa prerrogativa – que constitui uma das projeções concretizadoras do direito de defesa –, quando con-figurado, enseja a própria invalidação do julgamento realizado pelo Tribunal, em função da carga irrecusável de prejuízo que lhe é ínsita. Precedentes do STF.(RTJ 177/1231, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

No caso, o exame dos autos revela que a inclusão em pauta da apelação criminal interposta pelos ora pacientes não constituiu objeto da necessária intimação pessoal do Defensor Público que lhes dava patrocínio técnico, o que frustrou, injustamente, o exercício, por eles, do direito de sustentar oralmente, por intermédio de seu defensor, perante o E. Tribunal de Justiça de São Paulo, as razões do recurso interposto.

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Todos os fundamentos que venho de expor conferem, a meu juízo, densa plausibilidade jurídica à pretensão cautelar ora deduzida pela parte impetrante.

Concorre, de outro lado, na espécie, situação configuradora do “peri-culum in mora”, em razão de os ora pacientes estarem sofrendo verdadeira execução provisória da sanção penal que lhes foi imposta.

Sendo assim, em juízo de estrita delibação, e sem prejuízo de ulterior re-exame da questão suscitada nesta sede processual, defiro o pedido de medida li-minar, em ordem a suspender, cautelarmente, a execução da pena restritiva de direitos em que se converteu a pena de reclusão imposta nos autos do Processo-Crime 657/02 (14ª Vara Criminal da Comarca de São Paulo/SP).

Comunique-se, com urgência, transmitindo-se cópia da presente deci-são ao E. Superior Tribunal de Justiça (HC 106.930/SP), ao E. Tribunal de Jus-tiça do Estado de São Paulo (Apelação Criminal com Revisão 975.674.3/1-00) e ao Senhor Juiz de Direito da 14ª Vara Criminal da comarca de São Paulo/SP(Processo-Crime 657/02).

Publique-se.Brasília, 19 de dezembro de 2008 — Celso de Mello, Relator.

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RECURSO EXTRAORDINÁRIO 475.904 — MG

Relator: O Sr. Ministro Carlos BrittoRecorrente: Geneilton da Paixão — Recorrida: Companhia Energética de

Minas Gerais – CEMIG — Recorrida: Eletro Agro Albinos Ltda. ME

Decisão: Vistos, etc.Geneilton da Paixão maneja recurso extraordinário contra acórdão do

Superior Tribunal de Justiça, respaldado na alínea a do inciso III do art. 102 da Constituição Republicana.

2. Da leitura dos autos, observo que o STJ excluiu do pólo passivo da de-manda a Companhia Energética de Minas Gerais (CEMIG S.A.), concessionária do serviço de energia elétrica e contratante da empresa Eletro Agro Albinos Ltda., ora segunda recorrida. Isso por entender que a responsabilidade sobre os danos sofridos pelo recorrente, empregado da Eletro Albinos e vítima de acidente de trabalho que o deixou tetraplégico, é exclusivamente desta última empresa, contratada para executar serviço de limpeza e manutenção das linhas transmissoras de energia. Serviço que incluía a poda das árvores que se entre-laçassem na rede e em razão do qual veio o trabalhador a cair, de uma altura de seis metros, sem nenhum equipamento de segurança.

3. Pois bem, o recorrente aponta violação ao § 6º do art. 37 da Cons ti tui-ção. Sustenta que a responsabilidade civil objetiva do Estado deve “ser esten-dida aos atos praticados pelos agentes vinculados às pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos” (fl. 349).

4. Tenho que o apelo extremo merece acolhida. É que o aresto recorrido está assentado em fundamentos destoantes da jurisprudência desta colenda Corte, atinente ao conteúdo e alcance da norma inserta no § 6º do art. 37 da Lei Maior.

5. Com efeito, para excluir a Cemig do pólo passivo o Superior Tribunal de Justiça entendeu, de um lado, que o recorrente não é “terceiro”, para fins de aplicação da responsabilidade objetiva, já que ostenta a condição de empregado da empresa contratada; de outro, entendeu que os danos causados ao empregado não decorrem de “fato da obra”, o que atrairia a responsabilidade objetiva da contratante, mas sim de acidente do trabalho ocasionado por negligência da pró-pria contratada. Colho do voto condutor de fls. 293/297:

Não me parece cuidar-se, aqui, de responsabilidade objetiva do Estado, atri-buída por transferência à empresa concessionária de serviço público, eis que o aci-dente não ocorreu com pessoa ou ente estranha ao serviço, hipótese em que, aí sim, certamente caberia concorrentemente à contratante arcar com o ressarcimento.

(...)No caso dos autos, como se extrai do quadro fático, não houve danos a

terceiros causados pela obra. Houve ao próprio preposto da contratada que prestava serviços ao Estado. Não é fato da obra, embora dentro dela tivesse acontecido. Foi, isto sim, causado o sinistro por negligência e imprudência da

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empresa empregadora, que não forneceu equipamento e treinamento adequa-dos para seu preposto, que veio a cair ao solo na execução da poda das árvores.(Sem destaques no original.)

6. Sucede que “o entendimento do Su premo Tribunal Federal é no sentido de que descabe ao intérprete fazer distinções quanto ao vocábulo ‘terceiro’ contido no § 6º do art. 37 da Constituição Federal, devendo o Estado responder pelos danos causados por seus agentes qualquer que seja a vítima” (AI 473.381-AgR, Relator Ministro Carlos Velloso). É que o vocábulo “terceiros” se reporta àqueles que tenham suportado o dano. Restringir o sentido da palavra significa esvaziar a norma do § 6º do art. 37 do Magno Texto, estabelecendo distinção nele não contemplada. Significa ir na contramão da tendência ampliativa dos ca-sos de responsabilização objetiva do Estado, há tempos assumida pela doutrina e pela jurisprudência. Decerto, se qualquer outro terceiro prejudicado poderia invocar a responsabilidade objetiva da Cemig, com mais razão ainda o trabalha-dor que lhe presta serviços por meio de outra pessoa jurídica.

7. Não bastasse, também contraria entendimento desta colenda Corte a tese de que o acidente sofrido pelo recorrente não é “fato da obra” (único idôneo para atrair a responsabilidade da concessionária) e sim fato imputável exclusi-vamente à negligência e à imprudência da “empreiteira”. Realmente, no julga-mento dos RE 85.079 e RE 94.121, Relator o Ministro Moreira Alves, apreciados à luz do art. 107 da Emenda Constitucional 1/69 (dispositivo correlato ao atual § 6º do art. 37 da Carta de Outubro), ficou assentada a responsabilidade objetiva do Estado, por danos causados a terceiros, mesmo em caso de culpa exclusiva do empreiteiro. Senão, veja-se:

Responsabilidade das pessoas jurídicas de direito público por dano decor-rente de culpa do empreiteiro na realização de obra pública.

– A alusão do art. 107 da Constituição Federal a danos que os funcionários das pessoas jurídicas de direito público, nessa qualidade, causarem não implica não possam elas ser responsabilizadas solidariamente com o empreiteiro, quando o prejuízo decorra da culpa deste, na realização de obra pública. (...)

8. Daí por que, já no corpo do voto condutor, S. Exa. o Ministro Moreira Alves esclareceu (sem grifos no original):

(...) Por isso é que se explica a responsabilidade objetiva do Estado pelo fato mesmo da obra, sem culpa do empreiteiro que a está executando, e que, portanto, materialmente foi quem, de modo direto, deu causa ao prejuízo. O mesmo sucede, em face do terceiro prejudicado, quando o dano decorre de culpa do emprei-teiro. Não fora a obra cuja feitura foi determinada pelo Estado, e o prejuízo não se teria verificado. (...) A culpa do empreiteiro, em face do prejudicado, só interessa no plano civil, uma vez que a vítima do dano só poderá acionar, também, o empreiteiro, se este houver agido com culpa: responsabilidade resultante do art. 159 do Código Civil. Não, porém, no plano do direito público, em que a res-ponsabilidade do Estado continua a resultar do art. 107 da Constituição Federal, e, não, do art. 159 do Código Civil. O prejudicado pode acionar um ou outro, ou ambos conjuntamente (...).

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R.T.J. — 208 1317

9. Ora, no caso sob exame, exatamente assim procedeu o Recorrente, na condição de terceiro que sofreu os danos: ingressou em juízo contra a Cemig, isto é, a pessoa jurídica de direito privado prestadora do serviço público, analo-gamente considerada a “dona da obra”, de parelha com a Eletro Agro Albinos Ltda., verdadeira agente da Cemig, para fins do § 6º do art. 37 da Constituição, contratada como empreiteira dos serviços de limpeza e manutenção das linhas transmissoras de energia.

10. Por tudo quanto posto, impõe-se a reforma do aresto recorrido. Do con-trário, a concessionária do serviço público sairia duplamente aquinhoada: go-zaria da vantagem de terceirizar uma atividade que lhe incumbe e ainda ficaria livre de responder pelos danos que essa interposta pessoa causasse a terceiros. Seria, repito, o esvaziamento completo da regra do § 6º do art. 37. Certo que a execução indireta de um serviço público não tem a finalidade de eximir o presta-dor de suas responsabilidades. Muito menos a de deixar terceiros desprotegidos, sejam eles servidores, sejam empregados ou administrados.

Assim, frente ao § 1º-A do art. 557 do CPC, dou provimento ao recurso para restabelecer o acórdão do Tribunal de Justiça mineiro e, por conseqüência, isentar o recorrente do pagamento da multa que lhe foi aplicada na decisão dos embargos de declaração opostos no Superior Tribunal de Justiça.

Publique-se.Brasília, 21 de fevereiro de 2007 — Carlos Ayres Britto, Relator.

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ÍNDICE ALFABÉTICO

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APrPn Absolvição do réu. (...) Prova pericial. HC 85.718 RTJ 208/538PrCv Ação cautelar. Descabimento. Destrancamento de RE: impossibili-

dade. Recursos múltiplos: sobrestamento. Aplicação da jurisprudên-cia do STF: atribuição do tribunal a quo. CPC/73, art. 543-B, § 1º. AC 2.030 RTJ 208/1301

Cv Ação de despejo. (...) Locação. AI 584.436-AgR RTJ 208/1291Ct Ação de interesse da magistratura: não-configuração. (...) Compe-

tência jurisdicional. AO 1.464-QO RTJ 208/33 − Rcl 5.174-AgR RTJ 208/1056

PrSTF Ação direta de inconstitucionalidade. Cabimento. Ato normativo de caráter geral. Resolução do TSE. ADI 3.999 RTJ 208/1024

PrSTF Ação direta de inconstitucionalidade. Não-conhecimento. Emenda constitucional superveniente. Parâmetro constitucional: alteração substancial. CF/88, art. 48, XV, redação da EC 41/03. ADI 3.833-MC RTJ 208/989

PrPn Ação penal. Conexão. Reunião de processos: faculdade do juiz. CPP/41, art. 80. AP 493-AgR RTJ 208/14

PrPn Ação penal. Furto tentado. Princípio da insignificância: inaplicabili-dade. Requisitos objetivos: não-demonstração. HC 92.743 RTJ 208/303

PrPn Ação penal. Interrogatório. Representante do Ministério Público: não-comparecimento. Nulidade relativa argüida em revisão criminal. Preclusão. Prejuízo à defesa: ausência. HC 95.142 RTJ 208/340

PrPn Ação penal. Justa causa: análise. Porte de arma de fogo desmuniciada. Munição: indisponibilidade. Princípio da disponibilidade e da ofensi-vidade. Lei 9.437/97, art. 10. HC 85.240 RTJ 208/195

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Açã-Agr — ÍNDICE ALFABÉTICO1322

PrPn Ação penal. Trancamento: descabimento. Evasão de divisas e sone-gação fiscal: concurso material. Princípio da consunção: inaplicabili-dade. Crime-fim: extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo. Crime-meio: subsistência. HC 87.208 RTJ 208/1093

PrPn Ação penal. Trancamento: descabimento. Justa causa. Materialidade do crime e indícios de autoria. HC 91.516 RTJ 208/579

PrGr Ação penal originária e ação civil pública. (...) Exceção de suspeição. AO 1.517 RTJ 208/459

PrPn Acidente de trânsito: réu civil e vítima militar em serviço. (...) Compe-tência criminal. HC 86.216 RTJ 208/228

Adm Acompanhamento de cônjuge ou companheiro empregado público. (...) Servidor público. MS 23.058 RTJ 208/1070

PrPn Acórdão criminal. Anulação. Prisão preventiva. Concessão de regime domiciliar: decisão interlocutória. Recurso: descabimento. RHC 91.293 RTJ 208/1108

PrPn Acórdão criminal. Decisão do STJ em habeas corpus. Dosimetria da pena: anulação. Pena-base: exacerbação desproporcional. Regime semi-aberto: fixação prévia. Critério trifásico: inobservância. CP/40, art. 59: ofensa. HC 85.792 RTJ 208/217

PrPn Acórdão criminal. Progressão de regime: cassação. Fundamentação insuficiente. CF/88, art. 93, IX: ofensa. HC 95.111 RTJ 208/1172

PrPn Acórdão do STJ em RHC. (...) Recurso em habeas corpus. HC 96.453 RTJ 208/1206

PrPn Acórdão recorrido: reformatio in pejus. (...) Habeas corpus. RE 446.908 RTJ 208/1234

Trbt Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT): recepção pela CF/88. (...) Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). RE 258.759-AgR RTJ 208/1214

PrPn Advogado. (...) Prisão especial. Rcl 6.387 RTJ 208/1059Ct Afastamento do mandato. (...) Parlamentar. MS 26.602 RTJ 208/72Adm Agente político. Crime de responsabilidade. Lei de Improbidade

Administrativa: inaplicabilidade. Concorrência de regimes de res-ponsabilidade político-administrativa: impossibilidade. Lei 1.079/50. RE 579.799-AgR RTJ 208/1286

Ct Agente político com prerrogativa de foro. (...) Competência originária. AP 493-AgR RTJ 208/14

PrCv Agravo de instrumento. Certidão de intimação: peça obrigatória. Existência comprovada. CPC/73, art. 544, § 1º. AI 584.436-AgR RTJ 208/1291

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ÍNDICE ALFABÉTICO — Agr-Apl 1323

PrCv Agravo de instrumento. Conversão em recurso extraordinário. De-cisão agravada: impugnação dos fundamentos. Agravo regimental improvido. AI 700.083-AgR RTJ 208/411

PrCv Agravo de instrumento. Traslado deficiente. Cópia das contra-razões do recurso extraordinário: ausência. Juntada da peça pelo agravado em contraminuta: comprovação do vício. Formação do instrumento: ônus do agravante. CPC/73, art. 544, § 1º: inteligência. AI 676.985-AgR RTJ 208/408

PrPn Agravo regimental. Descabimento. Decisão de relator. Medida liminar em habeas corpus: indeferimento. HC 89.651-MC-AgR RTJ 208/240

PrPn Agravo regimental. Descabimento. Decisão monocrática. Medi-da liminar em habeas corpus: indeferimento. HC 95.272-MC-ED RTJ 208/345

PrCv Agravo regimental. Descabimento. Provimento de agravo de instru-mento. Recurso extraordinário: processamento. Juízo sobre admissibi-lidade ou razões do RE: inocorrência. Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF), art. 316. AI 700.083-AgR RTJ 208/411

PrCv Agravo regimental. Jurisprudência assentada. Caráter abusivo. Liti-gância de má-fé. Multa. CPC/73, art. 557, § 2º, c/c arts. 14, II e III; e 17, VII. AI 676.985-AgR RTJ 208/408

PrCv Agravo regimental. Razões novas: ausência. Jurisprudência assentada. CPC/73, arts. 544, § 3º e § 4º; e 557. RE 548.410-AgR RTJ 208/369

PrCv Agravo regimental improvido. (...) Agravo de instrumento. AI 700.083-AgR RTJ 208/411

Ct Ampla defesa. (...) Tribunal Superior Eleitoral (TSE). MS 26.602 RTJ 208/72

Int Antecipação de despesa. (...) Carta rogatória. HC 85.653 RTJ 208/524PrPn Antecipação de pena: inadmissibilidade. (...) Prisão preventiva.

HC 95.009 RTJ 208/640PrPn Anulação. (...) Acórdão criminal. RHC 91.293 RTJ 208/1108Adm Anulação. (...) Ato administrativo. RE 501.869-AgR RTJ 208/1251PrCv Aplicação da jurisprudência do STF: atribuição do tribunal a quo. (...)

Ação cautelar. AC 2.030 RTJ 208/1301PrPn Aplicação da lei penal. (...) Prisão preventiva. HC 94.122 RTJ 208/321PrPn Aplicação da lei penal: situação econômica do réu. (...) Prisão preven-

tiva. HC 95.009 RTJ 208/640PrPn Aplicação da lei penal, garantia da ordem pública e conveniência da

instrução criminal. (...) Prisão preventiva. RHC 93.174 RTJ 208/310

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Apo-Aut — ÍNDICE ALFABÉTICO1324

Adm Aposentadoria. (...) Servidor público. RE 568.377 RTJ 208/1268Adm Aposentadoria especial. Funções de magistério: conceituação. Di-

retor, coordenador e assessor pedagógico: extensão do benefício. Especialista em educação: inadmissibilidade. CF/88, arts. 40, § 5º; e 201, § 8º. Lei 11.301/06, art. 1º: interpretação conforme à Constituição. ADI 3.772 RTJ 208/961

PrSTF Argüição de descumprimento de preceito fundamental. (...) Medida cautelar. ADPF 130-QO RTJ 208/11

Pn Arma de fogo: ausência de apreensão e perícia. (...) Pena. HC 95.142 RTJ 208/340

PrPn Atenuação da pena: possibilidade. (...) Processo criminal. HC 92.743 RTJ 208/303

PrPn Atipicidade da conduta: impossibilidade de análise. (...) Habeas cor-pus. HC 91.516 RTJ 208/579

Adm Ato administrativo. Anulação. Nomeação em concurso público. Inte-resse individual. Devido processo legal: necessidade. RE 501.869-AgR RTJ 208/1251

PrCv Ato concreto do presidente da Câmara dos Deputados. (...) Mandado de segurança. MS 26.602 RTJ 208/72

PrPn Ato de membro do Ministério Público da União. (...) Competência cri-minal. RE 377.356 RTJ 208/1217

PrPn Ato de ministro ou órgão fracionário do STF. (...) Habeas corpus. HC 86.548 RTJ 208/236

Int Ato discricionário do presidente da República. (...) Expulsão de estran-geiro. HC 94.896 RTJ 208/328

PrSTF Ato normativo de caráter geral. (...) Ação direta de inconstitucionali-dade. ADI 3.999 RTJ 208/1024

Adm Audição e ciência da vistoria: desnecessidade. (...) Desapropriação. MS 25.124 RTJ 208/53

Adm Autonomia. (...) Universidade. RMS 26.369 RTJ 208/509Adm Autonomia dos tribunais. (...) Concurso público. RMS 25.294

RTJ 208/68PrSTF Autos: devolução ao STJ. (...) Recurso extraordinário. HC 95.611

RTJ 208/359Ct Autos: distribuição. (...) Precatório. RE 579.431-QO RTJ 208/372

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ÍNDICE ALFABÉTICO — Bas-Car 1325

BPrSTF Base de cálculo. (...) Recurso extraordinário. RE 585.235-RG-QO

RTJ 208/871Trbt Base de cálculo idêntica à de imposto: ausência. (...) Emolumentos.

ADI 3.887 RTJ 208/1019Cv Bem de família do fiador: penhorabilidade. (...) Locação. AI 584.436-

AgR RTJ 208/1291Trbt Benefício fiscal: Programa de Desenvolvimento da Empresa Catari-

nense (PRODEC). (...) Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). RE 459.486-AgR RTJ 208/1240

Int Bloco de constitucionalidade. (...) Tratado internacional. HC 90.450 RTJ 208/549 − HC 91.361 RTJ 208/1120

PrPn Busca e apreensão. (...) Prova criminal. HC 95.009 RTJ 208/640

CPrSTF Cabimento. (...) Ação direta de inconstitucionalidade. ADI 3.999

RTJ 208/1024PrCv Cabimento. (...) Mandado de segurança. MS 25.124 RTJ 208/53PrPn Cabimento: excepcionalidade. (...) Habeas corpus. HC 93.712

RTJ 208/593 − HC 95.009 RTJ 208/640PrPn Cabimento excepcional. (...) Liberdade provisória. HC 94.916

RTJ 208/1165 − HC 95.790 RTJ 208/362PrCv Cadastro de reserva: irrelevância. (...) Mandado de segurança.

RMS 25.310-AgR RTJ 208/505PrCv Candidato aprovado: nomeação e posse. (...) Tutela antecipada. Rcl

5.983-AgR RTJ 208/481Pn Captação, intermediação e aplicação de recursos financeiros de ter-

ceiros sem autorização do Banco Central. (...) Crime contra o Sistema Financeiro Nacional. HC 94.955 RTJ 208/335

PrCv Caráter abusivo. (...) Agravo regimental. AI 676.985-AgR RTJ 208/408PrCv Caráter preventivo. (...) Notificação judicial. Pet 4.100-AgR RTJ

208/1053PrGr Caráter protelatório. (...) Embargos de declaração. AI 643.632-AgR-

ED-ED RTJ 208/875Adm Cargo de analista judiciário na área administrativa. (...) Concurso pú-

blico. RMS 25.294 RTJ 208/68

Page 424: Revista Trimestral de Jurisprudência

Car-CF/ — ÍNDICE ALFABÉTICO1326

Adm Cargo público. Secretário de Estado: agente político. Nomeação de irmão de governador. Nepotismo: inocorrência. CF/88, art. 37, caput: ofensa inocorrente. Súmula Vinculante 13: inaplicabilidade. Rcl 6.650-MC-AgR RTJ 208/491

Int Carta rogatória. Oitiva de testemunha da defesa. Antecipação de despesa. Cerceamento de defesa: inocorrência. Portaria 26/90-MRE, redação da Portaria 16/03-MRE: inteligência. CPP/41, art. 804: compa-tibilidade. HC 85.653 RTJ 208/524

Pn Causa de aumento: inaplicabilidade. (...) Pena. HC 95.142 RTJ 208/340PrPn Causa legal de sigilo ou de reserva da conversação: ausência. (...) Prova

criminal. RE 402.717 RTJ 208/839Pn Causas interruptivas: irrelevância. (...) Pena. RE 446.908 RTJ 208/1234PrPn Cerceamento de defesa. (...) Habeas corpus. HC 91.516-ED RTJ 208/577Int Cerceamento de defesa: inocorrência. (...) Carta rogatória. HC 85.653

RTJ 208/524PrCv Cerceamento de defesa: inocorrência. (...) Decisão judicial. AI 603.460-

AgR RTJ 208/402PrCv Certidão de intimação: peça obrigatória. (...) Agravo de instrumento.

