Revista HdF Nº14

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Outubro | N.14 www.hospitaldofuturo.com “A ambição é transformar a relação de amizade com Portugal em acções de cooperação mais efectivas” [5] [63] [31] [20] [39] Inovação na Fiocruz ganha portfólio internacional e tem parcerias vitoriosas Recursos Humanos em Saúde na Lusofonia Redes de Institutos Nacionais de Saúde da CPLP: O Caso Timor Leste José Van-Dúnem: Ministro de Saúde de Angola Gestão em Saúde Grande Entrevista Saúde na Lusofonia Inovação em Saúde Investigaçao & Desenvolvimento Há 51 anos, IMIP presta assistência médica à população carente do Nordeste HOSPITAIS: PASSADO, PRESENTE E FUTURO Opinião [28]

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O Fórum Hospital do Futuro tem o prazer de anunciar a nova direcção da Revista HdF. O Dr. Adalberto Campos Fernandes e a Professora Zulmira Hartz partilham agora a Direcção da revista, cuja nova missão visa abrir um espaço de reflexão e partilha de experiências no sector da saúde no âmbito alargado da Lusofonia.

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Outubro | N.14

www.hospitaldofuturo.com

“A ambição é transformar a relação de amizade com Portugal em acções de cooperação mais efectivas”

[5]

[63] [31] [20] [39]

Inovação na Fiocruz ganha portfólio internacional e tem parcerias vitoriosas

Recursos Humanos em Saúde na Lusofonia

Redes de Institutos Nacionais de Saúde da CPLP: O Caso Timor Leste

José Van-Dúnem:Ministro de Saúde de Angola

Gestão em Saúde

Grande Entrevista

Saúde na Lusofonia

Inovação em Saúde

Investigaçao & Desenvolvimento

Há 51 anos, IMIP presta assistência médica à população carente do Nordeste

HOSPITAIS: PASSADO, PRESENTE E FUTURO

Opinião

[28]

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Iberian Summit of Healthcare Leaders

II Cimeira Ibérica de Líderes em Saúde

Sevilha, Espanha, 26 e 27 de Janeiro de 2012

CONFIANÇA NOS SISTEMAS DE SAÚDE IBÉRICOS

O Fórum Hospital do Futuro e a Fundação para a Colaboração, em colaboração com a Agência da Qualidade em Saúde de Andaluzia e outras organizações parcei-ras, serão as anfitriãs da II Cimeira Inter-Regional Ibérica de Líderes em Saúde, nos dias 26 e 27 de Janeiro de 2012, que se irá realizar em Sevilha, Espanha. Esta Cimeira irá debruçar-se sobre o desempenho dos actuais Sistemas de Saú-de, existentes em Portugal e Espanha, com o objectivo de permitir uma discussão ibérica e inter-regional, abordando um conjunto de propostas e boas práticas para o seu desenvolvimento.

Mais informações através de [email protected] ou 217 162 483

Organizações Anfitriãs: Organizado por:

Organização Parceira Anfitrã:

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ÍndiceEditorial·Un novo desafio Adalberto Campos Fernandes 4

Grande Entrevista ·Ministro de Saúde de Angola: José Van-Dúnem 5

Boas Práticas·Acreditação: Qualidade e segurança em saúde 9

Pessoas·Zulmira Hartz “A medicina era fundamental para eu chegar onde sempre sonhei - ter influência e contribuir para a saúde das populações mais pobres” 15

Inovação em Saúde·Inovação na Fiocruz ganha portfólio internacional e tem parcerias vitoriosas 20

Opinião·“Operações” (com) Nariz Vermelho Sara Costa Fernandes 19·Hospitais: Passado, presente e futuro Dr Alvaro de Carvalho 28Como será, no futuro, adoecer? E ser tratado? Daniel Serrão 36·Cinco sentidos Dr Jose Santos 61·“Incorporação de inovação tecnológica e sustentabilidade do sistema” Pedro Barosa 66

Gestão em Saúde·Há 51 anos, IMIP presta assistência médica à população carente do Nordeste 31

Saúde na Lusofonia·Recursos humanos em saúde na Lusofonia 39·Será que a mortalidade dos enfermeiros e dos outros profissionais de saúde seria de causas diferentes da demais população trabalhadora? 40·A mobilidade dos profissionais de saúde em Portugal 43 ·Recursos humanos na Guiné-Bissau – percepção de profissionais do sector da saúde 47·Desafios do hospital africano – Exemplos de Moçambique 51·A CPLP e a cooperação em recursos humanos para a área da saúde pública 55

Investigação & Desenvolvimento·Redes de Institutos Nacionais de Saúde da CPLP : COOPERAÇÃO ESTRUTURANTE de Investigação e Desenvolvimento – O CASO TIMOR LESTE 63

Eventos·Cessação Tabágica em discussão na 4ª edição do Portugal Sem Fumo 70·Saúde em Rede: Impacto de 10 anos de política do medicamento em Portugal 71·II Cimeira Ibérica de Líderes em Saúde: “Confiança nos Sistemas de Saúde Ibéricos” 72

Valor em Saúde·Maria da Purificação Tavares “Um bom exemplo de empreendedorismo nacional e internacional” 73

Prémios HdF·“Hoje temos todos os Hospitais distritais da região centro ligados em rede e a realizar teleconsultas semanais” 77

Ficha TécnicaDirector:

Adalberto Campos Fernandes

Sub-Directora:Zulmira Hartz

Redacção:Catarina Correia

Fotografia:Istockphoto; Catarina Correia

Design e Paginação:Marta Puig de la Bellacasa

Sede da Redacçao:GroupVision Serviços Editoriais e de Educação

Pólo Tecnológico de LisboaEdifício Empresarial 3

1600-564 LisboaTel: 217 162 483 - Fax: 217 120 549

[email protected]

Colaboram neste Número:Álvaro Carvalho, Cláudia Conceição, Clotilde Neves, Daniel Serrão, Felix J. Rosenberg, Gilles Dussault, Inês Fronteira, Isabel Craveiro,

Joana Sousa Ribeiro, Joel Pereira, José Santos, José Van-Dúnem, Juliana Guerra, Manuel Clarote Lapão, Maria Manuela Alves dos

Santos, Maria Purificação Valenzuela Sampaio Tavares, Mohsin Sidat, Paulo Ferrinho, Wagner de Oliveira, Zulmira M. de Araújo Hartz

Conselho Editorial:

António Lima (Médico ortopedista no Hospital Ayres de Menezes em São Tomé e Príncipe e Assessor da actual Ministra da Saúde de São Tomé e Príncipe), António Leuschner (Presidente do Conselho de Administração do Hospital Magalhães de Lemos, EPE), Daniel Serrão ( Professor Catedrático de Anatomia Patológica e Douto-rado em Medicina), Fernando Cupertino ( Assessor para Relações Internacionais do Conselho Nacional de Secretários de Saúde –

CONASS, Brasil ), Fernando Regateiro ( Presidente do Conselho de Administração dos Hospitais da Universidade de Coimbra), Joaquim Cunha ( Director Executivo da Health Cluster Portugal), João Paulo Lopes Cruz (Farmácia Hospitalar Hospital de Santa Maria, Lisboa),

José Carlos Abrahão, Presidente da Confederação Nacional de Saúde ( Brasil ), Manuel Brito (Vogal do Conselho de Administração do

Centro Hospitalar de Lisboa Central), Manuel Correia ( Presidente Conselho Directivo Escola Superior de Tecnologias da Saúde de

Lisboa), Maria Elisa Domingues ( Jornalista e actual apresentadora do programa Serviço de Saúde), Margarida França ( Presidente do Conselho de Administração do Hospital do Divino Espírito Santo, em Ponta Delgada), Pedro Barosa ( Membro da Direcção da Asso-ciação Portuguesa para o Desenvolvimento Hospitalar), Ricardina Barbosa Vicente de Andrade ( Directora do Hospital Agostinho

Neto em Cabo Verde).

Entidade Propietária e Editor:GroupVision II Education Services - Editorial And Education

Consulting Services, Lda.

Nº Contribuinte:509620841

Periodicidade:Bimestral

Nº Registro ICS:124679

Depósito Legal:230918/05

CONFIANÇA NOS SISTEMAS DE SAÚDE IBÉRICOS

Mais informações através de [email protected] ou 217 162 483

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Editorial

Em tempo de crise a saúde surge como um sec-tor determinante na coesão social, no progresso científico e tecnológico e no desenvolvimento humano.Uma sociedade moderna orientada para o des-envolvimento e para a justiça social não pode deixar de considerar prioritárias as estratégias de saúde e a respectiva relação com as políticas e os programas que visam a promoção da saúde e a prevenção da doença.É neste contexto que Revista Hospital do Fu-turo lança um novo desafio ao concretizar um ambicioso projecto para dinamizar o acesso ao conhecimento e à partilha de informação, em saúde, no contexto da lusofonia.Com efeito, nas últimas décadas o progresso científico contribuiu para uma nova abordagem do conceito de saúde tendo em conta o seu cariz multidimensional. Este novo conceito passou a incluir a realização plena, do indivíduo, englo-bando no estado de saúde, para além da ausência de doença ou enfermidade, a condição psicoló-gica e social e a realização do bem-estar.Por todo o mundo, os governos, têm procurado desenvolver estratégias de saúde orientadas para a equidade e para a diminuição das desigualdades

“UM NOVO DESAFIO”

Adalberto Campos FernandesDirector da Revista Hospital do Futuro

sociais. Essa tem sido, aliás, a mensagem que a Orga-nização Mundial de Saúde mais tem procurado passar, nos últimos anos, junto dos decisores no sentido de que estes passem a incluir no âmbito das suas prioridades as políticas de saúde.Estamos, de facto, perante um dos maiores desafios com que as sociedades modernas se defrontam no seu processo de desenvolvimento.Neste contexto e face à evolução do conhecimento científico, ao mesmo tempo deslumbrante e surpreen-dente, o dilema que se coloca tem que ver com o modo como os países irão conseguir garantir o acesso a meios cada vez mais sofisticados aplicando critérios de justiça e de equidade social.Isto num tempo em que a medicina moderna se debate, todos os dias, com a abertura de novos horizontes cu-jos limites parecem não existir e onde a especialização do saber alimenta, continuamente, a esperança dos ci-dadãos.Este admirável mundo novo transfere para os profis-sionais de saúde uma responsabilidade quase infinita enquanto agentes de mediação entre a ciência e a vida ao mesmo tempo que torna cada vez mais exigente a responsabilidade dos agentes que interagem nos siste-mas de saúde, sobretudo, dos profissionais que inter-vêm na prestação directa.Estamos por isso confrontados com um tempo de grande exigência onde emerge o valor social e humano da saúde num quadro social e político de ponderação ética e de responsabilidade social.É neste enquadramento que a Revista Hospital do Fu-turo se propõe abrir um espaço de reflexão, debate e troca de ideias e de experiência entre profissionais e instituições do espaço alargado da lusofonia.•

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Grande Entrevista

Para o ministro da Saúde de Angola, José Van-Dúnem, o apoio português revela-se essencial na formação de profissionais de saúde angolanos. Em entrevista à HdF, José Van-Dúnem fala sobre as suas preocu-pações quanto ao estado de saúde de An-gola e explica quais as estratégias em des-envolvimento.

Quais são as actuais carências da saúde, no-meadamente na Angola, que mais o preocu-pam?

A principal preocupação do Ministério de Saúde de Angola é a constante melhoria da saúde dos angola-nos. Paradoxalmente, apesar de se estarem a verificar melhorias significativas, as demandas vão aumentando induzidas exactamente por essas melhorias, porque se assiste a uma sobreposição do padrão epidemiológico de doenças transmissíveis e doenças não transmissíveis. Estas decorrem da melhoria de vida dos angolanos, da diminuição do peso das doenças como o paludismo e outras doenças preveníveis pela vacinação. Mas tam-bém nos preocupa o aumento do cancro, das doenças de hipertensivas, assim como as causadas pelos aciden-tes rodoviários.

O grande desafio é continuar a intervir ao nível das doenças transmissíveis, baseadas nos cuidados primá-rios de saúde, melhorar a qualidade da vacinação de rotina, para que doenças preveníveis pela vacinação deixem de ser um problema. Vamos continuar a tra-balhar na oferta da água potável e do saneamento para que doenças como a diarreia, cólera, deixem de ser um problema. Pretendemos também melhorar o esta-do nutricional e monitorizar isso através de inquéritos nutricionais; garantir o tratamento ao nível da tuber-

“A AMBIÇÃO É TRANSFORMAR A RELAÇÃO DE AMIZADE COM PORTUGAL EM ACÇõES DE COOPERAÇÃO MAIS EFECTIVAS”

Nota Biográfica:

José Viera Dias Van Dúnem nasceu em Luanda, a 12 de Maio de 1951. Licenciado em Medicina pela Univer-sidade Agostinho Neto (1988) , possui uma rica for-mação que obteve em outros cursos, como : ORL para Médicos de Clínica Geral, (1988); Clínica de Doenças Tropicais pelo Instituto de Higiene e Medicina Tropical de Lisboa, Universidade Nova de Lisboa(1993) ; Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública de Lis-boa (1994); Gestão de Cuidados Primários de Saúde da Fundação AGA KHAN (1994); Gestão em Saúde Internacional, Instituto de Higiene e Medicina Tropical de Lisboa, Universidade Nova de Lisboa (1995). Em 1999 tornou-se Vice-Ministro da Saúde para a área de Saúde Pública, e em Outubro de 2008 foi nomea-do Ministro de Saúde de Angola. No âmbito da refor-mulação da Constituição da República de Angola, foi renomeado Ministro da Saúde em Fevereiro de 2010, cargo que ocupa até os dias de hoje.

José Van-Dúnem

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Grande Entrevistaculose, a nível dos cuidados primários, com o acesso ao tratamento sob observação directa; garantir a des-pistagem do VIH na população em geral, particular-mente nas mulheres grávidas, e prevenir a hipertensão arterial e diabetes ao nível dos cuidados primários. Ao nível dos cuidados terciários, ambicionamos melhorar os aspectos ligados à urgência, ao sistema de referên-cia e contra referência, e a oferta de cuidados cada vez mais especializada, fundamentalmente virada para di-minuição das causas de evacuação para o exterior. Estes dois pilares, a melhoria dos cuidados diferenciados, vi-sando reduzir as evacuações para o exterior do país, e a diminuição do peso das doenças transmissíveis, através dos cuidados primários de saúde, são duas das nossas grandes preocupações.

“O grande desafio é continuar a intervir ao nível das doenças transmissíveis”Para acabar com estas preocupações, necessitamos de ter um sistema de informação que nos permita sa-ber exactamente onde estamos, e devemos continuar investir nos recursos humanos, de modo a garantir que o desempenho reflicta num aumento constante de satisfação, assim como continuar a trabalhar nas infra-estruturas e na sua gestão.

Quais as contribuições financeiras que tem ajudado no combate de problemas como a có-lera ou a malária?

A cólera é financiada pelo governo, isto é, o orçamento geral do estado trata integralmente dos problemas da cólera. Foco aqui uma atenção especial para um pro-

“A resposta às principais pan-demias da Angola fica bastante influenciada pelo envolvimento comunitário”

grama especial denominado “ Água para todos”, um programa de governo, que visa garantir água potável a 80 % pelo menos da população nas zonas rurais. Em relação à malária, o governo tem um peso grande no financiamento, mas temos também a contribuição do fundo global no combate à malária, tuberculose e sida. Recebemos ainda a participação da iniciativa presiden-cial contra a malária, por parte do governo Americano. Temos outros financiadores menores como o Banco Mundial e a União Europeia. Importante realçar que os grandes financiadores são fundamentalmente o gover-no Angolano, o Fundo Global, e a iniciativa presiden-cial contra a malária.

Onde é gasta a maior fatia do orçamento de saúde da Angola?

Infelizmente ainda continua a ser a nível dos hospitais. Importa dizer que há um peso específico grande nos cuidados primários, portanto mais de 80% dos fundos para a vacinação são garantidos pelo estado, assim como os suplementos nutricionais, inquéritos nutricionais. A malária é outra das doenças suportada financiada pelo estado. A ajuda externa vem como um complemento de esforço garantido pelo governo. Dentro do esfor-ço do governo Angolano, ainda permanecemos com áreas muito onerosas, como por exemplo: Estamos a começar a fazer cirurgia cardíaca no país, e como todos sabemos trata-se de uma cirurgia cara. Temos também um programa para a cirurgia estética, não estética lado senso mas estética estrito senso; recuperação de lábio leporino, e redução das sequelas por queimaduras.

É importante referir, que todas estas áreas que são ca-ras são completamente gratuitas e suportadas pelo es-tado, daí que uma importante fatia do orçamento esteja virada para estas áreas.

Como as unidades terciárias oferecem serviços mais diferenciados, mais qualificados, esses são mais caros. Daí que uma fatia importante do orçamento esteja tam-bém virada para as unidades terciárias.

Fonte: iStockphoto.com

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Grande EntrevistaQue estratégias prioritárias tem sido desenvol-vidas por Angola para combater a malária?

José Van-Dúnem: As estratégias prioritárias são estraté-gias que foram universalmente aceites, mas que assen-tam principalmente num acesso a um diagnóstico pre-coce, na garantia de diagnóstico seja com testes rápidos ou microscopia. Em zonas onde não há microscopia, o teste rápido desenvolve um papel crucial, o que por um lado permite que as pessoas tenham acesso ao trata-mento em tempo importuno, e por outro lado fazer-se a diferença entre casos que são malária e não são malá-ria, que eram antes eram tratados como tal. Garantir o tratamento contra a malária com terapia combinada à base de artemisinina gratuita; fazer a profilaxia do pa-ludismo na mulher grávida para diminuir a mortalida-de; fazer a luta anti-vectorial tanto como a distribuição

de mosquiteiros tratados com insecticida de longa du-ração, como a luta anti-larvar com biolarvicidas; a pola-rização extra e intro domiciliária; e fundamentalmente a informação nas populações, são algumas das acções presentes na estratégia angolana contra a malária.Quais são as dificuldades sentidas pelo Minis-tério de Saúde no combate às principais pan-demias?

A resposta às principais pandemias da Angola fica bastante influenciada pelo envolvimento comunitá-rio, precisamos de envolver cada vez mais as comuni-dades para que elas sejam coactoras no esforço, que o governo angolano tem realizado, proporcionando uma resposta mais efectiva. Pretendemos mobilizar a comunidade para que se junte ao esforço do governo, de modo a conseguirmos aproveitar de forma máxima os esforços que vêm sendo realizados para melhorar a vida dos angolanos. Por exemplo, a questão do sanea-mento, a melhoria do saneamento do meio, a melhoria da utilização da água, tudo isto vai criar externalidades positivas que irão se reflectir futuramente na saúde dos angolanos. Estamos a trabalhar nessa direcção, para que os resultados surjam mais rapidamente e de uma maneira mais sustentável. Actualmente, que campanhas de vacinação es-tão a ser levadas a cabo pelos serviços de saúde angolanos? Os resultados são positivos?

Neste momento, estamos a vacinar contra a poliomieli-te, que pretendemos excluir até o fim de 2011. Tivemos um surto em 1991, que conseguimos eliminar, cortan-do a transmissão do vírus durante três anos.Temos de voltar vacinar, a diferença é que agora faze-mos vacinação sincronizada com os países vizinhos, de modo a que as populações do nosso lado da fronteira sejam vacinadas ao mesmo tempo que as populações do outro lado da fronteira. A vacinação sincronizada leva a uma cobertura de massa maior, chegando às po-pulações nas zonas de fronteira, que são povos dificil-mente atingíveis. Por outro lado, existem ainda deter-minados anti-génios, dos quais temos baixas coberturas de rotina, e isso fragiliza as populações com relação a esses anti-génios. Estou a falar concretamente do caso de sarampo em algumas zonas, que levaram o surgi-mento de brotes epidémicos, que obrigou que fizésse-mos vacinação de bloqueio. Ao mesmo tempo estamos a aumentar a cobertura de rotina, de modo a que essas populações fiquem definitivamente protegidas.

Relativamente à declaração sobre a estratégia contra o VIH/Sida apresentada em Genebra no passado mês de Maio, qual o eixo prioritá-rio do plano apresentado?

Angola teve a responsabilidade na 64ª Assembleia Mundial da Saúde, de ser o porta-voz dos 46 países afri-canos. A estratégia apresentada reafirma os preceitos

“A vacinação sincronizada leva a uma cobertura de massa maior, chegando às populações nas zonas de fronteira, que são povos dificilmente atingíveis.”

Fonte: iStockphoto.com

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Grande Entrevista

já pré acordados como: o acesso universal, o acesso ao diagnóstico, o combate a estigmatização, e o aumento do envolvimento comunitário. Durante a Assembleia Mundial da Saúde, levantaram-se algumas preocu-pações relativas ao financiamento, nomeadamente o impacto da crise económica, mas foi gratificante ver que apesar das dificuldades mundiais os compromissos assumidos mantêm-se, principalmente os compromis-sos das grandes entediantes doadoras.

Quais as principais medidas do Ministério de Saúde de Angola para a melhoria da saúde e do ambiente em África, apresentadas em No-vembro de 2010 em Luanda?

Em Luanda, ficou claro a indissociabilidade do ambien-te e da saúde, temos de nos consciencializar que há uma ligação muito intrínseca. As pessoas têm de pensar no ambiente considerando também a sua própria saúde. A presença dos vários ministros de Saúde da região Afri-cana foi fundamental para a partilha de experiências e ideias sobre esta mesma questão. Foi também impor-tante a colaboração dos administradores e governado-res das 18 províncias do país, que puderam ouvir de viva voz os sentimentos dos ministros da Saúde e do Ambiente Africanos. Trabalhar no ambiente, melhorar o saneamento, melhorar a oferta de água, fazer uma gestão apropriada dos resíduos sólidos e dos resíduos hospitalares, são acções que influenciam directamente a saúde dos Angolanos.

Como avalia a cooperação com Portugal, no âmbito da saúde?

A cooperação com Portugal é boa, mas as relações de fraternidade e amizade que já existem, entre os gover-nantes de Angola e Portugal, deveriam proporcionar que a cooperação fosse ainda melhor. A ambição é transformar a relação de amizade e companheirismo em acções de cooperação mais efectivas. Temos de continuar a desenvolver a formação de profissionais de

saúde ao nível de recursos humanos, e Portugal tem um papel muito importante, ajudando Angola a combater o actual défice de recursos humanos no país.

Qual o impacto da crise financeira internacio-nal nos sistemas de saúde de Angola?

Angola não fica à margem das dificuldades mundiais, as dificuldades reflectem-se principalmente no orçamento de estado do país. O orçamento para a saúde é mais de 90% financiado pelo orçamento geral do estado, então terá sempre repercussões, mas são repercussões que ficam esbatidas pelo facto de o maior doador do orçamento de saúde de Angola ser o próprio governo angolano.

Enquanto Presidente da Direcção da CPLP, quais são as principais áreas que este comu-nidade propõe intervir nos próximos tempos?

Existe um Plano Estratégico de Cooperação em Saúde da CPLP que também incorpora um plano de acção, que será discutido numa próxima reunião no Conselho de Ministros da Saúde, para actualizarmos esse mesmo plano. A CPLP conta com quatro ministros novos, e es-tamos a trabalhar no âmbito de implementar esse plano de estratégico e de acção, para que os diversos estados possam começar a trabalhar e a desenvolver acções de contribuição, adequadas ao plano já existente.

Por que objectivos se rege a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa?

Da fraternidade, da necessidade de maximizar a opor-tunidade criada por uma língua comum entre os vários países, e de partilhar as imensas afinidades culturais. Existem conhecimentos que são facilmente partil-háveis, como as boas práticas que poderão ser absorvi-das pelos vários membros da comunidade, assim como a utilização das redes de comunicação e redes científi-cas, e até da rede de resposta à emergência, de modo a unir estes países e maximizar oportunidades, que não estão suficientemente aproveitadas até agora. Estes são os grandes objectivos da CPLP.

C.C.

“Foi gratificante ver que ape-sar das dificuldades mundiais os compromissos assumidos mantêm-se”

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Boas Práticas

As origens da Acreditação no Mundo e no Brasil No Brasil, a proposta de acreditação de serviços de saú-de ainda é considerada inovadora, constituindo-se em uma alternativa moderna de avaliação do desempenho de serviços de saúde e de aplicação dos preceitos da qualidade. A experiência com o processo da acreditação tem início nos Estados Unidos, a partir do trabalho do American College of Surgeons. O ponto de partida foi a concepção da “Teoria dos Resultados Finais” (End Results Theory), pelo Prof. Ernest Codman, em 1910, pela qual a avaliação dos resultados dos tratamentos e procedimentos cirúrgicos realizados em um hospital, com objetivo de identificar intercorrências negativas ocorridas, resultava na proposição de melhorias para garantir a qualidade da assistência prestada. (Codman, 1996).Desses primórdios, a evolução da mentalidade da ava-liação de qualidade em hospitais evoluiu celeremente. Já em 1917, um conjunto de padrões chamados de “Mi-nimum Standards”, os primeiros padrões oficialmente estabelecidos relacionados com processos de melhoria da qualidade do ambiente hospitalar, foi instituído pelo American College of Surgeons. Em 1926 é lançado o primeiro manual de padrões de avaliação e em 1950, mais de 3.200 hospitais americanos já participavam do processo de avaliação, em caráter voluntário, por reconhecer as melhorias advindas da implantação dos padrões. Nesse cenário de franca adesão às propostas de ava-liação, é criada, em 1951, pelo Colégio Americano de Cirurgiões, em conjunto com a Associação Americana de Clínicos, a Associação Médica Americana, a Asso-ciação Americana de Hospitais e a Associação Médica Canadense, a Joint Commission on Accreditation of Hospitals (JCAH), entidade independente, não gover-namental e sem fins lucrativos, com a missão de desen-volver processo de Acreditação, em caráter voluntário (THE JOINT COMMISSION, s/d)Em 1970, a grande primeira mudança se estabelece no

ACREDITAÇÃO: QUALIDADE E SEGURANÇA EM SAúDE

programa de acreditação americano, os padrões são re-definidos e passam a requerer a excelência da qualidade, com a substituição de padrões mínimos por padrões ótimos alcançáveis. Essa mudança propicia também o fortalecimento da cultura da melhoria contínua, já que as instituições passam a estabelecer novos parâmetros de referência da excelência para os processos de cuida-do desenvolvidos. Dentro desse contexto evolutivo, em 1987, a JCAH muda de nome para Joint Commission on Accredita-tion of Health care Organizations (JCAHO), e pos-teriormente para The Joint Commission, refletindo a expansão dos programas para diversos segmentos de serviços de saúde, incluindo também, ambulatórios, laboratórios, saúde mental, rede de serviços, transpor-te médico, home care, entre outros. Ocorre, também, uma mudança no processo, introduzindo os conceitos de indicadores de desempenho, reformulando a defi-nição e aplicação dos indicadores gerenciais e adotando os indicadores clínicos no conjunto de padrões para avaliação dos processos de cuidado. Outra caracterís-

Maria Manuela Alves dos SantosMédica, Superintendente do Consórcio Brasileiro de Acreditação (CBA), docente da Universidade federal Fluminense (UFF), Brasil.

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Boas Práticastica que passa a ser mais observada no programa é a atividade educativa como tarefa principal da função dos avaliadores, visando à mobilização das instituições e profissionais no sentido da melhoria contínua da qua-lidade. Desde 1997, a Joint Commission International (JCI), ramo internacional da The Joint Commission, trabalha com organizações de saúde, ministérios da saúde e organizações globais em mais de 80 países.No Brasil as iniciativas em direção à garantia de qua-lidade foram desenvolvidas através do Programa de Garantia e Aprimoramento da Qualidade em Saúde (PGAQS), conduzido pelo Ministério da Saúde, em 1994, no âmbito do Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade (PBQP), estabelecido em nível federal, com objetivo de promover a qualidade e produtividade para aumentar a competitividade dos bens e serviços produzidos no país. O PGAQS foi desenhado com cin-co estratégias: (i) uso de indicadores de resultado; (ii) implantação de um programa nacional de acreditação; (iii) uso de ferramentas para melhoria da qualidade; (iv) estabelecimento de protocolos clínicos; e (v) estímulo ao controle pela comunidade. (NORONHA E ROSA, 1999)A Comissão Nacional de Qualidade e Produtividade em Saúde aprovou o estabelecimento da acreditação de serviços de saúde como uma ferramenta importante para os esforços de melhoria da qualidade no Brasil e recomendou o desenvolvimento das agências de acre-ditação como iniciativas não-governamentais. (NO-RONHA E PEREIRA, 1998) Em 1997, foi realizada, pela UERJ e pela Fun-dação Cesgranrio, em parceria com Colégio Brasileiro de Cirurgiões e a Academia Nacional de Medicina, e com representantes da JCAHO, oficina de trabalho para discutir e propor metodologias de avaliação de hospitais com base na experiência internacional de acreditação.Em 1998 foi constituído o Consórcio Brasileiro de Acreditação de Serviços de Saúde (CBA), que as-sociou a Universidade do Estado do Rio de Janeiro, a Fundação Cesgranrio, o Colégio Brasileiro de Cirur-giões e a Academia Nacional de Medicina, em prol do estabelecimento de um Programa de Acreditação de Serviços de Saúde. (SANTOS ET AL, 2000) Por in-termédio deste programa, pelo qual são desenvolvidos instrumentos que permitem a certificação de hospitais e de outros serviços de saúde, pretendia-se contribuir para que as instituições do setor alcançassem os princí-pios da melhoria contínua da qualidade e dos serviços ofertados ao paciente.

A Experiência do CBA em Acreditação no Brasil

Os treze anos de atividades do CBA na área de acredi-tação no Brasil exigiram esforços progressivos em uma travessia que trouxe para o cenário da saúde no país um novo enfoque no processo de avaliação de serviços e de garantia de qualidade. Suas finalidades abrangem:

• Contribuir para a melhoria da qualidade do cui-dado aos pacientes nos serviços de saúde;• Desenvolver métodos, técnicas e procedimentos em Acreditação de sistemas e serviços de saúde, adequando-os à realidade brasileira;• Desenvolver iniciativas para o aperfeiçoamento de recursos humanos;• Reconhecer a qualidade de instituições especia-lizadas no país ou no exterior, mediante a outorga de certificados de Acreditação;• Desenvolver projetos visando assessoria e coo-peração técnico/científica a instituições de saúde, ensino e pesquisa, governamentais e não governa-mentais.

