Revista paulo freire 29

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Revista de Formação Político-Pedagógica do SINTESE www.sintese.org.br nº 29 - Sergipe - novembro/dezembro - 2013 R$ 5,00 Viva Mandela Direitos Humanos O racismo que mata os negros A luta das mulheres negras no Brasil: política, trabalho e estética

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Revista de Formação

Político-Pedagógica

do SINTESE

www.sintese.org.br nº

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- 2013 R

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Viva Mandela

Direitos Humanos

O racismo que mata os negros

A luta das mulheres negras no Brasil: política,

trabalho e estética

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pelo instituto sobre a morte de jovens ne-gros nas capitais brasileiras. O pesquisador não tem dúvidas: o motivo dos altos índices de mortes da população negra é o racismo.

Reproduzindo um artigo do site Blo-gueiras Negras, essa edição da Revista Pau-lo Freire mostra ainda como o racismo se manifesta também sobre os cabelos e pen-teados das mulheres negras no Brasil. Diz o texto: “o cabelo e seus penteados sempre possuíram uma grande importância para o povo africano, pois, através dele demons-tram a ocupação de cada pessoa da nação, sua inserção em novos períodos de vida, dentre inúmeros significados que não che-garam a nós”.

Como sugestão para o trabalho de edu-cadores e educadoras, apresentamos 10 filmes que tratam da discussão entre o ra-cismo e a educação e que podem ser utili-zados em sala de aula. São filmes nacionais e estrangeiros, acessíveis na internet, que revelam o poder da educação na superação das desigualdades.

Ainda nessa última edição de 2013 temos um artigo da articuladora do Movimento Nacional de Direitos Humanos em Sergipe, Lídia Anjos, e uma homenagem ao poeta sergipano Mário Jorge, na página do Coleti-vo Saber e Poesia.

Por fim, não poderíamos deixar também de, nessa edição, prestar a nossa homena-gem ao líder político Nelson Mandela, um dos principais expoentes da luta por liber-dade, cidadania, pelos direitos humanos e pela democracia em todo o mundo. Que a história de vida e de resistência de Mande-la continue a nos inspirar na luta por uma sociedade sem opressões e por um mundo em que prevaleçam a justiça social e a igual-dade.

Boa leitura!Ângela Melo

Presidenta do Sintese

Basta observarmos a situação das mulhe-res negras brasileiras para verificarmos que estamos muito distantes de qualquer nível de democracia étnico-racial. Negação da sua estética nos meios de comunicação, desi-gualdade salarial em comparação a homens que exercem a mesma função, tratamen-to vezes como escrava vezes como objeto sexual. São apenas algumas das marcas da profunda opressão que sofrem as mulheres negras em nosso país.

Nessa última edição de 2013, a Revista Paulo Freire escancara essa realidade de de-sigualdade e apresenta reflexões necessárias num país em que a cor da pele, dos olhos ou o tipo do cabelo ainda parecem determinan-tes na definição de papéis sociais.

O texto de abertura dessa edição, de au-toria da educadora sexual e ativista dos Di-reitos Humanos, Jarid Arraes, demonstra como uma das maiores particularidades do racismo brasileiro é o modo como o pre-conceito se esconde sob a máscara de um país racialmente democrático. Jarid toma o exemplo de opressão que vivem as mulheres negras para mostrar que o racismo dos bra-sileiros está na vida cotidiana, muitas vezes em atitudes sutis e comentários aparente-mente inofensivos.

Com o título “Mulheres negras: o desafio de construir a igualdade!”, as sindicalistas Rosane de Deus e Rosana Silva apresentam dados e argumentos que apontam para a ne-cessidade de mudanças estruturais que alte-rem a vida das mulheres e da população ne-gra e ressaltam a importância de pensarmos a discriminação de gênero e raça não apenas como uma manifestação cultural, mas tam-bém como consequência de uma estrutura patriarcal, machista e racista que tem con-sequências materiais na vida das mulheres.

Nas páginas 8 e 9, reproduzimos uma entrevista com Rodrigo Leandro de Moura, pesquisador do IPEA. Ele apresenta os da-dos e análises da mais recente pesquisa feita

Nosso nome é Resistência!primeiras palavras

Revista de Formação Político--Pedagógica do SINTESERua Campos, 107 – B. São José - Aracaju-SeCEP: 49015-220 [email protected] www.sintese.org.br

Redação e Assinaturas Telefax: (0**79) 2104-9800

Paulo Victor Melo Editor (DRT/BA: 3548)Diego Oliveira Coordenação Gráfica (DRT/SE 1094)

Conselho editorial:Angela Melo, Joel Almeida, Lúcia Barroso, Hildebrando Maia, Ja-nieire Tavares, Ana Luzia, Ivonete Cruz, Edileide Barrozo, Franklin Magalhães, Elda Góis

Os artigos assinados nesta edição não refletem necessariamente o entendi-mento da direção do Sintese.

onde achar

Nem escrava nem objeto 04

O desafio da igualdade 06

08Entrevista

Estética negra e invisibilidade 10

Racismo e Educação em filmes 12

Direitos Humanos: um novo olhar 16

14Nelson Mandela

ASSINATURA SOCIAL - R$ 150 (12 exemplares)ASSINATURA ANUAL NÃO FILIADOS - R$ 100 (12 exemplares)ASSINATURA ANUAL NOVOS-FILIADOS - R$ 60 (12 exemplares)ASSINATURA ANUAL FILIADOS - R$ 60 (12 exemplares)

FALE CONOSCOTel: (79) 2104-9800 (Bárbara Eloah)

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Sociedade

Mulher negra: nem escrava, nem objeto

Jarid Arraes*

Uma das maiores particulari-dades do racismo brasileiro é o modo como o preconceito se es-conde sob a máscara de um país racialmente democrático. Com a justificativa de que o Brasil não enxerga cor e que é composto quase totalmente por pessoas mis-cigenadas, discursos de ódio são reproduzidos a todo momento. O racismo dos brasileiros está na vida cotidiana, muitas vezes em atitudes sutis e comentários apa-rentemente inofensivos. Essa rea-lidade cria limites muito palpáveis sobre as possibilidades e oportuni-dades das pessoas negras, podan-do as opções de quem podem ser e até onde podem chegar na vida.

Não é por acaso que uma das lutas atuais do movimento femi-nista negro é pela quebra de este-reótipos; por meio dos estereóti-pos e papéis sociais impostos para as mulheres negras, a questão do racismo acaba empurrada para de-baixo do tapete. Onde há discrimi-nação e exclusão, levanta-se uma falsa admiração, que na realidade é objetificação sexual e exotificação da mulher negra. Ou seja, para co-brir o preconceito que vem sendo nutrido e espalhado há séculos, rotula-se a mulher negra com as poucas permissões que lhes são concedidas. Para gerar a cons-ciência antirracista tão neces-

sária, é preciso em primeiro lugar compreender a vio-

lência das caricaturas impostas às mulheres

negras.

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Mulher negra: nem escrava, nem objeto

Não importa se querem

sonhar mais alto ou se têm

algum problema legítimo,

se estão doentes ou passan-

do por um período de luto

– algo bastante frequente

devido ao genocídio policial

contra os homens negros -,

as mulheres negras nascem

e crescem com poucas alter-

nativas

Não é preciso pesquisar

muito para encontrar em

qualquer rede social uma

enxurrada de charges e

imagens que apresentam

garotas negras como “vul-

gares” e irresponsáveis, que

engravidam ainda na ado-

lescência e não aprendem

nunca a lição

A escrava - O estereótipo de mulher trabalhadora e incansável é um dos mais antigos e reforçados, vigorando há centenas de anos e se adaptando às mudanças econômi-cas e culturais da sociedade. Se sé-culos atrás a mulher negra era usa-da e explorada como trabalhadora braçal, supostamente dotada de re-sistência física infinita, na contem-poraneidade esse papel continua sendo intenso, as mulheres negras ainda são exploradas em campos de trabalho escravo, que ainda existem nos dias de hoje. Muitas delas são obrigadas a trabalhar em condições precárias e perigosas em troca de um valor monetário insignificante, estando presente na grande maioria das cozinhas dos lares brasileiros, mas praticamente nunca como grandes chefs da gas-tronomia e sim como eternas su-balternas, que vivem para servir as famílias brancas e ricas.