AI 584.436-AgR RTJ 208/1291Trbt Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (CE-

BAS): renovação periódica. (...) Imunidade tributária. RMS 27.093 RTJ 208/189

PrPn CF/88, art. 5º, XI, XII e XLV. (...) Prova criminal. HC 95.009 RTJ 208/640

PrPn CF/88, art. 5º, LIII: inteligência. (...) Conflito de competência. HC 95.291 RTJ 208/1176

PrPn CF/88, art. 5º, LV e LVII. (...) Liberdade provisória. HC 96.715-MC RTJ 208/1304

PrPn CF/88, arts. 5º, LXI, e 93, IX: ofensa. (...) Prisão. HC 93.712 RTJ 208/593PrPn CF/88, art. 5º, LXIII. (...) Prisão temporária. HC 95.009 RTJ 208/640Cv CF/88, art. 5º, LXVII. (...) Prisão civil. HC 90.450 RTJ 208/549 −

HC 91.361 RTJ 208/1120PrPn CF/88, art. 5º, LXXVIII. (...) Prisão preventiva. HC 89.622 RTJ

208/543 − HC 93.786 RTJ 208/599PrPn CF/88, art. 5º, LXXVIII. (...) Processo criminal. AP 493-AgR

RTJ 208/14

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ÍNDICE ALFABÉTICO — CF/-CF/ 1327

Int CF/88, art. 5º, § 2º e § 3º. (...) Tratado internacional. HC 90.450 RTJ 208/549 − HC 91.361 RTJ 208/1120

Cv CF/88, art. 6º: ofensa inocorrente. (...) Locação. AI 584.436-AgR RTJ 208/1291

Trbt CF/88, art. 7º, XI. (...) Contribuição previdenciária. RE 398.284 RTJ 208/1221

PrSTF CF/88, art. 7º, XXVI. (...) Recurso extraordinário. RE 548.410-AgR RTJ 208/369

Ct CF/88, arts. 14, § 3º, V; e 45. (...) Mandato parlamentar. MS 26.602 RTJ 208/72

Ct CF/88, arts. 22, I; 48; e 84, IV: ofensa inocorrente. (...) Tribunal Supe-rior Eleitoral (TSE). ADI 3.999 RTJ 208/1024

Ct CF/88, art. 22, XI: ofensa. (...) Competência legislativa. ADI 3.196 RTJ 208/944

Ct CF/88, art. 24, VI. (...) Competência legislativa concorrente. ADI 3.252-MC RTJ 208/951

Adm CF/88, art. 37, caput: ofensa inocorrente. (...) Cargo público. Rcl 6.650-MC-AgR RTJ 208/491

Adm CF/88, art. 37, § 6º. (...) Responsabilidade civil do Estado. RE 475.904 RTJ 208/1315

Adm CF/88, arts. 40, § 5º; e 201, § 8º. (...) Aposentadoria especial. ADI 3.772 RTJ 208/961

PrSTF CF/88, art. 48, XV, redação da EC 41/03. (...) Ação direta de inconsti-tucionalidade. ADI 3.833-MC RTJ 208/989

Ct CF/88, art. 55: não-incidência. (...) Parlamentar. MS 26.602 RTJ 208/72PrPn CF/88, art. 93, IX: ofensa. (...) Acórdão criminal. HC 95.111 RTJ

208/1172Ct CF/88, art. 102, I, n. (...) Competência originária. AO 1.517 RTJ 208/459PrGr CF/88, art. 102, I, n. (...) Exceção de suspeição. AO 1.517 RTJ 208/459Ct CF/88, art. 102, I, n: inaplicabilidade. (...) Competência jurisdicional.

Rcl 5.174-AgR RTJ 208/1056Ct CF/88, art. 102, I, o. (...) Competência originária. CC 7.242

RTJ 208/1064PrSTF CF/88, art. 103, § 1º: inteligência. (...) Recurso extraordinário.

RE 579.799-AgR RTJ 208/1286Ct CF/88, art. 105, I, a. (...) Competência originária. RE 579.799-AgR

RTJ 208/1286

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CF/-Cir — ÍNDICE ALFABÉTICO1328

PrPn CF/88, arts. 105, I, a; e 129, I. (...) Inquérito. HC 94.278 RTJ 208/605PrPn CF/88, art. 108, I, a. (...) Competência criminal. RE 377.356

RTJ 208/1217PrPn CF/88, art. 109, IV. (...) Competência criminal. RE 464.621 RTJ 208/849PrPn CF/88, art. 109, VI. (...) Competência criminal. RE 446.908

RTJ 208/1234 − RE 541.627 RTJ 208/853PrTr CF/88, art. 114, II: alcance. (...) Competência jurisdicional. RE 579.648

RTJ 208/1271PrTr CF/88, art. 114, VIII. (...) Competência jurisdicional. RE 569.056

RTJ 208/859Ct CF/88, art. 121. (...) Tribunal Superior Eleitoral (TSE). MS 26.602

RTJ 208/72Ct CF/88, art. 129, I. (...) Competência originária. AP 493-AgR RTJ 208/14Ct CF/88, art. 129, III e VI. (...) Defesa do consumidor. ACO 1.020

RTJ 208/913Adm CF/88, art. 134: ofensa. (...) Defensoria Pública estadual. ADI 3.700

RTJ 208/955PrPn CF/88, art. 142. (...) Competência criminal. HC 86.216 RTJ 208/228PrPn CF/88, art. 142: delimitação da competência. (...) Justiça Militar.

HC 86.216 RTJ 208/228Trbt CF/88, art. 145, § 2º: ofensa inocorrente. (...) Emolumentos. ADI 3.887

RTJ 208/1019Trbt CF/88, arts. 146, II; e 195, § 7º: ofensa inocorrente. (...) Imunidade

tributária. RMS 27.093 RTJ 208/189Trbt CF/88, art. 151, III: ofensa inocorrente. (...) Imposto sobre Circulação

de Mercadorias e Serviços (ICMS). RE 258.759-AgR RTJ 208/1214Trbt CF/88, art. 155, § 2º, II, b. (...) Imposto sobre Circulação de Mercado-

rias e Serviços (ICMS). RE 199.147 RTJ 208/744Trbt CF/88, art. 158, IV. (...) Imposto sobre Circulação de Mercadorias e

Serviços (ICMS). RE 459.486-AgR RTJ 208/1240Adm CF/88, art. 226. (...) Servidor público. MS 23.058 RTJ 208/1070Pn Circunstância atenuante: configuração. (...) Pena. HC 91.654 RTJ

208/584Pn Circunstância judicial desfavorável: ausência. (...) Regime prisional.

HC 94.045 RTJ 208/318PrPn Circunstâncias distintas. (...) Habeas corpus. HC 94.122 RTJ 208/321

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ÍNDICE ALFABÉTICO — Cit-Com 1329

PrPn Citação por edital. Nulidade. Meios para localização do acusado não esgotados. Prejuízo à defesa. HC 88.548 RTJ 208/1098

Ct Código Eleitoral/65, art. 23, IX. (...) Tribunal Superior Eleitoral (TSE). ADI 3.999 RTJ 208/1024

Ct Código Eleitoral/65, art. 23, XII: recepção pela CF/88. (...) Tribunal Superior Eleitoral (TSE). MS 26.602 RTJ 208/72

Ct Código Eleitoral/65, arts. 87 e 105 a 113. (...) Mandato parlamentar. MS 26.602 RTJ 208/72

Trbt Coeficiente: cálculo. (...) Fundo de Participação dos Municípios. MS 26.484 RTJ 208/518

Ct Competência. (...) Poder Executivo. ADI 3.252-MC RTJ 208/951Ct Competência. (...) Tribunal Superior Eleitoral (TSE). ADI 3.999

RTJ 208/1024 − MS 26.602 RTJ 208/72PrPn Competência criminal. Critério de fixação. Crime plurilocal. Pre-

venção. Crimes conexos: prorrogação da competência. HC 96.453 RTJ 208/1206

PrPn Competência criminal. Justiça comum estadual. Acidente de trân-sito: réu civil e vítima militar em serviço. Transporte de fardamento do Exército. Função de natureza militar: inocorrência. Homicídio e lesão corporal grave: ausência de dolo anticastrense. Justiça Militar: incompetência. CPM/69, art. 9º, III, d. CF/88, art. 142. HC 86.216 RTJ 208/228

PrPn Competência criminal. Justiça Federal. Crime contra a organização do trabalho. Redução à condição análoga à de escravo. Princípio da dignidade da pessoa humana e da liberdade de trabalho: ofensa. CP/40, arts. 132, 149, 203 e 297, § 4º. CF/88, art. 109, VI. RE 541.627 RTJ 208/853

PrPn Competência criminal. Justiça Federal. Crime contra o Sistema Finan-ceiro Nacional. Lei 7.492/86, art. 26. CF/88, art. 109, VI. RE 446.908 RTJ 208/1234

PrPn Competência criminal. Justiça Federal. Crime em detrimento de in-teresse da União. Licitação: fraude. Crime conexo: extensão. CF/88, art. 109, IV. RE 464.621 RTJ 208/849

PrPn Competência criminal. Nulidade relativa. Prevenção. Prejuízo à defe-sa: ausência. HC 96.453 RTJ 208/1206

PrPn Competência criminal. Tribunal Regional Federal (TRF). Habeas cor-pus. Ato de membro do Ministério Público da União. CF/88, art. 108, I, a. RE 377.356 RTJ 208/1217

Page 428: Revista Trimestral de Jurisprudência

Com-Com — ÍNDICE ALFABÉTICO1330

PrPn Competência criminal. Turma Recursal de Juizado Especial. Habeas corpus: processo e julgamento. Princípio do juiz natural: ofensa ino-corrente. Resolução 6/95-TJ/SC. Lei Complementar estadual 77/93/SC. Lei 9.099/95, arts. 93 e 95. RE 463.560 RTJ 208/1245

Pn Competência criminal: Júri. (...) Pena. HC 91.585 RTJ 208/251PrPn Competência do Plenário: inocorrência. (...) Habeas corpus. HC 86.548

RTJ 208/236Ct Competência do STF: inocorrência. (...) Competência jurisdicional.

AO 1.464-QO RTJ 208/33Ct Competência jurisdicional. Ação de interesse da magistratura: não-

configuração. Magistrado: perda do cargo. Interesse individual. Com-petência do STF: inocorrência. AO 1.464-QO RTJ 208/33

Ct Competência jurisdicional. Indenização de férias não gozadas por magistrados: alegação de fraude. Ação de interesse da magistratura: não-configuração. Competência originária do STF: inocorrência. CF/88, art. 102, I, n: inaplicabilidade. Rcl 5.174-AgR RTJ 208/1056

Ct Competência jurisdicional. Justiça comum. Reclamação trabalhis-ta. Servidor público municipal. Período posterior ao regime jurídico ú nico. CC 7.242 RTJ 208/1064

PrCv Competência jurisdicional. Justiça comum. Telefonia fixa. Pulsos além da franquia: cobrança. Complexidade para julgamento: inocor-rência. AI 614.198-AgR RTJ 208/405

PrTr Competência jurisdicional. Justiça do Trabalho. Contribuição previ-denciária. Execução: alcance. Sentença condenatória ou acordo homo-logado. CF/88, art. 114, VIII. RE 569.056 RTJ 208/859

PrTr Competência jurisdicional. Justiça do Trabalho. Interdito proibi-tório decorrente de exercício de greve. CF/88, art. 114, II: alcance. RE 579.648 RTJ 208/1271

Ct Competência legislativa. União Federal. Trânsito e transporte. Multa: parcelamento. CF/88, art. 22, XI: ofensa. Lei estadual 7.738/04/ES: inconstitucionalidade. ADI 3.196 RTJ 208/944

Ct Competência legislativa concorrente. União Federal: norma geral. Estado-membro: competência suplementar. Proteção do meio ambiente e controle da poluição. Lei estadual 1.315/04/RO. Lei 6.938/81. CF/88, art. 24, VI. ADI 3.252-MC RTJ 208/951

Ct Competência originária. Superior Tribunal de Justiça (STJ). Desem-bargador: agente político. Crime de responsabilidade. CF/88, art. 105, I, a. RE 579.799-AgR RTJ 208/1286

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ÍNDICE ALFABÉTICO — Com-Con 1331

Ct Competência originária. Supremo Tribunal Federal (STF). Agente político com prerrogativa de foro. Opinio delicti e denúncia: atribuição do Ministério Público. CF/88, art. 129, I. AP 493-AgR RTJ 208/14

Ct Competência originária. Supremo Tribunal Federal (STF). Conflito negativo de competência. Tribunal superior e juiz a ele não vinculado. CF/88, art. 102, I, o. CC 7.242 RTJ 208/1064

Ct Competência originária. Supremo Tribunal Federal (STF). Impedi-mento ou suspeição de mais da metade dos membros de tribunal de ori-gem. Manifestação formal dos desembargadores: necessidade. CF/88, art. 102, I, n. AO 1.517 RTJ 208/459

Ct Competência originária. Supremo Tribunal Federal (STF). Pedido de explicações em juízo. Deputado federal. Prerrogativa de foro. Pet 4.444-AgR RTJ 208/40

Ct Competência originária do STF: inocorrência. (...) Competência juris-dicional. Rcl 5.174-AgR RTJ 208/1056

PrPn Competência originária do STF: inocorrência. (...) Habeas corpus. HC 85.240 RTJ 208/195

PrPn Competência relativa. (...) Conflito de competência. HC 95.291 RTJ 208/1176

PrPn Complexidade da causa. (...) Prisão preventiva. RHC 93.174 RTJ 208/310

PrCv Complexidade para julgamento: inocorrência. (...) Competência juris-dicional. AI 614.198-AgR RTJ 208/405

PrPn Componentes de máquinas caça-níqueis: determinação da origem. (...) Prova pericial. HC 95.295 RTJ 208/350

Int Compromisso formal: necessidade. (...) Extradição. Ext 1.103 RTJ 208/25

Int Comutação em pena não superior a trinta anos. (...) Extradição. Ext 1.103 RTJ 208/25

PrPn Concessão. (...) Habeas corpus. HC 92.477 RTJ 208/294PrPn Concessão de ofício. (...) Habeas corpus. RHC 90.718 RTJ 208/247 −

HC 91.585 RTJ 208/251 − HC 94.122 RTJ 208/321 − RE 446.908 RTJ 208/1234

PrPn Concessão de regime domiciliar: decisão interlocutória. (...) Acórdão criminal. RHC 91.293 RTJ 208/1108

Adm Concessionária de serviço público. (...) Responsabilidade civil do Es-tado. RE 475.904 RTJ 208/1315

Page 430: Revista Trimestral de Jurisprudência

Con-Con — ÍNDICE ALFABÉTICO1332

Adm Concorrência de regimes de responsabilidade político-administrativa: impossibilidade. (...) Agente político. RE 579.799-AgR RTJ 208/1286

PrPn Concurso de crimes. (...) Conflito de competência. HC 95.291 RTJ 208/1176

Pn Concurso material. Inocorrência. Exercício ilegal da arte farmacêu-tica e curandeirismo. Incompatibilidade entre os tipos penais. CP/40, arts. 282 e 284. HC 85.718 RTJ 208/538

PrPn Concurso material. (...) Suspensão condicional do processo penal – sursis processual. HC 84.450 RTJ 208/192

Adm Concurso público. Polícia Civil. Exame psicotécnico. Rigor científico: exigência. Critério objetivo. Resultado: recorribilidade. Princípio do contraditório e da ampla defesa. AI 680.650-AgR RTJ 208/1294

Adm Concurso público. Superior Tribunal Militar (STM). Cargo de analista judiciário na área administrativa. Inscrição: requisitos. Curso superior em direito, administração ou economia. Autonomia dos tribunais. Pro-vimento 81/99-STM. Lei 9.421/96, art. 6º. RMS 25.294 RTJ 208/68

Adm Concurso público: ausência. (...) Defensoria Pública estadual. ADI 3.700 RTJ 208/955

PrCv Concurso público dentro do prazo de validade. (...) Tutela antecipada. Rcl 5.983-AgR RTJ 208/481

PrPn Condições de salubridade, luminosidade e ventilação: atendimento. (...) Prisão especial. Rcl 6.387 RTJ 208/1059

PrPn Condições subjetivas favoráveis. (...) Liberdade provisória. HC 95.790 RTJ 208/362

PrPn Conexão. (...) Ação penal. AP 493-AgR RTJ 208/14PrSTF Conexão de crimes: impossibilidade de análise. (...) Recurso extraordi-

nário. RE 541.627 RTJ 208/853PrPn Conexão inexistente. (...) Conflito de competência. HC 95.291 RTJ

208/1176Pn Configuração. (...) Corrupção de menor. HC 92.014 RTJ 208/1148Pn Confissão espontânea: embasamento da condenação. (...) Pena.

HC 91.654 RTJ 208/584Ct Conflito de atribuições: inocorrência. (...) Defesa do consumidor.

ACO 1.020 RTJ 208/913PrPn Conflito de competência. Perda do objeto: ausência. Julgamento de

uma das causas. Competência relativa. HC 95.291 RTJ 208/1176PrPn Conflito de competência. Superior Tribunal de Justiça (STJ). Justiça

Federal e Tribunal do Júri. Concurso de crimes. Conexão inexistente.

Page 431: Revista Trimestral de Jurisprudência

ÍNDICE ALFABÉTICO — Con-Con 1333

Competência relativa. Princípio do juiz natural: ofensa inocorrente. CF/88, art. 5º, LIII: inteligência. HC 95.291 RTJ 208/1176

Ct Conflito entre direito interno e internacional. (...) Interpretação cons-titucional. HC 90.450 RTJ 208/549 − HC 91.361 RTJ 208/1120

Ct Conflito negativo de competência. (...) Competência originária. CC 7.242 RTJ 208/1064

PrCv Conhecimento. (...) Mandado de segurança. MS 26.602 RTJ 208/72PrSTF Conselho Nacional de Justiça (CNJ): atividade correicional. (...)

Habeas corpus. HC 95.009 RTJ 208/640PrPn Constrangimento ilegal após o ajuizamento da ação. (...) Habeas

corpus preventivo. HC 95.009 RTJ 208/640PrPn Constrangimento ilegal inocorrente. (...) Execução penal. HC 95.401

RTJ 208/355Ct Contexto excepcional e transitório: inexistência de instrumento legal.

(...) Tribunal Superior Eleitoral (TSE). ADI 3.999 RTJ 208/1024Adm Contraditório e ampla defesa: ofensa. (...) Desapropriação. MS 25.124

RTJ 208/53Adm Contratação temporária. (...) Defensoria Pública estadual. ADI 3.700

RTJ 208/955PrTr Contribuição previdenciária. (...) Competência jurisdicional. RE

569.056 RTJ 208/859Trbt Contribuição previdenciária. Participação nos lucros: trabalhado-

res. Medida Provisória 794/94: regulamentação. CF/88, art. 7º, XI. RE 398.284 RTJ 208/1221

Trbt Contribuição previdenciária. Participação nos lucros: trabalhadores. Período anterior à MP 794/94: cobrança. CF/88, art. 7º, XI. RE 398.284 RTJ 208/1221

Adm Contribuição previdenciária: excesso. (...) Servidor público. RE 568.377 RTJ 208/1268

Trbt Contribuição social. (...) Imunidade tributária. RMS 27.093 RTJ 208/189

PrSTF Contribuição social. (...) Recurso extraordinário. RE 585.235-RG-QO RTJ 208/871

Int Controle de legalidade. (...) Extradição. Ext 1.052-extensão RTJ 208/922Int Controle jurisdicional: limite. (...) Expulsão de estrangeiro. HC 94.896

RTJ 208/328

Page 432: Revista Trimestral de Jurisprudência

Con-CP/ — ÍNDICE ALFABÉTICO1334

Cv Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), art. 7º, 7. (...) Prisão civil. HC 90.450 RTJ 208/549 − HC 91.361 RTJ 208/1120 − HC 95.967 RTJ 208/1202

Ct Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), art. 7º, 7, c/c art. 29. (...) Interpretação constitucional. HC 90.450 RTJ 208/549 − HC 91.361 RTJ 208/1120

PrSTF Convenção coletiva de trabalho: validade. (...) Recurso extraordinário. RE 548.410-AgR RTJ 208/369

PrPn Conveniência da instrução criminal. (...) Processo criminal. AP 493-AgR RTJ 208/14

PrPn Conveniência da instrução criminal: ameaça a testemunha. (...) Prisão preventiva. RHC 94.805 RTJ 208/636

PrPn Conveniência da instrução criminal e garantia da ordem pública e da ordem econômica. (...) Prisão preventiva. HC 95.009 RTJ 208/640

PrPn Conversa telefônica. (...) Prova criminal. RE 402.717 RTJ 208/839PrPn Conversão em agravo regimental. (...) Embargos de declaração.

HC 95.272-MC-ED RTJ 208/345PrPn Conversão em habeas corpus originário. (...) Recurso em habeas cor-

pus. HC 96.453 RTJ 208/1206PrPn Conversão em liberatório: possibilidade. (...) Habeas corpus preventi-

vo. HC 95.009 RTJ 208/640PrCv Conversão em recurso extraordinário. (...) Agravo de instrumento.

AI 700.083-AgR RTJ 208/411PrPn Convocação de ministro de outra Turma para voto de desempate: inad-

missibilidade. (...) Recurso especial. HC 89.974 RTJ 208/243PrCv Cópia das contra-razões do recurso extraordinário: ausência. (...) Agra-

vo de instrumento. AI 676.985-AgR RTJ 208/408PrPn Co-réus sem prerrogativa de foro e senador. (...) Processo criminal.