No desenvolvimento de seus trabalhos, o CBA atua em parceria com a Joint Comission International (JCI), cooperação formalizada em 2000, com objetivo de ofe-recer acreditação conjunta, com a emissão de um único certificado de acreditação, evidenciando que a orga-nização satisfaz os padrões internacionais constantes do Programa de Acreditação Internacional. Ao atuar em associação com a mais experiente organização de acreditação no mundo, o CBA possibilitou, no Brasil, a implantação de uma metodologia já consistente e re-conhecida mundialmente e permitiu também oferecer serviços relacionados, incluindo aspectos educacionais sobre o processo de acreditação.Desta forma, o CBA se tornou o representante ex-clusivo e legal da Joint Commission International no Brasil, para aplicação da metodologia de Acreditação Internacional. Atualmente 24 instituições de saúde já alcançaram o reconhecimento de excelência da qualida-de, passando a integrar um seleto grupo internacional de instituições acreditadas pela metodologia CBA/JCI. Essas instituições são referências reconhecidas em seus respectivos segmentos de serviços, o que passa a ter maior destaque em função do alcance da certificação. (Figura 1)

O CBA utiliza a fiel tradução dos manuais internacio-nais, que são elaborados a partir de um Comitê Inter-

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Boas Práticas

nacional de Padrões. Esse Comitê tem representantes de países dos cinco continentes, com a participação do CBA, que também integra o Comitê de Educação Con-tinuada da JCI. Essa é uma clara demonstração de que a trajetória do CBA tem alcançado padrões mundiais de qualidade.Os manuais são revisados e editados a cada três ou quatro anos, segundo as políticas definidas pelo Comi-tê Internacional. Além do Manual Hospitalar, o CBA já utiliza outros instrumentos de avaliação e acreditação, como manuais e processos para serviços de cuidados continuados (longa permanência, assistência domi-

ciliar, reabilitação e cuidados paliativos), serviços de transportes médicos, ambulatórios e ainda um proces-so de certificação de programas de cuidados clínicos.Em relação a este último, tem se observado um cresci-mento importante dentro do conjunto de instituições já acreditadas pelo CBA/JCI. Esse incremento se dá pela compreensão, por parte das lideranças, de que os pa-drões aplicados podem efetivamente melhorar os pro-cessos de planejamento, organização e funcionamento dos programas, inserindo uma forte cultura de monito-ramento através de indicadores de desempenho clínico, com análise sistemática dos resultados definidos para

Figura 1 – Instituições Acreditadas e em processo de Acreditação, CBA, 2011

Fonte: CBA. Informe Acreditação em Saúde, março 2011

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Boas Práticasos pacientes. Um conjunto de 15 áreas foi estabelecido pela Joint Commission International para o processo de certificação: insuficiência cardíaca, infarto agudo do miocárdio, AVC, diabetes, doença crônica dos rins, es-tágio final de doença renal, cuidados paliativos, câncer, gerenciamento de HIV/AIDS, gerenciamento da dor, asma, transplante, doença pulmonar obstrutiva crônica, traumatismo craniano e substituição de articulações.O crescimento do CBA em suas atividades de acredi-tação fomentou outra necessidade: a formação de pro-fissionais qualificados. Criada para qualificar profissio-nais de saúde de acordo com os padrões de qualidade e segurança exigidos pela acreditação internacional, a Coordenação de Ensino do Consórcio Brasileiro de Acreditação (CBA) completou três anos em 2010 com um aumento de mais de 300% no número de profissio-nais de saúde beneficiados por seus cursos, palestras, simpósios e seminários. Um diferencial a ser assinalado é a instituição da pós-graduação em Gestão do Am-biente em Estabelecimentos Assistenciais de Saúde, de caráter acadêmico e voltada para a pesquisa científica e a produção de conhecimento e do MBA em Gestão da Qualidade em Saúde e Acreditação, com foco no mer-cado de trabalho. Recursos humanos capacitados, com conhecimento em acreditação, formam a base da pirâmide de um proces-

so de qualidade, uma vez que é preciso, além de bons gestores e do corpo profissional clássico de um hospi-tal – médicos, enfermeiros, nutricionistas, entre outros – novos cargos, como gestores de qualidade, gestores de risco, grupos que estão se fortalecendo como peças importantes dentro dos hospitais. Assim, o mercado de trabalho para profissionais de saúde qualificados cresce à medida que cresce o interesse das instituições pela acreditação. Uma instituição acreditada passa a recon-hecer competências que não reconhecia anteriormente.Em uma iniciativa inédita no Brasil, motivada por re-comendação da Agência Nacional de Saúde Suplemen-tar, do Ministério as Saúde, o CBA lançou em 2011 um novo produto - o processo de acreditação para as ope-radoras de planos de saúde - com objetivo de estender ao setor de saúde suplementar os benefícios do modelo de avaliação da qualidade e da segurança dos processos de cuidado ao paciente. A acreditação de operadoras de planos de saúde é uma tendência global, já amplamen-te difundida nos Estados Unidos. Espera-se que em longo prazo, a acreditação de operadoras de planos de saúde venha a impulsionar uma mudança cultural, onde as instituições e os usuários reconheçam os benefícios advindos da implantação de um programa de avaliação da qualidade.No plano de cooperação internacional, o CBA firmou

Figura 2 - Taxa de não conformidade nos registros de prontuários de pacientes internados e pa-cientes externos de acordo com critérios selecionados. Hospital Sírio-Libanês, 2011.

Fonte: Silva, SC. Segurança Clínica: Indicadores de Desempenho. Apresentado no Congresso Internacional de Acreditação, Rio de Janeiro, junho 2011

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Boas Práticasconvênio com a União das Misericórdias de Portugal, onde educadores brasileiros prepararam sete unidades de cuidados continuados de diferentes cidades portu-guesas para acreditação da JCI. E estabeleceu parceria com a Universidade Lusófona, maior grupo de ensi-no de língua portuguesa, para a realização de cursos de pós-graduação.

O que dizem os hospitais acreditados

Cada vez mais, as instituições, públicas ou privadas, estão preocupadas em melhorar os seus processos e a sua qualidade, e a acreditação é um diferencial, já que padroniza, cria protocolos, racionaliza, evita erros e re-trabalhos, melhora a qualidade e impacta diretamente na economia institucional. Todas as instituições acredi-tadas relatam essas vantagens. Nos congressos e seminários organizados pelo CBA os representantes de hospitais acreditados têm apresen-tado resultados alcançados, fato importante para a di-fusão do conceito de acreditação. No último congresso, ocorrido em junho deste ano, a Gerente de Qualidade do Hospital Sírio-Libanês, acreditado desde 2007, de-monstrou a evolução da taxa de não conformidade nos

registros do prontuário de pacientes, de 2007 ao pri-meiro trimestre de 2011. (Figura 2)

Esses resultados positivos se refletem na qualidade do atendimento, sendo percebidos pela clientela assistida, conforme acentuado pela Gerente Assistencial Hospi-tal Alemão Oswaldo Cruz (acreditado desde 2009) ao demonstrar os impactos do processo de acreditação na eficiência dos serviços prestados através do incremento na proporção de clientes satisfeitos entre 2008 e 2010, segundo os diversos atributos pesquisados: precisão; tratamento respeitoso; seriedade, discrição e confiança; informação e orientação; ambientação; rapidez no atendimento. (Figura 3)

No plano econômico-financeiro, os depoimentos dos dirigentes dos hospitais acreditados reafirmam que a acreditação gera a necessidade de implementação de novos modelos de gerenciamento de processos, mes-mo na área administrativa. Por exemplo, no Hospital Albert Einstein, acreditado desde 1999, houve aumen-to da receita em 20% e dos serviços em 30%, após a acreditação, e uma das inúmeras iniciativas do hospital foi criar um mecanismo que reduz custos em procedi-

Figura 3 - Impactos da Acreditação na Eficiência dos Serviços Prestados, Hospital Alemão Oswaldo Cruz, 2008 - 2010

Fonte: Gerolin, FSF. Impactos da Acreditação na Eficiência dos Serviços Prestados - Hospital Alemão Oswaldo Cruz. Apresentado no Congresso Inter-nacional de Acreditação, Rio de Janeiro, junho 2011.

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Boas Práticasmentos médicos. No modelo adotado no hospital cada cirurgia é avaliada e cada médico tem acesso ao seu cus-to operatório e ao comparativo com o dos colegas. O resultado prático é uma redução anual da ordem de 7% a 8% desde 2007, quando foi criado. Esta proposta veio ao encontro do Manual de Acreditação Internacional da JCI, ou seja, a melhora na gestão resulta em retorno econômico.No Hospital do Coração, em São Paulo, acreditado desde 2006, houve a padronização do procedimento de ressuscitação cardiopulmonar, através da adaptação de carros de emergência, com o material necessário para a realização das manobras de atendimento a vítimas de parada cardiorrespiratória devidamente identifica-do, localizado e configurado de acordo com o grau de atendimento, urgência ou emergência. Como resultado, a redução de custos de equipamento e material, a dimi-nuição de tempo no atendimento e a queda no número de pacientes encaminhados à UTI por conta da deterio-ração do estado clínico.

Para Concluir Desde a sua fundação, os resultados do CBA são as-cendentes, superando, no ano passado, a expectativa de crescimento em 30%. Nos últimos três anos, o número de instituições de saúde acreditadas passou de 12 para 24, e, hoje, 80 instituições estão em processo de acredi-tação internacional. Esse panorama deve-se a um con-junto de políticas e interesses: o incentivo do governo à melhoria da qualidade no setor de saúde público e privado, as exigências da agência reguladora de planos de saúde, o interesse das operadoras de planos de saúde e das próprias instituições de saúde em melhorar suas práticas e o grau de exigência do consumidor, que vem se conscientizando e fazendo valer seus direitos, esta-belecidos no Código de Defesa do Consumidor. Aplicando os padrões clássicos empregados, como ci-tado por Hartz, para avaliação de programas de saú-de, pode-se concluir que a metodologia de acreditação como instrumento de avaliação de serviços de saúde: (HARTZ, 2006)

• demonstra utilidade – uma vez que traz um con-junto de informações para o corpo profissional da unidade avaliada (usuários);• é factivel – considerando os custos envolvidos no processo;• é apropriada, por ser realizada com seriedade e respeito aos valores da instituição submetida ao processo de acreditação; e

• é precisa, por utilizar padrões de mensuração da qualidade que transmitem informação sobre o desempenho e que garantem a comparabilidade externa.

Mas ainda há muito no que avançar: socializar conhe-cimentos, quebrando as resistências internas nas unida-des e convencendo os profissionais sobre a necessidade da reengenharia de processos, trabalhar em equipe de forma integrada, disseminar metodologia de trabalho baseada em monitoramento de resultados, enfim, apri-morar o processo gerencial e seguir padrões que são reconhecidos internacionalmente como de qualidade.O Hospital do Futuro que almejamos é aquele que não receia a avaliação e busca o aprimoramento da gestão, elevando a qualidade, os níveis de segurança de pacien-tes e de profissionais, e o controle de riscos. E não há dúvidas que a acreditação é mais um passo na qualidade da saúde e na luta que a medicina trava historicamente para vencer doenças e aumentar a expectativa de vida do ser humano•

................................................................................................

Referências Bibliográficas:CBA. Informe Acreditação em Saúde, março 2011.

CODMAN, EA. A study in hospital efficiency: Oatbrook Terrace, II.: Joint Commission on Accreditation of Healthcare Organizations, 1996.

GEROLIN, FSF. Impactos da Acreditação na Eficiência dos Serviços Prestados - Hospital Alemão Oswaldo Cruz. Apresentado no Congresso Internacional de Acreditação, Rio de Janeiro, junho 2011.

HARTZ, ZMA. Princípios e padrões em metaavaliação: diretrizes para os programas de saúde. Ciencia & Saúde Coletiva, 11(3):733-738, 2006. Disponível em http://redalyc.uaemex.mx/pdf/630/63011320.pdf. Aces-so em 22/08/2011.

NORONHA, J.C. ROSA, M.L.G. Quality of health care. International Journal for Quality in health care, 1999; volume II n 5: pp 437 – 441. Disponível em http://intqhc.oxfordjournals.org/content/11/5/437.full.pdf. v. Acesso em 20/08/2011.

NORONHA, JC; PEREIRA, TR. Health care reform and quality initiati-ves in Brazil. Joint Commission J Qual Improve 1998: 24:251-263. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/9626618. Acesso em 20/08/2011.

SANTOS, MMPCA; TEMPORÃO, JG; NORONHA, JC; PARADA, R. Notas sobre a História da Acreditação em Saúde no Brasil. Ensaio, Rio de Janeiro, v.8, n. especial, p. 97-111, jun 2000.

SILVA, SC. Segurança Clínica: Indicadores de Desempenho. Apresentado no Congresso Internacional de Acreditação, Rio de Janeiro, junho 2011.

THE JOINT COMMISSION. The Joint Commission History. Dispo-nível em http://www.jointcommission.org/assets/1/18/Joint_Commis-sion_History_20111.PDF. Acesso em 20/08/2011.

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Natural do nordeste do Brasil, Zulmira M. de Araújo Hartz, actual subdirectora do Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT/UNL) e também membro da dire-cção da revista HdF, atravessou o atlânti-co em 2010, com destino a terras lusitanas. Em entrevista à HdF, a professora, médica e investigadora recua no tempo e explica a origem da sua paixão pela àrea da saúde pública.

Como nasceu o interesse pela Medicina? Es-pecialmente pela Saúde Pública e a Epidemio-logia?

Desde criança. Nasci numa região muito pobre, no nordeste do Brasil, e uma das coisas que me impressio-nava eram os sepultamentos de bebés, ver passar aque-les cortejos com caixões azuis de crianças sempre me chocou muito. Eu dizia então que queria ser médica ‘de Saúde’, na verdade o que eu desejava era evitar aqueles óbitos de crianças pobres em famílias que não tinham condições e possibilidades de ter uma assistência ade-quada. Assim, imediatamente a seguir à medicina, fui para a Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz), integrando as primei-ras turmas de residência em Medicina Preventiva e So-cial, uma residência médica inovadora no Brasil. Ao chegar na ENSP fui aprendendo que a medicina era fundamental para eu chegar onde sempre sonhei - ter influência e contribuir para a saúde das populações mais pobres, mas os avanços dependiam muito das investi-gações epidemiológicas, esta parte da saúde pública que permite perceber melhor e de forma mais concreta a

“A MEDICINA ERA FUNDAMENTAL PARA EU CHEGAR ONDE SEMPRE SONHEI - TER INFLUêNCIA E CONTRIBUIR PARA A SAúDE DAS POPULAçõES MAIS POBRES”

extensão e a gravidade dos problemas. A epidemiologia tem a preocupação de quantificar e estudar os determi-nantes da saúde e da doença, indispensáveis para um planeamento mais adequado às necessidades da popu-lação. Logo que acabou a residência fiz pós graduação em epidemiologia e dediquei grande parte de minha vida profissional ao ensino de epidemiologia como professora do curso de medicina e na própria ENSP, onde cheguei a coordenar este ramo do programa de mestrado como professora titular do departamento de

Zulmira M. de Araújo Hartz

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epidemiologia.

Como explica esta segunda paixão pelo ensi-no e investigação no campo da Avaliação em Saúde?

Eu percebi que esta questão era fundamental no mo-mento em que assumi os cargos de chefia dos depar-tamentos de doenças transmissíveis e de epidemiologia no estado do Rio de Janeiro, de 1983 a 1987. Na função de gestora a epidemiologia continuava sendo necessá-ria mas insuficiente para medir as respostas das acções de controlo. Paralelamente, como professora de medi-cina, constatávamos que a avaliação das escolas médi-cas tinha uma fragilidade muito grande, porque nunca observávamos o alinhamento dessa formação com as politicas nacionais de saúde. Foi essa dupla percepção, de que tanto a avaliação da formação médica como a avaliação dos programas e serviços eram indispen-sáveis na minha prática profissional, que me fizeram escolher estes temas de dissertação e tese no mestrado e doutoramento em Saúde Pública na Universidade de Montreal. Neste último, resgatei na pesquisa avaliativa a possibilidade responder questões que poderiam facilitar a implementação dos programas de saúde na redução da mortalidade infantil nos países em desenvolvimento. Consciente que o material de investigação é uma fonte privilegiada como material didáctico na formação de outros investigadores, estruturei meus cursos iniciais de pós graduação no Brasil traduzindo e publicando as bases metodológicas do Groupe de Recherche Inter-disciplinaire en Santé (GRIS) utilizados na minha tese. Eles têm sido continuamente renovados, nessa parceria com os colegas do GRIS, pelos estudos publicados de novos mestres e doutores avaliadores de nossos pro-gramas académicos, bem como pela prática reflexiva dos gestores dos programas de saúde materna -infantil

“A epidemiologia tem a preocu-pação de quantificar e estudar os determinantes da saúde e da doença, indispensáveis para um planeamento mais adequado às necessidades da população”

e outros, que passaram pelas disciplinas de avaliação em cursos profissionalizantes.

Actualmente ocupa o cargo de Subdirectora do Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa (IHMT/UNL). Como surgiu o convite para pertencer à direcção desta instituição?

Eu estive no IHMT em 2009 durante 6 meses, como investigadora convidada para trabalhar em projectos de avaliação no grupo de estudos coordenado pelo Profes-sor Gilles Dussault (também associado ao GRIS), cate-drático do IHMT desde 2006. Este período foi muito gratificante pois me fez descobrir uma Lisboa que o turista não conhece e apaixonar-me pela cidade, mas também apaixonar-me por esta instituição, reencon-trando nela um mini universo de todos os meus rituais de passagem e vivência académica na Fiocruz. As duas instituições só têm dois anos de diferença em relação à sua fundação e, apesar das diferenças contextuais, são vocacionadas de forma muito similar. Quando o Pro-fessor Paulo Ferrinho assumiu a direcção em Janeiro de 2010 e convidou-me para o lugar de subdirectora, foi impossível dizer não, mesmo depois de (acreditar) ter tomado a decisão de nunca mais assumir postos de gestão, para me consagrar ao ensino e investigação.

“...resgatei na pesquisa avalia-tiva a possibilidade responder questões que poderiam facili-tar a implementação dos pro-gramas de saúde na redução da mortalidade infantil nos países em desenvolvimento”

No âmbito do 110º aniversário do IHMT em Abril de 2012, qual o foco desta comemoração?

O resgate histórico, científico e social destes 110 anos de existência. O principal evento é o primeiro Semi-nário Luso-Brasileiro da História de Medicina Tro-

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Pessoaspical, uma co-promoção do Museu do IHMT, Asso-ciação para o Desenvolvimento da Medicina Tropical (ADMT), Centro Interuniversitário de História das Ciências e da Tecnologia da FCT/UNL e a Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz). No âmbito dessas co-memorações, além de se festejar os 110 anos da Escola de Medicina Tropical, que posteriormente deu origem ao nosso Instituto, evoca-se também 60 anos do pri-meiro congresso nacional de medicina tropical, realiza-do em Lisboa. Será realmente um momento privilegia-do diante dos desafios que se colocam na cooperação internacional para a medicina tropical. Os temas são muito atraentes e diversos, enfocando a medicina tro-

“Este período foi muito grati-ficante pois me fez descobrir uma Lisboa que o turista não conhece e apaixonar-me pela cidade”

pical e colonial, como também as traduções plurais as-sociadas a esta medicina exercida em vários países; a re-lação dos actores entre as doenças e as suas instituições; e, por último, as politicas internacionais de saúde que confrontam tais desafios. Um “primeiro encontro” de outros que se seguirão à esta partilha de experiências e reflexões.

Quais são as principais áreas de cooperação internacional que o IHMT intervêm?

Hoje nós temos o que se chama uma cooperação in-ternacional estruturante, com um marco institucional de parcerias e acordos bilaterais ou multilaterais, parti-cularmente na responsabilidade conjunta do IHMT e Fiocruz como assessores técnicos do Plano Estratégico de Cooperação em Saúde (PECS) da CPLP, compro-metendo-se com o alcance dos objectivos do milénio em todos os países. Isto implica em um grande inves-timento na formação médica e de outros recursos hu-manos para a saúde como eixo transversal, uma coope-ração sem duplicidades ou competições, privilegiando o formato de redes tais como as RIDES (Redes de Investigação para o Desenvolvimento em Saúde), uma estratégia fundamental nas intervenções de controle da

malária, tuberculose, HIV-SIDA e outras. A estrutu-ração em redes de multi-parcerias entre instituições que anteriormente trabalhavam em separado, e o plano es-tratégico de cooperação em saúde no espaço da CPLP, são ferramentas que permitem mais consenso e que o avanço seja mais rápido face aos grandes problemas en-frentados.

Pertence a várias sociedades de internacionais e grupo de estudos de avaliação. Qual é a sua opinião relativamente à necessidade de existir uma avaliação contínua dos sistemas de saú-de?

Falar em avaliação contínua é uma coisa importante, principalmente no momento em que nos preocupa a necessidade compulsiva da avaliação do desempenho, que se traduz apenas como avaliação normativa orien-tada pela monitorização de metas, o que não permite explicar nem o como nem o porquê de estamos face a esses ganhos ou perdas. Investir na avaliação contí-nua implica portanto no apoio de linhas de investigação e abordagens de auto-avaliação, que possam ajudar a estimar o grau de implementação dos programas e a adequação dos serviços, saber quais são os valores que orientam suas prática e que problemas contextuais po-dem facilitar ou dificultar o alcance das metas. Do con-trário, corremos o risco de ter um belíssimo quadro de indicadores e não saber explicar se podem ser validados como contribuição dos sistemas de saúde através das acções em que temos investido concretamente. Como resumiria seu capítulo sobre ‘avaliação de desempenho dos sistemas de saúde’ em “A nova saúde pública da Era do Conhecimento”? Acha que ela esta aquém do esperado?

Este capítulo tem a co-autoria do professor Paulo Fe-rrinho e se inspira na possibilidade de dar um contri-buto sobre a avaliação do desempenho (ou performan-ce) para o Plano Nacional de Saúde (PNS) 2011-2016. Apresentamos uma breve revisão da literatura interna-cional sobre esta perspectiva de avaliação das políticas e programas governamentais, realçando alguns pilares necessários: a sua institucionalização e organização; a construção de um modelo teórico que dê suporte ao processo de avaliação; a pluralidade de métodos e a contextualização dos resultados. Como realmente ain-da estamos aquém do esperado para uma ‘efectiva’ ava-

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liação do desempenho seja no Brasil, Portugal e muito outros países, alinhamos algumas sugestões de lições aprendidas nos 30 anos de implantação do sistema de monitorização e avaliação do governo canadense, pu-blicadas recentemente pelo Banco Mundial. À guisa de conclusão diria que, se existe consenso quanto à ideia de que as políticas públicas devem ser acompanhadas de avaliações sistemáticas, esta ideia se deve traduzir na utilidade da avaliação, questionando sempre a sua ca-

pacidade em produzir as informações necessárias para ajudar a melhorar o desempenho dos sistemas de saúde (meta-avaliação).

C.C.

Zulmira M. de Araújo Hartz

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Opinião

Tudo começou quando estagiava no Hospital de San-ta Maria, um dos hospitais portugueses com protocolo com a Operação Nariz Vermelho. O desafio de realizar um estudo sobre a eficácia destes Doutores Palhaços era algo completamente inovador em Portugal, e que me aliciou no imediato.Desde o início, o projecto foi inteiramente apoiado pelo então Director do Serviço de Cirurgia Pediátrica – Dr. Jaime Mendes, e recebido com entusiasmo por parte de todos os envolvidos, nomeadamente pela Dra. Patrícia Arriaga, Dra. Sofia Nunes da Silva (minhas orientado-ras de dissertação e de estágio, respectivamente), En-fermeira Vera Leal, e pela própria Beatriz Quintela.Notei logo a grande diferença entre os comuns pal-haços e estes Doutores Palhaços. Fisicamente eram pal-haços; pareciam palhaços; mas desde a maquilhagem (bem mais discreta) à própria indumentária (colorida q.b. e composta por uma bata) faziam adivinhar algo

“OPERAçõES” (COM) NARIZ VERMELHO

bem diferente. Partilham o humor, porém, a sensibili-dade, a capacidade de fazer rir sem grandes exageros, as brincadeiras, a música e os truques mágicos eram pautados pelo bom-senso de quem queria levar as crianças a um mundo mágico, sem negligenciar o fac-to de estar num contexto hospitalar.O projecto delineado, de cariz quase-experimental, teve como objectivo primordial perceber de que for-ma uma dupla de palhaços teria influência positiva nas crianças e respectivos pais (preocupações e ansiedade parental) nas fases que antecedem e sucedem a cirur-gia. Os resultados vieram confirmar as expectativas empíricas de quem tivesse ouvido o riso das crianças naquele corredor, que ecoava como tivessemsido transportadas para um parque de diversões. De facto, as crianças que contaram com a presença dos Palhaços reportaram menos preocupações e manifes-taram, quer antes, quer após a cirurgia, emoções mais positivas (reportaram sentir-se mais calmas e felizes, comparativamente àquelas cujo acompanhamento pré-operatório ficou exclusivamente a cargo dos pais). Os Palhaços tiveram igualmente um efeito positivo na ansiedade parental.Por último e não menos importante, a opinião dos profissionais de saúde do Hospital de Santa Maria foi favorável à presença e continuidade de intervenção dos Palhaços, os quais foram percepcionados de for-ma consensual, relativamente à sua utilidade, quer para as crianças, como para os pais e até para os próprios profissionais.Atendendo à reiterada preocupação com a humani-zação dos cuidados de saúde e face ao importante pa-pel que os Palhaços poderão desempenhar, estamos na actualidade a preparar um protocolo de investi-gação a nível europeu que conta já com a presença de países como Portugal, Espanha e Itália.Termino agradecendo a todos os Doutores Palhaços – em especial à Dra. da Graça, ao Dr. Cinho do Céu, ao Dr. Chocapic e ao Dr. Bambu, com quem tive o prazer de trabalhar – pela capacidade infinita de culti-varem a alegria e a felicidade mesmo nos sítios onde estas parecem não ter lugar. Se hospital é lugar para Palhaços? Definitivamente.

Sara Costa Fernandes

Fonte: Nariz Vermelho

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Inovação em Saúde

No final de junho deste ano, durante a Bio International Convention, o principal even-to de biotecnologia do planeta, realizado em Washington, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) lançou a versão internacional de seu Portfólio de Inovação, que passou a ter versões,em inglês e em espanhol. Mais que um levantamento da inovação em saúde produzida pela Fiocruz, fundamental para garantir a transparência da instituição, o Portfólio de Inovação potencializa o uso social de seus resultados mais relevantes, ao fomentar parcerias para a transferência e a incorporação de tecnologias e conhe-cimentos em saúde. O produto amplia a inovação tecnológica na Fundação, que ao

INOVAÇÃO NA FIOCRUZ GANHA PORTFóLIO INTERNACIONAL E TEM PARCERIAS VITORIOSAS

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longo dos anos ganhou musculatura por meio de experiências bem sucedidas do Programa de Desenvolvimento Tecno-lógico em Insumos para Saúde (PDTIS) e do Programa de Desenvolvimento e Inovação Tecnológica em Saúde Pública (PDTSP). Além disso, a Fiocruz atual-mente ergue, em seu principal campus, no Rio de Janeiro, as instalações do futuro Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde (CDTS).

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Inovação em SaúdeO aprimoramento do Portfólio inclui o amplo aper-feiçoamento de sua metodologia de coleta e processa-mento de informações e de seleção de projetos de pes-quisa. Para isso, a Coordenação de Gestão Tecnológica (Gestec) investe na elaboração de novos formulários para submissão de projetos de pesquisa, que contem-plem a diversidade de conhecimentos e tecnologias gerados na instituição. Paralelamente, uma comissão composta por representantes das unidades da Fiocruz e de seus Núcleos de Inovação Tecnológica (NITs) está sendo formada para elaborar novos formulários de coleta das informações sobre tecnologias sociais ino-vadoras. uma equipe de pesquisadores trabalha no seu aperfeiçoamento. Para contemplar a especificidade das tecnologias sociais, os novos formulários serão com-postos por campos mais subjetivos, com espaço para o desenvolvimento de respostas que possam melhor descrever os projetos em questão.

Para a vice-presidente de Pesquisa e Laboratórios de Referência da Fiocruz, Claude Pirmez, o momento é excelente para a inovação e as parcerias. “Temos que buscar a inovação, mas não somente de forma incre-mental. Devemos inovar radicalmente. Temos compe-tência para isso e nos últimos dez anos conquistamos muitos avanços. Agora temos um quadro de investi-mentos bem superior”. Ela explica que a ciência, hoje, é apoiada fortemente na cooperação. “Tivemos no pas-sado cientistas brilhantes que trabalhavam sozinhos, como Galileu, Darwin e Einstein, mas hoje a ciência não é feita isoladamente. Um grande exemplo foi a união de Watson e Crick, que há mais de 50 anos se jun-taram na descoberta da estrutura do DNA. Mais recen-temente, tivemos o Projeto Genoma, uma rede global de cooperação”, recorda a vice-presidente. Claude cha-ma atenção para a característica da Fundação de atuar, simultaneamente, em pesquisa, educação e inovação, o que gera um importante diferencial para a instituição. Ela destaca que um dos pontos principais dessa atuação é converter o conhecimento e a inovação gerados na Fiocruz em ações úteis à saúde da população.

Vacina e bioinseticida

Também em junho, um outro projeto da Fiocruz, na área de vacinas, foi apresentado como um dos 40 casos de sucesso de inovação na 11ª Conferência da Asso-ciação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei), que ocorreu em Forta-leza. Fruto de estudos desenvolvidos há mais de três

décadas pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), o projeto, primeira parceria público privada exclusi-vamente brasileira para o desenvolvimento de vacinas destinadas para o mercado mundial, inicia a fase de tes-tes clínicos ainda em 2011. A iniciativa visa à produção da primeira vacina totalmente brasileira e a única vaci-na parasitária, contra a esquistossomose e a fasciolose (doença parasitária mais comum em gado no mundo). De acordo com estimativas, cerca de 600 milhões de pessoas vivem sob risco de se contaminar com a esquis-tossomose, segunda doença parasitária mais prevalente no país, e 200 milhões de pessoas estão infectadas em 74 países. Desde o início, o estudo foi apoiado financei-ramente pelo IOC e, em sua primeira fase de desenvol-vimento tecnológico, teve o incentivo do PDTIS.Ainda em 2011, a Fiocruz, por meio de seu Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos), assinou um acordo de cooperação tecnológica e licença de patente com a empresa vencedora do edital para a produção do bioinseticida BTI, desenvolvido pela Fundação. O inseticida de origem biológica foi desenvolvido para combater os mosquitos transmissores de dengue, malá-ria e filariose, três das principais doenças tropicais que matam milhares de pessoas todos os anos no Brasil. Os produtos foram criados a partir das bactérias Bacillus thuringiensis e Bacillus sphaericus, encontradas no solo e isoladas em laboratório por Farmanguinhos. A nova arma atua contra as larvas do mosquito transmissor da dengue. Aplicado nos criadouros, o produto é ingeri-do pelas larvas Aedes aegypti que, entre duas a quatro

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Inovação em Saúde

horas após a ingestão, sofrem uma paralisação de seus músculos bucais e não conseguem mais se alimentar. Em seguida, as bactérias criam resistência, causando infecção interna nas larvas já debilitadas, eliminando-as. O produto tem duas formulações diferentes, desen-volvidas especialmente para os ambientes nos quais o mosquito se reproduz. Para o uso domiciliar (em caixas d’água) foram criadas pastilhas. No caso de piscinas, la-gos e outros reservatórios de água em que podem oco-rrer altas concentrações do inseto, o produto deverá ser utilizado na forma de um comprimido hidrossolúvel ou granulado.

