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  • Revista Querubim revista eletrnica de trabalhos cientficos nas reas de Letras, Cincias Humanas e Cincias Sociais Ano 09 N20 2013 ISSN 1809-3264

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    UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE EDUCAO

    2013 2013

    2013 2013

    REVISTA QUERUBIM

    Letras Cincias Humanas Cincias

    Sociais

    Ano 09 Nmero 20 Volume 2

    ISSN 1809-3264

    REVISTA QUERUBIM

    NITERI RIO DE JANEIRO

    2013

    N I T E R I R J

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    Revista Querubim 2013 Ano 09 n 20 vol. 2 136 p. (junho 2013) Rio de Janeiro: Querubim, 2013 1. Linguagem 2. Cincias Humanas 3. Cincias Sociais Peridicos. I - Titulo: Revista Querubim Digital Conselho Cientfico Alessio Surian (Universidade de Padova - Italia) Carlos Walter Porto-Goncalves (UFF - Brasil) Darcilia Simoes (UERJ Brasil) Evarina Deulofeu (Universidade de Havana Cuba) Madalena Mendes (Universidade de Lisboa - Portugal) Vicente Manzano (Universidade de Sevilla Espanha) Virginia Fontes (UFF Brasil) Conselho Editorial Presidente e Editor Aroldo Magno de Oliveira Consultores Alice Akemi Yamasaki Andre Silva Martins Elanir Frana Carvalho Enas Farias Tavares Guilherme Wyllie Janete Silva dos Santos Joo Carlos de Carvalho Jos Carlos de Freitas Jussara Bittencourt de S Luiza Helena Oliveira da Silva Marcos Pinheiro Barreto Paolo Vittoria Ruth Luz dos Santos Silva Shirley Gomes de Souza Carreira Vanderlei Mendes de Oliveira Vencio da Cunha Fernandes

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    Sumrio

    01 As redes sociais e a possibilidade de um novo mundo Marcelo de Oliveira Pinto 04

    02 Incluir para educar, educar para incluir: o papel da educao na incluso social Marcelo Nicomedes dos Reis Silva Filho

    11

    03 O uso do dirio reflexivo como prtica de letramento escolar Mrcia Aparecida Silva 19

    04 Sentidos que circulam no ciberespao: efeitos e deslizes que constituem o casamento Marcieli Cristina Coelho e Luciana Fracasse

    26

    05 A contribuio do ldico no processo ensino-aprendizagem nas sries iniciais Maria Lcia Pereira, Mayane Ferreira de Farias, Janaina Luciana de Medeiros e Mayara Ferreira de Farias

    34

    06 O letramento na obra a mulher que escreveu a bblia - Moacyr Scliar: a incluso do indivduo na sociedade Marinalva Dias de Lima e Brbara de Freitas Farah

    41

    07 Jogos na educao matemtica Marlicleide Melo Farias da Silva, Mayane Ferreira de Farias, Janaina Luciana de Medeiros e Mayara Ferreira de Farias

    47

    08 Incluso social no contexto das escolas de ensino fundamental menor - Marliete de Carvalho dos Santos Silva, Mayane Ferreira de Farias, Janaina Luciana de Medeiros e Mayara Ferreira de Farias

    53

    09 Patrimnio e identidade no turismo Mayara Ferreira de Farias, Janaina Luciana de Medeiros, Judson Daniel Januario da Silva e Mayane Ferreira de Farias

    58

    10 Rizoma: repensando as prticas disicplinares em educao Melissa Probst 71

    11 Anlise da densidade e da distribuio de ovos de aedes aegypti (diptera: culicidae) em municpios do estado do Tocantins: um estudo de caso Orleanes Domingas Monteiro Gomes e Eric Luiz Rodrigues de S

    78

    12 Rodopios da escritura em Quase de Verdade, de Clarice Lispector Rodrigo da Costa Araujo

    90

    13 Formas e truques de um escritor carioca (sobre Joo do Rio) Rodrigo da Costa Araujo 98

    14 RESENHA: PERRONE-MOISS, Leyla. Com Roland Barthes. So Paulo. Martins Fontes. 2012. 211.p. A CRITURE BARTHESIANA E A CRTICA AFETUOSA Rodrigo da Costa Araujo

    105

    15 Escrita e liberdade em Memrias do Crcere Rodrigo Jorge 108 16 Dominique Maingueneau: reificando conceitos em vozes que ecoam. Rosngela

    Aparecida Ribeiro Carreira e Jarbas Vargas Nascimento 115

    17 A formao de professores sob os vrios olhares: tradicional e da complexidade Tnia do Socorro Ferreira da Silva e Maria Jos de Pinho

    128

    18 RESENHA - LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropolgico. 21 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2007, 113 p. Taysa Silva Santos

    135

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    AS REDES SOCIAIS E A POSSIBILIDADE DE UM NOVO MUNDO

    Marcelo de Oliveira Pinto1 Resumo O presente artigo, tutelado pela crtica gramsciana hegemonia intelectual de grupos sociais dominantes, aliado a experincia de trabalho de 4 anos com informtica educativa, busca discutir como o uso das redes sociais, via internet, dentro do espao da sala de aula, contribuem para a prtica da tessitura de um novo olhar sobre estes novos meios de comunicao e como o uso destes contribuem para o insurgir de um novo modelo de intelectual, compromissado com a criao de um novo mundo possvel. Palavras-chave: Educao digital; Contra-hegemonia; Redes sociais. Resumen Este artculo protegido por la hegemona intelectual gramsciano crtica de los grupos sociales dominantes, junto con la experiencia laboral de 4 aos en la informtica educativa, se analiza cmo el uso de las redes sociales a travs de Internet, en el espacio de la sala de clase, contribuyen a la prctica de tejer una nueva mirada a estos nuevos medios de comunicacin y cmo el uso de stas contribuyen a la rebelde de un nuevo modelo de intelectual comprometido con la creacin de un nuevo mundo posible. Palabras clave: educacin digital, contra-hegemona, las redes sociales. Para incio de conversa...

    Houve um tempo onde conhecer o cdigo alfabtico e domin-lo era o suficiente para que algum pudesse ser protagonista nas decises dos grupos sociais de que participava, neste novo sculo que se descortina em nossa frente, somente este domnio no basta ao sujeito da era do conhecimento, pois hoje a cidadania tambm perpassa a necessidade de se dominar, pelo menos basicamente, o mundo virtual, que cresce a cada dia atrs dos monitores de um computador. Como dizer que podemos acessar nossos direitos se no conseguirmos dominar um caixa eletrnico, responder as questes para conseguir a carteira de habilitao, consultar processos em terminais de auto-atendimento, realizar inscrio em concursos pblicos entre inmeros servios que dependem do manejo de engenhocas digitais?

    Ou seja, s conectados Internet, que o homem e a mulher desse sculo podem galgar os

    degraus que os possibilitaro ocupar um lugar em sua contemporaneidade. Por isso a escrita deste artigo se d no certame que os sujeitos do sculo XXI, para tornarem-se crticos e conscientes de seu papel social, e da possibilidade de prover mudana sem sua realidade, devem ser letrados digitalmente.

    dentro da escola que mais esta batalha comea, Gramsci (2001) atribua escola a funo de dar acesso cultura das classes dominantes, para que todos pudessem ser cidados plenos.

    1 Pedagogo pela Universidade do Grande Rio. Ps-graduado em Docncia e Educao Bsica pela Universidade Federal Fluminense Mestrando do Programa de ducao da Universidade Federal Fluminense Professor Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro. Orientador Educacional Prefeitura de Belford Roxo.

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    Juntamente com seus pares ele era comprometido com o projeto poltico que culminava na revoluo do proletariado, porm diferente dos tericos desta linha, no acreditava em uma revoluo que no fosse precedida por uma mudana de mentalidade, e defendia que os agentes principais dessa mudana seriam os intelectuais e um dos seus instrumentos mais importantes, a escola.

    Porm, aqui cabe uma ressalva, ao utilizar o termo intelectual, pretendo defender, segundo

    minha interpretao da obra de Gramsci, um intelectual diferente dos moldes tradicionais, que glorificam como intelectual alguns seres que tem a mente divorciada de seus corpos, so super-especialistas capazes de compreender e defender qualquer ponto de vista com argumentos cientficos e fundamentados, de forma exmia. Destes, recomendo distancia, pois so extremamente perigosos, so mentes que vagam separadas dos corpos, dos sentidos e de sentimentos. Esses so os tipos de intelectuais, j rejeitados desde a era clssica por Scrates, que via nos sofistas essas caractersticas, homens que por dinheiro defendem qualquer ponto de vista e ensinam aquilo que interessa somente aqueles que lhes pagam. Quando opto pelo termo intelectual, busco na obra gramsciana o arcabouo para a tessitura de uma viso de intelectual como um ser extremamente imbricado com a realidade e a cultura em que criado, interessado em levar sua classe a criar consenso e de formar uma base social concreta, que busque a convivncia digna e justa para todos os membros de seu meio social. Assim, este novo intelectual tem seu corpo, seus sentidos em sintonia com sua mente, no se preza a defender algo com o que no esteja envolvido, no perde tempo com questes que no sejam teis ao seu meio, que no sirvam para a caracterizao da luta de sua classe, de seu povo, por isso so intelectuais orgnicos, pois pe todo seu organismo em pr de sua luta e no s a mente, a pura e fria razo. Isto nos remete a um novo e estratgico intelectual que enxerga que a hegemonia, enquanto direo moral e intelectual no se faz apenas na estrutura econmica-poltica da sociedade (CASTRO e RIOS, 2007, p.222), ela perpassa o campo ideolgico e cultural, se insere na capacidade de uma determinada classe em criar o consenso para a formao de uma base social concreta, reinventando seu modo de ser, e de ser visto pelo todo.