AP 493-AgR RTJ 208/14Pn Corrupção de menor. Configuração. Menoridade: reconhecimento na

instância ordinária. Prova da corruptibilidade do menor: dispensa. Cri-me formal. Proteção da moralidade dos menores. Lei 2.252/54, art. 1º. HC 92.014 RTJ 208/1148

Pn CP/40, art. 33. (...) Regime prisional. HC 92.477 RTJ 208/294Pn CP/40, arts. 33, § 3º, e 59. (...) Pena. HC 95.585 RTJ 208/1195PrPn CP/40, art. 59: ofensa. (...) Acórdão criminal. HC 85.792 RTJ 208/217Pn CP/40, art. 65, III, d. (...) Pena. HC 91.654 RTJ 208/584

Page 433: Revista Trimestral de Jurisprudência

ÍNDICE ALFABÉTICO — CP/-CPP 1335

PrPn CP/40, art. 92, I. (...) Magistrado. AO 1.464-QO RTJ 208/33Pn CP/40, arts. 109, IV, e 117. (...) Pena. RE 446.908 RTJ 208/1234PrPn CP/40, arts. 132, 149, 203 e 297, § 4º. (...) Competência criminal.

RE 541.627 RTJ 208/853Pn CP/40, art. 144. (...) Crime contra a honra. Pet 4.444-AgR RTJ 208/40Pn CP/40, art. 157, § 2º, I: inteligência. (...) Pena. HC 95.142 RTJ 208/340PrPn CP/40, art. 282. (...) Prova pericial. HC 85.718 RTJ 208/538Pn CP/40, arts. 282 e 284. (...) Concurso material. HC 85.718 RTJ 208/538PrPn CP/40, art. 312, caput. (...) Denúncia. Inq 1.926 RTJ 208/929PrSTF CP/40, art. 337-A. (...) Recurso extraordinário. RE 541.627 RTJ 208/853PrCv CPC/73, art. 542, § 3º. (...) Medida cautelar. AC 1.745-AgR RTJ 208/471PrSTF CPC/73, arts. 543-A e 543-B. (...) Recurso extraordinário. RE 579.431-

QO RTJ 208/372PrCv CPC/73, art. 543-B, § 1º. (...) Ação cautelar. AC 2.030 RTJ 208/1301PrSTF CPC/73, art. 543-B, § 3º. (...) Recurso extraordinário. RE 579.431-QO

RTJ 208/372PrCv CPC/73, art. 544, § 1º. (...) Agravo de instrumento. AI 584.436-AgR

RTJ 208/1291PrCv CPC/73, art. 544, § 1º: inteligência. (...) Agravo de instrumento.

AI 676.985-AgR RTJ 208/408PrCv CPC/73, arts. 544, § 3º e § 4º; e 557. (...) Agravo regimental.

RE 548.410-AgR RTJ 208/369PrCv CPC/73, art. 557, § 2º, c/c arts. 14, II e III; e 17, VII. (...) Agravo regi-

mental. AI 676.985-AgR RTJ 208/408PrPn CPM/69, art. 9º, III, d. (...) Competência criminal. HC 86.216

RTJ 208/228PrPn CPM/69, art. 9º, III, d: interpretação restritiva. (...) Justiça Militar.

HC 86.216 RTJ 208/228PrPn CPP/41, arts. 41 e 395. (...) Denúncia. Inq 1.926 RTJ 208/929PrPn CPP/41, art. 80. (...) Ação penal. AP 493-AgR RTJ 208/14PrPn CPP/41, arts. 92, 93, 225 e 366: inteligência. (...) Processo criminal.

HC 85.824 RTJ 208/221PrPn CPP/41, arts. 167 e 564, III, b. (...) Prova pericial. HC 85.718

RTJ 208/538

Page 434: Revista Trimestral de Jurisprudência

CPP-Cri — ÍNDICE ALFABÉTICO1336

PrGr CPP/41, arts. 252 e 254. (...) Exceção de suspeição. AO 1.517 RTJ 208/459

PrPn CPP/41, arts. 284 e 474, § 3º. (...) Júri. HC 91.952 RTJ 208/257PrPn CPP/41, art. 312. (...) Prisão. HC 93.712 RTJ 208/593PrPn CPP/41, art. 312. (...) Prisão cautelar. HC 96.715-MC RTJ 208/1304PrPn CPP/41, art. 312. (...) Prisão preventiva. HC 92.377 RTJ 208/282 −

RHC 93.174 RTJ 208/310 − RHC 94.805 RTJ 208/636PrPn CPP/41, art. 370, § 4º. (...) Intimação criminal. HC 96.958-MC RTJ

208/1311PrPn CPP/41, art. 408. (...) Sentença de pronúncia. HC 94.169 RTJ 208/1159PrPn CPP/41, art. 580. (...) Habeas corpus. HC 91.585 RTJ 208/251 −

HC 94.122 RTJ 208/321PrPn CPP/41, art. 621, I. (...) Revisão criminal. HC 92.435 RTJ 208/287Int CPP/41, art. 804: compatibilidade. (...) Carta rogatória. HC 85.653

RTJ 208/524Trbt Creditamento: impossibilidade. (...) Imposto sobre Circulação de Mer-

cadorias e Serviços (ICMS). RE 199.147 RTJ 208/744PrPn Crime conexo: extensão. (...) Competência criminal. RE 464.621

RTJ 208/849PrPn Crime continuado: impossibilidade de reconhecimento. (...) Habeas

corpus. HC 92.994 RTJ 208/307Pn Crime contra a honra. Deputado federal: candidato a prefeito. Imu-

nidade parlamentar material: ausência. Ofensa irrogada em campanha eleitoral. Nexo com o exercício do mandato: ausência. Pet 4.444-AgR RTJ 208/40

Pn Crime contra a honra. Pedido de explicações em juízo: descabi-mento. Natureza jurídica: providência de ordem cautelar. Dubiedade, equivocidade, ambigüidade: ausência. CP/40, art. 144. Pet 4.444-AgR RTJ 208/40

PrPn Crime contra a organização do trabalho. (...) Competência criminal. RE 541.627 RTJ 208/853

PrPn Crime contra o Sistema Financeiro Nacional. (...) Competência crimi-nal. RE 446.908 RTJ 208/1234

Pn Crime contra o Sistema Financeiro Nacional. Tipicidade da conduta. Captação, intermediação e aplicação de recursos financeiros de tercei-ros sem autorização do Banco Central. Objetividade jurídica e elemen-tos do tipo distintos. Leis 7.492/86 e 10.303/01: revogação inocorrente. HC 94.955 RTJ 208/335

Page 435: Revista Trimestral de Jurisprudência

ÍNDICE ALFABÉTICO — Cri-Dec 1337

Adm Crime de responsabilidade. (...) Agente político. RE 579.799-AgR RTJ 208/1286

Ct Crime de responsabilidade. (...) Competência originária. RE 579.799-AgR RTJ 208/1286

PrPn Crime em detrimento de interesse da União. (...) Competência crimi-nal. RE 464.621 RTJ 208/849

Pn Crime formal. (...) Corrupção de menor. HC 92.014 RTJ 208/1148Pn Crime hediondo. (...) Regime prisional. HC 92.477 RTJ 208/294PrPn Crime plurilocal. (...) Competência criminal. HC 96.453 RTJ 208/1206PrPn Crime-fim: extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo. (...)

Ação penal. HC 87.208 RTJ 208/1093PrPn Crime-meio: subsistência. (...) Ação penal. HC 87.208 RTJ 208/1093PrPn Crimes conexos: prorrogação da competência. (...) Competência crimi-

nal. HC 96.453 RTJ 208/1206Ct Critério adotado: norma mais favorável. (...) Interpretação constitucio-

nal. HC 90.450 RTJ 208/549 − HC 91.361 RTJ 208/1120PrPn Critério de fixação. (...) Competência criminal. HC 96.453 RTJ 208/1206Adm Critério objetivo. (...) Concurso público. AI 680.650-AgR RTJ 208/1294PrPn Critério trifásico: inobservância. (...) Acórdão criminal. HC 85.792

RTJ 208/217Trbt CTN/66, art. 91, § 2º, a. (...) Fundo de Participação dos Municípios.

MS 23.632 RTJ 208/1082Trbt CTN/66, art. 98: norma de caráter nacional. (...) Imposto sobre

Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). RE 258.759-AgR RTJ 208/1214

PrCv Curso de pós-graduação não credenciado pelo MEC. (...) Mandado de segurança. RMS 26.369 RTJ 208/509

Adm Curso superior em direito, administração ou economia. (...) Concurso público. RMS 25.294 RTJ 208/68

DPrCv Decadência. (...) Mandado de segurança. RMS 25.310-AgR RTJ

208/505PrCv Decadência: inocorrência. (...) Mandado de segurança. MS 26.484

RTJ 208/518PrCv Decisão. (...) Mandado de segurança. MS 26.602 RTJ 208/72

Page 436: Revista Trimestral de Jurisprudência

Dec-Dec — ÍNDICE ALFABÉTICO1338

PrGr Decisão: cumprimento imediato. (...) Embargos de declaração. AI 643.632-AgR-ED-ED RTJ 208/875

PrCv Decisão agravada: impugnação dos fundamentos. (...) Agravo de ins-trumento. AI 700.083-AgR RTJ 208/411

PrPn Decisão de relator. (...) Agravo regimental. HC 89.651-MC-AgR RTJ 208/240

PrPn Decisão de Turma Recursal de Juizado Especial. (...) Habeas corpus. HC 85.240 RTJ 208/195

PrPn Decisão do STJ em habeas corpus. (...) Acórdão criminal. HC 85.792 RTJ 208/217

PrSTF Decisão fundamentada em jurisprudência da Corte. (...) Recurso extra-ordinário. RE 579.799-AgR RTJ 208/1286

PrCv Decisão interlocutória: liminar deferida. (...) Medida cautelar. AC 1.745-AgR RTJ 208/471

PrCv Decisão judicial. Fundamentação suficiente. Diligência probatória: indeferimento. Cerceamento de defesa: inocorrência. AI 603.460-AgR RTJ 208/402

PrPn Decisão mais favorável. (...) Recurso especial. HC 89.974 RTJ 208/243PrPn Decisão monocrática. (...) Agravo regimental. HC 95.272-MC-ED

RTJ 208/345PrPn Decisão monocrática. (...) Embargos de declaração. HC 95.272-MC-

ED RTJ 208/345PrSTF Decisão na ADC 4. (...) Reclamação. Rcl 6.259-AgR RTJ 208/484PrCv Decisão na ADC 4: ofensa inocorrente. (...) Tutela antecipada. Rcl

4.628-AgR RTJ 208/478 − Rcl 5.174-AgR RTJ 208/1056 − Rcl 5.983-AgR RTJ 208/481 − Rcl 6.468-AgR RTJ 208/488

PrPn Decisão na ADI 1.127: ausência de descumprimento. (...) Prisão espe-cial. Rcl 6.387 RTJ 208/1059

PrCv Decisão Normativa 79/06-TCU, art. 2º. (...) Mandado de segurança. MS 26.484 RTJ 208/518

Trbt Decisão normativa do TCU. (...) Fundo de Participação dos Municí-pios. MS 23.632 RTJ 208/1082

Adm Decreto 2.250/97. (...) Desapropriação. MS 25.124 RTJ 208/53Adm Decreto expropriatório: edição. (...) Desapropriação. MS 25.124

RTJ 208/53Adm Decreto expropriatório: nulidade. (...) Desapropriação. MS 25.124

RTJ 208/53

Page 437: Revista Trimestral de Jurisprudência

ÍNDICE ALFABÉTICO — Def-Des 1339

Adm Defensor público. (...) Defensoria Pública estadual. ADI 3.700 RTJ 208/955

PrPn Defensor público. (...) Intimação criminal. HC 96.958-MC RTJ 208/1311Adm Defensoria Pública estadual. Contratação temporária. Defensor pú-

blico. Concurso público: ausência. CF/88, art. 134: ofensa. Lei estadual 8.742/05/RN: inconstitucionalidade. ADI 3.700 RTJ 208/955

Ct Defesa do consumidor. Ministério Público Federal e Ministério Públi-co estadual. Litisconsórcio facultativo: possibilidade. Conflito de atri-buições: inocorrência. CF/88, art. 129, III e VI. ACO 1.020 RTJ 208/913

PrPn Deliberação prévia do Órgão Especial sobre a instauração do inquérito judicial: desnecessidade. (...) Inquérito. HC 94.278 RTJ 208/605

Ct Democracia representativa e partidária. (...) Mandato parlamentar. MS 26.602 RTJ 208/72

PrPn Denúncia. Inépcia inocorrente. Descrição suficiente do fato e indícios de autoria. CPP/41, arts. 41 e 395. Inq 1.926 RTJ 208/929

PrPn Denúncia. Recebimento. Peculato-desvio. CP/40, art. 312, caput. Inq 1.926 RTJ 208/929

PrPn Denúncia: oferecimento. (...) Habeas corpus. HC 94.278 RTJ 208/605Cv Depositário infiel. (...) Prisão civil. HC 90.450 RTJ 208/549 −

HC 91.361 RTJ 208/1120 − HC 95.967 RTJ 208/1202Ct Deputado federal. (...) Competência originária. Pet 4.444-AgR

RTJ 208/40Pn Deputado federal: candidato a prefeito. (...) Crime contra a honra. Pet

4.444-AgR RTJ 208/40PrCv Deputado federal: mudança de partido político no curso do mandato.

(...) Mandado de segurança. MS 26.602 RTJ 208/72PrCv Desapropriação. (...) Mandado de segurança. MS 25.124 RTJ 208/53Adm Desapropriação. Reforma agrária. Entidade de classe. Indicação de

imóvel: ausência. Audição e ciência da vistoria: desnecessidade. De-creto 2.250/97. MS 25.124 RTJ 208/53

Adm Desapropriação. Reforma agrária. Laudo Agronômico de Fiscaliza-ção: impugnação. Greve dos servidores do Incra. Novo prazo: con-cessão. Notificação: ausência. Contraditório e ampla defesa: ofensa. Decreto expropriatório: nulidade. Processo administrativo: anulação a partir da notificação prévia. MS 25.124 RTJ 208/53

Adm Desapropriação. Reforma agrária. Notificação prévia. Vistoria: acom-panhamento por preposto. Nulidade inocorrente. Lei 8.629/93, art. 2º, § 2º. MS 25.124 RTJ 208/53

Page 438: Revista Trimestral de Jurisprudência

Des-Dir — ÍNDICE ALFABÉTICO1340

Adm Desapropriação. Reforma agrária. Reserva florestal averbada: ausên-cia. Exclusão da área total: impossibilidade. MS 25.124 RTJ 208/53

Adm Desapropriação. Reforma agrária. Vistoria. Laudo pericial: prazo de validade. Decreto expropriatório: edição. Termo final: ausência de fixa-ção. Lei 8.629/93, art. 2º, § 4º. MS 25.124 RTJ 208/53

PrCv Descabimento. (...) Ação cautelar. AC 2.030 RTJ 208/1301PrCv Descabimento. (...) Agravo regimental. AI 700.083-AgR RTJ 208/411PrPn Descabimento. (...) Agravo regimental. HC 89.651-MC-AgR RTJ

208/240 − HC 95.272-MC-ED RTJ 208/345PrPn Descabimento. (...) Habeas corpus. HC 86.548 RTJ 208/236 − HC

95.496 RTJ 208/1184PrCv Descabimento. (...) Mandado de segurança. MS 27.188-AgR RTJ

208/1089PrPn Descabimento. (...) Recurso em habeas corpus. HC 96.453 RTJ 208/1206PrPn Desclassificação de latrocínio para roubo qualificado: descabimento.

(...) Habeas corpus. HC 92.994 RTJ 208/307PrPn Descrição suficiente do fato e indícios de autoria. (...) Denúncia. Inq

1.926 RTJ 208/929PrPn Desembargador: afastamento cautelar do cargo. (...) Habeas corpus.

HC 95.496 RTJ 208/1184Ct Desembargador: agente político. (...) Competência originária. RE

579.799-AgR RTJ 208/1286PrPn Desmembramento. (...) Processo criminal. AP 493-AgR RTJ 208/14PrCv Destrancamento de RE: impossibilidade. (...) Ação cautelar. AC 2.030

RTJ 208/1301Int Detração penal. (...) Extradição. Ext 1.103 RTJ 208/25Adm Devido processo legal: necessidade. (...) Ato administrativo.

RE 501.869-AgR RTJ 208/1251PrCv Dilação probatória: inadmissibilidade. (...) Mandado de segurança.

MS 25.124 RTJ 208/53PrCv Diligência probatória: indeferimento. (...) Decisão judicial. AI 603.460-

AgR RTJ 208/402PrCv Diminuição do número de deputados federais no curso do mandato. (...)

Mandado de segurança. MS 26.602 RTJ 208/72Trbt Direito a imunidade por prazo indeterminado: inexistência. (...) Imuni-

dade tributária. RMS 27.093 RTJ 208/189

Page 439: Revista Trimestral de Jurisprudência

ÍNDICE ALFABÉTICO — Dir-Emb 1341

Trbt Direito adquirido a regime jurídico: ausência. (...) Imunidade tributá-ria. RMS 27.093 RTJ 208/189

Adm Direito adquirido a regime jurídico: ausência. (...) Servidor público estadual. RE 563.965 RTJ 208/1254

PrPn Direito ao silêncio. (...) Prisão temporária. HC 95.009 RTJ 208/640PrPn Direito de apelar em liberdade até o trânsito em julgado. (...) Habeas

corpus. RE 446.908 RTJ 208/1234PrCv Direito líquido e certo: análise. (...) Mandado de segurança. MS 26.602

RTJ 208/72Trbt Direito líquido e certo inexistente. (...) Fundo de Participação dos

Municípios. MS 23.632 RTJ 208/1082Ct Direito subjetivo: inexistência. (...) Parlamentar. MS 26.602 RTJ 208/72Adm Diretor, coordenador e assessor pedagógico: extensão do benefício. (...)

Aposentadoria especial. ADI 3.772 RTJ 208/961Trbt Disciplina constitucional. (...) Imunidade tributária. RMS 27.093

RTJ 208/189Pn Disparo: não-comprovação. (...) Pena. HC 95.142 RTJ 208/340PrPn Doença grave. (...) Liberdade provisória. HC 94.916 RTJ 208/1165PrPn Dosimetria da pena: anulação. (...) Acórdão criminal. HC 85.792

RTJ 208/217Pn Dubiedade, equivocidade, ambigüidade: ausência. (...) Crime contra a

honra. Pet 4.444-AgR RTJ 208/40PrPn Dupla supressão de instância. (...) Habeas corpus. HC 93.042-AgR

RTJ 208/1155Int Dupla tipicidade. (...) Extradição. Ext 1.103 RTJ 208/25

EPrCv Efeito financeiro retroativo: ausência. (...) Tutela antecipada. Rcl

6.468-AgR RTJ 208/488PrSTF Efeito suspensivo a recurso extraordinário: plausibilidade jurídica ino-

corrente. (...) Medida cautelar. AC 1.806-AgR RTJ 208/475PrCv Efeitos coercitivos: ausência. (...) Notificação judicial. Pet 4.100-AgR

RTJ 208/1053PrGr Embargos de declaração. Caráter protelatório. Decisão: cumprimento

imediato. AI 643.632-AgR-ED-ED RTJ 208/875PrPn Embargos de declaração. Decisão monocrática. Conversão em agravo

regimental. HC 95.272-MC-ED RTJ 208/345

Page 440: Revista Trimestral de Jurisprudência

Emb-Eva — ÍNDICE ALFABÉTICO1342

PrSTF Embargos de declaração. (...) Pauta de julgamento. AI 643.632-AgR-ED-ED RTJ 208/875

PrSTF Embargos de declaração. Sustentação oral: impossibilidade. Regi-mento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF), art. 131, § 2º. AI 643.632-AgR-ED-ED RTJ 208/875

Adm Emenda Constitucional 20/98, art. 8º, § 5º. (...) Servidor público. RE 568.377 RTJ 208/1268

PrSTF Emenda constitucional superveniente. (...) Ação direta de inconstitu-cionalidade. ADI 3.833-MC RTJ 208/989

Trbt Emolumentos. Serviço notarial e de registro. Natureza jurídica: taxa. Base de cálculo idêntica à de imposto: ausência. CF/88, art. 145, § 2º: ofensa inocorrente. Lei estadual 11.331/02/SP, art. 7º, II e III. ADI 3.887 RTJ 208/1019

PrPn Empate na votação. (...) Recurso especial. HC 89.974 RTJ 208/243Adm Empregado terceirizado: acidente de trabalho. (...) Responsabilidade

civil do Estado. RE 475.904 RTJ 208/1315Trbt Enquadramento baseado em dados populacionais fornecidos pelo

IBGE. (...) Fundo de Participação dos Municípios. MS 23.632 RTJ 208/1082

Trbt Entidade de assistência social sem fins lucrativos. (...) Imunidade tri-butária. RMS 27.093 RTJ 208/189

Adm Entidade de classe. (...) Desapropriação. MS 25.124 RTJ 208/53Int Entrega do extraditando. (...) Extradição. Ext 1.103 RTJ 208/25Adm Especialista em educação: inadmissibilidade. (...) Aposentadoria espe-

cial. ADI 3.772 RTJ 208/961PrPn Estabelecimento adequado. (...) Prisão especial. Rcl 6.387 RTJ 208/1059Adm Estabilidade financeira. (...) Servidor público estadual. RE 563.965

RTJ 208/1254PrPn Estado de direito: garantias constitucionais. (...) Prova criminal.