Não importa se querem sonhar mais alto ou se têm algum proble-ma legítimo, se estão doentes ou passando por um período de luto – algo bastante frequente devido ao genocídio policial contra os homens negros -, as mulheres ne-gras nascem e crescem com pou-cas alternativas. Para muitas, é di-fícil alcançar outra coisa além do trabalho doméstico para famílias brancas, geralmente em forma de faxinas pesadas e salários baixíssi-mos. A mulher negra é a maior tra-balhadora de nossa nação, porém não possui seus esforços reconhe-cidos; ao invés disso, sua dignida-de é barganhada com ameaças de demissão e risco de desemprego.

Mesmo na televisão, nas novelas ou nos filmes, a mulher negra só aparece para representar a escrava de tempos antigos ou a empregada doméstica atual. De que forma, en-tão, pode se esperar que meninas e adolescentes negras consigam se ver em profissões adequadas, em vivências plurais e dignas? É por isso que tal estereótipo de guerrei-ra e batalhadora é tão nocivo: sua existência poda o potencial e a au-toestima dessas mulheres, servin-do como grilhões de sua liberdade.

O objeto - Para as mulheres negras que não são vistas como escravas do trabalho braçal, res-ta o rótulo do trabalho sexual – igualmente exploratório e limitado -, que existe sob a pretensão de elogio, atuando como uma exibi-ção de pedaços de carne baratos e hipersexualizados, como se uma tendência à “promiscuidade” fosse característica genética.

Não é preciso pesquisar muito para encontrar em qualquer rede social uma enxurrada de charges e imagens que apresentam garotas negras como “vulgares” e irres-ponsáveis, que engravidam ainda na adolescência e não aprendem nunca a lição. Mesmo mulheres negras com um maior nível eco-nômico, como por exemplo a atriz Taís Araújo, são vítimas da objetificação, como pode ser no-tado no próprio nome da novela da qual ela foi estrela, “Da Cor do Pecado”. Seja por meio de eufe-mismos ou discursos hostis, a mu-lher negra sempre transita entre a indesejabilidade e a exotificação: às vezes, é considerada tão feia e nojenta que todas as partes do seu corpo são causadoras de ojeriza, mas por outras consegue se enqua-drar no papel de “mulata” sensual e provocante.

A questão é que exotificação não é elogio, é objetificação. Não há qualquer valorização ou pres-tígio em marcar todo um grupo de seres humanos como produtos com valores comparáveis. Isso é uma das formas mais perversas de racismo, pois está oculto e disfar-çado, sendo frequentemente con-fundido com inclusão. No entanto, basta um pouco de senso crítico para perceber que a preta “da cor do pecado” não é verdadeiramen-

te aceita em sociedade, ela é vista como o terror das pobres donas de casa, como a sujeita sem moral, oportunista e interesseira, que des-trói casamentos e faz do mundo um lugar menos limpo. Essas afir-mações podem soar muito fortes, mas essa é a realidade das milhares de meninas sexualmente abusadas, que apesar de serem crianças, não encontram defesa, pois desde a mais tenra idade são consideradas provocantes e feitas exclusivamen-te para o sexo.

O que esses estereótipos pos-suem em comum é a redução da mulher negra ao seu corpo, ou seja, às supostas características intrínsecas que possuem desde sua formação genética. Por serem retratadas como mais fortes e na-turalmente mais sexuais, todos os tipos de violação de direitos hu-manos são impostos às meninas e mulheres negras.

Em pleno ano de 2013, no mês da Consciência Negra, ainda fal-ta muito chão para que o Brasil consiga dar às suas cidadãs negras a valorização que merecem. Até que ponto as pessoas são capazes de refletir a respeito desses exem-plos e trabalhar no enfrentamen-to do preconceito? Pode ser difí-cil ir além da superficialidade dos discursos de inclusão, mas sem a quebra de estereótipos, jamais será possível extinguir, ou mesmo ame-nizar o problema do racismo.

*Jarid Arraes é educadora sexual, estudante de Psicologia, feminista e ati-vista pelos Direitos Humanos.

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Conjuntura

Rosane Sousa de Deus e Rosana Silva*

É central para nós, trabalhadores e trabalhadoras, refletir sobre as si-tuações enfrentadas pelos negros e, principalmente as mulheres negras. Para iniciar essa reflexão menciona-mos um trecho do texto que Már-cio Pochmann fez para a apresen-tação da publicação “Retratos da Desigualdade no Brasil”, do Ipea.

“As desigualdades de gênero e raça são estruturantes da desigual-dade social brasileira. Não há, nesta afirmação, qualquer novidade ou qualquer conteúdo que já não te-nha sido insistentemente evidencia-do pela sociedade civil organizada e, em especial, pelos movimentos negro, feminista e de mulheres, ao longo das últimas décadas. Inúme-ras são as denúncias que apontam para as piores condições de vida de mulheres e negros, para as barreiras à participação igualitária em diver-sos campos da vida social e para as consequências que estas desigual-dades e discriminações produzem não apenas para estes grupos espe-cíficos, mas para a sociedade como um todo.”

Essa fala aponta para a necessi-dade de mudanças estruturais que alterem a vida das mulheres e da população negra e ressalta a im-portância de pensarmos a discrimi-nação de gênero e raça não apenas como uma manifestação cultural, mas também como consequência de uma estrutura patriarcal, ma-chista e racista que tem consequên-cias materiais na vida das mulheres.

Mulheres negras em dados - Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2012, recentemente divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geo-

Ser mulher trabalhadora

em uma sociedade machis-

ta, capitalista e racista, que

desvaloriza o trabalho re-

alizado por nós não é fácil.

E essa situação se agrava

ainda mais quando se trata

das trabalhadoras e traba-

lhadores domésticos

grafia e Estatística (IBGE), apon-tam que mulheres, pretos e pardos e pessoas que não completaram o ensino médio era a maioria entre os desocupados no país no ano passa-do. Isso quer dizer que essas pesso-as representam a maioria daquelas que estão em busca de alguma ocu-pação.

Outro dado dessa pesquisa mos-tra que a discriminação tem sexo e cor. O Programa Brasil Sem Misé-ria, entre 2002 e 2012, retirou 22 milhões de brasileiros e brasileiras da extrema pobreza – a maioria dos quais negras e negros. Porém, nes-se mesmo período a participação da população negra naqueles conside-rados miseráveis cresceu 15%.

Segundo o consultor do Senado e ex-secretário executivo da Secre-taria Especial de Políticas de Pro-moção da Igualdade Racial da Pre-sidência da República (SEPPIR), Mário Lisboa Theodoro, é possível comprovar esse quadro observan-

do-se a evolução de pobres por raça/cor e gênero.

“Entre 2002 e 2012, a participa-ção da população branca entre os pobres caiu 19,6% enquanto que a participação da população negra subiu 8,2%. Quando fazemos o corte por gênero e raça/cor, obser-vamos que a maior redução se deu

Mulheres negras: o desafio de construir a igualdade

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Em relação à média geral de

salários de trabalhadores e

trabalhadoras, consideran-

do as variáveis de gênero e

raça, as mulheres negras

estão em pior situação

no caso dos homens brancos, cuja participação caiu 22,4%, seguido das mulheres brancas cuja partici-pação entre os pobres caiu 17%. Já para o caso da população negra, o maior aumento incidiu sobre a mu-lher negra, cuja participação entre os pobres cresceu 10,6%, enquan-to que no caso dos homens negros esse percentual subiu 5,9%”, afir-mou.