Programas de financiamento

O desenvolvimento de pesquisas científicas na Fiocruz, atividade base para a geração de conhecimentos, o des-envolvimento tecnológico e a inovação em saúde, é im-pulsionado por programas de financiamento, que arti-culam investimentos por meio da publicação de editais e do estabelecimento de parcerias em diferentes for-matos e com objetivos diversos, sempre alinhados às prioridades do Ministério da Saúde e do Sistema único

de Saúde (SUS). Neste contexto, o Programa de Desen-volvimento e Inovação Tecnológica em Saúde Pública (PDTSP) e o Programa de Desenvolvimento Tecnoló-gico em Insumos para Saúde (PDTIS), constituem os principais programas de desenvolvimento tecnológico.O PDTSP proporciona, desde 2001, o apoio à inovação tecnológica no campo da saúde pública, entendendo a atividade como a transformação de ideias em produtos, processos e abordagens tecnologicamente inovadores ou significativamente aprimorados, com impacto direto na geração de soluções para as necessidades de saúde da população brasileira. A missão do programa é apoiar a inovação tecnológica no campo da saúde pública, de-finida como a transformação de idéias em produtos, processos e abordagens tecnologicamente novos ou significativamente aprimorados, visando soluções para os problemas no atendimento às necessidades de saúde da população brasileira.

As metas do PDTSP são apoiar projetos de desenvol-vimento e inovação tecnológica; fortalecer a capacida-de da Fiocruz para a produção e difusão de novos e melhores produtos, processos e abordagens no campo

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Inovação em Saúde

Fonte: Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)

da saúde pública, especificamente dos serviços de saúde; e ampliar o aprendizado institucional sobre processos de produção, gestão e transferência tecnológica em saúde pú-blica em geral, e nos serviços de saúde em particular, apro-veitando o acúmulo institucional existente e promovendo o desenvolvimento de áreas estratégicas e inovação.

PDTIS

Induzir, fomentar e articular o desenvolvimento tecnoló-gico e promover a multidisciplinaridade por meio de redes cooperativas, com vistas à geração de produtos, proces-sos e serviços com impacto direto para a saúde. Com esta missão, o Programa de Desenvolvimento Tecnológico em Insumos para Saúde da Fiocruz (PDTIS), criado em 2002, vem contribuindo para o desenvolvimento tecnológico e a produção de vacinas, kits de diagnóstico, medicamentos e bioinseticidas, sempre com foco no atendimento às de-mandas sanitária, social e econômica do país. Institucionalmente ou por meio de parcerias público-pri-vadas, o PDTIS articula as unidades técnico-científicas e os laboratórios da Fiocruz e parceiros produtivos nacionais e estrangeiros, públicos ou privados, para proporcionar o investimento em pesquisas biomédicas aplicadas à socieda-de. Devido à sua inserção na Fiocruz e à sua complemen-taridade com outras iniciativas de desenvolvimento de pro-dutos, o PDTIS alberga projetos desde a fase de prova de conceito até a transferência da tecnologia para um parceiro produtivo interno (Biomanguinhos ou Farmanguinhos) ou

externo (empresas privadas). Além do apoio financeiro, direcionado a projetos de pesquisa organizados nas Redes de Desenvolvimen-to de Vacinas, Medicamentos, Kits de Diagnóstico e Novas Ferramentas Genômicas e Proteômicas, o programa oferece apoio logístico para gestão de con-tratos, promoção de cooperação técnica e suporte à transferência de tecnologia, em cooperação com a Coordenação de Gestão Tecnológica da Fiocruz (Gestec). Também integram o escopo do PDTIS o apoio para contratação de recursos humanos e ob-tenção de infraestrutura e o uso de plataformas tec-nológicas. As plataformas tecnológicas do PDTIS são estraté-gicas para impulsionar o avanço do conhecimento científico e da pesquisa biomédica no país, possibili-tando aos pesquisadores acesso a tecnologias e equi-pamentos de ponta. O programa oferece apoio para aquisição e modernização dos equipamentos centrais e de suporte, formalização de contratos de manu-tenção, fixação de tecnologistas para operação dos equipamentos, capacitação e treinamento de opera-dores e usuários, compra de material de consumo para operação das plataformas e desenvolvimento e instalação de sistema de gestão informatizado, pela internet, para o acesso e o monitoramento da inte-ração com usuários.

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Inovação em Saúde

A Rede de Plataformas Tecnológicas do PDTIS abran-ge o principal campus da Fiocruz, no Rio de Janeiro, e os campi dos estados de Minas Gerais, Bahia, Per-nambuco e Paraná, além de outros centros de pesquisa e universidades do país. Ao todo, são 12 plataformas tecnológicas, distribuídas em 38 núcleos. Os serviços envolvem as áreas de genômica, proteômica, bioinfor-mática, nanotecnologia, PCR, citometria de fluxo, sín-tese de biomoléculas, métodos analíticos, ressonância magnética nuclear, bioprospecção, bioensaios e contro-le de qualidade para animais de experimentação.

Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde (CDTS) A estruturação, na Fiocruz, do Centro de Desenvol-vimento Tecnológico em Saúde (CDTS), cujas futuras instalações estão em obras, vem preencher uma lacuna persistente no sistema nacional de produção e inovação em saúde, contribuindo para a superação de gargalos nacionais no desenvolvimento de insumos para a saúde, como vacinas, medicamentos, reagentes para diagnós-tico e outros produtos biotecnológicos. O novo centro será a base para o desenvolvimento de produtos candi-datos, que serão submetidos a etapas de transformação experimental, durante avaliações de desempenho e de segurança. A iniciativa é estratégica para o setor porque, atualmente, algumas etapas do processo de desenvolvi-mento de insumos em saúde não encontram infraestru-tura necessária na cadeia produtiva nacional. É o caso, por exemplo, dos estudos de toxicologia pré-clínica e dos ensaios clínicos de fases 1, 2 e 3. Estas

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etapas da pesquisa científica exigem o escalonamento piloto de lotes experimentais do produto em desenvol-vimento, para que seja possível avaliar a sua eficácia e toxicidade. Tal dinâmica requer um processo produti-vo próprio, realizado em ambiente de Boas Práticas de Fabricação (BPF) e de forma independente às demais linhas de produção em saúde já consolidadas. Sem a infraestrutura necessária para realização destas e outras etapas de desenvolvimento de produtos biotecnológi-cos na cadeia produtiva nacional, parte do processo de inovação em saúde é realizada em laboratórios es-trangeiros. Além de significar o aumento de custos, a internacionalização da atividade compromete a incor-poração de novas tecnologias.

A expectativa é que o CDTS integre o sistema nacio-nal de produção e inovação em saúde, completando o ciclo pesquisa-desenvolvimento-processo de produção. Para isso, o novo centro nacional contará com Plata-formas Tecnológicas e Laboratórios de Apoio, aptos a transformar conhecimentos em produtos que poderão integrar a oferta pública de insumos para a saúde. A infraestrutura do CDTS estará disponível a outras ins-tituições, públicas e privadas, por meio da locação de seus laboratórios flexíveis. O modelo contribuirá para a geração de recursos e para a incorporação de conheci-mentos e tecnologias para Brasil e outros países parcei-ros na cooperação internacional.

Conheça os projetos da Fiocruz: www.fiocruz.br/ccs

Wagner de Oliveira Coordenador de Comunicação Social da Fiocruz

Fonte: Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)

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Opinião

Concluí o meu curso na Faculdade de Me-dicina de Lisboa em 1975 e, por opção, ini-ciei nesse ano o meu internato geral nos Hospitais Civis de Lisboa (H.C.L.), um agrupamento constituído por várias uni-dades, dispersas pelo centro da Capital. Assim, transferia-me do “majestoso” hos-pital de Santa Maria, de um edifício com evidentes sinais de degradação física, para algo que eu desconhecia. Do ponto de vista logístico, o que me esperava ainda era pior, pois o aglomerado de estruturas hospitala-res que o constituíam estava bastante dani-ficado, fazendo jus ao seu passado medie-val.

Quem soubesse um pouco da história dos H.C.L., o que não era o meu caso nessa altura, não se admira-ria tanto da incoerência dos espaços que iria percorrer, uma vez que quase todos os edifícios tinham sido uti-lizados como asilos ou conventos. Numa primeira e rápida visão, ressaltava um emaranhado de estreitos e sombrios corredores que desembocavam em grandes e desconfortáveis salas, surgindo, aqui e ali, umas escada-rias imponentes em que as pedras, já muito gastas pelo uso, atestavam a sua idade de muitos séculos.

Foi um pouco arrepiante o confronto com este cenário onde, desde paredes até mobiliário, muita coisa revelava marcas notórias de deterioração avançada. Havia enfer-marias a “albergar” algumas dezenas de doentes que, para além dos males que os atormentavam, tinham que enfrentar outras “agressões”, que iam da falta de priva-cidade a variações térmicas bruscas. Ali não se sabia o que era climatização e, sobretudo no Inverno, o aque-cimento irregular não supria a inclemência do cortante frio ambiente, esgueirando-se pelas muitas fissuras dos

HOSPITAIS: PASSADO, PRESENTE E FUTURONem tudo é progresso

vidros, colocados nas armaduras das enormes janelas, mais altas do que largas, o que não era muito saudável para os corpos de doentes imobilizados. Para enfrentar o outro extremo térmico, os finos lençóis pendurados, a fazer de persianas, não barravam a entrada dos quen-tes raios de sol.

Este panorama era confrangedor e seguramente pouco atractivo para quem chegava de novo, cheio de ânsia de aprender e de fazer. Contudo, não havia alternati-va e esta realidade tinha de ser percebida e enfrentada. Estava na hora de arregaçar as mangas e de começar a trabalhar.Tínhamos que ser optimistas!

Este estado de espírito consolidou-se depressa, à me-dida que as surpresas agradáveis iam chegando a um ritmo acelerado. Desde logo a simpatia com que fo-mos recebidos, a antecipar a amostragem do bom am-biente de trabalho que por ali reinava. Depois, cedo se percebeu a qualidade profissional invulgar de muitos

Hospital de São José

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Opinião

“Não passava despercebida a atenção que se dedicava ao doente e o cuidado que havia em lhe prestar os cuidados as-sistenciais de que necessitava, o que era feito com o carinho e o respeito a que toda a pessoa doente tem direito”

dos mestres que nos esperavam e a preocupação com a formação e o ensino dos jovens internos. Também não passava despercebida a atenção que se dedicava ao doente e o cuidado que havia em lhe prestar os cui-dados assistenciais de que necessitava, o que era feito com o carinho e o respeito a que toda a pessoa doente tem direito.

Por ali,os meios técnicos eram muito escassos. Para além da radiologia convencional e de uma gama ainda limitada de análises clínicas, pouco mais havia. As téc-nicas endoscópicas ainda só davam os primeiros pas-sos, embora já se conseguissem obter algumas gastros-copias e umas rectosigmoidoscopias. Com uma boa justificação clínica e alguma capacidade de persuasão, o serviço de Cirurgia Cárdio-Torácica do hospital de Santa Marta executava fibroscopias rígidas e o de Car-diologia uns fonocardiogramas, exames que para pou-co serviam.

A cirurgia cardíaca estava confinada às intervenções cirúrgicas para correcção de malformações congénitas e de valvulopatias e ninguém sonhava com operações visando as artérias coronárias. A Cardiologia, tal como as outras disciplinas, tratava os doentes com base na clínica e com a preciosa ajuda do electrocardiograma. Não havia métodos de depuração extra-renal e, sendo assim, os insuficientes renais eram tratados de uma for-ma muito empírica, com os diuréticos, as dietas pobres em proteínas (40 grs/dia) e, monocordicamente, com uma ração diária de um ovo cozido e de uns gramas de compotas. Em estádios mais avançados, quando a acidose metabólica se instalava, dava-se bicarbonato de sódio a olho (“mais ou menos uma litrada”, na realista

e feliz expressão de um dos nossos mestres).

Os cirurgiões iam fazendo um pouco de tudo, desde ortopedia até trepanações e intervenções em vasos. Estava muito em voga a cirurgia para o tratamento da úlcera péptica e das suas complicações (antrectomias, com ou sem vagotomias) e os mais qualificados en-saiavam as gastrectomias totais, para remover tumores gástricos.Em continuidade com a euforia que a descoberta dos antibióticos trouxe, a investigação deste tipo de me-dicamentos seguia de vento em popa, com novida-des frequentes, porque também a sua administração generalizada e nem sempre racional e criteriosa, nas décadas de 60 e de 70, tinha dado origem à eclosão de estirpes resistentes de muitas das bactérias. Sendo assim, tornavam-se necessários outros produtos para fazer face a este fenómeno novo. Para se ter uma ideia da magnitude deste problema, é bom recordar que metade dos orçamentos hospitalares para fármacos eram consumido pelos antibióticos.

Isto acontecia porque a confiança que se tinha neles era grande e justificada pela mudança radical que se conseguiu no controlo e cura de muitas doenças infec-ciosas, embora para tal desiderato tenha contribuído muito a melhoria das condições sanitárias de base das populações e a descoberta de muitas vacinas e conse-quentes campanhas de vacinação em massa.

As Unidades de Cuidados Intensivos só existiam na cabeça de alguns “visionários”. Para ventilar doen-tes, só havia uns “velhos” Engstroms parqueados nos blocos operatórios, em recobros cirúrgicos e nalguns serviços de urgência mais concorridos. Num ou nou-tro serviço havia um exemplar, tido mais como um objecto de estimação, do que um aparelho com uma utilidade efectiva. Lembro-me de ainda ter tratado intoxicados com organo-fosforados na enfermaria, com a atropina diluída no soro que corria para a veia, sem qualquer rigor com a dose administrada e sem qualquer mo-nitorização. Hoje admito que uma terapêutica como esta se tenha aliado ao produto tóxico para acelerar o inevitável desenlace fatal.

Com este panorama geral, não admira que o essencial da actividade clínica se fizesse à volta do doente, com uma colheita minuciosa dos seus dados clínicos e da sua observação cuidadosa. Era com esses elementos

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Opinião

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recolhidos que se faziam raciocínios lógicos tendentes ao estabelecimento do diagnóstico da doença. No fun-do, os sinais e os sintomas remetiam-nos para algumas alterações fisiopatológicas que o doente apresentava e era com base nestes dados que se intuía a patologia em causa.

“O espírito colectivo que reina-va no seu seio permitia resolver delicados e complexos proble-mas clínicos”

Se é verdade que nem sempre tal era possível, também é certo que os clínicos atentos e perspicazes tinham um grau de sucesso elevado, embora em certos casos tal só pudesse ser confirmado nas intervenções cirúrgicas ou nas necrópsias, a que assistíamos interessados, pois de-las se retiravam ensinamentos úteis para o futuro. Éramos tutelados por toda uma cadeia hierárquica (che-fes de serviço, especialistas e internos da especialidade) fortemente empenhada em transmitir os seus vastos con-

hecimentos, fosse à cabeceira do doen-

te, nas visitas regulares à enfermaria ou nas discussões de casos, que animavam as muito concorridas reuniões clínicas.Desta forma se preparavam excelentes profissionais, que aspiravam ao êxito pleno naquela Instituição. Era o tempo em que havia grande respeito e apreço pelas carreiras médicas, sendo que a progressão nelas, com sucesso e se possível com brilho, era um objectivo que a maior parte de nós perseguia.

Sobressaía o trabalho em conjunto no serviço de ur-gência do hospital de São José, onde a assistência era as-segurada por profissionais vindos dos vários hospitais do grupo, que uma vez por semana davam o seu con-tributo a grandes equipas pluridisciplinares. O espírito colectivo que reinava no seu seio permitia resolver de-licados e complexos problemas clínicos. Porém, o tra-balho pesado era também um incentivo para se apoiar a formação e o ensino prático, o que era propiciado pela variedade de situações com que ali nos confrontáva-mos, quase fazendo um convite a essa aprendizagem. Numa tentativa de estabelecer comparações com o que acontece actualmente, já tenho ouvido dizer que, nes-sa altura, os doentes estavam no hospital e os médicos passavam por lá a correr, enquanto hoje os doentes é que transitam pelo internamento depressa e os clínicos permanecem mais tempo junto deles. Compreendo em parte esta analogia, pois não havendo ainda estruturas assistenciais de ambulatório, como o hospital de dia e a

cirurgia orientada nesse sentido, e menos exa-mes auxiliares de diagnóstico dis-

poníveis, os doentes “eterni-

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Opiniãozavam-se” na enfermaria. Já quanto à disponibilidade dos profissionais, embora não fosse total, sem existir a figura administrativa da exclusividade, era o suficiente para assegurar uma assistência de qualidade e com um elevado grau de humanização dos cuidados prestados. É justo realçar o papel que tinham outros profissionais de saúde nesta assistência de proximidade, sobretudo os enfermeiros que, sem ainda aspirarem à licenciatura, tinham uma polivalência que lhes permitia executar vá-rias tarefas, com o mesmo gosto e empenho.

Apesar de todas estas limitações logísticas e técnicas e, provavelmente, fruto da conjugação da riqueza e am-bição humana com a diversidade de actividade que o trabalho de equipa proporcionava, ali tiveram origem algumas escolas marcantes no País. Assim, de uma ma-neira gradual e progressiva, diria mesmo que quase in-

“Era o tempo em que havia grande respeito e apreço pelas carreiras médicas, sendo que a progressão nelas, com sucesso e se possível com brilho, era um objectivo que a maior parte de nós perseguia”

sensível, formou-se uma gama de cirurgiões gerais de alto quilate, a ombrear com o que de melhor havia na Europa, surgiu a cirurgia cardíaca com grande solidez e visibilidade que, posteriormente, foi “colonizar” e abrir serviços noutros hospitais de Lisboa, sem esquecer a emergência e a consolidação de uma elite de neuroci-rurgiões.

Outros exemplos podíamos referir, sendo justo desta-car aqui algumas áreas médicas, como a cardiologia e a nefrologia, que prepararam uma verdadeira nata de especialistas, mais tarde pioneiros na introdução de técnicas inovadoras. Faço um destaque especial para o intensivismo e para a Unidade de Cuidados Intensivos (U.U.M.), do hospital de São José. Digo, julgo que com propriedade, que aquele local foi o berço dos cuida-dos intensivos em Portugal. Para além do elevado nível assistencial que prestou, pois tratou inúmeros doentes

com múltiplas e diversas patologias, esta instituição foi uma escola formativa única. Muitos dos especialistas que lá obtiveram a sua diferenciação originaram uma verdadeira diáspora e irradiaram para vários hospitais do País, onde se responsabilizaram pela organização e implantação de outras unidades semelhantes, de quali-dade indiscutível.

A partir da década de 80, a medicina em Portugal modi-ficou-se muito. Por um lado, houve a construção de vá-rias unidades hospitalares em muitos distritos do País, enquanto se recuperavam outras que haviam perten-cido às Misericórdias. Estes novos hospitais distritais acabaram por se tornar atraentes para muitos médicos que haviam feito a sua especialização nos hospitais cen-trais das grandes cidades e que tinham barrada a sua progressão no quadro rígido e muito disputado destas instituições. Levaram com eles para esses locais uma medicina de qualidade, o que ajudou a diminuir a im-portância relativa e a procura dos grandes estabeleci-mentos assistenciais que os tinham formado.

Contudo, a profunda alteração no exercício da Medi-cina que teve uma grande repercussão na vida inter-na dos hospitais, mesmo no relacionamento interpares e entre os vários grupos profissionais, radica noutras causas, bem conhecidas. Refiro-me à introdução das novas técnicas de diagnóstico e de terapêutica que vie-ram revolucionar por completo a prática clínica.

Quando a ecografia apareceu ficámos todos deslum-brados, quase não acreditando no que víamos. Estavam ali identificados, à frente dos nossos olhos, processos patológicos que só imaginávamos. Mas, muito mais es-tava para chegar – Tomografia Axial Computorizada (TAC), Ressonância Magnética (RM), variadas técnicas endoscópicas, cardiologia de intervenção, métodos de depuração extra-renal e muitas outras novidades.

Os médicos foram-se adaptando e convivendo com esta realidade nova, muitos deles a acreditar cegamente nela e, talvez por isso, mas não só, as especialidades que utilizavam essas técnicas passaram a ser disputadas pe-los mais classificados dos cursos. Pensando bem, além do estatuto que conferiam a estes profissionais, a sua execução em série permitia-lhes obter proveitos signi-ficativos, nunca ao alcance de quem utilizava apenas o estetoscópio.

Foi tudo isto que ditou a superespecialização. A par-

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Opiniãotir da especialidade-mãe, como a medicina e a cirurgia geral, foram surgindo várias subespecialidades – gas-troenterologia, nefrologia, endocrinologia, pneumolo-gia, infecciologia, reumatologia, cirurgia vascular, cirur-gia plástica e outras. Esta tendência quase mórbida para a especialização foi-se acentuando, passando a haver mesmo “peritos” de técnicas e já não só de áreas de conhecimento.

“Os enfermeiros que, sem ain-da aspirarem à licenciatura, tin-ham uma polivalência que lhes permitia executar várias tarefas, com o mesmo gosto e empen-ho”

A diálise peritoneal e a hemodiálise generalizaram-se e tornaram ridículas as dietas hipoproteicas que se faziam para tratar a insuficiência renal. Apareceram vários ti-pos de próteses e o transplante de órgãos foi ocupando espaço. A cirurgia laparoscópica, no início vista com reservas pelos cirurgiões mais clássicos, foi crescendo e encurtando o tempo de internamento, em sinergia com os hospitais de dia.

Estas novas valências foram fazendo um percurso de progressivo afastamento da disciplina- mãe, centrando-se à volta do órgão ou do sistema em causa, o que levou estes profissionais a aproximarem-se, preferencialmen-te, de algumas especialidades afins, como o nefrologista do urologista ou o cardiologista do cirurgião cardíaco. Foi assim que se perdeu a intervenção coordenadora da medicina interna, que devia ter um importante papel na avaliação crítica e na racionalização dos actos médicos.Seria desta forma que, na minha opinião, seriam inte-grados de forma eficaz e com rentabilidade máxima, os enormes progressos, no diagnóstico e na terapêutica, que estas novas possibilidades trouxeram.

Neste contexto, não admira que se requisitem e exe-cutem muitos exames e técnicas, sem ser feita uma prévia história clínica dos doentes. Esta mecanização e “industrialização” da medicina também levou a um afastamento cada vez maior do doente, pois salta de

um especialista para outro e circula pelas máquinas sem que ninguém fale com ele. Para além da dispersão na prescrição de medicamentos,que enchem, conjunta-mente com os exames, uns enormes sacos de plástico. O lema em voga é que não há tempo a perder à ca-beceira do doente, pois que urgirá fazer outras coisas.

Fonte: iStockphoto.com

A informatização do processo clínico também acabou por ajudar a assumir esta postura, substituindo-se as histórias completas do passado por umas folhas onde se colocam umas cruzinhas. Isto acaba por ajudar ao crescente protagonismo dos enfermeiros, que cada vez mais se mostram disponíveis para fazerem eles histórias e diários clínicos.

Muitos médicos não questionam as técnicas, esquecem que elas são falíveis, não atentam no facto de algumas serem invasivas e poderem determinar complicações sérias. Para além disso, a sua fiabilidade depende muito de quem as executa e interpreta. Ora, isto pode levar a juízos discutíveis e a erros de diagnóstico, quantas vezes irreparáveis.

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Opiniãodoente tivesse o seu médico assistente que, para além de fazer a integração de todos os seus dados clínicos, o “defenderia” e apoiaria nesta circulação pela diversifi-cada rede de cuidados, introduzindo alguma racionali-dade no sistema.

Ficou aqui explanada uma visão sobre o que era um hospital do passado e o que é hoje. Claro que o tem-po e as circunstâncias são diferentes. Talvez resultasse bem a conciliação destes dois mundos, para se fazer um aproveitamento óptimo do progresso médico, em prol do doente. Nesta senda, o hospital do futuro poderia inscrever na sua missão: aqui prestam-se cuidados de saúde aos doentes, com um grande nível qualitativo, de forma humanizada, com o tempo de internamento es-tritamente necessário, com o recurso racional aos exa-mes de diagnóstico e às terapêuticas medicamentosas, tendo sempre em vista que isto deve ser feito com o menor custo possível, porque os recursos são finitos.Se nos nossos hospitais se voltasse a valorizar o pri-mado da clínica, ainda acreditaria que se conseguisse atingir muitas destas premissas, mesmo que o caminho a percorrer fosse longo. Contudo, se não se modificar a cultura, os hábitos e os interesses instalados nestas instituições públicas, tudo se tornará mais difícil, se não mesmo impossível.

Lisboa, 14 de Agosto de 2011

Álvaro Carvalho Médico especialista de medicina interna

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Nota biográfica: Álvaro Carvalho nasceu em 1948, em Mata de Lobos, concelho de Figueira de Castelo Rodrigo.

Fez o ensino secundário no Liceu da Guarda e foi funcionário do Tribunal Colectivo de Géneros Alimentícios enquanto estudante de Medicina, na Faculdade de Medicina de Lisboa.

Iniciou a carreira médica nos Hospitais Civis de Lisboa, especializando-se em Medicina Interna. Dirigiu o Serviço de Medicina do Hospital Distrital de Cascais e foi presidente da Comissão de Ensino do Hospital de Santo António dos Capuchos/Desterro.

Em 1992 foi nomeado director clínico do Hospital Garcia de Orta, cargo que exerceu durante oito anos, assegurando, em simultâneo, a chefia do Departamento Médico e do Serviço de Medicina.

De 2002 a 2008 foi presidente do Conselho de Administração do Hospital Garcia de Orta. Professor convidado da Faculdade de Medicina da Uni-versidade de Lisboa de 2006 a 2011.

Actualmente é responsável clínico dos Serviços Sociais da Caixa Geral de Depósitos.

No início da década de 80 descobriu-se a Síndrome de Imunodeficiência Adquirida (SIDA). Desde então, a in-vestigação científica travou uma desesperada luta con-tra o tempo, na descoberta de terapêuticas eficazes para ela. Conseguiu-o com uma rapidez invejável, mesmo que para isso tenha abandonado outras linhas de inves-tigação, como a da antibioticoterapia. Esta é hoje uma patologia crónica que permite uma vida longa, embora tenha criado mais uma população de doentes imuno-comprometidos que acarreta custos muito elevados.

O mesmo podemos dizer para a doença oncológica em geral em que, com intervenções cirúrgicas cada vez mais precoces e assertivas, aliadas a fármacos altamente eficazes, permitiu-se a cura ou, pelo menos, o prolon-gamento substancial da vida destes doentes. Por vezes, o entusiasmo com os casos de sucesso embriaga os clí-nicos, o que pode levar a que seleccionem mal os doen-tes, levando à prescrição de tratamentos desnecessários ou mesmo intempestivos, sem qualquer benefício para eles. Corre-se ainda o risco de provocar iatrogenias sig-nificativas, que é outro dos males do nosso tempo.

São estes e outros doentes crónicos, com multipato-logias em grande parte associadas ao envelhecimento, que enchem os corredores dos serviços de urgência e as enfermarias, sobretudo da área médica. Claro que as precárias condições sociais das famílias também con-tribuem para este estado de coisas, pois às vezes seria suficiente um apoio domiciliário minimamente adequa-do. Na sua falta, resta a disponibilização de uma rede correta de cuidados continuados e paliativos, que tarda em ser plenamente construída.

De tudo o que acabo de dizer, resulta claro que os custos de todos estes cuidados assistenciais são enor-mes, a par de uma desumanização que raia o chocante. Para inverter esta trajectória seria importante que cada

“Muitos médicos não questio-nam as técnicas, esquecem que elas são falíveis, não atentam no facto de algumas serem invasi-vas e poderem determinar com-plicações sérias”

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Gestão em Saúde

Fundado em 1960, pelo Professor Fernando Figueira, o Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira – IMIP é uma entidade sem fins lucrativos, de utilidade pública, 100% SUS, que atua nas áreas de assistência médico-social, ensino, pesquisa e extensão comunitária. Voltado para o atendimento da população carente per-nambucana, ao prestar assistência integral à saúde da criança, da mulher e do adulto, o Complexo Hospita-lar do IMIP é reconhecido como uma das estruturas hospitalares mais importantes do país, sendo centro de referência assistencial em diversas especialidades mé-dicas. Com 918 leitos, o IMIP realiza mais de 600 mil atendimentos anuais em seus serviços.

Referência - Como primeiro hospital do Brasil a rece-ber o título de “Hospital Amigo da Criança”, concedido pela Organização Mundial de Saúde / UNICEF e Mi-nistério da Saúde, o IMIP foi ainda um dos primeiros a obter o certificado de Hospital de Ensino do país. Este instituto é pautado pela humanização no atendimento desde a sua fundação; são 15 comissões que atuam na qualidade dos serviços hospitalares e na ética.

Em 2006, o IMIP deu um grande passo para se tor-nar o maior Complexo Hospitalar do Norte/Nordeste. Numa decisão que contou com o apoio de toda a so-ciedade, o IMIP incorporou o Hospital Pedro II, in-augurado em 1861, e que estava desativado há mais de 20 anos. Com o apoio financeiro dos governos federal, estadual, municipal, de empresas privadas e de doações individuais, o IMIP realizou a modernização e restau-ro do Pedro II, recuperando a arquitetura original do prédio.

Administrado pelo médico, Gilliatt Falbo, o Complexo Hospitalar do IMIP é um conjunto de dez prédios, in-cluindo o Hospital Pedro II, distribuídos numa área de

HÁ 51 ANOS, IMIP PRESTA ASSISTêNCIA MÉDICA À POPULAçãO CARENTE DO NORDESTE

53 mil metros quadrados que oferece, através do SUS, serviços ambulatoriais e hospitalares, especializados para crianças, mulheres e homens, com centro de diag-nóstico e medicina intervencionista próprios, Hospital-Dia, emergências e salas para realização de diferentes terapias.

Desde 2006, o IMIP vem solidificando sua atuação como instituição gestora de hospitais públicos. Atra-vés da Fundação IMIP Hospitalar, que é uma Or-ganização Social, o IMIP administra hospitais, unida-des de saúde do Recife, do interior de Pernambuco e de estados vizinhos. Essa expansão consolida o IMIP como modelo para outras gestões hospitalares do Bra-

Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira – IMIP

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Gestão em Saúdesil. “Desde a sua fundação, o IMIP tem se caracterizado pelo enfrentamento dos desafios postos. Mas, para isso, temos como premissa fundamental possibilitar o aces-so à saúde como direito universal da população; somos 100% SUS e há 51 anos, o IMIP colabora como órgão complementar a ação governamental”, afirma Gilliatt Falbo.

O IMIP disponibiliza serviços diferenciados como Ra-diologia Intervencionista, Radioterapia e Medicina Nu-clear - este último com o primeiro PT-CT do Brasil para uso exclusivo dos pacientes do SUS; um moderno Centro de Reabilitação Motora, com pista de prospe-cção, piscina e ginásio; Unidade de Cuidados Paliativos (outra iniciativa pioneira); Hospital Geral de Transplan-te, Enfermarias de Cirurgia Cardíaca e Neurocirurgia.

É ainda referência para tratamento de fissuras lábio-palatais em bebês, através do Centro de Atenção aos Defeitos da Face do IMIP, coordenado pelo cirurgião português Rui Pereira. Doenças celíacas, autismo e sín-dromes de diversas origens são tratados no IMIP, que é ainda um dos principais centros de excelência em pe-diatria do país.