    Quanto a isso, Gramsci escreve no Caderno 13 (2001), que a cincia e a arte poltica, dizem

    respeito a um conjunto de regras prticas de pesquisas e de observaes particulares teis para despertar o interesse pela realidade efetiva e suscitar intuies polticas mais rigorosas. Assim, se o que nos guia pura lgica, podemos esbarrar na falcia do igualitrio, perdendo a sensibilidade necessria para tratar as diferenas, prprias da espcie humana, com o respeito e a justia que estas merecem.

    O que sintoniza este escrito com a obra de Gramsci, que este autor comea a fazer uma

    anlise mais especfica e profunda, dentro da teoria marxista, sobre a escola. No s da escola comunista, mas faz uma anlise crtica tanto da escola tradicional, quanto da escola nova, que j se fundamentava em sua poca. Assim podemos ampliar nosso campo de viso sobre a importncia da escola, enquanto espao de luta hegemnica.

    Neste certame, podemos olhar para a escola hoje, e ver a necessidade desta estar aberta a

    novas configuraes do uso da linguagem e das tcnicas de ensino/aprendizagem que, na atual conjuntura adentra o mundo digital, obrigando o trabalho pedaggico a se organizar de forma dar respostas a esta nova realidade. Apoiado na proposta gramsciana de um novo intelectual, em sintonia com seu tempo. Este artigo pretende atentar para a necessidade do uso do espao digital como forma de organizao de grupos, no como os j existentes que futilizam o contato humano e giram em torno da cultura consumista, e sim uma nova forma de olhar e utilizar as redes sociais digitais, como forma de interao grupal, de apreenso da cultura e difuso de discusses que fomentem a curiosidade epistemolgica dos indivduos tornando os grupos capazes de se organizarem cultural e politicamente a fim de enfrentar a proposta falida do mundo neo-liberal com espaos e eventos que fomentem aes organizadas de desobedincia civil coletiva (MARASCHIN e BRUSCATO, 2009).

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    Por onde comear?

    Hoje, o mundo passa por uma revoluo tecnolgica que modifica as formas pelas quais as pessoas vivem e interagem. A mudana em si no novidade, como podemos observar na obra de CARVALHO (2006), j na antiguidade com o advento da agricultura, irrigao e engenharia civil, passamos a conviver com as cidades, o que culminou com o nascimento da cultura urbana, que modificou todo o modo de vida baseado no modelo tribal, at ento difundido. Na idade mdia, aparece um tal Johannes Gutenberg e apresenta ao mundo a prensa, que propicia a inveno da imprensa, o que contribuiu gradual mente para tornar acessvel a um vasto pblico livros, jornais e todo tipo de informao impressa,antes restrita a seguimentos muito especficos da sociedade. Esse fato modificou a forma da humanidade lidar com a educao e surge o interesse por difundir a cultura letrada. O sculo XIX, nos trs a revoluo industrial, que segundo CUSUMANO eYOFFIE (1998), no bagageiro, trouxe a utilizao industrial do motor vapor, culminando na criao de indstrias, motores e ferrovias, o que aumentou significativamente a produo de alimentos e bens de consumo, modificando a forma em que se dividia a sociedade, criando a classe proletria e a cultura do consumo, consolidando a ascenso do capitalismo no mundo.

    Atualmente, nos deparamos com a denominada Revoluo da Informao, perodo em

    que as transformaes ganham velocidade nunca antes prevista, o perodo teve inicio com a difuso da utilizao dos primeiros computadores, fenmeno ocorrido na dcada de 1960 (DRUCKER, 2000).

    Para Pierre Lvy (1993), estamos em uma poca de transio onde a antiga lgica das

    representaes e dos saberes suplantada, dando lugar a novos meios de conhecimento, o que abre espao para a formulao de novos estilos de regulao social, nas palavras do prprio Vivemos um destes raros momentos em que, a partir de uma nova configurao tcnica,..., um novo estilo de humanidade inventado. E neste novo meio que se devem consolidar propostas para novos mundos possveis, pois o prprio mundo j no suporta o tipo de sociedade proposta pelo capital, e se mostra permevel anovas formas de organizao, assim a mudana de pensamento e a difuso da criticidade ante aos fatos presentes essencial. Este mundo est grvido de outro, e o parto est cada vez mais prximo e o grupo mais preparado para enxergar este momento o que poder implantar um novo modelo de conduo scio-politico-cultural.

    Dentro deste novo contexto surge a Sociedade do Conhecimento (POSCHMANN,

    2002).Essa no est limitada somente a grupos que se alocam fisicamente em locais determinados, esta nova conjuntura social aproxima grupos que defendem propostas ideolgicas similares, ignorando a distanciao fsica possibilitando a organizao de grupos em diversas partes do globo, da a importncia em dominar o conceito de redes, e como elas podem atuar no mundo de hoje.

    Um bom exemplo desta organizao so as revolues que explodiram no mundo rabe,

    ignorando claro a influncia externa e os interesses do ocidente em capitalizar e dominar essas regies estratgicas pela produo petrolfera. O que podemos tirar de positivo destes movimentos, o tipo de a articulao utilizada onde o espao virtual, com nfase as redes sociais, contribuiu para a difuso de informaes entre as massas levando a organizao de grupos em locais diferentes em um curto espao/tempo. Essas revolues mostram o poder das novas redes de comunicao e a capacidade que elas possuem de difundir informao, e o potencial para atravs delas difundirmos tambm a formao.

    Podemos definir as redes sociais como espaos onde ocorre a troca de informaes e

    experincias entre indivduos de diversas reas e localidades. Gramsci conferia a imprensa essa funo, pois para ele, que era jornalista, a imprensa seria a principal responsvel pela difuso da opinio pblica, dissociada dos interesses do governo, mas hoje com a grande mdia mais prxima de ser um aparelho privado de hegemonia, que acumula o papel configurante e superestrutural de

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    direo poltica, moral e cultural na batalha das ideias e disputa das representaes sociais, encontrando-se tambm numa posio de ponta da estrutura econmica. As redes sociais e a mdia independente digital configuram-se como locais estratgicos para a quebra do poder de distoro da verdade pelas grandes mdias, pois a troca propiciada por estes espaos, na velocidade em que as plataformas digitais atuam, onde possvel postar comentrios, imagens e vdeos de fato sem tempo real, inibem a grande rede hegemnica de informao de distorcer, de forma escandalosa, as notcias obrigando-as a serem mais comedidas e no to tendenciosas.

    Mas, esta realidade, acaba esbarrando na questo da acessibilidade. Ouvir sobre acesso ao

    computador conectado Internet comum nos meios de comunicao em massa, eles disseminem a ideia de que a acessibilidade j algo garantido. Porm, ao procurar por estes tipos de dados nos

    deparamos com uma situao assustadora, uma pesquisa2recentemente divulgou que 55% dos brasileiros ainda no sabem utilizar um computador e que 68% jamais acessaram a Internet. Mediante a esta realidade, observamos no Brasil, onde j existia um imenso fosso que separa os que dominam a cultura letrada a fim de conseguirem resolver situaes cotidianas, dos que no a dominam. Com a insero do computador, podemos notar que esse fosso tornou-se um enorme cnion que se interpe entre os que dominam e no dominam as prticas digitais com proficincia mnima para resolver situaes corriqueiras como escrever e-mails, fazer transaes bancrias, recadastrar o CPF ou mesmo namorar no chat ou fazer uma simples busca no Google. Onde entra a escola?

    Em tudo o que j foi supracitado, trabalhamos com a certeza que a escola ainda o espao onde podemos entrar em contato com a cultura dominante a fim de tecermos nossos primeiros conceitos scio-polticos, nela tambm que reside a construo da prxis revolucionria, pois fica muito mais difcil combater um inimigo desconhecido. Assim nesta relao de embate entre o novo e o pensamento cristalizado que a escola deixa as brechas necessrias para um trabalho de conscientizao das novas geraes.

    Nos ltimos seis anos, tenho o privilgio de trabalhar diretamente com informtica

    educativa voltada a alfabetizao, pude compreender como amplo e frtil este caminho. Outro fator que pude notar nos locais que lecionei, que o uso da tecnologia agua muito a curiosidade epistemolgica dos educandos deixando-os mais crticos ante aos conhecimentos que lhes so apresentados e, apoiados pelo mundo virtual, conseguem criar hipteses prprias e bem fundamentadas em idades em que a educao tradicional sequer ousaria tentar um trabalho neste sentido.

    Apesar das resistncias provocadas por colegas, que ainda esto muito atrelados a questes

    meramente disciplinescas, obtive respostas positivas de professores de matemtica, histria, portugus, geografia e filosofia que observaram melhoras na ateno e na construo de hipteses, em suas disciplinas, dos educandos que frequentavam as aulas de informtica educativa. O principal apontamento feito por eles que as crianas, j no quinto e sexto anos, comearam a apresentar trabalhos mais maduros e consistentes, at com fundamentao terica. Entre os professores de matemtica, o principal elogio provinha da melhora na construo de questes lgicas por meio dos educandos.

    2 Os dados da pesquisa esto disponveis em .

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    Porm, no adianta trocar cadernos por notebooks ou utilizar quadros interativos como giz digital, o sucesso desta metodologia vem atrelado a muito trabalho estratgico e de construo coletiva, dando o espao necessrio para que os educandos se tornem agentes de sua prpria educao. E tambm, requer muito comprometimento do docente, pois o trabalho com ambientes digitais, ao contrrio do que alguns pregam, acaba sendo mais trabalhoso do que seguir a velha cartilha do B A BA, pois uma construo constante e permanente de interaes que mudam de acordo com o pblico, ou seja, as aprendizagens e competncias engrandecem mais as estratgias e os contedos variam de turma para turma, dentro do mesmo ano e instituio, isso devido ao fato de que as aulas so um espao de criao coletiva.

    Foi essa interatividade e constante necessidade de mudana que me aproximaram deste tipo

    de trabalho, acirrando meu interesse em me aprofundar no estudo do uso das redes sociais como espao de difuso de contra-hegemonia.