Esses números demonstram que a população negra está mais afasta-da do alcance dessas políticas. Es-tão mais distantes de sair da situa-ção de extrema pobreza.

Esses dados demonstram que homens e mulheres negras tiveram mais dificuldade de sair da situação de vulnerabilidade. É uma realidade que necessita ser estudada para sa-ber que dinâmica social causa essa desigualdade social e, a partir daí,

estabelecer políticas que possibili-tem à população negra, e em parti-cular as mulheres, terem igualdade de condições de acesso ao progra-mas que objetivam erradicar a mi-séria.

O trabalho das mulheres não é valorizado - Ser mulher trabalha-dora em uma sociedade machista, capitalista e racista, que desvaloriza o trabalho realizado por nós não é fácil. E essa situação se agrava ain-da mais quando se trata das traba-lhadoras e trabalhadores domésti-cos.

Há muito tempo as trabalhado-ras domésticas lutam pelos seus direitos e atualmente travam uma dura batalha para que o Congres-so Nacional aprove a Proposta de Emenda Constitucional para ga-rantir às trabalhadoras domésticas os mesmos direitos dos demais trabalhadores. Pois o trabalho que realizam é caracterizado pela infor-malidade, baixos salários e longas jornadas de trabalho.

Outra reivindicação das traba-lhadoras domésticas, que a CUT tem apoiado ao longo dos últimos anos, é que o Brasil ratifique a Con-venção 189 e da Recomendação 201, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata dos direitos dos trabalhadores e traba-lhadoras domésticas.

Conforme dados da PNAD, em 2012, no Brasil, havia 6,4 milhões de trabalhadores domésticos, sen-do que 92% são mulheres.

Em relação à carteira assinada, há uma diferença entre homens e mulheres. Em 2012, o emprego sem carteira para as trabalhado-ras domésticas representava 72%. Houve uma piora em relação a 2011, em que o emprego sem car-teira era de 70,7%. Em relação aos homens os dados melhoraram. Em 2011 eles eram 53% sem carteira e caíram para 51% em 2012.

Em relação à média geral de sa-lários de trabalhadores e trabalha-doras, considerando as variáveis de gênero e raça, as mulheres negras estão em pior situação. Dados di-vulgados, em 2011, no Anuário da Mulher apontam que, em 2009, o rendimento médio mensal dos tra-balhadores não negros era de R$ 1.534,00; das mulheres não negras R$ 1.001,00; dos homens negros

R$ 839,00 e das mulheres negras R$ 558,00. Ou seja, as mulheres negras recebem aproximadamente 66% do que recebem os homens negros; 56% do que é pago às mulheres não negras e quase 1/3 (cerca de 36%) do que recebem os homens não ne-gros.

O que esses dados nos mos-tram em relação ao mercado de trabalho? Ao tratar das especifici-dades das formas de inserção das mulheres negras no mercado de trabalho, pretende-se contribuir para o debate sobre desigualdades raciais e de gênero.

A mulher negra é a que enfrenta mais discriminação no mercado de trabalho sobre ela pesa os efeitos combinados da raça/etnia e gênero.

É fundamental avaliar o papel econômico das mulheres negras quando consideramos o trabalho que realizam para manutenção de suas famílias, mas, sobretudo, o papel que desempenham enquanto trabalhadoras domésticas remune-radas, sendo uma das maiores cate-gorias deste país.

É importante lembrar que na his-tória de nosso país teve um período de escravidão, no qual as mulheres negras desempenharam um papel econômico fundamental no com as tarefas domésticas e de cuidados e na produção agrícola. Também ins-creveram seus nomes como guer-reiras e lutadoras contra todo tipo de discriminação e opressão.

Sem nenhuma ideia de vitimi-zação, mas com a certeza de que “Aprenderam desde muito cedo na dureza das lavouras, do comércio informal, que sua vida valia apenas o que produzia”, é fundamental aprofundar os debates e os estudos sobre os mecanismos de discrimi-nação das mulheres no mundo do trabalho, avaliar as condições de acesso e permanência no mercado de trabalho levando em considera-ção a questão étnico/racial, como um fator de aprofundamento das desigualdades e colocar em prática políticas que promovam a igualda-de de gênero e raça.

* Rosana Sousa de Deus, diretora executiva da CUT, e Rosane Silva, Se-cretária de Mulheres da CUT Nacional.

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Entrevista

Em entrevista ao IHU On-Line, reproduzida nesta edição da Revis-ta Paulo Freire, o pesquisador Ro-drigo Leandro de Moura afirmou com veemência: “O racismo está in-fluenciando esse diferencial de taxa de homicídios. Não conseguimos uma metodologia que seja capaz de quantificar exatamente qual é este percentual, mas cremos, com certe-za, que boa parte desse diferencial seja devido ao racismo”, afirma o pesquisador.

O percentual de negros assassi-nados no Brasil é 132% maior do que o de brancos, revela pesquisa reali-zada pelo Instituto de Pesquisa Eco-nômica Aplicada - Ipea, intitulada Vidas Perdidas e Racismo no Brasil. Embora as razões para explicar es-ses dados não estejam totalmente claras, “20% da causa da morte de negros” pode ser atribuída a “ques-tões socioeconômicas”, como dife-renças em relação a emprego, mora-dia, estudo e renda do trabalhador, diz Rodrigo Leandro de Moura, um dos autores do estudo realizado pelo IPEA.

Os outros 80%, esclarece, podem ser explicados por uma “variável so-cioeconômica que não observamos,

Mortes de negros no país: o motivo é o racismo!

mas, apesar de não conseguirmos imaginar qual seja, pensamos que um componente importante para explicar esse dado seja o racismo”. E acrescenta: “O que reforça a tese de racismo é que as características so-cioeconômicas podem ser afetadas por ele. Então, por exemplo, o negro sofre discriminação no mercado de trabalho, pode ter mais dificuldade de ter acesso a postos de trabalho qualificados, pode sofrer bloqueio de oportunidades de seu crescimen-to profissional e também pode ter o que chamamos de desigualdade de oportunidades e, por causa disso, sofrer tratamento desigual no que se refere às oportunidades no mercado de trabalho”.

Confira a entrevista na íntegra.

Como foi realizada a pesquisa que demonstra maior violência con-tra os negros no Brasil?

Rodrigo Leandro de Moura - Essa pesquisa surgiu do nosso interesse de avaliar se havia uma discriminação con-tra negros ocorrendo em relação aos casos de homicídios registrados no país. Procuramos avaliar inicialmente a taxa de mortes por homicídios de negros e não negros e verificamos uma discre-pância grande entre os dados. No que se

refere aos resultados por estados, tam-bém verificamos que há, principalmen-te no Nordeste,Norte e Centro-Oeste, uma discrepância grande entre a taxa de homicídios de negros e não negros.

A partir dessas informações, calcu-lamos, através de uma metodologia de outro artigo, a perda de expectativa de vida do negro ao nascer, em razão da violência.

Por que o número de negros as-sassinados no Brasil é 132% maior do que o de brancos? Quais as cau-sas desses assassinatos e que atores estão envolvidos nestas mortes?

Rodrigo Leandro de Moura - Vis-to que observamos esse diferencial mui-to grande entre homicídios de brancos e negros, calculamos a diferença da taxa de homicídios entre negros e não negros e procuramos avaliar, através de um modelo estatístico, qual percentual desse resultado poderia ser explicado por características socioeconômicas - quando falo de características socio-econômicas, refiro-me a diferenças de educação, diferenças demográficas, di-ferença nas condições do mercado de trabalho, como taxa de desemprego, renda do trabalhador, diferenças de tipo de moradia, densidade domiciliar, etc. A partir desses dados, verificamos que as características socioeconômicas explica-vam somente 20% da diferença da taxa de homicídios. Ou seja, 20% da causa da morte de negros pode ser atribuída a essas principais características socioeco-nômicas. Os outros 80% correspondem a quê? Pensamos que esse resultado se explica através de características socioe-conômicas que não observamos.