Isso é possível graças à missão do IMIP de atuar simul-taneamente no ensino, pesquisa e assistência médico-social, sendo um exemplo no Brasil do que é preconi-zado pelo Sistema único de Saúde – SUS de oferecer saúde integral ao cidadão. Além de formar profissionais de saúde comprometidos com os preceitos do SUS, desenvolver pesquisas de alto impacto, o IMIP oferece assistência à atenção primária (através da Extensão Co-

munitária), secundária e terciária.

ENSINO O IMIP é a única entidade a oferecer, em todo país, Doutorado em Saúde Materno-Infantil, além de mes-trados e diversas residências médica e em outras áreas de saúde. Tem intercâmbio e convênio com várias uni-versidades e instituições de saúde do país e do mundo, o que atrai estudantes e profissionais do Brasil e do exte-rior, que vão ao IMIP para aperfeiçoar conhecimentos técnico-científicos.

Além do doutorado, a instituição oferece Curso de Mestrado Acadêmico em Saúde Materno Infantil e Cur-so de Mestrado Profissional em Avaliação em Saúde, 24 Programas de Residência Médica, 06 programas em outras áreas da saúde, além de cursos de especialização. Os estudantes de graduação e residentes do IMIP con-tam com toda infra-estrutura de um Centro Acadêmico.

A Diretoria de Ensino conta com uma moderna sede e ampla infra-estrutura. São 18 auditórios e salas de aula que totalizam 1.500 lugares. Com capacidade para mais de 700 pessoas, o Espaço Ciência e Cultura é um audi-tório que abriga eventos de grande e médio porte como congressos, convenções, conferências, telemedicina e apresentações culturais. A Sala de Defesa de Tese é um espaço onde são realizadas todas as defesas de teses de doutorado, além de sessões solenes como colação de grau e homenagens. Os alunos, pesquisadores e profissionais do IMIP ainda

Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira – IMIP

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Gestão em Saúde

dispõem da Biblioteca Ana Bove. Com sala para estudo em grupo, sala para estudo individual e videoteca, o local possui um acervo de mais de 6 mil títulos da área da saúde, além de 16 estações de computadores com acesso à rede de internet. Outro ponto a se destacar é a disponibilização do Portal de Periódicos da Capes permitindo acesso gratuito de profissionais de saúde, pesquisadores, residentes e estudantes do IMIP às ba-ses Scopus e Science Direct.

A Escola Politécnica de Saúde atua nas áreas de as-sistência médico-social, ensino, pesquisa e extensão comunitária. Tem como compromisso a Educação Profissional em Saúde voltada para a formação ética, política e técnica construída por meio de cursos que possibilitam o desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva e social do cidadão.

O Núcleo de Tecnologia da Informação – que integra o Programa de Educação a Distância e o Telesaúde - também faz parte da Diretoria de Ensino do IMIP e é uma estratégia de formação permanente e continuada dos profissionais/cidadãos em saúde, de acordo com os dispositivos da legislação educacional vigente no país.

A Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil, de pu-blicação trimestral, é a primeira publicação científica do Brasil na área de saúde da criança e da mulher. É regis-trada por importantes indexadores de literatura cientí-fica no Brasil e no exterior.

Faculdade Pernambucana de Saúde

Em 2005, o IMIP ampliou suas atividades de ensino ao fundar, em parceria com a Faculdade Boa Viagem, a Faculdade Pernambucana de Saúde. Com uma área de 33 mil m², a FPS oferece cursos de graduação em medicina, enfermagem, psicologia, fisioterapia e farmá-cia, em modernas instalações, com laboratórios e equi-pamentos de última geração.

A maior parte do corpo docente é formada por profis-sionais do IMIP, todos com mestrado e doutorado. Um diferencial da FPS é a utilização da Aprendizagem Baseada em Problema – ABP, metodologia inovado-ra de ensino através da qual o aluno tem participação ativa na construção do conhecimento.

Uma das principais características desse modelo é o processo de ensino-aprendizagem centrado na cons-trução do conhecimento pelo aluno, no qual a teoria é ensinada a partir de problemas reais e orientada na comunidade. Desde o primeiro semestre dos cursos, os alunos entram em contato com o paciente no comple-xo hospitalar do IMIP (Hospital Escola) e nos Postos de Saúde da Família, atendidos pelo programa de Ex-tensão Comunitária do IMIP.

PESQUISA

Junto com a assistência e o ensino, a Pesquisa do IMIP compõe o tripé que dá sustentação à missão institucio-nal do IMIP, desde a sua fundação. A Diretoria de Pes-quisa tem como objetivo coordenar, orientar e apoiar o desenvolvimento das atividades de pesquisa e pro-dução de conhecimento em todo o IMIP. O escopo das atividades foi alargado e há sete grupos de pesquisa cadastrados pelo Conselho Nacional de Desenvolvi-mento Científico e Tecnológico (CNPq). São eles: Saú-de da Mulher, Saúde da Criança, Avaliação de Serviços de Saúde, Oncologia, Cirurgia, Estudos da Violência e Nutrição.

Com reconhecida experiência e referência nacional na identificação de processos inovadores na prevenção e tratamento de doenças, o IMIP criou o Centro de Pes-quisas Clínicas (CPC), com o apoio dos Ministérios da Saúde e da Ciência e Tecnologia. O CPC realiza testes, aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres

Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira – IMIP

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Gestão em SaúdeHumanos, com medicamentos, de laboratórios públi-cos e privados, em voluntários que podem se beneficiar com a liberação dos mesmos. Para isso, dispõe de en-fermaria com 36 leitos e infra-estrutura própria.

Em 2009, o IMIP inaugurou o Laboratório de Pesquisa Translacional Prof. C. Anthony Hart (LPT-CAH). Tra-ta-se do primeiro laboratório do IMIP voltado priori-tariamente para o apoio às atividades de pesquisa. Com uma abordagem bastante moderna em saúde, a pesqui-sa translacional tem sido aplicada nos maiores centros de pesquisa do Brasil e do mundo.

A pesquisa translacional pode ser definida como a tra-dução efetiva dos achados das pesquisas biomédicas para a prática clínica e para a tomada de decisão da área da saúde, visando atingir o principal objetivo de mel-horar a saúde humana. Ou seja, é aquela que transfor-ma a descoberta da academia numa ferramenta de uso médico.

Este Laboratório de Pesquisa Translacional é fruto de um investimento do IMIP, através do Fundo de Apoio à Pesquisa e ao Ensino (FAPE), e visa incrementar a prática de pesquisas de alto nível desenvolvida por este Instituto, além de apoiar o ensino de pós-graduação stricto sensu. O principal objetivo do Laboratório é, portanto, oferecer condições para a utilização das fe-rramentas da biologia nos projetos dos grupos de pes-quisa do IMIP.

Outro componente importante, o Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do IMIP é registrado na Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) e aprova anualmente cerca de 20 projetos de pesquisa.

Trabalhando em estreita relação com o ensino da pós-graduação, a pesquisa no IMIP é ainda beneficiada pe-los diversos intercâmbios institucionais e conta com o apoio de organizações como Ministérios da Saúde e Ciência & Tecnologia, OPAS, UNICEF, UNESCO, OMS, além de importantes Universidades e Centros de Pesquisa no Brasil e no mundo.

EXTENSÃO COMUNITÁRIA

O núcleo de Extensão Comunitária do IMIP coordena 12 unidades físicas de saúde, 21 equipes do Programa de Saúde da Família - PSF, em oito comunidades de baixa renda (favelas), localizadas na periferia da cidade

de Recife e Olinda, beneficiando cerca de 70 mil pes-soas. Pioneiro no Brasil, o Projeto de Ações Básicas de Saúde para a População de Baixa Renda foi criado em 1983 com o apoio da UNICEF. Tendo como objetivo evitar doenças mais graves, transmitindo informações básicas sobre saúde e higiene.

Dentro das atividades desenvolvidas, ressalta-se o papel dos Agentes Comunitários de Saúde, que são selecio-nados entre os próprios moradores das áreas assistidas, tendo como principal eixo de sua prática, a vigilância à saúde, com ações de promoção da saúde e prevenção de doenças.

Nas visitas, as pessoas são assistidas pelo Programa Saúde da Família (PSF), através de ações como imuni-

Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira – IMIP

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Gestão em SaúdeAtuando diretamente na sociedade, a FAF desenvolve continuadamente ações e estratégias para campanhas, elabora projetos de captação de recursos financeiros, junto a instituições nacionais e internacionais, além de atuar nas ações de marketing social do IMIP e trabal-ho voluntário dentro da instituição. A mobilização de voluntários, que doam seu tempo e sua atenção aos pa-cientes do IMIP, não pára de crescer. Hoje, são mais de 400 participantes atuando voluntariamente nos diver-sos setores do IMIP, humanizando assim o sofrimento causado pela internação hospitalar.

Juliana Guerra

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Nota Biográfica: Formada em jornalismo, Juliana Guerra é assessora de imprensa do IMIP e coordenadora do Laboratório de Comunicação da Faculdade Pernambucana de Saúde. Faz mestrado em Sociologia da Saúde na Universidade Federal de Pernambuco - UFPE.

zação, terapia de reidratação oral, pré-natal e controle de desenvolvimento e crescimento, entre outros. Com isso, o IMIP criou uma nova dinâmica ao trabalho, ele-gendo a família como núcleo básico de abordagem e promovendo a humanização das consultas.

Fundação Alice Figueira de Apoio ao IMIP

O professor Fernando Figueira homenageou sua mãe no centenário de nascimento, colocando seu nome ao criar a FAF em 1987. A Fundação Alice Figueira de Apoio ao IMIP (FAF) é uma entidade privada, sem fins lucrativos que tem como missão mobilizar a sociedade para as campanhas de obtenção de recursos materiais, financeiros e humanos necessários à continuidade das ações do IMIP.

Ao sensibilizar a sociedade para as necessidades do IMIP, a FAF supera desafios, conquista espaços e, prin-cipalmente, contribui para a construção de um mundo mais digno em prol do bem estar e de qualidade de vida.

O Fórum Hospital do Futuro tem o pra-zer de anunciar a data para a cerimó-nia de entrega dos Prémios Hospital do Futuro 2010/2011.

A entrega será feita em cerimónia pública, na 19ª Conferência Sinase, no dia 14 de Novem-bro. O IX Fórum Hospital do Futuro irá deco-rrer no dia seguinte, 15 de Novembro.

O IX Fórum Hospital do Futuro irá de-correr no dia seguinte, 15 de Novem-bro.

Mais informações em http://www.hospitaldofuturo.com/premios

PUB

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Opinião

1. Para esta análise situo-me nos Países mais des-envolvidos, em especial da Europa; e não me refi-ro ao que irá acontecer nos próximos 50 anos nos países que vão desenvolver-se, nomeadamente na África e na América do Sul. Nestes Países o que vai muito provavelmente suceder será uma mudança pro-gressiva até serem atingidos os padrões actuais de saú-de e doença que observamos hoje na Europa.

A criação do National Health Service no Reino Unido, depois replicada em vários outros países europeus, teve como consequência mais importante, nos primeiros 50 anos, a uniformização da protecção da saúde e do tra-tamento das doenças em toda a população, tornando menos exacta a afirmação de que os pobres adoecem mais e morrem mais cedo de doença do que os ricos. Com o acesso universal e gratuito de todos os cidadãos aos cuidados de saúde e à informação sobre compor-tamentos preventivos e de diagnóstico precoce, dimi-nuiu muito a reconhecida diferença entre o adoecer de pobres e de ricos. Antes do NHS poderíamos dizer, em síntese esquemática, que no Reino Unido os ricos adoeciam e morriam de cancro, em idade avançada, e os pobres adoeciam e morriam de tuberculose, em jovens. Hoje os padrões do adoecer e do morrer são idênticos para toda a população; a diferença, que ainda existe é marginal e pouco relevante em termos estatísticos.

Este foi, para mim, o melhor resultado de que um Esta-do Social se pode orgulhar e merece ser referido nestes tempos em que o Estado Social é objecto de críticas e em que os custos sociais dos cuidados de saúde são vis-tos como uma despesa e não como um investimento, com valor económico; como se uma pessoa saudável não fosse um agente económico mais produtivo e efi-caz que uma pessoa doente.

Para conseguir este resultado o Estado Social, por exemplo em Portugal, criou uma rede de prestadores públicos que deverá cobrir todo o território nacional, com um ambulatório de medicina geral e familiar, tanto quanto possível de proximidade, aberto e acessível a

todos os cidadãos, e um conjunto de estruturas hospi-talares com níveis progressivamente crescentes de ca-pacidade instalada para intervenções especializadas nas situações de doença mais complexas.Está escrito, e eu creio que é uma afirmação bem apoia-da em observações no terreno dignas de crédito, que a rede de cuidados de ambulatório acolhe e resolve bem 80 % das queixas das pessoas que se declaram doentes; pelo que só 20 % vão ter de recorrer aos cuidados hos-pitalares. Também é verdade que se a assistência em ambulató-rio seguir um modelo como o das Unidades de Saúde Familiar, o mais desburocratizado que for possível, a confiança dos utilizadores no médico e nos seus diag-nósticos aumenta muito, o que reduz significativamente a ida aos hospitais, nomeadamente para atendimento nos serviços de urgência.

Repito que esta leitura do adoecer e do procurar cui-dados é hoje idêntica, quer se trate de ricos, remedia-dos ou pobres. As pessoas são recebidas igualmente, adoecem da mesma forma e são tratadas rigorosamente como pessoas iguais.

Este é o ponto de partida para a evolução que se vai processar

2. Que evolução se pode prever para os próximos 50 anos?

Prevejo duas linhas evolutivas principais, tanto no

COMO SERÁ, NO FUTURO, ADOECER? E SER TRATADO?

Daniel SerrãoProfessor Catedrático de Anatomia Patológica e Doutorado em Medicina.

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Opiniãoadoecer como no tratar.

“Com o acesso universal e gratui-to de todos os cidadãos aos cui-dados de saúde e à informação sobre comportamentos preventi-vos e de diagnóstico precoce, di-minuiu muito a reconhecida dife-rença entre o adoecer de pobres e de ricos”

A primeira linha é, em esquema, esta. Dominadas as doenças infecciosas, mesmo as víricas, com vacinações cada vez mais eficazes na prevenção, e conseguido um aumento significativo da duração da vida, serão duas as formas de adoecer mais frequentes: a perda das funções cerebrais e as neoplasias malignas.A perda das funções cerebrais é do âmbito da clínica geral e familiar, o cancro será uma doença tipicamente hospitalar.Uma e outra têm já hoje, e terão muito mais no fu-turo, técnicas de prevenção que deverão caber a uma medicina familiar de intervenção; que é uma medicina em que os profissionais, médicos, enfermeiros e outros técnicos de saúde, actuam sobre as pessoas em lugar de esperar que elas se queixem de sintomas; pois que estes são já sinal de doença avançada e de cura mais difícil ou impossível.

A segunda linha, que é a mais própria do futuro, está fundamentada no desejo de imortalidade. Este desejo de imortalidade levará ao desenvolvimento de técni-cas de regeneração celular e tecidular, com recurso a células estaminais, primeiro, depois à substituição de órgãos por transplante ou por implantação de órgãos artificiais, e, finalmente, à clonagem como a forma mais acabada e perfeita de imortalidade somática.Estes desenvolvimentos não são ficção científica, são uma realidade cada vez mais próxima de aplicabilidade na clínica. Nos Estados Unidos e no Japão, estão a ser investidas verbas enormes na investigação de aspectos-chave como a intervenção da biologia molecular e da genética na criação regenerativa de células e tecidos e para conhecer os mecanismos de regeneração celular

que caracterizam a função estaminal, que hoje pode já ser induzida em qualquer tipo de célula diferenciada. Por exemplo uma célula mesenquimatosa da medu-la óssea, que tem função estaminal, pode servir para regenerar células neuronais perdidas com a idade ou por lesão. Sem o risco da rejeição a qual só ocorrerá se as células estaminais forem de um embrião humano, que será estranho imunologicamente, claro está. Da es-trutura conjuntiva do cordão umbilical que envolve e sustenta os vasos sanguíneos, artérias e veia, foram re-tiradas células com função estaminal que regeneram as células endoteliais de artérias e veias. Há outros resulta-dos muito importantes, como os que são obtidos com o ADN de interferência que condiciona a expressão da informação registada no ADN genómico codifican-te. E a des-diferenciação seguida de neo-diferenciação, que já permitiu a transformação de células hepáticas em células insulares do pâncreas para tratamento da diabetes induzida, no Rato. E um dia no Homem, se-guramente.

Estes desenvolvimentos científicos dos quais dei ape-nas uma pequena amostra, vão tornar a medicina cada vez mais tecnológica e mais interventora actuando so-bre o corpo humano, mas dividido nos seus elementos constitutivos mais simples que são as unidades celula-res. Esta medicina de intervenção sobre as células vai ter como campo privilegiado a célula tumoral maligna, para substituir a cirurgia de exérese e mutilação. Um cancro metastizado não terá indicação cirúrgica sal-vo para reduzir a massa de tecido tumoral em certas localizações. A célula tumoral, como célula estaminal que, de toda a evidência, é, vai ser conhecida no mais ínfimo pormenor da sua biologia molecular e da sua

Fonte: iStockphoto.com

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Opinião

informação genómica, para poder ser biologicamente neutralizada, por exemplo “forçando-a “ a diferenciar-se. Ou seja, a terapia molecular sobre a célula cancerosa começa a estar disponível e vai ter uma expansão dra-mática nos próximos anos.Com a maior segurança para as células naturalmente estaminais existentes no corpo como as da medula óssea que produzem os elementos figurados do sangue circulante. Poupando-as aos efei-tos devastadores das actuais quimioterapias.

3. A cirurgia, como técnica de intervenção sobre o corpo, vai ser profundamente modificada com a introdução de instrumentos robotizados que obedecem a um comando a distância. A “sala de operações” será, no hospital do futuro, um espaço de tecnologia da maior sofisticação, sem nada a ver com o actual espaço operatório. A utilização de laser como

“A possibilidade de obter, em tempo real, a interpretação mais segura de uma Ressonância magnética nuclear, por exemplo, a ser feita em Lisboa e a ser vis-ta na Clínica Mayo, vai criar uma cultura médica internacionali-zada e bem mais segura para os doentes”

“bisturi” tornará obsoletos os actuais instrumentos de corte e as técnicas de sutura e hemostase. Tal como os by pass coronários já são hoje em grande parte rea-lizados por equipamentos robotizados, muitas outras cirurgias, como as re-implantações de membros, vão beneficiar deste avanço tecnológico, com grande eco-nomia de tempo operatório e maior benefício para o doente. Será possível, por exemplo, um cirurgião ale-mão “fazer” uma cirurgia de um doente que estará em Portugal, comamndando um robot, sem viajar de Mu-nich para Lisboa.

4. As técnicas de conhecimento, por imagem, das estruturas corporais, que começaram com o uso dos raios X, tiveram um desenvolvimento tão es-pantoso que hoje nenhuma parte do corpo escapa a um escrutínio minucioso que tanto nos mostra o sangue a entrar no cérebro pelas artérias e nos informa logo do volume e da velocidade dessa en-trada, como nos diz que o hipocampo começou a trabalhar quando fixamos com o olhar e memori-zamos um acontecimento; ou nos dá a conhecer as particularidades da mucosa entérica, desde a boca até ao ânus, transmitidas por uma cápsula que por lá viaja livremente até ser eliminada.Depois, a possibilidade de transmitir todas imagens e de receber no telemóvel ou num ecrã fixo, o electro-cardiograma em tempo real quando vai a conduzir o seu automóvel para verificar se a sua tensão arterial está em valores normais ou se as pulsações estão a acelerar com as complicações do trânsito citadino vai tornar a vigilância clínica inteiramente virtual. A possibilidade de obter, em tempo real, a interpretação mais segura de uma Ressonância magnética nuclear, por exemplo, a ser feita em Lisboa e a ser vista na Clínica Mayo, vai criar uma cultura médica internacionalizada e bem mais segura para os doentes.

5. Estas linhas de desenvolvimento da prática clí-nica irão orientar a criação de um novo conceito de Hospital, uma nova forma de atendimento em ambulatório e novas exigências das pessoas sãs e doentes. Porque a informação do que pode ser fei-to deixará de ser couto exclusivo dos profissionais de saúde para circular livremente na Internet. E esses “ Humanus” do futuro viverão mais de metade do seu tempo diário de vida no universo virtual informático.É tempo de irmos preparando os nossos jovens para este futuro que será o seu•

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Saúde na Lusofonia

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Num conjunto de 5 artigos referentes a Portugal, à Guiné-Bissau e a Moçambique identificamos temas relacionados com os recursos humanos no sector da saúde que se impõem pela sua premência a nível global.O défice de recursos humanos no sector é uma reali-dade global a que nenhum dos países lusófonos está isento. Esta realidade convida a feiras das profissões que apresentam aos profissionais oportunidades de emigração que agravam ainda mais o défice. O défice está associado à mobilidade profissional, descrita por Conceição et al. (p 43) e mencionada pelos informa-dores chave no estudo guineense. Resulta numa maior carga de trabalho que leva a uma redução do acesso dos utentes aos cuidados e a uma perda de qualidade, realidades descritas para a Guiné-Bissau e Moçambique por Ferrinho et al. (p 47). Ao défice quantitativo está, muitas vezes associado um qualitativo que resulta em respostas dos profissionais, para tentar ir ao encontro das necessidades do doente mesmo sem ter a formação prevista, e de referenciações que deveriam ser desnecessárias, sobrecarregando os níveis mais diferenciados dos sistemas de saúde, si-tuações descritas para Moçambique por Ferrinho et al (p 51).A força de trabalho é um recurso que deve ser estima-do e que para se manter produtivo e eficaz, tem que estar saudável (como abordado no artigo por Frontei-ra, (p 40) e trabalhar nas condições de biossegurança que o protegem de riscos profissionais. Tem que ter condições técnicas e infra-estruturais para trabalhar, e tem que poder actualizar as suas competências, e ser remunerado de modo justo. Na ausência destas con-dições, aumenta a doença e a taxa de mortalidade, o absentismo torna-se crónico, a qualidade dos cuidados prestados é deficitária, são feitas cobranças indevidas aos utentes, criando-se uma barreira financeira e uma perda de confiança nos funcionários públicos, instalan-do-se um clima de pequena corrupção, numa ambiente de grande insatisfação profissional (Ferrinho et al.,p 40 e …).Os recursos humanos são o capital que valoriza o sis-tema de serviços de saúde. Todas as evidências, a nível

“O défice de recursos huma-nos no sector é uma realida-de global a que nenhum dos países lusófonos está isento”

global e em todos os países lusófonos, apontam para a necessidade de investir na formação inicial de todas a categorias de profissionais, para garantir o número adequado de prestadores e o mix de competência que, com condições técnicas favoráveis ao bom desempen-ho, num contexto de biossegurança e numa perspectiva de valorização profissional contínua, tornam os siste-mas de serviços de saúde organizações produtoras de saúde e bem-estar.

Paulo Ferrinho, Gilles DussaultUnidade de Sistemas de Saúde e Centro de Malária e Outras Doenças Tropicais, Instituto de Higiene e Medicina Tropical, Universidade Nova de Lisboa e Associação para o Desenvolvimento e Cooperação

Garcia de Orta, Lisboa, Portugal.

RECURSOS HUMANOS EM SAúDE NA LUSOFONIA

Paulo Ferrinho Gilles Dussault

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Saúde na Lusofonia

Vários estudos têm sugerido que os enfer-meiros têm um perfil de saúde diferente do da restante população, com problemas de saúde específicos [1,2]. Uma investigação, realizada no Instituto de Higiene e Me-dicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa, pretendeu perceber se o trabalho de enfermagem está associado a determi-nadas doenças que levam a que, propor-cionalmente, existam mais mortes por es-sas doenças nos enfermeiros do que nos outros profissionais dos cuidados de saú-de e do que na população em geral (REF a tese?). A investigação estudou a população residente em Portugal Continental e Ilhas dos Açores e da Madeira que tinha falecido entre 1 de Junho e 30 de Setembro de 2003. Foi utilizada a base de dados dos certifica-dos de óbito fornecida pela Direcção Geral da Saúde.

Este estudo definiu perfis de mortalidade para os indi-víduos falecidos no período em estudo e que tinham a profissão declarada no certificado de óbito. Foram comparadas as percentagem de mortes esperadas e ob-servadas por causa e grupo profissional.Constatou-se que a idade média de falecimento dos profissionais dos cuidados de saúde, considerados como um todo ou separadamente em enfermeiros e outros profissionais dos cuidados de saúde, era maior do que a dos restantes profissionais. No entanto, para

todos os grupos profissionais estudados a maior pro-porção de óbitos ocorria depois dos 74 anos de idade.Foram dentificados quatro perfis de mortalidade: dois determinados pelo tipo de óbito (natural ou não), o grupo etário e a causa de morte, e dois definidos tam-bém pelo grupo etário, causa de morte, estado civil e profissão (sem que, contudo, existisse um poder discri-minatório das profissões dos cuidados de saúde).Os profissionais dos cuidados de saúde (incluindo enfermeiros), comparativamente com os outros pro-fissionais, tinham uma taxa de mortalidade maior por doenças do sistema nervoso e menos por doenças do aparelho geniturinário.Os enfermeiros, por seu lado, quando comparados com os outros profissionais (incluindo os outros profissio-nais de saúde), tinham uma taxa de mortalidade maior

SERÁ QUE A MORTALIDADE DOS ENFERMEIROS E DOS OUTROS PROFISSIONAIS DE SAúDE SERIA DE CAUSAS DIFERENTES DA DEMAIS POPULAÇÃO TRABALHADORA?

Fonte: shutterstock.com

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Saúde na Lusofoniadoenças do sistema nervoso e menos por doenças do aparelho respiratório e por sintomas, sinais e resultados anormais de exames clínicos e de laboratório, não espe-cificados em outra parte.Ao comparar a percentagem de óbitos por causa es-pecífica dos enfermeiros com a dos outros profissio-nais dos cuidados de saúde, verificou-se que a taxa de mortalidade dos enfermeiros era maior por algumas doenças infecciosas e parasitárias, doenças endócrinas,

nutricionais e metabólicas, doenças do sistema nervoso e causas externas; era menor por doenças do aparelho respiratório.Nos outros profissionais dos cuidados de saúde, quan-do comparados com a população trabalhadora em geral, as doenças do sistema nervoso e a doenças do aparelho respiratório eram as maiores causas de morta-lidade, e as causas externas as menores.Este estudo, detectou, também, mais óbitos devidos a tumores nas mulheres profissionais dos cuidados de saúde quando comparadas com as mulheres dos outros grupos profissionais. Este padrão mantinha-se quando se comparavam as enfermeiras ou as outras profissio-nais dos cuidados de saúde com as restantes mulheres. O excesso de mortes por tumores mantinha-se nas en-fermeiras quando se utilizava, como grupo de compa-ração, as outras profissionais dos cuidados de saúde. Concluiu-se, assim, que três aspectos caracterizavam a mortalidade dos profissionais dos cuidados de saúde: a idade de falecimento era mais alta do que dos não profissionais de saúde, tinham um défice de mortalida-de na maioria das causas consideradas até aos 54 anos de idade, apresentavam um excesso de mortalidade por doenças do sistema nervoso e um défice por doenças do aparelho geniturinário.Na base do défice de mortalidade, descrito também por outros autores [3,4,5], podem estar diversos fac-tores. Os profissionais dos cuidados de saúde podem

beneficiar dos seus próprios conhecimentos e, assim, terem estilos de vida mais saudáveis e comportamentos relacionados com a saúde que lhes permita viver mais tempo [6].O trabalho no sector da saúde, e mais precisamente o trabalho dos profissionais dos cuidados de saúde (en-fermeiros e outros) era, até um passado recente, rela-tivamente estável, seguro e não existia desemprego; nos restantes grupos profissionais existiriam profissões para as quais tal não se verificava. Assim, em algumas delas, os indivíduos poderão ter experimentado desem-prego ou de condições precárias de trabalho (subem-prego) que, cumulativamente com outras desvantagens adquiridas ao longo da vida, podem ter influenciado fortemente a saúde do indivíduo e consequentemente, um falecimento precoce [7,8].O excesso de mortalidade por doenças do sistema ner-voso nos profissionais dos cuidados de saúde foi já des-crito noutros estudos [9,10,11,12]. Uma das possíveis explicações pode advir dos profissionais dos cuidados de saúde terem falecido mais tarde do que os indiví-duos com outras profissões e, como tal, terem desen-volvido estas patologias devido a um processo natu-ral de envelhecimento. Outra das explicações, e, neste caso especificamente para os enfermeiros, pode ter a ver com a elevada prevalência do sexo feminino, factor predisponente a doenças neurodegenerativas.

“Os profissionais dos cuidados de saúde, durante o seu exercí-cio profissional são expostos a uma série de substâncias quími-cas”O conhecimento actual sobre a etiologia dos tumores malignos está condicionado pela noção de uma com-plexa teia de causalidade e pelos métodos epidemioló-gicos. Os profissionais dos cuidados de saúde, durante o seu exercício profissional são expostos a uma série de substâncias químicas entre as quais se encontram fár-macos, gases anestésicos, agentes de limpeza e de este-rilização, solventes, sabões e reagentes com potenciais efeitos mutagénicos, carcinogénicos e teratogénicos [13], o que poderia contribuir para o excesso de morta-lidade por tumores anteriormente descrito.Os resultados obtidos com esta investigação não jus-tificam recomendações sobre intervenções específicas,

“O excesso de mortes por tumores mantinha-se nas en-fermeiras quando se utilizava, como grupo de comparação,as outras profissionais dos cuida-dos de saúde.”

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Saúde na Lusofoniamas apontam para a necessidade de se reforçar os ser-viços de saúde ocupacional para enfermeiros e outros profissionais de saúde. O conhecimento sobre a saúde dos enfermeiros e a influência que o trabalho de enfer-magem tem sobre esta é, ainda, lacunar.

Inês Fronteira ................................................................................................

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Saúde na Lusofonia

INTRODUÇÃOA nível mundial a mobilidade dos profis-sionais é um fenómeno crescente, com impacto sobre os sistemas de saúde dos países receptores, doadores ou de trânsi-to. Em Portugal, não estão devidamente documentadas (ver caixa sobre limitações dos dados) e estudadas as tendências de deslocação preferencial dos profissionais de saúde, o que fragiliza o planeamento e as políticas de desenvolvimento da força de trabalho da saúde.