    Apoiados em Gadotti (2007) compreendemos que a construo de uma nova sociedade

    no pode ser adiada para o momento da revoluo ou da vitria eleitoral (p.8), devemos buscar meios para tecer esta nova sociedade e, como a evoluo tecnolgica nos encaminha para a mudana no paradigma do poder, devemos aproveitar o gancho histrico e trabalhar para a criao de novos paradigmas civilizatrios com o auxlio da informtica e das novas tecnologias subjacentes a esta, criando espaos e aes prticas dentro da escola. O mesmo autor nos mostra que,

    os paradigmas clssicos j no conseguem explicar a complexidade do mundo atual multipolarizado. Na era da indstria era fcil observara sociedade e enxergar trabalhadores e no trabalhadores, o capital e o trabalho. O mundo estava polarizado. Na era da informao a sociedade fractal. Ela polariza para todos os lados. (2007, p.86)

    E esta multipolarizao, acaba contribuindo para a criao de prticas que concorram para

    a diversificao terica e o abandono dos paradigmas atuais, engessados e inertes a velocidade e diversidade do tempo em que vivemos. Quanto mais dos tempos que esto por vir.

    Outra necessidade latente de nosso tempo perceber a necessidade de mudana nos

    modelos de averiguao da aprendizagem, ningum capaz de aferir com preciso tudo o que o outro apreendeu, por isso esta era no s do conhecimento tambm a era da negociao. Os processos de avaliao escolar devem passar primeiro pela mesa de discusso, baseado nas ideias de Habermas (1990), trata-se aqui de uma teoria da competncia comunicativa que busca articular e fundamentar uma concepo mais ampla de racionalidade, onde ambos os lados do processo educativo (educador e educando) tenham suas vozes explicitadas, porm sem perder de vista a necessidade de contestao da ordem social estabelecida. O que condiz com a realidade desta nova gerao, j to acostumada a discutir em rede os caminhos do que certo ou errado, bom ou ruim, entre outros conceitos que se formam atravs da grande rede mundial de computadores. Por que na escola deveria ser diferente?

    Sob esta tica, o trabalho direto com ambientes simulados nos conduz a relao direta com

    o saber-fazer, essa relao que antes era vista dentro do molde de aprender hoje para utilizar amanh totalmente alterada para o modelo de aprender agora, para utilizar agora. Isso nos remete de encontro com as experincias no uso das redes sociais como espao de discusso de experincias e agrupamento de indivduos para resoluo de situaes-problema. Essa estratgia leva os jovens a perceberem que as interconexes criadas dentro das redes sociais no se resumem as banalidades como namorar, ou ter um milho de amigos para s falar bom dia e feliz final de semana. Quando utilizam, de forma mais produtiva o espao virtual, os indivduos comeam a perceber que este serve para criar cultura, divulgar ideias e resolver problemas. Esse o primeiro passo para a organizao de grupos interessados em mudar as coisas.

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    A pgina 65 do Manifesto Comunista traz este grito de ordem: PROLETRIOSDE

    TODOS OS PASES UNI-VOS! (MARX e ENGELS, 2005). Nunca antes na histria existiu um meio de comunicao que pudesse tornar to possvel a realizao desta splica. Hoje, atravs das redes sociais digitais, a possibilidade da unio de uma classe em pr de uma luta comum extremamente possvel, como mostraram as revoltas no mundo rabe e as atuais manifestaes que estouraram no Brasil, com fins de lutar contra os desmandos do poder pblico.

    Orkut, Facebook, Twitter e outras redes sociais tornam a comunicao rpida e precisa sem

    a necessidade de concentrao em uma central especfica, dando espao para a organizao de grupos, ignorando fronteiras fsicas e geogrficas. Tanto a organizao quanto a difuso de ideias acontecem na velocidade de um click, e de forma realmente democrtica.

    O trabalho com apoio das redes sociais faz com que os educandos tomem cincia das

    possibilidades que lhes dada a cada dia quando acessam a internet. A mquina internacional do consumo j tomou cincia deste espao, por isso investe tanto nele.

    Mas, a brecha aberta pela ganncia dos poderosos, que esto modificando o mundo do

    capital financeiro para o capital intelectual, permite que profissionais comprometidos com um processo de aprendizagem, faam eclodir uma nova possibilidade de mundo, possam lanar suas sementes, para que no momento propcio brotem intelectuais, genuinamente comprometidos com o cho que pisam, que de corpo, alma e mente, consigam aproveitar o momento de assumir o poder e tomar as rdeas dos acontecimentos. Dispostos a conduzir o todo a uma grande e verdadeira desobedincia civil coletiva, que nos levar rumo a um novo modo de lidar com o mundo e conceber nossa existncia.

    No sei para qual caminho estes podem conduzir o mundo, mas o que no pode acontecer

    deixarmos que este desmorone em nossa frente, sem tentarmos fazer algo para mudar a herana amarga deixada pelo apodrecido mundo capitalista. Referncias Bibliogrficas CARVALHO, Nuno Vieira de. Cultura urbana e globalizao. 2006. Disponvel em CASTRO, Michele Corra de; RIOS, Valdir Lemos. ESCOLA E EDUCAO EMGRAMSCI .Revista de IniciaoCientfica da FFC. v. 7, n. 3, p. 221-228, 2007. CUSUMANO Michael A.; YOFFIE, David B. - Competing on Internet Time: Lessonfrom Netscape and its battle with Microsoft. EUA: The Free Press, 1998 DRUCKER, Peter - O futuro j chegou - Revista Exame, p.112-126, 22/03/2000 EMIRBAYER, Mustafa. 1997. Manifest for a Relational Sociology. The AmericanJournal of

    Sociology, Volume 103, Number. 2. (Sep., 1997), pp. 281-317. GADOTTI, Moacir. Educar para um Outro Mundo Possvel. So Paulo: Publisher Brasil,2007. GRAMSCI, A. Cadernos do crcere. Caderno 13: Maquiavel a poltica e o estado moderno. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2001. HABERMAS, Jrgen. Pensamento ps-metafsico. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,1990. MARASCHIN, Claudio e BRUSCATO, Giovani Tavares. A teoria e a prtica da desobedincia civil: um estudo a partir da doutrina contempornea. Porto Alegre: Revista da Faculdade de Direito UniRitter, n 10, 2009. MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. O Manifesto Comunista. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998. POSCHMANN, Mrcio. E-trabalho. So Paulo: Publisher Brasil, 2002. VERNANT, Jean-Pierre. As origens do pensamento grego. Rio de Janeiro: Difel, 2002. Enviado em 10/04/2013 Avaliado em 10/06/2013

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    INCLUIR PARA EDUCAR, EDUCAR PARA INCLUIR: O PAPEL DA EDUCAO NA INCLUSO SOCIAL

    Marcelo Nicomedes dos Reis Silva Filho3 Resumo A incluso no Brasil tem se tornado assunto de discusso em vrios meios, dentre eles o acadmico e o poltico. Mediante protestos e tomada de conscincia por parte da populao menos favorecida, tem-se conseguido grandes avanos nas reas de educao, sade e direitos humanos. Este artigo abordar como a educao pode ser usada para incluir o cidado, de fato, na sociedade levando em considerao como algumas leis vem corroborando para que esse processo se consolide e de como a escola tem ajudado a diminuir a barreira que foi imposta pela sociedade entre brancos, negros e ndios. Palavras chave: Incluso. Lei 10.639/2003. Educao. Abstract Inclusion in Brazil has become a subject of discussion in various media, including the academic and political. Through protests and awareness on the part of the less favored population, has made great advances in education, health and human rights. This article will discuss how education can be used to include the citizen, indeed, in society considering how some laws comes to confirming that this process be consolidated and how the school has helped to lower the barrier that was imposed by society between whites, blacks and Indians. Keywords: Inclusion. Law 10.639/2003. Education. Introduo

    H anos, procura-se uma educao que faa com que o aluno se torne parte do processo,

    ou seja, onde o sujeito participa, integra e constri seu aprendizado. Essa educao que dignifica o sujeito, tornando-o crtico, no fruto da imaginao das pessoas ou utpica, ela existe, mas no est acessvel a todos.

    De modo que, infelizmente, esse tipo de atitude vem crescendo como afundam passar do

    tempo. Hoje, observa-se que os ricos ficam mais ricos e os mais pobres se submergem cada vez mais na pobreza, resultando em um jogo que s um pode ganhar. Esse fato semelhante ao ganha-perde expresso por Laszlo (2001) no qual o autor evidencia que a explorao do outro o que move esse jogo.

    Com esse entendimento, acredita-se que a sociedade vive um momento semelhante a esse,

    onde a escola vtima de toda sorte de aviltamento por parte de quem a deveria gerir com zelo. Os alunos da rede escolar pblica, que so maioria no sistema de ensino brasileiro, so os que mais sofrem com o sucateamento das instituies de ensino pblicas, estaduais e municipais. Sabe-se que no se garantir bons ndices de aprendizado, como os exigidos pelo governo, somente se colocando alunos amontoados em uma sala e fornecendo uma merenda de qualidade duvidosa e um sistema de transporte precrio.

    3 Bolsista da CAPES, Professor Secretaria Municipal de Educao de So Lus e Secretaria de Estado da Educao do Maranho. Professor substituto da Universidade Federal do Maranho UFMA, Graduado em Letras Universidade Federal do Maranho - UFMA; Mestrando em Educao e Pesquisador da Ctedra Unesco de Juventude, Educao e Sociedade Universidade Catlica de Braslia -UCB.

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    O aluno que est em situao de vulnerabilidade, esquecido e excludo socialmente, o

    mais atingido nesse jogo de interesses que nunca o contempla. Esse aluno que vive sem uma escola de qualidade, sem acesso muitas das vezes a cultura, e sem esporte a mola sem presso. Tais constataes exigem uma mudana que impulsione a educao no Brasil.

    Nessa perspectiva, poder-se-ia dizer que para resolver esse problema bastariam reformas

    nas escolas, merenda e transporte garantidos para os alunos que se diminuiria significativamente os problemas encontrados na escola, mas se sabe que s isso no suficiente. O aluno da rede escolar pblica vive hoje uma crise de identidade, ele pertence sociedade mas no se sente parte dela.