Você tem ideia de quais são es-sas características ou é impossível identificá-las por enquanto? Qual o significado desses 80%?

Rodrigo Leandro de Moura –

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Rodrigo Leandro de Moura – A violência gera uma perda de expectativa de vida. Avaliamos a violência em alguns aspectos: homicídios, acidentes de trân-sito, suicídios, etc. A partir disso, obser-vamos que a maior perda da expectati-va de vida é para homens. Verificamos também que os homens não negros morrem mais por conta de acidentes de trânsito do que por homicídios, enquan-to os negros sofrem mais homicídios.

Diante desses dados, entramos na questão que está relacionada ao racis-mo institucional, ou seja, a uma forma particular de racismo nas instituições, que envolve o funcionamento da polí-cia. Essas organizações constituem só um segmento, uma ponta do Sistema de Justiça Criminal, que está mais perto do cidadão. Então, é o policial que, em geral, aborda primeiro o criminoso e de-veria garantir os direitos civis, os direitos humanos, enfim, a questão da isonomia no tratamento ao cidadão. Entretanto, a partir dos dados do Censo e da Pnad de 2009, observamos que, quanto ao percentual da população que sofreu agressão física em 2009, 1,8% era de negros e 1,3% era de não negros. Entre as vítimas que não procuraram a polí-cia, 61,8% eram negros e 38,2% eram não negros. Então, o que isso mostra? Que entre aqueles que não procuraram a polícia, ou seja, não procuraram por-que não acreditavam, ou porque tinham medo dela, não o fizeram por conta do racismo com que o cidadão é tratado pela polícia.

Não descarto também outra possibi-lidade, que não estaria ligada ao racismo institucional, mas à questão do crimino-so, que na maior parte das vezes é negro.

Não. Logicamente estamos restri-tos à base de dados: utilizamos os dados do Censo. É difícil imaginar outras variáveis socioeconômicas demográficas que não tenham algu-ma relação no modelo, e também não conseguimos identificar novas caracte-rísticas, porque esse exercício foi feito a partir das taxas de homicídio por mu-nicípio. Não conseguimos identificar, por exemplo, que tipo de característica específica, em cada município, pode es-tar associada ao racismo e que pode, de alguma maneira, afetar o resultado.

O que quero dizer com isso? Den-tro desses 80% pode ter uma variável socioeconômica que não observamos, mas apesar de não conseguirmos ima-ginar qual seja, pensamos que um com-ponente importante para explicar esse dado seja o racismo. O que reforça a tese de racismo é que as características socioeconômicas podem ser afetadas por ele. Então, por exemplo, o negro sofre discriminação no mercado de tra-balho, pode ter mais dificuldade de ter acesso a postos de trabalho qualificados, pode sofrer bloqueio de oportunidades de seu crescimento profissional e tam-bém pode ter o que chamamos de desi-gualdade de oportunidades e, por causa disso, sofrer tratamento desigual no que se refere às oportunidades no mercado de trabalho.

O racismo cria determinados estere-ótipos negativos que acabam afetando a autoestima de crianças e jovens negros e, aí, logicamente, influenciam nega-tivamente sobre eles. De modo geral, acreditamos que o racismo influencia esse diferencial de taxa de homicídios. Não conseguimos uma metodologia que consiga quantificar exatamente qual é este percentual, mas cremos, com cer-teza, que boa parte desse diferencial seja devido ao racismo.

Como a violência se manifesta entre negros e não negros no país?

Então, haveria um caso de racismo de negro contra negro ou, então, seria mais

um problema social, ou seja, como o negro está mais envolvido com o crime, então ele tende a matar mais negros. Acredito mais na

hipótese de racismo institucional.

Há alguma característi-ca específica para o índice de homicídios ser maior no

Norte, Nordeste e Centro--Oeste?

Rodrigo Leandro de Moura – Aí volta a questão das característi-cas socioeconômicas. Esperávamos

que as diferenças socioeconômicas ex-plicassem esse dado, só que não expli-caram.

Esse dado de 80% relacionado ao ra-cismo se manifesta, portanto, no Nor-deste, em Alagoas, Pernambuco, Sergi-pe, também no Pará, no Espírito Santo, em alguns estados do Centro-Oeste, onde parece que o racismo é mais alto.

Como avalia as políticas públicas dos últimos anos em relação aos ne-gros, como a inclusão nas universi-dades por cotas? Ações como essa mudam a mentalidade acerca do racismo?

Rodrigo Leandro de Moura – As políticas de ação afirmativa, isolada-mente, não resolvem o problema. Exis-tem evidências favoráveis em relação às políticas de ação afirmativa, por exem-plo, política de cota por raça nas Univer-sidades. Alguns estudos têm mostrado que o desempenho do cotista na Uni-versidade não tem sido estatisticamente pior do que o não cotista. Portanto, a proposta é boa para diminuir a desigual-dade e garantir oportunidades.

Entretanto, também é necessário melhorar a educação básica na base, porque senão se incorre em outro tipo de discriminação: contra os brancos pobres. As políticas de ação afirmativa deveriam complementar a políticas de educação básica, de qualidade. Você tem que dar uma educação boa desde a primeira infância. Depois de niveladas as características socioeconômicas, a política de ação afirmativa seria menos necessária. O que o nosso estudo mos-tra é que se você eliminar toda a diferen-ça das características socioeconômicas, a taxa de mortalidade por homicídios reduziria somente 20%.

O racismo cria determina-

dos estereótipos negativos

que acabam afetando a

autoestima de crianças e

jovens negros e, aí, logica-

mente, influenciam negati-

vamente sobre eles.

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Panorama

Luara Vieira*

Não é novidade que a estética negra – expressão entendida como conceitos e juízos de beleza baseada nas características da população ne-gra - não é valorizada em nossa so-ciedade, diga-se de passagem, uma sociedade extremamente racista, que tenta a todo custo dissipar qualquer manifestação de negritude contida na mesma. Pois bem, estou passando por um momento muito importan-te para meu amadurecimento como mulher e negra, que é: transição dos

A invisibilidade da estética negra: a dor do racismo sobre nossos cabelos

cabelos. Há mais de um ano venho ensaiando essa mudança, que pra mim não é apenas uma mudança es-tética, é muito mais que isso, é um momento muito especial, em que me reconheço como negra, enxergo meu cabelo como bonito independente do que a sociedade considere como belo, amo meus traços, minha ances-tralidade, enfim, enxergo-me negra para além da cor da pele.

Desde que o desejo de retornar ao meu cabelo natural começou a ficar forte, beirando às vezes ao desespe-ro por vê-lo com duas texturas (meio

crespo, meio alisado), passei a procu-rar na internet meios que me auxiliem na passagem desta fase, pois trata-se de uma escolha difícil e muitas vezes sofrida. Afinal, são dez anos usando química e uma vida inteira ouvindo o quão feio é meu cabelo. Além de procurar em blogs, vídeos e páginas, todas as alternativas possíveis para enfrentar esse momento, deparei-me com a falta de locais especializados no cuidado de cabelos crespos na cidade onde moro, Maringá-Paraná, fato que me causou uma grande de-cepção, pois, por tratar-se de uma cidade de médio porte acreditei que encontraria ao menos algumas op-ções de salões especializados. Triste engano.