A MOBILIDADE DOS PROFISSIONAIS DE SAúDE EM PORTUGAL

Neste artigo apresentamos alguns dados obtidos numa recolha preliminar de informação no contexto de um projecto Europeu que, além de Portugal, cobre 24 paí-ses [1], discutimos as suas implicações, e propomos estratégias para melhor compreender o fenómeno da mobilidade.A mobilidade compreende a saída de profissionais por-tugueses para um outro país para aí residir e trabalhar, de forma permanente ou temporária; a entrada de pro-fissionais de nacionalidade estrangeira para trabalhar no nosso país de forma permanente ou temporária; as situações em que profissionais residem num país e tra-balham num outro por períodos curtos; a mobilidade interna (entre diferentes regiões do Continente, entre Continente e Regiões autónomas, entre diferentes or-

Caixa – Limitações das fontes de informação sobre a força de trabalho da saúde:

A maior limitação ao conhecimento da mobili-dade dos profissionais de saúde prende-se com a existência de múltiplas fontes de informação que recolhem aspectos parcelares da realidade glo-bal da força de trabalho da saúde em Portugal. Outro problema é a disponibilização escassa de informação, organizada segundo diferentes clas-sificações das profissões e agregada. As Ordens e Associações profissionais são os registos utiliza-dos pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) para as estatísticas de profissionais de saúde. O INE desenvolve outros estudos que permitem retratos parcelares da força de trabalho da saúde: censo, inquéritos a unidades de saúde com inter-namento do sector público e privado; inquéritos a centros de saúde no Continente e Regiões Au-tónomas (mas só recentemente se colhe infor-mação sobre nacionalidade dos profissionais). A Administração Central do Serviço Nacional de Saúde (ACSS) do Ministério da Saúde tem uma Base de dados de profissionais de saúde do Ser-viço Nacional de Saúde no Continente que col-he a variável nacionalidade mas que não permite

conhecer as transferências e movimentos dentro do sistema. O Ministério do Trabalho e da Segu-rança Social é uma das fontes de informação pos-sível pela existência de um imperativo legal para a entrega anual, por entidades com trabalhadores ao seu serviço, de uma listagem de caracterização de todo o seu pessoal (“Quadros de pessoal”). No entanto, não se conhece qual a proporção do universo de entidades com obrigação legal de notificar que de facto notifica. Outra fonte de in-formação sobre os recursos humanos no sector privado seria o Ministério das Finanças, através do registo de trabalhadores da saúde como tra-balhadores independentes. No entanto, o INE não desagrega a informação relativa a trabalha-dores independentes e o Ministério das Finanças não a disponibiliza. O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras Portugueses, para efeitos de candida-tura para residir em Portugal, recolhe informação dos requerentes que inclui a profissão e nível aca-démico. Por um lado a profissão declarada pode ser diferente daquela que o indivíduo possui no seu país de origem, por outro, a informação so-bre o nível académico não está disponível.

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ganizações dentro do Sistema Nacional de Saúde); a contratação activa de profissionais de saúde estrangei-ros para trabalharem em Portugal; e a saída de portu-gueses para tirar cursos de saúde fora de Portugal.

O QUE OBSERVAMOS? As nossas observações dividem-se entre estrangeiros em Portugal e portugueses emigrando.

Estrangeiros em PortugalObtivemos dados do Serviços Nacional de Saúde, das Ordens profissionais e do Ministério do Trabalho.O número total de recursos humanos de nacionali-dade estrangeira a trabalharem no Serviço Nacional de Saúde em 2007, era de 3.259 (era 313 em 1994). A maioria são da União Europeia (1647, dos quais 1356 espanhóis). O outro grupo importante é o dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, PALOP (877, dos quais 376 de Angola) [1]. Os grupos profissionais

com mais estrangeiros são os médicos e enfermeiros, 1.903 e 836 respectivamente. O número de trabalhado-res de nacionalidade estrangeira atingiu o seu pico em 2004 tendo desde aí vindo a decrescer especialmente pela saída dos enfermeiros de nacionalidade espanhola que regressaram ao seu país quando as condições de remuneração melhoraram significativamente [2].De acordo com a inscrição de enfermeiros estrangeiros na Ordem dos Enfermeiros tem-se assistido a um de-créscimo de presença de enfermeiros estrangeiros (de 5,2% em 2004 para 3,2% em 2010), traduzindo o mo-vimento de profissionais espanhóis. Estes representa-ram 79% dos enfermeiros estrangeiros em 2003 e têm vindo a decrescer, tendo atingido em 2010 57,6% de todos os estrangeiros. A contratação dos enfermeiros para o Serviço Nacional de Saúde representava uma va-lorização curricular, em Espanha, para os enfermeiros espanhóis. Este fenómeno deixou de acontecer com a mudança de estatuto dos nossos hospitais (empresaria-

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Saúde na Lusofonialização dos hospitais: primeiro SA e depois EPE) e por mudanças ocorridas no sistema de saúde espanhol. Entre 1993 e 2007, a percentagem de médicos de na-cionalidade estrangeira inscritos na Ordem do Mé-dicos aumentou de menos de 3% para cerca de 12%. Estes 12% correspondiam a 66 nacionalidades sendo as mais representadas, por ordem decrescente, a Es-panha (1.971), o Brasil (521), Angola (176), a Aleman-ha (124), Ucrânia (103) e a Guiné-Bissau (102) [3]. A vinda de médicos espanhóis deu-se num contexto de desemprego e dificuldade de acesso a especialização em Espanha. Entretanto a realidade espanhola alterou-se, com abertura de lugares no sector público, o que levou

ao regresso de médicos espanhóis.No sector privado: A partir da informação da base de dados “Quadro de pessoal” do Ministério do Trabal-ho, é possível apresentar o número crescente de mé-dicos, enfermeiros, farmacêuticos e médicos dentistas (quer de nacionalidade portuguesa quer estrangeira) a trabalharem ao serviço de entidades privadas de 2000 para 2007. Assim, em 2007 são estrangeiros 5,7% dos 3.237médicos (0,5% em 2000), 6,5% dos 4.482 enfer-meiros (3% em 2000), 0,9% dos 5.106 farmacêuticos (0.2% em 2000) e 9,6% 1.639dos dentistas (2% em 2000).

Emigração de portugueses É muito difícil obter informação sobre a emigração de profissionais de saúde portugueses. No entanto, o número de enfermeiros que se desvinculam (de forma permanente ou temporária) da Ordem dos Enfermei-ros pode ser indicador de intenção de exercício noutro país. Assim, dos 5.937 Enfermeiros que deixaram de poder exercer em Portugal, desde 2001 até 2008, 1.923

têm até 35 anos e 1.120 têm entre 35 e 60 anos o que faz supor que possam ter emigrado. Embora uma parte importante destas saídas seja de espanhóis, o fenómeno é essencialmente de nacionais. Em 2008, dos 764 portu-gueses que suspenderam ou cancelaram a sua inscrição na Ordem dos Enfermeiros (que constituem 82% do total de enfermeiros que suspenderam ou cancelaram a sua inscrição), 214 tinham entre 21 e 30 anos. Outro fenómeno de interesse é a emigração de por-tugueses para estudar Medicina no estrangeiro. Em-bora não tenhamos fontes firmes de informação, a Associação Nacional de Estudantes de Medicina no Estrangeiro [4] estima em cerca de 1.300 o número de estudantes portugueses que estão a estudar medicina no estrangeiro. Os países são vários mas Espanha e a Republica Checa parecem ser os países com maior nú-mero de estudantes.Um fenómeno recente é a emigração de médicos e mé-dicos dentistas. Portugal foi um país de acolhimento para os dentistas, especialmente do Brasil, constituin-do os Brasileiros 72% (503) dos médicos dentistas es-trangeiros em 2007. A Ordem dos Médicos Dentistas estimava em 2010 que pelo menos 200 dos dentistas inscritos na Ordem teriam emigrado. O fenómeno de emigração permanente de médicos foi considerado pela Ordem dos Médicos um fenómeno pouco expres-sivo. A presença crescente de empresas a operar em Portugal para recrutamento activo de médicos dentistas e médicos em geral apontam para a existência de inte-resse potencial. Sabe-se que um dos países de destino para estes profissionais é o Reino Unido.

“Portugal foi um país de acolhi-mento para os dentistas, espe-cialmente do Brasil, constituin-do os Brasileiros 72% (503) dos médicos dentistas estrangeirosem 2007.”

CONCLUSÕES É crítico para o planeamento e a gestão da força de tra-balho ter um retrato válido e actualizado dos movimen-tos de profissionais de saúde, por exemplo para decidir

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“Portugal tornou-se um país onde operam empresas de re-crutamento activo de profissio-nais de saúde para trabalhar no estrangeiro.”

quantas vagas abrir nas escolas, ou para ajustar as polí-ticas de modo a minimizar as saídas de pessoas e assim perder investimentos importantes na sua formação.O fenómeno da imigração de estrangeiros para Por-tugal não é quantitativamente muito significativo. No entanto, o acolhimento de pessoas de outras naciona-lidades ou que obtiveram os seus diplomas noutros países, noutras línguas e culturas não deixa de colocar exigências de integração nos serviços de saúde portu-gueses de forma a salvaguardar a qualidade dos cuida-dos e direitos dos utilizadores. Actualmente, o Minis-tério da Saúde está a recrutar no estrangeiro médicos e outros profissionais para o Serviço Nacional de Saúde. Ao mesmo tempo, os estudantes portugueses que estão a estudar medicina no estrangeiro começam a terminar os seus cursos e não se conhecem estudos ou anteci-pação do impacto do seu regresso e integração no sis-tema de saúde português. Por outro lado, o desemprego de profissionais forma-dos em Portugal, onde os enfermeiros são um dos gru-pos mais expressivos, estimula saídas de Portugal para o estrangeiro (1.164 enfermeiros inscritos nos centros de emprego do Ministério do Trabalho no Continente em 2008). Portugal tornou-se um país onde operam empresas de recrutamento activo de profissionais de saúde para tra-balhar no estrangeiro. Um exemplo recente foi a rea-lização da primeira “Feira Internacional de Emprego para profissionais de saúde” realizada no Porto em Março passado [5]. A crescente presença destas em-presas e os números de cancelamento e suspensão de inscrições na Ordem dos Enfermeiros deveriam ser in-dicadores preocupantes para os decisores.Seria muito importante também conhecer e monitori-zar a mobilidade interna. Em 2008, 531 médicos saíram do Serviço Nacional de Saúde sem ser por aposentação ou licença sem vencimento. Este número poderá co-rresponder ao número de médicos que, nesse ano, fo-ram trabalhar para os novos hospitais do sector privado que possuem quadro próprio de pessoal.

Os paradoxos descritos ilustram as consequências da ausência de uma política para as profissões de saúde. Tal política, alinhada com os objectivos da política de serviços de saúde (prioridade à saúde da família, cuida-dos continuados, etc.), deveria definir objectivos e es-tratégias de intervenção a nível da produção de profis-sionais de saúde (que tipo, em que número), da divisão do trabalho entre eles (com especial atenção a áreas de sobreposição e à possibilidade de delegação), da distri-buição por nível de cuidados e por zona geográfica, da regulação da qualidade e das condições de trabalho. Um pensamento estratégico para a força de trabalho da saú-de é uma condição para garantir melhor acessibilidade a serviços de qualidade em resposta às necessidades da população portuguesa. Para ter estratégias baseadas em evidências, um sistema de informação que captura as dinâmicas da evolução da força de trabalho em saúde é não somente necessário, mas é um bom investimento.

Cláudia Conceição1, Joana Sousa Ribeiro2, Joel Pereira2, Gilles Dussault1

1Unidade de Saúde Pública Internacional e Bioestatistica e CMDT, Instituto de Higiene e Medicina Tropical, Universidade Nova de Lis-boa e Associação para o Desenvolvimento e Cooperação Garcia de

Orta, Lisboa, Portugal. 2Unidade de Saúde Pública Internacional e Bioestatistica, Instituto de

Higiene e Medicina Tropical, Universidade Nova de Lisboa.

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Bibliografia

1. Conceição C, Ribeiro JS, Pereira J, Dussault G; MoProf, Mobility of Health Professionals: National Report: Portugal. Macro level research. Funded by 7th Framework programme, Grant agreement: Health-F2-2008- 223049. Associação para o Desenvolvimento da Medicina Tro-pical (ADMT). Lisboa: ADMT, 2009.2. Baganha M, Ribeiro J; Imigração qualificada no sector da saúde – as oportunidades do mercado laboral português. Migrações 2007, 1, 55-79. 3. Ferrinho P, Hipólito F. Imigração médica e estratégia de saúde em Por-tugal. Janus 2009; 12: 76-77.4. ANEME, Associação Nacional de Estudantes de Medicina no Estran-geiro, http://www.aneme.org/ (acesso a 8 de Maio de 2011).5. International Job Fair for Health Professionals, http://www.internatio-naljobfair.org/ijf/Sobre.html) (acesso a 8 de Maio de 2011).

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INTRODUÇÃOO contexto actual no qual os recursos hu-manos em saúde (RHS) da Guiné-Bissau (GB) actuam é de uma população jovem, essencialmente rural, mas com uma elevada taxa de urbanização, de extrema pobreza, observando-se desigualdades significativas entre Regiões e Áreas Sanitárias (AS). O to-tal da população é de 1.449.230 (em 2009) e com uma esperança de vida à nascença de 45,8 anos. Neste território coabitam di-ferentes crenças religiosas, diferentes cul-turas e 32 etnias. Embora o Português seja a língua oficial, o crioulo é a língua franca. O perfil epidemiológico é dominado por doenças da pobreza e tropicais, realçando-se o incremento exponencial do VIH.

A GB pertence ao grupo dos países frágeis e mais po-bres, com um PIB que se estima em menos de 500 USD por habitante. O desenvolvimento do país está muito dependente do investimento estrangeiro. Neste quadro, a disponibilidade de bons serviços de saúde é uma estratégia económica importante não só para ga-rantir uma força de trabalho saudável, mas também para transmitir confiança aos estrangeiros que viajem para a GB por trabalho e, cada vez mais, por lazer. O mercado de trabalho da saúde é dominado pelo sec-tor público. Todavia, com o crescimento do sector pri-vado lucrativo (na capital, Bissau) e das organizações não governamentais (ONGs) dedicadas à saúde, existe a percepção de uma proporção cada vez maior de RHS a trabalharem em múltiplos sectores ou exclusivamente fora do Serviço Nacional de Saúde (SNS), embora em número muito reduzido. Existem parcerias bem estabe-lecidas com ONGs e com missões religiosas em que o Estado se responsabiliza pelo quadro de pessoal e pelas orientações políticas e estratégicas e o outro parceiro

RECURSOS HUMANOS NA GUINÉ-BISSAU – PERCEPÇÃO DE PROFISSIONAIS DO SECTOR DA SAúDE

mantém o funcionamento da instituição, de acordo com o protocolo assinado. As condições de trabalho inadequadas ao bom exercí-cio profissional são facilmente observáveis numa visita rápida a um serviço de saúde. Estas condições contri-buem para a redundância de muita da aprendizagem durante a formação inicial ou nos poucos programas de educação contínua e, consequentemente, resultam numa baixa produtividade, conduzem a resultados in-satisfatórios e levantam sérias dúvidas acerca do signifi-cado efectivo das estatísticas produzidas.Há a percepção de que o SIDA é um problema entre o pessoal hospitalar, e que muitos dos trabalhadores da saúde morrem com esta doença. Para além do duplo emprego, a irregularidade do paga-mento dos salários públicos, conduziu à prática quase universal de cobrança de taxas ilegais. Se bem que nunca tenha sido abordada formalmente, a insatisfação no trabalho parece mais frequente entre enfermeiros do que entre médicos.

DEPOIMENTOS DE QUADROS DO SECTOR DA SAÚDE

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Saúde na LusofoniaPara melhor compreendermos a realidade dos RH da Guiné-Bissau, no âmbito do desenvolvimento de um Plano de Desenvolvimento de RHS, obtivemos, em 2007, depoimentos através de grupos focais - 7 grupos focais (1 dos hospital nacional em Bissau e outro de um hospital regional; 1 de um centro de saúde urbano e ou-tros 2 de centros de saúde rurais; e um cada de um clí-nica não governamental não lucrativa e de uma clínica privada do sector lucrativo) com um total de 42 parti-cipantes – 7 médicos, 12 enfermeiras/parteiras de nível médio ou auxiliar, 11 das carreiras médias ou auxiliares de técnicos de diagnóstico e terapêutica, 3 técnicos de farmácia de nível médio ou auxiliar e outros.Os profissionais que participaram no estudo reconhe-cem a justeza das reclamações dos utentes quanto à fal-ta de um atendimento aceitável, de higiene, de acessibi-lidade e de honestidade dos profissionais nas unidades de saúde, alegando como justificativas a desmotivação (atribuída ao atraso no pagamento dos salários e ao não pagamento do subsídio de vela, à falta de comida para técnicos nos serviços de vela, à carência de assistência médica medicamentosa, e ao défice de pessoal que re-sulta em poucos médicos e outros técnicos de saúde para muitos doentes). “(…) uma funcionária que fica 5-6 meses sem receber; franca-mente não vai ter memória para se lembrar daquele doente…preocupa-se em ir satisfazer a sua necessidade e a da sua famí-lia...” Os profissionais foram unânimes em declarar que exis-tem obstáculos ao bom desempenho das suas funções e que o impacto incide mais nos pacientes que procu-ram o atendimento nos serviços de saúde. “ (…) ele esforça-se mas o prejuízo acaba por afectar os utentes, então isso desmotiva e desencoraja e o técnico começa a quebrar o seu sistema de trabalho.”Todos os profissionais entrevistados afirmaram que as condições de trabalho deixam muito a desejar: por causa do próprio espaço físico ou por falta, insuficiên-cia e/ou inadequação de equipamentos e materiais. Referem o facto de o MINSAP ser responsável pela falta de seguimento e supervisão das suas instalações, abandonando-as aos doadores e responsáveis directos,

“Os profissionais foram unâni-mes em declarar que existem obstáculos ao bom desempen-ho das suas funções”

sem respeito pelas opiniões dos profissionais que direc-tamente prestam serviços nesses locais. “(…) Bom o meu local de trabalho não está em condições ... preciso óculos para protecção e não há; o próprio laboratório não foi bem feito…. O espaço não está bom....”“(...) penso que deveríamos estar equipados para poder funcionar, para quando o doente chegar ter um atendimento imediato e não esperar que o familiar vá comprar o fio de sutura, compressas, etc.….” “(…) um acidente, mas ... não havia gesso, não haviam outros materiais… não é possível…”. O problema de ruptura frequente de stocks de medi-camentos é generalizado mesmo nas clínicas e labora-tórios privados e tem impacto negativo no sistema de saúde e nos pacientes, fazendo com que os medicamen-tos se tornem mais caros.“(…) vêem buscar medicamentos e não os encontram, logo fracas-samos na nossa politica … os medicamentos não devem faltar...”Os profissionais afectos aos centros de saúde da capi-tal confirmam as dificuldades em relação aos meios de transportes e comunicação, pois na cidade não existe transporte organizado para evacuação (praças de táxis, PBX no hospital, linha SOS, etc.) de situações de ur-gência (casos de “sangramento” ou necessidade de um outro material ou medicamento para urgência do bloco operatório). “(…) na sala de parto pode haver um caso de sangramento e não temos nem transporte para evacuação. As vezes….pedimos a alguém que tenha carro que nos leve para o Hospital Nacional”Mas o problema dos transportes também se faz sentir nas zonas rurais e insulares.“(…) os doentes não podem sair de uma ilha para irem ao hos-pital… logo faz com que as doenças aumentem e aumentem casos de mortes”. Grávidas que precisam de ser evacuadas e as famílias não têm meios…”.A falta de luz e água compromete seriamente o funcio-namento dos serviços, em especial o laboratório.“(…) temos electroscópio solar e eléctrico mas como não há luz…só podemos fazer exames a partir das 19H00. Quanto à água tem que se ir buscar no poço… esterilizar os materiais… dando origem a resultados duvidosos e consequentemente diagnósticos e tratamentos errados...”“(…) não é uma boa qualidade…quando não há luz não sei como explicar: fico irritado dado o ambiente de trabalho… vem uma pessoa (por ex. uma criança) a dado momento para ser ca-nalizada… tenho que dizer para esperar pela manhã porque não tenho iluminação para poder ver…a criança pode perder a vida”Os profissionais reconhecem a importância dos incen-tivos como factor motivador para as pessoas que estão longe da capital, dos grandes centros urbanos. Apon-

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Saúde na Lusofoniatam como indicador de resistência para as colocações à periferia a recusa dos funcionários em irem para as zo-nas isoladas, razão pela qual muitas estruturas sanitárias estão fechadas e muitas outras a funcionar com um só técnico de saúde. “(…) nem que seja uma caneca de arroz… já é uma maneira de dizer que estamos em vantagem em relação aos outros que estão na cidade” Os profissionais admitem que trabalham no sector pú-blico e no privado porque, por um lado são insuficien-tes os profissionais existentes e, por outro, empurrados pela luta para a sobrevivência devido ao baixo salário usufruído na função pública. “(…) eu tenho meu programa...80 % da minha energia é para o Estado e 20 % para o privado”“(…) é lamentável, temos mais de cento e tal dias sem receber salário…. Isso dói um pouco… estou na clínica e isso me ajuda muito… quero dizer que nunca é melhor que o Estado porque este tem aquela coisa, já sabes, reforma”.Para outros é uma maneira de aprender mais pois, nas clínicas privadas as exigências são maiores, as condições de trabalho são outras, conducentes a um maior aper-feiçoamento. Foi também ressaltado que, em termos de regalias para aposentadoria, o privado não é melhor do que a função pública.Os profissionais identificaram um conjunto de medi-das para minimizar os obstáculos que enfrentam no seu dia-a-dia:

1. Pagamento atempado de salários e outros incentivos (incentivar os técnicos com melhres condições de trabalho, melhores de mecanismos de pagamento dos salários);2. Proibição de venda de medicamentos por pes-soal não farmacêutico;3. Liberalização ainda maior a recuperação de custos mas com normatização do pagamento dos serviços para evitar as cobranças ilícitas. Ou seja, publicar uma tabela de preços de forma a evitar cobranças ilícitas;4. Abolição de taxas moderadoras nas urgências. Estão de acordo que se pague, mas não nas emer-gências.Admitem que as suas expectativas são boas sobre-tudo com a previsão de um aumento significativo de salários (o que acabou por acontecer em princí-pios de 2008). Eis algumas expectativas: 1. Melhoria da administração do Governo;2. Formação para todos os técnicos a fim de res-ponder aos desafios;3. Valorização de quadros técnicos a todos os ní-veis;4. Melhoria das condições dos serviços.

UMA ESTRATÉGIA DE RHS NÃO SE PODE LIMITAR À DEFINIÇÃO DO NÚMERO E RÁ-CIOS DE PESSOAL DESEJADOS

Estes grupos focais foram de difícil realização, devido à dispersão geográfica, à necessidade de treinar o pes-soal de raiz para planeamento, análise e condução dos grupos focais e pela necessidade de conduzir os grupos focais em crioulo mas de fazer a transcrição e análise de conteúdo em português. Apesar destes constrangi-mentos, obtivemos alguns resultados de importância em termos da identificação de prioridades para os RHS do país.Os participantes tiveram discursos muito semelhantes no que diz respeito aos problemas identificados e às soluções propostas.Há unanimidade quanto à falta de pessoal e de um aten-dimento aceitável e quanto à carência de condições de higiene. A deficiência do número de profissionais de saúde é agravada pelo elevado número de auxiliares no sistema, sobretudo nos hospitais e centros de referên-cia do País. Os participantes dividiram-se entre: 1) o reconhecimen-to pela dedicação dos profissionais, particularmente os que trabalham em áreas mais isoladas; 2) a denúncia

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dos profissionais cujo comportamento revela falta de vocação, de honestidade (venda e cobranças ilícitas de medicamentos e serviços prestados, roubo de medica-mentos), de ética e de segredo profissional. Os factores de desmotivação do pessoal de saúde re-lacionam-se não só com o baixo salário mas também com a irregularidade no seu pagamento, ambos razões da fuga de cérebros para o estrangeiro assim como para os sectores privados do País. Perante esta situação, os técnicos de saúde admitem que, quando possível, tra-balham no público e no privado. É feita referência às condições de trabalho e aos pro-blemas que persistem, nomeadamente, deficiência dos espaços físicos ou falta, insuficiência e/ou inadequação de materiais e equipamentos e a sua deficiente manu-tenção. Não existe transporte organizado para evacuação de si-tuações de urgência. A falta de luz e água compromete seriamente o funcionamento dos serviços em especial do laboratório e limita a aceitabilidade da acomodação disponível para o pessoal em zonas mais longínquas, razão pela qual muitas estruturas sanitárias estão fecha-das e muitas outras funcionam com um só técnico de saúde. A acessibilidade está limitada pela insularidade, pe-las distâncias, pelas limitações associadas aos meios de transportes, pela falta de pessoal qualificado, pelo acolhimento pouco solícito, pelas cobranças lícitas ou ilícitas e pelo custo elevado dos medicamentos ou até da sua inexistência devido a rupturas de stocks, situação agravada pela realidade económica do povo guineense. Assim recorre-se cada vez mais ao sector da medicina tradicional.Os discursos destes participantes coincidem com os de médicos e enfermeiros que, no mesmo período, parti-ciparam com a mesma finalidade, em grupos focais em Portugal [1]. Os problemas identificados são idênticos aos apontados no passado como sendo factores pro-motores da fuga de cérebros para Portugal - salários

inadequados e razões profissionais [2, 3].As soluções identificadas passam por corrigir os pro-blemas apontados.Estes grupos focais realçam a importância dos estu-dos qualitativos no desenvolvimento de uma estraté-gia para os RHS. As estratégias de RHS são geralmente desenvolvidas com base em estimações do número de pessoal, existente, das perdas estimadas, do crescimen-to desejado do rácio do pessoal por 1000 habitantes, levando à identificação do número necessário durante um certo horizonte temporal, permitindo identificar estratégias para colmatar essas necessidades (aumentar as entradas, reduzir as perdas e aumentar a produção dos quadros existentes) [4, 5]. Estudos qualitativos como os aqui apresentados identificam uma realidade de práticas, expectativas e insatisfações que mostram que uma estratégia de RHS não se pode limitar à de-finição do número e rácios de pessoal desejados. Este reconhecimento tem levado a que, cada vez mais, se re-corra a estudos qualitativos na definição das estratégias de RHS [6].

1Paulo Ferrinho, 2Clotilde Neves , 1Isabel Craveiro1Unidade de Sistemas de Saúde, Instituto de Higiene e Medicina Tro-pical, Universidade Nova de Lisboa e Associação para o Desenvolvi-

mento e Cooperação Garcia de Orta, Lisboa, Portugal. 2Ministério da Saúde Pública, Guiné-Bissau.

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Bibliografia1. Santos O, Bandeira AR, Ferrinho P; A emigração de médicos e en-fermeiros guineenses para Portugal: determinantes e impacto no sistema de saúde da Guiné-Bissau. Relatório da Associação para a Cooperação e Desenvolvimento Garcia de Orta, Lisboa, 2009.2. Ferrinho P, Antunes AR, Silva AP, Dal Poz MR, Dussault G; The Por-tuguese contribution to the brain drain from Portuguese speaking African countries. Cah Sociol Demogr Med 2007, 3:377-391.3. Luck M, Fernandes MJ, Ferrinho P; At the other end of the brain-drain: African nurses living in Lisbon, em: Ferrinho P, Van Lerberghe W. (editores). Providing health care under adverse conditions: Health person-nel performance & individual coping strategies. Studies in HSO&P. ITG Press, Antwerp, 2000.4. Hall TL; WHO Simulation models for intermediate-term health workforce planning. ToolKit for Planning, Training and Management, 2000 (http://projects.forumone.com/toolkit/models/).5. O’ Brien-Pallas L, Birch S, Baumann A, Murphy GT; Integrating Workforce Planning, Human Resources and Service Planning. em: Ferrin-ho P, Dal Poz M. (editores). Towards a global health workforce strategy. Studies in HSO&P. ITG Press, Antwerp, 2003.6. Lievens T, Lindelow M, Serneels P; Understanding health workforce issues: a selective guide to the use of qualitative methods. Cp.10. pp.129-146 em: Dal Poz MR, Gupta N, Quain E. (eds). Handbook on Mo-nitoring and Evaluation of Human Resources for Health: with special applications for low and middle-income countries. WHO, Geneva, 2009.

“A deficiência do número de profissionais de saúde é agrava-da pelo elevado número de auxi-liares no sistema, sobretudo nos hospitais e centros de referência do País.”

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INTRODUÇÃOSegundo o Relatório Mundial de 2008, sem hospitais de apoio aos serviços de saúde de primeira linha muitos dos objectivos de uma estratégia de cuidados de saúde pri-mários e alguns dos Objectivos de Desen-volvimento do Milénio (ODM) estão vota-dos ao insucesso [1]. Contudo, nos países com as maiores necessidades de saúde, nomeadamente em África, os hospitais são um recurso que não tem sido devidamente valorizado nas estratégias sanitárias, para além de se dar pouca importância à bus-ca das evidências sobre o estado actual dos hospitais de primeira referência na África subsaariana [2].

Embora existam documentos normativos, sobre os pa-cotes de serviços a ser prestados por estes hospitais, pouca informação existe sobre a conformidade com esses padrões. Quando essa informação existe, mostra que a realidade está bastante abaixo do padrão estabe-

lecido. Há falhas nas cadeias de distribuição de medica-mentos e outros materiais, com resultantes rupturas de stocks. Os dados limitados de que se dispõe apontam para que a situação dos hospitais de primeira referência na África Subsaariana não tenha mudado muito des-de os primeiros estudos empíricos nos anos 70. Outra questão que desde os anos 70 se mantêm pouco des-crita e discutida é a divisão de tarefas entre o hospital e as outras unidades no mesmo distrito e no país. Na literatura a concordância é grande no que toca à neces-sidade de divisão de tarefas e complementaridade entre as diferentes unidades [2]. No entanto, persiste a neces-sidade de melhorar a clarificação dos papéis, objectivos e procedimentos de acordo com o contexto local, de forma a poder ter, entre outros, processos de formação de pessoal adequados as demandas locais.Um dos maiores desafios que os hospitais em África enfrentam é tentar oferecer serviços diferenciados com pessoal com qualificações (ou formações) limitadas.Apesar disso, sabe-se que muitos desses serviços di-ferenciados são providenciados mesmo em hospitais com poucos recursos e com pessoal menos qualificado. Assim, surge a questão “como é que se consegue pro-videnciar esses serviços?”.Foi o que investigámos num estudo em Moçambique,

DESAFIOS DO HOSPITAL AFRICANO – EXEMPLOS DE MOÇAMBIQUE

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Entrevistados Principais achados Extractos verbatim com edição mínima

Gestores • Quadro de pessoal incompleto; carência prin-cipalmente do pessoal de enfermagem e médico;• Carência numérica em recursos humanos refe-rida como factor limitante na melhoria da quali-dade de assistência prestada;• Funcionamento com pessoal de formações mais básicas também implicada nas dificuldades de melhorar a qualidade de serviços prestados;• Foram apresentados exemplos de quadros com uma formação específica, mas que por falta de recursos humanos têm sido utilizados para des-empenhar outras funções;• Por causa de sobrecarga de trabalho muitos tra-balhadores pedem transferência; Frequentemen-te, os trabalhadores são chamados a fazer horas extras sem recompensa financeira;• Nomeações para execução de actividades adi-cionais/extras são geralmente verbais.