HC 95.009 RTJ 208/640Ct Estado-membro: competência suplementar. (...) Competência legisla-

tiva concorrente. ADI 3.252-MC RTJ 208/951PrGr Estatuto do Idoso, art. 71, § 1º. (...) Processo judicial. MS 26.946-AgR

RTJ 208/1087PrPn Evasão de divisas e sonegação fiscal: concurso material. (...) Ação pe-

nal. HC 87.208 RTJ 208/1093

Page 441: Revista Trimestral de Jurisprudência

ÍNDICE ALFABÉTICO — Exa-Exe 1343

Pn Exacerbação da pena anteriormente imposta: impossibilidade. (...) Pena. HC 91.585 RTJ 208/251

PrPn Exame criminológico facultativo. (...) Execução penal. HC 95.111 RTJ 208/1172

PrPn Exame de corpo de delito: inexistência. (...) Prova pericial. HC 85.718 RTJ 208/538

PrPn Exame de corpo de delito indireto: inadmissibilidade. (...) Prova peri-cial. HC 85.718 RTJ 208/538

PrPn Exame de prova: necessidade. (...) Sentença de pronúncia. HC 94.169 RTJ 208/1159

Adm Exame psicotécnico. (...) Concurso público. AI 680.650-AgR RTJ 208/1294

PrGr Exceção de suspeição. Rejeição. Impedimento ou suspeição: inocor-rência. Ação penal originária e ação civil pública. Magistrados partici-pantes de julgamento anulado pelo STJ. CPP/41, arts. 252 e 254. CF/88, art. 102, I, n. AO 1.517 RTJ 208/459

PrPn Excesso de linguagem: inocorrência. (...) Sentença de pronúncia. HC 94.169 RTJ 208/1159

PrPn Excesso de prazo. (...) Habeas corpus. RHC 90.718 RTJ 208/247PrPn Excesso de prazo. (...) Prisão preventiva. HC 89.622 RTJ 208/543 −

HC 93.786 RTJ 208/599PrPn Excesso de prazo: não-configuração. (...) Prisão preventiva. RHC

93.174 RTJ 208/310Adm Exclusão da área total: impossibilidade. (...) Desapropriação. MS

25.124 RTJ 208/53PrTr Execução: alcance. (...) Competência jurisdicional. RE 569.056

RTJ 208/859PrPn Execução penal. Falta grave. Regime fechado. Progressão de regime:

reinício do prazo. Constrangimento ilegal inocorrente. HC 95.401 RTJ 208/355

PrPn Execução penal. Progressão de regime: possibilidade. Requisito sub-jetivo: análise pelo Juízo da Execução. Exame criminológico faculta-tivo. Lei de Execução Penal (LEP), art. 112, redação da Lei 10.792/03. HC 95.111 RTJ 208/1172

Pn Execução provisória. (...) Pena. AC 1.806-AgR RTJ 208/475PrPn Exercício ilegal da arte farmacêutica. (...) Prova pericial. HC 85.718

RTJ 208/538

Page 442: Revista Trimestral de Jurisprudência

Exe-Ext — ÍNDICE ALFABÉTICO1344

Pn Exercício ilegal da arte farmacêutica e curandeirismo. (...) Concurso material. HC 85.718 RTJ 208/538

PrCv Existência comprovada. (...) Agravo de instrumento. AI 584.436-AgR RTJ 208/1291

PrPn Existência de grades: irrelevância. (...) Prisão especial. Rcl 6.387 RTJ 208/1059

PrCv Existência de vício: análise. (...) Mandado de segurança. MS 25.124 RTJ 208/53

PrCv Expedição de diploma. (...) Mandado de segurança. RMS 26.369 RTJ 208/509

Adm Expedição de diploma. (...) Universidade. RMS 26.369 RTJ 208/509Int Expulsão de estrangeiro. Ato discricionário do presidente da Repú-

blica. Controle jurisdicional: limite. Lei 6.815/80, art. 66. HC 94.896 RTJ 208/328

Int Expulsão de estrangeiro. Filho brasileiro. Guarda e dependência econômica: não-comprovação. Impedimento legal inocorrente. Lei 6.815/80, art. 75, caput, II, b: inteligência. HC 94.896 RTJ 208/328

Int Extensão. (...) Extradição. Ext 1.052-extensão RTJ 208/922PrPn Extensão a co-réu. (...) Habeas corpus. HC 91.585 RTJ 208/251 −

HC 94.122 RTJ 208/321PrPn Extensão aos demais co-réus: impossibilidade. (...) Habeas corpus.

HC 94.122 RTJ 208/321PrPn Extinção da punibilidade. (...) Habeas corpus. HC 92.743 RTJ 208/303PrPn Extinção da punibilidade: descabimento. (...) Processo criminal.

HC 92.743 RTJ 208/303Int Extradição. Extensão. Fatos anteriores ao pedido originário. Princí-

pio da especialidade: ofensa inocorrente. Controle de legalidade. Ext 1.052-extensão RTJ 208/922

Int Extradição. Extradição instrutória. Dupla tipicidade. Homicídio, tráfi-co internacional de entorpecente e associação para o tráfico. Prescrição inocorrente. Pressupostos legais: existência. Tratado Brasil–Estados Unidos da América. Ext 1.103 RTJ 208/25

Int Extradição. Lavagem de dinheiro. Lista de delitos da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo). Tratado Brasil–Estados Unidos da América: inclusão au-tomática. Ext 1.103 RTJ 208/25

Page 443: Revista Trimestral de Jurisprudência

ÍNDICE ALFABÉTICO — Ext-Fra 1345

Int Extradição. Prisão perpétua ou pena de morte. Comutação em pena não superior a trinta anos. Compromisso formal: necessidade. Ext 1.103 RTJ 208/25

Int Extradição. Prisão preventiva cumprida no Brasil. Detração penal. Lei 6.815/80, art. 91, II. Ext 1.103 RTJ 208/25

Int Extradição. Processo criminal no Brasil. Entrega do extraditando. Faculdade do presidente da República. Lei 6.815/80, art. 89 c/c art. 67. Ext 1.103 RTJ 208/25

Int Extradição instrutória. (...) Extradição. Ext 1.103 RTJ 208/25

FInt Faculdade do presidente da República. (...) Extradição. Ext 1.103

RTJ 208/25PrPn Falta grave. (...) Execução penal. HC 95.401 RTJ 208/355PrPn Fato concreto: ausência. (...) Prisão preventiva. HC 94.122 RTJ

208/321 − HC 95.790 RTJ 208/362Trbt Fato gerador: inocorrência. (...) Imposto sobre Circulação de Merca-

dorias e Serviços (ICMS). RE 199.147 RTJ 208/744PrPn Fato novo: ausência. (...) Prisão preventiva. HC 95.009 RTJ 208/640Pn Fato praticado no período de vigência da redação originária da Lei

8.072/90, art. 2º, § 1º. (...) Regime prisional. HC 92.477 RTJ 208/294Int Fatos anteriores ao pedido originário. (...) Extradição. Ext 1.052-exten-

são RTJ 208/922PrSTF Faturamento. (...) Recurso extraordinário. RE 585.235-RG-QO

RTJ 208/871PrCv Fazenda Pública. (...) Tutela antecipada. Rcl 5.174-AgR RTJ 208/1056PrCv Férias não gozadas: indenização. (...) Tutela antecipada. Rcl 5.174-

AgR RTJ 208/1056Ct Fidelidade partidária. (...) Parlamentar. MS 26.602 RTJ 208/72Int Filho brasileiro. (...) Expulsão de estrangeiro. HC 94.896 RTJ 208/328Ct Filiação partidária: condição de elegibilidade. (...) Mandato parlamen-

tar. MS 26.602 RTJ 208/72Pn Fixação. (...) Pena. HC 91.585 RTJ 208/251PrCv Formação do instrumento: ônus do agravante. (...) Agravo de instru-

mento. AI 676.985-AgR RTJ 208/408PrPn Fragilidade evidente do conjunto probatório. (...) Revisão criminal.

HC 92.435 RTJ 208/287

Page 444: Revista Trimestral de Jurisprudência

Fra-Fur — ÍNDICE ALFABÉTICO1346

PrPn Fraude bancária e exploração clandestina de serviço de telecomunica-ção. (...) Prisão preventiva. HC 92.377 RTJ 208/282

PrPn Fuga do acusado após a prática do delito e ameaça a testemunha. (...) Prisão preventiva. RHC 93.174 RTJ 208/310

PrPn Função de natureza militar: inocorrência. (...) Competência criminal. HC 86.216 RTJ 208/228

PrPn Função de natureza militar e militar em serviço: distinção. (...) Justiça Militar. HC 86.216 RTJ 208/228

Adm Funções de magistério: conceituação. (...) Aposentadoria especial. ADI 3.772 RTJ 208/961

PrPn Fundamentação. (...) Prisão temporária. HC 95.009 RTJ 208/640PrPn Fundamentação da prisão preventiva: inocorrência de novação. (...)

Habeas corpus. RHC 93.174 RTJ 208/310PrPn Fundamentação insuficiente. (...) Acórdão criminal. HC 95.111

RTJ 208/1172PrPn Fundamentação insuficiente. (...) Prisão. HC 93.712 RTJ 208/593PrPn Fundamentação insuficiente. (...) Prisão cautelar. HC 96.715-MC

RTJ 208/1304PrPn Fundamentação insuficiente. (...) Prisão preventiva. HC 94.122

RTJ 208/321 − HC 95.009 RTJ 208/640 − HC 95.790 RTJ 208/362PrCv Fundamentação suficiente. (...) Decisão judicial. AI 603.460-AgR

RTJ 208/402PrPn Fundamentação suficiente. (...) Prisão preventiva. HC 92.377

RTJ 208/282 − RHC 93.174 RTJ 208/310 − RHC 94.805 RTJ 208/636Trbt Fundo de Participação dos Municípios. Coeficiente: cálculo. Redutor

financeiro. Ganho adicional: redistribuição. Lei Complementar 91/97, art. 2º, § 1º, IX, redação da Lei Complementar 106/01. MS 26.484 RTJ 208/518

Trbt Fundo de Participação dos Municípios. Decisão normativa do TCU. Manutenção do coeficiente do ano anterior: impossibilidade. Enqua-dramento baseado em dados populacionais fornecidos pelo IBGE. Direito líquido e certo inexistente. CTN/66, art. 91, § 2º, a. Lei Comple-mentar 91/97, art. 1º, § 1º. MS 23.632 RTJ 208/1082

Pn Furto qualificado. (...) Regime prisional. HC 94.045 RTJ 208/318PrPn Furto tentado. (...) Ação penal. HC 92.743 RTJ 208/303

Page 445: Revista Trimestral de Jurisprudência

ÍNDICE ALFABÉTICO — Gan-Hab 1347

GTrbt Ganho adicional: redistribuição. (...) Fundo de Participação dos Mu-

nicípios. MS 26.484 RTJ 208/518PrPn Garantia da ordem pública. (...) Prisão preventiva. HC 92.377

RTJ 208/282 − HC 94.122 RTJ 208/321PrPn Gravação por interlocutor. (...) Prova criminal. RE 402.717 RTJ 208/839PrPn Gravidade do crime. (...) Prisão preventiva. HC 94.122 RTJ 208/321PrPn Gravidade do crime, clamor social e aplicação da lei penal. (...) Prisão

preventiva. HC 95.790 RTJ 208/362PrPn Gravidade do crime e fuga do réu. (...) Prisão cautelar. HC 96.715-MC

RTJ 208/1304Adm Greve dos servidores do Incra. (...) Desapropriação. MS 25.124

RTJ 208/53Int Guarda e dependência econômica: não-comprovação. (...) Expulsão de

estrangeiro. HC 94.896 RTJ 208/328

HPrPn Habeas corpus. Cabimento: excepcionalidade. Medida liminar in-

deferida por relator do STJ. Súmula 691: abrandamento. HC 93.712 RTJ 208/593 − HC 95.009 RTJ 208/640

PrPn Habeas corpus. (...) Competência criminal. RE 377.356 RTJ 208/1217PrPn Habeas corpus. Concessão. Regime prisional. Requisitos para pro-

gressão: análise pelo Juízo da Execução. Requisito temporal de um sexto da pena: consideração. HC 92.477 RTJ 208/294

PrPn Habeas corpus. Concessão de ofício. Extensão a co-réu. Situação objetivamente idêntica. CPP/41, art. 580. HC 91.585 RTJ 208/251 − HC 94.122 RTJ 208/321

PrPn Habeas corpus. Concessão de ofício. Liberdade provisória. Tribunal de Justiça: apreciação do pedido. RHC 90.718 RTJ 208/247

PrPn Habeas corpus. Concessão de ofício. Sentença condenatória. Direito de apelar em liberdade até o trânsito em julgado. Recurso exclusi-vo da defesa. Acórdão recorrido: reformatio in pejus. RE 446.908 RTJ 208/1234

PrPn Habeas corpus. Descabimento. Ato de ministro ou órgão fracionário do STF. Competência do Plenário: inocorrência. Princípio da hierar-quia. Súmula 606: aplicação analógica. HC 86.548 RTJ 208/236

Page 446: Revista Trimestral de Jurisprudência

Hab-Hab — ÍNDICE ALFABÉTICO1348

PrPn Habeas corpus. Descabimento. Desembargador: afastamento cautelar do cargo. Liberdade de locomoção: ameaça inocorrente. HC 95.496 RTJ 208/1184

PrPn Habeas corpus. Extensão aos demais co-réus: impossibilidade. Cir-cunstâncias distintas. HC 94.122 RTJ 208/321

PrPn Habeas corpus. Matéria de prova. Atipicidade da conduta: impossibi-lidade de análise. HC 91.516 RTJ 208/579

PrPn Habeas corpus. Matéria de prova. Sentença transitada em julgado. Desclassificação de latrocínio para roubo qualificado: descabimento. Crime continuado: impossibilidade de reconhecimento. HC 92.994 RTJ 208/307

PrPn Habeas corpus. Prejudicialidade. Decisão de Turma Recursal de Jui-zado Especial. Competência originária do STF: inocorrência. Remessa dos autos ao juízo competente. HC 85.240 RTJ 208/195

PrPn Habeas corpus. Prejudicialidade. Pedido de trancamento da ação penal por falta de justa causa. Sentença condenatória superveniente. Tipicidade da conduta. HC 84.450 RTJ 208/192

PrPn Habeas corpus. Prejudicialidade inocorrente. Inquérito judicial: alega-ção de ilegalidade. Denúncia: oferecimento. HC 94.278 RTJ 208/605

PrPn Habeas corpus. Prejudicialidade inocorrente. Pronúncia: superve niên-cia. Fundamentação da prisão preventiva: inocorrência de novação. RHC 93.174 RTJ 208/310

PrPn Habeas corpus. Questão não apreciada pelo STJ. Supressão de instân-cia. Extinção da punibilidade. Lei 9.249/95, art. 34: pedido de aplicação analógica. HC 92.743 RTJ 208/303

PrPn Habeas corpus. Questão não apreciada pelo STJ: reconhecimento de incompetência. Supressão de instância. HC 93.872 RTJ 208/315

PrPn Habeas corpus. Questão não apreciada pelo STJ e pelo Tribunal de Justiça. Dupla supressão de instância. Progressão de regime prisional. Tráfico de entorpecente. HC 93.042-AgR RTJ 208/1155

PrPn Habeas corpus. Questão não apreciada pelo Tribunal de Justiça e não conhecida pelo STJ. Supressão de instância. Prisão em flagrante. Ex-cesso de prazo. RHC 90.718 RTJ 208/247

PrPn Habeas corpus. Sessão de julgamento. Intimação: ausência. Pedido expresso nos autos. Sustentação oral: impossibilidade. Cerceamento de defesa. Julgamento: nulidade. HC 91.516-ED RTJ 208/577

PrSTF Habeas corpus. Solicitação de informações pelo STF. Conselho Nacio-nal de Justiça (CNJ): atividade correicional. HC 95.009 RTJ 208/640

Page 447: Revista Trimestral de Jurisprudência

ÍNDICE ALFABÉTICO — Hab-Imu 1349

PrPn Habeas corpus: processo e julgamento. (...) Competência criminal. RE 463.560 RTJ 208/1245

PrPn Habeas corpus preventivo. Conversão em liberatório: possibilida-de. Constrangimento ilegal após o ajuizamento da ação. HC 95.009 RTJ 208/640

PrPn Homicídio e lesão corporal grave: ausência de dolo anticastrense. (...) Competência criminal. HC 86.216 RTJ 208/228

Int Homicídio, tráfico internacional de entorpecente e associação para o tráfico. (...) Extradição. Ext 1.103 RTJ 208/25

IPrGr Idoso: necessidade de prova da idade. (...) Processo judicial. MS 26.946-

AgR RTJ 208/1087PrCv Ilegitimidade passiva. (...) Mandado de segurança. RMS 26.369 RTJ

208/509Int Impedimento legal inocorrente. (...) Expulsão de estrangeiro. HC

94.896 RTJ 208/328PrGr Impedimento ou suspeição: inocorrência. (...) Exceção de suspeição.

AO 1.517 RTJ 208/459Ct Impedimento ou suspeição de mais da metade dos membros de tribunal

de origem. (...) Competência originária. AO 1.517 RTJ 208/459Trbt Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Isen-

ção. Produto importado. Similar nacional isento. Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT): recepção pela CF/88. CTN/66, art. 98: norma de caráter nacional. CF/88, art. 151, III: ofensa inocorrente. RE 258.759-AgR RTJ 208/1214

Trbt Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Matéria-prima transferida entre estabelecimentos da mesma empresa. Mudança de titularidade: ausência. Fato gerador: inocorrência. Cre-ditamento: impossibilidade. Princípio da não-cumulatividade: ofensa inocorrente. CF/88, art. 155, § 2º, II, b. RE 199.147 RTJ 208/744

Trbt Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Re-partição de receita. Benefício fiscal: Programa de Desenvolvimento da Empresa Catarinense (PRODEC). Recolhimento: postergação. Parcela pertencente ao Município. Retenção pelo Estado: impossibilidade. CF/88, art. 158, IV. RE 459.486-AgR RTJ 208/1240

Pn Imunidade parlamentar material: ausência. (...) Crime contra a honra. Pet 4.444-AgR RTJ 208/40

Page 448: Revista Trimestral de Jurisprudência

Imu-Ins — ÍNDICE ALFABÉTICO1350

Trbt Imunidade tributária. Contribuição social. Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (CEBAS): renovação periódica. Direito adquirido a regime jurídico: ausência. Direito a imunidade por prazo indeterminado: inexistência. Lei 8.212/91, art. 55, II. CF/88, arts. 146, II; e 195, § 7º: ofensa inocorrente. RMS 27.093 RTJ 208/189

Trbt Imunidade tributária. Contribuição social. Entidade de assistência social sem fins lucrativos. Disciplina constitucional. RMS 27.093 RTJ 208/189

Cv Inadmissibilidade. (...) Prisão civil. HC 90.450 RTJ 208/549 − HC 91.361 RTJ 208/1120 − HC 95.967 RTJ 208/1202

PrPn Inadmissibilidade. (...) Suspensão condicional do processo penal – sursis processual. HC 84.450 RTJ 208/192

PrSTF Inclusão desnecessária. (...) Pauta de julgamento. AO 1.464-QO RTJ 208/33 − AI 643.632-AgR-ED-ED RTJ 208/875

Pn Incompatibilidade entre os tipos penais. (...) Concurso material. HC 85.718 RTJ 208/538

Ct Indenização de férias não gozadas por magistrados: alegação de frau-de. (...) Competência jurisdicional. Rcl 5.174-AgR RTJ 208/1056

Adm Indicação de imóvel: ausência. (...) Desapropriação. MS 25.124 RTJ 208/53

PrPn Indícios da prática de crime por juiz federal: remessa ao STJ. (...) Inqué -rito. HC 94.278 RTJ 208/605

PrPn Inépcia inocorrente. (...) Denúncia. Inq 1.926 RTJ 208/929Ct Infidelidade partidária. (...) Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

ADI 3.999 RTJ 208/1024Pn Inocorrência. (...) Concurso material. HC 85.718 RTJ 208/538PrPn Inquérito. Trancamento: descabimento. Indícios da prática de cri-

me por juiz federal: remessa ao STJ. Deliberação prévia do Órgão Especial sobre a instauração do inquérito judicial: desnecessidade. Opinio delicti e denúncia: atribuição do Ministério Público. Loman/79, art. 33, parágrafo único: interpretação. CF/88, arts. 105, I, a; e 129, I. HC 94.278 RTJ 208/605

PrPn Inquérito judicial: alegação de ilegalidade. (...) Habeas corpus. HC 94.278 RTJ 208/605

PrPn Inquirição de testemunha de acusação. (...) Processo criminal. HC 85.824 RTJ 208/221

Adm Inscrição: requisitos. (...) Concurso público. RMS 25.294 RTJ 208/68

Page 449: Revista Trimestral de Jurisprudência

ÍNDICE ALFABÉTICO — Ins-Int 1351

PrSTF Instância inferior: incidência do novo regime. (...) Recurso extraordi-nário. RE 579.431-QO RTJ 208/372

PrPn Instrução criminal não encerrada. (...) Prisão preventiva. HC 89.622 RTJ 208/543 − HC 93.786 RTJ 208/599

PrTr Interdito proibitório decorrente de exercício de greve. (...) Competência jurisdicional. RE 579.648 RTJ 208/1271

PrCv Interesse de agir demonstrado. (...) Mandado de segurança. MS 26.602 RTJ 208/72

Adm Interesse individual. (...) Ato administrativo. RE 501.869-AgR RTJ 208/1251

Ct Interesse individual. (...) Competência jurisdicional. AO 1.464-QO RTJ 208/33

PrSTF Interposição simultânea. (...) Recurso extraordinário. HC 95.611 RTJ 208/359

Ct Interpretação constitucional. Mutação informal da Constituição. Matéria de direitos humanos. Conflito entre direito interno e interna-cional. Critério adotado: norma mais favorável. Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), art. 7º, 7, c/c art. 29. HC 90.450 RTJ 208/549 − HC 91.361 RTJ 208/1120

Pn Interpretação em favor da sociedade. (...) Pena. AC 1.806-AgR RTJ 208/475

PrPn Interrogatório. (...) Ação penal. HC 95.142 RTJ 208/340PrPn Intimação: ausência. (...) Habeas corpus. HC 91.516-ED RTJ 208/577PrPn Intimação criminal. Defensor público. Sessão de julgamento. Susten-

tação oral: impossibilidade. Intimação pessoal: necessidade. Princípio do contraditório e da ampla defesa: ofensa. Lei 1.060/50, art. 5º, § 5º. Lei Complementar 80/94, art. 128, I. CPP/41, art. 370, § 4º. HC 96.958-MC RTJ 208/1311

PrPn Intimação criminal. Sentença condenatória. Intimação pessoal dos réus. Intimação do defensor: falta. Razões de apelação: apresentação. Prejuízo à defesa: ausência. Nulidade absoluta inocorrente. HC 92.568 RTJ 208/299

PrPn Intimação do defensor: falta. (...) Intimação criminal. HC 92.568 RTJ 208/299

PrPn Intimação pessoal: necessidade. (...) Intimação criminal. HC 96.958-MC RTJ 208/1311

PrPn Intimação pessoal dos réus. (...) Intimação criminal. HC 92.568 RTJ 208/299

Page 450: Revista Trimestral de Jurisprudência

Inv-Jus — ÍNDICE ALFABÉTICO1352

PrCv Invasão por “sem-terra” e calamidade pública. (...) Mandado de segu-rança. MS 25.124 RTJ 208/53

Trbt Isenção. (...) Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). RE 258.759-AgR RTJ 208/1214

JPrCv Juízo sobre admissibilidade ou razões do RE: inocorrência. (...) Agravo

regimental. AI 700.083-AgR RTJ 208/411PrPn Julgamento: nulidade. (...) Habeas corpus. HC 91.516-ED RTJ 208/577PrPn Julgamento: nulidade. (...) Júri. HC 91.952 RTJ 208/257PrPn Julgamento de civil em tempo de paz: excepcionalidade. (...) Justiça

Militar. HC 86.216 RTJ 208/228PrPn Julgamento de uma das causas. (...) Conflito de competência. HC 95.291

RTJ 208/1176PrSTF Julgamento do mérito. (...) Reclamação. Rcl 6.387 RTJ 208/1059PrCv Juntada da peça pelo agravado em contraminuta: comprovação do ví-

cio. (...) Agravo de instrumento. AI 676.985-AgR RTJ 208/408PrPn Juntada em inquérito policial em favor do interlocutor: possibilidade.