Mesmo tendo conhecimento de que a estética negra é extremamente desvalorizada socialmente, a minha crença na existência de lugares espe-cializados talvez tenha se dado pela necessidade de refugiar-me de uma estrutura violenta e opressora, prin-cipalmente, quando se trata dos ca-belos. Não queria mais agredir minha estética, mas precisava me sentir au-xiliada de certa forma. Da última vez que alisei meus cabelos, sai do salão com a certeza que nunca mais volta-ria lá (pelo menos para fazer quími-ca), chorei o caminho todo até chegar em casa e passei muitos dias pensan-do como seria bom encontrar alguns lugares para cuidar dos meus cabelos e das demais meninas crespas que existem por aqui. Sinceramente, não sei explicar ao certo o porquê dessa esperança, visto que sou ciente da in-visibilidade estética com que somos tratadas. De todo modo, a esperança manteve-se até o momento que per-cebi de fato não haver nenhum local especializado por aqui (pelo menos não encontrei até hoje).

Além de me entristecer, este fato me incitou uma reflexão diferente das que eu já havia feito, acerca da desvalorização estética da população negra e em especial do cabelo natu-

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aquelas/es que apresentem sua esté-tica fora dos padrões estabelecidos. Desse modo, a exigência de uma visi-bilidade estética é mais que o consu-mo de produtos e serviços que sejam específicos pra nossas características, mas é, sem dúvidas um resgate a nossa ancestralidade. O cabelo e seus penteados sempre possuíram uma grande importância para o povo afri-cano, pois, através dele demonstram a ocupação de cada pessoa da nação, sua inserção em novos períodos de vida, dentre inúmeros significados que não chegaram a nós.

Portanto, manter e resgatar o ca-belo crespo demonstra um resgate da memória, da cultura e espiritu-alidade ancestrais do negro. Para Lody (2004) o cabelo é uma marca de procedência e é através dele que o negro marca sua estética perante a sociedade, constituindo também um posicionamento político.

Por isso, precisamos sim nos ver-mos retratados em todos os âmbitos sociais, pois, representamos uma grande parcela consumidora, movi-mentamos os diferentes mercados, seja consumindo ou trabalhando. Temos o direito de vermos nos-sa estética tratada com respei-to, para que nossas crianças cresçam com uma autoestima elevada, percebendo desde cedo que ser negro é lindo e que nossos cabelos crespos, ao contrário do que querem que acreditemos, é bom.

É pela necessidade de cons-truirmos uma autoestima des-de cedo, que se faz necessário romper com esse padrão esté-tico racista e a todo momen-to lutar contra a invisibilida-de com que somos tratados, para que essa sociedade en-tenda, com muito amor, de uma vez todas: O NOSSO CABELO CRESPO NÃO É RUIM.

REFERÊNCIAS:

LODY, Raul Giovanni. Cabelos de axé: identidade e resistência. Rio de Janeiro: Ed. SENAC. Nacional, 2004. p. 119 e 123

*Fonte: Blogueiras Negras (www.blogueirasnegras.org)

ral. Me pus a pensar o que faz com que sejamos tão invisibilizados den-tro de uma sociedade, visto que, se-gundo o SAE ( Secretaria de Assun-tos Estratégicos) dos 35 milhões de pessoas que ascenderam para a classe média, nós negras/os somamos 80% do total, ou seja, somos consumido-res ativos como qualquer outro e no entanto temos nossas especificidades constantemente ignoradas, não nos vemos representados nas campanhas publicitárias, nas novelas e filmes, nas revistas etc. e quando por ven-tura aparecemos nesses locais somos retratados de modo negativo, carre-gados de estereótipos, vide a “bela homenagem” feita pelo estilista Ro-naldo Fraga, colocando palhas de aço na cabeça de modelos brancas para retratar, segundo ele, a “representa-ção da cultura negra”.

Diante disso, me pergunto cons-tantemente por que nossa estética não é representada e o porquê de não encontramos lugares especializa-dos em nossa beleza? Será que não somos bonitas/os? Ou não somos consumidores? As respostas a esses questionamentos são facilmente en-contradas quando levamos em conta que vivemos em uma sociedade ra-cista, sexista e elitista, onde pensar a estética negra parece ser o último dos esforços das empresas, dos publici-tários e das mídias em geral, já que estão há séculos nos estereotipando, dizendo que não representamos o belo, adjetivando nossos cabelos ora de “cabelo de bombril” ora de “cabe-lo ruim”, tentando a todo custo ofus-car a beleza que trazemos em cada traço. Portanto, creio que a questão de resgatar e difundir a estética ne-gra não seja meramente um ‘golpe’ comercial, há de fato uma luta polí-tica por trás disso, existem milhares de autoestimas sendo construídas ou reerguidas, principalmente a das mu-lheres negras, já que estas são as que mais sofrem com os pré-requisitos de uma “boa aparência” impostos de forma cruel por nossas sociedade, já que esses requisitos geralmente di-zem respeito a jovialidade, brancura e cabelos lisos.

Para comprovarmos a existência desses pré-requisitos basta observar-mos os anúncios de trabalho e nos depararmos com a exigência de fo-tos nos currículos, usadas geralmen-te como quesito eliminatório para

Me pergunto constantemen-

te por que nossa estética

não é representada e o

porquê de não encontramos

lugares especializados em

nossa beleza? Será que não

somos bonitas/os? Ou não

somos consumidores?

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Escritores da Liberdade Diretor: Richard LaGraveneseAno: 2007 Uma nova professora chega a escola tentando mostrar aos estudantes que aquilo que trazem de casa ou das ruas faz sentido também dentro da sala de aula. Problemáticas como racismo, de-sigualdade social e exclusão social dão o mote do filme. Baseado em fatos reais,o longa mostra como a professora Erin Grunwell transformou a relação de aprendizagem em uma escola dividida por tribos. Escola marcada pela resistência dos estudantes em lidar com as diferenças, é por meio da professora que a discussão de cor/raça é trazida para as atividades, que incluem escrever sobre a história de vida de cada um.

Vista a Minha Pele Direção: Joel Zito Araújo e Dan-daraAno: 2004 O vídeo ficcional-educativo traz em me-nos de 30 minutos uma paródia sobre como o racismo e o preconceito ainda são encontrados nas salas de aula do Brasil. Invertendo a ordem da história, o vídeo utiliza a ironia para trabalhar o assunto de forma educativa. Nele, ne-gros aparecem como classe dominante e brancos como escravizados e a mídia só apresenta modelos negros como exemplo de beleza. te por via parlamentar. Por essa razão, a direita compreende que os mecanismos legais já não lhe servem. De agora em diante, sua estratégia será a do golpe de estado. Essa é a primeira parte de uma trilogia que é considerada um dos melhores documentários de todos os tempos.

Ao mestre com carinho Direção: James Clavell - Ano: 1967

Um engenheiro desempregado começa a le-cionar em uma escola pública da periferia de Londres, formada por estudantes rebeldes e também racistas. Aos poucos, ganha a con-fiança, amizade e respeito dos alunos.

PreciosaDireção: Lee Daniels Ano: 2009

O filme conta a trajetória de Claireece “Pre-ciosa” Jones, uma garota negra que sofre diversas dificuldades. Quando criança, é abusada e violentada pelos pais. Cresce pobre e passa por uma série de discrimi-nações por ser analfabeta e acima do peso. Após muita insistência pessoal e com a aju-da de uma educadora que muito acredita na sua possibilidade de mudança, Preciosa dá a volta por cima.

Cultura

Filmes sobre Racismo e Educação

Caro educador, cara educadora, a edição 29 da Revista Paulo Freire apresenta sinopses de 10 filmes que discutem a questão racial e o papel da educação. São filmes acessíveis na internet e podem ser utilizados em sala de aula para discussão com os estudantes. Confira as dicas!