    Portanto, esse aluno um sujeito que v todos os dias pessoas ascenderem s classes

    superiores e ele no consegue se enxergar nesse processo. Esse processo de estigmatizao faz parte dos instrumentos de controle da classe dominante, o que Elias e Scotson chamam de a dominao dos melhores (ELIAS; SCOTSON, 2000, p. 20).

    O aluno, em geral, quer boas aulas e em sentir prazer em ir a escola, mas para isso a escola

    precisa condies para que ele consiga adentrar em um universo no qual se sinta no s parte dele, mas, acima de tudo, prazer em estar presente nele.

    Assim, incluir no s uma necessidade do sujeito, mas, sim, um dever do Estado. Por sua

    vez, as pessoas que frequentam escolas pblicas so em sua maioria, paradoxalmente as minorias, ou seja, negros e indgenas. Essa clientela a que vem sendo diminuda e massacrada h sculos. Trata-se de uma herana racista perpetuada pelo sistema vigente, que fomenta a excluso nas escolas, particularmente.

    Para atender as necessidades dessas pessoas excludas, o governo brasileiro tem feito

    algumas aes no intuito de reverter esse quadro de desigualdades. Dentre essas aes, destacam-se a implantao de leis e campanhas de sensibilizao bem como mecanismos de acesso para essas minorias educao superior, por exemplo, as cotas raciais.

    Neste artigo, examinar-se- como a escola pode, por meio desses mecanismos, incluir o

    aluno oriundo de classes menos favorecidas e de como essas aes podem ser usadas pela escola para devolver a esses sujeitos o sentido da identidade que lhe foi negada professar por anos.

    Educao e identidade: abandono e abandonados

    Sabe-se que o meio mais slido de se conseguir que as pessoas atinjam seus objetivos na

    sociedade a educao. Por anos a educao foi um instrumento de controle das classes dominantes e o professor o condutor desse processo (DURKHEIM 1955, PEDRA 2000).

    Os currculos das escolas so vistos como caixas abertas onde se pode mudar a disposio

    de acordo com a necessidade. Pedra (2000, p.45) diz que o currculo traz a marca da cultura na

    qual ele foi produzido [...] abrigando as concepes da vida social e as relaes que animam aquela cultura, ou seja, flexibilizar uma das funes que o currculo dispe para que se possa alcanar os

    objetivos desejados. Logo, a educao baseada em um currculo que propicie ao aluno outra forma de pensar,

    mais crtica e motivadora, tem a capacidade de fazer o aluno mudar sua viso do mundo, deixando de lado formas rgidas de educar, fazendo-o enxergar o mundo que o rodeia como um aprendizado significativo, Pedra (2000) demonstra essa experincia dessa forma:

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    O mundo est presente para mim porque o experiencio, e a experincia est a porque o mundo j existe. Assim, no apressado concluir que o mundo no apenas uma experincia; o mundo a prpria experincia (PEDRA, 2000, p. 111).

    Ensinar e aprender, nesta viso, devem ser verbos que se completam. Contudo, para isso,

    deve-se levar em considerao todo o sistema complexo em que o aluno vive e, a partir da, agir segundo suas necessidades. Toda carga emocional e cultural que o aluno carrega consigo ajuda a formar sua identidade. E essa identidade, hoje, cada vez mais desterritorializada no sentido de que o aluno tem que ser muitos eus em um s e em diferentes lugares.

    Neste sentido, a escola desempenha um papel fundamental nesse processo, pois, muitas

    vezes, potencializa esse processo, ou seja, o aluno passa a ser o sujeito que procura todo tempo uma identidade que no se consolida de forma simples. Ao invs disso, a sua identidade comea a ser construda com laos cada vez mais frgeis, podendo-se dizer que as identidades tornam-se flutuantes no dizer de Bauman:

    As identidades flutuam pelo ar, algumas de nossa prpria escolha, mas outras infladas pelas pessoas em nossa volta, e preciso estar em alerta constantemente para defender as primeiras em relao as ltima. (BAUMAN, 2005, p. 19).

    O aluno ao experienciar esse tipo de situao acaba por desenvolver uma cultura diversa da

    que ele conhece como sendo sua. Por outro lado, a escola, por fragmentar o conhecimento, fora o aluno tambm a se moldar todo tempo a capacidade de ter mobilidade identitria, que Bauman (2005) chama de identidade lquida.

    De modo que a identidade do aluno pode ser moldada a partir do capital cultural que ele

    adquire ao logo de sua vida (BOURDIEU, 1964; GOMES, C., 2005). Esse capital que, quando negado fora, deixa o sujeito vulnervel a qualquer tipo de sorte. Algumas vezes, o indivduo atirado, ou ele mesmo se joga, em uma situao que Bauman chama de subclasse e pontua que, nesse caso, o indivduo, ao entrar na categoria de subclasse, perde sua identidade:

    Se voc foi destinado subclasse (porque abandonou a escola, me solteira vivendo da previdncia social, viciado ou ex-viciado em drogas, sem teto, mendigo ou membro de outras categorias arbitrariamente excludas da lista oficial dos que so considerados adequados e admissveis), qualquer outra identidade que voc possa ambicionar ou lutar para obter lhe negada a priori (BAUMAN, 2005, p. 46).

    Assim, o aluno, chegando nessa situao, comea a se sentir completamente fora do mundo

    que um dia lhe foi apresentado. Nesse estgio, o pouco conhecimento que conseguiu adquirir nos poucos anos de escola o condenam ao esquecimento e rejeio. Essa rejeio tem se tornado um fenmeno mundial, resultando em um conglomerado mundial de pessoas rejeitadas ou lixo humano (BAUMAN, 2005). Diante esse jogo que se tornou a produo de lixo humano pela

    excluso dos indivduos o que se observa a mercantilizao da carne, pessoas que so mo de obra barata e so usadas at no servirem mais aos propsitos daqueles que manipulam os menos favorecidos:

    Homens e mulheres dessa nossa poca suspeitam ser pees no jogo de algum, desprotegidos dos movimentos feitos pelos grandes jogadores e facilmente renegados e destinados pilha de lixo quando estes acharem que eles no do mais lucro (BAUMAN, 2005, p.53)

    Assim, no de se admirar que homens e mulheres da atualidade so atormentados pelo espectro da excluso, tendo assim suas vozes silenciadas, o que os torna socialmente mudos ( BAUMAN, 2005).

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    Anote-se que o que no se quer mais na sociedade um contingente crescente de pessoas

    que nada produzem, e nem conseguem se ver em outro processo que no seja a excluso. nesse ponto que entra o papel democratizador da educao. Perrenoud (2008, p. 33) diz que educar permitir que o aprendiz mude sem perder sua identidade, construir a invarincia e a mudana e, de fato, isso o que se quer, um indivduo que seja transformador do meio em que vive e que o meio abrace a sua mudana pois dela surgiro novas perspectivas no definidas, mas regadas de incertezas, ao mesmo tempo de esperana que a mudana seja sempre recursiva, em forma de espiral como diz MORIN (1995).

    Neste sentido, sabe-se que h formas de se promover a mudana que todos almejam. E

    ainda que essas mudanas promovam um decrscimo das desigualdades sociais. Para isso, em seguida, tratar-se-o dos nstrumentos promotores de incluso propostos e implantados pelo governo federal no Brasil.

    A Lei Federal n 10.639/2003: breve histrico

    Na educao, diversas pesquisas assinalam a existncia do racismo como promotor de desigualdades e tratamentos discriminatrios no espao escolar, principalmente referente insero de grupos negros e brancos (CAVALLEIRO, 2001; BENTO, 2006). Da mesma forma, autoras e autores contemporneos, ao analisarem os discursos em livros didticos sob o aspecto ideolgico, sustentam a presena de relaes de desigualdades raciais (PINTO, 1987; GOMES, N., 1996; SILVA, 2008).

    Essas iniquidades j eram observadas pelos movimentos sociais negros, desde a dcada de

    50, do sculo XX, quando reivindicavam uma reestruturao nos currculos nacionais: [...] Portanto, ao perceberem a inferiorizao dos negros, ou melhor, a produo e a reproduo da discriminao racial contra os negros e seus descendentes no sistema de ensino brasileiro, os movimentos sociais negros (bem como os intelectuais negros militantes) passaram a incluir em suas agendas de reivindicaes junto ao Estado Brasileiro, no que tange educao, o estudo da histria do continente africano e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formao da sociedade nacional brasileira. Parte desta reivindicao j constava na declarao final do I Congresso do Negro Brasileiro, que foi promovido pelo Teatro Experimental do Negro (TEN), no Rio de Janeiro, entre 26 de agosto e 4 de setembro de 1950, portanto, h mais de meio sculo (SANTOS, 2005, p. 23).

    Assim, a histrica luta da resistncia negra e, posteriormente, dos movimentos sociais negros organizados, constantemente, denunciou a presena de desigualdades raciais na sociedade brasileira, bem como reivindicou mudanas na esfera educacional. Entre as quais se destacam: formao e melhores condies de acesso ao ensino para a populao negra, reformulao dos currculos escolares valorizando o papel e participao de negras e negros na histria do Brasil, erradicao da discriminao racial e de ideias racistas nos livros escolares e nas escolas.

    Portanto, a implementao da Lei Federal n 10.639/03 (BRASIL, 2003; 2010) representou um avano no sentido da promoo da igualdade racial, ao colocar o tema na pauta da educao: discusses sobre raa, preconceito, discriminao, racismo e valorizao da populao negra. Nessa legislao, h uma descrio sobre os temas a serem tratados no novo contedo. So eles: o estudo da Histria da frica e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o

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    negro na formao da sociedade nacional, resgatando a contribuio do povo negro nas reas social, econmica e poltica pertinente Histria do Brasil.