(...) Prova criminal. RE 402.717 RTJ 208/839PrPn Júri. Julgamento: nulidade. Uso de algemas durante a sessão: excep-

cionalidade. Periculosidade do agente ou risco de fuga: não-demons-tração. Motivação: ausência. Prejuízo à defesa. CPP/41, arts. 284 e 474, § 3º. HC 91.952 RTJ 208/257

PrCv Jurisprudência assentada. (...) Agravo regimental. RE 548.410-AgR RTJ 208/369 − AI 676.985-AgR RTJ 208/408

Cv Jurisprudência do STF: alteração. (...) Prisão civil. HC 95.967 RTJ 208/1202

PrCv Jurisprudência do STF: aplicação. (...) Tutela antecipada. Rcl 4.628-AgR RTJ 208/478

Ct Juros moratórios. (...) Precatório. RE 579.431-QO RTJ 208/372PrPn Justa causa. (...) Ação penal. HC 91.516 RTJ 208/579PrPn Justa causa: análise. (...) Ação penal. HC 85.240 RTJ 208/195Ct Justiça comum. (...) Competência jurisdicional. CC 7.242 RTJ 208/1064PrCv Justiça comum. (...) Competência jurisdicional. AI 614.198-AgR

RTJ 208/405PrPn Justiça comum estadual. (...) Competência criminal. HC 86.216

RTJ 208/228

Page 451: Revista Trimestral de Jurisprudência

ÍNDICE ALFABÉTICO — Jus-Lei 1353

PrTr Justiça do Trabalho. (...) Competência jurisdicional. RE 569.056 RTJ 208/859 − RE 579.648 RTJ 208/1271

PrPn Justiça Federal. (...) Competência criminal. RE 446.908 RTJ 208/1234 − RE 464.621 RTJ 208/849 − RE 541.627 RTJ 208/853

PrPn Justiça Federal e Tribunal do Júri. (...) Conflito de competência. HC 95.291 RTJ 208/1176

PrPn Justiça Militar. Julgamento de civil em tempo de paz: excepcionalida-de. Função de natureza militar e militar em serviço: distinção. CPM/69, art. 9º, III, d: interpretação restritiva. CF/88, art. 142: delimitação da competência. HC 86.216 RTJ 208/228

PrPn Justiça Militar: incompetência. (...) Competência criminal. HC 86.216 RTJ 208/228

LPn Latrocínio tentado: desclassificação. (...) Pena. HC 91.585 RTJ 208/251Adm Laudo Agronômico de Fiscalização: impugnação. (...) Desapropria-

ção. MS 25.124 RTJ 208/53Adm Laudo pericial: prazo de validade. (...) Desapropriação. MS 25.124

RTJ 208/53Int Lavagem de dinheiro. (...) Extradição. Ext 1.103 RTJ 208/25PrCv Legitimidade ativa. (...) Mandado de segurança. MS 26.602 RTJ 208/72PrCv Legitimidade passiva. (...) Mandado de segurança. MS 26.602

RTJ 208/72PrPn Lei 1.060/50, art. 5º, § 5º. (...) Intimação criminal. HC 96.958-MC

RTJ 208/1311Adm Lei 1.079/50. (...) Agente político. RE 579.799-AgR RTJ 208/1286PrCv Lei 1.533/51, art. 18. (...) Mandado de segurança. RMS 25.310-AgR

RTJ 208/505Pn Lei 2.252/54, art. 1º. (...) Corrupção de menor. HC 92.014 RTJ 208/1148Int Lei 6.815/80, art. 66. (...) Expulsão de estrangeiro. HC 94.896

RTJ 208/328Int Lei 6.815/80, art. 75, caput, II, b: inteligência. (...) Expulsão de estran-

geiro. HC 94.896 RTJ 208/328Int Lei 6.815/80, art. 89 c/c art. 67. (...) Extradição. Ext 1.103 RTJ 208/25Int Lei 6.815/80, art. 91, II. (...) Extradição. Ext 1.103 RTJ 208/25Ct Lei 6.938/81. (...) Competência legislativa concorrente. ADI 3.252-

MC RTJ 208/951

Page 452: Revista Trimestral de Jurisprudência

Lei-Lei — ÍNDICE ALFABÉTICO1354

PrPn Lei 7.492/86, art. 26. (...) Competência criminal. RE 446.908 RTJ 208/1234

Cv Lei 8.009/90, art. 3º, VII, redação da Lei 8.245/91. (...) Locação. AI 584.436-AgR RTJ 208/1291

PrSTF Lei 8.038/90, art. 27, § 4º. (...) Recurso extraordinário. HC 95.611 RTJ 208/359

PrPn Lei 8.038/90, art. 41-A, parágrafo único: aplicação analógica. (...) Re-curso especial. HC 89.974 RTJ 208/243

Adm Lei 8.112/90, art. 36, parágrafo único, III, a. (...) Servidor público. MS 23.058 RTJ 208/1070

Trbt Lei 8.212/91, art. 55, II. (...) Imunidade tributária. RMS 27.093 RTJ 208/189

Adm Lei 8.629/93, art. 2º, § 2º. (...) Desapropriação. MS 25.124 RTJ 208/53Adm Lei 8.629/93, art. 2º, § 4º. (...) Desapropriação. MS 25.124 RTJ 208/53PrPn Lei 8.906/94, art. 7º, V. (...) Prisão especial. Rcl 6.387 RTJ 208/1059Ct Lei 9.096/95, arts. 18 e 24. (...) Mandato parlamentar. MS 26.602

RTJ 208/72PrPn Lei 9.099/95, art. 89. (...) Suspensão condicional do processo penal –

sursis processual. HC 84.450 RTJ 208/192PrPn Lei 9.099/95, arts. 93 e 95. (...) Competência criminal. RE 463.560

RTJ 208/1245PrPn Lei 9.249/95, art. 34: pedido de aplicação analógica. (...) Habeas cor-

pus. HC 92.743 RTJ 208/303Adm Lei 9.421/96, art. 6º. (...) Concurso público. RMS 25.294 RTJ 208/68PrPn Lei 9.437/97, art. 10. (...) Ação penal. HC 85.240 RTJ 208/195PrSTF Lei 9.437/97, art. 10. (...) Recurso extraordinário. RE 541.627

RTJ 208/853Ct Lei 9.504/97, art. 8º. (...) Mandato parlamentar. MS 26.602 RTJ 208/72PrSTF Lei 9.605/98, art. 51. (...) Recurso extraordinário. RE 541.627

RTJ 208/853PrSTF Lei 9.718/98, art. 3º, § 1º: inconstitucionalidade declarada pelo STF. (...)

Recurso extraordinário. RE 585.235-RG-QO RTJ 208/871Adm Lei 11.301/06, art. 1º: interpretação conforme à Constituição. (...) Apo-

sentadoria especial. ADI 3.772 RTJ 208/961PrPn Lei 11.343/06, art. 44: inaplicabilidade. (...) Liberdade provisória.

HC 96.715-MC RTJ 208/1304

Page 453: Revista Trimestral de Jurisprudência

ÍNDICE ALFABÉTICO — Lei-Lei 1355

Pn Lei 11.464/07: inaplicabilidade. (...) Regime prisional. HC 92.477 RTJ 208/294

PrPn Lei Complementar 80/94, art. 128, I. (...) Intimação criminal. HC 96.958-MC RTJ 208/1311

Trbt Lei Complementar 91/97, art. 1º, § 1º. (...) Fundo de Participação dos Municípios. MS 23.632 RTJ 208/1082

Trbt Lei Complementar 91/97, art. 2º, § 1º, IX, redação da Lei Complemen-tar 106/01. (...) Fundo de Participação dos Municípios. MS 26.484 RTJ 208/518

PrPn Lei Complementar estadual 77/93/SC. (...) Competência criminal. RE 463.560 RTJ 208/1245

Adm Lei Complementar estadual 203/01/RN. (...) Servidor público estadu-al. RE 563.965 RTJ 208/1254

Pn Lei de Execução Penal (LEP), art. 112. (...) Regime prisional. HC 92.477 RTJ 208/294

PrPn Lei de Execução Penal (LEP), art. 112, redação da Lei 10.792/03. (...) Execução penal. HC 95.111 RTJ 208/1172

Pn Lei de Execução Penal (LEP), art. 147. (...) Pena. AC 1.806-AgR RTJ 208/475

PrSTF Lei de Imprensa: suspensão parcial de dispositivos por cento e oitenta dias. (...) Medida cautelar. ADPF 130-QO RTJ 208/11

Adm Lei de Improbidade Administrativa: inaplicabilidade. (...) Agente polí-tico. RE 579.799-AgR RTJ 208/1286

PrCv Lei em tese. (...) Mandado de segurança. MS 26.484 RTJ 208/518 − MS 27.188-AgR RTJ 208/1089

Ct Lei estadual 1.315/04/RO. (...) Competência legislativa concorrente. ADI 3.252-MC RTJ 208/951

Ct Lei estadual 7.738/04/ES: inconstitucionalidade. (...) Competência le-gislativa. ADI 3.196 RTJ 208/944

Adm Lei estadual 8.742/05/RN: inconstitucionalidade. (...) Defensoria Pú-blica estadual. ADI 3.700 RTJ 208/955

Trbt Lei estadual 11.331/02/SP, art. 7º, II e III. (...) Emolumentos. ADI 3.887 RTJ 208/1019

Pn Leis 7.492/86 e 10.303/01: revogação inocorrente. (...) Crime contra o Sistema Financeiro Nacional. HC 94.955 RTJ 208/335

PrCv Leis 8.622/93 e 8.627/93. (...) Tutela antecipada. Rcl 4.628-AgR RTJ 208/478

Page 454: Revista Trimestral de Jurisprudência

Les-Lom — ÍNDICE ALFABÉTICO1356

Pn Lesividade: dúvida. (...) Pena. HC 95.142 RTJ 208/340PrPn Liberdade de locomoção: ameaça inocorrente. (...) Habeas corpus.

HC 95.496 RTJ 208/1184PrPn Liberdade provisória. Cabimento excepcional. Prisão em flagrante.

Tráfico de entorpecente. Condições subjetivas favoráveis. Princípio da dignidade da pessoa humana. HC 95.790 RTJ 208/362

PrPn Liberdade provisória. Cabimento excepcional. Prisão em flagrante. Tráfico de entorpecente. Doença grave. Princípio da dignidade da pes-soa humana. HC 94.916 RTJ 208/1165

PrPn Liberdade provisória. (...) Habeas corpus. RHC 90.718 RTJ 208/247PrPn Liberdade provisória. Possibilidade. Prisão em flagrante. Tráfico de

entorpecente. Princípio da dignidade da pessoa humana. Lei 11.343/06, art. 44: inaplicabilidade. CF/88, art. 5º, LV e LVII. HC 96.715-MC RTJ 208/1304

Ct Licenciamento ambiental: autorização prévia da Assembléia Legislati-va. (...) Poder Executivo. ADI 3.252-MC RTJ 208/951

PrPn Licitação: fraude. (...) Competência criminal. RE 464.621 RTJ 208/849PrPn Licitude. (...) Prova criminal. RE 402.717 RTJ 208/839Int Lista de delitos da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Or-

ganizado Transnacional (Convenção de Palermo). (...) Extradição. Ext 1.103 RTJ 208/25

PrCv Litigância de má-fé. (...) Agravo regimental. AI 676.985-AgR RTJ 208/408

Ct Litisconsórcio facultativo: possibilidade. (...) Defesa do consumidor. ACO 1.020 RTJ 208/913

PrCv Litisconsórcio passivo: indeferimento. (...) Mandado de segurança. MS 23.058 RTJ 208/1070

PrCv Litisconsorte passivo necessário. (...) Mandado de segurança. MS 26.602 RTJ 208/72

Cv Locação. Ação de despejo. Bem de família do fiador: penhorabilidade. Lei 8.009/90, art. 3º, VII, redação da Lei 8.245/91. CF/88, art. 6º: ofensa inocorrente. AI 584.436-AgR RTJ 208/1291

PrPn Loman/79, arts. 26, II, a a c; e 27, § 6º. (...) Magistrado. AO 1.464-QO RTJ 208/33

PrPn Loman/79, art. 33, parágrafo único: interpretação. (...) Inquérito. HC 94.278 RTJ 208/605

Page 455: Revista Trimestral de Jurisprudência

ÍNDICE ALFABÉTICO — Mag-Man 1357

MPrPn Magistrado. Perda do cargo. Quorum qualificado para julgamento.

Loman/79, arts. 26, II, a a c; e 27, § 6º. CP/40, art. 92, I. AO 1.464-QO RTJ 208/33

PrCv Magistrado. (...) Tutela antecipada. Rcl 5.174-AgR RTJ 208/1056Ct Magistrado: perda do cargo. (...) Competência jurisdicional. AO 1.464-

QO RTJ 208/33PrGr Magistrados participantes de julgamento anulado pelo STJ. (...) Exce-

ção de suspeição. AO 1.517 RTJ 208/459PrCv Mandado de segurança. Cabimento. Desapropriação. Reforma agrá-

ria. Procedimento administrativo perante o Incra. Existência de vício: análise. MS 25.124 RTJ 208/53

PrCv Mandado de segurança. Conhecimento. Ato concreto do presidente da Câmara dos Deputados. Resposta à Consulta 1.398 do TSE: natu-reza e efeito. Relação de dependência necessária: ausência. MS 26.602 RTJ 208/72

PrCv Mandado de segurança. Conhecimento. Direito líquido e certo: análi-se. Preliminar que se confunde com o mérito. MS 26.602 RTJ 208/72

PrCv Mandado de segurança. Decadência. Termo inicial: término do prazo de validade de concurso público. Cadastro de reserva: irrelevância. Lei 1.533/51, art. 18. RMS 25.310-AgR RTJ 208/505

PrCv Mandado de segurança. Decadência: inocorrência. Prazo: termo ini-cial. Decisão Normativa 79/06-TCU, art. 2º. MS 26.484 RTJ 208/518

PrCv Mandado de segurança. Decisão. Modulação dos efeitos: data da resposta do TSE à Consulta 1.398/07. Princípio da segurança jurídica. MS 26.602 RTJ 208/72

PrCv Mandado de segurança. Descabimento. Resolução do Conselho Na-cional de Justiça (CNJ). Lei em tese. Súmula 266. MS 27.188-AgR RTJ 208/1089

PrCv Mandado de segurança. Ilegitimidade passiva. Ministro de Estado da Educação. Curso de pós-graduação não credenciado pelo MEC. Expe-dição de diploma. RMS 26.369 RTJ 208/509

PrCv Mandado de segurança. Legitimidade ativa. Partido Popular Socialis-ta (PPS). Partido político com representação no Congresso Nacional. Diminuição do número de deputados federais no curso do mandato. Interesse de agir demonstrado. MS 26.602 RTJ 208/72

PrCv Mandado de segurança. Legitimidade passiva. Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Litisconsorte passivo necessário.

Page 456: Revista Trimestral de Jurisprudência

Man-Mat — ÍNDICE ALFABÉTICO1358

Deputado federal: mudança de partido político no curso do mandato. MS 26.602 RTJ 208/72

PrCv Mandado de segurança. Lei em tese. Súmula 266. MS 26.484 RTJ 208/518

PrCv Mandado de segurança. Matéria de fato controvertida. Dilação pro-batória: inadmissibilidade. Desapropriação. Invasão por “sem-terra” e calamidade pública. MS 25.124 RTJ 208/53

PrCv Mandado de segurança. Tribunal de Contas da União: autoridade coatora. União Federal: natureza de parte. Litisconsórcio passivo: inde-ferimento. MS 23.058 RTJ 208/1070

PrGr Mandado de segurança: descabimento. (...) Processo judicial. MS 26.946-AgR RTJ 208/1087

PrPn Mandado judicial abrangente. (...) Prova criminal. HC 95.009 RTJ 208/640

Ct Mandato parlamentar. Natureza e titularidade. Democracia repre-sentativa e partidária. Modelo de representação proporcional. Filiação partidária: condição de elegibilidade. Código Eleitoral/65, arts. 87 e 105 a 113. Lei 9.096/95, arts. 18 e 24. Lei 9.504/97, art. 8º. CF/88, arts. 14, § 3º, V; e 45. MS 26.602 RTJ 208/72

PrSTF Manifestação do PGR: desnecessidade. (...) Recurso extraordinário. RE 579.799-AgR RTJ 208/1286

Ct Manifestação formal dos desembargadores: necessidade. (...) Compe-tência originária. AO 1.517 RTJ 208/459

PrPn Manutenção. (...) Prisão preventiva. RHC 93.174 RTJ 208/310Adm Manutenção da unidade da família. (...) Servidor público. MS 23.058

RTJ 208/1070Trbt Manutenção do coeficiente do ano anterior: impossibilidade. (...) Fun-

do de Participação dos Municípios. MS 23.632 RTJ 208/1082PrSTF Matéria constitucional: objeto de jurisprudência dominante no STF. (...)

Recurso extraordinário. RE 579.431-QO RTJ 208/372PrSTF Matéria constitucional pacificada pelo STF. (...) Recurso extraordiná-

rio. RE 579.431-QO RTJ 208/372PrPn Matéria criminal. (...) Recurso especial. HC 89.974 RTJ 208/243Ct Matéria de direitos humanos. (...) Interpretação constitucional.

HC 90.450 RTJ 208/549 − HC 91.361 RTJ 208/1120Int Matéria de direitos humanos. (...) Tratado internacional. HC 90.450

RTJ 208/549 − HC 91.361 RTJ 208/1120

Page 457: Revista Trimestral de Jurisprudência

ÍNDICE ALFABÉTICO — Mat-Med 1359

PrCv Matéria de fato controvertida. (...) Mandado de segurança. MS 25.124 RTJ 208/53

PrPn Matéria de prova. (...) Habeas corpus. HC 91.516 RTJ 208/579 − HC 92.994 RTJ 208/307

PrSTF Matéria de prova. (...) Recurso extraordinário. RE 446.908 RTJ 208/1234

Ct Matéria eleitoral. (...) Tribunal Superior Eleitoral (TSE). ADI 3.999 RTJ 208/1024 − MS 26.602 RTJ 208/72

PrSTF Matéria infraconstitucional. (...) Recurso extraordinário. RE 541.627 RTJ 208/853 − RE 548.410-AgR RTJ 208/369 − AI 603.460-AgR RTJ 208/402 − AI 614.198-AgR RTJ 208/405

PrPn Materialidade do crime e indícios de autoria. (...) Ação penal. HC 91.516 RTJ 208/579

PrSTF Materialidade do crime e indícios de autoria. (...) Recurso extraordiná-rio. RE 446.908 RTJ 208/1234

PrPn Materialidade do crime e indícios de autoria: análise. (...) Sentença de pronúncia. HC 94.169 RTJ 208/1159

Trbt Matéria-prima transferida entre estabelecimentos da mesma empresa. (...) Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). RE 199.147 RTJ 208/744

Pn Maus antecedentes. (...) Pena. HC 95.585 RTJ 208/1195PrSTF Medida cautelar. Argüição de descumprimento de preceito funda-

mental. Lei de Imprensa: suspensão parcial de dispositivos por cento e oitenta dias. Prazo para julgamento do mérito expirado. Medida limi-nar referendada: extensão da eficácia por igual período. ADPF 130-QO RTJ 208/11

PrSTF Medida cautelar. Efeito suspensivo a recurso extraordinário: plausibi-lidade jurídica inocorrente. AC 1.806-AgR RTJ 208/475

PrCv Medida cautelar. Recurso extraordinário retido. Decisão interlocu-tória: liminar deferida. Processamento do RE: inviabilidade. CPC/73, art. 542, § 3º. Súmula 735. AC 1.745-AgR RTJ 208/471

PrSTF Medida liminar: indeferimento. (...) Reclamação. Rcl 6.387 RTJ 208/1059

PrPn Medida liminar em habeas corpus: indeferimento. (...) Agravo re-gimental. HC 89.651-MC-AgR RTJ 208/240 − HC 95.272-MC-ED RTJ 208/345

PrPn Medida liminar indeferida por relator do STJ. (...) Habeas corpus. HC 93.712 RTJ 208/593 − HC 95.009 RTJ 208/640

Page 458: Revista Trimestral de Jurisprudência

Med-Mut — ÍNDICE ALFABÉTICO1360

PrSTF Medida liminar referendada: extensão da eficácia por igual período. (...) Medida cautelar. ADPF 130-QO RTJ 208/11

Trbt Medida Provisória 794/94: regulamentação. (...) Contribuição previ-denciária. RE 398.284 RTJ 208/1221

PrPn Meios para localização do acusado não esgotados. (...) Citação por edital. HC 88.548 RTJ 208/1098

Pn Menoridade: reconhecimento na instância ordinária. (...) Corrupção de menor. HC 92.014 RTJ 208/1148

PrCv Militar da Aeronáutica. (...) Tutela antecipada. Rcl 4.628-AgR RTJ 208/478

Ct Ministério Público Federal e Ministério Público estadual. (...) Defesa do consumidor. ACO 1.020 RTJ 208/913

PrCv Ministro de Estado da Educação. (...) Mandado de segurança. RMS 26.369 RTJ 208/509

Ct Modelo de representação proporcional. (...) Mandato parlamentar. MS 26.602 RTJ 208/72

PrCv Modulação dos efeitos: data da resposta do TSE à Consulta 1.398/07. (...) Mandado de segurança. MS 26.602 RTJ 208/72

PrPn Motivação: ausência. (...) Júri. HC 91.952 RTJ 208/257Pn Motivação inidônea. (...) Regime prisional. HC 94.045 RTJ 208/318Ct Mudança de partido político. (...) Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

MS 26.602 RTJ 208/72Ct Mudança de partido político no curso do mandato: prática lícita mas

juridicamente conseqüente. (...) Parlamentar. MS 26.602 RTJ 208/72Trbt Mudança de titularidade: ausência. (...) Imposto sobre Circulação de

Mercadorias e Serviços (ICMS). RE 199.147 RTJ 208/744Ct Mudança significativa de orientação programática do partido ou com-

provada perseguição política: não-demonstração. (...) Parlamentar. MS 26.602 RTJ 208/72

PrCv Multa. (...) Agravo regimental. AI 676.985-AgR RTJ 208/408Ct Multa: parcelamento. (...) Competência legislativa. ADI 3.196

RTJ 208/944PrPn Munição: indisponibilidade. (...) Ação penal. HC 85.240 RTJ 208/195Ct Mutação informal da Constituição. (...) Interpretação constitucional.