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Mãos talentosasDireção: Thomas CarterAno: 2009O filme conta a história de um menino po-bre do Detroit. Desmotivado por tirar baixas notas na escola, era motivo de bullying de forma frequente. Incentivado a estudar pela mãe, que voltou a estudar já adulta, Ben Car-son torna-se diretor do Centro de Neurologia Pediátrica do Hospital Universitário Johns Hopkins aos 33 anos, em Baltimore, EUA.

Entre os muros da escolaDireção: Laurent Cantet Ano: 2008François Marin atua como professor de língua francesa em uma escola de ensino médio, na periferia de Paris, composta por estudantes de diversos países da África, do Oriente Médio e da Ásia. Ele e seus colegas docentes tentam buscar diversas ações para ensinar os estudantes, mas ainda assim en-contram dificuldades, dada as condições so-cioeconômicas em volta da unidade escolar.

Encontrando ForresterDireção: Gus Van Sant - Ano: 2000O filme trata sobre a história de Jamal, um ado-lescente do Bronx que vai estudar em uma escola de elite de Manhattan (EUA). Mas continua so-frendo discriminação e preconceito por conta de sua cor. Com a ida, conhece o talentoso escritor William Forrester , que percebe seu talento para a escrita e o incentiva a prosseguir nessa área.

Separados mas iguaisDireção: George Stevens Jr. Ano: 1991Baseado em fatos reais, “Separados, mas iguais” narra a disputa entre pais de alunos negros e ju-ízes do Condado de Claredon, na Carolina do Sul, no início dos anos 50. Na época, as escolas sepa-ravam os alunos brancos, que claramente tinham acesso à educação de maior qualidade acesso à verba para manter a estrutura das escolas.Um diretor da escola , tem o pedido de um ônibus escolar negado, com o apoio do pai de um de seus alunos, entra com processo contra o estado, ale-gando a inconstitucionalidade do país ao promo-ver escolas diferenciadas para negros e brancos.

Mentes Perigosas Direção: John N. Smith Ano: 1995A professora Louanne Johnson entra em uma escola da periferia norte-americana e é hostilizada pelos alunos. Percebendo que seu método de ensino não está funcionan-do Louanne passa a se envolver mais com a diversidade cultural de seus estudantes e, assim, percebe melhor as dificuldades que passam.

Sarafina – o som da liberdade Direção: Darrell RoodtAno: 1992Com Whoopi Goldberg no papel principal, o filme conta a história de uma professora sul-africana que não aceita ver seus es-tudantes se sentindo diminuídos. Em um processo educativo permanente, ela ensi-na seus alunos negros a lutarem por seus direitos e compreenderem a sociedade em que vivem, não esquecendo que podem diariamente transformá-la.

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Capa

Nelson Mandela (1918-2013)

História

Em 12 de fevereiro de 1990, quando Nelson Mandela foi solto, após 27 anos encarce-rado, a África do Sul estava à

beira de uma guerra civil entre brancos e negros. A libertação de Mandela era fruto de negociações entre o regime se-gregacionista do Apartheid e a resistên-cia negra, mantidas em segredo para não estimular ainda mais violência por parte dos extremistas de ambos os lados. Havia uma imensa desconfiança a respeito das intenções de Mandela, mas mesmo após séculos de opressão e de seu sofrimento pessoal, Mandela tomou as decisões que fazem muitos considerá-lo o maior líder político de todos os tempos. Ao levar a todo o país uma mensagem em defesa da democracia e da igualdade, o Madiba, como é conhecido no país, se tornou o artífice da reconciliação entre brancos e negros sul-africanos, evitando o que po-deria ser uma sangrenta guerra civil. Foi

esse homem que a humanidade perdeu decorrente de uma infecção pulmonar em 5 de dezembro de 2013. O anúncio oficial foi feito em rede nacional pelo presidente da África do Sul, Jacob Zuma.

A morte de Mandela era a má notícia que os sul-africanos esperavam há anos, desde que a saúde debilitada do ex-pre-sidente começou a preocupar. A cada internação, o país entrava em apreensão, inúmeros boatos circulavam, o governo divulgava notas oficiais, até que vinha a notícia da alta. Desta vez, foi diferente. A morte de Mandela deve jogar boa parte do país em depressão.

Violência e o fim do Apartheid - O luto não se dá à toa. Após anos

lutando contra o regime da supremacia branca de forma institucional, Mandela ajudou a fundar, em 1961, o Umkhonto weSizwe, braço armado do Congresso Nacional Africano (CNA). Dois anos

depois de entrar na luta armada, Mandela foi preso e condenado à prisão perpétua no famigerado Julgamento de Rivonia. Ele deixaria a prisão apenas nos anos 1990, quando se juntaria a algumas pou-cas figuras que tentariam colocar fim ao Apartheid.

Como o regime beneficiava diver-sos grupos, a resistência às mudanças seria ferrenha. Logo após a soltura de Mandela, uma onda de violência tomou conta da África do Sul. Chacinas foram cometidas várias vezes por dia em trens e outros locais públicos. Líderes comu-nitários e outras figuras públicas foram executados. Massacres nos guetos negros se tornaram comuns. A execução do “colar”, por meio da qual um pneu com gasolina era colocado no pescoço da ví-tima e incendiado, se tornou a horrenda face da violência no país. Isso sem con-tar a repressão violenta da polícia contra as manifestações de populações negras.

O “Madiba”, cuja vida é inspiração de dias me-lhores, morreu aos 95 anos em sua casa, em Johannesburgo

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Era uma época que os sul-africanos “morriam como moscas”, nas palavras do arcebispo anglicano Desmond Tutu, Nobel da Paz.

A violência daquele período era atri-buída a uma guerra entre o Congresso Nacional Africano, grupo liderado por Mandela, que pregava a igualdade entre brancos e negros, e o Inkatha, movimen-to nacionalista zulu, um dos diversos po-vos sul-africanos. Essa era apenas parte da explicação. A violência generalizada era uma ação orquestrada pelas forças de seguranças do regime e pelos extremistas de direita do Inkatha. Milhares de mem-bros da facção zulu foram treinados em campos secretos e receberam armas e di-nheiro das forças de segurança do regime e de líderes brancos de extrema-direita. Alguns policiais, brancos e negros, che-gavam a coordenar e participar dos mas-sacres. Quando não havia gente do Inka-tha, mercenários de países como Angola e Namíbia eram contratados. Em silên-cio, para não serem identificados como estrangeiros pelo sotaque, matavam sul--africanos a esmo.

Para o Inkatha, aquela era uma luta para manter a autonomia da terra Kwa-Zulu e buscar a independência. Para os extremistas brancos, era uma estratégia dupla: primeiro manter a argumentação de que os negros eram incapazes de se autogovernar. Caso isso não desse certo, o CNA, de Mandela, ao menos ficaria enfraquecido para a eleição presidencial que se seguiria, a primeira na qual bran-cos e negros poderiam votar e ser vota-dos livremente.

A estratégia de desestabilização não deu resultados graças à força de caráter de inúmeras pessoas, entre elas o então presidente sul-africano, Frederik Willem de Klerk, e de Mandela. Entre 1990 e 1993, a África do Sul revogou leis que davam amparo jurídico ao Apartheid, desmantelou seu arsenal nuclear e con-vocou eleições livres para 1994. Ao con-trário do que pensavam os extremistas, o CNA não estava enfraquecido por conta da violência. Nas urnas, o partido obteve uma vitória massacrante, e Mandela se tornou o primeiro presidente negro na história do país.

“Nação Arco-Íris” - No poder, Mandela operou um milagre político. O Madiba fez os sul-africanos acreditarem no seu sonho, o de que a África do Sul poderia ser mesmo uma “Nação Arco--Íris”, na qual todas as “cores” poderiam conviver de forma harmônica. Mandela conseguiu contemplar os anseios das mi-

norias brancas e conter a ânsia por justiça de líderes negros, muitos dos quais dese-javam vingança após décadas de abusos e arbitrariedade.