    Esses comandos so esclarecedores em relao ao caput. Na insero do contedo novo, palavras norteadoras se destacam: luta, resgate, contribuio, povo negro. No h dvidas de que o pretendido inserir o negro no pensamento nacional, rompendo construes estereotipadas e racistas, como aquelas denunciadas por Cunha Jr. (1996, p. 155):

    A historiografia brasileira tem somente origens europeias, na tradio greco-romana. O lado afrodescendente fica nos pores dos navios chamados negreiros, no nas civilizaes africanas. A cultura oficial e acadmica brasileira teima em desconhecer a frica e a participao (no apenas contribuio) significativa dos afrodescendentes na formao do pensamento brasileiro. As marcas do eurocentrismo e do racismo so gritantes quando se trata da avaliao da herana africana no Brasil.

    A esse dispositivo, soma-se outro que afirma que esses contedos sero abordados no

    mbito de todo o currculo, preferencialmente nas reas de e literatura, histria e artes. No queremos adentrar na questo curricular e seus desdobramentos, porm vale ressaltar que o professor que materializa o currculo, transversalmente ou no. Logo, quando sugere que os contedos aqui considerados sero ministrados em todo o currculo, a Lei est possibilitando professores a serem facilitadores no processo de construo e transformao dos alunos na perspectiva que prope. A regra que se impe clara: desconstruir sculos de representaes negativas sobre o negro e reconstruir, reformular e resgatar a histria.

    De fato, a construo de uma educao voltada para as relaes raciais demandam por

    reconhecimento, valorizao e afirmao dos direitos. No ponto especfico abordado neste trabalho, esse reconhecimento deve ser assegurado pelo respeito s pessoas negras e pela divulgao dos processos histricos de resistncia exercida pelos povos aqui escravizados e por seus descendentes (BRASIL, 2004). Por fim, o sucesso da aplicao da legislao em pauta, entre outras aes, exige um estudo crtico sobre as obras literrias clssicas e atuais capaz de valorizar de valorizar a histria, cultura e identidade dos africanos e seus descendentes e tambm capaz de desconstruir sculos de procedimentos raciais discriminatrios.

    Os projetos pedaggicos: contextualizando a partir da Lei

    A Lei n 10.639/2003, como observada, auxilia na ressignificao da identidade do aluno

    em situao de excluso. Vislumbra-se, aqui, o projeto pedaggico e como este pode ser til para viabilizar a aplicao da legislao em estudo no ambiente escolar.

    Vale lembrar que projetos so formas de tirar o aluno da inrcia que ele se alojou pela

    docncia ainda prezar ao passado e o tradicionalismo (MORAES, 1997), fazendo-o refletir sobre as realidades que o cercam. Assim, o projeto pedaggico uma forma de p-lo em contato com prticas sociais reais. Neste sentido, Meyer (2004, p. 97) afirma que os projetos partem de questes

    que precisam ser respondidas e possibilitam um contato com prticas sociais reais. Essas questes no podem ser colocadas de forma desconexa da realidade do aluno, portanto, devem-se ver os interesses dos alunos. E, esses projetos precisam ser significativos para que possam alcanar objetivos e resultados (MEYER, 2004).

    De acordo com isso, ao se propor um projeto na escola, precisa-se ter em mente que essa

    atividade exige cooperao e adeso de toda comunidade escolar, pois, o mesmo demanda tempo e espao propcios para seu desenvolvimento.

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    O professor ao sugerir um projeto deve considerar que sua execuo se d de forma integrada com as disciplinas. Vale ressaltar que o professor deve estar preparado para coordenar as aes propostas nas atividades e dominar os contedos. Alm disso, essencial que no se faa das indagaes feitas aos alunos, um buraco negro onde a luz se transforma em trevas (MEYER, 2004; PERRENOUD, 2008).

    Saliente-se que trabalhar com projetos acima de tudo saber operar com a incerteza. Assim

    sendo, o projeto , em sua essncia, uma atividade planejada que carrega no seu interior um roteiro que tem como funo nortear as atividades, porm nunca garantir sua preciso. Da a necessidade de se estar bem preparado, sempre, para que em alguma das inmeras situaes- problema o professor no seja pego em situao que o faa passar constrangimento em sala de aula. Perrenoud fala sobre isso quando explica acerca dessa situao:

    Ningum duvida que, para ensinar, preciso dominar os saberes a ensinar [...] os professores devem dominar os saberes a ensinar em seu estado nativo, no mais alto nvel, integrando as ltimas aquisies da pesquisa (PERRENOUD, 2004, p. 16).

    Entende-se que tais conhecimentos devem ser trabalhados de forma interdisciplinar e

    transdisciplinar, permitindo ainda ao aluno, um ensino que propiciador da transversalidade. Assim, levando-se em considerao que esses projetos seguem uma rotina, apresenta-se a

    rotina de um projeto transdisciplinar onde so abordados temas referentes temtica negra. O referido projeto tem como ponto de partida realizar uma reflexo sobre a temtica nas semanas que antecedem a Semana da Conscincia Negra. Vale destacar o Dia Nacional da Conscincia Negra, dia 20 de novembro, foi includo no calendrio escolar pela Lei em estudo.

    PROJETO: Os negros e negras que fizeram/fazem a nossa histria. RECORTE TEMTICO: Negros negras e a nossa histria FREQUNCIA: Tera (40 minutos) e Quinta (40 minutos). PERODO DE REALIZAO: quatro semanas: 23 de outubro de 2012 a 20 de novembro de 2012. OBJETIVOS Estudar a cultura negra; Entender e valorizar a identidade da criana negra; Compreender a raiz dos preconceitos relativos s religies provindas da frica; Discutir, por meio das rodas de conversa, o preconceito, a discriminao e o racismo nos meios de comunicao(livros, escolares, literatura, televiso, publicidade). DESENVOLVIMENTO

    De acordo com os objetivos citados, a execuo do projeto ser realizada levando em considerao as necessidades da turma e a realidade local. O tema ser desenvolvido na sala de aula por meio de atividades relatadas abaixo. Os alunos devem fazer pesquisas no entorno da comunidade, observaes indiretas em ilustraes e/ou vdeos, experimentaes e leituras.

    ATIVIDADES Jogos de tabuleiro com personagens negros da nossa histria; Roda de leitura Menina bonita do lao de fita de Maria Helena Machado; Roda de leitura O casamento da princesa negra(livro paradidtico) Vdeo com negros de nossa cidade; Vdeo com crianas negras na escola; Trabalhar a geometria nos desenhos africanos; Produo com artes com pintura em giz de cera e papel como tema frica; Aula passeio ao Stio Piranhega para conhecer a senzala.

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    CULMINNCIA Dirio com as impresses sobre cada atividade desenvolvida na escola; Painel com fotos e recortes; Exposio do material produzido pelos alunos.

    Consideraes finais

    Este trabalho apresentou, de forma concisa, como as pessoas que tem menos instruo e

    que se encontram em situao de vulnerabilidade social podem ser abandonadas e exps os mecanismos que so usados, hoje em dia, para ajudar indivduos como negros e ndios a sair dessa condio de excluso.

    Acredita-se que o combate a qualquer forma de estigmatizao deve ser intensificado, e

    divulgado como forma de garantir que as pessoas sejam tratadas como iguais, respeitando as individualidades de cada um.

    Nesse nterim, a educao tem papel fundamental na formao das pessoas, sendo assim,

    garantir educao a todos e de qualidade, assegura ao cidado igualdade de condies a fim de diminuir as diferenas sociais. Educar ainda uma das formas de se conseguir mobilidade social. Nesse entendimento, necessrio manter a esperana de que a educao mudar a forma de pensar das pessoas, tornando-as mais cooperativas entre si.

    Atualmente, evidenciam-se a intolerncia, o preconceito e demais formas de discriminao

    contra as minorias, no s negros e ndios, mas pessoas com portadoras de necessidades especiais e homossexuais. Assim, importante pensar coletivamente em uma construo de sociedade cidad que as pessoas tenham seus direitos respeitados e assegurados.

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    O USO DO DIRIO REFLEXIVO COMO PRTICA DE LETRAMENTO ESCOLAR

    Mrcia Aparecida Silva4 Resumo Neste trabalho, buscamos relacionar o uso de dirios reflexivos em sala de aula comas prticas de letramento escolar. Para tanto, nos embasamos em autores que discutem sobre dirio reflexivo, tais como Liberali (1999), Zabalza (2044) e Machado (1998). Para discorrer sobre letramento, nos embasamos em Lankshear, C. &Knobel, M (2003), Cope, B.; Kalantzis, M (2000), dentre outros. A partir da discussoproposta, podemos afirmar que o uso do dirio como prtica de letramento em sala de aula colabora para que o aluno se torne cada vez mais ciente de seu papel social. Palavras-chave: Dirio reflexivo; Letramento; prticas de sala de aula. Abstract: In this work, we aim at relating the use of reflexive diaries in classroom with school literacy practices. Therefore, we will be based on authors who study reflexive diaries, such as Liberali (1999), Zabalza (2044) e Machado (1998). To discuss literacy, we will be based on Lankshear, C. &Knobel, M (2003), Cope, B.; Kalantzis, M (2000), among others. The discussion shows that the use of diaries as literacy practices make the student more aware of his/her social role. Keywords: reflexive diary; literacy; classroom practices. Introduo

    A temticaletramentoescolar tem sido discutida j h algum tempo, seja nos meios acadmicos,

    seja no universo das escolas de ensino regular, sobretudo quando se trata de pensar criticamente algumas decorrncias do papel da escola na vida social do aluno, bem como nas prprias experincias de linguagens que o aluno tem acesso. A recorrncia de estudos acerca dessa temtica, na academia e nas escolas, pauta-se na questo central de se analisar (e explicar), muitas vezes, os possveis motivos de fracasso e/ou de xito dos alunos em relao escrita e leitura.

    O ensino de lngua(s), materna e/ou estrangeira, foi fortemente vinculado prpria

    questo do letramento, visto que isso significou redimensionar as bases filosfico-tericas que at ento alicerava a perspectiva do ensino e aprendizagem de lngua.

    possvel perceberque a questo do letramento escolar encerra e demanda diferentes

    modalidades de lngua(gem)5, e por meio da compreenso dessa complexidade que poderemos pensar em como essa relao vai afetar nossa sala de aula, como isso tudo reflete no processo de ensinar e aprender (MENEZES DE SOUZA, 2011, p. 285).