HC 90.450 RTJ 208/549 − HC 91.361 RTJ 208/1120

Page 459: Revista Trimestral de Jurisprudência

ÍNDICE ALFABÉTICO — Não-Nul 1361

NPrSTF Não-conhecimento. (...) Ação direta de inconstitucionalidade. ADI

3.833-MC RTJ 208/989Ct Natureza e titularidade. (...) Mandato parlamentar. MS 26.602

RTJ 208/72Pn Natureza jurídica: providência de ordem cautelar. (...) Crime contra a

honra. Pet 4.444-AgR RTJ 208/40Trbt Natureza jurídica: taxa. (...) Emolumentos. ADI 3.887 RTJ 208/1019PrPn Necessidade reconhecida em acórdão transitado em julgado. (...) Prova

pericial. HC 95.295 RTJ 208/350Adm Nepotismo: inocorrência. (...) Cargo público. Rcl 6.650-MC-AgR

RTJ 208/491Pn Nexo com o exercício do mandato: ausência. (...) Crime contra a hon-

ra. Pet 4.444-AgR RTJ 208/40Adm Nomeação de irmão de governador. (...) Cargo público. Rcl 6.650-MC-

AgR RTJ 208/491Adm Nomeação em concurso público. (...) Ato administrativo. RE 501.869-

AgR RTJ 208/1251Adm Notificação: ausência. (...) Desapropriação. MS 25.124 RTJ 208/53PrCv Notificação judicial. Caráter preventivo. Efeitos coercitivos: ausência.

Pedido contra ministro de Estado para cumprimento de lei: inadmissi-bilidade. Supremo Tribunal Federal (STF): incompetência. Pet 4.100-AgR RTJ 208/1053

Adm Notificação prévia. (...) Desapropriação. MS 25.124 RTJ 208/53Adm Novo prazo: concessão. (...) Desapropriação. MS 25.124 RTJ 208/53PrPn Nulidade. (...) Citação por edital. HC 88.548 RTJ 208/1098PrPn Nulidade absoluta inocorrente. (...) Intimação criminal. HC 92.568

RTJ 208/299Adm Nulidade inocorrente. (...) Desapropriação. MS 25.124 RTJ 208/53PrPn Nulidade inocorrente. (...) Suspensão condicional do processo penal –

sursis processual. HC 84.450 RTJ 208/192PrPn Nulidade processual absoluta. (...) Prova pericial. HC 85.718

RTJ 208/538PrPn Nulidade relativa. (...) Competência criminal. HC 96.453 RTJ 208/1206PrPn Nulidade relativa argüida em revisão criminal. (...) Ação penal.

HC 95.142 RTJ 208/340

Page 460: Revista Trimestral de Jurisprudência

Núm-Par — ÍNDICE ALFABÉTICO1362

PrPn Número excessivo de acusados. (...) Processo criminal. AP 493-AgR RTJ 208/14

OPn Objetividade jurídica e elementos do tipo distintos. (...) Crime contra o

Sistema Financeiro Nacional. HC 94.955 RTJ 208/335Pn Ofensa irrogada em campanha eleitoral. (...) Crime contra a honra. Pet

4.444-AgR RTJ 208/40Int Oitiva de testemunha da defesa. (...) Carta rogatória. HC 85.653

RTJ 208/524PrPn Oitiva do investigado. (...) Prisão temporária. HC 95.009 RTJ 208/640Pn Ônus da prova: acusação. (...) Pena. HC 95.142 RTJ 208/340Ct Opinio delicti e denúncia: atribuição do Ministério Público. (...) Com-

petência originária. AP 493-AgR RTJ 208/14PrPn Opinio delicti e denúncia: atribuição do Ministério Público. (...) Inqué-

rito. HC 94.278 RTJ 208/605PrPn Organização criminosa. (...) Prisão preventiva. HC 92.377 RTJ 208/282

PCv Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, art. 11. (...) Prisão

civil. HC 90.450 RTJ 208/549 − HC 91.361 RTJ 208/1120 − HC 95.967 RTJ 208/1202

PrCv Pagamento de vencimentos: efeito secundário da decisão. (...) Tutela antecipada. Rcl 5.983-AgR RTJ 208/481

PrSTF Parâmetro constitucional: alteração substancial. (...) Ação direta de inconstitucionalidade. ADI 3.833-MC RTJ 208/989

Trbt Parcela pertencente ao Município. (...) Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). RE 459.486-AgR RTJ 208/1240

Ct Parlamentar. Fidelidade partidária. Mudança de partido político no curso do mandato: prática lícita mas juridicamente conseqüente. Sanção de perda do mandato: inocorrência. Renúncia: conseqüência lógica. Afastamento do mandato. Direito subjetivo: inexistência. Mudança significativa de orientação programática do partido ou com-provada perseguição política: não-demonstração. Sanção e sacrifício pessoal do direito: distinção. CF/88, art. 55: não-incidência. MS 26.602 RTJ 208/72

Ct Parlamentar. (...) Tribunal Superior Eleitoral (TSE). MS 26.602 RTJ 208/72

Page 461: Revista Trimestral de Jurisprudência

ÍNDICE ALFABÉTICO — Par-Pen 1363

Trbt Participação nos lucros: trabalhadores. (...) Contribuição previdenciá-ria. RE 398.284 RTJ 208/1221

PrCv Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). (...) Mandado de segurança. MS 26.602 RTJ 208/72

PrCv Partido político com representação no Congresso Nacional. (...) Man-dado de segurança. MS 26.602 RTJ 208/72

PrCv Partido Popular Socialista (PPS). (...) Mandado de segurança. MS 26.602 RTJ 208/72

PrSTF Pauta de julgamento. Embargos de declaração. Inclusão desnecessá-ria. Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF), art. 83, § 1º, III. AI 643.632-AgR-ED-ED RTJ 208/875

PrSTF Pauta de julgamento. Questão de ordem. Inclusão desnecessária. Re-gimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF), art. 83, § 1º, I. AO 1.464-QO RTJ 208/33

PrPn Peculato-desvio. (...) Denúncia. Inq 1.926 RTJ 208/929PrCv Pedido contra ministro de Estado para cumprimento de lei: inadmissi-

bilidade. (...) Notificação judicial. Pet 4.100-AgR RTJ 208/1053Ct Pedido de explicações em juízo. (...) Competência originária. Pet

4.444-AgR RTJ 208/40Pn Pedido de explicações em juízo: descabimento. (...) Crime contra a

honra. Pet 4.444-AgR RTJ 208/40PrSTF Pedido de reconsideração: prejudicialidade. (...) Reclamação. Rcl 6.387

RTJ 208/1059PrPn Pedido de trancamento da ação penal por falta de justa causa. (...) Ha-

beas corpus. HC 84.450 RTJ 208/192PrPn Pedido expresso nos autos. (...) Habeas corpus. HC 91.516-ED

RTJ 208/577Pn Pena. Confissão espontânea: embasamento da condenação. Retratação

em juízo. Circunstância atenuante: configuração. CP/40, art. 65, III, d. HC 91.654 RTJ 208/584

Pn Pena. Fixação. Latrocínio tentado: desclassificação. Roubo consuma-do e homicídio tentado: concurso material. Competência criminal: Júri. Exacerbação da pena anteriormente imposta: impossibilidade. Princí-pio da vedação da reformatio in pejus. HC 91.585 RTJ 208/251

Pn Pena. Privativa de liberdade. Substituição por restritiva de direitos. Prescrição da pretensão punitiva: inocorrência. Causas interruptivas: irrelevância. CP/40, arts. 109, IV; e 117. RE 446.908 RTJ 208/1234

Page 462: Revista Trimestral de Jurisprudência

Pen-Pod — ÍNDICE ALFABÉTICO1364

Pn Pena. Privativa de liberdade. Substituição por restritiva de direitos. Trânsito em julgado da condenação: inocorrência. Execução provisó-ria. Interpretação em favor da sociedade. Lei de Execução Penal (LEP), art. 147. AC 1.806-AgR RTJ 208/475

Pn Pena. Regime inicial fechado. Maus antecedentes. CP/40, arts. 33, § 3º; e 59. HC 95.585 RTJ 208/1195

Pn Pena. Roubo. Arma de fogo: ausência de apreensão e perícia. Disparo: não-comprovação. Lesividade: dúvida. Ônus da prova: acusação. Cau-sa de aumento: inaplicabilidade. CP/40, art. 157, § 2º, I: inteligência. HC 95.142 RTJ 208/340

Pn Pena inferior a quatro anos. (...) Regime prisional. HC 94.045 RTJ 208/318

PrPn Pena superior a um ano. (...) Suspensão condicional do processo pe-nal – sursis processual. HC 84.450 RTJ 208/192

PrPn Pena-base: exacerbação desproporcional. (...) Acórdão criminal. HC 85.792 RTJ 208/217

PrPn Perda do cargo. (...) Magistrado. AO 1.464-QO RTJ 208/33PrPn Perda do objeto: ausência. (...) Conflito de competência. HC 95.291

RTJ 208/1176PrPn Perda posterior de parte dos componentes: impossibilidade de cumpri-

mento do acórdão. (...) Prova pericial. HC 95.295 RTJ 208/350PrPn Periculosidade do agente ou risco de fuga: não-demonstração. (...) Júri.

HC 91.952 RTJ 208/257Trbt Período anterior à MP 794/94: cobrança. (...) Contribuição previdenci-

ária. RE 398.284 RTJ 208/1221Ct Período entre a data do cálculo de liquidação e da expedição do requi-

sitório. (...) Precatório. RE 579.431-QO RTJ 208/372Ct Período posterior ao regime jurídico único. (...) Competência jurisdi-

cional. CC 7.242 RTJ 208/1064PrSTF PIS e Cofins. (...) Recurso extraordinário. RE 585.235-RG-QO

RTJ 208/871PrSTF Plenário do STF: necessidade de pronunciamento expresso. (...) Recur-

so extraordinário. RE 579.431-QO RTJ 208/372Ct Poder Executivo. Competência. Licenciamento ambiental: autorização

prévia da Assembléia Legislativa. Princípio da independência e harmo-nia dos Poderes. ADI 3.252-MC RTJ 208/951

Ct Poder Legislativo: atuação. (...) Processo legislativo. HC 96.715-MC RTJ 208/1304

Page 463: Revista Trimestral de Jurisprudência

ÍNDICE ALFABÉTICO — Pol-Pre 1365

Adm Polícia Civil. (...) Concurso público. AI 680.650-AgR RTJ 208/1294PrPn Policial civil: envolvimento. (...) Prisão preventiva. HC 92.377

RTJ 208/282PrCv Policial militar: reintegração. (...) Tutela antecipada. Rcl 6.468-AgR

RTJ 208/488Int Portaria 26/90-MRE, redação da Portaria 16/03-MRE: inteligência. (...)

Carta rogatória. HC 85.653 RTJ 208/524PrPn Porte de arma de fogo desmuniciada. (...) Ação penal. HC 85.240

RTJ 208/195Int Posição hierárquica. (...) Tratado internacional. HC 90.450 RTJ 208/549

− HC 91.361 RTJ 208/1120PrPn Possibilidade. (...) Liberdade provisória. HC 96.715-MC RTJ 208/1304PrCv Prazo: termo inicial. (...) Mandado de segurança. MS 26.484

RTJ 208/518PrSTF Prazo para julgamento do mérito expirado. (...) Medida cautelar.

ADPF 130-QO RTJ 208/11Ct Precatório. Juros moratórios. Período entre a data do cálculo de liqui-

dação e da expedição do requisitório. Repercussão geral: reconheci-mento. Autos: distribuição. RE 579.431-QO RTJ 208/372

PrPn Preclusão. (...) Ação penal. HC 95.142 RTJ 208/340PrPn Prejudicialidade. (...) Habeas corpus. HC 84.450 RTJ 208/192 −

HC 85.240 RTJ 208/195PrSTF Prejudicialidade. (...) Reclamação. Rcl 6.259-AgR RTJ 208/484PrPn Prejudicialidade inocorrente. (...) Habeas corpus. RHC 93.174

RTJ 208/310 − HC 94.278 RTJ 208/605PrPn Prejuízo à defesa. (...) Citação por edital. HC 88.548 RTJ 208/1098PrPn Prejuízo à defesa. (...) Júri. HC 91.952 RTJ 208/257PrPn Prejuízo à defesa: ausência. (...) Ação penal. HC 95.142 RTJ 208/340PrPn Prejuízo à defesa: ausência. (...) Competência criminal. HC 96.453

RTJ 208/1206PrPn Prejuízo à defesa: ausência. (...) Intimação criminal. HC 92.568

RTJ 208/299PrCv Preliminar que se confunde com o mérito. (...) Mandado de segurança.

MS 26.602 RTJ 208/72Ct Prerrogativa de foro. (...) Competência originária. Pet 4.444-AgR

RTJ 208/40

Page 464: Revista Trimestral de Jurisprudência

Pre-Pri — ÍNDICE ALFABÉTICO1366

Pn Prescrição da pretensão punitiva: inocorrência. (...) Pena. RE 446.908 RTJ 208/1234

Int Prescrição inocorrente. (...) Extradição. Ext 1.103 RTJ 208/25Int Pressupostos legais: existência. (...) Extradição. Ext 1.103 RTJ 208/25PrPn Presunção de não-culpabilidade: primazia. (...) Revisão criminal.

HC 92.435 RTJ 208/287PrPn Prevenção. (...) Competência criminal. HC 96.453 RTJ 208/1206PrPn Princípio da consunção: inaplicabilidade. (...) Ação penal. HC 87.208

RTJ 208/1093PrPn Princípio da dignidade da pessoa humana. (...) Liberdade provisória.

HC 94.916 RTJ 208/1165 − HC 95.790 RTJ 208/362 − HC 96.715-MC RTJ 208/1304

PrPn Princípio da dignidade da pessoa humana e da liberdade de trabalho: ofensa. (...) Competência criminal. RE 541.627 RTJ 208/853

PrPn Princípio da disponibilidade e da ofensividade. (...) Ação penal. HC 85.240 RTJ 208/195

Int Princípio da especialidade: ofensa inocorrente. (...) Extradição. Ext 1.052-extensão RTJ 208/922

PrPn Princípio da hierarquia. (...) Habeas corpus. HC 86.548 RTJ 208/236Ct Princípio da independência e harmonia dos Poderes. (...) Poder Execu-

tivo. ADI 3.252-MC RTJ 208/951PrPn Princípio da insignificância: inaplicabilidade. (...) Ação penal. HC

92.743 RTJ 208/303Adm Princípio da irredutibilidade de vencimentos: ofensa inocorrente. (...)

Servidor público estadual. RE 563.965 RTJ 208/1254PrPn Princípio da não-culpabilidade. (...) Prisão. HC 93.712 RTJ 208/593PrPn Princípio da não-culpabilidade. (...) Prisão preventiva. HC 95.009

RTJ 208/640PrPn Princípio da não-culpabilidade. (...) Recurso especial. HC 89.974

RTJ 208/243PrPn Princípio da não-culpabilidade: ofensa. (...) Prisão cautelar. HC 96.715-

MC RTJ 208/1304PrPn Princípio da não-culpabilidade: ofensa. (...) Prisão preventiva. HC

94.122 RTJ 208/321Trbt Princípio da não-cumulatividade: ofensa inocorrente. (...) Imposto

sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). RE 199.147 RTJ 208/744

Page 465: Revista Trimestral de Jurisprudência

ÍNDICE ALFABÉTICO — Pri-Pri 1367

Ct Princípio da proporcionalidade e da razoabilidade. (...) Processo legis-lativo. HC 96.715-MC RTJ 208/1304

PrPn Princípio da razoável duração do processo. (...) Processo criminal. AP 493-AgR RTJ 208/14

PrCv Princípio da segurança jurídica. (...) Mandado de segurança. MS 26.602 RTJ 208/72

Pn Princípio da vedação da reformatio in pejus. (...) Pena. HC 91.585 RTJ 208/251

PrPn Princípio do contraditório: ofensa. (...) Processo criminal. HC 85.824 RTJ 208/221

Adm Princípio do contraditório e da ampla defesa. (...) Concurso público. AI 680.650-AgR RTJ 208/1294

PrPn Princípio do contraditório e da ampla defesa: ofensa. (...) Intimação criminal. HC 96.958-MC RTJ 208/1311

PrPn Princípio do juiz natural: ofensa inocorrente. (...) Competência crimi-nal. RE 463.560 RTJ 208/1245

PrPn Princípio do juiz natural: ofensa inocorrente. (...) Conflito de compe-tência. HC 95.291 RTJ 208/1176

PrPn Princípio do juiz natural: ofensa inocorrente. (...) Sentença de pronún-cia. HC 94.169 RTJ 208/1159

PrGr Prioridade de tramitação. (...) Processo judicial. MS 26.946-AgR RTJ 208/1087

PrPn Prisão. Fundamentação insuficiente. Trânsito em julgado da conde-nação: inocorrência. Princípio da não-culpabilidade. CPP/41, art. 312. CF/88, arts. 5º, LXI, e 93, IX: ofensa. HC 93.712 RTJ 208/593

PrPn Prisão cautelar. Fundamentação insuficiente. Gravidade do crime e fuga do réu. Princípio da não-culpabilidade: ofensa. CPP/41, art. 312. HC 96.715-MC RTJ 208/1304

Cv Prisão civil. Inadmissibilidade. Depositário infiel. Convenção Ameri-cana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), art. 7º, 7. Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, art. 11. CF/88, art. 5º, LXVII. HC 90.450 RTJ 208/549 − HC 91.361 RTJ 208/1120

Cv Prisão civil. Inadmissibilidade. Depositário infiel. Jurisprudência do STF: alteração. Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), art. 7º, 7. Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, art. 11. HC 95.967 RTJ 208/1202

PrPn Prisão em flagrante. (...) Habeas corpus. RHC 90.718 RTJ 208/247

Page 466: Revista Trimestral de Jurisprudência

Pri-Pri — ÍNDICE ALFABÉTICO1368

PrPn Prisão em flagrante. (...) Liberdade provisória. HC 94.916 RTJ 208/1165 − HC 95.790 RTJ 208/362 − HC 96.715-MC RTJ 208/1304

PrPn Prisão especial. Advogado. Trânsito em julgado da sentença condena-tória: inocorrência. Recolhimento em dependência da Polícia Militar. Estabelecimento adequado. Condições de salubridade, luminosidade e ventilação: atendimento. Existência de grades: irrelevância. Sala de Estado-Maior: conceito. Decisão na ADI 1.127: ausência de descumpri-mento. Lei 8.906/94, art. 7º, V. Rcl 6.387 RTJ 208/1059

Int Prisão perpétua ou pena de morte. (...) Extradição. Ext 1.103 RTJ 208/25PrPn Prisão preventiva. (...) Acórdão criminal. RHC 91.293 RTJ 208/1108PrPn Prisão preventiva. Excesso de prazo. Instrução criminal não encer-

rada. Responsabilidade da defesa: ausência. Razoável duração do processo: ofensa. CF/88, art. 5º, LXXVIII. HC 89.622 RTJ 208/543 − HC 93.786 RTJ 208/599

PrPn Prisão preventiva. Fundamentação insuficiente. Aplicação da lei pe-nal. Situação econômica do réu. Fato concreto: ausência. HC 94.122 RTJ 208/321

PrPn Prisão preventiva. Fundamentação insuficiente. Conveniência da instrução criminal e garantia da ordem pública e da ordem econômica. Aplicação da lei penal: situação econômica do réu. Antecipação de pena: inadmissibilidade. Princípio da não-culpabilidade. HC 95.009 RTJ 208/640

PrPn Prisão preventiva. Fundamentação insuficiente. Garantia da ordem pública. Risco de continuidade delitiva. Fato concreto: ausência. Prin-cípio da não-culpabilidade: ofensa. HC 94.122 RTJ 208/321

PrPn Prisão preventiva. Fundamentação insuficiente. Gravidade do crime. HC 94.122 RTJ 208/321

PrPn Prisão preventiva. Fundamentação insuficiente. Gravidade do cri-me, clamor social e aplicação da lei penal. Fato concreto: ausência. HC 95.790 RTJ 208/362

PrPn Prisão preventiva. Fundamentação insuficiente. Prisão temporária: revogação anterior. Fato novo: ausência. HC 95.009 RTJ 208/640

PrPn Prisão preventiva. Fundamentação suficiente. Aplicação da lei penal, garantia da ordem pública e conveniência da instrução criminal. Fuga do acusado após a prática do delito e ameaça a testemunha. CPP/41, art. 312. RHC 93.174 RTJ 208/310

PrPn Prisão preventiva. Fundamentação suficiente. Conveniência da ins-trução criminal: ameaça a testemunha. Réu foragido. CPP/41, art. 312. RHC 94.805 RTJ 208/636

Page 467: Revista Trimestral de Jurisprudência

ÍNDICE ALFABÉTICO — Pri-Pro 1369

PrPn Prisão preventiva. Fundamentação suficiente. Garantia da ordem pública. Fraude bancária e exploração clandestina de serviço de te-lecomunicação. Organização criminosa. Policial civil: envolvimento. CPP/41, art. 312. HC 92.377 RTJ 208/282

PrPn Prisão preventiva. Manutenção. Excesso de prazo: não-configuração. Responsabilidade da defesa. Complexidade da causa. Testemunha: número excessivo. RHC 93.174 RTJ 208/310

Int Prisão preventiva cumprida no Brasil. (...) Extradição. Ext 1.103 RTJ 208/25

PrPn Prisão temporária. Fundamentação. Oitiva do investigado. Direito ao silêncio. CF/88, art. 5º, LXIII. HC 95.009 RTJ 208/640

PrPn Prisão temporária: revogação anterior. (...) Prisão preventiva. HC 95.009 RTJ 208/640

Pn Privativa de liberdade. (...) Pena. AC 1.806-AgR RTJ 208/475 − RE 446.908 RTJ 208/1234

PrCv Procedimento administrativo perante o Incra. (...) Mandado de segu-rança. MS 25.124 RTJ 208/53

PrSTF Procedimento de implantação. (...) Recurso extraordinário. RE 579.431-QO RTJ 208/372

Ct Procedimento de justificação. (...) Tribunal Superior Eleitoral (TSE). MS 26.602 RTJ 208/72

Ct Procedimento de justificação da desfiliação partidária e da perda do cargo eletivo: regulamentação. (...) Tribunal Superior Eleitoral (TSE). ADI 3.999 RTJ 208/1024

PrCv Processamento do RE: inviabilidade. (...) Medida cautelar. AC 1.745-AgR RTJ 208/471

Adm Processo administrativo: anulação a partir da notificação prévia. (...) Desapropriação. MS 25.124 RTJ 208/53

PrPn Processo criminal. Desmembramento. Conveniência da instrução cri-minal. Quadrilha ou bando. AP 493-AgR RTJ 208/14

PrPn Processo criminal. Desmembramento. Co-réus sem prerrogativa de foro e senador. Número excessivo de acusados. Conveniência da ins-trução criminal. Princípio da razoável duração do processo. CF/88, art. 5º, LXXVIII. AP 493-AgR RTJ 208/14

PrPn Processo criminal. Reparação do dano. Atenuação da pena: possibili-dade. Extinção da punibilidade: descabimento. HC 92.743 RTJ 208/303

PrPn Processo criminal. Suspensão. Réu revel. Inquirição de testemunha de acusação. Produção antecipada de prova: urgência não demonstrada.