A face mais visível do esforço de re-conciliação feita por Mandela foi o apoio à seleção de rúgbi da África do Sul, osS-pringboks, na Copa do Mundo de 1995. Mandela não permitiu a mudança de nome e uniforme da equipe e tornou a seleção, símbolo de orgulho dos brancos, em orgulho nacional. A empreitada teve um fim épico com a improvável vitória da África do Sul sobre a Nova Zelândia, no hoje mítico Ellis Park, em Johannes-burgo. A história foi registrada de forma magistral no livro Conquistando o Inimi-go, de John Carlin, e no filme Invictus, de Clint Eastwood.

O apoio aos Springboks era parte da estratégia de Mandela de liderar pelo exemplo. Para o sul-africano comum, branco ou negro, era inevitável se ques-tionar: como pode um homem que ficou encarcerado por 28 anos deixar a prisão sem qualquer resquício de rancor e ado-tar um tom tão reconciliatório? Se Man-dela podia, todos podiam.

O milagre da Nação Arco-Íris foi também institucionalizado. Sob Mande-la, a África do Sul passou a ter programas de habitação, educação e desenvolvimen-to econômico para a população negra; instalou a Comissão da Verdade e da Reconciliação, que serviu como catarse coletiva para o país; e aprovou uma nova Constituição, vista até hoje como ponto central de estabilidade na África do Sul.

O legado de Mandela - Desde que assumiu a presidência, Mandela deixou claro que gostaria de ser apenas o res-ponsável pela transição da África do Sul,

e não o guia eterno do país. Ele fez isso pois desejava uma África do Sul indepen-dente, inclusive dele próprio. A África do Sul que Mandela imaginou, no entanto, não conseguiu completar o sonho do líder visionário durante sua vida. Contra a vontade de Mandela, e de sua família, sua imagem é usada persistentemente de forma política, às vezes por líderes que dilapidam seu legado. Esse processo foi agravado pelo silêncio ao qual Mandela foi obrigado a se recolher devido ao agra-vamento de sua doença.

Nos governos de Thabo Mbeki (1999-2007) e do atual presidente, Jacob Zuma, ambos do CNA, a África do Sul teve grande crescimento econômico, mas a desigualdade social é maior que a existente no fim do Apartheid. O CNA, por sua vez, deixou de ser o partido da liberdade para se tornar um amontoado de políticos acusados de corrupção e de agir em benefício próprio. A Liga Jovem do ANC, fundada por Mandela, passou a ser conhecida pelos atos e palavras de intolerância de seus líderes, um perigo para uma país onde a violência racial está contida, mas a tensão entre brancos e ne-gros, não.

Apesar do uso político de sua ima-gem, Mandela continua sendo o bastião da democracia na África do Sul. Talvez, o distanciamento entre seu legado e a con-dição atual do país tenha servido para, nos últimos anos, tornar mais agudo o sofrimento da população a cada nova internação. Hoje, finalmente, chegou o dia de deixar Mandela descansar, e dos sul-africanos colocarem o país no rumo sem um exemplo vivo para guiá-los.

Fonte: Carta Capital

“Durante a minha vida, me dedi-

quei à luta do povo africano. Lutei

contra a dominação branca, e lutei

contra a dominação negra. Eu

defendi o ideal de uma sociedade

democrática e livre, na qual todas

as pessoas vivem juntas em har-

monia e com oportunidades iguais.

É um ideal para o qual espero

viver e conseguir realizar. Mas, se

preciso for, é um ideal para o qual

estou disposto a morrer.”

Nelson Mandela, na abertura de sua declara-ção de defesa no Julgamento de Rivonia, em

Pretória, em 20 de abril de 1964

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Atualidade

Lídia Anjos*

Refletindo sobre um pensamento de Nélson Mandela de que “ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor da sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pes-soas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, podem ser ensi-nadas a amar”, é possível promover algumas reflexões na perspectiva dos direitos humanos importantes para a construção de formas mais justas de vida em nossa sociedade.

Reconhecer o processo de apren-dizado nessa relação é reconhecer que nada é simplesmente um todo dado. O ódio não é um todo dado, assim como não o são as desigualda-des sociais, as intolerâncias, as injusti-ças e exclusões sociais. Esses proces-sos são construídos historicamente e para superá-los é necessário ter esse entendimento para que se possa des-construir aquilo que não nos interes-sa e reconstruir outra forma de viver mais igualitariamente.

Se por exemplo a exclusão e a de-sigualdade social são construções his-tóricas, faz-se igualmente necessário se questionar quem são os mentores desse processo? A quem interessa a relação de dependência, de fome, de exploração, opressão vivenciada pela maioria da população no mundo? Quem se favorece com a naturaliza-ção de que a exclusão e a desigualda-de social nunca serão superadas?

A naturalização e banalização des-se processo de violência é tão grave que sutilmente faz com que um cole-tivo inteiro “doentemente” não per-ceba suas consequências. A situação passa a fazer parte da cultura das pes-soas, mas uma cultura de violência.

Em relação a esse fato, algumas si-tuações, se faz necessário denunciar e

Uma nova perspectiva para os Direitos Humanos

refletir, como os casos constantes de linchamentos públicos em nome dos direitos humanos e da democracia que se multiplicam em vários lugares, produzindo cenas de barbárie.

Também o controle excessivo do Estado brasileiro sob a população negra moradora de favelas, morros e comunidades periféricas, com a en-trada radical de agentes públicos, em nome da defesa dos direitos huma-nos e mais uma vez da democracia, tratando a população afrodescenden-te como se fossem todos criminosos amplia a cada dia as estatísticas de morte dessa população, principal-mente entre os jovens. Essa realidade anuncia um extermínio de jovens ne-gros em quase todos os Estados. Em especial coloca o Estado de Sergipe no 5º lugar do ranking dos Estados mais violentos do país.

Considerar natural idosos vivendo do lixo, adultos morando nas ruas, crianças pedindo nas sinaleiras, famí-lias inteiras sem perspectiva de vida futura e até as situações em que se alegam fazer “justiça com as próprias mãos”, colocam as pessoas numa

situação confortável de não precisa-rem lutar para que essa realidade se altere e esse fato favorece a uma de-terminada classe social.

No mundo inteiro e não diferente no Brasil, há uma minoria hegemô-nica do ponto de vista do poder que têm todos os seus direitos garanti-dos, como o direito a uma educação de qualidade, saúde com dignidade, à moradia, direito de ir e vir, outros. Por outro lado há uma maioria des-provida de condições básicas para sobreviver: moradia, alimentação saudável, educação, saúde, etc.

É justamente esse grupo que tem acesso aos bens materiais e imateriais para se viver dignamente que estra-tegicamente utiliza os direitos huma-nos como instrumento para reprodu-ção das relações de dominação. Essa estratégia de reprodução hegemônica gera posição desigual de acesso aos bens. São estratégias que objetivam rechaçar as possibilidades de lutas so-ciais por parte dos grupos oprimidos que diretamente vivenciam as injusti-ças cotidianas da impossibilidade de uma vida digna.

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Considerando a Declaração Universal dos Direitos Humanos – DUDH assim como o Pacto In-ternacional pelos Direitos Sociais e Civis, que surgiram em um período de Guerra Fria (1948 a 1966), entre dois grandes sistemas de relações sociais que disputavam a hegemonia mundial.

Foi um período que vigorou um processo de políticas públicas inter-ventoras do Estado sobre as conse-quências perversas da aplicação do mercado à sociedade. Aí, proliferam além das empresas públicas, nego-ciações estatais entre sindicatos e governos por melhores condições de trabalho nas empresas e uma produ-ção legislativa tendente à reconhecer cada vez mais direitos à cidadania nos países, principalmente os mais desenvolvidos. De um modo geral a DUDH foi pautada em valores oci-dentais sem abarcar a perspectivas dos povos oprimidos e resumiu-se ao direito do cidadão de ter direitos, sem se importar se as pessoas possu-íam os meios necessários para exigi--los e colocá-los em prática. Daí a concepção simplista de que os direi-tos humanos são os direitos que os indivíduos têm.