    Esse processo de produo e circulao de prticas de sentidos poderia ser compreendido,

    dentre outros modos, como sendo dimensionado por prticas escolares relativas leitura e escrita, que, por sua vez, so constitutivas do letramento escolar; ou, no mnimo, seriam aspectos possveis particularizados da questo do letramento.

    4 Mestranda pelo Programa de Ps-Graduao em Estudos Lingusticos da Universidade Federal de Uberlndia-UFU. Bolsista FAPEMIG. 5 O uso dos parnteses aqui nos permite traar um jogo conceitual entre lngua e linguagem, dada a especificidade de estatuto que esses termos encerram e, ao mesmo tempo, a relao de contato comum a eles. Com isso, para conceb-los, estamos pensando, respectivamente, na questo da linguagem verbal e no verbal.

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    Nessa medida, ao propormos uma delimitao de estatuto e, ao mesmo tempo, uma interface

    entre letramento escolar e dirio reflexivo, entendemos que o aluno pode ser levado a refletir criticamente, via sua escrita, sobre o universo que o cerca. Por isso, de nossa perspectiva, entendemos que o uso da escrita de dirios reflexivos torna-se relevante, por ser uma ferramenta, nos moldes de Liberali (1999), na qual o aluno pode se expressar, refletindo a respeito da realidade escolar que o cerca.

    Dessa forma, o objetivo que ir orientar a tessitura deste trabalho : analisar, em termos

    tericos, a possvel relao entre a escritura de dirio reflexivo em aula de lngua inglesa e a questo do letramento escolar. Como pergunta motivadora de nossa discusso, propomo-nos a seguinte: Quais as possveis relaes tericas entre a prtica de produo de dirios reflexivos em sala de aula e a questo do letramento escolar? Ressaltamos que a sala de aula em questo refere-se s aulas de lngua inglesa.

    Dessa maneira, como se trata de uma discusso que privilegiar aspectos mais tericos,

    iremos tomar por base, em um primeiro momento, os conceitos de letramento de Menezes de Souza (2011), Monte Mor e Menezes de Souza (2006) e Lankshear e Knobe (2003).

    Em um segundo momento da discusso, nosso enfoque terico se voltar para a questo

    do dirio reflexivo em aulas de lngua inglesa. Com isso, o intuito ser discorrer sobre a ideia de que a produo de dirios reflexivos em sala de aula pode ser tomada como uma possvel prtica de letramento.

    No terceiro momento da discusso, iremos nos ocupar do exame das possveis interfaces

    entre letramento e dirio reflexivo, enfatizando a perspectiva de que essa prtica de produo de dirios pode se mostrar produtiva para a questo do letramento escolar.

    A seguir, vamos nos ocupar do exame temtico acerca da concepo de letramento escolar

    que ir sustentar nosso trabalho.

    Letramento escolar: delimitaes O termo letramento tem vrios sentidos, e a partir da delimitao de alguns sentidos mais

    comumente utilizados que poderemos relacionar esse termo ao uso dirio reflexivo para a aprendizagem em sala de aula.

    De acordo com Lankshear e Knobel (2003), por volta de 1970, o termo letramento era

    comumente usado para se referir a programas de alfabetizao no formal, oferecidos por rgos governamentais cujo intuito seria alfabetizar adultos para que pudessem, minimamente, ler e escrever.

    Com o passar do tempo, houve uma mudana gradual nas questes de ensino e

    aprendizagem, principalmente nos Estados Unidos. Lankshear e Knobel (2003, p. 10) apontam trs fatores que podem ter dado decorrncia questo do letramento escolar, a saber: os estudos propostos por Paulo Freire; a necessidade de uma reforma curricular devido ao analfabetismo de adultos, principalmente nos EUA, por volta de 1960 e o desenvolvimento de uma perspectiva scio-interacionista de ensino e aprendizagem.

    Para esses autores, o letramento precisa ser visto sob uma perspectiva social, a partir de

    prticas sociais, por isso, eles afirmam que, se a aprendizagem no levar em conta a questo do contexto social, ela poder no ter nenhum sentido para o aluno; assim, o letramento no pode ser separado da prtica social dos alunos.

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    Seguindo essa linha de pensamento, na qual o letramento escolar pode ser considerado como uma forma de redimensionamento de prticas, mobilizamos a perspectiva de Menezes de Souza (2011) que, em seus estudos sobre letramento escolar, afirma que as prticas de letramento devem levar em conta fatores sociais, no sendo algo individual ou passivo.

    Para Menezes de Souza (2011, p. 297), as prticas de leitura e escrita no podem ser

    consideradas homogneas, cada indivduo tem sua prpria interpretao daquilo que l. isso que esse autor chama de leitura do dissenso, ou seja, haver sempre um conflito entre as interpretaes possveis, e preciso que o aluno se torne consciente dessa complexidade de leituras.

    A concepo de letramento escolar para Menezes de Souza (2011) consiste em assumir a

    responsabilidade por nossas leituras e no culpar o autor do texto pela sua escritura; precisamos perceber que o significado de um texto uma inter-relao entre a leitura e a escrita (MENEZES DE SOUZA, 2011, p. 293).

    a partir do entendimento de que o letramento se constitui como uma prtica social, que o

    aluno saberia que no h uma interpretao homognea; no momento de se construir sentidos da leitura de um texto, o aluno precisa ter em mente que mesmo sua interpretao vem de uma constituio social. Com isso, para essa concepo de letramento, pela leitura que realizamos, o aluno precisa refletir sobre sua prpria constituio, que por sua vez tem decorrncias sobre sua forma de aprender e interpretar.

    Ao discutirem a questo do letramento a partir das Orientaes Curriculares, Monte Mor e

    Menezes de Souza (2006) emprestam o termo multiletramentos de Cope e Kalantzis (2000), pois entendem que letramento no se refere a algo estabilizado, no est pronto, no singular, por levar em conta as prticas sociais, ele acaba por se tornar mltiplo, multifacetado, conforme afirmamos no incio deste trabalho.

    Assim, esse conceito empregado em nossa realidade escolar para dar conta da extrema

    complexidade desses novos e complexos usos da linguagem por novas comunidades de prtica. (MONTE MOR e MENEZES DE SOUZA, 2006, p. 109). Um exemplo dessas novas comunidades de prtica a internet, hoje em dia quase todas as pessoas tm acesso internet e, em consequncia, h uma infinidade de informaes; com isso, o conhecimento construdo de maneira contnua e a escola precisa levar em conta esse conhecimento que o aluno traz consigo.

    A partir do que foi tematizado at aqui, percebemos que os conceitos de letramento

    discutidos so semelhantes, por um lado, pois eles levam em conta seriamente a questo do contexto social como um caminho possvel para o aluno se tornar efetivamente letrado. Entendemos contexto social nesse trabalho, tanto o contexto emprico do aluno quanto o contexto cultural. Por outro lado, eles se diferenciam um pouco quando se referem aos modos de letramento possveis. Vamos discorrer, ainda que brevemente, a respeito das semelhanas e possveis diferenas entre os autores citados anteriormente.

    Lankshear e Knobel (2003), conforme j exposto, discorrem sobre o que entendem sobre

    letramento a partir de uma perspectiva social; para esses autores, o letramento s pode ser entendido relacionado aos contextos histricos e culturais.

    Segundo Menezes de Souza (2011), a nfase no processo de letramento estaria no tipo de

    leitura que fazemos dos textos que lemos.Para esse terico, ser letrado seria saber que h sempre mais de uma interpretao possvel e o aluno precisa se responsabilizar por sua interpretao dos textos lidos. Isso possibilitaria que o aluno se tornasse crtico e consciente de que h sempre mais de uma interpretao possvel.

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    Em Monte Mor e Menezes de Souza (2006), possvel percebermos certa semelhana com Lankshear e Knobel (2003), porque a nfase do letramento escolar estaria tanto na leitura quanto na escrita para esses tericos.

    Aps discorrermos sobre as concepes de letramento mais comuns, marcando suas

    semelhanas e possveis diferenas, definimos a concepo de letramento que mais se aplica a presente proposta.Assim, neste trabalho, a concepo de letramento que levaremos em conta ser a de Menezes de Souza e Monte Mor (2006) e Lankshear e Knobel (2003), isso porque esses autores, ao levarem em considerao tanto as prticas de escrita quanto as de leitura, possibilitam que o aluno traga seu conhecimento de mundo para a sala de aula.

    Passamos agora segunda parte de nosso trabalho, e nela iremos discorrer conceitualmente

    sobre o uso de dirio reflexivo em sala de aula e as possveis decorrncias desse uso para o letramento escolar.

    Dirio reflexivo: delimitaes

    Nesta seo, iremos discorrer sobre o conceito de dirio reflexivo tentando pensar suas

    implicaes para o processo de ensino e aprendizagem e para as prticas de letramento escolar. O processo de escrita em dirios entendido aqui como prtica de letramento, nos moldes

    de Monte Mor e Menezes de Souza (2006), pois para esses autores, a escrita uma prtica sociocultural porque ela sempre atravessada por elementos da cultura, no tendo um sentido nico e estabilizado.

    Assim, o dirio reflexivo uma ferramenta que auxilia na aprendizagem, na qual tanto o

    aluno quanto o professor, ao escreverem nele suas impresses, podem se expressar em relao s aulas, podem questionar, dizer como se sentem em relao s aulas.

    Tecendo consideraes sobre a questo da escrita, preciso ressaltar que essa concepo

    tem modificado bastante, antes a escrita era utilizada como meio de se preservar a fala, contudo, atualmente podemos perceber que a escrita tem tomado rumos diferentes.

    Um dos fatores para tal acontecimento so as redes sociais (Monte Mor e Menezes de

    Souza, 2006). Quando as pessoas vo escrever em seus blogs (entendemos esse termo como um modelo de dirio no qual a pessoa pode relatar tanto suas experincias pessoais quanto profissionais), ou mesmo nas redes sociais, tais como facebookoutwitter, a linguagem utilizada diferente da que normalmente utilizada na escola, mas h um entendimento de todos que leem, assim possvel perceber uma grande complexidade no mbito da linguagem a partir disso.