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Pro-Pro — ÍNDICE ALFABÉTICO1370

Princípio do contraditório: ofensa. CPP/41, arts. 92, 93, 225 e 366: inte-ligência. HC 85.824 RTJ 208/221

Int Processo criminal no Brasil. (...) Extradição. Ext 1.103 RTJ 208/25PrGr Processo judicial. Prioridade de tramitação. Idoso: necessidade de

prova da idade. Mandado de segurança: descabimento. Estatuto do Idoso, art. 71, § 1º. MS 26.946-AgR RTJ 208/1087

Ct Processo legislativo. Poder Legislativo: atuação. Princípio da propor-cionalidade e da razoabilidade. HC 96.715-MC RTJ 208/1304

PrCv Processo seletivo simplificado: contratação de professor. (...) Tutela antecipada. Rcl 5.983-AgR RTJ 208/481

PrPn Produção antecipada de prova: urgência não demonstrada. (...) Proces-so criminal. HC 85.824 RTJ 208/221

Trbt Produto importado. (...) Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). RE 258.759-AgR RTJ 208/1214

Pn Progressão: possibilidade. (...) Regime prisional. HC 92.477 RTJ 208/294

PrPn Progressão de regime: cassação. (...) Acórdão criminal. HC 95.111 RTJ 208/1172

PrPn Progressão de regime: possibilidade. (...) Execução penal. HC 95.111 RTJ 208/1172

PrPn Progressão de regime: reinício do prazo. (...) Execução penal. HC 95.401 RTJ 208/355

PrPn Progressão de regime prisional. (...) Habeas corpus. HC 93.042-AgR RTJ 208/1155

PrPn Pronúncia: superveniência. (...) Habeas corpus. RHC 93.174 RTJ 208/310

PrPn Proposta do Ministério Público: ausência. (...) Suspensão condicional do processo penal – sursis processual. HC 84.450 RTJ 208/192

Pn Proteção da moralidade dos menores. (...) Corrupção de menor. HC 92.014 RTJ 208/1148

Ct Proteção do meio ambiente e controle da poluição. (...) Competência legislativa concorrente. ADI 3.252-MC RTJ 208/951

PrPn Prova criminal. Busca e apreensão. Mandado judicial abrangente. Es-tado de direito: garantias constitucionais. CF/88, art. 5º, XI, XII e XLV. HC 95.009 RTJ 208/640

PrPn Prova criminal. Licitude. Conversa telefônica. Gravação por interlo-cutor. Juntada em inquérito policial em favor do interlocutor: possibi-

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ÍNDICE ALFABÉTICO — Pro-Que 1371

lidade. Causa legal de sigilo ou de reserva da conversação: ausência. RE 402.717 RTJ 208/839

Pn Prova da corruptibilidade do menor: dispensa. (...) Corrupção de me-nor. HC 92.014 RTJ 208/1148

PrPn Prova pericial. Componentes de máquinas caça-níqueis: determinação da origem. Necessidade reconhecida em acórdão transitado em julga-do. Perda posterior de parte dos componentes: impossibilidade de cum-primento do acórdão. Revisão do julgamento em questão de ordem: impossibilidade por ofensa à coisa julgada formal. Sentido da decisão do TRF: suficiente para atingir os objetivos da prova. Quantidade de máquinas a serem periciadas: critério do órgão que executará a ordem. HC 95.295 RTJ 208/350

PrPn Prova pericial. Exame de corpo de delito: inexistência. Exercício ile-gal da arte farmacêutica. Vestígios: substância apreendida. Exame de corpo de delito indireto: inadmissibilidade. Nulidade processual abso-luta. Absolvição do réu. CP/40, art. 282. CPP/41, arts. 167 e 564, III, b. HC 85.718 RTJ 208/538

PrSTF Prova pericial: necessidade de produção. (...) Recurso extraordinário. AI 603.460-AgR RTJ 208/402

Adm Provimento 81/99-STM. (...) Concurso público. RMS 25.294 RTJ 208/68

PrCv Provimento de agravo de instrumento. (...) Agravo regimental. AI 700.083-AgR RTJ 208/411

PrCv Pulsos além da franquia: cobrança. (...) Competência jurisdicional. AI 614.198-AgR RTJ 208/405

PrSTF Pulsos além da franquia: cobrança. (...) Recurso extraordinário. AI 614.198-AgR RTJ 208/405

QPrPn Quadrilha ou bando. (...) Processo criminal. AP 493-AgR RTJ 208/14PrPn Quantidade de máquinas a serem periciadas: critério do órgão que

executará a ordem. (...) Prova pericial. HC 95.295 RTJ 208/350PrSTF Questão de ordem. (...) Pauta de julgamento. AO 1.464-QO RTJ 208/33PrPn Questão não apreciada pelo STJ. (...) Habeas corpus. HC 92.743

RTJ 208/303PrPn Questão não apreciada pelo STJ: reconhecimento de incompetência.

(...) Habeas corpus. HC 93.872 RTJ 208/315PrPn Questão não apreciada pelo STJ e pelo Tribunal de Justiça. (...) Habeas

corpus. HC 93.042-AgR RTJ 208/1155

Page 470: Revista Trimestral de Jurisprudência

Que-Rec — ÍNDICE ALFABÉTICO1372

PrPn Questão não apreciada pelo Tribunal de Justiça e não conhecida pelo STJ. (...) Habeas corpus. RHC 90.718 RTJ 208/247

PrPn Quorum qualificado para julgamento. (...) Magistrado. AO 1.464-QO RTJ 208/33

RPrPn Razoável duração do processo: ofensa. (...) Prisão preventiva.

HC 89.622 RTJ 208/543 − HC 93.786 RTJ 208/599PrPn Razões de apelação: apresentação. (...) Intimação criminal. HC 92.568

RTJ 208/299PrCv Razões novas: ausência. (...) Agravo regimental. RE 548.410-AgR

RTJ 208/369PrSTF Reabertura do prazo para interposição de RE. (...) Recurso extraordi-

nário. HC 95.611 RTJ 208/359PrCv Reajuste de 28,86%. (...) Tutela antecipada. Rcl 4.628-AgR RTJ 208/478PrPn Recebimento. (...) Denúncia. Inq 1.926 RTJ 208/929PrSTF Receita bruta: ampliação do conceito. (...) Recurso extraordinário.

RE 585.235-RG-QO RTJ 208/871PrSTF Reclamação. Medida liminar: indeferimento. Pedido de reconsidera-

ção: prejudicialidade. Julgamento do mérito. Rcl 6.387 RTJ 208/1059PrSTF Reclamação. Prejudicialidade. Tutela antecipada. Decisão na ADC 4.

Sentença de mérito: superveniência. Rcl 6.259-AgR RTJ 208/484Ct Reclamação trabalhista. (...) Competência jurisdicional. CC 7.242

RTJ 208/1064Trbt Recolhimento: postergação. (...) Imposto sobre Circulação de Merca-

dorias e Serviços (ICMS). RE 459.486-AgR RTJ 208/1240PrPn Recolhimento em dependência da Polícia Militar. (...) Prisão especial.

Rcl 6.387 RTJ 208/1059PrPn Recurso: descabimento. (...) Acórdão criminal. RHC 91.293 RTJ

208/1108PrPn Recurso em habeas corpus. Descabimento. Acórdão do STJ em RHC.

Conversão em habeas corpus originário. HC 96.453 RTJ 208/1206PrPn Recurso especial. Matéria criminal. Empate na votação. Convocação

de ministro de outra Turma para voto de desempate: inadmissibilidade. Decisão mais favorável. Princípio da não-culpabilidade. Lei 8.038/90, art. 41-A, parágrafo único: aplicação analógica. HC 89.974 RTJ 208/243

PrSTF Recurso especial. (...) Recurso extraordinário. HC 95.611 RTJ 208/359

Page 471: Revista Trimestral de Jurisprudência

ÍNDICE ALFABÉTICO — Rec-Rec 1373

PrSTF Recurso especial não transitado em julgado. (...) Recurso extraordiná-rio. HC 95.611 RTJ 208/359

PrPn Recurso exclusivo da defesa. (...) Habeas corpus. RE 446.908 RTJ 208/1234

PrSTF Recurso extraordinário. Decisão fundamentada em jurisprudência da Corte. Manifestação do PGR: desnecessidade. Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF), art. 52, parágrafo único. CF/88, art. 103, § 1º: inteligência. RE 579.799-AgR RTJ 208/1286

PrSTF Recurso extraordinário. Matéria de prova. Materialidade do crime e indícios de autoria. Súmula 279. RE 446.908 RTJ 208/1234

PrSTF Recurso extraordinário. Matéria infraconstitucional. Conexão de crimes: impossibilidade de análise. Lei 9.437/97, art. 10. Lei 9.605/98, art. 51. CP/40, art. 337-A. RE 541.627 RTJ 208/853

PrSTF Recurso extraordinário. Matéria infraconstitucional. Convenção co-letiva de trabalho: validade. CF/88, art. 7º, XXVI. RE 548.410-AgR RTJ 208/369

PrSTF Recurso extraordinário. Matéria infraconstitucional. Prova pericial: necessidade de produção. AI 603.460-AgR RTJ 208/402

PrSTF Recurso extraordinário. Matéria infraconstitucional. Telefonia fixa. Pulsos além da franquia: cobrança. AI 614.198-AgR RTJ 208/405

PrSTF Recurso extraordinário. Recurso especial. Interposição simultânea. Recurso especial não transitado em julgado. Autos: devolução ao STJ. Reabertura do prazo para interposição de RE. Recurso extraordinário: suspensão. Lei 8.038/90, art. 27, § 4º. HC 95.611 RTJ 208/359

PrSTF Recurso extraordinário. Repercussão geral. Matéria constitucional pacificada pelo STF. Plenário do STF: necessidade de pronunciamen-to expresso. Instância inferior: incidência do novo regime. CPC/73, art. 543-B, § 3º. RE 579.431-QO RTJ 208/372

PrSTF Recurso extraordinário. Repercussão geral. Procedimento de implan-tação. Matéria constitucional: objeto de jurisprudência dominante no STF. CPC/73, arts. 543-A e 543-B. RE 579.431-QO RTJ 208/372

PrSTF Recurso extraordinário. Repercussão geral: reconhecimento. Con-tribuição social. PIS e Cofins. Base de cálculo. Faturamento. Receita bruta: ampliação do conceito. Lei 9.718/98, art. 3º, § 1º: inconstitucio-nalidade declarada pelo STF. RE 585.235-RG-QO RTJ 208/871

PrCv Recurso extraordinário: processamento. (...) Agravo regimental. AI 700.083-AgR RTJ 208/411

PrSTF Recurso extraordinário: suspensão. (...) Recurso extraordinário. HC 95.611 RTJ 208/359

Page 472: Revista Trimestral de Jurisprudência

Rec-Reg — ÍNDICE ALFABÉTICO1374

PrCv Recurso extraordinário retido. (...) Medida cautelar. AC 1.745-AgR RTJ 208/471

PrCv Recursos múltiplos: sobrestamento. (...) Ação cautelar. AC 2.030 RTJ 208/1301

PrPn Redução à condição análoga à de escravo. (...) Competência criminal. RE 541.627 RTJ 208/853

Trbt Redutor financeiro. (...) Fundo de Participação dos Municípios. MS 26.484 RTJ 208/518

Adm Reforma agrária. (...) Desapropriação. MS 25.124 RTJ 208/53PrCv Reforma agrária. (...) Mandado de segurança. MS 25.124 RTJ 208/53PrPn Regime fechado. (...) Execução penal. HC 95.401 RTJ 208/355Pn Regime inicial fechado. (...) Pena. HC 95.585 RTJ 208/1195Pn Regime inicial mais gravoso: impossibilidade. (...) Regime prisional.

HC 94.045 RTJ 208/318Pn Regime prisional. Furto qualificado. Pena inferior a quatro anos. Rein-

cidência. Motivação inidônea. Circunstância judicial desfavorável: ausência. Regime inicial mais gravoso: impossibilidade. Súmula 719. HC 94.045 RTJ 208/318

PrPn Regime prisional. (...) Habeas corpus. HC 92.477 RTJ 208/294Pn Regime prisional. Progressão: possibilidade. Crime hediondo. Fato

praticado no período de vigência da redação originária da Lei 8.072/90, art. 2º, § 1º. Sistema jurídico mais benéfico. Lei 11.464/07: inaplicabili-dade. Lei de Execução Penal (LEP), art. 112. CP/40, art. 33. HC 92.477 RTJ 208/294

PrPn Regime semi-aberto: fixação prévia. (...) Acórdão criminal. HC 85.792 RTJ 208/217

PrSTF Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF), art. 52, parágrafo único. (...) Recurso extraordinário. RE 579.799-AgR RTJ 208/1286

PrSTF Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF), art. 83, § 1º, I. (...) Pauta de julgamento. AO 1.464-QO RTJ 208/33

PrSTF Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF), art. 83, § 1º, III. (...) Pauta de julgamento. AI 643.632-AgR-ED-ED RTJ 208/875

PrSTF Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF), art. 131, § 2º. (...) Embargos de declaração. AI 643.632-AgR-ED-ED RTJ 208/875

PrCv Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF), art. 316. (...) Agravo regimental. AI 700.083-AgR RTJ 208/411

Page 473: Revista Trimestral de Jurisprudência

ÍNDICE ALFABÉTICO — Rei-Res 1375

Pn Reincidência. (...) Regime prisional. HC 94.045 RTJ 208/318PrGr Rejeição. (...) Exceção de suspeição. AO 1.517 RTJ 208/459Int Relação com o direito interno. (...) Tratado internacional. HC 90.450

RTJ 208/549 − HC 91.361 RTJ 208/1120PrCv Relação de dependência necessária: ausência. (...) Mandado de segu-

rança. MS 26.602 RTJ 208/72PrPn Remessa dos autos ao juízo competente. (...) Habeas corpus. HC 85.240

RTJ 208/195Adm Remoção: localidade diversa. (...) Servidor público. MS 23.058 RTJ

208/1070Adm Remuneração global: preservação. (...) Servidor público estadual.

RE 563.965 RTJ 208/1254Ct Renúncia: conseqüência lógica. (...) Parlamentar. MS 26.602 RTJ

208/72PrPn Reparação do dano. (...) Processo criminal. HC 92.743 RTJ 208/303Trbt Repartição de receita. (...) Imposto sobre Circulação de Mercadorias e

Serviços (ICMS). RE 459.486-AgR RTJ 208/1240PrSTF Repercussão geral. (...) Recurso extraordinário. RE 579.431-QO

RTJ 208/372Ct Repercussão geral: reconhecimento. (...) Precatório. RE 579.431-QO

RTJ 208/372PrSTF Repercussão geral: reconhecimento. (...) Recurso extraordinário.

RE 585.235-RG-QO RTJ 208/871PrPn Representante do Ministério Público: não-comparecimento. (...) Ação

penal. HC 95.142 RTJ 208/340PrPn Requisito subjetivo: análise pelo Juízo da Execução. (...) Execução

penal. HC 95.111 RTJ 208/1172PrPn Requisito temporal de um sexto da pena: consideração. (...) Habeas

corpus. HC 92.477 RTJ 208/294PrPn Requisitos objetivos: não-demonstração. (...) Ação penal. HC 92.743

RTJ 208/303PrPn Requisitos para progressão: análise pelo Juízo da Execução. (...) Habe-

as corpus. HC 92.477 RTJ 208/294Adm Reserva florestal averbada: ausência. (...) Desapropriação. MS 25.124

RTJ 208/53Ct Resolução: necessidade de edição. (...) Tribunal Superior Eleitoral

(TSE). MS 26.602 RTJ 208/72

Page 474: Revista Trimestral de Jurisprudência

Res-Rev — ÍNDICE ALFABÉTICO1376

PrPn Resolução 6/95-TJ/SC. (...) Competência criminal. RE 463.560 RTJ 208/1245

Ct Resolução 22.610/07-TSE e Resolução 22.733/08-TSE. (...) Tribunal Superior Eleitoral (TSE). ADI 3.999 RTJ 208/1024

PrCv Resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). (...) Mandado de segurança. MS 27.188-AgR RTJ 208/1089

PrSTF Resolução do TSE. (...) Ação direta de inconstitucionalidade. ADI 3.999 RTJ 208/1024

Adm Responsabilidade civil do Estado. Concessionária de serviço públi-co. Empregado terceirizado: acidente de trabalho. Responsabilidade objetiva. CF/88, art. 37, § 6º. RE 475.904 RTJ 208/1315

PrPn Responsabilidade da defesa. (...) Prisão preventiva. RHC 93.174 RTJ 208/310

PrPn Responsabilidade da defesa: ausência. (...) Prisão preventiva. HC 89.622 RTJ 208/543 − HC 93.786 RTJ 208/599

Adm Responsabilidade objetiva. (...) Responsabilidade civil do Estado. RE 475.904 RTJ 208/1315

Ct Resposta a consulta. (...) Tribunal Superior Eleitoral (TSE). MS 26.602 RTJ 208/72

PrCv Resposta à Consulta 1.398 do TSE: natureza e efeito. (...) Mandado de segurança. MS 26.602 RTJ 208/72

Adm Resultado: recorribilidade. (...) Concurso público. AI 680.650-AgR RTJ 208/1294

Trbt Retenção pelo Estado: impossibilidade. (...) Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). RE 459.486-AgR RTJ 208/1240

Pn Retratação em juízo. (...) Pena. HC 91.654 RTJ 208/584PrPn Réu foragido. (...) Prisão preventiva. RHC 94.805 RTJ 208/636PrPn Réu revel. (...) Processo criminal. HC 85.824 RTJ 208/221PrPn Reunião de processos: faculdade do juiz. (...) Ação penal. AP 493-AgR

RTJ 208/14PrPn Revisão criminal. Sentença contra a evidência dos autos: alcance

da expressão. Fragilidade evidente do conjunto probatório. Presun-ção de não-culpabilidade: primazia. CPP/41, art. 621, I. HC 92.435 RTJ 208/287

PrPn Revisão do julgamento em questão de ordem: impossibilidade por ofen-sa à coisa julgada formal. (...) Prova pericial. HC 95.295 RTJ 208/350

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ÍNDICE ALFABÉTICO — Rig-Sen 1377

Adm Rigor científico: exigência. (...) Concurso público. AI 680.650-AgR RTJ 208/1294

PrPn Risco de continuidade delitiva. (...) Prisão preventiva. HC 94.122 RTJ 208/321

Pn Roubo. (...) Pena. HC 95.142 RTJ 208/340Pn Roubo consumado e homicídio tentado: concurso material. (...) Pena.

HC 91.585 RTJ 208/251

SPrPn Sala de Estado-Maior: conceito. (...) Prisão especial. Rcl 6.387

RTJ 208/1059Ct Sanção de perda do mandato: inocorrência. (...) Parlamentar.

MS 26.602 RTJ 208/72Ct Sanção e sacrifício pessoal do direito: distinção. (...) Parlamentar.