• “se tivermos em conta … aquilo que é considerado mínimo sobre o quadro de pessoal que devíamos ter … em certos aspectos temos o mínimo, mas noutros, por exemplo, em relação aos enfermeiros gerais temos 3 no activo e deviamos ter no mínimo 5, em relação aos mé-dicos temos 2 e estamos dentro do mínimo mas o máxi-mo prevê 5 médicos. Em relação ao pessoal de apoio o mínimo são 30 e nós temos apenas 20”;• “Temos falta, por exemplo, de Ortopedista e de Inter-nista. Isto iria diminuir o nosso índice de transferências dos doentes. Estamos a transferir alguns doentes porque não temos capacidade adequada para lidar com algumas situações” • “Uma das apostas do Ministério é a melhoria da qua-lidade de assistência e nesse aspecto com carência de recursos humanos é difícil falar de qualidade, é difícil falar de melhoria de assistência, de reduzir as taxas de mortalidade.”;• “Temos problemas de qualidade também. No dado sector, por exemplo, devíamos ter enfermeiros médios e básicos, mas só temos básicos. Isso compromete muito a qualidade ...”;• “Alguns enfermeiros às vezes são chamados a reali-zar actividades administrativas e não têm formação para tal”;• “Nota-se mais insatisfação entre os trabalhadores do que propriamente satisfação”; • “… no Banco de Socorros, temos um enfermeiro a tomar conta na falta dum agente ou técnico de medici-na. Nos Serviços de Tratamento Antitretroviral temos um técnico de estomatologia e um técnico de fisiotera-pia … o técnico de Radiologia … também é chefe do economato porque o pessoal administrativo que temos não é suficiente … eu mesma … sou médica e tenho que atender a parte administrativa para a qual não tenho formação suficiente.”

Quadro 1 – Principais achados do estudo

onde, em 2007, conduzimos 2 entrevistas individuais e 12 grupos focais com um total de 60 funcionários hos-pitalares (20 serventes, 19 enfermeiros de nível médio ou auxiliar, 5 médicos de clínica geral, 5 administrati-vos, 11 de outras categorias de técnicos de saúde) em 4 hospitais de primeira linha de referência (3 rurais em Niassa, Nampula e Gaza e um urbano em Maputo) para os cuidados de saúde primários do norte ao sul do país. Os hospitais de primeira referência em Moçambique são 31 (existem mais 7 hospitais provinciais e 3 centrais no Serviço Nacional de Saúde). Estes hospitais caracte-rizavam-se por ter, em mediana, 250.000 habitantes sob responsabilidade, 1 médico, 1 técnico de cirurgia, 20 enfermeiros, 83 camas, bloco operatório e uma escassa

capacidade laboratorial e de imagem [3].COMO OS FUNCIONÁRIOS DOS HOSPITAIS VÊM A SUA SITUAÇÃO E OS SERVIÇOS QUE PRESTAMResultados mais detalhados estão sumariados no qua-dro 1.

A escassez de recursos humanos é generalizada e, mes-mo sem as competências necessárias, os funcionários presentes assumem as funções e tarefas mais urgentes e aparentemente fáceis, sem formação prévia, com ou sem orientação de colegas mais experientes e, quase sempre, sem cobertura da administração hospitalar ade-quada. Reconhecem que a situação leva a jornadas de

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trabalho prolongadas, o que compromete a qualidade dos cuidados, leva a referenciações desnecessárias e in-duz insatisfação no pessoal (embora os menos diferen-ciados, como os serventes, gostem de assumir funções de técnico de saúde).

DISCUSSÃO E CONCLUSÕESOs nossos resultados são consistentes com uma reali-dade descrita pela Organização Mundial de Saúde a ní-vel global [4,5] e em Moçambique, noutros estudos que indicam uma grande escassez de recursos que leva a

partilha de tarefas entre diferentes ocupações de saúde em processos de task-shifting mais ou menos informais [6,7].A escassez de competências diferenciadas levou a que, desde antes da independência [8-10], mas mais formal-mente após a independência de Moçambique [11,12], se recorresse a auxiliares de saúde, ou mesmo a qua-dros de saúde mais tradicionais, como as parteiras tra-dicionais [13,14], a quem de uma forma mais ou menos formal, se transmitiam conhecimentos e competências que seriam do foro de um outro grupo profissional.

Pessoal técnico de saúde

• Sobrecarga de trabalho por falta de recursos humanos (escalas de 12 horas); • Sobrecarga de trabalho implicada na baixa qua-lidade de trabalho realizado;• Queixas sobre a falta de material médico-cirúr-gico;• Maior necessidade de enfermeiros de nível mé-dio;• Consideram que não há muita diferença entre as actividades desempenhadas entre os enfermei-ros de diferentes níveis;• Muita coisa prática aprendida durante o serviço pois durante o curso muitas coisas não foram apreendidas na prática só abordadas na teoria;• As “ordens” para a realização de tarefas adicio-nais ou para tapar lacunas deixadas pelos colegas ausentes em serviço ou doença (tarefas temporá-rias) são verbais;• Reclamações sobre as progressões e pro-moções; alguns trabalhadores ficam muito tem-po distantes dos seus familiares e repetidos pedi-dos de transferência são mal-sucedidos (p.e. caso dum trabalhador que há 17 anos está a tentar conseguir transferência); Alguns trabalhadores acham que hajam algumas injustiças no proces-so de transferência, promoção e progressão nas carreiras;

• “O trabalho realizado pelos enfermeiros básicos e enfermeiros médios é quase o mesmo. Mas o nível de formação conta muito...existe uma diferença... pode ser que a experiência de anos faça com eles tenham quase as mesmas habilidades, mas se for um recém-chegado nota-se essa diferença...”;• Eu (enfermeiro básico) trabalho no Banco de Socorros e faço tarefas que são da competência dum Técnico ou Agente de Medicina. Mas também faço tarefas de enfer-magem, mas a parte de triagem ocupa-me mais tempo”;• “O Banco de Socorros, por exemplo, só tem um en-fermeiro de serviço. Suponhamos que haja dois ou três doentes graves e com um só enfermeiro não é possível. O serviço que ele irá prestar não será de qualidade. Esse enfermeiro não vai poder oferecer toda a atenção neces-sária por cada doente”;• “Neste momento são os enfermeiros que estão fazen-do triagem de adultos, mas não devia ser assim. Deviam ser Agentes ou técnicos de medicina curativa que deviam fazer isso, mas na falta estamos a utilizar enfermeiros;” • “Faço Triagem e cuidados de enfermagem. Estou no banco de socorros (Sou Agente de Medicina Curativa). No princípio tive algumas dificuldades nos cuidados de enfermagem porque durante a formação só tive um mês (de prática). Mas fui aprendendo e aperfeiçoando com a prática aqui”.

Pessoal serventuário

• No presente a maioria dos Serventes fazem apenas trabalhos de limpeza;• Alguns Serventes já tiveram algumas experiên-cias de realizar actividades assistenciais aos doen-tes, … como: fazer pensos, suturar feridas, admi-nistrar medicamentos orais e injectáveis, ajudar nos partos (serventes do sexo feminino apenas);• Alguns serventes ambicionavam um dia fazer um curso da saúde para poderem ser mais úteis e através dessas formações poderem progredir na carreira;• Nesta Unidade sanitária os Serventes também têm sido movimentados pelos diferentes secto-res segundo as necessidades;

• “Trabalho na Sala de Partos e aprendi com o médico que lá trabalhava a fazer partos. Gostei de ter aprendi-do e gostaria de ter uma formação para poder socorrer mais pessoas. Também já trabalhei na Farmácia e gostei e dependendo da sorte poderia também fazer farmácia”;• “Quando estava na farmácia ajudava a atender as re-ceitas, empacotar os medicamentos e também fazer lim-peza.”;• “Meu serviço era de fazer limpeza, mas também fazia compressas e outras coisas. A enfermeira ensinou-me também a fazer partos e ajudava ela quando ela estava muito ocupada. Eu gostava de ajudar.”; • “Trabalho na pequena cirurgia e costumo ajudar a fa-zer redução, colocar gesso e fazer pensos ... Gostaria de ter uma formação.”

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Saúde na LusofoniaPara além da escassez, explicava-se esta opção, muitas vezes sem evidências que as apoiassem, com a justifi-cação de que muitas das tarefas de médicos e de enfer-meiras poderiam ser realizadas, por um custo menor, por pessoal menos diferenciado [15]. Em Moçambique, este task-shifting formal conduziu à emergência de inúmeras profissões de saúde legisla-das, de carácter auxiliar, ou de competências limitadas em cuidados curativos ou preventivos, ou ainda com um âmbito de actuação limitado à saúde materno in-fantil (SMI). Algumas das novas profissões, como os Técnicos de Cirurgia [15-20] impuseram-se internacio-nalmente como exemplos documentados de opções de comprovada custo-efectividade. Esta escassez de recursos humanos leva a que mesmo assim, o enfermeiro tenha de fazer de agente de medi-cina, o servente tenha de fazer de auxiliar de enferma-gem, o médico tenha de fazer de administrativo, o den-tista de oftalmologista, o fisioterapeuta de ortopedista, etc., num rodopio de task-shifting informal que impõe cargas horárias pesadas, acesso reduzido dos doentes a competências diferenciadas, qualidade de cuidados deficiente, referenciações para níveis mais diferencia-dos do sistema de serviços de saúde, incapacidade de libertar pessoal para formação contínua, insatisfação profissional e riscos para os profissionais e gestores do Serviço Nacional de Saúde. A solução passa necessariamente por uma maior pro-dução de profissionais de saúde pelas Universidades e Instituições de Formação nacionais, reforçando duran-te a formação inicial competências genéricas, comuns a todas as profissões de saúde, incluindo competên-cias de gestão, o que permitirá ao profissional assumir o task-shfting que terá de enfrentar nos serviços com algum conhecimento e segurança. Entretanto o task-shfting deverá ser assumido formalmente pelo Ministé-rio da Saúde e pelas Associações e Ordens profissionais investindo-se em programas de formação contínua que apoiem o profissional, nas múltiplas tarefas que tem de assumir fora do seu campo de actuação profissional.

1Ferrinho, 2Sidat, 1Conceição1Unidade de Saúde Pública Internacional e Bioestatistica e CMDT, Instituto de Higiene e Medicina Tropical, Universidade Nova de Lis-boa e Associação para o Desenvolvimento e Cooperação Garcia de

Orta, Lisboa, Portugal. 2Faculdade de Medicina, Universidade Eduardo Mondlane, Maputo,

Moçambique.

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Bibliografia:1. World Health Organization - The World Health Report 2008 : Primary Health Care – now more than ever. Geneva: World Health Organization, 2008.2. Conceição C, Ferrinho P. Literature review on first referral hospitals in Sub-saharan Africa. Report. 15 September 2009. (Aguarda publicação pela Organização Mundial de Saúde, Genebra, Departamento para a Go-vernação dos Sistemas de Saúde e Prestação de Cuidados) 3. Conceição C, Ferrinho P, Omar C, Blaise P, Van Lerberghe W. Hospitais de primeira referência em Moçambique: poucos e desiguais. Revista Médi-ca de Moçambique 2008 9 (2): 26-38.4. World Health Organization; The World Health Report 2006 - working together for health. WHO, Geneva, 2006.5. World Health Organization; Taking stock: task shifting to tackle health worker shortages. WHO, Geneva, 2007.6. República de Moçambique, Ministério da Saúde, Direcção Nacional de Recursos Humanos. Departamento de Formação (2010). Análise situa-cional da carreira de enfermagem em Moçambique. Relatório Técnico. Maputo.7. Ferrinho , Paulo; Sidat, Mohsin; Ferrinho, Fátima Análise qualitativa da composição, competências e mecanismos de correcção de desequilíbrios, adoptados na força de trabalho do sistema de saúde de Moçambique. Re-vista Médica de Moçambique 2010; 10: 41-51.8. Ferrinho H; O interesse dos aspectos sociais no desenvolvimento rural. Série Economia e Social 1964, nº 1. Moçambique: Instituto do Algodão de Moçambique.9. Ferrinho H; Fomento algodoeiro e promoção social. Série Economia e Social 1965, nº 2. Moçambique: Instituto do Algodão de Moçambique.10. Martins H; Porquê Sakrani? Memórias dum médico duma guerrilha esquecida. Maputo: Editorial Terceiro Milénio, 2001.11. Republique Populaire du Mozambique/Ministére de la Santé; Les soins de santé primaires au Mozambique. Maputo, 1977.12. Walt G & Melamed A; Mozambique: Towards A People’s Health Ser-vice. London:. Zed Books, Ltd. United Kingdom, 1983.13. Gloyd S, Floriano F, Seunda M, Chadreque MA, Nyangezi JM & Platas A; Impact of traditional birth attendant training in Mozambique: a con-trolled study. J Midwifery Womens Health 2001, 46(4):210-6. 14. Thomas WW; Impact of traditional birth attendant training in Mozam-bique: a controlled study. J Midwifery Womens Health 2002, 47(1):65-6.15. Kruk ME, Pereira C, Vaz F; Bergstrom S, Galea S; Economic evalua-tion of surgically trained assistant medical officers in performing major obstetric surgery in Mozambique. Bjog 2007, 114(10):1253-1260.16. Vaz, M.L.; Bergström, S. – Mozambique – delegation of responsibility in the area of maternal care. International Journal of Gynecology and Obstetrics 38 Suppl (1992) S37-S39.17. Pereira, C.; Bugalho, A.; Bergström, S.; Vaz, F.; Cotiro, M - A compa-rative study of caesarean deliveries by assistant medical officers and obs-tetricians in Mozambique. British Journal of Obstetrics and Gynaecology. 103 (June 1996) 508-512.18. Garrido, P. – Training of medical assistants in Mozambique for sur-gery in a rural setting. South African Journal of Surgery. 35 : 3 (August 1997).17. Vaz, F.; Bergstrom, S.; Vaz, M. L.; Langa, J.; Bugalho, A. – Training medical assistants for surgery. Bulletin of the World Health Organization. 77 : 8 (1999) 688-91.19. Pereira, C.; Cumbi, A.; Malalane, R.; Vaz, F.; Mccord, C.; Bacci, A.; Bergström, S. – Meeting the need for emergency obstetric care in Mozam-bique: work performance and histories of medical doctors and assistant medical officers trained for surgery . British Journal of Obstetrics and Gynaecology. 114 (2007) 1530-1533.20. Cumbi, A.; Pereira, C.; Malalane, R.; Vaz, F.; Mccord, C.; Bacci, A.; Bergstrom, S. - Major surgery delegation to mid-level health practitioners in Mozambique: health professionals’ perceptions. Human Resources for Health. 5 : 27 (2007) doi:10.1186/1478-4491-5-27.

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Nos últimos cinco anos, foi possível cons-tatar um aumento significativo em termos de comércio, investimento e cooperação entre os países do chamado Sul, que sepa-rava países doadores de cooperação inter-nacional de países beneficiários de coope-ração para o desenvolvimento.

É hoje indiscutível o potencial que a cooperação Sul/Sul oferece e, para essa perceção, muito tem contribuí-do o aumento muito significativo do comércio, investi-mento e cooperação entre os chamados BRIC (Brasil, Rússia, China e Índia), com economias cada vez mais pujantes suportadas por taxas de crescimento econó-mico elevadas. A este grupo de países juntou-se, em Abril de 2011, a África do Sul.Tendo por base o princípio do mútuo benefício, não existem linhas divisórias claras entre intervenções que tenham por objeto o desenvolvimento, a condiciona-lidade e intervenções comerciais. Esta ação envolve montantes substanciais de financiamento e donativos bem como formação e apoio à capacitação institucio-nal.Não foi possível, até ao momento, avaliar estas ações com os critérios habitualmente aplicados à Ajuda Públi-ca ao Desenvolvimento (APD) e princípios subscritos pelo do Comité de Ajuda ao Desenvolvimento (CAD), da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).Os defensores e promotores das lógicas de cooperação Sul/Sul referem, reiteradamente, que esta abordagem possibilita que as prioridades e necessidades sejam de-finidas e identificadas pelos beneficiários no contexto dos seus processos de desenvolvimento, o que, na ótica destes agentes, não acontece com a cooperação Nor-te/Sul, que utiliza uma perspetiva de resolução de um dado problema sem que tal abordagem seja encarada como uma oportunidade para o futuro. Como tal, sur-gem questões relativas à eficácia, apropriação e susten-

A CPLP E A COOPERAÇÃO EM RECURSOS HUMANOS PARA A ÁREA DA SAúDE PúBLICA

tabilidade da Cooperação para o Desenvolvimento. O III Fórum de Alto Nível sobre a Eficácia da Ajuda, conhecido como Fórum de Accra, realizado em 2008, renovou o debate sobre estas matérias e fomentou uma discussão entre os principais atores destes modelos de cooperação. Entre outros aspectos, os beneficiários concluíram que:

• Todo o tipo de ajuda ao desenvolvimento deverá

Manuel Clarote LapãoDirector de Cooperação, Secretariado Executivo da Comunidade dos

Países de Língua Portuguesa

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Saúde na Lusofoniaestar alinhada com as suas prioridades de desen-volvimento, devendo basear-se em mecanismos de coordenação local sob a sua supervisão;• A Cooperação Sul/Sul é um instrumento com-plementar da ajudados parceiros do CAD, espe-cialmente no sector produtivo;• A ajuda ao desenvolvimento se deve basear em princípios como: capacidade de resposta, rapi-dez, desligamento, transparência, previsibilidade e adaptação dos princípios da declaração de Paris (sobre coordenação da ajuda) aos seus contextos específicos. A este desafio responderam os tradicionais doado-res referindo que é necessário: • Trazer para o debate a eficácia da ajuda e coope-ração para o desenvolvimento os atores experien-tes da Cooperação Sul/Sul;• Incrementar o diálogo com as economias emer-gentes prestadoras de Cooperação Sul/Sul, tendo em mente o cumprimento das metas dos Objecti-vos de Desenvolvimento do Milénio (ODM);• Partilhar lições e fomentar troca de experiências e metodologias, e• Vontade política, mente aberta e perspectiva de autocrítica.Como tal, os princípios de acção da Agenda de Accra estabelecem que será necessário: • Chegar a um acordo para que se utilizem os siste-mas dos países beneficiários como primeira opção quando se desenvolvem acções de ajuda ao desen-volvimento;• Que a ajuda ao desenvolvimento seja mais previ-sível e transparente, permitindo assim aos parcei-ros um melhor planeamento orçamental e planea-mento das suas estratégias de desenvolvimento;• Que as condições das prestações de ajuda ao des-envolvimento passem a ser determinadas conjun-tamente entre doadores e beneficiários em con-sonância com os seus planos de desenvolvimento;• Que existam progressos claros no caminho da ajuda desligada;• Que a fragmentação da ajuda seja reduzida atra-vés de um trabalho mais focado no diálogo entre os países e numa divisão do trabalho.

Com a adopção dos ODM, a saúde ganha grande re-levo na agenda política internacional. A comunidade internacional demonstrou sua profunda preocupação com as condições de saúde prevalentes no mundo em desenvolvimento, principalmente em África, quando

definiu pelo menos três dos ODM e mais de sete metas relacionados com a saúde. Com a indexação pela Co-munidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) do seu programa de cooperação ao marco conceptual dos ODM, a Cooperação em Saúde no espaço desta Comu-nidade surge como um tópico prioritário.A vontade e o empenho político no fortalecimento da cooperação multilateral a nível da saúde no quadro da CPLP fortaleceram-se desde o nascimento da orga-nização e consagrou-se a aprovação de um programa de cooperação Norte-Sul-Sul em Saúde, fortemente apoiado nos conceitos de apropriação, alinhamento e harmonização, que seria aprovado em Maio de 2009 pela II Reunião do Conselho de Ministros da Saúde da CPLP- Plano Estratégico de Cooperação em Saúde (PECS/CPLP). A metodologia de cooperação Norte-Sul-Sul adota-da não só provou ser eficaz e inovadora como repre-sentou, por antecipação, uma resposta consistente da CPLP a muitas das decisões emanadas da Conferência de Accra, que procurou, entre outros temas, sistemati-zar e ligar as lógicas de cooperação Norte/Sul com as experiências de sucesso resultantes de acções de coope-ração Sul/Sul. A eleição da cooperação Norte/Sul-Sul, entre os Estados Membros da CPLP, foi uma alternati-va “natural”, facilitada pelo fator língua por um lado e pelas identidades políticas e ideológicas por outro. O modelo operativo de cooperação adotado com o PECS/CPLP, encontra-se em execução desde Maio de 2009 e vem sendo implementado sob a supervisão do Secretariado Executivo da CPLP, com o apoio técnico da Fundação Oswaldo Cruz do Brasil e do Instituto de Higiene e Medicina Tropical de Portugal.Tem sido enriquecedor constatar que desde a sua apro-vação, o PECS-CPLP tem permitido harmonizar, ro-bustecer e complementar sinergicamente o esforço que a cooperação bilateral dos Estados membros tem des-envolvido no domínio da Saúde. E tudo isto, não obs-tante constrangimentos vários das diferentes agendas dos Estados Membros, graças a um esforço conjunto e participativo que tem permitido viabilizar a elaboração deste importante Plano que, ancorado nos ODM e nos Planos Nacionais de Saúde dos países da CPLP, privi-

“Esta abordagem possibilita que as prioridades e necessidades se-jam definidas e identificadas”

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Saúde na Lusofonialegia a capacitação de recursos humanos e a implemen-tação de projetos estruturantes. A opção de desenvolver um modelo operativo de coo-peração baseado num Plano Estratégico baseou-se na crítica à baixa eficácia da abordagem tradicional de cooperação que, até então, consistia essencialmente em projetos bilaterais ou multilaterais isolados, com um enfoque “vertical”, ou seja, em torno de problemas ou territórios específicos e não sustentável, porque rara-mente produziram efeitos duradouros nos sistemas de saúde nos parceiros de desenvolvimento.São sete os eixos estratégicos do PECS/CPLP: For-mação e Desenvolvimento da Força de Trabalho em Saúde; Informação e Comunicação em Saúde; Investi-gação em Saúde; Desenvolvimento do Complexo Pro-dutivo da Saúde; Vigilância Epidemiológica e Monito-rização da Situação de Saúde; Emergências e Desastres Naturais, e Promoção e Proteção da Saúde.Embora com recursos financeiros exíguos, o grande vetor distintivo e de vantagem comparativa da coope-ração em saúde na CPLP tem sido o facto de ela ter com meta principal a capacitação dos recursos humanos em saúde. A abundância de recursos humanos qualificados em instituições de Brasil e Portugal e a oferta de pro-gramas de pós-graduação em áreas críticas da saúde, como saúde pública, saúde da mulher e da criança e doenças transmissíveis, são capacidades que têm sido exploradas com sucesso.

“ A Cooperação em Saúde no espaço desta Comunidade sur-ge como um tópico prioritário.”

No contexto do PECS-CPLP, acaba de ser criada em Bissau (23 de Março de 2011), a Rede dos Institutos Nacionais de Saúde Pública e Instituições Equivalentes da CPLP (RINSP-CPLP). Esta Rede deverá promover o fortalecimento das respostas e soluções estratégicas dos Sistemas de Saúde Pública dos Estados Membros e, como tal, prossegue objectivos específicos como a definição de áreas programáticas estratégicas de coo-peração e o reforço da cooperação e a articulação de medidas que visem a racionalização dos recursos e a maximização dos meios e procedimentos. Na sua pri-meira reunião, a RINSP-CPLP definiu, por consenso,

como áreas prioritárias de cooperação, a promoção da advocacia e apoio à criação de Institutos Nacionais de Saúde (INSP) nos Estados membros que ainda não dis-põem dessa estrutura e o desenvolvimento e avaliação da implantação do Sistema de Apoio à Gestão Estraté-gica nos INSP-CPLP. Uma vez que da rede fazem já parte instituições de to-dos os Estados Membros, entre as quais a Fundação Oswaldo Cruz do Brasil e os portugueses Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, Instituto de Higiene e Medicina Tropical de Portugal e Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, a CPLP pode-rá jogar um papel muito importante no fortalecimento dos Recursos Humanos em Saúde no espaço da CPLP. O desenvolvimento do PECS-CPLP tem inerentes as dimensões associadas ao conceito de desenvolvimento de recursos humanos e considera, para além dos as-petos ligados à questão da capacitação ou preparação técnica e científica, aqueles referentes à dinâmica da força de trabalho, à sua inserção institucional e admi-nistração. São por isso tidos em linha de conta questões como a preparação de recursos humanos adequados ao cumprimento de seus objetivos institucionais, dividin-do-se esta preocupação em termos da (i) formação de pessoal de nível superior (com a criação da RINSP e da futura Rede de Escolas Nacionais de Saúde Pública - RENSP); e a (ii) formação de pessoal de nível médio, com a criação da Rede de Escolas Técnicas em Saú-de (RETS), iniciativa ativa desde Dezembro de 2009 e com resultados claros já demonstrados no terreno.Para se tornar sustentável, a cooperação para o des-envolvimento dos recursos humanos no contexto do PECS/CPLP deverá ser baseada num esforço per-manente, visando a implementação de projetos e programas de capacitação de pessoal e o estímulo ou promoção da participação dos beneficiários desta coo-peração em atividades de aperfeiçoamento ou recicla-gem, favorecendo a utilização dos conhecimentos e habilidades adquiridos.Acreditamos, pois, que a execução do PECS/CPLP poderá representar um importante contributo para en-frentar, com mais eficiência e eficácia, um conjunto de grandes desafios com que são diariamente confronta-dos os Estados Membros desta Comunidade na cons-trução dos seus processos de desenvolvimento•

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Notas Biográficas

Manuel Clarote LapãoMestre em Desenvolvimento Social e Económi-co em África, pelo ISCTE, em 1996 e Licenciado em Ciências do Desenvolvimento e Cooperação, pela Universidade Moderna, em 1993. Auditor da Defesa Nacional, pelo Instituto da Defesa Nacio-nal, em 2005. Trabalhou entre 1993 a 1996, como Técnico superior da Direção Multilateral do Ins-tituto da Cooperação Portuguesa. Entre 1993 e 2004 foi professor na Universidade Moderna de Lisboa na Licenciaturas de Cooperação e Estudos Europeus, lecionando cadeiras ligadas ao tema do Desenvolvimento e Economia Internacional. De 1996 a 2007, trabalhou na empresa de consulta-doria internacional Sociedade Nacional de Em-preendimentos e Desenvolvimento Económico, onde chegou a Diretor, tendo coordenado mais de 20 projetos em todos os PALOP. De 2005 até à data é formador do Instituto Nacional de Ad-ministração (INA) no Diploma de Especialização em Cooperação e Desenvolvimento (DECODE), ministrando temas ligados à temática da boa go-vernança e quadro internacional e nacional de ajudas ao desenvolvimento. Geriu, entre 2005 e 2008, no INA, a componente de assistência técni-co pedagógica do Projecto da Comissão Europeia e Cooperação Portuguesa “Consolidação das Ca-pacidades da Administração Pública”. Desde No-vembro de 2007 que é Director para a Cooperação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), tendo desenvolvido sobre a sua gestão a nova visão estratégica de cooperação da CPLP, da qual resultou a identificação e aprovação de al-guns Planos Estratégicos de Cooperação Setorial, como seja o Plano Estratégico de Cooperação em Saúde da CPLP (PECS/CPLP).

Isabel Craveiro é portuguesa, tem Licenciatura em Sociologia (1996, Universidade de Coimbra), Mestrado em Sociologia do Desenvolvimento (2002, Universidade de Coimbra) e Doutoramento em Saúde Internacional, especialidade de Políticas de Saúde e Desenvolvimento (2010, Universidade

Nova de Lisboa). Actualmente é Investigadora. A sua pesquisa centra-se, sobretudo, na área da uti-lização de serviços de saúde por populações des-favorecidas, saúde sexual e reprodutiva e saúde global. Tem experiência em diversos projectos de investigação de âmbito nacional e internacional, nomeadamente com países Lusófonos. Incluem se ainda nos seus interesses os métodos de inves-tigação, com experiência de ensino em Portugal, mas também em Moçambique e Cabo-Verde. Cláudia Conceição é médica, especialista em Medicina Interna e investigadora da Associação para o Desenvolvimento e Cooperação Garcia de Orta. É doutoranda do Instituto de Higiene e Medicina Tropical, no Ramo de Saúde Interna-cional na especialidade Políticas de Saúde e Des-envolvimento, tendo entregue a tese intitulada “Hospitais de primeira referência, distrito de saú-de e estratégia dos cuidados de saúde primários em Moçambique”.

Gilles Dussault é Professor catedrático convi-dado da Unidade de Saúde Internacional e Bioes-tatistica do Instituto de Higiene e Medicina Tro-pical (IHMT), Lisboa, Portugal. Antes de iniciar a sua colaboração com o IHMT, em Agosto de 2006, assumiu funções enquanto Senior Health Specialist do Instituto do Banco Mundial, em Washington, D.C. Foi responsável pelas activi-dades regionais do Programa “Reforma do Sec-tor da Saúde e Financiamento Sustentável”, em diversos países de língua oficial francesa, portu-guesa e espanhola, nos quais o Banco Mundial se encontrava em actividade. O seu trabalho concentrou-se no financiamento do sector da saúde e nas polí-ticas relacionadas com os recursos humanos da saúde. Entre 1985 e 2000, assumiu funções en-quanto Professor e Director do Departamento de Administração da Saúde, da Universidade de Montreal. Tem leccionado em diversos países, nomeadamente no Brasil, durante o período de um ano (1991-92), na Escola Nacional de Saúde Pública. As suas publicações concentram-se, so-bretudo, em torno de tópicos relacionados com a regulação e gestão dos recursos humanos da saúde. Colabora com diversos comités editoriais

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e grupos de trabalho internacionais (Organi-zação mundial da Saúde, Observatório Europeu dos Sistemas e Politicas de Saúde), tendo ainda realizado diversos projectos de consultoria para agências de cooperação multilaterais e bilaterais.

Paulo Ferrinho ([email protected]) é mé-dico de 55 anos, especialista em saúde pública e medicina tropical. Actualmente é Professor Ca-tedrático de Saúde Pública Internacional. É Di-rector do Instituto de Higiene e Medicina Tro-pical.Nasceu em Moçambique. Licenciou-se na África do Sul onde também completou estudos pósgra-duados, dois mestrados e o seu doutoramento em saúde pública e onde praticou medicina num hospital rural de 800 camas, chegando a subdi-rector, e numa clínica universitária na periferia de Joanesburgo, onde foi director de serviços de saúde na comunidade. Veio para Portugal em 1991, ingressando na vida académica (no Insti-tuto de Higiene e Medicina Tropical, na Esco-la Nacional de Saúde Pública e na Faculdade de Medicina de Lisboa) e na administração pública (tendo ocupado os cargos de Chefe de Divisão, Director de Serviços e Subdirector Geral da Di-recção Geral da Saúde responsável pela coope-ração e pelo sector internacional). Co-coordenou a equipa que desenvolveu o actual Plano Nacio-nal de Saúde (2004 a 2010) e a equipa a elaborar o Plano de Saúde de Portugal para 2011-2016.Tem perto de 200 publicações nacionais e inter-nacionais em vários temas doenças infecciosas, de saúde materno-infantil, sistemas de saúde e saúde pública, com uma ênfase crescente em re-cursos humanos em saúde.Paralelamente mantém uma actividade moderada como consultor internacional, realçando-se nos tempos mais recentes o trabalho que realiza com os ministérios da saúde de Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e Timor Leste sobre recursos hu-manos. Este trabalho é de apoio e de elaboração de Planos de Recursos Humanos em Saúde com um horizonte de médio prazo. Realça-se também a Direcção da Associação Portuguesa de Epide-miologia até 2009 e o seu papel de Consultor da CPLP sobre estratégias de saúde.