    Com relao ao dirio reflexivo, e possvel afirmar que ele tem sido utilizado com bastante

    frequncia por professores em uma tentativa de se refletir a respeito das aulas. Autores como Machado (1998), que estudou o dirio como instrumento de reflexo acerca de estudantes do curso de jornalismo, Zabalza (2004) e Liberali (1999), que optaram por estudar os dirios no contexto de professores como modo de reflexo de suas prticas, discutem a respeito dessa ferramenta, enfatizando a relevncia desse instrumento para uma reflexo efetiva do processo de ensino e aprendizagem.

    Zabalza (2004) aponta como uma das principais vantagens da escrita do dirio reflexivo, a

    possibilidade de um feedbackmais contnuo, ou seja, ao escrever os dirios sobre sua prtica, o professor pode rever o modo que est ensinando e que talvez no esteja dando certo, modificando posturas em suas aulas que talvez no estejam colaborando com a aprendizagem dos alunos.

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    Consideramos a perspectiva desse retorno ao aluno algo bastante positivo. Contudo, reiteramos que Zabalza (2004) est interessado nos dirios escritos por professores, a nfase estaria ento na formao desses profissionais como algo contnuo que estivesse sempre modificando. Assim, notamos uma necessidade de os prprios alunos escreverem os dirios, para que o professor, ao l-los, possa interagir com os alunos discutindo questes pertinentes ao processo de letramento escolar, ou seja, discutir questes que atendam a necessidade do aluno, no apenas mais um contedo a ser visto.

    Ao discorrer sobre o uso de dirios em sala e a importncia deles para a escrita, recorremos

    a Yinger e Clark (1981), pois para esses estudiosos a aprendizagem ocorre melhor quando os alunos unem o que esto aprendendo prtica da escrita, porque ao escreverem sobre o que aprenderam em sala, os alunos necessariamente tem de refletir sobre formas de escrever que reflitam seu pensamento, precisam saber fazer links entre o que aprenderam e as informaes novas que vo assimilando por meio da prpria prtica de escrita.

    Nessa medida, afirmamos que o letramento escolar ocorre nessas prticas de escrita porque

    o aluno, ao escrever os dirios reflexivos, poder refletir criticamente a respeito de sua aprendizagem.A escrita do dirio reflexivo possibilita que o aluno construa seu prprio conhecimento, possibilita que ele troque prticas que no contribuem para outras que melhor lhe sirvam. Letramento escolar e Dirio reflexivo: interseces

    Discutimos at agora sobre as questes relativas ao letramento escolar e ao dirio reflexivo,

    numa tentativa de delimitar esses termos; nesta seo, tentaremos buscar as interfaces possveis do uso do dirio reflexivo como uma ferramenta que possibilita prticas de letramento escolar.

    De acordo com as leituras que realizamos sobre letramento, entendemos que o

    conhecimento de mundo do aluno relevante, porque possibilita que ele construa novos conhecimentos a partir do que j sabe. Do mesmo modo, quando o aluno relaciona o conhecimento que tem com o novo, ele interage melhor porque produz um link entre sua realidade social e a escola.

    Assim, a partir das concepes de letramento escolar que tomamos por base, entendemos a

    escrita como um meio social que possibilita ao aluno interagir com seus colegas de classe ou mesmo com alunos de outros lugares, que pertencem a outros contextos sociais. E, nesse processo de interao, o aluno poder apreender elementos da cultura do outro, podendo haver, ento, uma troca de experincias entre esses alunos.

    Alm disso, no seriam apenas elementos da cultura que os alunos experienciariam, haveria

    tambm a possibilidade de se aprender assuntos novos, ou seja, alm da troca de culturas, haveria a troca de informaes sobre questes relativas ao universo escolar de ambos, com isso a aprendizagem poderia ocorrer de forma muito mais efetiva do que se o aluno ficasse apenas no contexto de sua sala de aula.

    Assim, segundo Menezes de Souza e Monte Mor (2006), a escrita pode ser entendida como

    mediada e contextualizada; seria mediada, porque haveria um grupo social que validaria qual escrita seria aceita em cada momento de uso e seria contextualizada, porque sofreria variaes dependendo do contexto de uso, por exemplo, um bilhete, uma carta, um ofcio. Para cada um desses gneros discursivos, haveria um modelo de escrita que seria aceito e considerado vlido, a depender do contexto social. Ressaltamos que o dirio reflexivo permite tanto uma escrita de cunho pessoal, que no precisaria ser uma escrita formal, quanto uma escrita de cunho mais acadmico, mais formal.

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    Ns discutimos acerca dessas possibilidades para pensarmos a relevncia da escrita dos dirios reflexivos, porque entendemos que expor o que sabe e como se sente em relao a esse saber seria uma forma de compreenso de si mesmo e, com isso, pode-se interagir melhor com o meio social em que se est inserido.

    Entendemos que esses procedimentos de escrita possibilitam prticas de letramento,

    porque o aluno toma conscincia de que o conhecimento no est centrado na escola, o aluno tambm pode produzir conhecimento. Por essa razo, conforme j exposto, o conhecimento de mundo do aluno tem relevncia (ou deveria ter) para a aprendizagem, da a importncia do letramento relacionado prtica da escrita do dirio.

    Nessa linha de pensamento, a partir de prticas sociais que o letramento escolar

    possibilita que o aluno no ir se encerrar, em termos de produo e circulao de sentidos, apenas no mbito da sala de aula, mas, sim, ir buscar fora dela novas formas de aprender, de interagir com outras pessoas em outros contextos sociais, ou mesmo, interagir de modo mais consciente de seu papel social em seu prprio contexto.

    Ressaltamos que essas prticas de escrita discutidas anteriormente so teis tanto para o

    aluno quanto para o professor, pois possibilita a ambos uma reflexo sobre as prticas escolares nas quais se inserem.

    Sobre o conceito de reflexo que o dirio demanda no momento de escrita, podemos

    defini-lo como uma maneira de se lanar um outro olhar para a experincia vivida, pois, quando escrevemos o dirio, pensando nas experincias de sala de aula, podemos ver nossa conduta sob um outro vis, o que possibilita mudana de prtica, caso seja necessrio

    possvel perceber, a partir dessa citao, o quanto a reflexo relevante e deve ser levada

    em considerao nos dirios dos alunos. A partir do momento que os alunos conseguirem produzir uma reflexo crtica a respeito de sua aprendizagem, possivelmente melhor essa aprendizagem ocorrer. Assim, a reflexo que a escrita dos dirios possibilita estaria relacionada ao fato de que, ao escrever, haveria um distanciamento do aluno com sua prtica escolar, o que colaboraria para que ele pudesse refletir criticamente sobre ela.

    Concluso

    Neste trabalho, buscamos entender o dirio reflexivo como uma prtica de letramento

    escolar, pois a escrita desses dirios demanda do aluno mais do que apenas uma mera assimilao de contedos, demanda um posicionamento sobre o que est aprendendo, uma reflexo crtica acerca do processo de aprendizagem no qual ele est inserido.

    Assim, a escrita dos dirios possibilitaria o letramento do aluno, porque permitiria que ele

    se tornasse crtico sobre seu processo de aprendizagem e tambm colaboraria para que ele transitasse confortavelmente no meio social em que ele se insere. Com isso, entendemos que o aluno, ao se inserir nessa prtica de escrita, poderia refletir criticamente sobre o processo de ensino e aprendizagem e, em decorrncia disso, entenderia de uma forma mais abrangente a realidade social e escolar que o cercam.

    Diante do que foi exposto neste trabalho, reiteramos, uma vez mais, que a escrita do dirio

    se configura como uma prtica de letramento. Esse ponto pode ser confirmado por meio do conceito de letramento proposto por Menezes de Souza e Monte Mor (2006), nos quais os autores atribuem, dentre outros fatores, prtica da escrita um fator relevante para possibilitar o letramento escolar.

    Isso porque escrever sobre o que se est aprendendo oportunizaria que o aluno se conscientiza de seu papel social, o que pode favorecer sua autonomia. Desse modo, ele buscaria

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    fora da sala de aula elementos que colaborassem em sua aprendizagem. Assim, ao perceber que o conhecimento no se centra na escola, o aluno passaria de um papel passivo para o de um agente ativo em seu processo de aprendizagem.

    Conclumos este trabalho, reiterando que, a partir das leituras realizadas sobre as questes

    que envolvem as prticas de letramento, estas so prticas escolares tais como a escrita, no caso especfico, a escrita de dirios, que podem oportunizar mudanas de posturas, conscientes ou no, colaborando para que o aluno se torne cada vez mais ciente de seu papel social.