Essa forma tradicional e conser-vadora de atuar e perceber os direi-tos humanos não os promove na prática. É reprodutora de violência, arbitrária, ilegítima, mas hegemônica. Confunde o plano da realidade e das razões dos direitos humanos, motivo pelo qual se faz necessário cotidia-namente analisar as situações con-siderando os contextos em que elas se dão afim de que os direitos humanos não sejam utiliza-dos pela minoria hegemô-nica como instrumento de reprodução de violência a serviço do capital como o é na atualidade.

O contexto atual é muito diferente do que o contexto em que foram de-clarados os direitos humanos interna-cionalmente. Desde a queda do muro de Berlim e o “fim da história’ por parte dos que se autoproclamaram vencedores da Guerra Fria, houve a paralisação da intervenção do Estado em relação às atividades econômi-cas e consequente deteriorização do meio ambiente, injustiças provenien-tes das relações do comércio e con-sumo indiscriminado e desigual, rela-ções transculturais e deficiências em matéria de saúde e convivência indi-vidual e social vivenciada por quarto quinto da humanidade.

A intervenção do mercado passou a impor as regras ao Estado por meio de instituições globais como o Fun-do Monetário Internacional – FMI, o Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio. Com isso os direitos obtidos em favor dos tra-balhadores foram substituídos pelo “Mercado Livre” que fizeram e ain-da fazem com esses direitos fossem considerados como custos sociais para as empresas que devem suprimi--los em nome da competitividade.

Portanto, no contexto atual é ne-cessário reconhecer que a DUDH representou um esforço internacio-nal importante para formular juridi-camente esses direitos. Entretanto, na linha do que pensa o escritor Jo-aquim Herrera Flores, é necessário pensar os direitos humanos sob uma nova perspectiva, reinventando-os à luz do pensamento crítico.

Assim, os direitos humanos de-vem ser definidos como o conjunto das lutas por dignidade promovidas por grupos que diretamente viven-ciam as injustiças sociais, cujos re-sultados deverão ser garantidos por normas jurídicas, mas também por políticas públicas e uma economia aberta às exigências da dignidade. Somente assim, é possível fortalecer os grupos excluídos dotando-os de instrumentais necessários para uma prática educativa e social que consi-dere as necessidades daquele que vive diretamente a condição de oprimido.

*Lídia Anjos é mestranda em Direitos Humanos na Universidade Tiradentes e Articuladora do Movimento Nacional de Direitos Humanos em Sergipe.

A quem interessa a relação

de dependência, de fome,

de exploração, opressão

vivenciada pela maioria da

população no mundo?

É necessário pensar os direi-

tos humanos sob uma nova

perspectiva, reinventando-

-os à luz do pensamento

crítico

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pedrada

em tempo de dura andança(povoado de inimigosarmados de ilusões)

é pedra a flor na estrada(cercada de cemitériosonde cruzes são cifrões)

é pedra feita palavra(quase sempre sepulturado trabalho apodrecido)

palavra filha do gesto(para os velhos: indigesto)

leve e puro do menino(flor sa(n)grando rebeldia:clara semente da aurora)

quebrando o negro cristal(estrela velha, caídana noite da mais-valia)

estilhaçando a vidraça(redoma, muro, prisão:precipício solidão)

em tempo de dura andança(a liberdade germinano seio de falsos natais)

a pedra, a flor, a palavrao gesto, o dia, a estradabrotamdas mãos do menino:estrelas de sangue, esperma e argamassasóis de fúria e pranto e alegriailuminandoo novo horizonte: claro e verdadeirocomo o azul que nasce do ventre da manhã

Este é o espaço dedicado à produção do COLETIVO SABER E POESIA DO SINTESE, um grupo de professores da rede pública que une a força da militância à sabedoria poética.

A página do Coletivo Saber e Poesia presta, na última edição de 2013 da Revista Paulo Freire, uma peque-na homenagem a um dos maiores artistas sergipa-nos, Mário Jorge Vieira. Em 11 janeiro de 2014, completam exatos 41 anos da morte do primeiro poeta concretista de Sergipe. Mas Mário Jorge não foi apenas poesia concreta. Foi neoconcretismo, poema processo, poesia práxis, poesia social, tropicalismo e, sobretudo, poesia mar-ginal. Aqui, três poemas de Mário Jorge.

Visite nosso blog: http://coletivosaberepoesia.blogspot.com.br

canção do agora com amanhãManoel,Pedro, Francisco, Joãoandam na rua caladosManoel,Pedro, Francisco, Joãopensam com seus botõespensam nos seus patrõespensam nos tubarõespensam nos bobalhõesqua não pensam nos ladrões;pensam nos seus irmãosque também não tem pão;pensam sem ilusõese sofrem pensando assim.sofrem sem soluçãoporque pensam que a açãoda verdade teve um fim.Maria, Josefa, Rosa e Teresaestão em casa caladas(claro! quem falar vai presa!)Maria, Josefa, Rosa e Teresaem casa desesperadasvendo as chamas apagadasas panelas penduradasas janelas despregadasa porta malamarradaa casa desconjuntadaos buracos no taipalda parede esburacadaonde a chuva tem entradae o frio vem invernar.Manoel,Pedro, Francisco, JoãoMaria, Josefa, Rosa e Teresajuntos esfomeadossem ver comida na mesapensam em casas e mansõessacadas iluminadasjoias caras, carro esporteboite de luxo no escuroonde o rico faz besteiragastando todo o dinheirodo trabalho do obreiroqua não pode fazer feira.e choram pensandoe continua a pensarnos garotos sem escolanas barrigas sem comidano luto, na fome, na misériano patrão, que é ladrãono dinheiro que não tempensam em “Revolução”quarteladaexploraçãotubarãopapagaiadamorte, fome, desemprego e prisãoinjustiça, pulhas, ladrões e traiçãopensam na pátria queridasendo vendidasendo roubadasendo exploradasendo “abrilhada”.

mas de repente a VERDADE se faz ver,e o esperado sofreré LUTAR, SANGUE, POEIRA E AÇÃOE O QUE ERA ALGEMA É LIBERTAÇÃO.Manoel,Pedro, Francisco, JoãoMaria, Josefa, Rosa e Teresade mãos dadas pela estradacantem juntos uma cançãoa VIDA está libertada...há AMOR... é a SALVAÇÃO.

brados

que tortura maior pode existirdo que não poder falar?de ver tantos homens a dormir, e não poder a eles acordar!

dormem todos,dormem um sono profundo.poucos são os acordados.todos dormem o sono dos tolos.dorme o mundo,acordemo-lhe aos brados.

bradando pela justiça,pela razão,pela consciência.gritando que nossa pátriasofre muito,é espoliada.

clamando pelo despertar,clamando pela luta.clamando pelo bem-estarde quem com suór labuta.

o povo sofre,a pátria sofre também.o povo chama a morte,a morte diz que já vem.cansada ela já estáde tantos homens do povo levar.

que o choro das crianças famintas.que os gritos de dor do homem agonizante.que as chagas purulentas dos meninos doentes.que o desespero da mãe de um filho morto,morto de fome, de sede e de frio.acorde os que dormemo sono inocente e casto da ignorância,o sono terrível da alienação.e que mate os que sabem e vêmporém nada fazem...

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Imagens da Luta

NAS ASAS DO TEMPOAbrindo alas para a cultura sergipana, diver-sos grupos culturais participaram do cortejo promovido durante a abertura da VII Conferên-cia Estadual de Educação.

Aracaju, Outubro de 2007

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