Mohsin Sidat, moçambicano, nascido a 11 de Fe-vereiro de 1966 é Licenciado em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade Eduar-do Mondlane (1994). Obteve o seu Mestrado em Ciências (MSc em Doenças Infecciosas) pela Universidade de Londres/London School of Hygiene and Tropical Medicine (Londres, Rei-no Unido) em 2000 e Doutoramento (PhD) pela Universidade de Melbourne (Austrália). Para além de experiência clínica (como clínico geral desde 1994), tem também experiência académica e de investigação tendo leccionado diferentes discipli-nas do Curso de Licenciatura em Medicina (desde 1994) e do curso de Mestrado em Saúde Pública (desde de 2001), incluindo: Microbiologia Médi-ca, Parasitologia Médica, Clínica e Epidemiologia das Doenças Infecciosas, Metodologias de In-vestigação (métodos quantitativos e qualitativos), Bioestatística Básica e Epidemiologia Básica e Cuidados de Saúde Primários. Actualmente ocupa o cargo de Chefe do Departamento de Microbio-logia (o Departamento possui dois Laboratórios: de Microbiologia e de Parasitologia; ocupa o car-go de Chefe de Departamento desde Fevereiro de 2009 e) e Director-interino Adjunto da Faculdade de Medicina da UEM para Investigação e Exten-são (cargo que ocupa dedes de Outubro de 2010). Tem várias apresentações de trabalhos científi-cos em Conferências e Congressos e actualmente com 23 artigos publicados em revistas biomédicas (Moçambicana e Internacionais).

Clotilde Monteiro dos Santos Neves é Psicólo-ga e ex Directora dos Serviços de Recursos Hu-manos do Ministério da Saúde da Guiné-Bissau, responsável pelos trabalhos que conduziram ao actual Plano Nacional de Desenvolvimento de Recursos Humanos da Guiné-Bissau.

Inês Fronteira é enfermeira, mestre em saúde pública e doutorada em saúde internacional. É professora auxiliar da Unidade de Saúde Pública Internacional e Bioestatística do Instituto de Hi-giene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa. As suas áreas de interesse são a epide-miologia e os recursos humanos da saúde.

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Iberian Healthcare Innovation Yearbook2010/2011

O Guia Ibérico de Inovação em Saúde - Iberian Healthcare Innovation Yearbook 2010/2011 será divulgado em formato digital nas várias plataformas editoriais do Fórum Hospital do Futuro e da Fundación para la Colaboración, bem como, em formato impresso, distribuído nas principais livrarias.

Iberian Healthcare Innovation Yearbook

2010/2011

O Guia Ibérico de Inovação em Saúde 2010/2011 é uma iniciativa editorial, promovida pelo Fórum Hospital do Futuro e Fundación para La Colaboración, que tem como finalidade ofe-recer uma visão global de um conjunto de actividades e projectos inovadores no sector da Saúde, desenvolvidos na Península Ibérica. O seu conteúdo inclui uma série de artigos, que reflectem sobre a evolução da Saúde em Portugal e Espanha, assim como entrevistas com reputados especialistas do sector, focando as tendências de Saúde no espaço ibérico. Nesta publicação, pode ainda encontrar as conclusões da I Cimeira Ibérica de Líderes em Saúde, iniciativa de sucesso, focada na cooperação transfronteiriça, onde foram partilhadas boas práticas e oportunidades de inovação, a nível ibérico inter-regional. Os projectos vencedores da última edição dos Prémios Hospital do Futuro ocupam também um dos espaços desta publicação, revelando assim as pessoas e organizações que mais contribuíram para o desenvolvimento das organizações da Saúde em Portugal.

www.hospitaldofuturo.com

puesto sanitario. Afortunadamente, en los países desarro-llados esta contención no impacta negativamente sobre la salud de la población. Si que obviamente repercute en la satisfacción de los usuarios. Sin embargo, esta situación ineludible y en gran medida aceptada por la población y una parte de los profesionales, ofrece una oportunidad única para mejorar la efectividad del sistema adaptándolo a las nuevas necesidades de salud de los ciudadanos, que son las enfermedades crónicas.

La evolución de la satisfacción de los ciudadanos con

JOAN GENÉ BADIA

“Nos enfrentamos al reto de ofrecer más con menos”La ineludible crisis en la que se encuentra inmerso medio mundo ha calado también en el ámbito de la salud. Sin embargo, Joan Gené, Médico de Medicina General del Consorci d’Atenció Primària de Salut del Eixample, Catalunya, apuesta por me-jorar la efectividad del sistema sanitario español, adaptándolo a las nuevas necesi-dades de salud de los ciudadanos, que se centran en las enfermedades crónicas. La Fundación para la Colaboración ha queri-do aclarar con Gené estos y otros aspectos como la escasez de médicos de familia.

¿Qué aspectos han de cambiar/mejorar en el sistema de salud español?

Es conocido por todos que el gasto sanitario de los países se relaciona directamente con su nivel de riqueza. Por lo tanto, cualquier crisis económica obliga a reducir el presu-

Joan Gené BadiaMedico de Medicina Geral Consorci d’Atenció Primària de Salut del Eixample, Catalunya

Artigo de OpiniãoEntrevista

Manuel CorreiaEscola Superior de Tecnologia da Saúde de Lisboa

Richard (2000) entende que as questões relacionadas com os cuidados de saúde, nas sociedades modernas, são diversificadas e abrangem os sectores da vida económica, social, política e cultural, constituindo estas “uma questão essencial da nossa sociedade pelas suas três dimensões: científica, humana e económica”.

O século XX, com particular incidência nas últimas décadas, trouxe grandes progressos à humanidade nas diversas áreas do conhecimento, devido ao acelerado

O ensino das Tecnologias da Saúde e a prestação de cuidados de saúde no séc. XXI …

… uma inquietude permanente.O sofrimento e a morte constituíram preocu-pação, desde as civilizações mais antigas até aos nossos dias, procurando o homem formas de os ultrapassar, re-correndo a práticas mágicas no início, utilizando plantas medicinais mais tarde e já mais recentemente com acesso a cuidados de saúde e terapêutica com medicamentos. Para Sousa (1996) “não são necessárias longas reflexões para admitir que, desde os tempos mais remotos, o Homem tenha procurado, por todos os meios ao seu alcance, libertar-se da doença e do sofrimento e afugentar a morte eminente”.

Constitui, por isso, imperativo da sociedade contri-buir para a saúde no seu global como refere a Declaração de Jacarta, (1997) “A promoção da saúde deve ser efec-tuada por e com e não sobre e para as pessoas. Melhora, por um lado, a capacidade de agir dos indivíduos e, por outro, a capacidade dos grupos, organizações ou comu-nidades de influenciarem as determinantes da saúde”.

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Opinião

1.OLHAR O MAR (VISÃO)Nesta época de férias, quando temos os nossos senti-dos mais apurados, mais à “flor da pele” e na grande maioria dos casos contemplamos o Mar e usufruímos dos seus efeitos benéficos, começamos igualmente a preparar a “rentrée” incluindo em muitos casos as can-didaturas universitárias dos nossos filhos.

Por isso me ocorre, ao olhar o Mar, a “crónica” dificul-dade de acesso ao curso de Medicina.

Pese embora estes dois temas nos ocorram mais no pe-ríodo estival qualquer deles é estratégico para Portugal e não são nada “silly”:

·O Mar, palco de alguns dos maiores feitos de Por-tugueses e da Humanidade, infelizmente comple-tamente abandonado nos últimos tempos e agora tardiamente recuperado, mas não concretizado, na agenda política dos nossos governantes·A Medicina, disciplina na qual Portugal ombreia com os países mais desenvolvidos do Mundo

Se por um lado - tal como ao olhar o Mar aqui tão “perto” achamos que não temos de nos esforçar para o “ter” - nos parece que também não deveria ser “di-fícil” o acesso a um curso para o qual há imensas “vo-cações” naturais e – dizem as más-línguas, mas nós não acreditamos – falta de médicos, não podemos deixar de agradecer que quem cuida do bem mais precioso dos Portugueses tenha tido – e continue a ter ao longo da vida – elevados padrões de exigência e de Qualidade, por mais limitativos que sejam os critérios de avaliação e de selecção dos candidatos.

2.OUVIR O PAÍS (AUDIÇÃO)Vem este arrazoado a propósito da exigência e da Qua-lidade em Saúde.

Continuemos então o desfile dos nossos “sentidos”. De facto quando “auscultamos” a opinião pública ra-pidamente nos apercebemos – apesar de algum esporá-dico e pontual “ruído de fundo” – do reconhecimento generalizado que é concedido quer aos profissionais de Saúde, sejam eles Médicos, Enfermeiros, Farmacêuti-cos, etc., quer à maior parte das Instituições, Públicas

CINCO SENTIDOS

ou Privadas que actuam na Saúde, que o mesmo é dizer aos Gestores de Saúde e ao Sistema Nacional de Saúde em geral.

Poucos sectores da sociedade se podem orgulhar de, num espaço relativamente curto de tempo, ter atingi-do e sustentado elevados padrões de desenvolvimento, inovação e bem-estar para a população como o sector da Saúde.

Vejam-se os principais indicadores de Saúde que nos colocam muitos furos acima do que seria expectável quando considerados os nossos fracos indicadores eco-nómicos e de desenvolvimento.

De facto embora as agências de “rating”, Moody’s e outras que tais, não se dediquem ao sector da Saúde estamos certos que nos dariam AAA, nota máxima.

3.CHEIRAR A OPORTUNIDADE (OL-

José Santos Médico e Director da Multicare

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OpiniãoFACTO)Especialmente em altura de crise os “sentidos” têm de estar alerta e há que “cheirar” novas oportunidades.Tal como o Mar agora é profusamente citado como sendo o nosso grande recurso estratégico e todos os” gurus”, comentadores e outras personalidades o apon-tam, também a Saúde pode e deve ser uma oportuni-dade.

Sem ignorar as ameaças que sobre o sector pendem tendo em conta a necessidade urgente de conter a des-pesa, diminuir a dívida, evitar o desperdício e acabar com o abuso, não podemos esquecer a mais-valia que representa um sector moderno, dinâmico, com exce-lentes profissionais e competitivo numa economia que se quer global.

Temos excelentes médicos, hospitais e equipamentos e estamos a 2-3 horas de avião das principais cidades europeias com a vantagem de termos melhor clima, melhor gastronomia e excelente hospitalidade.

E temos igualmente a “ponte aérea” com África, par-ticularmente com os PALOP, cuja “proximidade” lin-guística, cultural, religiosa, etc. nos posiciona como excelente plataforma giratória não só de negócios ban-cários e petrolíferos mas igualmente de “negócios” de Saúde. 4. PALPAR O TERRENO (TACTO)Tal como a Medicina utiliza a ciência dos sinais ou Se-miologia (olhar na inspecção, ouvir na auscultação e o tacto na palpação do doente) para o diagnóstico igual-mente os gestores/decisores o devem fazer.

É portanto necessário palpar o “terreno”. Ter “tacto”.

Este terreno de desenvolvimento e oportunidade que no nosso entender a Saúde representa exige alguma au-dácia e ousadia para ser trilhado.

E esse ingrediente – quando é preciso – parece que não nos falta.

Fomos ousados e audazes quando nos Descobrimen-tos demos Mundo ao Mundo.

Fomos ousados e audazes sempre que tivemos de de-fender a nossa soberania.

Os nossos Nobel e outros ilustres representantes da diáspora – hoje mundialmente conhecidos não só no mundo desportivo, literário ou arquitectónico mas igualmente no mundo científico e particularmente li-gados às ciências médicas – são reconhecidos porque foram ousados e audazes no caminho que trilharam, por vezes com dificuldades, com insucessos mas sem-pre progredindo sem medo.

5.GOSTAR (PALADAR)Finalmente o sentido do “gosto”.

Como tudo na vida tem de se gostar do que se faz.

E gostar implica empenhamento, atenção, cuidado. E quem está na Saúde é porque gosta, está empenhado no que faz e a cultura de exigência, rigor e Qualidade está no ADN do seu percurso.

Para se saborear o sucesso, em qualquer área é funda-mental muito conhecimento e estudo, saber fazer e ter os recursos necessários. E gostar.

Parece-nos claramente que Portugal, no domínio da Saúde, é um caso de sucesso por aquilo que os seus Profissionais – de elevada exigência e competência, mesmo quando comparados com os seus Pares inter-nacionais – conseguiram saber fazer, particularmente nos últimos 30 anos. Porque gostam!

Neste sector não nos enganámos, não ludibriamos os Portugueses, lutamos todos os dias para lhes garantir elevados padrões de Saúde resolvendo os seus proble-mas no seu País por mais complicados e graves que sejam.

CONCLUSÃO SENTIDAQue os nossos Políticos tenham a clarividência de olhar o “Mar” de oportunidades que este sector representa não só para continuar a assegurar elevados padrões de Saúde à população como para, não só por essa via, mas igualmente como indústria de Saúde possa constituir uma mais-valia atraindo um “mercado” internacional que procura não só o Mar e o Sol, a gastronomia e as compras mas igualmente cuidados de Saúde diferencia-dos, de elevada Qualidade e competitivos.

A Economia agradece e desta vez, garantidamente, não se vai enganar.•

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Investigação & Desenvolvimento

No atual modelo tradicional da assim chamada “Cooperação Norte – Sul”, a cooperação oferecida por organizações e agências internacionais, multilaterais e bi-laterais competem com a assistência filan-trópica das mais variadas fundações e um número crescente de Organizações não go-vernamentais.

Estas, de caráter unidirecional (assistência técnica) geralmente impõem suas próprias agendas, objetivos pré-definidos e elegibilidade de campos de atuação e elementos de despesas específicos. Neste modelo, assu-mindo conhecer melhor o que o país “recipiente” pre-cisa, os “doadores” impõem o seu domínio econômico como equivalentes de domínio intelectual e científico.

A Globalização e a “responsabilidade social” são cres-centemente responsáveis por múltiplas intervenções de diversas fontes envolvidas com a assistência em saúde global com a conseqüente fragmentação dos escassos recursos já disponíveis localmente nos países “benefi-ciados”. Assim, dois tipos de fragmentação são comu-mente observados: a) Problemas e programas de saúde são tratados fragmentariamente dentro dos Ministérios da Saúde (MS) segundo a fonte de cooperação exter-na; e b) a prestação de serviços é fragmentada entre diversas organizações publicas e privadas (ONGs) da-das as agendas de cooperação de múltiplas agências que apóiam programas iguais ou semelhantes.

Outra conseqüência comum desse modelo é a drena-gem de capacidades humanas mediante o oferecimento de melhores condições de trabalho fora do país (ou ao

REDES DE INSTITUTOS NACIONAIS DE SAúDE DA CPLP : COOPERAÇÃO ESTRUTURANTE DE INVESTIGAÇÃO E DESENVOLVIMENTO – O CASO TIMOR LESTE

menos das instituições públicas do próprio país) aos quadros profissionais que mais se destacam nos países.

Nos últimos anos, a Fiocruz, seguindo diretrizes do Governo do Brasil, vem priorizando uma alternativa a esse modelo que denomina, em termos genéricos de “Cooperação estruturante em saúde”2. Também cha-mada de cooperação “Sul – Sul” ela tem seus origens na promoção do comercio intra-hemisférico do Movi-mento dos Países não Alinhados e na Unidade Especial de Cooperação Sul-Sul criada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 1978. Há mais de três décadas diversas agências das N.U. vêm recomendando a apli-cação da CTPD (Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento) sem muito sucesso.

À diferença da outra, esta cooperação destaca-se pela forma horizontal de relacionamento, isto é, num camin-ho de dois sentidos, onde ambos os parceiros benefi-

2Almeida C, Campos RP, Buss PM, Ferreira JR e Fonseca LE. Brazil’s conception of South-South ‘structural cooperation in health’, Inno-vating for the health for all, Global forum Update on Research for Health, vol. 6, pp. 199-107, 2009

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Investigação & Desenvolvimentociam-se da parceria, principalmente no que diz respeito à troca de experiências e acumulação de conhecimentos num circulo virtuoso de cooperação incremental.

Seguindo, como critérios mínimos, os estabelecidos pela Declaração de Paris sobre Efetividade da Ajuda (internacional) de 2005 3 , posteriormente ratificada em Accra, mas lamentavelmente ainda insuficientemente seguida por vários paises e organizações no campo da saúde global, a cooperação estruturante em saúde tem como base estratégica fundamental a cooperação para a elaboração de projetos de criação e/ou fortalecimento de estruturas e sistemas nacionais de saúde.

A forma de construir governança, entretanto, para im-plementar modelos de cooperação horizontal multila-teral não é simples. No caso do Brasil, ela baseia-se na inserção de metas setoriais da saúde na agenda de comunidades multilaterais afins, tais como a geográfica (na União de Nações Sul-Americanas – UNASUR), a econômica (BRICS) e a lingüística-cultural, a Comuni-dade de Países de Língua Portuguesa – (CPLP), consti-tuindo um dos grandes pilares da denominada “Diplo-macia da Saúde”.

O histórico da introdução das metas de cooperação es-truturante em saúde na CPLP é bem recente. A primei-ra reunião dos ministros de saúde dos paises membros teve lugar em Cabo Verde em abril de 2008. Dois meses depois, constituía-se o grupo de trabalho do Secreta-riado Executivo da CPLP com assessores técnicos da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz/Brasil) e o Institu-to de Higiene e Medicina Tropical (IHMT/Portugal). Em julho do mesmo ano reunia-se, por primeira vez, o grupo técnico dos 8 países membros para elaborar o primeiro rascunho do Plano Estratégico de Coope-ração em Saúde (PECS/CPLP) e em maio de 2009 o PECS/CPLP era aprovado durante a Segunda Reunião dos Ministros, em Estoril, Portugal. 4

Entre as principais metas estruturantes do PECS/CPLP encontram-se as da criação das Redes de Insti-tutos Nacionais de Saúde, Escolas Técnicas de Saúde, Escolas de Saúde Pública, Centros Técnicos de Insta-lação e Manutenção de Equipamentos e do Centro de Formação Médica Especializada.

Considerando-se a existência de Escolas Técnicas de formação profissional em saúde em todos os países da Comunidade, a respectiva rede foi criada em dezembro de 2009.

Já para construir as outras quatro redes era necessário antes criar ou fortalecer as respectivas instituições. As-sim aconteceu com os Institutos Nacionais de Saúde Pública, dois dos quais (Guiné Bissau e Moçambique) receberam intensa colaboração dos seus pares de Bra-sil e Portugal (Fiocruz e IHMT) que foram capazes de mobilizar, além da cooperação técnica de servidores públicos dos seus próprios países, recursos da Asso-ciação Internacional de Institutos Nacionais de Saúde Pública (IANPHI, em inglês) e da cooperação trilateral, tais como a União Européia, a cooperação norte-ame-ricana (US AID / CDC) e o Banco Mundial.

Assim, em março de 2011, os diretores dos Institutos Nacionais de Saúde Pública (INSP) ou instituições se-melhantes dos oito países membros, reuniram-se em Bissau, capital da Guiné Bissau para criar a rede que os agrupa, a RINS/CPLP.

A RINSP/CPLP assumiu o marco referencial da IANPHI que define como INSP a “uma organização ou rede de organizações científicas que provê liderança nacional espe-cializada para tentar encontrar melhoras substantivas, de longo prazo, na saúde pública. Com pessoal de base predominantemen-te científica, os INSP são fontes confiáveis de conselho e assesso-ramento para os tomadores de decisão em políticas de saúde”. 5

Na Ata de Constituição da RINSP/CPLP, foi definido, por consenso, “como primeira prioridade do futuro trabalho em rede, a advocacia e apoio para criar INSP nos países onde estes ainda não existem, notadamente, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste, considerando que os Sistemas Nacionais de Saúde de cada Estado membro, independentemente da sua dimensão, tamanho da sua população ou localização geográfica, devem constituir Instituições que assegurem a geração e dissemi-nação de evidências técnicas e científicas necessárias ao processo de tomada das decisões políticas e estratégicas setoriais autônomas e soberanas”.

Dessa forma, foi organizada pelo Secretariado Executi-vo da CPLP uma missão a Timor Leste no período de

3OECD: Paris Declaration on Aid Effectiveness, 2006. 4CPLP. Plano Estratégico de Cooperação em Saúde (PECS/CPLP). Ver: http://www.cplp.org/Saúde.aspx?ID=353

5Institutos Nacionais de Saúde Pública: Funções e Atributos Básicos. Ver em: www.Ianphi.org

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Investigação & Desenvolvimento15 a 19 de agosto de 2011, integrada pelos Secretários das RETS e RINSP, ambos da Fiocruz e pelo Diretor do IHMT, com a finalidade de avaliar as estruturas e funções existentes no país, potencialmente capazes de constituir um INSP, de acordo com o marco referencial acima mencionado.

As principais funções essências de saúde pública que costumam estar incluídas no escopo de atuação dos INSP incluem, prioritariamente o monitoramento e análise da situação de saúde; a vigilância, investigação e controle de riscos e danos em saúde pública; o des-envolvimento de recursos humanos e capacitação em saúde pública e a pesquisa (Investigação) em Saúde6. INSP costumam ter papel relevante também na ga-rantia de qualidade das redes nacionais de laboratórios, assim como, no controle da qualidade de alimentos, medicamentos e outros insumos críticos para os siste-mas de saúde.

Estas funções são executadas na República Demo-crática de Timor Leste, porém em forma dispersa e, em alguns casos embrionária o que é bastante natural, considerando a jovem idade da Nação. As principais instituições que as realizam, incluem, entre outras, di-versas unidades da administração central do Ministério da Saúde, o Centro Nacional de Investigação Científica (CNIC) da Universidade Nacional Timor Lorosae; o Gabinete de Pesquisa e Desenvolvimento em Saúde do Ministério da Saúde; o Laboratório Nacional de Saúde Pública; a Faculdade de Medicina e Ciências da Saúde da UNTL; o Instituto Nacional de Saúde e o Laborató-rio do Hospital Nacional Guido Valadares

Adicionalmente, em muitas dessas instituições existem diversos programas verticais que operam quase separa-damente. Estes incluem, naturalmente, os de Malaria, HIV/SIDA e Tuberculose, entre outros que recebem apoio de agências internacionais.

A principal conseqüência dessa dispersão é uma ele-vada dependência do país de colaborações de paises vizinhos, tais como Austrália, Indonésia, Singapura e Filipinas, sobretudo para ações básicas de diagnóstico laboratorial, investigação de surtos de alguma gravida-de e investigação e monitoramento da situação de saú-de, gerando um circulo vicioso que reduz a capacidade nacional de definir as suas políticas e estratégias de saú-

6Institutos Nacionais de Saúde Pública: Funções e Atributos Básicos. Ver em: www.Ianphi.org

de de forma autônoma e soberana, agravando assim o seu grau de dependência de parceiros externos.

A possibilidade de integrar várias dessas funções em uma única organização ou em organizações formal-mente reunidas em rede permitirá, sem sombra de dú-vidas, tirar proveito de sinergias que potencializarão a capacidade criativa da força de trabalho nacional, reduzindo, ao mesmo tempo, duplicações e fragmen-tações do sistema nacional de saúde.

Apesar de não haver sido possível obter “resultados” concretos e tangíveis, a equipe de trabalho tem a certe-za do impacto resultante da visita como acumulo mu-tuo e recíproco de experiência, cujo impacto significati-vo sobre as estruturas nacionais de saúde serão visíveis em algum tempo.

Felix J. RosenbergTecnologista da Fiocruz. Diretor do Fórum Itaboraí:Política, Ciência e Cultura na Saúde. Secretario das Redes de Institutos Nacionais de

Saúde da CPLP e da UNASUR.

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Opinião

É inquestionável o contributo que a ino-vação em tecnologias de saúde tem dado no “combate” às doenças. Essa razão jus-tifica, por si só, que, quer os profissionais de saúde, quer os doentes pretendam utili-zar ou beneficiar dos avanços tecnológicos sem qualquer restrição.

Nada disto seria um problema, não fosse a finitude de recursos financeiros disponíveis para o sistema público de saúde. Uma das principais dificuldades na gestão do sistema público de saúde está na compatibilização do potencial da inovação tecnológica, assente em progres-sos científicos que respondem a necessidades clínicas, com a equidade social no acesso e a sustentabilidade financeira.

A verdade é que o sector da saúde apresenta, desde há muito, um elevado ritmo de introdução de tecnologias de saúde, o que por si só, segundo alguns autores, é responsável por 50% ou mais do crescimento das des-pesas em saúde. Tal obriga que num país pequeno, com uma economia débil e a enfrentar grandes dificuldades, a incorporação dos avanços tecnológicos deva ser difí-cil e rigorosa, feita com critérios que assegurem a sua efectividade e que ajudem, tanto os potenciais utiliza-dores como os potenciais beneficiários, a reconhecer o benefício tangível do uso dessas tecnologias.

“Uma das principais dificulda-des na gestão do sistema públi-co de saúde está na compatibili-zação do potencial da inovação tecnológica”

“INCORPORAÇÃO DE INOVAÇÃO TECNOLóGICA E SUSTENTABILIDADE DO SISTEMA”

Perante o contexto de crescimento das despesas de saúde a um ritmo tal que, se nada for feito em contrá-rio, rapidamente serão excedidos os recursos disponí-veis, é crítico a introdução de medidas que assegurem a sustentabilidade do sistema, entre os quais uma ges-tão mais rigorosa da incorporação da inovação, com o aprofundamento e aplicação sistemática dos métodos de avaliação e racionalização das tecnologias de saúde. A avaliação de tecnologias de saúde poderá ser uma ferramenta essencial, se os decisores políticos assim o quiserem, não só para a sustentabilidade do sistema pú-blico de saúde, como também para a incorporação de inovação e o acesso equitativo dos doentes a esta.

Inovação versus Novidade

A qualquer tecnologia está associado um conceito de

Pedro BarosaFarmacêutico

Gestor/Empresário

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Opinião

valor, relativo face a alternativas comparáveis, e dinâmi-co face à acumulação de novo conhecimento e à con-textualização da sua utilização. Valor acrescentado é assim o resultado da formulação de comparações entre duas ou mais opções tecnológicas com o objectivo de identificar inovação e distingui-la da novidade. A ino-vação em tecnologias de saúde deve então ser entendi-da como a obtenção de ganhos em saúde, mensuráveis à custa da determinação do valor acrescentado (tera-pêutico ou diagnóstico).

Na perspectiva do sistema público de saúde, a aposta deve então ser feita na inovação, em detrimento da no-vidade, e em particular na inovação disruptiva, aquela que se traduz numa efectiva mais-valia para os doentes, em detrimento da aposta num modelo de inovação in-cremental, que poderá trazer, ou não, valor acrescenta-do, isto é, benefícios adicionais às tecnologias já exis-tentes.

Intervenção Protocolada

Para além dos habituais mecanismos de poupança uti-lizados no sistema público de saúde (medicamentos, meios de diagnóstico e pessoal) existe ainda um espaço a preencher. Trata-se da utilização criteriosa e racio-nal das tecnologias de saúde (medicamentos, meios de diagnóstico e imagiologia, dispositivos médicos e demais técnicas terapêuticas) através da generalização de protocolos intervenção (utilização de tecnologias) na prestação de cuidados no sistema público de saúde, protocolados através de guidelines de intervenção clí-nica, assentes em sólidos critérios científicos, obtidos através da investigação clínica, bem como em sólidos critérios económicos, obtidos através da avaliação eco-nómica do impacto nas populações consideradas.

Avaliação Contínua

Avaliação da inovação em tecnologias de saúde não se pode então esgotar na avaliação da eficácia e segurança farmacológicas, nem é de todo suficiente a exigência de avaliações (eficácia, segurança e farmacoeconómicas) somente quando do acesso da tecnologia ao mercado. É indispensável que essa avaliação se prolongue pelo tempo de vida útil da mesma, ou melhor, é imperio-so que a avaliação da inovação tecnológica se faça tan-to previamente à sua introdução no sistema de saúde (acesso ao mercado), como durante a sua utilização na

prestação dos cuidados de saúde.

Managed Entry Agreements

A aprovação de tecnologias de saúde é feita median-te prova de eficácia e segurança efectuada através da realização de ensaios segundo requisitos oriundos das agências reguladoras. Existirá sempre algum grau de in-certeza com a utilização das tecnologias na prestação dos cuidados de saúde, no médio e no longo prazo. Trata-se, sobretudo, de questões de segurança ou de efectividade, resultantes da utilização das tecnologias em populações alargadas e com co-morbilidades.

“será que uma nova tecnologia de saúde promove um maior benefício e, assim sendo, deve ser incorporada nos protocolos de intervenção?”

Em virtude disso, torna-se pois indispensável o estabe-lecimento de acordos sustentados em modelos que têm em conta as consequências em saúde provenientes da utilização das tecnologias (Managed Entry Agreements - risk-sharing, cost-sharing ou pay-to-performance) e que permitirão diminuir o risco assumido pelos deciso-res do sistema público de saúde. A experiência mostra

Fonte: iStockphoto.com

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Opinião

que os modelos de partilha de risco (risk-sharing) são talvez a alternativa mais interessante, assentando num acordo entre valores de efectividade a alcançar e, quan-do tal não acontece, a indústria indemniza o sistema público de saúde. Esta abordagem permite, por um lado responder às incertezas resultantes da antecipação do valor da inovação e, por outro, minimizar o risco do sistema público de saúde.

Os decisores políticos não devem esquecer nunca que “Os dinheiros públicos são bens escassos, alheios, re-sultantes da amputação do património dos cidadãos e geridos em nome e por conta dos contribuintes.”, in “Como o Estado Gasta o Nosso Dinheiro”, Caderno, 2010.

As questões devem então colocar-se do seguinte modo: será que uma nova tecnologia de saúde promove um maior benefício e, assim sendo, deve ser incorporada nos protocolos de intervenção? Será que uma nova tec-nologia de saúde deve ser generalizada porque compor-ta benefícios verdadeiros para os doentes, ou porque se trata de uma novidade (fascinante), ou porque é atrac-tiva, ou tão simplesmente porque o “ruído” comercial é esmagador?

Avaliação de Tecnologias de Saúde

Torna-se assim indispensável introduzir mecanismos de avaliação de custo-efectividade das tecnologias de saú-

de que tenham em conta uma criteriosa avaliação das verdadeiras necessidades, através do recurso a entida-des independentes e altamente qualificadas. Esta opção permitirá evitar a utilização injustificada de tecnologias da saúde, bem como proliferação errática e economica-mente injustificada de equipamentos e serviços.No nosso país é cada vez maior o número daqueles que consideram indispensável a criação de um sistema de avaliação de tecnologias de saúde que permita uma mais criteriosa e rigorosa utilização dos recursos financeiros alocados aos cuidados de saúde (área terapêutica, meios de diagnóstico e imagiologia, e cuidados cirúrgicos), e integração destes. A opinião destes está em linha com um movimento europeu no sentido da criação de es-truturas de avaliação de tecnologias da saúde nacionais com impacto crescente na forma como as autoridades racionalizam e optimizam os seus recursos financeiros face a uma cada vez mais disponível inovação tecnológi-ca. Trata-se pois de entidades autónomas, públicas, mas não governamentalizadas ou governamentalizáveis, com especialistas de reconhecida competência, e cuja missão é avaliar os outcomes científicos e económicos e, com base nesses dados, aconselhar os decisores po-líticos. Exemplo disso são o NICE (National Institute for Clinical Excellence) no Reino Unido, a Commis-sion de la Transparence em França, a holandesa CVZ (College voor zorgverzekeringen) na Holanda e a TLV (Tandvårds- och läkemedelsförmånsverket) na Suécia.A avaliação das tecnologias em saúde poderia ser fei-ta por uma nova entidade ou ser criada no âmbito do

Fonte: iStockphoto.com

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OpiniãoINFARMED. Para garantir a eficácia, independência e competência técnica, é desejável a separação do proces-so de avaliação técnica dos processos de regulação (IN-FARMED) e de decisão política do financiamento pú-blico (Ministério da Saúde), pelo que é recomendável a criação de uma nova entidade, independente de interes-ses, norteada por regras de interesse público e accoun-table na sua actuação, com dependência do parlamento, aplicando-se regras de nomeação e funcionamento es-pecíficas. A avaliação emanada da autoridade não deve-ria ter carácter vinculativo, mantendo-se no Ministério da Saúde a decisão (política) sobre a comparticipação pública nas tecnologias de saúde, bem como do nível de comparticipação na introdução de novas tecnologias de saúde, ambos fortemente dependentes do nível de recursos financeiros públicos.