    Referncias: COPE, B.; KALANTZIS, M. (eds.) Multiliteracies: literacy learning and the design of social futures. London: Routledge, 2000. LANKSHEAR, C. & KNOBEL, M.New literacies: Everyday practices and social learning. Buckingham Philadelphia: Open University Press, 2003. LIBERALI, F.C. O dirio como ferramenta para a reflexo crtica. 1999. Tese (Doutorado em Lingustica Aplicada ao ensino de lnguas). Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo. So Paulo. MACHADO, Anna. Raquel. O dirio de leituras: a introduo de um novo instrumento na escola. So Paulo: Martins Fontes, 1998. MENEZES DE SOUZA, L.M.T. O professor de ingls e os letramentos no sculo XXI: mtodos ou tica? In: JORDO, C. M., J. Z. Martinez, R. C. H. (orgs.) Formao desformatada: Prticas com professores de lngua inglesa. Campinas: Pontes, 2011. MONTE MOR, W., MENEZES DE SOUZA, L. M. T. Orientaes Curriculares para o Ensino Mdio: Lnguas Estrangeiras in: Brasil. Linguagens, Cdigos e suas Tecnologias. Brasilia: MEC/SEB. 2006. YINGER, R.J; CLARK, C. M. Reflexive journal writing: theory and practice. Paper. Michigan: I.R.T Michigan State Uni. East ansing, 1981. ZABALZA, Miguel, A. Dirios de aula: um instrumento de pesquisa e desenvolvimento profissional. Porto Alegre: Artmed, 2004. Enviado em 10/04/2013 Avaliado em 10/06/2013

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    SENTIDOS QUE CIRCULAM NO CIBERESPAO: EFEITOS E DESLIZES QUE CONSTITUEM O CASAMENTO

    Marcieli Cristina Coelho6 Luciana Fracasse7

    Resumo Em meio s mudanas culturais, polticas, econmicas e tecnolgicas ocorridas nos ltimos tempos, algumas afetaram igualmente o modo de se relacionar entre as pessoas, principalmente, no que se refere ao ato do casamento. Nesse contexto, este trabalho analisa a produo de novos sentidos sobre o casamento, observando efeitos que deslizam entre a imagem tradicional da unio entre casais e os novos modos de significar as relaes na sociedade brasileira contempornea. O referencial terico utilizado a Anlise de Discurso de orientao francesa, e o material de anlise composto por textualidades sobre casais famosos, publicadas na mdia virtual em 2012. Palavras-chave:casamento; mdia virtual; identidade. Abstract Amid the cultural changings, political, economic and technological occurred in recent times, some of them affected the way of relating between people, especially in regard to the act of marriage. In this context, this work analyzes the production of new meanings about marriage, observing effects that slip between the traditional image of the union between couples and new modes of signifying relations in the contemporary Brazilian society. The theoretical framework used is Discourse Analysis of French orientation, and the material analysis consists by textual it y about famous couples, published in 2012in the virtual media. Keywords: marriage; virtual media; identity. Introduo

    O presente trabalho foi desenvolvido com o objetivo de compreender e discutir o

    ciberespao8, em especfico a pgina do Yahoo Brasil9!, enfocando os processos identitrios que vo se construindo em relao aos sentidos de casamento que circularam no site ao longo de 2012. Os gestos de interpretao que aqui faremos so sustentados pela Anlise de Discurso de linha francesa.

    A escolha dos discursos sobre a temtica casamento justifica-se por percebermos a existncia

    de uma transio nos processos constituintes desse ato, mobilizando, assim, efeitos que deslizam entre a imagem tradicional da unio entre casais e os novos modos de significar as relaes na sociedade brasileira contempornea.

    O ciberespao, como uma das ferramentas mais utilizada e caracterizada pela rpida

    circulao de notcias, um espao de movncia de sentidos entre o tradicional e o novo, no qual ora circulam materialidades textuais verbais e no verbais evidenciando o modelo clssico de famlia

    6 Mestranda em Estudos Lingusticos na Universidade Estadual de Maring (UEM), Paran. 7 Doutora em Estudos da Linguagem pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), Paran. 8 Na definio de Pierre Lvy (2001), ciberespao o novo meio de comunicao que surge da interconexo mundial dos computadores. O termo especifica no apenas a infraestrutura material da comunicao digital, mas tambm o universo ocenico de informaes que ela abriga, assim como os seres humanos navegam e alimentam esse universo. 9 A Yahoo! Inc. uma empresa norte-americana de servios de internet com a misso de ser o servio de internet global mais essencial para consumidores e negcios.

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    formada e mantida pela identidade fixa do casamento tradicional, ora circulam discursos que marcam deslocamentos, seja apresentando casais homossexuais, relaes abertas (a poligamia),famlias de um nico genitor, relaes fluidas.Entre um discurso tradicional e outro ps-moderno, criam-se possveis efeitos de excessos e ausncias de um espelho para o sujeito leitor, sendo que, no h outro modo de se dizer que no seja atravs do olhar e da voz do outro (Coracini 2007, p.2).

    Contribuies da Anlise de Discurso

    O referencial terico que embasa nosso trabalho o da Anlise de Discurso (AD) de linha francesa, a qual um campo de pesquisa que busca compreender a produo social dos sentidos,

    realizada por sujeitos histricos, em meio materialidade discursiva10, tendo como fundador Michel

    Pcheux. Essa disciplina constitui-se na perspectiva que trabalha o sujeito11, a histria e a lngua12. Segundo Orlandi (2001, p.9), a Anlise de Discurso nos permite problematizar as

    maneiras de ler, levar o sujeito falante ou o leitor a se colocarem questes sobre o que produzem e o que ouvem nas diferentes manifestaes da linguagem. Nessa perspectiva, a autora afirma que com isso, busca-se compreender como um objeto simblico (enunciado, texto, pintura, msica etc.) produz sentidos, o que consiste em mostrar os processos de significao instaurados no texto,

    permitindo a escuta de outros sentidos ali presentes. No processo de produo do discurso, podemos falar da existncia de trs momentos, que

    se articulam e se entrecruzam, nos quais sujeitos e sentidos se constituem, configurando e reproduzindo processos de individualizao do sujeito. No momento da 1) constituio, a partir da memria do dizer, faz intervir o contexto histrico-ideolgico mais amplo; 2) naformulao, temos as condies de produo e circunstncias especficas; 3) e circulao ocorre em certa conjuntura e segundo certas condies (Orlandi, 2001). Na prtica, o discurso se constitui nesses trs momentos inseparveis, sendo que, no discurso eletrnico, a circulao o que vai impulsionar os outros dois momentos, funcionando como um regulador social de saberes. Assim sendo, no podemos esquecer que os sentidos despertados no sujeito leitor esto diretamente relacionados memria

    discursiva ou interdiscurso13, os quais esto na baseda constituio do discurso. Identidade para a AD: a produo identitria a partir de lugares de identificao

    Refletindo sobre os conceitos de identidade e imaginrio, j antecipamos que estes ganham

    especial relevncia em nosso trabalho, uma vez que estamos investigando o papel do ciberespao e

    10 De acordo com Pcheux (2011, p.151), a noo de materialidade discursiva deve ser considerada enquanto nvel de existncia scio-histrica, que no nem a lngua, nem a literatura, nem mesmo as mentalidades de uma poca, mas que remete s condies verbais de existncia dos objetos (cientficos, estticos, ideolgicos...) em uma conjuntura histrica dada. 11 O sujeito, como nos coloca a AD, no focaliza o indivduo falante, compreendido como um sujeito emprico, algum que tem uma existncia individualizada no mundo, mas sim, um sujeito inserido numa conjuntura social, no qual ele no centro do seu dizer, em sua voz, um conjunto de outras vozes heterogneas se manifestam. O sujeito polifnico e constitudo por uma heterogeneidade de discursos (FERNANDES 2007, p.29). 12 Conceber a linguagem como mediao necessria entre o homem e a realidade natural e social. Essa mediao, que o discurso, torna possvel tanto a permanncia e a continuidade quanto o deslocamento e a transformao do homem e da realidade em que ele vive. O trabalho simblico do discurso est na base da produo da existncia humana (Orlandi, 1999, p.15). 13 Segundo Orlandi (1999), interdiscurso definido como: saber discursivo que torna possvel todo dizer e que retorna sob a forma do pr-construdo, o j-dito que est na base do dizvel, sustentando cada tomada da palavra. O interdiscurso disponibiliza dizeres que afetam o modo como o sujeito significa em uma situao discursiva dada (, p.31).

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    os seus impactos sobre os sujeitos leitores diante de possveis imagens como, por exemplo, o casamento tradicional como modelo, o casamento aberto (a poligamia) como novo sentido de formao de unio estvel e os relacionamentos passageiros, caracterizando a fluidez na era do capitalismo exacerbado.

    Assim entendemos que, apesar do sujeito aparentar ser homogneo, ele , na verdade,

    multifacetado, heterogneo, cuja constituio histrica leva-o a ser atravessado por outros discursos, interpelado ideologicamente (Pcheux, 1999). Portanto, o sujeito constitudo identitariamente, pelo e no discurso.

    Para embasar ainda mais nossos estudos sobre identidade, buscamos suporte terico em

    estudos culturais que procuram entender esses processos de mutao por um vis sociolgico. Para tanto, tomamos como base os socilogos Zygmunt Bauman e Stuart Hall.

    Em Hall (2006, p.13), vemos que a identidade plenamente unificada, completa, segura e

    coerente uma fantasia: pelo contrrio, com a multiplicao dos sistemas de significao e representao cultural, nos deparamos com uma multiplicidade desconcertante de identidades possveis e, muitas vezes, acabamos nos identificando, ainda que temporariamente, com cada uma das identidades com que nos deparamos.

    Bauman (1998)afirma que num mundo repleto de fatos transitrios, uma identidade fixa e

    bem definida no parece ser bem atrativa, pois

    o mundo construdo de objetos durveis foi substitudo pelo de produto disponveis projetados para imediata obsolescncia. Num mundo como esse, as identidades podem ser adotadas e descartadas como uma troca de roupa. O horror da nova situao que todo diligente trabalho de construo pode mostrar-se intil; e o fascnio da nova situao, por outro lado, se acha no fato de no estar comprometida por experincias passadas, de nunca serirrevogavelmente anulada, sempre mantendo as opes abertas. (p. 112-113)

    A (des)construo e os sentidos do casamento

    Ao consultarmos o dicionrio Houaiss (2009, p.416), verificamos que casamento o ato de casar-se ou uma unio voluntria entre duas pessoas que passa pelo rito que celebra essa unio.O casamento ento, um contrato entre duas pessoas, no qual h regras e deveres que sofrem deslizes e adquirem um novo sentido no decorrer do tempo. Segundo Gilberto Freyre (1978), na era do Brasil colonial, tnhamos o ato de casar como uma forma de procriao, tornando-se uma maneira de constituir uma famlia e ter filhos, transmitir seus bens e posses de terras, os quais eram valores essenciais para as famlias.

    Entre os sculos XVIII, XIXe o XX h uma transio econmica. nesse cenrio que a

    maneira de relacionar-se comea a mudar. Agora, as mulheres inserem-se no mercado de trabalho e passam a ter