MS 26.602 RTJ 208/72Adm Secretário de Estado: agente político. (...) Cargo público. Rcl 6.650-MC-

AgR RTJ 208/491PrPn Sentença condenatória. (...) Habeas corpus. RE 446.908 RTJ 208/1234PrPn Sentença condenatória. (...) Intimação criminal. HC 92.568

RTJ 208/299PrTr Sentença condenatória ou acordo homologado. (...) Competência juris-

dicional. RE 569.056 RTJ 208/859PrPn Sentença condenatória superveniente. (...) Habeas corpus. HC 84.450

RTJ 208/192PrPn Sentença contra a evidência dos autos: alcance da expressão. (...) Revi-

são criminal. HC 92.435 RTJ 208/287PrSTF Sentença de mérito: superveniência. (...) Reclamação. Rcl 6.259-AgR

RTJ 208/484PrPn Sentença de pronúncia. Exame de prova: necessidade. Materialidade

do crime e indícios de autoria: análise. Excesso de linguagem: inocor-rência. Princípio do juiz natural: ofensa inocorrente. CPP/41, art. 408. HC 94.169 RTJ 208/1159

PrPn Sentença transitada em julgado. (...) Habeas corpus. HC 92.994 RTJ 208/307

PrPn Sentido da decisão do TRF: suficiente para atingir os objetivos da pro-va. (...) Prova pericial. HC 95.295 RTJ 208/350

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Ser-Súm — ÍNDICE ALFABÉTICO1378

Trbt Serviço notarial e de registro. (...) Emolumentos. ADI 3.887 RTJ 208/1019

Adm Servidor público. Aposentadoria. Tempo de serviço: controvérsia. Contribuição previdenciária: excesso. Valor recolhido indevidamente: restituição. Emenda Constitucional 20/98, art. 8º, § 5º. RE 568.377 RTJ 208/1268

Adm Servidor público. Remoção: localidade diversa. Acompanhamento de cônjuge ou companheiro empregado público. Manutenção da unidade da família. Lei 8.112/90, art. 36, parágrafo único, III, a. CF/88, art. 226. MS 23.058 RTJ 208/1070

Adm Servidor público estadual. Estabilidade financeira. Direito adquirido a regime jurídico: ausência. Remuneração global: preservação. Princí-pio da irredutibilidade de vencimentos: ofensa inocorrente. Lei Com-plementar estadual 203/01/RN. RE 563.965 RTJ 208/1254

Ct Servidor público municipal. (...) Competência jurisdicional. CC 7.242 RTJ 208/1064

PrPn Sessão de julgamento. (...) Habeas corpus. HC 91.516-ED RTJ 208/577PrPn Sessão de julgamento. (...) Intimação criminal. HC 96.958-MC

RTJ 208/1311Trbt Similar nacional isento. (...) Imposto sobre Circulação de Mercadorias

e Serviços (ICMS). RE 258.759-AgR RTJ 208/1214Pn Sistema jurídico mais benéfico. (...) Regime prisional. HC 92.477

RTJ 208/294PrPn Situação econômica do réu. (...) Prisão preventiva. HC 94.122 RTJ

208/321PrPn Situação objetivamente idêntica. (...) Habeas corpus. HC 91.585

RTJ 208/251 − HC 94.122 RTJ 208/321PrSTF Solicitação de informações pelo STF. (...) Habeas corpus. HC 95.009

RTJ 208/640Pn Substituição por restritiva de direitos. (...) Pena. AC 1.806-AgR

RTJ 208/475 − RE 446.908 RTJ 208/1234PrCv Súmula 266. (...) Mandado de segurança. MS 26.484 RTJ 208/518 −

MS 27.188-AgR RTJ 208/1089PrSTF Súmula 279. (...) Recurso extraordinário. RE 446.908 RTJ 208/1234PrPn Súmula 606: aplicação analógica. (...) Habeas corpus. HC 86.548

RTJ 208/236PrPn Súmula 691: abrandamento. (...) Habeas corpus. HC 93.712 RTJ

208/593 − HC 95.009 RTJ 208/640

Page 477: Revista Trimestral de Jurisprudência

ÍNDICE ALFABÉTICO — Súm-Tem 1379

Pn Súmula 719. (...) Regime prisional. HC 94.045 RTJ 208/318PrCv Súmula 735. (...) Medida cautelar. AC 1.745-AgR RTJ 208/471Adm Súmula Vinculante 13: inaplicabilidade. (...) Cargo público. Rcl

6.650-MC-AgR RTJ 208/491Ct Superior Tribunal de Justiça (STJ). (...) Competência originária.

RE 579.799-AgR RTJ 208/1286PrPn Superior Tribunal de Justiça (STJ). (...) Conflito de competência.

HC 95.291 RTJ 208/1176Adm Superior Tribunal Militar (STM). (...) Concurso público. RMS 25.294

RTJ 208/68Ct Supremo Tribunal Federal (STF). (...) Competência originária.

AP 493-AgR RTJ 208/14 − AO 1.517 RTJ 208/459 − Pet 4.444-AgR RTJ 208/40 − CC 7.242 RTJ 208/1064

PrCv Supremo Tribunal Federal (STF): incompetência. (...) Notificação judi-cial. Pet 4.100-AgR RTJ 208/1053

PrPn Supressão de instância. (...) Habeas corpus. RHC 90.718 RTJ 208/247 − HC 92.743 RTJ 208/303 − HC 93.872 RTJ 208/315

PrPn Suspensão. (...) Processo criminal. HC 85.824 RTJ 208/221PrPn Suspensão condicional do processo penal – sursis processual. Inad-

missibilidade. Concurso material. Pena superior a um ano. Proposta do Ministério Público: ausência. Nulidade inocorrente. Lei 9.099/95, art. 89. HC 84.450 RTJ 208/192

PrSTF Sustentação oral: impossibilidade. (...) Embargos de declaração. AI 643.632-AgR-ED-ED RTJ 208/875

PrPn Sustentação oral: impossibilidade. (...) Habeas corpus. HC 91.516-ED RTJ 208/577

PrPn Sustentação oral: impossibilidade. (...) Intimação criminal. HC 96.958-MC RTJ 208/1311

TPrCv Telefonia fixa. (...) Competência jurisdicional. AI 614.198-AgR RTJ

208/405PrSTF Telefonia fixa. (...) Recurso extraordinário. AI 614.198-AgR RTJ

208/405Adm Tempo de serviço: controvérsia. (...) Servidor público. RE 568.377

RTJ 208/1268

Page 478: Revista Trimestral de Jurisprudência

Ter-Tra — ÍNDICE ALFABÉTICO1380

Adm Termo final: ausência de fixação. (...) Desapropriação. MS 25.124 RTJ 208/53

PrCv Termo inicial: término do prazo de validade de concurso público. (...) Mandado de segurança. RMS 25.310-AgR RTJ 208/505

PrPn Testemunha: número excessivo. (...) Prisão preventiva. RHC 93.174 RTJ 208/310

Pn Tipicidade da conduta. (...) Crime contra o Sistema Financeiro Nacio-nal. HC 94.955 RTJ 208/335

PrPn Tipicidade da conduta. (...) Habeas corpus. HC 84.450 RTJ 208/192PrPn Tráfico de entorpecente. (...) Habeas corpus. HC 93.042-AgR RTJ

208/1155PrPn Tráfico de entorpecente. (...) Liberdade provisória. HC 94.916

RTJ 208/1165 − HC 95.790 RTJ 208/362 − HC 96.715-MC RTJ 208/1304PrPn Trancamento: descabimento. (...) Ação penal. HC 87.208 RTJ

208/1093 − HC 91.516 RTJ 208/579PrPn Trancamento: descabimento. (...) Inquérito. HC 94.278 RTJ 208/605Ct Trânsito e transporte. (...) Competência legislativa. ADI 3.196

RTJ 208/944Pn Trânsito em julgado da condenação: inocorrência. (...) Pena. AC 1.806-

AgR RTJ 208/475PrPn Trânsito em julgado da condenação: inocorrência. (...) Prisão.

HC 93.712 RTJ 208/593PrPn Trânsito em julgado da sentença condenatória: inocorrência. (...) Prisão

especial. Rcl 6.387 RTJ 208/1059PrPn Transporte de fardamento do Exército. (...) Competência criminal.

HC 86.216 RTJ 208/228PrCv Traslado deficiente. (...) Agravo de instrumento. AI 676.985-AgR

RTJ 208/408Int Tratado Brasil–Estados Unidos da América. (...) Extradição. Ext 1.103

RTJ 208/25Int Tratado Brasil–Estados Unidos da América: inclusão automática. (...)

Extradição. Ext 1.103 RTJ 208/25Int Tratado internacional. Matéria de direitos humanos. Relação com

o direito interno. Posição hierárquica. Bloco de constitucionalida-de. CF/88, art. 5º, § 2º e § 3º. HC 90.450 RTJ 208/549 − HC 91.361 RTJ 208/1120

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ÍNDICE ALFABÉTICO — Tri-Tut 1381

PrCv Tribunal de Contas da União: autoridade coatora. (...) Mandado de segurança. MS 23.058 RTJ 208/1070

PrPn Tribunal de Justiça: apreciação do pedido. (...) Habeas corpus. RHC 90.718 RTJ 208/247

PrPn Tribunal Regional Federal (TRF). (...) Competência criminal. RE 377.356 RTJ 208/1217

Ct Tribunal superior e juiz a ele não vinculado. (...) Competência originá-ria. CC 7.242 RTJ 208/1064

Ct Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Competência. Matéria eleitoral. Infidelidade partidária. Procedimento de justificação da desfiliação partidária e da perda do cargo eletivo: regulamentação. Usurpação de competência do Poder Legislativo e do Poder Executivo: alegação. Contexto excepcional e transitório: inexistência de instrumento legal. Código Eleitoral/65, art. 23, IX. CF/88, arts. 22, I; 48; e 84, IV: ofensa inocorrente. Resolução 22.610/07-TSE e Resolução 22.733/08-TSE. ADI 3.999 RTJ 208/1024

Ct Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Competência. Matéria eleitoral. Resposta a consulta. Código Eleitoral/65, art. 23, XII: recepção pela CF/88. CF/88, art. 121. MS 26.602 RTJ 208/72

Ct Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Competência. Parlamentar. Mu-dança de partido político. Procedimento de justificação. Ampla defesa. Resolução: necessidade de edição. MS 26.602 RTJ 208/72

PrPn Turma Recursal de Juizado Especial. (...) Competência criminal. RE 463.560 RTJ 208/1245

PrCv Tutela antecipada. Fazenda Pública. Magistrado. Férias não gozadas: indenização. Decisão na ADC 4: ofensa inocorrente. Rcl 5.174-AgR RTJ 208/1056

PrCv Tutela antecipada. Militar da Aeronáutica. Reajuste de 28,86%. Juris-prudência do STF: aplicação. Decisão na ADC 4: ofensa inocorrente. Leis 8.622/93 e 8.627/93. Rcl 4.628-AgR RTJ 208/478

PrCv Tutela antecipada. Policial militar: reintegração. Efeito financeiro retroativo: ausência. Decisão na ADC 4: ofensa inocorrente. Rcl 6.468-AgR RTJ 208/488

PrCv Tutela antecipada. Processo seletivo simplificado: contratação de pro-fessor. Concurso público dentro do prazo de validade. Candidato apro-vado: nomeação e posse. Pagamento de vencimentos: efeito secundário da decisão. Decisão na ADC 4: ofensa inocorrente. Rcl 5.983-AgR RTJ 208/481

PrSTF Tutela antecipada. (...) Reclamação. Rcl 6.259-AgR RTJ 208/484

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Uni-Vis — ÍNDICE ALFABÉTICO1382

UCt União Federal. (...) Competência legislativa. ADI 3.196 RTJ 208/944PrCv União Federal: natureza de parte. (...) Mandado de segurança.

MS 23.058 RTJ 208/1070Ct União Federal: norma geral. (...) Competência legislativa concorrente.

ADI 3.252-MC RTJ 208/951Adm Universidade. Autonomia. Expedição de diploma. RMS 26.369

RTJ 208/509PrPn Uso de algemas durante a sessão: excepcionalidade. (...) Júri. HC 91.952

RTJ 208/257Ct Usurpação de competência do Poder Legislativo e do Poder Executi-

vo: alegação. (...) Tribunal Superior Eleitoral (TSE). ADI 3.999 RTJ 208/1024

VAdm Valor recolhido indevidamente: restituição. (...) Servidor público.

RE 568.377 RTJ 208/1268PrPn Vestígios: substância apreendida. (...) Prova pericial. HC 85.718

RTJ 208/538Adm Vistoria. (...) Desapropriação. MS 25.124 RTJ 208/53Adm Vistoria: acompanhamento por preposto. (...) Desapropriação.

MS 25.124 RTJ 208/53

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ÍNDICE NUMÉRICO

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ACÓRDÃOS E DECISÕES MONOCRÁTICAS

130 (ADPF-QO) Rel.: Min. Carlos Britto ................................208/11 493 (AP-AgR) Rel.: Min. Ellen Gracie ................................208/14 1.020 (ACO) Rel.: Min. Cármen Lúcia ............................208/913 1.052 (Ext-extensão) Rel.: Min. Eros Grau ..................................208/922 1.103 (Ext) Rel.: Min. Eros Grau ....................................208/25 1.464 (AO-QO) Rel.: Min. Carlos Britto ................................208/33 1.517 (AO) Rel.: Min. Ellen Gracie ..............................208/459 1.745 (AC-AgR) Rel.: Min. Cezar Peluso .............................. 208/471 1.806 (AC-AgR) Rel.: Min. Carlos Britto .............................. 208/475 1.926 (Inq) Rel.: Min. Ellen Gracie ..............................208/929 2.030 (AC) Rel.: Min. Cezar Peluso ............................ 208/1301 3.196 (ADI) Rel.: Min. Gilmar Mendes .........................208/944 3.252 (ADI-MC) Rel.: Min. Gilmar Mendes .........................208/951 3.700 (ADI) Rel.: Min. Carlos Britto ..............................208/955 3.772 (ADI) Rel. p/ o ac.: Min. Ricardo Lewandowski ..208/961 3.833 (ADI-MC) Rel. p/ o ac.: Min. Marco Aurélio ..............208/989 3.887 (ADI) Rel.: Min. Menezes Direito ...................... 208/1019 3.999 (ADI) Rel.: Min. Joaquim Barbosa .....................208/1024 4.100 (Pet-AgR) Rel.: Min. Eros Grau ................................ 208/1053 4.444 (Pet-AgR) Rel.: Min. Celso de Mello ............................208/40 4.628 (Rcl-AgR) Rel.: Min. Cezar Peluso ..............................208/478 5.174 (Rcl-AgR) Rel.: Min. Cezar Peluso ............................208/1056 5.983 (Rcl-AgR) Rel.: Min. Cezar Peluso ..............................208/481 6.259 (Rcl-AgR) Rel.: Min. Cezar Peluso ..............................208/484 6.387 (Rcl) Rel.: Min. Ellen Gracie ............................ 208/1059 6.468 (Rcl-AgR) Rel.: Min. Cezar Peluso ..............................208/488 6.650 (Rcl-MC-AgR) Rel.: Min. Ellen Gracie .............................. 208/491 7.242 (CC) Rel.: Min. Eros Grau ................................208/1064

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ÍNDICE NUMÉRICO1386

23.058 (MS) Rel.: Min. Carlos Britto ............................208/1070 23.632 (MS) Rel.: Min. Carlos Britto ............................208/1082 25.124 (MS) Rel.: Min. Carlos Britto ................................208/53 25.294 (RMS) Rel.: Min. Marco Aurélio .............................208/68 25.310 (RMS-AgR) Rel.: Min. Cezar Peluso ..............................208/505 26.369 (RMS) Rel. p/ o ac.: Min. Menezes Direito ...........208/509 26.484 (MS) Rel.: Min. Cármen Lúcia ............................ 208/518 26.602 (MS) Rel.: Min. Eros Grau ....................................208/72 26.946 (MS-AgR) Rel.: Min. Eros Grau ................................208/1087 27.093 (RMS) Rel.: Min. Eros Grau ..................................208/189 27.188 (MS-AgR) Rel.: Min. Ricardo Lewandowski ............208/1089 84.450 (HC) Rel.: Min. Cezar Peluso ..............................208/192 85.240 (HC) Rel.: Min. Carlos Britto ..............................208/195 85.653 (HC) Rel. p/ o ac.: Min. Carlos Britto .................208/524 85.718 (HC) Rel.: Min. Cezar Peluso ..............................208/538 85.792 (HC) Rel.: Min. Cezar Peluso .............................. 208/217 85.824 (HC) Rel.: Min. Cezar Peluso ..............................208/221 86.216 (HC) Rel.: Min. Carlos Britto ..............................208/228 86.548 (HC) Rel.: Min. Cezar Peluso ..............................208/236 87.208 (HC) Rel.: Min. Cezar Peluso ............................208/1093 88.548 (HC) Rel.: Min. Gilmar Mendes .......................208/1098 89.622 (HC) Rel.: Min. Carlos Britto ..............................208/543 89.651 (HC-MC-AgR) Rel.: Min. Cezar Peluso ..............................208/240 89.974 (HC) Rel.: Min. Cezar Peluso ..............................208/243 90.450 (HC) Rel.: Min. Celso de Mello ..........................208/549 90.718 (RHC) Rel.: Min. Cezar Peluso ..............................208/247 91.293 (RHC) Rel.: Min. Gilmar Mendes ....................... 208/1108 91.361 (HC) Rel.: Min. Celso de Mello ........................ 208/1120 91.516 (HC-ED) Rel.: Min. Cezar Peluso ..............................208/577 91.516 (HC) Rel.: Min. Cezar Peluso ..............................208/579 91.585 (HC) Rel.: Min. Cezar Peluso ..............................208/251 91.654 (HC) Rel.: Min. Carlos Britto ..............................208/584 91.952 (HC) Rel.: Min. Marco Aurélio ...........................208/257 92.014 (HC) Rel. p/ o ac.: Min. Menezes Direito ......... 208/1148 92.377 (HC) Rel.: Min. Cezar Peluso ..............................208/282 92.435 (HC) Rel.: Min. Carlos Britto ..............................208/287 92.477 (HC) Rel.: Min. Ellen Gracie ..............................208/294 92.568 (HC) Rel.: Min. Cezar Peluso ..............................208/299 92.743 (HC) Rel.: Min. Eros Grau ..................................208/303 92.994 (HC) Rel.: Min. Cezar Peluso ..............................208/307 93.042 (HC-AgR) Rel.: Min. Cezar Peluso ............................ 208/1155 93.174 (RHC) Rel.: Min. Carlos Britto .............................. 208/310 93.712 (HC) Rel.: Min. Carlos Britto ..............................208/593 93.786 (HC) Rel.: Min. Carlos Britto ..............................208/599 93.872 (HC) Rel.: Min. Cezar Peluso .............................. 208/315

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ÍNDICE NUMÉRICO 1387

94.045 (HC) Rel.: Min. Cezar Peluso .............................. 208/318 94.122 (HC) Rel.: Min. Cezar Peluso ..............................208/321 94.169 (HC) Rel.: Min. Menezes Direito ...................... 208/1159 94.278 (HC) Rel.: Min. Menezes Direito ........................208/605 94.805 (RHC) Rel.: Min. Cezar Peluso ..............................208/636 94.896 (HC) Rel.: Min. Cezar Peluso ..............................208/328 94.916 (HC) Rel.: Min. Eros Grau ................................ 208/1165 94.955 (HC) Rel.: Min. Ellen Gracie ..............................208/335 95.009 (HC) Rel.: Min. Eros Grau ..................................208/640 95.111 (HC) Rel.: Min. Carlos Britto ............................ 208/1172 95.142 (HC) Rel.: Min. Cezar Peluso ..............................208/340 95.272 (HC-MC-ED) Rel.: Min. Cezar Peluso ..............................208/345 95.291 (HC) Rel.: Min. Cezar Peluso ............................ 208/1176 95.295 (HC) Rel.: Min. Cezar Peluso ..............................208/350 95.401 (HC) Rel.: Min. Ellen Gracie ..............................208/355 95.496 (HC) Rel.: Min. Cezar Peluso ............................ 208/1184 95.585 (HC) Rel.: Min. Ellen Gracie ............................ 208/1195 95.611 (HC) Rel.: Min. Cezar Peluso ..............................208/359 95.790 (HC) Rel.: Min. Eros Grau ..................................208/362 95.967 (HC) Rel.: Min. Ellen Gracie ............................208/1202 96.453 (HC) Rel.: Min. Ellen Gracie ............................208/1206 96.715 (HC-MC) Rel.: Min. Celso de Mello ........................208/1304 96.958 (HC-MC) Rel.: Min. Celso de Mello ........................ 208/1311 199.147 (RE) Rel. p/ o ac.: Min. Marco Aurélio ..............208/744 258.759 (RE-AgR) Rel.: Min. Marco Aurélio ......................... 208/1214 377.356 (RE) Rel.: Min. Cezar Peluso ............................ 208/1217 398.284 (RE) Rel.: Min. Menezes Direito ...................... 208/1221 402.717 (RE) Rel.: Min. Cezar Peluso ..............................208/839 446.908 (RE) Rel.: Min. Menezes Direito ......................208/1234 459.486 (RE-AgR) Rel.: Min. Celso de Mello ........................208/1240 463.560 (RE) Rel.: Min. Joaquim Barbosa .....................208/1245 464.621 (RE) Rel.: Min. Ellen Gracie ..............................208/849 475.904 (RE) Rel.: Min. Carlos Britto ............................ 208/1315 501.869 (RE-AgR) Rel.: Min. Eros Grau ................................ 208/1251 541.627 (RE) Rel.: Min. Ellen Gracie ..............................208/853 548.410 (RE-AgR) Rel.: Min. Cezar Peluso ..............................208/369 563.965 (RE) Rel.: Min. Cármen Lúcia ..........................208/1254 568.377 (RE) Rel.: Min. Eros Grau ................................208/1268 569.056 (RE) Rel.: Min. Menezes Direito ........................208/859 579.431 (RE-QO) Rel.: Min. Ellen Gracie ..............................208/372 579.648 (RE) Rel. p/ o ac.: Min. Cármen Lúcia ............. 208/1271 579.799 (RE-AgR) Rel.: Min. Eros Grau ................................208/1286 584.436 (AI-AgR) Rel.: Min. Cezar Peluso ............................ 208/1291 585.235 (RE-RG-QO) Rel.: Min. Cezar Peluso ..............................208/871 603.460 (AI-AgR) Rel.: Min. Carlos Britto ..............................208/402

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ÍNDICE NUMÉRICO1388

614.198 (AI-AgR) Rel.: Min. Cezar Peluso ..............................208/405 643.632 (AI-AgR-ED-ED) Rel.: Min. Carlos Britto ..............................208/875 676.985 (AI-AgR) Rel.: Min. Cezar Peluso ..............................208/408 680.650 (AI-AgR) Rel.: Min. Carlos Britto ............................208/1294 700.083 (AI-AgR) Rel.: Min. Cezar Peluso .............................. 208/411