“será que uma nova tecnologia de saúde promove um maior benefício e, assim sendo, deve ser incorporada nos protocolos de intervenção?”

A missão da nova entidade seria ampla, aconselhando quer na definição de âmbitos de actuação com base em vantagens adicionais das tecnologias de saúde, quer na distribuição territorial das referidas tecnologias para obter rentabilização máxima dos recursos. A nova en-tidade contribuiria também para a introdução de racio-nalidade económica ao nível micro, contribuindo para que fossem eliminados este e outros desperdícios em matérias relevantes (proliferação de equipamentos, ou aquisição de equipamentos quando noutros a utilização está longe da máxima capacidade instalada, ou mesmo a organização de serviços). Ainda recentemente, o eco-nomista Miguel Gouveia afirmou que “o facto de não serem os serviços certos a fazer as coisas certas e de es-tarem as pessoas erradas a fazer as coisas erradas pode ser devastador para a economia da saúde e para o SNS”. Exemplo disso é a proliferação, por centros pequenos, de actos, cirurgias e consultas altamente especializadas, ao invés de estarem concentrados em centros de exce-lência, conduzindo a uma economia de escala.

A nova entidade contribuiria também para a introdução

de racionalidade económica ao nível macro (distri-buição/abertura de unidades de saúde, departamentos clínicos, serviços médicos, equipamentos e tecnologias de saúde).

Conclusão

O modelo do serviço público de saúde (SNS) é a mel-hor forma de garantir o acesso, a equidade e a solidarie-dade social, num tempo em que predomina a incerteza e a insegurança de largos sectores da sociedade.Como só será possível proporcionar cuidados de saúde que a riqueza do país permitam pagar, então a questão está em dotar o serviço público de saúde de uma ofer-ta e abrangência correspondentes ao que a riqueza do país pode de facto proporcionar aos cidadãos, garan-tindo a sustentabilidade do sistema e que este, além de assegurar o acesso, a equidade e a cobertura universal, cumpra com os desígnios da coesão social e do desen-volvimento humano, num quadro de transparência e de responsabilidade social.

Manter a equidade e eficiência do sector, usando da me-lhor forma os cada vez mais escassos recursos disponí-veis, podendo usufruir e estimular o desenvolvimento e a inovação para aumentar a saúde e qualidade de vida das populações, é o principal desafio para todos os que se encontram envolvidos no sector da saúde.

A aposta na inovação disruptiva, a generalização dos protocolos de intervenção, a avaliação contínua de tec-nologias, a utilização de Managed Entry Agreements e a criação de um sistema de avaliação de tecnologias de saúde, darão um contributo assinalável para a incorpo-ração de inovação e a sustentabilidade do sistema pú-blico de saúde. A criação de uma nova estrutura de ava-liação de tecnologias da saúde será, talvez, a inovação de maior impacto que poderemos oferecer à prática dos cuidados de saúde, com um contributo decisivo para a sustentabilidade do sistema público de saúde, para a in-corporação da inovação e para o acesso equitativo dos doentes a esta.

Quem legisla deve fazê-lo com objectivos claros e sus-tentados em necessidades efectivas. Mas governar é muito mais que legislar. Não é um simples trabalho téc-nico que se esgota na produção legislativa. Governar é agir politicamente, é ser capaz de fazer aquilo que é essencial para o progresso do país e com a consequente melhoria de vida das populações•

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Eventos

CESSAÇÃO TABÁGICA EM DISCUSSÃO NA 4ª EDIçãO DO PORTUGAL SEM FUMO

Moderadora: Ana Escoval - Professora Auxiliar, Es-cola Nacional de Saúde Pública

•Agostinho Costa – Pneumologista, Centro Hospitalar Lisboa Norte / Pulmonale•Conceição Gomes – Presidente, Associação Nacional de Tuberculose e Doenças Respiratórias•José Eduardo Cruz - Técnico Superior da Divisão de Publicidade, Direcção Geral do Consumidor•Francisco Figueiredo – Presidente, Sindicato de Ho-telaria do Norte•José Manuel Calheiros – Presidente, Sociedade Por-tuguesa de Tabacologia•Luís Gardete Correia – Presidente, Associação Pro-tectora dos Diabéticos de Portugal•Luís Rebelo – Presidente, Confederação Portuguesa de Prevenção do Tabagismo•Lourdes Barradas – Coordenadora da Comissão de Tabagismo, Sociedade Portuguesa de Pneumologia•Rita Santos – Gestora de Programa - Área do Taba-

A quarta edição do Portugal sem Fumo, iniciativa orga-nizada pelo Fórum Hospital do Futuro e financiada pela Pfizer, decorreu no passado dia 18 de Março e contou com um grupo alargado de especialistas que debateu a problemática do tabagismo e as medidas de saúde pública e político-legislativas associadas.O evento teve por base a apresentação do relatório do EQUIPP (Enhancing Qualitative Understanding of Ill-ness Process and Prevention), desenvolvido em 20 países, por 60 peritos europeus, que menciona o tabaco como a principal causa de doenças e mortes na Europa (50 por

cento dos quais entre os 35 e os 69 anos de idade). O estudo pretende combater e terminar com a dependência tabágica, recomendando que o preço do tabaco aumente e que seja proibido fumar em todos os espaços fechados, sem excepção. A dependência tabágica é responsável por um custo anual de aproximadamente 500 mil milhões de dólares em toda a Europa.Portugal ocupa o nono lugar no conjunto dos 20 países avaliados pelo Relatório EQUIPP, com um total de 22 por cento da população com mais de 15 anos a assumirem a dependência tabágica. O preço de um maço de tabaco em Portugal é cerca de 15 por cento mais baixo do que a média na Europa, enquanto na Noruega o valor pode chegar a onze euros. O estudo salienta ainda que o tabaco é responsável por 11,7 por cento das mortes em Portugal. Ficou presente em mais uma edição do Portugal Sem Fumo que uma redução de 3% na prevalência do tabagis-mo em Portugal resultaria numa redução de 3,7 milhões de euros até 2020 e de 7,5 milhões de euros até 2030, nas despesas relacionadas com tratamentos de cancro do pul-mão, doença cardíaca crónica, AVC e Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica.

gismo, Associação Nacional de Farmácias•Luís Saboga Nunes – Professor, Escola Nacional de Saúde Pública•Sérgio Vinagre – Coordenador do Programa de Pre-venção e Tratamento do Tabagismo, ARS Norte•Sofia Pimenta – Gabinete de Saúde, Instituto Portu-guês de Juventude•Sofia Ravara – Faculdade de Ciências da Saúde, Uni-versidade da Beira Interior; Centro Hospitalar da Cova da Beira, Comissão de Prevenção de Tabagismo; Socie-dade Portuguesa de Tabacologia•Artur Teles Araújo – Presidente, Observatório Nacio-nal de Doenças Respiratórias e Fundação Portuguesa do Pulmão•Paulo Vitória – Coordenador linha SOS, Instituto Na-cional de Cardiologia Preventiva•Ivone Pascoal - Pneumologista, Sociedade Portuguesa de Pneumologia

Mais informações em: www.portugalsemfumo.org

C.C.

PAINEL MULTIDISCIPLINAR DE ESPECIALISTAS:

Fonte: Portugal Sem Fumo

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Eventos

A quarta edição do Think Tank Saúde-em-Rede focou-se na apresentação do estudo inédito “Impacto de 10 anos de política do medicamento em Portugal”, da au-toria do Professor Pedro Pitta Barros, e nas conclusões do painel multidisciplinar de especialistas portugueses que debateu sobre a temática.

Este fórum de debate público nacional teve como prin-cipal finalidade enumerar as barreiras que impedem Portugal de ter uma política do medicamento, seguindo o processo indicado pela Organização Mundial de Saú-de, assim como perceber quais os objectivos que devem fazer parte desta mesma política.A nível internacional, a iniciativa contou com a pre-sença do Professor Panos Kanavos, da London School of Economics, que apresentou as conclusões do recen-te estudo europeu “Differences in costs of and Access to Pharmaceutical Products in the EU” e do Fernand Sauer, ex-Director Executivo da Agência Europeia do Medicamento. A sessão pública de apresentação deco-rreu no dia 4 de Maio, no Auditório da Reitoria da Uni-versidade Nova.O evento foi promovido pela Pfizer, e resultou de

SAúDE EM REDE: IMPACTO DE 10 ANOS DE POLíTICA DO MEDICAMENTO EM PORTUGAL

• Adalberto Campos Fernandes – Professor, Escola Nacional de Saúde Pública•Aida Batista – Presidente, Associação Portuguesa de Farmacêuticos Hospitalares• Alexandre Lourenço - Director Coordenador Fi-nanciamento e Contratualização, ACSS - Administração Central Sistema Saúde• António Hipólito de Aguiar - Presidente da Secção Regional de Lisboa, Membro da Direcção Nacional da Ordem dos Farmacêuticos, Ordem dos Farmacêuticos• António Luís Castelo-Branco - Farmacêutico, Pre-sidente da Assembleia Geral da Associação Portuguesa dos Jovens Farmacêuticos. Pres. Núcleo de Estudantes de Medicina do Algarve, Universidade do Algarve• Carlos Gouveia Pinto – Professor, Instituto Superior de Economia e Gestão, Universidade Técnica de Lisboa

uma parceria com a Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), a Associação Portuguesa para o Desenvolvi-mento Hospitalar (APDH), a Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH) e a Associação Portuguesa de Médicos de Clínica Geral (APMCG), e contou, na sua organização, com o apoio do Fórum Hospital do Futuro.

A 4ª edição do Think Thank Saúde-em-Rede teve como Moderadora a Professora Ana Escoval, da Escola Na-cional de Saúde Pública e contou com o seguinte painel multidisciplinar de especialistas:

• Clara Carneiro, Deputada, Assembleia da República• Francisco Batel Marques – Professor, Universidade de Coimbra/AIBILI• Francisco Ramos – Presidente, Instituto Nacional de Administração• Luís Catela Nunes, Faculdade de Economia Univer-sidade Nova de Lisboa• Jacinto Oliveira - Vice-Presidente do Conselho Di-rectivo, Ordem Enfermeiros• João Semedo - Deputado, Assembleia da República• Jorge Espírito Santo - Director da Unidade de Onco-logia, Centro Hospitalar Barreiro Montijo• José António Aranda da Silva - FORMIFARMA• José Carpinteiro - Departamento de Auditoria VI, Tribunal de Contas• José Manuel Boavida - Coordenador do Programa

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Eventos

II CIMEIRA IBÉRICA DE LíDERES EM SAúDE: “CONFIANÇA NOS SISTEMAS DE SAúDE IBÉRICOS”

Sevilha é a cidade que irá receber a II Cimeira Ibérica de Líderes em Saúde, nos dias 26 e 27 de Janeiro de 2012, uma iniciativa organizada conjuntamente pelo Fórum Hospital do Futuro e Fundação para a Cola-boração, em parceria com a Agência de Qualidade em Saúde de Andaluzia.

Sob a temática “ Confiança nos Sistemas de Saúde Ibé-ricos”, este II Fórum Inter-Regional irá reunir as prin-cipais instituições de saúde, criando um debate ibérico e inter-regional sobre o desempenho dos actuais siste-mas de saúde. Reflectir sobre as políticas e organização

dos sistemas de saúde e motivar um conjunto de re-comendações estratégicas para reforçar a cooperação ibérica, são dois dos grandes objectivos da II Cimeira Ibérica de Líderes em Saúde.

Os painéis de debate do evento abordarão os seguin-tes temas principais: “Confiança entre as organizações prestadoras de Serviços de Saúde Ibéricos”; “Confiança dos utentes nas organizações prestadoras de Serviço de Saúde Luso-Espanhol”; “Confiança nos dados em Saú-de: Registo Electrónico de Pacientes a nível Ibérico” e “Confiança no Medicamento: Política do Medicamento nos Mercados de Portugal e Espanha”

A primeira edição desta iniciativa decorreu no passado mês de Fevereiro, na cidade histórica de Évora, e con-tou com a presença de vários especialistas da área da saúde, assim como representantes das regiões portu-guesas do Norte, Centro, Alentejo e Madeira e das re-giões espanholas da Estremadura, Andaluzia e Catalun-ha. Durante dois dias foi possível trocar experiências, partilhar conhecimento e definir estratégias regionais a implementar de um lado e outro da fronteira.

C.C.

Fonte: Hospital do Futuro

Nacional Prevenção e controlo da Diabetes, Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal• Manuel Delgado - Associação Portuguesa Adminis-tradores Hospitalares• Paula Brito e Costa – Presidente, Raríssimas• Paula Broeiro - Medicina Geral e Familiar, Centro de Saúde do Lumiar• Pedro Lopes – Presidente, Associação Portuguesa Ad-ministradores Hospitalares• Pedro Pita Barros – Presidente, Associação Portugue-sa Economia Saúde

• Rogério Gaspar – Professor, Membro Comité EU-FEPS, FFUL / iMed.UL• Rosa Gallego - Grupo de Trabalho de Estudos da Dia-betes, APMCG • Rui Santos Ivo - Director Executivo, APIFARMA• Teresa Caeiro, Deputada, Assembleia da República

Mais informações em www.saude-em-rede.org

C.C.

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Valor em Saúde

Com laboratórios em Espanha e nos Esta-dos Unidos, o CGC Genetics é o principal prestador de testes de Genética Médica em Portugal e um dos principais a nível euro-peu. Maria da Purificação Tavares, funda-dora, presidente e directora clínica deste laboratório, contou à HdF quais foram os factores responsáveis pelo sucesso.

Como foi para o CGC ser reconhecido com a atribuição do prémio “Emerging Innovative Business”, na gala da Câmara de Comércio Luso-Americana de New Jersey?

A atribuição do Prémio “Emerging Innovative Busi-ness” pela Câmara de Comércio Portuguesa-Americana de New Jersey, constitui um reconhecimento de todo o esforço de internacionalização, constante investigação e desenvolvimento levado a cabo pelo CGC, fazendo com que sejamos apontados como um bom exemplo de empreendedorismo nacional e internacional. Ficá-mos muito gratos por esta distinção e pela projecção e visibilidade que este prémio dá ao CGC. Além de que, qualquer prémio desta importância acarreta consigo uma responsabilidade acrescida a que procuraremos corresponder.

A actividade laboratorial em Portugal iniciou-se em 1992, que balanço pode fazer destes últi-mos 19 anos?

Ao longo dos últimos 19 anos o CGC Genetics / Cen-tro de Genética Clínica posicionou-se como o principal prestador de testes de Genética Médica em Portugal e um dos principais a nível Europeu. O CGC recebe pe-didos para análises genéticas de Hospitais, nacionais e internacionais, públicos e privados, bem como clínicas e outros. Com uma forte política de diferenciação dos testes, que abrangem todas as especialidades médicas, o CGC tem vindo a crescer e a ser requisitado por instituições pres-

“UM BOM EXEMPLO DE EMPREENDEDO-RISMO NACIONAL E INTERNACIONAL”

Nota Biográfica:

Maria Purificação Valenzuela Sampaio TavaresFounder and CEO CGC Genetics Inc – USA (2009-)CEO, Circagen SA (2009-).Founder and CEO, Centro Genética Clínica, S.A (2007-) Direcção do Colégio da Especialidade de Genética Médica da OM desde 1999.Conselho Geral do IPP (2009-).Directora Clínica do CGC Centro de Genética Clínica, res-ponsável por programas de rastreio bioquímico pré-natal, diagnóstico pré-natal, genética oncológica e doenças raras.Professora Catedrática de Genética Médica, FMDUP (1998-2010).Membro dos Conselhos Editoriais e Científicos de várias publicações nacionais e internacionais.Fundou o primeiro laboratório de Genética Médica priva-do e lançou o primeiro programa de Rastreio Bioquímico Pré-Natal em Portugal (1992).Doutoramento em Genética Médica, FMUP (1990).Consultora Genética Médica do Beekman Downtown Hospital NY (1985-1989).Licenciatura em Medicina pela FMUP (1976).

Maria Purificação Valenzuela Sampaio Tavares

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Valor em Saúde

tigiadas na Europa, EUA e no Médio Oriente. Temos 19 anos de existência e 70 colaboradores nos maiores laboratórios, que estão no Porto. O CGC reforçou tam-bém o seu investimento internacional com instalações nos Estados Unidos e com a aquisição de dois labora-tórios em Espanha.Apostando em projectos inovadores, o Núcleo de In-vestigação, Desenvolvimento e Inovação do CGC des-envolveu painéis de diagnóstico rápidos que estão a ter grande impacto na saúde.A capacidade existente no CGC, de abranger as várias áreas da genética, e poder dedicar-se a diversas especia-lidades médicas, de investigar e de focar no diagnóstico preventivo e de prestar um serviço que respeita os mais elevados padrões de qualidade, tornam os serviços CGC distintivos no mercado internacional.

“O CGC tem vindo a crescer e a ser requisitado por instituições prestigiadas na Europa, EUA e no Médio Oriente”

Quais foram os principais desafios quando ao iniciar a actividade do CGC GENETICS em Portugal?

Os desafios foram enormes, e o seu início foi difícil. Desenvolver um laboratório nesta área, não foi difícil em termos de recursos humanos, que sempre tivemos de enorme qualidade; mas foi difícil em questões de investimento e de reconhecimento pelos outros, no iní-cio. Por esse motivo, e desde a primeira hora, nos ins-crevemos nas auditorias internacionais de qualidade. As avaliações de qualidade funcionam internamente como garantia de qualidade técnica, mas também externa-mente, assegurando a todos que a qualidade do labora-tório é auditada externamente. Agora o reconhecimen-to é internacional, estamos afiliados a uma universidade americana, recebemos no Porto amostras para testes de todo o mundo e, e a outro nível, temos muitos pedidos para estágios.

Nas últimas duas décadas, O CGC Genetics tornou-se num laboratório de grande referên-cia a nível internacional, quais são os factores responsáveis por este sucesso?

Com uma forte política de diferenciação, o CGC tem vindo a crescer e a ser requisitado pelas mais prestigia-das instituições na Europa, na América do Norte e no Médio Oriente. Desenvolvendo projectos inovadores, o Núcleo de In-vestigação e Desenvolvimento do CGC criou painéis de diagnóstico rápido que estão a ser muito solicitados a nível internacional. Numa época em que é crucial a redução dos custos em Saúde, e evitar desperdícios existentes, este méto-do, de que submetemos patente, permite reduzir 10 vezes o custo de um teste, com um tempo de resposta também inferior às metodologias tradicionais, manten-do a sensibilidade e qualidade de execução. Os Painéis de Mutações por Array CGC® têm sido reconhecidos como um elemento importante para a redução do custo dos MCDTs. As Seguradores nacionais e internacionais têm estado muito interessadas nesta abordagem prática e segura.Estes painéis permitem que, “por exemplo, no caso de uma surdez congénita se consigam testar 312 mutações em 31 genes com resultados em apenas três semanas”. “Neste momento é impossível fazer melhor”, diz Pu-rificação Tavares. “Estas são as abordagens racionais e eficientes, e com maior possibilidade de diagnóstico primário existentes no mercado. Só o que não é de-tectado nos painéis será posteriormente analisado com outros testes mais morosos”, assinala a CEO.Todo este esforço de inovação e desenvolvimento tem

Fonte: iStockphoto.com

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Valor em Saúde

vindo a ser reconhecido por várias entidades, fazendo com que o volume de exportações de análises, só em 2010, tenha aumentado em 20%. E, como recebemos para analise sangue e outros tecidos de países do Médio Oriente e Ásia, “trabalhamos todos os dias da semana e trabalhamos intensamente de modo a dar resposta às requisições que surgem, vindas das mais diversas partes do mundo. Foi com muito esforço que chegamos a este nível”.

Como justifica o crescimento da proveniência internacional de análises genéticas aos vossos serviços?

Ao longo destes 19 anos de trabalho na área da me-dicina genética, o CGC conquistou prestígio e recon-hecimento não só pelo “rigor, qualidade e rapidez de resposta” demonstrados, mas também pelos testes ex-clusivos que realiza a nível internacional. Com capaci-dade para efectuar mais de 200 testes de doenças raras, além de cancro e doenças comuns do adulto, como o risco de tromboembolismo, o CGC recebe amostras para estudo vindas de todo o mundo. “Nós somos um laboratório de referência internacional para o Síndrome de Alstrom e somos, por exemplo, um dos únicos labo-ratórios que faz o diagnóstico molecular de Síndrome de Fraser”. A extensa lista de testes aliada às avaliações externas de qualidade e produtos exclusivos, fazem do CGC um laboratório de referência na área da Genética Médica.

Quais são os principais testes genéticos reali-zados nos laboratórios da CGC?

Os principais testes realizados no CGC são de rastreio e diagnóstico pré-natal, e ainda testes para oncologia, pediatria, endocrinologia e Gastrenterologia. Os testes exclusivos como os Painéis de Mutações CGC ou as

“Trabalhamos todos os dias da semana e trabalhamos intensa-mente de modo a dar resposta às requisições que surgem, vin-das das mais diversas partes do mundo.”

novas abordagens de diagnóstico têm sempre um papel significativo. Nos últimos anos temos vindo a aumentar o número de testes genéticos preventivos. Achamos que a medi-cina, e em especial a genética deve mudar o seu actual paradigma de curar para prevenir. Nesta linha de desen-volvimento, o CGC tem lançado testes como o rastreio de cancro do cólon em sangue periférico, análise ge-nética na obesidade, intolerâncias alimentares e doença inflamatória intestinal. Ainda numa vertente preventiva, o CGC tem desen-volvido vários testes farmacogenéticos que permitem escolher o melhor fármaco para o indivíduo e a sua correcta dosagem. Como exemplo podemos referir o perfil farmacogenético para cardiologia, onde é testada a resposta individual a diversos betabloqueantes, anti-coagulantes dicumarínicos ou antiagregantes plaquetá-rios. Com este teste á possível ajustar a dose de dezenas de drogas como Carvedilol, Losartan, Acenocumarol, Varfarina, Clopidogrel, entre outros. Actualmente, mais de 10% dos fármacos aprovados pela FDA têm infor-mação farmacogenética personalizada. Os testes genéticos no CGC não acabam no laborató-rio. A complementaridade com a consulta de Genética Médica fazem do CGC um prestador de um serviço completo, apoiando o médico e o doente numa área tão específica como a Genética.

Após expansão para os Estados Unidos e Es-panha, quais serão, no futuro, as próximas me-tas a ser atingidas pelo investimento interna-cional do CGC Genetics?

Fonte: iStockphoto.com

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Valor em Saúde

O CGC tem capacidade instalada para duplicar amostras e de produzir relatórios medicamente adequados e valida-dos clinicamente. Por esta razão, e desde o início o CGC investiu em recursos humanos qualificado, na tecnologia avançada, em meios eficazes de controlo das actividades e na implementação do Sistema de Gestão da Qualidade e Inovação. O constante trabalho de inovação desenvolvido no CGC permitiu-lhe ter um vasto portfolio de produtos e serviços, alguns dos quais exclusivos. Com produtos inovadores, e com uma cota de mercado nacional muito significativa, o CGC iniciou o seu processo de internacionalização pro-curando novos mercados onde disponibilizar os seus ser-viços já reconhecidos pela inovação, qualidade, tempo de

resposta e boa relação custo/benefício.O plano de internacionalização do CGC foca prin-cipalmente:

• Alargamento a Novos mercados, procura e angariação de novos clientes• Aumento do número de amostras processa-das. • Fidelização dos clientes actuais e aumento dos pedidos através de um constante desen-volvimento de novos testes e novos produtos, constante optimização de processos melhoran-do tempos de resposta bem como o custo.

C.C.

“Nós somos um labora-tório de referência inter-nacional para o Síndro-me de Alstrom e somos, por exemplo, um dos únicos laboratórios que faz o diagnóstico mo-lecular de Síndrome de Fraser”

Maria Purificação Valenzuela Sampaio Tavares

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Prémios HdF

Em 2007 o Serviço de Urgência por Tele-medicina do Hospital Pediátrico de Coim-bra foi distinguido na categoria e-Saúde dos Prémios Hospital do Futuro. Em entrevista à HdF, Eduardo Castela, Director do Ser-viço de Cardiologia Pediátrica, revela como o projecto se transformou numa prática diá-ria do hospital.

Passados cerca de 15 anos após a implemen-tação do sistema de telemedicina no serviço da cardiologia pediátrica do Hospital Pediátrico de Coimbra (HPC), qual o balanço que faz do projecto e do seu desenvolvimento até os dias de hoje?

Começo por dizer que já não é um projecto mas um sector do quotidiano do SCP fazendo parte integrante do nosso horário de trabalho. O balanço é muito positi-vo ultrapassando largamente as nossas ambições iniciais. Hoje temos todos os Hospitais distritais da região centro ligados em rede e a realizar teleconsultas semanais. Des-de 2006 temos um serviço de urgência de TM com esses

Eduardo Castela, na cerimónia de entrega dos Prémios HdF 2006/2007

“HOJE TEMOS TODOS OS HOSPITAIS DISTRITAIS DA REGIÃO CENTRO LIGADOS EM REDE E A REALIZAR TELECONSULTAS SEMANAIS”

hospitais e em 2007 iniciamos as consultas regulares com 4 cidades dos países dos PALOP.

Em 2005, o serviço de telemedicina de cardiolo-gia pediátrica já abrangia os hospitais dos seis distritos da região Centro. Quais os factores res-ponsáveis por esta rápida cobertura nacional?

O empenhamento de todos os intervenientes, desde os médicos e os conselhos de administração, os respon-sáveis do CHC e do HP e a dedicação de todos os ele-mentos de SCP. Para além disso a forte necessidade de responder com maior rapidez a situações médicas que só podiam ser resolvidas num dos três centros de CP do país.

Quais foram as grandes mudanças e esforços que marcaram o crescimento deste serviço?

Começando pelos esforços refiro a formação que foi necessária dar aos colegas cardiologistas, pediatras e obstetras para que, no seus locais de trabalho, pudessem utilizar esta técnica e enviar imagens em tempo real com óptima fidelidade. O esforço que foi exigido também aos profissionais da PT Inovação de Aveiro que foram aperfeiçoando, sucessivamente, as plataformas informá-tica que hoje nos garantem uma qualidade semelhante à consulta presencial.Quanto às grandes mudanças foram sobretudo, do nos-so lado, novos hábitos de trabalho. Do outro lado, in-cluindo os PALOP, foi terem adquirido, para além do equipamento necessário às teleconsultas um serviço se-manal de cardiologia pediátrica e fetal.

Com o alargamento gradual do projecto, que ganhos e benefícios foram sentidos pelas insti-tuições, profissionais e utentes?

Houve um constante ensino à distância, a auto-confiança dos profissionais melhorando portanto a sua fixação nos

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seus locais de trabalho. A diminuição de deslocações, muitas vezes desnecessárias, incluindo INEM e serviço de ambulância, diminuição de absentismo laboral por parte dos pais e automaticamente a diminuição de despe-sas de todos os intervenientes. Até diminuição de CO2 … Vantagens obvias para todo SNS e sobretudo agora em tempo de dificuldades financeiras.

Nos dias de hoje a telemedicina é considerada um vector de profunda transformação no es-paço da saúde, ao contrário do que se pensava há 15 anos atrás. Quais foram as dificuldades na implementação deste serviço?

De início houve naturalmente resistência em aderir a este tipo de consulta mas como exemplo do gráfico que envio anexo, tanto os médicos como os utentes foram aderindo. Houve também algumas experiências falhadas que criaram alguma resistência inicial, mas que, penso, estarem ultrapassadas. Claro que a TM não é a solução para o SNS mas é uma boa ajuda, sobretudo em especia-lidades onde os especialistas se concentram nos grandes centros ( Cardiologia Pediátrica, Cardiologia Fetal, Ge-nética … )

Actualmente, como é constituída a rede de te-lemedicina de cardiologia pediátrica do HPC? Com que instituições de saúde o HPC estabele-ce ligação através de consultas à distância?

Como já referi anteriormente estamos ligados aos Hos-pitais distritais da região centro ( Santa Maria da Feira, Aveiro, Viseu, Guarda, Covilhã, Castelo Branco, Leiria ), ainda o Hospital de Vila Real de Trás-os-Montes ( desde 2007), Luanda, Benguela, Cidade da Praia e Mindelo.

Na sua opinião, quais são as vantagens que a telemedicina tem para oferecer ao país e aos hospitais portugueses, na situação actual de crise financeira?

Como já disse atrás grandes benefícios financeiros, de conhecimento, de discussão científica e de diminuição de riscos e de resposta atempada de diagnósticos, procedi-mentos e encaminhamento.

O Hospital Pediátrico de Coimbra (HPC) esta-belece também ligação com hospitais de Ango-la e Cabo Verde. Qual o enfoque desta coope-ração na lusofonia em saúde?

Antes de iniciarmos as teleconsultas em 2007 com os Hospitais das 4 cidades dos PALOP efectuamos cursos

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Nº Teleconsultas Anuais (12 844)

de formação, alguns utilizando a própria técnica (tele-cursos). Penso que esta ligação, em termos de saúde me-lhorou a resposta às cardiopatias ajudando no seu diag-nóstico e permitindo o encaminhamento terapêutico e cirúrgico. Além de que nesses hospitais foram criadas valências de cardiologia pediátrica e gabinetes de teleme-dicina.

Para os profissionais de saúde, quais são as mais-valias da cooperação como os países afri-canos e nomeadamente com a apresentação de outros casos clínicos?

A Telemedicina exige um trabalho de parceria entre dois médicos e esta prática obriga necessariamente à discus-são em tempo real de casos, muitas vezes difíceis e ra-ros. Para um serviço como o nosso, com vocação para a formação de internos de especialidade, é uma boa ajuda para o ensino.

Futuramente, que outras áreas de intervenção pretendem incluir no vosso serviço de teleme-dicina?

Penso que cumprimos aquilo a que nos propusemos que foi criar condições iguais de atendimento na nossa es-pecialidade para toda a região centro, tanto de consultas regulares como de urgência. Pretendemos aperfeiçoar a formação contínua por telecursos regulares evitando assim as deslocações dos profissionais envolvidos e me-lhorar as nossas condições de trabalho nomeadamente com mais especialistas no nosso Serviço.

C.C.

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